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Identificação inequívoca de doentes – Revisão de literatura

Luís Filipe Mendes, Matthieu Santos, Norberto Ribeiro, Peter Barros, Sofia Martins

Resumo

Estudos de profissionais e directivas de organismos oficiais de saúde têm


desenvolvido esforços no sentido de estabelecer uma cultura de segurança do doente,
implementando procedimentos e medidas a adoptar pelos profissionais e instituições, para
redução de ocorrência de eventos adversos. Constitui parte integrante, básica, dessas
medidas a identificação inequívoca do doente.
Erros resultantes da falha na identificação de doentes durante os cuidados continuam
a levar a eventos adversos, sendo que a frequência desses erros são, muitas vezes,
desvalorizados, colocando em risco o doente.
O presente artigo expõe uma revisão sistemática da literatura realizada por forma a
refletir sobre a relação entre o processo de identificação correta/inequívoca do doente e a
ocorrência de erros clínicos devido à ausência deste mesmo processo.

Descritores: Identificação do doente; Segurança do doente; Erros clínicos.

Abstract

Professionals studies and directives from official health organizations have made
efforts to establish a culture of patient safety, implementing procedures and measures to be
adopted by professionals and institutions, to reduce the occurrence of adverse events. The
unambiguous identification of the patient is an integral and basic part of these measures.
Errors resulting from failure to identify patients during care continue to lead to
adverse events, and the frequency of these errors are often undervalued, putting the patient
at risk.
This article exposes a systematic review of the literature carried out in order to reflect
on the relationship between the process of correct/unequivocal identification of the patient
and the occurrence of clinical errors due to the absence of this same process.
Identificação inequívoca de doentes – Revisão sistemática da literatura

Keywords: patient identification; patient safety; medical errors.

Introdução A identificação inequívoca de


doentes é hoje em dia uma parte
A identificação de doentes é uma fundamental para a segurança dos
parte fundamental do cuidado seguro. No cuidados e para tal insere-se nas políticas
entanto, erros de identidade resultantes da de segurança e qualidade definidas pela
falha na identificação de pacientes Direcção Geral de Saúde (DGS). Neste
durante o atendimento continuam a levar sentido surge a elaboração do Plano
a eventos adversos graves. A frequência Nacional para a Segurança dos Doentes
desses erros é difícil de avaliar e mal 2015-2020 de uma orientação de medidas
compreendida. No entanto, a literatura a implementar pelos prestadores de
científica mostra que esses erros são cuidados (DGS, 2011).
comuns. O Plano Nacional para a Segurança
Nos Estados Unidos, problemas na dos Doentes constitui um instrumento de
identificação de doentes foram apoio a gestores e clínicos na aplicação
observados em mais de 100 análises de boas práticas de segurança, visando
aprofundadas de eventos adversos melhorar a prestação de cuidados de
realizadas de Janeiro de 2000 a Março de saúde em todos os níveis, de forma
2003 pelo Departamento de Assuntos dos integrada e num processo de melhoria
Veteranos (Mannos, 2003). contínua da qualidade do Sistema
No Reino Unido, 236 incidentes ou Nacional de Saúde (SNS). A segurança é
quase acidentes relacionados a considerada um dos elementos
informações erróneas sobre pulseiras de fundamentais da qualidade em saúde,
identificação foram notificados de permitindo aferir a confiança dos
novembro de 2003 a julho de 2005 cidadãos no sistema de saúde e, em
(National Patient Safety Agency, 2005). particular, no SNS.
Já entre 2008 e 2009, na Austrália, É reconhecido de que os contextos
foram referenciados onze eventos clínicos podem representar um risco
relacionados com a troca de doente ou de acrescido sendo que a identificação do
parte do corpo, que resultou em morte ou doente poderá ser colocada em causa, daí
em danos permanentes (Australian a implementação desta norma. A DGS, já
Commission on Safety and Quality in em 2017, no seu Manual de Standards,
Health Care, 2011) reconhece o cidadão como centro do

