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Introdução 1
1. A Idéia de Milagre 5
5. Ferramentas da Cura 65
7. Relatos de Cura 99
10. Metáforas da Cura Total ..,.... . . ............ . .......... . .... .... . . .......................... 157
Conclusão 165
Bibliografia 175
Você pode viver como se nada fosse um milagre ou como se
tudo fosse um milagre.
Alben. Einsfein (1879-1955), físico alemão americano
O assunto dos milagres, com destaque para a cura divina, tem merecido conside-
rável espaço nos meios de comunicação, embora não se possa dizer a mesma coisa sobre
a produção teológica na área (no Brasil, pelo menos). O interesse da mídia se deve, apa-
rentemente, ao próprio contexto de mudanças pelas quais o mundo passa O miraculoso
é novamente uma categoria aceita, valorizada e explorada Aparece como fator real da
espiritualidade ou simples estratégia de *marketing no mercado religioso.
Numa era marcada por ciência, tecnologia, fé, espiritualidade e superstições, as
coisas voltaram a ser imprevisíveis. Em ritmo acelerado, a aquisição do conhecimento
derruba mitos, espalha versões e não dá tempo para os novos fatos ganharem 3-tatus de
verdade. O volume de conhecimento do mundo dobra no espaço de meses. Isso tem
um impacto tecnológico, social, político, cultural e até mesmo espiritual. O excesso
de dados afeta a própria filosofia, que sempre soube trabalhar com grande volume de
informações. Os filósofos agora têm de se concentrar no essencial.
São muitas as vozes. Isso aumenta a incerteza. As pessoas, sem saber em
que acreditar, desconfiam de tudo ou crêem em coisas absurdas. Ceticismo e
credulidade convivem lado a lado. Há um paradoxo. A ciência virou oráculo e
a fé invadiu os laboratórios. O mundo se tornou, ao mesmo tempo, científico e
místico, secularizado e espiritual.
Se Deus foi considerado "morto" por alguns filósofos no começo do século 20,
entra supervivo" na arena popular no século 21. Um estudo publicado na revista
Nature mostrou que a maioria dos cientistas não crê em Deus (60,7% deles expressam
descrença ou dúvida). A parcela dos que crêem é de 39,3% e não mudou ao longo
dos anos como se deduz de estudo semelhante feito em 1914 e publicado em 1916
pelo pesquisador James H. Leuba. Outra pesquisa semelhante restrita aos maiores
cientistas da Academia Nacional de Ciências, dos Estados Unidos, revelou que 72,2%
deles não crêem em Deus, 20,8% são agnósticos e apenas 7% crêem em Deus. Os ma-
temáticos são os mais crentes (14,3%) e os biólogos, os mais descrentes (5,5% crêem).'
2 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
PANORAMA
• Foi nesse contexto que surgiu a idéia de desenvolver este estudo sobre cura milagrosa
ou divina. Diante de tantas reivindicações e com tão poucos estudos sérios em português
nessa área, tornou-se importante reunir os fatos e ver o que a Bíblia diz sobre o assunto. "No
princípio era o milagre. Todo o mattomeçou com as explicações", ironizou o humorista
Millôr Fernandes. 3 No entanto, sem as explicações, até os genuínos milagres podem
acabar caindo em descrédito, por causa dos falsos milagres.
Ao perceber certa ambivalência em relação aos milagres em minha própria comuni-
dade de fé, achei que o assunto merecia atenção. Não vou dizer que somos uma geração de
crentes incrédulos, mas gostaria de ver na igreja a cultura de uma fé mais viva e a busca de
um encontro mais real com o sagrado. Sei que não é fácil equilibrar doutrina e experiência,
nem combinar discernimento e entusiasmo. Mas vale tentar.
Tendo isso em vista, os objetivos básicos do estudo são: (1) resgatar conceitos e
parâmetros bíblicos para avaliar os supostos fenômenos de cura divina reivindicados
por diversos segmentos religiosos; (2) examinar a posição adventista sobre o tema; (3)
Introdução 3
incentivar a integração de prevenção, medicina e oração para a cura, numa perspectiva
holística cristã; (4) ampliar a compreensão do público leitor sobre o assunto; e (5) esti-
mular a fé no Deus operador de milagres, dentro de um equilíbrio bíblico.
Espero que o livro tenha uma relevância especial para a Igreja Adventista, uma
vez que ela defende a continuidade do dom de cura (e de todos os outros dons), mas
pouca atenção (nos níveis teórico e prático) tem dedicado a ele. Nossas publicações
têm apresentado raras abordagens específicas sobre o tema. É claro que as instituições
adventistas de saúde fazem em geral um excelente trabalho, mas, biblicamente, há
uma dimensão adicional a ser implementada.
Numa época em que a medicina "somatista" não responde mais à busca es-
piritual das novas gerações, a igreja deve ser capaz de oferecer algum tipo de cura
holística/total. Se não o fizer, estará jogando muita gente no misticismo perigoso
da Nova Era. Chega uma hora em que mesmo quem tem todo o aparato da ciência
à sua disposição descobre que precisa de Deus. Se na época de Cristo a saúde era
grandemente valorizada, até pela falta de recursos e a triste perspectiva de vir a
morrer na miséria, hoje a saúde continua sendo altamente desejada, até pelo culto
do corpo e o desejo de ter unia vida ativa e criativa. E, nesse contexto, as pessoas
estão redescobrindo que o bem-estar envolve inúmeros fatores no espectro fisico/
psicológico/social/espiritual.
O desequilíbrio nessa área não está restrito à Igreja Adventista. George W
Reid, ex-diretor do Instituto de Pesquisas Bíblicas, da Associação Geral, inicia um
importante artigo recente afirmando que "o grau de interesse bíblico em saúde e
cura está sub-representado nos estudos bíblicos e teológicos contemporâneos". 4 John
Wiilkinson informa que, no que diz respeito à teologia, a palavra "curar" não apare-
cia em nenhum livro-texto padrão até há pouco tempo. "Karl Barth foi o primeiro
teólogo moderno a discutir saúde e cura em sua obra Church Dogrnatics. Nisso ele
foi seguido por Paul Tillich e Jürgen Moltrnann. Contudo, a cura não-médica ainda
precisa alcançar respeitabilidade."
Uma explicação sobre o conteúdo e a estrutura do livro talvez seja útil também.
A obra é baseada em uma pesquisa que realizei para o mestrado em teologia pelo
SALT-Unasp. O título original era: "O Toque da Fé: Paradigmas Bíblicos da Cura
Divina". Para tirar o caráter técnico do trabalho e dar uma cara mais normal de livro,
os capítulos originais foram subdivididos, algumas partes e inúmeras notas foram
suprimidas e comentários foram acrescentados A essência, porém, permanece. O leitor
interessado em uma documentação mais completa pode consultar a dissertação original,
disponível na biblioteca do Unasp, em Engenheiro Coelho, SP. Quase nem é preciso
dizer que o fato de citar autores seculares e cristãos não significa necessariamente uma
concordância com a sua cosmovisão ou teologia. Há autores equilibrados e sólidos em
certos pontos e deficientes em outros.
4 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
O livro está estruturado em dez capítulos. Embora o âmago seja a cura divina,
pareceu necessário incluir uma análise sobre milagres em geral, a fim de servir de
plataforma para as discussões mais específicas. A abordagem vai desde a definição de
milagre do ponto de vista bíblico, passando pelas teorias sobre a continuidade dos
dons miraculosos ao longo da História, até a simbologia da árvore da vida.
Espero que, mais do que informação, você receba inspiração. Reconheço que o
material contém alguns detalhes mais ou menos teóricos, mas a leitura flui bem. Certa
predominância do elemento cognitivo no texto é compensada pelo interesse natural que
o assunto desperta em muitos leitores e pela variedade de tópicos abordados. Afinal,
o livro foi escrito para um público mais amplo, não para especialistas. Embora o tom
do texto seja sereno, você pode ler com paixão.
AGRADECIMENTOS
Num trabalho como este, a dívida é sempre grande. Por isso, desejo registrar
alguns agradecimentos. Primeiro, agradeço à Casa Publicadora Brasileira, organi-
zação que patrocinou parte de meus estudos, o tempo e o apoio financeiro indis-
pensáveis. Em segundo lugar, expresso minha gratidão ao Dr. José Carlos Ramos,
meu orientador na pesquisa original do trabalho. Em terceiro lugar, agradeço aos
colegas ou professores, a exemplo do Dr. Antonio Estrada, que fizeram sugestões
ou comentários úteis. Em quarto lugar, vai um reconhecimento especial para meu
amigo 'e editor Vanderlei Dorneles e a equipe editorial da Unaspress. O apoio e o
trabalho competente de vocês não têm preço.
Por fim, eu não poderia deixar de dizer obrigado ao meu irmão Dr. Gideon C. De
Benedicto, por ter me hospedado em sua casa durante certa fase da pesquisa; a meus
pais Geraldo e Benedita, por terem me transmitido, através do ensino, do exemplo e
de uma fé inabalável, o amor ao Criador e o interesse pelo ser humano, a natureza e
as coisas sagradas; e, sobretudo, à minha esposa Luciene e aos filhos Tiago e Larissa,
pelo apoio, o desprendimento e a paciência.
A Deus, o Absoluto operador de milagres, a única Fonte da verdadeira cura, os
agradecimentos são mais diretos e pessoais, Sem Ele, nada do que se fez teria sido feito.
NOTAS
' Ver Edward J. Lasson e Larry Witham, "Scientists Are Srill Keeping the Faith", Nature 386
(1997): 435-436; e "Leading Scientists Still Reject God", Nature 394 (1998): 313.
'Ver Roberto Pompeu de Toledo, "Crer em Deus, hoje'', Veja, 2 de abril de 1997, 96-100.
Mdlôr bernandes, Millôr Definitivo: A Bíblia do Caos, 7 ed (Porto Alegie: L&PM, 1994), 310.
' George W Reid, "Health and Healing'', em Handbook of. Seventh-day Adventzst Theolov, ed.
Raoul Dederen (Hagerstown, MD: Revicw and Herald, 2000), 751.
John Wilkinson, The Bzble and Healnzg: A Medical and Theological Comnzentary (Edinburgh:
Handsel; Grand Rapids: Eerdmans,
1
A IDEIA DE MILAGRE
CONCEITO BÍBLICO
ralmente traduzido por "maravilhas", ele tanto pode ser usado para indicar os atos
criadores e salvíficos de Deus corno para ressaltar Seus justos juízos.
• 'Ot (e niôpet). O significado básico de 'ot é "marca", "sinal", e o de môpet• é
"prodígio", "maravilha". As duas palavras são quase sinônimas e às vezes aparecem
juntas. O "sinal" aponta em direção a Deus e a "maravilha" chama a atenção para
uma manifestação especial do Seu poder. 'Ot aparece 79 vezes no Antigo Testamento.
A Septuaginta traduz 'ot por semeton e môpet por teras; e a Vulgata, respectivamente,
por signum e portentum,
Além dessas palavras, podem-se citar ainda nes, que quer dizer "insígnia", "em-
blemf, "advertência", e só adquire o significado de "ação miraculosa" na literatura
pós-bíblica; pele', que aparece apenas nos livros poéticos, enfatizando os atos de Deus
em favor do Seu povo; e o verbo pl' (do qual derivam os vocábulos nip/a'ot e pele),
que indica algo além da compreensão humana.
As principais palavras gregas relacionadas com "milagre" no Novo Testamento são:
• Dynamis. G significado básico desta palavra é "habilidade inerente" e, por
isso, ela foi apropriadamente vertida para o português como "poder" — poder para
operar um ato miraculosa Os escritores a usam para se referir a atividades de origem
sobrenatural ou divina. Dynamis é empregada 119 vezes no Novo Testamento.
• Semeion. Quase sempre traduzido por "sinal", o termo semeion (marca dis-
tintiva, indicação) é freqüentemente usado para evidenciar a autoridade divina, mas
pode também se aplicar aos milagres de origem demoníaca e a portentos da natureza.
Semeion, que na Septua.ginta é a tradução predominante da palavra hebraica 'et, apa-
rece 77 vezes no Novo Testamento. Entre os autores dos evangelhos, João é seu maior
adepto. Isso não é de se surpreender, pois, se a palavra terás, mencionada a seguir, apela
para os sentidos e a imaginação, semeion busca o entendimento e a fé, apontando para
algo além de si mesmo; e sabemos que João queria levar seus leitores a crer em Jesus
como "o Cristo, o Filho de Deus" (20:30 e 31). Semio é prefixo de várias palavras
portuguesas, como "semiótica" (ciência geral dos signos).
• Teras. Este vocábulo, que aparece 16 vezes no Novo Testamento, vem da
mesma raiz grega que deu origem a palavra "terror" Significa "prodígio", pressá-
gio", "portento", "maravilha", e é utilizado para caracterizar a reação das pessoas
em face de algo espetacular. Téras define também as maravilhas" humanas ou
diabólicas e, por isso, os escritores neotestamentários sempre frisam se a obra
maravilhosa vem de Deus ou não.
Outras palavras usadas para destacar a reação das pessoas são thaumásion, "coisa
admirável" ou "coisa assombrosa; endoxon, "coisa gloriosa"; e paradoxon, "coisa es-
tranha". Além disso, os que presenciaram certos milagres de Jesus "maravilharam-se"
(ethaumazon [Mc 5:20]), "assombraram-se" (exeplessonto [Mc 7:37]), "admiraram-
se" (ethambethesan [Mc 1:27]) e ficaram cheios de "temor" (phobos [Lc 7:16]) ou de
"espanto" (thambos [Lc 4:36]).
8 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
• Ergon. Traduzido por "obra", este termo aparece 170 vezes no Novo Testa-
mento, incluindo também o plural erga, mas só em algumas ocasiões é empregado
com o sentido de "milagre". No evangelho de João, que usa o singular ou plural
de ergon 17 vezes, Jesus quase invariavelmente Se refere a Seus milagres como erga,
"obras". Porém, o termo aponta para qualquer atividade de Jesus, miraculosa ou
não. Ergon significa "fazer", "agir", "operar", "trabalhar". As "obras" de Deus incluem
tanto o que Ele faz na natureza quanto o que faz por Seu povo, ou seja, abrangem
atos criadores e redentivos.
No Novo Testamento, as palavras "milagre", "maravilha" e "sinal" ocasional-
mente aparecem juntas, como em Atos 2:22, II Tessalonicenses 2:9 e Hebreus 2:4.
A expressão semeia kai terata («sinais e maravilhas"), que ocorre com freqüência,
é um eco deliberado do Antigo Testamento. Ao contrário do que dizia a tradição
acadêmica, a terminologia utilizada pelos cristãos primitivos para designar os mila-
gres não diferia essencialmente da usada por autores pagãos contemporâneos para
indicar os seus milagres.'
Teologicamente, corno definir "milagre"? No sentido bíblico, o milagre é uma
intervenção graciosa, visível e intencional de Deus no mundo, com múltiplos pro-
pósitos O milagre não é o sagrado em si mesmo, mas um sinal que aponta para ele.
Entre vários teólogos mais recentes, a tendência é acentuar o aspecto do sinal, conceito
que será revisitaclo no capítulo 3. Milagre, nesse sentido, não deve ser visto como
uma prova, algo a ser detectado cientificamente, mas como uma atuação divina, a ser
captada pela fé. Na antiguidade, a ênfase não estava na exeepcionalidade do fato, mas
na sua significação espiritual, no elemento divino. -
Em suma, como diz, o teólogo Norman Geisler, milagre é um ato especial de
Deus no mundo natural, alguma coisa que a natureza por si mesma não faria. Da
perspectiva humana, "é um evento incomum ('maravilha') que transmite e confirma
uma mensagem incomum ('sinal') por meio de um poder incomuna ('poder')", da
"perspectiva divina, é um ato de Deus (`poder') que atrai a atenção do povo de Deus
('maravilha') para a Palavra de Deus (por um `sinalp". 2
As definições apresentadas são úteis, mas é preciso aprofundar o enfoque. Nesse
sentido, devemos acrescentar que há três maneiras básicas de se encarar o milagre,
às quais chamarei de: (1) perspectiva naturalista, (2) perspectiva antinaturalista e (3)
perspectiva intervencionista.
PERSPECTIVA NATURALISTA
de muitos dentistas atuais e também de alguns adeptos da Nova Era. Isso acontece
porque, num nível mais elaborado, a Nova Era adota o conceito panteísta, e no pan-
teísmo não há lugar para um Deus pessoal atuante.
Vista pelo ângulo naturalista, a destruição de Sodoma e Gomorra (Gn 19)
não teria ocorrido pela mão do anjo do Senhor, mas pelo incéndio do betume local
durante um terremoto. A mulher de Lá não teria se transformado numa estátua
de sal, mas sido levada por uma gigantesca onda do Mar Morto, e o que Lá viu ao
olhar para trás, depois de estar seguro na montanha, foi um bloco de sal do tama-
nho de uma pessoa, na praia. A escuridão que cobriu o Egito, na época do êxodo,
teria sido apenas um eclipse. A estrela que guiou os magos até Jerusalém não seria
nenhum fenômeno especial, mas uma conjunção de planetas ou o aparecimento
de uma supernova. A ressurreição de Lázaro não seria o retorno de um morto à
vida, mas o despertar de um coma ou de um estado catatônico (no estado de coma,
argumenta-se, a audição é o último sentido a se perder, e, por isso, Jesus desperta
Lázaro com um grito).
• Essa perspectiva tem atratividade para muitas pessoas porque desloca total-
mente o foco do sobrenatural para o natural, do poder divino para a percepção (no
caso, ignorância) humana, da fé para a ciência. Quando o ser humano evoluir, ele
compreenderá; quando se tornar "deus" e tiver tecnologia, fará "milagres". Mas é
uma posição biblicamente insustentável. Ainda que alguns milagres pudessem ser
atribuídos à ação espontânea da natureza, como o dilúvio e o incêndio de Sodoma
e Gomorra, outros não poderiam. Como dizer que a ressurreição de Jesus é um
fenômeno natural (espontâneo)?
Além disso, a própria Bíblia interpreta esses casos como milagres. Por exemplo,
a divisão do Mar Vermelho é atribuída à ação direta de Deus, embora admita o uso
da natureza no processo: "Então Moisés estendeu a sua mão sobre o mar, e o Senhor
fez retirar o mar por um forte vento oriental toda aquela noite; e o mar tornou-se em
seco, e as águas foram partidas" (Ex 14:21). Neemias classifica esse ato de "sinais e
maravilhas" (9:10 e 11).
Num livro interessante, o físico Colin Humphreys, da Universidade de Cam-
bridge, tenta provar cientificamente que os milagres do êxodo aconteceram, mas
adota explicações naturalistas para os eventos descritos na Bíblia. Para ele, que propõe
uma nova rota para o êxodo e identifica o Monte Sinai com o vulcânico Monte
Bedr, na Arábia, o elemento miraculoso estava no fator tempo. Por exemplo, no
exato momento em que o povo precisava cruzar o Jordão, a água foi bloqueada por
um mecanismo natural (um terremoto), como teria ocorrido em outras ocasiões.
Na concepção do cientista, os milagres ocorreram, mas não diretamente pela mão
de Deus . 4 Eu diria que Deus criou ou causou os mecanismos naturais. Enquanto
Humphreys enfatiza primariamente o fator natureza e secundariamente a intervenção
divina, eu inverteria a ordem. •
10 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
PERSPECTIVA ANTINIATURALISTA
Imagine que Deus tenha escrito num microfilme todas as leis que governam o Universo.
No ano 1500 d.C., por exemplo, os cientistas conheciam uma pequena porcentagem
dessas leis [veja a figura 2]. Finalmente, as pessoas aprenderam mais sobre elas. No final
da década de 1990, as pessoas conheciam uma grande proporção de leis, mas muitas
ainda permaneciam por ser descobertas. Imagine que alguém inventou uma máquina
do tempo que nos permitisse trazer até nossos dias uma pessoa que viveu em 1500 d.C.
Nós a levamos a um supermercado e a porta se abre sozinha quando nos aproximamos.
Entramos num carro, viramos urna chave e a estranha carruagem sai deslizando sobre a
estrada. Vamos para a casa, apertamos uma pequena alavanca na parede e a luz aparece.
A essa altura, nosso pobre companheiro pode fugir aterrorizado com essas manifestações
sobrenaturais. Por que ele pensaria assim? Tudo se deve à simples diferença entre a sua
maneira de pensar e a nossa. Ele não está familiarizado com as leis que governarn o
.
Essa ilustração não quer dizer que não exista sobrenatural, ou que um dia pode-
remos fazer tudo o que Deus faz; apenas mostra que, pelo fato de não entendermos o
todo das leis estabelecidas por Deus, não devemos sair por aí dizendo que, os milagres
são um rompimento da ordem natural.
No Rássado, observa Brand, muitos religiosos temiam admitir o funcionamento das
leis naturais porque achavam que Deus perderia o Seu papel no mundo e seria expulso
da nossa existência. Essa visão implica que, se nós podemos entender como as coisas
funcionam, então Deus não tem parte nelas; ou, se Deus está envolvido num processo,
então ele não funciona através de leis naturais. Isso é tão indefensável quanto dizer que,
desde que" entendemos como um computador funciona, um ser inteligente não deve
ter estado envolvido ria sua origem. Simplesmente não tem lógica.
12 o FASCÍNIO DOS MILAGRES
Leis conhecidas
1500 d.C.
Lei natural "sobrenatural -
Leis conhecidas
PERSPECTIVA INTERVENCIONISTA
Atualmente, boa parte dos teólogos cristãos encara o milagre como uma ação
especial de Deus no mundo, dentro de Sua constante atividade, sem romper a ordem
natural. Isso significa que o milagre não é contrário à natureza, mas sim às nossas
expectativas em relação ao funcionamento da natureza Não existiriam, propriamente
falando, leis da natureza para serem violadas, mas sim hábitos de expectativas. Segundo
esta abordagem, Deus é o mantenedor de todo o Universo, atuando sem parar, mas em
certos momentos cria "efeitos especiais" para implementar Seus desígnios, socorrer os
necessitados ou impressionar os espectadores. Assim como uru filme hollywoodiano
tem cenas comuns, plausíveis, e também efeitos especiais, Deus igualmente mantém
o Universo num ritmo normal, mas de vez em quando inclui cenas extraordinárias,
para incrementar a história, valorizar um ator ou conquistar a platéia.
Neste ponto, convém ressaltar que a idéia de que Deus mantém todas as coisas
tem apoio na tradição judaica e forte base bíblica. Para os olhos da fé, os milagres em
câmera lenta são tão autênticos quanto os milagres instantâneos. No judaísmo há uma
diferenciação entre os chamados milagres "revelados" ou "explícitos", em que Deus
irrompe sobrenaturalmente no mundo, alterando o esquema normal da natureza, e os
milagres "ocultos", em que Deus renova constantemente o milagre da criação, através
de atos corriqueiros e despercebidos pela maioria. Em geral, os rabinos incentivam as
pessoas a reconhecer os inúmeros milagres "ocultos" que acontecem todos os momentos
(o ar que respiramos, o nascer e o pôr-do-sol, a beleza das flores) e a louvar a Deus
por Seu poder infalível .'° Isso pode dar a impressão de que os judeus não estavam
interessados nos milagres "explícitos", mas não é verdade. Os escribas e fariseus pedi-
ram um milagre como credencial messiânica de Jesus (Mt 12:38), talvez a libertação
do poder de Roma, e Paulo escreveu: "Porque tanto os judeus pedem sinais, como os
gregos buscam sabedoria" (1Co 1:22). Para os autores bíblicos, Deus é a sustentação
de tudo. "Nele vivemos, e nos movemos, e existimos", mencionou Paulo (At 17:28).
A Idéia de Milagre 13
Jesus afirmou: "Meu Pai trabalha até agora e Eu trabalho também" (Jo 5:17). Deus
exerce Sua providência até em relação aos animais.
Como acontece a ação divina na natureza, não sabemos. É um mistério. James
Nelson sugere que essa ação não deve ser entendida como uma intervenção ocasional,
uma ação externa ao Universo, mas sim como uma atividade constante envolvendo
e sustentando o processo inteiro. Ele usa a analogia da interação entre a mente e o
corpo para ilustrar a relacionamento entre Deus e a criação. Deus atuaria como a alma
do mundo, embora não seja a alma do mundo. Para Nelson, Deus não deve ser visto
como "um agente causativo manipulando partículas elementares ou como uma causa
entre outras no mesmo nível de causalidade". A ação de Deus está em uma categoria
diferente das outras ações/causas. A mente de Deus em relação ao mundo, diz ele,
"funciona como um programa de computador ou como os padrões na tela de uma
TV são configurados, sem interferir nas leis físicas do sistema"» '
Esse tipo de arrazoado tem duas vantagens: (1) apresenta uma ponte/transição
"suave", digamos, entre a ação de Deus e as leis da natureza, evitando a idéia de que
a ação divina é uma violência à integridade/estrutura da criação; e (2) ajuda a mente
crítica moderna a aceitar mais facilmente a ação divina no mundo. Mas há o risco
de "naturalizar" tanto a ação de Deus que Suas intervenções especiais (milagres)
acabem sendo descartadas.
A abordagem intervencionista pressupõe uma 'ação divina constante e também
ações especiais esporádicas. Ao mesmo tempo, preconiza que essas ações não preci-
sam ser contrárias às leis da natureza. Elas constituem, antes, a atuação de uma força
superior, que incorpora, ultrapassa ou neutraliza uma lei inferior. E o caso de um
pesado avião que voa com centenas de passageiros, ou o de um navio que flutua com
suas toneladas de carga. A lei da gravidade é real, mas isso não impede, por exemplo,
a evaporação da água para formar as nuvens.
No âmbito espiritual, parece ocorrer a mesma coisa. Se há uma lei espiritual
que determina que o "salário do pecado é a morte", há outra superior que assegura
que "o dom gratuito de Deus é a vida eterna" (Rm 6:23). Paulo, com objetividade,
aplicou esse princípio à experiência cristã: "Porque a lei do Espírito de vida, em
Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte" (Rrn 8:2). O mesmo apóstolo
diz que "onde abundou o pecado, superabundou a graça" (Rm 5:20). Isso nada
mais é do que a manifestação de uma lei superior, interrompendo uma seqüência de
causa e efeito, 'neutralizando graciosamente um princípio de causalidade. Por essa
razão, há quem considere a regeneração, uma vida transformada, o maior de todos
os milagres, um milagre maior do que qualquer cura física. Embora a transforma-
ção espiritual não seja um milagre no sentido técnico e estrito, é um extraordinário
milagre num sentido amplo.
Jacqueline Marifia defende que os milagres devem ser vistos como algo plenamen-
te integrado a um sistema coerente, ocorrendo "quando as ordens moral e espiritual
14 o FASCÍNIO DOS MILAGRES
foram dispostas corretamente". Por essa perspectiva, as leis naturais que governam
o mundo não seriam tão universais, como em geral se pensa. 'Tias podem ser um
subsistema de urna lei muito mais universal, a qual governa o relacionamento entre os
estados morais e a maneira que os estados de coisas aparecem no plano fenomenológi-
co." Se o amor é bloqueado, vêm a doença, a decadência e a morte; se é liberado em
plenitude, como no caso de Jesus, surge uma condição de milagres própria do Reino
de Deus. O mundo natural, com sua dimensão espaço-temporal, não seria autônomo,
mas sim subordinado ao mundo espiritual e ao alvo final da salvação. 12
A análise de Mariicia é sutil e biblicamente aceitável, desde que não substituamos
a rigidez de um modelo mecânico-naturalista pela inflexibilidade de um modelo cármi-
co-espiritualista, sem espaço para a ação pessoal de Deus e a livre manifestação de Sua
graça. Sua limitação do alcance das leis naturais certamente acharia apoio bíblico, pois
a cultura bíblica nunca desenvolveu o conceito de leis naturais realmente universais,
autônomas e inexoráveis, embora os autores bíblicos certamente fizessem distinção
entre o que é parte do mundo natural e o que é intervenção divina
O ensaísta irlandês C. S. Lewis (1898-1963), reconhecido por sua lógica brilhan-
te, junta-se ao grupo dos que adotam a linha de pensamento intervencionista. Para
defender suas idéias, procura demonstrar que as leis da natureza não fazem acontecer
as coisas; elas apenas estabelecem o padrão ao qual cada evento deve conformar-se. 'As
leis do movimento não movem as bolas de bilhar: elas analisam o movimento depois
que alguém (digamos um homem com um taco, ou o balanço do navio, ou talvez,
o poder supranatural) o tenha provido", escreve. Pensar que as leis podem produzir
um fenômeno "é pensar que vocêpode criar o dinheiro apenas fazendo somas". 13
Ou que a métrica, por si, pode criar um poema. As leis, portanto, explicam o como,
mas não causam o que. O que depende de uma força externa. Se as leis realmente
funcionarem, seus resultados serão modificados toda vez que se introduzir um novo
fator. Para condições iguais, resultados iguais; para condições diferentes, resultados
diferentes. O milagre é exatamente esse fator novo. Um poder externo (Deus) age e
a lei reage, no sentido de acomodar a ação divina.
As leis, porém, continuam valendo. O milagre representa uma mudança no modo
normal de Deus agir na e através da natureza, mas não um rompimento da ordem
natural. Se a lei natural, para ser lei, precisa ter regularidade e ordem, o milagre, para
ser milagre, deve ser incomum e «irregular"; se a lei é o modo geral de funcionamento
do mundo, o milagre é um modo específico de ação de Deus nesse mesmo mundo.
Deus está acima das leis que Ele mesmo criou.
Nesse caso, alguém pode argumentar que, se um evento não é contrário às leis
da natureza, então é um evento natural espontâneo, e não um milagre. Falso. O que
caracteriza o milagre é o fato de vir de um poder consciente exterior e superior à na-
tureza, bem como a sua raridade, e não o fato de ser contrário à natureza. Se Deus é
o autor tanto das leis naturais como dos milagres, então não pode haver contradição
A Idéia de Milagre 15
entre as duas coisas. "Um milagre genuíno é antes de tudo um evento que é assombroso,
incomum, abalador, sem contradizer a estrutura racional da realidade", constata Paul
Tillich, que prefere chamar o milagre de "sinal-evento". Para o teólogo, se a estrutura
do ser fosse destruída, "Deus estaria dividido dentro de si mesmo, como tem afirmado
o dualismo religioso", e os milagres seriam "demoníacos", no sentido de revelar uma
"estrutura de destruição"»
Na Bíblia, portanto, não há incompatibilidade entre milagres e leis naturais
ou milagre e uso da natureza nos milagres. No milagre da criação, Deus atua sobre a
realidade criada anteriormente. Em Gênesis, Deus ordena que a Terra produza ervas,
árvores e animais, e as águas produzam animais aquáticos; finalmente, o próprio
Criador forma "o homem do pó da terra" (2:7). No dilúvio, Deus fez romper "todas
as fontes do grande abismo, e as janelas dos céus se abriram" (Gn 7:11). Na libertação
de Israel do Egito, as pragas surgem em conexão com elementos da natureza, e o Mar
Vermelho é aberto por um "forte vento oriental" que dura a noite toda (Ex 14:21).
Nos milagres da transformação da água em vinho (que, segundo alguns autores, foi
uma aceleração do processo normal de produção de alimento) e da multiplicação dos
pães e peixes, Jesus usa material existente (Jo 2:7; 6:11). Isso sugere que, tendo criado o
Universo, Deus passou a atuar na e através da natureza Trata-se de um poder superior
controlando uma "força" inferior.
