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MÓDULO 1 Do Espanto à Reflexão


1. Introdução Não é só isso. O homem elabora abordagens do real.
Não tolerando o caos ou a desordem, ele busca interpre-
O homem, diferentemente de outras espécies, não
tações da realidade e acumula saberes que lhe permitem
se contenta em viver no mundo satisfazendo simples-
uma vida plena de consciência, usando a inteligência para
mente suas necessidades primárias. Sente a necessidade
de interpretar o mundo e acaba criando um segundo escapar do absurdo da existência; ou seja, o homem, pelo
mundo: o mundo humano. Assim, podemos definir a conhecimento, traça para si uma existência de fato
espécie humana como aquela capaz de refletir sobre sua humana. Tais abordagens se apresentam em diversos
própria condição, capaz de planejar sua ação, de aspectos e versam em diferentes áreas do conhecimento:
simbolizar e de produzir o universo da cultura. a arte, a mitologia, a religião, a ciência, o senso comum e
Deste novo mundo, faz parte a produção de artefatos, a filosofia.
necessários para complementar uma inacabada estrutura
biológica. O homem, assim, cria lanças para caçar, arma- 2. O Senso Comum
mentos para guerrear, instrumentos para construir outras O senso comum é um conhecimento empírico,
coisas, máquinas para voar. Além desses objetos, o herdado pelo meio social, pouco questionado, irrefletido,
homem ritualiza sua rotina, através de comemorações,
fragmentário, difuso, elaborado sem método ou qualquer
cerimônias, festas e cultos. Assim, ele se assegura de
sistema. Isso não quer dizer que não tenha valor, mas o
que a vida tem algum sentido e garante a reprodução da
vida social. senso comum geralmente deve ser transcendido para
que não gere julgamentos errados, preconceituosos e
pobres. A realidade é complexa e exige esforços da
inteligência para que seja mais bem sondada. Cabe ao
bom senso saber usar o senso comum, reconhecendo
seu valor e suas limitações. Assim, desenvolve-se o sen-
so crítico, capacitado a questionar os valores transmitidos,
sem destruí-los, apta a adequá-los e transformá-los diante
das situações novas da existência.

O desenho de Escher sugere o exercício da reflexão humana. Segundo Zeus – Mito grego. Os gregos não se contentaram com as explicações
o filósofo Ernst Cassirer, a meta mais elevada da Filosofia é o míticas, por isso desenvolveram a reflexão filosófica.
conhecimento de si próprio.

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Rodin, O Pensador.
Só o homem reflete e questiona a sua existência.

3. O Nascimento da Filosofia Aristóteles, filósofo grego que valorizou a razão humana.

Os gregos antigos contavam com uma mitologia


ampla e rica para explicar o universo e a realidade. Mas é Texto Filosófico: Leia o texto escrito na Antiga Grécia
na Grécia Antiga, mais especificamente nas suas colônias pelo filósofo Aristóteles em seu livro Metafísica:
(Jônica e Magna Grécia), no século VI a.C, que nasce a
reflexão filosófica. Isso não decretou a morte do pensa- Os homens, no início, encontravam no assombro o
mento mítico, mas muitos filósofos rejeitavam os mitos e motivo para filosofar, porque no início eles se ma-
procuravam dessacralizar a natureza, buscando entender ravilhavam diante dos fenômenos mais simples, dos quais
como lógicos os processos naturais. Os mitos se não podiam dar-se conta. Depois, paulatinamente,
baseavam em certezas dogmáticas e não resultavam de passaram a estar diante de problemas mais complexos,
processos reflexivos. A filosofia, segundo Platão (428-347 como as condições da Lua e do Sol, as estrelas e a origem
a.C.), nascera do espanto, da perplexidade, ou seja, da do universo.
capacidade humana de admirar o mundo. Assim, o Quem se encontra em estado de incerteza e de
homem problematiza questões da vida, reflete sobre sua assombro acredita ser ignorante (por isso, quem se
própria condição e existência – filosofa. Sócrates (470-399 interessa pelas lendas também é, de alguma maneira,
a. C.) afirmara que uma existência sem reflexão não valeria filósofo, uma vez que o mito é um conjunto de coisas
a pena e sabemos que hoje, num mundo pragmático, maravilhosas).
numa cultura marcada pelo constante culto ao vazio,
muitas pessoas preferem não refletir; abrem mão desse Se é verdade que os homens começaram a filosofar
privilégio ou mesmo desse risco, pois a reflexão para livrar-se da ignorância, é evidente que procuravam
consciente nos mobiliza e então torna-se necessário sair conhecer por amor ao saber, e não por uma necessidade
da nossa zona de conforto. Tudo para essas pessoas é prática. Isso pode ser comprovado também pelo curso
natural e a realidade não merece questionamento. Perma- dos eventos, uma vez que os homens buscaram essa
necem no senso comum. espécie de conhecimento somente depois que tiveram à
sua disposição todos os meios indispensáveis à vida,
“Passar do senso comum à consciência filosófica assim como aqueles que oferecem comodidade e bem-
significa passar de uma concepção fragmentária, estar.
incoerente, desarticulada, implícita, degradada,
mecânica, passiva e simplista a uma concepção É claro, então, que nos dedicamos a essa inves-
unitária, coerente, articulada, explícita, original, tigação sem visar vantagens exteriores. Assim como
intencional, ativa e cultivada”. dizemos que um homem que vive para si, e não para o
(Dermeval Saviani) outro, é livre, do mesmo modo consideramos tal ciência.

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Sobre Aristóteles

O filósofo Aristóteles nasceu em 384 a.C. e morreu Pensou e escreveu sobre diversas áreas do conhecimen-
em 322 a.C. Seus pensamentos e ideias sobre a to: política, lógica, moral, ética, teologia, pedagogia,
humanidade têm influências significativas na educação e metafísica, didática, poética, retórica, física, antropologia,
no pensamento ocidental contemporâneo. Aristóteles é psicologia e biologia. Publicou muitas obras de cunho
considerado o criador do pensamento lógico. Suas obras didático, principalmente para o público geral. Valorizava a
influenciaram também na teologia da cristandade. educação e a considerava uma das formas crescimento
Aristóteles foi viver em Atenas aos 17 anos, onde intelectual e humano. Sua grande obra é o livro Organon,
conheceu Platão, tornando-se seu discípulo. Passou o ano que reúne grande parte de seus pensamentos.
de 343 a.C. como preceptor do imperador Alexandre, o Pensamento: “A educação tem raízes amargas, mas os
Grande, da Macedônia. Fundou em Atenas, no ano de 335 frutos são doces”.
a.C, a escola Liceu, voltada para o estudo das ciências
naturais. Seus estudos filosóficos baseavam-se em Glossário:
experimentações para comprovar fenômenos da Dessacralizar: retirar determinado elemento cultural da
natureza. esfera sagrada.
O filósofo valorizava a inteligência humana como a
única forma de alcançar a verdade. Fez escola e seus pen- Dogmático: de dogma, relativo a uma verdade que não é
samentos foram seguidos e propagados pelos discípulos. passível de questionamento.

1. De acordo com o texto filosófico de Aristóteles, julgue as colocações 2. “O ato de filosofar não pretende oferecer soluções já prontas,
abaixo: isentas de todo questionamento... Liberdade e razão se entrecruzam, e
a) A filosofia nasce da necessidade de sobrevivência humana. esse entrecruzamento reflete-se no ato de filosofar. É nestes termos
b) A filosofia é pura atividade contemplativa. que o ato de filosofar contraria tanto a ideologização quanto a
c) A filosofia é amor puro e desinteressado pelo conhecimento. mistificação, porque está atento à dimensão especificamente
d) A filosofia nasce da apatia e da naturalização diante dos fenômenos. histórica...”.
(Thomas R. Giles)
São coerentes:
a) todas. b) apenas I e II. c) apenas I e III. Assinale a alternativa que melhor reflete a proposição acima.
d) apenas II e III. e) apenas III e IV. a) O ato de filosofar se limita a uma simples contemplação ou
constatação dos fatos, excluindo qualquer engajamento.
RESOLUÇÃO: b) Filosofar é estar em contato constante com os fatos e com a
Resposta: D
experiência desses fatos, numa atitude de radicalidade (no sentido
de raiz, de profundidade) sempre renovada, à procura dos pressu-
postos e dos fundamentos de uma realidade que se manifesta e se
esconde.
c) A interioridade a que a Filosofia nos leva e para a qual nos conclama
é aquela de um eu isolado, contemplativo, absorto e distante do
mundo.
d) O ato de filosofar deve elaborar respostas rápidas e prontas, capazes
de expor soluções práticas às questões fundamentais da existência
e da vida social.
e) A atividade de filosofar se distingue do ato próprio de viver, segundo
o pressuposto de Sócrates.

RESOLUÇÃO:
Resposta: B

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3. Filósofos sempre tentaram definir o homem distinguindo-o dos 6. Platão dizia que a filosofia nascera do espanto humano diante da vida
outros animais. Nesse sentido, podemos afirmar: e do Universo. A palavra espanto (thauma em grego) teria aqui o sentido
I. O homem é um ser social, enquanto os outros animais não vivem de
em sociedade. a) medo ou receio.
II. O homem tem uma grande capacidade de adaptação ao ambiente b) perplexidade ou admiração.
geográfico e à alimentação. c) susto ou pavor.
III. O homem produz cultura, que é um mundo especificamente d) ignorância ou trevas.
humano, sem o qual não conseguiria viver adequadamente. e) conhecimento ou esclarecimento.
IV. O homem não é um ser livre, somente os animais verdadeiramente
o são. RESOLUÇÃO:
Resposta: B

São coerentes apenas:


a) I e II b) II e III c) II e IV d) III e IV e) I e IV

RESOLUÇÃO:
Resposta: B

4. A filosofia sempre procurou definir o homem distinguindo-o dos 7. Platão dizia que a filosofia nascera do espanto humano diante da vida
demais animais. Avalie as proposições abaixo: e do Universo. No sentido aqui empregado, o contrário de espanto – e
I. O homem é um ser que consegue repousar sobre seu próprio que portanto não promoveria o ato de filosofar – poderia ser:
corpo, prova de seu acabamento biológico. a) preconceito. b) tranquilidade.
II. O homem é um ser de linguagem articulada e inventiva. c) indiferença. d) preocupação.
III. O homem é o único ser social. e) senso comum.
IV. O homem produz conhecimento e abordagens do real porque não
tolera o caos. RESOLUÇÃO:
Resposta: E
São coerentes:
a) I e II b) I e III c) II e III d) I e IV e) II e IV

RESOLUÇÃO:
Resposta: E

5. “Ao homem cabem indagações axiológicas, ou seja, valorativas”. 8. Costuma-se dizer que a filosofia assume, por vezes, uma postura
Isso significa que negativa, no sentido de dizer não aos preconceitos, ao óbvio, ao senso
a) o homem não tem escolhas diante de sua existência. comum. Isso significa dizer que
b) o homem tem uma estrutura biológica inadequada para sobreviver a) a filosofia é um conhecimento crítico.
em qualquer ambiente geográfico. b) a filosofia é um conhecimento dogmático e rígido.
c) o homem porta em sua existência consciente uma dimensão moral. c) a filosofia é pessimista.
d) o homem não possui habilidades para refletir sobre a sua condição. d) a filosofia não tem habilidade para refletir plenamente sobre a
e) o homem é indiferente diante do outro, de sua dor e sofrimento. existência e a condição humana.
e) os filósofos querem elaborar um conhecimento semelhante ao
RESOLUÇÃO: produzido pela ciências naturais, como a biologia e a física.
Resposta: C
RESOLUÇÃO:
Resposta: A

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9. (ENEM) Filósofos dos diversos tempos históricos desenvolveram teses para


explicar a origem do universo, a partir de uma explicação racional. As
TEXTO I teses de Anaxímenes, filósofo grego antigo, e de Basílio, filósofo
medieval, têm em comum na sua fundamentação teorias que
Anaxímenes de Mileto disse que o ar é o elemento originário de tudo o a) eram baseadas nas ciências da natureza.
que existe, existiu e existirá, e que outras coisas provêm de sua b) refutavam as teorias de filósofos da religião.
descedência. Quando o ar se dilata, transforma-se em fogo, ao passo c) tinham origem nos mitos das civilizações antigas.
que os ventos são ar condensado. As nuvens formam-se a partir do ar d) postulavam um princípio originário para o mundo.
por feltragem e, ainda mais condensadas, transformam-se em água. A e) defendiam que Deus é o princípio de todas as coisas.
água, quando mais condensada, transforma-se em terra, e quando
condensada ao máximo possível, transforma-se em pedras. RESOLUÇÃO:
Os dois autores postulam que um princípio teria originado o
mundo: para Anaxímenes, seria o ar; enquanto para o medieval
BURNET, J. A aurora da filosofia grega. Rio de Janeiro: PUC-Rio, Basílio Magno, seria Deus, em acordo com a concepção criacionista
2006 (adaptado). cristã.
Resposta: D
TEXTO II

Basílio Magno, filósofo medieval, escreveu: “Deus, como criador de


todas as coisas, está no princípio do mundo e dos tempos. Quão parcas
de conteúdo se nos apresentam, em face desta concepção, as
especulações contraditórias dos filósofos, para os quais o mundo se
origina, ou de algum dos quatro elementos, como ensinam os Jônios,
ou dos átomos, como julga Demócrito. Na verdade, dão impressão de
quererem ancorar o mundo numa teia de aranha.”

GILSON, E.: BOEHNER, P. História da Filosofia Cristã. São Paulo:


Vozes, 1991 (adaptado).

1. O homem, diferentemente de outras espécies, não se contenta em b) ao fato de o politeísmo (muitos deuses) ser considerado um pecado,
viver no mundo satisfazendo simplesmente suas necessidades pois só o monoteísmo (um só Deus) constitui a racionalidade e
primárias. O homem também sente a necessidade de: verdade das religiões.
a) interpretar o mundo e de se adaptar a ele, criando a cultura. c) à necessidade dos antigos gregos de interpretar o mundo de acordo
b) acumular capital, sendo naturalmente ambicioso. com o advento do pensamento científico e rigoroso.
c) reproduzir-se sexualmente, dando continuidade à espécie. d) à vontade intelectual dos gregos de entender a natureza de forma
d) viver em sociedade, coisa observável apenas nessa espécie. mais reflexiva, pois os mitos se baseavam em certezas dogmáticas
e) dominar as outras espécies, garantindo, assim, a sua sobrevivência. e não resultavam de processos reflexivos.
e) às exigências do Estado grego de subordinar a religião ao poder
2. O conhecimento empírico, herdado pelo meio social, pouco político, o que resultou na formação de um Estado laico (que separa
questionado, irrefletido, fragmentário, difuso, elaborado sem método ou a esfera religiosa da política).
qualquer sistema.
A isso costuma-se chamar de: 4. “Ao buscarem a racionalidade do universo, os filósofos
a) bom senso. b) cientificismo. c) senso comum. dessacralizam a natureza”.
d) ideologia. e) reflexão filosófica. Assinale a alternativa que complementa esta sentença.
a) Os primeiros filósofos elaboraram um conhecimento metafísico,
3. “Os gregos antigos contavam com uma mitologia ampla e rica para portanto distante da experiência concreta com o mundo.
explicar o universo e a realidade. Mas é na Grécia Antiga, mais b) Os filósofos gregos elaboraram um saber mítico que só foi
especificamente nas suas colônias (Jônica e Magna Grécia), no século desmantelado com o advento da ciência na idade moderna.
VI a.C, que nasce a reflexão filosófica. Isso não decretou a morte do c) O sucesso tecnológico justifica a supervalorização da ciência e a
pensamento mítico, mas muitos filósofos rejeitavam os mitos e exclusão das outras formas de conhecimento ultrapassadas.
procuravam dessacralizar a natureza, buscando entender como lógicos d) A natureza nada tem de sagrado, pois a única filosofia possível é
os processos naturais. Os mitos se baseavam em certezas”. No texto, aquela comprometida com uma visão materialista e não mítica.
o termo dessacralizar está relacionado: e) À medida que o mito deixa de ser uma forma abrangente de com-
a) ao fato da cultura grega nunca ter sofrido qualquer influência de preensão do real, o conhecimento se seculariza e a razão torna-se
outras culturas, como a oriental ou cristã. um instrumento de valor para a compreensão filosófica.

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5. Passar do senso comum à consciência filosófica significa passar de 9. Como, no texto, Aristóteles argumenta contra a ideia de que a filoso-
uma concepção fragmentária, incoerente, desarticulada, implícita, fia teria nascido em razão da necessidade de sobrevivência dos homens?
degradada, para uma concepção:
a) mecânica e coerente. b) passiva e explícita. 10. “O conhecimento filosófico não é dado pelos deuses, mas procurado
c) simplista e intencional. d) ativa e dogmática. pelos homens.” (Maria Lúcia de Arruda Aranha).
e) original e cultivada. Qual o sentido dessa frase?

6. “Os homens, no início, encontravam no assombro o motivo para 11. Explique o senso comum e fale sobre a sua limitação.
filosofar, porque no início eles se maravilhavam diante dos fenômenos
mais simples, dos quais não podiam dar-se conta, e depois, paula- 12. (UNESP) – Encontrar explicações convincentes para a origem e a
tinamente, passaram a estar diante de problemas mais complexos, co- evolução da vida sempre foi uma obsessão para os cientistas. A
mo as condições da Lua e do Sol, as estrelas e a origem do universo”. competição constante, embora muitas vezes silenciosa, entre os
(Aristóteles) indivíduos, teria preservado as melhores linhagens, afirmava Charles
No texto, o termo assombro faz referência: Darwin. Assim, um ser vivo com uma mutação favorável para a
a) à impossibilidade de se encontrar respostas definitivas e verdadeiras sobrevivência da espécie teria mais chances de sobreviver e espalhar
acerca do universo. essa característica para as futuras gerações. Ao fim, sobreviveriam os
b) ao espanto e à perplexidade humana diante da complexidade do mais fortes, como interpretou o filósofo Herbert Spencer. Um século e
mundo e da existência, o que a leva à reflexão. meio depois, um biólogo americano agita a comunidade científica
c) ao mistério da vida, que só pode ser desvendado progressivamente internacional ao ousar complementar a teoria da seleção darwinista.
com o desenvolvimento científico. Segundo Edward Wilson, da Universidade de Harvard, o processo
d) à religião, que tem como objeto de entendimento o mistério do evolutivo é mais bem-sucedido em sociedades nas quais os indivíduos
mundo e da existência. colaboram uns com os outros para um objetivo comum. Assim, grupos
e) à necessidade humana de produzir os mitos que explicam, de fato, de pessoas, empresas e até países que agem pensando em benefício
a origem das coisas e do universo. dos outros e de forma coletiva alcançam mais sucesso, segundo o
americano.
7. “Não há filosofia que se possa aprender; só se aprende a filosofar”.
(I. Kant) (Rachel Costa. O poder da generosidade. IstoÉ. 11.05.2012.
Adaptado)
A frase do filósofo Kant pretende afirmar que:
a) a filosofia deve ser um conhecimento fechado, lógico e dogmático Embora divergentes no que se refere aos fatores que explicam a
(indiscutível). evolução da espécie humana, ambas as teorias, de Darwin e de Wilson,
b) a filosofia é, na verdade, uma doutrina que estabelece respostas e apresentam como ponto comum a concepção de que
verdades. a) influências religiosas e metafísicas são o principal veículo no
c) a filosofia não é um conhecimento coerente, tampouco lógico, processo evolutivo humano ao longo do tempo.
necessitando grande flexibilidade de interpretação, como acontece b) são os condicionamentos psicológicos que infuenciam de maneira
com a arte. decisiva o progresso na história.
d) a filosofia é um conjunto de ideias que foram expostas pelos gregos c) a sobrevivência da espécie humana ao longo da história é explicada
do passado e hoje constitui uma ideologia. pela primazia de fatores de natureza evolutiva.
e) o ato de filosofar implica autonomia de pensamento, ou seja, não se d) os fatores econômicos e materiais são os principais responsáveis
trata de uma ideologia fechada ou de uma doutrina dogmática. pelas transformações históricas.
e) os fatores intelectuais são os principais responsáveis pelo sucesso
8. Pesquise o sentido e a origem do termo filosofia. dos homens em dominar a natureza.

1) A 2) C 3) D 4) E 11) O senso comum é um conhecimento empírico, herdado pelo


meio social, pouco questionado, elaborado sem método ou
5) E 6) D 7) E qualquer sistema. O senso comum geralmente deve ser
transcendido para serem evitados julgamentos errados,
8) Do grego Filo: amor, Sofia: saber; portanto, o sentido da
preconceituosos e pobres.
palavra é “amor ao conhecimento”, conforme inclusive está
colocado no texto de Aristóteles.
12) A competição, para Darwin, e a colaboracão, para Wilson,
9) Segundo o filósofo grego, a filosofia nasce somente em funcionam como fatores da natureza evolutiva na sobrevivên-
sociedades desenvolvidas materialmente, ou seja, naquelas cia da espécie humana.
em que já são oferecidos conforto e bem-estar. Resposta: C

10) A frase refere-se ao surgimento da reflexão filosófica na


Grécia Antiga, em que foi deixado de lado, em parte, o saber
dogmático, irrefletido, e substituído por um pensar coerente,
unitário e original.

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MÓDULO 2 A Busca da Verdade

“Deve-se exigir de mim que procure a verdade, Na Antiga Grécia, o problema já estava presente. Os
mas não que a encontre” – sofistas eram filósofos mestres em persuasão e o mais
famoso foi Protágoras (485-410 a.C.). Esses sábios
Diderot (1713 – 1784), Pensamentos Filosóficos. pensadores eram itinerantes, ou seja, viajavam muito, e
tiveram, portanto, contato com povos diferentes e com
concepções diversas de realidade e verdade. Assim,
“Não exageres o culto da verdade, não há homem que
ao fim de um dia não tenha mentido com razão chegaram à conclusão de que não havia uma verdade
muitas vezes” – universal. Do outro lado, temos a posição de Sócrates, já
citado na aula anterior. Sócrates jamais saíra de Atenas,
Jorge Luis Borges (1899), Elogio da Sombra. hoje capital da Grécia, e não achava que precisasse viajar
para adquirir sabedoria, pois essa se encontrava exata-
mente dentro do homem. Em Atenas, muitos jovens
1. Introdução buscavam o filósofo na via pública para aprender.
Interpelava transeuntes e fazia tantas perguntas que, no
A busca por uma Verdade universalmente válida tem final, eles reconheciam a própria ignorância; para Sócrates,
sido um dos motores da história do pensamento filo- é exatamente no reconhecimento da própria ignorância
sófico. Muitos veem nisso, como Nietzsche (1844-1900), que começa o caminho para a sabedoria. Só sei que nada
uma obsessão desvairada e sem sentido. Outros, os sei é uma frase que foi atribuída a ele. Nada escreveu,
relativistas, afirmam que não há Verdade, mas pequenas como Jesus, e seus ensinamentos foram registrados
verdades de valor particular, sem qualquer vocação de pelos discípulos, particularmente por Platão. Sua pedago-
aplicação universal. gia foi chamada de Maiêutica, ou seja, relativo ao parto,
Trata-se do mais polêmico tema filosófico e um
pois, como um parteiro, ajudava a sabedoria nascer de
tratamento baseado no senso comum compromete a
dentro dos seus alunos. A Verdade, então, viria à luz.
qualidade da discussão.

Sócrates, filósofo grego que acreditava que a verdade estava dentro do


Protágoras, filósofo sofista da Antiga Grécia.
homem.

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Texto Filosófico Antigo – Espere um pouco. Eu conheço você. Você é o homem


que estava na loja hoje cedo. Eu reconheço sua voz.
Sócrates: Protágoras afirma que a medida de todas – Isso é muito ruim para você – diz o ladrão. – Porque
as coisas é o homem: daquelas coisas que são, pelo que agora você também sabe como eu sou. E como eu não
são, daquelas que não são, pelo que não são, entendendo quero ir para a cadeia eu vou ter que matar você.
por medida a norma de juízo e por coisas o fato geral. – Você não pode fazer isso – diz o proprietário.
Logo o homem é a norma que julga todos os fatos: – Por que não?
daqueles que são pelo que são, daqueles que não são – Porque não é certo – implora o homem, desesperado.
pelo que não são. Por isso, ele admite somente aquilo – Mas você não me disse hoje cedo que não há um
que parece a cada indivíduo, introduzindo, dessa forma, o certo e errado?
– Sim, mas eu tenho uma família, filhos que precisam
princípio de relatividade. Segundo ele, portanto, quem
de mim e uma esposa.
julga as coisas é o homem. De fato, tudo o que parece
– E daí? Eu tenho certeza que você tem seguro e eles
aos homens também é; e o que não parece a nenhum
vão faturar um bom dinheiro. Mas como não há certo ou
homem tampouco é...
errado não faz diferença se eu mato ou não você. E já que
Protágoras: Eu afirmo, sim, que a verdade é mesmo se eu deixá-lo vivo você irá me delatar e eu irei para a
como escrevi: que cada um de nós é a medida das coisas prisão. Lamento, mas isso não vai acontecer.
que são e que não são; mas existe uma diferença infinita – Mas é um crime contra a sociedade me matar.
entre homem e homem, e exatamente por isso as coisas – Isso é errado porque a sociedade diz que é. Como
parecem e são de um jeito para uma pessoa e, de outro você pode ver, eu não reconheço o direito da sociedade
jeito, para outra pessoa. impor moralidade sobre mim. Tudo é relativo. Lembra-se?
(Fonte: Platão, Teeteto) – Por favor, não atire em mim. Eu lhe imploro. Eu
prometo não contar para ninguém como você é. Eu juro!
Texto moderno – Eu não acredito em você e não posso arriscar.
E se o Relativismo fosse verdade – Uma ilustração – Mas é verdade! Eu juro que não conto para
(Matthew J. Slick - Tradução: Hamilton B. Furtado) ninguém.
– Desculpe, mas isso não pode ser verdade, porque
Relativismo é a posição em que todos os pontos de não há verdade absoluta, não há certo nem errado, nem
vista são tão válidos quanto quaisquer outros e em que o erro, lembra-se? Se eu deixar você viver e sair você vai
indivíduo é a medida do que é verdade para si. quebrar sua promessa porque isso tudo é relativo. Não há
Eu vejo um grande problema nisso. A seguir está uma chance de confiar em você. Nossa conversa esta manhã
ilustração para demonstrar por quê. convenceu-me que você acredita que tudo é relativo. Por
O contexto: um ladrão está sondando uma joalheria a causa disso eu não posso crer que você irá conservar sua
fim de roubá-la. Ele entra para checar se há algum alarme palavra. Eu não posso confiar em você.
visível, fechaduras, o espaço etc. Neste processo ele – Mas é errado me matar. Não está certo!
inesperadamente se vê envolvido em uma discussão com – Para mim não é nem certo nem errado matar você.
o proprietário da joalheria, cujo passatempo é o estudo Uma vez que a verdade é relativa ao indivíduo, se eu
de filosofia e que acredita que a verdade e a moral são matar você, esta é a minha verdade. E é obviamente
relativas. verdadeiro que se eu deixá-lo vivo eu irei para a prisão.
– Então – diz o proprietário – Tudo é relativo. É por Lamento, mas você mesmo se matou.
isso que eu acredito que toda a moral não é absoluta é – Não! Por favor, não atire em mim. Eu lhe imploro.
que certo e errado é algo que o indivíduo deve determinar – Implorar não faz diferença. (Bang!)
dentro dos limites da sociedade. Mas não há um certo e Se o relativismo é verdadeiro, então qual o problema
errado absoluto. em puxar o gatilho?
– É uma perspectiva muito interessante – diz o ladrão. Talvez alguém possa dizer que é errado tirar a vida de
– Eu entrei acreditando que existia um Deus e que outra pessoa sem necessidade. Mas porque seria errado
existia certo e errado. Mas eu abandonei tudo isso e se não há um padrão de certo e errado?Outros podem
concordo com você que não existe um certo e errado dizer que é um crime contra a sociedade. Mas, e daí? Se
absoluto e que nós somos livres para fazer o que queremos. o que é verdade para você é simplesmente verdade,
O ladrão deixa a loja e volta à tarde para assaltar. Ele então qual é o erro em matar alguém para se proteger
desarma todos os alarmes e travas e está no processo de depois de roubá-lo? Se o que é verdade para você que
roubar a loja. Neste momento entra o proprietário por uma para se proteger você deve matar, então quem se importa
porta lateral. O ladrão saca uma arma. O proprietário não com o que a sociedade diz? Por que alguém seria
pode ver a face do ladrão porque este usa uma máscara obrigado a se conformar com normas sociais? Agir assim
de esqui. é uma decisão pessoal.
– Não atire em mim – diz o proprietário. – Por favor, Embora nem todos os relativistas ajam de maneira
pegue o que quiser e me deixe em paz. não-ética, eu vejo o relativismo como um contribuidor
– É exatamente isso que eu pretendo fazer. – Diz o para a anarquia geral. Por quê? Porque é uma justificação
ladrão. para fazer o que você quiser.

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O sentido grego. Sobre Sócrates

O sentido grego que ele deveria se retirar da filosofia deveria também


imaginar que os soldados devessem bater em retirada
Em grego, a palavra para ‘verdade’ é aletheia e quando era provável que pudessem morrer em uma
significa o não oculto, não escondido, não dissimulado. batalha. Algumas curiosidades: Sócrates costumava
O verdadeiro é o que se manifesta aos olhos do corpo e caminhar descalço e não tinha o hábito de tomar banho.
do espírito, a verdade é a manifestação daquilo que é ou Em certas ocasiões, parava o que quer que estivesse
existe tal como é. O verdadeiro, neste sentido, se opõe fazendo, ficando imóvel por horas, meditando sobre
ao falso, pseudos, que é o encoberto, o escondido, o algum problema. Certa vez o fez descalço sobre a neve,
dissimulado, o que parece ser e não é como parece. segundo os escritos de Platão, o que demonstra o caráter
Verdadeiro é o evidente, numa acepção quase ‘visual’ da legendário da figura socrática.
palavra; o ‘verdadeiro’ é claro, delineado, estruturado, As crenças de Sócrates, em comparação às de
visível. Platão, são difíceis de discernir. Há poucas distinções
Assim, a verdade é uma qualidade das próprias coisas entre as duas ideias filosóficas. Consequentemente,
e o verdadeiro está nas próprias coisas. Conhecer é ver e diferenciar as crenças filosóficas de Sócrates, Platão e
dizer a verdade que está na própria realidade e, portanto, Xenofonte é uma tarefa árdua e deve-se sempre lembrar
a verdade depende de que a realidade se manifeste, que o que é atribuído a Sócrates pode refletir o pensa-
enquanto a falsidade depende de que ela se esconda ou mento dos outros autores.
se dissimule em aparências. Se algo pode ser dito sobre as ideias de Sócrates é
que ele foi moralmente, intelectualmente e filosofica-
mente diferente de seus contemporâneos atenienses.
Quando estava sendo julgado por heresia e por corromper
Sobre Sócrates a juventude, usou seu método de elenchos para
demonstrar as crenças errôneas de seus julgadores.
Detalhes sobre a vida de Sócrates derivam de três Sócrates acreditava na imortalidade da alma e que teria
fontes contemporâneas: os diálogos de Platão, as peças recebido, em um certo momento de sua vida, uma
de Aristófanes e os diálogos de Xenofonte. Não há missão especial do deus Apolo. Sócrates também duvida-
evidência de que Sócrates tenha ele mesmo publicado va da ideia sofista de que a arete (virtude) podia ser
alguma obra. As obras de Aristófanes retratam Sócrates ensinada. Acreditava que a excelência moral é uma
como um personagem cômico e sua representação não questão de divindade e não de parentesco, pois pais
deve ser levada ao pé da letra. moralmente perfeitos não tinham filhos semelhantes a
Sócrates casou-se com Xântipe, que era bem mais eles. Isso talvez tenha sido a causa de não ter se
jovem que ele, e teve três filhos: Lamprocles, Sophronis- importado muito com o futuro de seus próprios filhos.
cus e Menexenus. Seu amigo Críton criticou-o por ter Sócrates frequentemente diz que suas ideias não são
abandonado seus filhos quando ele se recusou a tentar próprias, mas de seus professores, entre eles Pródico e
escapar antes de sua execução, mostrando que ele Anaxágoras de Clazômenas.
(assim como seus outros discípulos) parece não ter
entendido a mensagem que Sócrates tenta passar sobre
a morte (diálogo Fédon), antes de ser executado.
Não se sabe ao certo qual o trabalho de Sócrates, se
é que houve outro além da Filosofia. De acordo com
algumas fontes, Sócrates aprendeu a profissão de
pedreiro com seu pai. Na obra de Xenofonte, Sócrates
aparece declarando que se dedicava àquilo que ele
considerava a arte ou ocupação mais importante: debater
filosofia. Platão afirma que Sócrates não recebia
pagamento por suas aulas. Sua pobreza era prova de que
não era um professor. Várias fontes, inclusive os diálogos
de Platão, mencionam que Sócrates tinha participado no
exército em várias batalhas. Na Apologia, Sócrates
compara seu período no serviço militar a seus problemas
no tribunal, e diz que qualquer pessoa no júri que imagine Sócrates apontando para o alto, sereno, no leito de morte.

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1. Platão afirmava que Sócrates não recebia pagamento por suas aulas. 5. A imagem de Jacques-Louis David mostra
Sua pobreza era prova de que não era um professor. Isso indica que,
para Sócrates,
a) o conhecimento não era suficiente para ser considerado professor.
b) a sabedoria não era comerciável e condenava os sofistas por
cobrarem por suas aulas.
c) as aulas, que eram ministradas nas ruas de Atenas, e não numa
escola, não deveriam ser cobradas.
d) o conhecimento era para os pobres e não para os ricos.
e) a filosofia não era uma profissão, mas uma religião.

RESOLUÇÃO:
Resposta: B

2. Na Apologia, Sócrates compara seu período no serviço militar a seus


problemas no tribunal, e diz que qualquer pessoa no júri que imagine a) a serenidade de Sócrates antes de sua morte.
que ele deveria retirar-se da filosofia deveria também imaginar que os b) uma pregação de Sócrates.
soldados devessem bater em retirada quando fosse provável que c) a indignação de Sócrates diante da condenação à morte.
morressem em uma batalha. d) uma reunião de Sócrates e seus discípulos.
Vê-se nessa afirmação: e) o confronto entre sócrates e Protágora.s
I. O grande valor que a verdade tinha para Sócrates.
II. O posicionamento relativista desse grande filósofo. RESOLUÇÃO:
III. Que foi no serviço militar que Sócrates se tornou filósofo. Resposta: A
IV. A coerência moral desse filósofo ateniense
São verdadeiras apenas: 6. A gravura de Escher, entrando um pouco na filosofia, sugere
a) I e II b) I e III c) II e III
d) I e IV e) II e IV

RESOLUÇÃO:
Resposta: D

3. Não existe um critério de juízo objetivo: toda verdade é verdade para


um sujeito. Cada indivíduo percebe o mundo à sua maneira. Segundo
ele, até os diferentes sabores que os homens experimentam nos
alimentos constituem uma prova do subjetivismo perceptivo, não
podendo servir como critério de sabedoria. Sobre essa ideia, podemos
afirmar:
I. Trata-se do pensamento de Sócrates.
II. Trata-se do pensamento de Protágoras.
III. Revela que o homem é a medida de todas as coisas.
IV. O subjetivismo significa que a verdade é interna e universal.
São verdadeiras apenas:
a) I e III b) II e III c) I e IV
d) III e IV e) I e II

RESOLUÇÃO:
Resposta: B

4. Se toda verdade é relativa, isso também é relativo. Essa frase tenta


demonstrar a) que o homem reflete sobre sua própria condição.
a) a coerência do relativismo b) que o homem deforma a realidade por meio do conhecimento.
b) o absurdo de se acreditar numa única verdade. c) que a ciência é o único conhecimento que retrata fielmente a
c) o paradoxo do relativismo. realidade.
d) de que só existe uma verdade. d) que a reflexão filosófica não permite a exposição do sujeito.
e) de que não há verdades relativas. e) que a única função da filosofia é promover o autoconhecimento.

RESOLUÇÃO: RESOLUÇÃO:
Resposta: C Resposta: A

10 –
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7. “Sócrates (470-399 a. C.) afirmara que uma existência sem reflexão 8. “Não exageres o culto da verdade, não há homem que ao fim de um
não valeria a pena e sabemos hoje que, num mundo pragmático, numa dia não tenha mentido com razão muitas vezes” – (Jorge Luis Borges).
cultura marcada pelo constante culto ao vazio, muitas pessoas preferem Pensando em moral ou ética, poderíamos dizer que a frase do escritor
não refletir, abrem mão desse privilégio ou mesmo desse risco”. O argentino Borges, de certa forma,
termo “risco” aqui utilizado refere-se a) relacionou a verdade e a ética, mostrando que uma não existe sem
a) ao fato de que a reflexão pode desembocar em alguma forma de a outra.
patologia e isolamento social. b) revelou que o escritor era um relativista e portanto não cria em
b) ao fato de que a reflexão é sempre imprecisa, podendo recorrer ao verdades universais.
senso comum. c) relativizou a importância acerca da verdade, pois, algumas vezes,
c) ao fato de que a reflexão consciente nos mobiliza e então nos vemos mentir pode ter uma justificativa.
sair da nossa zona de conforto, momento em que transcendemos o d) dissociou verdade e razão.
senso comum. e) revelou que o escritor era antiético.
d) ao fato de que a reflexão filosófica não se insere numa das
possibilidades de sobrevivência material e sucesso econômico. RESOLUÇÃO:
Resposta: C
e) ao fato de a filosofia não se apropriar dos métodos científicos, mais
coerentes e autênticos.

RESOLUÇÃO:
Resposta: C

1. Na antiga Grécia, os sofistas: d) Maiêutica é a pedagogia do “parto”, no sentido de fazer nascer a


a) Eram mestres da retórica e da persuasão. verdade de dentro do homem através da dialética (diálogo)
b) Seguiam a escola filosófica de Sócrates. e) Maiêutica é a pedagogia que considera o aluno uma tábula rasa, um
c) Assumiam uma postura relativista. papel em branco e, assim, transmite-se o conhecimento de forma
d) Raramente saíam de Atenas, pois achavam que não precisavam unidirecional.
viajar para encontrar a verdade.
e) São verdadeiras apenas: 4. “Sócrates: Protágoras afirma que a medida de todas as coisas é o
a) I e II. b) I e III. c) II e IV. d) II e III. e) I e IV. homem: daquelas coisas que são, pelo que são, daquelas que não são,
pelo que não são, entendendo por medida a norma de juízo e por coisas
2. No debate entre Protágoras e Sócrates, podemos afirmar que: o fato geral. Logo o homem é a norma que julga todos os fatos: daqueles
a) Para o sofista Protágoras, há uma verdade e ela está dentro dos que são pelo que são, daqueles que não são pelo que não são. Por isso,
homens. ele admite somente aquilo que parece a cada indivíduo, introduzindo,
b) Sócrates incitava seus alunos a viajarem muito para encontrar a dessa forma, o princípio de relatividade. Segundo ele, portanto, quem
verdade. julga as coisas é o homem. De fato, tudo o que parece aos homens
c) Protágoras via o homem como portador de uma dimensão moral também é; e o que não parece a nenhum homem tampouco é...”
interior. (Platão, Teeteto)
d) Para Sócrates, existiam apenas verdades relativas e culturais. Sobre a colocação de Sócrates, podemos afirmar que:
e) A maiêutica (parto) socrática era o exercício filosófico de trazer à luz a) Sócrates concordará com Protágoras, pois de fato o homem é a
a verdade de dentro do homem. medida de todas as coisas.
b) Sócrates deverá concordar com Protágoras, pois um foi discípulo do
3. Assinale a alternativa que expõe corretamente o sentido da outro.
pedagogia socrática da maiêutica. c) Sócrates não concordará com o relativismo de Protágoras.
a) Maiêutica é a pedagogia expositiva, em que o mestre expõe aos d) Sócrates afirmará que Protágoras não foi relativista o suficiente para
discípulos suas ideias e princípios. considerá-lo seu discípulo.
b) Maiêutica é a exposição pelos sermões religiosos e filosóficos. e) Sócrates era sofista e, portanto, não podia concordar com a
c) Maiêutica é a prática de viajar para buscar a verdade. colocação de Protágoras.

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5. Sócrates foi condenado a tomar a cicuta (veneno) por influenciar d) somente as inteligências mais aguçadas teriam acesso à verdade.
negativamente os jovens. Sócrates teve a oportunidade de fugir e evitar e) toda verdade é relativa.
a sua morte, porém optou por envenenar-se. Assinale a alternativa que
melhor explica o gesto do filósofo grego. 8. “... existe uma diferença infinita entre homem e homem...”
a) Ao tomar o veneno, pretendeu ensinar a obediência ao poder públi- (Protágoras). A frase do filósofo refere-se:
co. a) à verdade única que está dentro do Homem, concebido abstra-
b) Pretendia provar a sua coragem como último ensinamento.
tamente.
c) Como Jesus, desejou cumprir as escrituras.
b) ao universo íntimo do homem, em que vive latente a verdade.
d) Uma fuga poderia significar uma negação (ou uma renúncia) de tudo
c) à universalidade da busca de uma verdade única.
quanto ensinara.
d) ao relativismo que é atribuído aos sofistas.
e) Pretendia com esse gesto fundar uma religião.
e) à impossibilidade de duas pessoas se parecerem entre si.

6. Leia o texto e assinale a alternativa que melhor completa a frase de


9. “É por isso que eu acredito que toda a moral não é absoluta e que
Matthew J. Slick. “Embora nem todos os relativistas ajam de maneira
certo e errado é algo que o indivíduo deve determinar dentro dos limites
não-ética, eu vejo o relativismo como um contribuidor para a anarquia
da sociedade. Mas não há um certo e errado absoluto”. Isso significa
geral. Por quê?”
que para quem tivesse pronunciado tais palavras:
a) Porque é uma justificação para fazer o que se quer.
a) Existe uma verdade universal.
b) Porque torna o homem intolerante para com a “verdade de cada
b) Não existem verdades relativas.
um”.
c) A moral não tem qualquer relação com a cultura.
c) Porque fomenta conflitos e guerras entre os povos.
d) Não há verdades produzidas pelos homens.
d) Porque essa postura cai no fundamentalismo que dificulta a
e) Toda verdade é relativa.
compreensão de outros pontos de vista.
e) Porque se trata de uma postura radical e alimenta os conflitos
10. O texto de Matthew Slick compactua com a postura filosófica de
especificamente religiosos e políticos.
Protágoras ou de Sócrates? Justifique.

7. Assinale a alternativa que completa corretamente a frase abaixo: 11. Se toda verdade é relativa, isso também é relativo. Comente o
Em Atenas, muitos jovens buscavam Sócrates na via pública para sentido dessa frase.
aprender. O filósofo interpelava os transeuntes e fazia tantas perguntas
que, no final, eles reconheciam a própria ignorância e, para Sócrates,… 12. Qual é o sentido da expressão de Protágoras: o homem é a medida
a) é exatamente no reconhecimento da própria ignorância que de todas as coisas?
começava o caminho para a sabedoria.
13. Explique a Maiêutica socrática.
b) as pessoas eram desprovidas da verdade.
c) as pessoas que reconhecessem a própria ignorância não estavam 14. Explique o sentido grego da palavra aletheia.
habilitadas para adquirir o conhecimento.

1) B 2) E 3) D 4) C 5) D mundo à sua maneira. Segundo ele, até os diferentes sabores


6) A 7) A 8) D 9) E que os homens experimentam nos alimentos constituem uma
prova do subjetivismo perceptivo, não podendo servir como
10) Com a de Sócrates, pois o texto critica o relativismo, segundo critério de sabedoria.
o qual não há uma verdade universalmente válida; esta era a
postura de Protágoras, para quem o homem era a medida de 13) Para Sócrates, a verdade se encontrava dentro do homem, e
todas as coisas. sua pedagogia consistia em trazer à luz essa verdade,
desvelá-la. Maiêutica significa o que é relativo ao parto.
11) A frase denuncia uma contradição do relativismo, pois afirmar
que tudo é relativo parece uma verdade muito rígida, o que 14) Aletheia significa o não oculto, não escondido, não
não combina com a pregação aparentemente democrática dissimulado. O verdadeiro é o que se manifesta aos olhos do
dos relativistas. Claro que há pequenas verdades pessoais, corpo e do espírito, a verdade é a manifestação daquilo que é
culturais e historicamente construídas, mas alguns filósofos ou existe tal como é. Assim, a verdade é uma qualidade das
reivindicam verdades éticas, morais, humanitárias ou mesmo próprias coisas e o verdadeiro está nas próprias coisas.
religiosas (metafísicas), de aplicação universal. Conhecer é ver e dizer a verdade que está na própria realidade
e, portanto, a verdade depende de que a realidade se
12) Para Protágoras, não existe um critério de juízo objetivo: toda manifeste, enquanto a falsidade depende de que ela se
verdade é verdade para um sujeito. Cada indivíduo percebe o esconda ou se dissimule em palavras.

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Platão e a República
MÓDULO 3
Aristóteles e o Pensamento Lógico

PLATÃO E A REPÚBLICA O famoso Mito da Caverna é narrado por Platão no


livro VII da República. Trata-se de uma metáfora filosófica
1. Introdução que já teve várias interpretações, mas possui um sentido
universal e profundo que descreve a condição da exis-
Platão nasceu em Atenas, provavelmente em tência humana. Para o filósofo, todos nós estamos
427 a.C. e morreu em 347 a.C. É considerado um dos condenados a ver sombras à nossa frente e tomá-las
mais importantes filósofos gregos, e influenciou profunda- como verdadeiras. Essa poderosa crítica à condição dos
mente a forma de ver o mundo no ocidental. Toda a sua homens, escrita há quase 2500 anos atrás, inspirou e
filosofia se fundamentou na divisão do mundo em duas ainda inspira inúmeras reflexões. Uma delas é o livro A
realidades: o das coisas sensíveis (mundo das ideias e a Caverna, do escritor português José Saramago.
inteligência) e das coisas visíveis (seres vivos e a matéria). Platão enxergava na humanidade numa condição infeliz.
Platão procedia de uma família de aristocratas e Imaginou os homens todos aprisionados numa caverna e
vangloriava-se dos antepassados. Iniciou seus estudos imobilizados, obrigados a olharem sempre a parede em
em filosofia quando tinha vinte e nove anos de idade e frente. Então o que veriam? O bruxuleio das sombras dos
conheceu seu mestre Sócrates. Fundou a Academia, uma objetos e animais, por conta de uma luminosidade vinda
escola de filosofia com o propósito de recuperar e detrás. Assim, os homens acreditavam que as imagens
desenvolver as ideias e pensamentos socráticos. fantasmagóricas que apareciam aos seus olhos (que
Convidado pelo rei Dionísio, passou um tempo em Platão chama de ídolos) eram verdadeiras, tomando o
Siracusa, ensinando filosofia na corte. espectro pela realidade. A sua existência era, pois,
Voltou para Atenas para administrar a Academia, onde totalmente dominada pela ignorância (agnóia).
desenvolveu estudos em matemática, ciências, retórica
e filosofia. Escreveu importantes e imortais obras, como:
Apologia de Sócrates, em que valoriza os pensamentos
do mestre; O Banquete, em que fala sobre o amor de
uma forma dialética; e A República, em que analisa a
política grega, a ética, o funcionamento das cidades, a
cidadania e questões sobre a imortalidade da alma.
Considerava a política uma decorrência natural da filosofia
e acreditava que o poder estava reservado aos sábios.
Platão valorizava os métodos de debate e diálogo
como formas de alcançar o conhecimento. Para ele, os
alunos deveriam descobrir as coisas superando os
problemas impostos pela vida e o objetivo maior da
educação era o desenvolvimento do homem moral.

Imagem de Mats Halldin. O mito da caverna é uma alegoria da condição


de ignorância dos homens.

2. O Mito

Imaginemos uma caverna separada do mundo


externo por um muro alto. Entre o muro e o chão da
caverna há uma fresta por onde passa um fino feixe de luz
exterior, deixando a caverna na obscuridade quase
Platão deixou influências culturais em todo o Ocidente. completa. Desde o nascimento, geração após geração,

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seres humanos encontram-se ali, de costas para a 3. A República de Platão (Resumo)


entrada, acorrentados, sem poder mover a cabeça nem
se locomover, forçados a olhar apenas a parede do fundo, Quem nunca construiu em sua mente uma sociedade
vivendo sem nunca ter visto o mundo exterior nem a luz perfeita, infalível em funcionamento e estrutura? Todos
do sol, sem jamais ter efetivamente visto uns aos outros, os que almejam mais de si mesmo e do mundo devem
nem a si mesmos, apenas suas sombras e as dos outros, ter se rendido à técnica da idealização. Platão faz o
porque estão no escuro e imobilizados. Abaixo do muro, mesmo em sua República. Idealiza uma sociedade
do lado de dentro da caverna, há um fogo que ilumina perfeita, harmônica, simbiótica. Para isso lança mão da
vagamente o interior sombrio e faz com que tudo o que alegoria da caverna, que põe em xeque um par de
se passa do lado de fora seja projetado como sombra nas distinções muito ligado à natureza da alma do ser
humano: é o par essência e aparência, representadas,
paredes do fundo da caverna. Do lado de fora, pessoas
respectivamente, pelo mundo inteligível e pelo mundo
passam conversando e carregando nos ombros figuras
sensível. Platão utiliza, para desenvolver a dicotomia
ou imagens de homens, mulheres e animais cujas
aparência/ideias, dois mecanismos bastante peculiares e
sombras também são projetadas na parede da caverna,
acessórios ao desenvolvimento retórico-filosófico, a
como num teatro de fantoches. Os prisioneiros julgam
saber: a dialética e a alegoria, cuja conceituação se dará
que as sombras, os sons de suas falas e as imagens que
a seguir. A dialética é, segundo Platão, o único meio de
transportam nos ombros são as próprias coisas externas, levar o filósofo até o Bem, já que consiste em estender os
e que os artefatos projetados são seres vivos que se limites lógicos das reflexões filosófico-ideológicas. Este
movem e falam. “estender” implica submeter o próprio pensamento às
Um dos prisioneiros, inconformado com a condição opiniões e/ou contradições de outrem, justamente o que
em que se encontra, decide abandonar a caverna. Fabrica acontece n’A República, em que há um constante diálogo
um instrumento com o qual quebra os grilhões. De início, entre, por exemplo, Sócrates e Glauco. Já a alegoria
move a cabeça, depois o corpo todo; a seguir, avança na representa um papel ainda mais relevante na difusão do
direção do muro e o escala. Enfrentando os obstáculos axioma filosófico proposto. Conceituada, grosso modo,
de um caminho íngreme e difícil, sai da caverna. No pri- como um conjunto interligado de metáforas, ela se
meiro instante, fica totalmente cego pela luminosidade manifesta de maneira mais relevante no “mito da
do sol, com a qual seus olhos não estão acostumados. caverna” (livro VII). Nele, Platão cria dois planos: “a
Enche-se de dor por causa dos movimentos que seu caverna” e “o dia”, cada qual com seus elementos
corpo realiza pela primeira vez e pelo ofuscamento de específicos. A caverna, que representa o mundo sensível,
seus olhos sob a luz externa, muito mais forte do que o é composta pelos seguintes elementos: a sombra das
fraco brilho do fogo que havia no interior da caverna. marionetes, as marionetes e o fogo (respectivamente
Sente-se dividido entre a incredulidade e o deslumbra- representando as sombras do real, a realidade e o Sol). O
mento. dia (metáfora do mundo inteligível), por sua vez, também
Ao permanecer no exterior, o prisioneiro, aos poucos, é composto por três elementos, sendo eles as sombras
se habitua à luz e começa a ver o mundo. Encanta-se, tem e reflexos, a realidade e o Sol (que representam, também
a felicidade de ver a realidade, descobrindo que estivera respectivamente, as sombras das ideias, as ideias
propriamente ditas e o Bem). Construída esta alegoria,
prisioneiro a vida toda e que em sua prisão vira apenas
Platão ressalta a necessidade de sair da caverna e
sombras. Doravante, desejará ficar longe da caverna para
contemplar o Sol, ou seja, de libertar-se das falsas
sempre e lutará com todas as forças para jamais regressar
realidades, conhecer por inteiro as realidades palpáveis,
a ela. No entanto não pode deixar de lastimar a sorte dos
partir em busca das ideias e, finalmente, atingir o Bem.
outros prisioneiros e, por fim, toma a difícil decisão de
Platão privilegia a filosofia em detrimento da poesia. O
regressar ao subterrâneo sombrio para contar aos demais
pensamento platônico deixa claro que tornar-se um
o que viu e convencê-los a se libertarem também. filósofo não é tarefa das mais fáceis, pois exige o
Só que os demais prisioneiros zombam dele, não desapego das coisas subjetivas e piegas e exige o
acreditando em suas palavras e, se não conseguem silen- direcionamento da atenção fundamentalmente para o
ciá-lo com suas caçoadas, tentam fazê-lo espancando-o. mundo inteligível. Se apenas os filósofos podem alcançar
Se mesmo assim ele teima em afirmar o que viu e os este grau absoluto de verdade, conclui-se que só mesmo
convida a sair da caverna, certamente acabam por matá- eles podem orientar os que ainda não conseguiram “sair
lo. Mas quem sabe alguns podem ouvi-lo e, contra a da caverna e contemplar o Sol”. Desta forma, cabe a eles,
vontade dos demais, também decidir sair da caverna na sociedade perfeita de Platão, ocupar o posto de
rumo à realidade? dirigentes, controlando desde os contribuintes para o bem

14 –
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material até os encarregados da proteção e defesa da já 4. Excertos de A República, de Platão


mencionada cidade. Por outro lado, o poeta não poderia
ser um constituinte da cidade perfeita, visto que está a SÓCRATES – Reflete agora sobre o que te vou dizer.
três passos da realidade (já que sua produção espelha-se Qual é o objeto da pintura? O de representar o que é, tal
na sombra da realidade). Por estar tão distante do mundo qual é, ou o que parece, tal qual parece? Imita a aparência
inteligível, sua obra nos revela apenas a aparência e ou a realidade?
apresenta uma descrição, sobretudo dos aspectos GLAUCO – A aparência.
trágicos e taciturnos da natureza humana, o que, por SÓCRATES – Logo, a arte de imitar está muito
conseguinte, corrompe a alma. O poeta, em suma, é duas afastada do verdadeiro; e a razão por que faz tantas coisas
vezes ilusório, visto que não imita o mundo imanente, e é que só toma uma pequena parte de cada uma, e esta
sim apenas o mundo sensível. Isso não quer dizer, mesmo não passa de simulacro ou fantasma. Um pintor,
contudo, que a poesia deveria ser totalmente descartada. por exemplo, pinta um sapateiro, um carpinteiro ou outro
O pensamento platônico impunha que o aprimoramento artesão qualquer, sem ter nenhum conhecimento de suas
da educação dos guardiões deveria ser feito através de respectivas artes. Isso não impede, se é bom pintor, de
“ginástica para o corpo e música para a alma”. Desta iludir as crianças e os ignorantes, mostrando-lhes de
forma, urgia a necessidade de selecionar o conteúdo das longe um carpinteiro por ele representado e que tomem
letras das músicas, uma vez que elas poderiam conter por imitação da verdade.
apenas parte da verdade. A poesia poderia, sim, ser GLAUCO – Sem dúvida.
utilizada com fins educativos, desde que não disseminas- SÓCRATES – O mesmo se deve entender, meu caro
sem concepções deturpadas da realidade. O próprio amigo, de todos os que fazem como o pintor. Sempre que
filósofo admite a utilidade de poetas como Homero, que alguém nos vier dizer ter encontrado um homem que
exaltou o grego do passado e transmitiu às gerações sabe todos os ofícios e reúne em si, em elevado grau,
posteriores um grande exemplo de procedimento que leva todos os conhecimentos que se acham repartidos entre
ao Bem. Todavia, obras, por exemplo, como a Ilíada, que muitos, é preciso desenganá-lo, mostrando-lhe que não
atribuía aos deuses tanto o bem quanto o mal, deveriam passa de um tolo por se ter deixado lograr por um imitador
ser terminantemente descartadas. Não obstante a ou mágico a quem tomou por sábio, simplesmente
possibilidade de utilização da poesia com fins educativos, porque não sabe discernir a ciência da ignorância, a
Platão deixa transparecer o desejo de substituição da realidade da imitação.
poesia pela filosofia como meio didático, pois somente GLAUCO – É a pura verdade.
esta última pode nos revelar, na sua forma dialética, o que SÓCRATES – Resta-nos agora considerar a tragédia
são, de fato, as realidades verdadeiras. e Homero, seu criador. Como ouvimos diariamente a
(Disponível em: <www.logosofia.org.br>.) certas pessoas que os poetas trágicos entendem muito
de todas as artes e ciências humanas que se referem ao
vício e à virtude e mesmo com as de natureza divina; visto
que a um bom poeta é necessário estar perfeitamente
instruído nos assuntos de que trata se quiser versá-lo com
êxito que de outra sorte lhe seria impossível, cumpre
verificarmos se os que assim falam não se deixam iludir
por esta espécie de imitadores; se, vendo-lhes as
produções, esqueceram de notar que se afastam três
graus da realidade e que, sem conhecer a verdade, é fácil
compô-los, visto que não passam, ao cabo, de meros
fantasmas sem sombra do real; ou se há algo de sólido no
que dizem; e se, realmente, os bons poetas entendem das
matérias sobre as quais o comum dos homens pensa que
escreveram bem.
(...)
SÓCRATES – A poesia imitativa produz em nós
também o amor, a ira e todas as paixões da alma que têm
por objetivo o prazer e a dor, influindo em todas as nossas
ações, porque as alimenta e orvalha em vez de dessecá-
las; faz-nos mais viciados e infelizes, pelo domínio que dá
a estas paixões sobre nossa alma, em vez de mantê-las
inteiramente dependentes, o que nos tornaria melhor e
Academia de Platão da Vila de T. Siminus Sephanus, Pompeia (I a.C.)
mais felizes.

– 15
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GLAUCO – Tenho de concordar contigo. Aristóteles é considerado o criador do pensamento


SÓCRATES – Assim, pois, caro Glauco, quando lógico. Suas obras influenciaram profundamente a teo-
encontrares admiradores de Homero a dizer que este logia cristã e islâmica.
poeta instruiu e formou a Grécia e que a gente aprende, Escreveu uma quantidade enorme de livros, entre
lendo-o, a governar-se e a bem conduzir-se nas várias eles: Ética a Nicômaco, Política, Arte Poética, Retórica
contingências da vida e que o melhor a fazer é pautar os das Paixões, O Homem de Gênio e a Melancolia, De
atos por seus preceitos, será de bom conselho acolhê-los Anima, A Metafísica, e muito mais.
com toda a atenção e respeito, como a homens bem
intencionados e virtuosos que são, e admitir que Homero
é o maior dos poetas e o primeiro dos trágicos. Mas, ao
mesmo tempo, não esqueças que em nossa república só
se hão de tolerar como obras poéticas os hinos de louvor
dos deuses e os elogios de homens ilustres. Porque
assim que aí deres entrada à musa mais voluptuosa da
poesia lírica ou épica, desde esse momento o prazer e a
dor reinarão no Estado em lugar da lei e da razão, cuja
excelência todos os homens reconheceram sempre.
GLAUCO – Nada é mais certo.
SÓCRATES – Visto que surgiu nova ocasião de falar
em poesia, já ouviste o que tenho a dizer sobre o assunto
para provar que, sendo o que é, tivemos razão de
desterrá-la de uma vez por todas de nossa república;
porquanto fora impossível resistir à força dos motivos que
a isso nos levaram.
PLATÃO. A República. São Paulo: Livraria e Exposição do Livro, s.d.
(p.280-81 e 289)

Aristóteles é considerado o criador do pensamento lógico.

6. Filosofia da Natureza

Para Platão, as coisas concretas que se movem são


simples aparências, sombras da verdadeira realidade que
está no mundo das ideias. Aristóteles critica esse
idealismo de seu mestre, e desenvolve uma concepção
mais realista ou empirista. Assim, cria uma dualidade: o
mundo é feito de matéria (ou substância) e forma. A
matéria é passividade, contendo a virtualidade da forma
em potência. A forma, por sua vez, é o princípio inteligível,
Platão acredita que a educação deva começar muito cedo na vida das a essência comum a todos os indivíduos de uma mesma
pessoas, e que se desenvolva, sobretudo, em torno de um treinamento espécie. Assim, a coisa comum a todos os seres de uma
físico adequado. mesma espécie é a forma e tudo o que é distintivo ou
singular é a matéria ou substância. O movimento,
ARISTÓTELES E O PENSAMENTO LÓGICO portanto, é a atualização da forma realizada pelo ser.
Há uma ontologia aristotélica. Entende-se por
5. Introdução ontologia o estudo da natureza do ser (verificar glossário).
Para o filósofo, as substâncias interagem de várias
Aristóteles foi um dos mais importantes filósofos maneiras para produzir objetos que diferem em proprie-
gregos e deixou grande rastro na história do pensamento dades como quantidade, qualidade, tempo, posição e
ocidental. Nasceu em 384 a.C., em Estagira, e morreu em condição de ação. Assim, Aristóteles criou uma filosofia
324 a. C. na cidade de Cálcis. da natureza, afirmando que a matéria sofre processos de

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mudança dinâmica e espontânea mediados por princípios e das causas primeiras do ser. Metafísica, portanto, pode
estruturais preexistentes. Elaborou assim, uma espécie de estar relacionado à reflexão filosófica ou à Teologia.
hierarquia de existências que começam com os quatro
corpos primários: terra, água, fogo, ar, os quais formam A metafísica é, segundo o pensamento aristotélico, a
substâncias inorgânicas e, depois, os seres vivos: as filosofia primeira que analisa os métodos e as premissas
plantas apresentam as funções de crescimento, nutrição das filosofias secundárias (as ciências particulares), e ela
e reprodução; os animais possuem, além dessas, as de estuda o ser enquanto ser. Assim, a metafísica analisa
sensação, desejo e locomoção; e os seres humanos, a abstratamente a noção de realidade. O que define um
faculdade da razão. Segundo a antropologia aristotélica, o homem e em que ele se distingue dos animais, por
homem pode exercer a suprema atividade que é a exemplo, é a sua forma universalmente humana e não
obtenção do conhecimento, através de sua alma racional. particularidades materialmente observáveis. Nesse caso,
a forma humana é a racionalidade. Em Aristóteles, porém,
a razão difere da concepção platônica, pois ela não
provém do mundo das ideias, ao contrário, trata-se de
uma habilidade e não de uma dimensão espiritual. Assim,
o homem não nasce, segundo esse filósofo, com ideias
inatas, como pensava Platão.

Texto:
Política em Aristóteles

Aristóteles começou a escrever suas teorias políticas


quando foi preceptor de Alexandre, o Grande. Para
Aristóteles, a Política é a ciência mais suprema, à qual as
outras ciências estão subordinadas e da qual todas as
demais se servem numa cidade. A tarefa da Política é
investigar qual a melhor forma de governo e instituições
capazes de garantir a felicidade coletiva. Segundo
Aristóteles, a pouca experiência da vida torna o estudo da
Política supérfluo para os jovens, por regras imprudentes,
que só seguem suas paixões. Embora não tenha proposto
um modelo de Estado, como seu mestre Platão,
Aristóteles foi o primeiro grande sistematizador das coisas
públicas. Diferentemente de Platão, Aristóteles faz uma
filosofia prática e não ideal e de especulação como seu
Metafísica estuda o ser e a sua origem primeira. mestre. O Estado, para Aristóteles, constitui a expressão
mais feliz da comunidade em seu vínculo com a natureza.
7. A Metafísica Segundo Aristóteles, assim como é impossível conceber
a mão sem o corpo, é impossível conceber o indivíduo
O sentido da palavra metafísica deve-se a Aristóteles sem o Estado. O homem é um animal social e político por
e a Andrônico de Rodes. Aristóteles escreveu sobre natureza. E, se o homem é um animal político, significa
temas relacionados à e sobre temas relacionados à ética que tem necessidade natural de conviver em sociedade,
e à política, entre outros semelhantes. Andrônico, ao de promover o bem comum e a felicidade. A polis grega
organizar os escritos de Aristóteles, o fez de forma que, encarnada na figura do Estado é uma necessidade
espacialmente, aqueles que tratavam de temas humana. O homem que não necessita de viver em
relacionados à physis viessem antes dos outros. Assim, sociedade, ou é um deus ou uma besta. Para Aristóteles,
eles vinham além da física (Meta = depois, além; Physis toda cidade é uma forma de associação e toda associação
= física). Neste sentido, a metafísica é algo intocável, que se estabelece tendo como finalidade algum bem. A
só existe no mundo das ideias. Assim, Andrônico orga- comunidade política forma-se de forma natural pela
nizou os escritos de acordo com a classificação dos dois própria tendência que as pessoas têm de se agruparem.
temas. Ética, política etc. são assuntos que não tratam de E ninguém pode ter garantido seu próprio bem sem a
seres físicos, mas de seres não-físicos existentes apesar família e sem alguma forma de governo. Para Aristóteles,
da sua imaterialidade. Metafísica, portanto, trata de os indivíduos não se associam somente para viver, mas
problemas sobre o propósito e a origem da existência e para viver bem. Dos agrupamentos das famílias formam-
dos seres. Especulação em torno dos primeiros princípios se as aldeias, do agrupamento das aldeias forma-se a

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cidade, cuja finalidade é a virtude dos seus cidadãos para todas as áreas. Apenas algumas ideias. A obra aristotélica
o bem comum. A cidade aristotélica deve ser composta só se integra na cultura filosófica europeia da Idade
por diversas classes, mas quem entrará na categoria de Média, através dos árabes, no século XIII, quando é
cidadãos livres que podem ser virtuosos são somente conhecida a versão (orientalizada) de Averróis, o seu mais
três classes superiores: os guerreiros, os magistrados e importante comentarista. Depois, S. Tomás de Aquino vai
os sacerdotes. Aristóteles aceita a escravidão e a incorporar muitos passos das suas teses no pensamento
considera desejável para os que são escravos por cristão.
natureza. Estes são os incapazes de governar a si A teoria das causas. O conhecimento é o conhe-
mesmos, e, portanto, devem ser governados. Segundo cimento das causas – a causa material (aquilo de que uma
Aristóteles, um cidadão é alguém politicamente ativo e coisa é feita), a causa formal (aquilo que faz com que uma
participante da coisa pública. Segundo Aristóteles, sem coisa seja o que é), a causa eficiente (a que transforma a
um mínimo de ócio não se pode ser cidadão. Assim, o matéria) e a causa final (o objetivo com que a coisa é
escravo ou um artesão não se encontra suficientemente feita). Todas pressupõem uma causa primeira, uma causa
livre e com tempo para exercer a cidadania e alcançar a não causada, o motor imóvel do cosmos, a divindade, que
virtude, a qual é incompatível com uma vida mecânica. E é a realidade suprema, a substância plena que determina
os escravos devem trabalhar para o sustento dos o movimento e a unidade do universo. Mas, para
cidadãos livres e virtuosos. Aristóteles contesta o Aristóteles, a divindade não tem a faculdade da criação
comunismo de bens, mulheres e crianças proposto por do mundo, este existe desde sempre. É a filosofia cristã
Platão. Segundo ele, quanto mais comum for uma coisa que vai dar à divindade o poder da Criação.
menos se cuida dela. Aristóteles opõe-se, frequentemente, a Platão e à sua
teoria das Ideias. Para o estagirita, não é possível pensar
Fonte: http://pt.shvoong.com/law-and-politics
Autoria: Filosofolionessantos Adaptado uma coisa sem lhe atribuir uma substância, uma quanti-
dade, uma qualidade, uma atividade, uma passividade,
uma posição no tempo e no espaço etc. Há duas es-
pécies de Ser: os verdadeiros, que subsistem por si, e os
acidentes. Quando se morre, a matéria fica; a forma, o
que caracteriza as qualidades particulares das coisas,
desaparece. Os objetos sensíveis são constituídos pelo
princípio da perfeição (o ato), são enquanto são e pelo
princípio da imperfeição (a potência), através do qual se
lhes permite a aquisição de novas perfeições. O ato
explica a unidade do ser, a potência, a multiplicidade e a
mudança.
Aristóteles é o criador da biologia. A sua observação
da natureza, sem dispor dos mais elementares meios de
investigação (o microscópio, por exemplo), apesar de ter
hoje um valor quase só histórico, não deixa de ser
extraordinária. O que mais o interessava era a natureza
viva. A ele se deve a origem da linguagem técnica das
ciências e o princípio da sua sistematização e organização.
Tudo se move e existe em círculos concêntricos,
tendente a um fim. Todas as coisas se separam em
função do lugar próprio que ocupam, determinado pela
Aristóteles deixou inúmeros textos que versam em diversas áreas. natureza. Enquanto Platão age no plano das ideias,
usando só a razão e mal reparando nas transformações da
Texto:
natureza, Aristóteles interessa-se por estas e pelos
O Pensamento de Aristóteles.
processos físicos. Não deixando de se apoiar na razão, o
filho de Nicômaco usa também os sentidos. Para Platão,
“Mestre dos que sabem”, assim se lhe refere Dante
a realidade é o que pensamos. Para Aristóteles, é tam-
na Divina Comédia. Com Platão, Aristóteles criou o núcleo
bém o que percebemos ou sentimos. O que vemos na
propulsionador de toda a Filosofia posterior. Mais realista
natureza – diz Platão – é o reflexo do que existe no mundo
do que o seu professor, Aristóteles percorre todos os
das ideias, ou seja, na alma dos homens. Aristóteles dirá:
caminhos do saber: da biologia à metafísica, da psicologia
o que está na alma do homem é apenas o reflexo dos
à retórica, da lógica à política, da ética à poesia.
objetos da natureza, a razão está vazia enquanto não
Impossível resumir a fecundidade do seu pensamento em
sentimos nada. Daí a diferença de estilos: Platão é

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poético, Aristóteles é pormenorizado, preferindo, porém, coragem – não a cobardia ou a temeridade). O homem
o fragmento ao detalhe. Chegaram até nós 47 textos do deve encontrar o meio-termo, o justo meio; deve viver
fundador do Liceu, provavelmente inacabados por serem usando, prudentemente, a riqueza; moderadamente, os
apontamentos para as lições. Um dos vetores prazeres, e conhecer, corretamente, o que deve temer.
fundamentais do pensamento de Aristóteles é a Lógica, Também na Poética, o contributo ordenador de
assim chamada posteriormente (ele preferiu sempre a Aristóteles será definitivo: ele estabelecerá as caracte-
designação de Analítica). A Lógica é a arte de orientar o rísticas e os fins da tragédia. Uma das suas leis sobre ela
pensamento nas suas várias direções para impedir o estender-se-á, por séculos, a todo o teatro: a regra das
homem de cair no erro. O Organon será para sempre um três unidades, ação, tempo e lugar.
modelo de instrumento científico a serviço da reflexão. O Erros, incorreções, falhas, terá cometido Aristóteles.
Estado deve ser uma associação de seres iguais pro- Alguns são célebres. Na zoologia, por exemplo, considera
curando uma existência feliz. O fim último do homem é a que o homem tinha oito pares de costelas, não reconhece
felicidade. Esta atinge-se quando o homem realiza, os ossos do crânio humano (três para o homem, um,
devidamente, as suas tarefas, o seu trabalho, na polis, a circular, para a mulher), supõe que as artérias estão cheias
cidade. A vida da razão é a virtude. Uma pessoa virtuosa de ar (como, aliás, supunham os médicos gregos), pensa
é a que possui a coragem (não a cobardia, não a audácia), que o homem tem um só pulmão. Não esqueçamos:
a competência (a eficiência), a qualidade mental (a razão) Aristóteles classificou e descreveu cerca de quinhentas
e a nobreza moral (a ética). O verdadeiro homem virtuoso espécies animais, das quais cinquenta terá dissecado –
é o que dedica largo espaço à meditação. Mas nem o mas nunca dissecou um ser humano.
próprio sábio se pode dedicar, totalmente, à reflexão. O A grandeza genial da sua obra não pode ser questio-
homem é um ser social. O que vive, isoladamente, nada por tão raros erros, frutos da época – mais de 2 000
sempre, ou é um deus ou uma besta. A razão orienta o anos antes de nós.
ser humano para que este evite o excesso ou o defeito (a
(Por Orlando Neves – Intelectual português. Adaptado.)

Platão e a Educação (uma reflexão)


Revolução da Alma, texto de Aristóteles
Platão e a educação (uma reflexão) caso é que muitas vezes tais educandos com estas
necessidades são simplesmente inseridos em sala de
“Os ideais de educação formulados por Platão podem aula sem nenhuma forma de reestruturação física ou
ser encontrados em sua maneira mais acabada nos cognitiva das mesmas. Em muitos casos, os professores,
diálogos A República e As Leis, nos quais o filósofo que não receberam preparo adequado para lidar com
demonstra a importância do processo pedagógico para a estas situações de educação inclusiva, acabam se
constituição de um estado soberano e justo. E é deparando com situações que resultam em um
precisamente sobre o tema da Justiça que o primeiro livro constrangimento para os próprios estudantes. Assim, por
da República discorre, no intuito de se estabelecer um mais que os docentes desejem promover a educação
conceito que possa ser a base para um projeto educacional. inclusiva, ficam impossibilitados pela ausência de um
Podemos, a partir de este exemplo, compreender que intérprete ou por uma formação em linguagem de sinais,
a educação deve ser norteada por valores considerados e os próprios alunos não terão acesso, pois não há uma
justos para todos os agentes envolvidos no processo. Por porta que possibilite a comunicação plena entre mestres e
justiça, neste caso, podemos entender a igual discentes. Fez-se a inclusão de maneira injusta, e o escopo
oportunidade para todos, em que nenhuma pessoa possa disto é que não se promoveu o acesso à educação.
cercear o direito de outro com base na ideia de uma Ulteriormente, Platão acredita que a educação deva
equidade consignada, ou seja, o aspecto de que meu começar muito cedo na vida das pessoas, e que se
acesso a determinado direito seja condicionado à perda desenvolva, sobretudo, em torno de um treinamento
de tal direito por outrem. A questão da educação inclusiva físico adequado. Evitar os excessos da alimentação e
nos rende alguns exemplos de como isso vem preparar o corpo físico nos moldes da educação espartana
acontecendo. Não é justo que deficientes auditivos, por era o caminho para o desenvolvimento de uma população
exemplo, fiquem sem acesso à educação formal em saudável, aspecto imprescindível para a estruturação de
instituições de ensino públicas, pois é direito deles, como um estado com alto nível de bem-estar social. Neste
de todos os outros cidadãos, receberem educação caso, analisando os dias atuais, é comum observar a
gratuita e de qualidade. Contudo, o que acontece neste desmedida que pode ocasionar vícios, ou seja, é comum

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encontrar pessoas que não praticam atividade física tendo tudo, remete o teu pensamento para os teus desejos
nenhuma – a grande maioria da população –, e uma mais íntimos e busca a divindade que existe em ti. Para de
pequena fração que vive apenas para a academia, ambos colocar a tua felicidade, cada dia, mais distante de ti. Não
equivocados. No âmbito da educação, é normal observar coloques objetivos longe demais de tuas mãos, abraça os
nas instituições de ensino que o espaço destinado para a que estão ao teu alcance, hoje. Se andas desesperado por
prática de educação física muitas vezes se limita a uma problemas financeiros, amorosos ou de relacionamentos
quadra de cimento rústica comprimida entre muros ou familiares... busca no teu interior a resposta para te
paredes das salas de aula. Gerações inteiras de jovens acalmares, tu és o reflexo do que pensas diariamente. Para
cresceram e crescem sem nunca praticarem atletismo, de pensar mal de ti mesmo e sê teu melhor amigo,
natação, e outros esportes que podem desenvolver as sempre. Sorrir significa aprovar, aceitar, felicitar. Então, abre
habilidades físicas e o fortalecimento do corpo. Aqueles um sorriso para aprovar o mundo que te quer oferecer o
pais que não possuem condições de proporcionar o melhor. Com um sorriso no rosto, as pessoas terão as
acesso a academias particulares ou colégios com boas melhores impressões de ti e tu estarás afirmando para ti
condições estruturais para seus filhos os verão desen- mesmo que estás ‘pronto’ para seres feliz. Trabalha,
volverem-se apenas sob a prática massiva de futsal ou trabalha muito a teu favor. Para de esperar a felicidade sem
vôlei. Platão ainda alerta para o fato de que os jovens esforços. Para de exigir das pessoas aquilo que nem tu
recebam uma boa educação musical para que possam conquistaste, ainda. Critica menos, trabalha mais. E não te
potencializar sua sensibilidade e criatividade. Novamen- esqueças, nunca, de agradecer. Agradece tudo que está na
te, hoje, aqueles que não podem pagar por um serviço tua vida neste momento, inclusive a dor. A nossa
particular para fornecer educação musical aos filhos, compreensão do universo ainda é muito pequena para
observam a prole crescer embalada pelos ritmos musicais julgar o que quer que seja na nossa vida.”
da pior manifestação cultural musical da história da
Frases de Aristóteles
civilização, fruto da indústria cultural de massa.
Platão escreveu sobre isto há cerca de 2400 anos, e talvez “O verdadeiro discípulo é aquele que consegue superar
estejamos a esperar outros 2400 anos para ouvir os o mestre.”
conselhos de um homem sábio. Pena que não tenho
certeza de que haverá alguém ainda para ser educado “A principal qualidade do estilo é a clareza.”
quando a civilização chegar lá.” “O homem que é prudente não diz tudo quanto pensa,
Por Maurício Fernando Bozatski (Mestre em Filosofia. Coordenandor mas pensa tudo quanto diz.”
do Curso de Filosofia da Faculdade Sant’Ana. Professor do SESI e
da SEED/PR e escritor) “O homem livre é senhor de sua vontade e somente
escravo de sua própria consciência.”

Frases de Platão “Devemos tratar nossos amigos como queremos que


“O belo é o esplendor da verdade”. eles nos tratem.”

“O que mais vale não é viver, mas viver bem”. “O verdadeiro sábio procura a ausência de dor, e não o
“Vencer a si próprio é a maior de todas as vitórias”. prazer.”

“O amor é uma perigosa doença mental”. “A educação tem raízes amargas, mas os frutos são
“Praticar injustiças é pior que sofrê-las”. doces”.
“A harmonia se consegue através da virtude”.
Glossário
“Teme a velhice, pois ela nunca vem só”.
Ontologia: Conforme o dicionário Aurélio, “ontologia” é
“A educação deve possibilitar ao corpo e à alma toda a “parte da filosofia que trata do ser enquanto ser, isto é,
a perfeição e a beleza que podem ter”. do ser concebido como tendo uma natureza comum que
é inerente a todos e a cada um dos seres (...)”. Tendo-se
Revolução da Alma, texto de Aristóteles em conta que “onto”, do grego, significa indivíduo ou ser,
e “logia” comumente significa estudo, tem-se que
“Ninguém é dono da sua felicidade, por isso não “ontologia” vem a ser o estudo investigativo e compa-
entregues a tua alegria, a tua paz, a tua vida, nas mãos de rativo do indivíduo – aqui tido como exemplar da espécie
ninguém, absolutamente de ninguém. Somos livres, não humana – frente aos demais seres vivos, passando pela
pertencemos a ninguém e não podemos querer ser donos sua concepção, criação, evolução e extinção. Busca,
dos desejos, da vontade ou dos sonhos de quem quer que portanto, o conhecimento profundo acerca da natureza do
seja. A razão da tua vida és tu mesmo. A tua paz interior é ser humano, levando em conta os aspectos fisiológicos
a tua meta de vida. Quando sentires um vazio na alma, e espirituais, confrontando-os com aqueles que
quando acreditares que ainda está faltando algo, mesmo caracterizam e distinguem os demais seres vivos.
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1. (UFU) – “Todo aquele que ama o saber conhece por experiência que, 3. (UFU) – “Mas quem fosse inteligente (…) lembrar-se-ia de que as
quando a filosofia toma conta de uma alma, vai encontrá-la prisioneira do perturbações visuais são duplas, e por dupla causa, da passagem da luz
seu corpo, totalmente grudada a ele. Vê que, impelida a observar os à sombra, e da sombra à luz. Se compreendesse que isso se passa com
seres, não em si e por si, mas por meio desse seu caráter, paira por isso a alma, quando visse alguma perturbada e incapaz de ver, não riria sem
na mais completa ignorância. Mas mais se dá ainda conta do absurdo de razão, mas repararia se ela não estaria antes ofuscada por falta de
tal prisão: é que ela não tem outra razão de ser senão o desejo do próprio hábito, por vir de uma vida mais luminosa, ou se, por vir de uma maior
prisioneiro, que é assim levado a colaborar, da maneira mais segura, no ignorância a uma luz mais brilhante, não estaria deslumbrada por
seu próprio encarceramento”. reflexos demasiadamente refulgentes [brilhantes]; à primeira, deveria
felicitar pelas suas condições e pelo seu gênero de vida; da segunda, ter
Platão, Fédon. Trad. Maria Tereza S. de Azevedo. Brasília:
compaixão e, se quisesse troçar dela, seria menos risível esta zombaria
UnB, 2000, p. 66.
do que aquela que descia do mundo luminoso.”

Após analisar o texto acima, assinale a alternativa correta


(A República, 518 a-b, trad. Maria Helena da Rocha Pereira, Lisboa:
a) A ignorância é fruto da observação do que é em si e por si.
Fundação Calouste Gulbenkian, 1987.)
b) A filosofia para Platão é inata, não sendo necessário nenhum esforço
de quem a ela se dedica para obtê-la.
Sobre esse trecho do livro VII de A República de Platão, é correto
c) A alma encontra-se prisioneira do corpo por desejo do próprio
afirmar.
homem.
I. A condição de quem vive nas sombras é digna de compaixão.
d) A alma do filósofo encontra-se desde o início liberta dos entraves do
II. O filósofo, sendo aquele que passa da luz à sombra, não tem
corpo, como demonstram, claramente, a Alegoria da Caverna e o
problemas em retornar às sombras.
texto acima.
III. O trecho estabelece uma relação entre o mundo visível e o
RESOLUÇÃO: inteligível, fundada em uma comparação entre o olho e a alma.
Resposta: C IV. No trecho, é afirmado que o conhecimento não necessita de
educação, pois quem se encontraria nas sombras facilmente se
acostumaria à luz.
Marque a alternativa que contém todas as afirmações corretas.
a) II e III b) I e IV c) I e III
d) III e IV e) II e IV

RESOLUÇÃO:
Resposta: C

2. (UFU) – A Alegoria da Caverna de Platão, além de ser um texto de 4. Leia, abaixo, o trecho de Platão, extraído da Apologia de Sócrates.
teoria do conhecimento, é também um texto político. No sentido
“(…) descobrem uma multidão de pessoas que supõem saber alguma
político, é correto afirmar que Platão sustentava um modelo
coisa, mas que na verdade pouco ou nada sabem. (…) e afirmam que
a) monárquico, cujo governo deveria ser exercido por um filósofo e cujo
existe um tal Sócrates (…) que corrompe a juventude. Quando se lhes
poder deveria ser absoluto, centralizador e hereditário.
pergunta por quais atos ou ensinamentos, não têm o que responder;
b) aristocrático, baseado na riqueza e que representava os interesses
não sabem, mas para não mostrar seu embaraço apresentam aquelas
dos comerciantes e nobres atenienses, por serem eles os mecenas
acusações que repetem contra todos os que filosofam: ‘as coisas do
das artes, das letras e da filosofia.
céu e o que há sob a terra; o não crer nos deuses; fazer prevalecer o
c) democrático, baseado, principalmente, na experiência política de
discurso e a razão mais fraca’. Isso porque não querem dizer a verdade:
governo da época de Péricles.
terem dado prova de que fingem saber, mas nada sabem.”
d) aristocrático, cujo governo deveria ser confiado aos melhores em
Apologia, 23.
inteligência e em conduta ética.
Nessas palavras,
a) Platão acusa Sócrates de corromper a juventude.
RESOLUÇÃO:
Resposta: D b) Platão afirma que Sócrates não tem o que responder quando
acusado de corromper a juventude.
c) Platão defende Sócrates, afirmando a inconsistência das acusações
que lhe fazem.
d) Platão revela-se opositor das ideias socráticas.
e) Platão afirma que Sócrates faz prevalecer o discurso, mas com a
razão fraca.

