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não e Peca I o! E a
maioria de vocês
concorda comigo
obre isso.
Entretanto, na vida, é preciso convencer algumas pessoas de
que nem todo prazer é Pecada Este livro ensina o que é Pecado
e como alcançar a salvação unicamente em Crista permitindo
viver uma redigia mais feliz e verdadeira

George Knight é professor emérito na Universidade Andrews (EUA)


De sua autoria, a Unaspress já publicou os livros Alcsrdia e Educação
Mitos no Adventisrno.

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MINHA BUSCA PELA VERDADEIRA RELIGIÃO


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Editor: Rodrigo Follis
Editor Associado: Felipe Carmo

Canseiho Editorial: José Paulo Martini, Afonso Cardoso, E li zeu de Sousa, Francisca Costa, Ano fO 5 uárezi
Era i ison dos Reis, Rodrigo Folli e, Ozeas C. Moura, Betania Lopes, Martin Kuhn

Unaspress está sediada no Unasp, carnpus Engenheiro Coe ha, 5P,


íEO

Tradução:
Nelson Barrizzelli
Glaucia Barrizzelli Murino
André Barrizzelli Murino MINHA BUSCA PELA VERDADEIRA RELIGIÃO

1 3 Edição, 2016, Engenheiro Coelho, SP

("a NA SP -Rt S-S;


Eu costumava ser perfeito: minha busca pela
irnprena lia ammuária Adveotiata verdadeira religião

Caixa Postal 11 - Unasp edição - 2016


Engenheiro Coelho, SP CEP 13.165-000 3.500 eremplares
Teus.: (19) 3858.T9055 / (19) 3858-9355

www.unaspstorecorabr Esta tradução se refere a segunda edição no ingles do livro ?


used to be pgfectá: a Ar táni of sin and saivation' de•2001.
Editoração:Rodrigo Kis, Felipe Carmo Os direitos para a lingua portuguesa estile reservados para
Revisão: 'P lage B a sili o a Uriaspress, tanto para pubiic ação 'como para venda, com
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Capa: Innathas SantAin 'fado texto, mciuindo es citaçëes, foi adaptado segundo o
Ilustrações: Felipe Ca raio Acordo Ortográfico da Língua rorwguesa, assinado em 1990, em
Diagranneão: Edimar 'Veloz Fábio Roberto vigor desde janeiro de 2019.

Dados Internacionais da Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Knight, George R. •
Eu costumava ser perfeito minha busca pela verdadeira religião' / George R., Knight ;
tradução Nelson Barrizzelli, Glaucia Barrizzelli Muriti°, André BarrizzeiLl Murino. — 1.
ed. — Engenheiro Coelho, SF : "Unospress — Imprensa Universitária Adarentista, 2016.

Titulo original; I used to bebe perfect.


Bibliografia.

ISBN: 97S-85-8463-044-8

1, Adventistas do Sétimo Dia - Doutrinas 2. Kolght, George R. 3. Perkiçain - Aspectos


religiosos - Adventistas do Sétimo Dia 1. Titulo.

16-03931 CDD-234

Iudices para catálogo sistemático:


1. Salvaçno Doutrina cristã 234

Editora associada:
F.O Associaçâo Brasileira •
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(1 das Editores Universitárias 011509 2016
Palavras iniciais

Nem mesmo o céu nos fará perfeitos 11


prefácio por Amin A. Rodor

Uma palavra ao leitor 15

Nota sobre a versão em portugues 17

Eu costumava ser perfeito

O Pecado é amor 21

Os adventistas negligenciam a Lei 31

A justificação dura uma vida,


a santificação um momento 43
A tentação
não é Tentação 57

Sou perfeito, mas não Perfeito;


estou sem pecado, mas não sem Pecado 67

Eu costumava ser perfeito 79

Referências 91
Dedicação

Ao meu extraordinário neto Fallon Knight


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AMIN A. RODOR,

O título do livro que o leitor tem em mãos (Eu costumava se. r perfeito) é no mínimo
curioso, para não dizer contraditório. O tempo da ação verbal está no passado (Eu costu-
mava). Como este livro é uma tradução, precisamos ver sua versão cru inglês (1 used); a
expressão original é utilizada quando se deseja enfatizar algo que "foi verdade" ou "acon-
teceu no passado", mas que não é mais verdade e não mais acontece no presente. Entre-
tanto, não seria a "perfeição" um ideal da vida cristã a ser buscado? Aqui reside a aparente
contradição: como pode alguém que "costumava ser perfeito" referir-se a isso como algo
que já não é mais parte da sua experiência ou que não é mais desejável, ou ainda, algo que
não deve mais ser perseguido? Não dizem as Escrituras que devemos ser perfeitos ~o
Deus é (Mt 5:48)? É precisamente isso que George Knight discute neste livro. Escrevendo
em estilo quase coloquial, ele relembra sua própria luta contra o perfeccionismo. A sua
busca passada pela "perfeição" o levou ao "deserto do legalismo". O fruto disso foi o aban-
dono da igreja e do próprio ministério. Com o tempo, o autor entendeu que nada disso
tem a ver com a noção bíblica de perfeição. Sendo apenas uma triste caricatura.
Perfeccionismo pode ser resumido como a busca ilusória de muitos membros
da igreja hoje, algo que Emil Brunner (2007) considera COMO o pecado da devoção,
ao se colocar no centro o que, por natureza, é periférico. Em lugar de torná-los
mais perfeitos, tal busca nos tornam mais fariseus, mais críticos, azedos e julgado-
res dos outros. Para . o apóstolo Paulo, antigo fariseu, tal atitude não passa de "zelo

1 Doutor em Teologia Sistemática pela Andrews University, professor na Faculdade Adven-


tista de Teologia do Centro Universitário Adventista de São Paulo (kJnasp-EC).
Eu costumava ser perfeito

sem entendimento" (Rm 10:2). Perfeccionismo é cristianismo enfermo, baseado


em desempenho humano e na fixação do "eu" e da justiça própria.
Perfeccionistas tornam-se vitimas da "santidade vicária" que, nas palavras de
John Wesley (fs. d.), p. 265), é a "obra prima do diabo". Por quê? Porque a santidade
bíblica é resultado da justificação, nunca a base dela, ou a condição para sermos aceitos
por Deus. Na prática, tal ideia de santificação, baseada em atos do comportamento,
toma o lugar de Crista Com isso, os que acreditam em teorias perfeccionistas, são víti-
mas do primeiro engano do diabo no Éden: "Sereis como Deus" (Gn 3:5). O perfeccio-
nismo não é um rótulo inocente. Trata-sede urna heresia que envolve a desfiguração de
pelo Menos quatro doutrinas bíblicas: 1) a justificação; 2) a santificação; 3) o pecado, e
4) a escatologia. Para deixar isso claro, Knight discute cada um desses pontos.
O autor começa com o ensino bíblico do pecado. As perguntas que precisam ser
respondidas aqui são as seguintes: seriamos pecadores por que pecamos, ou, ao contrário,
é por que somos pecadores que pecamos? Qual a diferença entre "Pecado" e "pecado"?
O autor examina questões fundamentais acerca da salvação: O que é pecado? O que é
tentação? Qual o significado da lei na vida cristã? O que é justificação? E santificação, o
que seria? Estes são tópicos relacionados, frequentemente confundidos ou separados, tor-
12 nando a teoria perfeccionista ainda mais perigosa. Essas discussões são importantes, pois
quando "atomizarnos" ou reduzimos a noção bíblica do pecado, passamos a vê-lo como
menor do que ele realmente é: um mal sistêmico ou, nas palavras de Ellen G. White (2007,
p. 82), uma lepra, para qual não há qualquer esperança, do ponto de vista humano.
Do início ao fim do livro, para desafiar seus leitores, o autor vale-se do uso de
palavras iguais, com significados diversos, buscando conduzi-los a uma compreen-
são para além de conceitos que a tradição e o legalismo imortalizaram. Assim, ele
discute as questões básicas do engano perfeccionista e a fantasia da "impecabi-
lidade" absoluta, estágio que, segundo seus defensores, deve ser alcançado antes
do retorno de Cristo e da glorificação final dos crentes salvos. Permitindo, nos
dois últimos capítulos, Knight definir com extrema clareza e precisão o significado
. da perfeição bíblica, desintoxicada da filosofia grega que a envenenou. Tal análise
é de particular interesse hoje, quando a igreja tem sido perturbada por heresias,
fanatismos, aberrações e "deformas" (vendidas como importantes reformas, mas
que nada de construtivo produzem para o mundo ou para o crente). todas essas
heresias são amplamente divulgadas pelos defensores do "adventismo histórico",
mesmo sem saber exatamente o que estão defendendo.
Assim, o autor expõe a extensão da tragédia do uso abusivo de citações bíbli-
cas, ou de Ellen G. White, fora do seu contexto literário e histórico. O que significa
a ordem de Mateus 5:48 de sermos "perfeito como Deus é"? Será que,não perdemos
de vista o texto paralelo de Lucas 6:36? O que significa "reproduzir perfeitamente
Nem mesmo o céu nos fará perfeitos

o caráter de Cristo", como descrito na conhecida frase do livro Parábolas de Jesus


(WHITE, 2000, p. 69)? Será que podemos resumir a teologia desses textos a apenas
deixar de consumir queijo, chocolate ou outra coisa que faça mal para a nossa saúde,
como querem alguns' dos pregadores do perfeccionismo? Ou seria preciso apenas
nos tornar vegetariano, ou mesmo alcançar outras "vitórias em nossos hábitos", se.
jam sexuais, de relacionamento, alimentares ou tantas outras possibilidades?
George Knight, além de qualquer dúvida, argumenta que tanto no texto bíblico
corno em Ellen G. White, ter o caráter perfeito de Jesus está ligado a reproduzir o seu
amor e graça, que, quando corretamente entendido, envergonha as bizarrices encontra-
das nos guetos perfeccionistas, as quais seriam cômicas, se não fossem trágicas. Assim, o
perfeccionismo não é reprovável por ser radical, mas por não ser suficientemente radical
em suas demandas: amar incondicionalmente, como Cristo o fez, isso sim é verdadeira-
mente radical e deveria ser o alvo principal da vida cristã. Estou absolutamente convicto
de que este livro será uma ajuda valiosa na vida dos seus leitores. Aqueles que querem
levar o seu cristianismo a sério, preocupados em realmente se tornarem mais semelhan-
tes àquele que nos convida ao avanço constante em maturidade e verdadeira perfeição,
sabem que nunca encontraremos a linha de chegada. Afinal, ao compreender verda-
deiramente a mensagem bíblica, entenderemos que a perfeição nunca será plenamente
13
alcançada, seja aqui ou na eternidade. E como seria diferente, se o nosso paradigma de
comparação será sempre o próprio Deus?
Por último, é preciso deixar nossas congratulações à Unaspress pela pertinên-
cia da publicação. Meu desejo é que nossos pastores e líderes preguem a mensagem
das páginas que se seguem, preparadas originalmente como uma série de sermões,
usadas pelo autor em finais de semana especiais nas mais diversas igrejas dos EUA.
Se isso for feito também no Brasil, as bênçãos de Deus serão grandes e libertadoras
para todos aqueles que, na jornada cristã, buscam a verdadeira perfeição cristã.

BRUNNER, E. A epistola aos Romanos: comentário, tradução e exposição. São


Paulo: Fonte Editorial, 2007.

WESLEY, J. Dogmática evangélica. New Jersey: Princeton, [s. d.].

WHITE, E. Parábolas de Jesus. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2000.

Patriarcas e profetas. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2007.


Uma palavra
ao leitor
Pecado e salvação. Essas duas palavras permanecem no centro de tudo o que
o cristianismo significa, sendo que o primeiro diz respeito ao problema humano e
o segundo à solução divina. Ao passo que essas palavras de fato são essenciais para
o significado do cristianismo, e igualmente verdadeiro que elas constituem uma
das expressões mais mal compreendidas na história da igreja. Isso ocorreu no meu
caso. Durante anos lutei contra uma série de falsas concepções a respeito desses
tópicos essenciais. Nesse processo, eu não frustrei apenas a minha própria vida,
mas a daqueles que se associavam a mim.
Este livro representa o âmago do meu pensamento sobre o assunto. Além da
superficie de cada tópico, cada capitulo pretende explorar a sua profundidade de signi-
ficados, e também sua aplicação da experiência diária do cristão.
O primeiro capitulo aborda o problema do "Pecado" e a sua relação com os
cados".' Esse tópico e muito importante, visto que, por necessidade, urna doutrina
adequada a respeito da salvação precisa basear-se em uma doutrina adequada sobre o
Pecado. O segundo capitulo aborda o conceito de "Lei", além da maneira de as "leis" de
Deus se relacionarem com o seu principio fundamental. Uma das grandes tragédias da
história do cristianismo está no fato de que homens e mulheres pretenderam obedecer
às leis, mas desobedecer à Lei. O terceiro capitulo examina . a justificação como obra
de um momento. Ele não se concentra apenas no significado profundo dessas duas
palavras, mas procura reconhecer o significado delas para a vida cristã diária.

' O primeiro capitulo seguirá como urna nota de explicação acerca da diferença que o autor
estabelece entre "Pecado", com a primeira letra maiúscula, e "pecado" com a primeira letra mi-
núscula. Para o entendimento deste prefácio, contudo, basta que o leitor entenda que George
R. Knight não os interpreta da mesma forma. Alem disso, ele se utilizará da mesma distinção
para os termos "Tentação" e "tentação", "Lei e lei", entre outros (nota do tradutor).
Eu costumava ser perfeito

O capítulo quatro ressalta a diferença entre a "Tentação" básica e o restante de sua


descendência, que se manifesta como "tentações". Uma vez mais, estaremos abordando
um tópico vastamente mal compreendido na comunidade cristã. O quinto capítulo trata
da impecabilidade e da perfeição de uma perspectiva bíblica, e procura orientar nosso
entendimento para além da interpretação equivocada de tais conceitos do ponto de vista
e vocabulário do século 21. Apenas ao passo que compreendemos a maneira de a Bíblia
se utilizar dessas palavras poderemos estabelecer uma compreensão cristã sobre elas, O
capitulo final adota um pouco da minha jornada pessoal na esfera do perfeccionismo a
fim de ilustrar alguns dos pontos tratados nos capítulos anteriores.
Cinco dos seis capítulos do livro Eu costumava ser perfeito foram primeira-
mente apresentados no Concilio Anual da Conferência Geral dos Adventistas do
Sétimo Dia em outubro de 1992. Acrescentei o sexto capítulo (que representa o capi-
tulo 5 desta edição) quando a série foi apresentada no acampamento em North New
South Wales, Austrália, em outubro de 1993. Visto que eles foram desenvolvidos,
a princípio, como apresentações orais. Esses capítulos permanecem com algumas
reminiscências da oralidade, o que inclui a repetição das ideias.
O presente volume representa o resultado final de quatro livros que o antecederam:
From 1888 to apostasy: the case of A. Ienes ("De 1888 à apostasia: o caso de A. T. Jones'n,
6
(1987) e Angry saints: tensions and possibilities in the adventist struggle over righteousness
by faith [Santos irritados: tensões e possibilidades na luta adventista sobre justificação
pela fé"] (1989) trataram dos ascpetos relacionados ao plano salvívico de Deus na his-
tória do adventismo; A/1y gripe with God: a study in divine justice and the problem of Lhe
cross ["Minha queixa com Deus: um estudo sobre a justiça divina e o problema da cruz"]
(1990), por outro lado, começa a lidar com o tópico do ponto de vista teológico. Esse
livro se concentra no que Deus fez por nós. Ele foi seguido pela obra Pecado e salvação
(2016), que se concentra no que Deus fez em nós. Assim, o livro Eu costumava ser perfeito
está fundamentado nos conceitos elaborados entre esses quatro volumes e, em alguns
aspectos, os aprofundam conceitualmente além de aplica-los ao significado do dia a dia.
Contudo, Pecado e salvação, que é a obra mais ampla, trata diversos desses tópicos com
mais profundidade e sofisticação.
Eu creio que o livro Eu costumava ser perfeito será uma bênção aos seus lei-
tores ao passo que eles procuram conquistar uma compreensão mais aprofundada
sobre o grande plano de Deus para a salvação da humanidade.

George R. Knight
Universidade Andrei,vs, 5 de junho de 2001
Nota sobre a versão

Estou muito feliz por este livro ser, finalmente, traduzido ao português. Por
mais de 30 anos ele provou ser uma bênção espiritual e um estímulo, tanto para
o pensamento quanto para a discusão dos leitores em língua inglesa, assim como
para outros ao redor do mundo por meio de suas variadas traduções.
Dentre os mais de 40 livros que escrevi, Eu costumava ser perfeito é um
dos meus favoritos. Em minha vida, assim como na de muitos adventistas e
outros cristãos, sofri com a falta de compreensão acerca de assuntos básicos
a respeito do plano da salvação. Na verdade, o problema se agravou tanto que
cheguei a entregar minha credencial ministerial em 1969, eu estava determina-
do a abandonar a igreja. Contudo, uma série sucessiva de eventos ocorridos em
1975 conduziu-me a aceitar Jesus Cristo como meu Salvador, além de me indu-
zir à retomada de estudos acerca do plano da salvação pelo resto de minha vida.
Este livro representa parte do fruto desse estudo. Grosso modo, ele apresenta as
questões básicas a respeito plano da salvação; eu creio que será uma bênção aos
leitores de língua portuguesa.
\Por fim, eu gostaria de agradecer a Nelson Barrizzelli por tornar esta
tradução possível, e ao Rodrigo Follis e sua equipe da Unaspress por acolher
carinhosamente o manuscrito durante o processo de edição.
EU COSTUMAVA
Capítulo 1

O Pecado é amor

101.4 cR queijo não é Pecado! E a maioria de vocês concorda co-


migo sobre isso. Então vou tentar convencer os que não
concordam: comer rato, cobra, escargot ou até mesmo porco não é Pecado; tra-
balhar no sábado não é Pecado; assassinar não é Pecado; roubar não é Pecado. O
Pecado é mais do que todas essas coisas. Elas podem ser 'pecados", mas não são
Pecado.' O Pecado é amor.

O primeiro Pecado da Terra


Talvez a natureza do Pecado fique mais clara se atentarmos para o pri-
meiro pecado, relatado em Gênesis 3: o pecado original de Eva. A questão es-
sencial é: Eva pecou quando comeu o fruto ou antes de comê-lo? A resposta nos
ajudará a compreender tanto a natureza do Pecado quanto a do pecado. Para
isso, vamos à história bíblica.
A primeira parte de Gênesis 3 se concentra na dinâmica da tentação. Lemos:
"Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o Senhor Deus
tinha feito, disse á mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore
do jardim?" (Gn 3:1). Quando Satanás se aproxima, sua primeira tentativa é nos
levar a questionar a Palavra de Deus e duvidar do que Ele disse. Se Satanás ganha
a batalha nesse ponto, ele ganha a guerra.

Note como o autor usa a palavra "pecado", ora com a primeira letra maiúscula (Pecado), ora
com letra minúscula (pecado). Ao longo do livro, ele usará essa forma para outras palavras-
-chave referentes aos conceitos que explora (nota do tradutor).
Eu costumava ser perfeito

Entretanto, normalmente, esse não é o argumento final. Com frequência, Sa-


tanás não ganha nesse ponto. O texto bíblico continua: "Respondeu-lhe a mulher:
Do fruto das árvores do jardim podemos comer, mas-do fruto da árvore que está
no meio do jardim, disse Deus: Dele não comereis, nem tocareis nele, para que não
marrais" (Gn 3:2-3). Mas a serpente respondeu à mulher: "Você realmente acredita
nisso? É claro que vocês não morrerão!" (ver v. 4). Portanto, se o primeiro ponto
na estratégia de Satanás é conduzir à dúvida sobre a Palavra de Deus (duvidar a
respeito do que Deus realmente disse), o segundo ponto é conduzir ao questiona-
mento: será que Deus realmente queria dizer o que disse?
E a passagem continua: "Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes
se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal. Vendo
a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável
para dar entendimento, tornou lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e
ele comeu" (Gn 3:5-6). O terceiro passo da tentação é conduzir dúvida acerca das
boas intenções de Deus em relação a nós. Por trás dessa etapa está a ideia de que
Deus deseja nos privar das coisas boas da vida — que Ele não deseja nossa felicida ,
de — e, portanto, não é confiável.
Mesmo que Deus tenha criado o ser humano para aproveitar ao máximo a
22
vida, Satanás diz:

• Deus não é confiável;

• Duvide da Palavra de Deus;

• Duvide do que Deus quer dizer;

• Duvide das boas intenções dele.