Dessas três maneiras básicas de encarar os milagres, ou seja, o milagre visto como
(1) um acontecimento natural e espontâneo ainda desconhecido pelo ser humano,
(2) uma intervenção radical no curso da natureza, contrariando suas leis, e (3) uma
intervenção divina no mundo natural, sem contrariá-lo, a última é a que corresponde
melhor à realidade e ao registro bíblico.
CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO
Mesmo tendo esses conceitos em mente, alguém pode achar difícil apontar o
que é milagre na Bíblia e o que não é. Como demarcar o sobrenatural, o prodigioso,
o maravilhoso? Yair Zakovitch, com lógica perspicaz, sugere o critério literário: "a
maneira de sua formulação", "a expressão de excitamento e maravilhamento diante
de um incidente e a quantidade de palavras devotadas à sua descrição".' 5
O erudito judeu sugere, também, nove mecanismos de controle para se juntarem
à formulação literária e determinar se o narrador tinha em vista retratar um evento
como milagre; e eu acrescento o décimo item. São eles:
I. Repetição. Um fato repetido não deixa dúvida do que está acontecendo Exem-
plo: a dupla queda do deus filisteu Dagom diante da arca do Senhor (1 Sm 5:2-4).
2. Restauração a um estado anterior. Isso prova que o operador de milagres está no
controla Exemplo: caso de Jeroboão, que teve o braço paralisado ao estender a mão sobre
o altar, o qual só voltou ao normal quando o profeta orou por ele (1Rs 13:4 e 6).
16 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
• 3. Oração. Um fenômeno manifestado após uma oração não deve ser considerado
apenas coincidência. Exemplo: a transformação da água de Mara em resposta à oração
de Moisés (Êx 15:22-25).
4. Anúncio prévio. A antecipação testifica que Deus está atuando. Exemplo: o
anúncio de Josué: "Santificai-vos, porque amanhã o Senhor fará maravilhas no meio
de vós" (Js 3:5).
5. Paradoxo. A "absurdidade" de um evento revela seu caráter miraculoso. Exem-
plo: o rio Jordão parar e dar passagem a Israel (is 3:16).
6. Milagre intensificado. Parecido com o paradoxo, este fenômeno (que Zakovitch
chama de "milagre dentro de um milagre") consiste em tornar as coisas ainda mais
difíceis. Exemplo: Eliseu curando as águas de Jericó com sal (2Rs 2:21).
7 . Delimitação. O ato de definir as condições revela uma ação deliberada. Exemplos:
os testes de Gideão e o aparecimento programado do maná (Jz 6:36-40; Êx 16:26).
8. Reconhecimento por estranhos. Uma evidência forte do milagre é quando, num
clima de competição, os oponentes admitem que ele ocorreu. Exemplo: os magos do
Egito dizendo ao faraó que as pragas eram "o dedo de Deus" (Ex 8:19).
9. Teste de múltiplos critérios. Sé a narrativa combina vários elementos indicadores
do milagre, é bom prestar atenção. Exemplo: a narrativa das pragas inclui a competição
dos magos, oração e repetição (série de pragas), entre outros indicadores.
10. Avaliação posterior (acréscimo meu). Este critério pressupõe que, mesmo
quando os elementos mencionados não estão presentes na narrativa, mas um fenô-
meno é definido por escritores bíblicos posteriores como miraculoso, ele deve ser
encarado como milagre. Exemplos? As narrativas da criação e da ressurreição, em si,
são despojadas de apelo ao miraculoso, mas a reflexão teológica posterior não deixa
dúvidas quanto à sua natureza. Na verdade, como veremos, são exatamente esses dois
milagres que estabelecem a base para todos os demais.
NOTAS
Haiold Remus, "Does Tenninology Distinguish Early Christian from Pagan Miracles?", Journal
of Biblical Literature 101 (1982): 531 551 ,
= Norman L. Geisler, Miracles and the Modern Mincl: A Definse of Bzblical Miracles (Grand Rapids:
Baker, 1992), 98 e 99.
1 0 famoso teólogo e bispo de Hipona definiu milagre como "um portento" que não é "contrário à
natureza, Mas contrário a nosso conhecimento da natureza" (Santo Agostinho, A Cidade de Deus, 2 ed. jPe-
trópolis: Vozes, 19951, 2495). É bom ressaltar, porém, que ele creditava os milagres à vontade de Deus.
' Colin J. Humphreys, The Miracles of &adia (Nova York: HarperSanFrancisco, 2003).
5 Voltai re, Dicionáno Filosófico, Coleção Universidade (Rio de Janeiro: Ediouto, s.d.), 229 e 230,
itálico no origmal.
'Ver Tomás de Aquino, &Immo Contra Gentiles, 3.98 - 100.
' Santo Agostinho, A Cidade de Deus, 2' 495 .
s Leonard Brand, Faith, 1?eason, and Earth Históry (I3errien Springs, MI: Andrews University
Press, 1997), 58 e 59. Este livro foi publicado em português pela Unaspress, em 2005, com o título Fé,
Razão e História da Terra.
A Idéia de Milagre 1 7
9 Adaptado de Brand, 59.
1 ° Ronald H. Isaacs, Mirai-les: A lett/1th Perspective (Nortlivale, NJ: Jason Aronson, 1997), 2 e 3.
' 1 James S. Nelson, "Divina Action: Is h Credible?", Zygon 30 (1995): 267-280.
Jacqueline Manha, "The Theological and Philosophical Significance of the /vIarkan Account
of Miracles", Faith and Philosophy 15 (1998): 298-323, aqui 313-315.
1 .1 C S. Lewis, Milagres: Uni Estudo l'relirairzar
(São Paulo: Mundo Cristão, 1984), 56.
14 Paul Tillich, Teologia Sistemática,
2' ed. (São Paulo Paulina.s; São Leopoldo: Sinodal, 1987), 103.
15 Yair Zakovitch, "Miracle (0T)'', TheArichor
Bible Dictionary, ed. David Noel Freedman (Nova
York: Doubledáy, 1992), 4:848.
2
A CRITICA AOS MILAGRES
Muitos pensadores, nos últimos três séculos, têm argumentado em várias li-
nhas contra a existência de milagres. A crítica ataca, por exemplo, sua racionalidade,
cientificidade, identificabilidade e importância. Ultimamente, até a moralidade dos
milagres foi atacada. James Keller escreveu um artigo argumentando que os milagres
são imorais porque algumas pessoas seriam beneficiadas, enquanto tantas outras
igualmente em necessidade não receberiam o mesmo benefício.' David Mckenzie
contra-argumentou que não há boa razão moral para rejeitá-los, pois aqueles que
não recebem uma intervenção divina direta podem receber outros benefícios de igual
ou maior valor; essa concepção se baseia numa visão mecânica e estéril da graça de
Deus e ignora que os propósitos de Deus transcendem o benefício individual (seria a
ressurreição de Cristo imoral?). 2
Embora os cristãos geralmente aceitem que a Bíblia é a Palavra de Deus, sendo
digna de crédito mesmo quando relata fatos extraordinários, vale a pena mencionar
três objeções aos milagres: a impossibilidade, a incredibilidade e a não-historicidade
dos milagres. Os principais defensores dessas posições são, respectivamente, Espi-
nosa, Hurne e Bultmann.
O ARGUMENTO DE ESPINOSA
Baruch Espinosa (1632-1677), filósofo judeu-holandês, ignorado por cerca de um
século e depois redescoberto como um dos maiores pensadores da História, achava absurda
a crença em milagres, por considerá-los impossíveis. (Hoje parece mais lógico e sensato
perguntar o que não é possível do que o que é possível.) Expulso da sinagoga judaica aos
24 anos por suas crenças heterodoxas, ele acreditava no panteísmo, igualando Deus com a
natureza -- eterna e regida por leis imutáveis (determinismo). Se Deus não é um ser pessoal
e transcendente, raciocinava, então não pode existir intervenção sobrenatural no Universo.
Seus argumentos contra os milagres podem ser resumidos às seguintes premissas básicas:
20 o FASCÍNIO DOS MILAGRES
O ARGUMENTO DE HUME
O ARGUMENTO DE BULTMANN
Uma crítica de natureza histórica ao sobrenatural foi feita por Rudolf Bult-
mann (1884-1976). 1 ° De forma mais dogmática do que demonstrativa, o influente
teólogo alemão dizia que os milagres são mitológicos, no sentido de apenas expressar
uma realidade transcendente. Para ele, os milagres acontecem no mundo espiritual, e
não na dimensão do espaço-tempo, embora admitisse que Jesus Cristo tenha sido uma
figura histórica. A linguagem transcendental da Bíblia não precisa ser descartada, mas
deve ser reinterpretada. É que a idéia de "sobrenatural" difere da concepção científica de
mundo. Segundo ele, a linguagem pré-científica, própria de uma cosmovisão obsoleta,
não teria mais sentido para o ser humano moderna Por isso, é preciso "dernitizar"
e buscar o sentido mais profundo da mensagem. Ele queria conservar o conceito de
"maravilha" (a maravilha da revelação da graça e do perdão), mas descartar totalmente
o conceito de "milagre".
Muito se escreveu em resposta a Bultmann. Em síntese, pode-se dizer que: (1) o
fato4 os milagres serem mais do que históricos não significa que eles sejam menos do
A Crítico aos Milagres 23
que históricos; (2) os milagres podem ser eventos no mundo e ainda não ser do mundo.
Bultmann, por viver num ambiente condicionado pelo criticismo e a ciência, talvez
1 tenha sido levado a atribuir uma influência condicionante oposta aos escritores do
r Novo Testamento. Porém, embora os evangelhos sejam relatos de fé, não são mitos. A
narração da fé tem um contexto, não é construída no vácuo, mas tem igualmente base
5
factual, não é fictícia; ela é simples, mas não simplista, pois tem elaboração teológica.
Bultmann não entendeu ou não quis entender a linguagem da fé. Por sua inviabilidade,
a idéia da demitologização vem perdendo o glamour nos últimos anos.
A IMPORTÂNCIA DA COSMOVISÀO
A questão é que não é tão fácil para uma pessoa com mentalidade científico-
naturalista, comprometida com a idéia de que o Universo é um sistema fechado,
admitir a intervenção divina. Muitos cientistas do século 17 criam em Deus e ao
mesmo tempo adoravam a filosofia natural. Por isso, acabavam tendo posicionamen-
tos ambíguos e inconsistentes quanto aos milagres. Sir Isaac Newton era o maior
exemplo dessa inconsistência, crendo e não crendo em milagres. "Os principais
cientistas dessa época, quase sem exceção", escreve Peter Harisson, "tinham um
duplo compromisso: por um lado, com a ciência baseada na premissa de um Uni-
verso mecânico governado por leis imutáveis da natureza; por outro lado, com um
Deus onipotente que intervinha na ordem natural de tempos em tempos, quebrando
essas 'leis da natureza."
Os naturalistas têm dificuldade em admitir o milagre porque o milagre não se
acha ligado retroativamente a um fenômeno natural anterior. Para muitas pessoas,
isso parece intolerável. O problema é que vêem pouco; tomam a natureza como
sendo toda a realidade. Porém, ela é só uma parte do quadro. Na verdade, o elo entre
os milagres e a natureza existe, mas não é tão direto e imediato. Para visualizá-lo, "é
preciso retroceder até o seu Criador comum a fim de encontrar o elo de ligação, pois
ele não será descoberto dentro da natureza" 12
A ciência, por sua natureza, não pode admitir o que não vê, pois trabalha
basicamente com a realidade visível e mensurável; mas também não deveria negar o
invisível e imensurável. A realidade é sempre mais rica e complexa do que o quadro
percebido e pintado por nossos sentidos. O problema é que alguns cientistas, baseados
no sucesso inegável do método científico, atribuem à ciência um poder que ela não
tem, nem merece ou exige. Se os cientistas ficarem dentro do escopo da ciência, eles
ainda podem (e devem) discutir a questão dos milagres, mas não podem (e não devem)
dizer taxativamente que Deus não existe ou não opera milagres. Pois Deus está além
do mundo natural visível e, portanto, além da ciência.
O que realmente faz diferença na maneira de encarar a questão dos milagres é a
cosmovisão adotada (isto é, a moldura conceituai para a realidade, a maneira de ver o
24 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
A PROBABILIDADE DA INTERVENÇÃO
Certas pessoas tentam crer em milagres, mas ficam preocupadas com sua aparente
inconsistência ou discrepância em relação ao ritmo normal do Universo. Suspeitam
estar havendo uma interferência arbitrária no reino da natureza Mas será que os
prodígios são mesmo elementos estranhos na história do mundo?
Num livro intitulado The Mind of the Maker (A Mente do Criador), Dorothy
Sayers faz uma analogia entre Deus e o escritor. 19 Quando o escritor escreve uma
história, pode recorrer a fatos extraordinários ou não, e o resultado será ótimo ou
desastroso dependendo do tipo de história. Num romance do gênero "realismo fan-
tástico", Gabriel García Márquez (escritor colombiano contemplado com o Nobel
de Literatura em 1982) introduz cenas fantásticas com a maior naturalidade, e isso
é considerado virtude; mas, num romance realista, Machado de Assis (co-fundador
da Academia Brasileira de Letras e um dos maiores escritores brasileiros de todos os
tempos) deve se prender aos cânones da verossimilhança. A aceitação dos milagres
depende da pressuposição de que Deus é um personagem especial na história Mesmo
assim, Ele deve agir em conformidade com o Seu próprio personagem. O conceituado
professor Antonio Candido diz que as personagens dos romances são paradoxalmente
menos livres do que na vida, pois no romance "a lógica da estrutura impõe limites
mais apertados" e "a narrativa é obrigada a ser mais coerente do que a vida" 20
O enredo é que determina se a intervenção miraculosa é recurso ou crime
artístico. Assim, o aparecimento de um vampiro só tem consistência numa história
que admita a existência de vampiros; e a ação especial de Deus só é coerente numa
cosrnovisão que admita a existência de um Criador pessoal. Como a grande odisséia
bíblica começa com um milagre, a criação, e termina com outro, a recriação, é perfei-
tamente coerente incluir muitos outros milagres nessa história, pois eles estão previstos
no roteiro divino. Se Deus é pessoal, tem poder e inteligência e é amor, então seria de
se esperar algum tipo de interferência dEle num mundo mergulhado em tragédias.
Isso combina com a idéia de que a Bíblia apresenta os milagres não como exceções,
mas como a regra, o enredo principal.
Podemos esquematizar a questão assim:
1. Se Deus é inteligente, existe possibilidade dEle agir.
2. Se Deus é poderoso, existe meio dEle agir
3. Se Deus é amor, existe probabilidade dEle agir.
4. Deus é 1, 2 e 3. Logo, a ação/intervenção divina é possível, factível e até provável.
Se essa é a realidade, será que a Bíblia apresenta mesmo um enredo cheio de
milagres? A resposta é um indiscutível "sim", embora a freqüência e o número dos
milagres relatados, em relação ao período de tempo abrangido pelo registro, não sejam
tão grandes como possam parecer à primeira vista. No total, a Bíblia relata cerca de
260 eventos sobrenaturais, incluindo visões e prodígios futuros descritos no Apocalip-
;e. Tecnicamente, nem todos esses eventos podem ser classificados como "milagres".
Lima leitura mais restritiva, excluindo visões e fenômenos futuros, indicaria cerca de
28 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
100 milagres no Antigo Testamento e cerca de 100 no Novo (alguns relatos de curas
envolvem grupos de pessoas), lembrando que o Novo Testamento cobre um período
histórico aproximadamente 40 vezes menot. O que mais importa, porém, é a Pessoa
que opera os milagres e a qualidade dos milagres tealizados. Nesse sentido, os milagres
da criação e da tessurreição, com o seu caráter de milagres-âncoras, são suficientes para
sustentar todos os outros milagres.
O Gênesis, logo na abertura da Bíblia, estabelece o fato de que Deus criou a Terra,
mas não diz claramente como nem quando Basicamente, Gênesis 1 pode ser lido como
um relato literal ou não-literal. Entre os defensores da leitura não-literal, o texto é encarado
como mitologia (o que é contraditado em outras partes da Bíblia), poesia (é bom lembrar
que a poesia também pode descrever fatos históricos) ou simbolismo. Entre os que adotam
uma abordagem literal, a teoria mais popular e tradicional é a que toma o texto tal como
está. Ou seja, num princípio absoluto do tempo com relação ao nosso mundo, Deus co-
meça a criação dos céus e da Terra, que inicialmente eram diferentes do que são agora (a
Terra era tabu, sem forma", e bohu, " vazia"), e então, em seis dias literais, prepara-os
para receber os seres vivos, criados em seguida.
Se Gênesis 1 se refere apenas à criação da vida na Terra ou também do nosso sistema
solar, é uma questão que permanece sem consenso. Porém, o ponto que interessa ao ptesente
estudo é outro: o ato criador de Deus. Esse ato é expresso pela palavra hebraica bani, indicando
Deus como sujeito e agente. Se Deus criou o céu, a Terra e todas as coisas (doutrina que
aparece não apenas em Genesis 1 e 2, mas em toda a Bíblia), então vê-se aí o primeiro
grande milagre da Bíblia. Aliás, Agostinho considerava a criação o único milagre!
O que transforma a criação num milagre ainda mais monumental é o método
envolvido na sua origem. Os teólogos cristãos, tradicionalmente, têm afirmado que
Deus criou o Universo pelo processo ex nihilo. Ou seja, a partir do nada, Ele fez tudo.
Vários pais da igreja cristã apostavam nessa idéia. O autor de Hebreus ( 1 1 : 3) afirma:
"Pela fé entendemos que os mundos pela palavra de Deus foram criados; de maneira
que aquilo que se vê não foi feito do que é aparente.' Ecos da eriatio ex nihilo também
são vistos em Romanos 4:17, quando Paulo menciona "o Deus que vivifica os mortos
e chama à existência as coisas que não existem".
Mas será que é mesmo possível criar algo do nada absoluto? Ao falar dessa
doutrina da criação do nada, os teólogos querem dizer que Deus não usou nenhuma
substância material ou princípio à parte do poder do próprio ser de Deus. No início
do Universo, Deus só deve ter usado a Sua formulação mental e o poder de Sua palavra
(a física quântica classificaria o infinitamente pequeno, em seu nível mais profundo,
como informação). Pois, caso contrário, estaríamos admitindo que a matéria é co-
eterna com Ele, e isso é biblicamente inadmissível.
A Crítica aos Milagres 29
NOTAS
' James Keller, "A Moral Argument Against Miracles'', Faith and Philosophy 12 (1995): 54-78.
2 David Mckenzie, "Miracles Are Not Immoral: A Response to James Keller's Moral'Argument
1983), 79.
Ibid., 91.
8 Ibid., 97.
Richard Whately, Historical Doubts Relative to Napoleon Bonaparte (Nova York: Robert
Gastei, 1849).
'" Ver Rudolf Bultmann, "New Testament and MythologY, em Kerygma and Myth: A Theological
Debate, ed. Hans Werner Bartsch (Nova York: Harper 8c Row, 1961), 3-16.
Peter Harrison, "Newtonian Science, Miracles, and the Laws of Nature", Jeurnal of the History
of Idcas 56 (1995): 531.
' 2 Lewis, Milagres, 58.
Ronald H. Nash, "Miracles ar Conceptual Systems'', em In Defense ofMiracles: A Compreherzsive
Case for Gods Action in History, ed. R. Douglas Geivett e Gary R. Habermas (Downers Grove: Inter-
Varsity, 1997), 119 e 121.
14 Michael Behe, A Caixa Preta de Darwin: O Desafio da Bioquímica à Teoria da Evolução, Ciência
' 6 Will iam A. Dembski, Intelligent Desigm The Bridge Between Science & Theology (Downers
Grove: InterVarsity, 1999), 120.
17 Steven Weinbcrg, Sonhos de Urna Teoria Final, Ciência Atual (Rio de Janeiro: Rocco, 1996),
191. À página 201, ele revela sua nostalgia e ceticismo: "Seria maravilhoso encontrarmos nas leis da
natureza um plano preparado por um criador envolvido, no qual os seres humanos tivessem um papel
especial. Acho triste pensar que não o encontraremos."
Stephen W Hawking, Urna Breve História do Tempo: Do Big Bang aos Buracos Negros (Rio de
Janeiro: Rocco, 1988), 238.
Dorothy Sayers, lhe Minei of the Maker (Nova York: Harcourt, Brace and Co., 1941), 63-83.
Lewis cita o argumento de Sayers em Milagres, 92.
20 Antonio Candido, "A Personagem do Romance", em A Personagem de Ficção, Antonio Candido
22 Ibid., 302.
,
OS PROPÓSITOS DOS MILAGRES
r
O milagre é um jeito de Deus reescrever com letras peque-
: nas aquilo que já escreveu na tela da natureza com letras
k. gi andes demais para alguns verem.
r c S. Lewis (1898-1963), filósofo irlandês
i.
k
1-
? O milagre não é um evento casual, gratuito, sem finalidade objetiva. Ele tem urna
. .
1 missão real, uma mensagem teológica. Na verdade, possui várias significações. O
, milagre "é um sinal polivalente", pois, como "tantas realidades cristãs, age ao mesmo
Irtempo em diversos níveis, indica direções diversas" . 1 Ele tanto pode revelar o interesse
gracioso de Deus pela humanidade sofredora quanto servir de credencial de uma missão
divina. Veremos, a seguir, oito propósitos dos milagres, no contexto bíblico.
REVELAÇÃO DA GLÓRIA
dores, proporcionando honra ao Seu nome. Se o milagre foi percebido num nível mais
profundo, em que a pessoa consiga captar um vislumbre da onipotência, da sabedoria,
da justiça e do amor de Deus, ele pode gerar fé e relacionamento. É por isso que João
considera o milagre da transformação do vinho, em Caná, o marco inicial da revelação
• da glória do Filho, através de sinais: "manifestou a Sua glória e os Seus discípulos creram
nEle" (Jo 2:11).
Glória (hebraico, kabôd; grego, doxa), em seu uso secular na antiguidade, tinha
vários sentidos, em sua maioria relacionados a exaltação .e fama: (1) a opinião que
alguém tinha de si; (2) a opinião (boa) que os outros tinham dessa mesma pessoa; (3)
aquilo que torna uma pessoa respeitável na sociedade e lhe dá peso; (4) riqueza, posi-
ção honrosa. No Antigo Testamento, kabôd expressa o poder e a majestade de Deus,
enquanto Ele Se dá a conhecer ao ser humano, bem como a Sua aparição luminosa.
Na Septuaginta (onde aparece 445 vezes) e no Novo Testamento, doxa também se
refere a esplendor, poder, elogio, honra, brilho, revelação divina. 2
O milagre tem o objetivo de revelar, exaltar e honrar a Deus. Ele atua como uma
combinação de fogo de artifício (espetacular, não direcionado) e raio laser (direcionado,
objetivo), iluminando os atributos divinos, em especial a Sua onipotência. Sendo que
os atos poderosos de Deus têm um caráter ético, eles, por extensão, revelam o Seu amor
e a Sua justiça. Isso gera aplausos e louvores. Lucas, em especial, gosta de registrar tais
manifestações de louvor. Por ser Filho de Deus, onipotente e gracioso, Jesus participa
dessa glória, que é vislumbrada em todos os Seus milagres e tem expressão máxima
na cruz. Para Jesus, Suas obras são também as obras do Pai e do Espírito Santo, que
são um e atuam harmoniosamente.
TRANSBORDAMENTO DO AMOR
SELO DE AUTENTICAÇÃO
que, sem os poderosos atos divinos, o faraó teria libertado seus produtivos escravos?
Ou os milhares de israelitas teriam vagueado atrás de Moisés pelo deserto? O próprio
Moisés duvidava de seu sucesso: "Quem sou eu para ir a faraó e tirar do Egito os
filhos de Israel?" (Px 3:11). Deus prometeu ir com ele, ferindo o Egito com grandes
"prodígios" (Ex 3:12 e 20). A "mão forte" (Êx 3:19) convenceria os egípcios; mas, e os
israelitas, que nessa época talvez nem conhecessem direito o nome de Yahweh? Sinais
inconfundíveis, embora básicos, seriam a credencial de Moisés diante dos israelitas
(Ex 4:1-9). De fato, após a travessia do Mar Morto, Israel viu "o grande poder" de ,
Deus, temeu-0 e confiou nEle e em Moisés (Ex 14:31).
No Novo Testamento, Marcos encerra seu evangelho com a afirmação de que o
Senhor confirmava a missão dos apóstolos "por meio de sinais" (16:20). Em Icônio,
Deus autenticou a palavra de Paulo e Barnabé "concedendo que poi mão deles se •
fizessem sinais e prodígios" (At 14:3). O próprio Paulo invocou os "sinais, prodígios
e poderes mi raculosos " como "credenciais do apostolado" (2Co 12:12). E Hebreus
(2:3 e 4) informa que a mensagem de salvação, anunciada por Jesus e confirmada
pelos apóstolos, recebeu testemunho de Deus, "por sinais, prodígios e vários mila-
gres,'e por distribuições do Espírito Santo segundo a Sua vontade". No discurso de
Pedro no Pentecostes, os milagres de Jesus são evocados como autenticação de Sua
condição messiânica (At
Todos esses textos, entre outros, apontam para o milagre como credencial de
uma missão divina, um atestado de genuinidade e credibilidade. É como se Deus
dissesse, em linguagem não-verbal, mas altamente perceptível: "Olhem, esta pessoa
tem o Meu aval. Prestem atenção ao que ela vai dizer."
Apesar de atuar como credencial, o milagre não é, sozinho, uma prova de corre-
ção doutrinária ou garantia de origem divina É possível até usar o nome de Jesus na
operação de milagres e não ter relacionamento salvífico com Ele (Mt 7:22 e 23). O
profeta ou taumaturgo deve agir em conformidade com a palavra de Deus anterior-
mente revelada (Dt 13:1-5). Um indivíduo não pode ser agente de Yahweli se buscar
destruir a lealdade do povo a Yahweh e Sua lei.
Além disso, é importante ressaltar que o sentido do milagre não se esgota na
autenticação de uma mensagem ou de um mensageiro. O milagre contém, em si, um
conteúdo. Ele é meio e mensagem.
DEMONSTRAÇÃO DE PODER
Em quarto lugar, os milagres servem para atestar a supremacia de Deus sobre deuses
rivais. Este ponto está relacionado com o item anterior, mas se diferencia dele por mostrar
o próprio Deus em cena Se lá o foco é a figura do mensageiro, num contexto de tensão
espiritual, aqui o foco é Deus, num ambiente de combate espiritual direto. Tais milagres
visam mostrar quem está no comando da História ou da natureza
Os Propósitos dos Milagres 37
mas pela conquista territorial, em que o reino das trevas vai diminuindo no espaço
e no tempo. Por isso, não só Jesus expulsa demônios, mas também os discípulos são
comissionados a fazê-lo (Mt 10:8; Mc 16:17). Com base no uso do verbo ekballo
("expulsar", "expelir") pela Septuaginta no contexto da conquista de Canaã, Michael
Brown sugere que, "assim como os israelitas foram comissionados por Yahweh a expul-
sar e desapossar os cananeus, tomando desse modo a Terra Prometida, assim também
os discípulos foram comissionados por Jesus a expulsar e desapossar os demônios,
retomando dessa maneira o que por direito pertencia a Deus" . 5 Em Atos, diz Peter
Davicls, a superioridade do poder dos apóstolos sobre a magia "é apenas um subtema
do contraste entre Deus e as divindades pagãs encontrado em vários lugares" nesse
livro (ver At 8, 13, 14e 19). 6
ÊNFASE NA VERDADE
sábado esta filha de Abraão, a quem Satanás trazia presa há dezoito anos?" (vs. 15
e 16). O mesmo evangelista fala da cura de um "hidrópico" (pessoa com acúmulo
de líquido no corpo) no sábado (Lc 14:1-6). Antes de curá-lo, Jesus fez uma con-
sulta aos fariseus sobre a legalidade da cura no sábado. Eles nada responderam,
e Jesus curou o doente. Por sua vez, João 5:10 menciona a crítica dos judeus ao
paralítico que, curado por Jesus no sábado, estava carregando sua esteira nesse
dia; e João 9 registra o inquérito" instaurado pelos fariseus por Jesus ter curado
um cego no sábado.
Mas o que desejava Jesus ensinar com os milagres que, deliberadamente, realizou
{, no sábado? Essas curas tinham, por certo, o objetivo de esclarecer o verdadeiro sentido
desse dia. Os judeus consideravam o sábado um pequeno antegozo do olam haba, o
- mundo futuro. Sua teologia ensinava que qualquer coisa que não será feita no mundo
porvir, como a cura, também não deve ser feita no sábado. Portanto, os fariseus viam
as curas de Jesus no sábado como pecaminosas.
,
(
Porém, há outro aspecto, que fica bem claro no contexto da cura de um para-
lítico, em João 5. A teologia rabínica ensinava que Deus ao mesmo tempo descansa
e trabalha no sábado. Ou seja, a divina providência sempre permanece ativa, pois,
{ casa contrário, a vida cessaria. As pessoas que nascem e as aue morrem no sábado são
evidência da atividade contínua de Deus. Só Ele pode dar a vida, só Ele pode julgar os
mortos. Portanto, ao curar no sábado, Jesus realiza uma atividade exclusiv a d e Deus
sesxopsrciestsaa, da á Sua igualdade i . O s judeus percebemigual
euoemfazo vPeam se isso
is tentam
p ai ompaot ád-eLr ioa.
Jesus , ao invés de recuar, reafirma ainda mais a Sua igualdade com Deus. Ele julga,
ressuscita, vida. Tudo que do pois, sendo ao não
agir independentemente do Pai.'
Com essas curas, Jesus ensinou que e legal e indicado fazer o bem no sábado,
pois o sábado é uma miniatura da eternidade, um tempo de descanso, bem-estar e alegria
na Presença do Senhor do tempo. Ele conectou o sábado com a cura e a salvação. "O
sábado aponta em direção a um tempo futuro quando cada problema não-resolvido,
quer físico, emocional ou espiritual, será curado no reino vindouro. " 0 Jesus revelou
também que o Messias que traria uma nova qualidade de vida já estava presente e
atuando, pois o sábado é um tempo próprio para simbolizar a libertação e as bênçãos
da era messiânica. Os líderes judeus estavam perdendo o ponto central: a realidade
de que o Deus que estende o toque de vida e de cura a todas as criaturas, no presente
e no futuro, estava atuando visivelmente em seu meio.
As curas sabáticas, portanto, têm uma dupla função: revelam (1) a identidade do
Messias e (2) o caráter do sábado (e da eternidade). A ação do Messias no presente dá uma
amostra da qualidade de vida no futuro, simbolizada pelo sábado. Contra as regras e as
expectativas da liderança judaica, Jesus mostra o que significa experimentar o sábado na
,
perspectiva divina e na dimensao da eternidade - um sábado contínuo.
Os Propósitos dos Milagres 41
POTENCIALIZAÇÃO DA PREGAÇÃO
Muitos sinais e prodígios eram feitos entre o povo, pelas mãos dos apóstolos. [...] E
crescia mais e mais a multidao de crentes, tanto homens como mulheres, agregados
ao Senhor, a ponto de levarem os enfermos até pelas ruas e os colocarem sobre leitos
e macas, para que, ao passar Pedro, ao menos a sua sombra se projetasse nalguns deles
(At 5:12, 14-16).