RESOLUÇÃO:
Resposta: C

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5. Sobre o conceito de Política em Aristóteles, julgue as frases abaixo 7. Assinale a única alternativa errada sobre a filosofia aristotélica.
e coloque V para as verdadeiras e F para as falsas. a) Há uma ontologia aristotélica. Entende-se por ontologia o estudo da
I. ( ) A Política é uma ciência de importância menor, pois trata da natureza do ser (verificar glossário).
questão do poder, um princípio que facilmente corrompe a alma b) Para o filósofo, as substâncias interagem de várias maneiras para
humana. produzir objetos que diferem em propriedades como quantidade,
II. ( ) A tarefa da Política é investigar qual a melhor forma de governo qualidade, tempo, posição e condição de ação.
e instituições capazes de garantir a felicidade coletiva. c) Aristóteles criou uma filosofia da natureza, afirmando que a matéria
III. ( ) Assim como fez o seu mestre Platão, Aristóteles traça uma sofre processos de mudança dinâmica e espontânea mediados por
concepção ideal para o conceito e teorização da política. princípios estruturais preexistentes.
IV. ( ) Aristóteles acreditava que a vida social era um artifício, pois, d) Aristóteles elaborou uma espécie de hierarquia de existências que
originalmente, o homem vivia em estado de natureza, à qual começam com os quatro corpos primários: terra, água, fogo, ar, os
renunciou para formar um contrato social. Assim, Aristóteles quais formam substâncias inorgânicas e, depois, os seres vivos: as
pode ser enquadrado entre os filósofos contratualistas. plantas apresentam as funções de crescimento, nutrição e
V. ( ) Para Aristóteles, toda cidade é uma forma de associação e toda reprodução; os animais possuem, além dessas, as de sensação,
associação se estabelece tendo como finalidade algum bem. A desejo e locomoção; e os seres humanos, a faculdade da razão.
comunidade política forma-se de forma natural pela própria e) Segundo a antropologia aristotélica, o homem pode exercer a
tendência que as pessoas têm de se agruparem. suprema atividade, que é a obtenção do conhecimento, por meio de
VI. ( ) Aristóteles aceita a escravidão e a considera desejável para os sua alma racional. Essa alma tem natureza transcendente, assim, a
que são escravos por natureza. Estes são os incapazes de razão provém de um mundo sobrenatural. Aristóteles foi um
governar a si mesmos, e, portanto, devem ser governados. pensador racionalista.

RESOLUÇÃO: RESOLUÇÃO:
Resposta: E
F, V, F, F, V, V.

6. “O verdadeiro discípulo é aquele que consegue superar o mestre.” 8. Assinale a única alternativa correta com relação à vida de Aristóteles
Considerando a relação mestre-discípulo e os pensamentos que e ao pensamento aristotélico.
expressou em discordância com seus mestres, pode-se deduzir que a) Aristóteles começou a escrever suas teorias políticas quando foi
essas palavras são de: preceptor de Pedro, “O Grande”.
a) Platão b) Sócrates c) Aristóteles b) Para Aristóteles, a Política é a ciência mais suprema, à qual as outras
d) Tomás de Aquino e) Averróis ciências estão subordinadas e da qual todas as demais se servem
numa cidade.
RESOLUÇÃO: c) A tarefa da Política é investigar qual a melhor forma de governo e
Resposta: C instituições capazes de assegurar a ordem coletiva. Nesse sentido,
expressou um pensamento político autoritário.
d) Segundo Aristóteles, a grande experiência de vida torna o estudo da
Política supérfluo para os jovens, pois estes seguem regras
imprudentes, baseadas apenas em suas razões.
e) Há uma natureza única no Universo, que expressa a realidade divina
e transcendente.

RESOLUÇÃO:
Resposta: B

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9. Leia o texto “Platão e a educação”e assinale a alternativa que o


completa corretamente.
Para Platão, as coisas concretas que se movem são simples aparências,
sombras da verdadeira realidade que está no mundo das ideias.
Aristóteles
a) critica esse idealismo de seu mestre, e desenvolve uma concepção
mais realista ou empirista.
b) concorda perfeitamente com seu mestre, tendo-se tornado o
principal expositor da filosofia platônica.
c) concorda parcialmente com a concepção de seu mestre, tendo
elaborado uma filosofia mais mística se comparada à de Platão.
d) critica radicalmente seu mestre, tendo sido expulso da Academia e
sendo relegado na história do pensamento, com mínima influência
até o fim da Idade Média.
e) concorda com a posição se seu mestre, mas discorda num único
ponto, pois Aristóteles crê que a origem da razão está no mundo das
11. Para Platão, o que havia de verdadeiro em Parmênides era que o
ideias, numa realidade mais transcendente.
objeto de conhecimento é um objeto de razão e não de sensação, e era
RESOLUÇÃO: preciso estabelecer uma relação entre objeto racional e objeto sensível
Resposta: A ou material que privilegiasse o primeiro em detrimento do segundo.
Lenta, mas irresistivelmente, a Doutrina das Ideias formava-se em sua
mente.
M. Zingano. Platão e Aristóteles: o fascínio da filosofia.
São Paulo: Odysseus, 2012 (adaptado).

O texto faz referência à relação entre razão e sensação, um aspecto


essencial da Doutrina das Ideias de Platão (427 a.C.-346 a.C.). De acordo
com o texto, como Platão se situa diante dessa relação?
a) Estabelecendo um abismo intransponível entre as duas.
b) Privilegiando os sentidos e subordinando o conhecimento a eles.
c) Atendo-se à posição de Parmênides de que razão e sensação são
10. (ENEM) – A felicidade é, portanto, a melhor, a mais nobre e a mais inseparáveis.
aprazível coisa do mundo, e esses atributos não devem estar separados d) Afirmando que a razão é capaz de gerar conhecimento, mas a
como na inscrição existente em Delfos “das coisas, a mais nobre é a sensação não.
mais justa, e a melhor é a saúde; porém a mais doce é ter o que e) Rejeitando a posição de Parmênides de que a sensação é superior à
amamos”. Todos estes atributos estão presentes nas mais excelentes razão.
atividades, e entre essas a melhor, nós a identificamos como felicidade.
RESOLUÇÃO:
Platão teorizou a dualidade entre mundo das ideias, que seria o
ARISTOTELES. A Política. São Paulo: Cia das Letras, 2010.
real e original, e o mundo sensível (referência aos sentidos), em
que dominam as aparências. Para o clássico filósofo grego, a razão
Ao reconhecer na felicidade a reunião dos mais excelentes atributos, é preexistente e se origina justamente do mundo das ideias; por
Aristoteles a identifica como isso, concordaria com Parmênides, para quem a razão é fonte
a) busca por bens materiais e títulos de nobreza. confiável de conhecimento, enquanto dever-se-ia desconfiar dos
sentidos.
b) plenitude espiritual e ascese pessoal.
Resposta: D
c) finalidade das ações e condutas humanas.
d) conhecimento de verdades imutáveis e perfeitas.
e) expressão do sucesso individual e reconhecimento público.

RESOLUÇÃO:
Para Aristóteles, a felicidade está ligada à virtude intelectual, o bem
maior, sendo necessário, para alcançá-la, levar uma vida prazerosa,
política e filosófica. Trata-se de um bem perfeito alcançado no agir,
objetivando o que todos desejam.
Resposta: C

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1. Para Platão, a filosofia é superior à poesia. Por quê? 13. Defina Metafísica.

14. Explique a teoria das causas em Aristóteles.


2. “Sócrates: A poesia imitativa produz em nós também o amor, a ira
e todas as paixões da alma que têm por objetivo o prazer e a dor, 15. Na história da filosofia grega, sempre foi central a questão política.
influindo em todas as nossas ações, porque as alimenta e orvalha em Leia e julgue as assertivas abaixo.
vez de dessecá-las; faz-nos mais viciados e infelizes, pelo domínio que I. Diferentemente de Platão, Aristóteles faz uma filosofia ideal e de
dá a estas paixões sobre nossa alma, em vez de mantê-las inteiramente especulação e não prática como seu mestre.
dependentes, o que nos tornaria melhor e mais felizes”. (Platão) II. O Estado, para Aristóteles, constitui a expressão mais feliz da
Relacione o texto acima com o pensamento político-filosófico de Platão. comunidade em seu vínculo com a natureza.
III. Segundo Aristóteles, assim como é impossível conceber a mão sem
3. “Praticar injustiças é pior que sofrê-las”. “O belo é o esplendor da o corpo, é impossível conceber o indivíduo sem o Estado.
verdade”. Nessas duas frases Platão revelou sua preocupação em IV. O homem não é um animal social e político por natureza. E, se o
questões: homem não é um animal político, significa que não tem necessidade
a) políticas e econômicas b) sociais e filosóficas. natural de conviver em sociedade, de promover o bem comum e a
c) éticas e estéticas. d) religiosas e morais. felicidade. Tais conceitos surgiram apenas no mundo moderno.
e) abstratas e reais. São verdadeiras:
a) I e II b) I e III c) I e IV
4. “Ao homem cabem indagações axiológicas, ou seja, valorativas”. d) II e III e) III e IV
Isso significa que:
a) O homem não tem escolhas diante de sua existência. 16. “Um dos prisioneiros, inconformado com a condição em que se
b) O homem tem uma estrutura biológica inadequada para sobreviver encontra, decide abandoná-la. Fabrica um instrumento com o qual
em qualquer ambiente geográfico. quebra os grilhões. De início, move a cabeça, depois o corpo todo; a
c) O homem porta em sua existência consciente uma dimensão moral. seguir, avança na direção do muro e o escala. Enfrentando os obstáculos
d) O homem não possui habilidades para refletir sobre a sua condição. de um caminho íngreme e difícil, sai da caverna. No primeiro instante,
e) O homem é indiferente diante do outro, de sua dor e sofrimento. fica totalmente cego pela luminosidade do sol, com a qual seus olhos
não estão acostumados. Enche-se de dor por causa dos movimentos
5. Platão dizia que a filosofia nascera do espanto humano diante da vida que seu corpo realiza pela primeira vez e pelo ofuscamento de seus
e do Universo. A palavra espanto (thauma, em grego) teria aqui o sentido olhos sob a luz externa, muito mais forte do que o fraco brilho do fogo
de: que havia no interior da caverna. Sente-se dividido entre a incredulidade
a) Medo ou receio. e o deslumbramento”.
b) Perplexidade ou admiração. (d’ O Mito da Caverna)
c) Susto ou pavor.
O sentimento de incredulidade e deslumbramento pode ser uma
d) Ignorância ou trevas.
metáfora ao impulso humano que deu origem à filosofia segundo aos
e) Conhecimento ou esclarecimento. antigos gregos. Explique.

6. Platão dizia que a filosofia nascera do espanto humano diante da vida 17. (UEL) – “Mas a cidade pareceu-nos justa, quando existiam dentro
e do universo. No sentido aqui empregado, o contrário de espanto – e dela três espécies de naturezas, que executavam cada uma a tarefa que
que, portanto não promoveria o ato de filosofar – poderia ser: lhe era própria; e, por sua vez, temperante, corajosa e sábia, devido a
a) Preconceito. b) Tranquilidade. c) Indiferença. outras disposições e qualidades dessas mesmas espécies.
d) Preocupação. e) Senso comum.
– É verdade.

7. O que Platão chamava de ídolos? – Logo, meu amigo, entenderemos que o indivíduo, que tiver na sua
alma estas mesmas espécies, merece bem, devido a essas mesmas
8. Platão ressalta a necessidade de sair da caverna e contemplar o Sol.
qualidades, ser tratado pelos mesmos nomes que a cidade”.
O que isso significava para ele?
(PLATÃO. A República. Trad. de Maria Helena da Rocha Pereira. 7.ª ed.
9. Aristóteles foi discíplulo de Platão. Explique um importante enfoque Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. p. 190.)
que difere entre os dois filósofos.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a justiça em Platão, é
10. Que representa a lógica para Aristóteles? correto afirmar:
a) As pessoas justas agem movidas por interesses ou por benefícios
pessoais, havendo a possibilidade de ficarem invisíveis aos olhos dos
11. Explique a concepção aristotélica de Deus.
outros.
b) A justiça consiste em dar a cada indivíduo aquilo que lhe é de direito,
12. Explique a distinção e a relação entre matéria e forma no pensamen-
conforme o princípio universal de igualdade entre todos os seres
to de Aristóteles. humanos, homens e mulheres.

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c) A verdadeira justiça corresponde ao poder do mais forte, o qual, São verdadeiras:


quando ocupa cargos políticos, faz as leis de acordo com os seus a) Todas. b) Apenas I e II. c) Apenas II e III.
interesses e pune a quem lhe desobedece. d) Apenas I e III. e) Apenas I.
d) A justiça deve ser vista como uma virtude que tem sua origem na
alma, isto é, deve habitar o interior do homem, sendo independente 19. Leia e julgue as assertivas abaixo, segundo a concepção de metafí-

das circunstâncias externas. sica no pensamento aristotélico.

e) Ser justo equivale a pagar dívidas contraídas e restituir aos demais I. A metafísica é, segundo o pensamento aristotélico, a filosofia primeira

aquilo que se tomou emprestado, atitudes que asseguram uma que analisa os métodos e as premissas das filosofias secundárias (as

velhice feliz. ciências particulares), e ela estuda o ser enquanto ser.


II. Assim, a metafísica analisa concretamente a noção de realidade. O

18. Leia e julgue as proposições abaixo sobre a teoria da matéria de que define um homem e em que ele se distingue dos animais, por

Aristóteles. exemplo, é a sua substância universalmente humana e não

I. Existe uma espécie de hierarquia de existências que começam com particularidades materialmente observáveis.

os quatro corpos primários: terra, água, fogo, ar, os quais formam III. A forma humana não é a sua animalidade, ou seja, o conjunto de
substâncias inorgânicas. suas pulsões de sobrevivência.
II. Os seres vivos vêm depois: as plantas apresentam as funções de IV. Em Aristóteles, a razão difere da concepção platônica na qual ela
crescimento, nutrição e reprodução; os animais possuem, além provém do mundo das ideias; ao contrário, trata-se de uma
dessas, as de sensação, desejo e locomoção. dimensão espiritual e não de uma habilidade. Assim, o homem
III. Os seres humanos possuem a faculdade da razão. Assim, o homem nasce, segundo esse filósofo, com ideias inatas.
pode exercer a suprema atividade que é a obtenção do São verdadeiras:
conhecimento, através de sua alma racional. a) I e II b) I e III c) I e IV d) II e III e) III e IV

1) Para Platão, o poeta não poderia ser um constituinte da cidade determina o movimento e a unidade do universo. Mas, para
perfeita, visto que está a três passos da realidade e sua Aristóteles, a divindade não tem a faculdade da criação do
produção está espelhada na sombra da realidade. Estando tão mundo, este existe desde sempre. É a filosofia cristã que vai
distante do mundo inteligível, sua obra nos revela apenas a dar à divindade o poder da Criação.
aparência e apresenta uma descrição, sobretudo dos aspectos
trágicos e taciturnos da natureza humana, corrompendo a 12) O mundo seria feito de matéria (ou substância) e forma. A
alma. O poeta, assim, é duas vezes ilusório, visto que não matéria é passividade, contendo a virtualidade da forma em
imita o mundo imanente, e sim apenas o mundo sensível. potência. A forma, por sua vez, é o princípio inteligível, a
essência comum a todos os indivíduos de uma mesma
2) Platão idealizava uma república em que não haveria espaço espécie. Assim, a coisa comum a todos os seres de uma
para as paixões, e pensava que somente a razão e as leis espécie é a forma e tudo o que é distintivo ou singular é a
possuem excelência política na formação de um estado. matéria ou substância.

3) C 4) C 5) B 6) C
13) Metafísica é a parte da Filosofia que trata de problemas sobre
7) As imagens fantasmagóricas e sombras projetadas na parede o propósito e a origem da existência e dos seres, especulando em
da caverna do mito da caverna. Representam a condição de torno dos primeiros princípios e das causas primeiras do ser.
ignorância que os homens mantém sobre o mundo das ideias
que é o mundo original. 14) Para esse filósofo, o conhecimento é o conhecimento das
causas: a causa material (aquilo de que uma coisa é feita), a causa
8) A necessidade de libertar-se das falsas realidades, conhecer formal (aquilo que faz com que uma coisa seja o que é), a causa
por inteiro as realidades palpáveis, partir em busca das ideias eficiente (a que transforma a matéria) e a causa final (o objetivo
e, finalmente, atingir o Bem. com que a coisa é feita). Todas pressupõem uma causa primeira,
uma causa não causada, o motor imóvel do cosmos, a divindade,
9) Enquanto Platão age no plano das ideias, usando só a razão e que é a realidade suprema, a substância plena que determina o
mal reparando nas transformações da natureza, Aristóteles movimento e a unidade do universo.
interessa-se por estas e pelos processos físicos. Não deixando
15) D
de se apoiar na razão, Aristóteles usa também os sentidos.
Para Platão a realidade é o que pensamos. Para Aristóteles é 16) Os antigos gregos acreditavam que a filosofia nascera do
também o que percebemos ou sentimos. espanto, no sentido de admiração. A filosofia, segundo o
próprio Platão, nascera da perplexidade, ou seja, da
10) A Lógica é a arte de orientar o pensamento nas suas várias capacidade humana de se admirar com o mundo. Assim, o
direções para impedir o homem de cair no erro. homem problematiza questões da vida, reflete sobre sua
própria condição e existência.
11) Deus seria a causa não causada, o motor imóvel do cosmos, a
divindade, que é a realidade suprema, a substância plena que 17) D 18) A 19) B

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MÓDULO 4 O Pensamento e o Conhecimento

1. Introdução Por outro lado, temos os empiricistas que afirmam o


contrário: a alma é como uma tábula rasa e o conhecimen-
Entre tantas coisas, a Filosofia ocupou-se de estudar to só é construído em virtude do contato com a realidade
o ato de pensar e de conhecer. Como o homem pensa e empírica, ou seja, em contato com a realidade sensível.
produz conhecimento? A teoria do conhecimento foi Um filósofo representante dessa concepção é John
chamada de epistemologia e essa área da Filosofia tornou- Locke (1632-1704) e Francis Bacon (1561-1626).
se fundamental para o desenvolvimento de métodos Comparando Descartes a Locke, podemos afirmar que
científicos. Relacionada a isso, está outra questão: qual é enquanto o primeiro enfatiza o sujeito conhecedor, o
o critério necessário para identificar verdades? segundo enfatiza o objeto conhecido, pois a realidade é
Sabemos que o conhecimento é transmitido, pela acessível ao pensamento humano pela experimentação.
família ou pela escola, por exemplo. Mas não é só isso: o
conhecimento não é só transmitido, mas construído, caso 3. Immanuel Kant (1724-1804)
contrário, não haveria acúmulo e evolução dos saberes e
da forma de pensar ou interpretar o mundo. Como o Entre a postura dos racionalistas, que valorizam o
homem pode elaborar teorias e explicações válidas em sujeito, e dos empiricistas, que valorizam o objeto,
torno da realidade? encontramos a posição de Kant, para quem o conheci-
mento esbarra com os limites da razão e com as
possibilidades da experiência. Se não se pode confiar
totalmente na razão, também não se pode confiar
totalmente nos sentidos.
Para Kant:
“... o nosso conhecimento experimental é um
composto do que recebemos por impressões e do que a
nossa própria faculdade de conhecer de si mesma tira por
ocasião de tais impressões”.
Em suma, para Kant, o conhecimento resulta da
apreensão dos conteúdos pela experiência empírica e
pela razão humana.

A imagem sugere a descoberta da racionalidade humana, exaltada pelos


filósofos iluministas.

2. Racionalismo e Empirismo

O filósofo René Descartes (1596-1650) iniciou uma


teoria do conhecimento. Descartes é um representante
do racionalismo ou do inatismo, segundo o qual o
homem desenvolve ideias a partir de seu próprio sujeito,
pois a realidade está primeiramente no espírito. Diante do
polo sujeito e objeto (conhecedor e conhecido), Descartes
prioriza o papel do primeiro, pois as ideias não vêm de
fora, mas estão dormentes no sujeito e somente um
conhecimento baseado no critério da racionalidade interna
do homem pode assegurar um conhecimento verdadeiro. Kant, o filósofo que procurou conciliar o empiricismo e o racionalismo.

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4. Texto Filosófico Clássico Devemos ressaltar que a relação de conhecimento


Fonte: I. Kant, Crítica da Razão Pura implica uma transformação tanto do sujeito quanto do
objeto. O sujeito se transforma mediante o novo saber, e
O efeito de um objeto sobre a capacidade represen- o objeto também se transforma, pois o conhecimento lhe
tativa enquanto somos por ele afetados é a sensação. dá sentido.
Diz-se empírica a intuição que se refere ao objeto Há muitos modos de se conhecer o mundo, que
mediante uma sensação. O objeto indeterminado de uma dependem da postura do sujeito frente ao objeto de
intuição empírica recebe o nome de fenômeno. conhecimento: o mito, o senso comum, a ciência, a
No fenômeno, denomino matéria aquilo que corres- filosofia, a arte.
ponde à sensação; e denomino forma do fenômeno o que Todos eles são formas de conhecimento, pois cada
faz com que o que o fenômeno tem de diversificado um, ao seu modo, desvenda os segredos do mundo,
possa ser ordenado em determinadas relações. atribuindo-lhe um sentido.
Como aquilo em que somente as sensações se O mito proporciona um conhecimento que é mágico
ordenam e podem ser postas de uma determinada forma porque ainda vem permeado pelo desejo de atrair o bem
não pode, por sua vez, ser a sensação, resulta que a e afastar o mal, dando segurança e conforto ao homem.
matéria de todo fenômeno só nos pode ser dada a O senso comum ou conhecimento espontâneo é a
posteriori, mas a forma relativa, para todos os fenômenos, primeira compreensão do mundo resultante da herança
já deve estar a priori no espírito e deve, portanto, poder do grupo a que pertencemos e das experiências atuais
ser considerada separadamente de cada sensação. que continuam sendo efetuadas.
A ciência, procurando descobrir o funcionamento da
5. Texto moderno: Conhecimento natureza através, principalmente, das relações de causa e
Cristina G. M. de Oliveira efeito, busca o conhecimento objetivo, lógico, através de
métodos desenvolvidos para manter a coerência interna
Dá-se o nome de conhecimento à relação que se de suas afirmações.
estabelece entre um sujeito cognoscente e um objeto. A Filosofia, por sua vez, propõe-se oferecer um tipo
Assim, todo conhecimento pressupõe dois elementos: o de conhecimento que busca, com todo o rigor, a origem
sujeito que quer conhecer e o objeto a ser conhecido. dos problemas, relacionando-os a outros aspectos da vida
Por extensão, dá-se também o nome de conhecimen- humana, numa abordagem globalizante.
to ao saber acumulado pelo homem através das gerações. Já o conhecimento proporcionado pela arte nos dá
O conhecimento pode ser concreto, quando o sujeito não o conhecimento de um objeto, mas de um mundo,
estabelece uma relação com o objeto individual. E pode interpretado pela sensibilidade do artista e traduzido numa
ser abstrato, quando estabelece uma relação com um obra individual.
objeto geral, universal. Por exemplo, o conhecimento que Bibliografia: ARANHA, Maria Lúcia A., MARTINS, Maria H..P.Temas de
temos de homem, como gênero. filosofia.São Paulo: moderna,1992

6. Diversos modos de ver o mundo

Observe o quadro expondo modos de conhecer o mundo, os critérios de verdade, método e relação objeto-sujeito:
Modos de
Critérios de
Conhecer o Objetivação Metodologia Relação Sujeito-Objeto
verdade
Mundo
Relação Suprapessoal, onde a Revelação do Sagrado se
A experiência
1. O Mito A fé A experiência pessoal discursiva manifesta (revela) sobrenaturalmente ao profano através do
pessoal
rito (Dramatização do mito, ou seja, da liturgia religiosa).
2. A Esteticismo = A subjetividade do A dialética (O Relação transpessoal onde a palavra diz as coisas. O mundo
A razão
Filosofia artista e do contemplador discurso) se manifesta pelos fenômenos e é dizível através do λογοσ.
As crenças
3. O Senso A cultura Relação interpessoal, onde a ideologia é estabelecida pelas
A tradição cultural silenciosas
Comum ética e moral ideias dominantes e pelos poderes estabelecidos.
(Ideologias)
Esteticismo = A subjetividade do Relação pessoal, onde a criatividade é a percepção da
4. A Arte A estética artista e do contemplador (obser- O gosto realidade do autor e a interpretação é sensibilidade do
vador) da arte. observador.
A experi- Objetividade = Comprovação de uma Relação “impessoal”. A ausência do sujeito do cientista
5. A Ciência A observação
mentação determinada tese de modo objetivo diante de sua pesquisa: O mito da neutralidade científica.

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– Prof. Vanderlei e Barros Rosa – Professor de Filosofia e Glossário


Teologia. Bacharel e Licenciado em Filosofia pela
Universidade Estadual do Rio de Janeiro; Bacharel em Empírico: conhecimento baseado na experiência
Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil; sensível.
Pós-graduado em Missiologia pelo Centro Evangélico de
Missões; Pós-graduado em Educação Religiosa pelo Inatismo: teoria que prega a ideia de algo inato, portanto,
Instituto Batista de Educação Religiosa. não adquirido durante a existência.

1. A teoria do conhecimento foi chamada de 5. Diante do polo sujeito e objeto (conhecedor e conhecido), Descartes
a) Epistemologia. b) Filosofia. c) Ciência. prioriza o papel do primeiro, pois
d) Metodologia. e) Hermenêutica. a) as ideias vêm de fora e estão disponíveis na observação.
b) as ideias não vêm de fora, mas estão dormentes no sujeito.
RESOLUÇÃO:
Resposta: A c) somente um conhecimento baseado no critério da racionalidade
externa do homem pode assegurar um conhecimento verdadeiro.
2. “Devemos ressaltar que a relação de conhecimento implica uma d) esse filósofo é um empiricista.
transformação tanto do sujeito quanto do objeto. O sujeito se transforma e) deve-se confiar apenas na realidade concreta.
mediante o novo saber, e o objeto também se transforma, pois o
conhecimento lhe dá sentido”. (Cristina de Oliveira): RESOLUÇÃO:
Com isso, a autora quis Resposta: B

a) ressaltar o caráter dinâmico do processo de conhecimento.


b) indicar os limites do conhecimento.
c) mostrar a impossibilidade de se produzir um saber rigoroso, pois ele
está sempre se modificando. 6. Sobre o Empirismo, pode-se dizer:

d) valorizar a ciência sobre as demais formas de saber. I. A alma é como uma tábula rasa.

e) relativizar a capacidade racional humana. II. O conhecimento só é construído em virtude do contato com a
realidade empírica, ou seja, em contato com a realidade sensível.
RESOLUÇÃO: III. Um filósofo representante dessa concepção é John Locke.
Resposta: A
IV. O homem é portador de uma racionalidade confiável e segura na
3. Sobre a produção de conhecimento, julgue as proposições abaixo: produção de conhecimento e deve-se desconfiar dos sentidos.
I. Há várias formas de conhecer o mundo, com diferentes peculia- São verdadeiras apenas:
ridades. a) I e II. b) II e III. c) I, III e IV.
II. A arte aparece como uma forma de conhecimento predominan- c) I, II e III. d) II, III e IV. e) III e IV.
temente objetivo, pois resulta da experiência empírica.
RESOLUÇÃO:
III. O mito deve ser desclassificado como forma de conhecimento, pois Resposta: C
se baseia no inexistente e fantasioso.
IV. A filosofia é um conhecimento racional e elaborado com rigor.
São corretas:
a) apenas I e II. b) apenas II e III.
c) apenas I e III. d) apenas I e IV. 7. Comparando Descartes a Locke, podemos afirmar:

e) apenas III e IV. a) Enquanto o primeiro enfatiza o sujeito conhecedor, o segundo


enfatiza o objeto conhecido.
RESOLUÇÃO: b) Para o primeiro, a realidade é acessível ao pensamento humano pela
Resposta: D
experimentação.
4. Segundo o “inatismo”, o homem desenvolve ideias a partir c) Os dois são adeptos de uma mesma metodologia e linha epistemo-
a) de seu próprio sujeito. lógica.
b) da observação empírica. d) Enquanto o primeiro é um empirista, o segundo é um inatista.
c) dos dados coletados cientificamente. e) Enquanto o primeiro é um realista, o segundo é um racionalista.
d) de uma metodologia científica rigorosa, que deixe de lado
RESOLUÇÃO:
pressupostos racionais não comprovados.
Resposta: A
e) da realidade externa.

RESOLUÇÃO:
Resposta: A

28 –
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8. (ENEM) Nos textos, ambos os autores se posicionam sobre a natureza do


TEXTO I conhecimento humano. A comparação dos excertos permite assumir
que Descartes e Hume
Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos,
a) defendem os sentidos como critério originário para considerar um
recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que
conhecimento legítimo.
depois eu fundei em princípios tão mal assegurados não podia ser senão
b) entendem que é desnecessário suspeitar do significado de uma ideia
mui duvidoso e incerto. Era necessário tentar seriamente, uma vez em
na reflexão filosófica e crítica.
minha vida, desfazer-me de todas as opiniões a que até então dera
c) são legítimos representantes do criticismo quanto à gênese do
crédito, e começar tudo novamente a fim de estabelecer um saber firme
conhecimento.
e inabalável.
d) concordam que conhecimento humano é impossível em relação às
DESCARTES, R. Meditações concernentes à Primeira Filosofia.
ideias e aos sentidos.
São Paulo: Abril Cultural, 1973 (adaptado).
e) atribuem diferentes lugares ao papel dos sentidos no processo de
obtenção do conhecimento.
TEXTO II
É o caráter radical do que se procura que exige a radicalização do próprio RESOLUÇÃO:
processo de busca. Se todo o espaço for ocupado pela dúvida, qualquer René Descartes é representante da concepção racionalista,
certeza que aparecer a partir daí terá sido de alguma forma gerada pela segundo a qual a razão humana, e não a experiência empírica
própria dúvida, e não será seguramente nenhuma daquelas que foram (sensorial, concreta e real), é fonte confiável de produção de
conhecimento.
anteriormente varridas por essa mesma dúvida.
Já David Hume representa a concepção empirista, segundo a qual
SILVA, F.L. Descartes. a metafísica da modernidade. a mente humana é uma tábula rasa e todo conhecimento se origina
São Paulo: Moderna, 2001 (adaptado). na experiência empírica e sensorial.
Portanto, os dois filósofos discordam quanto ao papel dos sentidos
A exposição e a análise do projeto cartesiano indicam que, para viabilizar no processo de obtenção do conhecimento.
Resposta: E
a reconstrução radical do conhecimento, deve-se
a) retomar o método da tradição para edificar a ciência com
legitimidade.
b) questionar de forma ampla e profunda as antigas ideias e
concepções.
c) investigar os conteúdos da consciência dos homens menos
esclarecidos.
d) buscar uma via para eliminar da memória saberes antigos e
10. (UNICAMP-2013) – A dúvida é uma atitude que contribui para o
ultrapassados.
surgimento do pensamento filosófico moderno. Neste comportamento,
e) encontrar ideias e pensamentos evidentes que dispensam ser
a verdade é atingida através da supressão provisória de todo
questionados.
conhecimento, que passa a ser considerado como mera opinião. A
RESOLUÇÃO: dúvida metódica aguça o espírito crítico próprio da Filosofia.
Os textos enfatizam o papel questionador do cognoscente, que
deve deixar de lado toda concepção anterior, e o termo “radical” (Adaptado de Gerd A. Bornheim, Introdução ao filosofar.
empregado no texto II tem o sentido de raiz, portanto, de profundo. Porto Alegre: Editora Globo, 1970, p. 11.)
Descartes introduziu o ceticismo metodológico, que consiste no
exercício de afastar toda dúvida até se chegar ao conhecimento. A partir do texto, é correto afirmar que:
a) A Filosofia estabelece que opinião, conhecimento e verdade são
conceitos equivalentes.
9. (ENEM) b) A dúvida é necessária para o pensamento filosófico, por ser
TEXTO I espontânea e dispensar o rigor metodológico.
c) O espírito crítico é uma característica da Filosofia e surge quando
Experimentei algumas vezes que os sentidos eram enganosos, e é de opiniões e verdades são coincidentes.
prudência nunca se fiar inteiramente em quem já nos enganou uma vez. d) A dúvida, o questionamento rigoroso e o espírito crítico são
fundamentos do pensamento filosófico moderno.
DESCARTES, R. Meditações Metafísicas.
São Paulo: Abril Cultural, 1979.
RESOLUÇÃO:
TEXTO II O ceticismo metodológico foi introduzido pelo filósofo René
Descartes no século XVII e esse método surge como resposta ao
Sempre que alimentarmos alguma suspeita de que uma ideia esteja ambiente de incerteza de seu próprio tempo. Seria preciso
construir um saber racional a partir de certezas indubitáveis.
sendo empregada sem nenhum significado, precisaremos apenas
Descartes foi considerado o fundador da filosofia moderna.
indagar: de que impressão deriva esta suposta ideia? E se for impossível Resposta: D
atribuir-lhe qualquer impressão sensorial, isso servirá para confirmar
nossa suspeita.
HUME, D. Uma investigação sobre o entendimento. São Paulo:
Unesp, 2004 (adaptado).

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1. Sobre o texto de Cristina de Oliveira e o quadro de Vanderlei de B. 7. Para Kant,


Rosas, podemos afirmar: a) só se pode confiar nos sentidos.
I. Ambos valorizam várias formas de conhecer o mundo, apontando b) deve-se confiar sobretudo na razão.
peculiaridades. c) a razão é incapaz de reconhecer seus próprios limites para conhecer.
II. A arte aparece como uma forma de conhecimento predominan- d) não há limites na racionalidade humana e não se deve confiar nos
temente objetivo, pois resulta da experiência empírica. sentidos.
III. O mito é desclassificado como forma de conhecimento, pois se e) se não se pode confiar totalmente na razão, também não se pode
baseia no inexistente e fantasioso.
confiar totalmente nos sentidos.
IV. A filosofia é apresentada como um conhecimento racional e
elaborado com rigor.
São coerentes:
a) apenas I e II. b) apenas II e III.
8. Conhecimento espontâneo é a primeira compreensão do mundo
c) apenas I e III. d) apenas I e IV.
e) apenas III e IV. resultante da herança do grupo a que pertencemos e das experiências
atuais que continuam sendo efetuadas. Trata-se da seguinte produção
de conhecimento.
2. Aponte as diferenças fundamentais da postura dos racionalistas e a) Arte. b) Ciência. c) Filosofia.
dos empiricistas acerca da forma como o homem produz conhecimento. d) Senso comum. e) Religião.

3. Sobre a distinção entre racionalistas e empiricistas, qual é a posição


assumida pelo filósofo Immanuel Kant? 9. Procura descobrir o funcionamento da natureza, principalmente,
pelas relações de causa e efeito, busca o conhecimento objetivo, lógico,
por métodos desenvolvidos para manter a coerência interna de suas
4. “ Devemos ressaltar que a relação de conhecimento implica uma afirmações. Trata-se da seguinte produção de conhecimento.
transformação tanto do sujeito quanto do objeto. O sujeito se transforma a) Arte. b) Ciência. c) Filosofia.
mediante o novo saber, e o objeto também se transforma, pois o
d) Senso Comum. e) Religião.
conhecimento lhe dá sentido”. (Cristina de Oliveira):
Com isso, a autora quis
a) ressaltar o caráter dinâmico do processo de conhecimento.
b) indicar os limites do conhecimento.
10. Propõe-se oferecer um tipo de conhecimento que busca, com todo
c) mostrar a impossibilidade de se produzir um saber rigoroso, pois ele
o rigor, a origem dos problemas, relacionando-os com outros aspectos
está sempre se modificando.
d) valorizar a ciência sobre as demais formas de saber. da vida humana, numa abordagem globalizante. Trata-se da seguinte
e) relativizar a capacidade racional humana. produção de conhecimento.
a) Arte. b) Ciência. c) Filosofia.
d) Senso comum. e) Religião.
5. “... o nosso conhecimento experimental é um composto do que
recebemos por impressões e do que a nossa própria faculdade de
conhecer de si mesma tira por ocasião de tais impressões”.
Segundo o seu conhecimento em epistemologia, a frase anterior deve 11. Essa forma de saber nos dá não o conhecimento de um objeto, mas
ser atribuída a: de um mundo, interpretado pela sensibilidade do criador e traduzido
a) Descartes b) Bacon c) Locke numa obra individual. Trata-se da seguinte produção de conhecimento.
d) Platão e) Kant a) Arte. b) Ciência. c) Filosofia.
d) Senso Comum. e) Religião.

6. No debate sobre epistemologia, Kant situa-se


a) ao lado dos racionalistas, valorizando o sujeito produtor de
conhecimento. 12. Passar do senso comum à consciência filosófica significa passar de
b) ao lado dos empiristas, sobrevalorizando o papel da razão humana. uma concepção fragmentária, incoerente, desarticulada, implícita,
c) ao lado dos inatistas, valorizando a produção de conhecimento pela degradada, para uma concepção
obsrvação da realidade concreta. a) mecânica e coerente. b) passiva e explícita.
d) ao lado dos empiristas, valorizando a observação e o papel dos c) simplista e intencional. d) ativa e dogmática.
sentidos. e) original e cultivada.
e) entre a postura dos racionalistas, que valorizam o sujeito, e a dos
empiricistas, que valorizam o objeto.

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1) D realidade empírica, ou seja, em contato com a realidade


sensível, enfatizando o objeto conhecido, pois a realidade é
2) Segundo o racionalismo, o homem desenvolve ideias a partir acessível ao pensamento humano pela experimentação.
de seu próprio sujeito, pois a realidade está primeiramente no
espírito. Diante do polo sujeito e objeto os racionalistas 3) Kant assume uma posição intermediária, pois, para ele, o
valorizam o papel do primeiro, pois as ideias não vêm de fora, conhecimento resulta da apreensão dos conteúdos pela
mas estão dormentes no sujeito e somente um conhecimento experiência empírica e pela razão humana.
baseado no critério da racionalidade interna do homem pode
assegurar um conhecimento verdadeiro. Os empiricistas 4) A 5) E 6) E 7) E 8) D
afirmam o contrário: a alma é como uma tábula rasa e o 9) B 10) C 11) A 12) E
conhecimento só é construído em virtude do contato com a

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Maquiavel e a Política da Astúcia


MÓDULO 5
Filosofia Social: Thomas Hobbes

MAQUIAVEL E POLÍTICA SOCIAL lo a realizar a unificação. O livro divide-se em 26 capítulos.


Define o principado, criando uma tipificação. Além disso,
1. Introdução defende a necessidade do príncipe de fundamentar suas
forças não em mercenários, mas em exércitos próprios,
Nicolau Maquiavel (Niccolò Machiavelli) nasceu na e, após tratar do governo propriamente dito e dos motivos
Florença, no dia 3 de maio de 1469 e morreu na mesma por trás da fraqueza dos Estados italianos, faz uma exorta-
cidade em 21 de Junho de 1527. Filósofo, historiador, ção a que um novo príncipe conquiste e liberte a Itália.
poeta, diplomata e músico italiano do Renascimento, foi
um filho do Antropocentrismo de seu século. Considerado 2. Conceitos importantes
fundador do pensamento político moderno, por ter escrito
sobre o Estado e o governo como realmente são e não A obra de Maquiavel está intimamente relacionada
como deveriam ser. De Maquiavel, surgiu o adjetivo com o mundo em que viveu. Foi um empirista, ou seja,
maquiavélico que significa espírito oportunista, astuto e não era um teórico sistemático, não separava a teoria da
esperto. prática. Pregou o Estado laico, ou seja, a separação da
O contexto histórico em que viveu foi marcado pelo esfera política da religiosa.
esplendor cultural do Renascimento italiano, pelo retorno Na sua obra, encontramos dois conceitos centrais:
à cultura clássica e pelo governo florentino de Lourenço virtù e fortuna. Tais conceitos aparecem muitas vezes e
de Médici. Aos 29 anos de idade, foi secretário da definem parte do seu pensamento.
Segunda Chancelaria (responsável pelas guerras e política Para ele, a virtù seria a habilidade de adaptação aos
interna) em Florença. Teve assim a oportunidade de acontecimentos políticos que levaria à permanência no
estudar o comportamento e atitudes dos políticos de sua poder. A virtù funcionaria como uma barragem que deteria
época, experiência que fundamentou a sua obra. os desígnios do destino. O poder de um príncipe é
ameaçado se esse não tiver a capacidade de mudar,
acompanhando as alterações da situação. Caso não
utilizar a virtù, o governante perderá o poder.
Fortuna era, na mitologia romana, a deusa da sorte,
boa ou má, e dos acontecimentos inevitáveis. Para
Maquiavel, nunca se sabe se a sorte sorrirá, ou seja, se as
circunstâncias históricas serão favoráveis ao governante
ou não. Porém, dizia, quem fosse portador da virtù, seria
agraciado pela fortuna.

Florença, em que viveu Maquiavel, foi um centro cultural e de arte na


Itália renascentista.

Escreveu várias obras, entre as quais, destacam-se


“O Príncipe” e os “Discursos sobre a primeira década de
Tito Lívio.”
O “Príncipe” (1513) é a obra mais popular e mais
estudada de Maquiavel. O filósofo italiano enxergou a
possibilidade de um príncipe unificar a Itália e defendê-la
contra os estrangeiros, com a união de Juliano de Médici
e do Papa Leão X, porém, dedicou a obra a Lourenço de Maquiavel foi um pensador típico de sua época: uma renascentista
italiano.
Médici II, mais jovem, com o claro objetivo de estimulá-

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3. Antropologia maquiavélica. Maquiavel é mal interpretado. Maquiavel, ao escrever sua


principal obra, O PRÍNCIPE, criou um “manual da
Para Maquiavel, o homem era naturalmente portador política”, que pode ser interpretado de muitas maneiras
de uma natureza egoísta e má. Os homens querem obter diferentes. Talvez por isso sua frase mais famosa: -”Os
os máximos ganhos a partir do menor esforço, e fazem o fins justificam os meios”- seja tão mal interpretada.
bem quando forçados a isso. Não compreendia o homem Mas para entender Maquiavel em seu real contexto,
como fruto de processos históricos e culturais, e assim, é necessário conhecer o período histórico em que viveu.
para ele, o homem era sempre o mesmo, não alterando É exatamente isso que vamos fazer.
suas más inclinações.
(Extraído de www.culturabrasil)

4. O Panorama Político

Maquiavel viveu durante a Renascença Italiana, o que


explica boa parte das suas ideias.
Na Itália do Renascimento reina grande confusão.
A tirania impera em pequenos principados, governados
despoticamente por casas reinantes sem tradição
dinástica ou de direitos contestáveis. A ilegitimidade do
poder gera situações de crise e instabilidade permanente,
onde somente o cálculo político, a astúcia e a ação rápida
e fulminante contra os adversários são capazes de manter
o príncipe. Esmagar ou reduzir à impotência a oposição
interna, atemorizar os súditos para evitar a subversão e
realizar alianças com outros principados constituem o eixo
da administração. Como o poder se funda exclusivamente
em atos de força, é previsível e natural que pela força seja
deslocado, deste para aquele senhor. Nem a religião nem
a tradição, nem a vontade popular legitimaram e ele tem
de contar exclusivamente com sua energia criadora. A au-
sência de um Estado central e a extrema multipolarização
do poder criam um vazio, que as mais fortes individuali-
dades têm capacidade para ocupar. Até 1494, graças aos
esforços de Lourenço, o Magnífico, a península experi-
mentou uma certa tranquilidade.
Lourenço de Médici, príncipe de Florença na época de Maquiavel. Entretanto, desse ano em diante, as coisas mudaram
muito. A desordem e a instabilidade ficaram incontro-
Texto 1 láveis. Para piorar a situação, que já estava grave, devido
Maquiavel aos conflitos internos entre os principados, somaram-se
as constantes e desestruturadoras invasões dos países
Mais de quatro séculos nos separam da época em próximos como a França e a Espanha. E foi nesse cenário
que viveu Maquiavel. Muitos leram e comentaram sua conturbado, onde nenhum governante conseguia se
obra, mas um número consideravelmente maior de manter no poder por um período superior a dois meses,
pessoas evoca seu nome ou pelo menos os termos que que Maquiavel passou a sua infância e adolescência.
aí tem sua origem. “Maquiavélico e maquiavelismo” são
adjetivo e substantivo que estão tanto no discurso 5. Vida e obra
erudito, no debate político, quanto na fala do dia a dia. Seu
uso extrapola o mundo da política e habita sem nenhuma Maquiavel nasceu em Florença em 3 de maio de
cerimônia o universo das relações privadas. Em qualquer 1469, numa Itália “esplendorosa, mas infeliz”, segundo
de suas acepções, porém, o maquiavelismo está associa- o historiador Garin. Sua família não era aristocrática nem
do a ideia de perfídia, a um procedimento astucioso, rica. Seu pai, advogado como um típico renascentista, era
velhaco, traiçoeiro. Estas expressões pejorativas sobrevi- um estudioso das humanidades, tendo se empenhado
veram de certa forma incólumes no tempo e no espaço, em transmitir uma aprimorada educação clássica para seu
apenas alastrando-se da luta política para as desavenças filho. Maquiavel com 12 anos, já escrevia no melhor estilo
do cotidiano. Assim, hoje em dia , na maioria das vezes, e, em latim. Mas apesar do brilhantismo precoce, só em
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1498, com 29 anos Maquiavel exerce seu primeiro cargo Deixou, porém um valioso legado: o conjunto de
na vida pública. Foi nesse ano que Nicolau passou a ideias elaborado em cinco ou seis anos de meditação
ocupar a segunda chancelaria. Isso se deu após a forçada pelo exílio. Talvez nem ele mesmo soubesse
deposição de Savonarola, acompanhado de todos os avaliar a importância desses pensamentos dentro do
detentores de cargos importantes da república florentina. panorama mais amplo da história, pois “especulou
Nessa atividade, cumpriu uma série de missões, tanto sempre sobre os problemas mais imediatos que se
fora da Itália como internamente, destacando-se sua apresentavam”. Apesar disso, revolucionou a história das
diligência em instituir uma milícia nacional. teorias políticas, costituindo-se um marco que modificou
Com a queda de soverine, em 1512, a dinastia Médici o fato das teorias do Estado e da sociedade não
volta ao poder, desesperando Maquiavel, que é envolvido ultrapassarem os limites da especulação filosófica.
em uma conspiração, torturado e deportado. É permitido O universo mental de Nicolau Maquiavel é completa-
que se mude para São Cassiano, cidade pequena próxima mente diverso. Em São Cassiano, tem plena consciência
de Florença, onde escreve sobre a Primeira década de de sua originalidade e trilha um novo caminho. Delibera-
Tito-Lívio, mas interrompe esse trabalho para escrever sua damente distancia-se dos “tratados sistemáticos da
obra prima: O Príncipe, segundo alguns, destinado a que escolástica medieval” e, à semelhança dos renascentistas
se reabilitasse com os aristocratas, já que a obra era nada preocupados em fundar uma nova ciência física, rompe
mais que um manual da política. com o pensamento anterior, através da defesa do método
Maquiavel viveu uma vida tranquila em S. Cassiano. da investigação empírica.
Pela manhã, ocupava-se com a administração da pequena
propriedade onde está confinado. 7. O pensamento de Maquiavel
À tarde, jogava cartas numa hospedaria com pessoas
simples do povoado. E à noite vestia roupas de cerimônia Maquiavel nunca chegou a escrever a sua frase mais
para conviver, através da leitura com pessoas ilustres do famosa: “os fins justificam os meios”. Mas com certeza
passado, fato que levou algumas pessoas a considerá-lo ela é o melhor resumo para sua maneira de pensar. Seria
louco. praticamente impossível analisar num só trabalho, todo o
A obra de Maquiavel é toda fundamentada em sua pensamento de Nicolau Maquiavel, portanto, vamos
própria experiência, seja ela com os livros dos grandes analisá-lo baseados nessa máxima tão conhecida e tão
escritores que o antecederam, ou sejam os anos como diferentemente interpretada.
segundo chanceler, ou até mesmo a sua capacidade de Ao escrever O Príncipe, Maquiavel expressa nitida-
olhar de fora e analisar o complicado governo do qual mente os seus sentimentos de desejo de ver uma Itália
terminou fazendo parte. poderosa e unificada. Expressa também a necessidade
Enfim, em 1527, com a queda dos Médici e a (não só dele, mas de todo o povo Italiano) de um monarca
restauração da república, Maquiavel que achava estarem com pulso firme, determinado que fosse um legítimo rei
findos os seus problemas, viu-se identificado por jovens e que defendesse seu povo sem escrúpulos e nem medir
republicanos como alguém que tinha ligações com os esforços.
tiranos depostos. Então se viu vencido. Esgotaram-se Em O Príncipe, Maquiavel faz uma referência elogiosa
suas forças. Foi a gota d’água que estava faltando. A a César Bórgia, que após ter encontrado na recém
república considerou-o seu inimigo. Desgostoso, adoece
conquistada Romanha, um lugar assolado por pilhagens ,
e morre em junho.
furtos e maldades de todo tipo, confia o poder a Dom
Mas nem depois de morto, Maquiavel terá descanso.
Ramiro de Orco. Este, por meio de uma tirania impiedosa
Foi posto no Índex pelo concílio de Trento, o que o levou,
e inflexível põe fim à anarquia e se faz detestado por toda
desde então a ser objeto de excreção dos moralistas.
parte. Para recuperar sua popularidade, só restava a
Bórgia suprimir seu ministro. E um dia em plena praça,
6. A Nova Ciência Política
no meio de Cesena, mandou que o partissem ao meio. O
Maquiavel faleceu sem ter visto realizados os ideais povo por sua vez ficou, ao mesmo tempo, satisfeito e
pelos quais se lutou durante toda a vida. A carreira pessoal chocado.
nos negócios públicos tinha sido cortada pelo meio com Para Maquiavel, um príncipe não deve medir esforços
o retorno dos Médicis e, quando estes deixaram o poder, nem hesitar, mesmo que diante da crueldade ou da
os cidadãos esqueceram-se dele, “um homem que a trapaça, se o que estiver em jogo for a integridade
fortuna tinha feito capaz de discorrer apenas sobre nacional e o bem do seu povo.
assuntos de Estado”. Também não chegou a ver a Itália “... sou de parecer de que é melhor ser ousado do
forte e unificada. que prudente, pois a fortuna (oportunidade) é mulher e,

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para conservá-la submissa, é necessário (...) contrariá-la. Pode-se observar que todos os homens – especial-
Vê-se, que prefere, não raramente, deixar-se vender mente os soberanos, colocados em posição mais elevada
pelos ousados do que pelos que agem friamente. Por – têm a reputação de certas qualidades que lhe valem
isso é sempre amiga dos jovens, visto terem eles menos elogios ou vitupérios (palavra ou atitude ofensiva). Assim,
respeito e mais ferocidade e subjugarem-na com mais alguns são tidos como liberais, outros por miseráveis […];
audácia”. um é considerado generoso; o outro, ávido; um cruel; o
Para Maquiavel, como renascentista que era, quase
outro, misericordioso; um, efeminado e pusilânime
tudo que veio antes estava errado. Esse tudo deve incluir
(covarde); e outro bravo e corajoso; […] e assim por
os pensamentos e as ideias de Aristóteles. Ao contrário
diante.
deste, Maquiavel não acredita que a prudência seja o
Naturalmente, seria muito louvável que um príncipe
melhor caminho. Para ele, a coerência está contida na arte
possuísse todas as boas qualidades acima mencionadas,
de governar.
Maquiavel procura a prática. A execução fria das mas como isso não é possível, pois as condições
observações meticulosamente analisadas, feitas sobre o humanas não o permitem, é necessário que tenha a
Estado, a sociedade. Maquiavel segue o espírito renas- prudência necessária para evitar o escândalo provocado
centista, inovador. Ele quer superar o medieval. Quer pelos vícios que poderiam fazê-lo perder seus domínios,
separar os interesses do Estado dos dogmas e interes- evitando os outros, se for possível; se não for, poderá
ses da igreja. praticá-los com menores escrúpulos. Contudo não deverá
Maquiavel não era o vilão que as pessoas pensam. preocupar-se com a prática escandalosa daqueles vícios
Ele não era nem malvado. O termo maquiavélico tem sido sem os quais é difícil salvar o Estado; isto porque, se se
constantemente mal interpretado. “Os fins justificam os refletir bem, será fácil perceber que certas qualidades que
meios”. Maquiavel, ao dizer essa frase, provavelmente parecem virtudes levam à ruína, e outras, que parecem
não fazia ideia de quanta polêmica ela causaria. Ao dizer vícios, trazem como resultado o aumento da segurança e
isso, Maquiavel não quis dizer que qualquer atitude é do bem-estar.
justificada dependendo do seu objetivo. Seria totalmente
absurdo. O que Maquiavel quis dizer foi que os fins
determinam os meios. É de acordo com o seu objetivo
que você vai traçar os seus planos de como atingi-los.

8. Conclusão

Assim, a contribuição de Nicolau Maquiavel para o


mundo é imensa e fantástica. Maquiavel ensinou, através
da sua obra , a vários políticos e governantes. Aliás, a obra
de Maquiavel entrou para sempre não só na história,
como na nossa vida cotidiana atual, já que é aplicável a
todos os tempos.
É possível perceber que “Maquiavel, fingindo ensinar
aos governantes, ensinou também ao povo”. E é por isso
que até hoje, e provavelmente para sempre, ele será
reconhecido como um dos maiores pensadores da
história do mundo.

Trecho de O Príncipe

Quem quiser praticar a bondade em tudo o que faz


está condenado a penar, entre tantos que não são bons.
É necessário, portanto, que o príncipe que deseja manter-
se aprenda a agir sem bondade, faculdade que usará ou
Edição antiga de O Príncipe
não, em cada caso, conforme seja necessário.
[…]

– 35
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Texto 2 a partir desta reflexão e, finalmente, pensar nas táticas


que podem ajudar a concretizar o objetivo através de um
Maquiavel e a política contemporânea. processo gradual de metas realistas e concretas.
Por Alexandre Gomes Além disto, ele adverte de um lado para que não se
Maquiavel é talvez um dos autores – como a imensa perca o objetivo de vista e de outro para que nem toda
maioria dos clássicos de qualquer área – mais mal tática é recomendável. A questão não é, portanto linear
compreendidos tanto pela crítica como, principalmente, nem são infinitas as escolhas porque algumas delas
pelo senso comum. A própria significação que se dá ao ampliam o risco admissível. Os riscos, avalia ele, às vezes
termo maquiavélico revela esta incompreensão. devem ser corridos porque a sorte em geral favorece aos
A principal destas incompreensões provavelmente é audazes, mas se deve estar conscientes deles. Mais ou
a que o vincula à ação inescrupulosa e ao desejo do poder menos o conceito de risco calculado da estratégia militar
pelo Poder. Nada mais contrário a Maquiavel, ao definir contemporânea.
que “os fins justificam os meios” – frase habitualmente Assim ele sabe que o Estado que ele deseja não será
utilizada fora de contexto - ele não desprezava os fins, os obtido enquanto a Itália não for unificada. Sabe que ela
objetivos, mas sim os colocava em seu devido lugar: no Não será unificada a não ser por um Príncipe forte e que
centro de planejamento de qualquer ação política. este processo inevitavelmente conduzirá a guerras e
E quais eram os fins que Maquiavel almejava, violência. Sabe que esta centralização precisa se dar em
pergunta que poucos se fazem. Em primeiro lugar ele torno de um nome forte porque precisará obrigatoriamen-
desejava trazer para a Itália uma instituição republicana na te combater a aristocracia – com a qual o Estado republi-
qual a vontade do povo fosse respeitada. É bastante cano final não será possível. Daí o conteúdo até brutal em
evidente em um texto dele – muito menos conhecido que alguns momentos do Príncipe.
"O Príncipe" – Comentários sobre a Primeira Década de
Tito Lívio sua vocação republicana e em certa medida Síndrome de Cassandra
democrática.
Curioso que Maquiavel, ao lado de dois outros
Mas, mesmo nas páginas do Príncipe, ele adverte ao
grandes estrategistas – Ibn Khaldun e Karl Clausewitz –
soberano que é perigoso ser odiado pelo povo e que a um
jamais tenham sido ouvidos em sua época. Maquiavel
governante que não é capaz de manter-se em paz com o
passou a vida toda tentando se fazer ouvir pelos príncipes
povo é inútil a proteção dos exércitos e fortificações. Isto
italianos. Khaldun passou a vida fugindo de corte em corte
se dá porque na sua compreensão de sociedade há atores
do Magreb onde inevitavelmente caia em desgraça.
múltiplos – o príncipe, os nobres, o povo – e, portanto ele
Clausewitz jamais conseguiu ser levado a sério pelo
é capaz de perceber que sempre existirão conflitos na
Estado maior prussiano.
sociedade.
Tal como a personagem da mitologia grega, os três
Este modelo é muito diferente dos posteriores que
parecem ter recebido ao mesmo tempo o dom de prever
irão imaginar a existência de um Estado acima da
o futuro e a maldição de não ser capaz de convencer
sociedade – como o pensado pelo modelo liberal – ou
ninguém das suas previsões por mais acertadas que
apenas como apêndice de uma parte da sociedade –
fossem. Ainda assim Maquiavel continua hoje sendo um
como os marxistas. Ainda hoje parece ser um paradigma
eficiente conselheiro, Clausewitz moldando os exércitos
eficiente para analisar a política.
contemporâneos e Khaldun arrancando exclamações
sobre a atualidade de seu modelo de interpretação do
Metas realistas
desenvolvimento das sociedades. Enquanto isto os
contemporâneos a eles que obtiveram seus efêmeros
Maquiavel dedica boa parte dos seus textos a avaliar
sucessos tiveram o nome apagados da história.
que é necessário ver a política como ela é, não como ela
deveria ser. Ao afirmar isto ele em momento nenhum
advogou que os muitos truques – do assassinato à
corrupção - analisados por ele fossem um padrão ou um Frases de Maquiavel
ideal do que deveria ser a política – tampouco de que ela
“Há três espécies de cérebros: uns entendem por si
sempre haveria de ser assim. Ele apenas constatou fatos
próprios; os outros discernem o que os primeiros
e analisou os dados presentes.
entendem; e os terceiros não entendem nem por si
Assim a visão de Maquiavel é essencialmente próprios nem pelos outros; os primeiros são
estratégica: definir o objetivo, enxergar a realidade como excelentíssimos; os segundos excelentes; e os
ela é, refletir como a partir daquela realidade dada se pode terceiros totalmente inúteis”.
chegar à situação desejada no objetivo, rever os objetivos

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“Nenhum indício melhor se pode ter a respeito de Alguns filósofos acreditavam que o homem não era
um homem do que a companhia que frequenta: o que naturalmente um ser social. Afirmavam que o homem
tem companheiros decentes e honestos adquire, vivia originalmente em um estado de natureza, mas que
merecidamente, bom nome, porque é impossível que acabava por renunciar a este para assim conseguir
não tenha alguma semelhança com eles”. algumas vantagens, como segurança. A sociedade,
portanto, era vista como um pacto ou contrato artificial,
“Os homens têm menos escrúpulos em ofender como um artifício para assegurar algum bem-estar. Essa
quem se faz amar do que quem se faz temer, pois o visão já não é aceita pelos sociólogos e filósofos
amor é mantido por vínculos de gratidão que se modernos. Não há como pensar o homem sem a
rompem quando deixam de ser necessários, já que os sociedade. Veremos abaixo um pequeno texto de Thomas
homens são egoístas; mas o temor é mantido pelo
Hobbes (1588-1679), filósofo inglês, para quem a
medo do castigo, que nunca falha”.
sociedade era um pacto artificial.
“Não se pode chamar de "valor" assassinar seus
cidadãos, trair seus amigos, faltar a palavra dada, ser
desapiedado, não ter religião. Essas atitudes podem
levar à conquista de um império, mas não à glória”.

“Assegurar-se contra os inimigos, ganhar amigos,


vencer por força ou por fraude, faze-se amar a e temer
pelo povo, ser seguido e respeitado pelos soldados,
destruir os que podem ou devem causar dano, inovar
com propostas novas as instituições antigas, ser
severo e agradável, magnânimo e liberal, destruir a
milícia infiel e criar uma nova, manter as amizades de
reis e príncipes, de modo que lhe devam beneficiar
com cortesia ou combater com respeito, não
encontrará exemplos mais atuais do que as ações do
duque”.

“Um príncipe sábio deve observar modos similares


e nunca, em tempo de paz, ficar ocioso".

“... Pois o homem que queira professar o bem por


toda parte é natural que se arruíne entre tantos que não
são bons”.

“Tendo o príncipe necessidade de saber usar bem a Hobbes, filósofo político, para quem a sociedade era um pacto artificial.
natureza do animal, deve escolher a raposa e o leão,
pois o leão não sabe se defender das armadilhas e a
raposa não sabe se defender da força bruta dos lobos. 10. Texto Clássico
Portanto é preciso ser raposa, para conhecer as
armadilhas e leão, para aterrorizar os lobos”. É certo que algumas criaturas vivas, como as abelhas
e as formigas, vivem em sociedade (e por isso são
Filosofia Social: Thomas Hobbes inclusas por Aristóteles entre as criaturas políticas), mas
não são regidas senão por seus juízos e apetites
9. Introdução particulares, não dispondo da linguagem por meio da qual
uma possa indicar à outra aquilo que acredita ser
Hoje, dispomos de uma ciência específica que estuda vantajoso para o bem comum. Assim, talvez alguns
o ser social, as relações sociais: a sociologia. Mas a desejem saber por que o gênero humano não pode fazer
filosofia nunca deixou de interpretar a sociedade, a o mesmo. Ao que respondo:
convivência humana, imposta pela própria natureza Em primeiro lugar, os homens estão em contínua
antropológica, pois o homem é um ser social e a vida em competição pela honra e pela dignidade, o que não ocorre
sociedade tem um fim em si mesmo. A filosofia também entre essas criaturas; consequentemente, surgem entre
aborda as questões de política e ética, fundamentais para os homens inveja e ódio e, por fim, a guerra; entre as
o estudo da sociedade humana. criaturas não é assim.

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Em segundo lugar, entre as criaturas o bem comum O autoproduzir-se humano se completa em dois
não se distingue do bem individual, mas, sendo, por movimentos contraditórios e inseparáveis: por um lado,
natureza, inclinadas a buscar o seu bem individual, a sociedade exerce sobre o indivíduo um efeito
acabam por alcançar o bem comum. Mas, para os plasmador, a partir do qual é construída uma determinada
homens, a felicidade consiste em comparar-se com os visão de mundo; por outro, cada um elabora e interpreta
outros homens... a herança recebida na sua perspectiva pessoal.
Em terceiro lugar, não possuindo essas criaturas (ao É bem verdade que o teor dessas mudanças varia
contrário do homem) o uso da razão, não veem nem conforme o tipo de sociedade: no mundo contemporâneo
pensam ver qualquer culpa na administração dos seus de intensa urbanização, as alterações são muito mais
negócios comuns, ao passo que entre os homens velozes do que nas tribos indígenas ou comunidades
existem muitos que se julgam mais sábios e capazes que tradicionais. Mesmo assim, não há sociedade estática:
os outros para governar a coisa pública; e se esforçam em maior ou menor grau, todas mudam, estabelecendo
para reformar e inovar as formas diferentes, o que acaba uma dinâmica que resulta do embate entre tradição e
por levar à divisão e à guerra civil. ruptura, herança e renovação.
Em quarto lugar, essas criaturas irracionais, mesmo A transformação produzida pelo homem pode ser
fazendo um certo uso da voz para comunicar entre si os caracterizada como um ato de liberdade, entendendo-se
seus desejos e as suas predileções, são desprovidos da liberdade não como alguma coisa que é dada ao homem,
arte da linguagem, mediante a qual alguns homens mas como resultado da sua capacidade de compreender
podem representar aos demais o que é bem sob a o mundo, projetar mudanças e fazer projetos. Pelo
aparência do mal, e o que é mal sob a aparência do bem, trabalho o homem aprende a conhecer as suas próprias
aumentando ou diminuindo a aparente dimensão do bem forças e limitações, desenvolve a inteligência, as
e do mal, provocando descontentamento entre os habilidades, impõe-se uma disciplina, relaciona-se com os
homens e abalando sua paz e seu bel-prazer. companheiros e vive os afetos de toda relação. Nesse
Em quinto lugar, as criaturas irracionais não são sentido, dizemos que o homem se autoproduz, pois ele
capazes de distinguir injúria e dano; portanto, desde que se modifica e se constrói a partir de sua ação. E nesse
se sintam à vontade, não se sentem ofendidas pelas suas
movimento tece sua liberdade.
companheiras, ao passo que o homem é tanto mais
turbulento quanto mais se sente à vontade; é justamente (Sociedade e Indivíduo, Maria Lúcia de Arruda Aranha)
neste caso que gosta de exibir a sua sabedoria e censurar
as ações daqueles que governam o Estado.
Finalmente, o acordo que se produz entre as criaturas
é natural, enquanto o acordo entre os homens é apenas
pactual, ou seja, artificial; portanto não surpreende que
(além do pacto) exijam algumas coisas uns dos outros
para tornar o acordo constante e duradouro – ou seja, um
poder comum que os constranja e dirija as suas ações
para um benefício comum.
(Thomas Hobbes, O Leviatã)

11. Texto Moderno

A natureza modificada pelo trabalho humano não é


apenas a do mundo exterior, mas também a da individua-
lidade humana, pois nesse processo o homem se
Não há homens sem sociedade. Imagem de índios brasileiros.
autoproduz, isto é, faz a si mesmo homem.

Sobre Thomas Hobbes

Nascido no ano da Invencível Armada, Hobbes envolvido numa zaragata à porta da sua igreja,
nasceu prematuramente devido à ansiedade da mãe, abandonando os seus três filhos aos cuidados de um seu
segundo ele próprio defendeu. O pai de Hobbes, um irmão, um bem sucedido luveiro de Malmesbury.
clérigo da igreja anglicana, desapareceu depois de se ter

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Aos 4 anos Hobbes foi enviado para a escola, em desagrado da corte do novo rei de Inglaterra, no exílio, já
Westport, a seguir para uma escola privada, e finalmente que se pensava que Hobbes estava a tentar cortejar o
para Oxford, onde se interessou sobretudo por livros de regime republicano em Inglaterra. Excluído da corte
viagens e mapas. Quando acabou os estudos tornou-se inglesa e suspeito, para as autoridades francesas, devido
professor privado do futuro 1.° conde de Devonshire, aos seus ataques contra o Papado, Hobbes regressou de
William Cavendish, iniciando a sua longa relação com a fato a Inglaterra nesse ano de 1651.
família Cavendish. Tornou-se muito chegado ao seu aluno,
que era pouco mais novo do que ele, tornando-se seu
secretário e companheiro. Assim, em 1610, Thomas
Hobbes visitou a França e a Itália com o seu pupilo. Aí
descobriu que a filosofia aristotélica que tinha aprendido
estava a perder influência, devido às descobertas de
astrônomos como Galileu e Kepler, que formularam as leis
do movimento planetário. Por isso, ao regressar a
Inglaterra decidiu tornar-se um estudioso dos clássicos,
tendo realizado uma tradução da História da Guerra do
Peloponeso de Tucídedes, publicada em 1629, influen-
ciada pelos problemas contemporâneos da Inglaterra.
Tendo voltado a viajar para o estrangeiro, com o seu
novo pupilo Hobbes foi chamado à Inglaterra, em 1630,
para ensinar o jovem 2.o conde de Devonshire, William
Cavendish, filho do seu patrono e pupilo.
Foi durante uma nova viagem, a terceira, ao conti- O regresso à Inglaterra não se fez sem perigos, já que
nente que se deu o ponto de viragem intelectual de Hobbes tinha atacado o sistema universitário, devido ao
Hobbes, quando descobriu os Elementos de Euclides, e seu antigo apoio ao Papa, continuando a criticá-lo devido
a Geometria, devido à influência de Galileu, que o ajudou à manutenção de um ensino baseado em conhecimentos
a clarificar as suas ideias sobre a filosofia, como qualquer ultrapassados. De fato, a Universidade de Oxford criticou-
coisa que podia ser demonstrada em termos positivos - o duramente em 1655, quando da saída do De Corpore.
«as regras e a infalibilidade da razão» - tendo escrito os Hobbes, impressionado com os progressos de Galileu na
Elementos do Direito, Natural e Político, que circulou mecânica, tentou explicar todos os fenômenos e os
manuscrito em 1640, mas que só foi publicado no século próprios sentidos com base do movimento dos corpos. A
XIX, após ter chegado a Inglaterra, em 1637. posição foi muito criticada, dando origem a uma polêmica
Em 1640 foi um dos primeiros emigrantes Realistas, que durou até 1662, ano em que se defendeu, com
o primeiro segundo ele próprio orgulhosamente afirmava, sucesso, de ter abandonado Carlos II, no exílio.
tendo vivido em Paris nos onze anos seguintes. Contatou Com a Restauração da monarquia inglesa, em 1660,
de novo o círculo de Mersenne, escreveu sobre na pessoa de Carlos II, Hobbes voltou a ser admitido na
Descartes e publicou o De Cive, que desenvolvia os corte, contra o parecer dos bispos, passando mesmo a
argumentos apresentados na 2.a parte dos Elementos, receber uma pensão do rei. Em 1666-67 Hobbes sentiu-
concluindo abordando as relações entre o Estado e a se realmente ameaçado, devido à tentativa de aprovação
religião. Em 1646 o príncipe de Gales, o futuro Carlos II, no Parlamento de uma lei contra os ateus e os
chegou a Paris tendo Hobbes sido convidado a ensinar- profanadores de túmulos, já que a comissão encarregada
lhe matemática. Os problemas políticos ingleses e o cada de discutir a lei tinha por dever analisar O Leviatã. Hobbes
vez maior número de refugiados políticos levou-o a de defendeu-se afirmando que não havia na Inglaterra
novo para a filosofia política. Assim, em 1647 publicou nenhum tribunal com jurisdição sobre as heresias, desde
uma segunda edição, aumentada, do De Cive, e a sua a extinção da high court of comission, em 1641. O
tradução inglesa em 1651. Em 1650 publicou Os parlamento acabou por não aprovar a lei contra o ateísmo,
Elementos da Lei em duas partes, a Natureza Humana e mas mesmo assim Hobbes nunca mais pôde publicar
o De Corpore Politico (Do Corpo Político). sobre a conduta dos homens, possivelmente o preço que
Em 1651 publicou a sua obra-prima, O Leviatã. Carlos o rei acordou para Hobbes ser deixado em paz.
I tinha sido executado e a causa realista parecia O fim da vida foi passado com os clássicos da sua
completamente perdida, por isso no fim da obra tentou juventude, tendo publicado uma tradução da Odisseia em
definir as situações em que seria possível legitimamente 1675, e a da Ilíada no ano seguinte.
a submissão a um novo soberano. Tal capítulo valeu-lhe o
(Fonte: Enciclopédia Britânica)

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1. (ENEM) – O príncipe, portanto, não deve se incomodar com a 4. (UFF) – De acordo com o filósofo inglês Thomas Hobbes
reputação de cruel, se seu propósito é manter o povo unido e leal. De (1588-1679), em seu estado natural, os seres humanos são livres,
fato, com uns poucos exemplos duros poderá ser mais clemente de competem e lutam entre si. Mas, como têm em geral a mesma força,
outros que, por muita piedade, permitem os distúrbios que levam ao o conflito se perpetua através das gerações, criando um ambiente de
assassinato e ao roubo. tensão e medo permanentes. Para Hobbes, criar uma sociedade
submetida à lei e na qual os seres humanos vivam em paz e deixem de
MAQUIAVEL, N. O Príncipe, São Paulo: Martin Claret, 2009.
guerrear entre si pressupõe que todos os homens renunciem a sua
liberdade original e deleguem a um só deles (o soberano) o poder
No século XVI, Maquiavel escreveu “O Príncipe”, reflexão sobre a
completo e inquestionável.
Monarquia e a função do governante. A manutenção da ordem social,
segundo esse autor, baseava-se na
Assinale a modalidade de governo que desempenhou importante papel
a) inércia do julgamento de crimes polêmicos.
na Filosofia Política Moderna e que é associada à teoria política de
b) bondade em relação ao comportamento dos mercenários.
Hobbes.
c) compaixão quanto à condenação de transgressões religiosas.
a) Monarquia censitária
d) neutralidade diante da condenação dos servos.
b) Monarquia absoluta
e) conveniência entre o poder tirânico e a moral do príncipe.
c) Sistema parlamentar
RESOLUÇÃO: d) Despotismo esclarecido
Resposta: E e) Sistema republicano

RESOLUÇÃO:
2. (IFRN) – Nicolau Maquiavel foi diferente dos teólogos medievais e de Resposta: B
seus contemporâneos ao fundamentar as suas teorias políticas porque
partiu
a) da Bíblia para fundamentar as suas teorias políticas.
b) do direito romano para a construção do seu pensamento político.
c) das obras dos filósofos grecorromanos para construir a sua teoria
política. 5. Thomas Hobbes, em sua obra Leviatã, descreve um hipotético
d) da experiência real do seu tempo para fundamentar o seu pensamento estado de natureza primitivo como sendo um estado de guerra de todos
político. contra todos. Para ele, a razão desse estado de guerra reside na
a) ausência de um poder comum capaz de manter a todos em mútuo
RESOLUÇÃO:
respeito.
Resposta: D
b) natural propensão humana para buscar a guerra.
c) ausência do desejo de autoconservação nos homens.
3. (UEL) – “O maquiavelismo é uma interpretação de O Príncipe de
d) desigualdade radical entre os homens no estado de natureza.
Maquiavel, em particular a interpretação segundo a qual a ação política,
ou seja, a ação voltada para a conquista e conservação do Estado, é uma
RESOLUÇÃO:
ação que não possui um fim próprio de utilidade e não deve ser julgada Resposta: A
por meio de critérios diferentes dos de conveniência e oportunidade.”

(BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel


Kant.Trad. de Alfredo Fait. 3.ed. Brasília: Editora da UNB, 1984. p. 14.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o tema, para Maquiavel 6. (UFU) – Segundo Hobbes (1588-1679), podemos definir estado de
o poder político é: natureza como sendo o lugar onde
a) Independente da moral e da religião, devendo ser conduzido por a) todos são bons por natureza, mas a vida em sociedade os corrompe.
critérios restritos ao âmbito político. b) os homens são bons, “bons selvagens inocentes”, vivendo em
b) Independente da conveniência e oportunidade, pois estas dizem estado de felicidade original.
respeito à esfera privada da vida em sociedade. c) todos são proprietários de suas vidas, de seus corpos, de seus
c) Dependente da religião, devendo ser conduzido por parâmetros trabalhos, portanto, todos são proprietários.
ditados pela Igreja. d) reina o medo entre os indivíduos, que temem a morte violenta, que
d) Dependente da ética, devendo ser orientado por princípios morais vivem isolados e em luta permanente, guerra de todos contra todos.
válidos universal e necessariamente.
e) Independente das pretensões dos governantes de realizar os RESOLUÇÃO:
Resposta: D
interesses do Estado.

RESOLUÇÃO:
Resposta: A

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7. (UEL) – “Hobbes realiza o esforço supremo de atribuir ao contrato 9. (ENEM) – Nasce daqui uma questão: se vale mais ser amado que
uma soberania absoluta e indivisível [...]. Ensina que, por um único e temido ou temido que amado. Responde-se que ambas as coisas seriam
mesmo ato, os homens naturais constituem-se em sociedade política e de desejar; mas porque é difícil juntá-las, é muito mais seguro ser
submetem-se a um senhor, a um soberano. Não firmam contrato com temido que amado, quando haja de faltar uma das duas. Porque dos
esse senhor, mas entre si. É entre si que renunciam, em proveito desse homens se pode dizer, duma maneira geral, que são ingratos, volúveis,
senhor, a todo o direito e toda liberdade nocivos à paz”. simuladores, covardes e ávidos de lucro, e enquanto lhes fazes bem são
inteiramente teus, oferecem-te o sangue, os bens, a vida e os filhos,
(CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel
quando, como acima disse, o perigo está longe; mas quando ele chega,
a nossos dias. Trad. de Lydia Cristina. 7. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1995.
revoltam-se.
p. 73.)
MAQUIAVEL, N. O príncipe. Rio de Janeiro: Bertrand, 1991.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o contrato político em A partir da análise histórica do comportamento humano em suas
Hobbes, considere as afirmativas a seguir. relações sociais e políticas. Maquiavel define o homem como um ser
I. A renúncia ao direito sobre todas as coisas deve ser recíproca entre a) munido de virtude, com disposição nata a praticar o bem a si e aos
os indivíduos. outros.
II. A renúncia aos direitos, que caracteriza o contrato político, significa b) possuidor de fortuna, valendo-se de riquezas para alcançar êxito na
a renúncia de todos os direitos em favor do soberano. política.
III. Os procedimentos necessários à preservação da paz e da segurança c) guiado por interesses, de modo que suas ações são imprevisíveis e
competem aos súditos cidadãos. inconstantes.
IV. O contrato que funda o poder político visa pôr fim ao estado de d) naturalmente racional, vivendo em um estado pré-social e portando
guerra que caracteriza o estado de natureza. seus direitos naturais.
Estão corretas apenas as afirmativas: e) sociável por natureza, mantendo relações pacíficas com seus pares.
a) I e II. b) I e IV. c) II e III. RESOLUÇÃO:
d) I, III e IV. e) II, III e IV. Maquiavel sustenta uma antropologia pessimista, muito próxima
da concepção de Hobbes. Assim, o homem é naturalmente um ser
RESOLUÇÃO: egoísta e inclinado ao conflito. No texto, Maquiavel afirma que, em
geral, os homens são ingratos e volúveis, o que serve de
Resposta: B
justificativa, inclusiva, aos regimes absolutistas.
Resposta: C

10. (UNESP) – A China é a segunda maior economia do mundo. Quer


8. (ENEM) – “Não ignoro a opinião antiga e muito difundida de que o garantir a hegemonia no seu quintal, como fizeram os Estados Unidos
que acontece no mundo é decidido por Deus e pelo acaso. Essa opinião no Caribe depois da guerra civil. As Filipinas temem por um atol de
é muito aceita em nossos dias, devido às grandes transformações rochas desabitado que disputam com a China. O Japão está de plantão
ocorridas, e que ocorrem diariamente, as quais escapam à conjectura por umas ilhotas de pedra e vento, que a China diz que lhe pertencem.
humana. Não obstante, para não ignorar inteiramente o nosso livre- Mesmo o Vietnã desconfia mais da China do que dos Estados Unidos.
arbítrio, creio que se pode aceitar que a sorte decida metade dos nossos As autoridades de Hanói gostam de lembrar que o gigante americano
invadiu o México uma vez. O gigante chinês invadiu o Vietnã dezessete.
atos, mas [o livre-arbítrio] nos permite o controle sobre a outra metade.”
(André Petry. O Século do Pacífico. Veja, 24.04.2013. Adaptado.)
MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Brasília: EdUnB, 1979 (adaptado).
A persistência histórica dos conflitos geopolíticos descritos na
Em O Príncipe, Maquiavel refletiu sobre o exercício do poder em seu reportagem pode ser filosoficamente compreendida pela teoria
tempo. No trecho citado, o autor demonstra o vínculo entre o seu a) iluminista, que preconiza a possibilidade de um estado de
pensamento político e o humanismo renascentista ao emancipação racional da humanidade.
a) valorizar a interferência divina nos acontecimentos definidores do b) maquiavélica, que postula o encontro da virtude com a fortuna como
seu tempo. princípios básicos da geopolítica.
b) rejeitar a intervenção do acaso nos processos políticos. c) política de Rousseau, para quem a submissão à vontade geral é
c) afirmar a confiança na razão autônoma como fundamento da ação condição para experiências de liberdade.
humana. d) teológica de Santo Agostinho, que considera que o processo de
d) romper com a tradição que valorizava o passado como fonte de iluminação divina afasta os homens do pecado.
aprendizagem. e) política de Hobbes, que conceitua a competição e a desconfiança
e) redefinir a ação política com base na unidade entre fé e razão. como condições básicas da natureza humana.

RESOLUÇÃO:
RESOLUÇÃO: Thomas Hobbes afirma que “na natureza do homem encontramos
O texto extraído da obra “O Príncipe”, de Maquiavel, refletindo três causas principais de discórdia. Primeiro, a competição,
sobre o exercício do poder em seu tempo, apresentou a relação segundo, a desconfiança, e terceiro, a glória”. Assim, a luta pelo
existente entre o pensamento político e o humanismo próprio do espaço, a disputa pelo poder e a contínua desconfiança do próximo
renascentismo. Assim, afirma a confiança na razão autônoma constituem a antropologia filosófica de Hobbes. Mesmo o homem
quando aborda a questão do livre-arbítrio. A sorte não pode decidir artificial, ou seja, aquele que se libertou do estado de natureza, no
sozinha nossos atos, deve ser corroborada pela razão. qual revelava toda a sua natureza egoísta, e que agora se encontra
Resposta: C em estado de contrato social, permanece incapaz de manter a
ordem e a paz, pois configura-se no pacto social um choque de
interesses entre a população e o Estado.
Resposta: E

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1. (IFRN) – Segundo O príncipe, de Maquiavel, toda cidade está dividida que um príncipe possuísse todas as boas qualidades acima mencio-
em dois desejos opostos: nadas, mas como isso não é possível, pois as condições humanas não
a) o desejo dos grandes de oprimir e comandar e o desejo do povo de o permitem, é necessário que tenha a prudência necessária para evitar
não ser oprimido nem comandado. o escândalo provocado pelos vícios que poderiam fazê-lo perder seus
b) o desejo do povo de ser bem guiado e o desejo dos grandes em ser domínios, evitando os outros, se for possível; se não for, poderá praticá-
um bom pastor para o povo. los com menores escrúpulos”.
c) o desejo do povo por um herói que os salve e a falta de vontade dos
grandes em serem heróis do povo. 10. Em O Príncipe, Maquiavel (1469-1527) formulou ideias e conceitos
d) o desejo dos grandes em oprimir e comandar e o desejo do povo em que firmaram a sua reputação de o fundador da Ciência Política
participar um dia dessa opressão. moderna. Dentre elas, pode-se citar os aspectos relacionados às ações
políticas dos governantes e à dominação das massas. Para ele, a política
2. (UEL) – “A escolha dos ministros por parte de um príncipe não é deveria ser compreendida pelo governante como uma esfera
coisa de pouca importância: os ministros serão bons ou maus, de acordo independente dos pressupostos religiosos que até então a
com a prudência que o príncipe demonstrar. A primeira impressão que impregnavam. Ao propor a autonomia da política (esfera da vida pública
se tem de um governante e da sua inteligência, é dada pelos homens e da ação dos dirigentes políticos) sobre a ética (esfera da vida privada
que o cercam. Quando estes são eficientes e fiéis, pode-se sempre e da conduta moral dos indivíduos), é legítimo afirmar que Maquiavel
considerar o príncipe sábio, pois foi capaz de reconhecer a capacidade não deixou, entretanto, de reconhecer e valorizar a religião como uma
e manter fidelidade. Mas quando a situação é oposta, pode-se sempre importante dimensão da vida em sociedade. Segundo Maquiavel, a
dele fazer mau juízo, porque seu primeiro erro terá sido cometido ao religião dos súditos deveria ser objeto de análise atenta por parte do
escolher os assessores”. governante.
(MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. de Pietro Nassetti. Sobre a relação entre política e religião, de acordo com Maquiavel, é
São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 136.) correto afirmar:
a) A religião deve ser cultivada pelo governante para garantir que ele
Com base no texto e nos conhecimentos sobre Maquiavel, é correto seja mais amado do que temido.
afirmar: b) Por se constituírem em personagens importantes na vida política de
a) As atitudes do príncipe são livres da influência dos ministros que ele uma comunidade, os líderes religiosos devem formular as ações a
escolhe para governar. serem executadas pelos príncipes.
b) Basta que o príncipe seja bom e virtuoso para que seu governo c) O sentimento religioso dos súditos é um valor moral e, portanto,
obtenha pleno êxito e seja reconhecido pelo povo. deverá ser combatido pelo príncipe, uma vez que conduz ao
c) O povo distingue e julga, separadamente, as atitudes do príncipe fanatismo e prejudica a estabilidade do Estado.
daquelas de seus ministros. d) A religião dos súditos é sempre um instrumento útil nas mãos do
d) A escolha dos ministros é irrelevante para garantir um bom governo, Príncipe, o qual deve aparentar ser virtuoso em matéria religiosa.
desde que o príncipe tenha um projeto político perfeito. e) O dirigente político deve se esforçar para tornar-se, também, o
e) Um príncipe e seu governo são avaliados também pela escolha dos dirigente religioso de seu povo, rompendo, assim, com o preceito do
ministros. Estado laico.