Se ouvimos o tentador, a conclusão natural é: "Deus não é confiável. Faça o


que você quiser". Isso foi exatamente o que Eva fez no verso 6. A Bíblia diz que Eva
tornou o fruto e comeu. Ela fez isso. Mas note: alguma coisa aconteceu na mente e
no coração de Eva antes de ela tomar o fruto. Quando comeu já havia pecado. Em
pensamentos, Eva pediu para Deus deixá-la sozinha, porque sabia melhor do que Ele
o que era bom para si mesma. Eia rejeitou a vontade de Deus e a substituiu por seu
próprio discernimento. Em resumo, antes de tomar o fruto, Eva escolheu realizar sua
própria vontade acima da vontade de Deus. Ela entronizou o próprio eu como o cen-
tro de seu universo, ocupando o lugar de Deus. Na verdade, ela conferiu prioridade
ao amor próprio, em vez do amor a Deus. E essa é a essência do Pecado.
O Pecado é amor

Eva cometeu Pecado quando amou a si mesma e aos seus desejos mais do que
a Deus e a vontade dele. Ela cometeu Pecado em seu coração, e o Pecado a levou a
tomar e comer o fruto. O Pecado no coração conduz ao pecado em termos de ações.
Algo acontece primeiro no coração. Antes de tudo, há o Pecado no coração, e o
Pecado dá à luz ações pecaminosas. Podemos ilustrar deste modo:

Pecado > pecados

Até ocorrerem os fatos narrados em Gênesis 3:6, Adão e Eva estavam seguros
em Jesus. Porém, com a entrada do Pecado na vida deles, aconteceu uma grande
mudança. Eles não estavam mais seguros. Eles se perderam.
As consequências do Pecado são descritas em Gênesis 3:7. Primeiro, Adão e
Eva experimentaram uma terrível sensação de nudez. Essa é uma imagem muito
profunda. Gosto da Bíblia porque ela usa palavras concretas para descrever nossa
experiência. Por exemplo, você já se sentiu nu? Quando eu era criança, tinha um
sonho que se repetia. Era sempre o mesmo. Estávamos na piscina; e todos esta-
vam usando roupas de banho. Isto é, todos, menos eu. Que sensação desagradável!
23
Eu sempre corria para me esconder atrás de alguma coisa — como as paredes do
banheiro. Como os sonhos são mirabolantes, as paredes desapareciam, e eu não
conseguia esconder a minha nudez.
Da mesma forma, quando o Pecado entrou no mundo, Adão e Eva sentiram
urna sensação desconfortável de "nudez" — uma sensação de culpa perturbadora
e inevitável. Essa sensação teve muitas consequências. Uma delas foi a tentativa de
cobrir sua nudez (culpa) com folhas de figueira. Você já tentou cobrir sua nudez
com folhas de figueira? Não é uma solução muito satisfatória. Tente em qualquer
ocasião e você entenderá o que quero dizer. As folhas de figueira de Gênesis 3 re-
tratam a tentativa humana de cobrir a nudez pelo seu próprio esforço. As folhas de
figueira representam a tentativa adotada por Adão e Eva para solucionar o proble-
ma da culpa. Elas representam a salvação pelas obras.
A segunda consequência do pecado é um desconfortável medo de Deus,
que reflete a relação rompida com Ele (Gil 3:8). Agora, Adão e Eva estão com
medo do seu Criador. Eles se escondem de Deus. Infelizmente, as relações rom-
pidas com Deus refletem em relações rompidas com as pessoas. Sempre que
desconectados de Deus, os seres humanos estarão alienados uns dos outros.
Quando questionou Adão sobre sua participação no pecado, o Senhor imedia-
tamente culpou Eva: "Não foi minha culpar, disse Adão, "Foi culpa dela! Ela
me deu o fruto!" Esse foi o fim da harmonia do casaménto mais perfeito que
Eu costumava ser perfeito

já existiu na Terra. Acusações como "Ela fez isso!", "Ele fez aquilo!" e "É culpa
sua!" passaram a ecoar nas experiências matrimoniais desde então. A desar-
monia com Deus causou desarmonia entre as pessoas (ver Gn 3:11-12).
Outra consequência do pecado é a relação rompida consigo mesmo. Isso
se refletiu em Eva e na inabilidade de confessar sua parte na queda. Na tentati-
va de se esquivar da responsabilidade pessoal (assim como Adão fez), ela colo-
cou a culpa em Satanás: "A serpente me enganou, e eu comi" (Gn 3:13). Ou seja,
"Satanás me levou a fazer isso!" Os seres humanos têm dificuldade para admitir
seus próprios erros, mas apreciam falar dos pecados do pastor, do marido ou
da esposa, dos filhos — dos pecados de qualquer pessoa, menos dos seus pró-
prios. A maioria das pessoas se diverte ao falar dos pecados alheios, mas não
consegue admitir os seus próprios. Infelizmente, apenas quando confessamos
"os nossos pecados" Deus pode nos perdoar e purificar "de toda a injustiça"
(lJo 1:9). "Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas" (Jr 17:9). Desde o
Éden, os seres humanos vivem em um mundo alienado e esfacelado.
Depois de Gênesis 3, Adão e Eva não estavam mais seguros em Jesus.
Após a queda, eles viveram como pessoas enfermas em uni mundo doente e,
infelizmente, essa enfermidade não terminou em Gênesis 3. Neste ponto, com-
24
preendemos a relevância da história de Caim e Abel, na qual um irmão mata o
outro em Gênesis 4. A doença se prolifera. Algo aconteceu com a humanidade
em Gênesis 3 e não parou mais. De volta ao relato da criação da humanidade,
podemos ter uma perspectiva melhor desse problema. Em Gênesis 1:26-27, lemos
que Adão foi criado à imagem esemelhança de Deus. Porém, em Gênesis 5:3 é dito
que Adão "gerou um filho à sua semelhança, conforme a sua imagem". Os filhos de
Adão eram mais parecidos com ele do que com Deus. Ellen -G. White (2007, p. 29)
ilustra muito bem esse detalhe quando afirma que todos os seres humanos, desde
Adão, possuem uma "inclinação" para o pecado; já o apóstolo Paulo escreveu que
" por uni só homem entrou o pecado no mundo" (Rm 5:12).
O Pecado é universal. Existe uma coisa que não precisamos ensinar a nin-
guém: pecar. Todo o resto precisa ser ensinado, mas o pecado aprendemos por
instinto. Além disso, toda nação precisa da policia ou das forças armadas. Desde
o Éden, não existe um Shangri-La2 ou qualquer outro paraíso na Terra; desde o
Pecado, vivemos ao oriente do jardim do Éden (ver Gn 3:24).

= "Shangri-la" é o termo cunhado por James Hilton, em sua obra Lost Horizon ["Horizonte
Perdido"I. O Shangri-la é descrito corno um lugar paradisíaco situado nas montanhas do
Himalaia (nota do editor).
O Pecado é amor

A Bíblia não explica como a "inclinação" para o pecado é herdada de uma


geração á outra, porém, temas provas empíricas dessa propensão entre os seres
humanos. Embora a culpa-pela entrada do pecado seja de Adão, todos os seus
filhos nasceram com uma tendência para o Pecado. Essa tendência se concretiza
quando a pessoa atinge uma idade na qual consegue exercer sua vontade em de-
trimento da vontade de Deus.

Pecado versus pecados


Voltemos para Eva. O ato de comer o fruto não era o Pecado, mas o
resultado dele que já dominava seu coração. Ela caiu antes de comer o fruto.
Ou seja, quando colocou o amor por alguma coisa (o fruto) e por alguém (ela
mesma) acima do seu amor por Deus. Por isso, Pecado é amor. Ele é o amor
agape (expressão em grego) — o amor especial de Deus, o centro do NT. Em
Lucas 11:43, Jesus condena os fariseus a esse respeito, alegando que eles "gos-
tavam [agapao] da primeira cadeira nas sinagogas". Da mesma forma, em 2
Timóteo 4:10, lemos que Demas deixou a fé cristã por ter "amado [agapaol o 25
presente século". Em 1 João 2:15, somos' advertidos: "Não ameis [agapao] o
mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor
do Pai não está nele." Essas passagens não dizem que existe algo de errado
com o mundo em si, mas nos ensinam que é errado colocar qualquer coisa
no lugar de Deus.
O Pecado é o amor com o foco no objeto errado. Ele significa amar o objeto
mais do que o criador do objéto. Não faz diferença se o objeto é unia coisa, uma
pessoa ou o próprio eu. Amar alguém ou alguma coisa acima de Deus é Pecado.
Pecado é o amor apontado para o alvo errado, acompanhado por um estilo de vida
direcionado a esse alvo. Assim, ternos o Pecado que conduz aos pecados, igual
demonstrado na ilustração anterior.
Alguns dos meus amigos chamam essa abordagem sobre o Pecado de
"nova teologia". Acho melhor chamá-la de "nova teologia do Sermão da Monta-
nha". Jesus pregava a mesma explicação sobre o Pecado que apresentei acima.
Ele deixou isso claro ao dizer; "o que sai da boca vem do coração, e é isso que
contamina o ser humano. Porque do coração procedem maus desígnios, ho-
micídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias" (Mt
15:18-19). Já em Mateus 12:34-35, Jesus disse que "a boca fala do que está cheio
o coração. O ser humano bom tira do tesouro bom coisas boas; mas a pessoa
má do mau tesouro tira coisas más".
Eu costumava ser perfeito

A Bíblia retrata o Pecado como um conceito relacional. Ele é a maneira como


nos relacionamos com Deus. Em seu nível mais básico, o Pecado não é um mal im-
pessoal, nem um resquício evolutivo do comportamento animal, e sequer um aspec-
to negativo do caráter humano. Em vez disso, é rebelião contra_o Deus do universo
(Is 1:2-4; Os 7:13). Ele é pessoal e não impessoal. "Pequei contra ti, contra ti somente",
diz o salmista (81 51:4). O Pecado é um ataque pessoal contra a autoridade de Deus.
A "carne" (isto é, a natureza humana não convertida), escreve Paulo, "é inimizade
contra Deus" (Rm 8:7). O pecador é inimigo de Deus (Rm 5:10). Um inimigo não
é apenas aquele que faz o mal ao outro, mas o que está do lado oposto. Pecadores
atuam contra Deus de maneira ativa.
Além de ser pessoal, õ Pecado é moral. Ele é um ato deliberado da vontade em
rebelião contra Deus. Assim, Herbert Douglass (1987, p. 53, grifo nosso) pôde dizer
corretamente que "o Pecado é o punho cerrado da criatura na face do seu Criador,
O Pecado é a criatura que desconfia de Deus, depondo-o da condição de Senhor da
sua vida". Da mesma maneira, Emil Brunner (1934, p. 462) alega que o Pecado "é
como um filho que bate na face de seu pai com fúria; [...I é a autoafirmaçâo atrevi-
da da vontade do filho sobre a vontade do pai".
26

Atos pecaminosos
versus natureza pecaminosa

O ponto crucial a ser considerado é que o Pecado é muito mais do que


uma série de ações isoladas. Ele reflete o estado do coração e da mente. O pri-
meiro elemento na salvação é reconhecer que somos pecaddres. Isso significa
muito mais do que reconhecer que cometemos o pecado "a", "b" ou "c". "Isso
significa", escreve Edward Vick (1983, p. 86), "ter consciência de que somos
o tipo de pessoa que faz essas coisas. E...I Reconhecer que somos pecadores
significa reconhecer que existe um poder que nos domina e nos impede de ser
como Deus gostaria que fôssemos".
Como diz Paulo, esse poder é o "poder do pecado" (Rm 3:9, NIV). E, o po-
der do pecado que muitos subestimam quando falam sobre o Pecado. Pensam
que podem derrotar o Pecado ao passo que vencem os pecados "a", "b" e "c".
O problema central é que mesmo depois que vencer os pecados "a", "h" e
ainda continuamos pecadores.
Muitos descobrimos por nós mesmos e destaco essas palavras porque sou

UM deles — que o problema do Pecado não se resolve com um mero "retoque


O Pecado é amor

externo", apesar de toda a dedicação e esforço despendido. Podemos viver sem


praticar coisas "más" ao mesmo tempo em que somos essencialmente egoístas e
maldosos; ou ainda pior: orgulhosos de nossa santidade.
A Bíblia guarda suas palavras mais fortes para descrever a condição
do pecador. Ela descreve a natureza humana como "cativeiro", "escravidão",
'servidão"; um processo degenerativo que não pode ser revertido sem a in-
tervenção de Deus. A humanidade está "morta no pecado" e "perdida". Ellen
G. White (2009, p. 21) apresenta a mesma compreensão. Ela observa que o
"coração humano é, por natureza, frio, escuro e sem amor". "Por natureza, o
coração é mau" (WHITE, 2001, p. 172, grifo nosso).
Embora Adão tivesse originalmente uma mente equilibrada e pensamen-
tos puros, "pela desobediência, seus poderes foram pervertidos, e o egoísmo
tomou o lugar do amor" (WH1TE, 2010, p. 17). Ao comentar sobre a parábola
do fariseu e do publicano (Lc 18:9-14), ela afirma que, de todos os pecados, o
orgulho e a autossuficiência" são os "mais sem esperança e os mais incuráveis"
(WH1TE, 1941, p. 154). O problema é que quando sou bom — ou penso que sou
—, não preciso de Deus.
27
Visões diferentes do pecado conduzem a
caminhos diferentes sobre a saivação
Urna das teses fundamentais deste livro é a de que uma doutrina inadequa-
da sobre o Pecado conduzirá necessariamente a uma doutrina inadequada sobre
a salvação. Esse é um dos fatos mais importantes que devem ser compreendidos
na vida cristã. Não é por acaso que o conflito teológico no adventismo esteja re-
lacionado à doutrina do Pecado. Muitas pessoas podem não ter consciência desse
fato, mas a doutrina do Pecado é inevitavelmente o fundamento da contenda a
respeito de como as pessoas são salvas. Se queremos compreender como ocorre
a salvação, precisamos compreender do que somos salvos. O início do estudo
sobre a salvação é a compreensão do Pecado, porque a magnitude da cura deve
ser equivalente à da doença. A solução deve ser proporcional ao problema. Os
adwntistas do sétimo dia incorrem de modo especial nesse perigo porque con-
fundem religião com comportamento e ética. E, pior ainda, confundem o caráter
de Deus com questões de estilo devida,
O ponto principal e o de que diferentes pontos de vista sobre o Pecado con-
duzem a caminhos radicalmente diferentes sobre a salvação. Se os pecados são
Eu costumava ser perfeito

encarados como uma serie de ações decrescentes, como na ilustração a seguir, en-
tão, a salvação, ou o processo para se tornar justo, deve ser visto como uma série
de ações ou comportamentos crescentes: •

QUEDAV •- _
ÇíL1

- - -::;• A

28 FUNDO DO POÇO

PERFEIÇÃO/SER JUSTO

REDENÇÃO

FUNDO DO POÇO

Segundo essa ilustração, quando todas as nossas ações estiverem de acordo


com a vontade de Deus, quando todos nossos pecados forem vencidos, seremos
perfeitos e estaremos prontos para a trasladação.
O Pecado é amor

Talvez esse seja um quadro muito bonit& Talvez. Mas não é o quadro apresenta-
do por Cristo e per Paulo no NT. Ao contrário, quem defendia essa compreensão eram
os fariseus. O enfoque primário do NT está no Pecado, e não nos pecados. Em resul
lado disso, o NT ilustra o processo de conversão ao cristianismo como crucificação
e novo nascimento, como o ato de receber um novo coração e urna nova mente, urna
transformação total. Ser cristão não é um processo no qual uma boa obra é somada à
outra; em vez disso, é uma experiência de completa transformação (Rm 12:2).
Estar salvo envolve basicamente duas coisas: aceitar a morte de Cristo corno nos-
so substituto e possuir um coração transformado (isto é, ter o amor agape que se desvia
do próprio eu c se orienta em direção a Deus e ao próximo). Essa experiência de novo
nascimento implica — não, exige — uma mudança em tudo o que fazemos e em tudo o
que pensamos. O NT ensina uma visão transformadora a respeito da salvação, e não de
acréscimo de virtudes. Portanto, quando uma pessoa recebe Jesus, quando recebe Jus-
tiça, quando aceita a morte de Cristo e sua ressurreição, ao passo que entroniza Deus
no coração, o resultado será-uma vida de ações justa.s. Essas ações fluem naturalmente
do novo relacionamento com Crista Então, podemos ilustrar dessa forma:

29
Justiça > ações justas

Ninguém consegue ter Jesus no coração ou unia vida nova e transformada


sem demonstrar que vive de forma justa. A salvação é urna unidade. Ser salvo é
escolher colocar Deus c a sua vontade de volta ao centro de nossa vida. Isso signi-
fica deixar de lado todo sentimento orgulhoso de rebelião, até mesmo o orgulho
de nossa bondade.

Você vai dizer "sim" ou "não" para Deus?


Para concluir este capitulo, quero dizer que existem apenas duas manei-
ras de nos relacionarmos com Deus. Podemos dizer "sim" para Deus e para sua
vontade, ou podemos dizer "não"..Não há outra opção. É "sim" ou "não". Dizer
"sim" é ter unia relação de fé com Ele, Dizer "não" é ter uma relação de Pecado.
Todos nos relacionamos com Deus. Não existe território neutro ou um meio de
escapar: Dizemos "sim" ou "não" para o criador do universo. Nenhuma criatu-
ra moral pode ignorar a Deus. Pela natureza das coisas, somos forçados a dizer
"sim" ou "não" Uni dos fatos mais extraordinários do universo é que Deus nos
confere o poder da escolha, à medida que o Espirito Santo atua sobre nossa
Eu costumava ser perfeito

vontade. A capacidade humana de dizer "sim" ou "não" para Deus é um dos


maiores poderes do universo.
A vontade do ser humano, sob a estimulante unção do Espirito Santo, deter-
mina seu relacionamento com Deus. Existern apenas duas maneiras de se relacio-
nar com Deus: o relacionamento de Pecado e o relacionamento de fé. Como resul-
tado, ou estou seguro em Jesus, ou estou perdido. Não há outra opção. Os "eleitos
em Cristo" são aqueles que deixaram Deus reverter os efeitos da queda em sua vida.
Tiveram seu amor reorientado na direção de Deus e de sua vontade.
Entretanto, devemos notar que, tanto a salvação quanto o Pecado são amor.
A salvação não representa apenas o amor de Deus ao morrer na cruz por nós, mas
nosso amor a Ele e aos outros — um amor que foi transformado e produzido pelo
poder do Espirito Santo.

Perguntas para reflexão e discussão

1. Suponha que você tenha 20 minutos para falar sobre Pecado ao grupo
30
de jovens da sua igreja. Enumere seis pontos que você destacaria como
os mais importantes?

2. Por que o Pecado é mais importante que os pecados? Qual é a diferença


entre ambos?

3. Por que as pessoas que estão em desarmonia com Deus também estão
em desarmonia umas com as outras?

4. O que torna o pecado da santidade o mais grave de todos os pecados?

5. De que maneira uma compreensão sobre Pecado é fundamental para


o estudo sobre a salvação?
Capítulo 2

Os adventistas
negligenciam a Lei

J 7.r
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r‘.

1.] Por mais estranho


que possa parecer — dada a nossa reputação como legalistas —, descobri, em meus
40 anos como adventista, que uma de nossas maiores falhas é negligenciar a Lei de
Deus. Ainda mais espantoso é o fato de a Lei ser negligenciada por aqueles que ten-
dem a enfatizar as leis de Deus. Descobri que aqueles que têm mais a dizer a respei-
to das leis de Deus geralmente são os mais propensos a negligenciar a Lei de Deus.
Como adventistas, amamos is leis de Deus, e muitos de nós se entusiasmam
com mandamentos, regras e regulamentos. Além disso, somos, com direito, exu-
berantes quando nos vislumbramos nas profecias sobre o tempo do fim relacio-
nadas aos mandamentos de Deus. Lemos em Apocalipse 12:17: "Irou-se o dragão
contra a mulher e foi pelejar com os restantes da sua descendência." Essa é uma
passagem extraordinária, especialmente quando vista no fluxo da história proféti-
ca, na conclusão dos 1.260 dias, como refletido no verso 14.
No Apocalipse, lemos também: "Aqui está a perseverança dos santos [isto
é, aqueles que continuam a esperar pela volta de Jesus], os que guardam os man-
damentos de Deus e a fé em Jesus" (Ap 14:12). Mais uma vez, essa passagem está
no fluxo da história profética. Portanto, lemos sobre o primeiro anjo, o segun-
do anjo, o terceiro anjo e finalmente a grande colheita no fim do mundo. Os

' Notamos aqui, novamente, a utilização da caixa alta na primeira letra de um termo. Neste caso,
para "Lei", a fim de diferenciá-la de "lei". A lógica, como apontamos, será seguida pelo autor
para diversos outros termos (nota do editor).
Eu costumava ser perfeito

adventistas encontram conforto genuíno por se considerarem o povo de Deus


que guarda os mandamentos no tempo do fim.

Lei versas leis


Sim, os adventistas amam os mandamentos de Deus e suas regras, leis e
regulamentos, mas com frequência negligenciam a sua Lei tanto no discurso
quanto na prática. Isso foi verdade na assembleia da Associação Geral de 1888,
em Mineápolis, quando os líderes da igreja pronunciavam uni discurso agressivo,
defendendo as leis de Deus. Ellen G. White ficou muito ofendida com essa abor-
dagem. Ela disse aos delegados que, se esse era o resultado da teologia deles, ela
queria estar o mais longe possível dessa teologia (Ellen G. White, Carta a Willie e
Mary White, 13 mar, 1890; ver WHITE, 1988, p. 632). 2
Como adventistas, frequentemente negligenciamos a Lei de Deus. Da mesma
maneira que nos interessamos mais em transformar pecado e justiça em itens, es-
tamos mais interessados nas leis de Deus como itens do que em sua Lei fundamen-
tal. Sem dúvida, parte do nosso problema é a confusão dos adventistas a respeito
37
da natureza da Lei de Deus.
Nunca esquecerei meu espanto ao descobrir que os Dez Mandamentos não eram
a verdadeira Lei. De fato, no contexto da história universal, através da eternidade, os
Dez Mandamentos podem ser vistos como um desenvolvimento bastante tardio. Nin-
guém precisa refletir muito para chegar à conclusão de que a lei expressa nos Dez Man-
damentos não é eterna ou universal, quando pensamos em termos cósmicos. Tome, por
exemplo, o quarto mandamento. Ele afirma claramente que o sábado foi outorgado
como mernorial da criação do planeta Terra. Até mesmo o ciclo de sete dias de 24 horas
aponta para a criação do nosso planeta e do nosso sistema solar como fator determinan-
te para mandamento do sábado, conforme encontramos no Decálogo. O mandamento
do sábado, no entanto, se fundamenta em um princípio eterno e universal. Uma análise
semelhante pode ser estendida aos outros mandamentos de Êxodo 20.
Ellen G. White concorda com essa linha de pensamento. "A lei de Deus", ela
escreveu, "existia antes de o homem ser criado. Os anjos eram governados por ela.
Satanás caiu porque transgrediu os princípios do governo de Deus. [...1 Depois
do pecado e queda de Adão, nada foi tirado da lei de Deus. Os princípios dos Dez
Mandamentos existiam antes da queda, e eram adaptados à condição de uma or-
dem santa de seres" (WHITE, 1864, p. 295).