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sistema e nesse âmbito, a importância da organização definiu como segurança do


identificação inequívoca de pessoas doente “a inexistência de dano
(DGS, 2017). desnecessário ou dano potencial
São inúmeras as falhas associadas à associado aos cuidados de saúde”.
má identificação de doentes constituindo De acordo com a mesma fonte, a
um grande desafio nas unidades de saúde segurança do doente, sujeita a riscos
devido ao número de procedimentos decorrentes dos cuidados de saúde, não
complexos realizados para cada doente. podendo ser absoluta, procura minimizar
Estas situações poderão ser causa de esses riscos, e reduzir ou eliminar os
erros com medicação, transfusões, eventos adversos, os incidentes que
realização de meios complementares de resultem em dano para o doente. Assim, a
diagnóstico e terapêutica, realização de OMS, a favor da cultura de segurança,
actos a pessoas erradas e outros criou a Aliança Mundial para a
incidentes de gravidade para os doentes. Segurança do Doente, com o objectivo de
No âmbito da aliança mundial para transmitir conhecimentos e soluções
a segurança dos doentes, a Organização práticas para os problemas de segurança,
Mundial de Saúde (OMS), apresentou um apresentando a “identificação do doente”
conjunto de recomendações que como dimensão chave das “soluções para
orientaram vários países na estruturação a segurança do doente” (OMS, 2004).
de normas de identificação inequívoca De acordo com Porto (2014), a
dos doentes das organizações de saúde, ausência de identificação do doente pode
recomendando que sejam adoptadas comprometer não só a sua segurança,
estratégias nacionais que promovam a mas, também a do profissional e da
normalização de boas práticas na área da própria instituição que poderão responder
identificação do doente, nomeadamente a civil e criminalmente caso se verifiquem
utilização de sistemas com códigos de erros relacionados com a ausência de
barras ou utilização de pulseiras de confirmação da identificação do doente
identificação de doentes e, ainda, que seja antes da realização dos procedimentos.
providenciada informação e formação Neste sentido, o ciclo de melhoria
específica tanto aos profissionais de contínua da qualidade, aplicado à
saúde, como ao cidadão em geral (OMS, segurança dos doentes, deve identificar
2004). os riscos, avaliá-los e hierarquizá-los,
Para perspectivar a dimensão do adoptando as acções de melhoria a
problema levantado, esta mesma implementar. Trata-se de uma correta

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gestão dos riscos. A gestão dos riscos doente pela equipa de saúde e uma
associado à essa mesma prestação de cultura organizacional nos serviços de
cuidados é um processo colectivo, saúde.
envolvente da organização e dos diversos
agentes, que tem como objectivo garantir Método
a segurança eficaz dos doentes, evitando
incidentes, que podem ser frequentes, por Revisão sistemática rápida
vezes graves e, às vezes evitáveis, elaborada em contexto académico,
susceptíveis sempre, de comprometerem através da cadeira de Prática na
a qualidade dos serviços de saúde Evidência do Curso de Pós-Graduação de
(Ministério da Saúde, 2015). Gestão de Serviços de Saúde lecionado
No entanto, a inexistência de uma na Escola Superior de Enfermagem São
cultura de notificação de eventos José de Cluny.
adversos, por sua vez, faz com que não se Foi delineada uma questão de
tenha conhecimento real das dimensões investigação: Identificação inequívoca
deste problema e das reais consequências dos doentes e o erro clinico; procedeu-se
do mesmo (Neves & Melgaço, 2011). à selecção dos critérios de elegibilidade:
A identificação do doente, artigos/estudos cujos títulos remetem
acompanhada de outros procedimentos, para a identificação de doentes ou para a
torna-se medida de valor indispensável segurança de cuidados; publicados entre
para a prevenção de erros como 2014 e 2020; Escritos em idioma
correspondência entre procedimentos a Português, Inglês, Espanhol ou Francês;
realizar e o doente a quem se destinam, é Estudos qualitativos ou quantitativos
este o sentido do nosso trabalho. publicados em bases de dados científicas;
É fundamental que as instituições realização de pesquisa em base de dados:
possam implementar e auditar com EBSCO; mineração dos artigos/estudos
regularidade as boas práticas e os considerando os critérios de
protocolos internos que assegurem a elegibilidade; realização da mineração
identificação inequívoca do doente e a dos artigos/estudos encontrados através
verificação entre a identificação do da aplicação de teste de relevância: 1º
doente e o procedimento a realizar. teste de relevância ao resumo e 2º teste de
Com este estudo pretendemos relevância feito ao texto integral.
reflectir sobre a relação entre o processo Elaborada tabela síntese de resultados de
de identificação correta/inequívoca do pesquisa e tabela síntese das