3. Descreva o panorama histórico da Itália em que viveu Maquiavel. 11. (UEL) – “Sendo, portanto, um príncipe obrigado a bem servir-se da
natureza da besta, deve dela tirar as qualidades da raposa e do leão,
4. O que caracterizava a obra de Maquiavel? pois este não tem defesa alguma contra os laços, e a raposa, contra os
lobos. Precisa, pois, ser raposa para conhecer os laços e leão para
5. Que visão Maquiavel tinha de homem? aterrorizar os lobos. Os que se fizerem unicamente de leões não serão
bem-sucedidos. (…) E há de se entender o seguinte: que um príncipe,
6. Para Maquiavel, os fins justificam os meios? e especialmente um príncipe novo, não pode observar todas as coisas
a que são obrigados os homens considerados bons, sendo frequente-
7. Que propósito levou Maquiavel a escrever O Príncipe? mente forçado, para manter o governo, a agir contra a caridade, a fé, a
humanidade, a religião.”
8. Explique os conceitos de virtù e fortuna em Maquiavel. (MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 2.° ed. São Paulo: Abril Cultural,
1979. p. 74-75).
9. Leia e comente o trecho de O Príncipe.
A partir das metáforas propostas por Nicolau Maquiavel, pensador
“Pode-se observar que todos os homens – especialmente os
italiano renascentista, considere as afirmativas sobre a noção do poder
soberanos, colocados em posição mais elevada – têm a reputação de
próprio ao governante.
certas qualidades que lhe valem elogios ou vitupérios (palavra ou atitude
I. A sabedoria e o uso da força fundamentam o poder.
ofensiva). Assim, alguns são tidos como liberais, outros por miseráveis
II. O poder encontra seu fundamento na bondade e na caridade.
[…]; um é considerado generoso; o outro, ávido; um cruel; o outro,
III. A sobrevivência do poder depende das virtudes da fé e da religião.
misericordioso; um, efeminado e pusilânime (covarde); e outro bravo e
IV. Os fins podem justificar os meios, para resolver conflitos na disputa
corajoso; […] e assim por diante. Naturalmente, seria muito louvável
pelo poder.

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Estão de acordo com o pensamento de Maquiavel apenas as afirmativas: a) Os homens considerados bons são os únicos aptos a governar.
a) I e II. b) I e III. c) I e IV. b) O príncipe deve observar os preceitos da moral cristã medieval.
d) II e III. e) III e IV. c) Fidelidade, humanidade, integridade e religiosidade são qualidades
indispensáveis ao governante.
d) O príncipe deve sempre fazer o mal, para manter o governo.
12. (FAAP) – Principalmente a partir do século XVI vários autores e) A aparência de ter qualidades é mais útil ao governante do que
passam a desenvolver teorias, justificando o poder real. São os legistas possuí-las.
que, através de doutrinas leigas ou religiosas, tentam legalizar o
Absolutismo. Um deles é Maquiavel: afirma que a obrigação suprema do
governante é manter o poder e a segurança do país que governa. Para 15. Em termos filosóficos, Nicolau Maquiavel é apresentado como o
isso deve usar de todos os meios disponíveis, pois que “os fins descobridor da política como categoria independente da moral teológica.
justificam os meios.” Professou suas ideias na famosa obra: A ruptura de Maquiavel com a moralidade do cristianismo significa que:
a) “Leviatã” a) a virtude (virtù) política está associada à maldade e ao uso
b) “Do Direito da Paz e da Guerra” indiscriminado da força bruta.
c) “República” b) a ética ou a moral da política moderna deve ser a do mundo pagão,
d) “O Príncipe” que se destina à realização do bem público, antes de tudo.
e) “Política Segundo as Sagradas Escrituras” c) a ação política deve estar pautada nos preceitos da razão humana,
que determinam a priori o que é bom ou mal, justo ou injusto.
d) as virtudes cristãs - a humildade, a misericórdia, a fé em Deus, o
amor ao próximo - são, em si mesmas, ruins e sem importância.
13. (MACKENZIE) – O florentino Nicolau Maquiavel (1469-1527) rompeu
e) o elemento decisório da política não é Deus, mas sim a força
com a religiosidade medieval, estabelecendo nítida distinção entre a
incontrolável do acaso, a eventualidade da “fortuna”.
moral individual e a moral pública. Em seu livro “O Príncipe” preconizava
que:
a) o chefe de Estado deve ser um chefe de exército. O Estado em guerra
16. (FUVEST) – No início do século XVI, Maquiavel escreveu O
deve renunciar a todo sentimento de humanidade... O equilíbrio das
Príncipe – uma célebre análise do poder político, apresentada sob a
forças está inscrito nos tratados. Mas os chefes de Estado não
forma de lições, dirigidas ao príncipe Lorenzo de Médicis. Assim
devem hesitar em trair sua palavra ou violar sua assinatura no
justificou Maquiavel o caráter professoral do texto:
interesse do Estado.
b) somente a autoridade ilimitada do soberano poderia manter a ordem Não quero que se repute presunção o fato de um homem de baixo e

interna de uma nação. A ordem política internacional é a mais ínfimo estado discorrer e regular sobre o governo dos príncipes; pois
importante; sem ela se estabeleceria o caos e a turbulência política. assim como os [cartógrafos] que desenham os contornos dos países se
c) na transformação do Estado Natural para o Estado Civil, legitima-se o colocam na planície para considerar a natureza dos montes, e para
poder absoluto do rei, uma vez que o segundo monta-se a partir do considerar a das planícies ascendem aos montes, assim também, para
indivíduo, que cede seus direitos em troca de proteção contra a conhecer bem a natureza dos povos, é necessário ser príncipe, e para
violência e o caos do primeiro. conhecer a dos príncipes é necessário ser do povo.
d) o trono real não é o trono de um homem, mas o trono do próprio (Tradução de Lívio Xavier, Adaptada.)
Deus... Os reis... são deuses e participam de alguma maneira da
independência divina. O rei vê mais longe e de mais alto; deve-se Ao justificar a autoridade com que pretende ensinar um príncipe a
acreditar que ele vê melhor... governar, Maquiavel compara sua missão à de um cartógrafo para
e) há três espécies de governo: o republicano, o monárquico e o demonstrar que
despótico... A liberdade política não se encontra senão nos governos a) Temendo ser qualificado de presunçoso, Maquiavel achou por bem
moderados... Para que não se possa abusar do poder, é preciso que defrontar sua autoridade intelectual, tipo um cartógrafo habilitado a
pela disposição das coisas, o poder faça parar o poder. desenhar os contrastes de uma região.
b) Maquiavel, embora identificando-se como um homem de baixo
estado, não deixou de justificar sua autoridade diante do príncipe,
14. (FUVEST) – Nicolau Maquiavel, em 1513, na Itália renascentista, em cujos ensinamentos lhe poderiam ser de grande valia.
escreveu: c) Manifestando uma compreensão dialética das relações de poder,
Um príncipe não pode observar todas as coisas a que são obrigados os Maquiavel não hesita em ministrar ao príncipe, já ao justificar o livro,
homens considerados bons, sendo frequentemente forçado, para uma objetiva lição de política.
manter o governo, a agir contra a caridade, a fé, a humanidade, a religião. d) Maquiavel parece advertir aos poderosos de que não se menospreze
(...) O príncipe não precisa possuir todas as qualidades (ser piedoso, fiel, as lições de quem sabe tanto analisar quanto ensinar o comporta-
humano, íntegro e religioso), bastando que aparente possuí-las. Um mento de quem mantenha relações de poder.
príncipe, se possível, não deve se afastar do bem, mas deve saber entrar e) Maquiavel, apesar de jamais ter sido um governante em seu livro
tão perspicaz, soube se investir nesta função, e assim justificar-se
para o mal, se a isso estiver obrigado.
diante de um príncipe autêntico.
Adaptado de Nicolau Maquiavel. O Príncipe.
17. (UEM) – Thomas Hobbes explica a origem da sociedade e do
Indique qual das afirmações está claramente expressa no texto: Estado mediante a ideia de um pacto ou acordo entre os indivíduos para

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regulamentar o convívio social e garantir a paz e a segurança de todos. 21. “O acordo que se produz entre as criaturas é natural, enquanto o
Sobre a teoria política de Thomas Hobbes, assinale o que for correto. acordo entre os homens é apenas pactual, ou seja, artificial; portanto
01) Segundo Thomas Hobbes, no estado de natureza, o comportamento não surpreende que (além do pacto) exijam algumas coisas uns dos
dos homens é pacífico, o que é condição para instauração do pacto outros para tornar o acordo constante e duradouro – ou seja, um poder
de respeito mútuo às liberdades individuais. comum que os constranja e dirija as suas ações para um benefício
02) Segundo Thomas Hobbes, no estado de natureza, o homem dispõe comum.” (Hobbes)
de toda liberdade e poder para realizar tudo quanto sua força ou A frase de Hobbes expressa
astúcia lhe permitir. a) a ideia de que a vida social tem um fim em si mesma.
04) Segundo Thomas Hobbes, o Estado é a unidade formada por uma b) o princípio do primado da sociedade sobre o indivíduo.
multidão de indivíduos que concordaram em transferir seu direito c) uma ideia filosófica que se opõe a dos contratualistas.
de governarem a si mesmos à pessoa ou à assembleia de pessoas d) que a natureza antropológica impõe a convivência.
que os represente e que possa assegurar a paz e o bem comum. e) que a vida social é um artifício.
08) Na obra Leviatã, para caracterizar o Estado, Thomas Hobbes utiliza
a figura do Novo Testamento, o Leviatã, cuja função é salvar os 22. Sobre a vida social, leia as proposições abaixo.
I. Na concepção moderna, ao contrário do que pensavam os
homens do poder despótico dos reis.
contratualistas, a vida em sociedade tem um fim em si mesmo.
16) Segundo Thomas Hobbes, o Estado não dispõe de poder absoluto
II. A natureza antropológica impõe a convivência e, portanto, a vida
algum. É ilegítimo o uso da força pelo soberano para constranger os
social é totalmente artificial.
súditos, pois o controle do poder instituído, como o próprio poder,
III. A filosofia investiga a natureza política e moral da convivência entre
deve assentar-se no acordo e no convencimento.
os homens.
IV. Os povos indígenas não vivem em sociedade, mas em estado de
18. Durante muito tempo, filósofos estudaram a questão da sociabi- natureza.
lidade humana, supondo que os homens viviam num passado remoto São coerentes com as concepções modernas acerca da vida social
originalmente em estado de natureza e teriam renunciado à liberdade apenas:
para viver em sociedade. Esses filósofos foram conhecidos como a) I e II. b) II e III. c) IIII e IV. d) I e III. e) I e IV.
a) contratualistas, como Hobbes.
b) racionalistas, como Descartes. 23. Leia as proposições abaixo e assinale a alternativa que agrupa as
c) empiricistas, como Locke. corretas.
d) sofistas, como Protágoras. I. Toda sociedade está em transformação, por isso dizemos que são
e) metafísicos, como Agostinho. estáticas.
II. O ritmo de transformação pode mudar de uma para a outra.
19. Entre as criaturas o bem comum não se distingue do bem individual, III. No mundo contemporâneo de intensa urbanização, as alterações são
porém, por serem, por natureza, inclinadas a buscar o seu bem muito mais velozes do que nas tribos indígenas ou comunidades
individual, acabam por alcançar o bem comum. Mas, para os homens, tradicionais.
a felicidade consiste em comparar-se. Na vertente contra os filósofos IV. As sociedades mudam, estabelecendo uma dinâmica que resulta do
contratualistas, os sociólogos, em geral, acreditam que: embate entre tradição e ruptura, herança e renovação.
I. A vida em sociedade tem um fim em si mesmo. V. Sociedades atrasadas como as tribais e tradicionais não são
dinâmicas e não entraram ainda para a modernidade.
II. Não há homens sem sociedade.
a) I, II e V. b) II, III e IV. c) III, IV e V.
III. Os indivíduos constituem uma realidade independente da sociedade.
d) I, IV e V. e) I, II e III.
São verdadeiras:
24. O homem é visto como um ser inacabado, um projeto, pois sua
a) apenas I e II. b) apenas I e III.
existência é por ele determinada, apesar das influências estruturais da
c) apenas I. d) apenas II e III.
sociedade e da cultura. Essa frase nos permite concluir que:
e) apenas III.
a) o homem é marcado pela liberdade.
b) trata-se de uma antropologia pessimista.
20. “Em primeiro lugar, os homens estão em contínua competição pela
c) a condição humana é marcada somente pelas influências estruturais
honra e pela dignidade, o que não ocorre entre essas criaturas;
da sociedade e da cultura.
consequentemente, surgem entre os homens inveja e ódio e, por fim,
d) não é possível ao homem determinar sua própria existência, por
a guerra; entre as criaturas não é assim. conta do peso das estruturas sociais.
Em segundo lugar, com os outros homens...” (Hobbes) e) é o homem que faz a sociedade e não o contrário.
Após a leitura do texto, julgue as assertivas abaixo.
I. Para o autor, os homens são diferentes das criaturas (animais) 25. São concepções da filosofia de Hobbes:
porque são todos dignos e honrados. I. Há motivações para a vida social: o temor e as necessidades
II. Há uma inclinação natural humana para os conflitos. recíprocas.
III. Os homens seriam, segundo o filósofo, marcados por um egoísmo II. Os homens competem pela honra gerando ódio e inveja.
natural. III. O Estado totalitário oprime o indivíduo e corrompe o ser social.
IV. O autor aproxima os homens dos animais, ao compará-los.
IV. Só a democracia é capaz de trazer a orcem social.
São corretas apenas:
São verdadeiras:
a) I e II. b) II e III. c) IIII e IV.
a) I e II. b) II e III. c) IIII e IV. d) I e III. e) I e IV.
d) I e III. e) I e IV.

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26. São concepções da filosofia de Hobbes: III. O Estado será venerado, pois será capaz de gerar a ordem social.
I. Os homens buscam o seu bem individual. IV. A democracia é a força do Estado.
II. Os homens constroem um bem comum que a vida social artificial. São verdadeiras:
III. O pacto social e o Estado não conseguem controlar a agressividade a) I e II b) II e III c) III e IV d) I e III e) I e IV
gratuita dos homens.
IV. O homem é um ser bom criado por Deus.
28. Para Hobbes, a linguagem humana não passava de uma operação
São verdadeiras:
matemática. Assinale a única alternativa que não se refere à ideia de
a) I e II. b) II e III. c) IIII e IV.
Hobbes sobre a linguagem.
d) I e III. e) I e IV.
a) A linguagem é um sistema de operações de sinais.
b) Operações mentais são cálculos, pois somamos e subtraímos
27. Para Hobbes, o Estado Moderno é o Leviatã, monstro que aparece
informações.
nas páginas da Bíblia, representando força. Nesse sentido, leia as
c) Pela linguagem, representamos o bem sob a aparência do mal e vice-
proposições abaixo.
versa.
I. Hobbes era absolutista, acreditava na necessidade de um Estado
d) O homem é incapaz de mentir porque traz em si uma dimensão
forte.
moral interior.
II. Apesar de absolutista, acreditava que não deveria haver um culto ao
e) A retórica é habilidade exclusiva dos seres humanos.
soberano.

1) A 2) E 7) O desejo de ver a Itália poderosa e unificada.

3) A Itália não constituía um Estado ainda, ou seja, não sofrera 8) Para ele, a virtù seria a habilidade de adaptação aos aconteci-
ainda o processo de unificação. A tirania impera em pequenos mentos políticos que levaria à permanência no poder. A virtù
principados, governados despoticamente por casas reinantes funcionaria como uma que deteria os desígnios do destino. O
sem tradição dinástica ou de direitos contestáveis. A poder de um príncipe é ameaçado se esse não tiver a
ilegitimidade do poder gera situações de crise, instabilidade capacidade de mudar, acompanhando as alterações da
permanente, onde somente o cálculo político, dizia Maquiavel, situação. Fortuna era, na mitologia romana, a deusa da sorte,
a astúcia e a ação rápida e fulminante contra os adversários boa ou má, e dos acontecimentos inevitáveis. Para Maquiavel,
são capazes de manter o príncipe. O quadro cultural era nunca se sabe se a sorte sorrirá, porém, dizia, quem fosse
marcado pelo Renascimento e sua cidade, Florença, era portador da virtù, seria agraciado pela fortuna.
próspera nesse sentido.
9) Maquiavel instrui o comportamento adequado de um príncipe
4) Sua obra estava baseada na sua experiência de vida. Trata-se para reproduzir-se no poder. São frases como essa que o
de uma obra pouco sistemática e muito empírica. tornaram o filósofo da astúcia e de onde teria surgido o
adjetivo “maquiavélico.”
5) O homem, segundo Maquiavel, tinha uma inclinação natural
para o mal e para o egoísmo. Não percebia a dimensão 10) D 11) C 12) D 13) A
histórico-cultural formativa da existência humana. Os homens
querem obter os máximos ganhos a partir do menor esforço, 14) E 15) B 16) A 17) 02 e 04
e fazem o bem quando forçados a isso.

18) A 19) A 20) B 21) E


6) Maquiavel nunca escreveu essa frase que lhe é tão
comumente atribuída. Porém, essa frase pode, se bem
22) D 23) B 24) A 25) A
compreendida, resumir um aspecto de sua filosofia política.
No pensamento de Maquiavel, os fins determinam os meios:
de acordo com o seu objetivo que você vai traçar os seus 26) A 27) D 28) D
planos de como atingi-los.

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MÓDULO 6 As Luzes de Rousseau e de Voltaire

1. Introdução • Crença nos direitos naturais, que todos os indivíduos


possuem em relação à vida, à liberdade, à posse de
O Iluminismo foi um dos mais importantes bens materiais;
movimentos culturais do Ocidente e se desenvolveu no • Crítica ao absolutismo, ao mercantilismo e aos
século XVIII, o Século das Luzes. privilégios da nobreza e do clero;
O termo sintetiza várias tradições da filosofia europeia • Defesa da liberdade política e econômica e da
baseadas na valorização do homem, visto agora não mais igualdade de todos perante a lei;
como ser insuficiente e pecador, mas como ser racional, • Crítica à Igreja Católica, embora não se excluísse a
com a possibilidade de emancipar-se. Assim, os crença em Deus. “
iluministas valorizavam a razão, a união, a tolerância e a
FILHO, Milton B. B. História Moderna e Contemporânea.
fraternidade pelo exercício político. Immanuel Kant, um São Paulo, Scipione,1993 .
dos mais conhecidos expoentes do pensamento
iluminista, num texto escrito precisamente como resposta
à questão O que é o Iluminismo?, descreveu de maneira
lapidar a mencionada atitude:

O Iluminismo representa a saída dos seres


humanos de uma tutelagem que estes mesmos
se impuseram a si. Tutelados são aqueles que
se encontram incapazes de fazer uso da própria
razão independentemente da direção de
outrem. É-se culpado da própria tutelagem
quando esta resulta não de uma deficiência do
entendimento mas da falta de resolução e
coragem para se fazer uso do entendimento
independentemente da direção de outrem.
Sapere aude! Tem coragem para fazer uso da
tua própria razão! – esse é o lema do Iluminismo. Delacroix, A Liberdade guia o Povo, 1830. As revoluções burguesas
foram inspiradas pelas ideias iluministas.
O Iluminismo exerceu notável influência na História,
particularmente na esfera política, período em que se Rousseau e Voltaire
formavam os Estados modernos, as nações politicamente (Extraído de Wikipédia – adaptação)
representadas (Estado-nação), período marcada pela
expansão dos direitos civis, consolidação do liberalismo Jean-Jacques Rousseau (Genebra, 28 de Junho de
e da democracia, e pela secularização, isto é, a separação 1712 — Ermenonville, 2 de Julho de 1778) foi um filósofo
das instâncias política e religiosa, implicando menor genebrino, escritor, teórico político e um compositor
interferêncioa da Igreja no Estado. O Iluminismo influen- musical autodidata. Uma das figuras marcantes do
ciou a Revolução Francesa, a Constituição Polaca de 1791, Iluminismo francês, Rousseau é também um precursor
a Revolução Dezembrista e as ideias socialistas. do romantismo.
Entre os filósofos iluministas, destacam-se os Ao defender que todos os homens nascem livres, e
seguintes nomes: Spinoza, John Locke, Montesquieu, a liberdade faz parte da natureza do homem, Rousseau
Kant, Diderot, David Hume, Rousseau e Voltaire. inspirou todos os movimentos que visavam uma busca
As principais características do Iluminismo eram: pela liberdade. Incluem-se aí as Revoluções Liberais, o
• Valorização da razão, considerada o mais importante Marxismo, o Anarquismo entre outros.
instrumento para se alcançar qualquer tipo de Sua influência se faz sentir em nomes da literatura
conhecimento; como Tolstói e Thoreau, influencia também movimentos
• Valorização do questionamento, da investigação e da de Ecologia Profunda, já que era adepto da proximidade
experiência como forma de conhecimento tanto da com a natureza e afirmava que os problemas do homem
natureza quanto da sociedade, política ou economia; decorriam dos males que a sociedade havia criado e não
• Crença nas leis naturais, normas da natureza que existiam no estado selvagem. Foi um dos grandes
regem todas as transformações que ocorrem no pensadores nos quais a Revolução Francesa se baseou,
comportamento humano, nas sociedades e na apesar de esta se apropriar erroneamente de muitas de
natureza; suas ideias.

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A filosofia política de Rousseau é inserida na Texto: A antropologia de Rousseau.


perspectiva dita contratualista de filósofos britânicos dos Por José Maurício F. Mazzucco
séculos XVII e XVIII, e seu famoso Discurso sobre a
origem e os fundamentos da desigualdade entre os É notável a concepção de homem na obra de
homens pode ser facilmente entendido como um diálogo Rousseau. Muitos o julgam um ingênuo, pois sustentava
com a obra de Thomas Hobbes. uma concepção romântica acerca da natureza humana,
Principais obras mas uma análise mais profunda da antropologia
• Discurso sobre as ciências e as artes rousseauniana revela a complexidade de seu pensamento.
• Discurso sobre a origem da desigualdade entre os Sua antropologia aparece inicialmente na obra
homens Discurso sobre a origem e fundamentos da desigualdade
• Do Contrato Social entre homens. Para ele, o homem vivia originalemte em
• Emílio, ou da Educação um estado de natureza. O homem natural, original, é um
ser desprovido de preocupações intelectivas e sua ação é
François-Marie Arouet, mais conhecido pelo motivada apenas por aquilo que o rodeia. Assim, o
pseudônimo Voltaire (Paris, 21 de novembro de 1694 — homem de Rousseau, em estado de natureza, vive num
Paris, 30 de maio de 1778), foi um escritor, ensaísta, mundo sensível. Nessa condição, o homem não chega a
deísta e filósofo iluminista francês, conhecido pela sua imaginar um desejo distante e despercebido. Portanto,
perspicácia e espirituosidade na defesa das liberdades esse homem não planeja, não faz projetos para o futuro e
civis, inclusive liberdade religiosa e livre comércio. vive para o presente. É desprovido da habilidade de
Voltaire foi um escritor prolífico, e produziu obras em
abstrair.
quase todas as formas literárias, assinando peças de
Para Rousseau, o homem natural não pode distinguir-
teatro, poemas, romances, ensaios, obras científicas e
se do outro sequer. Conhece apenas os homens de seu
históricas, mais de 20 mil cartas e mais de 2 mil livros e
círculo de convivência e está incapacitado de abstrair
panfletos.
acerca da condição humana, na qual se insere. Seria um
Ele foi um defensor aberto da reforma social apesar
homem incapaz de identificar uma essência comum aos
das rígidas leis de censura e severas punições para quem
homens. Escreve Rousseau: “Eles tiveram a ideia de um
as quebrasse. Um polemista satírico, ele frequentemente
pai, filho, irmão, e não de um homem. A cabine continha
usou suas obras para criticar a Igreja Católica e as
instituições francesas do seu tempo. todos os seus companheiros … Fora eles e suas famílias,
Voltaire foi um entre muitas figuras do Iluminismo não havia mais nada no universo.” (Ensaio, IX)
(juntamente com John Locke e Thomas Hobbes) cujas Ao contrário do pensamento, por exemplo, de Thomas
obras e ideias influenciaram pensadores importantes Hobbes, Rousseau não vê o homem como um ser mau,
tanto da Revolução Francesa como da Americana. um lobo egoísta, porém, também não vive socialmente
em natureza, pois vive de seu instinto que lhe basta.
Principais obras O homem de Rousseau passa de ser natural, nu, para
• Édipo, ser social, vestido, através de um novo recurso: não mais
• O infante pródigo o do instinto, mas da razão. Se o instinto é o meio pelo
• Elementos da Filosofia de Newton qual o homem vive em natureza; a razão será o
• O século de Luis XIV instrumento jurídico de convivência.
• Micrômegas Assim, Rousseau é um filósofo contratualista, ou
• Tratado sobre a tolerância seja, supõe que a convivência humana resultaria de uma
• Dicionário filosófico espécie de contrato social, em que se renunciaria a
condição de liberdade natural. A transição de um estado
para outro, do natural para o civil, ocorreria num período
marcado por conflitos, uma “guerra de todos contra
todos”. Esse estado de guerra teria sido promovido pelo
estabelecimento da propriedade privada, afirma
Rousseau. Além disso, faltavam regras e leis que
estabelecessem a convivência. É claro que essas
concepções filosóficas, da época, eram desprovidas de
critérios científicos, como faz a sociologia ou a história.
Daí nasce a necessidade de um contrato social, capaz de
evitar as desiguladades. Assim, segundo Rousseau, com
suas palavras: O que o homem perde pelo contrato social
é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto
aventura e pode alcançar. O que com ele ganha é a
Voltaire e Rousseau, grandes pensadores que marcaram o Iluminismo liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui.
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O homem, pela convivência, desenvolve a habilidade Vida e Obra de Voltaire (Enciclopédia Mirador
de raciocinar (intelecto) mas também de amar (afeto). Internacional)
Assim, se desenvolve a capacidade de compreender.
François-Marie Arouet, dito Voltaire, nasceu em uma
Na ordem civil, a desigualdade advinda da propriedade
abastada família burguesa e fez seus estudos com os
privada pode ainda se manter, mas Rousseau vê aí a jesuítas, no Colégio Louis-le-Grand, em Paris. Em 1718,
necessidade de estabelecer o Estado democrático, em alcançou grande sucesso com a tragédia Édipo. Contudo,
que as leis alcancem o princípio de iguladade. Define por ter insultado um nobre, o duque de Rohan-Chabot, foi
assim a democracia como a vontade soberana da maioria, encarcerado na Bastilha, em 1726, e mais tarde libertado,
uma vontade geral que não pode ser a soma das vontades mas sob a condição de que partisse para o exílio. Assim,
individuais. passa três anos na Inglaterra, quando, além de frequentar
Mas, a vida social, segundo Rousseau, cria condiciona- a aristocracia e a intelectualidade inglesas, se familiariza
mentos, convenções e artificialismos que corrompem o ser com as ideias do Iluminismo.
Retorna a Paris em 1729, mas sua obra Cartas
humano, ferido na espontaneidade natural que o caracteriza.
filosóficas (ou Cartas sobre os ingleses), em que faz
Aponta, assim, os caminhos da educação. A educação não elogios à tolerância religiosa e à liberdade cultural e
deve devolver o homem ao estado de natureza, mas deve política na Inglaterra, é condenada pelas autoridades, o
libertar o homem da escravidão das convenções sociais, que o obriga a se refugiar no castelo de Cirey, onde passa
hipocrisias e dos habitos exteriores. Sua pedagogia valoriza dez anos escrevendo e estudando (inclusive a física de
a experiência e está voltada para a vida. A educação é um Newton), ao lado da marquesa du Châtelet, sua amante,
retorno à pureza da consciência natural. mulher espirituosa e erudita.
Voltaire criticou a filosofia de Rousseau afirmando que Retorna a Paris em 1744, sendo eleito para a
“ninguém jamais pôs tanto engenho em querer nos Academia Francesa em 1746, quando é introduzido na
corte por Madame de Pompadour, amante do rei. Muda-
converter em animais”. Mas, tal interpretação é equivo-
se, em 1750, para Potsdam, depois de aceitar o convite
cada se considerarmos a visão que Rousseau tinha de ser de Frederico II, da Prússia. Três anos mais tarde, no
humano. Rousseau afirma, por exemplo, que o sentimento entanto, após um conflito com o rei, retira-se para uma
desenvolvido no homem é um instrumento de penetração casa perto de Genebra.
na essência interior do homem. Abandonar as convenções Hábil homem de negócios, com a fortuna adquirida
torna-se um caminho para se chegar misticamente ao inclusive por meio de especulações na Bolsa compra o
infinito. Isso equivale, diz o filósofo, a uma imersão na castelo e a fazenda Ferney, nas proximidades de Genebra,
própria interioridade, alcançando a consciência de onde instala fábricas de tecidos de seda e de relógios.
liberdade e, assim, atingindo o sentimento íntimo da vida, Torna-se milionário. E graças à independência financeira,
passa a intervir em casos de intolerância religiosa, como
com a qual o homem se identificaria com seus
o Calas (execução de um protestante cujo filho se
semelhantes e com a universalidade de todos os seres.
suicidara, sob acusação de tê-lo assassinado para o
impedir de converter-se ao catolicismo) e o La Barre
Sobre Voltaire (homem executado por não ter tirado o chapéu ao
Por José Maurício F. Mazzucco encontrar uma procissão).

Voltaire fêz grande oposição à intolerância, Obra e influência


particularmente religiosa. A Europa era marcada por Não seria exagero dizer que Voltaire foi o homem
mais influente do século XVIII. Seus livros eram lidos por
guerras religiosas e por indas de intolerância. Falar em
toda a Europa e vários monarcas pediram seus conselhos.
tolerância de pensamento e em liberdade religiosa hoje,
Deixou uma obra que reúne cerca de 70 volumes.
soa como natural, como se fossem processos naturais de Apesar de obras poéticas consideradas ultrapassadas,
convivência humana e sempre tivessem existido. Mas não e em alguns casos ilegíveis, Voltaire é magnífico na prosa,
foi assim. Ao pronunciar-se acerca da tolerância, Voltaire foi de estilo, correção e fluência admiráveis, além de possuir
considerado um revolucionário e foi perseguido, sendo espirituosidade e irreverência. Seu O século de Luís XIV,
inclusive exilado da França. Voltaire, assim, muito de 1751, por exemplo, é a primeira obra de historiografia
contribuiu para a liberdade humana de expressão, e, além que inclui a história da cultura, das letras e das artes. E o
Ensaio sobre os costumes e o espírito das nações de
disso, contribuiu para o desenvolvimento da ciência do
1756, obra de erudição incrível, é a primeira tentativa de
Direito, pois defendia a criação de leis para todos. Era um
uma história universal do ponto de vista do liberalismo
liberal, mas o seu liberalismo não deve ser confundido com religioso e político.
o liberalismo econômico de Adam Smith. Este prega a Nenhum de seus livros, contudo, supera, em
mínima intervenção do Estado nos processos econômicos. espirituosidade, o Cartas filosóficas, em que a vivacidade
Dizer que Voltaire era um liberal equivale a dizer das comparações entre a liberdade inglesa e o atraso da
simplesmente que não era um conservador político. França é irresistível.

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Voltaire propagandeou os ideais iluministas em todos O pobre homem sofrera, devido a um erro judicial,
os seus livros, mas principalmente nos romances – uma pena injusta por motivos de fanatismo religioso,
também chamados de “contos filosóficos”, como Zadig, perdendo a vida e os bens quando esquartejado em
Micrômegas e, sua obra-prima, Cândido, ou o otimismo – Toulouse em 10 de março de 1762 (no mesmo local onde
o filósofo italiano Vanini fora queimado pela Inquisição
e no seu radical Dicionário filosófico. Ele também nos
acusado de ateísmo, em 1619). O Traité se tornou um
deixou cerca de 10 mil cartas, extensa correspondência
libelo do iluminismo contra o obscurantismo, ou como se
que guarda, até hoje, qualidades fascinantes. disse, o J’accuse do século XVIII.
Apesar de anticlerical fervoroso e de combater todas as
formas de intolerância, Voltaire não foi ateu, mas um deísta. Contra o fanatismo
Defensor da burguesia, foi um dos principais inspiradores Não havia outra solução, para ele, no combate ao
da Revolução Francesa, movimento que realizou suas radicalismo religioso e a inclinação para o extremismo
ideias anticlericais e de igualdade perante a lei. teológico senão que a adoção de uma firme política da
Em fevereiro de 1778, Voltaire finalmente retornou a tolerância. O fanatismo é uma espécie de febre ou cólera
da alma que leva os indivíduos a confundirem visões e
Paris, onde foi amplamente festejado, morrendo logo
sonhos com a realidade, terminando por satisfazer sua
depois. loucura por meio do crime. É a aliança entre a ignorância
e a crueldade.
‘O que é tolerância’, perguntou, senão que ‘o
apanágio da humanidade. Somos todos cheios de
fraquezas e de erros; perdoemo-nos reciprocamente as
nossas tolices...’(Dicionário Filosófico). Para ele nada
melhor como exemplo do bom convívio entre as
diferenças do que frequentar a bolsa de valores, coisa
que ele fazia costumeiramente em Londres.
Lá se encontravam o episcopal, o calvinista, o
muçulmano, o judeu, o católico, e seja mais qual for,
todos em harmonia ganhando o seu dinheiro e ajudando
na prosperidade do reino. Nenhum deles se aprontava
para degolar o outro ou para colocá-lo na fogueira. Por
Voltaire dedicou preciosa obra sobre o problema da tolerância religiosa que, no restante da sociedade, não se seguia o exemplo
do bom convívio deles?
Texto: Voltaire em Defesa da Tolerância
Por Voltaire Schilling Um histórico de desavenças e perseguições
Para Voltaire, o desacerto dos cristãos não começou
Desde que se exilara na Inglaterra em 1726, Voltaire com a Reforma. Data de tempos bem mais remotos. Já
encantou-se com a liberdade dos súditos britânicos. Não nos primeiros séculos do cristianismo, entre Tertuliano,
só isto, tornou-se um anglófilo preocupado em difundir a Origines, Novaciano, Sibelius, Donat, e outros patriarcas,
ciência (as concepções de Newton) bem como os imperava abertamente a discórdia. Mesmo depois de
costumes e ideias dos escritores e pensadores daquele Constantino ter reconhecido o cristianismo como religião
reino que ele entendia ser feliz. Entre elas entregou-se do império, a cizânia não cessou entre os seguidores da
por igual na defesa da tolerância. nova fé; atanasianos brigavam com eusebianos.
Durante a perseguição de Domiciano, as seitas
Em favor da tolerância cristãs não cessavam de ofenderem-se. Ainda que
Seguindo as pegadas de John Locke, que apresentou tivessem escondidas em subterrâneos ou nas
uma sólida argumentação a favor da tolerância como catacumbas de Roma, trocavam injúrias e lançavam
remédio para as discórdias civis e religiosas (‘Cartas sobre maldições umas contra as outras.
a tolerância’, 1689), Voltaire produziu dois ensaios sobre Naqueles idos, a Igreja Cristã, inundada de sangue,
o tema. Um ele introduziu no seu Dictionaire jamais marchara unida: o ebionita excomungava o
Philosophique, (Dicionário Filosófico), de 1764, verbete corpocraniano, que por sua vez, era anatematizado pelo
‘tolerância’, o outro foi uma exposição mais longa da sua sabeliano. E tais desavenças e rancores se projetaram
defesa do Caso Calas, dado a público um ano antes, em pelos tempos a fora, fazendo com que somente a
1763, intitulado Traité sur la tolérance, em favor da tolerância poderia vir a saná-los.
reabilitação de um burguês protestante, Jean Calas.

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As incertezas da fé à vida para adquirir a imortalidade; corteja os grandes, que


Como poderiam os integrantes das seitas cristãs odeia, e os ricos, que despreza; nada poupa para obter a
estarem tão certos e aferrados às suas crenças se elas honra de servi-los; jacta-se orgulhosamente de sua
não estão baseadas nos rigores da geometria nem da própria baixeza e da proteção deles, e, orgulhoso de sua
aritmética? O que os garantia como depositários da escravidão, refere-se com desprezo àqueles que não
verdadeira fé e os outros não? Isto o levou a concluir que gozam a honra de partilhá-la.
havendo duas igrejas num reino uma tentará cortar o Que espetáculo não seria para um caraíba os trabalhos
pescoço da outra, se forem trinta viverão em paz. penosos e invejados de um ministro europeu!
Além disto, havia uma enorme distância entre as
práticas de Jesus e o que mais tarde se estratificou como Frases de Rousseau
norma da Igreja Cristã. Na verdade, afirmou Voltaire, ela
é ‘o oposto da religião de Jesus’. Tudo isto o levou a – “O mais forte não é suficientemente forte se não
concluir que, devido as nossas fraquezas e nossos erros, conseguir transformar a sua força em direito e a
tão humanos e constantes, ‘devemos tolerarmo-nos obediência em dever”
mutuamente’ visto estarmos sujeitos à mutabilidade, à – “Vosso filho nada deve obter porque pede, mas
inconsequência e ao engano. Não somos senão ‘um porque precisa, nem fazer nada por obediência, mas por
caniço vergado pelo vento na lama’, o que não nos necessidade”
autoriza a desencadear perseguições a ninguém, muito – “A razão forma o ser humano, o sentimento o
menos a um outro caniço igual a nós. conduz.”
– “O homem de bem é um atleta a quem dá prazer
Atingir o alvo lutar nu.”
– “O maior passo em direção ao bem é não fazer o
Voltaire não acreditava que suas palavras pudessem mal.”
ter qualquer efeito de fato sobre o poder clerical – “Bastará nunca sermos injustos para estarmos
promovendo a sua conversão à tolerância. Ele dirigia-se, sempre inocentes?”
ativa e diretamente, a um novo elemento que se formava – “A paciência é muito amarga, mas seus frutos são
crescentemente no século XVIII: a opinião publica! doces.”
Dela é que partiria a pressão a ser feita junto às – “As boas ações elevam o espírito e predispõem-no a
autoridades seculares para coibir a intolerância, praticar outras”.
especialmente se na cabeça do reino estiver um príncipe – “Quem enrubesce já é culpado; a verdadeira
ilustrado, um déspota esclarecido, como era o caso de inocência não tem vergonha de nada.”
Frederico II da Prússia, que acolhera Voltaire em seu – “O ser humano verdadeiramente livre apenas quer o
palácio de Sans-Souci e que usara o pulso firme para que pode e faz o que lhe agrada.”
evitar as quizílias religiosas em Berlim. – “Para conhecer os homens é preciso vê-los atuar.”
Alguém, enfim, com visão moderna que lançaria mão
dos poderes do estado para impedir os exageros do Trecho de Voltaire, Dicionário Filosófico,
fanatismo e dos desatinos praticados em nome de Deus. Igualdade.

Trecho De Rousseau, Discurso sobre as ciências e Que é que deve um cão a outro cão, e um cavalo a
artes. outro cavalo? Nada.
Nenhum animal depende do seu semelhante; mas
O que a reflexão nos ensina a esse propósito, a por que o homem recebeu da Divindade um raio de luz
observação o confirma perfeitamente: o homem que se chama razão, qual é o fruto disso?
selvagem e o homem policiado diferem de tal modo, É ser escravo em quase toda a terra. Todos os
tanto no fundo do coração quanto nas suas inclinações, homens nascem com uma tendência bastante violenta e
que aquilo que determinaria a felicidade de um reduziria pronunciada para o domínio e os prazeres, e uma queda
o outro ao desespero. acentuada para a preguiça: por conseguinte, qualquer
O primeiro só almeja o repouso e a liberdade, só quer homem gostaria de possuir o dinheiro e as mulheres ou
viver e permanecer na ociosidade e mesmo a ataraxia do as filhas dos outros, ser o amo deles, submetê-los a todos
estoico não se aproxima de sua profunda indiferença por os caprichos seus e não fazer nada ou, pelo menos, fazer
qualquer outro objeto. apenas o que muito bem lhe apetecesse. Já veem que,
O cidadão, ao contrário, sempre ativo cansa-se, agita- com tão lindas disposições, é impossível que os homens
se, atormenta-se sem cessar para encontrar ocupações sejam iguais, como é impossível que dois pregadores ou
ainda mais trabalhosas; trabalha até a morte, corre no seu dois professores de teologia não tenham ciúmes e inveja
encalço para colocar-se em situação de viver ou renunciar um do outro.
50 –
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Frases de Voltaire “Que Deus me proteja dos meus amigos. Dos


inimigos, cuido eu.”
“É difícil libertar os tolos das amarras que eles
veneram”. “O preconceito é uma opinião não submetida a
razão.”
“A leitura engrandece a alma”.
“Tenho um instinto para amar a verdade; mas é
“Todo aquele que desconfia, convida os outros a traí-lo.” apenas um instinto.”
“O abuso da graça é afetação; o abuso do sublime, “Como é horrível odiarmos quem desejávamos
absurdo. Toda perfeição é um defeito.” amar.”
“O valor dos grandes homens mede-se pela “O meu ofício é dizer o que penso.”
importância dos serviços prestados à humanidade.”
“A primeira lei da natureza é a tolerância; já que
“A guerra é o maior dos crimes, mas não existe temos todos uma porção de erros e fraquezas.”
agressor que não disfarce seu crime com pretexto de
justiça.” “Devemos julgar um homem mais pelas suas
perguntas que pelas respostas.”
“Encontra-se oportunidade para fazer o mal cem
vezes por dia e para fazer o bem uma vez por ano.” “O acaso é uma palavra sem sentido. Nada pode
existir sem causa.”

1. São características do Iluminismo, exceto: 3. “O que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e
a) valorização da razão, considerada o mais importante instrumento um direito ilimitado a tudo quanto aventura e pode alcançar. O que com
para se alcançar qualquer tipo de conhecimento; ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui.”
b) valorização do questionamento, da investigação e da experiência (Rousseau)
como forma de conhecimento tanto da natureza quanto da A frase do filósofo Rousseau o situa entre os filósofos
sociedade, da política ou da economia; a) pessimistas. b) contratualistas. c) socialistas.
c) crença nas leis naturais, normas da natureza que regem todas as d) autoritários. e) libertários.
transformações que ocorrem no comportamento humano, nas
RESOLUÇÃO:
sociedades e na natureza; crença nos direitos naturais, que todos os Resposta: B
indivíduos possuem em relação à vida, à liberdade, à posse de bens
materiais; 4. Sobre a visão de homem sustentada pelo filósofo Rousseau, leia e
d) defesa do absolutismo, do mercantilismo e dos privilégios da julgue as assertivas abaixo.
nobreza e do clero; I – Sua antropologia aparece inicialmente na obra Discurso sobre a
e) defesa da liberdade política e econômica e da igualdade de todos Origem e Fundamentos da Desigualdade Entre Homens.
perante a lei; crítica à Igreja Católica, embora não se excluísse a II – Para ele, o homem vivia originalmente em um estado de natureza.
crença em Deus. O homem natural, original, é um ser desprovido de preocupações
intelectivas e sua ação é motivada apenas por aquilo que o rodeia.
RESOLUÇÃO:
Assim, o homem de Rousseau em estado de natureza vive num
Resposta: D
mundo sensível. Nessa condição, o homem não chega a imaginar
2. Analise as alternativas que pretendem abordar o contexto histórico um desejo distante e despercebido. Portanto, esse homem não
em que o Iluminismo se desenvolveu e julgue as proposições. planeja, não faz projetos para o futuro e vive para o presente. É
I – Ocorreu no século XV. Formação dos Estados modernos, as desprovido da habilidade de abstrair.
nações políticamente representadas (Estado-nação) e ausência de III – Para Rousseau, o homem natural não pode distinguir-se do outro
Estados absolutistas. sequer. Conhece apenas os homens de seu círculo de convivência
II – Expansão dos direitos civis, consolidação do liberalismo e da e está incapacitado de abstrair acerca da condição humana, na qual
democracia. se insere.
III – Estabelecimento da secularização. IV – Em estado de natureza, o homem revela uma face egoísta e uma
IV – Período em que não havia grandes conflitos religiosos, daí a natureza má. Sua imoralidade e inclinações para a guerra resultam
elaboração de textos acerca da tolerância. de uma natureza essencial da condição humana. Esse homem
São verdadeiras: ficou conhecido como o mau selvagem.
a) I e II b) I e III c) II e III São verdadeiras:
d) III e IV e) I e IV a) I e II b) I, II e III c) II e III
d) III e IV e) I, III e IV
RESOLUÇÃO: RESOLUÇÃO:
Resposta: C
Resposta: B

– 51
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5. (UFF) – O escritor e filósofo francês Voltaire, que viveu no século Segundo o texto, J. J. Rousseau
XVIII, é considerado um dos grandes pensadores do Iluminismo ou a) afirmou que o homem é naturalmente pecador e mau, mas, devido
Século das Luzes. Ele afirma o seguinte sobre a importância de manter à tradição cristã, quando nasce virtuoso, degenera na sociedade.
acesa a chama da razão: b) é o bom selvagem que contribuiu para a descoberta do Brasil.
“Vejo que hoje, neste século que é a aurora da razão, ainda renascem c) errou, ao inverter a visão da Igreja, que sempre acreditou ser virtuoso
algumas cabeças da hidra do fanatismo. Parece que seu veneno é o homem, mas degenerador da sociedade.
menos mortífero e que suas goelas são menos devoradoras. Mas o d) contradisse a tradição cristã, ao afirmar que o homem nasce virtuoso,
monstro ainda subsiste e todo aquele que buscar a verdade arriscar-se- e a sociedade o corrompe.
á a ser perseguido. Deve-se permanecer ocioso nas trevas? Ou deve-se e contribuiu para a descoberta do Brasil, ao afirmar que o selvagem
acender um archote onde a inveja e a calúnia reacenderão suas tochas? que aqui habitava era naturalmente bom.
No que me tange, acredito que a verdade não deve mais se esconder
RESOLUÇÃO:
diante dos monstros e que não devemos abster-nos do alimento com Resposta: D
medo de sermos envenenados”.
Identifique a opção que melhor expressa esse pensamento de Voltaire.
a) Aquele que se pauta pela razão e pela verdade não é um sábio, pois 8. (ENEM) – Os produtos e seu consumo constituem a meta declarada
corre um risco desnecessário. do empreendimento tecnológico. Essa meta foi proposta pela primeira
b) A razão é impotente diante do fanatismo, pois esse sempre se impõe vez no início da Modernidade, como expectativa de que o homem
sobre os seres humanos. poderia dominar a natureza. No entanto, essa expectativa, convertida
c) Aquele que se orienta pela razão e pela verdade deve munir-se da em programa anunciado por pensadores como Descartes e Bacon e
coragem para enfrentar o obscurantismo e o fanatismo. impulsionado pelo Iluminismo, não surgiu “de um prazer de poder”, “de
d) O fanatismo e o obscurantismo são coisas do passado e por isso a um mero imperialismo humano”, mas da aspiração de libertar o homem
razão não precisa mais estar alerta. e de enriquecer sua vida, física e culturalmente.
e) O fanatismo e o obscurantismo são coisas do futuro e por isso a
razão precisa redobrar sua atenção. CUPANI, A. A tecnologia como problema filosófico: três enfoques,
Scientiae Studia. São Paulo, v. 2 n. 4, 2004 (adaptado).
RESOLUÇÃO:
Resposta: C
Autores da filosofia moderna, notadamente Descartes e Bacon, e o
6. (UFU-Adaptada) – A relação homem-natureza consome a maior projeto iluminista concebem a ciência como uma forma de saber que
parte das obras de Rousseau, que seguiu uma direção peculiar almeja libertar o homem das intempéries da natureza. Nesse contexto,
assentada na crítica ao progresso das ciências e das artes. a investigação científica consiste em
A este respeito, pode-se afirmar que a) expor a essência da verdade e resolver definitivamente as disputas
I – prevalece, nos escritos de Rousseau, a moral fundada na liberdade, teóricas ainda existentes.
a primazia do sentimento sobre a razão e, principalmente, a teoria b) oferecer a última palavra acerca das coisas que existem e ocupar o
da bondade natural do homem; lugar que outrora foi da filosofia.
II – o bom selvagem ou o homem natural é dotado de livre arbítrio e c) ser a expressão da razão e servir de modelo para outras áreas do
sentido de perfeição, sentimentos esses corrompidos com o saber que almejam o progresso.
surgimento da propriedade privada; d) explicitar as leis gerais que permitem interpretar a natureza e eliminar
III – o bom selvagem, descrito por Rousseau, possui uma sabedoria os discursos éticos e religiosos.
mais refinada que o conhecimento científico, o que confirma a e) explicar a dinâmica presente entre os fenômenos naturais e impor
completa ignorância da cultura letrada; limites aos debates acadêmicos.
IV – Rousseau não defende o retorno do homem à animalidade; ao
contrário, é preciso conservar a pureza da consciência natural, isto Resolução
Descartes e Bacon rivalizam quanto à concepção epistemológica e
é, alcançar a verdadeira liberdade.
métodos propostos. Descartes era racionalista, para quem o
Assinale a alternativa que apresenta todas as afirmativas corretas. conhecimento se encontra na razão e sugere o método dedutivo;
Bacon era empirista, para quem o conhecimento é construído pela
a) I, III e IV b) II, III e IV c) I, II e IV
experiência sensorial, propondo o método indutivo. Contudo, tais
d) I, II e III e) II e IV filósofos contribuíram muito para os caminhos da ciência e
RESOLUÇÃO: introduziram, por exemplo, o ceticismo metodológico. À ciência,
Resposta: D caberia conhecer os processos naturais, afastando as sombras das
dúvidas. Os iluministas, nesse sentido, valorizam a razão, como
7. Mas há sempre algum altruísmo nas pessoas. Serão valores meio de emancipação do homem.
Resposta: C
embutidos em nossa cultura por um legado religioso? Ou um impulso
inato, recebido da natureza ao nascer? Sangue, e rios de tinta, ainda não
responderam a essa pergunta. No século XVIII, J. J. Rousseau,
invertendo muitos séculos da visão pessimista do homem naturalmente
pecador e mau, embutida na tradição cristã, substituiu-a por uma ideia
oposta: a do homem que nasce virtuoso, e degenera na sociedade. É o
"bom selvagem", uma das contribuições iniciais da descoberta do Brasil
ao pensamento europeu.
(Roberto Campos. O Bom Selvagem e a Sociedade Cruel)

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1. Que visão geral Rousseau sustenta acerca do homem. d) Em toda família nuclear, há laços de solidariedade.
e) A vida moderna fortaleceu os conflitos entre o individualismo e o
2. “Ninguém jamais pôs tanto engenho em querer nos converter em altruísmo.
animais.” Essas palavras foram escritas por Voltaire para criticar
Rousseau. O que elas queriam dizer? E por que não julgam adequada- 9. “Ninguém jamais pôs tanto engenho em querer converter-nos em
mente a filosofia de Rousseau? animais.” Essas palavras foram escritas por Voltaire para criticar
Rousseau. Sobre a frase de Voltaire e a real concepção de Rousseau,
3. Comente uma contribuição de Voltaire para o advento do homem podemos afirmar:
moderno. I – Trata-se de uma crítica à proposta de Rousseau de devolver ao
homem a sua pureza natural corrompida pelo ser social.
4. Comente o projeto pedagógico de Rousseau. II – De fato, a antropologia rousseauniana reduz o homem a um mero
animal.
5. O Iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma III – Rousseau é contra a vida social e propõe um retorno urgente ao
tutelagem que estes mesmos se impuseram a si. Tutelados são aqueles estado de natureza.
que se encontram incapazes de fazer uso da própria razão IV – O homem de Rousseau é concebido como o bom selvagem.
independentemente da direção de outrem. É-se culpado da própria
tutelagem quando esta resulta não de uma deficiência do entendimento São verdadeiras:
mas da falta de resolução e coragem para se fazer uso do entendimento a) I e II b) I e III c) II e III
independentemente da direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem d) III e IV e) I e IV
para fazer uso da tua própria razão! – esse é o lema do Iluminismo.
10. A educação deve libertar o homem da escravidão das convenções
(Kant)
sociais, hipocrisias e dos hábitos exteriores. Assim, a educação deveria
Segundo essas palavras: valorizar a experiência e uma experiência voltada para a vida. A educação
I. O homem é desvalorizado, porquanto tem a razão como limite para é um retorno à pureza da consciência natural. Podemos melhor afirmar
o desenvolvimento da alma. que tais palavras interpretam
II. O homem é um projeto para a emancipação. a) a concepção que Rousseau tem de sociedade.
III. A razão humana é instrumento de tutelagem. b) o projeto pedagógico de Rousseau.
IV. A razão é um caminho para a emancipação. c) a doutrina social de Rousseau.
V. O autor faz uma crítica ao Iluminismo. d) a concepção de Voltaire acerca da tolerância entre os homens.
São verdadeiras apenas: e) o projeto revolucionário do Iluminismo.
a) I, II e III b) II, III e V c) I, IV e V
d) II e IV e) II, IV e V 11. Leia e julgue as assertivas abaixo sobre a antropologia de Rousseau
I – É um ser livre que originalmente vive em estado de natureza,
6. Enumere características fundamentais do Iluminismo. individualmente, mas que renuncia à liberdade para viver em
sociedade, ganhando, assim, a liberdade civil.
7. Descreva o contexto histórico em que o Iluminismo se desenvolve. II – O homem em estado de natureza revela más inclinações para o
egoísmo e só o contrato social, baseado no estabelecimento de
8. Uma das perguntas mais intratáveis da vida moderna é sobre se o um Estado forte e absoluto pode libertar o homem de sua
indivíduo tem precedência sobre o ente coletivo, ou o contrário? condição infeliz.
Prevalecerá a preferência pessoal de cada um, ou a vocação altruísta de III – O homem natural, original, é um ser desprovido de preocupações
se sacrificar pelos demais? Nas sociedades primitivas, o problema era intelectivas e sua ação é motivada apenas por aquilo que o rodeia.
menos complicado porque a sobrevivência individual estava estreita- Estão(está) corretas(correta):
mente ligada à do grupo. Mas por outro lado, o egoísmo grupal era a) Todas b) Apenas I e II c) Apenas II e III
implacável. Na era moderna, o indivíduo adquiriu autonomia, tornou-se d) Apenas I e III e) Apenas II
cidadão votante e consumidor soberano. Os conflitos entre egoísmo e
altruísmo foram complicados pelo anonimato, pela burocracia, e pelo 12. O homem de Rousseau em estado de natureza vive num mundo
gigantismo das sociedades. Fora do círculo íntimo da família nuclear, os sensível. Nessa condição, o homem não chega a imaginar um desejo
laços de solidariedade tornaram-se indiretos e difusos. distante e despercebido. Portanto, esse homem não planeja, não faz
(Roberto Campos. O Bom Selvagem e a Sociedade Cruel) projetos para o futuro e vive para o presente. É desprovido da habilidade
de abstrair. Para Rousseau, o homem natural não pode distinguir-se do
Indique a afirmação correta em relação ao texto. outro sequer. Conhece apenas os homens de seu círculo de convivência
a) Era mais fácil viver na sociedade primitiva, pois todos se ajudavam e está incapacitado de abstrair acerca da condição humana, na qual se
mutuamente. insere. Portanto:
b) Os grupos que se formavam, na sociedade primitiva, não eram a) seria um homem incapaz de identificar uma essência comum aos
isolados uns dos outros. homens.
c) A burocracia existente na vida moderna arrefeceu os conflitos entre b) o homem é naturalmente um ser social.
o egoísmo e o altruísmo. c) o homem só desenvolve habilidades intelectuais quando rompe

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com as convenções sociais. 14. A inversão de Rousseau teve consequências imprevistas. Se o


d) antes de viver em individualidade, os homens viviam em problema residia na sociedade, bastaria ao homem transformá-la para
sociedades tribais. voltar ao paraíso. Tentação tanto mais irresistível quanto estava
e) o homem é um ser irracional, movido por pulsões que impossibi- acontecendo a transição do mundo pré-industrial para os horizontes
litam uma convivência social democrática. inexplorados da Revolução Industrial. Durante três séculos, a Era da
Razão vinha abalando os alicerces intelectuais da cosmovisão religiosa
que sustentara a grande unidade espiritual da Idade Média. E a vitória do
13. A inversão de Rousseau teve consequências imprevistas. Se o racionalismo humanista trazia no bojo o liberalismo político e econômico.
problema residia na sociedade, bastaria ao homem transformá-la para (Roberto Campos. O Bom Selvagem e a Sociedade Cruel)
voltar ao paraíso. Tentação tanto mais irresistível quanto estava Segundo o texto,
acontecendo a transição do mundo pré-industrial para os horizontes a) três séculos depois de Rousseau, teve início a Idade Média.
inexplorados da Revolução Industrial. Durante três séculos, a Era da b) o liberalismo político e econômico era uma das características do
Razão vinha abalando os alicerces intelectuais da cosmovisão religiosa racionalismo humanista.
que sustentara a grande unidade espiritual da Idade Média. E a vitória do c) a vitória do racionalismo humanista extinguiu o liberalismo político
racionalismo humanista trazia no bojo o liberalismo político e econômico. e econômico.
(Roberto Campos. O Bom Selvagem e a Sociedade Cruel) d) a Era da Razão e a Idade Média são nomes para uma mesma
época.
A frase que altera a ideia básica do segundo período desse parágrafo é: e) o problema realmente residia na sociedade.
a) Já que o problema residia na sociedade, bastaria ao homem
transformá-la para voltar ao paraíso. 15. Não havia outra solução, para ele, no combate ao radicalismo
b) Uma vez que o problema residia na sociedade, bastaria ao homem religioso e a inclinação para o extremismo teológico senão a adoção de
transformá-la para voltar ao paraíso. uma firme política da tolerância. O fanatismo é uma espécie de febre ou
c) Como o problema residia na sociedade, bastaria ao homem cólera da alma que leva os indivíduos a confundir visões e sonhos com
transformá-la para voltar ao paraíso. a realidade, terminando por satisfazer sua loucura por meio do crime. É
d) Embora o problema residisse na sociedade, bastaria ao homem a aliança entre a ignorância e a crueldade.
(Schilling)
transformá-la para voltar ao paraíso.
O texto expressa ideias de
e) Porquanto o problema residisse na sociedade, bastaria ao homem
a) Descartes. b) Rousseau. c) Voltaire.
transformá-la para voltar ao paraíso. d) Kant. e) Marx.

1) É um ser livre que originalmente vive em estado de natureza, • Crença nas leis naturais, normas da natureza que regem
individualmente, mas que renuncia à liberdade para viver em todas as transformações que ocorrem no comportamento
sociedade, ganhando, assim, a liberdade civil. humano, nas sociedades e na natureza;
• Crença nos direitos naturais, que todos os indivíduos
2) Trata-se de uma crítica à proposta de Rousseau devolver ao possuem em relação à vida, à liberdade, à posse de bens
homem a sua pureza natural corrompida pelo ser social. Mas materiais;
a antropologia rousseauniana se revela bem mais complexa e • Crítica ao absolutismo, ao mercantilismo e aos privilégios
não reduz o homem a um mero animal. da nobreza e do clero;
• Defesa da liberdade política e econômica e da igualdade de
3) Voltaire pregou a liberdade de expressão e criticou a
todos perante a lei;
intolerância religiosa. Contribuiu também para o conceito de
• Crítica à Igreja Católica, embora não se excluísse a crença
igualdade de direitos.
em Deus.
4) A educação deve libertar o homem da escravidão das
convenções sociais, hipocrisias e dos hábitos exteriores. Sua 7) Século XVIII. Formação dos Estados modernos, as nações
pedagogia valoriza a experiência e está voltada para a vida. A políticamente representadas (Estado-nação), expansão dos
educação é um retorno à pureza da consciência natural. direitos civis, consolidação do liberalismo e da democracia,
secularização.
5) D
8) E 9) E 10)B 11)D
6) • Valorização da razão, considerada o mais importante ins-
trumento para se alcançar qualquer tipo de conhecimento; 12) A 13)D 14)B 15)C
• Valorização do questionamento, da investigação e da
experiência como forma de conhecimento tanto da
natureza quanto da sociedade, política ou economia;

54 –
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Kant e as Críticas da Razão


MÓDULO 7
A Dialética de Hegel
KANT E AS CRÍTICAS DA RAZÃO O significado do termo “Crítica”
O termo ‘crítica’ pode ser entendido como o método
1. Introdução kantiano da reflexão analítica ou da análise reflexiva. Esse
método parte do exercício de remontar do conhecimento
Immanuel Kant nasceu, estudou, lecionou e morreu em às condições que o tornariam legítimo. Kant não duvidava
Königsberg. Nunca saiu dessa cidade da Prússia Oriental, das verdades científicas de sua época, tampouco dos
centro da intelectualidade e comercial. A vida de Kant foi princípios morais, contudo, achava necessário buscar os
austera e, costuma-se dizer, regular como um relógio.
fundamentos racionais que sustentavam essas verdades
Kant era de família protestante, da Igreja Luterana, o
universais. Assim, os juízos rigorosamente verdadeiros,
que deixou profunda influência sobre o seu pensamento,
e portanto, necessários e universais, são juízos a priori,
marcado pelo racionalismo e pelo culto à moralidade
isto é independentes dos azares da experiência, sempre
interior do homem.
particular e contigente.
A primeira obra importante de Kant foi o Ensaio sobre
o mal radical, em que estuda o problema do mal. Nessa
Texto: Kant
obra, o mal não é visto apenas como a simples “privatio Por Julián Marías (Filósofo espanhol cristão,
bone” (ausência do bem, como entendia o antigo filósofo autor de inúmeros livros)
neoplatônico Plaotino), mas o objeto muito positivo de
uma liberdade malfazeja. (Esse texto resulta de uma conferência do curso “Los
Kant distingue o conhecimento sensível que abrange estilos de la Filosofía”, em Madrid, entre 1999 e 2000.
as instituições sensíveis e o conhecimento inteligível, ou Edição: Jean Lauand. Tradução: Elie Chadarevian)
seja, das ideias metafísicas. As obras seguintes expõem
o pensamento chamado crítico do filósofo: a Crítica da Hoje vamos falar de Kant. Kant é uma das maiores
Razão Pura (1781), em que explica essencialmente figuras da História da Filosofia, mas, além disso,
porque as metafísicas são voltadas ao fracasso e porque representa algo de muito especial neste curso, cujo tema
a razão humana é impotente para conhecer o fundo das é “Os estilos da Filosofia”. Como veremos, ele não só
coisas; e a a Crítica da Razão Prática (1788), obra em representa um estilo novo, mas também tem uma
que estuda o problema da moralidade humana. Escreveu particular consciência disto.
também outras importantes obras: Fundamento da Kant, nasceu em 1724 e morreu em 1804. Nasceu,
Metafísica dos Costumes, a Crítica do Juízo e outros. viveu e morreu em Königsberg, não saiu de sua cidade
natal. Era um homem metódico, as pessoas acertavam
seus relógios quando o senhor Kant passava, por certo
lugar, porque passava sempre na mesma hora. Há uns
versos de Antonio Machado que dizem: Tartarin em
Königsberg! Com a mão no queixo, tudo chegou a saber.
Era de uma família modesta, muito religiosa,
protestante, pietista, teve uma vida de professor, solitário,
uma vida enormemente singela e simples. É curioso o
fato de que tinha boa imaginação: dava cursos de
geografia e, ao que parece, descrevia países que não
conhecia, que nunca tinha visitado, com grande
imaginação.
Seu pensamento filosófico começou cedo, sem muita
precocidade, mas há uma longa época em sua vida – que
é o que depois se denominou “o período pré-crítico” – na
qual – mais ou menos – segue os caminhos do
pensamento dominante das primeiras e médias décadas
do século XVIII. Depois há uma época bastante longa em
Só o resultado permite imediatamente julgar se a elaboração dos
que não escreve, medita, pensa... e então começa o
conhecimentos pertencentes aos domínios próprios da razão segue período crítico: em 1781 publica seu livro principal, Crítica
ou não a via segura da ciência. (Kant) da razão pura, Kritik der reinen Vernunft, que depois

– 55
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voltou a publicar – uma edição bastante modificada – em Física de Newton tem um enorme prestígio. E as três
1787. Justamente a palavra “crítica” é essencial nesse perguntas fundamentais que Kant lança na Crítica da
período; ele publica outros livros importantes: Crítica da Razão Pura são: Como é possível a matemática pura?
razão prática, Crítica do juízo, Fundamentação da Como é possível a física pura? É possível a metafísica?
metafísica dos costumes... Vejam a diferença entre as perguntas: toma como
O interessante é que nessas obras de maturidade, certo que são possíveis a matemática e a física puras e
mais propriamente pessoais, que marcam um estilo pergunta se é possível a metafísica. E diz que ainda não
novo – ele tem consciência disto – diz que se trata de se encontrou o caminho seguro da filosofia: enquanto a
“uma revolução copernicana”. Ele pensa na inversão da matemática e as ciências encontraram um caminho
concepção astronômica de Ptolomeu feita por Copérnico seguro e progridem, avançam, se consolidam; em
e apresenta sua filosofia como sendo “uma revolução filosofia, em metafísica não se chegou a ter o caminho
copernicana”, eine kopernikanische Wendung. seguro da ciência “kein sicherer Weg der
Ou seja, ele tem plena consciência de um novo estilo. Winssenschaft” e isto é justamente o que ele vai buscar,
Este estilo tem a ver, evidentemente, com a tendência o que vai determinar a obra de Kant.
que já temos encontrado (e a vimos claramente em Isto vai levar Kant a uma reflexão muito profunda.
Descartes): a tendência a evitar o erro. Mais do que a Normalmente considera-se que o pensamento conhece
descoberta da verdade, com mais força ainda, o que se as coisas; conhece as coisas tal como são. E Kant diz:
busca é evitar o erro. não, isto não é possível. O que chama de “a coisa em si”,
Lembrem como Descartes põe em dúvida muitas “das Ding an sich” não se pode conhecer; porque eu
possibilidades de conhecimento, ele acha que não são conheço “a coisa em mim”. O que eu conheço, conheço
seguras e busca evitar o engano, e procura um submetido a mim; submetido ao meu espaço, ao meu
fundamento indubitável, que vai ser o cogito, a mente que tempo, às minhas categorias, isto é a “coisa em mim”,
pensa: algo do qual não se pode duvidar. Isto aparece que ele chamará “fenômeno”, opondo-o ao “noumeno”,
também no empirismo, especialmente em Locke, a coisa em si.
também há uma espécie de renúncia a muitos Quando eu conheço algo, transformo, modifico a
problemas – já os vimos outro dia – justamente porque coisa em si, que, como tal, é inadmissível. É contraditório
se trata de poder estar seguro mediante a experiência. que eu conheça a coisa em si porque quando a conheço
Pois bem, isto é capital. Não esqueçamos que Kant está em mim, ingressa em minha subjetividade, que a
recebe uma poderosa influência não só de Locke, mas modifica.
também de Hume, a quem chama “esse homem adulto”, É algo capital, decisivo, que vai iniciar uma nova
que chega a uma forma inclusive quase cética do empirismo maneira de propor os problemas filosóficos e é
de Locke e questiona uma série de possibilidades de justamente isto que a Crítica da Razão Pura vai explorar.
conhecimento: isto faz com que Kant fique em alerta, e ele vai Então faz uma crítica muito profunda da qual,
se concentrar sobre os objetos da razão e seus limites, suas naturalmente, só podemos dar umas poucas amostras.
possibilidades. É a crítica da razão. Por exemplo, recordem como, por meio de Deus, esse
Cabe aqui um esclarecimento terminológico: em Kant famoso problema da comunicação das substâncias foi
a palavra “puro” quer dizer independente da experiência. resolvido na filosofia do século XVII (Deus como garantia
Kant dirá em algum lugar: “Todo conhecimento começa da evidência em Descartes: não há um gênio maligno que
com a experiência, mas nem todo conhecimento se funda nos engana etc.). A abordagem de Kant é diferente: fala-
na experiência”. Há conhecimentos que não se fundam se da existência como se fosse uma qualidade das
na experiência, isto quer dizer “puro” ou também, com coisas... e não! Sein ist keine reales prädikat, o ser não é
outro termo que ele usa muito, “a priori”. “A priori” ou um predicado real. O que isto quer dizer? Não é que uma
“puro” quer dizer independente da experiência, oposto a coisa seja o que é e, além disso, exista; não! A existência
“a posteriori”, que é fundado na experiência. não é um predicado real. Ele diz “Cem táleres - a moeda
Em segundo lugar, outro esclarecimento terminoló- da época - pensados são o mesmo que cem táleres reais”
gico, quando Kant fala de crítica da razão pura e de crítica (bem, no meu bolso, não, não é o mesmo... [risos] se
da razão prática o leitor não filósofo supõe que há uma tenho mil pesetas possíveis ou se tenho mil pesetas reais,
contraposição entre puro e prático. E não: a razão pura é há uma pequena diferença...). Mas, em que consiste a
toda a razão; é a razão pura teórica e a razão pura prática. diferença? Não no conteúdo, mas na conexão com a
Ou seja, o adjetivo “puro” corresponde às duas, a experiência. Digamos: os cem táleres reais estão aqui,
diferença é que uma é teórica e outra é prática. tenho-os na mão, estão nesta mesa, estão em conexão
Kant vai empreender a tarefa da crítica da razão, de com a experiência; os outros, não. Portanto é um caráter
estabelecer os limites da razão, suas possibilidades, sua que não é intrínseco à própria coisa: a existência é
justificação e isso justamente no momento em que a justamente algo que é a conexão de alguma coisa com o
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conjunto da experiência: é o que os filósofos dessa Kant então se encontra com este fato e há uma
época – e Kant é o primeiro – chamarão “a posição”, está limitação, que afeta precisamente estes grandes temas
posto: o ser não é um predicado real. Por exemplo, Fichte, da metafísica. Mas não é que desapareçam, o que ocorre
o discípulo mais próximo de Kant dirá, em sua forma de é que reaparecem no âmbito da razão prática e
idealismo: o eu se põe a si mesmo e ao não eu; o não eu, precisamente no âmbito da moralidade. E há um fato da
o mundo, é posto pelo eu – por isto é idealismo. moralidade: o homem é moral. O homem se sente
Há um ato de posição: isto é muito importante no responsável e portanto livre. E portanto moral. O único
pensamento pós-kantiano. bem sem restrições é a boa vontade, que será o núcleo
Isto leva a uma ideia que é o que se vai chamar o ser da atitude moral de Kant: a boa vontade. Ele vai
transcendental. É uma ideia capital e por isso o idealismo precisamente considerar que a boa vontade consiste no
de Kant é chamado de idealismo transcendental. A respeito ao dever. Kant desvaloriza os desejos, os
escolástica já usava os conceitos de imanente e sentimentos, as emoções... tudo isto está muito bem,
transcendente. Imanente é o que permanece no sujeito; mas não tem que ver com a moralidade. Se eu faço algo
transcendente é o que está além. Kant dirá: não se trata porque me comovo, porque me parece desejável, por
de imanente nem de transcendente, trata-se do compaixão... isto está muito bem pessoalmente mas não
transcendental. O transcendental é o resultado da tem nada que ver com a moral. A moral consiste em que
inserção, digamos, do real em si – que não é acessível, eu faça algo por puro respeito ao dever. Este é o ponto de
que não se pode conhecer diretamente como tal – em vista kantiano.
minha sensibilidade: o espaço, o tempo e as categorias Por um lado, Kant necessita estabelecer uma moral
são as que ordenam o que, de modo bruto, é que seja absolutamente válida. Ele distingue entre
simplesmente um caos de sensações. O que eu vejo, o imperativos condicionados e imperativos categóricos. Se
que eu percebo está ordenado segundo o espaço, o dizem a uma pessoa: – Não coma demasiado porque vai
tempo e as categorias e isso não são as coisas, mas os engordar – Pois bem, vou engordar. Não faça tal coisa
fenômenos, que é o que eu conheço. porque vai se machucar.
Este é o ponto de vista da visão kantiana do real, que Pois bem, vou me machucar... Ou seja, o imperativo
traz naturalmente consigo uma visão do conhecimento. perde validade, porque são imperativos condicionados,
Uma visão que é – e isto terá consequências – uma dependem de uma condição: se essa condição falta ou
transformação do real: ao conhecer eu transformo; o não se cumpre, então o imperativo cai. E ele quer um
noumenon, a coisa em si não é acessível, não é imperativo categórico, que obrigue sem restrições, sem
cognoscível, porque conhecer quer dizer transformar o mais. Então tem de ser um imperativo não material, não
noumenon em fenômeno, que é o que eu conheço. de conteúdo, que não dependa de tal ou qual coisa, mas:
Portanto o conhecimento é, de certo modo, uma Faça as coisas de tal maneira!
transformação do real. É interessante como, por exemplo, A fórmula – há várias fórmulas para o imperativo
muito recentemente se chegou a uma visão, inclusive
categórico, mas seria mais ou menos isto: “Age de modo
física, que tem conexão com isto: para estudar um
que o motivo de tua ação possa ser uma lei universal da
fenômeno físico, eu devo iluminá-lo, mas a luz transforma
natureza”. Se eu posso querer que o motivo pelo qual
o objeto, o modifica: se eu ilumino um sistema físico,
faço algo se converta em lei universal da natureza, então
modifico-o, mas para conhecê-lo tenho que iluminá-lo...
isto moralmente obriga de modo absoluto.
Kant tem, então, a matemática e a física – e a física de
Ele dá exemplos, alguns muito triviais: se uma
Newton é o modelo de ciência que é válido para ele (isto,
pessoa, faz um depósito em empréstimo para outra
naturalmente, pode-se corrigir, foram feitas críticas
pessoa, há obrigação de devolver. Ou será que posso
posteriores, houve modificações muito profundas com
desejar que seja lei universal que quando se faz um
Eisntein, com Planck, com Heisenberg etc., mas para
empréstimo não se devolva? Ou que possa querer que
Kant a física de Newton tem plena validade). E Kant se
seja lei universal que se minta quando se fala? Não,
depara com o problema da metafísica; os grandes
porque então ninguém acreditaria no que se diz e não se
problemas: Deus, a liberdade, a imortalidade. Estes
poderia viver.
problemas escapam à experiência...
Como veem, essa ideia muito profunda em Kant – a
Então ele dirá: não é possível chegar a um
ideia de uma moral autônoma, categórica – não pode ser
conhecimento pleno na crítica da razão pura dessas
uma moral de conteúdo – o que depois se chamará
realidades que vão se portar como o que ele chamará de
“moral material” – é uma moral formal, que se atém à
ideias regulativas, mas não são objeto do conhecimento
forma da ação, ao motivo pelo qual se executa uma
especulativo, da razão pura teórica.
determinada ação.

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Ora, o fato da moralidade – o fato de que o homem é “Genialidade e inverecúndia no idealismo transcen-
responsável, se sente responsável e, portanto livre e, dental”. E há esse afã, de esquematismo, do desenvol-
portanto moral – faz com que ingressem no campo da vimento das grandes construções intelectuais... e isto é a
razão prática – que é superior à teórica – esses grandes consequência imediata de Kant.
temas, que não se podem equacionar suficientemente na Depois há o positivismo. O positivismo recebe
esfera da razão pura teórica; essas grandes ideias influência do kantismo, mas o recebe num momento em
regulativas, reaparecem no mundo moral, culminam no que se renuncia aos grandes problemas, em que se fala
conceito de pessoa moral, que é central no kantismo. dos fenômenos e de suas leis; não se fala de essências,
Como veem, é realmente uma revolução coper- do que as coisas são. Isto faz com que o pensamento
nicana, é uma mudança profundíssima, é uma maneira kantiano se converta numa espécie de metodologia do
nova de ver as coisas, é uma renúncia à crença ingênua conhecimento empírico. Já na segunda metade do século
de que se conhecem as coisas em si mesmas – há uma XIX aparece o que se chama de neo-kantismo (sempre
subjetividade que as transforma, que as converte em algo que eu vejo o prefixo “neo” me preocupo – há um livro
diferente; conhecer é transformar –, mas se salvam os famoso “Kant e os epígonos”, cujos capítulos sempre
grandes conteúdos da metafísica na esfera da razão terminavam com: “portanto é preciso retornar a Kant”) –
prática. cuja escola mais importante é a escola de Marburgo, que
É que a metafísica é eine Naturanlage “uma além do mais nos interessa muito particularmente porque
tendência natural”: o homem não pode renunciar a fazer foi nela que Ortega se formou. O que querem é, em
metafísica; o que acontece é que a tem que deslocar da última análise, converter o kantismo em teoria do
razão especulativa para a razão prática. “Em primeiro lugar conhecimento, em epistemologia.
tive que eliminar o saber para dar lugar à crença”, uma E ainda mais: há um momento no século XX em que
crença racionalmente justificada, na esfera da razão se volta a ler Kant de outra maneira, com outros olhos. E
prática, que é a decisiva. lê-se Kant sobretudo como um pensador inacabado, que
Isto foi, naturalmente, como uma espécie de não chegou a completar sua filosofia: toda sua enorme
terremoto intelectual. obra era uma preparação para isto. O primeiro a reparar
Naturalmente se trata de um sistema complexo e nesse fato foi Ortega. Ortega escreve um folheto em
difícil: se quiserem ler Kant, eu lhes recomendo as 1924: Kant: reflexões de um centenário. E precisamente
grandes Críticas, que são muito difíceis e muito extensas. examina Kant a partir do ponto de vista do que representa
A fundamentação da metafísica dos costumes é um livro para a cultura alemã. Por exemplo, a dificuldade de ir mais
breve, muito acessível e claro. E a Introdução à Lógica de além de si mesmo, a atitude frequentemente subjetivista
Kant, publicado por Jaesche, e que é uma introdução a que aparece no pensamento alemão. Pouco depois
seu método filosófico. publicou outro folheto Kant no qual explicita isto: Kant,
Kant foi um filósofo que viveu 80 anos. E só muito afinal, é um metafísico: trata de fazer uma obra que não
tardiamente exerceu influência: por exemplo, seu chega a completar, que se indica em alguns de seus
principal discípulo, Fichte, só o conheceu em 1791, livros, especialmente num deles há textos muito
bastante tarde, e os outros são posteriores. Ou seja, os interessantes que comentarei brevemente daqui a pouco.
kantianos são netos de Kant: há uma geração E em 1929 Heidegger publica Kant und das Problem
intermediária que não é kantiana. E há ainda um problema der Metaphysik, Kant e o problema da metafísica, uma
muito delicado: quando há um grande filósofo, nem toda visão da metafísica indicada – mas não plenamente
sua obra está em linguagem clara: há certos silêncios, realizada – por Kant, que, em última análise, seria justa-
certos esquecimentos, certas missões... E entre os pós- mente um metafísico que não acaba de realizar sua obra.
kantianos, a razão prática tem muito maior relevo: sim, Além disso Kant diz coisas particularmente muito
partem da crítica da razão teórica, contam com ela, mas interessantes quando fala das quatro perguntas
não é o que seguem, não é o que primariamente fundamentais que devem ser feitas: O que posso saber?
desenvolvem. E o que fazem é uma especulação: são A Metafísica responde a isto. O que posso esperar? A
grandes construtores de catedrais, os grandes religião responde a isto.
sistemáticos da filosofia, que elaboram grandes e O que devo fazer? Isto é a moral. E finalmente: O que
impressionantes construções intelectuais, às vezes com é o homem? A isto responde a antropologia. E Kant diz
certas violências à realidade. Ortega disse certa vez que que estas quatro perguntas resumem-se, afinal, na última:
tinha pensando em escrever um ensaio intitulado “O que é o homem”: E isto é interessante porque Kant
faz a distinção entre dois conceitos da filosofia: o
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Schulbegriff, o conceito escolar da filosofia e o


Weltbegriff, o conceito mundano da filosofia, a filosofia
para a vida. E ele diz: mais importante é a filosofia para
vida, o conceito mundano da filosofia.
Precisamente nesse breve texto da Introdução às
Lições de Lógica, editadas por Jaesche, já no final da vida
de Kant, é interessante que justamente a filosofia de Kant
desemboca na distinção entre o conceito escolar e o
conceito mundano da filosofia e nessas quatro perguntas
capitais.
Já há bastante tempo eu disse na Antropologia
Metafísica que, do meu ponto de vista, não é certo que se
possa reduzir tudo a uma pergunta: O que é o homem? E
o dizia precisamente num livro de antropologia. Eu dizia: –
não, para começar, não está correta a pergunta: “O que é
Julian Marías: renomado filósofo espanhol, autor da conferência sobre
o homem?”. Essa pergunta tem sido feita pela filosofia já
Kant anteriormente publicada.
há muito tempo, mas é uma pergunta errada, é uma
pergunta que propõe um problema de resposta falsa, Frases e Pensamentos de Kant
porque o homem não é um “que”... Se alguém bate à
“A missão suprema do homem é saber o que precisa
porta, não se pergunta “que”, mas sim “quem” é.
para ser homem.”
Devemos distinguir radicalmente entre “que” e
“quem”. A pergunta não é portanto “O que é o “A moral, propriamente dita, não é a doutrina que nos
homem?”, nem tampouco “Quem é o homem?” – isto ensina como sermos felizes, mas como devemos tornar-
nos dignos da felicidade.”
não tem sentido – a pergunta radical é “Quem sou eu?”.
Outros filósofos alemães – de Kant a Hegel – falam do “É no problema da educação que assenta o grande
eu; a filosofia de todos os idealistas alemães está centrada segredo do aperfeiçoamento da humanidade.”
no conceito do eu, que põe o não-eu. O eu transcendental. “Age de modo que consideres a humanidade tanto
Sim, sim, mas quando se usa o artigo determinado com a na tua pessoa quanto na de qualquer outro, e sempre
palavra “eu”, esta palavra se altera profundamente, fica como objetivo, nunca como simples meio.”
substantivada, coisificada. Porque “eu” é um pronome, é “O mesmo acontece ao mérito e à inocência: perde-
um pronome pessoal, que indica precisamente a posição se, desde que deles nos sustentemos.”
existente e única. Quando alguém bate e se pergunta
“Belo é tudo quanto agrada desinteressadamente.”
“Quem é”, frequentemente se responde: “eu”, se a voz
for conhecida. “Eu”, não “o eu”, que é uma abstração; “O desejo é a autodeterminação do poder duma
“eu”, rigorosamente pronominal. pessoa pela imaginação dum fato futuro, que seria o
efeito desse poder.”
Portanto, a pergunta não seria “O que é o homem?”,
a pergunta seria “Quem sou eu?”. Mas esta pergunta vai “O princípio da finalidade não é constitutivo, mas
acompanhada de outra, inseparável: “O que vai ser de regulador.”
mim?”. São duas perguntas inseparáveis e que de certo “A amizade é semelhante a um bom café; uma vez
modo se contrapõem: quero dizer que na medida em que frio, não se aquece sem perder bastante do primeiro
posso responder plenamente a uma, a outra fica na sabor.”
sombra. Se eu sei quem sou, se eu me vejo a mim “Todo o conhecimento humano começou com
mesmo como pessoa, como quem, não acabo de saber o intuições, passou daí aos conceitos e terminou com
que vai ser de mim... Se, por outro lado, quero ter a ideias.”
certeza sobre o que vai ser de mim, evidentemente “É por isso que se mandam as crianças à escola: não
necessito apoiar-me em algo estável e executo a tanto para que aprendam alguma coisa, mas para que se
operação de – de certo modo – coisificação. Essas duas habituem a estar calmas e sentadas e a cumprir
perguntas são inevitáveis, inseparáveis e – de algum escrupulosamente o que se lhes ordena, de modo que
modo – conflitantes. Por isso, é que eu acho que a vida depois não pensem mesmo que têm de pôr em prática as
humana é dramática. suas ideias.”

Conferência do curso “Los estilos de la Filosofía”, Madrid, 1999/2000.


“A geometria é uma ciência de todas as espécies
© Edição: Jean Lauand. Tradução: Elie Chadarevian
possíveis de espaços.”