,
Diante da pressão da liderança judaica de Jerusalém, os membros da igreja oraram
por intrepidez na Pregação , seguida de curas, sinais e prodígios" (At 4:29 e 30). Paulo
í fala orgulhosamente das coisas que Cristo fez por seu intermédio, "para conduzir os
I, gentios à obediência, por palavras e por obras, por força de sinais e prodígios, pelo poder
do Espírito Santo; de maneira que, desde Jerusalém e circunvizinhanças, até o Ilírico",
I ele conseguiu divulgar o evangelho (Rui 15:18 e 19). Igualmente, o trabalho de Filipe
em Samaria foi bem sucedido graças aos "sinais que ele operava" (At 8:6; ver 5 13).
-
-
O bom senso sugere que as pessoas crêem mais facilmente naquilo que podem
ver ou provar, especialmente se isso lhes causa uma forte impressão. Por esse motivo,
os milagres atuam como potencializadores da pregação. Eles não são o kerygrna, mas
componentes que o tornam mais forte e conhecido. Por exemplo, convidando o povo a
receber o seu milagre, o evangelista alemão Reinhará Boimke reuniu, em novembro de
2000, urna multidão de quase 6 milhões de pessoas numa cruzada evangelística de seis
dias em Lagos, capital comercial da Nigéria e uma das maiores e mais problemáticas
cidades africanas. Seus métodos e sua teologia são controvertidos, mas não há como
negar a força do apelo aos milagres.
ANÚNCIO MESSIÂNICO
Em sétimo lugar, os milagres servem para anunciar os tempos messiânicos Quando
João Batista, preso no castelo de Marquem, na margem oriental do Mar Morto, enviou
amigos para questionar diplomaticamente se Jesus era realmente o Messias, Jesus man-
dou lhe um recado inconfundível: "Os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são
-
purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados" (Mt 11:5). Esses eram os
sinais da era messiânica João ainda tinha dúvidas? O próprio João, embora fosse "muito
mais que um profeta" (Mt 11:9), não fizera nenhum milagre (Jo 1041). Mas agora os
milagres eram abundantes. Esse fato pode ter sido uma providência divina, para assinalar
claramente quem era o precursor e quem era o Messias. Coai o Seu recado parabólico a
João, Jesus confirmou que a era messiânica havia chegado — ainda que o Messias preferisse
não Se envolver em questões políticas, no sentido de libertá-lo.
42 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
‘4 SINAIS DO REINO
Por fim, os milagres servem de sinais de uma realidade espiritual mais pro-
funda. Os milagres de Cristo, em especial, devem ser interpretados em dois níveis:
(1) metafórico e (2) escatológico. Como sinal metafórico, o milagre é símbolo da
suficiência divina para Suas criaturas; como sinal escatológico, prefigura as mudanças
do mundo por vir. Nas palavras de Latourelle, os milagres "invadem o nosso mun-
do e fazem uso de seus elementos", mas "alcançam-nos como um chamado de um
mundo distante e novo, e dão-nos um lampejo de seu esplendor".' 6 Essa dupla
dimensão é mais visível no evangtlho de João, onde o termo "sinal" (ou "sinais")
aparece 17 vezes. A própria estrutura do relato joanino, focalizando o milagre
seguido de um discurso ou diálogo explicativo, mostra seu objetivo teológico
deliberado (ver o quadro 3).
44 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
Cura do filho do João 4A6- Jesus como fonte da saúde e O Reino de Deus trará saúde a todos,
Cura do paralítico João 5:1-18 Jesus como agente da liberdade O Reino de Deus proporcionará
Setesta
Multiplicação dos João 6.1- 3 Jesus corno Pão da Vida O Remo de Deus terá abundância de
Caminhada sobre João 6:16- Jesus como controlador da natureza No Reino de Deus, "o mar já não
fica demonstrada
Cura de um cego João 9:1-12 Jesus corno a luz do mundo O Remo de Deus possibilitará uma
Ressurreição de João 11:1- Jesus como doador da vida No Remo de Deus, os monos serão
Por exemplo, após a cura do cego, Jesus proclama: "Enquanto estou no mundo,
sou a luz do mundo" (9:5). Depois da multiplicação dos pães, Jesus Se revela como o
Pão da Vida (6:35) e diz que o resultado de se comer desse pão é a vida eterna (6:40).
No incidente da ressurreição de Lázaro, Marta chora e expressa sua fé conformada de
que seu irmão "há de ressurgir na ressurreição, no último dia" (11:24). Jesus então
lhe diz: "Eu sou a ressurreição e a vida" (11:25).
Nas entrelinhas, Ele estava dizendo: "Marta, olhe para Mim! Você está olhando
para o futuro, em busca da vida. A vida está aqui. Eu sou a vida." Na seqüência, Jesus
amplia o sentido da afirmação e disponibiliza a vida a todos os cientes: "Quem crê
em Mim, ainda que morra, viverá; e todo o que vive e crê em Mim, não morrerá,
eternamente" (11:25 e 26).
O que vale para João, vale também para os Sinóticos — com a ressalva de que em
João os milagres apontam para o Filho de Deus, enquanto nos Sinóticos destacam a
chegada do Reino de Deus. Dito de outro modo, em João os milagres são semeia (si-
nais), ao passo que nos Sinóticos são dynanzeis (atos de poder). João focaliza o Salvador
divino em primeiro plano; a tradição sinótica enfatiza a vitória sobre Satanás. João
Os Propósitos dos Milagres 4
quer lançar luz sobre a identidade de Jesus; os Sinóticos destacam a Sua missão. Mas,
em ambos os casos, os milagres são sinais de uma realidade espiritual mais profunda.
Vários relatos miraculosos confirmam isso.
Por exemplo, quando Marcos (2:10 e 11) revela que Je s us perdoou um para-
lítico antes de curá-lo fisicamente, está querendo dizer que Jesus é divino e que no
Reino de Deus a culpa será removida. "Marcos está retratando Jesus como agindo
em lugar de Deus", observa Graham Twelftree; "a ação de Jesus em perdoar pecados
é sem paralelo e está fora do escopo da lei". É. um fato inusitado. "Portanto, embora
Jesus esteja sendo retratado como um taumaturgo, Ele é mais do que isso: ao curar
(e perdoar), Ele está agindo no lugar de Deus ou, talvez, como Deus "17 No relato
da pesca milagrosa, Lucas deixa entrever que, além do poder miraculoso de Jesus,
está em pauta o sucesso da igreja através da evangelização: "doravante serás pescador
de homens" (Lc 5:10), A purificação de um leproso (Mc 1:40-45) significa não só o
seu retorno para a comunidade atual, mas a reintegração do pecador na comunidade
divina. As expulsões de demônios representam o triunfo do Reino de Deus (Lc 11:20)
e a erradicação futura do mal. Por isso, quando os 70 relatam eufóricos o sucesso de
sua missão apostólica, dizendo que até os demônios se lhes submetem, Jesus exclama:
"Eu via a Satanás caindo do céu como um relâmpago" (I.c 10:18).
Percebidos nessa dupla dimensão, os milagres mostram o esplendor dos dons ce-
lestiais para o ser humano, em Cristo, e fazem um marketing antecipado dos benefícios
que estão vindo aí, com o estabelecimento definitivo do Reino de Deus. Eles atuam
como espelho de um mundo invisível, anúncios de um tempo virtual. Tornam visível
o invisível e real o virtual. São sinais no sentido mais profundo da palavra.
PROFUNDIDADE DO SINAL
Testar os espíritos, para ver se são de Deus, é importante "porque muitos falsos
profetas têm saído pelo mundo fora" (1Jo 4:1). Se Deus faz milagres, o poder do
mal O imita.
É a fé, num nível relacional, que permite ver o milagre em sua dimensão cor-
reta. Para observar um prodígio, basta ter olhos ou um bom aparelho óptico; mas,
para perceber o milagre como sinal, é preciso o olhar da fé. Por exemplo, uma rosa
não tem para um botânico o mesmo significado que tem para um casal apaixonado.
Uma mãe responde ao choro do seu bebê de modo diferente de uma enfermeira.
Um físico analisa orn facho de luz piscando no mar de maneira diferente de um
escoteiro que conhece os sinais de SOS. Um médico explicaria a morte da princesa
Diana, na noite de 31 de agosto de 1997, de um jeito, após fazer uma autópsia, e
um fã a explicaria de outro jeito, após considerar sua beleza, magia, solidariedade e
perseguição por parte da mídia e da família real britânica. Os níveis de significação
são diferentes para olhares diferentes.
O cientista dá a explicação que pode dar aos fenômenos, dentro dos conceitos e
das medidas da sua especialidade. A ciência atua no âmbito da matéria e da energia,
tentando responder perguntas em termos de "como". Ela não tem respostas para as
perguntas do tipo "Por quê?" ou "O que isto quer dizer?", as quais se relacionam
com valor e significado.
Isso apenas comprova que existem diferentes maneiras de enfocar os milagres.
O cético, ou o incrédulo, olha para um milagre e vê apenas um prodígio; quem sabe,
nem isso. Já o crente vê o sinal por trás da maravilha; quem sabe, até mais que isso (o
próprio Agente do milagre). Diz Paul Tillich:
Aquilo que não nos abala por seu caráter assombroso não tem poder revelatório. Aquilo
que abala sem apontar para ó mistério do ser não é milagre, mas magia. Aquilo que não é
recebido em êxtase é um relato sobre a crença num milagre, não um milagre atual lrealj.
Isto está enfatizado nos registros sinoticos dos milagres de Jesus. Milagres só são dados
para aqueles a quem eles são sinais-eventos, para aqueles que os recebem em fé."
Em resumo, pode-se dizer que os milagres têm pelo menos oito propósitos,
chamando a atenção para a ação divina, autenticando uma missão e dando visibilidade
ao invisível, entre outras coisas. Porém, todos esses aspectos estão interligados, e o
mais importante é percebê-los como sinais. Só vê os milagres quem tem a capacidade
de maravilhar-se diante da ação divina no mundo.
NOTAS
' René Latourelle, Teologia da Revelação, Teologia Hoje, Yed. (São Paulo: Paulinas, 1985), 506-
507, itálico no original.
Geotg Mohn, "Glória", Dicionário de Teologia Bíblica, ed. Johannes B. Bauei, 3 ed. (São Paulo:
Loyola, 1984), 1:442-446.
Os Propósitos dos Milagres 47
Latourelle, rleologia da Revelação, 523.
4
O conhecimento especial que Deus deu a Daniel nesse caso não é tecnicamente um milagre,
mas se situa no campo do sobrenatural. A profecia está para a onisciência de Deus assim corno o milagre •
está para a Sua onipotência. Ambos são expressões de atributos divinos.
5 Michael L. Brown, Israel Li Divine Healer
(Grand Rapids: Zondervan, 1994), 216-217.
'P. H. Davids, "Miracles in Acts", Dictionary of the Later Neto Testament & lis Developments,
ed.
Ralph P. Martin e Peter H. Davids (Downets Grove: InterVarsity, 1997), 750.
' Michaél Brown, 21.
" Ibid., 53, 72-77.
9 José Carlos Ramos,
Evangelho de João: Introdução e Comentário (Engenheiro Coelho, SP: SALT,
2000), 143, 164 e 165.
Reid, 768.
" Graham H. Twelftree, _Jesus the Miracle Worker: A Hittorical and Theological Study
(Downers
Grovc: InterVarsity, 1999), 343, 347, itillict o suprimido.
' 2Otto Borchert, O feias. Histórico (São Paulo: Vida Nova, 1990), 98.
Jeffrey Gibson, "Jesus' Refusal to Produce a 'Sign' (Mk 811-13)", Journal for the Study of the
New 7èstarnent 38 (1990): 37, 53.
Michael Brown, 92 e 93.
Philip Yancey, O Jesus Que Eu Nunca Conheci (São Paulo: Vida, 1998), 184.
VI René Latourelle, lhe Mirada ofJesus and Me Theology of Miracles
(Nova York: Paulist, 1988), 329.
17 Twelfuee, Jesus Me Miracle Worker, 64, 65.
Tillich, 104.
4
A ATUALIDADE DOS MILAGRES
A base bíblica para a ocorrência de milagres pode ser muito bem estabelecida,
tanto a partir do Novo Testamento quanto do Antigo. Mas o que não é tão evidente é
a continuidade de todos os dons miraculosos. Profecia, línguas e cura milagrosa eram
apenas para os tempos bíblicos ou também para a geração atual? Há uma disputa em
andamento entre "cessacionistas" e "continuístas", que se intensificou nos últimos
anos. Os primeiros defendem que tais dons cessaram na época dos apóstolos, com a
furiclação da igreja cristã e a escrituração do cânon bíblico; os últimos argumentam
que todos esses dons prosseguiram através da história da igreja e devem funcionar
também hoje. Qual posição tem base bíblica?
Definir essa questão é importante não simplesmente para satisfazer uma curiosidade
teológica, ou dirimir qualquer polêmica doutrinária envolvendo protestantes tradicionais e
pentecostais, mas porque ela influi diretamente no ministério e na missão da igreja, determi-
nando sua opção metodológica e apontando o papel reservado ao Espírito Santo.
A polêmica sobre a continuidade dos dons miraculosos não se resume a duas
posições polares. Entre o "sim" e o "não", há nuances. Uma obra mais ou menos
recente, Are Miraculous Gifts for 7bday?,' apresenta quatro visões: (1) cessacionista,
segundo a qual não há dons miraculosos do Espírito Santo hoje; (2) aberta com
cautela, a qual inclui uma grande parcela de evangélicos que não descartam os dons
miraculosos para hoje, mas vêem a possibilidade de abuso na prática desses dons; (3)
pentecostal/carismática, que preconiza a validade dos dons miraculosos hoje; e (4) a
chamada Terceira Onda (nome dado por Peter Wagner ao movemento de renovação
surgido nos Estados Unidos na década de 1980), que busca equipar os crentes com
os dons espirituais e defende que a evangelização, pelo padrão do Novo Testamento,
deve ser acompanhada de "milagres, sinais e maravilhas".
A seguir, analisarei os argumentos em favor de três posições, parcialmente
coincidentes com as quatro mencionadas, as quais chamarei de: (1) fundacional, (2)
carismática; e (3) cíclica contínua.
50 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
ABORDAGEM FUNDACIONAL
A premissa básica desta posição é que os dons miraculosos foram úteis no início
da igreja cristã, mas, uma vez lançado o fundamento da igreja e encerrado o processo de
revelação que daria origem ao cânon, cessaram. A palavra-chave é propósito: os dons
miraculosos tinham um objetivo e, tendo-o cumprido, deixaram de existir Entre
os muitos defensores deste ponto de vista podem ser mencionados os reformadores
Martinho Lutero (1483-1546) e João Calvino (1509-1564), o puritano John Owen
(1616-1683) e principalmente Benjamin Warfield (1851-1921), teólogo da "escola
de Princeton" e crítico dos operadores de milagres pré-pentecostais.'
A Igreja Católica "sempre professou o papel dos milagres como testemunhos de sua
autoridade única na qualidade de madre igreja", escreve Alan Pieratt; assim, os reforma-
dores precisavam desenvolver uma teologia que "explicasse por que aquele número de
testemunhos de milagres aparentemente infinito durante os 1.500 anos anteriores não
apresentava nenhuma força" .3 A partir do quarto século, com a conversão de Cons-
tantino, os cristãos, em vez de verem os milagres como "sinais contínuos da vitória
de Cristo", começaram a "valorizar os milagres em si mesmos e a considerá-los como
parte da sacralização do -Império Romano ."4 A posição da Reforma, além de ser uma
reação a essa mentalidade, nasceu mais da experiência, em face da escassez de milagres
reais, do que de um estudo sério da Bíblia.
Cinco dos principais argumentos utilizados pelos "cessacionistas" são os
seguintes:
Argumento I: O Pentecostes é único e irrepetível. O Dr. Richard B. Gaffin, pro-
fessor de teologia sistemática no 'Westminster Theological Seminary, é um defensor
deste ponto de vista. Ele faz uma distinção entre a "história da salvação" (historia
salutis), isto é, eventos do tipo uma-vez-por-todas que acompanham o trabalho
salvífico de Cristo, como Sua morte e ressurreição, e a "ordem da salvação" (ordo
salutis), ou seja, eventos ligados à contínua aplicação dos benefícios da salvação à
vida individual dos crentes, como a justificação pela fé e a santificação. Para Ga-
ffin, o Pentecostes pertence à "história da salvação", e não à "ordem da salvação". 5
Evidências? Note estes dois elos:
Elo 1: (a) João Batista é o precursor do Messias e batiza com água; (b) João
Batista diz que o trabalho do Messias inclui o batismo "com o Espírito Santo e com
fogo" (Lc 3:16); (c) pouco antes de Sua ascensão, Jesus faz referência à afirmação/
profecia de João e pede que os discípulos permaneçam em Jerusalém a fim de serem
"batizados com o Espírito Santo" e receber "poder" (At 1:4, 5 e 8). Conclusão: o
batismo com o Espírito e com fogo é a "culminação do ministério do Messias; ele
serve para autenticar esse ministério como um todo, exatamente como, em com-
paração, o batismo com água era um indicador do ministério inteiro de João (Lc
20:4; At 10:37)",
V
ABORDAGEM CARISMÁTICA
da igreja. Para quem argumenta que a presença do Espírito não garante auto-
maticamente poderes miraculosos, já que Ele também exerce outras funções,
pode-se responder que essas outras funções não eliminam automaticamente a
possibilidade de milagres.
Ainda mais direto é este testemunho: "Em verdade, em verdade vos digo que
aquele que crê em Mim, fará também as obras que Eu faço, e outras maiores fará,
porque Eu vou para junto do Pai" (Jo 14:12). Se o contexto sugere uma aplicação
primária aos apóstolos, a expressão qualificadora "aquele que crê" generaliza o auditório
e deixa aberta a possibilidade de ação miraculosa futura.
Argumento 2:A diferença entre as listas de dons sugere um caráter incompleto
e instrumental. No total, Paulo cita cerca de 25 diferentes dons em suas cartas. Mas
a maneira como ele os menciona sugere a possível existência de outros. Se fosse hoje,
ele talvez pudesse acrescentar o dom da música ou do evangelismo pela TV. Nenhuma
lista repete integralmente as demais. Isso indica que essas listas são apenas ilustrativas,
não exaustivas. Além disso, Paulo parece falar de dons primariamente num sentido
instrumental. A finalidade deles não seria definir status (dos apóstolos, por exemplo),
mas edificar a igreja -- mundial e especialmente local.
Os doze discípulos eram apóstolos num sentido especial, até pelo fato
de serem doze. Parece que esse número simboliza o Reino de Deus. A Bíblia
apresenta varias séries de doze: doze tribos de Israel, doze discípulos, doze
fundamentos da Nova Jerusalém. Mas o apostolado não se restringia aos doze.
Paulo, Barnabé e Timóteo foram chamados de apóstolos. Segundo Paulo, o
Cristo ressuscitado foi visto pelos "doze" e depois "Por todos os apóstolos" (1Co
15:5 e 7), sugerindo uma diferenciação entre os dois grupos. Se entendermos -
o termo "apóstolo" em seu sentido básico de "mensageiro" ou "enviado", não
há por que restringir o apostolado a doze pessoas ou utilizar o nome como
titulo honorífico. Isso corrobora a idéia de que os dons miraculosos não se
restringiam a uma categoria especial.
Argumento 3.• A analogia da igreja como organismo cmporatzvo pressupõe que todos os
dons são necessários. Paulo compara o funcionamento dos dons na igreja à operação do
corpo (1 Co 12:12-31). O corpo funciona em harmonia. Precisa de todos os membros.
Ele pode sobreviver mesmo com uma perna ou um braço amputado. Mas irá funcionar
bem? E se lhe faltassem os olhos e a boca? Invertendo a analogia, a igreja precisa de
todos os dons para funcionar perfeitamente. Ela pode sobreviver sem profecias e curas,
ou milagres. Porém, esses dons não a fortaleceriam? Do ponto de vista da eficiência e
da eficácia, todos os dons são necessários.
Além disso, os dons são diversos e diferentes, mas todos têm a mesma
procedência: Deus. Há diversidade na distribuição ou recepção, mas unidade
na origem. Se a fonte dos dons do primeiro século é a mesma de hoje, e se ela é
a fonte única de todos os tipos de dons, não é se esperar unidade de ação (leia-
A Atualidade dos Milagres 55
parafraseado assim: "Quando Cristo vier, profecia, línguas e outros dons imperfeitos
se tornarão inúteis e deixarão de existir." Só assim faz sentido o contraste sugerido
por Paulo (ver o quadro 4).
56 O FASCÍNIO DOS MILAGRES ,
E acontecerá depois que derramarei o Meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e
vossas filhas pioferizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões; até sobre
os servos e sobre as seivas derramarei o Meu Espírito naqueles dias. Mostrai ei prodígios
no céu e na terra; sangue, fogo, e colunas de fumo. O Sol se converterá em trevas e a
Lua em sangue, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor (J1 2:28-31).
Esse elo entre Joel, o Pentecostes e "todos os que ainda estão longe" é muito sigrlificativo.
Para Pedro ou Lucas, o dom do Espírito,não estava restrito à categoria dos apóstolos, nem
à sua época (primeiro século d.C.) e nem ao povo judeu.
Em segundo lugar, podemos aplicar o fator tempo de Joel a todo o período
da igreja, em especial ao fim dos tempos. Joel diz que "depois" Deus derramaria o
Seu Espírito (v. 28); em seguida, menciona "naqueles dias" (v. 29); e volta a falar
em "naqueles dias" e "naquele tempo" (3:1). Se o "depois" podia ser uma referência
temporal imediata, ou seja, após Deus abençoar o país e acabar corn a praga de gafa-
nhotos, a expressão "naqueles dias" dá um tom escatológico à profecia e aponta para
o fim dos tempos. Pedro, fazendo pequenas mudanças no texto de Joel, declara que o
povo agora vivia nos últimos dias. Tecnicamente, os "últimos dias" se iniciaram com
a primeira vinda de Cristo (ver Hb 1:1 e 2). Mas o bom senso não pode negar que
não há "últimos dias" mais últimos do que os dias finais. Se o primeiro século podia
ser considerado "últimos dias", muito mais o século 21 ou 22.
Argumento 2: A metáfora das chuvas "temporã" e "serôdia" sugere dois movimen-
tos de "refrigério". A palavra "refrigério" é empregada por Pedro em Atos 3:20 para
indicar as bênçãos que acompanharão a segunda vinda de Jesus. Israel era uma
nação agrícola, e muitos conceitos teológicos se baseavam em analogias ligadas à
agricultura. A metáfora da chuva é um deles. A Palestina sofria sérios problemas com
a escassez de água e a irregularidade da precipitação por região. Coleman informa
que o índice pluviornétrico pode ir "desde o ponto zero no mar Morto, a uns 20 cm
anuais na margem oriental do Jordão, e a 100 cm, na parte superior da Caliléia". 15
As autoridades e cidadãos providenciavam poços e tanques para reter a agua, mas
era com a chuva que o povo podia contar.
Considerada uma bênção, sinal da aprovação de Deus, a chuva geralmente
vinha em duas etapas: as 'primeiras chuvas" e as "últimas chuvas" (Dt 11:14).
As duas eram essenciais. As "primeiras chuvas", ou chuvas do outono, em ou-
tubro/novembro, rompiam a seca do verão e preparavam a terra para o plantio
e a germinação da semente; as "últimas chuvas", ou chuvas da primavera, em
março/abril, ajudavam no amadurecimento da seara e garantia uma boa colheita.
Impressionados com a importância dessas chuvas, os profetas tomaram-nas como
símbolo da presença poderosa de Deus (Espírito Santo) entre seu povo. Moisés
(Jó 29:23), Joel (223), Oséias (6:3), Jeremias (3:3; 524), Zacarias (10:1) e Tiago
(5:7) fizeram referência a essas chuvas.
Pois bem, podemos aplicar a chuva temporã (yôreh;Joel emprega a palavra menos
usual moreh) à experiência do Pentecostes, quando a presença poderosa do Espírito
na vida dos discípulos capacitou-os a converter milhares em um só dia (Atos 2:41) e
a espalhar o evangelho por todo o mundo conhecido da época, estabelecendo a base
da igreja cristã; e podemos aplicar a chuva serôdia (malqôs) à experiência da última
geração de cristãos, que deverá preparar o mundo para a colheita final.
A Afuolidade dos Milagres 59
• Certamente, o Espírito Santo atua num nível pessoal, operando o "novo nasci-
mento" na vida do crente (primeiras chuvas) e amadurecendo-o espiritualmente (últi-
mas chuvas), mas há também uma atuação global, num nível escatológico, enchendo
a igreja de poder para terminar a evangelização mundial, assim como os apóstolos a
iniciaram, e é neste sentido que a metáfora deve ser entendida aqui. Que a presença
do Espírito traz consigo habilidade, poder e milagres, a Bíblia deixa bem claro.
Vale ressaltar que, nos primórdios do pentecostalismo americano (início do
século 20), alguns reavivamentalistas gostavam de aplicar a metáfora da chuva serôdia
ao seu movimento, e que na década de 1940 outro movimento identificado por esse
nome (em inglês, "Latter Rain") acabou tendo impacto na renovação carismática das
décadas de 1960 e 1970.
Entre os adventistas do final do século 19 e início do século 20, essa linguagem
também era conhecida e utilizada. Ellen White (1827-1915) escreveu: "A grande obra
do evangelho não deverá encerrar-se com menor manifestação do poder de Deus do
que a que assinalou o seu início. As profecias que se cumpriram no derramamento
da chuva temporã no início do evangelho, devem novamente cumprir-se na chuva
serôdia, no final do mesmo."'
Argumento 3: Os milagres dos tempos bíblicos aparecem em 'condas". Os milagres
do Antigo Testamento, além de raros, considerando-se o período descrito, não são
uniformemente distribuídos. Eles se concentram em três períodos, embora possam
ser encontrados em outros momentos» criação, tendo Deus como Agente; êxodo,
com Moisés e Josué; e apostasia de Israel (nono século a.C.), com Elias e Eliseu.
Isso pode ser constatado até numa leitura superficial de uma lista de milagres. A
própria expressão "sinais e maravilhas" vem do tempo de Moisés, e Elias se tornou
um símbolo para a mentalidade judaica de profeta comprometido com Deus. No
Novo Testamento, a concentração é em torno do ministério de Jesus e dos apósto-
los. Há registro de atividade miraculosa na literatura cristã do segundo e terceiro
séculos d.C., especialmente profecia, cura e exorcismo, mas não na qualidade e na
quantidade da era de Cristo e dos apóstolos. No fim dos tempos, os milagres devem
se intensificar novamente. Isso sugere que. Deus interfere de maneira acentuada nos
momentos críticos da história humana ou da experiência religiosa do Seu povo,
quando está em jogo o plano da salvação.
Argumento 4: A ocorrência de milagres diabólicos no fim dos tempos pressupõe milagres
divinos. Jesus profetizou que, antes da parousia, surgiriam "falsos cristos e falsos profe-
tas operando grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos"
(Mt 24:24). Nas palavras de Paulo, "o aparecimento do iníquo é segundo a eficácia
de Satanás, com todo poder, e sinais e prodígios da mentira" (2Ts 2:9). João atribui à
"besta" que emerge da terra o poder de operar "grandes sinais, de maneira que até fogo
faz descer à Terra, diante dos homens", seduzindo "os que habitam sobre a Terra por
causa dos sinais que lhe foi dado executar" (Ap 13:13 e 14). Os espíritos de demônios
60 o FASCÍNIO DOS MILAGRES
que têm papel ativo na guerra do Arrnagedorn são "operadores de sinais" (Ap 16:14).
Essa estratégia de engano e sedução através de prodígios sugere que Satanás está, na 4
verdade, tentando imitar Deus. Ele provavelmente agirá "como" Deus estará agindo
no fim dos tempos. O produto que Satanás tentará vender não é original, mas sim
pirateado. Trata-se de uma contrafação. Esta inferência é legítima não porque esteja
apoiada na teologia e no conhecimento futurístico de Satanás, mas porque a Bíblia '
prevê os movimentos dele em função dos movimentos divinos. „ 1
Um exemplo amplo da ação "pirata" de Satanás é a invenção de um sistema pa-
ralelo de culto, baseado em três pilares: (1) idolatria, (2) auto-salvação e (3) opressão '
do povo de D eus . Babilônia é o nome dado no Apocalipse (14:8; 17:5; 18:2) a esse
sistema, em sua versão escatológica. De Babel à Babilônia mística, a essência do sistema
é a mesma. Em semítico, Bab ilu quer dizer "portão de Deus" ou "portal dos deuses".
-
Os babilônios acreditavam que tinham sido comissionados por mandato divino para
dirigir os negócios da Terra. Sua cidade era o ponto de encontro entre deuses e humanos.
Lúcifer, identificado Por Isaías como o rei invisível de Babilônia (Is 14:12-15), queria
transformá-la no seu centro espiritual, em oposição ao templo de Deus em Jerusalém.
Uma evidência disso é a enorme influência dos sacerdotes no reino.
Ao estudar o conceito de Babilônia no Apocalipse, Hans K. LaRondelle aponta
um á evidente postura contra fatória por parte de Satanás. Segundo o teólogo, "Apo-
calipse 12-13 revela que Satanás, como o governante de bste mundo, erigiu um reino
satânico, consistindo de uma trindade falsa, a qual é retratada por João como uma
'imitação paródica da estrutura do reino de Deus'". 18 O "falso profeta" (ou segunda
besta) de Apocalipse 13 atuaria como uma contrafação do Espírito Santo. Assim como
o Espírito veio trazer glória a Cristo, assim também o falso profeta procura exaltar a
"imagem do anticristo" (Ap 13:14 e 15). Seus poderosos sinais, fazendo até mesmo
fogo descer do céu (Ap 13:13), seriam uma espécie de "eco irônico dos atos dos grandes
profetas do Antigo Testamento".' 9
Pois bem, assim como Satanás tenta desvirtuar a religião verdadeira, estabe-
lecendo um sistema paralelo de culto, assim também copia eventos específicos do
programa divino e tenta usá-los para desviar o povo de Deus. Os milagres estão
entre os produtos mais visados por sua "indústria pirata". Foi o que ele fez na
época do êxodo, procurando repetir os milagres divinos (Ëx 7:11 e 22; 8:7 e 18);
aparentemente foi também o que fez durante a onda de supostos milagres que
precedeu o nascimento de Cristo: 2° e é o que deverá fazer antes da parousia. No fim,
Deus desmascara o falsificador. Portanto, em contraposição aos milagres diabólicos,
previstos por Jesus, Paulo e João, haverá também um ciclo de milagres divinos.
Argumento 5: O anjo de Apocalipse 18:1 parece simbolizar um poderoso movimento
de evangelização. Uma analogia com o ministério de outros anjos do Apocalipse (por
exemplo, os anjos do capítulo 14) indica que esse anjo é simbólico. Ele representa um
movimento de pregação do evangelho, no final dos tempos. Provavelmente tal procla-
A Atualidade dos Mi/agres 61
mação envolva milagres, já que a palavra para "autoridade" (exousia) é usada também
como sinônimo de poder (9:3, 10 e 19). A autoridade desse anjo pode ser entendida
como poder para denunciar a falência e a queda de Roma (a Babilônia mística), num
contexto de disputa espiritual. Enfim, o anjo de 18:1 simboliza o clímax da procla-
mação do evangelho, com direito a milagres e manifestações de poder.
Outros argumentos poderiam ser utilizados em defesa desta abordagem. Um
deles é a interpretação tipológica dos festivais judaicos do Pentecostes e das Trombetas
(os quais analiso em meu estudo sobre o Espírito Santo). Mas, para manter a simetria
de cinco argumentos em cada abordagem, fiquemos com esses.