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características dos estudos aceites para a A pesquisa foi realizada no motor


revisão sistemática. de busca, EBSCOhost - Research
Procedeu-se à pesquisa na base Databases, de acordo com as palavras-
de dados EBSCOhost - Research chave e critérios de inclusão supracitados
Databases com os seguintes descritores: resultou num total de 25 artigos, tendo-se
“patient identification”; “patient safety”; realizado uma selecção dos artigos em
“medical error”. Utilizando os booleanos duas etapas. Na primeira etapa, realizada
AND foi elaborada a equação de a leitura dos títulos e dos resumos,
pesquisa: [patient identification AND eliminaram-se 14 artigos por pertencerem
patient safety AND medical error], do a periódicos de revistas que não eram
qual resultou na identificação de 25 considerados de cariz científico, que não
artigos/estudos. Estes foram sujeitos à 1ª respeitarem os níveis de evidência, ou
mineração anteriormente referida que não se adequavam para a questão em
resultando assim na rejeição de 14 estudo. Permaneceram 11 artigos que se
artigos/estudos e aceitação de 11 dos dirigiam ao objectivo da revisão; no
artigos/estudos encontrados; através do 2º entanto, após a leitura integral, foram
teste de relevância foram excluídos 7 reduzidos a quatro artigos.
artigos/estudos e aceites 4 Os quatro artigos seleccionados
artigos/estudos. Os artigos/estudos foram analisados na íntegra de forma a
aceites foram analisados na íntegra de constituírem parte da revisão, sendo
forma a se constituírem parte da revisão. apresentado uma breve descrição dos
objectivos e conclusões dos estudos na
Resultados Tabela 1.

Título do Autores Ano Objetivo Conclusões do estudo


artigo
“Avaliação do Tase, 2017 Determinar a • Relativamente
risco de erro Terezinha frequência de ao risco, houve, em
na Hideco; nomes e registos pelo menos um dia da
identificação Quadrado, hospitalares semana, mulheres com
de mulheres Ellen Regina similares das o primeiro nome e
numa Sevilla; mulheres em uma sobrenome idênticos.
maternidade Trochin, maternidade • O risco para
pública” Daisy Maria pública de ensino e ocorrência de
Rizatto. o risco para erro na equívocos na
identificação identificação dos

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decorrente da pacientes é uma


similaridade na realidade, ratificando a
grafia e pronúncia importância da
do nome e no conferência e
registo. pronúncia correta do
nome completo
Blood Stout, Lynn; 2016 O artigo explora a • As evidencias
transfusion: Joseph, contribuição e o defendem que a
patient Sundari. envolvimento do identificação positiva
identification utente para a sua dos pacientes é vital
and segurança, para minimizar os
empowerment relacionada a riscos para os
identificação pacientes.
positiva do doente • Além disso
numa transfusão. qualquer iniciativa que
melhore a
identificação positiva
do paciente deve ser
abraçada.
• O
envolvimento do
paciente deve ser visto
como uma medida de
segurança adicional,
complementar à
processos e sistemas já
existentes.