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“Age sempre de tal modo que o teu comportamento “Podemos julgar o coração de um homem pela forma
possa vir a ser princípio de uma lei universal.” como ele trata os animais.”
“O homem é o único animal que precisa trabalhar.” “Duas coisas povoam a mente com uma admiração e
respeito sempre novos e crescentes...o céu estrelado por
“Age de tal forma que a máxima do teu querer possa
cima e a lei moral dentro de nós.”
valer em todo o tempo também como princípio de uma
legislação geral.” “Ciência é conhecimento organizado. Sabedoria é
vida organizada.”
“Quanto mais amor temos, tanto mais fácil fazemos
a nossa passagem pelo mundo.”
Texto:
“O homem não é nada além daquilo que a educação Racionalismo e Empirismo
faz dele.”
“A paciência é a fortaleza do débil e a impaciência, a Por José Maurício F. Mazzucco
debilidade do forte.”
O filósofo René Descartes (1596-1650) iniciou uma
“Não há garantias. Do ponto de vista do medo,
ninguém é forte o suficiente. Do ponto de vista do amor, teoria do conhecimento. Descartes é um representante
ninguém é necessário.” do racionalismo ou do inatismo, segundo o qual o homem
desenvolve ideias a partir de seu próprio sujeito, pois a
“A nossa época é a época da crítica, à qual tudo tem
realidade está primeiramente no espírito. Diante do pólo
que submeter-se. A religião, pela sua santidade, e a
legislação, pela sua majestade, querem igualmente sujeito e objeto (conhecedor e conhecido), Descartes
subtrair-se a ela. Mas então suscitam contra elas prioriza o papel do primeiro, pois as ideias não vêm de
justificadas suspeitas e não podem aspirar ao sincero fora, mas estão dormentes no sujeito e somente um
respeito, que a razão só concede a quem pode sustentar conhecimento baseado no critério da racionalidade interna
o seu livre e público exame.” do homem pode assegurar um conhecimento verdadeiro.
Por outro lado, temos os empiricistas que afirmam o
contrário: a alma é como uma tabula rasa e o
conhecimento só é construído graças ao contato com a
realidade empírica, ou seja, em contato com a realidade
sensível. Um filósofo representante dessa concepção é
John Locke (1632-1704) e Francis Bacon (1561-1626).
Comparando Descartes a Locke, podemos afirmar que
enquanto o primeiro enfatiza o sujeito conhecedor, o
segundo enfatiza o objeto conhecido, pois a realidade é
acessível ao pensamento humano pela experimentação.
Entre a postura dos racionalistas, que valorizam o
sujeito, e dos empiricistas, que valorizam o objeto,
encontramos a posição de Immanuel Kant (1724-1804),
para quem o conhecimento esbarra com os limites da
razão e com as possibilidades da experiência. Se não se
pode confiar totalmente na razão, também não se pode
confiar totalmente nos sentidos.
Para Kant:
“... o nosso conhecimento experimental é um
composto do que recebemos por impressões e do que a
nossa própria faculdade de conhecer de si mesma tira por
ocasião de tais impressões”.

Em suma, para Kant, o conhecimento resulta da


apreensão dos conteúdos pela experiência empírica e
pela razão humana.
Para Kant, a razão prática é aquela que orienta a moral humana.

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A DIALÉTICA DE HEGEL Revolução seria a tese, o Terror, a antítese e a constituição


do Estado democrático, a síntese. Vale lembrar que o
2. Introdução sistema dessa tríade, não aparecendo claramente em
Hegel, tem função pedagógica.
Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu em Estugarda, O pensamento de Hegel é chamado de idealista
em 27 de agosto de 1770, e faleceu em Berlim, no dia 14 porque, diferentemente da visão dos materialistas, que
de novembro de 1831. Hegel foi um dos mais influentes julgam as forças materiais serem o motor da História,
e fundamentais filósofos alemães. Recebeu sua formação acreditava que a força da História residia nos princípios
no Tübinger Stift – Seminário de Tubinga (Seminário da do espírito e do pensamento. Assim, para Hegel, a
Igreja Protestante em Württemberg). Na constelação de contradição é o motor do pensamento. Karl Marx foi
influências de Hegel, temos o nome de grandes filósofos, profundamente influenciado por Hegel, mas o acusou de
como Spinoza, Kant e Rousseau. No seminário conheceu idealista, criando assim uma dialética materialista, em que
dois nomes do romantismo literário: Hölderlin e Schelling, o motor da História seria o desenvolvimento das forças
com quem compartilhava um entusiasmo pela Revolução produtivas.
Francesa. Posteriormente, decepcionado com o período
do Terror, voltou-se para uma postura mais conservadora.
Hegel representa o ápice do idealismo alemão do século
XIX, que teve impacto profundo no materialismo histórico
de Karl Marx. É considerado também o pai da dialética
moderna, sistema filosófico que construiu lentamente.
A primeira e a mais importante das obras maiores de
Hegel é sua Fenomenologia do Espírito. Publicou também
a Enciclopédia das Ciências Filosóficas, a Ciência da
Lógica, e os (Elementos da) Filosofia do Direito. Sua obra,
no entanto é bem mais vasta, versando sobre religião,
filosofia da História e estética.

3. A Dialética e o Idealismo

Hegel criou um sistema para possibilitar uma visão


total da História e do mundo: a dialética, uma progressão
na qual cada movimento sucessivo surge como solução
das contradições inerentes ao movimento anterior.
Formulou, assim, uma espécie de motor da História em
que a evolução se dava pelas relações de contradição dos
fenômenos, onde toda tese, pressupõe uma antítese (sua
contradição) e da relação de tensão entre a tese e
antítese, surgiria uma síntese, que por sua vez se Hegel foi o pai do idealismo alemão.
constituiria numa nova tese. Essa tríade (tese, antítese e
síntese) simplifica a compreensão da dialética de Hegel, Texto: Hegel
mas ele próprio nunca a usou. Por exemplo, a Revolução Por Rubem Queiroz Cobra (Bacharel em
Filosofia e Doutor em Geologia)
Francesa constitui, segundo o filósofo alemão, a
introdução da liberdade nas sociedades ocidentais. Pensamento: A filosofia de Hegel é a tentativa de
Contudo, justamente por ser novidade absoluta, é considerar todo o universo como um todo sistemático. O
também absolutamente radical: de um lado, a eclosão da sistema é baseado na fé. Na religião cristã, Deus foi
violência que fez falta para realizar a revolução, não pode revelado como verdade e como espírito. Como espírito, o
deixar de ser o que é, sendo que, por outro lado, já homem pode receber esta revelação. Na religião a
consumiu seu oponente. A revolução, portanto, resultaria verdade está oculta na imagem; mas na filosofia o véu se
inevitavelmente no brutal Terror. A dialética consiste no rasga, de modo que o homem pode conhecer o infinito e
progresso da História, porque se aprende com seus erros. ver todas as coisas em Deus.
No caso da Revolução, diria que somente depois desta O sistema de Hegel é assim um monismo espiritual,
experiência, e precisamente por causa dela, pode-se mas um monismo no qual a diferenciação é essencial.
postular a existência de um Estado constitucional de Somente através da experiência pode a identidade do
cidadãos realmente livres. Nesse caso, diríamos que a pensamento e o objeto do pensamento serem alcan-

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çados, uma identidade na qual o pensar alcança a imediatamente para a outra. Mas o caminho para sair
inteligibilidade progressiva que é seu objetivo. Assim, a dessa contradição é de imediato rejeitar ambas as noções
verdade é conhecida somente porque o erro foi separadamente e afirmá-las juntas, isto é, afirmar a noção
experimentado e a verdade triunfou; e Deus é infinito do vir a ser, uma vez que o que ambas vem a ser é e não
apenas porque ele assumiu as limitações de finitude e é ao mesmo tempo. O processo dialético avança através
triunfou sobre elas. Similarmente, a queda do homem era de categoria de crescente complexidade e culmina com a
necessária se ele devia atingir a bondade moral. O ideia absoluta, ou com o espírito como objetivo para si
espírito, incluindo o Espírito infinito, conhece a si mesmo mesmo.
como espírito somente por contraste com a natureza. Natureza: A natureza é o oposto do espírito. As
O sistema de Hegel é monista pelo fato de ter um categorias estudadas na Lógica eram todas internamente
tema único: o que faz o universo inteligível é vê-lo como relacionadas umas às outras; elas nascem umas das
o eterno processo cíclico pelo qual o Espírito Absoluto outras. A natureza, no entanto, é uma esfera de relações
vem a conhecer a si próprio como espírito (1) através de externas. Partes do espaço e momentos do tempo
seu próprio pensamento; (2) através da natureza; e (3) excluem-se uns aos outros; tudo na natureza está em
através dos espíritos finitos e suas autoexpressões na espaço e tempo e, assim, é finito. Mas a natureza é criada
história e sua autodescoberta, na arte, na religião, e na pelo espírito e traz a marca de seu criador. As categorias
filosofia, como Um com o próprio Espírito Absoluto. aparecem nela como sua estrutura essencial e é tarefa da
O compêndio do sistema de Hegel, a “Enciclopédia filosofia da natureza detectar essa estrutura e sua
das Ciências Filosóficas”, é dividida em três partes: dialética; porém a natureza, como o reino da
Lógica, Natureza e Espírito. O método de exposição é “externalidade”, não pode ser racional sequencialmente,
dialético. Acontece com frequência, que em uma de modo que a racionalidade prefigurada nela torna-se
discussão, duas pessoas que a princípio apresentam gradualmente explícita quando o homem aparece. No
pontos de vista diametralmente opostos, depois homem a natureza alcança a autoconsciência.
concordam em rejeitar suas visões parciais próprias e Espírito: Aqui Hegel segue o desenvolvimento do
enfim aceitam uma visão nova e mais ampla, que faz espírito humano através do subconsciente, consciente e
justiça à substância de cada uma das precedentes. Hegel vontade racional. Depois, através das instituições
acreditava que o pensamento sempre procede deste humanas e da História da humanidade como a
modo: começa por lançar uma tese positiva que é negada incorporação e objetivação da vontade; e finalmente para
imediatamente pela sua antítese; então um pensamento a arte, a religião e filosofia, esta última na qual finalmente
seguinte produz a síntese. Mas esta síntese, por sua vez, o homem conhece a si mesmo como espírito, como Um
gera outra antítese, e o mesmo processo continua uma com Deus e possuído da verdade absoluta. Assim, o
vez mais. O processo, no entanto, é circular: ao final, o homem aberto para ele pensar sua própria essência, isto
pensamento alcança uma síntese que é igual ao ponto de é, os pensamentos expostos na Lógica. Ele finalmente
partida, exceto pelo fato de que tudo que estava implícito voltou ao ponto de partida do sistema, mas no roteiro
ali foi agora tornado explícito, tudo que estava oculto no deixou explícito tudo que estava implícito nele e descobriu
ponto inicial foi revelado. que “nada senão o espírito é, e espírito é pura atividade”.
Assim, o pensamento propriamente, como processo, Nos trabalhos políticos e históricos de Hegel, o
tem a negatividade como um de seus momentos espírito humano objetiva a si próprio no seu esforço para
constituintes, e o finito é, como a automanifestação de encontrar um objeto idêntico a si mesmo. A Filosofia do
Deus, parte e parcela do infinito mesmo. O sistema de Direito cai em três divisões principais. A primeira trata da
Hegel dá conta desse processo dialético em três fases: lei e dos direitos como tais: pessoas (isto é, o homem
Lógica: O sistema começa dando conta do como homem, muito independentemente de seu caráter
pensamento de Deus “antes da criação da natureza e do individual) são o sujeito dos direitos, e o que é requerido
espírito finito”, isto é, com as categorias ou formas puras delas é meramente obediência, não importa que motivos
de pensamento, que são a estrutura de toda vida física e de obediência possam ser. O Direito assim é um abstrato
intelectual. Todo o tempo, Hegel está lidando com universal e portanto faz justiça somente ao elemento
essencialidades puras, com o espírito pensando sua universal na vontade humana. O indivíduo, porém, não
própria essência; e estas estão ligadas a um processo pode ser satisfeito a menos que o ato que ele faz
dialético que avança do abstrato para o concreto. Se um concorde não meramente com a lei mas também com
homem tenta pensar a noção de um ser puro (a mais suas próprias convicções conscientes. Assim, o problema
abstrata categoria de todas), ele encontra que ela é no mundo moderno é construir uma ordem política e
apenas o vazio, isto é, nada. No entanto, o nada “é”. A social que satisfaça os anseios de ambos. E assim
noção de ser puro e a noção de nada são opostas; e, no também, nenhuma ordem política pode satisfazer os
entanto cada uma, quando alguém tenta pensá-la, passa anseios da razão a menos que seja organizada de modo a

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evitar, por uma parte, a centralização que faria os homens Frases e textos de Hegel
escravos ou ignorar a consciência e, por outra parte, um “Nada existe de grandioso sem Paixão”.
antinomianismo (argumentação que se desenvolve por “A necessidade geral da arte é a necessidade racional
meio de antinomias: as proposições mutuamente que leva o homem a tomar consciência do mundo interior
excludentes) que iriam permitir a liberdade de convicção e exterior e a fazer um objeto no qual se reconheça a si
para qualquer indivíduo (liberalismo) e assim produzir uma próprio”.
licenciosidade que faria impossível a ordem política e “A necessidade, a natureza e a história não são mais
social. do que instrumentos da revelação do Espírito”.
O Estado que alcançasse essa síntese haveria de “A verdadeira figura na qual a verdade existe só pode
apoiar-se na instituição da família e no sentimento de ser o sistema científico dessa verdade”.
culpa. Seria talvez uma forma de monarquia limitada, com “As ideias que revolucionam o mundo avançam a
governo parlamentarista, julgamento por um júri, passo miúdo”.
tolerância para judeus e dissidentes, e seria diferente de “Grandeza, entidade variável mas que, apesar da sua
qualquer estado existente nos dias de Hegel. variação, continua sempre a ser a mesma”.
Na Filosofia da História, Hegel pressupôs que a “Nada de grande se realizou no mundo sem paixão”.
Historia da humanidade é um processo através do qual a “O Estado é a forma histórica específica na qual a
humanidade tem feito progresso espiritual e moral e liberdade adquire uma existência objetiva e usufrui da sua
avançado seu autoconhecimento. A História tem um objetividade”.
propósito e cabe ao filósofo descobrir qual é. Alguns “O artista não precisa de filosofia e, se pensa como
historiadores encontraram sua chave na operação das leis filósofo, entrega-se a um trabalho que está justamente
naturais de vários tipos. A atitude de Hegel, no entanto, em oposição à forma do saber próprio da arte”.
apoiou-se na fé de que a História é a representação do “O estado da natureza é, antes, o estado da injustiça,
propósito de Deus e que o homem tinha agora avançado da violência, do instinto natural desenfreado, das ações e
longe o bastante para descobrir o que esse propósito era: dos sentimentos desumanos”.
ele é a gradual realização da liberdade humana. “O homem não é mais do que a série dos seus atos”.
O primeiro passo era fazer uma transição da vida “O tempo, essa inquietação pura da vida e esse
selvagem para um estado de ordem e de lei. Em muitos processo de absoluta distinção”.
pontos, o pensamento de Hegel serviu aos fundamentos “O verdadeiro é o delírio báquico no qual nenhum
do marxismo, um deles é sua concepção de que os Estados membro deixa de estar embriagado”.
têm de ser encontrados por força e violência, pois não há “Povo é a parte da nação que não sabe o que quer”.
outro caminho para fazer o homem curvar-se à Lei antes de “Quanto ao seu supremo destino, a arte permanece
ele ter avançado mentalmente tão longe suficiente para para nós uma coisa do passado”.
aceitar a racionalidade da vida ordenada. Alguns homens “Um povo que considera a natureza seu deus não
aceitarão as leis e se tornarão livres, enquanto outros pode ser um povo livre”.
permanecerão escravos. No mundo moderno, o homem “A filosofia vem sempre demasiado tarde. Enquanto
passou a crer que todos os homens, como espíritos, são pensamento do mundo, só aparece quando a realidade
livres em essência, e sua tarefa é, assim, criar instituições realizou e terminou o seu processo de formação”.
sob as quais eles serão livres de fato. “O mais alto objetivo da Arte é o que é comum à
Religião e à Filosofia. Tal como estas, é um modo de
expressão do divino, das necessidades e exigências mais
elevadas do espírito”.

O Sentido do Espírito
Para conhecer bem os fatos e enxergá-los no seu
verdadeiro lugar, deve-se estar no cume – não os
considerar de baixo pelo buraco da fechadura da
moralidade ou de alguma outra sabedoria.
(...) O ponto de vista geral da história filosófica não é
abstratamente geral, mas concreto e eminentemente
atual, porque é o Espírito que permanece eternamente
junto de si mesmo e ignora o passado. À semelhança de
Mercúrio, o condutor das almas, a Ideia é na verdade o
que conduz os povos e o mundo, e é o Espírito, a sua
O pensamento dialético percebe que as contradições movem a História.
vontade razoável e necessária, que orientou e continua a
orientar os acontecimentos do mundo.
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A Razão seja a sua consciência; se eles se colocam com o seu


A razão é a suprema união da consciência e da saber acima dela, o artista, pelo contrário, sabe o quanto
consciência de si, ou seja, do conhecimento de um objeto a sua operação vale mais do que a compreensão e o
e do conhecimento de si. É a certeza de que as suas discurso deles; se eles se colocam abaixo dela e nela
determinações não são menos objetais, não são menos reconhecem a essência deles que os domina, ele
determinações da essência das coisas do que são os conhece-a, pelo contrário, como o seu senhor.
nossos próprios pensamentos. É, num único e mesmo
pensamento, ao mesmo tempo e ao mesmo título, A Mente Universal
certeza de si, isto é, subjetividade, e ser, isto é, A mente universal manifesta-se na arte como
objetividade. intuição e imaginação; na religião manifesta-se como
(...) A razão é tão poderosa quanto ardilosa. O seu sentimento e pensamento representativo; e na filosofia
ardil consiste em geral nessa atividade mediadora que, ocorre como liberdade pura de pensamento. Na história
deixando os objetos agirem uns sobre os outros mundial a mente universal manifesta-se como atualidade
conforme à sua própria natureza, sem se imiscuir da mente, na sua integridade de internalidade e de
diretamente na sua ação recíproca, consegue, contudo, externalidade. A história do mundo é um tribunal porque,
atingir unicamente o objetivo a que se propõe. na sua absoluta universalidade, o particular, isto é, as
(...) A Razão governa o mundo e, consequentemente, formas de culto, sociedade e espíritos nacionais em todas
governa e governou a história universal. Em relação a as suas diferentes atualidades, está presente apenas
essa razão universal e substancial, todo o resto é como ideal, e aqui o movimento da mente é a
subordinado e serve-lhe de instrumento e de meio. manifestação disto mesmo...
Ademais, essa Razão é imanente na realidade histórica, A História do mundo não é o veredicto da força, isto
realiza-se nela e por ela. É a união do Universal existente é, de um destino cego realizando-se a si mesmo numa
em si e por si e do individual e do subjetivo que constitui inevitabilidade abstrata e não racional. Pelo contrário,
a única verdade. porque a mente é razão implícita e explicitamente, e
porque a razão é explícita para si mesma, na mente,
O Artista e a sua Obra enquanto conhecimento, a história do mundo é o
O artista tem, pois essa experiência com a sua obra: desenvolvimento necessário, decorrente da liberdade da
ele não produziu uma essência igual a ele mesmo. Sem mente, dos momentos da razão e, deste modo, da
dúvida, da sua obra retorna para ele uma consciência, autoconsciência e da liberdade da mente.
pois uma multidão admirativa honra a obra como o A história da mente é a sua ação. A mente é apenas
espírito que é a essência deles. Essa admiração, porém, o que faz, e a sua ação faz dela o objeto da sua própria
ao lhe restituir a sua consciência de si apenas como consciência. Através da história, a sua ação ganha
admiração é antes uma confissão feita ao artista de que consciência de si mesma como mente, e apreende-se na
ela não é igual a ele. Uma vez que o seu Si retorna para sua interpretação de si mesma para si mesma. Esta
ele como júbilo em geral, ali ele não encontra nem a dor apreensão é no seu ser e no seu princípio, e a realização
da sua formação e da sua produção, nem o esforço do desta apreensão numa dada fase é simultaneamente a
seu trabalho. Os outros podem de fato julgar a obra ou rejeição dessa fase e a sua elevação a uma fase mais
trazer-lhe oferendas, conceber, de algum modo, que ela elevada.

Materialismo Dialético

Baseado em Demócrito e Epicuro sobre o existência da alma, de outra vida e de Deus. Ambas
materialismo e em Heráclito sobre a dialética (do grego, sustentam que realidade e pensamento são a mesma
dois logos, duas opiniões divergentes), Marx defende o coisa: as leis do pensamento são as leis da realidade. A
materialismo dialético, tentando superar o pensamento realidade é contraditória, mas a contradição supera-se na
de Hegel e Feuerbach. síntese que é a “verdade” dos momentos superados.
A dialética hegeliana era a dialética do idealismo Hegel considerava ontologicamente (do grego onto +
(doutrina filosófica que nega a realidade individual das logos; parte da metafísica, que estuda o ser em geral e
coisas distintas do “eu” e só lhes admite a ideia), e a suas propriedades transcendentais ) a contradição
dialética do materialismo é a posição filosófica que (antítese) e a superação (síntese); Marx considerava
considera a matéria como a única realidade e que nega a historicamente como contradição de classes vinculada a

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certo tipo de organização social. Hegel apresentava uma as contradições podem ser concretamente (isto é, vir-a-
filosofia que procurava demonstrar a perfeição do que ser) idênticas, como passam uma na outra, mostrando
existia (divinização da estrutura vigente); Marx também porque a razão não deve tomar essas
apresentava uma filosofia revolucionária que procurava contradições como coisas mortas, petrificadas, mas como
demonstrar as contradições internas da sociedade de coisas vivas, móveis, lutando uma contra a outra em e
classes e as exigências de superação. através de sua luta.” (Henri Lefebvre, Lógica formal/
Ludwig Feuerbach procurou introduzir a dialética Lógica dialética, trad. Carlos N. Coutinho, 1979, p. 192).
materialista, combatendo a doutrina hegeliana, que, a par Os momentos contraditórios são situados na história com
de seu método revolucionário, concluía uma doutrina sua parcela de verdade, mas também de erro; não se
eminentemente conservadora. Da crítica à dialética misturam, mas o conteúdo, considerado como unilateral
idealista, partiu Feuerbach à crítica da Religião e da é recaptado e elevado a nível superior.
essência do cristianismo. Marx acusou Feuerbach, afirmando que seu huma-
Feuerbach pretendia trazer a religião do céu para a nismo e sua dialética eram estáticas: o homem de
Terra. Ao invés de haver Deus criado o homem à sua Feuerbach não tem dimensões, está fora da sociedade e
imagem e semelhança, foi o homem quem criou Deus à da história, é pura abstração. É indispensável, segundo
sua imagem. Seu objetivo era conservar intactos os Marx, compreender a realidade histórica em suas
valores morais em uma religião da humanidade, na qual o contradições, para tentar superá-las dialeticamente. A
homem seria Deus para o homem. dialética apregoa os seguintes princípios: tudo relaciona-
Adotando a dialética hegeliana, Marx rejeita, como se (Lei da ação recíproca e da conexão universal); tudo
Feuerbach, o idealismo, mas, ao contrário, não procura se transforma (lei da transformação universal e do
preservar os valores do cristianismo. Hegel tinha iden- desenvolvimento incessante); as mudanças qualitativas
tificado, no dizer de Radbruch, o ser e o dever-ser (o Sen são consequências de revoluções quantitativas; a
e o Solene), encarando a realidade como um desen- contradição é interna, mas os contrários se unem num
volvimento da razão e vendo no dever-ser o aspecto momento posterior: a luta dos contrários é o motor do
determinante e no ser o aspecto determinado dessa pensamento e da realidade; a materialidade do mundo; a
unidade. anterioridade da matéria em relação à consciência; a vida
A dialética marxista postula que as leis do pen- espiritual da sociedade como reflexo da vida material.
samento correspondem às leis da realidade. A dialética O materialismo dialético é uma constante no
não é só pensamento: é pensamento e realidade a um só pensamento do marxismo-leninismo (surgido como
tempo. Mas, a matéria e seu conteúdo histórico ditam a superação do capitalismo, socialismo, ultrapassando os
dialética do marxismo: a realidade é contraditória com o ensinamentos pioneiros de Feuerbach.
pensamento dialético. A contradição dialética não é
apenas contradição externa, mas unidade das contra- http://www.culturabrasil.org/marx.htm
dições, identidade: “a dialética é ciência que mostra como

1. (UERJ) – O Iluminismo é a saída do homem do estado de tutela, 2. Sobre o filósofo Immanuel Kant, leia e julgue as assertivas abaixo:
pelo qual ele próprio é responsável. O estado de tutela é a incapacidade I – Kant distingue o conhecimento sensível, que abrange as ins-
de utilizar o próprio entendimento sem a condução de outrem. Cada um tituições sensíveis, e o conhecimento inteligível, ou seja, das ideias
é responsável por esse estado de tutela quando a causa se refere não metafísicas.
a uma insuficiência do entendimento, mas à insuficiência da resolução II – As obras seguintes expõem o pensamento chamado crítico do
e da coragem para usá-lo sem ser conduzido por outrem. Sapere aude! filósofo: a Crítica da Razão Prática (1781) em que explica
(Expressão latina que significa ‘tenha a coragem de saber, de aprender’). essencialmente porque as metafísicas são voltadas ao fracasso e
Tenha a coragem de usar seu próprio entendimento. Essa é a divisa do porque a razão humana é impotente para conhecer o fundo das
Iluminismo. coisas; e a Crítica da Razão Pura (1788), obra em que estuda o
IMMANUEL KANT (1784) problema da moralidade humana.
III – O termo ‘crítica’ pode ser entendido como o método kantiano da
No contexto da expansão capitalista no século XIX, uma das ideias reflexão analítica ou da análise reflexiva. Esse método parte do
centrais do Iluminismo, de acordo com o texto, está associada exercício de remontar o conhecimento às condições que o
diretamente à valorização da tornariam legítimo.
a) superioridade técnica. b) soberania econômica.
c) liberdade política. d) razão científica. Estão(está) corretas(correta):
e) liberdade religiosa. a) Todas b) Apenas I e II c) Apenas II e III
d) Apenas I e III e) Apenas II
RESOLUÇÃO:
Resposta: D RESOLUÇÃO:
Resposta: D

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3. Kant não duvidava das verdades científicas de sua época, tampouco 6. No debate sobre epistemologia, Kant situa-se
dos princípios morais, contudo a) ao lado dos racionalistas, valorizando o sujeito produtor de
a) achava necessário buscar os fundamentos racionais que conhecimento.
sustentavam essas verdades universais. b) ao lado dos empiristas, sobrevalorizando o papel da razão humana.
b) valorizava sobretudo a experiência religiosa. c) ao lado dos inatistas, valorizando a produção de conhecimento pela
c) sustentava que somente as bases empíricas poderiam dar coesão e obsrvação da realidade concreta.
sentido às categorias filosóficas. d) ao lado dos empiristas, valorizando a observação e o papel dos
d) acreditava que, sendo o homem uma tábula rasa, todo conhecimento sentidos.
teria origem na realidade concreta e empírica. e) entre a postura dos racionalistas, que valorizam o sujeito, e a dos
e) sustentava que a análise historicista deveria nortear todo discurso e empiricistas, que valorizam o objeto.
toda teoria.
RESOLUÇÃO:
RESOLUÇÃO: Resposta: E
Resposta: A

4. Para Kant, os juízos rigorosamente verdadeiros, e, portanto,


necessários e universais, são juízos a priori, isto é independentes dos 7. Para Kant,
azares da experiência, sempre particular e contigente. Isso significa que a) só se pode confiar nos sentidos.
Kant b) deve-se confiar sobretudo na razão.
a) era um empirista. c) a razão é incapaz de reconhecer seus próprios limites para conhecer.
b) valorizava a razão humana. d) não há limites na racionalidade humana e não se deve confiar nos
c) sustentava verdades matafísicas. sentidos.
d) era um cético. e) se não se pode confiar totalmente na razão, também não se pode
e) era uma analítico historicista. confiar totalmente nos sentidos.

RESOLUÇÃO:
RESOLUÇÃO:
Resposta: E
Resposta: B

5. Leia e julgue as assertivas abaixo acerca do pensamento de Kant


I – As ciências são possíveis, pois a matemática e as ciências 8. O pensamento de Hegel é chamado de idealista porque
encontraram um caminho seguro e progridem, avançam, se a) diferente da visão dos materialistas, que julgam as forças materiais
consolidam; em filosofia, em metafísica não se chegou a ter o ser o motor da História, acreditava que a força da História residia nos
caminho seguro da ciência e isto é justamente o que determina a princípios do espírito e do pensamento.
preocupação central de Kant. b) esse filósofo criou um ideal de sociedade baseado na justiça social
II – Kant diz que aquilo que chama de “a coisa em si” não se pode e na democracia, e isso explica o grande interesse de Marx pela
conhecer; porque eu conheço “a coisa em mim”. O que eu relação sua dialética.
conheço, conheço submetido a mim; submetido ao meu espaço, c) o filósofo alemão sustentava que a razão era fonte do saber,
ao meu tempo, às minhas categorias, isto é a "coisa em mim”. posicionando-se, portanto, ao lado dos pensadores neoplatônicos.
Quando eu conheço algo, transformo, modifico a coisa em si. Em d) esse filósofo acreditava que as instâncias do espírito e da cultura
outros termos, o conhecimento é uma transformação do real. eram determinadas pelo desenvolvimento das forças produtivas.
III – Kant usa os termos a priori ou puro para indicar todo conhecimento e) Hegel entendia que o mundo original era o mundo das ideias e não
que independe da experiência. Há, portanto, um conhecimento a o mundo sensível das aparências reveladas pela experiência
posteriori, fundamentado na experiência e um a priori, que dela sensorial.
independe.
Estão(está) corretas(correta): RESOLUÇÃO:
a) Todas b) Apenas I e II c) Apenas II e III Resposta: A
d) Apenas I e III e) Apenas II

RESOLUÇÃO:
Resposta: A

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9. (UFU-adaptada) – A respeito do conceito de dialética, Hegel faz a 11. Diz-se que a filosofia de Hegel é monista. Entende-se por isso que
seguinte afirmação: a) o pensamento hegeliano não percebe as contradições da realidade
“O interesse particular da paixão é, portanto, inseparável da e dos movimentos do espírito humano.
participação do universal, pois é também da atividade do particular e de b) Hegel entende o universo como um todo coerente, livre dos
sua negação que resulta o universal.” paradoxos que de fato constituem o mundo.
c) a sua filosofia pretende projetar uma explicação científica para a
(HEGEL, G. W. F. Filosofia da História. 2a. ed. Tradução de Maria evolução econômica da humanidade, terminando em um modelo
Rodrigues e Hans Harden. Brasília: Editora da UnB, 1998. p. 35.) que socializa o patrimônio material e espiritual.
d) a filosofia de Hegel julga que o homem é a medida de todas as
Com base no pensamento de Hegel, assinale a alternativa correta. coisas.
a) O particular é irracional, por isso é a negação do universal, portanto, e) a filosofia de Hegel é a tentativa de considerar todo o universo como
a História não é guiada pela razão, mas se deixa conduzir pelo acaso um todo sistemático.
cego dos acontecimentos que se sucedem sem nenhuma relação
entre eles. RESOLUÇÃO:
Resposta: E
b) O universal é a somatória dos particulares, de modo que a História
é tão só o acumulado ou o agregado das partes isoladas, e assim
elas estão articuladas tal como engrenagens de uma grande
máquina.
c) O particular da paixão é a ação dos indivíduos, sempre em oposição
à finalidade da História, isto é, do universal da razão que governa o
mundo, mas esta depende da ação dos indivíduos, sem os quais ela
12. (ENEM-2014) – Até hoje admitia-se que nosso conhecimento se
não se manifesta.
devia regular pelos objetos; porém, todas as tentativas para descobrir,
d) O universal é a vontade divina que, por intermédio da sua ação
mediante conceitos, algo que ampliasse nosso conhecimento
providente, preserva os homens de todos os perigos, evitando que
malogravam-se com esse pressuposto. Tentemos, pois, uma vez,
se desgastem com suas paixões, assim, o humano é preservado
experimentar se não se resolverão melhor as tarefas da metafísica,
desde o seu surgimento na Terra.
admitindo que os objetos se deveriam regular pelo nosso conhecimento.
e) O mundo não tem sentido e a História não tem uma finalidade. É o
KANT, I. Crítica da razão pura. Lisboa: Calouste-Guibenkian, 1994 (adaptado).
espírito humano que lhe atribui sentidos para escapar do absurdo da
existência.
O trecho em questão é uma referência ao que ficou conhecido como
RESOLUÇÃO: revolução copernicana da filosofia. Nele, confrontam-se duas posições
Resposta: C filosóficas que
a) assumem pontos de vista opostos acerca da natureza do
conhecimento.
b) defendem que o conhecimento é impossível, restando-nos somente
o ceticismo.
c) revelam a relação de interdependência entre os dados da experiência
e a reflexão filosófica.
d) apostam, no que diz respeito às tarefas da filosofia, na primazia das
ideias em relação aos objetos.
10. “A filosofia vem sempre demasiado tarde. Enquanto pensamento
e) refutam-se mutuamente quanto à natureza do nosso conhecimento
do mundo, só aparece quando a realidade realizou e terminou o seu
e são ambas recusadas por Kant.
processo de formação”.
(Hegel)
RESOLUÇÃO:
Assinale a alternativa que explica o sentido dessas palavras. O texto da questão apresenta posições opostas a respeito da
a) Para Hegel, o pensamento é reflexo das forças produtivas. natureza do conhecimento. Enquanto, em uma delas, os objetos
b) Para Hegel, a História tem seu próprio motor e independe das são a fonte da produção do conhecimento, a outra afirma a
expressões da filosofia. primazia das ideias sobre os objetos na busca do conhecimento,
posição essa defendida por Kant.
c) Para Hegel, os filósofos sentenciam os rumos da História.
Resposta: A
d) Hegel revela-se pouco dialético ao entender que os filósofos não
conduzem as vias da História.
e) A História é o acúmulo dos registros filosóficos, dos ensaios e
reflexões dos grandes pensadores da humanidade.

RESOLUÇÃO:
Resposta: B

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1. Normalmente considera-se que o pensamento conhece as coisas; c) não há forma de conhecimento que se sustente fora da experiência.
conhece as coisas tal como são. Kant, porém, introduziu uma nova d) Kant era um filósofo empirista.
concepção sobre esse fato. Comente. e) o conhecimento é construído pela experiência e, assim, torna-se
retrato fiel da realidade.
2. No debate sobre epistemologia, Kant situa-se:
a) Ao lado dos racionalistas, valorizando o sujeito produtor de 10. Quando Kant fala de crítica da razão pura e de crítica da razão prática,
conhecimento. o leitor não filósofo supõe que há uma contraposição entre puro e
b) Ao lado dos empiristas, sobrevalorizando o papel da razão humana. prático. Sobre esse tema, leia as proposições abaixo:
c) Ao lado dos inatistas, valorizando a produção de conhecimento pela I – A razão pura é toda a razão; é a razão pura teórica e a razão pura
observação da realidade concreta. prática. Ou seja, o adjetivo "puro" corresponde às duas, a diferença
d) Ao lado dos empiristas, valorizando a observação e o papel dos é que uma é teórica e outra é prática.
sentidos. II – Kant vai empreender a tarefa da crítica da razão, de estabelecer os
e) Entre a postura dos racionalistas, que valorizam o sujeito, e dos limites da razão, suas possibilidades, sua justificação e isso
empiricistas, que valorizam o objeto. justamente no momento em que a Física de Newton tem um
enorme prestígio.
3. Para Kant: III – As três perguntas fundamentais que Kant lança na Crítica da Razão
a) Só se pode confiar nos sentidos. Pura são: Como é possível a matemática pura? Como é possível a
b) Deve-se confiar sobretudo na razão. física pura? É possível a metafísica?
c) A razão é incapaz de reconhecer seus próprios limites para conhecer.
Estão (está) corretas (correta):
d) Não há limites na racionalidade humana e não se deve confiar nos
a) Todas
sentidos.
b) Apenas I e II
e) Se não se pode confiar totalmente na razão, também não se pode
c) Apenas II e III
confiar totalmente nos sentidos.
d) Apenas I e III
4. Para Kant, o conhecimento resulta: e) Apenas II
a) Da apreensão dos conteúdos pela experiência empírica e pela razão
humana. 11. “Ou seja, ele (Kant) tem plena consciência de um novo estilo. Este
b) Da observação sistemática dos fatos empíricos. estilo tem que ver, evidentemente, com a tendência que já temos
c) Da construção de premissas universais e aceitas racionalmente. encontrado (e a vimos claramente em Descartes): a tendência a evitar
d) Somente da apreensão dos conteúdos pela experiência dos o erro. Mais do que a descoberta da verdade, com mais força ainda, o
sentidos. que se busca é evitar o erro”. A isso podemos dar o nome de:
e) Somente da apreensão da realidade pelo exercício da razão humana. a) ceticismo metodológico. b) materialismo.
c) idealismo. d) empirismo.
5. “... o nosso conhecimento experimental é um composto do que e) dialética.
recebemos por impressões e do que a nossa própria faculdade de
conhecer de si mesma tira por ocasião de tais impressões”. 12. Sobre a filosofia de Kant, leia e julgue as breves proposições abaixo:
Segundo o seu conhecimento em epistemologia, a frase anterior deve I – No livro Crítica à Razão Pura, Kant esboça uma teoria sobre a
ser atribuída a: moralidade humana.
a) Descartes b) Bacon c) Locke II – O homem é um ser moral, responsável e livre.
d) Platão e) Kant III – Não há um conhecimento a posteriori, todo conhecimento é
sempre a priori.
6. Explique o sentido de conhecimento a priori que aparece na obra de
IV – Para Kant, a moralidade é uma dimensão autônoma e livre de
Kant.
interesses.
São verdadeiras apenas:
7. Que conteúdo trazem as duas principais obras de Kant?
a) I e II b) I e III c) II e III
8. O que Kant postula no resumo das duas grandes obras? d) II e IV e) I e IV

9. “Todo conhecimento começa com a experiência, mas nem todo 13. Para Kant, o homem é um ser moral. Além disso, podemos afirmar
conhecimento se funda na experiência”. que, para esse filósofo:
(I. Kant)
I – a moral é boa vontade e respeito ao dever.
Isso significa que II – há uma autonomia da moral.
a) há conhecimentos que não se fundam na experiência, isto é, são III – o sentimentalismo do bem e a comoção são peças centrais da
“puros” ou também, com outro termo que ele usa muito, “a priori”. experiência moral.
b) o conhecimento “a priori” ou “puro” é o que depende da Estão(está) corretas(correta):
experiência, oposto a “a posteriori”, que não é fundado na a) Todas b) Apenas I e II c) Apenas II e III
experiência. d) Apenas I e III e) Apenas II

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14. Kant, em sua epistemologia, postula a seguinte frase: “não vejo as Tais palavras revelam, acerca do pensamento de Kant:
coisas em si, mas as coisas em mim”. Isso significa que I – uma valorização da dimensão interior do homem.
a) não temos acesso à realidade senão pela experiência empírica. II – uma desvalorização das ciências da natureza, em exaltação às
b) o conhecimento é apreendido pelos sentidos. humanidades.
c) conhecimento é interpretação. III – uma concepção de moralidade relativista e culturalmente construída.
d) todo conhecimento é a posteriori. a) Todas b) Apenas I e II c) Apenas II e III
e) a metafísica é a forma mais coerente de conhecimento já produzido. d) Apenas I e III e) Apenas I

15. Isto vai levar Kant a uma reflexão muito profunda. Normalmente, 20. Podemos afirmar que Marx fez total oposição à Hegel? Explique.
considera-se que o pensamento conhece as coisas; conhece as coisas
tal como são. E Kant diz: não, isto não é possível. (Julian Marias) Assim: 21. Leia as frases abaixo de Karl Marx e faça uma comparação à dialética
I – O que chama de “a coisa em si”, “das Ding an sich” não se pode de Hegel.
conhecer; porque eu conheço "a coisa em mim”. “Na produção social da sua existência, os homens travam relações
II – O que eu conheço, conheço submetido a mim; submetido ao meu determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas
espaço, ao meu tempo, às minhas categorias, isto é, a “coisa em relações de produção correspondem a um determinado grau de
mim”, que ele chamará "fenômeno", opondo-o ao "noumenon", a desenvolvimento das suas forças produtivas materiais”.
coisa em si. “... Não é a consciência dos homens que determina a sua existência,
III – Quando eu conheço algo, não transformo, não modifico a coisa em é, pelo contrário, a sua existência que determina a sua consciência”.
si, que, como tal, é inadmissível. É contraditório que eu não
conheça a coisa em si porque quando a conheço não está em mim. 22. Por que se diz que a filosofia de Hegel é monista?
IV – O objeto do meu conhecimento ingressa em minha subjetividade,
que o modifica. 23. “A filosofia vem sempre demasiado tarde. Enquanto pensamento
São verdadeiras apenas: do mundo, só aparece quando a realidade realizou e terminou o seu
a) I , II e IV b) I e III c) I, II e III processo de formação”. (Hegel)
d) II e IV e) I e IV Comente o sentido dessa frase de Hegel.

16. A moral, propriamente dita, não é a doutrina que nos ensina como
24. Leia as afirmações e coloque V para as alternativas verdadeiras e F
sermos felizes, mas como devemos tornar-nos dignos da felicidade.
para as falsas, de acordo com o pensamento e vida de Hegel.
(Kant) Isso significa que para Kant:
( ) A Razão governa o mundo e, consequentemente, governa e
a) A moral se fundamenta na ética do hedonismo, ou seja, na busca do
governou a história universal. Em relação a essa razão universal e
prazer, como entendiam os gregos antigos.
substancial, todo o resto é subordinado e serve-lhe de instrumento
b) A moral se justifica no pensamento dionisíaco de Nietzsche.
e de meio.
c) A moral é um caminho para sermos eternamente felizes.
( ) As contradições da história impedem o desenvolvimento natural dos
d) Nem sempre a moralidade é o caminho do prazer.
fatos.
e) Há uma oposição intransponível entre moral e felicidade.
( ) O espírito, incluindo o Espírito infinito, conhece a si mesmo como
espírito somente por contraste com a natureza, assim, espírito e
17. “Age sempre de tal modo que o teu comportamento possa vir a ser
natureza são realidades opostas.
princípio de uma lei universal.”
( ) Hegel sempre foi um revolucionário durante toda a sua vida,
(Kant)
apoiando a Revolução Francesa e seus desdobramentos natural-
Essa frase revela uma ideia sobre
mente democráticos.
a) conteúdo relativista.
b) concepção de moral natural.
25. Por que o pensamento de Hegel foi chamado de idealista?
c) construção cultural de moralidade.
d) obediência às normas sociais. 26. Para Hegel, a Revolução Francesa desembocaria naturalmente no
e) concepção de moral sociológica. Reinado do Terror. Que consequências adviriam desse fato, segundo o
filósofo?
18. “Ciência é conhecimento organizado. Sabedoria é vida organizada.”
(Kant) 27. No caso da Revolução Francesa, diria que somente depois desta
Nessa frase, percebe-se que, para o filósofo: experiência, e precisamente por causa dela, pode-se postular a
a) conhecer e saber são sinônimos. existência de um Estado constitucional de cidadãos realmente livres.
b) conhecimento tem origem a priori e sabedoria, a posteriori. Nesse caso, diríamos que a Revolução seria a tese, o Terror, a antítese
c) conhecimento é superior à sabedoria. e a constituição do Estado democrático, a síntese. Esse raciocínio,
d) sabedoria pode ser superior e mais pragmático em relação ao sobretudo,
conhecimento. a) revela a posição política de Hegel.
e) conhecimento é organizar a sabedoria de vida. b) revela o contexto histórico em que viveu Hegel e de seu país.
c) contraria historicamente a teoria proposta de Hegel, mostrando a
19. “Duas coisas povoam a mente com uma admiração e respeito contradição em seu pensamento, e a isso chamamos de dialética.
sempre novos e crescentes... o céu estrelado por cima e a lei moral dentro d) é um exemplo de aplicação da dialética hegeliana.
de nós.” e) é o argumento marxista de discordância em relação ao idealismo de
(Kant) Hegel.

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28. O pensamento de Hegel é chamado de idealista porque, diferente da 32. Leia e julgue as proposições acerca da concepção política de Hegel:
visão dos materialistas, que julgam as forças materiais ser o motor da I – Nos trabalhos políticos e históricos de Hegel, o espírito humano
História, acreditava que a força da História residia nos princípios do objetiva a si próprio no seu esforço para encontrar um objeto
espírito e do pensamento. Assim, para Hegel, a contradição é o motor idêntico a si mesmo. A Filosofia do Direito cai em três divisões
do pensamento. Podemos citar como representante da dialética materialista: principais. A primeira trata da lei e dos direitos como tais: pessoas
a) Weber b) Marx c) Descartes (isto é, o homem como homem, muito independentemente de
d) Durkheim e) Nietzsche seu caráter individual) são o sujeito dos direitos, e o que é
requerido delas é meramente obediência, não importa que
29. A filosofia de Hegel é a tentativa de considerar todo o universo como motivos de obediência possam ser.
um todo sistemático. Sobre Hegel e sua filosofia, leia e julgue as II – O Direito assim é um abstrato universal e portanto faz justiça
proposições abaixo. somente ao elemento universal na vontade humana. O indivíduo,
I – O sistema é baseado na fé. Na religião cristã, Deus foi revelado no entanto, não pode ser satisfeito a menos que o ato que ele faz
como verdade e como espírito. Como espírito, o homem pode concorde não meramente com a lei, mas também com suas
receber esta revelação. Na religião, a verdade está oculta na próprias convicções conscientes. Assim, o problema no mundo
imagem; mas na filosofia o véu se rasga, de modo que o homem moderno é construir uma ordem política e social que satisfaça os
pode conhecer o infinito e ver todas as coisas em Deus. anseios de ambos. E assim, também, nenhuma ordem política
II – O sistema de Hegel é assim um monismo espiritual, mas um pode satisfazer os anseios da razão a menos que seja organizada
monismo no qual a diferenciação é essencial. Somente pela de modo a evitar, por uma parte, a centralização que faria os
experiência pode a identidade do pensamento e o objeto do homens escravos ou ignorar a consciência e, por outra parte, um
pensamento serem alcançados, uma identidade na qual o pensar antinomianismo (argumentação que se desenvolve por meio de
alcança a inteligibilidade progressiva que é seu objetivo. antinomias: as proposições mutuamente excludentes) que iria
III – Assim, a verdade é conhecida somente porque o erro não foi permitir a liberdade de convicção para qualquer indivíduo
experimentado e a verdade triunfou; e Deus é infinito apenas (liberalismo) e assim produzir uma licenciosidade que faria
porque ele assumiu as limitações de finitude e triunfou sobre elas. impossível a ordem política e social.
IV – Similarmente, a queda do homem era necessária se ele devia III – O Estado que alcançasse essa síntese haveria de abandonar os
atingir a bondade moral. O espírito, incluindo o Espírito infinito, princípios de família e de culpa. Segundo Hegel, as premissas do
conhece a si mesmo como espírito somente por contraste com a cristianismo constituem uma moralidade ineficiente em matéria
natureza. de política.
São verdadeiras apenas: São verdadeiras:
a) I e II b) II e III c) I, II e III a) I e II b) II e III c) Todas
d) II, III e IV e) I, II e IV d) I, II e IV e) I e III

30. O compêndio do sistema de Hegel, a "Enciclopédia das Ciências 33. Hegel tentou sistematizar uma concepção unitária de História. Leia
Filosóficas", é dividida em três partes: Lógica, Natureza e Espírito. Sobre e julgue as assertivas abaixo:
tal filosofia, julgue as proposições abaixo: I – Na Filosofia da História, Hegel pressupôs que a historia da
I – O método de exposição é dialético. Acontece com frequência que humanidade é um processo pelo qual ela tem feito progresso
em uma discussão, duas pessoas que a princípio apresentam espiritual e moral e avançado no seu autoconhecimento.
pontos de vista diametralmente opostos, depois concordam em II – A História tem um propósito e cabe ao filósofo descobrir qual é.
rejeitar suas visões parciais próprias, e aceitam uma visão nova e Alguns historiadores encontraram sua chave na operação das leis
mais ampla que faz justiça à substância de cada uma das precedentes. naturais de vários tipos.
II – Hegel acreditava que o pensamento sempre procede deste modo: III – A atitude de Hegel, no entanto, apoiou-se na fé de que a História
começa por lançar uma tese positiva que é negada imediatamente é a representação do propósito de Deus e que o homem tinha
pela sua síntese; então um pensamento seguinte produz a agora avançado longe o bastante para descobrir o que esse
antítese. Mas essa antítese, por sua vez, gera outra síntese, e o propósito era: ele é a gradual realização da liberdade humana.
mesmo processo continua uma vez mais.
III – O processo dialético, no entanto, é circular: ao final, o pensamento São verdadeiras:
alcança uma síntese que é igual ao ponto de partida, exceto pelo a) I e II b) II e III c) Todas
fato de que tudo que estava implícito ali foi agora tornado explícito, d) I, II e IV e) I e III
tudo que estava oculto no ponto inicial foi revelado.
São verdadeiras: 34. Hegel entendeu a História como um processo e projeto unitário.
a) I e II b) II e III c) Todas Nesse sentido, leia e julgue as proposições abaixo.
d) I, II e IV e) I e III I – O primeiro passo para fazer uma transição da vida selvagem para
um estado de ordem e lei é a revolução. Em muitos pontos, o
31. Assim, o pensamento propriamente, como processo, tem a pensamento de Hegel serviu aos fundamentos do marxismo, e
negatividade como um de seus momentos constituintes, e o finito é, um deles é sua concepção de que os Estados têm de ser respeita-
como a automanifestação de Deus, parte e parcela do infinito mesmo. dos por meio de força e violência, pois não há outro caminho para
Tal concepção teológica está inserta no seguinte sistema filosófico: fazer o homem curvar-se à lei antes de ele ter avançado
a) monismo b) dialética c) inatismo mentalmente tão longe o suficiente para aceitar a racionalidade da
d) indução e) empirismo vida ordenada.

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II – Alguns homens aceitarão as leis e se tornarão livres, enquanto 35. Leia as duas frases abaixo:
outros permanecerão escravos. No mundo moderno, o homem I – “Na produção social da sua existência, os homens travam rela-
passou a crer que todos os homens, como espíritos, são livres em ções determinadas, necessárias, independentes de sua vontade;
essência, e sua tarefa é, assim, criar instituições sob as quais eles essas relações de produção correspondem a um determinado grau
serão livres de fato. de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais”.
III – Em alguns casos, a escravidão é até aconselhável. Para Hegel, a II – “... Não é a consciência dos homens que determina a sua
existência de escravos pode facilitar o desenvolvimento da existência, é, pelo contrário, a sua existência que determina a sua
democracia, como provou a história das Américas, particularmente consciência”.
nos Estados Unidos da América. Assinale a alternativa que identifica corretamente a autoria das duas
frases.
São verdadeiras:
a) São ambas de Marx e contestam o idealismo de Hegel.
a) I e II
b) São frases de Hegel e revelam seu sistema dialético.
b) II e III
c) A primeira é de Hegel e a segunda é de Marx.
c) Todas
d) A primeira é de Marx e a segunda é de Hegel.
d) I, II e IV
e) A primeira representa o idealismo alemão e a segunda, o materialismo.
e) I e III

1) Kant diz que aquilo que chama de “a coisa em si” não se pode acusou de idealista, criando assim uma dialética materialista,
conhecer; porque eu conheço “a coisa em mim”. O que eu em que o motor da história seria o desenvolvimento das forças
conheço, conheço submetido a mim; submetido ao meu produtivas, e não o espírito humano.
espaço, ao meu tempo, às minhas categorias, isto é a “coisa
em mim”. Quando eu conheço algo, transformo, modifico a 21) As frases são a defesa clara de que o motor da história seria o
coisa em si. Em outros termos, o conhecimento é uma desenvolvimento das forças produtivas, e não o desenvolvi-
transformação do real. mento do Espírito, como entendia Hegel. Esse sistema criado
por Marx foi chamado de materialismo histórico ou
2) E 3) E 4) A 5) E materialismo dialético.

6) Kant usa os termos a “priori” ou “puro” para indicar todo 22) Monismo é perceber a totalidade do mundo. A filosofia de
conhecimento que independe da experiência. Há, portanto um Hegel é a tentativa de considerar todo o universo como um
conhecimento a posteriori, fundamentado na experiência e um a todo sistemático. Esse sistema foi baseado na fé cristã. Na
priori, que dela independe. religião cristã, Deus, dizia Hegel, foi revelado como verdade e
como espírito. Assim, na religião a verdade está oculta na
7) A Crítica da Razão Pura (essa obra é mais voltada para o imagem revelada; mas na filosofia o véu se rasga, de modo
conhecimento científico) em que explica essencialmente porque as que o homem pode conhecer o infinito e ver realmente todas
metafísicas são voltadas ao fracasso e porque a razão humana é as coisas em Deus.
impotente para conhecer o fundo das coisas; e a a Crítica da Razão
23) Para Hegel, a história tem seu próprio motor, ela independe
Prática, obra em que estuda o problema da moralidade humana.
das expressões da filosofia. Marx concordaria nesse ponto.

8) As ciências são possíveis pois a matemática e as ciências 24) V, F, V, F


encontraram um caminho seguro e progridem, avançam, se
consolidam; em filosofia, e em metafísica não se chegou a ter o 25) O pensamento de Hegel foi chamado de idealista porque,
caminho seguro da ciência e isto é justamente o que determina a diferentemente da visão dos materialistas, que julgam as
preocupação central de Kant. forças materiais serem o motor da história, acreditava que a
força da história residia nos princípios do espírito e do
9) A 10) A 11) A 12) D pensamento.

13) B 14) C 15) A 16) D 26) Uma síntese: A experiência histórica ensinaria o caminho para
a consolidação de um Estado democrático.
17) B 18) D 19) E
27) D 28) B 29) E 30) E 31) B

20) Não totalmente. Marx foi influenciado por Hegel, mas acreditou 32) A 33) C 34) A 35) A
ter alcançado um degrau superior de compreensão. Marx o

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MÓDULO 8 Schopenhauer e Nietzsche e a Vontade

1. Introdução ateu. “Para mim – escreveu Nietzsche – o ateísmo não


é nem uma consequência, nem mesmo um fato novo:
Arthur Schopenhauer nasceu em Danzig, no dia 22 existe comigo por instinto.” (Ecce Homo). Ele, de fato,
de fevereiro de 1788, e faleceu em Frankfurt, no dia 21 de elaborou uma filosofia avessa à metafísica.
setembro de 1860. Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu Nietzsche desenvolveu uma teoria sobre a questão da
em Röcken, 15 de outubro de 1844, e morreu em Vontade e a relacionou com o princípio da vida. Essa é
Weimar, em 25 de Agosto de 1900. Estamos falando, entendida pelo autor como luta entre vencidos e
portanto, de dois grandes representantes da filosofia vencedores. A vontade de potência ou vontade de poder
alemã. Ambos são marcados por terem produzido uma define a vida e é força incriada que regula todos os
filosofia que não se encaixava em nenhum sistema de fenômenos do Universo. As religiões, segundo o
pensamento de suas épocas. Outro ponto em comum é pensador em questão, enfraquecem essa força, e o
que os dois teorizaram o problema da vontade, entendida homem deve conduzir sua vida por essa vontade de
como força natural. Na verdade, Shopenhauer influenciou poder. Jesus Cristo, porém, dizia Nietzsche, foi de fato,
profundamente o pensamento de Nietzsche, porém, nesse sentido, um super-homem.
apresentaram várias divirgências.
Schopenhauer foi influenciado pelas ideias de Kant,
particularmente a respeito do pressuposto acerca dos
fenômenos. Isso significa que o mundo não passa de uma
representação, em que temos, de um lado, o objeto
definido por tempo e espaço, e, por outro, a consciência
subjetiva, essencial para que o mundo exista. Para Kant,
o mundo em si (a realidade não fenomênica) não seria
apreensível pela consciência; já para Schopenhauer, ao
tomar consciência de si, o ser humano se experiencia
como um ser movido por aspirações e paixões. Estas
constituem a unidade da Vontade. Esta é entendida pelo
filósofo em questão como força natural, presente em
todos os fenômenos e em todas as coisas e seria o
princípio norteador da existência humana. Assim, a
Schopenhauer influenciou Nietzsche, mas suas filosofias divergiam em
Vontade seria o substrato do mundo, o fundamento de alguns pontos.
toda a realidade.
A Vontade, no entendimento de Schopenhauer, não é Texto: A Vontade em Schopenhauer
um princípio racional, mas um impulso irracional e cego Por Alice Valente
que conduz ao “instinto” de preservação. O homem,
porém, tenta encobrir a irracionalidade dessa força, No sistema de Schopenhauer, a vontade é a raiz
conferindo causalidade a seus atos. Portanto, a vontade metafísica do mundo e da conduta humana; ao mesmo
constitui, igualmente, a causa de todo sofrimento, uma tempo, a fonte de todos os sofrimentos. Sua filosofia é,
vez que lança os entes em uma cadeia perpétua de assim, profundamente pessimista, pois a vontade é
aspirações sem fim, o que provoca a dor de permanecer concebida como algo sem nenhuma meta ou finalidade,
algo que jamais consegue completar-se. Dessa forma, o um querer irracional e inconsciente. Sendo um mal
prazer consiste apenas na supressão momentânea da dor. inerente à existência do homem, ela gera a dor,
Em razão dessa concepção, Schpenhauer foi considerado necessária e inevitavelmente, aquilo que se conhece
um filósofo pessimista. Nessa preocupação metafísica como felicidade seria apenas a interrupção temporária de
com o problema do sofrimento, Schopenhauer aproximou um processo de infelicidade e somente a lembrança de
o budismo da sua filosofia. um sofrimento passado criaria a ilusão de um bem
Nietzsche, ao contrário, considerou o cristianismo e o presente. Para Schopenhauer, o prazer é momento fugaz
Budismo como religiões responsáveis pela decadência da de ausência de dor e não existe satisfação durável. Todo
cultura. Mesmo assim, Nietzsche considerou o Budismo prazer é ponto de partida de novas aspirações, sempre
superior e mais realista do que o Cristianismo. O obstadas e sempre em luta por sua realização: “Viver é
Budismo, de fato, tem uma abordagem menos sofrer”.
metafísica, mais psicológica e existencial acerca da vida Mas, apesar de todo seu profundo pessimismo, a
humana. Contudo, esse pensador era declaradamente filosofia de Schopenhauer aponta algumas vias para a
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suspensão da dor. Num primeiro momento, o caminho amor apaixonado, a inveja, o rancor, os ciúmes, a
para a supressão da dor encontra-se na contemplação ambição, a avareza, o temor, a enfermidade etc.
artística. A contemplação desinteressada das ideias seria Toma o aspecto triste e desolado do tédio, da
um ato de intuição artística e permitiria a contemplação da sociedade, quando não encontra outro modo de se
vontade em si mesma, o que, por sua vez, conduziria ao apresentar. E se com novas armas conseguimos afastá-la,
domínio da própria vontade. novamente recuperará sua antiga máscara, e a dança
Na arte, a relação entre a vontade e a representação recomeça.
inverte-se, a inteligência passa a uma posição superior e (…) Tudo que defendemos, resiste-nos, tudo tem
assiste à história de sua própria vontade; em outros uma vontade hostil que é preciso vencer.
termos, a inteligência deixa de ser atriz para ser (…) Em todas as partes e ocasiões temos que travar
espectadora. A atividade artística revelaria as ideias combate com um adversário. (…)
eternas através de diversos graus, passando Se o mundo é obra de um criador, as dores voltam-se
sucessivamente pela arquitetura, escultura, pintura, contra ele dando lugar a cruéis sarcasmos; mas se é obra
poesia lírica, poesia trágica e, finalmente, pela música. Em nossa, a acusação é contra o nosso ser e a nossa vontade.
Schopenhauer, pela primeira vez na história da filosofia, a Isto nos faz pensar que viemos ao mundo já viciados, como
música ocupa o primeiro lugar entre todas as artes. os filhos de pais gastos pelos desregramentos, e que se a
Liberta de toda referência específica aos diversos objetos nossa existência é tão miserável, e tem por desfecho a
da vontade, a música poderia exprimir a Vontade em sua morte, é porque assim merecemos, para expiar nossa culpa.
essência geral e indiferenciada, constituindo um meio Generalizando, nada é mais certo: a culpa do mundo é que
capaz de propor a libertação do homem, em face dos causa os sofrimentos, e entendemos esta relação no
diferentes aspectos assumidos pela vontade. sentido metafórico, e não no físico e empírico. Por isso, a
A ética de Schopenhauer não está presa à noção de história do pecado original reconcilia-me com o Antigo
“dever”, rejeitando assim todas as formas imperativas e Testamento; para mim é a única verdade metafísica que o
coercivas assentes em quaisquer doutrinas ou livro contém expressa em forma alegórica. A nada se
mandamentos, apoiando-se antes na noção de que a assemelha tanto nosso destino como à consequência de
contemplação da verdade é o caminho de acesso ao bem. uma falta, de um desejo culpado. (…)
E tal como Bento Espinosa, do ponto de vista teológico, (…) Do mesmo modo que o rio corre manso e sereno,
elimina Deus e substitui-o pela vontade superior da enquanto não encontra obstáculos que se oponham à sua
natureza. marcha, assim corre a vida do homem quando nada se
lhe opõe à vontade. Vivemos inconscientes e desatentos:
nossa atenção desperta no mesmo instante em que
nossa vontade encontra um obstáculo e choca-se contra
ele. (…)
É um absurdo acreditar o contrário; que o mal é
negativo. Ele é positivo, porque se faz sentir. Toda a
felicidade, todo o bem é negativo, e toda a satisfação
também o é, porque suprime um desejo ou termina um
pesar. Acrescentamos a isto que, em geral, nunca
sentimos uma alegria maior que a que sonhávamos, e que
a dor sempre a excede. (…)
(…) A felicidade está no futuro, ou no passado; o
presente é uma pequena nuvem escura que o vento
A Vontade é força natural, irracional que move universo
impele sobre a planície cheia de sol. Diante e atrás dela,
tudo é luminoso; só a nuvem é que projeta uma sombra.
Texto Clássico: A Dor (Trechos)
Por Arthur Schopenhauer (…) O homem, ameaçado por todos os lados pelos
perigos que o rodeiam, usa de sua prudência sempre
(…) Os esforços para banir a dor de nossas vidas não vigilante para poder escapar. Com passo inquieto,
conseguem outro resultado senão o de fazê-la mudar de lançando em volta olhares angustiosos, segue o seu
forma. Em sua origem tomam o aspecto da necessidade, caminho em luta constante com os casos e com seus
cuidado, para atender as coisas materiais da vida, e inúmeros inimigos. O homem não se sente seguro entre
quando, após um trabalho incessante e penoso, os da sua raça e nem nos mais longínquos desertos.
conseguimos afastar a horrível máscara da dor neste (…) A necessidade imperiosa do homem é assegurar
determinado aspecto, adquire outros mil disfarces, a existência, e feito isto, já sabe o que fazer. Portanto,
segundo a idade e as circunstâncias: o instinto sexual, o depois disso, o homem se esforça para aliviar o peso da

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vida, torná-la agradável e menos sensível: “matar o ateísmo de Schopenhauer, assim como pela posição
tempo”, isto é, fugir ao aborrecimento. essencial que a experiência estética ocupa em sua
(…) A miséria é sofrimento pungente do povo; o filosofia, sobretudo pelo significado metafísico que atribui
desgosto é para os favorecidos. Na vida civil, o domingo à música.
significa o tédio, e os seis dias, o desgosto. Em 1867, Nietzsche foi chamado para prestar o
(…) O aborrecimento dá-nos a noção do tempo e a serviço militar, mas um acidente em exercício de montaria
distração nos faz esquecer. livrou-o dessa obrigação. Voltou então aos estudos na
Isto prova que a nossa existência é mais feliz quando cidade de Leipzig. Nessa época teve início sua amizade
menos a sentimos: de onde se deduz que seríamos mais com Richard Wagner (1813-1883), que tinha quase 55
felizes se nos livrássemos dela. anos e vivia então com Cosima, filha de Liszt (1811-1886).
(…) Os otimistas quiseram adaptar o mundo ao seu Nietzsche encantou-se com a música de Wagner e com
sistema, e apresentá-lo a priori como o melhor dos seu drama musical, principalmente com Tristão e Isolda e
mundos possíveis. O absurdo é evidente. com Os Mestres Cantores. A casa de campo de
(…) A sinceridade de certos homens não lhes permite Tribschen, às margens do lago de Lucerna, onde Wagner
a união ao coro dos otimistas, e com eles entoar a aleluia. morava, tornou-se para Nietzsche lugar de “refúgio e
consolação”. Na mesma época, apaixonou-se por
Texto: Nietzsche Vida e Obra Cosima, que viria a ser, em obra posterior, a “sonhada
Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu a 15 de outubro Ariane”. Em cartas ao amigo Erwin Rohde, escrevia:
de 1844 em Röcken, localidade próxima a Leipzig. Karl “Minha Itália chama-se Tribschen e sinto-me ali como em
Ludwig, seu pai, pessoa culta e delicada, e seus dois avós minha própria casa”. Na universidade, passou a tratar das
eram pastores protestantes; o próprio Nietzsche pensou relações entre a música e a tragédia grega, esboçando
em seguir a mesma carreira. seu livro O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música.
Em 1849, seu pai e seu irmão faleceram; por causa Fonte: http://www.mundodosfilosofos.com.br/nietzsche.htm
disso a mãe mudou-se com a família para Naumburg,
pequena cidade às margens do Saale, onde Nietzsche
cresceu, em companhia da mãe, duas tias e da avó.
Criança feliz, aluno modelo, dócil e leal, seus colegas de
escola o chamavam “pequeno pastor”; com eles criou
uma pequena sociedade artística e literária, para a qual
compôs melodias e escreveu seus primeiros versos.
Em 1858, Nietzsche obteve uma bolsa de estudos na Dionísio: era o deus grego
então famosa escola de Pforta, onde haviam estudado o equivalente ao deus
romano Baco, dos ciclos
poeta Novalis e o filósofo Fichte (1762-1814). Datam
vitais, das festas, do vinho,
dessa época suas leituras de Schiller (1759-1805), da alegria, mas, sobretudo,
Hölderlin (1770-1843) e Byron (1788-1824); sob essa da intoxicação que funde o
influência e a de alguns professores, Nietzsche começou bebedor com a deidade.
a afastar-se do cristianismo. Excelente aluno em grego e Filho de Zeus e da
princesa Semele, foi o
brilhante em estudos bíblicos, alemão e latim, seus
único deus filho de uma
autores favoritos, entre os clássicos, foram Platão (428- mortal, o que faz dele uma
348 a.C.) e Ésquilo (525-456 a.C.). Durante o último ano divindade grega atípica.
em Pforta, escreveu um trabalho sobre o poeta Teógnis Para Nietzsche, era uma
(séc. VI a.C.). Partiu em seguida para Bonn, onde se alegoria do bem viver.
dedicou aos estudos de teologia e filosofia, mas,
influenciado por seu professor predileto, Ritschl, desistiu O Filósofo e o Músico
desses estudos e passou a residir em Leipzig, dedicando- Em 1870, a Alemanha entrou em guerra com a
se à filologia. Ritschl considerava a filologia não apenas França; nessa ocasião, Nietzsche serviu o exército como
história das formas literárias, mas estudos das instituições enfermeiro, mas por pouco tempo, pois logo adoeceu,
e do pensamento. Nietzsche seguiu-lhe as pegadas e contraindo difteria e disenteria. Essa doença parece ter
realizou investigações originais sobre Diógenes Laércio sido a origem das dores de cabeça e de estômago que
(séc. III), Hesíodo (séc. VIII a.C.) e Homero. A partir acompanharam o filósofo durante toda a vida. Nietzsche
desses trabalhos foi nomeado, em 1869, professor de restabeleceu-se lentamente e voltou a Basileia a fim de
filologia em Basileia, onde permaneceu por dez anos. A prosseguir seus cursos.
filosofia somente passou a interessá-lo a partir da leitura Em 1871, publicou O Nascimento da Tragédia, a
de O Mundo como Vontade e Representação, de respeito da qual se costuma dizer que o verdadeiro
Schopenhauer (1788-1860). Nietzsche foi atraído pelo Nietzsche fala através das figuras de Schopenhauer e de
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Wagner. Nessa obra, considera Sócrates (470 ou 469 a.C.- Wagner como o “renascimento da grande arte da
399 a.C.) um “sedutor”, por ter feito triunfar junto à Grécia”, mudou de opinião, achando que Wagner
juventude ateniense o mundo abstrato do pensamento. inclinava-se ao pessimismo sob a influência de
A tragédia grega, diz Nietzsche, depois de ter atingido sua Schopenhauer. Nessa época Wagner voltara-se, ao
perfeição pela reconciliação da “embriaguez e da forma”, mesmo tempo, para a recusa do cristianismo e de
de Dioniso e Apolo, começou a declinar quando, aos Schopenhauer; para Nietzsche, ambos são parentes
poucos, foi invadida pelo racionalismo, sob a influência porque são a manifestação da decadência, isto é, da
“decadente” de Sócrates. Assim, Nietzsche estabeleceu fraqueza e da negação. Irritado com o antigo amigo,
uma distinção entre o apolíneo e o dionisíaco: Apolo é o Nietzsche escreveu: “Não há nada de exausto, nada de
deus da clareza, da harmonia e da ordem; Dioniso, o deus caduco, nada de perigoso para a vida, nada que calunie o
da exuberância, da desordem e da música. Segundo mundo no reino do espírito, que não tenha encontrado
Nietzsche, o apolíneo e o dionisíaco, complementares secretamente abrigo em sua arte; ele dissimula o mais
entre si, foram separados pela civilização. Nietzsche trata negro obscurantismo nos orbes luminosos do ideal. Ele
da Grécia antes da separação entre o trabalho manual e o acaricia todo o instinto niilista (budista) e embeleza-o com
intelectual, entre o cidadão e o político, entre o poeta e o a música; acaricia toda a forma de cristianismo e toda
filósofo, entre Eros e Logos. Para ele, a Grécia socrática, expressão religiosa de decadência”.
a do Logos e da lógica, a da cidade-Estado, assinalou o
fim da Grécia antiga e de sua força criadora. Nietzsche Solidão, Agonia e Morte
pergunta como, num povo amante da beleza, Sócrates Em 1880, Nietzsche publicou O Andarilho e sua
pôde atrair os jovens com a dialética, isto é, uma nova Sombra; um ano depois apareceu Aurora, com a qual se
forma de disputa (ágon), coisa tão querida pelos gregos. empenhou “numa luta contra a moral da autorrenúncia”.
Nietzsche responde que isso aconteceu porque a Mais uma vez, seu trabalho não foi bem acolhido por seus
existência grega já tinha perdido sua “bela imediatez”, e amigos; Erwin Rohde nem chegou a agradecer-lhe o
tornou-se necessário que a vida ameaçada de dissolução recebimento da obra, nem respondeu à carta que
lançasse mão de uma “razão tirânica”, a fim de dominar Nietzsche lhe enviara. Em 1882, veio à luz A Gaia Ciência,
os instintos contraditórios. depois Assim falou Zaratustra (1884), Para Além de Bem
Seu livro foi mal acolhido pela crítica, o que o impeliu e Mal (1886), O Caso Wagner, Crepúsculo dos Ídolos,
a refletir sobre a incompatibilidade entre o “pensador Nietzsche contra Wagner (1888). Ecce Homo, Ditirambos
privado” e o “professor público”. Ao mesmo tempo, com Dionisíacos, O Anticristo e Vontade de Potência só
ruim estado de saúde: (dores de cabeça, perturbações apareceram depois de sua morte.
oculares, dificuldades na fala) interrompeu assim sua Durante o verão de 1881, Nietzsche residiu em
carreira universitária por um ano. Mesmo doente, foi até Haute-Engandine, na pequena aldeia de Silvaplana, e,
Bayreuth para assistir à apresentação de O Anel dos durante um passeio, teve a intuição de O Eterno Retorno,
Nibelungos, de Wagner. Mas o “entusiasmo grosseiro” redigido logo depois. Nessa obra defendeu a tese de que
da multidão e a atitude de Wagner embriagado pelo o mundo passa indefinidamente pela alternância da
sucesso o irritaram. criação e da destruição, da alegria e do sofrimento, do
Terminada a licença da universidade para que tratasse bem e do mal. De Silvaplana, Nietzsche transferiu-se para
da saúde, Nietzsche voltou à cátedra. Mas sua voz agora Gênova, no outono de 1881, e depois para Roma, onde
era tão imperceptível que os ouvintes deixaram de permaneceu por insistência de Fräulein von Meysenburg,
frequentar seus cursos, outrora tão brilhantes. Em 1879, que pretendia casá-lo com uma jovem finlandesa, Lou
pediu demissão do cargo. Nessa ocasião, iniciou sua Andreas Salomé. Em 1882, Nietzsche propôs-lhe
grande crítica dos valores, escrevendo Humano, casamento e foi recusado, mas Lou Andreas Salomé
Demasiado Humano; seus amigos não o desejou continuar sua amiga e discípula. Encontraram-se
compreenderam. Rompeu as relações de amizade que o mais tarde na Alemanha; porém, não houve a esperada
ligavam a Wagner e, ao mesmo tempo, afastou-se da adesão à filosofia nietzschiana e, assim, acabaram por se
filosofia de Schopenhauer, recusando sua noção de afastar definitivamente.
“vontade culpada” e substituindo-a pela de “vontade Em seguida, retornou à Itália, passando o inverno de
alegre”; isso lhe parecia necessário para destruir os 1882-1883 na baía de Rapallo. Em Rapallo, Nietzsche não
obstáculos da moral e da metafísica. O homem, dizia se encontrava bem instalado; porém, “foi durante o
Nietzsche, é o criador dos valores, mas esquece sua inverno e no meio desse desconforto que nasceu o meu
própria criação e vê neles algo de “transcendente”, de nobre Zaratustra”.
“eterno” e “verdadeiro”, quando os valores não são mais No outono de 1883 voltou para a Alemanha e passou
do que algo “humano, demasiado humano”. a residir em Naumburg, em companhia da mãe e da irmã.
Nietzsche, que até então interpretara a música de Apesar da companhia dos familiares, sentia-se cada vez
mais só. Além disso, mostrava-se muito contrariado, pois
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sua irmã tencionava casar-se com Herr Foster, agitador Para Nietzsche, um tipo de filósofo encontra-se entre
antissemita, que pretendia fundar uma empresa colonial os pré-socráticos, nos quais existe unidade entre o
no Paraguai, como reduto da cristandade teutônica. pensamento e a vida, esta “estimulando” o pensamento,
Nietzsche desprezava o antissemitismo, e, não e o pensamento “afirmando” a vida. Mas o desenvol-
conseguindo influenciar a irmã, abandonou Naumburg. vimento da filosofia teria trazido consigo a progressiva
Em princípio de abril de 1884 chegou a Veneza, degeneração dessa característica, e, em lugar de uma
partindo depois para a Suíça, onde recebeu a visita do vida ativa e de um pensamento afirmativo, a filosofia ter-
barão Heinrich von Stein, jovem discípulo de Wagner. Von se-ia proposto como tarefa “julgar a vida”, opondo a ela
Stein esperava que o filósofo o acompanhasse a Bayreuth valores pretensamente superiores, mediando-a por eles,
para ouvir o Parsifal, talvez pretendendo ser o mediador impondo-lhes limites, condenando-a. Em lugar do filósofo-
para que Nietzsche não publicasse seu ataque contra legislador, isto é, crítico de todos os valores estabelecidos
Wagner. Por seu lado, Nietzsche viu no rapaz um discípulo e criador de novos, surgiu o filósofo metafísico. Essa
capaz de compreender o seu Zaratustra. Von Stein, no degeneração, afirma Nietzsche, apareceu claramente com
entanto, veio a falecer muito cedo, o que o amargurou Sócrates, quando se estabeleceu a distinção entre dois
profundamente, sucedendo-se alternâncias entre euforia mundos, pela oposição entre essencial e aparente,
e depressão. Em 1885, veio a público a quarta parte de verdadeiro e falso, inteligível e sensível. Sócrates
Assim falou Zaratustra; cada vez mais isolado, o autor só “inventou” a metafísica, diz Nietzsche, fazendo da vida
encontrou sete pessoas a quem enviá-la. Depois disso, aquilo que deve ser julgado, medido, limitado, em nome
viajou para Nice, onde veio a conhecer o intelectual de valores “superiores” como o Divino, o Verdadeiro, o
alemão Paul Lanzky, que lera Assim falou Zaratustra e Belo, o Bem. Com Sócrates, teria surgido um tipo de
escrevera um artigo, publicado em um jornal de Leipzig e filósofo voluntário e sutilmente “submisso”, inaugurando
na Revista Europeia de Florença. Certa vez, Lanzky se a época da razão e do homem teórico, que se opôs ao
dirigiu a Nietzsche tratando-o de “mestre” e Nietzsche sentido místico de toda a tradição da época da tragédia.
lhe respondeu: “Sois o primeiro que me trata dessa Para Nietzsche, a grande tragédia grega apresenta
maneira”. como característica o saber místico da unidade da vida e
Depois de 1888, Nietzsche passou a escrever cartas da morte e, nesse sentido, constitui uma “chave” que
estranhas. Um ano mais tarde, em Turim, enfrentou o abre o caminho essencial do mundo. Mas Sócrates
auge da crise; escrevia cartas ora assinando “Dioniso”, interpretou a arte trágica como algo irracional, algo que
ora “o Crucificado” e acabou sendo internado em apresenta efeitos sem causas e causas sem efeitos, tudo
Basileia, onde foi diagnosticada uma “paralisia de maneira tão confusa que deveria ser ignorada. Por isso
progressiva”. Provavelmente de origem sifilítica, a Sócrates colocou a tragédia na categoria das artes
moléstia progrediu lentamente até a apatia e a agonia. aduladoras, que representam o agradável e não o útil, e
Nietzsche faleceu em Weimar, em 25 de agosto de 1900. pedia a seus discípulos que se abstivessem dessas
emoções “indignas de filósofos”. Segundo Sócrates, a
O Dionisíaco e o Socrático arte da tragédia desvia o homem do caminho da verdade:
Nietzsche enriqueceu a filosofia moderna com meios “uma obra só é bela se obedecer à razão”, fórmula que,
de expressão: o aforismo e o poema. Isso trouxe como segundo Nietzsche, corresponde ao aforismo “só o
consequência uma nova concepção da filosofia e do homem que concebe o bem é virtuoso”. Esse bem ideal
filósofo: não se trata mais de procurar o ideal de um concebido por Sócrates existiria em um mundo
conhecimento verdadeiro, mas sim de interpretar e suprassensível, no “verdadeiro mundo”, inacessível ao
avaliar. A interpretação procuraria fixar o sentido de um conhecimento dos sentidos, os quais só revelariam o
fenômeno, sempre parcial e fragmentário; a avaliação aparente e irreal. Com tal concepção, criou-se, segundo
tentaria determinar o valor hierárquico desses sentidos, Nietzsche, uma verdadeira oposição dialética entre
totalizando os fragmentos, sem, no entanto, atenuar ou Sócrates e Dioniso: “enquanto em todos os homens
suprimir a pluralidade. Assim, o aforismo nietzschiano é, produtivos o instinto é uma força afirmativa e criadora, e
simultaneamente, a arte de interpretar e a coisa a ser a consciência, uma força crítica e negativa, em Sócrates,
interpretada, e o poema constitui a arte de avaliar e a o instinto torna-se crítico, e a consciência, criadora”.
própria coisa a ser avaliada. O intérprete seria uma Assim, Sócrates, o “homem teórico”, foi o único
espécie de fisiologista e de médico, aquele que considera verdadeiro contrário do homem trágico e com ele teve
os fenômenos como sintomas e fala por aforismos; o início uma verdadeira mutação no entendimento do Ser.
avaliador seria o artista que considera e cria perspectivas, Com ele, o homem se afastou cada vez mais desse
falando pelo poema. Reunindo as duas capacidades, o conhecimento, na medida em que abandonou o
filósofo do futuro deveria ser artista e médico-legislador, fenômeno do trágico, verdadeira natureza da realidade,
ao mesmo tempo. segundo Nietzsche. Perdendo-se a sabedoria instintiva da