A abordagem cíclica contínua tem virtudes fortes porque:
• Permite um alto conceito do Pentecostes e do cânon, sem negar a atualida-
de dos dons miraculosos, pois o fato de certos fenômenos serem fundacionais não
significa que não possam se repetir de algum modo. Um exemplo da "convivência"
entre o status dos apóstolos e a continuidade dos dons é fornecido pelos adventistas.
Eles crêem que Ellen White tinha o dom de profecia, mas adotam o princípio de sola
Scrsptura. Essa é uma posição histórica do adventismo.
• Explica a concentração de milagres em certas épocas e a escassez em outras.
• Respeita a soberania do Espírito para distribuir dons a quem e quando Ele quer.
• Leva em conta todos os dados bíblicos, enquanto incentiva a busca de poder
espiritual.
• Provê uma explicação lógica (ou esperança) para o clímax da proclamação do
evangelho.
• Pressupõe que os milagres, assim como a própria História, caminham em
círculos (no caso, ondas ou ciclos), mas dirigem-se para um fim (eles não são aconte-
cimentos imprevistos e acidentais).
Os pontos negativos desta abordagem são basicamente dois:
• Os argumentos dependem, em parte, de dedução.
• Alguns de seus adeptos, na prática, podem assumir uma postura de espe-
ra ansiosa ou desleixada do novo ciclo de milagres, esquecendo-se de que uma
experiência significativa com o Espírito (quem sabe, envolvendo milagres) está
disponível no presente.
A abordagem cíclica contínua, que não deve ser confundida com o ensino errôneo
do dispensacionalismo, parece ser a que melhor corresponde aos dados bíblicos. Ela pode
recorrer aos mesmos argumentos da abordagem carismática, mas não se restringe a eles e
evita as reivindicações exageradas dos pentecostais e carismáticos; considera também os
argumentos utilizados pelos defensores da abordagem funclacional, mas não cai na defesa
antibíblica da cessação dos dons miraculosos Integra texto bíblico e história.
62 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
NOTAS
' Wayne A Grudem, ed., Are Miraculou: Gy9s for Toda? (Grand Rapids: Zondervan, 1996) No
prefácio do livro, Grudem dá um panorama das quatro posições, destacando as diferenças e pontos de
contato entre elas.
Ver Benjamin B. Warfield, C'ounterfeitMirac/es (Edinburgh: Banner of Truth, 1995; publicado
inicialmente em 1918). Deve-se notar que o propósito de Warfield era refutar milagres espúrios ao longo
da história da igreja, e não fazer um estudo exegético sobre a continuidade dos dons miraculosos. Um
dos principais críticos do ponto de vista de Warfield sobre cessacionismo é Jon Ruthven. Para Ruthven,
64 o FASCÍNIO DOS MILAGRES
Robert Bruce Mullin, Miracles and the Modern Reli gious Imagination (New Haven: Yale Uni-
versity Press, 1996), 10.
Richard B. Gaffin, Jr., "A Cessationist View", em Are Miraculou: Gifts for Today?, ed. Wayne A.
Grudem (Grand Rapids: Zondervan, 1996), 25-64, especialmente 31.
Gaffin explica que, no Jordão, Jesus recebe (foi batizado com) "o Espírito para cumprir a obra
messiânica que estava diante dEle (Luc. 3:21 e 22); na ascensão, Ele O recebe como recompensa por ter
completado a tarefa que está atrás clEle e para batizar outros com o Espírito" (ibid., 32, rodapé).
'Ver John Wimber e Kevin Springer, Power Evtingelism (San Francisco: Harper St Row, 1986);
C. Peter Wagner, Your Spiritual Gifts Can Help Your Churcb Grow, ed. rev. (Ventura, CA: Regal, 1994);
e Jack Deere, Surprised by the Power of the Spirit (Grand Rapids: Zondervan, 1993).
8 Warfield, 10,73.
Philip Schaff, History of the Christian Church (Nova York: Scribner, 1910), 2:117-118.
Ronald Kydd Charistnatie Gifts in Me Early Church (Peabody: Hendrickson, 1997), 4.
A. Stephanou, "The Charistnata in the Early Church Fathers", The Greek Orthodox Theological
Revi ew 2,1 (1976): .125-146. ,
' 2 Ver Donald W. Dayton, Theological Roots of Pentecostalism (Peabody: Hendrickson, 1994). O
capítulo 5 é dedicado ao movimento de cura divina.
J. 1. Packer, Na Dinâmica do Espirito (São Paulo: Vida Nova, 1991), 187.
14 John Stott (Batismo e Plenitude do Espírito Santo, 2" ed. [São Paulo: Vida Nova, 1993], 72) diz
que os milagres bíblicos "se agrupam como estrelas no céu noturno", existindo "quatro constelações prin-
cipais": a época de Moisés, o período de Elias e Eliseu, o ministério de Jesus, o ministério dos apóstolos.
G propósito dos Milagres, segundo ele, é "confirmar cada novo estágio da revelação".
. ,r 5 William-L. Coleman, Manual dos Tempos,e Costumes Bíblicos (Venda Nova, MG: Betânia, 1991),
175 (ver também 176-178).
16 Ellen G. 'White, O Grande Conflito, 36" ed. (Tátuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1988),
,
Alguns'prefrent incluir também o período dos juízes e o do cativeiro babilônico, Na minha dis-
sertação, incluí o período,babilônico, mas aqui preferi deixá-lo de fora, para enfatizar aquelas concentrações
miraculosas ,com mais significado histórico. Devemos ser flexíveis. O que importa é a idéia básica.
Hans K. LaRondelle, "Babylon:Anti-Christian Ernpire", em Symposium on Revelation--Book
Daniel St Revelation Committee Series 7, ed. Frank B. Holbrook (Silver Spring, MD: Biblical Research
Institute, 1992), 174.
Ibid., 173.
20 Gerd Theissen afirma que "o fim do 1° século a.C. é marcado por um aumento geral na in-
tensidade da crença em milagres"; teria havido uma espécie de "renascença da crença em milagres", e
"o equilíbrio dos elementos racionais e irracionais na crença helênica em milagres tende' em direção ao
irracional" (The Mira de Stories of the Early Christian Tradition [Philaclelphia: Fortress, 1983], 274).
21 Bernard Dupuy, "O Milagre na Bíblia e no Pensamento Judeu", em Os Milagres do Evangelho,
Cadernos Bíblicos 16, 2" ed. (São Paulo: Paulinas, 1982), 18 e 23.
FERRAMENTAS DA CURA
Se a igreja for seguir o exemplo de Jesus e dos apóstolos em todos os sentidos, está
claro que ela deve dedicar parte de seu esforço à obra de curar. Há mesmo quem defenda
que a imitação de Cristo deve incluir não só os aspectos éticos e pietistas, normalmente
ressaltados no meio protestante, mas também a dimensão pneumática e carismática, no
sentido de continuar o Seu ministério de cura. Mas, do ponto de vista bíblico, quais são
os elementos válidos para o procedimento da cura espiritual?
Na tentativa de buscar um referencial bíblico, podemos recorrer à experiência
dos profetas e dos apóstolos, mas o paradigma por excelência deve ser o próprio Crista
Como diz Latourelle, os "milagres de Jesus são a fonte privilegiada de qualquer teologia
dos milagres, porque eles são os arquétipos de todos os milagres")
Isso não significa que os cristãos vão realizar milagres com a mesma segurança
?. poder de Jesus, pois Ele é único e singular. Se os milagres eram acessórios na obra
los profetas, eram parte integrante do messiado de Jesus. Otto Borchert comenta:
'Em todo o curso da história da revelação, Jesus é a única pessoa em quem o milagre
o Homem são um. Os milagres eram uma espécie de adição ocasional e acessória da
)ersonalidade do profeta. Em Jesus eram o desenvolvimento e a manifestação da Sua
)ersonalidade." 2 Por isso; considerar Jesus como paradigma significa apenas seguir
;eus passos e utilizar os meios que utilizou, sem ultrapassar Seus limites.
A taumaturgia de Jesus permite construir um padrão com razoável margem de
egurança, pois é muito rica. Ou seja, há muitos e variados relatos dos Seus milagres.
«[ateus registra 14 milagres específicos de cura ou ressurreição feitos por Jesus e di-
ersos sumários do Seu ministério de cura; Marcos apresenta 13 milagres de curas e
pano sumários; Lucas relata 17 milagres de cura e tem sete sumários; e João registra
penas quatro milagres de cura, mas aprofunda o seu significado.
Cerca de um quinto dos evangelhos é dedicado às curas de Jesus ou às discus-
5es que elas provocaram. Dos 3.779 versículos dos quatro evangelhos, pelo menos
27 relacionam-se de algum modo com cura ou com ressurreição. Outros cálculos
66 o FASCÍNIO DOS MILAGRES
indicam que 12% dos versículos totais dos quatro evangelhos se relacionam à cura de
enfermidades e à ressurreição de mortos, e 38,5% da parte narrativa (484 em 1.257
versículos) são dedicados à descrição dos milagres de cura realizados por Jesus. As
médias variam de cerca de 5% em João, que selecionou apenas sete sinais, a 20% em
Marcos. Na tradição rnarqueana, se for considerado apenas o ministério de Jesus, sem
a descrição da morte e ressurreição, a porcentagem de material relacionado com curas
sobe para impressionantes 47%.
Portanto, é basicamente a partir dos evangelhos e dos procedimentos de Jesus,
mas não só, que estabeleceremos algumas "técnicas" ou "ferramentas" aceitáveis no
processo de cura divina. Essas ferramentas, é bom lembrar, não funcionam automa-
ticamente. O processo de cura envolve a participação básica de três agentes, como
sintetiza o quadro 5.
Está claro, pelos evangelhos, que a fé é importante para à cura. Mas seria elÀ
indispensável? Em termos práticos: é válido o argumento de (pie, se alguém não recebe
a cura hoje, é porque não tem fé suficiente? Não. Esse argumento, além de rotular e
humilhar milhões de pessoas que não são curadas, não se encaixa no padrão bíblico.
Como explicar a cura de endemoninhados e a ressurreição de mortos? Mortos não têm
consciência; endemoninhados, com sua mente fragmentada, dificilmente poderiam
ter fé. O paralítico do tanque de Betesda nem sabia quem era Jesus (Jo 5:13). Fé dos
parentes? Na cura dos endemoninhados gadatenos, não há parentes, apenas hostili-
dade (Mi 8:28-34). Em relação a Lázaro, Marta acreditava que ele só iria ressuscitar
no "último dia" (Jo 11:24). E o que dizer das curas à distância, ou daquelas em que
Jesus toma a iniciativa e não há registro de fé? Outra explicação deve ser buscada para
os milhões de doentes que pedem a ajuda de Deus 'e não são curados. Julgá-los como
faltos de fé é incompatível com o espírito cristão e os dados dos evangelhos.
Os Sinóticos registram o caso de um leproso que, jogando-se de joelhos aos pés de
Jesus, disse: "Se quiseres, podes purificar-me" (Mc 1:40). A resposta de Jesus, ao tocá-lo,
foi: "Quero, fica limpo!" (v. 41). Isso rnostra que devemos acrescentar o elemento vontade
de Deus à discussão. Será que Deus ou Jesus quer a cura? O próprio Jesus, no Getsêmani,
expressou Seu desejo, mas deixou claro que a palavra final era a vontade do Pai.
Esse conjunto de referências à fé, no contexto da cura, permite-nos concluir
que a pessoa que pede um milagre a Jesus não somente deve crer profundamente no
poder de Deus (ou de Jesus) para curar, mas também desejar a cura, num espírito de
abertura, e confiar no amor de Deus e na Sua disposição de conceder bênçãos. A fé
curadora, portanto, inclui: (1) confiança no poder irrestrito de Deus; (2) confiança
em Sua disposição de curar; (3) desejo de receber a cura; e (4) abertura à vontade de
Deus. Ela tem um caráter existencial total; é uma atitude que envolve todo o "ed.
Em alguns casos, Jesus incentivou os doentes a definir e expressar seu desejo de ser
curados. Por quê? Cabe aqui uma resposta tripla: (1) estimular a vontade e o desejo de
viver do paciente; (2) ajudar o doente a definir um propósito e a se comprometer com
72 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
a manutenção do processo de cura; (3) obter uma "permissão" pata intervir em sua vida
de modo radical, o que tem a ver com um relacionamento de fé.
Na pergunta feita ao paralítico no tanque de Betesda, vemos um apelo específico
à vontade: "Queres ser curado?" (Jo 5:6). Depois de 38 anos deitado numa esteira
à espera de ajuda, em vão, é provável que o homem já não acreditasse na bondade
humana (v. 7), nem possuísse mais motivos para ter fé, ou vontade de viver. Era ne-
cessário estimulá-lo: "Você quer ser curado?" Sendo que, entre outros fatores, o moral
de uma pessoa fica prejudicado por falta de energia física (doenças, insuficiência de
vitaminas, fadiga, falta de sono) e pelo sentimento de incompetência e inutilidade,
era natural que alguns doentes precisassem de uma motivação especial.
No caso do cego de Jerico, que clamava por compaixão, Jesus pergunta: "Que
queres que Eu te faça?" (L,c 18: 41). Um operador de milagres perguntar a um cego
o que ele deseja, quando este pede um milagre, parece um contra-senso. Mas Jesus,
certamente, queria que ele explicitasse seu pedido. Esse tipo de pergunta parece
obedecer a uma estratégia psicológica, no sentido de ajudar o doente a estabelecer
um propósito, a ter uma percepção do estado desejável e a lutar por ele. Quando
a pessoa tem um alvo, consegue visualizá-lo e compromete-se a agir, ela encontra
motivação para vencer os obstáculos.
Jesus, obviamente, não precisava de nenhum truque psicológico para realiza'
curas. Mas, para o bem da pessoa beneficiada, era importante‘ela se comprometer
com a cura e com um estilo de vida saudável, cooperando com Deus. Parece que esse
é o sentido do aviso dado ao ex-paralítico do tanque de Betesda: "Olha que já estás
curado; não peques para que não te suceda coisa pior" (Jo 5:14).
E quanto à mencionada "autorização" para Deus agir, como justificá-la?
Ora, Deus respeita o livre-arbítrio do ser humano. Por exemplo, quando o povo
da região de Gerasa pediu para Jesus ir embora, no incidente do endemoninhado
e dos porcos, Ele, "tomando de novo o barco, voltou" (Lc 8:37). Há, também, a
observação de Mateus (e de Marcos) sobre a recepção de Nazaré: "E não fez ali
muitos milagres, por causa da incredulidade deles" (Mt 13:58). O texto deixa
claro que o problema não estava com Jesus, mas com o povo. Jesus fez alguns
milagres e poderia ter feito outros, se assim o desejasse. Mas, como o povo não
cria em Jesus e não esperava milagres, Jesus respeitou sua opinião. Jesus não
invade o espaço íntimo da pessoa. Ele age quando há um relacionamento de fé,
ou pelo menos quando não há uma barreira de incredulidade.
Na essência, o apelo à vontade é também um convite à parceria. Jesus lançou uma
Sociedade Ilimitada entre Deus e os seres humanos. O princípio da cooperação humana
é ilustrado pelo ato de encher as talhas com água, no milagre do vinho em Caná (Jo 2:7);
• pela distribuição dos alimentos, na multiplicação dos pães e peixes (Jo 6:11 e 12); e pelo
retirar a pedra e desamarrar as ataduras, na ressurreição de Lázaro (Jo 11:39 e 44). Em
cada um-desses episódios, Jesus pod.eria ter agido milagrosamente também nos detalhes,
Ferramentas do Curo 73
mas preferiu dizer: "Encham as talhas", "Façam o povo assentar'', "Recolham os pedaços
que sobraram", "Tirem a pedra" e "Desatem-no". Traduzindo: o que está ao alcance do
sei. humano, Deus não faz; o que o ser humano não pode fazer, Deus faz.
Em suas experiências ela fotografou as pontas dos dedos de uma pessoa em oração e de outra
que recebia oração. Meia hora depois, tornou a fotografar as pontas dos dedos das mesmas
duas pessoas e os resultados mostratarn que a energia que os circundava havia diminuído
na que fazia a imposição e aumentado em torno dos dedos da outra. Os que oram por cura
têm experimentado vezes sem conta essa transmissão de energia. Como é interessante notar
que a ciência pode hoje, aparentemente, medir essa transmissão de energia!'"
A ciência ainda não deu seu veredicto sobre o assunto, e parece que a maioria
das afirmações nessa área se situa no campo da especulação, ou se baseia em crenças
74 o FASCÍNIO DOS MILAGRES
O costume de ungir doentes com óleo é urna tradição antiga nas igrejas cristãs. A
Igreja Ortodoxa sempre o valorizou. O nome dado ao ritual pela antiga igreja grega é eu-
chelaion (combinação de euche,"oração" , e elaion,"óleo'', palavras presentes em Tiago).
A Igreja Católica o considera um sacramento. A Igreja Adventista prevê, oficialmente,
o procedimento em seu Guia Para Ministros» Como era de se esperar, os eruditos
protestantes questionam a base bíblica da unção como sacramento e preparo para a
morte. Por isso, hoje, a ênfase em várias igrejas tem sido na unção para a cura.
A história da unção, na Igreja Católica, pode ser resumida assim: (1) até o
quinto século, dava-se pouca importância a unção porque ela competia a todos os
cristãos, e não só aos sacerdotes; (2) depois do quinto século, a confissão tornou-se
obrigatória para se recebei a unção e, como a igreja impunha pesadas penitências
pelos pecados, a maioria adiava a confissão até a hora da morte; (3) a partir do oitavo
século, a participação dos leigos começou a declinar; (4) no nono século, por causa
de abusos, os leigos perderam privilégios de ungir com óleo, e a unção passou a ser
usada mais para os moribundos do que pata doentes; (5) em 1758, a participação
dos leigos foi totalmente proibida; (6) com o Concílio Vaticano II (constituição
Sagrada Liturgia, 73-75), voltaram a ênfase na cura e a participação dos leigos na
administração da unção. Ti
A prática da unção não é inspirada em Jesus, mas vem da recomendação de,
Tiago (5:14 e 15), que escreve: "Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros
da igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor.
E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido
pecados, ser-lhe-ão perdoados."
Tiago, que parece ter sido um grande adepto da oração, ao ponto de, segundo a
tradição, seus joelhos ficarem calejados como os de um camelo, está tratando da oração
nessa passagem. Mas ele não diz que o doente deva orar em seu próprio favor. Ao invés
disso, introduz a figura do presbítero, que provavelmente cumpria a função hoje em dia
desempenhada pelo "pastor" ou "ministro". Para merecer uma visita dos presbíteros, a
doença presumivelmente devia ser grave, mas não necessariamente fatal. Observe-se que
o texto pergunta se alguém está "doente", e não se está "morrendo".
O autor bíblico, embora recomende a oração, não proíbe o uso de meios medici-
nais. Usar meios, como já vimos, não é desonrar a Deus. O crente busca a Deus antes
mesmo de buscar a medicina, mas não dispensa a medicina. Assim, a idéia católica da
"extrema unção" (prevalecente por séculos, até ser reformulada no Concílio Vaticano
II, na década de 1960) não é bíblica.
O motivo por que o presbítero devia usar óleo não está claro. Marcos 6:13
informa que os discípulos "expeliam muitos demônios e curavam numerosos
enfermos, ungindo-os com óleo". Isso, porém, não fornece nenhuma pista sobre
76 o FASCÍNIO DOS MILAGRES
a origem ou propósito do ritual. Tem sido sugerido que a doença, aqui, poderia
ser de natureza demoníaca, e o óleo, usado para exorcismo. Mas essa tese não tem
apoio em evidências.
Em A Vida de Adão e Eva, obra pseltdoepigráfica do primeiro século d.C., há
menção a um óleo que escorre da árvore da vida. Adão autoriza Sete a ir ao paraíso e
conseguir o óleo da vida com Deus, para ser ungido e descansar de suas dores. Acom-
panhado de Eva, sua mãe, Sete chega ao paraíso, mas Miguel lhe diz que o "óleo da
misericórdia" está reservado para os últimos dias." Essa história é interessante, mas
não esclarece a origem da unção, num contexto de cura sobrenatural.
O óleo seria um símbolo da autoridade de Jesus, ou do poder do Espírito Santo?
É provável que represente ambos (ver Is 611; Lc 4:18; 1Jo 2:27). Na condição de
Messias, Jesus é "o Ungido"; Ele tem uma posse permanente do Espírito e, assim, Se
torna o paradigma e a fonte da unção dos crentes. Já o Espírito é o Ungidor.
Douglas Moo observa que "existem duas possibilidades principais para o pro-
pósito da unção"; (1) propósito prático e (2) propósito religioso. No primeiro caso, o
óleo serviria de remédio, já que era vastamente utilizado com esse propósito na anti-
guidade. Assim, os presbíteros estariam se aproximando "do leito do doente armados
de recursos espirituais e naturais — com oração e remédio", ambos "administrados
com a autoridade do Senhor". Essa linha de interpretação, reconhece Moo, oferece
dupla dificuldade: (1) não há evidência de que o óleo fosse utilizado para todo tipo
de doença; e (2) "por que os presbíteros da igreja deviam fazer a unção, se o propósito
dela era apenas medicinal?" Outra possibilidade "prática" seria o uso do óleo corno
um meio de estimular a fé do doente. Mas não há evidências de que o óleo fosse uti-
lizado com tal finalidade. Resta, então, o propósito religioso. Neste caso, o ato pode
ser visto como sacramental (um veículo do poder divino para fortalecer o enfermo)
ou simbólico (para representar que a pessoa estava sendo "separada" para receber um
toque especial de Deus). Moo, com boas razões, prefere ver o rito como tendo um
propósito religioso simbólico .' 5
John Wilkinson diz que provavelmente não haja "evidência suficiente na passa -
gera para permitir-nos decidir definitivamente se a unção com óleo deva ser considerada
de caráter medicinal ou religioso". Com base no uso do verbo grego akipho, "ungir"
(o verbo cimo também significa "ungir"), no Novo Testamento, ele tende a considerar
a unção como medicinal. Mas acrescenta que, ao Tiago mencionar um recurso me-
dicinal da época (o óleo) e um recurso espiritual (a oração), o apóstolo parece estar
recomendando uma combinação dos dois métodos, coisa que a igreja deveria fazer
em seu Ministério de cura.' 6
No passado, houve polêmica sobre o significado da cura mencionada por Tiago.
Seria cura física ou espiritual? Uma análise atenta parece não deixai dúvida de que o
apóstolo está falando primariamente de cura física milagrosa, embora possa ter em
vista também o restabelecimento espiritual. O uso dos verbos sozo ("salvar", "curar")
Ferramentas da Cura 77
e egerein ("levantar") não devem ser motivo para confusão. Em Mateus 9:21 e 22, por
exemplo, sozein é usado tanto para salvar quanto para curar, no sentido de cura coral;
e "levantar" também é empregado no Novo Testamento para cura física (Mt 9:5-7; At
3:7). Não devemos fazer uma rígida separação entre cura física e espiritual.
A combinação de oração, imposição das mãos e unção com óleo, num clima
emocional e espiritual apropriado, certamente pode produzir um bom resultado.
Dissociada da noção de preparo para a morte e livre de excessos, a unção pode ser
uma ferramenta de cura especialmente útil nas regiões onde o acesso à medicina
convencional é mais difícil.
Rebecca Abrams e Hugo Slim observam que o ressurgimento do uso do óleo
na indústria cosmética nas últimas décadas é, ao mesmo tempo, estimulante e pre-
ocupante. Por um lado, isso dá uma nova relevância ao sacramento da unção; por
outro, a propaganda cosmética, com sua linguagem quase sacramental, prometendo
"revitalizar", "purificar", "limpar", "renovar" e "rejuvenescer", cria falsas necessidades
e expectativas irreais, estabelece padrões físicos inalcançáveis e gera ansiedade, além de
insinuar o mito de que as mulheres são impuras e decadentes, podendo ser purificadas
e protegidas pelos cosméticos : 7 O fato é que o renovado interesse em óleos, saúde
e bem-estar integral deve ser aproveitado pela igreja para implementar o serviço da
unção. No caso da Igreja Adventista, que não tem tradição sacramental, a teologia da
unção deve ser formulada paralelamente à sua prática. Só o uso mostrará o melhor
caminho a seguir. A observação de outras tradições pode ser útil, mas o bom senso e
a discrição (no sentido de não criar sensacionalismo público, mesmo quando a unção
eventualmente for praticada no templo) são essenciais.
Concluindo, eu diria que as ferramentas bíblicas usadas por Jesus e os apóstolos
no processo de cura podem ser antigas e até mesmo não ter sido usadas adequada-
mente por um longo período de tempo, mas elas ainda funcionam muito bem. Deus
certamente espera que sejam usadas no dia-a-dia da igreja para abençoar os sofredores
e despertar-lhes nova esperança.
NOTAS
Latourelle, lhe Mirado. °pesas and the Theology of Miraeles, 18.
Borchert, 317.
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6
• PRATICAS DE CURA PROIBIDAS
fatores podem ser claramente discernidos e indicados. Por isso, é preciso investigar
os fatos bíblicos. A Bíblia pode não ser tão é`specífica sobre certos pontos, mas é
muito clara em outros. -
Se os autores bíblicos descrevem (e aprovam) alguns procedimentos na cura divina,
eles não registram (e não aprovariam) vários outros. É sobre oito desses aspectos não-bí-
blicos, mas vistos e defendidos atualmente, que discorreremos a seguir (1) fé no poder
mental, (2) visualização, (3) lugares sagrados, (4) relíquias, (5) intercessão de santos, (6)
sacramentos, (7) cirurgia mediúnica e (8) terapia de regressão.
FE NO PODER MENTAL
Nos últimos anos, o número de autores que recomendam o pensamento positivo
para ter mais saúde e mesmo conseguir milagres cresceu vertiginosamente. De Norman
Vincent Pede (cristão e mais equilibrado), passando por Joseph Murphy (místico) a
80 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
,Louise Hay (esotérica da Nova Era), há receitas para todos os gostos. Para alguns deles, a
cura vem como resultado de se conhecer e aplicar leis mentais e cósmicas. Essa é a lógica
que está por trás da magia: conhecer forças ocultas (ou leis cósmicas) e controlá-las pelo
poder da mente ou de fórmulas secretas. ,
A idéia de que a pessoa pode criar milagres, se souber manejar a força de sua
mente, está associada ao conceito místico-panteísta de que o ser humano é parte de
uma força cósmica. Com alguns truques mentais, as pessoas iluminadas consegui-
riam "programar" a sua saúde, evitar doenças e até driblar a morte. Carolyn Miller,
urna psicóloga experimental com Ph.D., co-fundadora do Foundation and I nstitute
for the Study of A Course in Miracles, sediado em Los Angeles, acredita nessa tese
e a defende em seu livro Creating Miracles (Criando Milagres). "Qual é a natureza
do convite que provoca a intervenção divina?", pergunta ela no prefácio da obra, e
responde: Minha pesquisa sugere que é uma mudança na consciência em direção
a um estado mental de paz, destemor e amor incondicional, no qual alguém segue
as sugestões da intuição sem questionar. .
Na visão de Miller, se a pessoa entra nesse estado de graça é segue seu guia interior,
os milagres fluem naturalmente. É uma questão de entender as regras do jogo desco-
brir o segredo de acesso e desejar jogar — num estado interno de amor incondicional,
sem medo e sem "julgamento". Para outro autor, fazer milagres é mais fácil do que
encontrar o seu significado para liósCiSeria só uma questão de entender as leis.
O movimento da "confissão positiva", o qual postula que todas as pessoas podem
ser curadas hoje, se tiverem fé, embora disfarce o tom metafísico da filosofia da ciência
mental e lhe acrescente um toque cristão, atribuindo a cura a Deus, tem simetria lógica
com o pensamento de autores místico-panteístas.
As idéias sobre fé dos defensores da "confissão positiva", que em sua trajetória
inclui nomes como E. W Kenyon, Kenneth Hagin, Kenneth Copeland e R. R. Soares,
podem ser assim resumidas: (1), a fé é uma força que tanto Deus quanto o homem
podem usar; (2) a força da fé é liberada pelas palavras que falamos; (3) o homem é
um "pequeno deus" que pertence à classe de Deus; (4) qualquer um (o.cultista ou
crente) pode usar a força da fé; (5) você obtém aquilo que confessa; (6) nunca faça
uma confissão negativa, pois a palavra falada libera poder. Esse ideário é, claramente,
um desvirtuamento do evangelho. Hunt e McMahon escrevem:
Muitos cristãos sinceros foram influenciados pelo evangelho dos Feiticeiros, imaginando
yuy a it- tt iit CII1 si mesma. mais uma vez para eles a fé não é posta
em Deus,
mas e uni poder dirigido a Deus, que O força a fazer para nit,is aquilo que cremos
que
Ele fará. No mínimo, isso torna Deus sujeito a alegadas "leis" que podemos ativar pela
'Te", e, no pior dos casos, elimina Deus completamente do processo, colocando tudo
em nossas próprias inãos transfoimando-nos, desse modo, em deuses que podem fazer
acontecer tudo pelo seu « poder da fé"0
Pró tios de Cum Proibidos 31
.de mudar a realidade e fazer as coisas acontecerem. O conhecido pastor coreano Paul
(David) Yonggi Cho, por exemplo, escreve que "os homens, explorando sua fé espiri-
tual na esfera da quarta dimensão, por meio de visões, imaginação e sonhos, podem
influenciar a terceira dimensão, produzindo nela mudanças°
O uso da imaginação como estratégia de manipulação do mundo físico, incluindo
a cura, não tem base bíblica Ao contrário, a prática vem do paganismo, em especial do
xamanisrno, e permeia a literatura da Nova Era. Neoxarnanismo e Nova Era, na verdade,
estão interligados De acordo com leanneterberg, o "xa.manismo é o método mais
antigo e naais difundido de cura pela imaginação", com "evidências arqueológicas [de)
que as técnicas do xamã têm pelo menos 20.000 anos"00s seguidores egípcios de
Hermes, os índios navajo, Paracelso e, mais recentemente, Mary Baker Eddy utilizaram
ou defenderam o uso da visualização na cura.
, Atualmente, além de ser usada na hipnose, a visualização faz parte de outras
terapias Em várias escolas psicológicas, como a Gestalt e a psicossíntese, acredita-se
• que a vizualização do paciente e do terapeuta tem o poder de alterar as funções físicas.
Isso não implica em uma avaliação negativa de todas as correntes psicológicas, pois
algumas delas são muito respeitáveis e fazem um uso equilibrado da imaginação.
Contudo, por mais difundida que seja a visualização (e, em alguns casos, eficaz),
ela, como técnica de cura e tática mental para alterar a realidade, não tem correspon-
dência no relato bíblico. Isso não significa que a vizualização, assim como a imaginação,
não seja útil no processo terapêutico.Oproblema está, basicamente, no peso dado à
vizualização, na eficácia a ela atribuída e nas suas associações,
(3 ) LUGARES SAGRADO
rio lugar mais sagrado (o Santo dos Santos), ficava o centro de suas esperanças: o
símbolo da presença de Deus. Era dali que vinham as bênçãos e a salvação de Isra-
el . Mas o obletivo maior do santuário era representar o sacrifício futuro de Jesus.
Portanto, não havia nada nele que fizesse lembrar as multidões de peregrinos que
visitam os santuários modernos em busca de cura física. Devemos lembrar, ainda,
que ern,João 4:21-24 Jesus elimina qualquer idéia de um local sagrado exclusivo de
adoração e manifestação de Deus.