Reduction in Hsiao-Chen 2016 Identificar e • Os erros de


Hospital-Wide Ning, Chia-Ni reduzir os erros na identificação de
Clinical Lin, Daniel identificação de amostras de pacientes
Laboratory Tsun-Yee amostras são comuns, mas
Specimen Chiu, Yung- laboratoriais evitáveis.
Identification Ta Chang, • A
Errors Chiao- Ni comunicação, o treino
following Wen, Shu-Yu e a educação
Process Peng, Tsung- apropriados e
Interventions: Lan Chu, contínuos sobre os
A 10-Year Hsin-Ming procedimentos
Retrospective Yu, Tsu-Lan intervencionistas neste
Observational Wu estudo são essenciais.
Study • Embora haja
muito a realizar antes
que os erros de
identificação das
amostras dos pacientes
possam ser
completamente
eliminados, um
esforço dedicado por
parte dos profissionais

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do hospital,
juntamente com a
interdisciplinaridade a
cooperação e o uso de
novas tecnologias de
identificação
electrónica podem
diminuir
significativamente
esses erros.
Aplicação de Oak SN, Dave 2014 Implementação de • Em 54 (1,8%)
lista de NM, Garasia uma lista de pacientes, as crianças
verificação MB Parelkar verificação tinham o mesmo nome
cirúrgica e o SV cirúrgica com vista e um idêntico
impacto sobre a desenvolver procedimento
a segurança do uma cultura de cirúrgico publicado na
paciente em segurança e mesma lista de
cirurgia mudança de operações no mesmo
pediátrica comportamento no dia constituindo uma
ensino situação potenciadora
universitário do de erro clínico.
hospital oeste da • Em 21 (0,7%)
Índia das crianças, tiveram
um procedimento
adicional de
herniotomia a ser
realizado cuja menção
na etiqueta de
identificação estava
perdida.
• Constatou-se
falta de cuidado de
mencionar o lado dos
procedimentos como
herniotomia,
orquidopexia em 108
(3,6%) casos.

Tabela 1. Distribuição dos artigos segundo título do artigo, autores, ano, objectivo e conclusões do
estudo

Discussão de saúde dos que mais precisam de


cuidados preventivos e curativos, de
A OMS afirma que um serviço forma segura e sem desperdício” (2004,
de saúde de qualidade é aquele que p. 4).
“organiza os recursos eficazmente de A segurança do utente é, por
forma a ir ao encontro das necessidades isso, um dos pilares da qualidade dos

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cuidados de saúde, suportados pelos oportunidades que visem à melhoria do


profissionais de saúde, que se revestem sistema com o objectivo de prevenir
de promotores de uma cultura de falhas. Segundo Agency for Health Care
segurança. Research and Quality a medida da taxa
O Comité de peritos em de erros é considerada um dos melhores
segurança e qualidade nos cuidados de indicadores de qualidade de um sistema
Saúde da União Europeia (SP-SQS), de distribuição de medicamentos em
citando Kohn (2000) e American hospitais e é utilizada para avaliar a
Hospital Association & Health Research segurança destes sistemas (Glance, Osler,
and Education Trust & Institute for Safe Mukamel & Dick, 2008).
Medication Practices (2002), define Entende-se por erro a falha na
segurança do doente como a liberdade de execução planeada de uma ação, uso
danos acidentais durante o curso dos errado, impróprio ou incorreto de um
cuidados; actividades que evitem, plano para atingir um objetivo. Pode,
previnam ou corrijam os resultados então, considerar-se como uma ação que
adversos que podem resultar da prestação se afasta do “standard” dos cuidados e
de cuidados de saúde; a identificação, origina danos, denominados de eventos
análise e gestão de incidentes e riscos adversos (dano causado no decurso da
para o utente, de modo a tornar os prestação de cuidados e não pela doença
cuidados mais seguros e minimizar os subjacente) e que pode ter como
danos aos utentes (Council of Europe, consequência de entre outras, o
2005). prolongamento do internamento e
A criação pela OMS da World diversas incapacidades (DGS, 2011).
Alliance for Patient Safety em 2004 é a Na Classificação Internacional
evidência da preocupação crescente face Segurança do Doente (CIDS), são
ao problema da segurança do doente, identificados 13 tipos de incidentes que
sendo a incidência de erros reconhecida podem ocorrer, dos quais se destacam
como uma injúria a esse equilíbrio e, em como problemas: documentação errada
consequência, à qualidade dos cuidados (documento errado ou para o doente
prestados. errado); medicação (doente errado);
O erro é um assunto de difícil sangue/hemoderivados (doente errado);
abordagem, e, geralmente as discussões dieta/alimentação (doente errado);
direccionam-se para a responsabilização oxigénio (doente errado). A identificação
de um culpado e não propiciam do doente, acompanhada de outros