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arte trágica, restou a Sócrates apenas um aspecto da vida Nietzsche propôs a si mesmo a tarefa de recuperar a
do espírito, o aspecto lógico-racional; faltou-lhe a visão vida e transmutar todos os valores do cristianismo:
mística, possuído que foi pelo instinto irrefreado de tudo “munido de uma tocha cuja luz não treme, levo uma
transformar em pensamento abstrato, lógico, racional. claridade intensa aos subterrâneos do ideal”. A imagem
Penetrar a própria razão das coisas, distinguindo o da tocha simboliza, no pensamento de Nietzsche, o
verdadeiro do aparente e do erro era, para Sócrates, a método filológico, por ele concebido como um método
única atividade digna do homem. Para Nietzsche, porém, crítico e que se constitui no nível da patologia, pois
esse tipo de conhecimento não tarda a encontrar seus procura “fazer falar aquilo que gostaria de permanecer
limites: “esta sublime ilusão metafísica de um mudo”. Nietzsche traz à tona, por exemplo, um
pensamento puramente racional associa-se ao significado esquecido da palavra “bom”. Em latim, bonus
conhecimento como um instinto e o conduz significa também o “guerreiro”, significado este que foi
incessantemente a seus limites onde este se transforma sepultado pelo cristianismo. Assim como esse, outros
em arte”. significados precisariam ser recuperados; com isso se
Por essa razão, Nietzsche combateu a metafísica, poderia constituir uma genealogia da moral que explicaria
retirando do mundo suprassensível todo e qualquer valor as etapas das noções de “bem” e de “mal”. Para
eficiente e entendendo as ideias não mais como “verda- Nietzsche, essas etapas são o ressentimento (“é tua
des” ou “falsidades”, mas como “sinais”. A única existên- culpa se sou fraco e infeliz”); a consciência da culpa
cia, para Nietzsche, é a aparência e seu reverso não é mais (momento em que as formas negativas se interiorizam,
o Ser; o homem está destinado à multiplicidade, e a única dizem-se culpadas e voltam-se contra si mesmas); e o
coisa permitida é sua interpretação. ideal ascético (momento de sublimação do sofrimento e
de negação da vida). A partir daqui, a vontade de potência
O Voo da Águia, a Ascensão da Montanha torna-se vontade de nada e a vida transforma-se em
A crítica nietzschiana à metafísica tem um sentido fraqueza e mutilação, triunfando o negativo e a reação
ontológico e um sentido moral: o combate à teoria das contra a ação. Quando esse niilismo triunfa, diz Nietzsche,
ideias socrático-platônicas é, ao mesmo tempo, uma luta a vontade de potência deixa de querer significar “criar”
acirrada contra o cristianismo. para querer dizer “dominar”; essa é a maneira como o
Segundo Nietzsche, o cristianismo concebe o mundo escravo a concebe. Assim, na fórmula “tu és mau, logo
terrestre como um vale de lágrimas, em oposição ao eu sou bom”, Nietzsche vê o triunfo da moral dos fracos
mundo da felicidade eterna do além. Essa concepção que negam a vida, ou negam a “afirmação”; neles tudo é
constitui uma metafísica que, à luz das ideias do outro invertido: os fracos passam a se chamar fortes, a baixeza
mundo, autêntico e verdadeiro, entende o terrestre, o transforma-se em nobreza. A “profundidade da
sensível, o corpo, como o provisório, o inautêntico e o consciência” que busca o Bem e a Verdade, diz
aparente. Trata-se, portanto, diz Nietzsche, de “um Nietzsche, implica resignação, hipocrisia e máscara, e o
platonismo para o povo”, de uma vulgarização da intérprete-filólogo, ao percorrer os signos para denunciá-
metafísica, que é preciso desmistificar. O cristianismo, las, deve ser um escavador dos submundos a fim de
continua Nietzsche, é a forma acabada da perversão dos mostrar que a “profundidade da interioridade” é coisa
instintos que caracteriza o platonismo, repousando em diferente do que ela mesma pretende ser. Do ponto de
dogmas e crenças que permitem à consciência fraca e vista do intérprete que desça até os bas-fonds da
escava escapar à vida, à dor e à luta, e impondo a consciência, o Bem é a vontade do mais forte, do
resignação e a renúncia como virtudes. São os escravos “guerreiro”, do arauto de um apelo perpétuo à verdadeira
e os vencidos da vida que inventaram o além para ultrapassagem dos valores estabelecidos, do super-
compensar a miséria; inventaram falsos valores para se homem, entendida esta expressão no sentido de um ser
consolar da impossibilidade de participação nos valores humano que transpõe os limites do humano, é o “além-
dos senhores e dos fortes; forjaram o mito da salvação do-homem”. Assim, o voo da águia, a ascensão da
da alma porque não possuíam o corpo; criaram a ficção montanha e todas as imagens de verticalidade que se
do pecado porque não podiam participar das alegrias encontram em Assim falou Zaratustra representam a
terrestres e da plena satisfação dos instintos da vida. inversão da profundidade e a descoberta de que ela não
“Este ódio de tudo que é humano”, diz Nietzsche, “de passa de um jogo de superfície.
tudo que é 'animal' e mais ainda de tudo que é 'matéria', A etimologia nietzschiana mostra que não existe um
este temor dos sentidos... este horror da felicidade e da “sentido original”, pois as próprias palavras não passam
beleza; este desejo de fugir de tudo que é aparência, de interpretações, antes mesmo de serem signos, e elas
mudança, dever, morte, esforço, desejo mesmo, tudo só significam porque são “interpretações essenciais”.
isso significa... vontade de aniquilamento, hostilidade à As palavras, segundo Nietzsche, sempre foram
vida, recusa em se admitir as condições fundamentais da inventadas pelas classes superiores e, assim, não
própria vida”.
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indicam um significado, mas impõem uma interpretação. consigo o novo homem que se situa além do próprio
O trabalho do etimologista, portanto, deve centralizar-se homem.
no problema de saber o que existe para ser interpretado, Esse super-homem nietzschiano não é um ser, cuja
na medida em que tudo é máscara, interpretação, vontade “deseje dominar”. Se se interpreta vontade de
avaliação. Fazer isso é “aliviar o que vive, dançar, criar”. potência, diz Nietzsche, como desejo de dominar, faz-se
Zaratustra, o intérprete por excelência, é como Dioniso. dela algo dependente dos valores estabelecidos. Com
isso, desconhece-se a natureza da vontade de potência
Os Limites do Humano: O Além-do-Homem como princípio plástico de todas as avaliações e como
Em Ecce Homo, Nietzsche assimila Zaratustra a força criadora de novos valores. Vontade de potência, diz
Dioniso, concebendo o primeiro como o triunfo da Nietzsche, significa “criar”, “dar” e “avaliar”.
afirmação da vontade de potência e o segundo como Nesse sentido, a vontade de potência do super-
símbolo do mundo como vontade, como um deus artista, homem nietzschiano o situa muito além do bem e do mal
totalmente irresponsável, amoral e superior ao lógico. Por e o faz desprender-se de todos os produtos de uma
outro lado, a arte trágica é concebida por Nietzsche como cultura decadente. A moral do além-do-homem, que vive
oposta à decadência e enraizada na antinomia entre a esse constante perigo e fazendo de sua vida uma
vontade de potência, aberta para o futuro, e o “eterno permanente luta, é a moral oposta à do escravo e à do
retorno”, que faz do futuro numa repetição; esta, no rebanho. Oposta, portanto, à moral da compaixão, da
entanto, não significa uma volta do mesmo nem uma piedade, da doçura feminina e cristã. Assim, para
volta ao mesmo; o eterno retorno nietzschiano é Nietzsche, bondade, objetividade, humildade, piedade,
essencialmente seletivo. Em dois momentos de Assim amor ao próximo constituem valores inferiores, impondo-
falou Zaratustra (Zaratustra doente e Zaratustra se sua substituição pela virtù dos renascentistas
convalescente), o eterno retorno causa ao personagem- italianos, pelo orgulho, pelo risco, pela personalidade
título, primeiramente, uma repulsa e um medo criadora, pelo amor ao distante. O forte é aquele em que
intoleráveis que desaparecem por ocasião de sua cura, a transmutação dos valores faz triunfar o afirmativo na
pois o que o tornava doente era a ideia de que o eterno vontade de potência. O negativo subsiste nela apenas
retorno estava ligado, apesar de tudo, a um ciclo, e que como agressividade própria à afirmação, como a crítica
ele faria tudo voltar, mesmo o homem, o “homem total que acompanha a criação; assim, Zaratustra, o
pequeno”. O grande desgosto do homem, diz Zaratustra, profeta do além-do-homem, é a pura afirmação, que leva
aí está o que me sufocou e que me tinha entrado na a negação a seu último grau, fazendo dela uma ação,
garganta e também o que me tinha profetizado o adivinho: uma instância a serviço daquele que cria, que afirma.
tudo é igual. E o eterno retorno, mesmo do mais Compreende-se, assim, porque Nietzsche desacre-
pequeno, aí está a causa de meu cansaço e de toda a dita das doutrinas igualitárias, que lhe parecem “imorais”,
existência. Dessa forma, se Zaratustra se cura é porque pois impossibilitam que se pense a diferença entre os
compreende que o eterno retorno abrange o desigual e a valores dos “senhores e dos escravos”. Nietzsche recusa
seleção. Para Dioniso, o sofrimento, a morte e o declínio o socialismo, mas em Vontade de Potência exorta os
são apenas a outra face da alegria, da ressurreição e da operários a reagirem “como soldados”.
volta. Por isso, “os homens não têm de fugir à vida como
os pessimistas”, diz Nietzsche, “mas, como alegres Uma Filosofia Confiscada
convivas de um banquete que desejam suas taças Apoiado na crítica nietzschiana aos valores da moral
novamente cheias, dirão à vida: uma vez mais”. cristã, em sua teoria da vontade de potência e no seu
Para Nietzsche, portanto, o verdadeiro oposto a elogio do super-homem, desenvolveu-se um pensamento
Dioniso não é mais Sócrates, mas o Crucificado. Em nacionalista e racista, de tal forma que se passou a ver no
outros termos, a verdadeira oposição é a que contrapõe, autor de Assim Falou Zaratustra um percursor do
de um lado, o testemunho contra a vida e o nazismo. A principal responsável por essa deformação foi
empreendimento de vingança que consiste em negar a sua irmã Elisabeth, que, ao assegurar a difusão de seu
vida; de outro, a afirmação do devir e do múltiplo, mesmo pensamento, organizando o Nietzsche-Archiv, em
na dilaceração dos membros dispersos de Dioniso. Com Weimar, tentou colocá-lo a serviço do nacional-socialismo.
essa concepção, Nietzsche responde ao pessimismo de Elisabeth, depois do suicídio do marido, que fracassara
Schopenhauer: em lugar do desespero de uma vida para em um projeto colonial no Paraguai, reuniu
a qual tudo se tornou vão, o homem descobre no eterno arbitrariamente notas e rascunhos do irmão, fazendo
retorno a plenitude de uma existência ritmada pela publicar Vontade de Potência como a última e a mais
alternância da criação e da destruição, da alegria e do representativa das obras de Nietzsche, retendo até 1908
sofrimento, do bem e do mal. O eterno retorno, e apenas Ecce Homo, escrita em 1888. Esta obra constitui uma
ele, oferece, diz Nietzsche, uma “saída fora da mentira interpretação, feita por Nietzsche, de sua própria filosofia,
de dois mil anos”, e a transmutação dos valores traz
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que não se coaduna com o nacionalismo e o racismo tornando-a estática e estereotipada. Ao contrário disso, o
germânicos. Ambos foram combatidos pelo filósofo, Estado deveria ser apenas um meio para a realização da
desde sua participação na guerra franco-prussiana (1870- cultura e para fazer nascer o além-do-homem.
1871).
Por ocasião desse conflito, Nietzsche alistou-se no Assim Falou Zaratustra
exército alemão, mas seu ardor patriótico logo se Em Ecce Homo, Nietzsche intitulou seus capítulos:
dissolveu, pois, para ele, a vitória da Alemanha sobre a “Por que sou tão finalista?”, “Por que sou tão sábio?”,
França teria como consequência “um poder altamente “Por que sou tão inteligente?”, “Por que escrevo livros
perigoso para a cultura”. Nessa época, aplaudia as tão bons?”. Isso levou muitos a considerarem sua obra
palavras de seu colega em Basileia, Jacob Burckhardt como anormal e desqualificada pela loucura. Essa opinião,
(1818-1897), que insistia junto a seus alunos para que não no entanto, revela um superficial entendimento de seu
tomassem o triunfo militar e a expansão de um Estado pensamento. Para entendê-lo corretamente, é necessário
como indício de verdadeira grandeza. colocar-se dentro do próprio núcleo de sua concepção da
Em Para Além de Bem e Mal, Nietzsche revela o filosofia: Nietzsche inverteu o sentido tradicional da
desejo de uma Europa unida para enfrentar o filosofia, fazendo dela um discurso ao nível da patologia e
nacionalismo (“essa neurose”) que ameaçava subverter a considerando a doença “um ponto de vista” sobre a
cultura europeia. Por outro lado, quando confiou ao saúde, e vice-versa. Para ele, nem a saúde, nem a doença
“louro” a tarefa de “virilizar a Europa”, Nietzsche levou são entidades; a fisiologia e a patologia são uma única
até a caricatura seu desprezo pelos alemães, homens coisa; as oposições entre bem e mal, verdadeiro e falso,
“que introduziram no lugar da cultura a loucura política e doença e saúde são apenas jogos de superfície. Há uma
nacional... que só sabem obedecer pesadamente, continuidade, diz Nietzsche, entre a doença e a saúde e a
disciplinados como uma cifra oculta em um número”. No diferença entre as duas é apenas de grau, sendo a doença
mesmo sentido, Nietzsche caracterizou os heróis um desvio interior à própria vida; assim, não há fato
wagnerianos como germanos que não passam de patológico.
“obediência e longas pernas”. E acabou rompendo A loucura não passa de uma máscara que esconde
definitivamente com Wagner, por causa do nacionalismo alguma coisa, esconde um saber fatal e “demasiado
e antissemitismo do autor de Tristão e Isolda: “Wagner certo”. A técnica utilizada pelas classes sacerdotais para
condescende a tudo que desprezo, até o antisse- a cura da loucura é a “meditação ascética”, que consiste
mitismo”. em enfraquecer os instintos e expulsar as paixões; com
Para compreender corretamente as ideias políticas de isso, a vontade de potência, a sensualidade e o livre
Nietzsche, é necessário, portanto, purificá-lo de todos os florescimento do eu são considerados “manifestações
desvios posteriores que foram cometidos em seu nome. diabólicas”. Mas, para Nietzsche, aniquilar as paixões é
Nietzsche foi ao mesmo tempo um antidemocrático e um uma “triste loucura”, cuja decifração cabe à filosofia, pois
antitotalitário. “A democracia é a forma histórica de é a loucura que torna mais plano o caminho para as ideias
decadência do Estado”, afirmou Nietzsche, entendendo novas, rompendo os costumes e as superstições
por decadência tudo aquilo que escraviza o pensamento, veneradas e constituindo uma verdadeira subversão dos
sobretudo um Estado que pensa em si em lugar de valores. Para Nietzsche, os homens do passado estiveram
pensar na cultura. Em Considerações Extemporâneas mais próximos da ideia de que onde existe loucura há um
essa tese é reforçada: “estamos sofrendo as grão de gênio e de sabedoria, alguma coisa de divino:
consequências das doutrinas pregadas ultimamente por “Pela loucura os maiores feitos foram espalhados pela
todos os lados, segundo as quais o Estado é o mais alto Grécia”. Em suma, aos “filósofos além de bem e mal”,
fim do homem, e, assim, não há mais elevado fim do que aos emissários dos novos valores e da nova moral não
servi-lo. Considero tal fato não um retrocesso ao resta outro recurso, diz Nietzsche, a não ser o de
paganismo mas um retrocesso à estupidez”. Por outro proclamar as novas leis e quebrar o jugo da moralidade,
lado, Nietzsche não aceitava as considerações de que a sob o travestimento da loucura. É dentro dessa
origem do Estado seja o contrato ou a convenção; essas perspectiva, portanto, que se deve compreender a
teorias seriam apenas “fantásticas”; para ele, ao presença da loucura na obra de Nietzsche. Sua crise final
contrário, o Estado tem uma origem “terrível”, sendo apenas marcou o momento em que a “doença” saiu de
criação da violência e da conquista e, como consequência, sua obra e interrompeu seu prosseguimento. As últimas
seus alicerces encontram-se na máxima que diz: “o poder cartas de Nietzsche são o testemunho desse momento
dá o primeiro direito e não há direito que no fundo não extremo e, como tal, pertencem ao conjunto de sua obra
seja arrogância, usurpação e violência”. e de seu pensamento. A filosofia foi, para ele, a arte de
O Estado, diz Nietzsche, está sempre interessado na deslocar as perspectivas, da saúde à doença, e a loucura
formação de cidadãos obedientes e tem, portanto, deveria cumprir a tarefa de fazer a crítica escondida da
tendência a impedir o desenvolvimento da cultura livre, decadência dos valores e aniquilamento: “Na verdade, a
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doença pode ser útil a um homem ou a uma tarefa, ainda extático e exaltado, como em sonhos ele via os deuses se
que para outros signifique doença... Não fui um doente moverem.
nem mesmo por ocasião da maior enfermidade”. O homem já não é um artista, tornou-se uma obra de
arte: a potência estética de toda natureza se revela nos
Texto filosófico clássico: O Nascimento da arrepios de embriaguez como supremo apagamento do
Tragédia Uno originário. Aqui se trabalha a argila mais preciosa, se
Por Friedrich Nietzsche debuxa o mármore mais valioso, o homem, e aos golpes
de cinzel do sumo artista dionisíaco ecoa o grito dos
mistérios eleusinos: Prostrai-vos, milhões? E tu, mundo,
sentes a mão do teu criador?

Frases de Arthur Schopenhauer

“O dinheiro é uma felicidade humana abstrata; por


isso aquele que já não é capaz de apreciar a verdadeira
felicidade humana, dedica-se completamente a ele.”

“Não devemos mostrar a nossa cólera ou o nosso


ódio senão por meio de atos. Os animais de sangue frio
são os únicos que têm veneno.”
“Ninguém é realmente digno de inveja, e tantos são
dignos de lástima!”

“Ler quer dizer pensar com uma cabeça alheia, em


Para Nietzsche, o homem precisava se libertar da preocupação com a lugar da própria.”
verdade e investir no conceito de viver. O homem seria portador de
uma vontade de poder. Seu livro mais conhecido é Assim falou “O dinheiro é a coisa mais importante do mundo.
Zaratustra. Representa: saúde, força, honra, generosidade e beleza,
do mesmo modo que a falta dele representa: doença,
(...) Sob o encantamento do dionisíaco não só se fraqueza, desgraça, maldade e fealdade.”
reconstitui a ligação entre o homem e homem. Também
a natureza alienada, hostil ou subjugada celebra a sua “Arquitetura é música congelada.”
festa de perdão ao filho perdido: o homem.
A terra oferece espontaneamente os seus frutos, e Frases de Friedrich Nietzsche
os animais ferozes dos rochedos e dos desertos
“Para Dioniso, o sofrimento, a morte e o declínio são
aproximam-se mansamente. O carro de Dionísio está
apenas a outra face da alegria, da ressurreição e da volta.
coberto de flores e de guirlandas: sob o seu jugo,
Por isso, “os homens não têm de fugir à vida como os
avançam o tigre e a pantera. Imortaliza-se o Hino à Alegria
pessimistas, mas, como alegres convivas de um
de Beethoven em um quadro e que não se fique atrás
banquete que desejam suas taças novamente cheias,
com a imaginação, quando milhões se ajoelharão
dirão à vida: uma vez mais”.
estremecendo no pó: assim poderemos nos aproximar do
dionisíaco. “O que não provoca minha morte faz com que eu
Agora, o escravo é um homem livre, agora se fique mais forte.”
rompem todas as limitações inflexíveis e hostis que a
necessidade, o arbítrio, o descarado costume colocaram “Quanto mais nos elevamos, menores parecemos
entre os homens. Agora, no Evangelho da harmonia aos olhos daqueles que não sabem voar.”
universal, cada qual não só se sente vizinho, reconciliado,
fundido com o seu próximo, mas forma um todo com “Só cabe aos que me reprovam refletir um pouco e
ele... depois pedir desculpas a si mesmos. Não preciso de uma
O homem apresenta-se cantando e dançando como palavra para a minha defesa”.
membro de uma unidade superior: desaprendeu a andar,
a falar e está perto de pairar dançando no ar. Os seus “Temos a arte para não morrer da verdade.”
gestos revelam o encantamento. Agora que os animais
falam e a Terra oferece leite e mel, ele também revela “A recompensa final dos mortos é não morrer nunca
algo de sobrenatural: ele se sente como Deus, paira mais.”

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1. “A terra oferece espontaneamente os seus frutos, e os animais 4. Assinale as alternativas que encerram a proposta filosófica de
ferozes dos rochedos e dos desertos aproximam-se mansamente. O Nietzsche.
carro de Dionísio está coberto de flores e de guirlandas: sob o seu jugo, I. O artista dionisíaco, que é o homem, ultrapassa a distância entre si
avançam o tigre e a pantera. Imortaliza-se o Hino à Alegria de Beethoven e a obra, produzindo arte com a sua própria vida.
em um quadro e que não se fique atrás com a imaginação, quando II. Dionísio representa uma existência austera, grave e racional.
milhões se ajoelharão estremecendo no pó: assim poderemos nos III. De certa forma, Dionísio subverte as regras sociais, a etiqueta, a boa
aproximar do dionisíaco.” (Nietzsche) educação, as convenções, sendo o deus da loucura na busca de
No texto acima, o filósofo está: vitalidade.
I. proclamando a alegria de viver. IV. A vida dionisíaca rompe as relações com a natureza, pois sobre-
II. exprimindo a fragilidfade da vida humana. valoriza o universo da cultura humana.
III. afirmando que a nona sinfonia de Beethoven é obra da imaginação São corretas apenas
humana. a) I e II. b) I e III. c) II e III.
IV. proclamando poeticamente a existência livre e natural. d) I e IV. e) III e IV.

RESOLUÇÃO:
São verdadeiras apenas:
Resposta: B
a) I e II b) I e III c) II e III
d) III e IV e) I e IV

RESOLUÇÃO:
Resposta: E 5. Podemos afirmar que o texto de Nietzsche é pessimista?
a) Sim, pois o filósofo é ateu e não crê em qualquer verdade. Assim, é
2. “Agora, o escravo é um homem livre, agora se rompem todas as inevitável a classificação de pessimista.
limitações inflexíveis e hostis que a necessidade, o arbítrio, o descarado b) Não, ao contrário. O filósofo em questão é marcado por um otimismo
costume colocaram entre os homens. Agora, no Evangelho da harmonia fundamentado em hipóteses metafísicas e religiosas.
universal, cada qual não só se sente vizinho, reconciliado, fundido com c) Sim, pois a doutrina nietzschiana se fundamenta num anti-
o seu próximo, mas forma um todo com ele...” (Nietzsche) humanismo. Considera o homem um ser insuficiente e fraco.
O filósofo pretendeu nessas palavras d) Sim, pois Nietzsche considera a existência humana marcada pela
a) proclamar a fragilidade humana. tragédia existencial e pela condição de miséria espiritual.
b) mostrar que a condição natural dos homens é viver em escravidão. e) Em hipótese alguma. O filósofo exalta o homem e a vida; a convi-
c) proclamar o Evangelho de Cristo de acordo com as instituições que vência e a integração de todas as coisas, inclusive entre o homem e
revelaram suas mensagens. a natureza.
d) proclamar a necessidade de se romper com a cultura construída RESOLUÇÃO:
pelos homens que dificulta uma existência plena. Resposta: E
e) mostrar que só a religião do Evangelho pode salvar a condição
escrava dos homens.

RESOLUÇÃO:
Resposta: D
6. Shopenhauer influenciou profundamente o pensamento de Nietzsche,
e, apesar das divergências entre eles, apresentam um tema central
3. Na filosofia de Nietzsche, o conceito de “vontade de potência” tem
em comum. Assinale a alternativa que revela a temática comum
fundamental papel. Sobre isso, leia as proposições abaixo:
entre os dois filósofos.
I. Trata-se de uma lei criada pelos homens que deve regular suas
a) A melhor vida é a conduzida por uma proposta hedonista e
existências.
dionisíaca.
II. Trata-se do impulso universal que rege todo o universo e deve
b) A vida é sofrimento.
conduzir a existência dos homens.
c) Há uma força natural de vontade que regula o universo.
III. É essência da natureza, conduz os astros e os fenômenos culturais
d) O tempo existencial retorna eternamente como uma ampulheta.
e políticos.
e) Há uma ventura filosófica no saber metafísico, que para Nietzsche
IV. É energia física criada por Deus e fundamento da existência
está no cristianismo e para Schopenhauer, no budismo.
humana.

RESOLUÇÃO:
São verdadeiras (apenas) Resposta: C
a) Todas. b) I e III. c) II e IV.
d) III e IV. e) II e III.

RESOLUÇÃO:
Resposta: E

– 81
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7. Sobre a filosofia de Schopenhauer, leia e julgue as proposições 9. (UEL) –


abaixo.
I – A vontade é um princípio racional que conduz ao “instinto” de
preservação. Trata-se de uma força da natureza e universal.
II – O homem, porém, tenta encobrir essa força, conferindo
causalidade a seus atos. Portanto, a vontade constitui, igualmente,
a causa de todo sofrimento, uma vez que lança os entes em uma
cadeia perpétua de aspirações sem fim, o que provoca a dor de
permanecer algo que jamais consegue completar-se.
III – Assim, o prazer consiste apenas na supressão momentânea da
dor. Isso confere a sua filosofia um caráter pessimista.
Estão (está) corretas (correta):
a) Todas b) Apenas I e II c) Apenas II e III
d) Apenas I e III e) Apenas II

RESOLUÇÃO:
Resposta: C

8. (UEM-adaptada) – Um dos elementos fundamentais da Filosofia


contemporânea é o contexto de crise da razão. Nela, criticam-se pilares
da racionalidade moderna, como a ideia de fundação do conhecimento
a partir do sujeito, e a possibilidade de uma ação moral universal. Com
base na afirmação acima, assinale o que for correto e errado.
A gravura de Escher provoca a reflexão acerca da percepção da
01) Sören Kierkegaard (1813-1885), precursor do existencialismo cristão,
realidade, ou seja, da relação entre a consciência e a realidade. Segundo
fez críticas severas à Filosofia moderna, pois nela o ser humano não
Nietzsche, “[...] todo homem que for dotado de espírito filosófico há de
aparece como ser existente, mas reduzido ao conhecimento
ter o pressentimento de que, atrás da realidade em que existimos e
objetivo.
vivemos, se esconde outra, muito diferente, e que, por consequência,
02) Friedrich Nietzsche (1844-1900), ao perguntar sobre o valor dos
a primeira não passa de uma aparição da segunda”.
valores, não representa uma novidade na maneira de formular as
questões da Filosofia, sobretudo ao propor o movimento genealó-
(NIETZSCHE, Friedrich. Apud:
gico.
SATIRA, Angélica. Pensando melhor. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 75.)
04) Sigmund Freud (1856-1939), fundador da Psicanálise, evidencia o
papel da racionalidade da consciência e da unidade do eu, estabe-
Assinale a alternativa que está de acordo com o texto.
lecendo, para determinar as pulsões, a análise sintética a priori.
a) A razão elimina as ilusões que provêm dos sentidos, permitindo ao
08) Michel Foucault (1926-1984) introduz, no cenário filosófico, o
homem um conhecimento verdadeiro do real.
conceito de microfísica do poder, isto é, a fragmentação do sujeito
b) A percepção da realidade é objetiva e independe de sentimentos e
em torno de um núcleo teórico unívoco, tanto moral quanto
emoções do homem.
epistêmico.
c) Ao perceber a realidade, o homem dá a ela significados, pois a
16) A Escola de Frankfurt utiliza-se da razão instrumental para criticar os
percepção é uma relação condicionada, entre outros fatores, pelas
céticos e fundamentar, em novas bases, o cientificismo.
coisas e pelo sujeito que percebe.
Estão erradas somente:
d) A visão é o sentido que permite perceber a essência das coisas, sem
a) 02, 04, 16 b) 08 c) 01 e 04
a qual o conhecimento do real é inviável.
d) 01 e) 16
e) O homem conhece a realidade exatamente como ela é, em uma
RESOLUÇÃO: relação imediata entre consciência e realidade.
Resposta: A
RESOLUÇÃO:
Resposta: C

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1. Nietzsche percebe um extraordinário contraefeito da valorização da Se esse pensamento ganhasse poder sobre ti, assim como és agora,
arte por Schopenhauer, o surgimento da figura do artista como oráculo: ele te faria sofrer uma metamorfose e talvez te triturasse. A pergunta
articulação da metafísica do belo que fala diretamente à vaidade do para qualquer coisa – ‘Queres isso mais uma vez e ainda inúmeras
artista. vezes? – pesaria sobre o teu modo de agir como o maior dos pesos!
Por outro lado, Nietzsche vê nos artistas um perigo: a necessidade de Ou, então, quanto terias que amar a ti mesmo e à vida, para não desejar
proteção, de amparo em uma religião ou filosofia qualquer, das quais nada mais que esta última e eterna confirmação, esta chancela?’”...
seriam os “criados”. Seria exatamente esse o caso de Wagner em (Nietzsche)
relação a Schopenhauer.
Segundo a análise do texto, pode-se concluir que As palavras de Nietzsche referem-se ao seu conceito de “mito do eterno
a) Nietzsche vê o artista como oráculo da metafísica. retorno”. A partir das palavras do filósofo, pode-se afirmar que
b) Schopenhauer sustenta uma visão da arte que dissolve qualquer a) pretendia defender uma concepção metafísica ou religiosa do tempo,
expressão de vaidade do artista. pois fala em eternidade.
c) Nietzsche entende que Schopenhauer carece de uma concepção b) pretendeu dizer que o tempo é um mito.
religiosa. c) pretendeu afirmar que o tempo é uma criação de Deus.
d) Nietzsche critica a metafísica e a necessidade humana de se amparar
d) falou da incomensurabilidade do tempo.
na religião.
e) defendeu a ideia de se conduzir uma existência dionisíaca
e) Schopenhauer entende que a arte não deve possuir uma dimensão
(fundamentada na busca do prazer).
metafísica.

2. “A arte pela arte. A luta contra a finalidade na arte é sempre uma 4. Escreva um texto, explicando o conceito de vontade no pensamento
luta contra as tendências moralizadoras, contra a subordinação da arte de Schopenhauer.
à moral. A arte pela arte quer dizer: ‘ao diabo com a moral’. Essa mesma
inimizade denuncia o poder preponderante ainda daquela preocupação. 5. (CONUPE) – Friedrich Nietzsche (1844-1900), na sua doutrina, liga-
Porém ainda que se exclua da arte o fim de edificar e melhorar os se a correntes diversas, embora não se filie a nenhuma: o evolucio-
homens, não se conclui daí que a arte deva carecer em absoluto dum nismo, o irracionalismo, a filosofia de vida. Marque a alternativa
fim, duma aspiração e dum sentido; que seja, numa palavra, a arte pela incorreta sobre o pensamento filosófico de Friedrich Nietzsche.
arte; a serpente que morde a própria cauda. ‘Antes não ter um fim que a) Nietzsche identificou o super-homem com o filósofo na acepção de
ter um fim moral!’ Assim fala a paixão. Porém um psicólogo pergunta, profeta de uma nova humanidade e, deste ponto de vista, a noção de
ao contrário: O que em toda espécie de arte faz? Não louva? Não uma “raça de super-homem” apresenta-se-nos absurda e pueril.
glorifica? Não isola? Com tudo isso a arte fortalece ou enfraquece certas b) No plano antropológico e ético, o que Nietzsche quis propor foi uma
avaliações; é isso um acessório, uma coisa acidental? É algo em que o nova técnica de valores, os valores vitais.
instinto artístico não tem participação completa? É que a faculdade de c) Toda a obra de Nietzsche visa esclarecer e defender a aceitação total
poder do artista não é a condição primeira da arte? Está o seu instinto e entusiástica da vida. Dioniso é o símbolo divinizado desta
básico dirigido à arte, ou preferivelmente ao sentido da arte, à vida, a um aceitação, e Zaratustra, o seu profeta.
desejo de vida? A arte é o grande estimulante da vida”. d) A filosofia de Friedrich Nietzsche não é uma reação tardia contra o
(Nietzsche) idealismo de Hegel e o pessimismo de Schopenhauer. Contra o
Segundo o filósofo Nietzsche, realismo do primeiro, coloca ele a natureza íntima do homem não na
a) a arte tem uma função reguladora das relações sociais.
vontade, mas na razão. Contra o pessimismo do segundo, afirma
b) a arte tem uma dimensão ética intrínseca.
que o homem deve procurar o aniquilamento pessoal.
c) a arte é como uma serpente que morde a própria cauda, ou seja, ela
e) A transfiguração dos valores é entendida por Nietzsche como a
tem um fim em si mesma.
anulação dos limites, como a conquista de um domínio absoluto do
d) a arte é produzida pelo intelecto e pela racionalidade dos homens.
homem sobre a terra e o seu corpo, como a eliminação do caráter
e) o homem produz a arte para compensar suas fragilidades inerentes.
problemático da vida e de toda a perda ou transvio a que o homem
3. “O que aconteceria se, um dia ou uma noite, um demônio se está sujeito.
esgueirasse furtivamente na mais solitária das tuas solidões e te
dissesse: ‘Esta vida, assim como a vives agora e a vivestes, terás de
vivê-la novamente infinitas vezes e nela não haverá nada de novo, mas 6. (Governo do Estado de São Paulo – Secretaria da Educação) –
retornarão a ti cada dor e cada prazer, cada pensamento e suspiro, cada Friedrich Nietzsche, ao pensar a arte, recorreu à mitologia da religião
coisa indizivelmente pequena ou grande da tua vida, e tudo na mesma grega antiga, principalmente aos deuses Dionísio e Apolo (conceitos de
sequência e sucessão, como esta aranha e este luar por entre os ramos dionisíaco e apolíneo). São características do apolíneo:
e também este instante e eu mesmo. A eterna ampulheta da existência a) Sonho, aparência, luz, ordem e individual.
será novamente virada e tu com ela, grão de poeira!’ b) Sonho, violência, luz, ordem e coletivo.
Não te lançarias ao chão, rangendo os dentes e maldizendo o demônio c) Embriaguez, dança, selvagem e mutação.
que assim te falou? Ou então, talvez tendo vivido alguma vez um d) Sonho, embriaguez, luz e ordem.
instante tão imenso, seria esta a tua resposta: ‘Tu és um Deus e nunca e) Sonho, aparência, luz, dança e individual.
ouvi nada tão divino?’

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7. Leia e julgue as assertivas abaixo: e)


I – Para Dioniso, o sofrimento, a morte e o declínio são apenas a outra
face da alegria, da ressurreição e da volta. Por isso, “os homens
não têm de fugir à vida como os pessimistas”, diz Nietzsche, “mas,
como alegres convivas de um banquete que desejam suas taças
novamente cheias, dirão à vida: uma vez mais”.
III – Para Nietzsche, o verdadeiro oposto a Dioniso não é mais Sócrates,
mas o Crucificado. Em outros termos, a verdadeira oposição é a
que contrapõe, de um lado, o testemunho contra a vida e o
empreendimento de vingança que consiste em negar a vida; de
Abaporu. Tarsila do Amaral
outro, a afirmação do devir e do múltiplo, mesmo na dilaceração
dos membros dispersos de Dioniso. Com essa concepção, 9. A etimologia nietzschiana mostra que não existe um “sentido
Nietzsche responde ao pessimismo de Schopenhauer: em lugar original”, pois as próprias palavras não passam de interpretações, antes
do desespero de uma vida para a qual tudo se tornou vão, o mesmo de serem signos, e elas só significam porque são
homem descobre no eterno retorno a plenitude de uma existência “interpretações essenciais”. As palavras, segundo Nietzsche, sempre
ritmada pela alternância da criação e da destruição, da alegria e do foram inventadas pelas classes superiores e, assim, não indicam um
sofrimento, do bem e do mal. significado, mas impõem uma interpretação. O trabalho do etimologista,
IIII – O eterno retorno, e apenas ele, oferece, diz Nietzsche, uma “saída portanto, deve centralizar-se no problema de saber o que existe para ser
fora da mentira de dois mil anos” (Cristianismo), e a transmutação interpretado, na medida em que tudo é máscara, interpretação,
dos valores traz consigo o novo homem que se situa além do avaliação. Fazer isso é “aliviar o que vive, dançar, criar”. Zaratustra, o
próprio homem.
intérprete por excelência, é como Dioniso.
Estão (está) corretas (correta):
a) Todas b) Apenas I e II c) Apenas II e III
http://www.mundodosfilosofos.com.br/nietzsche.htm
d) Apenas I e III e) Apenas II

8. (ENADE) – O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), talvez O tema central desse texto está na alternativa:
o pensador moderno mais incômodo e provocativo, influenciou várias a) O poder das classes superiores
gerações e movimentos artísticos. O Expressionismo, que teve forte b) A função da etimologia
influência desse filósofo, contribuiu para o pensamento contrário ao c) As palavras como interpretações
racionalismo moderno e ao trabalho mecânico, por meio do embate d) O conhecimento retrata a realidade
entre a razão e a fantasia. e) A invenção das palavras
As obras desse movimento deixam de priorizar o padrão de beleza
tradicional para enfocar a instabilidade da vida, marcada por angústia, 10. Para Nietzsche, a história não é finalista, não há progresso nem
dor, inadequação do artista diante da realidade. objetivo final da história. A esse princípio, o filósofo deu o nome de:
Das obras a seguir, a que reflete esse enfoque artístico é: a) O eterno retorno do mesmo. b) Potência de Vontade
a) b) c) Vontade de Potência d) Existência autêntica.
e) Existência dionisíaca.

11. Chove lá fora. A água enche a represa. Poucos trovões, poucas


descargas elétricas. É impressionante como um fato tão banal – a
própria realidade – que parece inquestionável, já venha carregado de
interpretações milenares. Afinal, quem nos garante que o céu não cairá
sobre nossas cabeças? Onde foi que aprendemos sobre trovões, raios
e água como fenômenos físicos e não como manifestação da ira ou da
generosidade dos deuses?
(Nietzsche)
Homem idoso na poltrona Figura e borboleta, Milton Dacosta
Com essas palavras o filósofo pretendeu
c) d) a) Assegurar a legitimidade das interpretações teóricas.
b) mostrar a consistência das explicações religiosas acerca dos
fenômenos naturais.
c) revelar a real causa dos fenômenos naturais.
d) questionar a preocupação humana de teorizar os eventos.
e) contrariar as teorias científicas que tentam explicar os fenômenos
sobrenaturais.

12. Assinale a alternativa que completa corretamente a frase abaixo.


O Estado, diz Nietzsche, está sempre interessado na formação de
cidadãos obedientes e tem, portanto, tendência a impedir o desenvolvi-
O grito – Edvard Munch Menino mordido por um lagarto
Museu Munch, Oslo mento da cultura livre, tornando-a estática e estereotipada. Ao contrário

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disso, o Estado deveria ser apenas Texto 2


a) um meio para a realização da cultura e para fazer nascer o além-do- Em algum remoto rincão do universo cintilante que se derrama em
homem. um sem-número de sistemas solares, havia uma vez um astro em que
b) um regulador das relações sociais. animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais
c) um orientador da ética humana e exemplo de civilidade. soberbo e mais mentiroso da “história universal”: mas também foi
d) um organizador da educação e saúde públicas. somente um minuto. Passados poucos fôlegos da natureza, congelou-
e) o detentor dos meios de produção. se o astro e os animais inteligentes tiveram de morrer. – Assim poderia
alguém inventar uma fábula e nem por isso teria ilustrado
13. (UNESP) – suficientemente quão lamentável, quão fantasmagórico e fugaz, quão
sem finalidade e gratuito fica o intelecto humano dentro da natureza.
Texto 1 Houve eternidades em que ele não estava; quando de novo ele tiver
O ser humano é a flor do céu que desabrochou na Terra. Sua passado, nada terá acontecido.
semente foi plantada por Deus, sua bela imagem foi projetada por Deus (Friedrich Nietzsche. Sobre verdade e mentira
e seu perfume agradável foi também presenteado por Deus. Não no sentido extramoral. Adaptado.)
devemos perder essa bela imagem nem o agradável perfume. Nosso Os textos citados apresentam concepções filosóficas distintas sobre o
belo desabrochar é a manifestação da glória de Deus. lugar do ser humano no universo. Discorra brevemente sobre essas
(Seicho-no-ie do Brasil. Palavras de luz, 2013.) diferenças, considerando o teor antropocêntrico dos textos.

1) D 13) A Seicho-no-ie é uma respeitável filosofia espiritualista


sincretista, baseada em fundamentos religiosos, de origem
2) C japonesa. Prega a gratidão à família e a Deus e o poder da palavra
e do pensamento positivo como meio para alcançar a felicidade.
3) E No texto, observa-se uma antropologia da criaturidade, ou seja, vê-
se o Homem sobrevalorizado sob a crença de que se trata de uma
4) A Vontade, no entendimento de Schopenhauer, não é um criação privilegiada de Deus. Em matéria de filosofia, essa
princípio racional, mas um impulso irracional e cego que concepção, portanto, aproxima-se de uma visão metafísica, em que
conduz ao “instinto” de preservação. Trata-se de uma força o homem é portador de uma essência ou origem divina.
da natureza e universal. O homem, porém, tenta encobrir a Friedrich Wilhelm Nietzsche foi um filósofo alemão que viveu na
irracionalidade dessa força, conferindo causalidade a seus segunda metade do século XIX. Nietzsche era um pensador ateu e
atos. Portanto, a Vontade constitui, igualmente, a causa de um fervoroso opositor das concepções metafísicas, embora tivesse,
todo sofrimento, uma vez que lança os entes em uma cadeia na sua juventude, iniciado estudos em teologia protestante. Trata-
perpétua de aspirações sem fim, o que provoca a dor de se de um pensador trágico e isso, em filosofia, significa que não
permanecer algo que jamais consegue completar-se. Assim, o haveria um sentido moral no Universo, sendo a origem do homem
prazer consiste apenas na supressão momentânea da dor. um mero acidente no processo de formação e evolução casual do
Universo. Nesse sentido, percebe-se uma diluição violenta do
5) D antropocentrismo da concepção criacionista. Por outro lado,
enquanto a teologia e o pensamento religioso chegaram a criar
6) A uma cultura mais teocêntrica no passado (Idade Média), a
modernidade estabeleceu uma cultura antropocêntrica, uma vez
7) A que, sobretudo no Iluminismo, sobrevalorizou-se a razão humana.
Não é o caso específico de Nietzsche, pois trata-se de um pensador
8) C que relativizou as concepções iluministas. Porém, esse filósofo
alemão também valorizou a condição humana a partir de uma
9) B concepção hedonista, que proclama o prazer como fim supremo
da vida.
10) A

11) D

12) A

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MÓDULO 9 O Homem: quem é ele? O Homem concreto e o existencialismo

1. Introdução A concepção naturalista, forte na Idade Moderna, é


fruto das descobertas científicas e do pensamento de
Definir o ser humano é o objetivo da antropologia Descartes e Locke. O homem é definido a partir de sua
filosófica. Todo conhecimento produzido, em qualquer dualidade psicofísica, ou seja, a partir de uma substância
área, em qualquer época, tem implícita uma concepção pensante e outra biológica ou corporal. O homem torna-
de homem. Toda obra de arte, reflexão ou ação traz se produto das determinações naturais e não é percebido
subjacente essa grande questão, que não pode ser como ser autônomo, capaz de gerir seu destino.
abandonada sem o risco de desperdiçar uma atividade A terceira concepção, a histórico-social, entende o
exclusiva da criatura humana – a capacidade de refletir homem como um processo, valorizado na sua existência
sobre sua própria essência e existência. pessoal e concreta. Vê-se, então, o homem como alguém
no espaço e no tempo, marcado pela singularidade e pela
possibilidade de realização. O homem enquanto processo
implica a marca do inacabamento, pois não se nasce
pronto, não se “nasce homem”. Nesse sentido, é
descoberto o ser social e podemos afirmar que a
humanidade constrói, ou inverte, sua própria humanidade.

Leonardo da Vinci. O homem visto como objeto do conhecimento.

2. Três Principais Concepções

Encontramos três principais concepções de homem


nas tradições filosóficas: a concepção metafísica, a
naturalista e a histórico-social. Em geral, pensadores
optam por uma delas, excluindo as demais; o que é
natural, porque tais concepções parecem contradizer-se
mutuamente. Porém, não podemos esquecer que o
homem pode ser definido por uma complexidade de
dimensões, o que nos permite afirmar que certas
definições de ser humano sejam complementares.
A concepção metafísica vê o homem a partir de uma Charles Darwin desenvolveu a teoria da evolução da espécie humana.

essência imutável, apesar da distinção entre os homens.


Baseada no platonismo, essa ideia predominou na Idade 3. A Condição Humana
Média e permanece válida para o pensamento religioso e Conhecer o homem não é separá-lo do Universo, mas
teológico. Entende-se com ela que há um modelo de situá-lo nele. (...) todo conhecimento, para ser pertinente,
homem e que somos as variações desse modelo. deve contextualizar seu objeto. “Quem somos nós?” é

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inseparável de “Onde estamos, de onde viemos, para incomunicação. Comunicabilidade e Incomunicabilidade


onde vamos?”. Pascal já nos havia situado, corretamente, são duas faces do existir humano. O ser humano é
entre dois infinitos, o que foi amplamente confirmado no diálogo fecundo e monólogo estéril (...).
século XX pela dupla evolução da Microfísica e da O ser humano é fértil em criações. Cria vida, saúde,
Astrofísica. Conhecemos hoje nosso duplo enraizamento: pão, paz, ciência e tecnologia. Mas o ser humano é
no cosmo físico e na esfera viva. também niilista. Incinera o mundo. Basta ver a guerra. O
Claro, novas descobertas ainda vão modificar nosso ser humano constrói maravilhas, mas também pode
conhecimento, mas, pela primeira vez na História, o ser arrasá-las. Planta semente e desintegra a germinação. (...)
humano pode reconhecer a condição humana de seu O ser humano sente necessidade de convivência
enraizamento e de seu desenraizamento. social e solidariedade. Mas é também antissocial. A
Em meio à aventura cósmica, no extremo do discriminação, o fanatismo e o sectarismo esfiapam o
prodigioso desenvolvimento de um ramo singular de auto- tecido da sociabilidade. (...) O ser humano cativa com
organização viva, prosseguimos, à nossa maneira, na afeição e algema com servidão. (...)
aventura da organização. Essa época cósmica da O ser humano é oscilante. É paradoxo. Avança e
organização, incessantemente sujeita às forças da recua, atrai e expulsa, ergue-se e recai, edifica e pulveriza,
desorganização e da dispersão, é, também, a época da arrisca-se e amoita-se. O ser humano não é apenas
reunião, e só ela impediu que o cosmo se dispersasse e herança. É decisão. É gênese existencial. É conquista de
desaparecesse, tão logo acabara de nascer. Nós, viventes, todos os dias. Lidar com o ser humano é lidar com o
e, por conseguinte, humanos, filhos das águas, da Terra, paradoxo. (...)
e do Sol, somos um feto da diáspora cósmica, algumas Para compreender o ser humano é preciso vê-lo
migalhas da existência solar, uma ínfima brotação da como processo, como fenômeno em andamento. A visão
existência terrestre (...). fixista estratifica o ser humano e mumifica-lhe o real
Os novos conhecimentos, que nos levam a descobrir significado. O ser humano pulsa, está em mutação. É
o lugar da Terra no cosmo, a Terra-sistema, a Terra-Gaia ou cachoeira de decisões. Jamais concluído.
biosfera, a Terra-pátria dos humanos, não têm sentido
algum enquanto isolados uns dos outros. A Terra não é a ARDUINI, Juvenal. Ousar para Reinventar a
soma de um planeta físico, de uma biosfera e da Humanidade. São Paulo: Paulus, 2002.

humanidade. A Terra é a totalidade complexa físico-


biológico-antropológica, onde a vida é uma emergência Glossário
da história e da vida terrestre. A relação do homem com Paradoxo: contradição.
a natureza não pode ser concebida de forma reducionista, Pluriforme: de formas múltiplas, diferentes faces.
nem de forma disjuntiva. A humanidade é uma entidade
planetária e biosférica (...). Tudo isso nos coloca diante do
caráter duplo e complexo do que é humano: a Sobre Edgar Morin
humanidade não se reduz absolutamente à animalidade,
mas, sem animalidade, não há humanidade (...) Sociólogo e filósofo francês pesquisador emérito do
O ser humano nos é revelado em sua complexidade: CNRS (Centre National de La Recherche Scientifique).
ser, ao mesmo tempo, totalmente biológico e totalmente Formado em Direito, História e Geografia, iniciou-se na
cultural. Filosofia, na Sociologia e na Epistemologia. É autor de
MORIN, Edgar. A Cabeça Bem-feita.
mais de 30 livros, entre eles: O método; Introdução ao
São Paulo: Bertrand Brasil, 17 ed. 2010.
pensamento complexo; Ciência com consciência; e Os
sete saberes necessários para a Educação do futuro.
4. Paradoxo Durante a Segunda Guerra Mundial, participou da
Resistência Francesa. É considerado um dos
O ser humano é ambivalente. Conhecido e estranho, pensadores mais importantes do século XX. Entre suas
próximo e distante, transparente e opaco. O ser humano
obras, destacam-se Cultura de Massas no Século XX e
canta e protesta, dança e agride, congrega e dispersa (...).
Para sair do século XX.
O ser humano expande-se festivamente e tranca-se
amargamente. É lógico e ilógico.
O ser humano é linguagem pluriforme. Fala e silencia,
grita e emudece, gargalha e enclausura-se. O ser humano
é palavra ofertada e palavra recusada. E recusar a palavra
aos outros é rejeitá-los. O ser humano é fonte exuberante
de comunicação, e também núcleo rígido de

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O HOMEM CONCRETO E O EXISTENCIALISMO existência nunca poderá ser apreendida senão sob a
forma de uma história; em cada instante, o homem está
5. Introdução condenado a inventar o homem. O existencialismo é,
assim, uma filosofia que tem como objetivo a análise e a
O século XX assistiu ao advento de vários movi- descrição da existência concreta considerada como ato
mentos intelectuais inovadores, com destaque para o de uma liberdade, que se constitui afirmando-se e que
estruturalismo e o existencialismo. No primeiro, o homem tem unicamente como gênese ou fundamento esta
é percebido como determinação da estrutura social, afirmação de si.
cultural e histórica; no segundo, como um projeto, um ser Esta corrente filosófica desenvolveu-se, na Europa,
condenado a ser livre, como diria o existencialista Jean entre as duas guerras mundiais; constitui uma reação
Paul Sartre (1905-1980). Tais concepções foram influen- contra todas as formas de alienação do homem; este não
ciadas pelo marxismo europeu, que via a cultura como é um mero ente, mas antes um existente. Não é algo que
produto de determinações históricas do processo possa ser determinado objetivamente; o seu ser é um
econômico, mas que também via no homem o agente constituir-se contínuo de si mesmo. O homem não é,
capaz de atuar na História pela vontade política. pois, nenhuma substância, susceptível de ser determi-
nada objetivamente. No processo da sua constituição
existencial, o homem pode gerar o âmbito de inteligibi-
lidade que lhe permitirá compreender-se a si mesmo e à
sua situação com os outros, no mundo.
O existencialismo é, primordialmente, um modo de
entender a existência enquanto existência humana; a sua
atenção centra-se na análise da existência. Este vocábulo
designa o modo de estar-no-mundo do próprio homem;
enquanto existência, o homem está sempre ligado ao
mundo. O mundo manifesta-se nas estruturas que
constituem o homem como existência; mas o homem
está intimamente ligado aos outros homens. Se a
existência se refere sempre a uma situação, também a
coexistência, a comunicação e a alteridade constituem
uma referência fundamental do homem: existir é sempre
ser-com. Pour-soi, em Sartre, Existenz, em K. Jaspers,
Michelangelo, A Criação de Adão (detalhe). Dasein, em Heidegger, são termos que traduzem a
existência concreta que não se pode captar pela razão. A
6. Texto Filosófico existência é uma realidade individual, singular, subjetiva
e finita que não se define nem se traduz
O existencialismo conceptualmente. Esta filosofia dirige-se ao existente
singular em ordem a compreendê-lo como possibilidade
(...) Para o existencialismo, o homem não é o seu
e como projeto; neste sentido, a existência está
próprio fim, uma vez que não existe senão enquanto se
intimamente ligada à temporalidade.
projeta para além de si mesmo. Segundo o
O existencialismo surgiu como reação contra as
existencialismo, o homem existe antes de ser. O homem
construções filosóficas sistemáticas que dissolviam o
deve dar à sua existência um sentido, uma vez que não é
homem na série das abstrações, despersonalizando-o; é,
senão aquilo que ele próprio faz de si mesmo; ser é
por outro lado, uma reação contra os resultados das
escolher-se através de um livre compromisso. O homem
ciências positivas que estudaram o homem em vários
é “liberdade absoluta”: “está condenado a ser livre”.
domínios, perdendo de vista a unidade da sua realidade
Desta situação resulta a angústia como experiência
concreta, enquanto autor de um destino individual;
metafísica consubstanciada no sentimento da possibili-
constitui também uma reação perante uma sociedade
dade de o homem perder a sua própria existência; através
cada vez mais orientada pela técnica que dissolveu o
da angústia, o homem experiencia o nada e pressente a
homem num complexo de funções; foi por isso que o
incerteza das escolhas que o conduzirão ao ser. A
existencialismo assumiu uma forma de humanismo,
existência é lançada num total abandono de si mesma;
apontando para uma valorização pessoal e responsável do
isto equivale a dizer que é absoluta liberdade, na medida
homem através de uma abertura temporal para o mundo
em que depende exclusivamente de si. Liberdade
em moldes exclusivamente terrenos, negadores de
significa, assim, contingência absoluta e, através dela,
qualquer Transcendência (existencialismo fechado –
define-se o ser da existência. Daqui se conclui que a

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Sartre), ou admitindo uma abertura ao Absoluto liberdade; neste seu desenvolvimento livre, é
(existencialismo aberto – G. Marcel, K. Jaspers). responsável, devido ao seu compromisso com os outros
Kierkegaard procurou a valorização do homem num na realidade concreta do viver; daqui brota a angústia, a
sentido espiritualista, mas em nítida oposição a Hegel; insegurança e a inquietação. Só o homem é capaz desta
Nietzsche, num sentido materialista. “ex-sistência”; por isso, o existencialismo é uma filosofia
O existencialismo é uma corrente caracterizada por do homem e, neste sentido, um humanismo.
um irracionalismo extremo, ao chamar a atenção para a Uma característica comum a todas as filosofias da
insuficiência dos processos da razão na compreensão dos existência reside no fato de repousarem na vivência
problemas especificamente humanos, contribuindo para pessoal da existência. Esta não se pode captar pela razão,
suscitar um novo conceito de razão, abrindo novos referida ao geral e constituindo um sistema. As filosofias
caminhos para a ontologia. da existência dirigem-se, assim, ao existente singular,
A caracterização fundamental do existencialismo mas não como fato empírico nem como ideia abstrata;
reside, assim, na análise da existência na modalidade de propõem-se compreendê-lo como possibilidade no ser
ser-aberto-para-as-coisas-do-mundo, no qual essas coisas profundo donde são extraídas as suas realizações; o
se consciencializam; tal existência é o homem concreto, homem não está encerrado em si mesmo; como
em situação, aberto para as coisas do mundo e para os realidade inacabada, está intimamente ligado ao mundo
outros homens. Esta existência cria a sua própria que se manifesta nas estruturas que constituem o
essência num desenvolvimento livre através do tempo. homem como existência; mas estas estruturas são os
A existência não é uma atualidade absoluta, mas modos possíveis de relacionamento do homem com o
essencialmente temporal; está lançada para fora de si mundo.
numa construção de si mesma e do seu mundo. As principais categorias das filosofias existenciais que
Ganhando consciência de si e das suas possibilidades, a passaram para a literatura existencialista são a
existência só é autenticamente na sua temporalização. A subjetividade, a temporalidade, o nada, a angústia, a
prioridade da existência sobre a essência significa que a comunicação, o paradoxo, a ambiguidade, a contingên-
existência não tem essência distinta dela mesma, ou seja, cia, a autenticidade, a liberdade, a alienação, a escolha, a
que esta essência não é mais do que a manifestação das decisão, a situação, o compromisso, o estar-no-mundo, a
possibilidades da existência desenvolvidas através do morte, o fazer-se a si mesmo, o fracasso e a esperança.
tempo. Na sua realização, a existência depende exclusi- (Cassiano Reimão – filósofo português)
vamente de si mesma e, por isso, é essencialmente

1. O homem é “liberdade absoluta”: “está condenado a ser livre”. 2. (UFU) – Segundo Jean Paul Sartre, filósofo existencialista
Dessa situação, resulta a angústia como experiência metafísica contemporâneo, liberdade é
consubstanciada no sentimento da possibilidade de o homem perder a I. escolha incondicional que o próprio homem faz de seu ser e de seu
sua própria existência; por causa da angústia, o homem experiencia o mundo.
nada e pressente a incerteza das escolhas que o conduzirão ao ser. A II. aceitar o que a existência determina como caminho para a vida do
existência é lançada num total abandono de si mesma; isso equivale a homem.
dizer que é absoluta liberdade, na medida em que depende exclusi- III. sempre uma decisão livre, por mais que se julgue estar sob o poder
vamente de si. de forças externas.
De acordo com o texto: IV. estarmos condenados a ela, pois é a liberdade que define a
I. Liberdade é o contrário de angústia. humanidade dos humanos.
II. A liberdade representa a condição primeira do homem. Assinale
III. A angústia é causada pela incerteza diante das escolhas e essas a) se apenas I e IV estiverem corretas.
resultam da nossa liberdade. b) se apenas II e III estiverem corretas.
IV. O homem concreto não tem chances de escolha e por isso c) se apenas I, II e IV estiverem corretas.
experiencia a angústia. d) se apenas III e IV estiverem corretas.
e) se apenas I, III e IV estiverem corretas.
São coerentes:
a) apenas I e III. b) apenas II e IV. RESOLUÇÃO:
Resposta: E
c) apenas I e IV. d) apenas III e IV.
e) apenas II e III.

RESOLUÇÃO:
Resposta: E

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3. (UFU) – Liberdade, para Jean Paul Sartre (1905-1980), seria assim 5. O existencialismo foi uma corrente de pensamento que fez do
definida: homem efetivamente existente o centro e o núcleo das questões
a) o estar sob o jugo do todo para agir em conformidade consigo filosóficas, e o ponto de partida para a Ontologia; um dos seus mais
mesmo, instaurando leis e normas necessárias para os indivíduos. conhecidos criadores e pensadores, o francês Jean Paul Sartre,
b) circunstâncias que nos determinam e nos impedem de fazer a) rejeita toda e qualquer dependência da filosofia de Heidegger.
escolhas de outro modo. b) não aceita a metodologia fenomenológica e prefere um discurso
c) conformação às situações que encontramos no mundo e que nos filosófico mais próximo do dramático.
determinam. c) considera que a existência de Deus é a garantia da plena liberdade
d) escolha incondicional que o próprio homem faz de seu ser e de seu humana.
mundo. “Estamos condenados à liberdade”, segundo o autor. d) define o ser humano como um ser em projeto, inacabado, que se
completa nas suas relações de solidariedade com os outros.
RESOLUÇÃO: e) argumenta que a essência do ser para si é sua própria existência.
Resposta: D
RESOLUÇÃO:
Resposta: E

4. (UFU) – O nada, impensado para Parmênides, encontrou em Sartre 6. Em seu tratamento da liberdade, Sartre afirma que esta é um projeto
valor ontológico, pois o nada é o ponto de partida da existência humana, e não um dado da realidade, sendo necessária uma preocupação com o
uma vez que não há nenhuma anterioridade à existência, nem mesmo que o autor chama de má fé.
uma essência. Essa tese apareceu no livro O Ser e o Nada. Tal afirmação Considerando-se a ideia de má fé e de suas consequências para a
encontra-se também em outro livro, O existencialismo é um liberdade, é incorreto afirmar:
humanismo, no qual está escrito: a) Agir em má fé consiste em viver na seriedade.
“Porém, se realmente a existência precede a essência, o homem é b) Agir em má fé representa virar as costas à escolha de si mesmo.
responsável pelo que é. Desse modo, o primeiro passo do c) Agir em má fé representa uma afirmação do sujeito.
existencialismo é o de pôr todo homem na posse do que ele é, de d) Agir em má fé significa uma fuga à responsabilidade da decisão livre.
submetê-lo à responsabilidade total de sua existência.” e) Agir em má fé representa identificar-se com o ser.

RESOLUÇÃO:
SARTRE, J.P. O existencialismo é um humanismo. Trad. de Rita
Resposta: C
Correia Guedes. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 6. Coleção Os
Pensadores.

A responsabilidade para Sartre diz respeito


a) ao indivíduo para consigo mesmo, já que o existencialismo é
dominado pelo conceito de subjetividade que restringe o sujeito da
ação à sua esfera interior, circunscrita pelas suas representações
arbitrárias, que exclui o outro; toda escolha humana é a escolha por
si próprio.
b) ao vínculo entre o indivíduo e a humanidade, já que para o existen-
cialista, cada um é responsável por todos os homens, pois, criando o
homem que cada um quer ser, estaremos sempre escolhendo o bem
e nada pode ser bom para um, que não possa ser para todos.
c) à imagem de homem que pré-existe e é anterior ao sujeito da ação.
É uma imagem tal qual se julga que todos devam ser, de modo que
o existencialismo, em virtude da sua origem protestante com
Kierkegaard, renova a moral asceta do cristianismo, que exige a
anulação do eu.
d) ao partido político que tem a primazia na condução do processo de
edificação da nova imagem de homem comprometido com a
revolução e que faz de cada um aquilo que deverá ser, tal como ficou
célebre no mote existencialista: o que importa é o resultado daquilo
que nos fizeram.

RESOLUÇÃO:
Resposta: B

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1. Essa concepção vê o homem a partir de uma essência imutável, 5. “Os novos conhecimentos, que nos levam a descobrir o lugar da
apesar da distinção entre os homens. Baseada na concepção platônica, Terra no cosmo, a Terra-sistema, a Terra-Gaia ou biosfera, a Terra-pátria
essa concepção predominou na Idade Média e permanece válida para o dos humanos. Não tem sentido algum enquanto isolados uns dos
pensamento religioso e teológico. Entende-se aqui que há um modelo outros. A Terra não é a soma de um planeta físico, de uma biosfera e da
de homem e somos as variações desse modelo. humanidade. A Terra é a totalidade complexa físico-biológico-
antropológica, onde a vida é uma emergência da história e da vida
Trata-se da concepção do homem: terrestre”. (E. Morin)
a) metafísico. Sobre o texto de Morin, é possível deduzir que:
b) histórico. I. O texto defende a ideia de que o conhecimento deve ser disjuntivo,
c) concreto. fragmentado e especialista para melhor refletir a complexidade do
d) naturalista. mundo real.
e) existencial. II. O fragmento do texto revela uma preocupação ambiental, tônica da
filosofia de Morin.
III. Há, para o autor, uma relação estreita entre conhecimento e
responsabilidade ética.
2. Tal concepção de homem é fruto das descobertas científicas e do São verdadeiras apenas:
pensamento de Descartes e Locke. O homem é definido a partir de sua a) I e II. b) I e III. c) II e III. d) I. e) II.
dualidade psicofísica, ou seja, a partir de uma substância pensante e
outra biológica ou corporal. Trata-se da concepção de homem:
a) existencial.
b) concreto. 6. “A humanidade é uma entidade planetária e biosférica (...). Tudo isso
c) naturalista. nos coloca diante do caráter duplo e complexo do que é humano: a
d) metafísico. humanidade não se reduz absolutamente à animalidade, mas, sem
e) histórico. animalidade, não há humanidade”. (Morin)
O pensador Edgar Morin expressou nessas palavras:
a) uma contradição de seu pensamento, pois o autor confundiu os
conceitos de humanidade e animalidade.
b) uma visão do desenraizamento do ser humano diante do mundo.
c) uma tendência a valorizar o lado animal do ser humano, correndo o
3. Essa concepção entende o homem como um processo, valorizado risco de afastar-se de uma visão humanista e espiritual.
na sua existência pessoal e concreta. Vê-se aqui o homem como alguém d) a complexidade da condição humana e uma evocação à condição
no espaço e no tempo, marcado pela singularidade e pela possibilidade planetária, o que nos conduz a uma preocupação ética.
de realização. O homem enquanto processo implica a marca do e) um paradoxo, pois o ser humano não porta coerência em qualquer
inacabamento, pois não se nasce pronto, não se nasce homem. Trata- ocasião e sua condição própria é a de ser exilado do planeta.
se:
a) da concepção metafísica.
b) da concepção religiosa.
c) da concepção naturalista. 7. “O ser humano nos é revelado em sua complexidade: ser, ao mesmo
d) da concepção estruturalista. tempo, totalmente biológico e totalmente cultural”. (Edgar Morin) Dessa
e) da concepção histórico-social. ideia, pode-se deduzir com coerência que:
a) O homem é cem por cento natural e cem por cento cultural. O que
mostra que a divisão do mundo humano em natureza e cultura, para
esse pensador, é relativa.
b) O homem é complexo porque é um produtor de cultura.
4. Conhecer o homem não é separá-lo do Universo, mas situá-lo nele. c) Diferentemente dos outros animais, o homem revela uma comple-
(...) todo conhecimento, para ser pertinente, deve contextualizar seu xidade que torna difícil estudar sua natureza biológica e cultural.
objeto. “Quem somos nós?” é inseparável de “Onde estamos, de onde d) O ser humano goza de um aparelho biológico cem por cento
viemos, para onde vamos?”. (E. Morin) funcional.
Com essas palavras, Edgar Morin deseja expressar seu conceito de: e) O ser humano é capaz de aperfeiçoar sua natureza por intermédio da
a) Complexidade. cultura, graças à complexidade de sua condição.
b) Realidade.
c) Enraizamento.
d) Transdisciplinaridade.
e) Transbordamento.

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8. “A Terra não é a soma de um planeta físico, de uma biosfera e da 13. O homem para Sartre não pode ser ora livre, ora escravo. Ele é
humanidade. A Terra é a totalidade complexa físico-biológico- totalmente e sempre livre, ou não o é. A liberdade não é alguma coisa
antropológica, onde a vida é uma emergência da história e da vida que é dada, mas resulta de um projeto de ação. É uma árdua tarefa cujos
terrestre”. (Morin) desafios nem sempre são suportados pelo homem, daí resultando os
Ao afirmar que a Terra não é a soma dos elementos, mas a totalidade riscos de perda de liberdade pelo homem que se acomoda não lutando
complexa, Morin pretendeu: para obtê-la. (Dora Lúcia Alcântara)
a) Confirmar o caráter de unidade fechada entre os elementos que Para o filósofo existencialista Sartre, a condição humana é
constituem o planeta. a) marcada pela liberdade, condição que lhe garante satisfação e
b) Valorizar o elemento ecológico sobre o humano, pois esse não é segurança.
elemento central nas relações. b) marcada pela escravidão, pois homem algum é de fato livre.
c) Mostrar o caráter sistêmico do planeta, pois os elementos que o c) marcada pela liberdade que é dada naturalmente, nunca ameaçada
constituem se encontram em relação dinâmica de interação. por qualquer circunstância.
d) Indicar o caráter de isolamento e independência entre os elementos d) marcada ora pela liberdade, ora pela escravidão, dependendo da
que constituem o planeta. condição econômica.
e) Mostrar que as relações entre os elementos são carentes de uma e) marcada pela liberdade, que é causadora de angústia.
dinâmica própria e por isso existem problemas ambientais.
14. “Esta corrente filosófica desenvolveu-se, na Europa, entre as duas
9. “Conhecido e estranho, próximo e distante, transparente e opaco. O guerras mundiais; constitui uma reação contra todas as formas de
ser humano canta e protesta, dança e agride, congrega e dispersa (...). alienação do homem; este não é um mero ente, mas antes um
O ser humano expande-se festivamente e tranca-se amargamente. É existente. Não é algo que possa ser determinado objetivamente; o seu
lógico e ilógico. O ser humano é linguagem pluriforme. Fala e silencia, ser é um constituir-se contínuo de si mesmo. O homem não é, pois,
grita e emudece, gargalha e enclausura-se. O ser humano é palavra nenhuma substância, susceptível de ser determinada objetivamente.”
ofertada e palavra recusada”. Sobre isso, analise as colocações abaixo:
(Juvenal Arduini)
I. Trata-se do estruturalismo.
O autor do texto acima faz referência:
II. Para essa concepção, a essência precede a existência.
a) à coerência da condição humana.
III. Não é possível apreender o homem a partir de uma abstração
b) à impossibilidade de se fazer uma antropologia filosófica.
conceitual.
c) ao caráter dinâmico da existência humana.
IV. O homem é um projeto e tem a possibilidade de dirigir a sua própria
d) à divisão do mundo entre homens bons e maus.
existência.
e) ao caráter ambivalente do ser humano.
São corretas:
a) I e II. b) I e III. c) II. d) II e IV. e) III e IV.
10. Esta concepção vê o homem como determinação de processos
culturais, sociais e históricos. Trata-se do (a):
15. Sobre o existencialismo, analise as colocações abaixo:
a) Estruturalismo.
I. O existencialismo é, primordialmente, um modo de entender a
b) Existencialismo.
existência enquanto existência humana; a sua atenção centra-se na
c) Concepção metafísica.
análise da existência.
d) Concepção naturalista.
II. O vocábulo “existência” designa o modo de estar-no-mundo do
e) Racionalismo.
próprio homem; enquanto existência, o homem está sempre ligado
ao mundo.
11. Essa concepção vê o homem como um projeto, um ser condenado
III. O mundo manifesta-se nas estruturas que constituem o homem
a ser livre, como diria o filósofo Jean Paul Sartre (1905-1980). O homem
como existência; mas o homem está intimamente ligado aos outros
seria um vir-a-ser, uma possibilidade aberta de realização. Trata-se da
homens.
(o):
IV. Jean Paul Sartre foi um grande opositor desse pensamento.
a) Essencialismo.
São verdadeiras apenas:
b) Estruturalismo.
a) I, II e III. b) I, III e IV. c) III e IV.
c) Existencialismo.
d) II, III e IV. e) II e III.
d) Concepção metafísica.
e) Concepção naturalista.
16. O existencialismo é, assim, uma filosofia que tem como objetivo a
análise e a descrição da existência concreta considerada como ato de
12. “Para o existencialismo, o homem não é o seu próprio fim, uma vez
uma liberdade que se constitui afirmando-se e que tem unicamente
que não existe senão enquanto se projeta para além de si mesmo.”
como gênese ou fundamento esta afirmação de si. O termo aqui
Assinale as opções relacionadas com a frase acima.
empregado de existência concreta significa
I. O homem é essência e o seu conceito abstrato permite o conheci-
a) essência humana.
mento de todos os homens existentes.
b) natureza humana.
II. A existência precede a essência.
c) alma humana.
III. O homem é um ser que só existe em relação com os outros.
d) relações humanas e sociais.
São corretas apenas:
e) singularidade humana.
a) I e II. b) I e III. c) II e III. d) I. e) III.

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17. O existencialismo surgiu como reação contra 19. Para a filosofia existencial, a existência é lançada num total abandono
a) as construções filosóficas sistemáticas que dissolviam o homem na de si mesma. Isso significa que o homem é um ser solitário?
série das abstrações, despersonalizando-o. a) Sim, pois o homem é tomado como ser absolutamente singular e
b) as tendências que veem o homem como realidade concreta e único.
singular. b) Sim, pois o homem é percebido como ser suficiente e completo.
c) as construções teóricas que tomaram o homem como ser para a c) Não, pois o homem é percebido como essência universal.
liberdade. d) Sim, pois o existencialismo não vê o homem como ser social.
d) as escolas filosóficas que entendiam o homem como ser histórico e e) Não, pois se a existência se refere sempre a uma situação, também
sujeito-autor de sua biografia. a coexistência, a comunicação e a alteridade constituem uma
e) a visão de homem como ser lançado na contingência absoluta. referência.

18. A valorização da singularidade, da temporalidade, da vivência pessoal 20. Como podemos definir a concepção que Edgar Morin expõe sobre
acima dos sistemas filosóficos, a visão de homem como existência o homem?
concreta, inacabada e como projeto. Esse aspecto faz do existencialismo
a) uma filosofia pessimista. 21. Por que Juvenal Arduini intitula seu texto de Paradoxo?
b) uma filosofia pouco realista.
c) uma visão conservadora em termos políticos. 22. Segundo o texto, a existência é lançada num total abandono de si
d) um humanismo. mesma. Isso significa que o homem é um ser solitário? Justifique.
e) uma retomada da concepção metafísica.

1) A 2)C 3) E 4) C 5) C 21) “Paradoxo” significa “contradição” e o autor tece o texto


abordando a dualidade do ser humano, visto como
6) D 7)A 8) C 9) E 10) A contraditório, capaz de exaltar-se por uma existência nobre ou
rebaixar-se pela mediocridade.
11) C 12)C 13)E 14)E 15)A

16) E 17)A 18)D 19)E 22) Não, a condição de abandono refere-se ao fato de que o
homem é condenado a escolher e a assumir
20) Morin tem um conceito complexo de ser humano. Ele o vê responsabilidades, o que o angustia, mas o texto afirma que
como parte do cosmo ou do Universo. Percebe-se no texto o homem está intimamente ligado aos outros homens. Se a
um apelo à responsabilidade ética perante a Terra, esboçando existência se refere sempre a uma situação, também a
uma preocupação ambiental e visão unitária entre homem e coexistência, a comunicação e a alteridade constituem uma
natureza. referência.

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MÓDULO 10 Ética e Bioética

1. Introdução sociedade, e estas normas são adquiridas pela educação,


pela tradição e pelo cotidiano. Durkheim explicava Moral
À filosofia sempre importou o problema da convi- como a “ciência dos costumes”, sendo algo anterior a
vência humana. Esta resulta em relações de solidariedade própria sociedade. A Moral tem caráter obrigatório.
e conflitos e, por isso, implica uma dimensão moral e Já a palavra Ética, Motta (1984) definiu como um
ética. Mais do que um simples conjunto de regras sociais, “conjunto de valores que orientam o comportamento do
a moral e a ética fazem emergir o bom senso e a aplicação homem em relação aos outros homens na sociedade em
da experiência acumulada pelo indivíduo, pela que vive, garantindo, outrossim, o bem-estar social”, ou
comunidade em que vive e pela história da humanidade seja, Ética é a forma que o homem deve se comportar no
como um todo. seu meio social.
As religiões desenvolveram códigos morais e éticos, A Moral sempre existiu, pois todo ser humano possui
mas, se de um lado elas pretenderam facilitar a a consciência Moral que o leva a distinguir o bem do mal
convivência, por outro, foram e são motivos de inúmeros no contexto em que vive. Surgindo realmente quando o
conflitos entre diferentes grupos. Assim, quando se fala homem passou a fazer parte de agrupamentos, isto é,
em ética ou em moral, não se está imune às surgiu nas sociedades primitivas, nas primeiras tribos. A
contrariedades e conflitos humanos, já que os homens Ética teria surgido com Sócrates, pois se exige maior grau
portam experiências e culturas tão diversas. Além disso, de cultura. Ela investiga e explica as normas morais, pois
há o problema dos interesses. Muitos guardam os leva o homem a agir não só por tradição, educação ou
interesses pessoais acima dos coletivos; outros prezam hábito, mas principalmente por convicção e inteligência.
apenas os interesses de classe, ou ainda, há os que se Vásquez (1998) aponta que a Ética é teórica e reflexiva,
colocam os interesses do grupo específico acima dos enquanto a Moral é eminentemente prática. Uma
humanitários. Tudo isso torna difícil a convivência entre completa a outra, havendo um inter-relacionamento entre
os homens. ambas, pois na ação humana, o conhecer e o agir são
indissociáveis.
Em nome da amizade, deve-se guardar silêncio diante
do ato de um traidor? Em situações como esta, os
indivíduos se deparam com a necessidade de organizar o
seu comportamento por normas que se julgam mais
apropriadas ou mais dignas de ser cumpridas. Tais normas
são aceitas como obrigatórias, e desta forma, as pessoas
compreendem que têm o dever de agir desta ou daquela
maneira. Porém o comportamento é o resultado de
normas já estabelecidas, não sendo, então, uma decisão
natural, pois todo comportamento sofrerá um julgamento.
E a diferença prática entre Moral e Ética é que esta é o juiz
das morais, assim Ética é uma espécie de legislação do
comportamento Moral das pessoas. Mas a função
fundamental é a mesma de toda teoria: explorar,
O homem é portador de um senso moral que lhe permite discernir o esclarecer ou investigar uma determinada realidade.
que é certo e o que é errado. A Moral, afinal, não é somente um ato individual, pois
as pessoas são, por natureza, seres sociais, assim
2. Moral e Ética percebe-se que a Moral também é um empreendimento
social. E esses atos morais, quando realizados por livre
A confusão que acontece entre as palavras Moral e participação da pessoa, são aceitos, voluntariamente.
Ética existe há muitos séculos. A própria etimologia Pois assim determina Vásquez (1998) ao citar a Moral
destes termos gera confusão, sendo que Ética vem do como um “sistema de normas, princípios e valores,
grego “ethos”, que significa modo de ser, e Moral tem segundo o qual são regulamentadas as relações mútuas
sua origem no latim, que vem de “mores”, significando entre os indivíduos ou entre estes e a comunidade, de tal
costumes. maneira que estas normas, dotadas de um caráter
Esta confusão pode ser resolvida com o esclareci- histórico e social, sejam acatadas livres e consciente-
mento dos dois temas, sendo que Moral é um conjunto mente, por uma convicção íntima, e não de uma maneira
de normas que regulam o comportamento do homem em mecânica, externa ou impessoal”.
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Enfim, Ética e Moral são os maiores valores do de vista, não necessariamente imutável e definitivo, pois
homem livre. Ambos significam "respeitar e venerar a a ética de interpretá-lo vai depender da ótica que o
vida". O homem, com seu livre arbítrio, vai formando seu indivíduo estiver adotando. Em se tratando de limites no
meio ambiente ou o destruindo, ou ele apoia a natureza e campo da ética pessoal, podemos citar o respeito que
suas criaturas ou ele subjuga tudo que pode dominar, e devemos ter à ética adotada pelo próximo, o respeito à
assim ele mesmo se torna no bem ou no mal deste dignidade humana e aos princípios de cada cultura. Temos
planeta. Deste modo, Ética e a Moral se formam numa que estar sempre atentos para não invadirmos a liberdade
mesma realidade. do próximo, pois o que pode estar certo para você pode
(Thiago Firmino Silvano) não estar para o outro.
A ética corporativa, por sua vez, abraça a ideia de
coletividade. A ética de uma corporação é a maneira como
ela deve proceder em sociedade, e o que a define ou a
constrói é a soma das éticas pessoais que a compõem.
Sendo assim, a ética corporativa é formada por indivíduos
unidos por um fim comum de pensamentos e ideias, que
possuem uma mesma concepção no modo de realizá-los,
estando sujeitos a “regulamentos” que vão fornecer
procedimentos adequados a serem seguidos. A busca
pela ética nas empresas também impõe limites: a
empresa realmente está adotando uma postura ética ou
3. Texto Filosófico está apenas fazendo um trabalho de marketing?
Poderíamos citar inúmeros exemplos de empresas que
Ética Pessoal e Ética Corporativa: limites e ajudam a sociedade nos mais variados programas, mas
desafios muitas vezes isso acaba sendo uma simples ação de seu
Atualmente, a palavra “ética” tem se tornado uma interesse próprio e não um trabalho social. Por outro lado,
“expressão” muito usada no cotidiano das pessoas, nas podemos dizer que algumas empresas de fato
empresas e nas corporações, pela sua constante apresentam uma boa conduta, estando preocupadas com
exposição pela mídia e pelos impactos promovidos por a disposição correta de resíduos gerados por seus
esta. Mas afinal de contas, o que é a ética a que todos se processos produtivos, na verificação de se os produtos
referem? O que é ética corporativa? De que maneira a que vêm desenvolvendo podem ser nocivos ao ser
ética pessoal e a ética corporativa podem interagir? humano e ao meio ambiente, entre outros. Isso
Buscamos respostas para estas questões para caracteriza corporações que dão exemplos à comunidade
verificarmos se de fato entendemos o que é a ética e e aos seus colaboradores do que é ter uma boa conduta
quais são algumas maneiras de aplicá-la. ética. Uma das consequências positivas desta boa
Vivemos em uma sociedade onde temos liberdade de conduta é que essas pessoas, ao incorporarem a imagem
expressão e pensamento. A expressão de um indivíduo correta de ética, estenderão esses conceitos para dentro
pode até ser contida, ao passo que o pensamento não de suas casas e continuarão dando bons exemplos para
pode ser censurado, pode somente ser influenciado. Tais a vizinhança próxima. Quando tratamos de corporações
influências são provenientes do meio onde este indivíduo éticas, podemos usar o jargão “o exemplo deve vir de
vive, da sua cultura, da sua educação, da sua interação cima”. Se os superiores não realizam suas atividades
com a sociedade, e de suas relações interpessoais. A dentro dos padrões morais da sociedade, como eles
ética adotada pode ser por ele mesmo modificada em poderão exigir que seus funcionários façam o mesmo?
razão da mudança de valores e parâmetros que a Este é um dos desafios que as corporações precisam
sustentava, assim sendo, o liberal do passado pode ser o enfrentar. É necessário que os seus superiores sejam
conservador do futuro, e vice-versa. Um fato que é exemplos, referências de boa índole, para que desse
apreciado por mais de um telespectador, dificilmente será modo todos os membros da corporação entrem no
interpretado e valorado de forma idêntica por todos eles. “espírito ético” da empresa.
Conforme diz o ditado “cada cabeça uma sentença”. WHITAKER coloca como objetivos dos códigos de
A ética pessoal funciona como uma bússola para um ética em Porque as empresas estão implantando códigos
indivíduo, orientando-o a proceder conforme um juízo de de ética, como podemos “garantir homogeneidade na
valor pré-adotado por ele mesmo. A sua liberdade de forma de encaminhar questões específicas” se até hoje
pensamento cria no íntimo de sua consciência uma existe discriminação entre o alto escalão e o chão de
espécie de “laboratório privado”, onde situações passam fábrica dentro das empresas? Verdade seja dita, nem
por análises internas que visam moldar sua concepção todas as censuras aplicadas a um valem para o outro.
sobre um determinado assunto. Este molde é o seu ponto
– 95
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Enquanto para um uma situação pode ser permitida, para disjunção entre os saberes e, assim, produz-se conhe-
o outro pode significar uma demissão por justa causa. E cimento e ignorância simultaneamente. A ciência está
onde fica a ética? “Facilitar o desenvolvimento da separada da filosofia ou a especialização da reflexão; a
competitividade saudável entre concorrentes”. Como razão da emoção ou do imaginário; cultura científica da
conseguir isso dentro do capitalismo selvagem que existe humanista, assim, as ciências naturais das humanas; a
hoje? Será que a solidariedade, a gentileza e a cortesia prosa da poesia, e a arte foi relegada a um plano de mera
podem ditar regras entre empresas que possuam o função de entretenimento. O pensamento complexo
mesmo mercado? propõe uma religação dos saberes, sem negar a
Dentro desses conceitos, como definir se uma especificidade de cada área, pretendendo construir um
pessoa é ética? Como definir se uma corporação é ética? conhecimento transdisciplinar.
O que mencionamos pode criar indivíduos e corporações Morin também se preocupa com a dimensão ética do
éticas? A única certeza que podemos ter é a de que uma conhecimento e escreveu, entre outros tantos, o livro
solução ideal não existe. Não há como criar uma cartilha Ciência com consciência. O pensador escreve e fala muito
especificando o que as pessoas devem ou não fazer no sobre ética, ampliando o conceito e devolvendo-lhe a
âmbito pessoal. Já no âmbito corporativo, podemos tentar dimensão humanista, pois o termo ficou desgastado com
realizar algo nesse sentido, com a criação de um “código as colocações formais e técnicas na área profissional e
de ética”, por exemplo. Fica claro que a empresa torna-se política.
ética perante a sociedade com as ações que citamos Assim, Morin destaca a necessidade de reformar o
anteriormente, mas é necessário que as pessoas dentro pensamento e a educação nas escolas e seus efeitos já
dela possuam princípios e valores, que respeitem umas estão presentes no mundo todo, inclusive no Brasil, país
as outras e que saibam conviver em harmonia, sabendo que visita com frequência. Ele pretende que a sociedade
separar, através dos princípios e valores da corporação, o produza “cabeças bem feitas” no lugar de “cabeças bem
que é certo e o que é errado para o bem de todos que cheias”, priorizando a qualidade e não a quantidade de
trabalham naquele ambiente. É a interação entre as éticas conhecimento. Esse novo saber produziria, para o autor,
pessoal e corporativa. pessoas responsáveis e capazes de atuar eticamente em
Ficam estas, entre tantas outras questões, para suas existências muito pessoais.
serem pensadas e refletidas, a respeito da ética perfeita
que se tem em teoria, mas que na prática não funciona da
mesma maneira. Os limites e desafios de fato existem,
mas há que se buscar uma convergência ética pessoal e
corporativa verdadeira para que as empresas não sofram
os mesmos “efeitos colaterais” que empresas sofreram
no passado.
(Julianne O. Capucho e Manoel Flávio Leal)

Autoética

Minha autoética baseia-se sobretudo na “fé” no amor,


na compaixão na fraternidade no perdão e na redenção
que marcou minha adolescência. Mas minha
“fé” na redenção é desde então estritamente individual.
Escher. O desenho revela a noção de complexidade e mútua
(Edgar Morin)
determinação.

