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A ESCOLA COMO UM ESPAÇO DE TRABALHO DAS MULTIPLICIDADES

DAS NARRATIVAS SOBRE O REGIME MILITAR BRASILEIRO (1964-1985)

Brayan Lee Thompson Ávila

No ano de 2014, o golpe que derrubou o então Presidente João Goulart


completará 50 anos e possivelmente observaremos uma profusão de trabalhos
historiográficos e também uma grande exploração pela mídia deste tema,
invocando as memórias dos dois grupos conflitantes deste período. Mesmo
passado quase 30 anos de seu fim, existe memórias conflitantes sobre esse
período, tendo uma disputa de qual memória irá permanecer, podemos citar
como exemplo aquelas pessoas que falam que o período militar foi um período
de prosperidade e segurança e aqueles que guardam em sua memória os
momentos de repressão e tortura sofrida pelos agentes políticos e policiais
deste período. O presente artigo tem como o objeto apresentar uma proposta
de trabalho com as ideias de alunos sobre o Regime Militar Brasileiro
dialogando com autores que trabalham as questões sobre Narrativas,
Memórias e Histórias

Mas como os alunos que tem o contato com o conceito de segunda


ordem (LEE,2001) Regime Militar Brasileiro narram esse período, e como eles
estão nessa batalha de memórias e histórias sobre esse período? Que tipo de
narrativas e histórias esse alunos trazem para a escola e principalmente para
as salas de aulas? São essas questões que justificam o trabalho com as
narrativas de alunos em sala de aula, partindo de uma concepção de Ensino de
História pautado no aluno e na bagagem que ele leva para sala de aula de
outros espaços sociais, portanto estudar as ideias dos alunos sobre o Regime
Militar pode dar subsídios que contribuam para que se trabalhe sob a ótica da
formação humanística, atendendo assim um dos princípios presentes nas
propostas sobre Ensino de História, que é a formação de um cidadão
democrático e crítico.

.A questão das memórias e histórias em relação ao Regime Militar são


conflituosas, há aqueles que “contam” os atos de violência e repressão dos
Militares, por outro lado há aqueles que “contam” as “benesses” do período
entre 1964 e 1985, e esse conflito e multiplicidade de memórias acabam
chegando aos alunos quando é trabalhados esse conteúdo, e nesse contexto a
escola e a aula de história possuem um papel importante, não como uma
defensora de uma dessas memórias, mas sim como um espaço em que se dá
uma criação de significação desse conceito que leve o aluno a pensar a sua
realidade de forma crítica, indo de encontro ao conceito de Rosi Gevard sobre
o que seria uma aula de história “ideal”, e aqui entendidos como aplicáveis ao
contexto escolar em geral,: "como espaço de compartilhamentos de
experiências individuais e coletivas, de relação dos sujeitos com os diferentes
saberes envolvidos na produção do saber escolar" (2009, p.107) sendo essa
ideia complementada por SCHMIDT:

A aula de História é o momento em que, ciente do conhecimento


que possui, o professor pode oferecer a seu aluno a apropriação
do conhecimento histórico existente, através de um esforço e de
uma atividade com a qual ele retome a atividade que edificou
esse conhecimento. É também o espaço em que um embate é
travado diante do próprio saber: de um lado, a necessidade do
professor ser o produtor do saber, de ser partícipe da produção
do conhecimento histórico, de contribuir pessoalmente. De outro
lado, a opção de tornar-se apenas um eco do que os outros já
disseram. A sala de aula não é apenas um espaço onde se
transmitem informações, mas onde uma relação de
interlocutores constrói sentidos (2001, p.57).

Mas o que essa concepção tem a ver com as narrativas históricas dos
alunos em relação ao Regime Militar? E porque é válido trabalhar com
narrativas como forma de subsídio nas aulas de história? retomando
novamente GEVARD, Narrar histórias em aulas de história é uma forma de
relatar o passado e, consequentemente, interpretar este passado e, por isso,
as narrativas são um componente significativo do pensamento histórico e uma
ferramenta central no ensino e na aprendizagem em história, podendo ser
considerada como fundamental nessas aulas. (2009, p.67).
Entendendo como se dá a formação e como se constroem as
narrativas dos alunos, não só sobre o Regime Militar, mas sobre os vários
conceitos e conteúdos históricos, o professor terá uma importante ferramenta
para fazer que o seu trabalho com esses conteúdos não seja uma mera
repetição daquilo que está nos livros didáticos ou na mídia, mas um trabalho
que dialogue com as experiência dos alunos e o conhecimento historiográfico
produzido sobre esses temas.

Mas o que é narrar? E o que seria uma narrativa histórica? Dentre os


vários conceitos de narrativa e de narrativa histórica, um dos mais relevante é o
de Jorn Rüsen na obra Aprendizagem Histórica: Fundamentos e Paradigmas
onde o autor diz que o ato de narrar é uma conquista vital, sendo uma
linguagem elementar e geral da ação representada pela experiência humana
no tempo, isto é, narrar é criar significados e experiências temporais, tornando-
se um fenômeno elementar e geral da organização da vida cultural, que define
o homem como espécie, sendo que essa criação de significados e experiências
no tempo será uma estrutura de um sentido de “História” (2012,p.39) e Narrar
historicamente seria:

[...]um ato comunicativo de formar sentido acerca da


experiência temporal, A sua necessidade resulta do fato de que
a vida prática humana, constantemente experimenta a pressão
de uma mudança no tempo, que precisa ser trabalhada de tal
forma pelos comunicativamente afetados que eles podem
concentrar-se significativamente em suas ações,
principalmente onde está ocorrendo uma interação social.
(RÜSEN, 2012, p.74)

Portanto, nessa perspectiva, narrar seria uma forma que os seres


humanos tem para elaborar significados e experiências durante o tempo e o
espaço, sendo algo fundamental em nossa organização cultural.