Para mais informações a respeito do "espirito de Mineapolis”, veja Knight (1998, p. 64-68).
Os adventistas negligenciam a Lei

Voltaremos à citação acima, pois precisamos entendê-la à medida que


avançamos para compreender melhor a perfeição de caráter. Antes isso, vamos
a um panorama de nosso estudo. Primeiro falamos sobre Pecado (capítulo 1). O
capítulo atual aborda a Lei. Esses temas estão relacionados como dois lados de
uma mesma moeda. Mas ainda precisamos ser salvos isso veremos no capí-
tulo 3. Depois, temos que nos aproximar da cruz — esse é o capítulo 4. Final-
mente, precisamos nos tornar perfeitos — sobre isso, falaremos nos dois últimos
capítulos. Por trás de qualquer teologia da salvação, da cruz e da perfeição, estão
alguns conceitos básicos. Dois deles são o Pecado e a Lei. Eles são a base para a
compreensão correta daquilo que constitui o grande conflito.
Vou repetir a última frase da citação de Ellen G. White (1864, p. 295): "Os
princípios dos Dez Mandamentos existiam antes da queda, e eram adaptados à
condição de uma ordem santa de seres." A frase seguinte diz: "Depois da queda,
os princípios desses preceitos não foram mudados, mas preceitos adicionais
foram dados ao homem em seu estado decaído." Em outro texto, ela escreveu:
"A lei de Deus existia antes de ter sido criado o homem. Ela adaptava-se às
condições de seres santos; mesmo os anjos eram por ela governados. Depois
da queda, os princípios da justiça não foram alterados" (WHITE, 1980, p. 220).
33
Mas a Sra. White (1980, p. 230) escreveu que, depois da transgressão de Adão,
os princípios da lei "foram definitivamente dispostos e expressos de modo a
adaptar-se ao homem em seu estado decaído".
Embora essa nova disposição e maneira de expressar a Lei depois da queda
sem dúvida incluíssem aspectos cerimoniais, também incluíam a forma negativa
da Lei. Afinal, você pode imaginar Deus se aproximando dos anjos e dizendo: "To-
mem cuidado para não adulterarem com nenhum dos seus colegas"? Nem mesmo
creio que os anjos são capazes, fisiologicamente, de adulterar. Você imagina Deus
se aproximando dos anjos para dizer: "Tomem cuidado: não cobicem a mulher do
seu próximo, tenham certeza de não roubar nada do seu amigo e respeitem seu pai
e sua mãe"? Será que os anjos sequer possuem pais e mães?
Os anjos guardam a Lei sem o saber, porque ela está escrita no intimo do
seu coração (ver Hb 8:10; 2Co 3:3). "O amor", lemos, "é o grande princípio que
atua nos seres não caídos" (Ellen (3. White, Carta aos irmãos e irmãs da Associa-
ção de Iowa, 6 nov., 1901). Ninguém precisa dizer aos anjos: "Não matarás" ou
"Não furtarás", porque eles possuem, intrinsicamente, uma motivação positiva
para amar e fazer o bem uns aos outros. Só após a entrada do pecado, quando o
amor deixou de estar focalizado em Deus e nos outros e passou a estar em nós
mesmos, a Lei precisou ser reformula& em termos negativos em prol de seres
guiados por egoísmo e motivações negativas.
Eu costumava ser perfeito

A correta identificação da Lei por trás das leis é de extrema importância, vis-
to que qualquer discussão séria sobre justiça e perfeição depende de um entendi-
mento correto da Lei de Deus.
O AT possui pelo menos três leis: moral, civil e cerimonial. Além disso, os
livros de Moisés, e mesmo o AT como um todo, são mencionados como "a lei".
Portanto, na Bíblia, a palavra "lei" pode ter vários significados.
No NT, entretanto, Jesus apresenta daramente a natureza da Lei que está por
trás das leis. Quando questionado sobre o grande mandamento, Ele respondeu:
"Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu
entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a
este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos depen-
dem toda a Lei e os Profetas" (Mt 22:37-40).
Paulo e Tiago concordam com Jesus, mas reduzem a Lei a um único precei-
to. Paulo diz que "o cumprimento da lei é o amor" (um 13:10) e que "toda a lei se
cumpre em um só preceito, a saber: Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (G1
5:14). Da mesma forma, Tiago não só está em harmonia com Paulo, mas expressa
a unidade final da Lei. Ele escreve que "qualquer um que guarda toda a lei, mas
tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos" (Tg 2:10).
34

Características da Lei
Os conceitos sobre Lei apresentados no NT têm várias facetas. Primeiro,
a Lei é unificada. Não existem muitos princípios embasando a Lei, mas apenas
um. A Lei pode ser resumida em uma palavra: amor. Note que "amor" é a mesma
palavra que João usou para sintetizar o caráter de Deus. Em 1 João 4:8, lemos que
"Deus é amor". Essa afirmação faz todo o sentido se a Lei é um reflexo do caráter
de Deus. Lembre-se: refletir o caráter de Deus é uma questão crucial no cristia-
nismo e é certamente uma questão essencial no adventistno. Esses conceitos nos
ajudarão quando estudarmos a perfeição de caráter, no capítulo•6. Lembre-se
que a Lei é um reflexo do caráter de Deus, e esse caráter se resume a amar, cuidar
e fazer o bem aos outros, mesmo quando eles não merecem isso.
A Bíblia não se limita a igualar a Lei ao amor e ao caráter de Deus. Ela tam-
bém apresenta de forma detalhada o que é o amor, de tal maneira que os seres
humanos e os outros seres criados possam descobrir esse significado em situações
concretas. Para os seres não caídos, podemos pensar que uma Lei com duas partes
&suficiente; amor a Deus e amor aos outros. No entanto, após a queda, a Lei preci-
sou de mais explicações por causa da degeneração da raça humana. Em Gênesis, e
Os adventistas negligenciam a Lei

nos primeiros capítulos de Êxodo, ternos claras evidências de que os preceitos dos
Dez Mandamentos já existiam antes do Sinai. Mas Deus decidiu expor formal-
mente os dois grandes princípios da Lei na forma de dez preceitos, quando fundou
a nação de Israel como povo da aliança.
Os primeiros quatro mandamentos são uma explicação do principio do amor
a Deus, enquanto os últimos apresentam maneiras especificas de amar o próximo.
Assim, a progressão de Lei para a lei, depois para duas leis e, finalmente, para dez
leis, pode ser ilustrada da seguinte forma:

Lei > leis


Deus possui uma Lei fundamental. A partir do principio dessa Lei, derivam-se
as leis. Isso está intimamente relacionado com o que vimos no capítulo anterior sobre o
Pecado que conduz aos pecados ; e sobre Justiça que conduz aos atos de justiça. O ponto
a ser lembrado é que o verdadeiro campo de ação no grande conflito não ocorre no nível
de pecados, leis e atos justos. Em vez disso, no grande conflito, a ação ocorre no nível
de Pecado, Lei e Justiça. A ação no grande conflito visa ao Pecado como amor mal di-
recionado,à Lei como o grande principio do caráter de Deus e à Justiça como uma vida
em Cristo, em harmonia com o princípio do Reino de Deus. Os pecados, as leis e os atos
justos são importantes, mas apenas se provenientes de Pecado, Lei e Justiça.
Nessa linha de pensamento, é muito interessante observar que as três pri-
meiras palavras do livro Patriarcas e Profetas eas últimas três do livro O Grande
Conflito, com mais de três mil páginas entre elas, são as mesmas. Você já prestou
atenção nisso antes? Quando escrevi o livro My Gripe with God I"Minha queixa
com Deus"], um livro com o foco na cruz, percebi esse fato pela primeira vez.
Ellen G. White começa e termina a série "Conflito dos Séculos" com as palavras
"Deus é amor". Essa é a questão central no grande conflito. Esse é o fato que pre-
cisa ser demonstrado ao universo. Esse é o âmago do caráter de Deus. Esse é o
cerne do caráter íntegro.
Um dos erros fundamentais dos fariseus mencionados no NT era reduzir o
Pecado a pequenas unidades, em uma série de ações. O ato de diminuir o Pecado
está diretamente relacionado à minimização da Lei e da Justiça. Embora os cris-
tãos tenham o dever de compreender a natureza de pecados, leis e atos justos, eles
também precisam compreender o que significa Pecado, Lei e Justiça se desejam
entender o ensino bíblico sobre a salvação e a perfeição. O fato de que os fariseus
não compreenderem o significado de Pecado e Lei ocasionou uma falsa compreensão
de Justiça. O NT inteiro corrige esse entendimento equivocado.
Eu costumava ser perfeito

Além de unidade, um segundo aspecto da lei bíblica é o fato de ser essencialmente


positiva, e não negativa. Jesus ensinou de maneira explícita que a religião negativa não é
suficiente, ao contar a história relatada em Mateus 12. Ele fala a respeito da pessoa que
purificou sua vida, colocando-a em ordem, mas falhou em preenchê-la com um cristia-
nismo prático. A condição final daquela pessoa, segundo Jesus, se tornou pior do que
antes (v. 43-45). "Uma religião que consiste em coisas que não devem ser feitas", escreveu
Willian Barclay (1958, p. 57), "está destinada a terminar em fracasso".
• A natureza essencialmente positiva da lei bíblica também é vista no diálogo
de Jesus com o jovem rico, que lhe perguntou: "Bom Mestre, que coisas boas devo
fazer para ter a vida eterna?" Jesus seguiu a lógica do jovem, e passou a lhe dizer:
"Não faça isso; não faça aquilo." "Ah!'', o jovem respondeu, "Eu já parei de fazer
todas essas coisas. O que mais você tem para mim?" No que Jesus disse: "Bem, se
você realmente leva a sério a sua salvação, se você realmente quer ser perfeito, por
que não vai e vende tudo o que tem, e passa a servir completamente o seu próxi-
mo?" O jovem rico não esperava esse tipo de resposta. Ele gostava da "zona de con-
forto", onde santidade significa deixar de fazer coisas. Ele ficou frustrado quando
Jesus apontou para urna "zona de desconforto", na qual a santidade e a justiça não
têm limites, nem há limitações para amar e fazer o bem a outras pessoas.
36
• Jesus apontou fiara além dos Dez Mandamentos negativos, em direção à lei po-
sitiva do amor. Aquilo, obviamente, era muito mais do que o jovem rico estava dis-
posto a se comprometer. Ele se sentia relativamente confortável com a lei negativa. Ele
era bom em não fazer isto e não fazer aquilo, mas não estava pronto para o ilimitado
alcance da Lei de Deus em todos os aspectos de sua vida (ver Mt 19:16-22). •
• Pessoalmente, me sinto muito desconfortável com 'essa definição de
cristianismo apresentada por Jesus. Sou um fariseu por natureza. Fico muito
feliz com abordagens negativas sobre a lei, porque gosto de saber exatamente
onde estão os limites. Sinto-me muito mais confortável quando posso ver a
extensão das minhas obrigações.
Isso me leva à lição de Pedro em Mateus 18. Pedro estava preocupado a res-
peito de quantas vezes ele deveria perdoar seu próximo. Pedro não era ingênuo.
Ele sabia o que os rabinos diziam a respeito. Eles tinham lido o livro de Amos (ver,
por exemplo, Am 2:6-8). Por isso, concluíram que o Senhor perdoa três vezes e, na
quarta vez, deixa o pecador sem perdão. A lógica rabínica sugeria que você não
pode ser mais generoso do que Deus. Portanto, eles concluíram que o limite do
perdão humano deveria ser de, no máximo, três vezes.
Mas Pedro sabia que Jesus não era minimalista. Então, duplicou os três atos
de perdão rabínicos e adicionou um corno uma boa medida, chegando à conclu-
são de que sete perdões seriam bastante generosos. E isso é muito perdão, se você
Os adventistas negligenciam a Lei

pensar bem. Se eu bater no seu carro sete vezes nos próximos sete dias no estacio-
namento da igreja, você provavelmente pensará que sete é seis vezes maior do que
deveria ser. Mas Cristo foi muito além disso. Ele disse: "Pedro, Pedro, não sete,
mas 490 vezes." Experimente fazer isso alguma vez. Quando chegar na batida 490,
você não terá mais carro. Além disso, você terá perdido as contas (ver Mt 18:21-22).
Na verdade, Pedro não estava perguntando: "Quantas vezes devo amar o
meu próximo?", mas: "Quando devo parar de amar o meu próximo?". Essa é uma
pergunta muito humana. Gosto dela. Quando devo parar de amar o meu próximo?
É aqui que somos iguais a todo mundo. Quando posso parar com toda essa gentile-
za e dar às pessoas o que elas merecem? Não gosto da graça. Graça é dar às pessoas
aquilo que elas não merecem. Não me importo de obtê-la para mim, mas não gosto
realmente de levar a graça aos outros.
Quando Pedro perguntou quando poderia deixar de amar o seu próximo,
a resposta de Jesus foi a surpreendente história dos dois devedores. Um homem
devia 100 denários, e o outros 10 mil talentos. Cem denários equivaliam ao paga-
mento de 100 dias de trabalho braçal. Era um débito grande, mas não impossível
de ser pago. Porém, em contraste com esse, um débito de 10 mil talentos era ab-
solutamente impossível de ser pago. Seriam necessários 16() mil anos de trabalho,
37
trabalhando 7 dias por semana! No entanto, apenas pela graça, o rei perdoou o
débito praticamente infinito. Contudo, o homem perdoado se recusou a transmitir
esse perdão ao seu colega, o qual lhe devia apenas 100 denários. Em resultado disso,
o perdão do rei foi revogado. A moral da história é que pecadores que foram per-
doados de urna dívida impagável precisam levar a misericórdia de Deus aos seus
semelhantes, da mesma forma como Deus teve misericórdia deles. Então, Pedro
aprendeu que não existe um momento no qual ele deveria deixar de amar o seu
próximo ou deixar de transmitir a graça de Deus (ver Mt 18:23-35). O fato assusta
dor é o de que não existe limite para o amor cristão.
Como Pedro, sentimo-nos muito mais confortáveis com a abordagem negati-
va da lei do que com a abordagem positiva. Queremos saber quando preenchemos
nossa cota de bondade, de forma que possamos relaxar para ser nós mesmos. Os
limites negativos limitam a extensão da justiça e a tornam humanamente geren-
ciáveis e alcançáveis. Assim, os legalistas de todos os matizes têm necessidade de
focalizar os "detalhes" com o discurso cio "não farás isto". Amor contínuo a todos
os inimigos é um objetivo muito além do alcance humano.
Os legalistas adoram falar a respeito de comportamentos negativos e de-
talhados. Isso me lembra uma mulher que Bruce Johnson (ex-presidente da
União do Sul do Pacífico) encontrou urna vez. Eles estavam conversando a res-
peito do pecado de Davi quando ela disse: "Bem, algumas pessoas têm esse
Eu costumava ser perfeito

problema. O meu é comer granola entre as refeições." Da sua perspectiva, ela


tinha quase chegado à perfeição. Infelizmente, essa abordagem negativa sobre
a lei está muito aquém do ideal do NT.
Existe um tipo de justiça e santidade que se fixa em pequenas unidades de
ação. O NT apresenta o inverso disso. A forma cristã de pensar é a justiça ilimitada
expressa em amor a Deus e à humanidade que está sumarizada nos dois grandes
mandamentos. Esse foi o verdadeiro ideal que afastou o jovem rico (com sua men-
talidade estreita) de Cristo, em estado de completa frustração.
Contudo, nós gostamos de definir o pecado como alguma ação negati-
va específica, porque qualquer um consegue vencer um hábito com esforço.
Por outro lado, sou incapaz de amar o próximo durante todo o tempo. Posso
ter obtido a vitória sobre o queijo, sobre a manteiga de amendoim ou sobre a
"granola entre as refeições" em qualquer tempo passado. Ainda assim, preciso
desesperadamente da graça de Deus para que possa amar o próximo durante
todo o tempo, especialmente quando o meu "próximo" é definido por Jesus
como "meus inimigos". Isso requer a graça capacitadoral
Nós queremos conhecer os limites do amor e do viver cristão, de modo a
saber quando finalmente chegamos ao objetivo. A perversidade humana ama
38
a abordagem negativa à lei, porque isso limita a extensão da justiça. E isso é
humanamente alcançável. Estranhamente, muitos pensam que a ênfase nos
dois grandes mandamentos significa um enfraquecimento das demandas co-
locadas sobre o cristão. Contudo, por vezes, Jesus demonstrou que a verdade
é exatamente o oposto. Esses dois mandamentos, lemos em Mensagens Esco-
lhidas, "abrangem o comprimento e a largura, a profundidade e a altura da lei
de Deus" (WHITE, 1980, p. 320).
No Sermão da Montanha, Jesus expôs os princípios da lei e começou a de-
monstrar o seu vasto significado interno. Esses "princípios", como observou White,
"permanecem para sempre corno o grande padrão da justiça" (WHITE, 1980, p.
211). A abordagem negativa à religião provém de urna abordagem negativa à lei.
Certa vez, um jovem pastor me disse que, para muitas pessoas, "a principal qua-
lificação para ser um cristão é a habilidade de dizer: 'Não faça isto". Infelizmente,
essa caricatura é totalmente verdadeira para muitas pessoas que precisam se con-
frontar com um padrão mais elevado. É relativamente simples para mim evitar o
roubo, o assassinato ou o adultério, em comparação com o desafio interminável de
amar e servir a todas as pessoas corno faço comigo mesmo.
De fato, os preceitos negativos dos Dez Mandamentos me informam
sobre o amor a Deus e ao meu próximo; mas, importantes como possam ser,
eles são apenas a 'ponta" da própria Lei. lima pessoa jamais poderá ser salva
Os adventistas negligenciam a Lei

ou se tornar perfeita por não trabalhar no sábado ou por ter evitado roubar.
De fato, ninguém jamais será salvo porque deixou de fazer alguma coisa. O
cristianismo é positivo, e não negativo.
Gostemos ou não (e os antigos fariseus certamente não gostavam), Jesus ele-
vou o padrão de justiça para muito além do que as pessoas "normais" buscam al-
cançar, e a maioria dos legalistas são "normais". De fato, é a ênfase' no desempenho
humano que prova sua normalidade. Eles apenas deixaram de sentir orgulho pelo
desempenho humano nos empreendimentos mundanos, e passaram a sentir orgu-
lho pelo desempenho humano em coisas espirituais.

A Lei na vida diária


"Ok. George", você deve estar pensando, "entendi o que você quer dizer sobre
a Lei ser positiva e unificada. O que você apresentou é bom e útil; mas, o que isso
significa para minha vida diária?"
Bem, pensei que você nunca iria me fazer essa pergunta. Mas estou muito feliz
que você tenha feito, porque a aplicação prática desse tema é o cerne da vida cristã. 39
A forma corno cada indivíduo se relaciona com a lei não é apenas importante,
mas complexa. Paulo diz em 1 Timóteo 1:8 que "a Lei é boa, se alguém dela se utiliza
de modo legítimo". A conclusão lógica é que a lei não é boa se for usada de maneira
inadequada. Quero sugerir que um dos maiores perigos enfrentados pelo cristianis-
mo é o uso equivocado da lei de Deus. Todos nós sabemos, assim espero, que uma
pessoa não pode desenvolver uni relacionamento salvifico com Deus por guardar a
lei. Também sabemos que a função da lei de Deus é revelar o nosso pecado (nossa
nudez) e, desse modo, nos conduzir a Cristo para obter perdão (vestes puras). Além
disso, estamos conscientes do fato de que a lei nos fornece tanto um padrão para a
vida diária quanto para o julgamento de Deus. Mas o que frequentemente não perce-
bemos é que podemos ser inteiramente zelosos em guardar as leis de Deus ao mesmo
tempo em que falhamos completamente em guardar a Lei de Deus.
Deixe-me ilustrar essa questão fazendo a você uma pergunta. O que os ad-
ventistas mais anseiam: o pôr do sol da sexta-feira ou o pôr do sol do sábado? Posso
fazer essa pergunta em qualquer lugar do mundo, e sempre vou obter a mesma res-
posta: um leve sorriso. Eles sabem do que estou falando. Muitos de nós guardamos
o sábado como se ele fosse uma punição por sermos adventistas, em vez de ser o
ápice da semana. Temos o dia correto, mas com frequência esquecemos o princípio
do amor e o relacionamento amoroso com Deus, que tornam esse dia tão especial.
Assim, o sábado passa a ser um fardo, em vez de um deleite semanal.
Eu costumava ser perfeito

Penso que, na década de 1890, A. T. Jones estava certo quando disse que exis-
tem três tipos de cristãos quanto ao dia de guarda. Há os guardadores do domingo,
os guardadores do sábado do calendário (em inglês, Saturday) e os guardadores
do sábado bíblico (em inglês, Sabbath). A distinção entre os dois últimos é crucial.
Qualquer um consegue guardar o sábado do calendário. Afinal, ele é o dia correto.
Porém, é necessário ter o Espírito Santo para guardar o sábado bíblico. Apenas
com um relacionamento de amor com o Deus do universo descobrimos o verda -
deiro significado do sábado bíblico. Guardar o sábado do calendário está correto,
mas guardar o sábado bíblico requer espiritualidade.
Salientando essa questão de outra maneira, eu diria que, quando a Lei de
Deus está dentro de nosso coração, torna-se natural a guarda das muitas leis de
Deus. Mas o oposto não é verdadeiro. Alguém pode guardar as muitas leis de Deus
e, ainda assim, não guardar a Lei de Deus. Isto é, a pessoa pode ter obediência ex-
terior mas não possuir o amor de Deus no seu coração. Em outras palavras, alguém
pode guardar o dia correto, mas pode ser tão perversa quanto o diabo.
A obediência exterior acompanhada pela falta de cristianismo interior é urna
das situações mais perigosas na qual podemos estar do ponto de vista espiritual.
Afinal, as pessoas equivocadas nesse ponto podemse sentir muito satisfeitas cons i-
40
go mesmas, porque estão fazendo o que é certo. Como o irmão mais velho do filho
pródigo, elas podem nunca "cair em si" e perceber sua real condição.
Esse era o problema com os fariseus do passado. Nunca se esqueça de que eles
guardavam sinceramente as leis, mas quebrantavam a Lei e pregaram Cristo na cruz.
Há, por tradição, um espírito de perversidade entre aqueles que enfatizam as leis em
vez da Lei. Essa perversidade é dirigida especialmente aos que não concordam com
eles teologicamente e/ou aos mais equilibrados do que eles em relação às leis, regras
e regulamentos específicos. Esse espírito não é novo. Jesus teve que enfrentá-lo. Ellen
G. Wh ite o chamou de "espirito dos fariseus" e "espirito de NI ineápolis". 3
O apelo de Deus a nós é o de buscar pelas prioridades corretas. Ele quer que
guardemos a sua Lei, de forma a estar verdadeiramente aptos para guardar as suas
leis. A sequência correta nos mantém longe de uma abordagem legalista, que cria
urna lista de exigências para a salvação, recriando Deus à imagem de um fariseu do
primeiro século. O ponto a ser lembrado é que se estamos seguros em Jesus, Ele vai
viver a sua vida em nós. Isso significa que não só o nosso amor será reorientado a
Deus c aos outros, mas significa que a fonte do amor de Deus vai permear cada uma

' Unia referência à assembleia da Associação Geral de 1888, ocorrida em Mineápolis,


nesota (EUA). A doutrina da justificação pela fé foi acaloradamente debatida nessa reunião,
Para um estudo mais profundo sobre isso, veja Knight (1998, p. 64 - 68).
Os adventistas negligenciam a Lei

.e nossas ações. "Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois
aqueles dias, diz o Senhor: na sua mente imprimirei as minhas leis, também sobre
seu coração as inscreverei; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo" (Hb 8:10).
Cristianismo não é apenas melhorar a antiga vida. E uma transformação to-
ai do pensamento, da ação e do viver. O cristão não está em Cristo apenas, mas
',risto está nele mediante o poder do Espírito Santo. Podemos saber que estamos
eguros em Jesus quando o seu Princípio de amor se torna a motivação que guia
iossa vida. Um dos meus textos favoritos sobre esse assunto é João 13:35:

• "Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se guardardes o sábado?'

• "Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se devolverdes o dízimo."

• "Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes a


alimentação correta?

Preguei certa vez sobre esse texto (usando as distorções acima para ilustrar
) assunto) e um adventista recém-converso veio a mim e disse: "Na minha Bíblia,
41
sse verso não está escrito como você leu. Onde posso encontrar esse texto?" Ele
stava atrás do argumento bíblico definitivo do adventista. Em sua ansiedade,
ie não captou a minha ênfase na leitura do verdadeiro texto: "Nisto conhecerão
odos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros". O teste do cris-
ianismo está na maneira de tratar o próximo. Há muito tempo, os adventistas
êm aplicado João 14:15 aos Dez Mandamentos: "Se me amardes, guardareis os
ineus mandamentos". Mas leia os capítulos 13, 14 e 15 de João e veja do que se
:rata o contexto desse verso. "Eu lhes ordeno", Jesus diz várias vezes nesses capi-
:idos, "amem-se uns aos outros".
A partir desse princípio, e somente a partir dele, é possível uma guarda sig-
iificativa das leis de Deus.

• Visto que amo o meu próximo, não vou roubar nada dele;

• Visto que amo o meu próximo, não vou cobiçar o seu carro, a sua casa,
a sua esposa ou o seu marido;

• Visto que amo o meu próximo, não vou usá-lo como objeto sexual para
meu próprio prazer.;
Eu costumava ser perfeito

• Visto que amo o meu próximo, quero que ele experimente a alegria de
estar salvo e seguro em Jesus;

• Visto que amo o meu próximo, quero dividir com ele o deleite do sábado.

Amar a Deus e ao próximo é o centro do cristianismo prático. Essa atitude


reflete a Lei que está por trás das leis. O amor ao próximo, como veremos no res-
tante deste livro, está no âmago da santificação, de reproduzir o caráter de Cristo,
do juízo divino e da perfeição cristã. "Nisto", disse Jesus, "conhecerão todos que
sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros" (to 13:35).