4. Introdução
5. Texto filosófico

Autoética é um termo criado pelo pensador francês Uma ética complexa


contemporâneo Edgar Morin, pensador francês contem- Eis, portanto, uma ética sem outro fundamento senão
porâneo, o maior expoente do chamado pensamento ela mesma, mas que precisa de apoios exteriores a ela
complexo. mesma: precisa se alimentar de uma fé, apoiar-se em
Complexo vem de complexus, termo do latim que uma antropologia e conhecer condições e situações em
significa aquilo que é tecido junto, ou seja, o conjunto de que é praticada.
muitos elementos, de várias partes, interdependentes e É uma ética da compreensão. É uma ética que não
indissociáveis. impõe uma visão maniqueísta do mundo. É uma ética
Morin identifica no mundo moderno uma forma de se sem salvação, sem promessa. É uma ética da comuni-
produzir conhecimento errado, pois é marcado pela dade de perdição.
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É uma ética que encontra em seu seio sempre a que é latente em todo ser humano. A reforma do pensa-
incerteza e a contradição. É uma ética do desafio. É uma mento e a reforma do ensino não são os únicos ele-
ética que nos reclama exigência conosco e indulgência mentos que podem agir nesse sentido, mas representam
com o outro, e não o inverso. um elemento constitutivo essencial. Uma segunda
Na autoética, a consciência moral necessita, por um consequência importante do ponto de vista ético é que o
lado, de uma fé ou de uma mística que a inspirem, por pensamento transdisciplinar nos incita à ética da
outro, o exercício permanente de uma consciência compreensão. Um ser humano é uma galáxia; ele não é
esclarecedora. A moral é uma iluminação que precisa ser apenas extraordinariamente complexo, mas possui sua
iluminada pela inteligência, e a inteligência é uma multiplicidade interior. Sem a compreensão, não há
iluminação que precisa ser iluminada pela moral. Daí o civilização possível. Nós somos ainda bárbaros em relação
sentido da frase de Pascal, “trabalhar para bem pensar, ao processo e à ética da compreensão. Fenômenos de
eis o princípio da moral”. A ética deve mobilizar a barbárie surgem em diversos pontos do globo; isso pode
inteligência para enfrentar a complexidade da vida, do aparecer em nossa casa. No nosso país dito civilizado,
mundo e da própria ética. sentimos ou pressentimos que as consequências éticas
Assim, não é uma norma arrogante nem um de uma reforma de pensamento são incalculáveis. É por
evangelho melodioso o que anuncia a autoética que faço isso que efetivamente nós nos damos conta de que a
minha: é o enfrentamento da dificuldade de pensar e de reforma da Universidade traz em si as virtualidades que
viver. O sentido que lhe darei, finalmente, se for preciso transcendem a reforma da Universidade em si mesma.
um termo que possa englobar todos os seus aspectos, é (Edgar Morin. Tradução: Prof.a Regina Ramos)
a resistência à crueldade do mundo. Sobre Edgar Morin
(Edgar Morin) Seu verdadeiro nome é Edgar Nahoum. Nasceu em Paris
em 8 de julho de 1921. É um sociólogo e filósofo francês de
origem judaico-espanhola (sefardita).
Pesquisador emérito do CNRS (Centre National de la
Recherche Scientifique). Formado em Direito, História e
Geografia se adentrou na Filosofia, na Sociologia e na
Epistemologia. Um dos principais pensadores sobre
complexidade. Autor de mais de trinta livros, entre eles: O
método, Introdução ao pensamento complexo, Ciência com
consciência e Os sete saberes necessários para a educação
do futuro. Durante a Segunda Guerra Mundial, participou da
Resistência Francesa. É considerado um dos pensadores
Edgar Morin, o maior expoente da teoria da complexidade. mais importantes do século XX.
Entre suas obras, destacam-se Cultura de massas no
6. A reforma do pensamento século XX e Para sair do século XX.
Na primeira das duas obras supracitadas divaga
Moral, solidariedade, responsabilidade, não podem mormente sobre três importantes aspectos da produção de
ser ditas de forma abstrata; não podemos enfiá-las no cultura no regime capitalista: a felicidade, o amor e o
feminismo.
espírito como empanturramos as aves para engordá-las.
Outra obra de destaque – especialmente de cunho
Elas devem ser induzidas pelo modo de pensar e pela acadêmico pedagógico – é o livro A cabeça bem-feita:
experiência vivida. O pensamento que religa mostra a repensar a reforma, reformar o pensamento.
solidariedade dos fenômenos. O pensamento que nos Dentre outros questionamentos formulados pelo autor no
religa ao cosmo não nos reduz ao estado físico. Não, é livro, Morin afirma que, diante dos problemas complexos que
um pensamento que nos mostra nossas origens físico- as sociedades contemporâneas hoje enfrentam, apenas
estudos de caráter inter-poli-transdisciplinar poderiam resultar
cósmicas. Ora, um pensamento que religa nos restitui a em análises satisfatórias de tais complexidades:
solidariedade. O que é que destrói a solidariedade e a “Afinal, de que serviriam todos os saberes parciais senão
responsabilidade? É o modo compartimentado e parce- para formar uma configuração que responda a nossas expec-
lado no qual vivem não somente os especialistas, técni- tativas, nossos desejos, nossas interrogações cognitivas?.”
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma,
cos, experts, mas também aqueles que são reformar o pensamento. 8.a ed. Rio de Janeiro:
compartimentados nas administrações e burocracias. Se Bertrand Brasil, 2003, p. 116.
nós perdemos de vista o olhar em relação ao conjunto no
qual trabalhamos e, bem entendido, a cidade na qual Glossário:
vivemos, nós perdemos de fato o senso de respon- Maniqueísta: relativo ao maniqueísmo. O maniqueísmo é
sabilidade. A reforma do pensamento pode despertar as uma antiga doutrina religiosa do Oriente; hoje, forma de
aspirações e o senso de responsabilidade inato em cada ver o mundo sob a disputa de duas forças: a do bem e a
um de nós, fazer renascer o sentimento de solidariedade do mal.
que se manifesta talvez particularmente em alguns, mas
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BIOÉTICA Entre os valores inerentes à condição humana está a


vida. Embora a sua origem permaneça um mistério,
7. Introdução tendo-se conseguido, no máximo, associar elementos
que a produzem ou saber que em certas condições ela se
Bioética é uma palavra muito nova, formada por duas produz, o que se tem como certo é que sem ela a pessoa
raízes gregas: bios (vida) + ethos (relativo à ética). humana não existe como tal, razão pela qual é de
Segundo Diniz & Guilhem, "(...) por ser a bioética um primordial importância para a humanidade o respeito à
origem, à conservação e à extinção da vida.
campo disciplinar compromissado com o conflito moral
O que hoje pode ser afirmado com argumentos
na área da saúde e da doença dos seres humanos e dos
sofisticados, após milênios de reflexões e discussões
animais não humanos, seus temas dizem respeito a filosóficas, foi pensado ou intuído pela humanidade há
situações de vida que nunca deixaram de estar em pauta milhões de anos e continua presente no modo de ser de
na história da humanidade (...)" todos os grupos humanos, tanto naqueles que se
Com o fim do Holocausto nazista da Segunda Grande consideram mais avançados como nos que vivem em
Guerra, surge no mundo a preocupação ética em relação condições julgadas mais rudimentares, como os grupos
às experiências realizadas com a vida humana. Uma indígenas que ainda vivem isolados nas selvas. Como foi
postura minimamente humanista nos permite perceber assinalado por Aristóteles e por muitos outros pensa-
que a ciência não é superior ao homem e não pode dispor dores, e as modernas ciências que se ocupam do ser
da vida humana para fazer experiências. A humanidade humano e de seu comportamento o confirmam, o ser
precisa tornar-se consciente das consequências para a humano é associativo por natureza. Por necessidade
vida e riscos advindos do progresso e do material, psíquica (aqui incluídas as necessidades
desenvolvimento científico. intelectuais e afetivas), espiritual, todo ser humano
O termo foi usado pela primeira vez em 1971, no livro depende de outros para viver, para desenvolver sua vida
e para sobreviver. A percepção desse fato é que faz da
Bioética: Ponte para o Futuro, do biológo e oncologista
vida um valor, tanto nas sociedades que se consideram
americano Van R. Potter. O obstetra holandês Hellegers
mais evoluídas e complexas quanto naquelas julgadas
desempenhou-se em elaborar um aprofundamento da
mais simples e rudimentares.
nova disciplina.
Desse modo, reconhecida a vida como um valor, foi
A bioética, hoje, discute as experiências e questões
que se chegou ao costume de respeitá-la, incorporando-
biomédicas relacionadas ao aborto, à clonagem, aos
a ao ethos de todos os povos, embora com algumas
transgênicos e à eutanásia.
variações decorrentes de peculiaridades culturais. Assim,
independentemente de crenças religiosas ou de
convicções filosóficas ou políticas, a vida é um valor ético.
Nos últimos anos, a humanidade deu grandes passos no desenvolvi-
mento da genética. Na convivência necessária com outros seres humanos
cada pessoa é condicionada por esse valor e pelo dever
8. Bioética e Direitos Humanos de respeitá-lo, tenha ou não consciência do mesmo. A par
disso, é oportuno lembrar que tanto a Declaração
A vida humana como valor ético Universal dos Direitos Humanos, editada pela ONU em
1948, quanto os Pactos de Direitos Humanos que ela
Por Dalmo de Abreu Dallari aprovou em 1966 proclamam a existência de uma
dignidade essencial e intrínseca, inerente à condição
“Qualquer ação humana que tenha algum reflexo humana. Portanto, a vida humana é mais do que a simples
sobre as pessoas e seu ambiente deve implicar o sobrevivência física, é a vida com dignidade, sendo esse
reconhecimento de valores e uma avaliação de como o alcance da exigência ética de respeito à vida, que por
estes poderão ser afetados. O primeiro desses valores é corresponder, entre outras coisas, ao desejo humano de
a própria pessoa, com as peculiaridades que são inerentes sobrevivência, está presente na ética de todas as
à sua natureza, inclusive suas necessidades materiais, sociedades humanas.
psíquicas e espirituais. Ignorar essa valoração ao praticar A ética de um povo ou de um grupo social é um
atos que produzam algum efeito sobre a pessoa humana, conjunto de costumes consagrados, informados por
seja diretamente sobre ela ou através de modificações do
valores. A partir desses costumes é que se estabelece
meio em que a pessoa existe, é reduzir a pessoa à
um sistema de normas de comportamento cuja obediên-
condição de coisa, retirando dela sua dignidade. Isto vale
cia é geralmente reconhecida como necessária ou
tanto para as ações de governo, para as atividades que
afetem a natureza, para empreendimentos econômicos, conveniente para todos os integrantes do corpo social. Se
para ações individuais ou coletivas, como também para a alguém, por conveniência ou convicção pessoal, procura
criação e aplicação de tecnologia ou para qualquer contrariar ou efetivamente contraria uma dessas normas
atividade no campo da ciência. tem comportamento antiético, presumivelmente

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prejudicial a outras pessoas ou a todo o grupo, quando CONSEQUÊNCIAS ÉTICAS DA REPRODUÇÃO


não a todos os seres humanos. Assim, fica sujeito às POR MEIO DA CLONAGEM
sanções éticas previstas para a desobediência, podendo,
pura e simplesmente, ser impedido de prosseguir na Compete à ética preocupar-se com o desenvol-
prática antiética ou, conforme as circunstâncias, ser vimento e o bem-estar de cada órgão, não só em si
punido pelos danos que tenha causado ou ser obrigado a mesmo, mas em função de todo humano. A Bioética tem
repará-los. Todos estes fatores têm aplicação à proteção o grande desafio de colocar a questão da clonagem
da vida no plano da ética, sem prejuízo da proteção humana observando seus aspectos positivos e negativos.
resultante de seu reconhecimento como valor jurídico.” Que consequências a curto, médio e longo prazo, trarão
a clonagem humana? Nem as ciências biológicas sabem
dar uma resposta. Nenhum ser humano foi clonado para
se aferir as vantagens e desvantagens desta técnica.
Sabe-se que a ovelha Dolly, clonada na Inglaterra com
sucesso, já apresenta sinais de envelhecimento precoce.
O maior questionamento em torno da clonagem
humana passa pela ideia da eugenia. Foi esta ideia que
moveu Adolf Hitler a levar uma nação a odiar judeus e
Dolly: A ovelha clonada. negros, pregando a purificação da raça humana com a
ascensão da raça ariana ao poder.
9. Sobre a Clonagem As motivações utilitárias e econômicas de cientistas
e grupos de geneticistas passam pela ideia de se criar
REPRODUÇÃO HUMANA EM LABORATÓRIO uma raça humana futura de seres superdotados e isentos
de qualquer imperfeição no seu genoma. As pessoas
Por José Jorge Ribeiro Meirelles portadoras destas ‘imperfeições’ serão preteridas em
relação às clonadas. O acesso a estes recursos será
“O que leva os cientistas a pesquisar e aplicar com reservado a uma minoria que dispõe de condições
êxito a reprodução da vida de forma artificial? Sem dúvida financeiras para tal. Uma porcentagem muito pequena de
que é a necessidade. Portanto a abordagem ética terá que superdotados terá o controle sobre a totalidade dos seres
avaliar esta necessidade distinguindo as motivações humanos, visto que é portadora de caracteres tidos por
aceitáveis, corretas daquelas injustificáveis. superiores.”
Outro aspecto realmente dentro desta abordagem é
o conceito de utilidade. Argumenta-se que a utilidade da Glossário
clonagem humana seria para produzir órgãos para Eugenia: Ciência que se ocupa com o estudo e cultivo de
transplantes, tão escassos hoje. condições que tendem a melhorar as qualidades físicas e
Ora, o ser humano não é um produto útil onde se usa morais de gerações futuras.
o que precisa e descarta o que não serve. ‘Os valores
morais existem unicamente em atos ou produtos
humanos’. A utilidade deve ser descartada como critério
para a reprodução humana via clonagem.

1. A melhor definição para ética é: 2. A ética serve para que possa existir certo equilíbrio e funcionamento
a) um conjunto de valores morais e princípios que norteiam a conduta social de qualidade, fazendo com que ninguém saia prejudicado. Neste
humana na sociedade. ponto de vista, a ética, embora não possa ser confundida com as leis,
b) um conjunto de comportamentos corretos e relacionados com a está diretamente voltada para
conduta humana. a) a educação e a erudição das pessoas.
c) a maneira como os seres humanos se comportam uns com os b) o sentimento de justiça social.
outros. c) o medo de errar da sociedade.
d) o princípio fundamental para que o ser humano possa viver em d) a educação dada na infância.
família. e) o pensamento de pessoas que possuem conhecimentos profundos.
e) um comportamento que se deve ter apenas quando se estiver
trabalhando. RESOLUÇÃO:
Resposta: B
RESOLUÇÃO:
Resposta: A
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3. A ética é construída por uma sociedade com base No campo da política, costuma-se dizer que os fins justificam os meios,
a) na genética, pois vai passando de geração a geração. de modo que, para alcançar um fim legítimo, todos os meios disponíveis
b) na educação que é dada nas escolas. são válidos. No campo da ética, porém, essa afirmação deixa de ser óbvia.
c) nos ensinamentos oferecidos nas faculdades. Suponhamos uma sociedade que considere um valor e um fim moral a
d) nos meios de comunicação, como TV e rádio. lealdade entre seus membros, baseada na confiança recíproca. Isso
e) nos valores históricos e culturais. significa que a mentira, a inveja, a adulação, a má-fé, a crueldade e o
medo deverão estar excluídos da vida moral, e as ações que se valham
RESOLUÇÃO: desses recursos, empregando-os como meios para alcançar um fim,
Resposta: E serão imorais. No entanto, poderia acontecer que, para forçar alguém à
lealdade, fosse preciso fazê-lo sentir medo da punição pela deslealdade,
ou fosse preciso mentir-lhe para que não perdesse a confiança em certas
pessoas e continuasse leal a elas.
Nesses casos, o fim – a lealdade – não justificaria os meios – o medo e a
mentira? A resposta ética é: não. Por quê? Porque esses meios
desrespeitam a consciência e a liberdade da pessoa moral, que agiria por
coação externa e não por reconhecimento interior e verdadeiro do fim ético.
No campo da ética, portanto, nem todos os meios são justificáveis, mas
apenas aqueles que estão de acordo com os fins da própria ação. Em
outras palavras, fins éticos exigem meios éticos.
4. (UEL) “– O que significa exatamente essa expressão antiquada: A relação entre meios e fins pressupõe que a pessoa moral não existe
‘virtude’? – perguntou Sebastião. como um fato dado, como um fenômeno da natureza, mas é instaurada
– No sentido filosófico, compreende-se por virtude aquela atitude de, pela vida intersubjetiva e social, precisando ser educada para os valores
na ação, deixar-se guiar pelo bem próprio ou pelo bem alheio – morais e para as virtudes.
esclareceu o senhor Barros. (Marilena Chauí. Convite à Filosofia)
– O bem alheio? – perguntou Sebastião.
– Sim – disse o senhor Barros. – É verdade que a coragem e a 5. Esse texto se desenvolve de modo a argumentar em favor da
moderação são virtudes, em primeiro lugar, para consigo mesmo, mas seguinte posição:
também há outras virtudes, como a benevolência, a justiça e a seriedade a) a prática dos valores éticos é um atributo natural dos seres humanos.
ou confiabilidade, ou seja, a qualidade de ser confiável, que são b) os meios só se justificam quando não são contrários aos fins de uma
disposições orientadas para o bem dos outros.” ação.
c) a deslealdade pode ser necessária para se promover uma atitude
(TUGENDHAT, Ernst; VICUÑA, Ana Maria; LÓPES, Celso. O livro de leal.
Manuel e Camila: diálogos sobre moral. Trad. de Suzana Albornoz. d) a educação moral torna possível justificar quaisquer meios em razão
Goiânia: Ed. da UFG, 2002. p. 142.) dos fins.
e) a legitimidade dos fins é assegurada pela eficácia de uso dos meios
Com base no texto, é correto afirmar: disponíveis.
a) As ações virtuosas são reguladas por leis positivas, determinadas
pelo direito, independentemente de um princípio de bem moral. RESOLUÇÃO:
b) A virtude limita-se às ações que envolvem outras pessoas; em Resposta: B
relação a si próprio, a ação é independente de um princípio de bem.
c) A ação virtuosa é orientada por princípios externos que determinam
a qualidade da ação.
d) Ser virtuoso significa guiar suas ações por um bem, que pode ser
tanto em relação a si próprio quanto em relação aos outros.
e) As virtudes são disposições desvinculadas de qualquer orientação,
seja para o bem, seja para o mal.

RESOLUÇÃO:
Resposta: D

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6. (UNESP) – Governos que se metem na vida dos outros são 7. (UNESP) – A poderosa American Psychiatric Association (As-
governos autoritários. Na história temos dois grandes exemplos: o sociação Americana de Psiquiatria – APA) lançou neste final de semana
fascismo e o comunismo. Em nossa época existe uma outra tentação a nova edição do que é conhecido como a “Bíblia da Psiquiatria”: o
totalitária, aparentemente mais invisível e, por isso mesmo, talvez, mais DSM-5. E, de imediato, virei doente mental. Não estou sozinha. Está
perigosa: o "totalitarismo do bem". A saúde sempre foi um dos cada vez mais difícil não se encaixar em uma ou várias doenças do
substantivos preferidos das almas e dos governos autoritários. Quem manual. Se uma pesquisa já mostrou que quase metade dos adultos
estudar os governos autoritários verá que a "vida cientificamente americanos teve pelo menos um transtorno psiquiátrico durante a vida,
saudável" sempre foi uma das suas maiores paixões. E, aqui, o advérbio alguns críticos renomados desta quinta edição do manual têm afirmado
"cientificamente" é quase vago porque o que vem primeiro é mesmo o que agora o número de pessoas com doenças mentais vai se mul-
desejo de higienização de toda forma de vício, sujeira, enfim, de tiplicar. E assim poderemos chegar a um impasse muito, mas muito
humanidade não correta. Nosso maior pecado contemporâneo é não fascinante, mas também muito perigoso: a psiquiatria conseguiria a
reconhecer que a humanidade do humano está além do modo "correto" façanha de transformar a “normalidade” em “anormalidade”. O
de viver. E vamos pagar caro por isso porque um mundo só de gente “normal” seria ser “anormal”. Dá-se assim a um grupo de psiquiatras
"saudável" é um mundo sem Eros. o poder – incomensurável – de definir o que é ser “normal”. E assim
(Luiz Felipe Pondé. Gosto que cada um sente na boca interferir direta e indiretamente na vida de todos, assim como nas
não é da conta do governo. Folha de S.Paulo, 14.03.2012. Adaptado.) políticas governamentais de saúde pública, com consequências e
implicações que ainda precisam ser muito melhor analisadas e
Na concepção do autor, o totalitarismo compreendidas. Sem esquecer, em nenhum momento sequer, que a
a) é um sistema político exclusivamente relacionado com o fascismo e definição das doenças mentais está intrinsecamente ligada a uma das
o comunismo. indústrias mais lucrativas do mundo atual.
b) inexiste sob a égide de regimes políticos institucionalmente (Eliane Brum. Acordei doente mental. Época, 20.05.2013. Adaptado.)
democráticos e liberais.
c) depende necessariamente de controles de natureza policial e No entender da autora do artigo, no âmbito psiquiátrico, a distinção entre
repressiva dos comportamentos. comportamentos normais e anormais
d) mobiliza a ciência para estabelecer critérios de natureza biopolítica a) apresenta independência frente a condicionamentos de natureza
sobre a vida. material, histórica ou social.
e) estabelece regras de comportamento subordinadas à autonomia dos b) pressupõe o poder absoluto da ciência, em detrimento da
indivíduos. relativização dos critérios de normalidade.
c) deriva sua autoridade e legitimidade científica de critérios empíricos
RESOLUÇÃO: e universais.
O professor e filósofo pernambucano Luiz Filipe Pondé é um crítico
d) busca valorizar a necessidade de autonomia individual no que se
da modernidade, e denuncia formas múltiplas de autoritarismos
presentes nos projetos políticos da direita, da esquerda e, inclusive, refere à saúde mental.
dos regimes democráticos. Nesse texto, Pondé critica o conceito e) estabelece normas essenciais para o progresso e aperfeiçoamento
moderno da vida saudável, que se tornou uma forma sutil de da espécie humana.
controle social e uma obsessão do comportamento humano que
nos afasta de nossa dimensão humana, cuja natureza, segundo o RESOLUÇÃO:
filósofo, está além do modo “correto” de viver. Convém lembrar A autora afirma que a distinção entre comportamento normal e
que o filósofo em questão se declara um pessimista em relação à anormal torna-se perigosa quando um grupo de psiquiatras detém
natureza humana, ou aos pretensos projetos de emancipação de o poder incomensurável de determinar o que é normal e de
suas contradições e paradoxos. interferir na vida humana e nas políticas governamentais de saúde
Resposta: D pública.
Resposta: B

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8. (UNESP) – Por que as pessoas fazem o bem? A bondade está


programada no nosso cérebro ou se desenvolve com a experiência? O
psicólogo Dacher Keltner, diretor do Laboratório de Interações Sociais da
Universidade da Califórnia, em Berkeley, investiga essas questões por
vários ângulos e apresenta resultados surpreendentes.
Keltner – O nervo vago é um feixe neural que se origina no topo da
espinha dorsal. Quando ativo, produz uma sensação de expansão
confortável no tórax, como quando estamos emocionados com a
bondade de alguém ou ouvimos uma bela música.
Pessoas com alta ativação dessa região cerebral são mais propensas a
desenvolver compaixão, gratidão, amor e felicidade.
Mente & Cérebro – O que esse tipo de ciência o faz pensar?
Keltner – Ela me traz esperanças para o futuro. Que nossa cultura se
torne menos materialista e privilegie satisfações sociais como diversão,
toque, felicidade que, do ponto de vista evolucionário, são as fontes
mais antigas de prazer. Vejo essa nova ciência em quase todas as áreas
da vida. Ensina-se meditação em prisões e em centros de detenção de
menores. Executivos aprendem que inteligência emocional e bom
relacionamento podem fazer uma empresa prosperar mais do que se
ela for focada apenas em lucros.
(www.mentecerebro.com.br. Adaptado.)

De acordo com a abordagem do cientista entrevistado, as virtudes


morais e sentimentos agradáveis
a) dependem de uma integração holística com o universo.
b) dependem de processos emocionais inconscientes.
c) são adquiridos por meio de uma educação religiosa.
d) são qualidades inatas passíveis de estímulo social.
e) estão associados a uma educação filosófica racionalista.

RESOLUÇÃO:
Apesar de buscar um apoio biológico para sua pesquisa sobre a
bondade humana, o cientista afirma no último parágrafo que há
esperança no futuro, ao confiar no advento de uma cultura menos
materialista e, portanto, uma sociedade melhor trará estímulos
sociais.
Resposta: D

102 –
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1. Sobre a questão da ética, leia com atenção as opções abaixo e 7. “A Moral, afinal, não é somente um ato individual, pois as pessoas
assinale a errada. são, por natureza, seres sociais; assim, percebe-se que a Moral também
a) À filosofia sempre importou o problema da convivência humana. Esta é um empreendimento social. E esses atos morais, quando realizados
resulta em relações de solidariedade e conflitos e, por isso, implica por livre participação da pessoa, são aceitos, voluntariamente.” O texto
uma dimensão moral e ética. pretendeu afirmar que:
b) A moral e a ética são um simples conjunto de regras sociais. a) A moralidade é um fenômeno sociológico e não tem qualquer
c) A moral e a ética fazem emergir o bom senso e a aplicação da interferência do sujeito.
experiência acumulada pelo indivíduo, pela comunidade em que vive b) A moral tem sempre um caráter coercitivo (de imposição) sobre o
e pela história da humanidade como um todo. indivíduo, possuindo, portanto, uma dimensão unicamente social.
d) Quando se fala em ética ou em moral, não se está imune às contra- c) Os indivíduos se unem livremente para formar a sociedade e
riedades e conflitos humanos, já que os homens portam experiências decidem, assim, sobre a formação do pacto ético sob o qual viverão.
e culturas tão diversas. d) A moral não é somente uma opção do indivíduo, uma vez que tem
e) Muitos guardam os interesses pessoais acima dos coletivos; outros uma origem social, porém o indivíduo pode aceitar espontaneamente
prezam apenas os interesses de classe, ou ainda, há os que se o código moral de seu grupo social.
colocam os interesses do grupo específico acima dos humanitários. e) A moralidade é um corpo de normas escolhidas pelos indivíduos e
Tudo isso torna difícil a convivência entre os homens. imposto à sociedade.

2. Leia o texto abaixo e comente o seu sentido. “É uma ética da 8. Leia as proposições abaixo e assinale a opção que agrupa as corretas.
compreensão. É uma ética que não impõe uma visão maniqueísta do I. A Moral, afinal, é fundamentalmente um ato individual, pois as
mundo. É uma ética sem salvação, sem promessa. É uma ética da pessoas são, por natureza, seres individualistas.
comunidade de perdição”. (Morin) II. Percebe-se que a Moral é um empreendimento social. Porém, os
atos morais, quando realizados por livre participação da pessoa, são
3. Que relação existe, no pensamento de Morin, entre conhecimento aceitos, voluntariamente.
e ética? III. Moral é um sistema de normas, princípios e valores, segundo o qual
são regulamentadas as relações mútuas entre os indivíduos ou entre
4. Comente a visão de ser humano que aparece nos dois textos de estes e a comunidade, de tal maneira que estas normas, dotadas
Morin. de um caráter histórico e social, sejam acatadas, livres e
conscientemente, por uma convicção íntima, e não de uma maneira
5. A Ética teria surgido com Sócrates. Ela investiga e explica as normas mecânica, externa ou impessoal.
morais, pois leva o homem a agir não só por tradição, educação ou IV. A Moral de uma sociedade é aquele bloco rígido de princípios que
hábito, mas principalmente por convicção e inteligência. Vásquez (1998) dizem o que é certo ou errado, permanecendo inalteradas ao longo
aponta que a Ética é teórica e reflexiva, enquanto a Moral é do tempo e incólume aos processos de transformação da sociedade.
eminentemente prática. Assim, podemos afirmar que: a) I e II. b) II e III. c) III e IV.
a) a ética exige uma conduta rígida e séria. d) I e III. e) I e IV.
b) a moral e a ética não possuem qualquer relação.
c) a ética exige elevada cultura. 9. “Minha autoética baseia-se, sobretudo na ‘fé’ no amor, na compaixão
d) a ética e a moral são realidades opostas. na fraternidade no perdão e na redenção que marcou minha
e) onde há moralidade não há esboço de comportamento ético. adolescência. Mas minha “fé” na redenção é desde então estritamente
individual.” (Edgar Morin)
6. Em nome da amizade, deve-se guardar silêncio diante do ato de um Assinale a opção que elucida o emprego pelo autor do termo “estrita-
traidor? Em situações como esta, os indivíduos se deparam com a mente individual”:
necessidade de organizar o seu comportamento por normas que se a) O autor posicionou-se de forma individualista, sem deixar espaço
julgam mais apropriadas ou mais dignas de ser cumpridas. Tais normas para a dimensão coletiva da ética.
são aceitas como obrigatórias, e desta forma, as pessoas compreendem b) O autor imputa à sua responsabilidade pessoal o desenvolvimento de
que têm o dever de agir desta ou daquela maneira. Porém o uma conduta e consciência ética.
comportamento é o resultado de normas já estabelecidas, não sendo, c) O autor equivoca-se ao ignorar que a ética e a moral são dimensões
então, uma decisão natural, pois todo comportamento sofrerá um sociais e culturais, unicamente.
julgamento. E a diferença prática entre moral e ética é que esta é o juiz d) O autor se esquece que a ética está sempre associada a uma
das morais, assim: determinada corporação, como a profissional, por exemplo.
a) Ética é uma espécie de legislação do comportamento moral das e) O autor prega um código moral exterior ao indivíduo, baseado em
pessoas. princípios religiosos.
b) Moral e ética são dissociáveis.
c) A moral é estrutura teórica para a ética. 10. “Os novos conhecimentos, que nos levam a descobrir o lugar da
d) A ética refere-se aos costumes dos povos, enquanto a moral refere- Terra no cosmo, a Terra-sistema, a Terra-Gaia ou biosfera, a Terra-pátria
se aos postulados teóricos da filosofia. dos humanos. Não tem sentido algum enquanto isolados uns dos
e) Moralidade refere-se à religião e ética à profissão. outros. A Terra não é a soma de um planeta físico, de uma biosfera e da

– 103
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humanidade. A Terra é a totalidade complexa físico-biológico- II. Não cabe à bioética qualquer preocupação com o campo jurídico, pois
antropológica, onde a vida é uma emergência da história e da vida ela se retém à contemplação científica dos problemas biológicos.
terrestre”. III. À bioética interessam as questões axiológicas, ou seja, de valor, pois
(E. Morin) mantém uma perspectiva humanitária que deve ser limitada apenas
por interesses políticos e econômicos.
Sobre o texto de Morin, é possível deduzir que: IV. A bioética, como forma talvez especial da ética, é, antes, um ramo
I. O texto defende a ideia de que o conhecimento deve ser disjuntivo, da Filosofia, podendo ser definida de diversos modos, de acordo com
fragmentado e especialista para melhor refletir a complexidade do as tradições, os autores, os contextos e, talvez, os próprios objetos
mundo real. em exame, possuindo várias funções.
II. O fragmento do texto revela uma preocupação ambiental, tônica da
São verdadeiras apenas
filosofia de Morin.
a) I e II. b) II e III. c) III e IV. d) I e III. e) I e IV.
III. Há, para o autor, uma relação estreita entre conhecimento e
responsabilidade ética.

13. “Os aspectos éticos mais importantes que envolvem questões de


São verdadeiras apenas:
reprodução humana são os relativos à utilização do consentimento
a) I e II. b) I e III. c) II e III. d) I. e) II.
informado; a seleção de sexo; a doação de espermatozoides, óvulos,
pré-embriões e embriões; a seleção de embriões com base na evidência
de doenças ou problemas associados; a maternidade substitutiva; a
11. “Entre os valores inerentes à condição humana está a vida. Embora
redução embrionária; a clonagem; pesquisa e criopreservação
a sua origem permaneça um mistério, tendo-se conseguido, no máximo,
(congelamento) de embriões. Um importante assunto, de crescente
associar elementos que a produzem ou saber que em certas condições
discussão ética, moral e legal é o aborto. Independentemente da
ela se produz, o que se tem como certo é que sem ela a pessoa humana
questão legal, existe nesta situação um conflito entre a autonomia, a
não existe como tal, razão pela qual é de primordial importância para a
beneficência, a não maleficência e a justiça da mãe, do feto e do médico.
humanidade o respeito à origem, à conservação e à extinção da vida.”
Os julgamentos morais sobre a justificativa do aborto dependem mais
(Dalmo de Abreu Dallari)
das convicções sobre a natureza e desenvolvimento do ser humano do
que das regras e princípios.”
No parágrafo acima, o autor defende o valor da vida, porém no final do
(José Roberto Goldim)
texto, defende também a extinção da vida. Assinale a alternativa que
melhor reflete o sentido dessa aparente contradição.
Segundo o texto, podemos afirmar que:
a) O autor defende a pena de morte, como um direito dos homens
a) Os interesses da ciência e do seu progresso são suficientes para
diante dos problemas sociais como a criminalidade.
decidir juridicamente sobre questões supostamente éticas.
b) O autor defende uma ideia espiritualista, segundo a qual, a vida não
b) O ponto de vista pessoal é o único elemento capaz de servir como
termina com a morte.
referência para a execução de normas em bioética.
c) Para o autor, a vida seria um processo de surgimento, desenvolvi-
c) As convicções pessoais não devem interferir sobre a legitimação de
mento e fim e é justamente esse processo natural que deveria ser
uma prática médica ou científica, pois poderia atrapalhar o
respeitado.
desenvolvimento racional da ciência humana.
d) A extinção da vida é um processo natural que, segundo o autor, a
d) Os julgamentos morais sobre a justificativa do aborto dependem
ciência tem contribuído para adiar, o que é perfeitamente visível no
mais das convicções sobre a natureza e desenvolvimento do ser
aumento da expectativa de vida, e o autor se posiciona contra esses
humano do que das regras e princípios, e isso tem relação com
benefícios da ciência que adiam a extinção da vida.
questões de fé e postura religiosa das pessoas.
e) O texto se posiciona a favor do controle do poder público sobre os
e) A doação de espermatozoides e óvulos é uma prática absolutamente
processos da vida e da morte.
e cientificamente imoral.

12. “Por isso, pode-se dizer que a bioética tem uma tríplice função,
14. Leia as frases abaixo:
reconhecida acadêmica e socialmente: (1) descritiva, consistente em
– A preservação de animais em extinção;
descrever e analisar os conflitos em pauta; (2) normativa com relação a
– Desenvolvimento de animais imunes a algumas doenças que são
tais conflitos, no duplo sentido de proscrever os comportamentos que
contagiosas;
podem ser considerados reprováveis e de prescrever aqueles considera-
– Clonagem de células humanas para tratamento de doenças, como:
dos corretos; e (3) protetora, no sentido, bastante intuitivo, de amparar,
pâncreas para diabéticos e de células do sangue para os leucêmicos.
na medida do possível, todos os envolvidos em alguma disputa de
Esses(as) são:
interesses e valores, priorizando, quando isso for necessário, os mais
a) questões sobre a clonagem isentas de preocupação ética.
fracos”.
b) colocações feitas como vantagens da clonagem.
(Fermin Roland Schramm e Marlene Braz)
c) aspectos negativos e positivos das experiências da tecnologia
genética.
De acordo com o texto, podemos afirmar:
d) práticas comuns e antigas da ciência médica e veterinária.
I. A bioética tem uma dimensão científica e política, prevendo, de um
e) ideias que não incentivam o desenvolvimento da clonagem.
lado, os problemas morais que advém do desenvolvimento, e, por
outro, executando políticas de amparo à vida.

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15. “A questão da clonagem humana não pode ser reduzida apenas a São verdadeiras:
um problema técnico. Está em jogo não apenas a vida de um novo ser, a) Todas. b) Apenas I, II e III.
mas a sua própria dignidade enquanto pessoa. Ao clonarem-se as c) Apenas II, III e IV. d) Apenas I e III.
células de um ser humano, destrói-se a própria identidade do novo ser. e) Apenas III e IV.
Deixamos de ter indivíduos, e como tais únicos e irrepetíveis, para
termos múltiplos sem dignidade própria. 18. Leia o texto abaixo e faça um comentário sobre ele. “A Moral, afinal,
– Com que fundamento moral se podem produzir seres para servirem não é somente um ato individual, pois as pessoas são, por natureza,
de material genético para outros seres? seres sociais; assim percebe-se que a Moral também é um
– Com que fundamento se podem produzir seres humanos deficientes empreendimento social. E esses atos morais, quando realizados por livre
apenas para gozo de frustrados pais ou em nome de progresso participação da pessoa, são aceitos, voluntariamente”.
científico?” (T. F. Silvano)
Carlos Fontes
Segundo o texto:
I. A clonagem humana destrói a singularidade das pessoas. 19. Há uma ética perfeita e universal, pronta e adequada para a
II. A clonagem humana já tem sua reflexão moral bem definida e as universalidade humana? Justifique.
reflexões todas mostram que tal prática é absolutamente
condenável.
III. A questão da clonagem refere-se a uma realidade consumada e 20. Embora a bioética seja um neologismo e uma preocupação nova da
inevitável, o que torna estéreis os debates acerca das implicações humanidade, Dalmo de A. Dallari se fundamenta em tradições para
éticas. expor suas ideias. Comente.
IV. A singularidade humana gera dignidade e a clonagem representa
uma ameaça à dignidade e à liberdade, pois torna o homem uma
determinação. 21. Segundo José Jorge R. Meirelles, qual é o papel da bioética?

São verdadeiras apenas 22. (UNESP) –


a) I e II. b) II e III. c) III e IV. d) I e III. e) I e IV. Texto 1
O biopoder, sem a menor dúvida, foi elemento indispensável ao
16. Sobre a questão da bioética, julgue as frases abaixo. desenvolvimento do capitalismo, que só pode ser garantido à custa da
I. A humanidade precisa tornar-se consciente das consequências para inserção controlada dos corpos no aparelho de produção e por meio de
a vida e riscos advindos do progresso e do desenvolvimento científico. um ajustamento dos fenômenos de população aos processos
II. Ignorar as consequências sociais, físicas, materiais, espirituais e econômicos. Para o biopoder, que tem a tarefa de se encarregar da vida,
psicológicas das ações humanas é reduzir a pessoa à condição de sua necessidade de mecanismos contínuos, reguladores e corretivos
coisa. exige distribuir os vivos em um domínio de valor e utilidade. Um poder
III. Independentemente de crenças religiosas, filosóficas ou políticas, a dessa natureza tem de qualificar, medir, avaliar, hierarquizar. Uma
vida é um valor ético. sociedade normalizadora é o efeito histórico de uma tecnologia de poder
IV. A Bioética tem o grande desafio de colocar a questão da clonagem centrada na vida.
humana observando seus aspectos positivos e negativos. (Michel Foucault. História da sexualidade, vol. 1, 1988. Adaptado.)
V. Nunca na história da humanidade tentou-se produzir uma raça
superior. Isso é uma novidade conquistada com o desenvolvimento Texto 2
da genética. Uma pesquisa anunciada recentemente na Suíça revelou que, com
um simples exame de sangue, será possível detectar a Síndrome de
São verdadeiras apenas Down (ou trissomia do 21) no feto. O aval ao novo teste pré-natal foi
a) I, III e IV. b) II, III e V. c) III, IV e V. dado recentemente pela Agência Nacional de Produtos Terapêuticos da
d) I, II, III e IV. e) I, II e V. Suíça, em meio à controvérsia de que o exame poderia levar a um
aumento no número de abortos. Os testes estarão disponíveis no
17. Sobre a questão da clonagem humana, julgue as dissertativas abaixo. mercado ainda neste mês. Apesar de a legislação de países europeus
I. As motivações utilitárias e econômicas de cientistas e grupos de como Espanha, Itália e Alemanha garantir autonomia à mulher na
geneticistas passam pela ideia de se criar uma raça humana futura de escolha sobre o aborto, o tema não passou isento de discussão. A
seres superdotados e isentos de qualquer imperfeição no seu Federação Internacional das Organizações de Síndrome de Down, que
genoma. reúne 30 associações de 16 países, entrou com uma representação na
II. As pessoas portadoras destas ‘imperfeições’ serão preteridas em Corte Europeia de Direitos Humanos pedindo a proibição do teste.
relação às clonadas. O acesso a estes recursos será reservado a uma (http://zerohora.clicrbs.com.br, 22.08.2012. Adaptado.)
minoria de condições financeiras para tal.
III. Uma porcentagem muito pequena de superdotados terá o controle Com base no texto de Foucault, comente o papel da ciência como
sobre a totalidade dos seres humanos, visto que é portadora de possível instrumento de eugenia e normalização, relacionando-o com as
caracteres tidos por superiores. implicações biopolíticas do lançamento do teste pré-natal.
IV. O genoma contemporâneo resulta do avançado progresso científico
e resultará em uma democratização da tecnologia.

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1) B 22) Trata-se de uma questão de bioética. A bioética hoje questiona


as experiências e as questões biomédicas relacionadas à
2) Morin não se coloca contra as religiões, mas ao propor uma questão do aborto, da clonagem, dos transgênicos e da
ética sem salvação, sem promessa e ao falar de uma eutanásia. As ações humanas trazem consequências sobre as
comunidade de perdição, está propondo a construção de uma pessoas e seu ambiente, o que implica reconhecer valores e
ética universal laica, independente de referências religiosas. uma avaliação de como estes poderão ser afetados. O
primeiro desses valores é o próprio ser humano, com as
3) Morin apela para a elaboração de uma ciência consciente, peculiaridades que são inerentes à sua natureza, inclusive
responsável e humanista. A educação nas escolas, por suas necessidades materiais, psíquicas e espirituais. O risco
exemplo, deveria priorizar a formação de cidadãos de se ignorar tais implicações é o de reduzir a pessoa à
responsáveis, com consciência planetária e sentimento de condição de coisa, retirando dela sua dignidade. A criação e
solidariedade. aplicação de tecnologia e qualquer atividade no campo da
ciência deve prever e avaliar consequências éticas, sociais e
4) O homem para Morin é uma galáxia, ou seja, revela uma morais.
dimensão cósmica, no sentido de complexidade e Foucault usou o termo biopoder para designar a prática dos
multiplicidade interior. Porém, ele entende que o ser humano Estados modernos e a regulação sobre os que lhe estão
é um projeto e se encontra na infância na tarefa de construção sujeitos por meio de “uma explosão de técnicas numerosas e
da civilização e humanização. diversas para obter a subjugação dos corpos e o controle de
populações”. Justamente, o termo criado por Foucault tem
5) C 6)A 7) D 8) B sido usado em pesquisas acerca do desenvolvimento da
biomedicina e da saúde pública. Assim, a bioética tem o
9) B 10) C 11) C 12) E grande desafio de colocar a questão da eugenia, assim como
o da clonagem humana, observando consequências políticas
13) D 14) B 15) E 16) D de controle e poder sobre a condição humana. O maior
questionamento em torno da clonagem humana passa pela
17) B ideia da eugenia. Foi essa ideia que moveu Adolf Hitler a levar
uma nação inteira a odiar judeus, por exemplo, pregando a
18) (sugestão) Embora a moral seja um fato social coercitivo, isto purificação da raça humana com a ascensão da raça ariana ao
é imposto pela sociedade, o indivíduo traz o ser social em si, poder.
ele o representa e, geralmente, compactua com a moral que As motivações utilitárias e econômicas de cientistas e grupos
lhe possibilita inclusive uma convivência mais fácil e uma de geneticistas passam pela ideia de se criar uma raça humana
sensação de bem-estar espiritual ou de consciência. futura de seres superdotados e isentos de qualquer
imperfeição no seu genoma. As pessoas portadoras destas
19) Não. Embora a ética deva buscar valores humanitários, deve ‘imperfeições’ serão preteridas em relação às clonadas. O
também contar com as diferenças culturais, respeitando as acesso a estes recursos poderá ser reservado a uma minoria
concepções construídas, dentro dos limites do bom senso. que dispõe de condições financeiras para tal, sobretudo na
sociedade de mercado. Uma porcentagem muito pequena de
20) O autor refere-se, no terceiro parágrafo, ao acúmulo de superdotados terá o controle sobre a totalidade dos seres
reflexões filosóficas de milênios, citando inclusive Aristóteles. humanos, visto que é portadora de caracteres considerados
Assim, mostra a importância da filosofia e de toda a sua superiores.
história na discussão e reflexão acerca de problemas O teste pré-natal em questão anuncia um avanço que parece
totalmente novos da humanidade. inevitável, pois a ciência se desenvolve sem preocupação
prévia acerca das consequências políticas do controle
21) Ela deve abraçar o grande desafio de colocar a questão da tecnológico sobre o corpo e sobre a condição humana.
clonagem humana observando seus aspectos positivos e
negativos.

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MÓDULO 11 Humanismo e Axiologia


“Toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser Agostinho, tendo como orientador outro grande filósofo:
contada uma história.” Karl Jaspers.
(Hannah Arendt) Foi vítima do nazismo, proibida de continuar seus
HUMANISMO estudos e presa. Escapou da Alemanha para Paris, onde
trabalhou com crianças. Foi presa uma segunda vez e
1. Introdução acabou fugindo para os Estados Unidos da América.
Nesse país, trabalhou em várias editoras e lecionou na
O termo humanismo refere-se a um conjunto de Universidade de Chicago e na New School for Social
valores e a uma forma de pensar que valoriza o ser Research, instituição onde se manterá até à sua morte
humano. No sentido mais moderno, o conceito de em 1975.
humanismo nasceu na Renascença, quando a cultura O trabalho filosófico de Hannah Arendt se estende
passa do teocentrismo para o antropocentrismo. A por temas como a política, a autoridade, o totalitarismo, a
partir do século XVI, a escolástica (filosofia medieval) educação, a condição laboral, a violência, a condição
declina e filósofos e artistas retornam aos clássicos da humana e da mulher. Valorizou a condição humana,
Antiguidade Greco-Latina. sustentando uma postura ético-política.
Os últimos séculos desenvolveram outras expres-
sões do humanismo. O Iluminismo e o marxismo, por
exemplo, investiram na ideia de emancipação do ser
humano. O homem deixou de ser visto, por alguns
filósofos, como um ser sobrenatural, deslocado da
natureza e marcado pelo exílio desde a queda de Adão, e
passou a ser visto como parte da natureza. Valorizou-se a
razão humana como instrumento de emancipação e a
noção de progresso estabeleceu, através do humanismo,
o início da modenidade.
Brilhante filósofa do século XX, Hannah Arendt esta-
beleceu novos enfoques sobre o humanismo, criticando
os sistemas totalitários e investindo no conceito de
educação do homem. Imagens de Hanna Arendt em diferentes períodos de sua vida.

3. Texto

Retorno é proposto num tempo de declínio das


tradições.

Por Celina Fernandes Gonçalves Bruniera

“Na passagem da tradição à modernidade torna-se


comum o declínio do sentimento de pertencer à
comunidade. A isso se acrescenta a sensação crescente
de distanciamento entre os indivíduos e a sociedade.
A distância entre o indivíduo e a sociedade faz
Vênus de Botticelli. Os temas da Antiguidade Clássica marcam a arte
emergir alienação em relação ao mundo e a si mesmo.
humanista.
Esse estranhamento é caracterizado pela pouca condição
que os homens têm de se integrar à sociedade a partir de
2. Hannah Arendt
um material cultural e social que não lhes pertence.
Nesse contexto é que entendemos a importância de
Hannah Arendt nasceu em Hanover, em uma família
nos voltarmos ao passado para compreender como se dão
judia. Estudou fiosofia e foi aluna e amante de um dos
as mudanças sociais e como elas delineiam o caráter das
maiores filósofos do século XX: Martin Heidegger.
relações sociais e novas formas de socialização.
Estudou em Marburgo e em Heidelberg, onde escreveu
a sua tese de doutorado sobre o amor em Santo

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O que distancia as gerações AXIOLOGIA

Para autores como Walter Benjamin e Hannah 4. Introdução


Arendt, a diminuição do compartilhamento de referências
simbólicas na cultura contemporânea seria um elemento Axiologia (de axiov: valor) é a área da filosofia que
que distancia gerações. A transmissão da tradição, do estuda os valores. Toda sociedade humana é tecida por
legado dos mais velhos aos mais novos possibilitada nas um conjunto de valores, mais ou menos claros, pois pode-
sociedades tradicionais, é praticamente inexistente. se dizer que alguns valores nem sempre são percebidos
de imediato, inclusive pelos membros da sociedade que
Hannah Arendt traz a discussão para o campo da
os criou. Os valores de uma sociedade variam de acordo
educação. No mundo contemporâneo, quem educa –
com a época e região. Os valores dominantes no período
qualquer adulto que seja responsável por apresentar o da chamada Idade Média, por exemplo, dificilmente serão
mundo aos mais jovens – vê a transmissão da herança compreendidos pelo homem moderno. Assim também,
dos antepassados como sem sentido. Já não se encontra os chamados povos orientais possuem valores distintos
um contexto que sirva de moldura a essa formação, nem daqueles cultivados no ocidente.
existem interessados em recebê-la. Arendt propõe uma Assim, podemos ver que os valores estão intimamen-
volta ao humanismo clássico a fim de compreender a te relacionados, senão também condicionados pela cultura.
questão. Porém, não faltaram filósofos que buscassem valores
humanos universais. E eles de fato existem, ou seria cabí-
Legado a ser transmitido vel atribuir ao valor de dignidade humana e honestidade
A educação, no seu sentido clássico, pode ser apenas ao contexto desta ou daquela cultura?
entendida como a transmissão do legado dos antigos às Podemos classificar os valores em positivos e nega-
gerações mais novas. O educador seria quem se respon- tivos; sensíveis e espirituais; pessoais e sociais ou relati-
sabiliza por compartilhar com os mais jovens a tradição vos e universais.
herdada do passado, o ‘mediador entre o velho e o novo’. Leia sobre o relativismo axiológico:
Compartilhar seria um diálogo entre gerações diferen- “Em essência, o relativismo axiológico defende que
tes. Haveria entre elas o compromisso de considerar o os valores de uma pessoa ou de um grupo de pessoas
passado como modelo e de permitir aos mais novos são tão bons e tão válidos como os de quaisquer outras
atribuir sentido à tradição transmitida, dar forma ao pessoas ou grupos; todos têm direito à sua própria opi-
conteúdo recebido e construir novos conteúdos. nião e, quando se refere a questões sobre o bem, o belo,
Para o ideário humanista, a educação assumiria o a justiça, não há maneira de provar que uma opinião é
caráter de formação, caracterizada por acesso à cultura melhor que a outra, isto é, os pontos de vista equivalem-
se e devem, por isso, ser igualmente respeitados. O pro-
humana e interpretação dessa cultura por outras gera-
blema com o relativismo dos valores é a sua inca-
ções. Tal processo seria possível se o ensino acolhesse a
pacidade para criar um método ou um critério satisfatório
ressignificação do legado e não se resumisse a seguir um para resolver as situações de conflitos de valores, quer
receituário. sejam interpessoais, quer sejam intersociais.
Colocado perante este problema, um relativista poderia
Dos humanistas aos dias atuais argumentar que tal método ou tal critério não são
O resgate do sentido clássico da educação foi feito, necessários, pois não há necessidade de procurar
primeiramente, pelos humanistas de Florença, no século resolver tais conflitos porque qualquer pessoa apenas
XVI. Surgiu como um esforço de aproximar a formação assume os valores que para si são os mais corretos e os
renascentista da formação clássica romana. Buscava-se melhores.O problema com este tipo de resposta é que,
um ideal que pudesse orientar a educação das gerações na vida concreta dos homens e das sociedades, ocorrem
futuras. divergências de pontos de vista que geram conflitos para
os quais não se pode deixar de encontrar uma solução.
Esse movimento ganhou relevância, nos dias atuais,
Questões como a guerra, a xenofobia e o racismo, o
pelo caráter de aproximação apresentado pela tradição
aborto, a preservação do meio ambiente e outras tantas
clássica. Uma proposta de retorno ao passado para do mesmo gênero, demonstram a existência de certos
alimentar a reflexão crítica sobre o presente e configurar tipos de conflitos de valores que não podem deixar de ter
um projeto para a formação das gerações mais novas, solução. A chantagem, a decisão da maioria e o emprego
diminuindo a sensação de não pertencer ao próprio da força são alguns dos métodos que se podem adotar
mundo.” para resolução de conflitos de valor. Um relativista poderia
sempre defender qualquer um desses meios, mas teria
Glossário que admitir que a decisão entre um ou outro meio para a
Antropocentrismo: O homem como centro dos resolução de conflitos de valores era apenas a sua opinião
valores e da cultura. e, por isso, jamais poderia demonstrar que um dos
Teocentrismo: Deus como centro da cultura. métodos era mais certo e melhor que qualquer dos

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outros.Talvez seja esta a razão que leva as teorias condicionados pela cultura espaço-temporal. Nem todos
relativistas dos valores a ignorar ou evitar a questão os valores de antigamente permanecem sendo valores
fundamental que é a de como resolver, sem recurso à atualmente. Nem todos os valores para nós são valores
opressão e à arbitrariedade, os conflitos reais que se para outros.
(Mestre Jou, 1967)
desenvolvem no interior da vida concreta dos homens e
das comunidades.” Segundo o prof. Morente, nossas relações com as
(A. Lockwood, Visão Crítica sobre Clarificação de Valores) realidades se desenvolvem a partir de seu significado para
nós, ou seja, as coisas não nos são indiferentes. ‘Não há
coisa alguma diante da qual não adotemos uma posição
positiva ou negativa, uma posição de preferência (...) não
há coisa alguma que não tenha valor. Umas serão boas,
outras más, umas úteis, outras prejudiciais; porém
nenhuma absolutamente indiferente’. Ou seja, sempre
estamos emitindo juízos sobre as realidades. Ou nos
relacionando com elas a partir da valoração que lhe
atribuímos.
Notemos, também, que o conceito ‘valor’ é empre-
gado para diferentes realidades: quando falamos em
valores econômico–financeiros referimo-nos à qualifi-
cação de coisas ou serviços. Esses, em nosso padrão
sociocultural, são completamente distintos dos valores
sociais, humanos, morais. Enquanto os valores econô-
mico-financeiros são aplicados a coisas ou situações
específicas e objetivas, os valores sociais, culturais,
humanos e morais demandam certa subjetividade que
Foto: Antonio Brasiliano. A sociedade humana complexa está distante
torna mais difícil sua classificação. Há que se considerar,
de conseguir relacionar teoria dos valores e a realidade.
também, os elementos estéticos, e religiosos. Nessa
Texto: Axiologia: os valores amalgama de relações emerge o que chamamos de
Por Neri de Paula Carneiro (filósofo, teólogo, valores ético-morais.
Esse é o centro da reflexão que, de alguma forma,
historiador)
(Texto adaptado) precede a discussão sobre ética e moral: nossa capaci-
dade de escolha, que se deve, como estamos afirmando,
“O que nos leva a decidir por uma quando nos não à nossa liberdade, mas à nossa capacidade de formar
encontramos entre duas ou mais realidades de que gosta- juízos. E isso se dá em função de nossa capacidade de
mos ou desejamos? O que nos move a fazer escolhas? estabelecermos ou percebermos os valores. Podemos
A primeira resposta poderia ser: decidimos por que retomar as palavras do professor Morente:
somos livres. E, por sermos livres fazemos escolhas as ‘A filosofia atual emprega muitas vezes a distinção
quais são determinadas pelo valor que atribuímos àquilo entre juízos de existência e juizes de valor; é esta uma
que escolhemos. distinção frequente na filosofia, e assim os juízos de
Mas isso ainda não é tudo. Nossa decisão se deve a existência serão aqueles juízos que enunciam de uma
algo que vai além da liberdade ou que dá sentido à coisa aquilo que essa coisa é [...]. Em frente a estes
liberdade. Decidimos por que somos capazes de determi- juízos de existência, a filosofia contemporânea põe ou
nar o valor das realidades com as quais nos relacionamos. contrapõe os juízos de valor. Os juízos de valor enunciam
Não esquecendo que a liberdade também é um valor que acerca de uma coisa algo que não acrescenta nem tira
prezamos. nada do cabedal existencial e essencial da coisa.
Quando nos perguntamos o que nos leva a valorizar Enunciam algo que não se confunde nem com o ser
alguma coisa em detrimento de outra, observaremos que enquanto existência nem com o ser enquanto essência
além de livres e com capacidade de fazermos escolhas, a de coisa.’
(Morente, 1967, p. 294).
partir dos valores que desenvolvemos, somos capazes,
também, de hierarquizar nossas observações e nossas O professor espanhol mostra que, quando dizemos
relações. Relacionamo-nos com as coisas e com as que algo é justo ou injusto, nesse julgamento não está a
pessoas a partir de uma hierarquização que chamamos coisa em si, mas o seu significado para nós. Depende de
de ‘valores’. E, neste ponto perceberíamos que estamos como valoramos aquilo que consideramos justo / injusto.
diante de questões culturais. Em síntese, podemos dizer que aquilo que nos leva a
Os valores que desenvolvemos nascem da cultura. tomar decisões, não é, em primeiro lugar a liberdade, mas
Essa é a razão pela qual povos diferentes valorizam nosso quadro de valores. E este, em grande parte, é
realidades distintas. É a razão pela qual muitos elementos determinado pela cultura. Além de formarmos nossos
que são valorizados por alguns grupos humanos não o são juízos sobre a existência (os juízos de fato), a partir da
por outros. Os valores, portanto, não são absolutos, mas constatação da existência caracterizada no tempo e no

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espaço, formamos também os juízos de valor a partir de produzem as coisas, mas em algo completamente
uma relação intencionada com os elementos que absor- distinto; porque uma coisa pode produzir-nos agrado, e,
vamos. E fazemos isso ao escolher o que nos interessa e não obstante, ser, para nós, considerada como má e pode
ao rejeitarmos o que não nos interessa. Assim sendo, produzir-nos desagrado e ser por nós considerada como
podemos dizer que viver é fazer escolhas e fazemos boa’. O bem pode não ser agradável, da mesma forma
escolhas porque atribuímos valores aos elementos e que o mal pode não ser desagradável. Em ambos os
realidades que circundam nossas vidas. casos, o que nos leva a fazer o bem ou o mal é a
Concluímos com o professor espanhol que ‘o critério capacidade de escolher.”
de valor não consiste no agrado ou desagrado que nos

1. Segundo Hannah Arendt, na passagem da tradição à modernidade, 4. “A essência dos Direitos Humanos é o direito a ter direitos.”
torna-se comum o declínio do sentimento de pertencer à comunidade.
(Hannah Arendt)
A isso se acrescenta a sensação crescente de distanciamento entre os
indivíduos e a sociedade. Isso se deu em parte devido Nessas palavras, a autora
a) à ascensão das ideias socialistas e comunistas. a) afirma que a sociedade humana hoje só se preocupa em ter direitos
b) à ascensão dos regimes autoritários da Europa. e se esquece dos deveres.
c) à ascensão do individualismo burguês. b) revela pouca preocupação com as reais necessidades humanas, já
d) à decadência dos princípios cristãos. que exigir direitos não é o suficiente para construir a dignidade
e) à decadência das filosofias humanistas. humana.
RESOLUÇÃO: c) defende a ideia de que é preciso saber reivindicar e lutar pelos
Resposta: C direitos reconhecidos e, nesse sentido, ela se revela humanista.
d) estabelece os passos para a construção de uma sociedade sem
2. O resgate do sentido clássico da educação já teria sido iniciado há conflitos.
tempo e) se revela uma pensadora socialista.
a) pelos ideários socialistas, que sonhavam com uma sociedade
igualitária. RESOLUÇÃO:
b) pelos românticos do século XIX que viam no ser humano o portador Resposta: C
da racionalidade e de emoções equilibradas, sendo capaz de alcançar
a própria emancipação.
c) pelos nacionalistas do século XX que conduziram a história à
formação de Estados nacionais que representavam os interesses
sociais autênticos. 5. “Nunca defenderei a dor, e é obrigação de toda pessoa que se
d) pelos humanistas de Florença, no século XVI. Surgiu como um considere humana cooperar para a sua destruição. Mas, afirmo que os
esforço de aproximar a formação renascentista da formação clássica que sofrem possuem a potência de saber criar e que, através da dor,
romana. Buscava-se um ideal que pudesse orientar a educação das conseguem-se forças para desenvolver a vida”.
gerações futuras. (J. Borao)
e) pelos pedagogos iluministas que confiavam na razão humana e nas
instituições religiosas tradicionais como elementos prontos para a A frase acima
orientação educacional das novas gerações. a) revela um pensamento contraditório, pois exalta e condena a dor.
RESOLUÇÃO: Sendo assim, não merece crédito ou reflexão.
Resposta: D b) defende a dor como única forma de promover o amadurecimento do
espírito humano.
3. Uma proposta de retorno ao passado para alimentar a reflexão crítica c) aponta para uma visão humanista, pois condena as formas de dor,
sobre o presente e configurar um projeto para a formação das gerações porém, reconhecendo a capacidade que ela tem para deixar lições de
mais novas teria como objetivo vida.
a) diminuir a sensação de não pertencer ao próprio mundo. d) afirma que a potência promove a dor, o que justifica a inclinação do
b) voltar às instituições conservadoras e tradicionais. autor para desejar destruir a dor humana.
c) equilibrar os caracteres agressivos do espírito humano. e) afirma ser impossível extinguir a dor, pois ela faz parte da experiência
d) valorizar tendências progressistas e sistemas econômicos que de vida dos homens.
priorizem o desenvolvimento tecnológico, capaz de trazer conforto
real aos homens. RESOLUÇÃO:
e) evitar grandes transformações sociais que ameacem a estabilidade Resposta: C
econômica em que o mundo hoje se encontra.

RESOLUÇÃO:
Resposta: A

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6. Relacionamo-nos com as coisas e com as pessoas a partir de uma 9. “Não exageres o culto da verdade, não há homem que ao fim de um
hierarquização que chamamos de “valores”. Julgue as frases de acordo dia não tenha mentido com razão muitas vezes”
com o dito acima. (Jorge Luis Borges)
I. Quando nos perguntamos o que nos leva a valorizar alguma coisa
em detrimento de outra, observaremos que além de livres e com Nessa frase, tentando pensar em moral ou ética, poderíamos dizer que
capacidade de fazermos escolhas, a partir dos valores que a frase do escritor argentino Borges de certa forma
desenvolvemos, somos capazes, também, de hierarquizar nossas a) relacionou a verdade e a ética, mostrando que uma não existe sem
observações e nossas relações. a outra.
II. Os valores que desenvolvemos nascem em geral da cultura. Essa é b) revelou ser ele um relativista e portanto não cria em verdade
a razão pela qual povos diferentes valorizam realidades distintas. universais.
III. Os valores, portanto não são sempre absolutos, mas podem ser c) relativizou a importância acerca da verdade, pois algumas vezes,
condicionados pela cultura espaço-temporal. mentir pode ter uma justificativa.
d) desassociou verdade e razão.
São verdadeiras (apenas):
e) revelou antiético.
a) Todas. b) I e II. c) II e III.
d) I e III. e) II. RESOLUÇÃO:
Resposta: C
RESOLUÇÃO:
Resposta: A

7. A liberdade é um valor importante em si mesmo. Além disso, é pelo


exercício da liberdade que escolhemos nossos valores e os distribuímos
numa hierarquia. De acordo com isso, julgue as frases abaixo.
I. Há uma relação estreita entre liberdade humana e axiologia.
II. A hierarquia dos valores é produto da liberdade.
III. O homem torna-se livre quando se liberta de valores e deixa de 10. “... existe uma diferença infinita entre homem e homem...”
distribuí-los em uma hierarquia. (Protágoras). A frase do filósofo refere-se
IV. Há liberdade no ato de escolher e a liberdade é tanto maior quanto a) à verdade única que está dentro do Homem, concebido abstra-
mais não nos responsabilizamos pelas nossas escolhas. tamente.
a) I e II. b) II e III. c) II e IV. d) III e IV. e) I e IV. b) ao universo íntimo do homem, em que vive latente a verdade.
c) à universalidade da busca de uma verdade única.
RESOLUÇÃO:
d) ao relativismo que é atribuído aos sofistas.
Resposta: A
e) à impossibilidade de duas pessoas se parecerem entre si.

RESOLUÇÃO:
Resposta: D

8. “O homem erudito é um descobridor de fatos que já existem – mas


o homem sábio é um criador de valores que não existem e que ele faz
existir”.
(Albert Einstein)

Segundo o cientista Einstein,


a) não há valores criados, pois eles são fatos que já existem.
b) não existem valores, pois eles são criação humana.
c) há uma distinção entre sabedoria e erudição, com uma certa
superioridade da primeira.
d) os valores passam a existir depois que os eruditos os descobrem.
e) a erudição é incapaz de criar conhecimentos.

RESOLUÇÃO:
Resposta: C

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1. “Arendt escreveu contra formas múltiplas de totalitarismo político, 4. Para autores como Walter Benjamin e Hannah Arendt, a diminuição
estudou a condição humana, das minorias, da mulher e da educação. do compartilhamento de referências simbólicas na cultura contempo-
Em seus trabalhos valorizou a vida humana e sustentou uma visão ética rânea seria um elemento que distancia gerações. A transmissão da
das relações políticas e sociais. Hannah Arendt sofreu a perseguição e tradição, do legado dos mais velhos aos mais novos possibilitada nas
discriminação na Alemanha nazista por ser judia.” sociedades tradicionais, é praticamente inexistente.
Disso conclui-se que
a) sua experiência pessoal contribuiu muito na formação do seu Assinale a alternativa que está diretamente relacionada com essa
pensamento. colocação.
b) Arendt assumiu uma postura marxista a favor do sistema soviético a) Somente compartilhamento de referências simbólicas na cultura
no contexto da Guerra Fria. seria capaz de romper com as gerações passadas e estabelecer uma
c) apesar de não integrar qualquer minoria social, estudou as minorias nova sociedade.
e as defendeu contra os regimes totalitários. b) É indesejável a transmissão do legado hoje por parte das gerações
d) valorizou a vida humana, sobretudo as formas múltiplas de precedentes.
totalitarismo político. c) As gerações passadas não tem um legado para ser transmitido e
e) sua condição de judia e mulher impediu que se tornasse uma das isso diminui o compartilhamento de referências simbólicas na cultura
maiores filósofas de seu tempo. contemporânea.
d) O problema se relaciona com as dificuldades que existem hoje nos
processos educacionais.
2. Sobre o pensamento de Arendt, julgue as assertivas abaixo.
e) Walter Benjamin e Hannah Arendt são filósofos politicamente
I. No mundo contemporâneo, a filósofa Arendt vê a transmissão da
conservadores, pois se preocupam com o legado das tradições dos
herança dos antepassados como sem sentido.
antepassados.
II. Segundo Arendt, a educação, no seu sentido clássico, pode ser
entendida como a transmissão do legado dos antigos às gerações
5. “Toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma
mais novas. O educador seria quem se responsabiliza por comparti-
história”.
lhar com os mais jovens a tradição herdada do passado, o "mediador (Hannah Arendt)
entre o velho e o novo".
III. Para o ideário humanista, a educação assumiria o caráter de Leia as assertivas e assinale as que estão coerentes com o pensamento
formação, caracterizada por acesso à cultura humana e interpretação acima de Arendt.
dessa cultura por outras gerações. I. A filosofia de Arendt se revela sádica ao exaltar a dor.
IV. Uma proposta de retorno ao passado clássico arruinaria a reflexão II. A dor integra as experiências humanas e pode resultar em um
crítica sobre o presente, aumentando a sensação de não pertencer aprendizado acerca da condição humana.
ao próprio mundo. III. A autora exalta a história como disciplina superior à própria filosofia.
IV. A perspectiva humanista valoriza a memória como depositário das
São verdadeiras apenas experiências.
a) I e II. b) II e III. c) II e IV. d) III e IV. e) I e IV. São verdadeiras apenas:
a) I e II. b) II e III. c) II e IV. d) III e IV. e) I e IV.

3. Sobre o humanismo, leia e julgue as colocações abaixo. 6. Axiologia é a


I. O termo humanismo refere-se a um conjunto de valores e a uma a) ciência que estuda o comportamento humano.
forma de pensar que valoriza o ser humano. b) área do conhecimento que reflete sobre a condição de vida do ser
II. No sentido mais moderno, o conceito de humanismo nasceu na humano.
Renascença, quando a cultura passava do antropocentrismo para o c) área da filosofia que estuda os valores humanos.
teocentrismo. A partir do século XVI, a clássica e latina foi d) área da filosofia voltada para o problema da educação.
desvalorizada e retorna-se à escolástica medieval. e) área da filosofia que estuda a estética e a produção artística.
III. Os últimos séculos desenvolveram outras expressões do
humanismo. O Iluminismo e o marxismo, por exemplo, investiram na 7. Toda sociedade humana é tecida por um conjunto de valores, mais
ideia de emancipação do ser humano. O homem deixou de ser visto, ou menos claros, pois
por alguns filósofos, como um ser sobrenatural, deslocado da a) pode-se dizer que alguns valores nem sempre são percebidos de
natureza e marcado pelo exílio desde a queda de Adão, e passou a imediato, inclusive pelos membros da sociedade que os criou.
ser visto como parte da natureza. b) sabe-se que os valores humanos são sempre relativos e jamais
IV. Valorizou-se a razão humana como instrumento de emancipação e a aspiram a uma universalização.
noção de progresso estabeleceu, através do humanismo, o fim da c) acredita-se que, por serem produção humana, os valores sempre
modenidade. expressam interessem econômicos ocultos.
d) os valores estão sempre ligados a alguma tradição religiosa e essas
São verdadeiras apenas são muitas e conflituosas.
a) I e II. b) II e III. c) II e IV. d) III e IV. e) I e III. e) pode-se dizer que os valores humanos são conscientes e explícitos,
representam as mais claras reivindicações de dignidade humana.

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8. Os valores de uma sociedade podem variar de acordo com a época que atribuímos àquilo que escolhemos.
e região. Os valores dominantes no período da chamada Idade Média, Mas isso ainda não é tudo. Nossa decisão se deve a algo que vai além
por exemplo, dificilmente serão compreendidos pelo homem moderno. da liberdade ou que dá sentido à liberdade.”
Assim também, os chamados povos orientais possuem valores distintos
daqueles cutivados no Ocidente. Conclui-se disso Segundo o texto, que algo é esse?
a) que os valores são sempre relativos. a) Decidimos porque somos capazes de determinar o valor das
b) que não há valores universalmente válidos. realidades com as quais nos relacionamos.
c) que, em geral, os valores são construções humanas. b) Decidimos porque apreendemos os valores inerentes às próprias
d) que há uma hierarquia de valores inerentes à realidade das coisas. coisas.
e) que os homens sempre atribuem os valores de acordo com os c) Decidimos porque somos incapazes de hierarquizar os valores das
interesses econômicos ou de poder envolvidos. coisas.
d) Decidimos porquanto não temos habilidades para perceber os
9. Seria cabível atribuir ao valor de dignidade humana e honestidade valores inerentes a todas as coisas e, assim, ficamos inábeis para
apenas ao contexto desta ou daquela cultura? Essa questão propõe a escolher o melhor.
ideia de que e) Decidimos porque temos o livre-arbítrio e não nos responsabiliza-
a) os valores são condicionados pela cultura. mos pelas nossas escolhas.
b) os valores se inserem em dados históricos e geográficos precisos.
c) os valores são incontestavelmente relativos. 13. “Relacionamo-nos com as coisas e com as pessoas a partir de uma
d) há valores universais. hierarquização que chamamos de ‘valores’.”
e) não há como os valores estarem desvinculados do contexto cultural. Julgue as frases de acordo com o dito acima.
I. Quando nos perguntamos o que nos leva a valorizarmos alguma
10. Sobre o estudo dos valores por parte da filosofia, julgue as assertivas coisa em detrimento de outra, observaremos que além de livres e
abaixo: com capacidade de fazermos escolhas, a partir dos valores que
I. Podemos classificar os valores em positivos e negativos; sensíveis desenvolvemos, somos capazes, também, de hierarquizar nossas
e espirituais; pessoais e sociais ou relativos e universais. observações e nossas relações.
II. O relativismo axiológico defende que os valores de uma pessoa ou II. Os valores que desenvolvemos nascem em geral da cultura. Essa é
de um grupo de pessoas são tão bons e tão válidos como os de a razão pela qual povos diferentes valorizam realidades distintas.
quaisquer outras pessoas ou grupos. III. Os valores, portanto não são sempre absolutos, mas podem ser
III. A vantagem do relativismo dos valores é a sua plena capacidade para condicionados pela cultura espaço-temporal.
criar um método ou um critério satisfatório para resolver as situações São verdadeiras:
de conflitos de valores, pois todos tem direito a adoção de seus a) Todas. b) I e II apenas. c) II e III apenas.
próprios valores. d) I e III apenas. e) II apenas.
IV. O relativismo demonstra satisfatoriamente que os valores não são
universais, assim, o que é digno para uma sociedade (ou pessoa), 14. Em obras como Sobre a violência, Hannah Arendt compreende o
será indigno para outra e o melhor a fazer é respeitar os valores dos poder político como
outros. a) o monopólio do exercício legítimo da força.
São verdadeiras apenas b) o sucesso no alcance de metas próprias.
a) I e II. b) II e III. c) II e IV. d) III e IV. e) I e IV. c) a habilidade para influenciar comportamentos.
d) a capacidade humana de agir em concerto.
11. “O problema com este tipo de resposta é que, na vida concreta dos
homens e das sociedades, ocorrem divergências de pontos de vista que 15. Para Hannah Arendt, a distância entre o indivíduo e a sociedade faz
geram conflitos para os quais não se pode deixar de encontrar uma emergir alienação em relação ao mundo e a si mesmo. Esse estranha-
solução. Questões como a guerra, a xenofobia e o racismo, o aborto, a mento é caracterizado pela pouca condição que os homens têm de se
preservação do meio ambiente e outras tantas questões do mesmo integrar à sociedade a partir de um material cultural e social que não
gênero, demonstram a existência de certos tipos de conflitos de valores lhes pertence. De acordo com essa observação, julgue as assertivas
que não podem deixar de ter solução.” abaixo.
Tal argumento I. Nesse contexto é que se entende a importância de se voltar ao
a) fortalece os argumentos relativistas. passado para compreender como se dão as mudanças sociais e
b) confirma que os valores são sempre e somente criações culturais. como elas delineiam o caráter das relações sociais e das novas
c) concorda com a ideia de que os valores sempre sejam relativos. formas de socialização.
d) aponta para uma falha dos argumentos relativistas. II. O fim da economia de mercado que alimenta a cultura burguesa é a
e) demonstra ser impossível a solução de certos problemas, pois cada única alternativa capaz de resgatar os sentimentos de pertencimento
cultura tem seu conjunto diferenciado de valores. ao mundo.
III. Hannah Arendt teria indicado o sistema soviético como o modelo
12. “O que nos leva a decidirmos por uma quando nos encontramos socialista ideal no resgate dos valores humanitários.
entre duas ou mais realidades de que gostamos ou desejamos? O que IV. O humanismo clássico, segundo Arendt, pode auxiliar no resgate do
nos move a fazer escolhas? mundo humano.
A primeira resposta poderia ser: decidimos porque somos livres. E, por São verdadeiras:
sermos livres fazemos escolhas as quais são determinadas pelo valor a) I e II b) II e III c) II e IV d) III e IV e) I e IV

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16. O humanismo em geral sustenta uma visão de homem 18. Muitas respostas diferentes podem ser dadas à pergunta "o que é
a) como ser inacabado diante da natureza e do mundo. intrinsecamente bom?" Os hedonistas dizem que é o prazer; os
b) como ser racional e em projeto para a própria emancipação. pragmáticos, a satisfação, o crescimento ou a adaptação; os humanistas,
c) como ser insuficiente diante do seu Criador. a autorrealização harmoniosa; os cristãos, o amor a Deus. Assim, julgue
d) como ser sobrenatural em estado de queda e pecado. as assertivas abaixo.
e) como ser egoísta e marcado por uma ambição natural e universal. I. O texto sugere a grande variedade de valores possíveis dependendo
do ponto de vista.
II. Convém lembrar que para muitos filósofos, embora existam os
17. “O critério de valor não consiste no agrado ou desagrado que nos
valores relativos, há os que são universais.
produzem as coisas, mas em algo completamente distinto; por que uma
III. O relativismo é competente para lidar com questões éticas como o
coisa pode produzir-nos agrado, e, não obstante, ser, para nós,
racismo, a violência, o sofrimento ou o problema ambiental.
considerada como má e pode produzir-nos desagrado e ser por nós
IV. Entre os agentes citados acima, os mais corretos são os hedonistas.
considerada como boa”.

São verdadeiras:
Assim sendo,
a) I e II. b) II e III. c) II e IV. d) III e IV. e) I e IV.
a) o bem não pode ser agradável.
b) o mal será sempre indesejável.
c) o mal é sempre agradável devido a uma natureza perversa do 19. Sua importância reside principalmente no novo e mais extenso
homem. significado que atribuiu ao termo “valor” e na unidade que trouxe ao
d) em ambos os casos, o que nos leva a fazer o bem ou o mal é a estudo de questões econômicas, éticas, estéticas e lógicas que eram
capacidade de escolher. tradicionalmente consideradas em separado. O texto refere-se à
e) a escolha depende mais do conceito do que seja agradável do que importância do (da)
daquilo que possa ser inconveniente. a) Relativismo. b) Axiologia. c) Filosofia.
d) Dignidade Humana. e) Humanismo.

