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oposição, uma vez que a linguagem não apenas participa da Nessas circunstâncias, “o conceito de leitura passa a ser
construção da mensagem visual, como a substitui e até a completa primordialmente o exercício de uma opção de trajetória pela página
em uma circularidade ao mesmo tempo reflexiva e criadora”. e a subsequente aquisição seletiva de informações parciais
Existe, deste modo, uma reciprocidade entre o textual e o presentes em diversos locais na mesma página [...] tornando
imagético, constituindo uma relação “íntima e variada” (SANTAELLA; 225 226 complexa e multifacetada a experiência de ‘ler’” (MENEZES DE
NÖTH, 2009, p. 53) entre esses elementos semióticos do discurso, e SOUZA; MONTE MÓR, 2006, p. 105): uma atividade que vai de
que fazem parte do processo comunicativo. Nessa concepção, a encontro aos letramentos dos sujeitos e as formas como estes veem
leitura das múltiplas semioses do texto requer uma articulação entre e representam o mundo, pela decodificação do texto.
conhecimento linguístico e conhecimento de mundo no processo de Na leitura da imagem, a GDV, apoiada nas mesmas
negociação acerca dos sentidos explícitos e implícitos expressos pelo metafunções da Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday
texto/imagem. A partir do que propõe a GDV, (Ideacional, Interpessoal e Textual), utiliza-se uma organização
metafuncional, que possibilita enxergar a natureza dialógica e
[...] procura-se explorar não esse antagonismo, mas o modo interativa na análise da imagem. Considere-se então, estas
como a imagem não dispensa a palavra, e deste outro ponto metafunções, segundo Almeida (2008, p. 12): Representacional:
de vista como as palavras pedem imagens: o modo como a
imagem é caminho em direção à palavra, abrindo-a ao “responsável pelas estruturas que constroem visualmente a
mundo e conferindo-lhe toda a espessura e densidade natureza dos eventos e participantes envolvidos, e as circunstâncias
ontológica que esta pode transportar. (GRADIM, 2007, p. em que ocorrem. [...] mostrando, o que se supõe que esteja “ali”, o
190) que está acontecendo, ou quais relações estão sendo construídas”;
Interativa: “responsável pela relação entre os participantes, [...] onde
O autor aponta para a inevitável e indissolúvel associação
recursos visuais constroem “a natureza das relações de quem vê e o
entre palavras e imagens, defendendo que elas constituem um só,
que é visto””; e Composicional: “responsável pela estrutura e
uma tessitura única que apresenta um sentido e expressa uma ideia
formato do texto [...] e se refere aos significados obtidos através da
e dialoga com o leitor. Os autores da teoria da GDV ressaltam:
“distribuição do valor da informação ou ênfase relativa entre os
elementos da imagem””.
Procuramos romper as fronteiras acadêmicas entre o estudo
da linguagem e o estudo das imagens, e procuramos, na Para a análise da imagem, essas metafunções propostas por
medida do possível, utilizar uma linguagem e uma Kress e van Leeuwen (1996) possuem especificidades próprias que
terminologia compatíveis ao falar sobre ambas, uma vez que, as diferenciam, segundo as interpretações de Almeida (2008), Brito;
em comunicações reais, as duas e certamente muitas outras
Pimenta et al (2009) e Mendes et al (2013), sintetizadas a seguir.
[semioses] aparecem reunidas para produzir textos
integrados. (KRESS; VAN LEEUWEN, 1996, p. 183). A metafunção ideacional/representacional divide as
estruturas imagéticas em duas estruturas de representação:
narrativas: os participantes relacionam-se entre si, engajados em
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eventos e ações, que se subdividem em processos de ação, conecta os elementos da imagem por meio de linhas divisórias,
reacional, verbal e mental, de conversão e de simbolismo espaços coloridos, tanto dentro como nas margens da imagem.