Perguntas para reflexão e discussão

1. Na semana passada, você falou ao grupo de jovens sobre as principais


características do Pecado. Você fez um trabalho tão bom que o convi-
daram para voltar e fazer uma apresentação semelhante, de 20 minutos,
42
sobre a Lei. Faça uma lista de cinco pontos que você deseja destacar.

2. Os capítulos 1 e 2 deste livro argunientam que tanto o Pecado quanto a


Lei são amor. Como é possível que eles sejam a mesma coisa? Se ambos
são amor, de que maneira podem ser diferenciados?

3. É uma heresia dizer que os Dez Mandamentos não são eternos nem
universais? Quais são as bases bíblicas para esse conceito?

4. Qual é o maior problema com a religião negativa?

5. Qual é o propósito da lei? Quais são as limitações da lei?

6. Explique como alguém pode guardar a lei de Deus e, ainda assim, ser
"mais perversa que o diabo".

7. Por que os cristãos devem guardar a lei de Deus?


Capítulo 3

A justificação
dura uma vida,
a santificação
um momento
A. n consciente do fato de que o título deste capítulo é o inverso da
S abordagem usual sobre o assunto da justificação e da santifi-
cação. Mas isso não significa que estou errado. Quando preguei sobre os tópicos deste
livro no concílio anual da Associação Geral, alguns me acusaram de não acreditar nos
títulos dos meus sermões. Mas creio em todos eles. Este capítulo vai examinar mais de
perto o processo da salvação e a maneira pela qual ela afeta nossa vida diária. O que
realmente acontece conosco no processo da salvação? O que significa ser justificado e
santificado? E qual é a relevância desses termos quando o assunto é ser salvo?
Este tópico pode soar monótono e antiquado, mas essa é a disputa mais im-
portante da história do cristianismo. O calvinista holandês G. C. Berkouwer (1952,
p. 9) destaca: "Nesta controvérsia, um acusa o outro de permitir que a justifica-
ção seja assimilada pela santificação, apenas para mostrar que ele, por outro lado,
expele a santificação em sua preocupação com a justificação." A batalha sobre a
importância desses dois temas tem sido travada por dois milênios na igreja cristã,
e está longe de terminar. Os adventistas não estão nem um pouco atrás dos mais
atuantes nesse debate. O assunto está à frente das tensões atuais da Igreja Adven-
tista do Sétimo Dia. DiscordânCias sobre esse tema produzem diferentes correntes
teológicas na igreja, que levam a inúmeras direções.
Eu costumava ser perfeito

Falarei mais sobre a relação entre justificação e santificação posterior-


mente, mas neste momento vou apresentar um breve panorama das minhas
conclusões. Em primeiro lugar, da perspectiva do NT, ambos os extremos a
respeito da importância da justificação e da santificação estão equivocados. A
maneira como o NT aborda a salvação pessoal é muito mais ampla do que as
categorias de justificação ou santificação. Claro, se eu fosse o Diabo, ficaria
feliz em conduzir os cristãos a uma grande batalha a respeito da importância
dessas duas experiências. E, no final, o meu maior objetivo seria garantir que
não tivessem nenhuma delas.

O que acontece quando


nos dirigimos a Jesus?
Vamos agora analisar o título deste capítulo. O que quero dizer ao afir-
mar que a justificação é obra de uma vida? Com isso, não estou dizendo que
a justificação, a princípio, não seja instantânea. Estão corretos aqueles que
44
veem a justificação como a obra de um momento. A justificação é uma de-
claração legai (ou jurídica) de Deus, segundo a qual aqueles que aceitaram o
sacrifício de Cristo como seu substituto não estão mais sob a condenação da
lei. Justificação é uma declaração legal, e ocorre totalmente pela graça. Isto
é, a justificação é 100% imerecida. Os pecadores — ou seja, eu e você — são
rebeldes contra Deus e não merecem nada além da morte eterna (Rm 6:23).
O NT é clard ao dizer que não há nada que os pecadores possam fazer por si
mesmos para merecer o perdão. Tudo o que a lei transgredida pode fazer é
condenar. Em si mesma, ela não possui provisão para o perdão. Entretanto,
além de condenar, a lei aponta a solução aos pecadores. Ela aponta para Jesus
Cristo e ao seu sangue que perdoa e purifica.
Somos justificados totalmente pela graça, que pode ser definida corno
o favor imerecido de Deus. Por isso, é impossível superestimar a importância
da justificação. Sem ela, não estamos parcialmente perdidos, mas totalmente
perdidos. Cada pessoa, de acordo com Paulo, tem a possibilidade de aceitar a
graça justificadora de Deus através do exercício voluntário da fé. Em Efésios 2,
Paulo resume esse processo de maneira extraordinária: "Porque pela graça sois
salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para
que ninguém se glorie" (Ef 2:8-9). Dwight L. Nloody, o famoso evangelista do
século 19, disse certa vez: "Se alguém já conquistou o céu por alguma coisa que
A justificação dura uma vida, a santificação um momento

fez, nunca teremos notícias dessa pessoa." Em função da natureza do Pecado e


da graça, aquele que foi salva jamais terá motivo para se vangloriar.
Fé significa agarrar a graça, que é o favor imerecido de Deus recebido em
Cristo. O resultado é instantâneo. Não estamos mais debaixo da condenação da lei,
mas com o nome da lista dos justificados nos livros do céu. Porém, a justificação
"instantânea" ou "inicial" não é tudo o que existe a respeito desse assunto. A justi-
ficação inicial é necessária e importante, mas/o problema é que o cristão continua
pecando. Ele, portanto, necessita de justific4ão contínua.
Hans K. LaRondelle (1980, p. 45) agma corretamente que necessitamos
de "justificação diária mediante a fé em Cf, isto, tendo transgredido consciente
ou inconscientemente". A justificação diária está intimamente ligada ao minis-
tério de Cristo em nosso favor no santuário celestial. Lemos em IIebreus: "Por
isso, também pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo
sempre para interceder por eles" (Mb 7:25). Em Romanos, Cristo é apresentado
como aquele que "Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes,
quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós"
(Rm 8:34). E João escreve: "Se E...] alguém pecar, ternos advogado junto ao Pai,
Jesus Cristo, o Justo" (1Jo 2:1). 45
Alguns estudiosos preferem pensar na justificação continua como "perdão
continuo", urna vez que nossa situação perante Deus já foi corrigida na nossa con-
versão e justificação inicial. Porém, em essência, a diferença e meramente semânti-
ca. Dia a dia, Cristo continua a mediar e interceder por seus irmãos e irmãs terre-
nos, declarando-os justos diante do trono celestial.
Isso nos leva à santificação como obra de um momento. A fim de compreen-
der a santificação dessa maneira, precisamos entender o que acontece quando uma
pessoa é justificada inicialmente. O que ocorre quando você se aproxima de Jesus?
A Bíblia une diversos eventos à justificação inicial. Urna é a autocrucificação,
ou morte para a antiga forma de viver. "Crucificação" é um termo brutal, que implica
na morte de uma vida autocentrada — o estilo de vida que tem como essência o amor
ao próprio eu, ou ao Pecado. Jesus disse aos seus discípulos: "Se alguém quer vir após
mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. Portanto, quem quiser salvar a
sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por minha causa achá-la-á" (Nlt 16:24-25).
Ora, a cruz é um instrumento de morte. Não é um objeto ou uma pessoa que
temos que suportar, como um marido infiel ou um colega de trabalho irritante. A
cruz é um instrumento de morte. Dietrich Bonhoeffer (1963, p. 99) disse bem quan-
do afirmou que "quando Cristo chama alguém, Ele o convida para vir e morrer".
A crucificação do eu acontece quando vamos a Deus em fé, pedimos perdão
e graça justificadoea e realocamos Deus ao centro de nossa vida, no lugar do nosso
Eu costumava ser perfeito

próprio eu. Crucificação é morte para a vida centrada em si mesmo; é morte para
o egocentrismo. Essa morte acontece quando entregamos nossa vida a Deus: Na
cruz, Cristo fez a provisão para nossa crucificação.
Entretanto, no momento exato da autocrucificação, a Bíblia diz que algo
mais acontece conosco. Os cristãos justificados também são regenerados, nasci-
dos do alto c ressuscitados para unia nova forma de pensar e viver baseada na
Lei de Deus. O que antes eles odiavam, agora eles amam, e vice-versa. O cristão
é descrito no NT como unia nova criatura, ou melhor, como urna nova criação
(2Co 5:17). Ele anda em novidade de vida. Paulo descreve esse processo corno a
transformação da mente (Rm 12:2). A palavra grega que ele usa para "transfor-
mação" está relacionada à "metamorfose". Você deve saber que metamorfose é
o processo pelo qual uma lagarta se transforma em uma linda borboleta. Assim,
uma criatura que só poderia rastejar consegue voar através do milagre da meta-
morfose. Esse processo significa uma mudança tão radical, tão completa, que a
menos que a pessoa conheça os dois momentos, não conseguiria sequer reconhe-
cer-se como o mesmo ser vivo.
É isso o que acontece com a vida do cristão. A vida cristã consiste na crucifi
cação da vida autocentrada, fundamentada no princípio do Pecado, e na ressurrei-
46
ção para urna nova vida, fundamentada na Lei do amor aos outros.
Um terceiro evento, que ocorre no momento da justificação inicial, é o
arrependimento. Ele pode ser visto corno o aspecto negativo ao passo que nos
aproximamos de Cristo. Se a fé é vista como aproximar-se de Cristo, então o ar-
rependimento é simultaneamente um afastar-se do Pecado. Quando as pessoas
se voltam para Deus em fé, elas estão, ao mesmo tempo, se arrependendo, isto é,
se afastando de sua velha vida autocentrada. Outra palavra para essa experiência
é conversão — isto é, dar meia-volta.
O quarto evento que acontece simultaneamente à justificação inicial é
a adoção — somos adotados pela família de Deus. Muitas pessoas dizem que
todos são filhos de Deus. Mas esse não é o ensino bíblico. A Bíblia ensina que
só aqueles que entraram em uma relação de aliança com Deus são seus filhos.
Nós nos tornamos filhos de Deus quando o aceitamos como pai e senhor. João
escreve: "Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos
filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome; os quais não nasceram do
sangue, nem da vontade do homem, mas de Deus" (Jo 1:1243). No momento
exato em que aceitamos a Jesus, somos adotados na família da aliança. Esses
novos cristãos 0o reconciliados não só com Deus, mas com sua vontade e seus
caminhos. É. na adoção que temos a certeza da salvação. Ao sermos adotados,
estamos seguros em Jesus.
A justificação dura urna vida, a santificação um momento

Agora, os cristãos são parte da grande família da aliança de Deus e assim


continuarão, a não ser que resolvam viver urna vida de rebelião contra Deus. Isto
é, eles permanecem na família de Deus, a menos que escolham o Pecado como o
princípio de sua vida. Neste ponto, é importante ressaltar que, quando cometemos
pecados momentâneos, acidentais ou involuntários, Deus não altera o nosso status
de salvação, corno "dentro da família de Deus" ou "fora da família de Deus". Não
estamos perdidos em um momento e salvos em outros. Não! Estamos cobertos pe-
las bênçãos da aliança. Estamos na família. Temos um mediador no céu para lidar
com os pecados que não correspondem à rebelião contra Deus (ou seja, o Pecado).
A primeira carta de João fala a respeito de pecados que são para morte c pecados
que não são para morte (150 5:16-17). Vamos examinar esse tema no capítulo 5.
Minha ênfase até agora é a de que aqueles que escolheram permanecer na
grande família da aliança de Deus, em lugar de viver uma vida de rebelião, tem a
certeza de sua salvação atual. Eles estão seguros em Jesus.

Compreendendo melhor a santificação


47
Além da autocrucificação, do novo nascimento, do arrependimento e da ado-
ção, existe pelo uma outra coisa que ocorre no momento da justificação inicial: a
santificação, ou aquilo que podemos chamar de santificação "inicial". Nesse senti-
do, a santificação é obra de um momento. Isso fica claro quando percebemos que
o próprio significado de santificação é "ser separado para uso sagrado ou especial".
Assim, o tabernáculo do deserto, com seus sacerdotes e mobília, era santificado.
Esses objetos e pessoas tinham sido separados para uso sagrado; eram consagrados
a Deus. Igualmente, no NT, "santo" é alguém que foi santificado, que foi separado
para uso sagrado, alguém que foi consagrado a Deus. Dessa forma, Paulo pôde
afirmar que mesmo os membros da terrível igreja de Corinto eram santos (1Co 1:2).
Ainda me lembro de como fiquei confuso na primeira vez que tentei pregar
a respeito da diferença entre justificação e santificação. Era um culto de oração
da Igreja Central de São Francisco. Preparei o assunto com o auxílio de uma
concordância bíblica, mas pressupondo que a santificação era obra de uma vida
inteira. Fiquei surpreso ao ler textos como Atos 26:18; 1 Cortados 1:2 e Hebreus
10:10, que falam da santificação com um fato realizado, um evento passado na
vida dos cristãos. Em Hebreus, bem como em outros lugares da Bíblia, lemos que
"fomos santificados". Fiquei surpreso quando percebi que a Bíblia frequentemen-
te trata a santificação como um evento passado instantâneo. Só mais tarde fui ca-
paz de perceber que nossa sistematização adventista falhou em seguir o conceito
Eu costumava ser perfeito

bíblico de santificação. Só então percebi que, levando em conta todos os fatos,


eu precisaria tratar a santificação como um processo de pelo menos três partes.
Primeiro, quando nos achegamos a Jesus e somos justificados, também somos
santificados. Isto é, quando nos tornamos cristãos, não só recebemos instantaneamen-
te o perdão e a justificação, mas nos tornamos consagrados a Deus e somos separados
para o uso sagrado. Nos tornamos parte do povo santo e do sacerdócio real.
Infelizmente, o fato de estarmos separados para o uso sagrado não nos torna
instantaneamente santos ou totalmente santificados. Voce já deve ter percebido
isso. Ainda vivemos no mesmo corpo e ainda temos os mesmos padrões de condu-
ta — padrões estes que foram criados ao longo de toda a nossa vida. Nascemos de
novo, fomos separados para o uso sagrado, mas não estamos maduros em santida-
de (a palavra "maduro" também é o termo bíblico para "perfeito").
Lembro-me de alguns anos atrás, quando eu estava ministrando um curso
de filosofia na Universidade A ndrews. Naquele trimestre, eu tinha um estudante
árabe enviado por seu governo para fazer o doutorado em administração escolar.
Quando terminei de analisar o papel da religião no esquema de todas as coisas,
meu aluno muçulmano veio a meu escritório e disse: "Eu gostaria de comprar
48 uma Bíblia." E então perguntou: "Você pode ir comigo a uma livraria e me ajudar
a esColher uma Bíblia?" Nem preciso dizer que logo estávamos indo juntos fazer
essa importante compra.
Cerca de três semanas mais tarde, ele retornou ao meu escritório e disse:
"Uma coisa estranha me aconteceu no ultimo domingo. Fui a uma igreja cristã
pela primeira vez. Era uma igreja batista, e eles fizeram uma coisa intrigante.
Jogaram um homem dentro da água e, quando ele voltou, disseram que ele era
uma 'nova criatura'." Meu amigo notou que, após o batismo, o homem não era
uma "nova criatura"; era o mesmo homem. Ele queria saber o que exatamente
significava aquilo que ele tinha visto. Naturalmente, começamos um interessan-
te estudo bíblico naquele exato momento. Com essa história, quero ilustrar que
o fato de nascermos de novo através do batismo não significa que somos total-
mente diferentes ou maduros em Cristo.
Isso nos leva ao segundo nível da santificação. Se a santificação "inicial"
nos separa para uso sagrado, então a santificação "progressiva" é o que os auto-
res bíblicos se referem como "crescer na graça". Enquanto a santificação inicial é
instantânea, a santificação progressiva é obra de uma vida inteira.
O terceiro nível da santificação pode ser expresso como a santificação "final",
ou glorificação. Isso, naturalmente, ocorrerá na segunda vinda de Cristo, quando
seremos "Eis que vos digo um mistério: nem todos dormiremos, mas transforma-
dos seremos todos, ao ressoar da última trombeta" (1Co 15:51-52).
A justificação dura uma vida, a santificação um molynento

O que significa crescer na graça?


A medida que crescia em entendimento, cheguei a várias outras conclusões
referentes à santificação. Primeiro — e nem consigo expressar a grande importância
desse ponto —, precisamos nos mover para além daquilo que chamo de santificação
"estendida". Com frequência, temos compreendido santificação como seguir uma lis-
ta do que fazer e do que não fazer. Assim, para alguns cristãos, a essência da vida
santificada está relacionada a não comer entre as refeições ou não usar determinados
tipos de roupa. A vida cristã, para essas pessoas, degenerou-se à obediência rígida a
uma lista de regras muito parecida com aquela observada pelos fariseus do passado.
Existe outro tema favorito dos fariseus intimamente relacionado com essa
lista: definir á vida santificada por seu aspecto negativo. Isto é, as pessoas se tor-
nam "santas" por aquilo que elas evitam. Para muitas pessoas, o viver cristão con-
siste em tentar "ser bom não sendo mau".
No cerne de todas as teorias equivocadas sobre o viver santificado, está a ha-
nalização da santidade, em que a vida Justa é pulverizada em inúmeros blocos ma-
nejáveis de comportamento. Essa abordagem está diretamente relacionada com a
atomização do Pecado e da Lei, conforme discutimos anteriormente. Ela se encaixa
49
bem na "pregação estendida" e faz com que alguns itens, como a reforma de saúde e
o vestuário, sejam o foco na discussão sobre a vida cristã. Esse tipo de "santificação"
tem um excelente pedigree histórico. Ele estava no centro do judaísmo farisaico.
O "benefício" da banalização da santificação e das abordagens negativas a
esse tema é rebaixar o padrão da santificação a um nível no qual é perfeitamente
possível guardar leis, regras e regulamentos. Jesus, no entanto, "pulverizou" essa
banalização no Sermão da Montanha, onde destacou a profundidade e a unidade
da Lei, relacionando-a com seu princípio subjacente. Quando Ele disse aos seus
ouvintes que a justiça deles precisava exceder em muito a dos escribas e fariseus
(Mt 5:20), Ele estava estimulando-os a alcançar um padrão muito mais elevado
do que o oferecido pela atomização da justiça e da lista do que fazer e do que não
fazer.(0 cristianismo representa a salvação do Pecado, não meramente a salvação
de pecadospe acordo com a Bíblia, a essência da santificação é a transformação
completa do coração, que resulta em uma mudança de vida, e inclui a forma
como tratamos e vemos a nós mesmos, ao nosso próximo e a Deus. A santifica-
ção progressiva é o processo pelo qual pessoas egoístas e centradas em si mesmas
são transformadas em pessoas que amam a Deus e aos outros.
Santificação é nada menos do que o processo pelo qual os cristãos se tornam
cada vez mais amoráveis. Deixe-me repetir. Santificação é o processo pelo qual os
cristãos se tornam cada vez mais amoráveis. É disso que se trata a santificação. Os
Eu costumava ser perfeito

elementos de estilo de vida que confundimos com santificação são meios, e não
fins, e muito menos fins em si mesmos.
A reforma de saúde, por exemplo, é um auxílio para a santificação. Afinal, as
pessoas que convivem comigo sabem muito bem que não sou uma pessoa amável
quando estou doente. De fato, sou chato, egoísta e às vezes até perverso quando
não me sinto bem. Mas Deus me quer feliz e amorável. Portanto, Ele quer que eu
seja saudável. A reforma de saúde é uni meio para se chegar a um fim, e não um fim
em si mesmo. Os elementos de um bom estilo de vida, que amamos corno igreja,
são meios para um bom fim. A tragédia é que, com frequência, transformamos
essas questões em fins em si mesmas# confundimos estilo de vida com caráter.)
Confundimos santificação com a lista:"do que fazer e do que não fazer. Há uma
relação entre as duas coisas, mas elas não são equivalentes.
Um segundo aspecto que precisamos examinar na santificação é o fato de
que o NT é totalmente contra as obras — isto é, certos tipos de obras. O NT é
especialmente contra três tipos de obras: 1) as obras da carne (Rm 8:3-10), que são
desdobramentos da natureza humana pecaminosa; 2) as obras da lei (Rm 3:28; G1
2:16; Ef 2:9), que são realizadas na esperança de ganhar a salvação; e 3) as obras
50 mortas (lIb 6:1), que são atividades individuais fora do relacionamento com Deus
e, portanto, desprovidas do poder da graça. Porém, o NT não é contra todas as
obras. Acima dessas obras inúteis estão as obras da fé. Existe urna vasta diferença
entre as obras da fé e os demais tipos de obras.
. Paulo aprova "a fé que alua pelo amor" (G1 5:6). Ele recomenda aos tessaloni-
censes que se recorde da "operosidade da vossa fé, da abnegação do vosso amor e da
firmeza da vossa esperança em nosso Senhor Jesus Cristo" (1Ts 1:3). E parte de sua
missão era convocar os gentios à "obediência por fé" (Rm 1:5; ver 16:26).
Jesus também deixou claro que existem "boas" obras e "más' obras. Por
exemplo, em Mateus 7, Ele fala em rejeitar, no juízo final, aqueles que fizeram
muitas obras poderosas em seu nome. Porém, na mesma passagem, Ele também
afirma que "aquele que faz a vontade de meu Pai" estará no Reino do Céus (v. 21-
22). Paulo esclarece a distinção entre "boas" e "más" obras quando diz: "Tudo o
que não provém de fé é pecado" (Riu 14:23).
Uma obra legalista é aquela feita por nossos próprios recursos, na tentativa de
ganhar o favor ou a salvação de Deus. Por outro lado, as obras da fé fluem de um
relacionamento salvifico com Jesus, são capacitadas pelo poder do Espírito Santo e
são moldadas e abrandadas pelo amor do Pai.
É crucial um entendimento correto sobre a relação entre obras, por um lado,
e a justificação, o novo nascimento e a santificação inicial, por outro. Uma pessoa
salva não realiza obras para ser salva assim como uma árvore não produz frutos a
A justificação dura uma vida, a santificação um momento

fim de mostrar que está viva. A árvore produz frutos porque está viva. Uma pessoa
salva faz boas obras porque está viva em Cristo. Martinho Lutem (1976, p. xvii)
estava certo quando escreveu em seu prefácio a Romanos que "essa fé é uma coisa
viva, ocupada, ativa e poderosa; e, portanto, é impossível para ela não produzir
boas obras incessantemente. [...] É tão impossível separar as obras da fé quanto
separar o calor e a luz do fogo".
Um terceiro ponto que precisamos compreender em relação à santificação
progressiva é o papel do esforço humano. Alguns autores cristãos parecem sugerir
que "Jesus faz tudo". Eu costumava acreditar que Jesus fazia tudo, mas logo desco-
bri que, quando não me levanto da cama de manhã, nada acontece. Eu costumava
ensinar que a sOma total das obras humanas representavam um contínuo esforço
de rendição. Embora eu ainda acredite que há muita verdade nesse raciocínio, che-
guei à conclusão de que ela falha em fazer justiça tanto à riqueza da linguagem
bíblica sobre o assunto, quanto à. experiência diária. Na Bíblia, existem muitas
palavras e histórias sobre a importância do esforço humano.
O NT está cheio de palavras de ação. A imagem bíblica não é a de santos
levados para o céu em leitos de inatividade. Tampouco a Bíblia ensina a eficácia
do esforço humano separado da graça capacitadora de Deus. "Sem mim", disse 51
Cristo, "nada podeis fazer" (Jo 15:5). A imagem bíblica, na verdade, é de coo-
peração entre Deus e os seres humanos. Assim, Paulo pôde escrever: "para isso
é que eu também me afadigo, esforçando-me o mais possível, segundo a sua
[de Deus] eficácia que opera eficientemente em mim" (Cl 1:29), e: "tudo posso
naquele que me fortalece" (Fp 4:13).
Similarmente, quando os israelitas estavam prestes a cruzar o Mar Ver-
melho, Moisés lhes disse: "Não temais; aquietai-vos e vede o livramento do Se-
nhor [...] O Senhor pelejará por vós, e vos calareis" Você deve estar pensando
"Okl É isso aí: Deus faz tudo". Mas o verso seguinte diz que Deus ordenou ao
povo para "marcharem" (Ex 14:13-15). Deus abriu o caminho, mas não carre-
gou o povo. Eles cruzaram o leito do mar seco por seu próprio esforço, com a
capacidade oriunda de Deus.
Portanto, existem elementos passivos e ativos em nossa caminhada com
Deus. Primeiro vem a entrega, depois a ação habilitadora do Espírito, a qual re-
quer esforço e cooperação humana. Talvez o texto mais claro sobre a interação
entre a obra divina e o esforço humano é a admoestação de Paulo aos filipenses:
"desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em
vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade" (Fp 2:12-13). Em
resumo, o esforço humano é importante e necessário. Embora esse esforço não nos
leve à salvação, ele certamente é resultado de tal salvação.
Eu costumava ser perfeito

A unidade da salvação
Talvez o que mais precisamos compreender (e isto está no âmago deste livro)
é que não faz absolutamente nenhum sentido falar em justificação na experiência
cristã sem, ao mesmo tempo, falar a respeito da santificação. Da mesma forma, não
é possível considerar a santificação na experiência cristã sem pensar em justifica-
ção. Ambas andam de mãos dadas:

• Ambas são obra de um momento;

• Ambas são obra de uma vida inteira;

• Ambas ocorrem pela graça de Deus.