No Antigo Testamento, lemos que o profeta Eliseu indicou o rio Jordão como
local de cura para s) sírio Naarná, que inicialmente protestou, porque os rios de sua
terra eram maimes e mais limpos (2Rs 5). E, no, Novo Testamento, João relata que
Jesus curou um paralítico junto ao tanque de Betesda .(To 5), em Jerusalém. Na época,
havia uma crença segundo a qual, periodicamente, um anjo agitava a água do tanque,
e queria conseguisse entrar primeiro ficava curado.
Porém, no caso de Naamã, Eliseu presumivelmente queria mostrar, como
reconheceu Na.arnã, que "em toda a Terra não há Deus senão em Israel" (2Rs
515). Essencialmente, o contraste não era entre Israel e a Síria, mas entre o Deus
de Israel e os deuses da Síria. No caso de Betesda, o relato em nenhum momento
sugere que Jesus (ou o autor bíblico) aprovava a prática, ou que ela representasse
uma tendência em Israel de se buscar cura em um lugar sagrado. Ao que parece,
João visava a um contraste teológico entre a velha e a nova dispensações, entre
o desinteresse e a impotência da burocracia religiosa de Israel e o envolvimento
pessoal e o poder do Messias.
Para os autores bíblicos, a única fonte da cura é Deus, e Deus não conhece limites
geográficos. Isso não impede de irmos ao templo em busca de cura, pois todos os templos
deveriam ser pontos de encontro com o divino e centros da verdadeira adoração. Na
verdade, é provável que muitas igrejas cristãs estejam falhando em oferecer cura espiritual,
rnocional e física aos adoradores. Não seria esse um dos motivos por que tantas pessoas
saem em busca de lugares sagrados?,Michael Brown diz que não há dúvida de que "os
salmos de odoença cura eram utilizados com regularidade nos serviços do templo de
Jerusalém''OTalvez os templos cristãos também devessem incluir o tema (ou ampliar
o papel dele) em sua liturgia.
- O costume de buscar cura num santuário sa•rado sortanto não vem do "udaísmo
bíblico, mas do paganismo, A idéia de levar peças ao santuário representando a parte do
corpo "curada", como reconhecimento ou agradecimento pelo suposto milagre, também
se desenvolveu num Contexto pagão e não tem apoio bíblico. Primeiro, a própria idéia de
representar o corpo vivo através de uma peça de gesso ou barro é estranha ao pensamen-
to bíblico (Segundo, Deus restaura a pessoa toda e não uma narre 1Terceirn. 2 reçnncra
"exigida" eM função da restauração não é qi,:sagarnento de uma ofeienda, mas a e
da própria pessoa como sacrifício vivo a Deus.
Praticas de Cura Proibidas 85
(4) RELÍQUIAS
Elas normalmente são objetos considerados impuros — carne morta, ossos e partes do
corpo — e contudo são veneradas corno sagradas. Neste exato paradoxo, podemos ver
como as relíquias funcionam para elevar a santidade e a pureza dos santos. Se mesmo
as suas impurezas são veneradas, quão mais puros e veneráveis são eles em si©
" Assim, por trás da crença de que as relíquias podem interrnediar milagres,
está a suposição de que o corpo/objeto inanimado tem urna virtude especial por ter
86 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
corporal do ser humano, por mais santo que seja. A glorificação só ocorrerá por oca-
sião da volta de Jesus. Em terceiro lugar, a idéia de que um objeto material ligado a
um ser humano possa exercer qualquer influência tangível .e desencadear uma ação
divina em nosso favor entra no campo da magia. Em quarto lugar, as relíquias em
algum ponto acabam se chocando com o sólido fundamento da graça de Deus, e assim
wntrariam a doutrina da justificação pela fé. Finalmente, Deus é Deus dos vivos, e
não dos mortos, tanto é que no Antigo Testamento se alguém tocasse um cadáver se
tornava impuro. Um adepto das relíquias pode argumentar que os santos não'estão
mortos, mas aí é outra história.
O sentido etimológico básico da palavra santo (grego, hagios; latim, sanctu) é "sepa-
rado", "dedicado a uma função sagrada". Foi só no segundo ou terceiro século d.0 que
o vocábulo virou título honorífico, e os santos passaram a ganhar um status especial. No
segundo Concílio de Nicéia (787), a veneração de santos foi formalmente sancionada. A
adoração pagã dos mortos torna-se a marririolatria cristã, É verdade que os teólogos reu-
nidos em Nicéia tentaram estabelecer uma distinção ètilt-re a reverência (dou/era) prestada
aos santos e a adoração absoluta (latreia) devida a Deus. Mas o mal estava feito.
No século 16, enquanto os reformadores solapavam a "base" teológica da venera-
ção de santos, o Concílio de Trento confirmava a prática como "boa e útil". Invocados
como "amigos de Deus", os santos passaram a ser encarados como uma espécie de
lobistas junto a Deus, conquistando milagres para seus devotos.
- Evidentemente, _esse enfoque não existia na igreja primitiva. A mudança, ao que
parece, ocorreu como resultado gradual e inevi,vel de um processo de separação exa-
gerada entre o sagrado e o profano, do deslocamento da ênfase da cura para o perdão,
e do distanciamento de Deus da experiência dos crentes comuns. No vácuo das idéias
abstratas sobre Deus, surgiu o medo de um Deus irado e vingativo. Assim, Maria e os
santos tornaram-se intermediários para os pobres mortais, privados da experiência direta
com o sagrado. O acesso a Deus limitava-se agora a um grupo de indivíduos com aura
de perfeição e poderes quase mágicos para curar.
Curar virou, então, uma especialidade dos santos ‘pe um modo ou de outro, todos
para alcançarem o status oficial de santas. A conexão fica ainda mais clara na língua
alemã, em que Heilig significa "santo" e o verbo heilen quer dizer "curar". Num livro
de resgate da tradição, sobre médicósk, taumaturgos e protetores, o médico italiano
Luciano Sterpellone lista dezenas e dezenas de (1) santos que eram comprovadamente
médicos, (2) santos médicos segundo a tradição, (3) santos não médicos que praticaram
ativamente a medicina, (4) santos erroneamente considerados médicos pela tradição
e (5) santos que supostamente protegem de doenças)
88 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
(de uma vez, ele canonizou 120 cristãos martirizados na China entre 1648 e 1930).
Práticos de Curo Proibidas 89
Todos os seus predecessores (até 1978) proclamaram apenas 300 santos e 1.310 be-
atos. Na euforia, a linha de produção do Vaticano pode até mesmo ter canonizado
um personagem fictício. Segundo alguns estudiosos, o índio mexicano Juan Diego,
a quem ;Virgem de Cuadalupe teria aparecido no século 16 e o qual foi, canonizado
em 31 de julho de 2002, pode não passar de lenda. .
João Paulo II diminuiu as exigências para a canonização (de quatro para dois
milagres, e de 30 para cinco anos de "carência" após a morte da pessoa). Alguns va-
ticanistas acreditam que ele, na verdade, tenha preparado o caminho para que seu
sucessor elimine totalmente a burocracia dos testes científicos que tentam confirmar o
poder miraculoso dos candidatos a santos. O próprio João Paulo pode virar um santo
subito (já), como pediu a multidão logo após a sua morte, em 2 de abril de 2005. No
dia 13 de maio de 2005, o papa Bento XVI fez a primeira promulgação do processo
d.e beatificação de seu reverenciado antecessor
Em 2000, havia na Congregação para a Causa dos Santos, órgão da Igreja Ca-
tólica encarregado dos processos de canonização, 35 candidatos brasileiros à espera
de uma promoção a "santo". O psãmeiro brasileiro nato a receber a beatificação, em
outubro de 1998, foi o Frei Galão (1739-1822), paulistano de Guaratinguetá. O
milagre que lhe possibilitou a beatificação,teria ocorrido à menina Daniela Cristina da
Silva, em 1990, após sérias crises e vários comas no Hospital Emílio Ribas, onde fora
internada por causa de uma hepatite. Curiosamente, um mês após a beatificagão,flom
Aloisio Lorscheider, arcebispo de Aparecida, proibiu as famosas "pílulas milagrosas
de Frei Gaivão" (papeizinhos_çom urna invocação em latim dirigida à Virgem Maria)
em sua diocese, com a justificativa dupla de que (1) a confecção das pílulas estava
transtornando o cotidiano de um grupo de freiras e (2) o consumo das pílulas estava
virando superstição. Em 2002,3 Madre Paulina (1865-1942), nome de carreira de
,Arriábile Lúcia Visintainer, uma ítala-brasileira que trabalhou em Santa Catarina, foi
transformada na primeira santa brasileira: Santa Paulina.
Biblicamente, os milagres dos "santos" enfrentam três grandes barreiras. Primeiro,
Jesus é o único "Mediador entre Deus e os homens", (1Trn 2:5). Em segundo lugar, os
"santos" mortos (assim como os pecadores) dormem no pó da terra, sem qualquer chance
de fazer lobby no Céu, antes da ressurreição £Ec 9:6; 1Co 15). Em terceiro lugar, o pró-
prio Pai nos ama Llo 16:26 e 77). 2 e jamais dependeria da intercessão de santos. Por isso,
o timico que pode nos aiudar e está desejoso de fazê-lo, é um grande contra-senso.
) SACRAMENTOS
sagrado), e apropriado para uso sagrado quando uma das partes perdia a causa; (2)
era um termo militar para designar o juramento de obediência dos novos soldados à
corporação à qual iriam servir. Mas o termo e a idéia que ele encerra na atualidade não
são encontrados no Novo Testamento, tampouco no cristianismo primitivo, embora
a Vulgata o tenha empregado na versão do termo grego mysterion.
A primeira evidência do uso de "sacramento" como um termo técnico aplicado ao
batismo, à eucaristia e a outros ritos da igreja cristã aparece nos escritos de Tertuliano
(no final do segundo e início do terceiro século). Mas, nessa época, a idéia de sacramento
ainda era um tanto vaga. Com exceção de Santo Agostinho, que esboçou uma definição,
dizendo que um sacramento é "a forma visível de uma graça invisível", nenhum pai da
igreja valorizou o tema. Isso só ocorreria plenamente na Idade Média. Assim como os pais
da igreja elaboraram a doutrina da Trindade e a cristologia, os escolásticos desenvolveram
a doutrina dos sacramentos.„Flugo de St. Victor, Pedro Lombardo, Alexandre de Hales
e Tomás de Aquino foram alguns dos nomes que ajudaram a definir a doutrina.
Depois de muita imaginação e argumentação, os teólogos medievais fixaràm o
número de sacramentos em sete: batismo eucaristia confihria ão extrema an ão • --
nitência, ordenação e casamento. Desse número arbitráriae baseado apenas na tradição
e na autoridade da igreja, os teólogos protestantes conserliararn apenas dois: batismo e
eucaristia (ou ceia). Eles também desenfatizaram o poder intrínseco dos sacramentos.
Enquanto a tradição católica considera os sacramentos eficazes em -virtude de um poder
inerente a eles mesmos como atos externos (ex opere operato), cornunicando benefícios
para quem os recebe independente das circunstâncias, a tradição protestante defende
O uso do óleo na liturgia cristã não se inicia, como se poderia supor, com serviços
para á cura (seguindo o exemplo apresentado por São Tiago), mas com o batismo.
É significativo que o rito descrito por São Tiago não possa ser identificado na igreja
ante-nicena. Teólogos como Orígenes (seguido por João Crisósromol usam Tiago 5,
. para ilustrar sua teologia do perdão dos pecados, e não como uma garantia para a
prática de ungir os doentes. Assim, por muitos anos, o óleo, liturgicamente, pertence
ao tanque [batismal], e não ao leito [dos doentes]. Seu uso na iniciação pode ter sido
muito primitivai'
A unção batismal, que por volta do terceiro século tornara-se indispensável, era
tripla: (1) antes do batismo, o candidato era ungido com o óleo do exorcismo para
marcar a sua renúncia ao diabo e a decisão de pertencer a Cristo; (2) ao ele sair do
tanque, o presbítero o ungia com o óleo da gratidão; finalmente, (3) o bispo impunha
as mãos sobre ele e o ungia para confirmar a sua iniciação cristã.ASe
outras coisas, uma forma de sinalizar que o converso estava sendo perdoado, receben-
do o Espírito Santo, obtendo protecão contra os ataques do diabo, interrompendo a
corrupcãp do pecado e sendo selado para a vida eterna. O novo crente era agora um
soldado de Cristo, um atleta preparado para combater as forças do mal, fonte direta
s
das doenças, na concepção da época. Em certo sentido, todo o processo do batismo ,c
lu :
tinha a ver com cura e renovação. A •
O problema, portanto, não está tanto no uso desses sacramentos/emblemas para (b?.
a finalidade da cura, mas na sua interpretação e no peso dado ao seu papel salvífico/ k
c,
curador. Ao que parece, o meio-termo desejável não está nem na acentuadamente
mística posição católica nem na palidamente simbólica posição de algumas igrejas
protestantes. Isso si • nifica e ue o uso dos "sacramentos" sara a cura e e - er e bli
ou não, dependendo da sua definição.
,
(3) PPERACÕES MEDI ÚNJ!CA
O século 19 testemunhou o surgimento de vários fenômenos "inexplicáveis"
que dariam origem ao moderno espiritualismo, ou espiritismo, como preferia Allan
92 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
(,)
. .REGRESSÃO
vIvos. Porém, há outras explicações alternativas. Geisler e Arnano comentam que "o
conhecimento de acontecimentos do passado não implica a presença da pessoa nesses
acontecirnentos"COHá pelo menos cinco outras explicações:
1. Fraude. Sabe-se que no terreno pouco policiado da espiritualidade escondem-
se muitos truques e enganos. Nos Estados Unidos, o famoso caso de 13ridey IVIurphy,
ligado à regressão, foi desmascarado — Bridey Murphy nunca existiu, era produto da
imaginação de uma criança.
2. Superstição ou pseudociência. Çarl Sa• (1934-1996), que era um crítico im-
placável de todo tipo de especulação com ares científicos, escreveu: "Se fosse anunciada
alguma evidência real de vida após a morte, desejaria muito examiná-la, mas teria de
ser uma evidência real científica, e não simples anedota"0
3. Fenômeno ,sicoló tico antasia, sonho, suiestão, cri .tomnésia . A Associação Psi-
2uiátrica Americana alertou, em 1993: "Não se pode distinguir, com absoluta precisão,
as lembranças baseadas em acontecimentos verdadeiros daquelas derivadas de outras
fontes." O subconsciente pode confundir lembranças reais do presente com supostos
acontecimentos passados. Às vezes, vários personagens das "vidas passadas" são versões
de pessoas com quem o paciente convive atualmente, possuindo os mesmos nomes.
Como explicar a coincidência? Argumenta-se que as almas tendem a se reencarnar
em grupo, para trabalhar seus carmas. Mas o argumento é frágil.
turiptomnésia pode, realmente, enganar a pessoa. Essa palavra esquisita significa
o ato de resgatar coisas gravadas no fundo da mente (o inconsciente), como se fossem
"misteriosas", sem perceber que essas coisas já fizeram parte da experiência real da vida da
pessoa em algum momento no passado. Belen Kel er por exemplo, foi vítima da fantasia
criptornnésica. Em 2.122.2 ela escreveu uma celebrada história sob o título The Frost King‘
Mas logo descobriu-se que o texto era uma versão modificada de outra composição
literária publicada por uma certa Sra. Canby 29 anos antes,, The Frost Fairies. Helen,
que era cega e surda, ficou arrasada. Como isso foi acontecer? Ela quebrou a cabeça
muito tempo renta .fido recordar se havia tido algum contato com The Frost Fairies,
e não se lembrou de absolutamente fiada. Mas investigações revelaram que, de fato,
uma amiga lhe havia lido em braile algumas histórias da Sra. Canby, inclusive The
Frost Fairtes, em 1888. Helen não tinha consciência dos fatos, mas eles eram reais.
Fora vítinria,cla criptomnésia.
96 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
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• ,
•
•
RELATOS DE CURA
O leitor da Bíblia não familiarizado com detalhes da História pode ser levado
a pensar que os relatos do Novo Testamento sobre milagres são os únicos da época
Mas não são.. Qual é, então, a diferença entre eles? Por que crer nos milagres de Jesus,
e não nos de outros curadores? De_É-1.21 it.milagres atuais não são reclamados.
apenas nos meios cristãos. Como saber, então, o que é real e o que é falso? Podemos
aceitar como reais os muitos casos de cura reivindicados na atualidade pelo movimento
pentecostal/carismático? Um breve panorama comparativo e descritivo dos milagres do
tempo de Jesus, seguido pela análise do enfoque carismático, pode lançar alguma luz
sobre assunto. A verdade às vezes está nos detalhes.
JESUS E OS "CONCORRENTES"
Dirigiu- Se de novo a Cana da Galiléia, onde da água fizera vinho. Ora, havia um
oficial do rei, cujo filho estava doente em Cafarnaurn. Tendo ouvido dizer que Jesus
viera da Judéia para a Galiléia, foi ter com Ele e Lhe rogou que descesse para curar
100 O FASCINIO DOS MILAGRES
seu filho, que estava à morte. Então Jesus lhe disse: Se porventura não virdes sinais e
prodígios, de modo nenhum crereis. Rogou-Lhe o oficial: Senhor, desce, antes que meu
filho morra. Vai, disse-lhe lesus; teu filho vive. O homem creu na palavra de Jesus, c
partiu. Ja ele descia, quando os seus servos lhe vieram ao encontio, anunciando-lhe
que o seu filho vivia. Então indagou deles a que hora o seu filho se sentira melhor.
Informaram: Ontem à hora sétima a febre o deixou. Com isto reconheceu o pai sei
aquela precisamente a hora em que Jesus lhe dissera: Teu filho vive; e creu ele e toda
a sua casa (Jo 446-53).
Nossos rabis narram: o filho de Rabã Gamaliel tinha adoecido. Rabã Gainaliel enviou
dois discípulos a R Hanina ben Dossa, para pedir-lhe que imploi .isse a misericórdia
divina para seu filho. Quando R Hanina os viu chegando, subiu para o lugar mais alto
[de sua casa] e se pôs a rezar ao Misericordioso pelo doente.
Ao descer, disse aos dois discípulos:
—Podeis ir, a febre o deixou.
—Então és profeta?
— Não sou profeta nem filho de profeta, mas tenho uma tradição que me vem de meu
avô: se a minha oração sai facilmente de meus lábios, sei que ela é aceita; do contrário,
sei que ela é anulada.
Eles se sentaram e escreveram a hora exata [na qual R Hanina lhes tinha feito essa
previsão]. Quando voltaram a Rahâ Gamaliel, este lhes afirmou:
—Foi justamente nessa hora [que vós dizeis], nem mais cedo nem mais tarde, que a
febre o deixou e que ele nós pediu de beber@
Em dia subseqüente, dirigia-Se Jesus a uma cidade chamada Naim, e iam com Ele os
Seus discípulos e numerosa multidão. Como Se aproximasse da porta da cidade, eis
que saía o enterro do filho único de urna viúva; e grande multidão da cidade ia com ela.
• Relatos de Cura 1.01
Vendo-a, o Senhor Se compadeceu dela e lhe disse: Não chores! Chegando-Se, tocou o
esquife e, parando os que o conduziam, disse: Jovem Eu te mando: Levanta-te. Sentou-
se o que estivera morto e passou a falar; e Jesus o restituiu a sua mãe. Todos ficaram
possuídos de temor, e glorificavam a Deus, dizendo: Grande profeta se levantou entre
nós, c: Deus visitou o Seu povo. Esta notícia a respeito dEle divulgou-Se por toda a
Judéta e por toda 'a circunvizinhança (Lc 7:11-17).
Eis um milagre de Apolônio: uma jovem passou por morta na hora de seu casamento,
e o noivo seguia a maca, lamentando duas núpcias inacabadas; Roma inteira gemia
com ele, porque a jovem pertencia a família consular. Apolônio, testemunha desse
luto, aproximou-se e disse. "Colocai a maca em terra, porque vou deter as lágrimas
que derramais por esta jovem." Ao mesmo tempo perguntou como ela se chamava.
Os assistentes pensaram que ele fosse dirigir-lhes um discurso corno os que são de tra-
dição e que provocam lamentações, mas ele não fez outra chisa senão tocar na jovem
e pronunciar sobre ela algumas palavras misteriosas; e despertou a jovem daquilo que
, .
parecia ser a morte, e a jovem começou a falar e voltou para a casa de seu pai como
Alceste ressuscitada por Hércules. E quando os pais da jovem lhe ofereceram um pre-
sente de 150.000 sestércios, ele disse que os dava à jovem como dote. Descobrira ele
nela uma centelha de vida que tivesse escapado àqueles que lhe prestavam os últimos
deveres — conta-se, com efeito, que caía uma chuva fina e que de seu rosto subia uni
vapor — ou reacendeu e restaurou a vida que estava extinta? É impossível decidir, e isso
permaneceu misterioso não só para mim, mas também para os assistentes.
Uma rápida olhada mostra certa similaridade entre os dois relatos e também
contrastes. Nos dois relatos, há o encontro dos taumaturgos com cortejos fúnebres;
em ambos, a pessoa morta era especial para alguém; em ambos, os taumaturgos pa-
ram os féretros, compadecidos; e, em ambos, tocam nos esquifes e os mortos voltam
à vida. Mas as diferenças são maiores. No caso de Jesus, o morto é um rapaz e filho
único de uma viúva; no caso de Apolônio, é uma moça, noiva, e filha de uma família
da alta sociedade de Roma. Lucas diz que Jesus Se compadece; Filóstrato não revela
as emoções de Apolônio. Jesus não pergunta nada; Apolônio pergunta o nome da
moça. Jesus dá uma ordem direta para o rapaz se levantar; Apolônio pronuncia "sobre
ela algumas palavras misteriosaC. Lucas diz que o rapaz estava realmente <trnortd;
Filóstrato diz que a jovem "passou por morta" e foi despertada daquilo que «parecia
ser a morte". No texto tucano, não há referência a dinheiro; no filostratiano, a família
da moça tenta pagar. Lucas diz que a multidão ficou possuída de temor e glorificou a
Deus, reconhecendo que ali estava um grande profeta; Filóstrato diz que é impossível
decidir o que realmente aconteceu, e que o fato permaneceu misterioso para ele e os
assistentes. Em qual zelam você sente mais firmeza?
102 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
E eis que Lhe trouxeram um paralítico deitado num leito. Vendo-lhes a fé, Jesus disse ao
paralítico: Tem bom ânimo, filho; estão perdoados os teus pecados. Mas alguns escribas
diziam consigo: Este blasfema. Jesus, porém, conhecendo-lhes os pensamentos, disse: Por
que cogitais o mal nos vossos corações? Pois qual é mais fácil, dizer: Estão perdoados os
teus pecados, ou dizer Levanta-te, e anda? Ora, para que saibais que o Filho do homem
tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados --- disse então ao paralítico: Levanta-te,
toma o teu leito e vai para tua casa. E levantando-se, partiu para sua casaLIy1=,-,.
. . . .
Um dos vários textos das inscrições do Epidatiro também relata uma cura de
paralisia:
Herinódico de Larnpsaco, paralítico do corpo, foi curado por Asclépio enquanto dormia
no recinto sagrado. O deus lhe ordenou que, assim que saísse, tomasse a maior pedra
que pudesse carregar e a terówiesse para o santuário. Então ele trouxe esta que agora
está defronte do santuário
Os pontos de contato entre esses dois relatos são pequenos. Pode-se dizer, ba-
sicamente, que ambos os doentes têm em comum o fato de serem paralíticos, terem
sido curados e, em seguida, fazerem alguma coisa para comprovar a mudança em sua
condição: o paralítico do evangelho toma a sua cama e sai carregando-a; o paralítico do
Epidauro leva uma grande pedra para o santuário. As diferenças são mais profundas.
No relato do evangelho, faz-se menção à fé do paralítico; na inscrição do Epidauro,
a fé não é mencionada. Um doente foi curado enquanto estava acordado; o outro,
Relatos de Cura ' 103
Não é preciso ser um erudito para perceber os profundos contrastes entre esse
ritual sugestionável e as curas simples e objetivas de Jesus. Asclépio não era conside-
rado apenas o grande deus da cura no panteão greco-romano do tempo de Jesus, mas
seus seguidores o cultuavam também como benfeitor, guia, libertador e salvador. Foi
pieciso um latros (Médico) e Soter (Salvador) real e maior do que ele para desbancá-lo
e suplantar a sua influência.
De forma didática, Alfons Weiser tenta mostrar que os relatos de milagres dos
evangelhos seguem o esquema formal das narrativas lielenísticas de milagres de cuia,
numa estrutura tripartida: „( .1j descrição da natureza da enfermidade, 21 intervenção
curativa e .2.1constatação dos efeitosda cura. No caso de expulsão de demônios, havei ia
seis "elementos estruturais típicos": (1) indicação do quadro mórbido; .(2) tentativa
de defesa por parte do demônio; Di pergunta pelo nome e indicação do nome; tal
ordem dada pelo exorcista ao demônio para que saísse do possesso; L5) saída acompa-
nhada de demonstração; 2 mação dos espectadores0Mas essa suposta hermenêutica
"científica" é altamente influenciada pelo liberalismo alemão.
Uma das críticas ao estudo das formas narrativas é o fato de que todo relato
de milagre necessariamente tem que ter uma estrutura. E a ordem natural em um
relato desse tipo é descrever o doente, a ação do operador de milagres e o resultado.
Ou seja, o que poderia parecer uma dependência ou cópia de um estilo helenístico
ou rabínico de narrar milagres nada mais é do que um padrão lógico de narra-
ção: introdução do fato, desenrolar, desfecho. Vemos um fenômeno similar no
jornalismo moderno, em que praticamente todos os jornais seguem a fórmula da
"pirâmide invertida": primeiro, o lead (as informações mais importantes); depois,
o corpo da notícia; e, no fim, as informações menos relevantes (podendo até mesmo
sei eliminadas). As seis perguntas básicas que toda notícia deve responder são: o que,
quem, quando, onde, como e por que. Nos relatos de cura, as informações básicas
são sobre o que estava acontecendo com o doente, o que o taumaturgo fez por ele
e com que resultado. Elementar.
Um estudo das histórias miraculares dos evangelhos sob o ponto de vista
da crítica da forma, comparando com outras histórias similares da literatura ou
do folclore antigo, pode ser interessante, mas não dá a palavra definitiva sobre
Relatos de Cura 105
os milagres de Cristo nos evangelhos. Devemos buscar entender a dinâmica e o
significado dos milagres de Cristo.
A crítica do establishment judeu da época não dizia respeito à ocorrência dos
milagres, mas sim à sua procedência. Ou seja, a questão não girava em torno do fato,
mas da sua interpretação. Eles não negavam que Cristo expulsava demônios, mas ar-
gumentavam que o fazia pelo poder de Belzebu (Mt 13:24). O contra-argumento de
Jesus foi também na linha da interpretação: seria um contra-senso Satanás combater a
si mesmo (13:25 e 26). A frase "Se, porém, Eu expulso os demônios pelo Espírito de
Deus, certamente é chegado o reino de Deus sobre vós" (v. 28) explicita a significação
que Jesus dava de Si mesmo e de Seus milagres.
Não podemos isolar os milagres evangélicos do mistério de Cristo. Tentar decompor
os milagres em peças isoladas é destruir o mistério de Cristo, assim como dissecar um
organismo em milhares de partes nunca explicará o mistério da vida. Os milagres de Jesus
refletem a totalidade de Sua pessoa e de Sua obra e, portanto, não devem ser tomados
como atos fra•rnentários. O • rande mila• re é o próprio Cristo. Se os milagres (a,judam
, a
inter retar o evento Cristo o ró trio evento Cristo uue ex•lica os nina. res.(2"
Naturalmente, a pesquisa histórica tem valor, ao fornecer dados confiáveis para
a Mterpretação. Por mais esplêndida que seja uma teoria, se não estiver apoiada em
fatos, no fim não terá sustentação. Felizmente, para os cristãos, os milagres dos evan-
gelhos resistem à pesquisa e dão margem a uma bela interpretação. Historicidade e
interpretação, portanto, se complementam.
Uma área de pesquisa relativamente nova que tem trazido significativas contri-
buições para a compreensão dos milagres nos tempos antigos é a antropologia médica.
Mas, ao mesmo tempo em que lança luz sobre certos aspectos culturais, essa nova
perspectiva pode levantar questiediarnentos sobre a verdadeira dimensão dos milagres
de Jesus. Por isso, é apropriado fazer uma referência ao tópico neste contexto, embora
de forma resumida.
Arthur Kleintnan, médico antropologista, é um dos nomes mais importantes desse
campo de estudo. Kleinman, entre outros estudiosos da antropologia, faz uma diferen-
ciação entre os termos, em inglês, disease e illness os quais não têm correspondentes
—
Essas duas palavras descrevem o problema. Mas, e quanto à terapia? Para indicar
a recuperação da saúde, os antropólogos trabalham com os vocábulos curing (que faz
par com disease)sthealit_t,gÁque faz par com iliness). Enquanto curing (cura) significa
uma resposta para um problema orgânico, heafing (restauração/cura) é uma solução
para a ausência de bem-estar.
Pois bem, a crítica dos antropólogos é que a medicina ocidental moderna, com a
sua sofisticada aparelhagem, costuma focalizar apenas o lado biopatológico/orgânico.
Seu objetivo é levar o corpo a desempenhar bem as suas funções. Ela oferece curing,
mas nem sempre healing. Já a medicina do antigo Oriente Médio focalizava mais o
significado da doença. Seu objetivo era levar a pessoa a um estado de bem-estar. Ela
oferecia healing, embora não fosse tão boa em curing. Em síntese, se a medicina de
•
hoje busca as causas, a medicina antiga tratava os sintomas.
A abordagem da medicina antiga era mais global/holística;envolvendo aspectos
culturais/espirituais, porque a sua cosmovisão era diferente. Não é por acaso que, en-
quanto a saúde/integridade humana é um tópico importante no Antigo Testamento,
com referências a cerca de 80 partes do corpo, o corpo físico como um todo não tem
uma palavra específica e clara para defini-lo (a palavra mais próxima da nossa concepção
de corpo é gevviyah, que ocorre 13 vezes). Analisando a cosmovisão antiga, John Pilch
explica que, em geral, a idéia de saúde no Novo Testamento enfatiza:
1. Ser e/ou tornar-se (isto é, estados), e não fazer (atividades).
2. Relacionamentos colaterais e lineares, e não o individualismo.
3. Foco no presente e no passado, e não no futuro.
4. O fator incontrolável da natureza, e não a sua manipulação ou domínio.
5. A natureza humana como boa e má, e não neutra ou rnodificáve0 )
No Ocidente, especialmente nos Estados Unidos, diz Pilch, a ênfase está em:
(1) fazer ou conseguir; (2) individualismo; (3) futuro; (4) domínio sobre a natureza;
(5) uma visão da natureza humana como neutra ou boa.
Esses insights são realmente importantes, mas aí vem o perigo, teologicamente
falando. Ao situar as curas de Jesus - no contexto de uma medicina mais preocupada
com os sintomas e o bem-estar, os antropólogos acabam por negar a real dimensão
do milagre. Pilch, por exemplo, insinua que, de uma perspectiva histórica e científica,
Jesus nunca curou ninguém. Seus milagres poderiam ser classificados como healing
(restauração), mas não como curing (cura)OEm matéria de milagres, Jesus seria nada
A EXPERIÊNCIA CARISMÁTICA
O século 20 viu uma explosão fenomenal dos movimentos pentecostais/carisma-
ticos . Em 2000, o número de pentecostais/carismáticos no mundo foi estimado em
523 milhões (ou 27,7% do cristianismo organizado), com previsão de totalizar 811
milhões no ano 2025. Desses, 63 milhões seriam pentecostais clássicos, 175 milhões
seriam carismáticos e 295 milhões seriam neocarismáticos. - As aiferenças teológicas
entre essas vertentes não são muito significativas. No Brasil, entre 1991 e 2000, eles
cresceram a uma média de 8,3% ao ano, totalizando agora (2005) talvez uns 25 mi-
lhões (em 2000, o censo do IBGE indicou 17,9 milhões). Eles são o fator principal
da diversificação religiosa atual no país.