1) A 2) B 3) E 4) D

5) C 6) C 7) A 8) C

9) D 10) A 11) D 12) A

13) A 14) D 15) E 16) B

17) D 18) A 19) B

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MÓDULO 12 Escola de Frankfurt


1. Introdução sociologia do conhecimento, que viria a se notabilizar com
a publicação da obra De Caligari a Hitler, sobre as relações
Escola de Frankfurt é o nome dado a um grupo de entre o cinema e o nazismo. Adorno vinha de um meio
filósofos e cientistas sociais de tradição marxista que se de músicos, conduzindo-se para o estudo da estética
encontram no final dos anos 1920. A Escola de Frankfurt musical. Com o fim da Guerra, Adorno tornou-se diretor-
se associa diretamente à chamada Teoria Crítica da adjunto do Instituto Para Pesquisa Social e seu codiretor
Sociedade. Deve-se à essa escola a criação de conceitos em 1955, com a aposentadoria de Horkheimer, Adorno
como “indústria cultural” e “cultura de massa”. torna-se o novo diretor.
A Escola de Frankfurt foi fundada em 1924 por Félix Weil,
filho de um grande negociante de grãos de trigo na
Argentina. Antes dessa denominação tardia (só viria a ser
adotada, e com reservas, por Max Horkheimer – um dos
representantes da escola – na década de 1950), pensou-
se o nome Instituto para o Marxismo, mas optou-se por
Instituto para a Pesquisa Social.
Diante do anticomunismo reinante nos meios
acadêmicos alemães nas décadas de 1920-1939, o novo
Instituto preenchia uma lacuna existente na universidade
alemã quanto à história do movimento trabalhista e do
socialismo. Carl Grunberg, economista austríaco, foi o
primeiro diretor, de 1923 a 1930. O órgão do Instituto era
a publicação chamada Arquivos Grunberg. Horkheimer, a
partir de 1931, já com título acadêmico, exerceu então a Adorno foi um
função de diretor do Instituto, que se associava à dos mais expressivos
Universidade de Frankfurt. O órgão oficial dessa gestão representantes da
Escola de Frankfurt
passou a ser a Revista para a Pesquisa Social.
Estão abaixo selecionados três textos distintos para
apreciar os conteúdos críticos dessa escola.
2. Texto
A separação entre ser e pensar e suas contradi-
ções sociais, segundo Max Horkheimer
Por Ângelo Fornazari Batista (Adaptado)

A Teoria Crítica tem como instrumentos metodológi-


cos a dialética de Hegel e alguns conceitos encontrados
nas obras de Marx, tais como mais-valia, mercadoria e
relação de troca. Podemos dizer que para ela, a dialética
é sua força motriz, enquanto os conceitos marxistas
supracitados servem de apoio e mesmo corroboração de
suas teses. Seu objeto de estudo é efetivamente a
sociedade burguesa contemporânea, tal como concebida
e idealizada pela Revolução Francesa.
Neste sentido a afirmação de Horkheimer é
esclarecedora: ”… a Teoria Crítica é em sua totalidade
um único juízo de existência desenvolvido”.
O referido juízo abarca o objeto individual e real.
Para a Escola de Frankfurt, a indústria cultural produz alienação.
Mostra as peculiaridades que o forma, recusando, num
Theodor Adorno nasceu em 1903 em Frankfurt, filho certo sentido, o caráter hipotético de deduções no que
de pai alemão – um próspero negociante de vinhos, judeu diz respeito à construção de seu conhecimento. De fato,
assimilado – e mãe italiana. Estudou a obra de Kant por a preocupação do individuo somente com a sua auto-
influência de um amigo: Kracauer, especialista em conservação; a síntese de conhecimentos caracterizada
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por uma razão instrumentalizada; a eliminação de outrora: “Pensar é um agir; teoria é uma forma de
conceitos por fórmulas; a eficácia do tempo livre dirigido práxis”.) Para o outro teórico, sua teoria deve obedecer
por outrem; as associações intersubjetivas marcadas por aos fatos. Essa associação hierárquica supõe o fato como
relações de trocas – entre outras determinações – são consequência de um destino a-histórico e, portanto, alheio
todos sintomas de nossa sociedade e que de nenhuma à sociedade. Uma instituição qualquer não é vista como
maneira devem ser analisados fora deste mesmo âmbito reflexo de uma atividade social, não é, por assim dizer,
político e social. As qualidades de totalidade e unicidade um fazer humano, é tão somente algo que já está
que este juízo comporta remetem, portanto, aos variados concluído, impassível de contradições. Do mesmo modo,
indícios de uma mesma realidade. Indícios estes a separação entre entendimento e percepção dá-se
impregnados de contradições objetivas e subjetivas. porque o objeto é pensado post factum, i. e., como
O cientista tradicional, o teórico (neo)positivista e o necessariamente lógico, mas não como uma imanente
senso comum fecham os olhos para tais contradições. necessidade objetiva ou concreta.
Enquanto uns veem suas atividades como absolutamente O caráter natural que Horkheimer atribui a estas
independentes de outras ao seu redor, outros veem na separações deve-se ao teórico e mesmo a todos os outros
realidade a aparência do concreto. O cientista de nossa indivíduos de nossa sociedade não estarem mais aptos a
época não é capaz de enxergar que seu fazer está fazer experiências. Se tolhida a experiência,
conectado com outras ciências. Pensa que é inevitavelmente todo e qualquer objeto já está concebido.
independente também em relação ao status quo: sequer A dialética hegeliana não serve para Horkheimer
imagina que suas descobertas estão sendo exigidas e enfatizar que existe um Espírito, o qual comanda a história
manipuladas pela economia e o Estado burguês. O teórico do mundo, nem para identificar o particular com o geral;
atual olha para um mundo imóvel e dado. Sua compulsão antes, mostrar que a práxis humana deve corresponder a
por números chega a ser passível de uma análise uma sociedade igualmente humana. Em nossa sociedade
psicanalítica. Olhar, classificar, ordenar, quantificar, – felizmente vislumbrada por Marx – não há
expressar em gráficos: tal é sua fascinação. A o possibilidade alguma de identificação entre contingente
senso comum já está tudo como tem de estar ou como e necessário: somente a exposição e denúncia das
deve estar. Até mesmo a força que Marx via no contradições.
proletariado, hoje, já não pode mais ser pensada a rigor:
esta classe social já se atomizou e dissolveu-se no
establishment mediante a propaganda e fetichização dos
bens de consumo e produção.
A Teoria Crítica, ou o juízo de existência desenvolvido,
tenta entender por que as contradições não são
progressivamente superadas sem que invariavelmente
tenha-se de voltar a elas. Dito de outra forma, estudar o
porquê de estarmos na barbárie, se todas as ferramentas
objetivas necessárias para a conquista da liberdade
concreta humana estão em nossa época disponíveis. Já
apontamos, no parágrafo acima, algumas razões
enunciadas por Horkheimer. Iremos, entretanto, nos
demorar um pouco mais na concepção que o teórico
tradicional tem de si. Com relação a ele, Horkheimer Horkheimer e Adorno: nomes centrais da Escola de Frankfurt
observa: “o dualismo entre pensar e ser, entendimento e
percepção, é para ele natural“. 3. Texto
A dicotomia entre res cogitans e res extensa foi
formal e materialmente explicitada por Descartes. O Marcuse e o fim da sociedade do trabalho
existir do cogito é substancial. A relação entre o pensar e
o existir dá-se abstratamente, necessitando da mediação Por Michel Aires de Souza (Adaptado)
divina para o objeto concreto se perfazer. A filosofia
Marx, Weber e Durkhein conceberam o conceito de
cartesiana foi incorporada à vida social, tornou-se práxis,
trabalho como a peça fundamental de seus pensamen-
porém sem nenhuma mediação, pois a sociedade que
tos. Contudo, em nossa atualidade, o trabalho já não é
serviria de mediadora é vista sem vida: é movimentada
mais o principal fator que organiza a sociedade. Os
mecanicamente. Enquanto o teórico crítico compreende
sociólogos de hoje consideram outros fatores como
o pensar, o formular a teoria em permanente contato com modos da organização social, como a família, o racismo,
o ser, com o acontecer fático, com o agir. (Adorno dirá a sexualidade, o corpo. O trabalho tornou-se um conceito
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ultrapassado. Além disso, os conflitos sociais já não miséria, do trabalho alienado e da repressão. Isto é
partem mais do antagonismo entre burguesia e proleta- historicamente possível. “As forças explosivas acham sua
riado. Hoje, conflitos raciais, separatistas, religiosos e manifestação mais significativa na automação. A
culturais são mais constantes. Em nossa atualidade o automação ameaça a inverter a relação entre tempo livre
trabalho se fragmentou, já não é mais o mesmo. Os tra- e tempo de trabalho sobre a qual repousa a civilização
balhos produtivos da indústria, cujos princípios nortea- atual: ela ameaça oferecer a possibilidade do tempo de
dores eram o fordismo e o taylorismo, que valorizavam a trabalho se tornar marginal e o tempo livre essencial. O
produtividade, controlando os movimentos das máquinas resultado será uma transformação radical do conteúdo
e dos homens no processo de produção, tende a dos valores e um modo de vida incompatível com a
desaparecer. Hoje têm sido criadas novas modalidades civilização tradicional. A sociedade industrial é mobilizada
de ocupação. A prestação de serviços vem tomando o e permanece contra essa possibilidade.
lugar do trabalho produtivo. Atualmente com o desempre- A proposta de Marcuse de uma nova racionalidade
go estrutural (desemprego causado pela crescente sensível surge como desdobramento dialético da racio-
mecanização), tem surgido cada vez mais o trabalho nalidade instrumental. A mudança na base material da
informal. Pode ser que num futuro próximo todas as sociedade deve mudar a forma da realidade. Se a forma
esferas da vida social sejam mecanizadas. Se este da realidade é a da racionalidade instrumental, com o fim
diagnóstico for correto, qual novo tipo de trabalho seria da sociedade do trabalho deve surgir uma nova
possível numa sociedade pós-industrial? Qual o novo tipo racionalidade sensível. Nesta nova racionalidade as novas
de indivíduo para esta nova sociedade? Marcuse, filósofo formas de trabalho seriam lúdicas. A redução quantitativa
da Escola de Frankfurt, em pleno auge da industrialização, do trabalho necessário poderia se transformar em
na década de cinquenta, já pensava sobre estas questões. liberdade e em uma melhor forma e qualidade de vida. O
Em seu livro Eros e civilização de 1955 ele já pensava trabalho automático, irritante e desprazeroso seria abolido
sobre o colapso do capitalismo e o fim da sociedade do e substituído pelo trabalho lúdico. O trabalho deve ser
trabalho. Em sua opinião, a perspectiva de mudanças nos acompanhado da reativação do erotismo polimórfico, ou
modos e nas relações de produção, com a mecanização seja, da capacidade de sentir prazer. Essa ideia de
e automatização em todas as esferas da vida social, deve relações libidinais no trabalho surge em Fourier. Marcuse
possibilitar uma nova forma histórica da realidade. O assimila em sua teoria os conceitos de attraccion
capitalismo terá seu fim quando todas as esferas da vida passionnée ou Travail attrayant. Para Fourier o trabalho
social forem mecanizadas e automatizadas acabando com deve ser atraente e prazeroso, pois é possível a criação de
o trabalho produtivo. Ele espera que surja daí uma nova uma cooperação agradável entre os indivíduos. Essa
racionalidade, uma vez que todos os bens materiais e atração tem três objetivos: “a criação do luxo e do prazer
intelectuais, sem a necessidade do trabalho, serviriam ao dos ‘cinco sentidos’; a formação de grupos libidinais (de
desenvolvimento das potencialidades humanas e amor e amizade) e o estabelecimento de uma ordem
estariam a serviço da vida. A proposta de Marcuse é a harmoniosa organizada por grupos de trabalho, de acordo
ideia de uma nova racionalidade sensível, que se com as ‘paixões individuais’ (‘jogo’ interno e externo das
caracteriza e se define como racionalidade do prazer. Essa faculdades)” (Marcuse, 1955, p.189). O trabalho seria
racionalidade se opõe ao moderno conceito de organizado tendo em vista a economia de tempo e espaço
racionalidade instrumental da sociedade capitalista, que para o desenvolvimento integral do indivíduo. Seria um
se fundamenta numa razão formal, lógico-matemática. A novo mundo estético, onde o trabalho seria lúdico e
racionalidade do mundo ocidental é uma racionalidade prazeroso. Todas as esferas da vida social seriam
técnica, repressiva, fundamentada numa razão que visa organizadas de tal forma que propiciariam o pleno
coordenar os meios com os fins, buscando apenas a desenvolvimento do indivíduo e de suas faculdades
operação e o procedimento eficaz na exploração e receptivas e de fruição do prazer. O homem modelaria a
controles da natureza e dos homens. Essa razão realidade pela sua imaginação produtora, transformando a
abandonou os ideais iluministas de liberdade, igualdade e realidade em obra de arte.
fraternidade, ela não tem mais a preocupação com a Nesta nova racionalidade do prazer, o próprio
felicidade humana, mas sim com o capital. Contudo indivíduo modificaria sua estrutura psíquica. Contra uma
Marcuse, no mesmo livro Eros e Civilização, diagnosticou concepção de indivíduo como Logos (Razão), surge a
que o conceito de razão desenvolvido pelo mundo noção de indivíduo como Eros (Amor). O novo indivíduo
ocidental desvelou uma forma de razão superior àquela proclamado por Marcuse tem seu fundamento na teoria
existente na cultura capitalista e que contém sua própria das pulsões freudiana. Partindo de uma interpretação da
negação, uma razão que signifique contemplação, fruição obra de Freud, à luz do marxismo, Marcuse buscou
e receptividade do prazer. Hoje, como sabemos, existem desenvolver uma nova concepção de natureza humana.
todas as forças materiais e intelectuais necessárias à O indivíduo foi entendido por ele como pulsão de vida
realização de uma sociedade livre. O progresso humano (Eros). Na teoria freudiana essa pulsão é o impulso que
pode possibilitar a eliminação da pobreza, da fome, da preserva a vida e procura criar complexidades cada vez

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maiores de vida. Eros é a pulsão que busca a satisfação ocorreu no recente caso da morte da menina Isabella? Os
da sexualidade, do prazer e do amor. A luta pelo prazer se primeiros filósofos que detectaram a dissolução das
constitui como um anseio de toda matéria orgânica pela fronteiras entre informação, consumo, entretenimento e
existência. Segundo Marcuse, nos primórdios da matéria política, ocasionada pela mídia, bem como seus efeitos
orgânica, a razão surge no mundo como busca do prazer nocivos na formação crítica de uma sociedade, foram os
e fuga da dor. Mas quando a civilização, através da luta pensadores da Escola de Frankfurt.
pela existência, se transformou em dominação pelos Max Horkheimer (1895-1973) e Theodor W.
interesses de classes, a razão se converteu em Adorno (1903-1969) são os principais representantes da
repressão. Por este motivo, Marcuse busca recuperar a escola, fundada em 1924, na Universidade de Frankfurt,
antiga essência da razão humana. A razão tem como na Alemanha. No local, um conjunto de teóricos, entre
objetivo aliviar as tensões do organismo através do prazer. eles Walter Benjamin (1892-1940), Jurgen Habermas
Na teoria freudiana, a função do aparelho neuronial é
(1929), Herbert Marcuse (1898-1979) e Erich Fromm
aliviar as tensões endógenas e exógenas do organismo.
(1900-1980) desenvolveram estudos de orientação
A função de descarga motora dá-se pelo impulso de
marxista.
prazer (Eros). Mas essa descarga se tornou em nossa
Os estudos dos filósofos de Frankfurt ficaram conhe-
época ação convertida em trabalho.
cidos como Teoria Crítica, que se contrapõe à Teoria
Tradicional. A diferença é que enquanto a tradicional é
“neutra” em seu uso, a crítica busca analisar as condi-
ções sociopolíticas e econômicas de sua aplicação,
visando à transformação da realidade. Um exemplo de
como isso funciona é a análise dos meios de comunica-
ção caracterizados como indústria cultural.
Indústria cultural
Em um texto clássico escrito em 1947, “Dialética do
Iluminismo”, Adorno e Horkheimer definiram indústria
cultural como um sistema político e econômico que tem
por finalidade produzir bens de cultura – filmes, livros,
música popular, programas de TV etc. – como
Herbert Marcuse: é notável mercadorias e como estratégia de controle social.
a influência da psicanálise A ideia é a seguinte: os meios de comunicação de
na sua filosofia. massa, como TV, rádio, jornais e portais da Internet, são
propriedades de algumas empresas, que possuem
O aparelho mental perdeu sua natureza essencial que interesse em obter lucros e manter o sistema econômico
era aliviar as tensões internas através de Eros. Hoje essas vigente que as permitem continuar lucrando. Portanto,
tensões são aliviadas no trabalho, que produz mais vendem-se filmes e seriados norte-americanos, músicas
tensões e frustrações. Todas as forças psíquicas e físicas (funk, pagode, sertaneja etc.) e novelas não como bens
são empregadas na alteração apropriada da realidade. O artísticos ou culturais, mas como produtos de consumo
objetivo de Marcuse, portanto, é recuperar a antiga que, neste aspecto, em nada se diferenciariam de sapatos
função do aparelho neuronial como pulsão. A razão ou sabão em pó. Com isso, ao invés de contribuírem para
deveria assumir seu estado natural, a razão deveria formar cidadãos críticos, manteriam as pessoas
transformar-se em Eros (pulsão de vida). Com isso, Eros “alienadas” da realidade.
redefiniria a razão em seus próprios termos. Essa nova Como afirmam no texto: “Filmes e rádio não têm
razão, em uma sociedade futura, seria personificada na mais necessidade de serem empacotados como arte. A
realidade em todas as esferas da vida social. verdade, cujo nome real é negócio, serve-lhes de
ideologia. Esta deverá legitimar os refugos que de
4. Texto propósito produzem. Filme e rádio se autodefinem como
indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus
Crítica à sociedade de comunicação de massa diretores-gerais tiram qualquer dúvida sobre a
necessidade social de seus produtos”.
Por José Renato Salatiel (jornalista e professor
Para Adorno, os receptores das mensagens dos
universitário)
(Adaptado) meios de comunicação seriam vítimas dessa indústria.
Eles teriam o gosto padronizado e seriam induzidos a
Qual é a influência de meios de comunicação de consumir produtos de baixa qualidade. Por essa razão,
massa, como a TV, sobre uma sociedade? Como as indústria cultural substitui o termo cultura de massa, pois
pessoas são mobilizadas a acompanharem um noticiário não se trata de uma cultura popular representada em
novelas da Rede Globo, por exemplo, mas de uma
como se estivessem assistindo a uma telenovela, como
ideologia imposta às pessoas.
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Dominação política e senta-se à frente da TV para esquecer seus problemas,


E como a indústria cultural torna-se mecanismo de absorvendo os mesmos valores que predominam em sua
dominação política? Adorno e Horkheimer vislumbraram rotina de trabalho. É desta forma que a indústria cultural
os meios de comunicação de massa como uma perversão exerceria controle sobre a massa. Como resultado, ao
dos ideais iluministas do século 18. Para o Iluminismo, o invés de cidadãos conscientes, teríamos apenas
progresso da razão e da tecnologia iria libertar o homem consumidores passivos.
das crenças mitológicas e superstições, resultando numa
sociedade mais livre e democrática.
Mas os pensadores da Escola de Frankfurt, que eram Totalitarismo eletrônico
judeus, se viram alvos da campanha nazista com a Posteriormente, entre os anos 70 e 80, os
chegada de Hitler ao poder nos anos 30, na Alemanha. frankfurtianos foram muito criticados por uma visão
Com apoio de uma máquina de propaganda que pela reducionista dos receptores, em razão de pesquisas que
primeira vez usou em larga escala os meios de demonstraram que as pessoas não são tão manipuláveis
comunicação como instrumentos ideológicos, o nazismo quanto Adorno pensava na época. Além disso, nem toda
era uma prova de como a racionalidade técnica, que no produção cultural se resume à indústria. Nas histórias em
Iluminismo serviria para libertar o homem, estava quadrinhos, por exemplo, temos Disney e Maurício de
escravizando o indivíduo na sociedade moderna. Souza, mas temos também quadrinhos alternativos e
Nas mãos de um poder econômico e político, a autorais.
tecnologia e a ciência seriam empregadas para impedir Apesar disso, Adorno e Horkheimer tiveram o mérito
que as pessoas tomassem consciência de suas de serem os precursores da denúncia de um “totalitaris-
condições de desigualdade. Um trabalhador que em seu mo eletrônico”, em que diversão e assuntos importantes
horário de lazer deveria ler bons livros, ir ao teatro ou a são “mixados” num só produto; em que representantes
concertos musicais, tornando-se uma pessoa mais culta, políticos são escolhidos como se fossem sabonetes.
questionadora e engajada politicamente, chega em casa Neste sentido, a crítica permanece atual.

1. Cultura de Massa
2. Adorno e a Cultura de Massa
1. Cultura de Massa população; a cultura no sentido geral, definida como um
(Disponível em: conglomerado histórico de valores estéticos e morais; e
http://www.infoescola.com/sociedade/cultura-de-massa/) outras tantas culturas que produziam diversificadas
identidades populares.
A expressão ‘cultura de massa’, posteriormente Mas, com o nascimento do século XX e, com ele, dos
trocada por ‘indústria cultural’, é aquela criada com um novos meios de comunicação, estas modalidades cultu-
objetivo específico, atingir a massa popular, maioria no rais ficaram completamente submergidas sob o domínio
interior de uma população, transcendendo, assim, toda e da cultura de massa. Veículos como o cinema, o rádio e a
qualquer distinção de natureza social, étnica, etária, sexual televisão ganharam notório destaque e se dedicaram, em
ou psíquica. Todo esse conteúdo é disseminado por meio grande parte, a homogeneizar os padrões da cultura.
dos veículos de comunicação de massa. Como esta cultura é, na verdade, produto de uma
Os filósofos alemães, integrantes da Escola de atividade econômica estruturada em larga escala, de
Frankfurt – Theodor W. Adorno e Max Horkheimer —, estatura internacional, hoje global, ela está vinculada,
foram os responsáveis pela criação do termo ‘Indústria inevitavelmente, ao poderoso capitalismo industrial e
Cultural’. Eles anteviam a forma negativa como a recém- financeiro. A serviço deste sistema, ela oprime incessan-
criada mídia seria utilizada durante a Segunda Guerra temente as demais culturas, valorizando tão somente os
Mundial. Aliás, eles eram de etnia judia, portanto, gostos culturais da massa.
sofreram dura perseguição dos nazistas e, para fugir Outro importante pensador contemporâneo, o
deste contexto, partiram para os EUA. francês Edgar Morin, define a cultura de massa ou indús-
tria cultural como uma elaboração do complexo industrial,
Antes do advento da cultura de massa, havia diversas um produto definido, padronizado, pronto para o
configurações culturais – a popular, em contraposição à consumo. Mas, ainda conforme este estudioso, uma
erudita; a nacional, que entretecia a identidade de uma industrialização secundária se processa paralelamente,
mais sutil e, portanto, mais ardilosa, a da alma humana,
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pois ela ocorre nos planos imagético e onírico. Universidade de Princeton, a mesma que, em 1933,
Esta cultura é hipnotizante, entorpecente, indutiva. convidara Albert Einstein para integrar o seu corpo docente.
Ela é introjetada no ser humano de tal forma que se torna Tratava-se de um projeto e tanto, pois a Radio
quase inevitável o seu consumo, principalmente se a Research Projet queria saber tudo sobre os ouvintes
massa não tem o seu olhar e a sua sensibilidade educa- norte-americanos. Nova Iorque provocou-lhe uma
dos de forma apropriada e o acesso indispensável à estranha reação. Chocou-o a convivência dos “palácios
multiplicidade cultural e pedagógica. Com este manancial colossais...dos grandes cartéis internacionais” com
de recursos, é possível criar modalidades de resistência a sombrios edifícios erguidos para os pequenos negócios,
essa cultura impositiva. formando, no geral, um ar de cidade desolada. Nem
Do contrário, com os apelos desta indústria, mesmo o plano municipal de levar gente a morar nos
personificados principalmente na esfera publicitária, subúrbios mais afastados, dando às residências um ar de
principalmente aquela que se devota sem pudor ao individualidade, o consolou.
sensacionalismo, é quase impossível resistir aos sabores
visuais da avalanche de imagens e símbolos que inundam A estandardização americana
a mente humana o tempo todo. Este é o motor que move (Adaptado)
as engrenagens da industria cultural e aliena as Para ele, um europeu refinado que passara boa parte
mentalidades despreparadas. da sua vida cultivando a música modernista de Alban Berg
e, depois, a de Schönberg e sua atonalidade incidental, a
2. Adorno e a Cultura de Massa América pareceu-lhe toda igual. Contraditoriamente, o
país que mais celebrava e enaltecia a singularidade e ao
Por Voltaire Schilling (Historiador)
fato de cada um procurar ser algo bem diferente dos
Theodor Adorno, filósofo e sociólogo alemão, demais não parava de produzir e imprimir tudo idêntico,
projetou-se como um dos críticos mais ácidos dos tudo estandardizado. A imensa rede de atividades que
modernos meios de comunicação de massa. Ao exilar-se cobria toda a cidade era regida apenas pela ideologia do
nos Estados Unidos, entre 1938 e 1946, percebeu que a negócio. Numa sociedade onde as pessoas somente
mídia não se voltava apenas para suprir as horas de lazer sorriam se ganhavam uma gorjeta, nada escapava das
ou dar informações aos seus ouvintes ou espectadores, motivações do lucro e do interesse. Aprofundando-se no
mas fazia parte do que ele chamou de industria cultural. estudo da mídia norte-americana, entendeu que detrás
Um imenso maquinismo composto por milhares de daquele aparente caos, onde rádios, filmes, revistas e
aparelhos de transmissão e difusão que visava produzir e jornais atuavam de maneira livre e independente, havia
reproduzir um clima conformista e dócil na multidão uma espécie de monopólio ideológico cujo objetivo era a
passiva. domesticação das massas. Quando o cidadão saía do seu
serviço e chegava em casa, a mídia não o deixava em paz,
Indo para a América bombardeando-o, ele e a família, com programas de baixo
“A civilização atual a tudo confere um ar de seme- nível, intercalados com anúncios carregados de clichês
lhança”. M. Horkheimer e T. Adorno In: A Indústria Cultural, conformistas, comprometendo-o com a produção e o
1947 consumo.
Theodor Adorno nascido em Frankfurt, na Alemanha, Não se tratava, para ele, de que aqueles sem-fim de
em 1903, foi daqueles tantos intelectuais, cientistas, novelas e shows de auditórios refletissem a vontade das
artistas, compositores e escritores alemães, que, na massas, algo autêntico e espontâneo, vindo do meio do
década de 1930, por serem de descendência judaica ou povo. Um anseio que os profissionais da mídia apenas
por inclinarem-se pelo socialismo, ou ambas as coisas, procuravam dar corpo, transformando-os em diversão e
foram obrigados a emigrar para os Estados Unidos, naquilo entretenimento. Ao contrário, demonstrava, isso sim, a
que foi, talvez, a maior evasão de cérebros registrada na existência de uma poderosa e influente indústria cultural
história contemporânea. Ele pertencia a um grupo de que, de forma planejada, impingia aos seus consumidores
pensadores extremamente sofisticado que fazia parte da doses cavalares de lugares-comuns e banalidades, cujo
famosa Escola de Frankfurt, fundada em 1923, e que fora objetivo era ajudar a reproduzir “o modelo do gigantesco
constrangido a sair do país nos anos seguintes da mecanismo econômico” que pressionava sem parar a
ascensão do nacional-socialismo ao poder. sociedade como um todo.
É de se imaginar o contentamento dele quando, ainda na Lá, na América, não havia espaço neutro. Não ocorria
Suíça, no outono de 1938, recebeu um inesperado uma cisão entre a produção e o lazer. Tudo era a mesma
telefonema de Londres do seu particular amigo e parceiro, coisa, tudo girava em função do grande sistema. Dessa
Max Horkheimer. Era um convite para que ele fosse à forma, qualquer coisa que causasse reflexão, uma
América para assumir uma pesquisa a serviço da inquietação mais profunda, era imediatamente expelida

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pela indústria cultural como indigesta ou impertinente. 1949 – Philosophie der neuen Musik (A filosofia da nova
Adorno, terminada a Segunda Guerra, voltou para a música).
Europa, para Frankfurt, atarefado em reabrir a sua escola 1950 – The Authoritarian Personality (A personalidade
de sociologia. Morreu em 1969, arrasado com a humi- autoritária) juntamente com E. Frenkel-Brunswik,
lhação a que estudantes ultraesquerdistas o submeteram, D. J. Levinson e R. N. Sanford.
1951 – Minima Moralia (Mínima morália).
em plena sala de aula, durante a revolta de 1968/9.
Principais Obras de Adorno 1956 – Zur Metakritik der Erkenntnistheorie (Sobre a
metacrítica da teoria do conhecimento).
1933 – Kierkegaard. Konstruktion des Ästhetischen 1967 – Negative Dialektik (Dialética negativa).
(Kierkegaard, a construção da estética).
1970 – Ästhetische Theorie (Teoria estética).
1947 – Dialektik der Aufklärung. Philosophische
Fragmente (A dialética do esclarecimento. 1971 – Soziologische Schriften (Escritos sociológicos).
Filosofia em fragmento), com Max Horkheimer.

1. (UEL) “A doença da razão está no fato de que ela nasceu da 2. (UEL) – “O aumento da produtividade econômica, que por um lado
necessidade humana de dominar a natureza. Essa vontade de dominar produz as condições mais justas para um mundo mais justo, confere por
a natureza, de compreender suas ‘leis’ para submetê-la, exigiu a outro lado ao aparelho técnico e aos grupos sociais que o controlam uma
instauração de uma organização burocrática e impessoal, que, em nome superioridade imensa sobre o resto da população. O indivíduo se vê
do triunfo da razão sobre a natureza, chegou a reduzir o homem a completamente anulado em face dos poderes econômicos. Ao mesmo
simples instrumento. Naturalmente, as possibilides atuais eram tempo, estes elevam o poder da sociedade sobre a natureza a um nível
inimagináveis nos tempos passados: hoje o progresso tecnológico põe jamais imaginado. Desaparecendo diante do aparelho a que serve, o
à disposição de todos objetos e bens que antes só existiam nos sonhos indivíduo se vê, ao mesmo tempo, melhor do que nunca provido por ele.
Numa situação injusta, a impotência e a dirigibilidade da massa
dos utopistas. [...] O progresso dos recursos técnicos, que poderia servir
aumentam com a quantidade de bens a ela destinados.”
para ‘iluminar’ a mente do homem, se acompanha pelo processo da
desumanização, de tal modo que o progresso ameaça destruir (ADORNO, Theodor W; HORKHEIMER, Max. Dialética do
precisamente o objetivo que deveria realizar: a ideia do homem.” esclarecimento. Trad. De Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 1997. p. 14.)
(REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Trad. de De acordo com o texto de Adorno e Horkheimer, é correto afirmar:
Álvaro Cunha. São Paulo: Paulinas, 1991. v. 3. p. 846.)
a) A alta capacidade produtiva da sociedade assegura liberdade e justiça
Com base no texto e nos conhecimentos sobre razão instrumental em para seus membros, independentemente da forma como ela se
estrutura, controlando ou não seus membros.
Adorno e Horkheimer, considere as afirmativas a seguir.
b) O “desaparecimento” do indivíduo diante do aparato econômico da
I. A forma como o domínio da natureza foi alcançado preservou a “ideia
sociedade se deve à incapacidade dos próprios cidadãos em se
do homem”, objetivo central do progresso técnico.
integrarem adequadamente ao mercado de trabalho.
II. O objetivo do homem, desde o início de sua história, era o de dominar
c) A ciência e a técnica, independente de quem tem seu controle, são
a natureza e fazer uso de seus recursos para viver melhor.
as responsáveis pela circunstância de muitos estarem impossibili-
III. A dimensão crítica da razão, imune ao progresso tecnológico e ao
tados de atingir o status de sujeito numa sociedade altamente
avanço da ciência, impediu a dominação do homem.
produtiva.
IV. A humanidade, nos dias atuais, atingiu um grau significativo de
d) O fato de a sociedade produzir muitos bens, valendo-se da ciência e
controle sobre o meio em que vive e, para isso, conta com o auxílio
da técnica, poderia representar um grau maior de justiça para todos;
de instrumentos administrativos e tecnológicos.
no entanto, ela anula o indivíduo em função do modo como está
organizada e como é exercido o poder.
Estão corretas apenas as afirmativas:
e) O alto grau de autonomia das massas na sociedade capitalista
a) I e III. b) I e IV. c) II e IV.
contemporânea é resultado do avançado domínio tecnológico
d) I, II e III. e) II, III e IV.
alcançado pelo homem.
RESOLUÇÃO:
Resposta: C RESOLUÇÃO:
Resposta: D

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3. (UEL) – Observe essa “Parece que enquanto o conhecimento técnico expande o horizonte da
imagem. Ela refere-se a um atividade e do pensamento humanos, a autonomia do homem enquanto
quadro que foi produzido pelo indivíduo, a sua capacidade de opor resistência ao crescente mecanismo
artista norte-americano Andy de manipulação das massas, o seu poder de imaginação e o seu juízo
Warhol. Valendo-se de recur- independente sofreram aparentemente uma redução. O avanço dos
sos da “sociedade de con- recursos técnicos de informação se acompanha de um processo de
sumo” como, por exemplo, desumanização. Assim, o progresso ameaça anular o que se supõe ser
fotos de artistas famosos, o seu próprio objetivo: a ideia de homem.”.\
Warhol produziu um número
assombroso de quadros em (HORKHEIMER Max. Eclipse da razão. Trad. de Sebastião Uchôa
um curto espaço de tempo. O Leite. Rio de Janeiro: Editorial Labor do Brasil, 1976. p. 6.)
fenômeno da reprodução na
arte foi estudado pelo filósofo alemão Walter Benjamin, que na década Com base no texto, na imagem e nos conhecimentos sobre racionali-
de 1930 publicou um ensaio intitulado “A obra de arte no tempo de sua dade instrumental, é correto afirmar:
reprodutibilidade técnica”. a) A imagem de Chaplin está de acordo com a crítica de Horkheimer: ao
Sobre a teoria de Walter Benjamin a respeito das consequências da invés de o progresso e da técnica servirem ao homem, este se torna
reprodução em massa das obras de arte, é correto afirmar que o autor. cada vez mais escravo dos mecanismos criados para tornar a sua
a) entende negativamente o fenômeno da reprodução na arte por vida melhor e mais livre.
representar a destruição das obras de arte e a sua transformação em b) A imagem e o texto remetem à ideia de que o desenvolvimento
mercadoria pela indústria cultural. tecnológico e o extraordinário progresso permitiram ao homem
b) reconhece que ocorrem mudanças na forma das pessoas receberem atingir a autonomia plena.
as obras de arte e propõe a reeducação das massas como forma de c) Imagem e texto apresentam o conceito de racionalidade que está na
resgate da aura, isto é, daquilo que é dado apenas uma vez. estrutura da sociedade industrial como viabilizador da emancipação
c) percebe na reprodução da obra de arte a dissolução da sociedade do homem em relação a todas as formas de opressão.
moderna, fenômeno este sem volta e que representa o triunfo do d) Enquanto a imagem de Chaplin apresenta a autonomia dos
capitalismo sobre o pensamento crítico e a reflexão. trabalhadores nas sociedades contemporâneas, o texto de
d) interpreta a reprodutibilidade como um fenômeno inevitável da Horkheimer mostra que, quanto maior o desenvolvimento
sociedade capitalista que provoca alterações na interpretação que tecnológico, maior o grau de humanização.
críticos e artistas fazem das obras de arte, sem maiores consequên- e) Tanto a imagem quanto o texto enaltecem a inevitável instrumen-
cias ou possibilidades políticas. talização das relações humanas nas sociedades contemporâneas.
e) afirma que a reprodutibilidade técnica provoca mudanças na
RESOLUÇÃO:
percepção e na postura das pessoas que têm acesso às obras; por Resposta: A
isso, certas formas artísticas, sobretudo o cinema, podem vir a
desempenhar o papel de politização das massas.

RESOLUÇÃO:
Resposta: A
5. (UEL) – “A indústria cultural não cessa de lograr seus consumidores
quanto àquilo que está continuamente a lhes prometer.
A promissória sobre o prazer, emitida pelo enredo e pela encenação, é
prorrogada indefinidamente: maldosamente, a promessa a que afinal se
4. (UFU) – Analise a figura a seguir. reduz o espetáculo significa que jamais chegaremos à coisa mesma,
que o convidado deve contentar-se com a leitura do cardápio. [...] Cada
espetáculo da indústria cultural vem mais uma vez aplicar e demonstrar
de maneira inequívoca a renúncia permanente que a civilização impõe às
pessoas. Oferecer-lhes algo e ao mesmo tempo privá-las disso é a
mesma coisa”.
(ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do
esclarecimento. Trad. de Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1997.
pp. 130-132.)
Com base no texto e nos conhecimentos sobre indústria cultural em
Adorno e Horkheimer, é correto afirmar:
a) A indústria cultural limita-se a atender aos desejos que surgem
espontaneamente da massa de consumidores, satisfazendo as
aspirações conscientes de indivíduos autônomos e livres que
escolhem o que querem.
b) A indústria cultural tem um desempenho pouco expressivo na
produção dos desejos e necessidades dos indivíduos, mas ela é
Chaplin. Tempos Modernos. (Disponível em: Acesso em: 8 ago. 2004.)
eficiente no sentido de que traz a satisfação destes desejos e
necessidades.

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c) A indústria cultural planeja seus produtos determinando o que os sua vez, ocorre quando os seres humanos utilizam as coisas do mundo,
consumidores desejam de acordo com critérios mercadológicos. ou até mesmo outras pessoas, como meio para se alcançar um fim
Para atingir seus objetivos comerciais, ela cria o desejo, mas, ao (raciocínio meio e fim).
mesmo tempo, o indivíduo é privado do acesso ao prazer e à Com base no texto e nos conhecimentos sobre a teoria da ação
satisfação prometidos. comunicativa de Habermas, é correto afirmar:
d) O entretenimento que veículos como o rádio, o cinema e as revistas a) Contar uma mentira para outra pessoa buscando obter algo que
proporcionam ao público não pode ser entendido como forma de desejamos e que sabemos que não receberíamos se disséssemos
exploração dos bens culturais, já que a cultura está situada fora a verdade é um exemplo de racionalidade comunicativa.
desses canais. b) Realizar um debate entre os alunos de turma da faculdade buscando
e) A produção em série de bens culturais padronizados permite que a decidir democraticamente a melhor maneira de arrecadar fundos
obra de arte preserve a sua capacidade de ser o suporte de manifes- para o baile de formatura é um exemplo de racionalidade
tação e realização do desejo: a cada nova cópia, a crítica se renova. instrumental.
RESOLUÇÃO: c) Um adolescente que diz para seu pai que vai dormir na casa de um
Resposta: C amigo, mas, na verdade, vai para uma festa com amigos, é um
exemplo de racionalidade comunicativa.
d) Alguém que decide economizar dinheiro durante vários anos a fim de
fazer uma viagem para os Estados Unidos da América é um exemplo
6. (UEL) – “A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo
de racionalidade instrumental.
tardio. Ela é procurada por quem quer escapar ao processo de trabalho
e) Um grupo de amigos que se reúne para decidir democraticamente
mecanizado, para se pôr de novo em condições de enfrentá-lo. Mas, ao
o que irão fazer com o dinheiro que ganharam em um bolão da Mega-
mesmo tempo, a mecanização atingiu um tal poderio sobre a pessoa
Sena é um exemplo de racionalidade instrumental.
em seu lazer e sobre a sua felicidade, ela determina tão profundamente
a fabricação das mercadorias destinadas à diversão, que esta pessoa RESOLUÇÃO:
não pode mais perceber outra coisa senão as cópias que reproduzem o Resposta: D
próprio processo de trabalho.”
8. (UEL) – Leia o texto a seguir.
(ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do
“Francis Bacon, em sua obra Nova Atlântida, imagina uma utopia
esclarecimento. Trad. de Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro:
tecnocrática na qual o sofrimento humano poderia ser removido pelo
Jorge Zahar, 1997.)
desenvolvimento e pelo aperfeiçoamento do conhecimento científico, o
Com base no texto e nos conhecimentos sobre trabalho e lazer no qual permitiria uma crescente dominação da natureza e um suposto
capitalismo tardio, em Adorno e Horkheimer, é correto afirmar: afastamento do mito. Na obra Dialética do Esclarecimento, Adorno e
a) Há um círculo vicioso que envolve o processo de trabalho e os Horkheimer defendem que o projeto iluminista de afastamento do mito
momentos de lazer. Com o objetivo de fugir do trabalho mecanizado foi convertido, ele próprio, em mito, caindo no dogmatismo e em uma
e repor as forças, o indivíduo busca refúgio no lazer, porém o lazer se forma de mitologia. O progresso técnico-científico consiste, para Adorno
estrutura com base na mesma lógica mecanizada do trabalho. e Horkeheimer, no avanço crescente da racionalidade instrumental, a
b) Apesar de se apresentarem como duas dimensões de um mesmo qual é incapaz de frear iniciativas que afrontam a moral, como foram,
processo, lazer e trabalho se diferenciam no capitalismo tardio, na por exemplo, os campos de concentração nazistas.”
medida em que o primeiro é o espaço do desenvolvimento das
potencialidades individuais, a exemplo da reflexão. Com base no texto e nos conhecimentos sobre o desenvolvimento
c) Mesmo sendo produzidas de acordo com um esquema mercado- técnico-científico, é correto afirmar:
lógico que fabrica cópias em ritmo industrial, as mercadorias a) Bacon pensava que o incremento da racionalidade instrumental
consumidas nos momentos de lazer proporcionam ao indivíduo plena aliviaria as causas do sofrimento humano, apesar de a razão, a longo
diversão e cultura. prazo, sucumbir novamente ao mito.
d) Tanto o trabalho quanto o lazer preservam a autonomia do indivíduo, b) Adorno e Horkheimer concordavam que o progresso científico não
mesmo nos processos de mecanização que caracterizam a consegue superar o mito, mas se torna um tipo de concepção mítica
fabricação de mercadorias no capitalismo tardio. incapaz de discriminar o que é certo do que é errado moralmente.
e) As atividades de lazer no capitalismo tardio, como o cinema e a c) Adorno e Horkheimer sustentavam que o crescente avanço da
televisão, são caminhos para a politização e aquisição de cultura racionalidade instrumental consistia num incremento da capacidade
pelas massas, aproximando-as das verdadeiras obras de arte. humana de avaliar moralmente.
d) Bacon apontava que o aumento da capacidade de domínio do homem
RESOLUÇÃO: sobre a natureza conduziria os seres humanos a uma forma de
Resposta: A
dogmatismo.
e) Tanto Adorno e Horkheimer quanto Bacon viam o progresso técnico
e científico como a solução para os sofrimentos humanos e para as
7. (UEL) – Leia o texto a seguir.
incertezas morais humanas.
Habermas distingue entre racionalidade instrumental e racionalidade
comunicativa. A racionalidade comunicativa ocorre quando os seres RESOLUÇÃO:
humanos recorrem à linguagem com o intuito de alcançar o Resposta: B
entendimento não coagido sobre algo, por exemplo, decidir sobre a
maneira correta de agir (ação moral). A racionalidade instrumental, por

– 123
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9. (UNESP-2013) – Não somente os tipos das canções de sucesso, os O tema abordado pelo texto refere-se
astros, as novelas ressurgem ciclicamente como invariantes fixos, mas a) ao conteúdo intelectualmente complexo das produções culturais de
o conteúdo específico do espetáculo só varia na aparência. O fracasso massa.
temporário do herói, que ele sabe suportar como bom esportista que é; b) à hegemonia da cultura americana nos meios de comunicação de
a boa palmada que a namorada recebe da mão forte do astro, são, como massa.
todos os detalhes, clichês prontos para serem empregados c) ao monopólio da informação e da cultura por ministérios estatais.
arbitrariamente aqui e ali e completamente definidos pela finalidade que d) ao aspecto positivo da democratização da cultura na sociedade de
lhes cabe no esquema. Desde o começo do filme já se sabe como ele consumo.
termina, quem é recompensado, e, ao escutar a música ligeira, o ouvido e) aos procedimentos de transformação da cultura em meio de
treinado é perfeitamente capaz, desde os primeiros compassos, de entretenimento.
adivinhar o desenvolvimento do tema e sente-se feliz quando ele tem
lugar como previsto. O número médio de palavras é algo em que não RESOLUÇÃO:
Adorno, representante da Escola de Frankfurt, estudou o fenômeno
se pode mexer. Sua produção é administrada por especialistas, e sua
da indústria cultural, fenômeno em que a cultura se reduz a mero
pequena diversidade permite reparti-las facilmente no escritório. entretrenimento e produto de consumo, portadora da ideologia da
classe dominante, e que funciona para conter o desenvolvimento
(Theodor W. Adorno e Max Horkheimer. das consciências e, portanto, da autonomia dos homens.
A indústria cultural como mistificação das massas. Resposta: E
In: Dialética do esclarecimento, 1947. Adaptado.)

1. Para Adorno e Horkheimer, que é a indústria cultural? do capitalismo e o fim da sociedade do trabalho. Em sua opinião, a
perspectiva de mudanças nos modos e nas relações de produção, com
2. Segundo a Escola de Frankfurt, como a indústria cultural pode
a mecanização e automatização em todas as esferas da vida social, deve
produzir alienação?
possibilitar uma nova forma histórica da realidade. O capitalismo terá
3. “O cientista tradicional, o teórico (neo)positivista e o senso comum seu fim quando todas as esferas da vida social forem mecanizadas e
fecham os olhos para tais contradições. Enquanto uns veem suas automatizadas acabando com o trabalho produtivo. Ele espera que surja
atividades como absolutamente independentes de outras ao seu redor, daí uma nova racionalidade, uma vez que todos os bens materiais e inte-
outros veem na realidade a aparência do concreto. O cientista de nossa lectuais, sem a necessidade do trabalho, serviriam ao desenvolvimento
época não é capaz de enxergar que seu fazer está conectado com outras das potencialidades humanas e estariam a serviço da vida”.
ciências. Pensa que é independente também em relação ao status quo: Michel Aires de Souza
sequer imagina que suas descobertas estão sendo exigidas e Marcuse propõe uma racionalidade sensível no lugar da instrumental.
manipuladas pela economia e o Estado burguês. O teórico atual olha Explique.
para um mundo imóvel e dado. Sua compulsão por números chega a
ser passível de uma análise psicanalítica. Olhar, classificar, ordenar, 6. A cultura de massa é hipnotizante, entorpecente, indutiva. Comente
quantificar, expressar em gráficos: tal é sua fascinação”. o sentido desta afirmação, com base nas leituras complementares.
(Ângelo Fornazari Batista)
Quais são os elementos no texto que sustentam esta crítica? 7. Que havia no âmbito ou universo cultural antes do advento da cultura
de massa?
4. Identifique o tema central no texto de Ângelo Fornazari Batista
8. (UEL) – Leia os textos a seguir.
acerca do pensamento de Horkheimer.
[...] seria possível reconstituir a história da arte a partir do confronto de
dois polos, no interior da própria obra de arte, e ver o conteúdo dessa
5. “Hoje, conflitos raciais, separatistas, religiosos e culturais são mais
história na variação do peso conferido seja a um polo, seja a outro. Os
constantes. Em nossa atualidade o trabalho se fragmentou, já não é
dois polos são o valor de culto da obra e seu valor de exposição. [...] À
mais o mesmo. Os trabalhos produtivos da indústria, cujos princípios
medida que as obras de arte se emancipam do seu uso ritual, aumentam
norteadores eram o fordismo e o taylorismo, que valorizavam a
as ocasiões para que elas sejam expostas. (p. 172).
produtividade, controlando os movimentos das máquinas e dos homens
(BENJAMIN, W. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade
no processo de produção, tende a desaparecer. Hoje têm sido criadas técnica - Primeira versão.” In: Magia e técnica, arte e política: ensaios
novas modalidades de ocupação. A prestação de serviços vem tomando sobre literatura e história da cultura. 7.o ed. São Paulo: Brasiliense,
o lugar do trabalho produtivo. Atualmente com o desemprego estrutural 1994.)
(desemprego causado pela crescente mecanização), tem surgido cada
Com base no texto e nos conhecimentos sobre o pensamento de Walter
vez mais o trabalho informal. Pode ser que num futuro próximo todas as
Benjamin, é correto afirmar:
esferas da vida social sejam mecanizadas. Se este diagnóstico for
a) O resgate da aura artística da obra de arte promovido pela
correto, qual novo tipo de trabalho seria possível numa sociedade pós-
reprodutibilidade técnica amplia sua função potencialmente
industrial? Qual o novo tipo de indivíduo para esta nova sociedade?
democratizadora, permitindo o acesso de um número maior de
Marcuse, filósofo da Escola de Frankfurt, em pleno auge da indus-
pessoas à sua contemplação.
trialização, na década de cinquenta, já pensava sobre estas questões.
b) O declínio da aura da obra de arte, decorrente de sua crescente
Em seu livro Eros e civilização de 1955 ele já pensava sobre o colapso
elitização e das novas técnicas de reprodução em série, reforça seu

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valor tradicional de culto e amplia a percepção estética das indústria cultural, desvia, desde logo, a ênfase para aquilo que é
coletividades humanas. inofensivo. Não se trata nem das massas em primeiro lugar, nem das
c) A arte, na sociedade primitiva, tinha por finalidade atender aos rituais técnicas de comunicação como tais, mas do espírito que lhes é
religiosos, por isso possuía um caráter aurático (relativo à aura) insuflado, a saber, a voz de seu senhor. A indústria cultural abusa da
vinculado ao valor de culto, o qual se perde com o avanço da consideração com relação às massas para reiterar, firmar e reforçar a
reprodutibilidade técnica, na época moderna. mentalidade destas, que ela toma como dada a priori e imutável. É
d) O cinema manifesta-se como uma obra de arte aurática, pois suscita excluído tudo pelo que essa atitude poderia ser transformada. As
em cada um dos espectadores uma forma singular e única de se massas não são a medida mas a ideologia da indústria cultural, ainda
relacionar com o objeto artístico no interior do qual mergulha e nele que esta última não possa existir sem a elas se adaptar."
se distrai. (Theodor W. Adorno. “A indústria cultural.” In: Cohn, Gabriel (org.).
e) O que determina o esvaziamento da aura da obra de arte reproduzida Theodor W. Adorno. São Paulo, Ática, 1996)
tecnicamente é a sua reclusão e a perda do valor de exposição, o
De acordo com o filósofo alemão Adorno, pode-se afirmar que
que restringe o acesso das massas, que se tornaram alienadas.
a) há notável descontinuidade e heterogeneidade entre tempo de
trabalho e tempo livre.
9. Leia o texto a seguir.
b) não é verdade que os meios de massa sejam estilística e
Em Técnica e Ciência como “ideologia”, Habermas apresenta uma
culturalmente conservadores.
reformulação do conceito weberiano de racionalização pela qual lança as
c) os meios de comunicação de massa apresentam indiscutível
bases conceptuais de sua teoria da sociedade. Neste sentido, postula a
potencial revolucionário.
distinção irredutível entre trabalho ou agir instrumental e interação ou
d) ao adaptar-se aos desejos das massas, a indústria cultural apresenta
agir comunicativo, bem como a pertinência da conexão dialética entre
inegável potencial democrático.
essas categorias, das quais deriva a diferenciação entre o quadro
e) a indústria cultural é moldada pela racionalidade instrumental.
institucional de uma sociedade e os subsistemas do agir racional com
respeito a fins. Segundo Habermas, uma análise mais pormenorizada
11. Adorno pertenceu ao seguinte movimento filosófico:
da primeira parte da Ideologia Alemã revela que “Marx não explicita
a) existencialismo. b) teoria crítica. c) epicurismo.
efetivamente a conexão entre interação e trabalho, mas sob o título nada
d) estruturalismo. e) empirismo.
específico da práxis social reduz um ao outro, a saber, a ação
comunicativa à instrumental”.
12. Leia o texto
(Adaptado: HABERMAS, J. Técnica e ciência como “ideologia”. "Na medida em que nesse processo a indústria cultural inegavelmente
Lisboa: Edições 70, 1994. p.41-42.) especula sobre o estado de consciência e inconsciência de milhões de
pessoas às quais ela se dirige, as massas não são, então, o fator
Com base no texto e nos conhecimentos sobre o pensamento de
primeiro, mas um elemento secundário, um elemento de cálculo;
Habermas, é correto afirmar:
acessório da maquinaria. O consumidor não é rei, como a indústria
a) O crescimento das forças produtivas e a eficiência administrativa
cultural gostaria de fazer crer, ele não é o sujeito dessa indústria, mas
conduzem à organização das relações sociais baseadas na
seu objeto. O termo mass media, que se introduziu para designar a
comunicação livre de quaisquer formas de dominação.
indústria cultural, desvia, desde logo, a ênfase para aquilo que é
b) A liberação do potencial emancipatório do desenvolvimento da inofensivo. Não se trata nem das massas em primeiro lugar, nem das
técnica e da ciência depende da prevenção das disfuncionalidades técnicas de comunicação como tais, mas do espírito que lhes é
sistêmicas que entravam a reprodução material da vida e suas insuflado, a saber, a voz de seu senhor. A indústria cultural abusa da
respectivas formas interativas. consideração com relação às massas para reiterar, firmar e reforçar a
c) O desenvolvimento da ciência e da técnica, enquanto forças produ- mentalidade destas, que ela toma como dada a priori e imutável. É
tivas, permite estabelecer uma nova forma de legitimação que, por excluído tudo pelo que essa atitude poderia ser transformada. As
sua vez, nega as estruturas da ação instrumental, assimilando-as à massas não são a medida mas a ideologia da indústria cultural, ainda
ação comunicativa. que esta última não possa existir sem a elas se adaptar."
d) Com base na irredutibilidade entre trabalho e interação, a luta pela
emancipação diz respeito tanto ao agir comunicativo, contra as (Theodor W. Adorno. A indústria cultural. In: Cohn, Gabriel (org.).
Theodor W. Adorno. São Paulo, Ática, 1996)
restrições impostas pela dominação, quanto ao agir instrumental,
contra as restrições materiais impostas pela escassez econômica.
De acordo com Adorno,
e) A racionalização na dimensão da interação social submetida à
a) o termo mass media é adequado para designar o fenômeno da
racionalização na dimensão do trabalho na práxis social determina o
indústria cultural.
caráter emancipatório do desenvolvimento das forças produtivas e
b) a indústria cultural apresenta indiscutível potencial emancipador.
do bem-estar da vida humana. c) a indústria cultural não é ideológica.
10. Leia o texto d) o consumidor cultural existe em estado de heteronomia.
e) o consumidor cultural existe em estado de autonomia.
"Na medida em que nesse processo a indústria cultural inegavelmente
especula sobre o estado de consciência e inconsciência de milhões de
13. E quanto mais as classes exploradas, o "povo", sucumbem aos
pessoas às quais ela se dirige, as massas não são, então, o fator
poderes existentes, tanto mais a arte se distanciará do "povo", ao
primeiro, mas um elemento secundário, um elemento de cálculo;
contrário do que pensam Brecht e Sartre. A arte não pode mudar o
acessório da maquinaria. O consumidor não é rei, como a indústria
mundo, mas pode contribuir para a mudança da consciência e dos
cultural gostaria de fazer crer, ele não é o sujeito dessa indústria, mas
impulsos dos homens e mulheres que poderiam mudar o mundo" (...) A
seu objeto. O termo mass media, que se introduziu para designar a possibilidade de uma aliança entre "o povo" e a arte pressupõe que os

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homens e as mulheres administrados pelo capitalismo monopolista Das afirmações de Herbert Marcuse, pode-se depreender que
desaprendam a linguagem, os conceitos e as imagens desta a) Brecht e Sartre divergem radicalmente acerca da necessidade de
administração, que experimentem a dimensão da mudança qualitativa, unidade entre arte e práxis política.
que reivindiquem a sua subjetividade, a sua interioridade (...). Se o b) a arte apresenta potenciais revolucionários exatamente quando se
potencial radical da arte residir precisamente nesta não identidade com adapta à linguagem popular.
a práxis política, como pode este potencial encontrar representação c) a realização do potencial radical da arte pressupõe o retorno ao
válida numa obra de arte e como pode ela tornar-se um fator de monopólio dos objetos artísticos pelas elites aristocráticas.
transformação da realidade? d) a possibilidade de uma aliança entre o povo e a arte pressupõe um
processo educativo que torne esta um fator de transformação da
(H. Marcuse, Dimensão Estética. São Paulo: Martins Fontes, s/d.) realidade.
e) a possibilidade de uma aliança entre o povo e a arte pressupõe a
realização da revolução comunista.

1) Indústria cultural é um sistema político e econômico que tem as novas formas de trabalho seriam lúdicas. A redução
por finalidade produzir bens de cultura – filmes, livros, música quantitativa do trabalho necessário poderia se transformar em
popular, programas de TV etc. – como mercadorias e como liberdade e em uma melhor forma e qualidade de vida. O
estratégia de controle social. trabalho automático, irritante e desprazeroso seria abolido e
substituído pelo trabalho lúdico. O trabalho deve ser
2) A indústria cultural conduz a um consumo da produção acompanhado da reativação do erotismo polimórfico, ou seja,
cultural, em que o comportamento humano é manipulado da capacidade de sentir prazer.
segundo os interesses da classe dominante. Assim, a forma
como ocorre o consumo da cultura que se torna mercadoria, 6) A cultura de massa é introjetada no ser humano de tal forma
visando à estrutura inconsciente do público, dificulta o que se torna quase inevitável o seu consumo, principalmente
exercício da reflexão autônoma e produz indivíduos alienados. se a massa não tem o seu olhar e a sua sensibilidade educados
de forma apropriada e o acesso indispensável à multiplicidade
3) O autor indica a razão instrumentalizada; a eliminação de cultural e pedagógica.
conceitos por fórmulas; a eficácia do tempo livre dirigido por
outrem; as associações intersubjetivas marcadas por relações 7) Antes do advento da cultura de massa, havia diversas
de trocas e aponta a necessidade de enxergar o contexto configurações culturais – a popular, em contraposição à
político-social desta realidade. erudita; a nacional, que entretecia a identidade de uma
população; a cultura no sentido geral, definida como um
4) Trata-se de uma crítica à disjunção entre saber, ser e agir. Tal conglomerado histórico de valores estéticos e morais; e outras
disjunção acarreta desastrosa consequência política, como a tantas culturas que produziam diversificadas identidades
persistência na barbárie. populares.

5) A mudança na base material da sociedade deve mudar a forma 8) C 9) D 10) E


da realidade. Se a forma da realidade é a da racionalidade
instrumental, com o fim da sociedade do trabalho deve surgir 11) B 12) D 13) D
uma nova racionalidade sensível. Nesta nova racionalidade,

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MÓDULO 13 Estética e Arte e a Filosofia da Linguagem

ESTÉTICA E ARTE inclusive, romana.


Durante a Idade Média, a estética separou-se da
1. Introdução metafísica e passou a ser vista como um fenômeno
isolado pelos filósofos. É comum, na atualidade, chamar
A estética (do grego aisthésis que significa
essa área do conhecimento de Filosofia da Arte.
percepção) é a área da Filosofia que estuda o sentido, a
busca e a reprodução do belo na arte. O fenômeno
Texto Clássico
estético envolve a percepção, interpretação, julgamento e
Do livro Sistema do Idealismo Transcendental de
emoção relacionados ao que é considerado belo.
Friedrich Wilhelm Joseph Schelling (1775-1854)
“A intuição postulada deve envolver o que existe de
separado no fenômeno da liberdade e na intuição do
produto natural; ou seja, a identidade do consciente e do
inconsciente no Eu e a consciência dessa identidade.
Portanto, o produto dessa intuição confinará, de um lado,
com o produto natural, do outro, com os produtos da
liberdade, e deverá reunir em si os caracteres de ambos
(...)
O produto postulado não é outro senão o produto do
gênio, ou melhor, posto que o gênio só é possível em
arte, o produto artístico (...)
Toda produção estética se baseia numa antítese de
atividade – é o que podemos argumentar a partir da
declaração de todos os artistas, de que são involunta-
riamente impelidos a produzir suas obras e, ao fazê-lo,
eles simplesmente satisfazem um irresistível impulso de
sua natureza (...)
Assim como a produção estética parte do sentimento
de uma contradição insolúvel, ela culmina, segundo a
confissão de todos os artistas, e de todos aqueles que
participam de seu entusiasmo, no sentimento de uma
David de Michelangelo. A obra é renascentista, período infinita harmonia.
voltado para a cultura clássica. O fato de que esse sentimento que acompanha a
execução da obra seja, ao mesmo tempo, uma comoção
O filósofo alemão Alexander Gottieb Baumgarten já demonstra que o artista atribui a resolução da
escreveu um extenso texto (dois volumes) no século contradição que percebe na sua obra não somente a si
XVIII, analisando a produção artística como transformação mesmo, mas a um dom espontâneo da natureza (...)
da natureza pelos sentimentos do artista. Dessa forma, a Se, além disso, a arte é posta em ato por duas atividades
arte deixa de ser vista como cópia da realidade, para se totalmente distintas entre si (natureza e inteligência),
tornar produção de um sujeito que interpreta o mundo ao então o gênio não é nem uma nem a outra, mas o que
seu redor. está acima de ambas.
Entre os gregos, particularmente com Platão e Se na atividade consciente nós devemos procurar
Aristóteles – além do neoplatônico Plotino – a arte e a aquilo que comumente se denomina arte, e que, todavia,
estética estavam intimamente ligadas à ética e à lógica. é apenas uma parte dela — vale dizer, aquela que é
Para Platão, o mais antigo entre os filósofos aqui citados, exercida pela consciência, meditação e reflexão, que se
o belo era a verdade e, portanto, era bom. Assim, na pode ensinar, aprender e adquirir, por transmissão ou
Antiguidade Clássica, a noção estética não era entendida exercício próprio —, devemos pelo contrário buscar no
como problema de gosto pessoal, como ocorre na inconsciente, que também faz parte da arte, aquilo que
sociedade moderna, tampouco fruto único de um não se pode aprender nem adquirir pelo exercício ou por
processo cultural, mas estava relacionada ao Cosmos e à outro modo, mas que só pode ser inato por livre dom da
natureza universal. Assim, o que era belo, deveria ser belo natureza, que é o que em uma palavra podemos chamar
para todos. A noção e percepção do belo estavam de poesia em arte.”
inseridas na espiritualidade da cultura clássica grega e,
– 127
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Texto moderno
Estética ou Filosofia da Arte

Por Aires Almeida

“Uma das disciplinas tradicionais da Filosofia, que


aborda um conjunto de problemas e conceitos por vezes
muito diferentes entre si. A estética começou por ser,
sobretudo, uma TEORIA DO BELO, depois passou a ser
entendida como TEORIA DO GOSTO e nos nossos dias
é predominantemente identificada com a FILOSOFIA DA
ARTE.
Há fortes razões para considerar que estas três
formas de encarar a estética não são apenas diferentes
maneiras de abordar os mesmos problemas. É certo que
gostamos de coisas belas que também são arte, mas não Moulin Galette de Renoir. A obra expressa uma época, mas também
deixa de ser verdade que as coisas que consideramos toda a subjetividade do artista.
belas, aquelas de que gostamos e as que são arte,
formam conjuntos distintos. Afinal, até é banal gostarmos Texto
de coisas que não são belas e muito menos arte; assim Ilusão e Arte
como podemos nomear obras de arte de que não
gostamos nem consideramos belas. Por Mauro Andriole
Enquanto teoria do belo, a estética defronta-se com
problemas como ‘O que é o belo?’ e ‘Como chegamos a “A relação entre a Arte e a Ilusão é absolutamente
saber o que é o belo?. Estas são perguntas que já indissolúvel.
PLATÃO colocava no séc. IV a.C. e que só indiretamente Se o artista é tomado por um desejo de realização do
diziam respeito à arte, pois a arte consistia, para ele, na Belo a partir de sua interioridade, na qual, um objeto se
imitação das coisas belas. Razão pela qual Platão tinha eleva a paradigma da Beleza, é porque não há freios nesta
uma opinião desfavorável à arte, ao contrário do seu experiência, vivida de fato, que o impeçam de justificar
contemporâneo ARISTÓTELES, para quem a imitação de seu propósito artístico.
coisas belas tinha os seus próprios méritos. E assim, o ímpeto criador encontra seu curso livre para
Já para os filósofos do séc. XVIII, como HUME e KANT, é a realização da obra, mesmo que ela retenha apenas a
no campo da subjetividade que se encontra a resposta Ilusão de ser o objeto que lhe dá um sentido aparente, pois,
para o problema do belo. A estética transformou-se, tanto quanto o Mito, a obra só alcança seu significado
assim, em teoria do gosto, cujo problema central passou verdadeiramente na representação de si mesma, por mais
a ser o de saber como justificamos os nossos gostos. O
que isto pareça impossível ao olhar leigo.
SUBJETIVISMO ESTÉTICO é a doutrina defendida por
Só há sentido na criação, quando a Ilusão a que o
estes dois filósofos, embora com tonalidades diferentes.
artista está acometido, suspende seu domínio lógico, ou
A doutrina rival é o OBJETIVISMO ESTÉTICO e é bem
seja, quando as bases de sua realidade ordinária, da
representado pelo filósofo americano contemporâneo
Monroe Beardsley (1915–85), para quem o belo não objetividade intrínseca que fundamenta sua razão, se
depende dos gostos pessoais, mas da existência de sublimam ante o que é extraordinário, assim alargando,
certas características nas próprias coisas (...)” por assim dizer, os limites da noção de realidade.
Daí, dizermos que o domínio da Arte é autônomo, e
2. Introdução À Filosofia da Arte sua lógica – se é que este termo é o adequado para isto –
consiste em algo mais do que o possível e o impossível,
A Filosofia da Arte – como vimos na aula anterior – aquilo que instaurando novas bases, cria o meio e a forma
está relacionada à estética. É uma disciplina que estuda a da realidade inefável tal como o paradigma da realidade.
relação entre sociedade e produção artística, assim como A autonomia do artista está justamente em sua
a sua dimensão ética e sua relação com a cultura que a utopia, neste sonho e desejo de realizar a tradução desse
produziu. A arte, geralmente, revela uma dimensão universo inefável para uma linguagem compreensível à
política, e mensagens mais ou menos explícitas ou razão, porém, quando o faz, ela fala numa língua liberta
implícitas que tanto refletem as relações sociais como as de meios exclusivos, e ultrapassa todo e qualquer senso
influenciam. Um movimento da literatura, música, dança comum. E desta forma, mais do que traduzir seu desejo,
ou artes plásticas é uma interpretação da realidade
o artista constitui uma linguagem perfeita, porque sua
externa, mas também expressa o mundo íntimo do
forma é universal por excelência, seu discurso visa e deve
criador (artista), não menos real.
128 –
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atender a necessidades independentes de quaisquer forma como se apresentava antes. Tudo se altera com o
fatores culturais, políticos, filosóficos ou religiosos, advento da imagem virtual, criada recentemente pela
dizendo seu conteúdo a todos que a contemplem. É manipulação dos recursos tecnológicos.
neste sentido que se identifica com o Mito, porque ao A imagem digital de um peixe, vista num monitor,
atingir este poder de Iludir, continua representativa e será sempre percebida igualmente em sua integridade,
significativa indefinidamente no tempo. por qualquer homem contemporâneo?
Temos, portanto, que é na Arte que a dimensão Será que ela dirá seu conteúdo, até mesmo para o
extraordinária se manifesta abertamente. homem isolado deste tipo de representação tecnológica?
Isto ocorre porque esta é a natureza da Arte. A Obra Chegamos a Ilusão plena?
de Arte verdadeira é uma realidade perfeita em si mesma, Talvez...
independente da autoria, da data ou da técnica escolhida Mas antes de discutirmos essa questão, precisamos
para sua materialização. entender em que contexto o artista também se modificou
Manifesta no mundo, ela torna-se potência pura, diante de tais recursos.
inesgotável em seu poder de indução. Trata-se da realiza- Será que a conquista do espaço virtual modificou o
ção de um Cosmo, que atravessa os limites da fugacidade artista em seu desejo de realizar a tradução da Beleza?
sensorial e se instala na matéria e na consciência, Por que este desejo estaria relacionado às mudanças
trazendo para o plano real, as ideias de eternidade, que os meios técnicos sofreram?
imortalidade e universalidade. Nesse sentido é que a Arte Aparentemente, não há como dissociar a apreensão
é a manifestação da Beleza Suprema, é nela que o espírito sensorial, dos meio disponíveis para representá-la. Daí,
humano busca o que lhe sobrepassa e ao mesmo tempo toda transformação nos meios geraria uma alteração na
lhe confere uma distinção entre todos os outros animais. percepção do que pode ou não ser representado pelo
No entanto, a Arte revela este poder de persuasão artista.
através da Ilusão, porque despida de seu significado No entanto, o modelo ideal, que condiciona o gesto
emocional, reduz-se a matéria amorfa. Não há Arte que criador, não é suficientemente rígido para permitir uma só
resista em seu esplendor total quando posta à indiferença resposta. Podemos arriscar, que no mais das vezes, estas
e mediocridade humanas. Restará apenas uma sombra transformações vêm para cercear práticas artísticas
sem um corpo que lhe justifique, e o mesmo se pode consideradas antigas, em detrimento das inovações do
dizer daquele que desce até onde a luz da Obra de Arte aparato técnico, que desvelam a cada tentativa do artista,
não pode lhe alcançar. uma nova chance para saciar sua ânsia de realizar a obra.
De fato, a comunicação de um conteúdo através da Mas de que modo o meio pode condicionar a
Obra, só pode se dar plenamente quando os fatores apreensão do desejo criador se ele só é posto em uso
culturais colaboram para isto. De modo que, o mesmo posteriormente?
conteúdo seja lido por povos distintos, sob formas O que quero dizer, é que nada pode limitar o desejo
distintas, ou até mesmo, anulado em sua integridade, de representação a parâmetros fixos, de modo que a
quando ela não encontra similitude no seio da sociedade. descoberta que vem à luz sob outros meios, ganha
Não podemos desprezar as diferenças entre a contornos novos incessantemente, de outro modo, nem
percepção de civilizações ancestrais diante do objeto de poderíamos chamá-la de descoberta verdadeiramente. E
Arte moderno, como ocorre com os povos indígenas durante esse processo criativo investigativo, as formas
isolados da cultura branca – caso dos aborígenes desveladas são por si mesmas muito mais eficazes para
australianos ou dos ianomamis do norte da América do o curso que a obra tomará, do que a própria ideia original
Sul – diante dos quais, a foto de uma paisagem, não de onde partiu o gesto. Seria algo como a obra da obra,
representa mais do que um pedaço de papel colorido, e pois a cada experimentação, a cada nova investida, o
jamais “alguém ou uma paisagem”; reagem distancian- modelo sofre mutações para ajustar-se a esse todo. E isto
do-se largamente da noção moderna do que é uma se revela igualmente na realização artística, desde a
reprodução de espaço e tempo, fato que nos chega de primeira mancha pré-histórica numa caverna até chegar
imediato devido à formação cultural que nos dá bases ao nosso click do mouse contemporâneo.
para isto. Mas esta seria uma condição inevitável ou natural?
Por outro lado, a despeito desse caso específico, há O artista é refém da técnica ou é senhor dela no
casos em que as barreiras culturais não impedem o momento da criação da Obra?
fenômeno da Ilusão, e este é o nosso interesse. Na verdade, o foco do artista nunca dependeu
É exatamente quando os limites da cultura cessam totalmente do meio que dispunha para executar sua Obra,
sua influência sobre a apreensão do conteúdo da Obra, ao menos, não há razões para esta limitação, mas, pelo
quando a Ilusão recai igualmente sobre qualquer homem, contrário, ao nos deparamos com Obras colossais, como
que o fenômeno artístico se modifica, e distingue-se da as esculturas de Michelangelo, por exemplo, é difícil

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duvidar do quanto este gênio realmente estava seguro de Esta é uma pergunta que não impede o artista de crer
sua realização antes de golpear o mármore. Contudo sua que contribui de algum modo para desocultar faces
segurança se encontrava enraizada profundamente em misteriosas do espírito humano, e abre seu Cosmo para
seu desejo criador, sublimando qualquer dúvida quanto ao todos, como se ele fosse verdadeiramente o de todos
modo de realizá-la. nós. Sua obra é Iludir-se de que não há ilusões, mas
O desafio diante da realização da Obra, já é parte da apenas realidade.”
primeira etapa do processo criativo, sobre isto não
precisamos ter dúvidas. FILOSOFIA E LINGUAGEM
Mas em que instante a Ilusão permeia esse
3. Introdução
empreendimento criador?
Ora, durante todo o tempo, pois o artista parte de Por Paulo Faitanin
uma impossibilidade: ele pretende consagrar um instante
expressivo na matéria amorfa, ignorando os limites “O tema da Filosofia da Linguagem ganhou força no
físicos, e inaugurando um novo tempo com este espaço, século XX com o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein
ele desoculta o espaço extraordinário, como dissemos [1889-1951] que, com sua obra Tratado Lógico-Filosófico,
de 1929, sustentara aquela que seria a sua tese
antes. O gesto iluminado na obra escultórica está absolu-
fundamental: a função da linguagem é descrever a
tamente transcorrendo em nossa apreensão, e perma-
realidade, porque em rigor nada pode ser dado fora da
nece petrificado a despeito do que sentimos como
linguagem. Por Filosofia da Linguagem entende-se o
verdadeiro! Isto é extraordinário!
ramo da filosofia que estuda a essência e natureza dos
Temos que ter em mente, que o termo extraordinário fenômenos linguísticos. Ela trata, de um ponto de vista
visa à distinção do que é o ordinário, no sentido do que filosófico, da natureza do significado linguístico, da
não se insere na ordem do dia comum, e transcende o referência, do uso da linguagem, do aprendizado da
sentido que tem a produção de bens de consumo, linguagem, da criatividade dos falantes, da compreensão
intrinsecamente efêmeros por necessidade mercadoló- da linguagem, da interpretação, da tradução, de aspectos
gica. A Obra situa-se no extremo oposto dessa natureza linguísticos do pensamento e da experiência. Trata
de objetos, e só pode nascer de uma necessidade também do estudo da sintaxe, da semântica, da
igualmente extraordinária, que abranja esse sentido pragmática e da referência. A investigação filosófica da
transcendental, que é imanente na Arte. linguagem pode ser encontrada já nos textos de Platão,
Dizemos que a Ilusão recai sobre todo artista e sobre Aristóteles e autores estoicos. Desde a Escolástica de
a Arte, porque é justamente esse universo que o coloca Tomás de Aquino, que via na linguagem um instrumento
em questão sobre o que é a realidade. de comunicação dos conceitos e de Guilherme de
De fato, nossa noção de realidade se funda, quase Ockham, que via na linguagem nominal a substituição dos
em sua totalidade, na crença de que conhecemos as mesmos, via-se em filosofia uma importante retomada
coisas tal como elas são. Mas o que diríamos acerca dos da análise da linguagem. Do termo latino sermo, onis,
que ignoram nossas descobertas modernas, hoje tão deriva o sentido de linguagem, ou seja, modo de expres-
corriqueiras, como as pilhas ou a luz fosforescente?
são por meio de sinais intersubjetivos que permitem a
comunicação, embora sua origem etimológica esteja em
Não precisamos recuar muito para percebermos que
lingua, ae. Aqui tomamos Filosofia da Linguagem para
a realidade atual era uma ficção, ou talvez nem isso
significar, em Tomás de Aquino, o estudo dos sentidos
sequer, pois nem havia a possibilidade de imaginar tais
com que os conceitos são significados pelos nomes.”
conquistas, já que o desejo que as motivou não pulsava
nas veias humanas.
Será que é possível crer que alguém desejasse um
aparelho para exercitar a corrida e que não ocupasse
espaço na casa? Uma esteira pareceria uma boa ideia em
1800? Só se servisse para transportar cargas pesadas
talvez... Mas para alguém correr sobre ela? E assim, o
mesmo poderíamos dizer sobre inúmeros objetos que
hoje são imprescindíveis, como o abridor de latas, as
lâminas descartáveis, os filtros de papel para o aspirador
de pó etc etc etc ...
O desejo humano se transformou, e com ele, a
realidade assumiu contornos definidos para a época e
para as crenças vigentes.
O mímico francês Marcel Marceau. A linguagem humana como absoluta
Então, o que é a realidade de fato? criação.

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4. Texto apenas com e para os outros. O homem, portanto, tem


levado, segundo Heidegger, uma existência banal e
Fenomenologia e linguagem inautêntica, distanciada do Ser, esquecendo-se da própria
condição de mortalidade. A existência inautêntica torna-
Por José Maurício Fonzaghi Mazzucco, nos incapazes de perceber a dualidade entre o humano e
do livro Cacos. o não humano, pois o homem, diferente das coisas, está
no mundo do homem, e não simplesmente no mundo.
“O problema da linguagem merece sempre um Em algum momento de nossa história sofremos uma
enfoque filosófico. Passo então a expor a concepção de queda que nos distanciou do Ser. Sócrates e Platão teriam
linguagem de três filósofos, lembrando que não é minha contribuído para a tragédia, pela introdução da metafísica
intenção oferecer ao leitor um adequado conhecimento que gerou um mundo fictício: o das ideias. Diz Heidegger
sobre eles. O pouco aqui relatado estará muito aquém de que o homem necessita retornar a ser-aí, existir, projetar-
uma superficial noção de seus fecundos pensamentos. se, exteriorizar-se e ser uno com o mundo. Porém a
O filósofo Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), técnica seria a grande culpada, pois, entronada, passou a
expoente da fenomenologia, tratou a linguagem como se desenvolver sem limites, sufocando o nosso ser mais
parte do corpo humano, e não como expressão do profundo. A técnica nos separa da relação imediata e
pensamento puro. A intenção da palavra nasce no corpo, autêntica com as coisas e nossa atenção se ocupa com os
assim como este estica o braço para alcançar determina- entes, esquecida do Ser.
do objeto. A linguagem não é artifício do pensamento que O homem em sua existência inautêntica passa a viver
não consegue se expressar, mas instrumental sem questionar, aceita padrões de comportamento,
espontâneo que origina dialogicamente o pensamento. questões de moral que lhe são exteriores. Acovardado e
Assim, criada na espontaneidade, a palavra possui um exausto, ele sobrevive numa rotina sem realizar-se como
significado mutável, dentro do texto, elaborado numa projeto. Em Heidegger, a linguagem humana revela essa
cadeia verbal que possibilita a comunicação. Esta emerge mesma dualidade. De um lado, a linguagem inautêntica,
graças à maleabilidade de significados que os signos- a serviço da técnica e pré-programada, tagarelando para
palavra carregam, e não apesar disso. fazer o homem esquecer sua angústia e exílio; de outro,
O que isso significa? Não somos prisioneiros da a possibilidade da linguagem surgir pela poesia como a
palavra e da linguagem que, como geralmente se supõe, clareira do Ser, estado em que o homem encontra a si
procuram traduzir com pouca eficiência o pensamento. A mesmo autenticamente. A linguagem (autêntica), quer o
palavra fala e a linguagem transcende a intenção do filósofo, ilumina o Ser, a ‘casa’ do homem no meio de um
falante. Quem fala não necessariamente sabe mais sobre bosque labiríntico, cujos caminhos não nos levam a parte
o que diz do que aquele que escuta. Para Merleau-Ponty, alguma.
o orador não pensa antes de dizer, pois sua fala é o pró- Gaston Bachelard (1853-1908) é o terceiro filósofo.
prio ato de pensar e sem linguagem não há pensamento. Trabalhou especificamente com a produção literária e
Merleau-Ponty distingue dois níveis de linguagem: a revela-se um defensor da fenomenologia da imaginação,
falada e a falante. No cotidiano, usamos a linguagem do devaneio. Para ele, as imagens são mais ricas que os
falada, desgastada, como uma moeda que passa de mão conceitos. Estes se encontram rígidos e desgastados;
em mão. Tal fala torna-se previsível e radicaliza-se nos enquanto as imagens sugerem mobilidade e são vividas
clichês, frases feitas, mensagens e discursos conven- diretamente como acontecimentos súbitos da vida.
cionais. A linguagem autêntica, a falante, por outro lado, Assim, diz o filósofo, quando a imagem é nova, o mundo
é criativa, libertadora, pois surpreende e não se limita a é novo. Em A Poética do Devaneio, escreve: ‘A poesia é
tagarelar sobre banalidades. Ora, não é só o conteúdo que
um dos destinos da palavra. Tentando sutilizar a tomada
está em jogo, mas o uso da linguagem, como nas artes,
de consciência da linguagem ao nível dos poemas,
capaz de carregar riquezas intrínsecas, valores estéticos
chegamos à impressão de que tocamos o homem da
que revelam e ocultam universos de dizeres. A linguagem
palavra nova, de uma palavra que não se limita a exprimir
poética está inserida nessa realidade e na possibilidade
ideias ou sensações, mas que tenta ter um futuro. Dir-se-
de uso da linguagem falante, como quer o filósofo.
ia que a imagem poética, em sua novidade, abre um porvir
Martin Heidegger (1889-1976) também distingue
da linguagem’.
duas formas de linguagem. O homem, segundo o filósofo
A fenomenologia teria, portanto, a capacidade de
alemão, define-se como um ser em busca de si mesmo
evidenciar a consciência que se acha na origem da menor
e para isso, projeta-se para fora de si, mas encontra-se
variação da imagem. A imagem poética manifesta uma
mergulhado sempre na própria facticidade, na
ingenuidade primordial e, como diria Bachelard, a
contingência do mundo. A tarefa de tornar-se si mesmo,
fenomenologia é uma escola de ingenuidade, que,
porém, encontra-se alienada diante das preocupações
liquidando um passado, instaura um tempo novo e
com as questões cotidianas, vivendo assim o homem
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original. Em A Poética da Casa, Bachelard afirma que não via, um determinado estado de alma nos terá
saber é uma precondição da poesia. Não saber não transportado, pela imaginação poética e não menos real,
significa ignorar, mas um ato difícil de superação do para uma extensa landa. Uma metáfora pensa rápido,
conhecimento, para deixar emergir o novo. porque se dá pronta, e não cria uma fusão sensível entre
Em língua japonesa existe um termo que mantém a realidade íntima e externa.
certo paralelo ao conceito acima: shoshin, que pode ser Para Bachelard, o fenomenólogo se distingue do
traduzido como mente de principiante. O conceito sugere crítico literário que geralmente julga o que não pode
uma postura mental não discriminatória, disposta a escrever. Aquele revive a experiência do poeta, tornando-
apreender constantemente o novo. Há uma história se, então, poeta também. A genialidade de uma obra está
tradicional no Japão que reporta a tal postura mental. Nan- na possibilidade de tornar gênio o leitor que passa a provar
in, um mestre do zen budismo, recebeu a visita de um da liberdade, pois a poesia é o fenômeno da liberdade e
intelectual e professor que pretendia receber conhe- não há poesia sem criação absoluta. Criar em absoluto é
cimentos acerca do zen. Nan-in serviu chá, enchendo um gesto ao encontro da liberdade porquanto escapa do
completamente a xícara do professor e continuou a previsível, surpreende e instaura o novo em um mundo
despejar o chá até transbordá-lo. O professor não se desgastado por excesso de repetições, de signos
conteve e gritou: “Já está derramando! Não cabe mais esvaziados pela reificação. A poesia nos liberta, portanto,
nada!” Nan-in então respondeu: “Como posso lhe falar dos automatismos da palavra, da linguagem e do
do zen se você está cheio de opiniões e ideias prontas e pensamento.
rígidas?”. Assim, sugerido o desbloqueio, emerge o novo, Para os três filósofos acima superficialmente citados,
instaura-se a experiência fenomenológica. a poesia emerge como exercício da liberdade, como
Outro traço interessante desenvolvido por Bachelard expressão criativa e forma de conhecimento. Entre os
é a distinção entre metáfora e imagem. Para ele, a saberes que produzimos (ciência, filosofia, informação)
metáfora não se presta ao estudo fenomenológico, por entronamos a forma prosaica em detrimento da poesia.
tratar-se de uma construção e um artifício. Metáforas não Toda expressão artística, poética por excelência, criativa,
possuem raízes profundas e se equivalem aos conceitos, falante, deve ser resgatada como forma de conheci-
diante da rigidez e falta de mobilidade. Muitas vezes, as mento, permitindo que ilumine a inteligência humana que
metáforas são aplicadas convencionalmente, raramente nela se reconhece e se conhece.”
nascem originais, em aplicações singulares. Assim, por
exemplo, na expressão “asas da imaginação”, as asas Glossário
são comumente metáforas, quase inflexíveis, de liberda-
de. Por outro lado, temos as imagens: frutos da pura Fenomenologia: escola da filosofia que valoriza a
imaginação e doadoras do ser, capturadas, não construí- experiência direta com os entes para a produção de
das, na experiência fenomenológica, em que o interno e conhecimento.
externo (mundo subjetivo e objetivo) se confundem ou se Landa: extensa charneca resultante da destruição das
fundem. Assim, quando num poema lemos a palavra florestas.
landa, esta não é uma metáfora encontrada ou escolhida Reificação: objetivação, coisificação. Processo de
para exprimir determinado estado de alma. A imagem de naturalizar ideologicamente fatos sociais, culturais e
uma landa terá produzido um estado interior, ou, por outra históricos.

1. Assinale a alternativa que melhor expõe o conceito de arte em 2. Sobre a concepção que os antigos clássicos, particularmente os
filosofia da estética. gregos, tinham sobre a estética, leia e julgue as assertivas abaixo.
a) Cópia da realidade. I. Para Platão, o belo era a verdade e, portanto, era bom.
b) Produção de um sujeito que interpreta o mundo ao seu redor. II. Assim, na Antiguidade Clássica, a noção de estética era entendida
c) Sobretudo, fruto de inspiração espiritual e de estado alterado de como problema de gosto pessoal, assim como ocorre na sociedade
consciência. moderna.
d) Forma de entretenimento, mas que não reflete a realidade. III. Os clássicos entendiam a arte como fruto único de um processo
e) Forma de conhecimento que emprega sobretudo a técnica e a cultural.
racionalidade. IV. A arte estava relacionada ao Cosmos e à natureza universal. Assim,
o que era belo, deveria ser belo para todos. A noção e percepção do
RESOLUÇÃO: belo estavam inseridas na espiritualidade.
Resposta: B São verdadeiras apenas
a) I e II. b) II e III. c) I e IV. d) III e IV. e) II e IV.
RESOLUÇÃO: Resposta: C

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3. Durante a Idade Média, 6. O termo extraordinário visa à distinção do que é o ordinário, no


a) a arte foi ligada à espiritualidade e ao conhecimento metafísico. sentido do que não se insere na ordem do dia comum, e transcende o
Produziu-se intensa manifestação representativa do mundo e do sentido que tem a produção de bens de consumo, intrinsecamente
mundano. efêmeros por necessidade mercadológica. A Obra situa-se no extremo
b) a noção de estética estava ligada à representação dos mitos e das oposto dessa natureza de objetos, e só pode nascer de uma
concepções metafísicas. necessidade igualmente extraordinária. Disso conclui-se que
c) a noção de belo era relacionada à ética e houve um intenso incentivo a) o ordinário é o que não se insere na ordem do dia comum.
à arte clássica. b) o extraordinário é o que tem a produção de bens de consumo.
d) a produção artística valorizou o antropocentrismo e foi marcado pelo c) a arte se insere no ordinário, portanto, no intrinsecamente efêmero
humanismo. por necessidade mercadológica.
e) a estética separou-se da metafísica e passou a ser vista como um d) a arte insere-se no extraordinário, portanto, no intrinsecamente
fenômeno isolado pelos filósofos. efêmero por necessidade mercadológica.
e) a arte é produção estranha ao universo da ordem do dia comum, do
RESOLUÇÃO: efêmero imposto por necessidade mercadológica.
Resposta: E
RESOLUÇÃO:
Resposta: E

4. Para Schelling, o impulso criativo é involuntário, não nasce de uma


decisão da inteligência. Isso porém , para ele, significa também que: 7. No século XX, o filósofo Ludwig Wittgenstein com sua obra Tratado
a) O gênio separa natureza e inteligência. Lógico-Filosófico, de 1929, sustentara aquela que seria a sua tese
b) A dimensão profissional da arte (o ofício) pode ser aprendida, mas a fundamental. Assinale a alternativa correta.
inspiração é um dom da natureza. a) Segundo Wittgenstein, a função da linguagem seria descrever a
c) O homem não pode aprender o ofício da arte, sendo sempre nata. realidade, porque em rigor nada poderia ser dado fora da linguagem.
d) O homem nasce com a técnica da arte e ele aprende a cultivar a b) Wittgenstein acreditava que a linguagem humana era incapaz de
inspiração. interpretar a realidade concreta.
e) O artista não sofre qualquer influência do meio ou da cultura durante c) A linguagem seria uma forma de interpretação da realidade, porém,
a produção artística. essa não seria facilmente apreendida por aquela, pois a linguagem é
um código genético pouco flexível.
RESOLUÇÃO: d) A linguagem é construção da mente, distante da realidade, que
Resposta: B permanece transcendente.
e) Na filosofia de Wittgenstein, a linguagem tem papel relativo, pois ela
retrata opacamente o mundo real.

RESOLUÇÃO:
Resposta: A
5. Sobre o conhecimento e o papel da arte, é correto afirmar que:
a) O que chamamos de realidade não passa de interpretação. Assim, a
obra artística não pode ser desclassificada como sendo mera ilusão,
mas ao contrário, tem uma grande contribuição como forma de
8. Assinale a alternativa correta sobre a filosofia da linguagem do
conhecimento.
fenomenólogo Merleau-Ponty.
b) A arte é interpretação subjetiva da realidade. Somente a ciência tem
a) A linguagem difere do corpo humano, é expressão do pensamento
a propriedade de descrever a realidade de forma objetiva, imediata
puro.
e concreta.
b) A linguagem é artifício que mal expressa o pensamento.
c) O conhecimento é o acesso à realidade. A arte é a forma mais
c) Há dois tipos de linguagem: a falante, banal e utilizada no cotidiano,
objetiva e universal de acesso.
tagarelando sobre superficialidades e a falada, que instaura o novo,
d) A arte tem o papel de entreter e retirar a inteligência humana
o inesperado, como faz a poesia.
momentaneamente do árduo exercício especulativo de interpretar a
d) A linguagem expressa a racionalidade humana; enquanto o universo
realidade, tarefa essa empreendida pela filosofia e pela ciência.
emotivo é indizível.
e) A arte diferencia-se das demais formas de conhecimento por adotar
e) A linguagem é experiência sensorial do corpo e do pensamento.
um método mais indutivo e de contato com o ser empírico.

RESOLUÇÃO: RESOLUÇÃO:
Resposta: A Resposta: E

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9. Assinale a alternativa que interpreta corretamente o pensamento do 12. A língua que o homem utiliza para se comunicar e que é ensinada,
filósofo Heidegger. encontra-se estruturada toda por signos. Nesse sentido, a palavra é
a) O homem pode levar uma existência autêntica – aquela em que ele entendida como
busca o Ser – ou uma existência inautêntica, em que se vive a) um dom natural dado ao homem pela natureza ou por Deus.
esquecido da verdadeira condição do homem no mundo. b) um símbolo universal da humanidade.
b) Na existência autêntica, passa-se a viver sem questionar, aceitando c) um signo culturalmente criado que possibilita a construção do código.
padrões de comportamento, questões de moral que lhe são d) uma técnica de comunicação dos homens que surgiu apenas com o
exteriores. advento da escrita.
c) O homem sempre se realiza enquanto projeto em busca do Ser. e) um artifício cultural de comunicação e intraduzível em culturas
d) A linguagem humana pode ser autêntica, a serviço da técnica e pré- diferentes.
programada, tagarelando para fazer o homem esquecer sua angústia
e exílio. RESOLUÇÃO:
Resposta: C
e) Na existência inautêntica, ocorre a possibilidade da linguagem surgir
pela poesia como a clareira do Ser.

RESOLUÇÃO:
Resposta: A

10. A linguagem, segundo Merleau-Ponty, não é artifício do pensamen- 13. A fenomenologia é a escola filosófica que
to que não consegue se expressar, mas
a) defende o rigor teórico.
a) modelo original da cultura, jamais inventiva.
b) valoriza a experiência sensorial.
b) código genético natural e espontâneo da espécie humana.
c) entende a linguagem humana unicamente como fruto da cultura.
c) instrumental espontâneo que origina dialogicamente o pensamento.
d) está pouco preocupada com o rigor científico de análises, pois
d) instrumento de comunicação historicamente construído, não presen-
interessou-se sobretudo pela literatura.
te em qualquer comunidade.
e) considera que o conhecimento é inato e que o método dedutivo é o
e) suporte de comunicação exterior ao indivíduo.
mais adequado na produção de conhecimento.
RESOLUÇÃO: RESOLUÇÃO:
Resposta: C Resposta: B

11. Sobre a relação linguagem e sociedade, é correto afirmar que:


a) Somente os homens possuem linguagem e são seres sociais.
b) A linguagem humana é um código natural e universal, o que favorece
as comunicações e relações entre os povos.
c) O homem é um ser social e não depende da articulação de lingua-
gens para realizar essa natureza.
d) Os outros animais são seres sociais, mas não possuem linguagens
e, portanto, não se comunicam.
e) A linguagem é ferramenta de sociabilidade e os homens articulam
linguagens diversas.