Frequentemente tentamos estabelecer um abismo entre esses dois aspectos


do grande ato de salvação de Deus. James Denney (1959, p. 297), um renomado
teólogo da primeira parte do século 20, falou sobre isso quando escreveu: "Muitas
vezes é esquecido que o grande ponto não é a distinção entre justificação e santi-
52
ficação, mas .a ligação que existe entre ambas, e que justificação ou reconciliação
é urna ilusão, a menos que a vida do reconciliado e justificado seja inevitavelmen-
te e naturalmente uma vida santa." Esses dois aspectos da salvação constituem .
"a indivisível e inclusiva resposta da alma a Cristo". Os grandes reformadores do
século 16 perceberam essa verdade claramente. Calvin° (2008, p. 798) escreveu
que "Cristo não justifica a quem não pode santificar. f...] Você não pode possui-lo
[Cristo] sem ter se tornado participante em sua santificação, porque Ele não pode
ser dividido."
Por outro lado, reconheça que, por razões teológicas, justificação e santifica-
ção precisam ser separadas, mas na vida prática elas estão unidas. Paulo as discu-
te sequencialmente na carta aos Romanos. Nos primeiros capítulos ele discute a
justificação, enquanto aborda a santificação nos últimos capítulos. Essa discussão
separada é feita de forma abstrata, pois no exato momento em que aceitamos Jesus,
somos justificados e também santificados. Não é bíblico dizer que uma pessoa foi
apenas justificada ou apenas santificada, Aquele que foi justificado também é san-
tificado, e aquele que é verdadeiramente santificado também é justificado.
A Bíblia não se preocupa em discutir a linha tênue da distinção entre
justificação e santificação, corno geralmente fazemos. A Bíblia não é um livro
de teologia sistemática. o r
N - não discute se a santificação é mais importante
do que a justificação, ou se uma vem antes da outra. A verdadeira questão,
A justificação dura uma vida, a santificação um momento

da perspectiva do NT, é saber se a pessoa tem um relacionamento de fé com


Jesus Crista Essa é a questão — a única questão. O Pecado é a quebra do re-
lacionamento com Deus, enquanto Fé é estabelecer um relacionamento com
Ele. Ter Fé é estar seguro em Jesus.
Paulo é especialmente claro ao dizer que ou estamos "em Adão" ou es-
tamos "em Cristo" (1Co 15:22; Rm 5:12-21). Aquele que está "em Cristo", está
justificado, santificado e progressivamente santificado e aperfeiçoado. "Em
Cristo" é um conceito-chave nos escritos de Paulo. Essa expressão (ou alguma
equivalente) aparece 164 vezes nas cartas de Paulo — 11 vezes em uma das
grandes sentenças de abertura da carta aos Efésios.

O juiz está ao seu lado


A perspectiva "em Cristo" nos leva ao tema do juízo. Há uma pergunta impor-
tante que surge naturalmente ao aceitarmos o ensino bíblico de que o povo de Deus
já foi salvo e tem a "vida eterna" (Jo 3:36; 5:24). A pergunta é: se já fomos salvos em
Cristo e se estamos seguros nele, por que Deus precisa realizar um juízo final? 53
O juizo geralmente não é um assunto popular. Não é difícil compreender
essa aversão entre os descrentes. Contudo, se um cristão fica com medo desse
tema está demonstrando falta de entendimento sobre o caráter de Deus e a verda-
deira natureza do seu julgamento. Em primeiro lugar, precisamos compreender
que o Juiz bíblico não está contra nós:

• O Juiz enviou o Salvador;

• O Juiz tornou a expiação possível;

• O Juiz nos ama tanto que nos deu o seu único Filho.

É crucial compreender que Deus, como nosso Juiz, está do nosso lado.
Ele não está contra nós. Ele não é neutro. Ele enviou o seu Filho porque nos
ama e quer salvar o maior número de pessoas possível. Além disso, Ele salva-
rá todos aqueles que almejam o seu Reino.' Portanto, o julgamento não é algo

' Aqueles que estarão felizes no Reino de Deus, obviamente, são aqueles que estão dispostos a
viver em harmonia com . a grande Lei do amor, que afetará cada parte de sua vida. Para mais
informações sobre esse assunto, veja Knight (1990, p. 98 - 99, 113 - 118; 2016, p. 123 126).
Eu costumava ser perfeito

assustador para o cristão. O propósito de Deus no juízo é vindicar os crentes por


meio da confirmação de que eles estão "em Cristo". Paulo disse: "Agora, pois, já ne-
nhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus" (Rm 8:1). "Se Deus é por
nós, quem será contra nós? [...] É Deus quem os justifica [isto é, considera justos].
Quem os condenará?" Cristo "está à direita de Deus" para interceder "por nós",
Nada pode separar aqueles que estão "em Cristo" do amor de Deus (Rm 8:31-39). O
cristão, portanto, espera pelo julgamento com paz e alegria. Os cristãos já têm essa
certeza porque estão seguros em Jesus. "Quem crê no Filho", escreveu João, "tem a
vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas
sobre ele permanece a ira de Deus" (Jo 3:36).
O juízo é Deus dizendo "sim" para nós, porque nós dissemos "sim" para
Cristo. O juizo é Deus dizendo: "Sim, esta pessoa aceitou o meu Filho em seu co-
ração e, como resultado, internalizou o grande princípio do amor." Aqueles que
têm o amor de Deus no coração serão salvos. Portanto, o julgamento, em certo
sentido, é uma vindicação dos salvos.

• As boas-novas são que Deus, o Juiz, está a nosso favor;


54
• As boas-novas são que todos os que estão em Cristo já foram salvos
e serão vindicados e completamente salvos no fim de todas as coisas;

• As boas-novas são que todos os que amam e mantêm um relaciona-


mento de fé com Jesus Cristo já têm a certeza da salvação;

• As boas-novas são que os cristãos estão seguros em Jesus.

Perguntas para reflexão e discussão

1. Meus parabéns! Nas últimas duas semanas, você falou ao grupo de


jovens da sua igreja sobre as características do Pecado e da Lei. As
pessoas estão entusiasmadas com o que você tem a dizer. Por isso,
querem que você fale novamente — desta vez, durante 20 minutos,
sobre o que acontece quando uma pessoa vai a Jesus. Faça uma pe-
quena lista destacando os principais pontos da sua apresentação.
A justificação dura uma vida, a santificação um momento

2. "Justificação" é uma palavra que não significa nada para muitas


pessoas — talvez seja algum jargão teológico incompreensível.
Defina essa palavra na linguagem do dia a dia. Explique de que
forma a justificação pode ser tanto a obra de um momento quanto
a obra de urna vida inteira.

3. "Santificação" é outra palavra muito importante que, com frequência,


é mal compreendida. Corno ela pode ser definida na linguagem co-
tidiana? Descreva em poucas palavras os três níveis da santificação.
Qual é a essência da "santificação progressiva"?

4. Se as "obras" não nos salvam, que lugar elas ocupam na vida cristã?
Como se relacionam com a salvação? Qual é a diferença entre as "boas"
e as "más" obras?

5. Qual é a diferença entre a justiça passiva e a ativa?

6. Por que o juizo são boas-novas? 55


Capítulo 4

A tentação
não é Tentação

olhar o titulo deste capitulo vai perceber que a


1 palavra "tentação" foi escrita primeiro com le-
tras minúsculas e, em seguida, com letras maiúsculas. A esta altura você já
entendeu o meu sistema de escrita. As letras maiúsculas possuem uma men-
sagem crucial. O que estou tentando fazer é diferenciar Tentação (com letras
maiúsculas) das outras tentações (com letras minúsculas). Existe uma Tenta-
ção que representa a essência da vida cristã. Essa Tentação é a fonte de todas as
tentações especificas. Como resultado,

Tentação > tentações

Como você já deve ter percebido, a essência da Tentação está relacionada com
a essência do Pecado, que acarreta todos os outros pecados. Também está relacio-
nada com o princípio do amor na Lei, que dá origem a todas as outras leis, e com a
Justiça de estar em Cristo, o que conduz a todos os atos justos.

Evitar a cruz: a essência da Tentação


A tentação não é Tentação. Pelo que algumas pessoas dizem, podemos pen-
sar que Tentação é ter vontade de roubar um carro, assistir a filmes impróprios,
Eu costumava ser perfeito

comer muito açúcar ou jogar futebol com frequência. Essas coisas podem ser
tentações, mas não são Tentação.
A vida de Cristo ilustra a natureza da Tentação, a mãe de todas as tentações.
Para Cristo, a Tentação foi viver sua própria vida e evitar, dessa forma, a cruz. A
chave para compreender a Tentação de Cristo é Filipenses 2:5-8:

Tende em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus, pois ele,
subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a
Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornan-
do-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si
mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz.

Perceba que Jesus Cristo, o Deus-homem, "a si mesmo se esvaziou" de


alguma coisa quando se tornou um ser humano. Embora o apóstolo não defina
com exatidão o significado dessas palavras, fica claro no restante do NT que
parte do que Jesus fez ao se tornar humano foi esvaziar-se a si mesmo volunta-
riamente — e "voluntariamente" é a palavra-chave — da glória e prerrogativas
da Divindade. Assim, Paulo parece estar dizendo que Cristo voluntariamente
58
renunciou ao uso independente de seus atributos divinos e se submeteu a todas
as condições da vida humana.
Em outras palavras. Jesus continuou sendo Deus, mas escolheu de forma
voluntária não usar seus poderes divinos para seu próprio benefício. Como as
outras pessoas, Ele continuou a depender do poder do Pai e do Espiritó Santo
durante sua existência na Terra. No entanto, Ele enfrentou o desafio de Satanás,
segundo o qual a obediência à lei de Deus era impossível. Em sua vida de perfeita
obediência, Jesus foi vitorioso onde Adão falhou, e fez isso como um ser humano,
não como Deus. Por sua confiança no Pai e pelo poder diário do Espirito Santo,
Ele teve a mesma ajuda que podemos ter em nossa vida cotidiana.
O ponto crucial é que, ao esvaziar a si mesmo de maneira voluntária,
Jesus poderia retomar o poder divino a qualquer momento. Era uma questão
de escolha. Diferentemente dos outros seres humanos, Jesus poderia ter usado
seus poderes a qualquer momento por ser Deus. Entretanto, se tivesse feito isso,
Ele teria frustrado o plano da salvação, que pretendia desmentir a alegação de
Satanás de que a lei de Deus não podia ser obedecida pelos seres humanos. É
nesse ponto, no qual Cristo se esvaziou de forma voluntária, que podemos ob-
servar o enfoque e a força das tentações que Ele sofreu ao longo de sua vida. Se
o inimigo tivesse persuadido Jesus a usar seu poder "oculto" de maneira errada,
ou em seu próprio beneficio, a guerra teria terminado.
A tentação não é Tentação

O que devemos perceber é que Jesus não foi tentado apenas em "todas as
coisas, à nossa semelhança" (H h 4:15), mas em um patamar muito além do alcance
humano, já que Jesus tinha todo o poder de Deus em suas mãos. A grande batalha
de Cristo foi continuar abdicando desses poderes. Essa é a relevância da tentação
na qual Satanás "ordenou" que Ele transformasse pedras em pães (ver ND 4:3).
Bem, essa tentação simplesmente não é tentação para mim, porque não posso
fazer esse tipo de milagre. Eu poderia ir até o quintal da minha casa e falar o dia in-
teiro para as pedras se transformarem em pães. Porém, dois anos depois, eu ainda
estaria lá sem nem ao menos um pãozinho para recompensar o meu esforço. Por
outro lado, Jesus podia fazer isso. Como o Criador de tudo o que existe, Ele tinha
o poder de fazer o pão surgir do nada.
Jesus estava sem comer por mais de um mês quando Satanás tetava conven-
cê-lo a transformar as pedras em pães. Com certeza, essa foi uma sugestão muito
atrativa, mas não foi apenas uma tentação para saciar seu apetite. Essa seria uma
tentação com "t" minúsculo, não uma Tentação com "T" maiúsculo. A Tentação
real era para que Ele não se "esvaziasse", de acordo Filipenses 2, e usasse seu poder
para satisfazer suas próprias netessidades. Isso, obviamente, significaria que Ele
não estava enfrentando o mundo como as outras pessoas. Por trás da Tentação
estava a insinuação sutil de que "se" Ele realmente era Deus poderia usar seus po-
deres para si mesmo, em vez de depender do Pai.
Alguns cristãos se envolvem em profundas discussões sobre o significa-
do de ser tentado "em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado"
(Hb 4:15). Com frequência, temos abordado o assunto corno se ele dependesse
de alguma definição da natureza humana de Cristo. Contudo, mesmo com
urna leitura simples da Bíblia percebemos que Jesus, independentemente da
constituição de sua natureza humana, foi tentado em aspectos muito distantes
daqueles que uma pessoa comum poderia experimentar. Muitas das tentações
para ele não são tentações para mim, porque eu não tenho capacidade de res-
ponder a elas satisfatoriamente.
Todas as tentações de Cristo estavam centradas na negação de sua depen-
dência do Pai — controlar sua própria vida. Relacionada a esse assunto estava a
possibilidade sedutora de seguir sua própria vontade em vez de seguir a vontade
do Pai, principalmente porque sua vontade era de que Ele se humilhasse, sendo
"obediente até à morte, e morte de cruz" (Fp 2:8). A Tentação especial de Cristo,
durante toda a sua vida foi evitar a morte na cruz. Essa foi a essência da tentação
dos pães. Na Palestina, duas coisas sobravam: pedras e pessoas com fome. Trans-
formar pedras em pães seria um meio mais fácil, mais agradável e mais rápido
riara a concretização do seu Reino, ao contrário da cruz. Veja o que aconteceu
Eu costumava ser perfeito

em João 6 quando Jesus providenciou pão do Céu e alimentou cinco mil pessoas.
Elas disseram: "Esse é outro Moisés, outro provedor de maná. Vamos fazer dele
um rei!" Até os discípulos gostaram da ideia (ver Jo 6:14-15, 30-31; Mt 14:22).
Esta era a Tentação de Jesus: obter o Reino por outro meio que não a cruz. Além
disso, a Tentação como o ato de evitar a cruz também explica a força da rejeição
de Cristo quando Pedro sugeriu que o mestre não precisava "sofrer muitas coisas
dos anciãos, dos principais sacerdotes e dos escribas". "Arreda, Satanás!", foi a
resposta de Cristo para o seu discípulo (ver Mt 16:21, 23).
A cruz não tem muito significado para mim no século 21. Eu nunca vi urna
crucificação. Mas Jesus já tinha visto. Quando Ele via os soldados romanos pelas
ruas escoltando um homem que segurava uma cruz, sabia que era uma viagem só
de ida. Como qualquer ser humano, Jesus não queria deixar o mundo através de
uma morte tão horrível. Teria sido muito mais fácil se Ele se tornasse o messias
político que os judeus (inclusive os discípulos) desejavam que Ele fosse. Além disso,
Jesus não tinha o desejo de carregar o juízo do mundo e se tornar "pecado" por nós
através do grande sacrifício do Calvário (200 5:21). A ideia de que iria se separar
do Pai enquanto carregava nossos pecados era horrível para Ele.
A Tentação como o ato de evitar a cruz teve seu ápice no Getsémani, quando
60
Jesus se viu face a face com o significado da cruz. Naquele momento, Ele "começou
a sentir-se tomado de pavor e de angústia" e pedia "para que, se possível, lhe fosse
poupada aquela hora" (Mc 14:33, 35). Ao lutar contra a Tentação de fazer sua pró-
pria vontade e fugir da cruz, Jesus submeteu-se a um constrangimento que pode-
mos entender apenas de maneira vaga. Em agonia e pavor, Jesus finalmente tomou
a sua decisão. "Meu Pai", Ele orou, "se não é possível passar de mim este cálice sem
que eu beba, faça-se a tua vontade" (Mt 26:42).

A Tentação para descer da cruz


Quando estava na cruz, Jesus se deparou com dois aspectos de sua Tenta-
ção: fazer sua própria vontade e descer da cruz; e usar seu poder para seu pró-
prio benefício. Uma das principais diferenças entre a crucificação de Jesus e as
demais era que Ele não precisava permanecer ali. Ele podia descer. Ele não era
uma vítima indefesa. Como Deus-homem, Ele poderia ter retomado seu poder
e terminado com o sofrimento.
Entretanto, Jesus escolheu morrer na cruz. Foi uma questão de escolha. Sua
crucificação foi um ato voluntário de obediência à vontade de Deus. "Eu dou a
minha vida [...]. Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a
A tentação não é Tentação

dou [...1 O bom pastor dá a vida pelas ovelhas" (Jo 10:17-18, 11). Cristo poderia ter
descido da cruz, mas Ele não tomou essa decisão.
Por toda a vida de Jesus, Satanás tentou convencê-lo a evitar a cruz, e conti-
nuou com esse plano durante a crucificação quando o tentou a interromper o seu
"esvaziamento" e realizar sua própria vontade. Dessa vez, ele se utilizou das pró-
prias pessoas por quem Cristo estava morrendo. Os transeuntes o ridicularizavam,
alegando que Ele havia falado sobre as coisas grandiosas que podia fazer. "Se você
é quem diz ser", desafiavam, "salve-se a si mesmo e desça da cruz!" Os chefes dos
sacerdotes e os escribas também se uniram ao ato de zombaria: "Salvou os outros,
a si mesmo não pode salvar-se; desça agora da cruz o Cristo, o rei de Israel, para
que vejamos e creiamos" (Mc 15:31-32). Enquanto isso, alguns dos soldados roma -
nos também zombavam dele (ver Lc 23:26).
Como você teria respondido a esse tratamento se estivesse pendurado em uma
cruz, pelado, e tivesse acesso a tal poder? Vou dizer o que eu acho que teria feito com
essas pessoas ingratas: eu teria descido da cruz e dado a elas o que mereciam. Teria
mostrado exatamente quem eu era! Teria feito descer fogo do céu para as consumir
em um segundo! Claro, com um estalar de dedos, eu as teria pulverizado com um
holocausto nuclear. Porém, em virtude de minha natureza humana, eu optaria por
61
realizar isso de maneira lenta para que as pessoas tivessem tempo de ponderar sobre
a minha dignidade e perceber quem eles tinham insultado. Eu teria provado exata-
mente quem eu era. Esses ingratos certamente iriam se arrepender de esgotar minha
paciência — principalmente quando eu estava fazendo um favor a eles!
Felizmente, para o universo, Cristo não caiu na armadilha de Satanás. Ele
resistiu à Tentação de descer da cruz e colocar sua própria autoridade no centro de
sua vida e, assim, agir por conta própria. Dessa forma, Ele venceu nas coisas que
Adão falhou. Sua morte cancelou a penalidade do pecado e sua vida proveu um
modelo para os cristãos. Em parte, o brado "Está consumado!" (Jo 19:30) aponta
para uma vida de entrega e obediência, provando de uma vez por todas ao universo
que isso era possível. Por causa do seu amor por nós, Ele permaneceu na cruz até
o fim, até poder gritar as palavras "Está consumado!", como um grito de vitória.