geométrico; e conceituais: os participantes são representados a Acompanhe-se no quadro a seguir, a distribuição geral e
partir de uma relação taxonômica de classe, estrutura ou sucinta destas metafunções apresentadas pelos autores, para em
significação, subdividindo-se em processo classificacional e processo 227 228 seguida reconhecer aquelas que predominam nas imagens,
analítico. reconhecendo seus limites, convergências e divergências nos
A metafunção interpessoal/interativa classifica as imagens propósitos da análise:
em três dimensões: olhar ou contato: ocorre quando o participante
olha diretamente para o observador/leitor, efetuando uma
demanda, ou quando o participante apenas se coloca para ser visto, Quadro 1: Síntese das metafunções de análise da imagem, segundo a
é um objeto de apreciação, estando assim, em oferta; Gramática do Design Visual (GDV) de Kress e van Leeuwen, baseada na
Gramática Sistêmico-Funcional (GSF), de Halliday
enquadramento ou distância social: refere-se à posição dos
participantes na imagem, permitindo que o leitor a veja em plano
aberto, plano médio e plano fechado; e perspectiva ou atitude:
Metafunção Ideacional/Representacional
representa o ponto de vista ou ângulo em que os participantes são
o Representações narrativas
mostrados para leitor, podendo ser frontal/objetiva, oblíqua ou De ação
vertical, devendo-se considerar também nesta análise o ângulo, que Reacional
pode ser elevada, de ângulo baixo e no nível do olhar/horizontal. Verbal e Mental
De conversão
Essas imagens também são classificadas quanto a modalidade: que
De Simbolismo Geométrico
representa o nível de verdade e de relação que a imagem apresenta o Representações conceituais
com a realidade, podendo ser classificada em: naturalística, Processo Classificacional
abstrata, sensorial e tecnológica. Processo Analítico
Metafunção Interpessoal/Interativa
A metafunção textual/composicional combina os elementos
o Olhar/Contato
visuais da imagem a partir de três sistemas relacionados entre si: De demanda
valor da informação: refere-se aos valores de cada elemento, De oferta
conforme estão posicionados na imagem, classificando-se em: dado o Enquadramento/Distância Social
Plano Aberto
e novo (demarcação horizontal), ideal e real (demarcação vertical) e
Plano Médio
central e periférico (o que há de maior relevância e o que há de Plano Fechado
marginal); saliência: os elementos de destaque na imagem para o Perspectiva/Atitude
atrair o leitor, destacando-se o foco, o contraste, a nitidez, o brilho e Frontal/Objetiva
Oblíqua/Subjetiva
o tamanho; e a estruturação, enquadre ou moldura: desconecta ou Vertical
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Os sujeitos leitores, a partir da interação com o texto em que as estruturas e padrões linguísticos são uma entre as
imagético, produzem e atribuem sentidos que são oriundos da múltiplas dimensões de sentido” (FISHER, 2007, p. 58)
articulação entre a materialidade desse texto imagético e os saberes Nessas circunstâncias, a leitura é concebida como um
socialmente produzidos nas experiências culturais de cada sujeito processo gradual de interação e diálogo com o objeto lido, de modo
em seus contextos reais de circulação de conhecimentos. 231 232 que o ato de ler não se restringe ou se esgota no espaço visual gráfico
Conhecimentos estes que são múltiplos, plurais, fruto da da imagem, mas vai além, a outros espaços, permitindo que os
convergência das diversas esferas da cultura – dominada e sujeitos criem e recriem os objetos da realidade, por meio de
dominante -, o que constitui os multiletramentos e “as diversidade processos que reinventem a linguagem e a experiência, buscando,
de linguagens que os constituem”, pois “eles são interativos”; através da subjetividade, desafiar e ir além das evidências materiais
“transgridem as relações de poder [...] dos textos [verbais ou não]”; do texto imagético, contextualizando e refletindo sobre o objeto
“são híbridos, fronteiriços, mestiços (de linguagens, modos, mídias e cognoscível, e como resultado desta interação, produzir novas
culturas)” (ROJO, 2012, p. 22-23). Nessa perspectiva, a autora ainda imagens e superar os limites do mundo, por meio da “minha
define multiletramentos como: linguagem”. Esta, por sua vez, representa os conhecimentos letrados
de cada sujeito, advindos de suas leituras de mundo, e que ao entrar
Práticas de trato com os textos multimodais ou em contato com uma informação nova, acionará uma rede de
multissemióticos contemporâneos – majoritariamente conexões arquivadas na memória - os saberes vividos -, que
digitais, mas também digitais impressos – que incluem
procedimentos (como gestos para ler, por exemplo) e permitirão a produção de novos e diferentes interpretações e
capacidades de leitura e produção que vão muito além da significados para o texto imagético.
compreensão e produção de textos escritos, pois incorporem Deste modo, da mesma forma que no texto meramente
a leitura e (re) produção de imagens e fotos, diagramas, verbal, a leitura da imagem pressupõe do leitor um engajamento na
gráficos e infográficos, vídeos, áudio etc. (ROJO, 2013b, p. 21)
construção de significados, de maneira ativa, através de um processo
Esses multiletramentos variam de acordo com o tempo e o de criação e testagem de hipóteses, que se configuram como
espaço, assim como as estruturas de circulação social e poder da estratégias de leitura. Assim, não é somente o texto imagético que
escrita na sociedade, considerando-se os aspectos sócio-históricos determina a construção dos sentidos, mas o leitor, conforme suas
do letramento, como prática de interação crítica com a leitura e a intenções, propósitos e experiências particulares com o mundo
escrita em contextos específicos (STREET, 2003). A partir deste letrado.