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procedimentos, torna-se medida de valor dos serviços de saúde (Ministério da


indispensável para a prevenção de erros Saúde, 2015).
como correspondência entre Duteau (2014), referindo-se ao
procedimentos a realizar e o doente a estudo elaborado por Dzik et al. (2003),
quem se destinam (DGS, 2011). em que se observou uma taxa média de
Tase, Quadrado e Tronchin identificação incorrecta de uma 1 a cada
(2017), no seu estudo, identificaram uma 165 amostras, identificou alguns estudos
ocorrência semanal de mulheres com o que visam encontrar soluções sobre o
mesmo nome e sobrenome na mesma problema da identificação incorrecta de
enfermaria, reforçando a ideia da amostras de sangue, com o intuito de
necessidade de confirmar a identificação reduzir o volume de erros, destacando
dos intervenientes. De igual modo Oak, neste contexto a utilização de ferramentas
Garasia e Parelkar (2014) identificaram digitais, nomeadamente o código de
uma potencialidade de erro aumentada no barras por estes evitarem os erros
seu estudo em que 1,8% das crianças relacionados com erros de transcrição,
propostas numa mesma lista cirúrgica, letra ilegível, pulseira de identificação do
tinham o mesmo nome e um idêntico utente com letra ilegível ou com dados
procedimento cirúrgico programados e insuficientes, requisições e identificações
que algumas dessas crianças perdiam as incompletas.
suas etiquetas de identificação no Outro aspecto focado por
percurso da enfermaria até o bloco Duteau, (2014) é a possibilidade da
operatório. Por outro lado, cerca de 0,4% colocação de código de barras ao lado da
das crianças operadas viram a sua cama, essencial ao processo de
identificação danificada após o identificação pois esta tecnologia pode
procedimento cirúrgico. digitalizar a identificação de
A gestão dos riscos associados à funcionários, pulseiras de identificação
prestação de cuidados de saúde é um de pacientes e de produtos, com a
processo colectivo, envolvente da finalidade de garantir o tratamento certo
organização e dos diversos agentes, que ao doente certo, posição igualmente
tem como objectivo garantir a segurança defendida por Ning et al. (2016) cujo
eficaz dos doentes, evitando incidentes, estudo longitudinal veio claramente
que podem ser frequentes, por vezes demonstrar inequivocamente que a
graves e, às vezes evitáveis, susceptíveis maioria, se não todos, os erros de
sempre, de comprometerem a qualidade identificação do paciente podem ser

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evitados através da implementação de de garantia de identificação como por