Uma das características desse segmento cristão é a ênfase na cura divina. Aqui não
tenho espaço para relatar casos de curas registrados na literatura pentecostal/carismática,
mas qualquer pessoa familiarizada com o assunto conhece suas reivindicações nessa
área. A questão que desejo enfocar é dupla: (1) se podemos dar credibilidade a esses
requisitos e sabem que não têm o verdadeiro dom de cura bíblico.° O argumento de
MacArthur parece essencialmente correto, mas, como registro, vale lembrar que em
pelo menos um caso os discípulos foram incapazes de curar (Mt 17:19), e Jesus fez
duas curas em etapas, progressivamente (Mc 8:23-25; To 9:1-7).
Tohn Stott prefere uma posição mais cautelosa em relação às reivindicações
modernas de milagres. Na opinião desse respeitado teólogo e pregador anglicano, a
nossa atitude diante dos milagres não "deve ser nem uma incredulidade obtusa ('não
acontecem mais milagres'), nem uma credibilidade impensada (é claro! Milagres estão
acontecendo o tempo todo'), mas uma atitude de mente aberta, de averiguação"C)
Num estudo sobre fenômenos pentecostais, na década de 1970,0 jornalista adven-
tista.Roland Heq,alconcluiu que "muito poucas curas [divinas] têm sido documentadas
por competentes autoridades médicas. Isso não quer dizer que elas sejam falsas; apenas
que não são documentadas"DA opinião de William Nolen é mais radical. Médico
de Minnesota, Nolen resolveu rastrear alguns alegados casos de cura divina. Depois
de passar um ano e meio nessa missão, revelou vários casos de fraude e constatou que
os curadores não apiesentavarn nenhuma solução para as doenças orgânicasC Outro
caçador de fraudes famoso é o mágico James Randi, que colocou na internet uma
proposta milionária para quem conseguir provar seus6oderes psíquicos ou sobrena-
turais. Ele tem desmascarado muitos casos de fraude"
Há algumas diferenças básicas entre os milagres bíblicos e os supostos mila-
gres modernos. Os milagres bíblicos eram serenos (embora envolvendo emoção),
instantâneos (em Marcos, a instantaneidade da cura é ressaltada pela palavra grega
euthios, na mesma hora", "imediatamente"), indiscutíveis : os milagres de hoje, ainda
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aconselhou: "Tome-se uma pasta de figo, e ponha-se como emplasto sobre a úlcera; e ele
recuperará a saúde" (v. 21). Conclusão: Deus não está traindo Seu poder, ou a fé de uma
pessoa, quando usa meios naturais para curar. O Eclesiástico endossa essa postura "Sê
deferente para com o médico, porquanto dele se tem necessidade, pois também ele foi
instituído por Deus" (30:1). O verso 4 completa "Deus faz sair da terra os medicamentos
e o homem inteligente não os despreza"
O equilíbrio, nessa questão, está numa visão integrada da atuação de Deus
no cosmos, que encara Deus como Autor e Senhor de todas as coisas, o único
curador de todas as enfermidades, um Deus pessoal que intervém, mas não dis-
pensa nem contraria a natureza
Em alguns meios carismáticos, é comum considerar a cura divina uma expe-
riência habitual nos tempos bíblicos e disponível hoje para todos os crentes com fé.
Isso decorre tanto de uma má compreensão do registro bíblico de milagres quanto de
uma má teologia da expiação.
nlip. '1 R %kl ; .1 ré ,B1l1 Prt en nr. ■ n/,. i rn ervisr; nn e nnantne rr rn rn ntnnne ris= nnne
A má teologia da expiação ocorre, igualmente, por uma leitura seletiva dos dados
bíblicos. Mateus, citando Isaías 53:4, diz que Jesus «tomou as nossas enfermidades
e carregou com as nossas doenças" (8:17). Em I Pedro 2:24, lemos: "carregando Ele
mesmo em Seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos aos
pecados, vivamos para,a justiça; por Suas chagas fostes sarados". A partir dessas afirma-
ções, autores pentecostais têm dito que o crente possui o direito de exigir a cura divina
aqui e agora, porque curar já é sempre a vontade de Deus. Se ele fica doente, é porque
está em pecado, não tem fé ou tornou-se vítima de Satanás. As formas mais extremas
desse pensamento são vistas entre os defensores da chamada "confissão positiva".
De tão convencidos de que Deus deseja curar sempre, certos autores pentecostais
chegam a defender que a oração pelos doentes não deve incluir a frase "se for da Tua
vontade", justificando que a condicional "se" demonstra uma fé derrotista Mas o "se"
pode ser, ao invés de falta de fé, j rima expressão de plena submissão à vontade e aos pro-
pósitos de Deus. O próprio Jesus incluiu-o em Sua oração do Getsernani (Mt 26:39).
Ele não foge do ritmo do Pai; Sua agenda é a agenda do Pai, e por isso diz: "faça-se a
Tua vontade" (Mt 26:42). Das 23 vezes em que a palavra «vontade" aparece nos evan-
gelhos, 19 estão colocadas na boca de Jesus, em referência à vontade de Deus ou do Pai;
predomina um sentido "forte", geral, da vontade de Deus, mas há também o sentido de
submissão (pelo menos dez vezes) e adesão prazerosa aos desejos divinos.
Relatos de Cura 111
mas, a curto prazo, pode não ser. A ausência da cura nem sempre se deve à falta de fé.
Francis MacNutt enumera onze motivos pelos quais as pessoas não são curadas: (1) falta
de fé; (2) sofrimento redentor; (3) um falso valor atribuído ao sofrimento; (4) pecado; (5)
não orar especificamente; (6) diagnóstico falho; (7) recusa de encarar a medicina como
um meio pelo qual Deus cura; (8) não usar os meios naturais de preservar a saúde; (9)
ainda não está na hora; (10) é outra pessoa destinada a ser o instrumento da cura; (11) o
ambiente social impede que a cura ocorrapPaulo orou três vezes para Deus tirar o seu
"espinho na carne" e não foi atendido, porque era mais forte na fraqueza (2Co 12:7-10).
Vários textos indicam que o cristão, fatalmente, sofrerá por Cristo, o que pode incluir
CURAS DA .R CC .
Um dos fenômenos mais relevantes do atual catôlicisrno, o qual mantém um es-
treito vínculo com a questão da cura divina, é o movimento de Renovação Carismática
Católica (RCC). A RCC tem um parentesco com o pentecostalismo protestante e, de
algum modo, verificar a experiência de um é ter um vislumbre da experiência do outro.
Esse movimento tem um grande significado e potencial, por ter sido talvez o primeiro
movimento de origem protestante na História a achar acolhida na Igreja Católica.
Além de facilitar o ecumenismo, a RCC participou da mudança de mentalidade no
catolicismo em relação à Bíblia. Como surgiu o movimento e qual é o seu perfil?
A RCC surgiu no embalo e no espírito do Concílio Vaticano II, com estudan-
tes universitários católicos dos Estados Unidos que desejavam uma nova experiência
espiritual. A formação de um grupo de oração em fevereiro de 1967 na Universidade
de Duquesne, Pittsburgh, marca o começo do movimento. Em seguida, o movimento
chegou ao campus da Universidade de Notre:Dame (a capital intelectual do catolicismo
nos Estados Unidos), em South „Bend, Indiana, e dela se espalhou. Na década de 1370,
os congressos anuais da RCC em Morre Dame passaram a reunir milhares de partici-
' pantes de Vários países, culminando com um público de 30 mil em 1976, quando foi
tornada a decisão de fazer conferências regionais. Hoje, a RCC tem forte presença em
mais de 100 países. Seu escritório internacional funciona em Roma. No Brasil, a RCC
chegou em 1971, através do padre jesuíta Eduardo Dougherty, e já conquistou mais de
8 milhões de fiéis, atraindo igualmente ricos e pobres. A RCC domina as cerca de 180
estações de rádio católicas no Brasil, e tem seus próprios estúdios de TV.
Os primeiros líderes da RCC, principalmente nos Estados Unidos, foram Kevin
Ranaghan, Ralph Martin, Steve Clark e Nancy Kellar. Nomes respeitados como os de
Francis Sullivan, professor na Universidade Gregoriana em Roma, Kilian McDonnell,
teólogo beneditino, e o cardeal Joseph Suenens, de Bruxelas, incentivaram o movi-
mento e deram-lhe suporte teológico. Para Suenens, o "que faz a diferença entre a
nossa fé e a dos primeiros cristãos" é "a medida do nosso acolhimento das riquezas
do Espírito". Se o resultado hoje não é fantástico,_isso se deve a uma decisão do
Espírito, mas ao fato de não haver abertura à Sua açãoom ele e outros teólogos,
o movimento ganhou a aceitação na cúpula católica. O papa João Paulo II incentivou
o fortalecimento da RCC.
A RCC, que tem pontos comuns e diferenças em relação ao pentecostalismo
protestante, possui virtudes e defeitos, na avaliação da liderança tradicional católica.
Segundo dom Antônio Miranda, na época bispo diocesano de Taubaté, SP, os bons
frutos da RCC são: (1) a consciência a respeito da Presença e ação do Espírito Santo na
Igreja e no coração de cada fiel; (2) o gosto pela oração no Espírito Santo; (3) o amor
pela Palavra de Deus escrita na Bíblia; (4) conversões de muitas pessoas; (5) uma nova
disponibilidade para o apostolado; e (6) vocações ao sacerdócio e à vida religiosa()
Ré/atos dê Cura . 1 13 •
Já os perigos, na forma de equívocos, exageros ou desvios, seriam: (1) a presunção
de alguns participantes que, inconscientemente, acham que já têm todo o conheci-
mento necessário e aprofundado da fé; (2) a concentração em determinados carismas,
em detrimento de outros; (3) uma interpretação "protestante" e fundarnentalista da
Bíblia, com desprezo pelo magistério católico; (4) aceitação de crentes pentecostais
e de pessoas de psiquismo, mórbido nos encontros carismáticos; (5) busca por parte
. ,Po mr4
de alguns de uma experiência exag eraâa de Deus e de Seus dons, gerando angústia e
desespero quando não conseguem os carismas que almejam.
Dom Miranda frisa, ainda, que o Espírito Santo opera dentro do ser humano
real, ou seja, no seu psiquismo, sempre sujeito a desvios de discernimento, passando
do razoável para o doentio. O razoável é a alegria no Espírito, a união dos irmãos, o
serviço de amor; o doentio é a algaravia do "falar em línguas", as "curas" em massa,
tify("tfrAd(rdi, iOudt ,
OS exorcismos freq
üentes, as aparições e visões .
Essa postura de aceitação crítica é vista em muitos padres, que no início geral-
mente se mostram contrários à experiência carismática, mas depois a aceitam. Isso
se deve, provavelmente, à sua visão teológica dos carismas. Se para os pentecostais
os dons do Espírito são sobretudo o maravilhoso, para os católicos os carismas são
essencialmente o dom interior do Espírito. Um olha para fora, a expressão física e o
testemunho ao microfone; o outro olha para dentro, a meditação mental e o serviço
silencioso. Provavelmente isso tenha levado os carismáticos católicos a enfatizarem
menos a glossolalia do que os carismáticos pentecostais. O desafio para a Igreja Ca-
tólica é fazer uma síntese entre o seu racionalismo (intercalado por ondas místicas) e
a experiência carisrnatica.
. Mas, aparentemente, a RCC está aprendendo rápido com os pentecostais e
carismáticos protestantes a conviver com o espetacular, a modernidade e a mídia.
Basta ver o exemplo do padre Marcelo Rossi, a maior estrela do movimento no Brasil.
Alto, porte atlético, comunicativo e simpático, padre Marcelo Rossi rapidamente se
transformou num astro popular. Virou capa de revistas seculares e passou a freqüentar
programas de TV, sempre elevando o ibope, o que revela o interesse do público pela
abordagem carismática.
Como era de se esperar, milagres rapidamente foram associados ao trabalho de
padre Marcelo. Mas, não sendo essa a principal faceta de seu sacerdócio, vamos buscar
nossas curas em outra figura carismática especializada no assunto: padre Emiliano
Tardif (1928-1999). Canadense de nascimento, Tardif tornou-se missionário do
Sagrado Coração na República Dominicana. Mas teve atuação marcante em dezenas
de congressos e concílios em todas as partes do mundo. Com seu carisma peculiar,
reunia até 40 ou 50 mil pessoas num estádio. Tal sucesso se baseou, em grande parte,
no ministério da cura.
A própria entrada de Tardif para a RCC se deve ao fato de ter sido curado mila-
grosamente de uma tuberculose pulmonar aguda, em 1973. Segundo ele, a descoberta
114 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
de seu dom de cura se deu em 18 de novembro do mesmo ano, quando "um enfermo
que sofria de artrite e artrose" pediu-lhe para orar por ele e, ao término da oração,
"começou a andar, abandonando sua bengala". Mas antes disso Tardif já orava por
enfermos em grupos de oração, e posteriormente constatou "como, com frequência,
Jesus curava sempre maior número de enfermos"P
Uma síntese do pensamento e da prática do padre canadense pode ser assim
construída:
• Jesus é o único Messias, o Salvador; Ele está vivo e continua manifestando Seu
poder hoje como há 2000 anos.
2. • As curas de Jesus sempre têm um significado mais profundo. Ele abre os olhos
aos cegos como sinal de que pode iluminar nossa vida e nos tirar da escuridão do
erro e da mentira; levanta os paralíticos como sinal dos tempos messiânicos; abre os
ouvidos dos surdos como sinal de que tojos os obstáculos à comunicação que tinha
sido cortada pelo pecado foram removidos.
3 • Jesus cura a pessoa toda. Cura o corpo, eliminando doenças, mas também o
interior, dando um coração novo,
9 • Tarclif faz uma diferenciação entre "milagre" (que a ciência médica não poderia
realizar) e "cura" (aceleração do processo de cura).
5 • Quando ia ocorrer uma cura como resultado de suas orações, o padre Tardif
recebia uma "palavra de conhecimento", ou seja, ele tinha uma certeza interior de
que alguém estava sendo curado e de que tipo de doença. Se a palavra que chegava à
mente era comunicada, apareciam "detalhes adicionais".
6 • No momento da cura, quase invariavelmente, a pessoa sente um intenso calor
na parte do corpo afetada pela doença, como se fosse uma corrente elétrica.
• Tardif dizia que não tinha propriamente um método de trabalho, mas sempre
anunciava primeiro a Jesus e animava a fé; em seguida, orava "pela cura do pecado
mediante a conversão" e depois fazia."oração pelas doenças físicas".
5 • Para Tardif, a Igreja Católica não aceita plenamente os carismas, com carta de
cidadania, porque: (1) catequiza muito e evangeliza pouco; (2) tem a tendência de
usar somente os recursos humanos e contar unicamente com os meios naturais para
realizar a obra de Deus; (3) talvez esteja reagindo aos exageros que, às vezes, acontecem;
(4) não sabe bem como usar um dom que "estava empoeirado".
3 • O dom de cura não deve ser usado isoladamente, mas no contexto da procla-
mação da Palavra e do batismo, como uma Corrente de três elos: Palavra—Cura—Sacra-
mento. "Curar sem anunciar a Boa Nova da salvação é curandeirisrno."
10 • Quanto mais se usa o dom de curar, mais ele se desenvolve. O principal obs-
táculo para receber carismas é o medo de perder a reputação.
• A cura é obra exclusiva de Deus que passa por instrumentos humanos. É um
dom gratuito, e não sinal de santidade.
{2. • Em Sua sabedoria, Deus só cura alguns, mas oferece a cura definitiva a to-
Relatos de Cura 115
dos: a vida eterna, livre de doenças elágrimas. Os casos que ocorrem são sinais para
acompanhar a evangelização.
13 • "Todos os carismas [ou dons] são para servir e, portanto, são manifesta-
ções do maior carisma: o amor." O dom de cura "é para os outros, não para nós
mesmos". O operador de milagres não pode impor as mãos sobre sua própria
cabeça e curar a si mesmo. -
m • É tempo de uma nova evangelização: nova em seu ardor, evidenciando paixão
por Jesus; nova em seu método, conjugando querigma (anúncio da pessoa de Jesus)
e catequese (transmissão do depósito da fé); nova em sua expressão, unindo anúncio
da Palavra e milagres (cura de enfermos). A nova evangelização deve ser integral: todo
o evangelho para a pessoa toda e todas as pessoas.
Pa4re Tardif relatou muitos casos de cura. A primeira cura de um cego de
•nascença que ele presenciou ocorreu ao término de uma jornada de evangelização
em Mbandaka, Zaire. Na Eucaristia de encerramento, no meio de um auditório de
15 mil pessoas, uma menina de oito anos, cega de nascença, começou a gritar: Je
vais, je vais ("Eu estou vendo, eu estou vendo"). As pessoas a rodearam. A menina,
então, perguntou quem era sua mãe. Ao ser abraçada pela mãe, exclamou: "Oh,
mamãe, como és bonita".
Um caso interessante é o de Giovanna Monzo, que tinha uma doença nos
ossos (osteoporose) desde o nascimento. Os médicos previam que, ao chegar à
idade de desenvolvimento, morreria ou ficaria paralítica. Depois de passar vários
anos vegetando na cama e de enfrentar uma série de cirurgias, ela estava cansada e
desesperada. No verão de 1985, bolou um plano "infalível" para se matar, jogando-
se de uma balaustrada. Mas, exatamente quando estava para executar o plano, sua
avó a chamou porque duas jovens desejavam conhecê-la. As moças a trataram com
muito amor. Falaram-lhe de Jesus. Giovanna sentiu um grande calor em seu cor-
po, sem explicação. Mas a revolta continuava. Na mesma tarde, suas novas amigas
voltaram, com outras 20 pessoas. Oraram. Fizeram amizade. Devagar, Giovanna
encontrou a cura interior.
Algum tempo depois, padre Tardif visitou seu país, a Itália. Os amigos de..Gio i
-
vanna insistiam que sua cadeira de rodas, finalmente, ficaria vazia. Giovanna oferecia
seu sofrimento pelo êxito do retiro. No segundo dia do retiro, Giovanna sentiu um
, forte calor nas pernas. Padre Tardif anunciou uma grande cura, acrescentando que
o Senhor estava curando um paralítico. Mas, !apesar do clima emocional, não se
atrevia a dar o passo da fé. O padre perguntou se ela sentia um profundo calor no
corpo, e ordenou que, em nome de Jesus, se levantasse e andasse. Pela primeira vez
em sua vida, ela deu alguns passos, sem a ajuda de ninguém, em direção ao altar.
"Meus amigos choravam, outros riam, todos se abraçavam, outros me beijavam",
conta Giovanna. "Aquilo parecia um manicômio." Resultado: Giovanna deixou a
cadeira de rodas e passou a levar uma vida normal.
,
(12) O FASCÍNIO DOS MILAGRES
Como avaliar esse tipo de relato? Em geral, Tardif procurava ser bíblico em
suas afirmações sobre cura espiritual. Aliás, ele confessou que "o esquema" de seu
livro Jesus Está Vivo "teve como protótipo o Evangelho de Maicos", embora não
fique evidente nenhuma identidade estrutural ou remática entre as duas obras, corri
exceção, talvez, da coleção de testemunhos de cura. De qualquer modo, ler Tardif
é como ler autores evangélicos.
Normalmente, de não enfatiza o poder dos santos ou de Maria, mas apenas o
poder de Jesus. Em Tesus Está Vivo, original de 1984„Tardif fala sobre a intercessão de
Maria, comparando-a ao manto de Jesus, tocado pela mulher hemorrágica para ficar
curada. Já em Jesus é o Messias, original de 1989, Maria quase desaparece, só surgindo
em testemunhos. O papel atribuído a Maria é, biblicamente, fruto de uma teologia
defeituosa quanto ao estado do ser humano na morte e ao papel mediadorJ./mico de
--,..
,Jesus . Vem da devoção e não da teologia. 4,
Isso não significa que a devoção mariana seja pequena na Renovação Caris-
mátka; ao contrário, ela é grande, especialmente na França e no Canadá. Maria é
vista, em tetmos populares, como a "primeira pentecostal" e um modelo de abertura
ao trabalho do Espírito Santo. ,
,Mseapelévislumbiaõrt)sentitic> de
interceder do que de curar.
Quanto aos milagres, alguns fenômenos descritos por Tardif, como o calor
sentido pelo operador de milagres e o doente durante a cura e a "palavra de conhe-
cimento" aplicada à cura, não têm paralelos nos relatos bíblicos. Jesus percebeu sair
"poder" dEle (Mc 5:30), na cura da mulher hemorrágica, mas não é a mesma coisa
que "palavra de conhecimento". No geral, porém, os relatos transmitem n confiabi-
'idade, indicando fé no poder ilimitado de Deus e abertura à atuação do Espírito
Santo. Às vezes transparece um certo entusiasmo ingênuo.
{ Após estudar a literatura carismática, eu diria que algumas curas podem ser
reais elas se situam dbeascicuatm
ased
n ete noenr ude
c aspoo rdg a sn dieoaesnoças p sicteossssnotteáit
m k cass 2; ,
H
shCá ocasos
cna octo m
como vemos na Bíblia.
, ,0 reconhecimento da possibilidade de estar ocorrendo alcumas curas no rno-
virnento carismático pode chocar alguns adventistas ou evangélicos. Contudo, é Mi
e ortante lembrar e ue os mila res não são •rovas de corre ao doutrinária De a tde
ouvir e curar2essoas que ainda não têni o pleno conhecimento da verdade. Deus usa
sessoas santificadas dentro de uma orsora ão falha. Se Ele usou ate .a. aos como
Nabucodonosor e Oro tara cum 'rir os Seus iro cósitos, não toderia usar cristãos
iludidos em suas crenças
Isso também não significa que todos os relatos de curas devam ser aceitos de
maneira acrítica. O movimento pentecostal/carismático é muito heterogêneo hoje.
Como o campo é fértil para fenômenos estranhos, há nele muito joio. Inúmeros casos
de supostas curas certamente são pura charlatanice. Devemos julgar as crenças, rnani-
Relatos de Curo 11 7
Í relatos bíblicos não significa que a cura não possa ser de origem divina. O Espírito '
\ Santo, como o vento, sopra onde quer e corno quer (Jo 3:8). Deus é livre e soberano
driAão9d6ivino,
em Sua ação, que, no entanto, sempriv e 4seomraonDtécm reiniztAe.,ADAentgrooFt:Ic
mocsoear o np:Ar
- o Espírito tem múltiplas manifestações. Porém, devemos avaliar os espíritos, como
diz a Bíblia. Voltarei ao assunto. ,,,-- _
NOTAS X
.. ' Tálmucle Babilônico, Beracot 34k
2 FiLostrato, Vida de Apolônio de Tiana, 1V:45; citado por FILISLIÇS Cousin,
Narração de Milagres
- cm Ambientes Judeu e Pagão, Documentos do' Mundo da Bíblia 8 (São Paula': Paulinas; 1993), 80-81.
'Citado por Alfons Weiser, O Que é Milagreina Bíblia, 2. ed. (São Paulo: I Paulinas, 1978), 62.
- 4 Will Oursler, O Poder Curativo da Fé (Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 1997), 37-38.
Ver Wiser 40-47, 86-91
«Ver Christian Schtitz, «Os Mistérios da Vida Pública e da Obra de Jes 11S , em Mysterium Salutis,
111/5, ed. Johannes Feinéi: we Magnus Lõhrer (Petrópolis: Vozes, 1974); 95 - 121.
" Arthur ICleinman, Patients ana' Plealers in Me Context of Culture (13erkeley: University of
Ibid., 142.
Jolln F. MacArthur, Jr., ‘ The Charhmatics: A Doctrinal Perspective (Grand Rapids: Zonciervan,
1979), 143-149.
" Stott, Batismo e Plenitude, 72.
12Roland R. Llegstad, Ratling Me Gates (Washington, DC: Review and Herald, 1974), 188.
'd Ver Williarn A. Nolen, Healing: A Doctor in Search of a Miracle (Nova York: Random
House, 1974).
14 Ver <www.randi.org/research/index.htrnl >. Em relação aos curandeiros, confira Jalnes Randi,
2" As informações aqui apresentadas se encontram em Emiliano Tardif e José H. Prado Flores,
Jesus Está Vivo (São Paulo: Loyola, 1996); e Erniliano Tardif e José H. Prado Flores,Jesus é o Messias, la
ed. (Rio de Janeiro: Edições Louva-a-Deus, 1991). "
,
8
„AVALIAS_
MODELOS DE CURA
Ao longo da História, como têm atuado os operadores de milagres cristãos?
Qual é a sua ênfase? Ronald Kydd, num estudo que envolveu ampla pesquisa li-
terária e diversas viagens, propõe seis modelos de curas: (I) confrontacional; (2)
intercessório; (3) relicário; (4) incubacional; (5) revelacional; e (6) soteriológico.
Para cada modelo, ele seleciona representantes do passado ou do presente e procura
sistematizar sua ação.'
O modelo confrontacional, segundo KyddCeorresponde estreitamente ao quadro
bíblico do ministério de Cristo" e é baseado na visão de que Deus foi bern-sucedido -
em Sua missão na História, vencendo Satanás. Daí a ênfase sobre o confronto, "a
vitória e a liberdade através de Cristo". A cura divina é vista como "um aspecto da
implantação do reino de Deus"P
Os representantes desse modelo incluiriam Irineu, Tertuliano, Cipriano, Oríu-
nes e Lactâncio (num plano teórico) e Johann Christoph Blumhardt e John Wimber
(num plano teórico e prático).
Teologicamente culto e um dos "mentores" do famoso teólogo suíço Karl Barth, o
alemão Blumhardt (1805-1880) acreditava que o curso da História deveria incluir três
120 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
"épocas de revelação", nas quais Deus fala e age (através de milagres). A duas ptimeiras
foram iniciadas por Moisés e Jesus, respectivamente; o último período seria a fase em
que Deus estenderia Seu poder sobre o todo da criação. Blumhardt acreditava que Deus
trabalha em silêncio. Ele não procurava cura instantânea, nem hesitava em enviar os
doentes ao médico. A cura não era o ponto focal do seu ministério. Na verdade, ele só
passou a orar privadamente com pequenos grupos ou indivíduos, para revitalizá-los física,
emocional e espiritualmente, depois de Mudar-se para Bad Boll. Mas muitas curas eram
relatadas. Tudo acontecia num contexto de calma, porque "Jesus é vitorioso".
Wirnber (1934-1998), fundador das igrejas Vineyard, introduziu um curso sobre
sinais e maravilhas" no prestigioso .Euller Theological Seminaty e depois aplicou seus _
conceitos na prática. O esquema escatológico jinça..n
"'á./ a .1 não" foi central para o ministério
de cura de Wimber. A partir dessa compreensão do reino, Wimber passou a acreditar
que manifestações de cura anunciariam o advento do "ainda não". Os milagres seriam
uma maneira de demonstrar a superioridade do poder de Deus. Não é de surpreender,
portanto, que Wimber tenha escrito quatro livros sobre "poder".
No modelo inkrcessório, as pessoas buscam o socorro de Deus recorrendo à
intercessão dos "santos" O pensamento implícito é que essas pessoas, por sua suposta
. . . -
amizade especial com Deus, têm influência sobre Ele. E como se fossem lobisras no
Céu. Virtualmente desconhecida entre os protestantes, essa abordagem é característica
da Igreja Católica e da Ortodoxa. Tal visão 'se desenvolveu à margem do pensamento
oficial do cristianismo, nas camadas populares, que viam os apóstolos e os mártires
como heróis milagrosos, gigantes espirituais com méritos especiais, e acabou sendo
incorporada pelo esta blishment religioso,
Os exemplos escolhidos por Kydd para representar esse modelo são o Irmão
André (1845-1937), em torno de quem foi construído o Oratório de São José, em
Montreal Canadá . e a Virgem Maria de Medjugorje, na Bosnia-Herzegovina. Muitas
,
,
curas têm sido atribuídas aos dois intercessores, e ambos os lugares atraem milhões de
peregrinos e visitantes a cada ano.
Irmão André, que foi beatificado em maio de 1982 pelo papa João Paulo II, era
um fã apaixonado de São José, cuja medalha usava em suas curas. Seu nome real era
Alfred I3essette. Durante o processo de beatificação dê 'Irmão André, foram arrolados
135 testemunhos de curas, mas há centenas de outros relatos. O Oratório de São José
recebe anualmente mais de 2 milhões de peregrinos e visitantes. Quanto a Medjugorje,
inúmeros relatos de curas e resPostas a orações têm sido atribuídos à Virgem. Em 1991,
uma multidão estimada em 100 mil pessoas acorreu ao local para celebrar o décimo
aniversário das supostas aparições da Virgem.
O modelo 'relicário é aquele em que as pessoas acreditam que os milagres vêm através
de coisas pertencentes a pessoas especiais, os "santos". A relíquia pode ser uma parte dos
restos mortais do "santo", um objeto de uso pessoal (roupa, instrumento de penitência)
ou mesmo algo simbólico (sepultura). Estranho ao pensamento teológico protestante,
Avaltaçao da Cura 121
o culto das relíquias teve seu auge entre a sociedade européia da Idade Média. Porém,
no quarto século, teólogos como Santo Agostinho já estavam interessados na questão.
É difícil para a mentalidade atual compreender a importância que as relíquias possuíam
na época, já que essa devoção declinou grandemente laos últimos dois séculos,
Um dos exemplos de cura através de relíquias citados pelo autor são os supostos
milagres vindos da sepultura de Prançois de Paris (1690-1727), no cemitério de St.
Médard, em Paris, na primeira metade do século 18. François era um jovem clérigo
. . .
janserusta com relativa cultura e reputação de santidade. Quando morreu, a multidão
rodeou seu corpo, beijou seus pés e pegou seus cabelos, livros e roupas. Sua tumba, no
jardim-igreja de St Médard, se tornou o point dos janserástas convulsionnaries. Relata-se
que as pessoas se deitavam em cima ou sob a lápide da sepultura e, ao tocá-la, eram
sacudidas por violentas convulsões, sendo às vezes curadas. A sepultura já não existe,
mas na época ‘década de 1730) realmente causou agitação.
No quarto modelo proposto por Kydd, a abordaum incubaciona/, os doentes
são "intiernados" em centros específicos de cura, onde são cuidados com carinho e
, convencidos progressivamente de que Deus deseja curar Seu povo. Num ambiente
de tranqüilidade, pessoas oram por doentes, e curas têm sido relatadas. Os exemplos
escolhidos para ilustrar esta abordagem são o,Instituto Elitn, em Mãnnedorf, Suíça, e
Monja (Movia), um centro de apoio espiritual, emocional e físico, mantido pela Igreja
da Fraternidade Cristã (uma pequena denominação pentecostal), também na Suíça.