A Tentação de Jesus é a sua Tentação


A cruz está no centro da Tentação em nossa vida assim como estava na vida
de Cristo. Lembre-se de que Adão e Eva caíram quando se rebelaram contra Deus
e priorizaram a sua vontade, colocando o "eu" no local que pertencia a Deus. Eles
caíram quando desviaram para si mesmos o amor que tinham por Deus. O Pecado
Eu costumava ser perfeito

e uma rebelião; é a quebra da relação com Deus que entroniza a minha vontade. A
partir dessa quebra, surge uma série de ações pecaminosas (os pecados).
O imperativo do NT é que cada discípulo de Cristo crucifique seu ego, rece-
bendo uma nova vida no poder da ressurreição (Rin 6:1-11). "Se alguém quer vir
após mim". Jesus di sse, "a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me" (Mt 16:24).
"Estou crucificado com Cristo", Paulo disse. "Logo, já não sou eu quem vive, mas
Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho
de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim" (G12:20). A crucifixão
do ego está no âmago do cristianismo.
O ato de "imitar" a Cristo extrapola infinitamente o desejo de desenvolver
uma série de hábitos comportamentais. É muito mais do que aquilo que como,
visto ou assisto. Como os fariseus de todas as épocas comprovam, urna pessoa
pode ser moralmente correta e ainda assim ser egocêntrica, orgulhosa e maldosa.
Uma pessoa pode possuir padrões morais elevados sem ter sido crucificada! Uma
pessoa pode ter moral sem estar salva e segura em Jesus. Martinho Lutero des
cobriu isso. Quando Lutcro entrou para o monastério, relata Dietrich Bonhoeffer
(1963, p. 51), "ele deixou tudo para trás, menos o seu eu religioso". Porém, quan-
do conheceu a Cristo, "até isso foi tirado dele".
62
O evangelho nos chama para a crucificação e para a transformação, em vez
de urna melhoria gradual da vida centrada em si mesmo (Riu 12:1-2). Optar pelo
"espirito de Cristo" em vez do "espírito egoísta", que é natural do ser humano, não
é tuna questão de crescimento ou de evolução natural. Muito mais do que isso, diz
Farmer (apttc1 DILLISTONE, 1944, p. 155), "é uma operação cirúrgica de extirpa-
ção, dilaceração, rasgamento, rachadura e ruptura". É uma crucificação.
O centro da batalha é a vontade individual, aquilo que Ellen G. White (2010,
p. 47) chama de "poder que governa a natureza humana". Ela escreveu: "A batalha
contra o próprio eu é a maior batalha que já foi travada. A renúncia de nosso eu,
sujeitando tudo à vontade de Deus, requer luta; mas a alma leni de submeter-se a
Deus antes que possa ser renovada em santidade" (WHITE, 2010, p. 43).
Como James Denny (1959, p. 198) coloca: "Apesar de o pecado ter um
nascimento natural, ele não morre de morte natural; em todos os casos, ele
precisa ser moralmente sentenciado e levado à morte." Esse é um ato da von-
tade impulsionado pelo Espirito Santo.
Assim como aconteceu com Cristo, a luta para levar nossa cruz será a mais
severa de nossa vida, porque, como Forsyth (1983, p. 92) ressalta, "nossa vontade
é o hem mais precioso para nos, é a coisa à qual mais nos apegamos e a última da
qual desistimos". "Só Deus", diz Ellen G. White (2009, p. 142), "pode nos dar a vitó-
ria" na luta contra o nosso "eu". Mas Ele não pode e não irá forçar nossa vontade. "A
A tentação não é Tentação

fortaleza de Satanás" só é destruída se a "vontade" é "colocada ao lado da vontade


de Deus". Mas o poder para a vitoria vem de Deus! "Se você estiver disposto a se
tornar disposto, Deus efetuará a obra por você."
Por favor, note que o cristão não abdica da sua vontade. Ele não se torna um
robô nas mãos de um Deus onipotente. Em vez disso, ele entrega a sua vontade ao
poder transformador do Espirito de Deus. A vontade ainda continua como o poder
controlador da vida cristã, mas, quando é "convertida", a vontade humana não é
mais contrária à vontade de Deus. Ao contrário, ela está em harmonia com Deus e
com seus princípios. O domínio do Pecado corno amor mal direcionado está erra-.
dicado, e o principio central da Lei passa a ser a motivação do cristão. O crente não
se torna um robô nas mãos de Deus, mas um agente responsável que compartilha
da sua vontade. A mente e o coração "nascidos do alto" estarão em harmonia com
a vontade de Deus a ponto de que, "obedecendo-lhe", "não estarão senão seguindo
seus próprios impulsos" (WHITE, 2001, p. 668).
Cristo teve a sua cruz, e eu tenho a minha. Você tem a sua. Ele morreu em sua
cruz por nossos pecados, nos quais não tinha participação; e nós penduramos em
nossa cruz todo orgulho e autoconfiança, para que possamos ter participação na
vida dele. Na cruz de Cristo, toda independência moral e intelectual é finalmente
63
destruída; admitimos livremente nossa dependência de Deus em todos os aspectos
de nossa vida. Da perspectiva da cruz, as palavras de Cristo assumem um novo
significado: "Pois quem quiser salvar a sua vida perdê-la-a; quem perder a vida por
minha causa, esse a salvará" (Lc 9:24).
Se ir a Jesus para receber justificação e regeneração pode ser visto como uma
crucificação inicial, então uma vicia de santificação deve ser vista como viver a vicia
da cruz. Cristo exortou aos seus discípulos para tomar a sua cruz "dia a dia" (Lc
9:23), e Paulo afirmou: "Dia após dia, morro!" (1Co 15:31). Assim como a Tentação
na vida de Cristo consistia em I) depender de si mesmo e 2) descer da cruz, o mes-
mo acontece com os seus seguidores. A Tentação está sempre presente:

• Descer da nossa cruz e dar às pessoas o que elas realmente "merecem";

• Agir por nos mesmos;

• Entronizarmo-nos como o deus de nossa própria vida;

• Fazer a escolha de Adão e não a escolha de Cristo.


Eu costumava ser perfeito

A Tentação e a sua vontade


À semelhança de Jesus em sua Tentação, nós também temos o poder de
escolha, o livre-arbítrio. Assim como Jesus poderia ter escolhido abortar o pla-
no da salvação evitar a cruz, nós também podemos. Similarmente, assim como
Jesus poderia ter descido de sua cruz para dar às pessoas o que elas mereciam,
nós também podemos.
Nossa maior Tentação não é comer isto ou fazer aquilo, mas quebrar o nosso
relacionamento com o Pai, sair da relação de Fé e entrar em unia relação de Pecado,
de rebelião. Portanto, Tentação é escolher estar fora do alcance do amor divino. Ten-
tação é escolher não estar sob a proteção de Jesus. Isto é, optar pela Tentação é estar
desprotegido da condenação e do poder do pecado. Deixe-me ilustrar essa ideia com
um exemplo: Aprendi tem um tempo que não consigo orar e, naquele exato momen-
to, cometer um ato deliberado de pecado. E eu já testei isso várias vezes!
A tentação se torna pecado no instante em que tomo consciência da tentação
como tentação. Nesse exato momento, posso escolher fazer urna dentre duas coi-
sas: rejeitar a tentação por meio do poder de Deus, ou nne demorar na tentação e
64 acalenta-la um pouco. Em outras palavras, posso pedir para que Deus me ajude a
vencer, ou posso pedir para que Ele me deixe sozinho para poder aproveitar o meu
pecado. Eu me conforto, dizendo a mim mesmo que vou orar por aquilo mais tarde.
Frequentemente somos como Agostinho, que ao sofrer a maior tentação de sua vida,
orou: "Senhor, faze-me casto, mas não agora!"
A alternativa é dizer a Deus: "Senhor, eu reconheço que essa é uma ten-
tação, e vou orar agora mesmo." Descobri que quando oro por vitória de
modo sincero e perseverante, perco o desejo de pecar. Creio que esse fenô-
meno é o poder de Deus que me ajuda a superar tanto a Tentação quanto o
Pecado, assim como as tentações e os pecados.
Entretanto, às vezes, não quero o poder de Deus nem a sua vitória. Que-
ro o pecado. Nesse ponto, caio em Tentação da mesma forma que Eva caiu em
Gênesis 3. Tomei conta de minha própria vida e deixei Deus de lado. Escolher a
Tentação de forma consistente conduz a uma vida de quedas constantes à medida
que me separo de Deus. Porém, o problema básico do ser humano é a Tentação —
evitar a cruz, evitar a vida de Cristo, evitar estar seguro em Jesus, escolher a vida
de rebelião em vez de urna vida de fé. É importante perceber que a Tentação, em
termos de intenção deliberada, está intimamente relacionada à impecabilidade e
perfeição na Bíblia. Esse é o tema do próximo capitulo.
Vamos encerrar este capitulo resumindo as características da vida sem peca-
do à luz dos conceitos que estudamos:
A tentação não é Tentação

• Uma vida sem pecado é urna vida de fé;

• Urna vida sem pecado é urna vida segura em Jesus;

• Uma vida sem pecado é urna vida que segue a Cristo até a cruz;

• Uma vida sem pecado é uma vida que permanece na cruz com Cristo;

• Uma vida sem pecado não opta pela Tentação.

Seguir o exemplo de Cristo não significa apenas ir à cruz, mas viver a vida
da cruz. Seguir o exemplo de Cristo é evitar a Tentação. Como.disse o apóstolo:
"Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele,
subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus;
antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em se-
melhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humi-
lhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz" (Fp 2:5-8).
65

Perguntas para reflexão e discussão

O preço para o sucesso é o trabalho. Suas três primeirasapresentações


ao grupo de jovens foram um grande sucesso. Talvez você não acredite,
mas querem que você fale nesta semana sobre a natureza da Tentação.
Resuma em quatro ou cinco frases o conteúdo que vai apresentar;

2. Defina Tentação, comparada às tentações;

3. Como a Tentação se relaciona com Pecado, Lei e Justiça?

4. Quais foram os dois aspectos da Tentação de Cristo? Como esses dois


aspectos se relacionam com a Tentação que você enfrenta hoje?

5. Como a vontade se relaciona com o problema da tentação?

6. Em que momento a tentação se torna pecado? Quais são algumas das


estratégias que podem ser usadas para evitá-la?
Capítulo 5

Sou perfeito,
mas não Perfeito;
estou sem pecado,
mas não sem Pecado
:c C2 41, •1: ■ sede vós perfeitos como é perfeito o vosso
I .5 11_17 ;7".
;Li
Li ni '71 - É f 7.
i _ . celeste" (Mt 5:48). Nesse texto, Cristo
não só ordena a perfeição, mas também apresenta Deus como o padrão para ela: "Anda
na minha presença e sê perfeito", Deus ordenou a Abraão (Gn 17:1). O livro de Hebreus
nos diz: 'Prossigamos até a perfeição" (1-lb 6:1, ARC), e Paulo escreveu aos colossenses
que era seu desejo "[apresentar] todo homem perfeito em Cristo" (Cl 1:28). Os dons
espirituais foram dados "com vistas ao aperfeiçoamento dos santos" (Ef 4:12, ver 13).
A única coisa que podemos concluir é que, segundo a Bíblia, a perfeição é
possível, ou os autores bíblicos não teriam ensinado isso. Portanto, a questão não é
se a perfeição é possível, mas o que a Bíblia quer dizer com essa palavra.

Perspectivas corretas e
equivocadas sobre a perfeição
Antes de examinar a Bíblia para descobrir o que a palavra "perfeição" signi-
fica, será proveitoso considerar vários aspectos preliminares sobre esse tópico. Em
Eu costumava ser perfeito

primeiro lugar, muita confusão pode ser evitada se reconhecermos que a perfeição
possui mais de um significado na vida cristã. Marvin Moore (1990, p. 106-107) ob-
serva corretamente que, "em certo sentido, nos tornamos perfeitos em Cristo no mo-
mento em que o aceitamos como nosso salvador, porque a sua justiça cobre os nossos
pecados". Além disso, no entanto, "a perfeição de caráter prossegue durante toda a
vida". Portanto, existem conceitos bíblicos de perfeição relacionados tanto com a jus-
tificação quanto com a santificação progressiva. Um terceiro conceito de perfeição
está relacionado com a glorificação, quando nossa natureza será transformada na
segunda vinda de Cristo (1Co 15:51-54). •
crucial notar que textos bíblicos como Mateus 5:48; Hebreus 6:1 e Efésios
4:12-13 (citados acima) não falam sobre a perfeição relacionada com a justificação.
Esses textos falam sobre o processo dinâmico do desenvolvimento do caráter, no
qual as pessoas realmente se tornam cada vez mais semelhantes ao seu "Pai celestial".
Paulo se refere ao aspecto dinâmico da perfeição quando diz aos membros
da igreja de Corinto: "aperfeiçoando a santidade no temor de Deus" (2Co 7:1). O
autor de Hebreus também tinha em vista essa dinâmica quando disse aos cristãos:
"Prossigamos até a perfeição" (Hb 6:1, ARC), e igualmente Paulo quando escreveu à
igreja de Corinto, dizendo: "somos transformados, glória em glória, na sua própria
68
imagem" (2Co 3:18; ver G14:19; 2Pe 3:18).
Com frequência, pensamos em perfeição corno um padrão "fixo" e "estático",
enquanto o conceito bíblico de perfeição tem que ver com crescimento ilimitado. Per-
feição é uma linha, não um ponto a ser alcançado. "A palavra ponto", observa Moore
(1990, p. 114, grifo do autor), "é muito limitada. Perfeição é muito mais um estado
de ser, um relacionamento com Jesus e um caminho de vida, do que um 'ponto' que
alguém pode medir para saber quando o alcançou". A "linha" dinâmica do desenvol.-
i mento do caráter é infinita. "Cristãos perfeitos" se tornam cada vez mais semelhantes
a Deus, sem, no entanto, se igualarem a Ele. A Nova Terra será um lugar para um cres-
cimento espiritual eterno. Ainda assim, nunca seremos absolutamente perfeitos como
Deus. Ser absolutamente perfeito, por definição, equivaleria a ser Deus.
Infelizmente, ensinos antibíblicos relacionados à perfeição e à impecabilida-
de com frequência conduzem ao excesso e ao fanatismo. John Wesley (1931, p. 38),
um homem que passou a vida ensinando a possibilidade da perfeição bíblica, re-
fere-se a alguns perfeccionistas como pessoas que "associaram o próprio nome da
Perfeição ao mal cheiro". Em outras palavras, teorias distorcidas sobre a perfeição
comunicam várias aberrações aos cristãos. A perversão dessa doutrina elimina a
clara distinção entre a vontade do cristão e a vontade do Espírito Santo. Sendo que
a pessoa é "perfeita" por definição, tudo o que ela faz é correto e santificado. Essas
pessoas não podem fazer coisas erradas, porque são perfeitas. Na década de 1840,
Sou perfeito, mas não Perfeito; estou sem pecado, mas não sem Pecado

esse ensino conduziu aos "relacionamentos espirituais" entre homens e mulheres,


bem como a outras perversões entre adventistas ex-tnileritas e outros cristãos.'
A segunda abordagem equivocada conduz a uma direção materialista. Du-
rante a década de 1890, alguns grupos na Igreja Adventista do Sétimo Dia e no
Movimento da Santidade acreditavam que até os seus cabelos cinzas seriam res-
taurados à cor natural quando eles se tornassem santos. Alguns pregadores, corno
E. J. Waggoner, que se tornou conhecido pela assembleia de 1888, ensinavam que
aqueles que realmente tinham a justiça de Cristo nunca ficariam doentes. 2
O terceiro equívoco do perfeccionismo é um moralismo que enfatiza a confor-
midade externa com a lei. Na perfeição moralista, cada ato humano é regulamentado
por leis, e esses regulamentos se tornam cada vez mais numerosos e complexos, en-
volvendo cada aspecto da alimentação, da recreação, do vestuário e assim por diante.
Tentativas de obter santidade através de celibato, flagelação, vegetarianismo c outras
restrições alimentares, e até mesmo a autocastração, não são incomuns entre protes-
tantes e católicos que possuem uma compreensão moralista sobre a perfeição. Pessoas
sinceras, persuadidas por essa crença, desenvolvem longas listas de regras e, quanto
mais pensam sobre o assunto, maiores as listas se tornam. Os fariseus e os monges
pertencem a essa linha do perfeccionismo, alguns adventistas e outros cristãos con-
69
servadores no mundo moderno com frequência têm se juntado a esses grupos.
O quarto entendimento equivocado sobre a perfeição bíblica substitui o desenvol-
vimento progressivo da perfeição do caráter pela perfeição legal da justificação. Somos
perfeitos em Cristo, diz essa teoria, e isso é tudo o que precisamos. Essa teoria se baseia
na ilusão de que o caráter pode ser transferido de uma pessoa para outra. Assim, Cristo
se torna nossa perfeição vicária. Essa crença conduz ao antinomianismo (isto é, à rejeição
da lei moral) na teoria, se não na prática. Alguns adventistas foram apanhados por essa
forma antibiblica de perfeição. Esse ensino está diretamente relacionado à teoria de que a
justificação pode ser separada da santificação (discutimos isso no capitulo 3).

A perfeição bíblica
Um dos problemas mais graves relacionado à perfeição entre os cristãos é o ato
de transferir para a Bíblia suas próprias definições de perfeição, em vez de permitir
que a própria Bíblia defina esse conceito. Esse procedimento costuma conduzir as

Sobre o 'relacionamento espiritual" pós-milerita, ver Knight (1993, p. 251 - 257).


= Quanto à conexão de Vvraggoner com a 'carne santa", ver Knight (1987, p. 56-60; 1989, p. 76).
Eu costumava ser perfeito

pessoas à compreensão da perfeição em termos absolutos, um ponto de vista que está


em harmonia com a filosofia grega, mas não reflete o uso bíblico da palavra.
A Bíblia desconhece a definição grega da perfeição humana. Já é hora de os
adventistas compreenderem que a influência da filosofia grega na teologia cristã
vai muito além da vida após a morte. Outro aspecto dessa apostasia no cristianis-
mo foi a imposição de definições absolutas e estáticas da perfeição, substituindo as
ideias dinâmicas dos hebreus e do NT. A vida ascética dos monges da Idade Média
foi um dos resultados dessa confusão. Ainda que a maioria dos adventistas não
seja tentada a morar em um rnonastério, muitos são influenciados pela definição
de perfeição na qual essa instituição medieval se baseia.
A importação de significados externos de perfeição ao texto bíblico provocou
estragos e prejudicou o entendimento desse conceito. Na busca pelo significado
bíblico de perfeição, precisamos permitir que o contexto da passagem estabeleça
o seu próprio significado. Além disso, devemos descobrir o significado bíblico dos
termos usados para traduzir a palavra perfeição ao nosso idioma.
Entre os autores dos evangelhos, apenas Mateus usa o termo "perfeito", e ele
o faz apenas três vezes. Os primeiros dois usos aparecem na afirmação intrigante
70 do capitulo 5, no verso 48: "Portanto, sede vós perfeitos corno perfeito é o vosso Pai
celeste" Embora o texto contribua com um estilo de vida extremista e delirante, à
semelhante da disciplina monástica, na esperança de que a separação do mundo e
do pecado conduza à perfeição de Deus, o contexto sugere urna ideia exatamente
oposta. Ser perfeito como o Pai é perfeito, de acordo com os versos 43 a 47, significa
amar (agapao, em grego) não apenas os amigos, mas os inimigos. "Amai os vossos
inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai
celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre os maus e bons e vir chuvas sobre
justos e injustos" (v. 44-45). A passagem paralela em Lucas reforça essa mensa-
gem: "amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam {...} e sereis filhos
do Altíssimo" (Lc 6:27-35). E acrescenta: "Sede misericordiosos, corno também é
misericordioso vosso Pai" (v. 36). Portanto, os autores dos evangelhos igualam a
misericórdia com a perfeição. Assim corno Deus enviou Cristo para morrer por
seus inimigos (Rm 5:6, 8, 10), os seus filhos devem imitá-lo. Ao comentar Mateus
5:48, Willian Barclay (1958, p. 177) resume muito bem a mensagem do texto: "O
que nos torna semelhantes a Deus é o seu amor, o qual nunca cessa de cuidar dos
seres humanos, não importa o que façam a Ele. Entramos [...] na perfeição cristã
[...) quando aprendemos a perdoar como Deus perdoa e a amar como Deus ama."
A única ocasião em que a palavra "perfeição" é utilizada nos evangelhos em
um contexto diferente encontra-se na conversa de Cristo com o jovem rico. Você
deve se lembrar que, no desejo de ganhar a vida eterna, o jovem chegou a Cristo
Sou perfeito, mas não Perfeito; estou sem pecado, mas não sem Pecado

com uma lista de realizações. Porém, ele sentia que ainda não tinha feito o bastante
para obter esse prêmio, de forma que perguntou a Jesus o que mais precisava fazer.
A resposta foi: "Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres e terás
um tesouro no céu; depois, vem e segue-me" (Mt 19:21).
Cristo não permitiu que o jovem rico banalizasse o conceito de "justiça" com
uma lista de ações. Ao contrário, uma vez mais, Ele relaciona a perfeição com o
amor ao próximo. Porém, Ele inseriu esse amor no contexto de um discipulado
transformador. "A decisão real que Cristo requereu ao jovem rico", declara Hans
IC. LaRondelle (1971, p. 181), "não foi primariamente de natureza ética jisto é, fazer
alguma coisa] mas de natureza religiosa radical [isto é, o relacionamento]: a com-
pleta auwentrega a Deus". Relacionar-se com Cristo inclui assimilar e refletir o seu
caráter de amor. Inúmeras outras passagens da Bíblia que tratam do ideal de Deus
para os seres humanos apresentam o mesmo conceito presente nas afirmações de
Cristo sobre a perfeição (ver 1Jo 2;4 , 6; 4:7-12; Tg 1:27; Mq 6:8).
É crucial, neste contexto, compreender que a perfeição bíblica é uma qua-
lidade positiva, em vez de negativa. A essência da perfeição não é se abster de
certas coisas e ações, mas realizar ações amoráveis dentro de uni relaciona-
mento com Cristo. A perfeição está na vida que reflete o amor de Cristo, por 71
Deus e pelas outras pessoas. "Perfeição", escreve Jean Zurcher (1967, p. 25), "é
mais do que simplesmente não fazer algo errado. E vencer o mal com o bem,
em harmonia com o principio básico estabelecido na Regra de Ouro [de Mt
7:12]". "Perfeição de caráter", sugere C. Mervyn Maxwell (1975, p. 164), "é nada
menos do que uma vida de amor". O amor, portanto, define tanto o Pecado
quanto a perfeição cristã. Se, como já vimos, Pecado é, em essência, conferir
prioridade ao meu amor (agape) próprio, o caminho para a perfeição bíblica
é priorizar o amor a Deus e ao meu próximo. Essa transformação, segundo
Paulo, transformará cada aspecto da minha vida diária (Rm 13:8-10; Gl 5:14).
Amor perfeito não significa desempenho perfeito, habilidade perfeita ou natu-
reza humana perfeita. Em vez disso, é prestar obediência a Deus e ao grande princí-
pio que embasa sua Lei. Tentativas de "tornar-se perfeito", divorciadas do relaciona-
mento com Jesus e com a Lei de amor são estéreis, frias, mortas e, com frequência,
desagradáveis — uma verdade demonstrada por aqueles de inclinação farisaica.
Voltemos aos termos bíblicos usados para expressar a palavra "perfeição"
em nosso idioma. Nenhum desses termos significa "sem pecado" ou possui co-
notações absolutas. A palavra-chave do NT traduzida como "perfeição" é teleios,
a forma adjetiva de telas. A ideia contida em frios está presente no nosso idioma,
por exemplo, na palavra "teleologia", que significa "o fato ou a qualidade de ser
dirigido a um fim definitivo ou de ter um propósito final". Esse significado vem
Eu costumava ser perfeito

do grego, no qual tetos significa "final", "propósito", "alvo" ou "objetivo". Clas-


sificamos como "teleios" aquilo que preenche o propósito para o qual foi criado.
As pessoas são, portanto, perfeitas (teleios) se cumprem o propósito de Deus para
elas. A Bíblia não deixa dúvidas sobre o propósito para o qual os seres humanos
foram criados. "Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhan-
ça", diz o relato de Gênesis (Gn 1:26). Assim, é natural que Jesus afirme que o
ideal cristão é tornar-se teleios (perfeito) em amor; os cristãos deveriam ser como
o Pai celestial, que é amoroso por essência (1VIt 5:43-48; 1Jo 4:8). As pessoas são
feitas para amar, em vez de se comportar como o diabo.
O significado de teleios não é "impecabilidade", mas "maturidade". Cristo
pôde, portanto, dizer ao jovem rico que, se ele quisesse ser perfeito (teleios), pre-
cisava se tornar totalmente comprometido com Deus (1411t 19:21). Isso significava
que ele precisava "amadurecer" seu amor a Deus e às outras pessoas. O compro-
metimento maduro encontra-se„ no cerne da perfeição bíblica. A ideia de perfeição
como maturidade é explicitamente clara em Hebreus 5:11 6:1, no qual lemos que
os cristãos devem alimentar-se de um conteúdo mais consistente que o leite da
infância cristã; o alimento sólido dos "maduros" (Meios). Os perfeitos são aqueles
• que "prosseguem rumo à maturidade".
72
Você deve ter notado que, quando iniciei o estudo sobre a perfeição bíblica
neste capitulo, quase todas as minhas citações foram feitas usando as traduções da
Almeida Revista e Atualizada e da Almeida Revista e Corrigida. Isso ocorreu por-
que a Nova Versão Internacional (corno outras versões modernas) quase sempre
traduz os termos relacionadas com tetos como "maturidade" e "integridade", em
vez de "perfeito", por ser esse o significado correto da palavra. De acordo com os
escritores do NT, o cristão "perfeito" é o cristão maduro, íntegro, completo. O mes-
mo ocorre no AT, onde as palavras traduzidas por "perfeito" geralmente significam
`completo", "íntegro" ou "sem culpa" em sentido espiritual.
.