RESOLUÇÃO:
Resposta: E

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14. (UNICAMP-2013) 15. (UNESP-2013) – Uma obra de arte pode denominar-se revolucionária
se, em virtude da transformação estética, representar, no destino
exemplar dos indivíduos, a predominante ausência de liberdade,
rompendo assim com a realidade social mistificada e petrificada e
abrindo os horizontes da libertação. Esta tese implica que a literatura
não é revolucionária por ser escrita para a classe trabalhadora ou para a
“revolução”. O potencial político da arte baseia-se apenas na sua própria
dimensão estética. A sua relação com a práxis (ação política) é
inexoravelmente indireta e frustrante. Quanto mais imediatamente
política for a obra de arte, mais reduzidos são seus objetivos de transcen-
dência e mudança. Nesse sentido, pode haver mais potencial subversivo
na poesia de Baudelaire e Rimbaud que nas peças didáticas de Brecht.
(Herbert Marcuse. A dimensão estética, s/d.)

Segundo o filósofo, a dimensão estética da obra de arte caracteriza-se


por
a) apresentar conteúdos ideológicos de caráter conservador da ordem
burguesa.
b) comprometer-se com as necessidades de entretenimento dos
consumidores culturais.
c) estabelecer uma relação de independência frente à conjuntura
política imediata.
d) subordinar-se aos imperativos políticos e materiais de transformação
da sociedade.
e) contemplar as aspirações políticas das populações economicamente
excluídas.

RESOLUÇÃO:
A arte, segundo o texto, estabelece uma relação de independência
em face da conjuntura política porque possui um caráter
revolucionário, rompendo com a realidade social mistificada, e
(Em http://www.moseschwartz.com/images/che_original.jpg.) estabelece uma estética livre e contestadora.
Resposta: C
A imagem acima, obra de Andy Warhol, pertence a uma série que faz
referência a outros ícones do século XX. Sobre o artista e a obra é
correto afirmar que:
a) A proliferação de imagens produzidas pela publicidade, cinema, TV
e jornais estimulou uma pintura que trouxe para a tela, com a Pop
Art, referências conhecidas.
b) Che Guevara, Pelé e Marilyn Monroe são referências em suas áreas
de atuação e foram retratados por Warhol porque o artista queria que
os jovens os imitassem.
c) O artista denunciava as ações do regime cubano, por meio da
imagem de Che Guevara, ao mesmo tempo em que criticava o
predomínio cultural americano, ao fazer trabalho semelhante com
Marilyn Monroe.
d) A Pop Art, na qual se insere Andy Warhol, é um movimento de
valorização da cultura midiática, daí sua predileção por
representantes de esquerda e de minorias, como mulheres e negros.

RESOLUÇÃO:
O artista plástico norte-americano Andy Warhol (1928-1987)
utilizou motivos e conceitos da publicidade em sua obra com o uso
de cores fortes e brilhantes e tintas acrílicas. Foi um reintérprete da
pop art, reproduzindo mecanicamente as imagens em múltiplos
trabalhos serigráficos; tematizou artigos de consumo como latas
de sopas, garrafas de coca-cola e figuras populares da mídia, como
Elvis Presley, Che Guevara, Marilyn Monroe, Pelé, Liz Taylor etc.
Resposta: A

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1. Para Schelling, toda obra de arte é um objeto concreto e um produto a) à ausência de autonomia da obra de arte.
do espírito. A arte é confluência entre espírito e matéria. Nesse sentido b) à instauração do Belo Supremo no mundo real pela produção do artista.
julgue as proposições abaixo e coloque V para as que são coerentes c) a uma postura contrária à concepção platônica de estética.
com o texto clássico dessa aula e com o pensamento de Schelling e F d) ao engajamento político do verdadeiro artista.
para as incoerentes. e) a um processo de pura ilusão produzida pelo artista.
I. Uma teoria da criação artística deve identificar o ponto de contato
entre espírito e natureza. ( ) 4. No século XX, o filósofo Ludwig Wittgenstein com sua obra Tratado
II. Somente a ciência pode ser genial, porque é representação fiel da Lógico-Filosófico, de 1929, sustentara aquela que seria a sua tese
realidade. ( ) fundamental. Comente-a
III. O impulso criativo é involuntário, não nasce de uma decisão da
inteligência. ( ) 5. Como o filósofo Merleau-Ponty compreende o problema da
IV. O gênio separa natureza e inteligência. ( ) linguagem?
V. A dimensão profissional da arte (o ofício) pode ser aprendida, mas a
inspiração é um dom da natureza. ( ) 6. Que relação existe entre ética e estética para Platão?

2. Explique a diferença entre o subjetivismo e o objetivismo na 7. Releia o texto Ilusão e Arte de Mauro Andriole e explique qual é a sua
dimensão estética. ideia central.

3. “Manifesta no mundo, ela (a obra de arte) torna-se potência pura, 8. Para o autor do texto Ilusão e Arte, o que contrapõe a obra artística
inesgotável em seu poder de indução. Trata-se da realização de um ao objeto de consumo?
Cosmo, que atravessa os limites da fugacidade sensorial e se instala na
matéria e na consciência, trazendo para o plano real, as ideias de 9. Para Heidegger, que relação existe entre a existência humana e a
eternidade, imortalidade e universalidade” (Mauro Andriole). linguagem?
O texto acima refere-se

1) V, F, V, F, V 7) O que chamamos de realidade não passa de interpretação.


Assim, a obra artística não pode ser desclassificada como
2) A estética, segundo o subjetivismo, acredita que o belo resulta sendo ilusão, mas ao contrário, tem uma grande contribuição
de um gosto pessoal, fruto da educação e das inclinações do como forma de conhecimento.
indivíduo; já para o objetivismo, o belo não depende dos
gostos pessoais, mas das características nos objetos de 8) O termo extraordinário visa à distinção do que é o ordinário,
percepção. no sentido do que não se insere na ordem do dia comum, e
transcende o sentido que tem a produção de bens de
3) Resposta: B consumo, intrinsecamente efêmeros por necessidade
mercadológica. A Obra situa-se no extremo oposto dessa
4) Segundo Wittgenstein, a função da linguagem seria descrever natureza de objetos, e só pode nascer de uma necessidade
a realidade, porque em rigor nada poderia ser dado fora da igualmente extraordinária.
linguagem.
9) O homem pode levar uma existência autêntica – aquela em
5) A linguagem seria parte do corpo humano, e não a expressão que ele busca o Ser – ou uma existência inautêntica, em que
do pensamento puro e, assim, a intenção da palavra nasce no se vive esquecido da verdadeira condição do homem no
corpo. A linguagem não seria artifício do pensamento que não mundo. Passa-se a viver sem questionar, aceitando padrões
consegue se expressar, mas instrumental espontâneo que de comportamento, questões de moral que lhe são exteriores.
origina dialogicamente o pensamento. O homem deixa de se realizar enquanto projeto. A linguagem
Além disso, o filósofo distingue dois tipos de linguagem: a humana revelaria essa dualidade mesma. De um lado, a
falada, banal e utilizada no cotidiano, tagarelando sobre linguagem inautêntica, a serviço da técnica e pré-programada,
superficialidades e a falante, que instaura o novo, o tagarelando para fazer o homem esquecer sua angústia e
inesperado, como faz a poesia. exílio; de outro, a possibilidade da linguagem surgir pela
poesia como a clareira do Ser, estado em que o homem
6) Para esse filósofo, o belo é expressão da verdade e por isso é encontra a si mesmo autenticamente.
bom. O sentido último da existência humana é a
contemplação do Belo e da Verdade.

136 –
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MÓDULO 14 Noção de Tempo e Reflexões sobre o Amor

NOÇÃO DE TEMPO 2. Texto

Por Agostinho de Hipona (S.anto Agostinho),


1. Introdução
em As confissões
O tempo é elemento físico e cultural regulador da vida (Adaptado)
humana. Assim, a humanidade organiza o tempo a partir
“O que é, efetivamente, o tempo? Quem poderá
de intervalos e períodos de duração. O tema da
explicá-lo breve e facilmente? Quem poderá alcançar sua
temporalidade interessa, de fato, aos historiadores, físi-
noção, com o pensamento, a ponto de dizer sobre ele
cos e filósofos, entre outros estudiosos do conhecimento. uma palavra exata? E, no entanto, em nossos discursos,
O historiador, por exemplo, pode questionar como o que ideia damos como mais conhecida e familiar que a
tempo tornou-se uma forma de disciplinar o trabalho de tempo? E, quando falamos a seu respeito, a
humano, aumentando a produtividade e pode relacionar o entendemos, assim como a entendemos quando dela
tema ao desenvolvimento do capitalismo. Interessa ouvimos falar. O que é, portanto, o tempo? Se ninguém
também ao historiador a elaboração de calendários e me pergunta, eu sei; se quero explicá-lo, a quem me
relógios. O físico, por influência da obra de Albert Einstein, pergunta, não sei.
vê o tempo como uma quarta dimensão do contínuo Todavia, com segurança afirmo que, se nada passas-
espaço-tempo do Universo. E o filósofo propõe uma se, não haveria o passado; se nada acontecesse, não
reflexão acerca da concepção humana de temporalidade haveria o futuro; se nada fosse, não existiria o presente.
e suas implicações existenciais. Agostinho de Hipona Mas, então, como existem esses dois tempos, o
(Santo Agostinho), por exemplo, foi um dos antigos passado e o futuro, se o passado não é mais e o futuro
especuladores acerca da natureza do tempo, destacando- ainda não é? Quanto ao presente, se fosse sempre
lhe uma dimensão metafísica. É tema de reflexão presente e não transcorresse no passado, não seria mais
filosófica e sociológica também a relação entre novas tempo e sim, eternidade. Se, portanto, o presente, para
tecnologias e a aceleração do tempo, fenômeno das fazer parte do tempo, deve existir e transcorrer no pas-
sociedades modernas, ou como preferem alguns, da sado, como podemos dizer que é , se a sua razão de ser é
o cessar de ser, uma vez que só podemos dizer que
sociedade pós-moderna.
verdadeiramente o tempo é porque tende para o não ser?
E, todavia, falamos do tempo longo e do tempo curto,
e somente em relação ao passado e ao futuro. Chama-
mos longo o passado que teve início, por exemplo, 100
anos atrás, e, do mesmo modo, longo o futuro que tem
como prazo 100 anos a partir de hoje; breve o passado de
dez dias atrás; breve o futuro daqui a dez dias. Mas de
que modo pode ser longo ou breve o que não existe?
O passado já não é mais; o futuro ainda não é. Não
dizemos, portanto, do passado: é longo; mas foi longo; e
do futuro: será longo. Meu Senhor, minha luz, assim não
estaria a realidade zombando do homem? Aquele pas-
sado efetivamente foi longo quanto? Foi longo quando era
passado ou quando ainda era presente? Tinha realmente
a possibilidade de ser longo somente quando existia
aquilo que podia ser longo. O passado já não era mais;
por isso, tampouco tinha a possibilidade de ser longo o
que não existia. Assim, não dizemos: foi longo aquele
tempo passado; também não encontraremos mais aquilo
que foi longo; porque o tempo, enquanto passado, não
existe mais...
Nem o futuro nem o pesente existem; isso agora está
muito claro. Nem se pode dizer propriamente que os
tempos são três: passado, presente e futuro. Talvez fosse
melhor dizer que os tempos são: o presente do passado;
o presente do presente; o presente do futuro. E estes
estão na alma; não os vejo alhures. O presente do
Para Agostinho (Santo Agostinho), toda percepçãp humana se enraiza passado é a memória, o presente do presente é a
no presente. percepção, o presente do futuro é a expectativa.”

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Por Henri Bergson,


em Matéria e memória

“O que é para mim o momento presente? É próprio


de o tempo decorrer; o tempo já decorrido é o passado,
e chamamos presente o instante em que decorre. Mas
não se trata aqui de um instante matemático. Existe, sem
dúvida, um presente ideal, puramente concebido, limite
indivisível que separaria o passado do futuro. Mas o
presente real, concreto, vivido, aquele de que falo quando
falo da minha percepção presente, este presente ocupa
necessariamente uma duração. Onde, portanto, está
localizada essa duração? Está aquém ou além do ponto
matemático que determino idealmente quando penso no
instante presente?
É bastante evidente que essa duração se encontra
contemporaneamente aquém e além, e o que eu deno-
mino meu presente confina ao mesmo tempo com o meu
passado e o meu futuro. Com o meu passado, antes de
tudo, porque o momento em que falo já está distante de
mim; depois com o meu futuro, porque é para o futuro
O tempo é regulador da vida e da cultura humana.
que esse momento tende, e porque se eu pudesse fixar
esse presente indivisível, este momento infinitesimal na
curva do tempo, ele me indicaria a direção do futuro. É,
Por Nietzsche, em A Ciência Gaia
portanto, necessário que o estado psicológico que eu
(sobre o mito do eterno retorno) denomino meu presente seja contemporaneamente uma
percepção do passado imediato e uma determinação do
“O que aconteceria se, um dia ou uma noite, um futuro imediato.
demônio se esgueirasse furtivamente na mais solitária Enquanto é percebido, o passado imediato é
das tuas solidões e te dissesse: ‘Esta vida, assim como a sensação, pois toda sensação traduz uma sucessão muito
vives agora e a vivestes, terás de vivê-la novamente longa de vibrações elementares; enquanto se determina,
infinitas vezes e nela não haverá nada de novo, mas o futuro imediato é ação, o movimento. O meu presente
retornarão a ti cada dor e cada prazer, cada pensamento é, portanto, contemporaneamente sensação e
e suspiro, cada coisa indizivelmente pequena ou grande movimento; e como o meu presente forma um todo
da tua vida, e tudo na mesma sequência e sucessão, indiviso, o movimento deve depender da sensação,
prolongá-la em ação. Concluo daí que o meu presente
como esta aranha e este luar por entre os ramos e
consiste em um sistema combinado de sensações e
também este instante e eu mesmo. A eterna ampulheta
movimento: é, por essência, sensório-motor.”
da existência será novamente virada e tu com ela, grão
de poeira!’ 3. Henri-Louis Bergson
Não te lançarias ao chão, rangendo os dentes e
maldizendo o demônio que assim te falou? Ou então, (Paris, 18 de outubro de 1859 — Paris, 4 de janeiro
talvez tendo vivido alguma vez um instante tão imenso, de 1941) foi um filósofo e diplomata francês.
seria esta a tua resposta: ‘Tu és um Deus e nunca ouvi Conhecido principalmente por Matière et mémoire e
nada tão divino?’ L’évolution créatrice, sua obra é de grande atualidade e
Se esse pensamento ganhasse poder sobre ti, assim tem sido estudada em diferentes disciplinas: cinema,
como és agora, ele te faria sofrer uma metamorfose e literatura, neuropsicologia, entre outras.
talvez te triturasse. A pergunta para qualquer coisa – Em 1927, obteve o Prêmio Nobel de Literatura.
’Queres isso mais uma vez e ainda inúmeras vezes?’ – Henri Bergson era filho de mãe inglesa e pai polaco.
Viveu com os seus pais alguns anos em Londres, mas aos
pesaria sobre o teu modo de agir como o maior dos
nove anos regressou a Paris, seu local de nascimento,
pesos! Ou, então, quanto terias que amar a ti mesmo e à
onde se naturalizou francês. Ali fez os seus estudos,
vida, para não desejar nada mais que esta última e eterna
licenciando-se em Letras e em 1881 tornou-se professor,
confirmação, esta chancela?...” lecionando em várias localidades da França.

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Em 1889 obteve o lecem os calendários e os relógios. Ele é simbolizado por


doutoramento em Letras um turbilhão. O tempo histórico está como que encaixa-
pela Universidade de do no tempo cósmico e se pode contá-lo matematica-
Paris, com uma tese mente por dezenas de anos, por séculos, por milênios.
sobre Aristóteles. No Nenhum fato, porém, pode nele se repetir. Está
ano seguinte obteve um simbolizado por uma linha dirigida para o futuro, para a
lugar como professor no
novidade. O tempo existencial não se calcula matematica-
Collège de France.
mente. Seu curso depende da intensidade com a qual se
A partir de 1925, passa
a sofrer de um vive nele, depende de nossos sofrimentos e de nossas
reumatismo deforman- alegrias’. Não se mede nem se avalia uma existência pelo
te, que o deixará número de anos, nem pelo período histórico, mas, sim,
semiparalisado, a ponto pela vivência plena e intensa, repleta de ações que
de impedi-lo de ir a perenemente repercutirão. Bem afirmou Vieira: ‘Nem
Estocolmo para receber todos os anos que passam se vivem: uma coisa é contar
o Nobel de Literatura de os anos, outra é vivê-los’. As ações são, em verdade, os
1927. Faleceu em 1941, dias e é por elas que têm valor os anos.
aos 81 anos. O viver em plenitude cada instante é o segredo da
verdadeira vida. Cristo viveu 33 anos. Alexandre Magno, 32.
Tomás de Aquino, 48. Luís Gonzaga, 23. Alberto Magno,
4. TEXTO
32. Franz Schubert, 31. Mozart, 35. A eles e a tantos outros
se aplica o dito da Escritura: ‘Tendo vivido pouco, encheram
Filosofia do tempo
a carreira duma larga vida’. Tanto é verdade que o
Por Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho
importante não é viver muito, mas viver bem.
Os que tiveram existência longa só continuam na
“O tempo é um dos temas que sempre atraíram a
lembrança dos pósteros porque souberam bem se
atenção do ser racional. Trata-se de conhecê-lo, diagnos-
aproveitar de seus dias. Eis porque Horácio lançou esta
ticá-lo, para dar dimensões mais amplas ao desenvol-
sentença: ‘carpe diem, quam minimum credula postero’
vimento pessoal. A Filosofia ensina-nos que ele é um fluir
– aproveita o dia presente e não queiras confiar no de
constante. Uma sucessão ininterrupta, na qual todas as
amanhã. Escrivá dá este conselho: ‘Que a tua vida não
coisas que a experiência nos mostra nascem, existem e
seja estéril. Sê útil. Deixa rasto’. É dos latinos a máxima:
morrem. É fatalmente irreversível: nenhum esforço hu-
‘age quod agis’ – faze bem o que estas fazendo.
mano o pode deter, retardar ou acelerar. Tudo, com
Goethe dá o motivo: ‘Cada momento, cada segundo
movimento perpétuo e revolução perene, passa e vai
é de um valor infinito, pois ele é o representante de uma
passando. Daí o natural interesse do homem pelo tempo.
eternidade inteira’. Ideia já expressa por Apuleio: ‘tempus
Os sábios da Grécia falavam em seis idades: infância,
aevi imaginem’ – o tempo é a imagem da eternidade.
puerícia, adolescência, juventude, idade adulta, velhice.
Virgílio advertiu que não se pode dissipar o tempo: ‘Fugit
Salomão e Confúcio sintetizavam a vida humana em três
irreparabile tempus’ – foge o irreparável o tempo. A ele
etapas: juventude, maturidade e velhice. Shakespeare
fez eco Horácio: ‘Eheu! Fugaces labuntur anni’ – ai de
classificou a existência humana em sete períodos. Sábios
e pensadores, analisando a trajetória do homem neste nós, os anos fogem rápidos! Escapam-nos.
mundo, vêm tecendo considerações sobre o tempo e Razão teve Riminaldo ao escrever: ‘Há quatro coisas
indagam: – Onde estamos? – Para onde vamos? – Que que não voltam atrás: a pedra, depois de solta da mão; a
podemos saber? – Que devemos fazer? – Que nos é lícito palavra, depois de proferida; a ocasião, depois de perdida;
esperar? Eis aí problemas fundamentais intimamente e o tempo, depois de passado’. É de Bulwer-Lytton o dito
relacionados com o tempo. Seja qual for a solução, cada famoso: ‘Time is money’ – o tempo é dinheiro. Quevedo
um joga com um período de vida que lhe é outorgado para faz esta ponderação: ‘Sabes tu, porventura, o que vale
levar a bom termo o fim supremo de sua existência. um dia? Conheces o preço de uma hora? Examinaste, já,
O gênio Aristóteles deixou esta definição: ‘O tempo o valor do tempo? Decerto não, porque o deixas passar,
é o número (soma) do movimento, segundo o anterior e alegre, descuidado da hora que, fugitiva e secreta, te leva
o posterior’. Daí a distinção entre o tempo cósmico, preciosíssimo roubo. Quem te disse que o que já foi,
histórico e existencial, de tanta importância e consequên- voltará, quando te for preciso, se o chamares? Dize-me:
cias. viste já alguma pegada do dia? Não! Ele só volta à cabeça
Magnífica a análise feita por Berdiaeff: ‘O tempo para rir e zombar daqueles que assim o deixaram passar’.
cósmico é calculado matematicamente sobre o movi- Tudo isto merece uma reflexão profunda.”
mento de rotação em torno do sol. Com ele se estabe-

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REFLEXÕES SOBRE O AMOR ciência e psicanálise, como Sigmund Freud, considerado


por muitos o pai da psicanálise.
5. Introdução

O termo amor tem origem no latim amor e expressa


grande variedade de sentidos. Amor geralmente está
relacionado a um íntimo sentimento de afeição cujo
objeto pode ser de ordem física ou espiritual. A atração
sexual ou estética, por exemplo, é de ordem física; a
compaixão ou a devoção religiosa, de ordem espiritual. O
conceito pode implicar uma relação, ou seja, o amor,
nesse caso, não é unilateral, mas um sentimento mútuo
compartilhado, em que não se faz a clara distinção entre
objeto e sujeito. Assim, o amor estimula os sentidos e os
estados psicológicos, inclinando-os para a atração,
reproduzindo e alimentando esse sentimento.
O amor genuíno inclina-se ao desejo de fazer o bem ao
seu objeto. Fala-se, portanto, do amor de mãe, do amor
fraterno, do amor a Deus, do amor à vida, do amor pelo
conhecimento (Filosofia) e até de amor platônico, ou seja,
aquele que inspira à contemplação.
O amor também está no centro da filosofia e tradição
religiosa cristã. O professor Anderson Pereira da Cruz
escreveu: “A Bíblia nos dá uma grande tradução para o
amor em I Coríntios 13. O amor é diferente de sexo. O
sexo é um complemento do amor no matrimônio, namoro
O triunfo de Vênus, de Angelo Brozino. Uma obra de arte que expressa
ou noivado. O amor busca o bem da (o) parceira (o), busca
belamente o erótico.
a verdade, a fidelidade, a comunhão. O amor não se
ufana, não se irrita por qualquer motivo”. 6. Texto
O Amor como Fator Civilizador
O Amor Platônico
Por Sigmund Freud, em Psicologia das massas e a
Platão escreveu uma apologia sobre o amor chamada análise do eu.
O banquete. Para Platão, o homem porta um impulso
nostálgico, pois a alma preexiste e tem sua origem num “As provas da psicanálise demonstram que quase
mundo de idealidades. O mundo material seria apenas um toda relação emocional íntima entre duas pessoas que
jogo de sombras do verdadeiro mundo das ideias. Para perdura por certo tempo — casamento, amizade, as
esse filósofo grego, há nos homens um Bem ansiado de relações entre pais e filhos — contém um sedimento de
ordem metafísica e dele nasce o Eros. sentimentos de aversão e hostilidade, o qual só escapa à
Eros é, na mitologia grega, o deus do amor, mas percepção em consequência da repressão. Isso se acha
representa a parte consciente da experiência de atração menos disfarçado nas altercações comuns entre sócios
que uma pessoa sente por outra. Daí vem o termo comerciais ou nos resmungos de um subordinado em
erótico. Para Platão, a contemplação espiritual é a forma relação ao seu superior.
transcendente e verdadeira de amar. A mesma coisa acontece quando os homens se
Hoje, amor platônico expressa um amor ideal, alheio reúnem em unidades maiores. Cada vez que duas famílias
aos interesses ou ao gozo e o termo é usado muito para se vinculam por matrimônio, cada uma delas se julga
designar um amor casto. Trata-se de uma adulteração do superior ou de melhor nascimento do que a outra. De
sentido original e filosófico de amor platônico. Esse queria duas cidades vizinhas, cada uma é a mais ciumenta rival
dizer a busca da verdade essencial, pois para o da outra; cada pequeno cantão encara os outros com
pensamento de Platão, o amor é ausência, pois os desprezo. Raças estreitamente aparentadas mantêm-se a
homens estão na matéria, distantes do mundo original. certa distância uma da outra: o alemão do sul não pode
Para Platão, assim como para a tradição cristã, o amor se suportar o alemão setentrional, o inglês lança todo tipo
insere numa dimensão metafísica. Outros autores de calúnias sobre o escocês, o espanhol despreza o
trataram o amor sob a ótica da filosofia materialista, ou da português. Não ficamos mais espantados que diferenças
maiores conduzam a uma repugnância quase insuperável,
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tal como a que o povo gaulês sente pelo alemão, o ariano interesse em si própria, sem qualquer adição de libido,
pelo semita. Quando essa hostilidade se dirige contra não deve necessariamente conduzir à tolerância das
pessoas que de outra maneira são amadas, descrevemo- outras pessoas e à consideração para com elas. Essa
la como ambivalência de sentimentos e explicamos o objeção pode ser enfrentada pela resposta de que, não
fato, provavelmente de maneira demasiadamente obstante, nenhuma limitação duradoura do narcisismo é
racional, por meio das numerosas ocasiões para conflitos efetuada dessa maneira, visto que essa tolerância não
de interesse que surgem precisamente em tais relações persiste por mais tempo do que o lucro imediato obtido
mais próximas. pela colaboração de outras pessoas. Contudo, a
Nas antipatias e aversões indisfarçadas que as importância prática desse debate é menor do que se
pessoas sentem por estranhos com quem têm de tratar, poderia supor, porque a experiência demonstrou que, nos
podemos identificar a expressão do amor a si mesmo, do casos de colaboração, se formam regularmente laços
narcisismo. Esse amor a si mesmo trabalha para a libidinais entre os companheiros de trabalho, laços que
preservação do indivíduo e comporta-se como se a prolongam e solidificam a relação entre eles até um ponto
ocorrência de qualquer divergência das suas próprias além do que é simplesmente lucrativo. A mesma coisa
linhas específicas de desenvolvimento envolvesse uma ocorre nas relações sociais dos homens, como se tornou
crítica delas e uma exigência da sua alteração. Não familiar à pesquisa psicanalítica no decurso do
sabemos por que tal sensitividade deva dirigir-se desenvolvimento da libido individual. A libido liga-se à
exatamente a esses pormenores de diferenciação, mas satisfação das grandes necessidades vitais e escolhe
é inequívoco que, em relação a tudo isso, os homens dão como seus primeiros objetos as pessoas que têm uma
provas de uma presteza a odiar, de uma agressividade parte nesse processo. E, no desenvolvimento da
cuja fonte é desconhecida, e à qual se fica tentado a humanidade como um todo, do mesmo modo que nos
atribuir um caráter elementar. indivíduos, só o amor atua como fator civilizador, no
Mas, quando um grupo se forma, a totalidade dessa sentido de ocasionar a modificação do egoísmo em
intolerância desvanece-se, temporária ou permanente- altruísmo. E isso é verdade tanto quanto ao amor sexual
mente, dentro do grupo. Enquanto uma formação de pelas mulheres, com todas as obrigações que envolve de
grupo persiste ou até onde ela se estende, os indivíduos não causar dano às coisas que são caras às mulheres,
do grupo comportam-se como se fossem uniformes, quanto do amor dessexualizado e sublimado, por outros
toleram as peculiaridades dos seus outros membros, homens, que se origina do trabalho em comum.”
igualam-se a eles e não sentem aversão por eles. Tal
Glossário
limitação do narcisismo, de acordo com nossas
concepções teóricas, só pode ser produzida por um Libido: (do latim, significando “desejo” ou “anseio”) é
determinado fator, um laço libidinal com as outras caracterizada como a energia aproveitável para os
pessoas. O amor por si mesmo só conhece uma barreira: instintos de vida. De acordo com Freud, o ser humano
o amor pelos outros, o amor por objetos. Levantar-se-á apresenta uma fonte de energia separada para cada um
imediatamente a questão de saber se a comunidade de dos instintos gerais.

Leitura Complementar: Freud

Sobre Freud, em Netsaber Biografias. Ao se formar, passou a clinicar no Hospital Geral de


(Modificado) Viena. Freud trabalhou por seis meses com o neurologis-
ta francês Jean-Martin Charcot,
“O criador da psicanálise nasceu na região da que lhe mostrou o uso da
Morávia, que então fazia parte do Império Austro- hipnose.
Húngaro, hoje na República Checa. Sua mãe, Amalie, era Em parceria com o médico
a terceira esposa de Jacob, um modesto comerciante. A Joseph Breuer, seu principal
família mudou-se para Viena em 1860. colaborador, ele publicou em
Em 1877, ele abreviou o seu nome de Sigismund 1895 o Estudo sobre Histeria.
Schlomo Freud para Sigmund Freud. Foi aluno da O livro descreve a teoria de que
Faculdade de Medicina da Universidade de Viena de 1873 as emoções reprimidas levam
a 1882, onde pesquisava no laboratório de Neurofisiologia. aos sintomas da histeria, que

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poderiam desaparecer se o paciente conseguisse se Sensibilizado pela Primeira Guerra Mundial e pela
expressar. morte da filha Sophie, vítima de gripe, Freud teorizou
Insatisfeito com a hipnose, Freud desenvolveu o que sobre a luta constante entre a força da vida e do amor
é hoje a base da técnica psicanalítica: a livre associação. contra a morte e a destruição, simbolizados pelos deuses
O paciente é convidado a falar o que lhe vem à mente gregos Eros (amor) e Tanatos (morte). A sua teoria da
para revelar memórias reprimidas causadoras de mente ganhou forma com a publicação em 1923, de O
neuroses. ego e o id.
Em 1899, publicou A interpretação dos sonhos, no Em 1936, disse considerar um avanço seus livros
qual afirma que os sonhos são ‘a estrada mestra para o terem sido queimados pelos nazistas. Afinal, no passado,
inconsciente’, a camada mais profunda da mente eram os autores que iam à fogueira. Mas a subida de
humana, um mundo íntimo que se oculta no interior de Hitler ao poder ditatorial não demorou e a perseguição aos
cada indivíduo, comandando seu comportamento, a judeus se intensificou. Em 1938, já velho e com câncer,
despeito de suas convicções conscientes. Mesmo com fugiu para a Inglaterra, onde morreu no ano seguinte. Com
dificuldades para ser reconhecido pelo meio acadêmico, Martha Bernays, teve seis filhos. A caçula Ana tornou-se
Freud reuniu um grupo que deu origem, em 1908, à discípula, porta-voz do pai, e uma eminente psicanalista.
Sociedade Psicanalítica de Viena. Seus mais fiéis segui- Atualmente, Freud continua tão polêmico quanto na
dores eram Karl Abraham, Sandor Ferenczi e Ernest época em que esteve vivo. Por um lado, é verdadeiramen-
Jones. Já Alfred Adler e Carl Jung acabaram como te idolatrado por seguidores ortodoxos da teoria
dissidentes. psicanalítica – e, aliás, em vida, Freud demonstrava uma
A perda de Jung foi muito mais dolorosa, pois Freud inegável satisfação em ser reverenciado como um gênio.
esperava que o discípulo, suíço e protestante, projetasse Por outro, é visto também como um mistificador,
a psicanálise além do ambiente judaico. Além de discordar principalmente a partir da década de 1990, quando as
do papel prioritário dado por Freud ao desejo, Jung se descobertas da neurociência questionaram muitos dos
tornou místico. princípios fundamentais da psicanálise.”

1. A realidade psicológica do presente é a duração do tempo. O 3. Segundo José Geraldo V. de Carvalho, viver bem é viver plenamen-
presente confina com o passado imediato (sensação) e com o futuro te e intensamente. Ele cita importantes personagens que fizeram a
imediato (ação). O presente consiste em um sistema combinado de história da cultura humana e que viveram pouco tempo, como Alexandre
sensações e movimento. Esse pensamento provém do filósofo: Magno, Tomás de Aquino, Alberto Magno, os compositores Schubert e
a) Agostinho (S. Agostinho). b) Heidegger. Mozart e o próprio Cristo. Portanto
c) Merleau-Ponty. d) Nietzsche. a) viver bem é ter uma longa vida saudável.
e) Bergson. b) longevidade é qualidade de vida.
c) para o autor, viver bem não significa necessariamente viver muito
RESOLUÇÃO: tempo.
Resposta: E d) viver plenamente é ter saúde, vida longa e trabalhar.
e) as condições profiláticas (de saúde física) são fundamentais para que
se produza qualidade e plenitude de vida.
2. “A reflexão sobre o tempo propõe importantes questões sobre a
vida humana e seu sentido e brevidade, como: Onde estamos? – Para RESOLUÇÃO:
onde vamos? – Que podemos saber? – Que devemos fazer? – Que nos Resposta: C
é lícito esperar”?
(José Geraldo V. de Carvalho) 4. Pode-se questionar como o tempo tornou-se uma forma de
disciplinar o trabalho humano, aumentando a produtividade e pode
O título mais adequado para esse texto é: relacionar o tema ao desenvolvimento do capitalismo. Interessa também
a) Em busca da origem da espécie humana. para entender a elaboração de calendários e relógios. Vê-se o tempo
b) Objeto fundamental de toda forma de conhecimento humano. como uma quarta dimensão do contínuo espaço-tempo do Universo.
c) A função única da filosofia. Propõe-se uma reflexão acerca da concepção humana de temporalidade
d) A relação entre o problema do tempo e a filosofia. e suas implicações existenciais ou a relação entre tempo e metafísica.
e) Em busca do tempo perdido. Essas três preocupações em estudar o tempo podem ser identificadas,
respectivamente, nas atividades do
RESOLUÇÃO: a) historiador, físico e filósofo. b) filósofo, físico e historiador.
Resposta: D c) físico, historiador e filósofo. d) sociólogo, historiador e físico.
e) historiador, sociólogo e filósofo.
RESOLUÇÃO: Resposta: A

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5. “O passado já não é mais; o futuro ainda não é. Não dizemos, 7. O amor sempre foi objeto de especulação filosófica. Leia e julgue as
portanto, do passado: é longo; mas foi longo; e do futuro: será longo. proposições abaixo.
Meu Senhor, minha luz, assim não estaria a realidade zombando do I. O termo amor tem origem no latim amor e expressa grande varie-
homem? Aquele passado efetivamente foi longo quanto? Foi longo dade de sentidos. Amor geralmente está relacionado a um íntimo
quando era passado ou quando ainda era presente? Tinha realmente a sentimento de afeição cujo objeto é de ordem física.
possibilidade de ser longo somente quando existia aquilo que podia ser II. Tratando-se sempre de uma experiência física, a atração pode ser
longo. O passado já não era mais; por isso, tampouco tinha a de ordem sexual ou estética.
possibilidade de ser longo o que não existia. Assim, não dizemos: foi III. A devoção ou a contemplação são experiências abstratas, não
longo aquele tempo passado; também não encontraremos mais aquilo passíveis de estudo e reflexão filosófica. Há muito que a metafísica
que foi longo; porque o tempo, enquanto passado, não existe mais... e a experiência fenomenológica de ordem espiritual deixaram de ser
Nem o futuro nem o pesente existem; isso agora está muito claro. Nem levadas a sério pelos especialistas sérios em filosofia.
se pode dizer propriamente que os tempos são três: passado, presente IV. O conceito de amor pode implicar uma relação, ou seja, o amor, nesse
e futuro. Talvez fosse melhor dizer que os tempos são: o presente do caso, não é unilateral, mas um sentimento mútuo compartilhado, em
passado; o presente do presente; o presente do futuro. E estes estão na que não se faz a clara distinção entre objeto e sujeito.
alma; não os vejo alhures. O presente do passado é a memória, o presente Assinale a alternativa que expõe a(s) correta (s):
do presente é a percepção, o presente do futuro é a expectativa.” a) Todas. b) I, II e IV, apenas. c) I e III, apenas.
(Santo Agostinho) d) IV, apenas. e) I, II e III, apenas.
Com essas palavras, o filósofo cristão pretendeu afirmar que
RESOLUÇÃO:
a) o tempo não existe.
Resposta: D
b) o tempo está na alma humana.
c) o tempo é um mistério divino.
d) o tempo está dividido em passado, presente e futuro.
8. O amor também está no centro da filosofia e tradição religiosa cristã.
e) a temporalidade resulta em uma concepção resultante de processos
O Professor Anderson Pereira da Cruz escreveu: “A Bíblia nos dá uma
da cultura.
grande tradução para o amor em I Coríntios 13. O amor é diferente de
RESOLUÇÃO:
sexo. O sexo é um complemento do amor no matrimônio, namoro ou
Resposta: B
noivado. O amor busca o bem da (o) parceira (o), busca a verdade, a
6. “O que aconteceria se, um dia ou uma noite, um demônio se esguei- fidelidade, a comunhão. O amor não se ufana, não se irrita por qualquer
rasse furtivamente na mais solitária das tuas solidões e te dissesse: motivo”. Segundo o texto, conclui-se que
‘Esta vida, assim como a vives agora e a vivestes, terás de vivê-la a) não há sexo sem amor.
novamente infinitas vezes e nela não haverá nada de novo, mas b) o sexo nunca é expressão de amor.
retornarão a ti cada dor e cada prazer, cada pensamento e suspiro, cada c) a sexualidade humana é mera expressão de animalidade, enquanto o
coisa indizivelmente pequena ou grande da tua vida, e tudo na mesma amor, de pura espiritualidade.
sequência e sucessão, como esta aranha e este luar por entre os ramos d) no casamento, o amor é complemento da relação sexual, não
e também este instante e eu mesmo. A eterna ampulheta da existência podendo ocorrer senão dentro da tradição cristã.
será novamente virada e tu com ela, grão de poeira!’ e) o amor genuíno é desejo de fazer o bem ao outro.
Não te lançarias ao chão, rangendo os dentes e maldizendo o demônio
que assim te falou? Ou então, talvez tendo vivido alguma vez um RESOLUÇÃO:
instante tão imenso, seria esta a tua resposta: ‘Tu és um Deus e nunca Resposta: E
ouvi nada tão divino?’
Se esse pensamento ganhasse poder sobre ti, assim como és agora,
ele te faria sofrer uma metamorfose e talvez te triturasse. A pergunta
para qualquer coisa – ‘Queres isso mais uma vez e ainda inúmeras 9. Platão escreveu uma apologia sobre o amor chamada O Banquete.
vezes?’ – pesaria sobre o teu modo de agir como o maior dos pesos! Ou, Leia e julgue as assertivas.
então, quanto terias que amar a ti mesmo e à vida, para não desejar I. Para Platão, o homem porta um impulso nostálgico, pois a alma
nada mais que esta última e eterna confirmação, esta chancela?...” preexiste e tem sua origem num mundo de idealidades.
(Nietzsche) II. O mundo das ideias seria apenas um jogo de sombras do verdadeiro
As palavras de Nietzsche referem-se ao seu conceito de “mito do mundo material.
eterno retorno”. III.Para esse filósofo grego, há nos homens um Bem ansiado de ordem
A partir das palavras do filósofo, pode-se afirmar que metafísica e dele nasce o Eros.
a) pretendia defender uma concepção metafísica ou religiosa do tempo,
pois fala em eternidade. Está (ão) correta(s) apenas
b) pretendeu dizer que o tempo é um mito. a) Todas. b) I e II, apenas. c) I e III, apenas.
c) pretendeu afirmar que o tempo é uma criação de Deus. d) I, apenas e) II e III, apenas.
d) falou da incomensurabilidade do tempo.
e) defendeu a ideia de se conduzir uma existência dionisíaca RESOLUÇÃO:
Resposta: C
(fundamentada na busca do prazer).
RESOLUÇÃO:
Resposta: E

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10. Para Platão, a contemplação espiritual é a forma transcendente e TEXTO B


verdadeira de amar. Sobre esse conceito, assinale a alternativa errada: “E, no desenvolvimento da humanidade como um todo, do mesmo
a) Hoje, amor platônico expressa um amor ideal, alheio aos interesses modo que nos indivíduos, só o amor atua como fator civilizador, no
ou ao gozo e o termo é usado muito para designar um amor casto. sentido de ocasionar a modificação do egoísmo em altruísmo. E isso é
Trata-se de uma adulteração e reinterpretação do sentido original e verdade tanto quanto ao amor sexual pelas mulheres, com todas as
filosófico de amor platônico. obrigações que envolve de não causar dano às coisas que são caras às
b) Amor platônico queria dizer a busca da verdade existencial, pois para mulheres, quanto do amor dessexualizado e sublimado, por outros
o pensamento de Platão, o amor é presença, pois os homens estão homens, que se origina do trabalho em comum.”
vivendo em seu mundo original. (Freud)
c) Para Platão, assim como para a tradição cristã, o amor se insere
numa dimensão metafísica. Os dois textos falam sobre o amor, um se referindo ao conceito de amor
d) O homem é portador de uma ansiedade ou sede ontológica (própria em Platão e o outro, um texto do pai da psicanálise Freud. Apesar de
do ser), natural. serem textos tão distintos, uma temática aparece nos dois. Assinale a
e) A contemplação é expressão do amor platônico. alternativa que revela o conceito que sintetiza esse tema.
a) Homossexualidade.
RESOLUÇÃO: b) Sublimação.
Resposta: B c) Filosofia.
d) Afeto puro.
11. Amor platônico, na acepção vulgar, é toda a relação afetuosa em que e) Pederastia.
se abstrai o elemento sexual, idealizada por elementos de gêneros
diferentes - como num caso de amizade pura, entre duas pessoas. RESOLUÇÃO:
Esta definição, contudo Resposta: B
a) difere da concepção mesma do amor ideal de Platão, o filóso-
fo grego da Antiguidade, que concebera o amor como algo essencial-
mente puro e desprovido de paixões, ao passo em que estas são 13. “Mas, quando um grupo se forma, a totalidade dessa intolerância
essencialmente cegas, materiais, efêmeras e falsas. desvanece-se, temporária ou permanentemente, dentro do grupo.
b) difere da concepção original, pois o amor, no ideal platônico, se Enquanto uma formação de grupo persiste ou até onde ela se estende,
fundamenta num interesse sexual. os indivíduos do grupo comportam-se como se fossem uniformes,
c) difere da concepção do filósofo grego, para quem só há um amor toleram as peculiaridades dos seus outros membros, igualam-se a eles
autêntico que é o filosófico, ou seja, o amor pelo conhecimento. e não sentem aversão por eles. Tal limitação do narcisismo, de acordo
d) difere da concepção grega antiga, pois o amor era virtude espiritual com nossas concepções teóricas, só pode ser produzida por um
e abstinência física. determinado fator, um laço libidinal com as outras pessoas. O amor por
e) difere da concepção original, pois para Platão, o amor era experiência si mesmo só conhece uma barreira: o amor pelos outros, o amor por
concreta e existencial, verificável nas relações domésticas. objetos.”
Para Freud, então ocorre
RESOLUÇÃO: a) a passagem do egoísmo para o altruísmo.
Resposta: A b) a ameaça às relações humanas de solidariedade.
c) a perda da identidade singular.
12. Leia os textos: d) a crise da civilização.
e) o complexo de Édipo.
TEXTO A
“Ironicamente, tanto Platão quanto Sócrates e Ficino falavam do RESOLUÇÃO:
amor como uma espécie de amizade pedagógica, mas também tinham Resposta: A
especial predileção sexual por jovens do sexo masculino. Os três
possuíam este afeto puro pelos discípulos, mas nutriam interesse
erótico por rapazes. O conceito de amor platônico surge, assim, num 14. O termo vem do latim e significa anseio. É caracterizada como a
contexto em que se debatia a pederastia (homossexualidade) mundana energia aproveitável para os instintos de vida. De acordo com Freud, o
contra o amor filosófico puro (castidade), decorrente da visão contida ser humano apresenta uma fonte de energia separada para cada um dos
nos escritos de Platão. instintos gerais.
Levando-se em conta a definição atual do amor platônico, existe um Assinale a alternatia que expõe o conceito descrito.
paradoxo quando se leva em consideração a vida e os ensinamentos a) Pulsão.
desses filósofos. Platão e os demais não ensinaram que a relação de b) Eros.
um homem com um rapaz deveria possuir o interesse erótico, mas sim c) Amor
que o desejo pela beleza (em si mesma) do jovem deve ser o d) Libido.
fundamento da amizade e amor entre ambos. Mas, reconhecendo que e) Sublimação.
o desejo erótico do homem pelo jovem desvia as energias, é sábio
resistir e opor-se o Eros (amor) de sua expressão sexual, canalizando-se RESOLUÇÃO:
as forças para as esferas intelectuais e emocionais.” Resposta: D
(Wikipédia, sobre o amor platônico)

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15. O homem porta certa vocação à rivalidade natural, que resulta da 16. No desenvolvimento da humanidade como um todo, do mesmo
autopreservção narcísica e resulta numa hostilidade no convívio. modo que nos indivíduos, só o amor atua como fator civilizador, no
Segundo Freud, ainda podemos dizer que sentido de ocasionar a modificação do egoísmo em altruísmo.
a) essa rivalidade e hostilidade são insuperáveis. Analise as assertivas que pretendem se relacionar com o conteúdo da
b) são pulsões humanas ingovernáveis e não reprimidas, o que explica ideia acima.
o grande número de tensões e conflitos que tecem as relações I. Essa ideia é defendida por Sigmund Freud.
humanas. II. O convívio íntimo é elemento facilitador desse processo.
c) o convívio com grupos maiores tende a diluir essa tendência e III. O convívio sublima a libido em favor de grandes realizações
sublima-se a libido na consolidação da civilização. humanas. Dá-se, assim, o processo da civilização.
d) no grupo, o narcisismo é diluido, o que representa uma ameaça à
Está (ão) correta(s)
autopreservação e, consequentemente, à vida humana.
a) Todas. b) I e II, apenas. c) I e III, apenas.
e) o indivíduo é reprimido pelo advento da civilização, perdendo sua
d) I, apenas. e) II e III, apenas.
estrutura humana original, obstruindo sua faculdade natural para amar.

RESOLUÇÃO:
RESOLUÇÃO: Resposta: C
Resposta: C

1. Leia o texto de Agostinho de Hipona (S. Agostinho) e julgue as 3. Sobre a antropologia filosófica de Platão, é coerente afirmar que:
assertivas abaixo, colocando V para as verdadeiras e F para as falsas. a) Platão foi um empiricista.
I. Para Agostinho (S. Agostinho), somente o presente possui um b) Nos sentidos, o homem realiza a sua humanidade.
comprimento. ( ) c) O intelecto é um obstáculo ao desenvolvimento dos sentidos,
II. O tempo pode ser medido somente no presente. ( ) capazes de produzir conhecimento.
III. Há um tempo outro em que o presente se torna pleno e que se d) A alma preexiste mas não sobrevive à morte do corpo.
chama eternidade. ( ) e) Há um impulso nostálgico no homem (o Bem ansiado) que se
IV. Toda experiência humana está enraizada na percepção do presente. manifesta na experiência do Eros.
( )
4. Que relação Freud estabeleceu entre o amor e a civilização?

5. Leia o texto de Bergson e sintetize a sua ideia central.


2. Sobre o texto de Nietzsche, é possível afirmar que
a) é impossível conceber o tempo numa estrutura cíclica.
6. Segundo o cônego José Geraldo V. de Carvalho, no texto de leitura
b) a perda do sentido linear do tempo comportaria uma revolução na
complementar, que relação existe entre o problema do tempo e a
psicologia humana.
filosofia?
c) o homem coerente e feliz não aceita a ideia ou o mito do eterno
retorno. 7. Segundo o texto de José Geraldo V. de Carvalho, ter uma vida longa
d) o mito do eterno retorno pode tornar a vida mais penosa e infeliz. implica viver bem? Justifique.
e) cada ser humano percebe o tempo a sua maneira.
8. Qual é o sentido original da expressão amor platônico?

1) F, V, V, V. 2) B 3) E 6) A reflexão sobre o tempo propõe importantes questões sobre


a vida humana e seu sentido e brevidade, como: Onde
4) Há nos indivíduos, segundo Freud, uma inclinação original estamos? – Para onde vamos? – Que podemos saber? – Que
para sentimentos de hostilidade, mas os homens estabelecem devemos fazer? – Que nos é lícito esperar?
relações entre si, por laços libidinais e os indivíduos do grupo
7) Não. Para o autor, viver bem é viver plenamente e
comportam-se como se fossem uniformes, toleram as
intensamente e não necessáriamente muito. Ele cita
peculiaridades dos seus outros membros, igualam-se a eles e não
importantes personagens que fizeram história da cultura
sentem aversão por eles. A civilização é formada por esses laços a
humana e que viveram pouco tempo, como Alexandre Magno,
partir da transformação do egoísmo em altruísmo.
Tomás de Aquino, Alberto Magno, os compositores Schubert
e Mozart e o próprio Cristo.
5) A realidade psicológica do presente é a duração do tempo. O
8) A expressão queria dizer a busca da verdade essencial, visto
presente confina com o passado imediato (sensação) e com o
que para o pensamento de Platão, o amor é ausência, pois os
futuro imediato (ação). O presente consiste em um sistema
homens estão na matéria, distantes do mundo original. Nesse
combinado de sensações e movimento.
sentido, amor platônico é um exercício de contemplação
metafísica.

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MÓDULO 15 O Problema da Liberdade e o Consumismo

O PROBLEMA DA LIBERDADE 2. Texto

1. Introdução Direito e Liberdade


Por Rosana Madjarof
Em filosofia, o conceito de liberdade indica um estado
de autonomia do espírito humano, intelectual e físico, que “Pensar o Direito é pensar a Liberdade. Fazer agir o
dificulta a submissão do sujeito. Segundo o filósofo Direito, é viver a Liberdade. Intrinsecamente ligados, é
Descartes (1596-1650), torna-se necessário conhecer e mister que se faça valer o direito à liberdade dentro dos
compreender as alternativas ao alcance da nossa escolha parâmetros e paradigmas do Direito, isto é, temos o
para experimentar maior liberdade. Nesse sentido, o direito de nascer, crescer, estudar, comer, morar e morrer.
indivíduo precisa buscar se informar acerca das Esses direitos são necessários para se encontrar, de uma
alternativas. forma ou de outra, os caminhos, as metas e os objetivos
de cada indivíduo – tanto para o bem, quanto para o mal –,
Para o filósofo Kant (1725-1804), a autonomia de ou seja, a liberdade será determinada pelos seus
espírito requer a apropriação de regras para o “agir” princípios de ‘direito’: o errar e o acertar.
racional. A razão e a liberdade se implicam e, assim como A liberdade, antes de tudo, deve ser vista com
em Descartes, a relação exige conhecimento. Continua responsabilidade. A responsabilidade de nossos atos é
Kant afirmando que é necessário também que o indivíduo fator sumamente importante para que possamos fazer jus
seja consciente de sua liberdade. a ‘essa tal liberdade’...
Já para outro filósofo, Schopenhauer (1788-1860), a Nos dias atuais, vemos e ouvimos, a toda hora e em
ação humana não é totalmente livre, pois o homem não é todo lugar, pronunciamentos em prol da liberdade de
livre para deliberar sobre a sua vontade, não escolhe o expressão. O que seria isso? A grande mídia, tanto a
que deseja, já que a vontade se insere numa lógica natural falada, a escrita e a televisiva, quer conquistar ‘essa tal
(lei) de causalidade. liberdade’. Vejamos... Nos anos 60 existia um objetivo
comum: a Ditadura Militar. Os jovens pediam o fim da
Para Sartre (1905-1980), filósofo existencialista, o Ditadura, reivindicavam a redemocratização do País,
homem é condenado a ser livre, ou seja, a liberdade é a pediam o fim do imperialismo, queriam a liberdade de
sua condição ontológica. O ser humano é nada antes de expressão, a revolução sexual, paz e amor e a defesa do
ser qualquer coisa e é absolutamente livre para transfor- patrimônio nacional. E hoje? Qual será o ideal de liberdade
mar-se, definir-se e engajar-se. Mas para Sartre, a tão almejado por todos? Podemos dizer que hoje, as
condição de liberdade causa angústia ao homem, pois se demandas e as necessidades são outras. Hoje, há outros
vê obrigado a fazer escolhas e ele se sente oprimido pela grupos organizados que saem às ruas para lutar por
responsabilidade implicada. direitos, como os homossexuais, os negros, as mulheres
etc.
Se fizermos uma viagem através do túnel do tempo,
até as décadas de 60-70, veremos que o simples fato de
se pensar na palavra ‘liberdade’, já era sinal de alerta para
os ‘Donos do Poder’. As pessoas tentavam, através de
suas canções e poesias, extravasar o seu ‘subjugado’
pensamento. As palavras de protesto sofriam mutações,
e chegavam até nós, através de ‘Bandas’ (1) ou ‘Flores’
(2)... , já que a ação da censura impedia que a população
tivesse conhecimento daquilo que realmente acontecia,
passando, sempre, a ideia de uma ‘paz tranquila’. Hoje,
com a advento da globalização, a circulação de notícias
imediatas através da Internet e o fim da Ditadura, temos
direito a ter direito a ‘essa tal liberdade’.
Mas, mesmo com a liberdade de pensamentos, nem
sempre podemos colocar em prática esses pensamentos.
Seria um atentado contra as regras do Direito. Podemos
até falar, mas, não podemos, nunca, fazer o que falamos.
Se assim fosse possível, quantas vezes teriam matado o
nosso Ilustríssimo Presidente? Ou quantas bombas
Para Sartre, a liberdade é condição ontológica do homem. teriam jogado no Palácio do Governo? Nesse caso, temos,

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somente, a liberdade de opinião, mas nunca a liberdade Há sempre questões, dúvidas e impossibilidades.
de ação. Portanto, delicio-me em dizer que: Não regozijo- Como serei livre com o pai que tenho? ...Ah! Quando eu
me em ser uma livre pensadora, pois, acima de tudo, me casar!... Depois do casamento pode ainda não sentir-
quero ser uma pensadora livre. Quero ser livre, não se livre e novamente buscar soluções para iludir-se. Por
somente para pensar, mas, sonhar, falar, errar e acertar que o ser humano tão frequentemente é infiel? Será que
livremente. aí julga-se livre? Estará ele realmente livre?
Liberdade, no fundo, é isto: o direito de ‘errar’, acertar
Liberdade não implica em falta de educação, ninguém
e pensar sozinho.”
precisa ser inconveniente ao meio para conseguir ser
livre, mas deve impedir que o meio seja inconveniente a
Notas:
1. Chico Buarque de Holanda, em 1966, compôs a si para roubar-lhe a liberdade.
música intitulada A banda. Em plena Ditadura Militar, O homem sempre se fez prisioneiro de angústias,
esta canção chegou até nós como uma forma medos, culpas, solidão, impossibilidade de agir, padrões
simples, alegre e descontraída de demonstrar o amor, pré-determinados, doutrinas, normas, dogmas etc. Pode
compensando-nos da confiança perdida nos homens então, libertar-se buscando o autoconhecimento e reali-
e suas promessas, da perda dos sonhos que o zando-se. Tornando-se responsável por suas escolhas.
desamor puiu e fixou. Para Sartre o homem é a sua liberdade e está
2. Geraldo Vandré, advogado, compositor e músico, condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a
em 1968, no III FIC, em São Paulo, causou impacto si mesmo, e como, no entanto é livre, uma vez que foi
com a apresentação da música Pra não dizer que não
lançado no mundo é responsável por tudo que faz.
falei das flores ou Caminhando. A música teve grande
êxito, tornando-se uma espécie de hino estudantil, Segundo Jaspers, só nos momentos em que exerço
mas teve seu curso interrompido pela censura por minha liberdade é que sou plenamente eu mesmo. Assim
mais de dez anos. será o indivíduo autêntico, autônomo, autodeterminado.
Ser e fazer implica liberdade. A condição primordial
da ação é a liberdade. Liberdade é essencialmente
capacidade de escolha. Onde não existe escolha, não há
liberdade. O homem faz escolhas da manhã à noite e se
responsabiliza por elas assumindo seus riscos (vitórias ou
derrotas). Escolhe roupas, amigos, amores, filmes,
músicas, profissões... A escolha sempre supõe duas ou
mais alternativas; com uma só opção não existe escolha
nem liberdade.
As escolhas nem sempre são fáceis e simples.
Escolher é optar por uma alternativa e renunciar à outra ou
às outras.
Não existe liberdade zero ou nula. Por mais escravi-
zada que se ache uma pessoa, sempre lhe sobra algum
A liberdade é uma conquista do indivíduo e social.
poder de escolha. Também não há liberdade infinita,
ninguém pode escolher tudo.
Na facticidade, somos limitados, determinados. Um
Liberdade: uma conquista do homem ótimo exemplo nos é dado por Luís Fernando Veríssimo
quando descreve: ‘poderia se dizer que livre, livre mesmo,
Por Dora Lucia Alcântara é quem decide de uma hora para outra que naquela noite
(Psicóloga e psicoterapeuta existencial)
quer jantar em Paris e pega um avião. Mas, mesmo este
depende de estar com o passaporte em dia e encontrar
“O que é ser livre? Como o homem pode ser livre?
Seria uma possibilidade utópica? lugar no avião. E nunca escapará da dura realidade de que
só chegará em Paris para o almoço do dia seguinte. O
Mal-entendida, negada, almejada, sobretudo usurpa- planeta tem seus protocolos’.
da a liberdade sempre foi uma questão fundamental para Contra o senso comum ‘ser-livre’ não significa ‘obter
a humanidade. o que se quis’, mas sim ‘determinar-se por si mesmo a
‘Liberdade, essa palavra querer’ (no sentido de escolher). O êxito não importa em
Que o sonho humano alimenta absoluto à liberdade. O conceito técnico e filosófico de
Que não há ninguém que explique liberdade significa: autonomia de escolha, não fazendo
E ninguém que não entenda’
distinção entre intenção e ato.
Cecília Meireles

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O ato livre é, necessariamente, um ato pelo qual se espécie humana – frente aos demais seres vivos, pas-
deve responder e responsabilizar-se. Porque sou livre sando pela sua concepção, criação, evolução e extinção.
tenho que assumir as consequências de minhas ações e Busca, portanto, o conhecimento profundo acerca da
omissões. natureza do ser humano, levando em conta os aspectos
Os animais irracionais não são livres, não são respon- fisiológicos e espirituais, confrontando-os com aqueles
sáveis pelo que fazem ou deixam de fazer. Ninguém pode que caracterizam e distinguem os demais seres vivos.
condenar um cavalo que lhe deu um coice. O animal não
faz o que quer e sim o que precisa ou o que se encontra
determinado pelo instinto de sobrevivência para que O CONSUMISMO
continue existindo.
O próprio voo de um pássaro está sujeito às leis da A terra pode oferecer o suficiente para satisfazer as
Física. Kant brincava com essa ideia, imaginando uma necessidades de todos os homens, mas não a ganância
pomba indignada contra a resistência do ar que a de todos os homens.
(M. Gandhi)
impediria de voar mais depressa. Na verdade, argumenta,
é justamente essa resistência que lhe serve de suporte, “Não há drama no fato de alguém não poder comprar
pois seria impossível voar no vácuo. marcas e luxo; o drama é a vida não ter outro ideal senão
‘Não me apontes o caminho, o consumo. “
o rumo certo pra chegar ao cimo.
Deixa-me encontrá-lo para que seja (G. Lipovetsky)

meu...
3. Introdução
Não me reveles a mais brilhante estrela,
Aquela que te guia. Eu buscarei a minha... Há uma diferença entre os termos consumo e
Não me estendas a mão quando eu cair. consumismo. Esse último sugere o ato de consumir de
Em tempo certo, em hora exata, forma alienada e inconsciente. Alcançar a estrutura
Eu ficarei de pé... inconsciente do agir humano é o propósito mesmo das
técnicas de publicidade e propaganda, de tal forma que o
Não te apiedes de mim. domínio sobre o comportamento humano através do
É minha estrada, é minha estrela, consumo induzido, amplia as possibilidades de acúmulo
É meu destino. de capital e lucro por parte das empresas. Claro que
consumir é uma necessidade humana, mas existe o
consumo desnecessário e filósofos questionam o lugar
Deixa apenas que eu seja.
da liberdade humana no consumismo, assim como a
Sem ti...’
prioridade que se dá ao ato de consumir. Em outras
palavras, o paradigma do mercado, na sociedade
Eliette Ferreira contemporânea, teria colocado o consumo na posição
mais alta na hierarquia de valores humanos.
O homem para Sartre não pode ser ora livre ora O consumismo desenfreado pode ser considerado
escravo. Ele é totalmente e sempre livre, ou não o é. uma patologia comportamental e a cultura moderna o
A liberdade não é alguma coisa que é dada, mas incentiva. Assim, compra-se compulsivamente, alegando
resulta de um projeto de ação. É uma árdua tarefa cujos benefícios terapêuticos inclusive. Ignora-se, porém, em
desafios nem sempre são suportados pelo homem, daí geral, as causas históricas como o desenvolvimento da
resultando os riscos de perda de liberdade pelo homem Revolução Industrial e do advento da sociedade
que se acomoda não lutando para obtê-la. capitalista, urbana e burguesa, em que os valores
adquiriram um pseudo caráter universal e supostamente
Glossário: atemporais.
Além de tudo já colocado, considere-se também a
relação existente entre o consumo e os impactos
Ontologia: Conforme o dicionário Aurélio, “ontologia” é a
ambientais que ameaçam a própria qualidade de vida dos
“parte da filosofia que trata do ser enquanto ser, i. é, do ser
homens no planeta. Vê-se, então, a dimensão da questão
concebido como tendo uma natureza comum que é do consumismo.
inerente a todos e a cada um dos seres (...)”. Tendo-se em O consumismo pode ter implicações emocionais e
conta que “onto”, do grego, vem a significar indivíduo ou psicológicas, por vezes relacionado à baixa autoestima e
ser, e “logia”, que comumente significa estudo, tem-se problemas de relacionamentos humanos e afetivos.
que “ontologia” vem a ser o estudo investigativo e Outras vezes, ele é induzido pela simples curiosidade
comparativo do indivíduo – aqui tido como exemplar da despertada pelas propagandas.

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Assim, o consumismo revela, na sociedade contem- para o próximo século, pois só assim se poderia salvar o
porânea, consequências mentais de alienação, explora- planeta da catástrofe que se avizinha. Já se passaram
ção econômica, problemas ambientais, impactos catorze anos desde a realização daquela cimeira
culturais, manipulação comportamental e aumento das convocada pelas Nações Unidas, e descontando as
desigualdades sociais. centenas de discursos, o não cumprimento de com-
O filósofo francês Gilles Lipovetsky, professor de promissos e as mil promessas dos governantes dos
Filosofia na Universidade de Grenoble, na França, publicou países ricos e industrializados, a verdade é que muito
em 2007 o livro A sociedade da decepção, em que ele pouco se fez. Enquanto isso, a consciência do perigo
analisa a espiral da frustração humana, evidenciando que mortal vai crescendo e os efeitos da deterioração
o que gera decepção não é tanto a falta de conforto ambiental multiplicam-se.
pessoal, mas a desagradável sensação de desconforto Ninguém duvida que as principais vítimas a sofrer
público e a constatação do conforto alheio e afirma ainda
com as consequências da grave deterioração do meio
que a inveja provocada pelos bens não comercializáveis
ambiente são os habitantes pobres dos países menos
(amor, poder, beleza, prestígio e êxito) permanece
desenvolvidos. São os que não têm automóveis, nem
inalterável, mas aquela provocada pelos bens materiais
aparelhos de ar condicionado, provavelmente nem sequer
diminui. Para ele, a sociedade é marcada pelos excessos
geladeiras, ou seja, não são eles que contaminam a terra
e abundância, seja de riqueza, seja de pobreza, além do
e, não obstante, é sobre eles que recaem mais
excesso de desejos por parte da classe média.
diretamente os efeitos das emissões de dióxido de
A sociedade de consumo, por um lado, prega e
carbono causadoras do aquecimento do planeta e do
propaga o bem-estar material, ao menos para alguns, e,
efeito estufa. Também são eles que, quando estão
por outro lado, experimenta uma incidência de perturba-
ções e ansiedades. O filósofo conclui que, ao contrário do doentes, não têm hospitais, médicos nem medicamentos
que se pensa, o aumento de consumo não propicia suficientes como os que existem na outra parte do
aumento de felicidade. planeta. Tampouco podemos esquecer que a população
Por fim, a corrida pelo possuir alimenta o individua- mundial demorou dezenas de anos a atingir a soma de 1
lismo, tornando raros os momentos de legítimo convívio, 000 milhões de habitantes, soma essa que foi alcançada
e de acesso ao espaço público. por volta do ano de 1800. Acontece que só nos últimos
200 anos a população mundial atingiu a cifra superior aos
6 300 milhões de habitantes, e que as previsões apontam
para que no ano 2050 se chegue aos 9 000 milhões.
Esta grande explosão demográfica, junto à acelerada
degradação das condições naturais básicas para a
sobrevivência da humanidade está a provocar uma
enorme preocupação em muitos países, sobretudo nos
menos desenvolvidos já que é nestes que se registra um
maior crescimento da população.
(...)
Globalizou-se a desigualdade e por isso é que há cada
vez maiores diferenças entre os países ricos e pobres.
Mas isto não é inevitável e há que afirmar que esta
situação pode ser mudada, pois outro mundo é possível,
outros sistemas são possíveis, e que é possível globalizar
O consumismo pode ser visto como patologia comportamental.
a cultura, a saúde, o respeito pelo meio ambiente, e,
sobretudo que é possível globalizar uma alimentação justa
para todos os habitantes do planeta chamado Terra, mas
4. Texto
isso só será possível se travarmos a corrida
O Consumismo como nova forma de exploração armamentista, o domínio de uns países sobre outros e a
destruição dos recursos naturais.
Por Francisco Trindade (Portugal) Há que apostar por um consumo racional e sustentá-
vel numa sociedade justa e sustentável, e esses dois
“(...) objetivos devem estar unidos.
A Cimeira do Rio de Janeiro de 1992 alertou para que (...)
a modificação dos atuais níveis de consumo no mundo O consumo sustentável ou consumo racional supõe
industrializado, isto é, a eliminação do consumismo, muito mais que trocar um produto prejudicial para o meio
deveria ser uma das tarefas principais da humanidade ambiente ou para os seres humanos por outro menos
– 149
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nocivo. Nem significa apenas selecionar os resíduos subordinada aos valores de uns poucos privilegiados. Toda
urbanos das nossas casas. Implica, acima de tudo, esta análise constitui a chave para conhecermos a
questionar o nosso sistema social, examinar o nosso ideologia do consumismo. O consumo de bens satisfaz
papel face às desigualdades da economia mundial e exigir necessidades físicas objetivas e, por consequência, tem
políticas que favoreçam uma real mudança no atual sempre um ponto de saturação. O bem-estar ou a
sistema de produção e consumo. Mas significa principal- satisfação de bens relacionais ou de posição mede-se
mente assumir que a manutenção do atual modo de vida através da comparação com outros consumidores e
das sociedades consumistas só poderá acontecer à custa outros momentos históricos, sem limites, já que a
da manutenção do atual modo de vida das populações vontade de diferenciação é infinita. Esta situação está a
dos países pobres, além de justificar guerras e invasões levar os consumidores dos países com economias
a fim dos recursos naturais dos países pobres serem desenvolvidas a um sobre-endividamento, isto é, a gastar
apropriados por aqueles outros (...) acima do seu rendimento e, com isso, a tornarem-se
reféns do sistema.
Além disso, afeta-nos porque somos vítimas de uma Sempre que pensamos em evitar ou limitar os danos
dupla exploração. A que sofremos como trabalhadores e ambientais gerados pela produção, distribuição e
a que sofremos como consumidores, provocando consumo de bens, aceitamos a necessidade de produtos
comportamentos generalizados de consumo irracional, e técnicas menos prejudiciais. O que não é fácil de aceitar
quase compulsivo, com a ilusão de que quanto mais
é a redução da produção e do consumo. Nesse sentido,
consumirmos mais felizes seremos, e mais nos aproxima-
a promoção do consumismo através da publicidade, da
remos dos patrões e dos conceitos de vida que nos
televisão e dos centros comerciais deve ser objeto de
impõem os poderosos que governam a Terra.
contestação dos consumidores. Uma forma de fazer com
Por outro lado, há a exploração dos habitantes dos
que o consumo seja a simples satisfação de
países pobres que, em consequência do consumismo e
necessidades passa por nos libertarmos dos automa-
da sobre-exploração dos recursos do planeta, não podem
tismos que nos impõem o hábito de um consumismo
sair da pobreza e do subdesenvolvimento em que vivem
exacerbado. No fundo, são automatismos que fazem
e que permitem o consumismo e o desperdício no mundo
infelizes por nunca conseguirmos imitar os padrões de
dos ricos.
felicidade que a publicidade nos vende. Terminamos com
Para além dos efeitos que o consumismo está a
uma afirmação sobre o futuro da sociedade de consumo:
provocar com a destruição do meio ambiente pondo em
esta não é mais que uma etapa da história que será
causa a própria sobrevivência do planeta, há que assinalar
os efeitos desse modelo de comportamento consumista ultrapassada. O que não se pode ainda prever é quando é
para a qualidade de vida e para a própria situação que tal se dará por via de uma mudança de mentalidades
econômica. ou então por via de uma situação apocalíptica do
Este aspecto é objeto de um manto de silêncio, o que capitalismo em consequência do esgotamento dos
não surpreende, uma vez que se o conseguirmos romper recursos e da destruição do meio ambiente.”
a sociedade começará a interrogar-se sobre o estilo de
vida que tem adotado, para além de começar a colocar
em questão a noção de que ter mais significa ser mais
feliz e gozar de maior qualidade de vida.
Verificamos que os consumidores das economias
industrializadas empenham-se em consumir cada vez
mais bens de consumo. Sofrem quase que uma
dependência paranoica deste tipo de bens e que servem
de estímulo externo para compensar o deficit interior, para
além de servir para constituir um símbolo de estatuto
social. As classes dominantes encarnam uma imagem de
realização das possibilidades humanas: poder, segurança,
comodidade, refinamento e cultura.
As demais pessoas, ao quererem imitá-las, perdem
a sua capacidade autônoma de definir aquilo que é digno O consumismo gera lixo e exclusão social.
de se possuir. A formação dos gostos e preferências fica

150 –
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1. Segundo o filósofo francês Gilles Lipovetsky: 2. Sobre a condição humana, podemos afirmar que:
I. A sociedade moderna é marcada pela decepção e frustração. a) O homem não é um ser livre – condição específica de alguns animais
II. O que gera decepção não é tanto a falta de conforto pessoal, mas a que tem o poder de escolha –, e por isso ele se angustia.
desagradável sensação de desconforto público e a constatação do b) O homem tem uma capacidade muito restrita de adaptação aos
conforto alheio. espaços geográficos, diferente de outros animais que podem viver
III. A sociedade é marcada pelos excessos e abundância, seja de em diversos habitat.
riqueza, seja de pobreza, além do excesso de desejos por parte da c) O homem porta um código natural que restringe sua possibilidade de
classe média. articular linguagem.
IV. A sociedade de consumo, por um lado, prega e propaga bem-estar d) O homem não é considerado um ser histórico devido à sua
material e emocional, conferindo uma correspondência entre inadequada estrutura biológica.
consumir e o estado de felicidade. e) O homem é o único ser vivente na Terra capaz de refletir sobre a sua
própria existência e condição.
São verdadeiras apenas
a) I e II. b) II e III. c) II, III e IV. RESOLUÇÃO:
Resposta: E
d) I, II e III. e) I, III e IV.

RESOLUÇÃO:
Resposta: D

– 151
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3. O homem é “liberdade absoluta”: “está condenado a ser livre”. 4. “O homem para Sartre não pode ser ora livre ora escravo. Ele é
Desta situação resulta a angústia como experiência metafísica totalmente e sempre livre, ou não o é. A liberdade não é alguma coisa
consubstanciada no sentimento da possibilidade de o homem perder a que é dada, mas resulta de um projeto de ação. É uma árdua tarefa cujos
sua própria existência; através da angústia, o homem experiencia o nada desafios nem sempre são suportados pelo homem, daí resultando os
e pressente a incerteza das escolhas que o conduzirão ao ser. riscos de perda de liberdade pelo homem que se acomoda não lutando
A existência é lançada num total abandono de si mesma; isto equivale para obtê-la.”
a dizer que é absoluta liberdade, na medida em que depende (Dora Lúcia Alcântara)
exclusivamente de si.
De acordo com o texto: Para o filósofo existencialista Sartre, a condição humana é
I. Liberdade é o contrário de angústia. a) marcada pela liberdade, condição que lhe garante satisfação e
II. A liberdade representa a condição primeira do homem. segurança.
III. A angústia é causada pela incerteza diante das escolhas e essas b) marcada pela escravidão, pois homem algum é de fato livre.
resultam da nossa liberdade. c) marcada pela liberdade que é dada naturalmente, nunca ameaçada
IV. O homem concreto não tem chances de escolha e por isso por qualquer circunstância.
experiencia a angústia. d) marcada ora pela liberdade ora pela escravidão, dependendo da
São coerentes condição econômica.
a) apenas I e III. b) apenas II e IV. c) apenas I e IV. e) marcada pela liberdade que é causadora de angústia.
d) apenas III e IV. e) apenas II e III.
RESOLUÇÃO:
RESOLUÇÃO: Resposta: E
Resposta: E

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5. (UNESP-2013) – A produção de mercadorias e o consumismo 6. (ENEM-2013) – O edifício é circular. Os apartamentos dos


alteram as percepções não apenas do eu como do mundo exterior ao eu; prisioneiros ocupam a circunferência. Você pode chamá-los, se quiser,
criam um mundo de espelhos, de imagens insubstanciais, de ilusões de celas. O apartamento do inspetor ocupa o centro; você pode chamá-
cada vez mais indistinguíveis da realidade. O efeito refletido faz do lo, se quiser de alojamento do inspetor. A moral reformada; a saúde
sujeito um objeto; ao mesmo tempo, transforma o mundo dos objetos preservada; a indústria revigorada; a instrução difundida; os encargos
numa extensão ou projeção do eu. É enganoso caracterizar a cultura do públicos aliviados; a economia assentada, como deve ser, sobre uma
consumo como uma cultura dominada por coisas. O consumidor vive rocha; o nó górdio da Lei sobre os Pobres não cortado, mas desfeito –
rodeado não apenas por coisas como por fantasias. Vive num mundo tudo por uma simples ideia de arquitetura!
que não dispõe de existência objetiva ou independente e que parece BENTHAM, J. O panóptico. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
existir somente para gratificar ou contrariar seus desejos.
(Christopher Lasch. O mínimo eu, 1987. Adaptado.) Essa é a proposta de um sistema conhecido como panóptico, um
modelo que mostra o poder da disciplina nas sociedades
Sob o ponto de vista ético e filosófico, na sociedade de consumo, o contemporâneas, exercido preferencialmente por mecanismos
indivíduo a) religiosos, que se constituem como um olho divino controlador que
a) estabelece com os produtos ligações que são definidas pela tudo vê.
separação entre razão e emoção. b) ideológicos, que estabelecem limites pela alienação, impedindo a
b) representa a realidade mediante processos mentais essencialmente visão da dominação sofrida.
objetivos e conscientes. c) repressivos, que perpetuam as relações de dominação entre os
c) relaciona-se com as mercadorias considerando prioritariamente os homens por meio da tortura física.
seus aspectos utilitários. d) sutis, que adestram os corpos no espaço-tempo por meio do olhar
d) relaciona-se com objetos que refletem ilusoriamente seus processos como instrumento de controle.
emocionais inconscientes. e) consensuais, que pactuam acordos com base na compreensão dos
e) comporta-se de maneira autônoma frente aos mecanismos benefícios gerais de se ter as próprias ações controladas.
publicitários de persuasão.
RESOLUÇÃO:
RESOLUÇÃO: O conceito do panóptico foi utilizado no século XVIII, pelo filósofo
O texto afirma que o consumismo não cria um mundo feito apenas e jurista Jeremy Bentham, que projetou o conceito de prisão
de coisas ou objetos materiais. Ele gera um mundo de espelhos, circular, na qual o observador central poderia ver todos os locais
de imagens e ilusões em que operam processos emocionais onde estivessem os presos.
inconscientes. Resposta: D
Resposta: D

– 153
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7. (UNESP) – Desde o início da semana, alunos da rede municipal de 8. (UNESP) – Em um documento rubricado pela Rede Global de
Vitória da Conquista, na Banhia, não vão mais poder cabular aulas. Um Academias de Ciência (IAP), um grupo de pensadores da comunidade
“uniforme inteligente” vai conta aos pais se os alunos chegaram à científica com sede em Trieste (Itália) que engloba 105 academias de
escola – ou “dedurar” se eles não passaram do portão. O sistema, todo o mundo alerta pela primeira vez sobre os riscos do consumo nos
baseado em rádio-frequência, funciona por meio de um minichip países do Primeiro Mundo e a falta de controle demográfico, princi-
instalado na camiseta do novo uniforme, que começou a ser distribuído palmente nas nações em desenvolvimento. Na declaração da
para 20 mil estudantes na segunda-feira. comunidade científica se indica que as pautas de consumo exarcebado
Funciona assim: no momento em que os alunos entram na escola, um do Primeiro Mundo estão se deslocando perigosamente para os países
sensor instalado na portaria detecta o chip e envia um SMS aos pais em desenvolvimento: os milhões de telefones celulares e toneladas de
avisando sobre a entrada na instituição. “junk food” que invadem os lares pobres são claros indicadores dessa
(Natália Cancian. Uniforme inteligente entrega aluno que cabula aula na Bahia. problemática. A ausência nos países pobres de políticas de
Folha de S.Paulo, 22/03/2012). planejamento familiar ou de prevenção de gravidezes precoces acaba
de configurar um sombrio cenário de superpopulação. Trata-se de dois
A leitura do fato relatado na reportagem permite repercussões filosóficas problemas convergentes que pela primeira vez analisamos de forma
relacionadas à esfera da ética, pois o “uniforme inteligente” conjunta”, afirma García Novo.
a) está inserido em um processo de resistência ao poder disciplinar na (Francho Barón, El País, 16.06.2012. Adaptado)
escola.
b) é fruto de uma ação do Estado para incrementar o grau de liberdade Um dos problemas relatados no texto está relacionado com
nas escolas. a) a supremacia de tendências estatais de controle sobre a economia
c) indica a consolidação de mecanismos de consulta democrática na liberal.
escola pública. b) o aumento do nível de pobreza nos países subdesenvolvidos.
d) introduz novas formas institucionais de controle sobre a liberdade c) a hegemonia do planejamento familiar nos países do Terceiro Mundo.
individual. d) o declínio dos valores morais e religiosos na era contemporânea.
e) proporciona uma indiscutível contribuição científica para a autonomia e) o irracionalismo das relações de consumo no mundo atual.
individual.
RESOLUÇÃO:
RESOLUÇÃO: O texto aborda problemas relacionados ao modelo capitalista de
O uniforme inteligente resulta numa forma de colocar a tecnologia consumo e a questões demográficas, em que a falta de controle
a serviço do controle sobre a autonomia dos indivíduos, uma vez populacional e o consumo irracional e exacerbado aparecem como
que o sistema permite o rastreamento dos alunos. ameaças para o futuro da humanidade.
Resposta: D Resposta: E

154 –
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1. Como o filósofo Sartre define a relação entre liberdade e condição 9. (UNESP-2013)


humana?
Texto 1
2. Por que, para Sartre, a liberdade causa angústia?
Um consumidor de 34 anos aproveitou a carona do pai no bairro
3. Por que o consumismo desenfreado pode ser considerado uma Tucuruvi, Zona Norte de São Paulo, na manhã desta quinta-feira
patologia comportamental? [13.12.12], para chegar antes na fila pelo lançamento do iPhone 5, em
um shopping da Zona Oeste. Por volta das 17h, cerca de 50 pessoas já
4. Em que sentido o texto de Dora Lucia Alcântara nos possibilita ver formavam uma fila em frente à loja responsável. Ele chegou com a mãe,
uma influência do pensamento existencial? de 65 anos, às 7h30, 16 horas antes do início das vendas daquele
smartphone.
(http://g1.globo.com. Adaptado.)
5. Exponha duas temáticas centrais do texto de Francisco Trindade.

Texto 2
6. Leia as proposições abaixo e assinale as verdadeiras.
I. Há uma diferença entre os termos consumo e consumismo. Esse
Os produtos de consumo doutrinam e manipulam; promovem uma
último sugere o ato de consumir de forma responsável e consciente
falsa consciência que é imune à sua falsidade. As falsas necessidades
de comprar. Alcançar a estrutura consciente do agir humano é o
têm um conteúdo e uma função sociais determinados por forças
propósito mesmo das técnicas de publicidade e propaganda, de tal
externas sobre as quais o indivíduo não tem controle algum; o desen-
forma que o domínio sobre o comportamento humano através do
volvimento e a satisfação dessas necessidades são heterônomos.
consumo induzido, amplia as possibilidades de acúmulo de capital e
Independentemente do quanto tais necessidades se possam ter
lucro por parte das empresas.
tornado do próprio indivíduo; reproduzidas e fortalecidas pelas
II. O consumismo desenfreado pode ser considerado uma patologia
condições de sua existência; independentemente do quanto ele se
comportamental e a cultura moderna o incentiva. Assim, compra-se
identifique com elas e se encontre em sua satisfação, elas continuam
compulsivamente, alegando benefícios terapêuticos inclusive. Ignora-
a ser o que eram de início – produtos de uma sociedade cujo interesse
se, porém, em geral, as causas históricas como o desenvolvimento
dominante exige repressão.
da Revolução Industrial e do advento da sociedade capitalista, urbana
(Herbert Marcuse. Ideologia da sociedade industrial,
e burguesa, em que os valores adquiriram um pseudo caráter universal
1969. Adaptado.)
e supostamente atemporais.
III. Além de tudo já colocado, considere-se também a relação existente
Explique o significado da heteronomia das falsas necessidades na
entre o consumo e os impactos ambientais que ameaçam a própria
sociedade de consumo e relacione o fato descrito no texto 1 a esse
qualidade de vida dos homens no planeta. Vê-se, então, a dimensão
conceito filosófico apresentado por Marcuse.
da questão do consumismo.
IV. O consumismo pode ter implicações emocionais e psicológicas, por
vezes relacionado à baixa autoestima e a problemas de
relacionamentos humanos e afetivos. Outras vezes, ele é induzido
pela simples curiosidade despertada pelas propagandas.

7. Lendo a introdução, que elemento pareceu de primeira importância


para identificar o estado de autonomia no ser humano?

8. Consumo e consumismo possuem o mesmo conceito? Explique.

– 155
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1) A liberdade é a sua condição ontológica. O ser humano é nada 8) Não. O consumo é uma necessidade natural humana e o
antes de ser qualquer coisa e é absolutamente livre para consumismo sugere o ato de consumir de forma alienada e
transformar-se, definir-se e engajar-se. inconsciente por indução de propagandas.

2) Causa angústia ao homem, pois o homem se vê obrigado a 9) A heteronomia (antônimo de autonomia) é a condição
fazer escolhas e ele se sente oprimido pela responsabilidade humana, de um indivíduo ou grupo, de submissão a uma
implicada. realidade que lhe seja exterior e estranha à própria razão, no
caso, o consumismo. Numa sociedade de consumo, o
3) Porque se compra compulsivamente sob estados emocionais comportamento humano é controlado pela sedução exercida
e psicológicos, relacionados à baixa autoestima e a problemas pela mercadoria e pelas técnicas de propaganda que visam à
de relacionamentos humanos e afetivos. estrutura inconsciente dos seres humanos. O consumidor é
explorado na sua vaidade e no seu desejo ou necessidade de
4) A autora afirma que a existência humana, e não animal, destaque no grupo social, submetendo-se a uma lógica que
implica liberdade, pois o homem escolhe constantemente e alimenta o mercado e que leva o comportamento humano,
isso implica em responsabilidades. muitas vezes, à beira da irracionalidade, como o caso descrito
no texto, em que, movido pela ânsia irracional de se ver em
5) O consumismo gera inúmeros impactos ambientais e propicia posse de um aparelho telefônico, um rapaz acompanhado de
o aumento da miséria e das desigualdades sociais. sua mãe, da terceira idade, ocupou um lugar numa fila 16
horas antes do início da venda desse aparelho.
6) Verdadeiras: II, III e IV

7) A apropriação do conhecimento.

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