O Modelo revelacional é aquele no qual Deus mostra para o taumaturgo quem
precisa de cura ou está sendo curado. O taumaturgo recebe uma informação ou co-
nhecimento especial, que de outro modo não poderia obter, e atua de acordo com
' tal insight. Esta abordagem é representada pelos controvertidos americanos William
ranham (1909-1965), que acreditava ter sido comissionado a ser um agente de cura e
sobre cuja cabeça teria aparecido um halo de luz numa foto, e Kathryn Kuhlrnan (1907-
1976), que só realizava seu serviço de cura quando se sentia ungida e preparada.
Finalmente,,o modelo soteriológico assegura que as pessoas podem ser miraculo-
samente curadas pela obra expiatória de Cristo. A idéia de que, na cruz, Cristo proveu
a cura para as doenças dos cristãos no momento em que eles precisarem, ou seja, aqui
e agora, está enraizada na tradição pentecostal. Oral Roberts (1918-), o bem-sucedido
empresário e evangelista americano, é citado como representante característico.
Após trabalhar com o seu material, Kydd chegou a algumas conclusões, que ele
expõeri a introdução do livro :
t A restauração da saúde através da intervenção direta de Deus tem Gontinuado
através da história da igreja.
Q .\ Os casos de curas apresentados pelos taumaturgos e seus apoiadores são su-
perestirnados. Em geral, há muito entusiasmo popular e poucos números exatos. Em
muitos casos, o diagnóstico é incerto.
PRINCÍPIOS DE AÇÂO
Com base na Bíblia, podemos estabelecer alguns princípios de ação, que ser-
virão também de critérios para avaliai os supostos operadores de milagres. Operar
"milagres" é espetacular, mas não é tudo. Quando os 70 voltaram eufóricos de
uma missão evangelistica bem-sucedida, relatando que, em nome de Jesus, até os
demônios lhes obedeciam, Jesus vibrou com eles, mas fez uma observação: "Não
obstante, alegrai-vos, não porque os espíritos se vos submetem, e, sim, porque os
vossos nomes estão ai tolados nos Céus" (Lc I 0:20). A afirmação de Paulo de que o
mal pode se apresentar com roupagem de bem ("o próprio Satanás se transforma em
anjo de luz" [2Co 11:14]) deve acender uma luz arnarely diante de todo movimento
de cura. Anjos satânicos podem atuar disfarçados de espíritos do bem.
Certos estudiosos têm destacado as semelhanças e afinidades em termos fenomeno-
lógicos e psicológicos entre certos rituais de curas espíritas e pentecostais. Essa constatação
é importante. Ela realça a necessidade de avaliar biblicamente os fenômenos. A Bíblia,
por ser a Palavra revelada, originada na mente onisciente de Deus, oferece subsídios
reais para julgar fenômenos sobrenaturais e dizer qual é a sua fonte. A psicologia e outras
ciências podem esclarecer alguns fatos, mas não podem dar a palavra final, porque não
possuem acesso a todos os dados do mundo invisível.
Segundo Colin Brovvn, "do fechamento do Novo Testamento ao terceiro século e
além, o apelo aos milagres era uma parte regular da armadura do apologista cristão". No
entanto, vários teólogos importantes como Orígenes, Calvin() e Aquino estavam conscientes
de que..afé cristã não é baseada apenas no prodigioso, pois "Satanás também poderia operar
maravilhas". Assim, enfatizaram o ensino, a preocupação com a justiça, o objeto da glória
vinda do milagre (Deus ou a pessoa) e os meios empregados na operação do milagre.'
Isso apenas confirma a necessidade de testar os milagres. E é na prática e no
ensino de Jesus e dos apóstolos, mais uma vez, que encontraremos os dados pl. incipais
para estabelecer os princípios de avaliação.
Avaliação da Cura 123
O que Moisés está frisando é que um mensageiro de Yahweh nunca pode minar
a lealdade do povo a Yahvveh e Suas leis. Se alguém fizer isso, é um falso mensageiro
ou curador.
Principio 7: O operador de milagres deve reconhecer a divindade e a humanidade
de Jesus. Este duplo teste é proposto por João: (1) quem nega que Jesus é o Cristo
(no pensamento joanino, o Filho de Deus) é o anticristo (1Jo 2:22); (2) quem nega
que Jesus veio em carne não é de Deus e tem o espírito do anticristo (1 Jo 4:2 e 3).
Qualquer agente de cura espiritual que diminua o mistério e a singularidade da natu-
reza divino-humana de Jesus não passa no teste bíblico. Essa violação da mensagem
Avaliação do Cura 125
cristológica pode acontecer por insinuar que Ele passou pela Terra cria "corpo fluídico"
ou não-material (tese defendida por alguns espíritas), ou até mesmo por eleircir o ser
humano ao status de divino.
Princípio 8: O operador de milagres não deve transformar o milagre num meio
de obter popularidade ou filma fleti. A discrição fazia parte do estilo de Jesus. Mar-
cos registra seis pedidos isolados de sigilo feitos por Jesus, no contexto de cura.
Por exemplo, ao purificar um leproso, disse: "Olha, não o digas nada a ninguém"
(1:44). Após ressuscitar a filha de Jairo, "ordenou-lhes expressamente que ninguém o
soubesse" (5:43). Jesus ptoibiu até os demônios de fazerem publicidade dEle (1:34;
3:12). Nada indica que Jesus estivesse usando urna estratégia psicológica no sentido
de pedir sigilo para estimular ainda mais a propaganda. A discrição fazia parte do
segredo messiânico. Jesus não queria antecipar problemas, pois tinha uma missão a
cumprir. Ao mesmo tempo, Marcos (7:36 e 37) sugere que esse segredo não podia
ser ocultado -- pois, quanto mais se pedia segredo, mais Jesus era reconhecido e
divulgado. Mis isso não invalida o argumento,
A lição a tirar é que, assim como Jesus não permitiu que uma glória fácil ofuscasse
a glória maior da cruz, os operadores de milagres atuais não devem tentar roubar a glória
divina. Pois a glória do milagte pertence a Deus. O agente do milagre não é a estrela'
do show; a estrela é Cristo. "Os milagres que chamam mais atenção para o agente
humano do que para Deus não são genuínos. A questão não é a fama do operador
de milagres, já que Jesus era famoso. A questão é se o ensino do milagreiro enfatiza
Jesus e Sua salvação, ou se dá destaque ao sensacional."'
Paulo foi exemplar nesse ponto. Em Listra, ele curou um paralítico de nascimento
(At 14:8-18) A multidão viu o resultado e começou a gritar: "Os deuses, em forma
de homens, baixaram até nós" (v. 11). O sacerdote de Júpiter junta-se à multidão e
organiza um sacrifício de touros em homenagem a Paulo e seu companheiro I3arnabé,
Paulo rasga suas roupas em protesto, declara sua igualdade com as demais pessoas e
chama a atenção do povo para o "Deus vivo" (v. 15). Qualquer operador de milagres
que faça menos do que isso, direcionando os aplausos para si ou seu movimento, está
roubando a glória do Deus vivo.
Princípio 9: O operador de milagres nunca deve receber pagamento pela cura. O
dom é gratuito e deve ser manifestado de graça. A Bíblia não relata nenhum caso de
pagamento por cura divina. Ao contrário, há censuras pela tentativa' de pagamento.
Eliseu rejeitou o presente de Naamã, por sua purificação da lepra, mas seu secretário
Geazi o recebeu e foi amaldiçoado (2Rs 5), Com a sua atitude, Geni estava dando urna
idéia errada, do Deus de Israel. Pedro condenou veementemente a tentativa de Simão,
o mágico, de comprar o direito de distribuir o Espírito Santo (At 8:18-24). Portanto,
se um operador de milagres se interessa mais pelo cartão de crédito do paciente do
que por sua salivação, todo cuidado é pouco. Ostentação de riqueza não serve de sinal
apenas para os agentes da Receita Federal; serve também para os crentes.
126 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
• Princípio 10: 0 operador de milagres não deve viver em pecado. Depois de definir
pecado como "transgressão da lei", João escreve: "Aquele que pratica o pecado proce-
de do diabo, porque o diabo vive pecando desde o princípio" (1Jo 3:8). O apóstolo,
evidentemente, não quer dizer que o verdadeiro cristão é "impecável". Seu argumento
é que o filho de Deus não vive pecando (v. 6). O agente da cura divina também não
pode viver pecando. Os pretensos operadores de milagres que levam uma vida de claro
desrespeito à lei de Deus devem ser vistos como falsos milagreiros.
FALSO X VERDADEIRO
O candidato a operador de milagres deve passar em todos os testes bíblicos. Um
falso curador pode preencher algumas condições, mas o verdadeiro agente da cura
divina deve satisfazer todas as condições.
Uma das maneiras de identificar o falso e o verdadeiro, evitando o engano, é
conhecer Deus e o Seu estilo. Um especialista em reconhecer dinheiro falso foi in-
dagado sobre como conseguira tal habilidade. "Estudando continuamente as notas
verdadeiras", respondeu. Comparando os estilos de Deus e de Satanás, é possível ter
uma idéia do que é verdadeiro e do que é falso.
De alguma forma, a advertência de Jesus registrada em Mateus 7:15-23 resume
os critérios básicos para distinguir entre o falso e o verdadeiro operador de milagres,
como mostra o quadro 7. Aqui Jesus aconselha que recorramos aos frutos (ou evidên-
cias) para perceber os disfarces e desmascarar os enganadores.
Não há um consenso sobre a identidade dos falsos profetas que Jesus tinha em
mente nessa passagem. Vários grupos, como os gnósticos, os essênios, os zelotes, os
fariseus, possíveis antinomistas ligados ao apóstolo Paulo e entusiastas palestinos,
têm sido propostos. Defendendo que o verso 15 é uma criação peculiar de Mateus e
ligando esse texto com os falsos profetas do capítulo 24, David Hill analisa a hipótese
de que Mateus estava combatendo dois grupos distintos: falsos profetas (v. 15) e
profetas carismáticos (vs. 22 e 23). O último grupo pertenceria à igreja primitiva,
mas suas atividades seriam insuficientes para entrarem no Reino, pois falhavam em
cumprir as demandas de Jesus e fazer a vontade de Deus. O primeiro grupo seria
formado por fariseus vindos de fora da comunidade cristã para ameaçar, enganar,
subverter e roubar os novos crentes. No que diz respeito aos fariseus, Hill baseia
seus argumentos (1) no fato de existir alguma evidência de que eles consideravam
a si mesmos como herdeiros da grande tradição profética; e (2) no fato de que a
polêmica contra eles percorre o evangelho de Mateus, já que o evangelista parecia
considerar o farisaísmo a teologia oficial do judaísmo da época . 6
É difícil dizer se Jesus ou Mateus realmente tinha algum grupo específico em
mente. O mais correto é talvez dizer que o autor visava mais a um tipo de pessoas do
que a um grupo. Mas, ainda que originalmente ele visasse a esse hipotético grupo,
Avaliação do Cura 127
Objetivo Glorificar a Deus, ajudar as pessoas Popularidade, fama, lucro ("lobos roubaclores")
Ê&:d.
. , . ' iS. ' Ni4lPfel4rÇO 0:-, a..4.W.0 4TA-44',4 -0parei6SWEdid4E6'W't
1 e ;da'
. mi.° 9. .,. ,;y
Estilo Serenidade e obediência Oba-oba ("Senhor!
, , Senhor!")
nlr'i è
, ,
Satanás, que opera de forma velada e secreta para alcançar seus propósitos, enquanto o
evangelho é pregado. Em segundo lugar, no clímax da pregação do evangelho, quando
ele se torna amplaniente disponível, Deus retira a restrição de Satanás, que opera abeE
tamente o seu grande engano. Cada um terá a oportunidade de decidir. Finalmente, no
grande confronto final (que o Apocalipse chama de Armagedom), o grande enganador
e os seus seguidores são destruídos e o povo de Deus é vindicado.
O mesmo poder enganador denunciado em Mateus 24 e II Tessalonicenses 2
é também retratado em Apocalipse 13. Aqui João denuncia uma falsa trindade, em
que o dragão parece ser a contrafação do Pai, a besta do mar a contrafação do Filho e
a besta da terra a contrafação do Espírito Santo. O ponto central, em relação a nosso
tópico, é que a besta da terra opera maravilhas e chama atenção para a besta do mar,
assim como o Espírito Santo faz milagres e chama a atenção para Cristo. Tudo faz
parte do projeto de ilusão e sedução do mundo.
Estes mesmos poderes são retratados em Apocalipse 16 como dragão, besta e falso
profeta. Da boca desses poderes saem "três espíritos imundos, semelhantes a rãs", os quais
são "espíritos de demônios, que fazem prodígios" para enganar e reunir os reis da Terra
para a batalha (vs. 13 e 14). Por que "rãs"? Como o pano de fundo de Apocalipse 16 é o
conjunto de pragas que assolou o Egito antes do êxodo, tudo indica que João está traçando
um paralelo com o êxodo. As rãs foram a última contrafação antes do êxodo. João está
dizendo que esse grande engano ocorrerá antes da libertação do povo de Deus.
E importante notar que tudo isso ocorre na época do Armagedorn. A imagem
do Armagedom parece ser tirada do confronto entre Lhas e os profetas de Baal, no
Monte Carmelo. Segundo o Dr. Paulien, a palavra armagedom vem de duas palavras
hebraicas que significam "Montanha de Megido". Megido era uma( cidadezinha per-
to do Monte Carrnelo. Por isso, a Montanha de Megido, na verdade, seria o Monte
Carrnelo. Nesse caso, o Armagedom é uma repetição do confronto entre a verdadeira
e a falsa adoração. Só que agora, por assim dizer, o "fogo" dos falsos milagres cai no
altar errado. A contrafação parecerá verdadeira. Quem confiar em seus sentidos, ou
nas aparências, será enga.nado.
O segredo para avaliar com sucesso um operador de milagres ou um movi-
mento operador de maravilhas, portanto, é ter amor a Deus e à verdade. Quem
busca sinceramente a Deus e segue a Sua revelação não será enganado. Quem rejeita
o evangelho será enganado. Isso se aplica aos crentes em nível pessoal e também às
,
igrejas em nível comorativo.
Noi AS
' Ronald A. N. Kydd., 1-lea4ngThrough the Centuries: »deis for Understanding (Peabody: Hen-
driekson, 1998).
'Ibid., 19; ver também 20-59.
I Col(n Biown, Miracles, 3, 18.
4 Twelftree, Jesus the Miracle Work er, 103.
A VISÃO ADVENTISTA DA CURA
adventistas crêem que ela possuía o legítimo dom profético descrito na Bíblia. Mas
seus escritos não são uma substituição ou acréscimo à Bíblia
Ellen White foi uma escritora prolífica, cobrindo uma enorme variedade de
assuntos. No que diz" respeito diretamente ao nosso tópico (milagres, saúde e cura),
ela escreveu muita coisa A principal visão que marcou seu interesse pela chamada
, "reforma de saúde" ocorreu na noite de 5 de junho de 1863, em Otsego, IVIichigan,
na casa de Aaron Hilliard, dezesseis dias após a organização da Associação Geral
dos Aciventistas do Sétimo Dia Aparentemente, o assunto da "reforma de saúde"
(a qual possui uma conexão religiosa e significa muito mais do que vegetarianismo)
foi a prioridade divina número 3 no conteúdo dos primeiros vinte anos de visões de
132 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
ENFOQUE INSPIRADO
A essência do pensamento de Ellen White sobre vida, saúde, doença, cura e temas
afins pode ser sintetizada nos quinze pontos a seguir. Na biografia da escritora, Douglass
dedica cinco capítulos aos princípios de saúde whiteanos e seus desdobramentos.
1. A vida provém e é dependente de Deus. Jesus é a fonte de vida de que a
nossa vida deriva.
A Visão Adventisto do Cura 133
13. Já que Deus é o Autor tanto da cura espiritual quanto da natureza, deve-se
combinar oração e medicamentos. "Não é uma negação da fé usar os remédios que Deus
proveu para aliviar a dor e ajudar a natureza em sua obra de restauração." 7 Contudo,
as drogas fortes e potencialmente venenosas devem ser evitadas (voltarei ao assunto
mais à frente). Ellen White rejeitou, assim, a filosofia contemporânea da Ciência
Cristã de Mary Baker Eddy (1821-1910), que defende a cura apenas pela oração e o
despertamento espiritual, sem depender de medicamentos e médicos.
14. Deus não faz milagres para preservar de enfermidades aqueles que vivem vio-
lando as leis da saúde e não tentam evitar a doença. Pois, nesse caso, eles raciocinariam
que têm liberdade para continuar transgredindo as leis naturais e espirituais.
15. Os milagres de cura não constituem um indício seguro do favor de Deus,
pois Satanás operará maravilhas para convencer o povo de que ele é Deus. Ele operará
inúmeros milagres para seduzir aqueles que andam em busca desse tipo de prova.
OS PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO
A prevenção das doenças, através de um estilo de vida saudável, deve ser levada
a sério pelos cristãos. Há pelo menos três motivos para isso.
Primeiro, existe uma razão existencial. O bom senso sugere que a pessoa saudável
tem mais chance de ser feliz e obter ,sucesso. Ou seja, ela vive mais e melhor. A própria
. . .
sociabilidade depende, em parte, da saúde.
Segundo, existe uma razão espiritual. O relacionamento com Deus é sensi-
velmente afetado pela condição física, uma vez que a espiritualidade se desenvolve
no corpo, e não fora dele. Devemos valorizar o conceito de que o nosso corpo, em
especial o cérebro (sede da mente), é o templo de Deus (ver Rrn 12:1 e 2; 1Co 3:16;
6:19). Evidentemente, a doença pode ser utilizada por Deus como instrumento de
aperfeiçoamento espiritual, mas isso é exceção. A regra é um corpo saudável servir
de suporte para urna experiência espiritual vigorosa, melhorando a percepção e
ajudando a vencer as tentações.
Terceiro, existe uma razão missiológica. Uma pessoa saudável tem, presumi-
velmente, mais condições de testemunhar do poder do evangelho. Contudo, é outro
ângulo que desejo destacar: o fato de que um corpo forte aumenta a longevidade,
e a longevidade serve de "propaganda religiosa", derrubando barreiras e vencendo
preconceitos. O caso de Israel é típico. A expectativa de vida dos israelitas, embora
estivesse muito longe da média dos antediluvianos, que passava de 900 anos, era mais
alta do que a dos povos vizinhos. Enquanto os israelitas aparentemente viviam em
média 70 a 80 anos (ver SI 90:10), a expectativa de vida das culturas adjacentes girava
em torno de 18 a 25 anos, especialmente por causa das altas taxas de mortalidade
infantil. Evidências arqueológicas sugerem que mesmo pessoas da aristocracia egípcia
frequentemente rnoi-riam por volta de 35 anos. Moisés insistiu que, ao obedecer às
leis de Deus, Israel teria grande longevidade e sucesso — e isso chamaria a atenção dos
outros povos. No caso dos aclventistas, sua longevidade tem chamado a atenção de
autoridades médicas e da mídia.
Mas, se há sólidas razões para investir num estilo de vida saudável, é preciso
paralelamente buscar uma experiência espiritual vigorosa, centralizada em Cristo e
energizada pelo Espírito Santo. A base que sustenta um programa de saúde inclui o
desejo/compromisso de crescer em, espiritualidade e desenvolver o caráter. Não há
mérito em ser apenas um pecador saudável.
Os FATORES PSICOSSOMÁTICOS
Hoje, há uma nova ênfase no ser humano total. A redescoberta do conceito holís-
tico está abrindo as portas para diversos tipos de terapias alternativas. Mas até há pouco
tempo as coisas não eram assim. O conceito dualista separando mente e corpo — o qual
veio dos gregos (especialmente Platão), encontrou eco em Santo Agostinho e ganhou
nova teorização com Descartes -- dominou o pensamento ocidental durante séculos.
138 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
Para René Descartes (1596-1650), o ato de pensar era uma atividade separada do
corpo. Ele escreveu que o "eu, isto é, a alma, pela qual sou o que sou, é inteiramente
distinta do corpo [...] e, ainda que este nada fosse, ela não deixaria de ser tudo o que
é". Por isso, considerava sua famosa afirmação Cogito ergo sum ("Penso, logo existo")
"o primeiro princípio da Fi lo
sofia".' 3
Mas Descartes estava errado, na opinião do conceituado• neurologista Antônio
Damásio e de outros pesquisadores modernos. O erro de Descartes foi "a separação
abissal entre o corpo e a mente, entre a substância corporal, infinitamente divisível,
com volume, com dimensões e com um funcionamento mecânico, por um lado, e a
substância mental, indivisível, sem volume, sem dimensões e intangível". Damásio
— para quem a razão não é tão pura quanto se pensa, nem os sentimentos tão intan-
gíveis quanto se supõe — acredita que "o corpo, tal como é representado no cérebro,
pode constituir o quadro de referência indispensável para os processos neurais que
experienciamos como sendo a mente"»
Joseph LeDoux explica que, embora a concepção funcionalista considere a mente
um mero programa de computador, que poderia "ser rodado em qualquer máquina
(mecânica, eletrônica, biológica)", o mesmo não pode ser dito das emoções, que em
sua maioria envolvem reações físicas. Diz o pesquisador: "Mesmo se a argumentação
funcionalista (de que o hardware é irrelevante) pudesse ser aceita para os aspectos
cognitivos da mente (o que não está claro), ao que parece ela não iria funcionar nos
aspectos emocionais da mente (pois o hardware parece fazer urna grande diferença
quando se trata das emoções)."b
Um computador não pode ser programado para ter emoção, ainda que pudesse
ser programado para se tornar consciente. Resultado: nem o famoso Cogito ergo sum
de Descartes sai incólume, pois só pensamos porque existimos. A atividade cerebral
é dependente da existência corporal. Sendo a pessoa uma unidade indivisível, não dá
para separar suas "partes" sem destruir o todo.
Mas se, com base nas descobertas da neurologia, mais do que nunca a
dicotomia e a tricotomia estão sendo questionadas, isso não é novidade para os
adeptos da visão holística do ser humano. Segundo este conceito, as diferentes
dimensões do ser humano funcionam de forma dinâmica e integrada. A ênfase
está na totalidade. O holismo pressupõe que a pessoa é mais do que a soma de
suas partes, assim como um livro é mais do que papel e tinta, e cada aspecto
afeta o todo.
Os adventistas são adeptos do holisrno, em sua versão judaico-cristã. Ou seja,
vêem o ser humano como uma unidade indivisível, em que todos os aspectos físicos,
mentais e espirituais são integrados e inter-relacionados. Em 1905, muito antes
de surgir a expressão "psiconeuroimunologia" (estudo das interações entre estados
emocionais e a resistência corporal à doenças), Ellen White já falava da influência da
mente sobre o corpo e vice-versa.
A Visão Adventisto do Curo 139
e reprodutividade. Esses três ciitérios, utilizados pela ciência para testar os méritos
de qualquer pesquisa, já estão sendo usados nos Estados Unidos para separar o joio
do trigo nos tratamentos não-convencionais. O quadro 8 contrasta as vantagens e
desvantagens dos dois tipos de medicamentos.
O Dr. Hardinge sintetiza em poucas sentenças seu estudo sobre o que Ellen White
ensinava e praticava quanto a terapias e medicamentos: (1) hábitos não saudáveis de vida
devem ser vencidos prontamente; (2) drogas fortes e venenosas devem ser usadas
raramente; (3) os medicamentos menos nocivos no uso comum devem ser usados com
moderação; (4) os remédios mais simples podem ser empregados livremente; (5) os
remédios naturais devem ser praticados perseverantemente; e (6) a confiança no poder
divino deve ser buscada incessantemente?'
Enquanto a medicina do século 19 tratava o paciente com desrespeito, diagnos-
ticava na base do palpite e usava uma terapia para aliviar os sintomas, Ellen White
defendia uma medicina que tratasse o paciente com respeito (por ser criação de Deus),
diagnosticasse "da causa para o efeito" e que empregasse uma terapia para mudar o
estilo de vida. Hoje, a medicina trata o paciente com respeito, tem um arsenal tec-
nológico formidável para diagnosticar com precisão e visa curar a doença. As coisas,
portanto, melhoraram. Mas ainda falta o foco na mudança do estilo de vida, que é
apenas acidental. Essa é urna tarefa dos médicos adventistas.
Efeitos Podem ser importantes, e não completamente Em relação à maioria das plantas, não existem
secundários e
tóxicos conhecidos até que tenham sido usados ou são pouco importantes, devido à baixa
durante vários anos; pode haver reações concentração dos princípios ativos.
alérgicas perigosas.
Risco de criar É maior quanto mais purificada for a A planta em estado natural, mesmo no caso das
dependência substância ativa. Por exemplo, a morfina estupefacientes, é menos perigosa do que o
(princípio ativo isolado) é muito mais princípio ativo purificado. As plantas sedativas
perigosa do que o ópio (substância natural), suaves não criam dependência, ao contrário dos
e a heroína (derivado químico da morfina) é tranqüilizantes químicos.
ainda mais tóxica e viciante.
Quadro 8: Plantas medicinais x medicamentos sintéticos'
144 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
todos ocultistas. Finalmente, as coisas podem sei falsas e somente aparentar que funcionam
Inúmeros tratamentos holísticos parecem a princípio dar certo com base em seus princípios
declarados, mas na realidade funcionam apenas por razões ligadas à psicologia humana (o
efeito placebo) ou ao elemento tempo (capacidade natural de cura do corpo)?
--
Estilo de Vida Botânica Manipulação/Massagem Mente sobre o Espírito
O método terapêutico não deve ser adotado apenas com base no resultado,
porque coisas funcionais podem ter fontes malignas. De fato, o Dr. Warren Peters,
da Universidade de Lorna Linda, acredita que o movimento médico chamado 'saúde
holística' é parte do plano-mestre de Satanás para capturar pessoas despercebidas,
embora bem-intencionadas". Para ele, a atual onda de interesse na saúde holística é
a repetição de um padrão histórico, só que com uma nova roupagem: declínio reli-
gioso, desenvolvimento do materialismo (alimentado pela ciência), desilusão com as
promessas do materialismo e da ciência, busca de respostas na espiritualidade.26
146 o FASCÍNIO DOS MILAGRES
1. Tem [a terapia] uma cosmovisão teísta bíblica? Se a terapia (ou remédio) é derivada
da medicina tradicional chinesa ou da medicina ayurvédica, ou tem qualquer coisa
a ver com as chamadas "energias universais", como Chi, Qi, Ki (Yin e Yang), prana,
mana, etc., esteja seguro de que essas terapias e remédios não são baseados numa
cosmovisão teística bíblica. -
2. Aplique a filosofia adventista de saúde à terapia ou remédio. O praticante considera
a si mesmo um co-obreiro com o Grande Médico, Jesus Cristo?
3. As terapias funcionam de acordo com as funções anatômicas e fisiológicas do
corpo humano?
4. Um estado alterado de consciência e meditação do ripo introspectivo (como medi-
tação oriental, yoga ou meditação transcendental) são parte da terapia? É a imaginação
ou visualização uma parte da terapia?
5. Os praticantes têm credibilidade? [...] Estão eles envolvidos em parapsicologia
ou astrologia?
6. Eles atuam fora de um centro de bem-estar holístico da Nova Era? [...]
7. Que outras terapias são oferecidas e praticadas pelo profissional? [...I
8. Ervas deveriam ser utilizadas com suficiente compreensão de seu valor medicinal,
' de forma moderada e quando possível, emseu estado natural. [...]
9. Qualquer terapia que tenha a ver com "adivinhação", seja [—I uso do pêndulo ou
cinesiologia aplicada, é veementemente condenada na Bíblia (Dt 18:9-14).
10. Qualquer terapia que tenha a ver com [poder] psíquico, vidência ou leitura de
sorte, como quiromancia [...1 ou leitura de sinais astrológicos, é condenada na Bíblia
(Dt 189-14).
11. As terapias de massagem da Nova Era, com exceção do shiatsu (que é baseado
nos pontos da acupuntura), usam a técnica "centrífuga", que alegam mover a energia
vital do centro do corpo para as extremidades e algumas vezes para fora do corpo. As
A Visão Adventista da Cura 147
formas de massagem mais aceitáveis são aquelas que empregam a técnica "centrípeta",
que trabalha com o sistema circulatório no sentido de promover a boa circulação do
sangue das extremidades para o coração, onde é purificado e recirculaelo?
Esses critérios podem parecer radicais para alguns médicos, mas não deixam de
ser um referencial objetivo no que diz respeito à cosmovisão em que se baseiam essas
terapias. O cristão, médico ou não, deve evitar todo terreno onde Satanás possa ter
semeado a semente do mal. -
MINISTÉRIO DE ORAÇÃO
Austrália, também era contra a oração incondicional, e a favor dos recursos médicos
combinados com a oração de fé. Essas experiências parecem ter ajudado a esfriar o
entusiasmo pentecostal adventista.
2. Fuga das contrafações. Elien White escreveu:
,
A maneira por que Cristo trabalhava era pregar a Palavra, e aliviar o sofrimento p or
obras miraculosas de cura. Estou, porém, instruída de que não podemos agora trabalhar
dessa maneira, pois Satanás exercera seu poder pela operação de milagres. Os servos
de Deus hoje não poderiam trabalhar mediante milagres, pois espúrias obras de cura,
pretendendo ser divina[s], serão operadas. 29
Por sua relevância, essa declaração clássica também pode ter ajudado a definir
a postura adventista quanto à cura divina. O mesmo talvez pode ser dito dos textos
bíblicos advertindo contra os falsos profetas. Porém, será que uma superênfase no
discernimento não tem gerado a negligência da busca do genuíno poder miraculoso
em nosso meio? O temor do que o diabo pode fazer não deveria condicionar a maneira
de ver o que Deus quer e pode fazer.
3. Ênfase no dever de fizer a nossa parte. A Enciclopédia Adventista esclarece que
os adventistas crêem que a promessa de Tiago 5:14 e 15 (sobre cura divina) continua
válida e que curas milagrosas ainda acoptecem, mas ressalva que eles "crêem também
no princípio conhecido como 'a economia do milagre' -- que, pelo menos sob circuns-
tancias comuns, Deus não emprega meios sobrenaturais para efetuar o que o próprio
homem pode conseguir por meios naturais sob seu comando» 3()
David Larson vê inclusive, alguns "perigos morais" nos milagres. Segundo ele,
os milagres podem, entre outras coisas: (1) incentivar-nos a evitar a responsabilidade
pessoal; (2) viciar-nos no exótico e no espetacular; (3) frustar a busca de maior conhe-
cimento; (4) levar a explorar os vulneráveis; (5) distrair-nos das muitas maneiras pelas
quais Deus nos agracia a cada momento; (6) tolher a liberdade pessoal; (7) transformar
a oração numa experiência pontual. 31
Essa posição parece incontestável, mas, levada a extremos, pode relegar a busca do
milagre a segundo plano. Em parte, isso pode ter acontecido na Igreja Adventista.
4. Sucesso do sistema adventista de saúde. Os adventistas se tornaram conhecidos,
em grande parte, graças a suas iniciativas na área de saúde/temperança. Os escritos de
Ellen White, o Sanatório de Battle Creek (cujo paciente de n° 100 mil foi o ex-presi-
dente americano William Howard Taft), a fama de cirurgião habilíssimo do Dr. John
Harvey Kellogg, as dezenas de hospitais e clínicas ao redor do mundo, a revista Vida
e Saúde e suas congêneres, o Plano para Deixar de Fumar em Cinco Dias (criado em
1959), o filme Um em 20.000 (visto por um público estimado em mais de 75 milhões),
as fábricas de alimentos naturais, a Universidade de Lorna Linda e o seu legado. Tudo
isso fala de uma história de sucesso na área de saúde, contribuindo para conquistar a
liderança adventista e diminuir, na prática, o espaço da cura divina pela oração.