intervenções preventivas em série tais exemplo a confirmação verbal do nome
como, um sistema de identificação de completo do paciente, data de
pacientes com código de barras e nascimento, se as informações
rotulagem automatizada de amostras demográficas são idênticas à pulseira de
combinada com a identificação através de identificação do paciente, verificar se a
sistemas electrónicos. pulseira de identificação e o formulário
Stout e Joseph (2016) apontam, de prescrição correspondem, rotular o
para a evidência científica, que o tubo directamente a partir dos dados
empoderamento do individuo na sua existentes na pulseira de identificação do
identificação é positivo do ponto de vista doente.
da segurança e que a identificação Neves & Melgaço (2011)
positiva dos pacientes é vital para apontaram para a inexistência de uma
minimizar os riscos, advogando que toda cultura de notificação de eventos
e qualquer medida de melhoria de adversos, como um entrave à correta
identificação devem ser implementadas. apreciação do problema da identificação
Na literatura encontrada os inequívoca. Já Ning, H.-C. et al. (2016)
riscos associados à incorrecta referem que no seu estudo puderam
identificação dos indivíduos são constatar uma diminuição do número de
maioritariamente relacionados com a adventos adversos associados à
administração de sangue e derivados, não identificação de 511 por milhão para 15
invalidando que os riscos sejam os por milhão, apontando os doentes
mesmos em outras situações clínicas, internados como população de risco mais
sendo o efeito adverso possível. Varey, elevado em relação ao ambulatório.
Tinegate, Robertson, Watson, e Iqbal
(2013) concluíram que a identificação do Considerações finais
tubo com a amostra de sangue longe da
cabeceira do paciente e falha em obter Resulta com evidência da nossa
uma identificação positiva e eficaz do revisão a prioridade dada à qualidade e
paciente foram dois dos principais segurança dos doentes através da
factores que mais contribuíram para os identificação inequívoca dos doentes. A
eventos de “Wrong Blood In Tube” no influência da cultura organizacional das
serviço de saúde britânico, sendo instituições nesse processo é um aspecto
necessário e pertinente adotar estratégias elementar a ser discutido na prática

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assistencial cotidiana. Estudos de sempre são utilizados como medida de


profissionais e directivas de organismos segurança, aumentando assim a
oficiais de saúde têm desenvolvido necessidade de empenho dos
esforços no sentido de estabelecer a profissionais de saúde e das instituições,
cultura de segurança do doente, na sua efectivação. Da organização
implementando procedimentos e medidas espera-se a criação de condições e de
a adoptar pelos profissionais e instrumentos para que a confirmação da
instituições, tendentes a evitar erros e identificação do doente seja facilitada e
reduzir ao mínimo a ocorrência de cumprida; dos profissionais espera-se que
eventos adversos. Constitui parte assegurem, por todas as formas possíveis,
integrante, básica, dessas medidas a a correta identificação do doente
identificação inequívoca do doente. (consulta da pulseira, questionando o
A administração da medicação é doente em relação ao nome completo e
uma das intervenções interdependentes data de nascimento).
da enfermagem; a prescrição é da A discussão sobre a segurança do
competência do médico assistente, mas a doente, como um componente essencial
conferência e administração é da da qualidade do cuidado em saúde, deve
responsabilidade do enfermeiro ultrapassar as barreiras teóricas e ser
responsável pelo doente. A confirmação implementada nos Núcleos de Segurança
da identificação de cada um deles, antes do Doente, mediante a participação e
de qualquer procedimento, exposição dos pontos fortes e fracos que
nomeadamente da administração da demandam acções de melhoria, com a
medicação, é uma medida de segurança colaboração de profissionais
que não deve ser descurada. A existência assistenciais, gestores e doentes, que
de casos, em que os doentes têm o fazem parte da cultura organizacional dos
mesmo nome e/ou apelido, em que o serviços de saúde. A consciência da
doente se senta ao lado de uma cama que importância da adopção de medidas que
não é a sua e tantos outros factores que norteiem o cuidado e aumentem a
podem facilitar a ocorrência de erros de confiabilidade da assistência,
identificação devem ser minimizados ao principalmente na identificação correta
máximo. do doente, é crescente entre os
Decorre, assim, deste trabalho profissionais que prestam os cuidados
que, e apesar da existência de elementos directos.
de identificação, como a pulseira, nem

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Com isto, a implementação de educação/formação dos intervenientes e


uma rotina de segurança passa pela comprometimento dos mesmos com a
identificação inequívoca do doente e cultura de segurança.
requer um maior investimento em

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