Nesse ponto, devemos ter em mente que nenhuma narrativa é atemporal ou


imparcial, isto é, as narrativas sofrem influências de suas temporalidades, e
também do público em que ela se destina, a partir desses problema é que a
História como ciência, para Rüsen, se diferencia de outras narrativas históricas:

A história como ciência diferencia-se de todos os outros tipos


de narrativas históricas, pelo fato de elaborar sistematicamente
uma fundamentação elementar da validade das histórias
narradas e de institucionaliza-las em uma estrutura de
processos regulares. (2012, p.41).

Além disso devemos ter em mente que não há uma única narrativa
histórica, pelo contrário existem uma multiplicidade de narrativas históricas, e
dialogando com Lowenthal, essas narrativas acabam influenciando nossas
ideias cotidianas como nossas concepções sobre o mesmo passado, trocando
em miúdos, O passado nos cerca e nos preenche; cada cenário; cada
declaração; cada declaração; cada ação conserva um conteúdo residual de
tempos pretéritos. Toda consciência atual se funda em percepções e atitudes
do passado. (1998, p.70).

Entretanto, faz necessário fazer uma diferenciação do que seria uma


narrativa histórica e uma memória sobre determinado momento, citando
Lowenthal, quanto a narrativa pode ser comparada e refutada a luz das fontes
históricas, isso não se aplica a memória, pelo seu caráter dúbio e inevitário, ou
nas palavras de Lowenthal:

Memória e História são processos de introspecção, uma


envolve componentes da outra e suas fronteiras são tênues.
Ainda assim, memória e história são normalmente e
justificadamente diferenciadas: A memória é inevitável e
indubitável[...] a história é contingente e empiricamente
verificável. (1998, p.77).

Apesar disso, Lowenthal ressalta que as memórias tem uma função de


adaptação com o fim de enriquecer e manipular o presente, essa discussão
feita por Lowenthal se torna relevante pelo fato de tensão e disputas sobre
determinados aspectos sobre o Regime Militar e suas revisões recentes, como
o notório caso da Ditabranda ou de certos discursos que tendem a considerar a
Ditadura Militar Brasileira menos “feroz” ao comparar as outras ditaduras da
América Latina, e essas discussões tendem com certeza a repercurtir e
influenciar as perspectivas dos alunos do Ensino Médio sobre aquilo que fora o
período entre 1964-1985.

A partir dessas concepções, vem a questão de qual o papel que a escola


pode ter no ensino de conteúdos do Regime Militar a partir das narrativas
prévias dos alunos sobre esse período histórico? Compartilhamos aqui as
concepções de Marcos Silvia que entende a escola como um espaço onde o
estado do conhecimento histórico (e de outros campos de saber) pode ser
apresentado de forma reflexiva pelo professor a crianças e adolescentes. Isso
significa que os docentes têm a opção de se relacionarem de forma crítica com
a produção erudita gerada sobre aqueles temas e problemáticas de
conhecimento por outras instâncias de saber, chegando a novas erudições. No
caso específico de História, tal relacionamento passa pelo contato permanente
e crítico de professores e alunos com a Historiografia, é claro, e também com a
Memória Social elaborada no Brasil sobre ditadura e democracia – exemplos
aqui abordados: discursos governamentais e partidários, vozes da Imprensa,
produções artísticas (cinema, literatura e outras linguagens) etc. Isto é, uma
mediadora entre as narrativas produzidas pela diversos atores sociais e o
conhecimento produzido pela historiografia, cuja influência se dá nos alunos
em suas próprias construções narrativas sobre esse período. (SILVA, 2009)

Concluindo esse artigo, devido a multiplicidades e embates de


narrativas sobre o período entre 1964 e 1985, a escola surge como um espaço
onde pode trabalhar de forma crítica as várias narrativas sobre o período de
hegemonia militar, mas faz-se importante colocar também como o aluno
elabora a sua narrativa, pois retornando a Rüsen e pegando a sua apropriação
por Ramos (2012) se “tematizarmos” o aluno, ou seja, se soubermos o que
este sujeito pensa sobre história, podemos promover a aprendizagem histórica
através da construção de “uma ideia de validade, com a respectiva segurança
na discussão crítica com outros pontos de vista, que apenas a competência da
argumentação histórica confere” (RÜSEN, 2012, p. 66).
BIBLIOGRAFIA UTILIZADA

GEVARD, Rosi Terezinha Ferrarini. A narrativa histórica como uma maneira de


ensinar e aprender história: o caso da história do Paraná. Tese de Doutorado,
UFPR, Curitiba, 2009.

LOWENTHAL, David. Como conhecemos o passado. Projeto História. Revista


do programa de Pós graduação em História e do Departamento de História da
PUC/São Paulo. São Paulo, n. 17, p. 63-202, 1998.

RÜSEN, Jörn. Aprendizagem histórica: fundamentos e paradigmas. Curitiba:


W. A., 2012.

SILVA, Marcos. O historiador, o ensino de História e seu tempo (Notas sobre a


problemática da Ditadura no Brasil –1964/1985) Antíteses, vol. 2, n. 3, jan.-jun.
de 2009, pp. 23-36

TETÉ RAMOS, Márcia Elisa. O estudante de Ensino Médio nas comunidades


virtuais "eu amo história" e "eu odeio história" e uma questão antiga: para quê
serve a história? Antíteses, vol. 5, núm. 10, julio-diciembre, 2012, pp. 665-689

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