Nesse sentido, Noé, Abraão e ló podem ser chamados de "perfeitos" (Gn.


6:9; 17:1; 'ó 1:1, 8), embora tivessem falhas evidentes! O santo perfeito do AT
era a pessoa com o "coração perfeito" diante de Deus, à medida que "andava"
em seu caminho e vontade (1Rs 8:61; Is 38:3; Gn 6:9; 17:1), A pessoa perfeita é
aquela que se encontra em "total submissão à vontade de Deus" e em completa
"devoção ao seu serviço"; é aquele que possui "um relacionamento irrestrito
com YHINI-1" (PLESSIS, 1959, p. 241).
Em resumo, a visão bíblica de perfeição não é um padrão abstrato para a
ausência de falhas, conto na filosofia grega, mas um relacionamento íntegro com
Deus e com outros seres humanos. A perfeição bíblica envolve conduta ética, mas
está muito além do mero comportamento. Ela está centrada no amadurecimento
Sou perfeito, mas não Perfeito; estou sem pecado, mas não sem Pecado

de relações que foram rompidas com a rebelião e a Queda de Gênesis, mas são
restauradas aos indivíduos na conversão.
As definições de perfeição bíblica de John Wesley (1984, v. 11, p. 446; v.
7, p. 495) merecem mais estudo do que os adventistas geralmente dedicam ao
assunto. Perfeição, de acordo com Wesley, e o sentimento de amor perfeito a
Deus e aos nossos semelhantes, expresso em palavras e ações. O amor a Deus
significa "deleitar-se nele, alegrar-se com a sua vontade, desejar agradá-lo con-
tinuamente, buscar e encontrar nossa felicidade nele e ter sede dia e noite por
viver o mais pleno prazer que emana dele".
Além disso, para Wesley (1966, p. 117-118), perfeição

é pureza de intenções, dedicando toda a vida a Deus. Isso significa oferecer


a Deus todo o nosso coração; é o desejo e projeto de submeter todos os
nossos sentimentos. É devotar, não parte, mas toda a nossa alma, corpo
e substância a Deus, Em outras palavras, é ter o mesmo sentimento que
havia em Cristo nos habilitando a andar corno Cristo andou. É a extir-
pação do coração de toda a imundícia interior, bem como da corrupção
exterior. É a renovação do coração à completa imagem de Deus, à com-
pleta semelhança com Aquele que nos criou. E ainda é ..., louvar a Deus
de todo o nosso coração e ao próximo corno a nós mesmos.

É difícil melhorar essa definição que NAlesley descreveu corno "a completa e
única perfeição".

A impecabilidade bíblica
A Bíblia ensina de forma explícita que podemos viver esta vida sem pecar. O
apóstolo João, em sua primeira epístola, é claro neste ponto: "Qualquer que per-
manece nele não peca; qualquer que peca não o viu nem o conheceu. E.. I Qualquer
que é nascido de Deus não comete pecado; porque a sua semente permanece nele;
e não pode pecar, porque é nascido de Deus" (1Jo 3:6, 9, ARC). "Sabemos que todo
aquele que é nascido de Deus não peca; mas o que de Deus é gerado conserva-se a
si mesmo, e o maligno não lhe toca" (1Jo 5:18, ARC).
Tornadas isoladamente, essas passagens parecem descrever e exigir que os
cristãos vivam sem pecado. Contudo, outros textos da mesma epístola parecem
dizer exatamente o oposto! Por exemplo: "Se dissermos que não temos pecado ne..
nhurn, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos
Eu costumava ser perfeito

os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os peados e nos purificar de
toda injustiça. Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso,
e a sua palavra não está em nós [.. .] Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado
junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo" (1Jo 1:8-2:1).
À luz desses dois grupos de textos, fica evidente que, ou João está terrivel-
mente confuso, ou a sua definição de pecado é muito mais complexa do que al-
guns geralmente imaginam e, sem hesitação, o citam, alegando que "pecado é a
transgressão da Lei" Mo 3:4). Essas pessoas conferem ao texto uma interpretação
baseada puramente no comportamento exterior. O fato de que João possui uma
definição complexa de pecado é evidente não só pelas passagens citadas acima,
mas também porque, em 1 João 5:16, ele nota que alguns pecados "não [são] para
morte", enquanto outros pecados são "para morte".
A linha divisória entre os pecados que não podem ser encontrados no cristão
("pecado para morte", ver 3:9; 5:18) e aqueles cobertos pela mediação de Cristo
("pecados não para a morte"; ver 1:9; 2:1) pode ser encontrada nas atitudes da pes-
soa. É importante notar que, em todas as passagens de 1 João nas quais é exigida
a impecabilidade, os verbos gregos que descrevem as pessoas que pecam estão no
74 tempo presente, indicando aqueles que vivem em estado contínuo e habituado ao
pecado. Por outro lado, em 1 João 2:1, quando é dito que se pecarmos temos um
Medidor, o verbo está no tempo aoristo, que indica uma ação definida no tempo.
Assim, a ação não é contínua e, portanto, não é habitual.
Em 1 João, há um contraste entre aqueles que vivem em rebelião contra
Deus, isto é, no Pecado como um estilo de vida (orientados pelo Pecado e não
pela Fé), e aqueles que cometem pecados dos quais se arrependem quando se
voltam ao Mediador para receber o perdão. A primeira categoria indica os que
pecaram "para morte", enquanto o pecado da segunda categoria "não [é] para
morte". Os pecados que são "para morte" são equivalentes ao pecado imperdoá-
vel de Mateus 12:31-32. Quando as pessoas estão em estado de rebelião e rejeitam
a súplica do Espírito Santo ao arrependimento de forma contínua, eles se colo-
cam em uma posição que nega a graça perdoadora de Deus. Essa obstinação é o
pecado "para morte". É impossível para uma pessoa, ao mesmo tempo, ser cristã
e viver em estado de Pecado. Aquele que comete o Pecado "para morte" vive em
estado de "transgressão da Lei" (1Jo 3:4) e rebelião contra Deus, enquanto aquele
que vive em harmonia com o Mediador "é nascido de Deus", habita "nele e se
tornou parte da família de Deus por adoção (1Jo 3:9, 6, 1).
Pelo fato de que os cristãos nasceram do alto e tiveram a mente trans-
formada, eles não nutrem uma atitude de rebelião contra Deus. Em vez disso,
"[andam] na luz, como Ele está na luz" (1Jo 1:7; ver 2:6). Por outro lado, alguns
Sou perfeito, mas não Perfeito; estou sem pecado, mas não sem Pecado

alegam ter "comunhão com Ele, mas [andamj nas trevas" (1Jo 1:6). "Aquele que
diz: Eu o conheço e não guarda os seus mandamentos é mentiroso, e nele não
está a verdade" (1Jo 2:4).
Pelo próprio uso da palavra "andar", fica claro que João está falando de
duas formas de vida que estão em harmonia com o uso que ele faz do tempo
verbal. Podemos andar com Deus ou com o diabo. Uma opção para a vida é o
relacionamento com Deus baseado no Pecado, que conduz à continua trans-
gressão da lei (pecados) e termina em morte. lima outra opção é o relaciona-
mento de Fé, com a atitude daquele que nasceu do alto em relação ao pecado,
com a presença do Mediador para purificar e do Espirito Santo para conceder
poder. Aqueles que estão neste segundo grupo são definidos por João como
sem pecado", embora ainda cometam atos pecaminosos pelos quais precisam
ser perdoados. Portanto, impecabilidade não é somente uma possibilidade na
vida atual, mas unia promessa e urna demanda bíblica. O cristão "não pode
pecar [isto é, não vive em estado de rebelião], porque é nascido de Deus" (1Jo
3:9, ARC). Assim, a Almeida Revista e Atualizada traduz de maneira mais cor-
reta: "Esse não pode viver pecando, porque é nascido de Deus." Por outro lado,
aqueles que não são nascidos de Deus "são os filhos do diabo". Em sua rebelião, 75
eles não fazem a vontade de Deus nem amam o próximo (1Jo 3:10).
(A distinção entre impecabilidade e impecabilidade absolutaitambém é en-
contrada no que é dito por Paulo sobre perfeição e Perfeição absoluta. Na carta aos
Hlipenses, ele descreve a si mesmo e alguns dos filipenses como "perfeitos" (Fp
3:15), ainda que pouco antes ele afirme que ainda não tinha atingido a perfeição (v.
12). O estado "já perfeito" se refere à dedicação de coração e mente dos filipenses
a Cristo, enquanto a situação "ainda não Perfeito" indica que Paulo e sua igreja
estavam em processo de crescimento e desenvolvimento da perfeição. Isto é, eles já
eram perfeitos (maduros em sua atitude para com Cristo), mas estavam no cami-
nho da Perfeição mais completa (maturidade).
Assim, tornar-se Perfeito é um estado dinàmico no qual cristãos dedicados con-
tinuam a avançar na vida cristã. Paulo pôde, portanto, escrever aos filipenses que ele
estava amadurecendo no crescimento e desenvolvimento de sua própria perfeição (Fp
3:12-14). Seu coração, mente e atitude em relação a Deus eram perfeitos e retos, mas
ele ainda não tinha desenvolvido a Perfeição final. Paulo podia ser "perfeito", mas não
"Perfeito", esse é o mesmo sentido em que os leitores de João podiam estar "sem peca-
do", mas, mesmo assim, não "sem Pecado" no sentido absoluto da palavra. Os leitores
da Bíblia com muita frequência passam por cima dessas distinções escriturísticas.
Quando começamos a pensar a respeito da impecabilidade absoluta, perce-
bemos que esse é um estado impossível de ser alcançado. Aqueles que levianamente
Eu costumava ser perfeito

exigem isso de si e dos outros, geralmente definem Pecado como evitar atos cons-
cientes de rebelião contra Deus. Contudo, Pecado também inclui atos inconscien-
tes e atos de omissão, Em outras palavras, impecabilidade absoluta (ou Perfeição
absoluta) demanda um completo abandono dos pecados conscientes e inconscien-
tes, mas também requer que a pessoa faça o bem constantemente. Essa distinção
se torna especialmente pertinente quando notamos que os fariseus do passado não
foram condenados, na descrição do juizo final feita de Cristo, por pecados cometi-
dos, mas por pecados de omissão. Isto é, eles foram condenados no juizo, não por-
que cometeram atos pecaminosos, mas porque deixaram de alimentar o próximo
ou visitar os doentes (Mt 25:31-46).
A ênfase de Deus nos pecados invisíveis da omissão está em contraste com
aqueles que definem o Pecado apenas corno atos rebeldes cometidos conscien-
temente. O padrão do caráter de Deus é muito mais elevado do que pensam os
modernos ou os antigos fariseus. Claro, uma boa razão pára rebaixar o padrão e
definir Pecado somente como urna rebelião consciente é a facilidade de alcança-
-lo. Assim, a abordagem negativa das mentes farisaicas é compreensível.
Ser "perfeito", para Paulo em Filipenses, e estar "sem pecado" para João em
sua primeira epístola —, não significam Perfeição absoluta ou impecabilidade ab-
76
soluta. Mas significa estar livre de uma atitude de rebelião em relação ao Pai e aos
seus princípios estabelecidos em sua Lei de amor.
Por causa de nossos corpos e mentes imperfeitos, que não conhecem
nem compreendem todas as coisas (ver 1Co 13:12), até mesmo os cristãos
mais fiéis ainda cometem pecados de ignorância e pecados de fraqueza.
Como Wesley escreveu, existem aqueles que

amam a Deus de todo o coração. í...] Mas mesmo essas almas habitam
num corpo quebrantado e são tão pressionadas para baixo que não podem
exercer sempre, como desejariam, por pensamentos, palavras e ações,
precisamente o que é certo. Por falta de melhores órgãos corporais, eles
muitas vezes pensam, falam e agem de forma errada, não de fato por um
defeito do amor, mas por um defeito do conhecimento. P., embora esse
sela o caso, apesar daquele defeito e suas consequências, eles cumprem
a lei do amor [ainda que não perfeitamente].

Deyido à insuficiência do seu amor quando em ação, mesmo que essa insu-
ficiência se baseie em ignorância e fraqueza, eles ainda "precisam do sangue ex-
piatório e podem corretamente 1...] dizer: 'Perdoa as nossas dívidas' (WESLEY,
1996, p. 84). .:Portanto, podemos ser perfeitos ou sem pecado em nossas atitudes,
Sou perfeito, mas não Perfeito; estou sem pecado, mas não sem Pecado

ao mesmo tempo que não somos perfeitos ou sem pecado em nossas ações.)oão,
Paulo e Wesley concordam sobre esse ponto.
O paradoxo de Paulo entre já ser perfeito, mas ainda não ser Perfeito (Fp
3:9-15), e a divisão de João entre estar sem pecado, mas ainda não sem Pecado
(1Jo 3:9; 1:8; 2:1; ver Rrn 6-7) precisa ser vista em termos de€erfeição de atitude
versus perfeição de comportamento.» primeira deve ser a posse atual dos cris-
tãos; a segunda é um ideal para esta vida.
Perfeição, na Bíblia, em relação aos seres humanos e seus corpos mor-
tais, é Perfeição da alma, em vez de perfeição em todos os aspectos. É assim
que deve ser vista a tensão relacionada com o ensino de Paulo expressa em já
perfeito, mas ainda não Perfeito. O coração e a mente foram transformados de
tal forma que os cristãos não nutrem mais o desejo intencional ou a intenção
consciente de ir em direção ao pecado (Rm 6:18). Em vez disso, eles são servos
do amor agape para com Deus e para com o próximo.
Por isso, é possível, de acordo com a Bíblia, que cada cristão viva livre da
rebelião contra Deus e contra seus princípios. Essa é a razão pela qual Judas
escreve que Deus é capaz de nos guardar "de tropeços" e nos apresentar "com
exultação, imaculados diante da sua glória" (Jd 24). Como Ellen G. White (1980, 77
p. 140) declara, por meio da ajuda divina, uma pessoa é capacitada a "vencer toda
tentação com que é assaltada".
Um aspecto importante da perfeição (ou maturidade) cristã é o grande de-
sejo de se tornar perfeito em amor para com as outras pessoas e para com Deus.
Lembre-se de que a perfeição cristã não é meramente entrar em uma relação cons-
ciente de fé, na qual atos errados se tornam repulsivos; mais importante do que
isso é alcançar o amor a Deus e ao próximo. Perfeição é uma vida que transborda
amor; é a demonstração de que Deus transformou tanto o nosso coração (atitudes)
quanto nossas ações externas (comportamentos) • dois aspectos de nossa vida
que não podem ser separados. Assim, a perfeição cristã não é meramente negativa
(o que não fazemos) e interna; é também positiva (o que fazemos) e externa. Como
resultado, o cristão faz a diferença ao seu redor.

Perguntas para reflexão e discussão


1. Você está pagando o alto preço do sucesso. Você está prestes a com-
pletar unia série inteira sobre a salvação para o grupo de jovens da
sua igreja local. Nesta semana, querem que você fale sobre a perfei-
ção. Portanto, desenvolva um esboço de cinco a oito pontos (em frases
Eu costumava ser perfeito

completas), que destacarão os elementos mais importantes e irão ao


encontro das necessidades desses jovens;

2. Faça uma lista e descreva brevemente as várias abordagens antibíbli-


cas à perfeição;

3. Em quatro ou cinco frases, defina o conceito bíblico de perfeição. Qual


é a relação entre perfeição e impecabilidade? De que maneira alguém
pode ser, ao mesmo tempo, perfeito e ainda não Perfeito?

4. Com base na definição bíblica de perfeição, fugir para um "mosteiro"


(ou algo semelhante) é uma boa opção? Por quê?

5. O apóstolo João possui urna definição de Pecado complexa. Como


você explicaria 1 João 3:9 a um cristão confuso? De que maneira 1 João
3:9 se relaciona com 1 João 1:8 - 2:1 e 5:16? Qual é a diferença entre os
pecados "para morte" e os pecados que "não [são] para morte"?

78
Capítulo 6

Eu costumava
ser perfeito

4;-;; \
$ /.17\ importante que você deve saber
"'" Cr.rr) sobre mim é que eu costumava ser
perfeito. Note o tempo do verbo no passado: eu costumava ser perfeito em um sentido
no qual agora não sou. Mas por que eu era perfeito? Eu era perfeito por ser adventista
e porque Jesus viria logo. Honestamente: eu queria a fé da trasladação; queria o caráter
da trasladação; e queria a perfeição da trasladação. Converti-me do agnosticismo para o
adventismo com a idade de 19 anos. Depois de me tornar adventista, olhei para minha
igreja, seus membros e seus pregadores e conclui: "Que confusão! Vocês ainda não alcan-
çaram a perfeição. Vocês só podem ter falhado em ser perfeitos porque não se esforçaram
o bastante". Mas eu seria diferente. Eu não falharia.
Eu tentaria mais do que qualquer adventista já havia tentado. Na ocasião, estava
trabalhando na estrutura metálica da construção de altos edifícios sobre a Baia de São
Francisco. Ainda me lembro do dia em que, muito acima da baia, eu estava meditando
sobre a perfeição. Foi então que conscientemente decidi e verbalmente me comprometi
a ser o primeiro cristão perfeito depois de Cristo — e quero dizer exatamente isso. Eu
era desesperadamente sincero. Daqui a pouco te conto mais sobre isso.

A origem do fascínio pela perfeição


A abordagem adventista sobre a perfeição começa no livro de Apocalipse, nos
textos nos quais os adventistas se vtem retratados, assim como o seu movimento. O
Eu costumava ser perfeito

enfoque de vários desses textos, aparentemente, aponta na direção do comportamento.


"Irou-se o dragão contra a mulher e foi pelejar com os restantes da sua descendência,
os que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus" (Ap 12:17).
Claro, o adventista também se interessa pelo texto de Apocalipse 14. Note a
progressão: a mensagem do primeiro anjo, iniciada por Guilherme Miller nas déca-
das de 1830 e 1840, declara que "é chegada a hora do seu juízo" (Ap 14:7). A mensa-
gem do segundo anjo, que pronuncia a queda de Babilônia (Ap 14:8), foi iniciada em
1843 por Charles Fitch. Depois disso, surge a terceira mensagem contra a adoração
do poder da besta. Os adventistas se focam especialmente o verso 12: "Aqui está a
perseverança dos santos, os que guardam os mandamentos de Deus e a fé em Jesus."
Essa passagem se tornou o texto-chave do adventismo. Durante quase cem anos ela
foi citada integralmente sob o cabeçalho de cada edição da Review and 1 lerald, o pe-
riódico oficial da Igreja Adventista do Sétimo Dia nos Estados Unidos. Apocalipse 14
retrata a mensagem do terceiro anjo como a última das mensagens antes do retorno
de Cristo para "ceifar" a Terra (v. 14-20).
Os primeiros adventistas eram hábeis para pregar sobre a primeira parte de
Apocalipse 14:12: 'Aqui está a perseverança dos santos." Nesse versículo, nos enxer-
80 gávamos como aqueles que ainda estavam esperando pela vinda de Jesus, depois do
Grande Desapontamento de 1844. Além disso, os adventistas amam a segunda parte
de Apocalipse 14:12: Aqui estão "os que guardam os mandamentos de Deus". De fato,
os adventistas amam os mandamentos! Se você procurar pelas primeiras publicações.
adventista.s (e, provavelmente, algumas de hoje), notará que a ênfase sempre estava na
palavra "guardar". Essa é unia boa ênfase no contexto de uni relacionamento salvifico
com Cristo. Aqui estão "os que guardam os mandamentos de Deus".
Mas os primeiros adventistas não sabiam muito bem o que fazer com "a fé em
Jesus" (ou "fé de Jesus"), a terceira parte de Apocalipse 14:12. Eles interpretavam "a fé de
Jesus" como um conjunto de verdades que deveriam ser obedecidas. Com efeito, nossos
primeiros escritores — Tiago 1,Vhite e quase todos os outros - diziam: "Bem, Deus tem
os seus mandamentos. E Jesus também tem os seus mandamentos, tais como o batismo,
o lava-pés e assim por diante" Eles desenvolveram urna lista completa dos mandamentos
'de Jesus. Assim, os adventistas se tornaram o povo do "mandamento sobre mandamen-
to", com o foco não apenas nos mandamentos de Deus, mas também nos mandamentos
de Jesus. Éramos (e somos) grandes realizadores.'
A "fé de Jesus" é a porção de Apocalipse 14:12 que Ellen G. White e outros re-
interpretaram na assembleia da Associação Geral de 1888, ocorrida em Mineápolis.