A Visão Adventisto da Curo 149
Cariszaafobta Carismafinidade
Medo de parecer com os carismáticos, uma vez Reconhecimento honesto de que a teologia
que usam extensamente a oração para a cura. adventista tem vários pontos em comum
com a teologia pentecostal.
Pessoal Princípio
Muitas pessoas observam demais a integridade da O principio bíblico é que a oração em nome de
pessoa por quem vão orar se estão fazendo Jesus tem algum efeito; não precisamos aceitar
isso ou aquilo. a teologia de uma pessoa ou concordar com a sua
ética para orar por ela.
Passo 2: Leitura. Após uma palavra de saudação, um dos anciãos deve ler a pas
sagem de Tiago 5:13-18.
Passo 3: Indagação. Um dos anciãos, de maneira breve e gentil, pergunta se c
doente entende o significado da passagem, a natureza da doença e se ele acertou as
coisas com Deus e seus semelhantes, incluindo confissão e reconciliação. Ele devet ia
ser indagado se sente que o Espírito Santo está dirigindo o serviço e se crê que a
vontade de Deus deve prevalecer.
Passo 4: Unção e oração. O doente é então ungido com óleo, enquanto os anciãos
impõem as mãos sobre ele e um dos anciãos ora.
Qualquer que seja o modelo 'adotado ou criado, os seguintes pontos parecem
importantes na oração de cura:
1. Sempre demonstrar compaixão, amor e aceitação. A compaixão fazia parte
das curas de Jesus (ver Mc 1:41).
2. Procurar discernir claramente qual é a natureza do problema. Diferentes tipos
de doenças (espirituais, emocionais, físicas) exigem diferentes tipos de oração.
3. Incentivar a pessoa a confessar seus erros a Deus e, se for o caso, à igreja.
"Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros, para serdes
curados", aconselha Tiago (5:16). A confissão, acompanhada do perdão, pode ser uma
experiência sanaclora, assim como as más relações podem gerar conflitos e doenças.
Ninguém, contudo, deveria ser exposto de forma humilhante.
4. Ressaltar o amor e a disposição de Deus para perdoar te curar. Isso pode ser
feito mediante a leitura de textos bíblicos relacionados com a cura (Êx 1 5:26; Is 53:4
e 5; SI 1033; Tg 5:14 e 15).
5. Orar em equipe (Tiago menciona os "presbíteros", no plural), num ambiente
agradável. O momento emocional pode ajudar a fortalecer a fé do doente.
6. Orar com calma e profunda confiança, sem emocionalismo ou palavras má-
gicas. Não é o barulho que cura, mas sim o poder divino.
7. Ungir com óleo e impor as mãos (Tg 5:14; Mc 16:18). O simbolismo destes
recursos bíblicos recomenda-os por si mesmo.
8. Não impor condições ou tentar chantagear Deus. A fé madura permite que
Deus faça a Sua vontade. Isso não significa, porém, ficar frisando as condições da cura,
de modo que se tornem um obstáculo à fé.
9. Incentivar o uso paralelo de agentes naturais e medicamentos. Deus é também
o autor da natureza.
10. Sugerir mudanças nos hábitos errôneos, quando for o caso, mas sem trans-
formar o erro pessoal passado num obstáculo à cura. Jesus não fazia um interrogatório
ao doente antes de curá-lo.
11. Se ocorrer a cura, incentivar o testemunho e a gratidão pela bênção obtida; se não
ocorrer, manter a confiança e incentivar a continuidade na oração. Continuar a orar inde-
pendentemente dos resultados é uma expressão de confiança na bondade de Deus.
A Visão Adventista da Cura 153
re-humanização). 39
Embora Deus possa curar em condições adversas, o agente humano deve coope-
rar, pois, em condições adequadas, o paciente se abre mais facilmente à cura. Buscar
o poder do Espírito, a cada momento, é o caminho mais seguro para desenvolver
um abençoado ministério de oração pelos doentes. Devemos pedir o poder do
Espirito e, comprometidos, unidos e abertos à experiência, recebê-lo e usá-lo para
abençoar o mundo.
154 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
NOTAS
Don S. McMahon, Acquired or Inspired? Expl oring the Ori gins afilie Adventzst Lifestyle (Warburton,
Austrália: Signs, 2005). Ver também Leonard Brand e Dou S. McMahon, The Prophet and her Cri tia:
A Striking New Analysis Refletes the Charges that Ellen G'. White aBorrowed» the Health Message (Nampa,
1D: Pacific Press, 2005), 53-79. ,
Herbert E. Douglass, Mensageira do Sen8r (Tatuf, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 320.
3 Ibid., 336.
'George R Knight, Ellen White1Wórld (Hagféfftoven, MD: Review and Herald, 1998), 141-144.
Ellen G. Whitc, A Ciência do Bom Vitia-; 4. ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
1990), 113.
Ibid., 234.
' Ibid., 232.
Ibid., 127.
Uma das melhores análises desses estudos fcti feita pelo Dr. Gary E. Fraser, no livro Diet, Life
Expectancy, and Chronic Disease: Studies of Seventh-day Adirehtists and Other Vegetarians (Nova York:
dxford University Press, 2003).
Melvin Pollner, "Divine Relations, Social Relations, and Well-Being", Journal of Health and
Social Behávior 30 (1989): 92-104.
D. A. Marthews e Connie Clark, The Faith Factor: Proof of the Healing Power of Prayer (Nova
York: Penguin, 1998), 42-52.
12 Ibid., 52.
R Rene Descartes, Discurso do Mtitádo, em Descartes, Os Pensadores, 4' ed. (São Paulo: Nova
Cultural, 1987), 47, 46.
• ' 4 António R. Damásio, O Erro de DescaRtes, Fófum dá Ciência, 5' ed. (Mein Martins, Portugal:
Publicaçôes Europa-América, 1995), J.55, 14, 16, á.
15 Joseph LeDoux, O Cérebro Emocional Cajá de Janeiro: Objetiva, 1998), 37 e 38.
16 Nortnan Cousins, A Força Ctikadora tia Mente (São Paulo: Saraiva, 1993), 46.
12 Ver Allan Luks, The Healing Power of boing Good (Nova York:13allantine, 1993).
1"Ellen G. White, Mensagens EscolhidaS,5d ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001[CD-
Rom]), 2:450,454.
' 9 Mervyn G. Hardinge, A Physician Explams Ellen WItite's Counsel on Drugs, Herbs, & Natural
Rernedies (Hagerstowii, MD: Review and Herald, 2001), 21.
2"Ibid., 196, itálico no original.
"Adaptado de Jorge D. Pamplona Roger, Enciclopedia de las Plantas Medicina/es (Madri: Editorial
Safeliz, 1996), 1:111.
Richard Gordon, A Assustadora História da Medicina (Rio de Janeiro: Ediouro, 1996), 171.
11 Ellen G. White, Mente, Caráter e Personalidade (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1989),
2:701,711720; 1:19.
John Ankerberg e John Weldon, Os Fatos Sobre Saúde Holística e a Nova Medicina (Porto Alegre:
Chamada da Meia Noite, 1995), 8, negrito mudado para itálico.
2 Extraído de Claudia Wallis, "Why New Age Medicine Is Catching Orf, Time, 4 de no-
vembro de 1991, 72. _
26 Warren R. Peters, Mystical Medicirze (Brush tom NY: Teach Services, 1995), 4 e 9.
• " Manuel Vasquez, "New Age Holistic Healch: lmplications for Seventh-day Adventist Faith and
Practice" (tese de D.Min., Andrews University, 1996), 138-140.
221 Arthur L. White, Ellen Wh ite: The Early Years (Washington, DC: Review and Herald,
1981), 292-293.
29 White, Mensagens Escolhidas, 2:54.
A Visão Adventisto da Curo 1 55
30 Seventh-day Ackentist Encyclopedia, ed. Don E Neufeld, ed. rev. (Washington, DC: Review and
Herald, 1976), s. v. "Healing, Faith".
3 ' David Larson, "The Moral Danger of Mirados", Spectrum 18 (1988): 13-18.
" Jon Dybdahl, "Should We Pray for the Sick?", em The Master's Healing Touch, ed. _James Za-
ckrison (Hagerstown, MD: Review and Herald, 1997), 30-32.
31 Adaptado de Dybdahl, 32-38.
3 ^ Richard J. Foster, Oração: O Refúgio da Alma, 2 .' ed. (Campinas, SP: Editora Cristã Unida,
1996), 236-241.
" Ibid., 129, 230-235.
• 36 Erank Bateman Stanger, God's HealingCommuni5, (Nappanee, ID: Francis Asbury, 2000), 63-72.
" Herbert Kiesler, "The Anoinring Service", documento disponível no Biblical Researchlnstitute,
12501 Old Columbia Pike, Silver Spring, Maryland, 20904, USA. Na Internet: <http://biblicalresearch.
gc.adventist.org/documents/anointingservice.htm >.
Stuart C. Bate, "Does Religious Healing Work?", Neue Zeitschrifi für Missionswissenschafi 55
(1999): 268-270.
:39 Ibid., 272-274.
I. o
A cura vení de Deus. Não existe outra fonte de saúde e cura a não ser Deus. Essa
é uma idéia central na Bíblia. Porém, a Bíblia apresenta um poderoso e belo símbolo
da origem da cura divina: a árvore da vida. Ao mesmo tempo, apresenta uma palavra
que sintetiza e expressa o resultado da cura: shalom.
A ÁRVORE DA VIDA
A árvore da vida (no Éden), segundo Ellen White, "era um tipo da grande Fonte
da imortalidade" (Custo) e seu fruto "possuía virtude sobrenatural". O pecado fechou
o acesso a essa árvore e, agora, "vida e imortalidade são trazidas à luz mediante Jesus
Cristo") O que a Bíblia tem a dizer sobre esse "tipo" ou símbolo?
Bem no início do Gênesis, lemos que havia uma "árvore da vida" no Jardim do
Éden (Gn 2:9). Após a queda, o ser humano foi proibido de ter acesso a essa árvore,
pois continuar comendo do seu fruto miraculoso significaria viver eternamente na
condição de pecado (Gn 3:22-24). Note-se que, no relato de Gênesis 2, a árvore da
vida é a primeira coisa a aparecer após a criação do ser humano (v. 9), como fonte de
nutrição e saúde, e, no capítulo 3, é a última coisa a sair de cena após a queda (v. 24),
com os querubins sendo comissionados a guardar o caminho de acesso a ela.
No Apocalipse, a mesma árvore da vida" é situada na Nova Jerusalém. Com a
restauração de todas as coisas, o acesso à árvore da vida, "que se encontra no paraíso
de Deus", será liberado ao "vencedor", e o fruto mensal e as folhas da árvore servirão
de "cura dos povos" (Ap 2:7; 22:2, 14 e 19; ver Ez 47:12).
Estariam os autores bíblicos falando de uma árvore real? A existência de uma
árvore desse tipo pode parecer inicialmente incrível, mas, para quem é cristão e está
informado sobre as pesquisas no campo da nutrição e da farmacologia, a idéia não é
158 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
tão estranha. O interesse pelas propriedades medicinais das plantas torna-se cada vez
maior. Há algum tempo, numa matéria de capa, a revista Time abordou a questão
da "pirataria genética". 2 O problema gira em torno de três pontos: (1) os cientistas
reconhecem que as florestas podem encerrar as drogas milagrosas do futuro; (2) as
multinacionais têm interesse em pesquisar e patentear, esse tesouro; (3) os países
emergentes, onde está localizada a maior parte das florestas tropicais, começam a se
sentir roubados, pois a pirataria genética tem sido facilmente praticada. Contudo,
quem é o proprietário da natureza? A conclusão é que, se os países pobres fecharem
seus depósitos de genes, a ciência se atrasará e todos vão sofrer; mas, enquanto não
houver leis e salvaguardas adequadas, as tribos afastadas desses países fazem bem em
guardar seus segredos para si mesmas.
Enquanto isso, em alguns países, incluindo o Brasil, esse resouro biológico vai
sendo destruído pelas queimadas e a extração de madeira. Se as florestas tropicais fos-
sem preservadas, os governos poderiam trocar os "tostões" obtidos atualmente com a
venda de madeira pelos "bilhões" que virão da biodiversidade no futuro. A invenção
do computador abriu um novo e imenso horizonte nas pesquisas de medicamentos,
contidos na flora, uma vez que toda tecnologia revolucionária tem um impacto na
maneira de investigar a natureza. O computador, com sua capacidade de transformar
o contínuo da natureza em fragmentos de informação, pode permitir a construção de
modelos de funcionamento dos processos naturais.
Todos os seres vivos contêm um grande número de informações, e as plantas encerram
muitos princípios curativos Calcula-se que um quarto (ou 25%) de todas as drogas medi-
cinais vendidas nos Estados Unidos seja extraído de plantas. Em 1984, os consumidores
americanos já gastavam 12 bilhões de dólares nesses produtos farmacêuticos. Trata-se de
um lucro obtido de menos de 50 entre milhões de plantas. Apenas na Amazônia existem
supostas 80 mil espécies de plantas superiores
Voltemos à árvore da vida. Não é razoável supor que, assim como existem
elementos curadores espalhados em vários tipos de plantas, Deus poderia ter con-
centrado numa única árvore todos os elementos essenciais à vida? A assombrosa
idade de quase mil anos que o Gênesis atribui a Adão (930 anos) e a outros perso-
nagens pré-diluvianos (ver Gn 5), mesmo depois da queda, deve ser encarada como
resquício da vitalidade do Éden.
Mas, embora a árvore da vida deva ser considerada como literal, os elementos
da vida não são originais dela. A vida foi concentrada nessa árvore, assim como
no "rio da água da vida" (Ap 22:1), por Deus. A árvore da vida era apenas um
tipo da Fonte da imortalidade. Um tipo é mais do que um símbolo, mas é menos
do que ,a realidade. O tipo tern um valor conferido; a realidade tem um valor
inerente. Se a árvore era, é e será real, ela não era, não é e não será a origem da
vida. A origem, a fonte, é o próprio Deus. "Eu sou [...1 a vida", disse Jesus (Jo
14:6), que também usou as metáforas da água e do pão da vida para falar de Si
Metáforas da Cura Total 1 59
A arte cristã primitiva indica uma relação muito próxima entre a árvore da vida e a
cruz. A cruz de Cristo, o madeiro de sofrimento e morte, é para os cristãos a árvore
da vida. Nas pinturas das catacumbas do segundo século, ela aparece, pela primeira
vez, como o símbolo da vitória sobre a morte. E a partir daí será uni tema recorrente.
A idéia de que do tronco vivo da cruz brotam folhas e rebentos é um motivo cristão
comum na antiguidade.'
o simbolismo de Cristo como árvore cósmica como uma metáfora visual concreta
para falar da revelação de Deus na criação, reconectar o ser humano à natureza e
nutrir atitudes ambientalistas positivas --- diz que a árvore da vida, ou árvore cós-
mica, "representa urna filosofia esotérica comum a muitas culturas e mitologias"»
Simon Scharna comenta que, se o cristianismo tivesse sido "inflexivelmente ascéti-
co" e "negado a si mesmo a irresistível analogia entre o ciclo vegetal e a teologia do
sacrifício e imortalidade'', ele "teria sido único entre as religiões do mundo em sua
rejeição do simbolismo arbóreo" — pois em todos os outros cultos árvores sagradas
funcionavam como "símbolos de renovação")
Um antigo texto místico/cabalístico intitulado Sefer ha Bahzr (Livro da Ilumina-
ção), atribuído ao rabino Nehuniah Ben Ha-Kana (primeiro século d.C.), apresenta
uma passagem contendo o motivo da árvore cósmica Helena, mãe do imperador
romano Constantino, promoveu uma "cruzada" em busca da cruz, pois se acreditava
que esta possuía podeles especiais, por ter sido feita da madeirada árvore da vida, "o
protótipo de todas as plantas miraculosas que trazem os mortos à vida, cura os doen-
tes, restaura a juventude, e assim por diante"! Na Idade Média, a "lenda dourada"
também associava literalmente a árvore da vida (visualizada como a maior árvore no
meio do paraíso) com a madeira da santa cruz. A representação pictórica da árvore
da vida e da história da santa cruz era especialmente significativa nos conventos da
ordem franciscana. "Nenhum dos dois temas foi uma invenção franciscana", diz Rab
Hatfield, "mas somos tentados a pensar que ambos se tornaram propriedade espiritual
daquela ordem ." 8 Sin-ion Schama afirma que, entre 1550 e 1650, por força da Con-
tia-Reforma, "uma grande floresta de árvores sagradas e cruzes verdejantes brotou em
igrejas, capelas e santuários de beira de estrada '. 9
Entre a galeria de obras de arte em torno do tema da cruz verdejante, há um
formidável afresco intitulado A Árvore da Vida (ou A Árvore da Cruz), pintado no
século 14 por /acide° Gaddi no refeitório de Santa Croce, em Florença. O artista
apresenta Cristo pregado em urna cruz/árvore com doze "galhos" (representando os
apóstolos), cada um carregado com os frutos do evangelho (inscrições em latim),
e São Francisco abraçando o tronco da árvore-cruz. Outra bela obra intitulada
Cristo na Árvore da Vida, a qual mostra Cristo pregado numa macieira com frutas
e Maria sob a sombra da cruz viva, foi pintada em 1610 pelo grande humanista
holandês Hendrik Goltzius.
O motivo da árvore da vida, então, tem uma vasta história e um amplo espectro
de significações. Mas , as interpretações fora do padrão bíblico não devem levar-nos
a descartar essa rica imagem, mesmo porque Isaías apresenta o Messias como uma
irvore (Is 11:1) e o próprio Cristo Se identificou como a "videira verdadeira" (Jo
15:1). Eliminando os elementos místicos e esotéricos do símbolo, ainda testa um
ignificativo conteúdo. Comentando a ligação entre a árvore da vida e a cruz, marna
eflexão teológica interessante, o teólogo Enio Mueller escreve:
Metáforas da Cura Total
61
O que mais me impressiona nessa associação, e nisso também vejo sua correção teológica
e aguda relevância para os nossos dias, é o método de percepção. A árvore da vida é
árvore, a cruz é árvore. Porém uma é árvore viva, outra é lenho seco (cfLc 23:31!). Uma
é testemunho ecológico, viçosa, exuberante. A outra é também testemunho ecológico,
mas ao reverso: é árvore derrubada à força, violentada, morta e depois usada para o fim
mais vergonhoso que se possa imaginar. A cruz é árvore da vida sub specie contraria, na
linguagem da teologia medieval. E isso é o que chamo de método de percepção»
Para ele, seria "sugestivo imaginar que à medida em que gotas de sangue vão
pingando sobre aquela árvore morta, ela, por uma química que transcende tudo que
se conhece, vai revivendo". Em seguida, ele pondera que essa "árvore" cresce rumo ao
céu, aprofunda-se rumo ao âmago da terra, estende-se para a direita e para a esquerda,
e transforma - se no centro do planeta. Então, completa:
Figura 3: A cruz como elo de ligação (ou ponte) entre a vida no Éden e na Nova Jerusalém
162 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
SHALOM
Shalom, portanto, simboliza a saúde total do ser humano que, além de estar bem
consigo mesmo, possui um relacionamento ideal com Deus. Só no ambiente da Nova
Jerusalém, com o acesso livre à árvore da vida, o ser humano desfrutará shalom em sua
plenitude; mas, mesmo aqui, é possível ter shalom, uma yez que Cristo, a Fonte da
Vida, é "a nossa paz" (Ef 2:14). Jesus é a fonte de nossa saúde, integridade, equilíbrio,
harmonia, paz, enfim, da nossa vida.
NOTAS
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233, 234.
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mente em 1958), 292.
8 Rab Hatfield, "The Tree of Life and the Holy Cross: Franciscan Spiritualiry in the Trecento
and the Quattrocento", em Christittní and the Renaissance: Image and Reltgiotis Imagination in the
Quattrocenw, ed. Timothy Verdon e John Henderson (Nova York: Syracuse University Press, 1990),
132-160, aqui 133.
Schama, 223.
O
Ênio R. Mueller, "Em Busca da Árvore da Vida — Ou a Última Aventura de Indiana Jones",
Vox Scripturae 4 (1994): 172.
Ibid., 174.
12 Schama, 219.
Deepak Chopr-a, A Cura Quântica: O Poder da Mente e da Consciência na Busca da Saúde Integral,
14' ed. (São Paulo Bar Seller-, s.d.), 285.
CONCLUSÃO
Vimos uma série de conceitos ao longo deste livro, alguns familiares e outros
nem tanto. Ao final de nossa caminhada, talvez seja útil colocar alguns desses
conceitos juntos.
Os milagres, que fazem parte virtualmente de todas as tradições religiosas,
estão muito presentes na Bíblia. Os autores bíblicos usam várias palavras para
expressar a idéia de "milagre", tanto no hebraico quanto no grego, enfatizando
desde o mero teras ("prodígio") até o significativo serneion ("sinal"). Do ponto de
vista teológico, o milagre pode ser definido como um ato especial de Deus dentro
da ordem criada e mantida por Ele, para realizar Seus desígnios, o qual tem um
significado religioso. O milagre é um fenômeno provocado por um Poder superior
às leis naturais, mas não contrário a elas.
A lógica do milagre é a lógica do amor, do poder e da inteligência: a lógica de
Deus. Milagre é iniciativa divina. Deus está acima de tudo. Logo, o milagre faz parte
das regras do jogo. A cosmovisão dos autores bíblicos é teísta. Os milagres existem
porque existe um Deus miraculoso.
Os milagres têm sido criticados em várias frentes. Por exemplo, o filósofo
judeu-holandês 13aruch Espinosa argumentou que é impossível haver milagres, o
escocês David Hume tentou provar que eles são inacreditáveis e o alemão Rudolf
Bultmann classificou-os como mitos. Esses argumentos não conseguiram negar a
possibilidade teórica dos milagres.
A crença em milagres depende, essencialmente, da cosmovisão adotada. O te-
ísmo judaico-cristão não apenas prevê a possibilidade de acontecerem milagres, mas
considera a sua ocorrência altamente provável. A criação do mundo e a ressurreição
de Cristo são os milagres-âncoras, pois, além de serem milagres por excelência, au-
tenticam os outros milagres e apontam para o seu Agente: um Deus pessoal sábio,
poderoso e amoroso.
166 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
Os milagres têm funções multifacetadas. Eles não devem ser encarados apenas
corno elementos comprovadores e acreditadores da fé ou de uma pessoa. Todo milagre
tem um significado mais profundo. A dimensão mais rica do milagre está no seu enfo-
que como sinal, quando a pessoa, pela fé, vê o significado por trás da maravilha. Mas
a dimensão "semiótica" do milagre não anula a sua factualidade. Para ser percebido
como sinal, o milagre deve ser real e visível.
Os dons miraculosos não se restringiam à época da fundação da igreja. A teo-
ria "cessacionista" nasceu na época da Reforma (século 16) para negar os inúmeros
"milagres" reivindicados pelo cristianismo oficial e corrupto da época. Uma teologia
bastante sofisticada sobre a cessação dos dons miraculosos foi desenvolvida nos séculos
seguintes, destacando o papel único dos apóstolos. Contudo, por mais méritos que
essa teologia tenha, seus argumentos não eliminam a validade dos dons miraculosos
na atualidade. Sua estrutura teológica restringindo a categoria do miraculoso a uma
época passada é artificial, para dizer o mínimo. Os milagres não devem ser vistos
apenas por uma perspectiva evidencialista.
O movimento liderado pelos pentecostais e carismáticos defende que os dons
têm um papel importante na missão evangelizadora da igreja e continuam disponíveis.
A teoria "carismática" tem pontos relevantes, mas também não leva em conta todos os
dados bíblicos. Uma ênfase exagerada no sobrenatural está transformando o milagre
numa moeda fácil e altamente comercializada no mercado da fé.
Assim, uma terceira abordagem, combinando aspectos das duas anteriores, pro-
põe uma visão "ondulatória" dos milagres (não no sentido dispensacional). Chamado
de abordagem cíclica contínua, este modelo pressupõe a validade dos dons miraculosos
hoje e a ocorrência de milagres em todas as épocas, mas não na mesma quantidade
dos períodos de concentração.
A abordagem cíclica contínua prevê que, pouco antes da volta de Cristo, acon-
tecerá um novo ciclo de milagres. Momentos especiais exigem atuações especiais.
O movimento• pentecostal/carismático, biblicamente, não corresponde a esse ciclo.
Isso não significa que todos os seus milagres sejam questionáveis. Curas reais podem
estar acontecendo, embora não na proporção ou qualidade divulgada. Além disso, é
bom lembrar que os crentes normalmente crêem nos milagres que divulgam (não se
trata de fraude deliberada), o que não garante que os fenômenos sejam reais. Esses
movimentos estão, talvez, contribuindo para uma mudança de paradigma, o que
preparará o mundo para o último grande ciclo de milagres através do remanescente
fiel. O problema é que muita gente pode se maravilhar com o miraculoso e esquecer
a verdade bíblica, sendo enganada por Satanás.
Num estudo teológico sobre os milagres, é preciso levar em consideração todos
os dados bíblicos, para não haver distorção. Deve-se ter uma visão coerente sobre a
atuação de Deus no cosmos, o alcance do• plano da salvação e o papel do Espírito
Santo na história da igreja. Uma visão escatológica na perspectiva do já/ainda não,
Conclusão 1 67
errar por enfocar demais a cura divina em detrimento cia medicina, mas é também
possível errar por focalizar muito a medicina em detrimento da cura divina.
Há pelo menos cinco razões práticas ou históricas para a mudança de postura
da igreja: (1) medo do 'fanatismo; (2) fuga das contrafações; (3) ênfase no dever de
fazer a nossa parte; (4) sucesso do sistema adventista de saúde; e (5) intelectualização
da fé. Mas existem sólidas razões para investir mais nas orações para a cura divina
— entre elas, o fato de que o dom de cura é bíblico, o mundo é um vasto hospital e o
evangelismo é mais efetivo quando acompanhado por testemunhos de milagres.
- Nas últimas décadas, para o bem ou para o mal, tem havido uma acentuàda
inclinação dentro do cristianismo na direção do uso total dos dons espirituais, bem
como um movimento no mundo cristão e secular na direção da cura integral, envol-
vendo os aspectos físicos', mentais e espirituais. Algumas igrejas já perceberam isso, e
procuram seguir a onda, embora às vezes com distorções teológicas e experienciais. A
Igreja Adventista; que historicamente defende ambos os conceitos (dons e cura total),
deve também aproveitar essas ênfases.
Cedo ou tarde, a interação da igreja com as tendências mundiais acaba ocor-
rendo. Sem dúvida, as religiões e as igrejas influenciam umas às outras na teologia e
na expertencta. Seria a Igreja Advennsta uma exceção? É um contra-senso pensar que
podemos/devemos influenciar sem ser influenciados. A influência ocorreu no passado
e continuará ocorrendo. As mudanças são inevitáveis. Não há como controlar esse
fenômeno a menos que a igreja deixe o cenário da vida real e se isole do mundo. A
atitude sensata, portanto, é observar as mudanças que estão acontecendo e procurar
capitalizá-las de modo legítimo e positivo. .
A Igreja Adventista precisa incentivar mais a expressão de todos os dons. O
dom de profecia foi e é uma bênção inestimável para a igreja e, sem exagerar, para o
mundo. Mas é preciso não apagar o Espirito. Assim como pode haver umainstitu-
cionalização, através do White E,state e seus centros associados, do dom de profecia
manifestado em Ellen White, poderia também ocorrer uma institucionalização do
dom de cura através da obra médica. Do ponto de vista organizacional, esse proce-
dimento seria mais seguro. Evitaria surpresas e o imprevisível; facilitaria o controle
e o domínio. Mas seria o plano de Deus? A longo prazo, ele fossiliza ou revitaliza a
igreja? Seria saudável a igreja solidificar ainda mais a sua estrutura institucional em
vez de caminhar em outras direções?
Parece que, desde os tempos bíblicos, o bloco institucional e o bloco carismático
dentre o povo de Deus convivem em tensão. De um lado, sacerdotes, reis e líderes
eclesiásticos desejam manter o status que; de outro, juízes, profetas e líderes carismáticos
clamam por mudanças e renovação. Na superfície, eles são mutuamente exclusivos.
Porém, no fundo, os dois grupos têm o seu papel, desde que não impeçam a atuação
do Espírito, e devem atuar de modo mutuamente complementar. Não é uma questão
de este-ou-aquele, mas de ambos.
170 O FASCÍNIO DOS MILAGRES ,
• Mateus 10:1: "Tendo chamado os Seus doze discípulos, deu-lhes Jesus auto-
ridade sobre o espíritos imundos para os expelir, e para curar toda sorte de doenças
e enfermidades."
• Marcos 6:7: "Chamou Jesus os doze e passou a enviá-los de dois em dois,
dando-lhes autoridade sobre os espíritos imundos."
• Lucas 9:1: "Tendo Jesus convocado os doze, deu-lhes poder e autoridade sobre
todos os demônios, e para efetuarem curas."
Evidentemente, essa preocupação de Jesus com os doentes não acabou no pri-
meiro século, nem Se esgotaram o Seu poder e a Sua autoridade, tampouco findaram
os dons miraculosos. A Grande Comissão, em Mateus 28:18-20 e seu paralelo em
Marcos 16:15-20, aparentemente não exclui o comando anterior para curar, mesmo
porque os apóstolos continuaram pregando e curando.
Estudos mostram que o cristianismo primitivo tinha um interesse maior pelo
assunto da doença e da cura do que as religiões rivais da época. Além de ser evidente
nos evangelhos, esse nível de interesse se reflete nos documentos cristãos do segundo
ao quarto século.' Utilizando uma abordagem interdisciplinar, Hector Avalos sugere
que o sistema de saúde promovido pelo cristianismo era mais eficaz em termos de
custo, acesso e resultado do que os outros sistemas. Mais simples (até por pregar a fé
em um único Deus curador), o sistema cristão oferecia uma alternativa real à com-
plexa e lucrativa indústria médica daquele tempo. Isso tornava a nova religião atrativa
e ajudou em sua expansão.'
Se Jesus pretendia que os discípulos/apóstolos curassem os doentes, se o poder
para isso continua disponível e se a igreja é a responsável por levar adiante hoje a tarefa
dos discípulos/apóstolos, então o corolário é que ela deve desenvolver um ministério
de oração para a cura. Esse ministério tem um elo seqüencial claro: Jesus curou, os
discípulos/apóstolos curaram, a igreja deve curar. A cura não pode ser relegada aos
grupos marginalizados e periféricos.
Só assim, levando cura total a todos, num mundo que mal oferece cura
apenas para o corpo e só para a classe mais privileziada, a igreja tornará sua men-
sagem realmente relevante, e a missão será cumprida mais plenamente. Em certo
sentido, os milagres de cura têm o potencial de trazer Deus para o plano real da
existência, como na época de Cristo e dos apóstolos. Eles são uma maneira de
conectar publicamente Deus ao sofrimento, o que ocorreu em nível máximo na
cruz. Os milagres acendem uma luz, sinalizam a esperança, mostram que Deus
ainda ouve, num tempo em que o silêncio divino tem sido tão inquietante. Eles
são também uma expressão de graça, um toque de amor. A lei da causa e efeito
num mundo imperfeito diz que as conseqüências de um erro, presente ou pas-
sado, são doença, dor e morte. Mas, de repente, a graça entra em ação e reverte ,
esse caminho, , trazendo cura, prazer e vida. Não podemos privar o mundo dessa
manifestação da graça.
1 72 O FASCÍNIO DOS MILAGRES
TOQUE PESSOAL
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