' Para estudo mais detido da compreensão adventista tradicional de Apocalipse 11:12, ver
Knight (1 989, p. 53-55; 2004, p. 115-117).
Eu costumava ser perfeito

Eles passaram a enfatizar a tradução "fé em Jesus"? O texto pode ser traduzido como
"fé em Jesus" ou "fé de Jesus". Muitos adventistas, ao interpretarem o texto como "fé
de Jesus", têm a tendência de sugerir no verso que o fato de possuirmos a "fé de Jesus"
resulta em uma vida sem pecado, assim corno a dele.
Essa interpretação provavelmente foi encorajada pelos primeiros cinco versos de
Apocalipse 14. No verso 1, por exemplo, lemos: "Olhei, e eis o Cordeiro em pé sobre
o monte Sião, e com ele cento e quarenta e quatro mil, tendo na fronte escrito o seu
nome e o nome de seu Pai". Além disso, os versos 4 e 5 declaram: "São estes os que não
se macularam com mulheres, porque são castos. São eles os seguidores do Cordeiro
por onde quer que vá" — não o seguem apenas em parte do caminho, mas por todo o
caminho. "São os que foram redimidos dentre os homens, primícias para Deus e para
o Cordeiro; e não se achou mentira na sua boca; não têm mácula". Ora, essa é uma nor-
ma muito elevada, certo? Eles "são imaculados". Ou, como traduzem (incorretamente)
a versão King Jcznies e a Almeida Revista c Corrigida, "são irrepreensíveis diante do
trono de Deus". É isso o que eu chamaria de pessoas "perfeitas"' E não é difícil ver por
que muitos advemistas pensavam dessa maneira sobre o assunto da perfeição. Afinal,
Apocalipse 12 e 14 são textos fundamentais para a identidade da denominação.
É consenso que recebemos uma espécie de "perfeição" por meio da justificação
81
pela fé pelo fato de estarmos em Cristo. Porém, esses textos de Apocalipse 14 levan-
tam a pergunta: "A justificação pela fé é suficiente, ou devemos ser perfeitos para
fazer parte dos 144 mil?" Além disso, "se há algo além da justificação, o que deve
ocorrer dentro de nós?" Essa questão divide os adventistas por mais de um século. O
que deve ocorrer com o povo de Deus no tempo do fim?
Antes de prosseguirmos, devemos entender o desenvolvimento de Apocalipse
14. Temos os 144 mil, o primeiro anjo, o segundo anjo, o terceiro anjo e, imedia-
tamente após o terceiro anjo, o grande drama da segunda vinda de Cristo, a ceifa.
Lemos nos versos 14 e 15: 'Olhei, e eis uma nuvem branca, e sentado sobre a nuvem
um semelhante a filho de homem, tendo na cabeça urna coroa de ouro e na mão uma
foice afiada. Outro anjo saiu do santuário, gritando em grande voz para aquele que se
achava sentado sobre a nuvem: Toma a tua foice e ceifa, pois chegou a hora de ceifar,
visto que a seara da terra já amadureceu!"
Os adventistas desejam estar prontos para a vinda de Jesus. Eles não só
têm a Bíblia para encorajá-los a respeito da perfeição de caráter, mas também os
escritos de Ellen G. White. Aqui está uma das suas mais impressionantes decla-
rações: "Cristo aguarda com fremente desejo a manifestação de si mesmo em sua

1 Para avaliação da nova compreensão de Apocalipse 14:12, ver Knighç (1989, p. 55-
60; 2004, p. 117-121).
Eu costumava ser perfeito

igreja. Quando o caráter de Cristo se reproduzir perfeitamente em seu povo, en-


tão Ele virá para reclamá-los como seus" (WHITE, 2011, p. 69). Imediatamente,
o texto bíblico muda para a cena da colheita. Em vários sentidos, essa declaração
de Ellen G. White é paralela ao desenvolvimento dos eventos de Apocalipse 14.
A expressão-chave nessa citação de Parábolas de Jesus é "reproduzir perfeita-
mente". Infelizmente, quando os adventistas do sétimo dia Icem expressões como
reproduzir perfeitamente", eles tendem a se emocionar. Isso aconteceu comigo
quando as li pela primeira vez. Fiquei entusiasmado tanto com a magnificência
quanto com a possibilidade da tarefa e da promessa.
Não sei se você já encontrou alguém perfeito. As vezes fecho os olhos e
visualizo algumas das pessoas perfeitas que conheço. Neste momento, me lem-
bro de uma dessas pessoas. Ela está muito satisfeita porque obteve a vitória so-
bre o queijo. Agora, lembro-me de outra pessoa. Esse é um fariseu do primeiro
século. Ele é um indivíduo realmente "religioso". Ele sabe exatamente qual é o
tamanho da pedra que pode carregar no dia de sábado e a que distância pode
levá-la sem pecar. Ele reduz justiça e santidade a alguns aspectos muito limita-
dos de "religião". Está convencido de que, com essa dedicação aos detalhes do
estilo de vida, logo ele será perfeito.
82
Há também aqueles que parecem ser perfeitos por meio da reforma de
saúde. Numa pequena igreja adventista de trinta membros há uni ancião que
está disposto a levar a cerimónia da santa ceia àqueles que não puderam ir
à igreja. Mas não participará com eles dos emblemas da comunhão, porque
isso seria comer entre as refeições. Eu me pergunto: o que significa "comu-
nhão" para esse ancião?
Na mesma congregação, há um homem de 1,85 metros de altura que pesa
apenas 60 quilos. Ele alcança tremendas vitórias sobre o apetite enquanto ca-
minha na direção da "perfeição corno Cristo". Até mesmo se convenceu de
que é errado comer cereais como trigo e aveia. Como resultado, infelizmente,
ele sente um intenso desejo de comer "coisas estranhas". Toda quinta-feira ele
"cai em tentação" e corne duas fatias de lasanha de berinjela. Esse homem, aos
seus próprios olhos, está avançando no caminho para a "verdadeira perfei-
ção". Quando uma pessoa diz que sua atividade "mais pecaminosa" é comer
duas fatias de lasanha de berinjela por semana, ela deve estar fazendo algum
progresso. Esse indivíduo deve ser quase perfeito — ao menos segundo o seu
entendimento de "perfeição".
Há um outro irmão nessa mesma igreja que tinha um ferimento. Uma pes-
soa normal teria levado três semanas para ficar curada. Mas essa irmã, uma "re-
formadora da saúde", ainda não estava curada depois de seis semanas por causa de
Eu costumava ser perfeito

deficiências alimentares. Esse foi o resultado de sua reforma de saúde. Ellen G. White
(2011, p. 69) se referia a tal dedicação em seus dias como "deforma de saúde")
Alguns adventistas caminham por direções estranhas na busca pela perfei-
ção de caráter. Talvez isso ocorra porque alguns de nós não possuem a mínima
ideia do que signifique "caráter". Nem temos a mínima noção do que Ellen G. Wh i-
te queria dizer por "caráter de Cristo".

Meu caminho para a perfeição


O texto de Parábolas de lesas que citei acima teve um grande impacto
sobre minha própria experiência. Logo depois de me tornar adventista, algum
irmão muito querido me mostrou essa passagem. Depois de ler que Cristo só
viria quando seu caráter estivesse perfeitamente reproduzido em seus filhos,
conscienciosamente decidi que seria o primeiro cristão perfeito depois de Cris-
to. Imediatamente prossegui em minha busca.
Como resultado, dentro de algumas semanas, eu podia dizer o que estava
errado em quase tudo.
83

• Eu podia dizer o que estava errado em praticamente qualquer coisa


que você desejasse comer;

• Eu podia dizer o que estava errado em praticamente qualquer coisa


que você desejasse assistir;

• Eu podia dizer o que estava errado em praticamente qualquer coisa


que você desejasse fazer;

• E eu podia dizer o que estava errado em praticamente tudo o que você


desejasse pensar.

Tornei-me um especialista em apontar o erro em tudo e em todos. Em minha


própria e rigorosa abordagem alimentar, diminui de 75 para 56 quilos em cerca de

Mien G. White ao irmão e irmã Kress, 29 de maio de 1901; publicado em White (1990, p. 202).
Em português, a expressão foi traduzida corno "deformação da saúde". O texto original é um
trocadilho entre "reforma de saúde" (em inglês, health reforrn) e "deforma [ou deformação] da
saúde" (em inglés, heaith deforrn) (nota do editor).
Eu costumava ser perfeito

três meses, Alguns temiam que eu morresse de "reforma de saúde". Aliás, quero
que você saiba algo: em minha luta pela perfeição, eu tne tornei perfeito.

• Eu era o "fariseu perfeito" segundo a ordem de Saulo antes de se en-


contrar com Jesus na estrada de Damasco;

• Eu era o "monge perfeito" segundo a ordem de Maninho Lutero antes


de descobrir o evangelho em Romanos;

• Eu era o "metodista perfeito" segundo a ordem do combatente e esfor-


çado John Wesley, antes de sua experiência de conversão em Aldersgate.

Como descobri posteriormente, o caminho para a perfeição tinha sido tri-


lhado antes de mim. Isso me leva ao paradoxo da perfeição. Se você conhece
alguém "perfeito", vai reconhecer o paradoxo. Talvez você já tenha passado por
esse caminho e, em muitas congregações, encontrou pessoas ainda percorrendo
esse caminho; ou, pior ainda, pessoas tentando conviver com alguém que está
tentando atravessá-lo.
84
O paradoxo da minha perfeição era: quanto mais pensava acerca dela, mais
egocêntrico me tornava. Não me tornava apenas egocêntrico, mas, quanto mais
tentava, mais criticava aqueles que não haviam alcançado o meu "alto nível". Não
apenas era critico c intolerante, mas, quanto mais "perfeito", mais áspero me torna-
va com os outros que não haviam se igualado à minha "condição superior". Além
disso, me tornava cada vez mais negativo em relação à igreja c aos outros que não
eram tão "puros" ou "consagrados" quanto eu.
Resumindo, quanto mais eu tentava, pior eu ficava. Esse era o paradoxo
da minha perfeição. Em meu esforço para reproduzir perfeitamente o caráter de
Cristo, eu estava ficando cada vez mais parecido com diabo. Para dizer o míni-
mo, tornei-me uma pessoa de convivência difícil. Enquanto eu procurava imi-
tar o cai- atei: do Salvador, as pessoas se tornavam um problema em minha vida.
Afinal, elas eram um obstáculo ao meu rigor na alimentação. E interferiam em
meu período de uma hora diária dedicada a meditar sobre a vida de Cristo. As
pessoas dificultavam meu avanço para a perfeição.
Infelizmente, há urna forma egoísta de perfeição que leva ao próprio Pecado.
Há um caminho para a perfeição que é •o caminho da morte. Há um caminho
para a perfeição que é destrutivo, e muitos adventístas seguem esse caminho para
supostamente reproduzir o caráter de Cristo. É a trilha errada. Ë a estrada da Im-
:• manidade, em vez de ser o caminho de Deus.
Eu costumava ser perfeito

Em minha frustração com a igreja e comigo mesmo, entreguei minhas


credenciais ministeriais. Mas o presidente de minha associação, ao ver minha
perplexidade e querer "salvar-me para a obra", viajou comigo em um passeio de
carro por quase 500 quilômetros, para que pudesse me aconselhar, me encorajar
e entregar de volta minhas credenciais. Eu não pude me livrar delas. Entreguei-
-as uma segunda vez, e elas retornaram novamente. Na terceira vez, escrevi urna
carta cuidadosamente redigida, contando a esse presidente corno eu me sentia.
Obtive o resultado desejado. As credenciais não voltaram.
Minha vida como pastor adventista havia acabado. Na prática, eu não
era mais cristão nem adventista. Durante seis anos não orava nem lia a Bíblia,
a menos que fosse obrigado a fazer isso em público. Estudei filosofia para
descobrir uma resposta mais adequada para o significado da vida, só para
descobrir que ela era incapaz de fornecer respostas reais. Perto do fim dos
meus anos, em unia "terra distante", cheguei à conclusão: se o cristianismo
não tem a resposta, não existe uma resposta. Essa foi uma das conclusões
mais assustadoras da minha vida.
Então, no inicio de 1975, Deus estendeu sua mão e me tocou. Ele disse:
"George, você tem sido adventista, mas não tem sido cristão. Você conhece
85
todas as doutrinas, mas não conhece a mim". A essa altura, passei por minha
própria crise de 1888. Encontrei Jesus, e meu adventismo foi batizado, tor-
nando-se cristianismo.
A tragédia para mim, para aqueles que tinham que conviver comigo, e para
aqueles semelhantes a mim, é que muitas dessas situações poderiam ter sido evita-
das se houvesse mais fidelidade na leitura das declarações inspiradas. Se eu tivesse
simplesmente lido o contexto de muitas das minhas citações favoritas, teria sido
salvo dos erros mais graves da minha vida.

O caminho divino para a Perfeição


Com muita frequência, temos distorcido a Biblia e os escritos de Ellen
G. White. Unia maneira de fazer isso e não ler as declarações em seu contexto.
Tiramos as citações do contexto, tais corno aquela de Parábolas de Jesus sobre
reproduzir perfeitamente o caráter de Cristo. Então nos dirigimos a compila-
ções como Conselhos Sobre o Regime Alimentar ou Mensagens aos Jovens para
arrancar mais um grupo de citações. Em seguida, as relacionamos com a de-
claração de Parábolas de Jesus, de tal forma que criamos uma teologia que nem
mesmo Deus reconheceria.
Eu costumava ser perfeito

Sempre leia o contexto. 4 Descubra o que o autor inspirado está dizendo, quer
seja Paulo, Pedro, João ou Ellen G. White. O contexto fará muita diferença em nos-
sa compreensão e em nossa vida! Por exemplo, vejamos o contexto da declaração
existente no livro Parábolas de Jesus sobre reproduzir perfeitamente o caráter de
Cristo. Nos parágrafos imediatamente anteriores, lemos:

Cristo procura reproduzir-se no coração dos homens; e faz isso por inter-
médio daqueles que nele c rec-m. O objetivo da vida cristã é a frutificação —
a reprodução do caráter de Cristo no crente, para que possa se reproduzir
em outros. Não pode haver crescimento nem frutificação na vida que
está centrada no eu. Se você aceitou a Cristo como seu salvador pessoal,
deve esquecer-se de si mesmo e buscar auxiliar outros. Fale do amor de
Cristo, conte de sua bondade. Cumpra todo dever que se lhe apresentar.
Leve sobre o coração o peso da salvação das pessoas, [..4 Recebendo o
Espirito de Cristo — o espirito do amor abnegado e do trabalho por outros
—, você crescerá e produzirá frutos. As graças do Espirito amadurecerão
em seu caráter. Sua fé aumentará; suas convicções se aprofundarão, seu
amor será mais perfeito. Mais e mais você refletirá a semelhança de Crista
86
em tudo o que é puro, nobre e amável (WRITE, 2011, p. 67-68).

A seguir, ela diz que "quando o caráter de Cristo se reproduzir perfeitamente


em seu povo, então Ele virá para reclamá-los como seus" (WHITE, 2011, p. 69). Re-
produzir perfeitamente o caráter de Cristo é refletir o seu amor! O caráter de Cristo
está centrado no relacionamento amorável.
Com frequência, os adventistas encaram a religião em seu aspecto negati-
vo. Porém, o cristianismo não é o que não fazemos. Ninguém será salvo pelo que
evitou. O cristianismo é positivo, não negativo. O verdadeiro cristianismo é uma
religião que nos livra da preocupação com nós mesmos e da tentativa de ganhar
a salvação, a fim de amar verdadeiramente nosso próximo, nosso Deus, nossos
irmãos, nossa esposa, nosso esposo, nossos filhos e até nossos inimigos.
Essa foi a grande mensagem de Jesus. "Portanto, sede vós perfeitos como per-
feito é o vosso Pai celeste" (Mt 5:48). Remova esse texto do seu contexto e você irá
transformá-lo em algo que a Bíblia jamais disse. Leia-o no contexto, e você descobrirá
o que Jesus estava tentando ensinar. Começando no verso 43, essa passagem ensina
que Deus ama a todos. Ele faz com que a chuva caia e o sol brilhe sobre bons e maus,

° Para estudo mais aprofundado sobre princípios de interpretação dos escritos de Ellen G. Whi-
te, veja Kitight (1997). Veja também Douglass (2001, p. 372 443).
Eu costumava ser perfeito

justos e injustos. Jesus está dizendo que devemos ser perfeitos, ou maduros, em amor
aos outros "corno perfeito é o vosso Pai celeste" em seu amor por nós. Lembre-se de
que Cristo morreu por você quando você ainda era seu inimigo (Rm 5:6, 10). Para
sermos como o Pai, nós também devemos amar nossos inimigos (Mt 5:43-48).
Você pode amar como Deus amou? Isso é a maturidade cristã, ou a perfeição
cristã. E, se você não crê nisso, compare Mateus 5:48 com Lucas 6:36, Lucas 6:27-36
é uma passagem paralela a Mateus 5:43-48. Ambas lidam com o amor aos inimi-
gos, e ambas concluem com a declaração de que os cristãos devem ser semelhantes
a Deus. Mas a passagem de Lucas não diz: "Portanto, sede vós perfeitos", mas:
"Sede misericordiosos, como também é misericordioso vosso Pai" (Lc 6:36). Os
evangelistas igualaram a afirmação de Cristo sobre a perfeição com a misericórdia.
Para compreender melhor esse assunto, precisamos voltar a Mateus 25:31-46,
que descreve a cena do grande julgamento das ovelhas e dos bodes. Essa é uma pas-
sagem muito interessante. Leia-a neste momento, e conte os pontos de interrogação.
Note a grande surpresa que é experimentada no juízo. Por um lado, Jesus diz a um
grupo: "Entrem no meu reino". Assim, segundo a parábola, eles respondem: "Senhor,
como fizemos isto? Não somos como aqueles fariseus. Não passamos a nossa vida
preocupados com a quantidade de coisas que devem ser feitas e as que não se devem 87
fazer". Jesus responde: "Vocês não compreendem? Quando estive faminto, vocês me
alimentaram. Quando estive na prisão, vocês me visitaram. E, quando estive sedento,
me deram de beber." Mas eles perguntam novamente: "Espere um minuto. Como
pode ser isso?! Nunca te vimos nem te alimentamos". "Mas", responde Jesus, "se vo-
cês fizeram isso a um destes meus pequeninos irmãos, vocês fizeram a mim".
A essa altura o outro grupo está ficando realmente agitado. Há um bom
número de fariseus no segundo grupo, indivíduos que haviam dedicado sua
vida a observar a multidão de detalhes sobre a lei. "Espere um momento, Se-
nhor", exclamam eles, "guardamos o sábado. Nós realmente guardamos o sá-
bado. Tínhamos umas 1.500 normas e regulamentos concernentes ao sábado!
Guardamos todos eles! E não somente guardamos o sábado; pagamos o dízimo
rigorosamente. Éramos tão escrupulosos que dizimávamos cada décima folha
de nossas pequenas hortelãs. Tínhamos uma boa alimentação. Senhor, tens
de nos salvar. Nós merecemos isso." "Bem", responde Jesus, "há apenas um
problema. Quando estive na prisão, vocês não pareciam se preocupar. Quando
estive faminto, onde vocês estavam?" "Senhor", eles respondem rapidamente,
"se soubéssemos que eras Tu, certamente teríamos estado lá". E Jesus responde:
"mas vocês não compreenderam. Não assimilaram o princípio do meu Reino.
Vocês não assimilaram o grande princípio do amor. E, se vocês não têm isso,
não serão felizes no meu Reino."
Eu costumava ser perfeito

lvlateus 25 é muito explicito sobre o fato de que o juizo gira em torno de uma
questão específica. Porém, se você precisa de mais ajuda, Ellen G. White (2001, p.
637, grifo nosso) diz isso da maneira mais clara possível: "Assim", ela escreve de-
pois de citar Mateus 25, "descreveu Cristo aos discípulos, no Monte das Oliveiras,
as cenas do grande Dia do Juízo. E apresentou sua decisão como girando em torno
de um ponto. Quando as riaçóes se reunirem diante dele, não haverá senão duas
classes, e seu destino eterno será determinado pelo que houverem feito ou negli-
genciado fazer por Ele na pessoa dos pobres e sofredores".
Se as pessoas não estão transmitindo o amor de Deus ao seu próximo, é
porque não o possuem. Se as pessoas têm o amor de Deus no coração, não há
nenhuma maneira de ele ser reprimido. Elas o expressarão. A expressão do
amor divino por aqueles a quem Jesus ama é o grande critério no juízo final.
Deus quer que todos os que estiverem no céu sejam felizes. Essa felicidade es-
tará naqueles que renunciaram ao princípio do amor egoísta e autossuficiente
(Pecado) e permitiram que Deus implantasse no coração e na vida o grande
princípio de sua Lei.
O novo nascimento inclui a mudança na vida de urna pessoa do egoísmo e
egocentrismo (Pecado) para o altruísmo e o amor ao próximo (os princípios da
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Lei). Santificação é meramente o processo de alguém tornar-se mais amorável. O
conceito bíblico de perfeição é tornar-se maduro e expressar o amor de Deus. Tais
pessoas estão formando um caráter semelhante ao de Cristo, porque "Deus é amor"
(1Jo 4:8). Essas pessoas estão salvas para a eternidade.

A demonstração final
de Deus ao universo
Esse pensamento nos conduz ao assunto acerca da demonstração final de
Deus ao universo. Ellen G. White (2011, p. 69) alega que "a última mensagem de
graça a ser dada ao mundo é uma revelação do caráter do amor divino". A de-
monstração final ao universo do que a graça pode fazer na vida humana será uma
demonstração do poder de Deus em transformar indivíduos egoístas em pessoas
que amam a Deus e à humanidade. A demonstração final não é uma pessoa que
finalmente alcançou a vitória sobre pizza quatro queijos, refrigerantes, ou algum
artigo de alimentação ou comportamento. A grande demonstração ao universo
tem a ver com a reprodução do caráter de Cristo. Um dos grandes textos do NT
atinge o âmago da questão. Disse Jesus:
Eu costumava ser perfeito

• "Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se guardardes


o sábado";

• "Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se devolverdes


o dízimo";

• "Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes urna


alimentação correta".

Muitos adventistas leem esse texto como se ele estivesse dizendo esse tipo de
coisa. Contudo, em realidade, Jesus disse: "Nisto conhecerão todos que sois meus
discípulos, se vos amardes uns aos outros" (Jo 13:35). O amor não é apenas o ponto
em torno do qual gira o juízo; é também o ponto pelo qual Jesus identifica seus
discípulos. Ser seguidor de Cristo é ser alguém que ama a Deus e ao próximo.
Muitos adventistas passam por alto esse ensino fundamental do NT. Muitís-
simos têm as normas, regulamentos e leis (que têm seu lugar no contexto de manter
um relacionamento com Jesus), mas negligenciam o grande princípio que constitui
o fundamento da Lei de Deus. Muitos, em sua luta pela perfeição, trabalham ao 89
nível de pecados e leis, em vez de permitir que Deus opere neles ao nível do Peca-
do e da Lei. Infelizmente, todas as normas e regulamentos, sem o amor de Jesus,
contribuem para uma religião sombria — ou pior ainda, uma religião destrutiva.
Quando vou a um congresso da igreja, posso olhar para uma audiência de
dez mil pessoas e identificar em um relance os chamados "perfeitos". São aqueles
que não estão sorrindo. São os que evidentemente não têm nada a celebrar e em
que rejubilar-se, porque não têm segurança em Cristo.
Ora, se eu fosse o diabo, daria aos adventistas a verdade bíblica, mas os
tornaria mais frios do que o gelo no inverno siberiano. Por outro lado, eu da-
ria a alguns cristãos alegria na igreja e na vida cristã, mas confundiria de tal
forma sua teologia que eles não saberiam distinguir Gênesis de Apocalipse.
Os adventistas precisam da alegria da salvação combinada com suas verdades
doutrinárias. Quando os adventistas tiverem Jesus no coração e a certeza da
salvação, eles não possuirão apenas a verdade com "v" minúsculo (isto é, a
verdade doutrinária), mas a Verdade com "V" maiúsculo (o Senhor da verdade).
"Eu sou H.] a verdade", Jesus disse (Jo 14:6).
Estou pessoalmente convencido de que o exercício necessário para manter
o adventismo em movimento não é apenas a verdade doutrinária, mas o conhe-
cimento de Jesus e da maravilhosa certeza da salvação nele. Precisamos tanto da
verdade quanto da Verdade. Quando os adventistas possukem ambas, elas serão
Eu costumava ser perfeito

proclamadas em cada uni de seus atos, e inclusive na adoração, Nessa ocasião, eles
estarão aptos para permitir que o Espírito Santo os use para abalar o mundo com
a bela mensagem que Deus lhes confiou.

Perguntas para reflexão e discussão

1. Ótimas noticias! Você tem só mais uma apresentação para fazer ao


grupo de jovens da igreja local. Não que eles estejam cansados de você,
mas estão desenvolvendo um programa de serviço e testemunho para
a comunidade nas próximas semanas. Enquanto isso, para sua última
apresentação, querem que você explique o significado de Mateus 5:48 e
aquela citação do livro Parábolas de Jesus, página 69, em seu contexto.
Em dois parágrafos, anote as informações essenciais sobre cada um
desses textos, de modo que você possa usá-las na apresentação;

2. Faça urna lista c descreva as principais passagens do Apocalipse que


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conduzem muitos adventistas a se preocuparem com a perfeição. O
que torna esses textos tão poderosos na mente dos adventistas?

3. Escreva um parágrafo sobre o "paradoxo da perfeição", explicando por


que elas se tornam cada vez piores quando se esforçam para alcançar a
perfeição. Não se esqueça de incluir em sua discussão corno o parado-
xo se relaciona com o Pecado e com a Lei.

4. Usando as categorias de Pecado c Lei, fale sobre a importância da "de-


monstração final de Deus ao universo".

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