entendimento, é possível tratar de uma pedagogia de De acordo com Panozo (2007), a imagem constituída como
multiletramentos (NEW LONDON GROUP, 1996), considerando-se texto visual representa um signo potente para a reflexão e
que cada tipo de letramento abrange “a existência de uma reconstrução sobre a noção de mundo, uma vez que possibilita o
multiplicidade de sistemas semióticos com suas próprias convenções exercício do pensamento, desencadeando um diálogo entre tempos
passado e presente. Assim, considerar a associação entre imagem e
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texto verbal é buscar a ressignificação dos sentidos do próprio 4. Os Multiletramentos na Leitura das Imagens:
processo de leitura, que se amplia e se difunde a partir de uma
articulação profícua entre diversas linguagens. Sobre isto, Godard
Perspectivas
(1993) apud Joly (2005, p. 115) reflete: Analíticas a Luz
233 234
da Gramática
Palavra e imagem são como cadeira e mesa: se você quiser se
sentar à mesa, precisará de ambas. Além de tudo o mais que do Design Visual
estiver ao redor delas. Uma vez que essa cadeira e essa mesa Nesta etapa
interferir no modo de interação entre o cartaz e o leitor”. Assim, Considera-se que as possíveis interpretações do leitor em
acerca de sua natureza, complementam: relação ao ângulo dos participantes representados nas imagens,
estão atreladas aos seus conhecimentos multiletrados, no sentido de
Como gênero eminentemente imagético, o cartaz, além de que a leitura é um processo de atribuição e construção de sentidos
uma compreensão, também requer em sua textura um 237 238 sobre o mundo; e que para a sua realização, considera-se o saber
processo de persuasão, construído por um produtor, para
conquistar seu leitor. Nele, uma cadeia de elementos verbais compartilhado com cada leitor, que ao envolver-se nesse processo,
e não-verbais dispostos em sua superfície de papel é traz diferentes experiências, e ao entrar em contato com as imagens,
permeada por estratégias que na maioria das vezes passam atua sobre elas, no sentido de não apenas compreender literalmente
despercebidas pelo leitor comum (2008, p. 11) (grifo no sua mensagem, mas de interagir e ampliar espaços de ação social a
original)
partir da mensagem que elas veiculam. No caso desses cartazes, uma
No primeiro cartaz (figura 1) existem três situações sendo ação no sentido de conscientizar-se da importância da vacinação
representadas, embora os participantes de cada situação não como medida de prevenção de doenças.
interajam com os da outra; mas em dois destes casos, eles interagem Deste modo, percebe-se que as metafunções operam em
entre si: na primeira, há uma mulher sozinha (ator), olhando para a relações interconexas em qualquer contexto comunicativo, com
barriga (vetor); pode-se dizer que interagindo com o filho (meta), qualquer tipo de linguagem ou modo semiótico. Nesta perspectiva,
pois embora seja um ser não apresentado na imagem, esteja no seguindo o pensamento de Halliday; Hasan (2002, p. 23), no qual a
plano imaginário, existe uma consciência de sua existência, GDV se apoia, aponta-se que:
considerando-se um conhecimento compartilhado acerca da
Os significados são tessidos juntos em uma densa fábrica de
gravidez e de que as mães se comunicam com os filhos mesmo antes
tal forma que para compreendê-los, não olhamos
deles nascerem; e na segunda, percebe-se uma mãe (ator) que separadamente para suas diferentes partes: aliás, nós
direciona o olhar (vetor) para o filho (meta) no colo, o que permite olhamos o todo simultaneamente a partir de um número de
identificar, em ambos, aspectos da metafunção representacional diferentes ângulos, cada perspectiva contribuindo para a
interpretação total. Esta é a natureza essencial de uma
narrativa de ação, visto que há um processo de interação entre os
abordagem funcional.
participantes. Nestes casos, a representação narrativa de ação é
identificada principalmente pela presença dos vetores, indicando Nesta perspectiva, atesta-se a possibilidade de serem
que ações estão sendo realizadas. Já a terceira situação também no identificados simultaneamente aspectos das diferentes metafunções
mesmo cartaz retrata um casal de pessoas idosas, que embora (ideacional/representacional, interpessoal/interativa e
abraçadas, não se olham entre si, olham apenas para o textual/composicional) em uma mesma imagem, considerando-se
observador/leitor, exigindo deste uma interação, um retorno, o que que a realização do significado e a construção de sentidos dependem
remete a metafunção interativa na dimensão do olhar ou contato de dos propósitos do leitor e dos conhecimentos de mundo dos quais
demanda. lança mão para alcançá-los. Nessa concepção, tem-se a leitura numa
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perspectiva sociointeracionista, definida por Kleiman (1997, p. 10) No que se refere à perspectiva ou atitude em que os
como “uma prática social que remete a outros textos e a outras participantes são mostrados, na figura 1, a mulher grávida e a mulher
leituras. Em outras palavras, ao lermos um texto, qualquer texto, com o bebê no colo estão em um ângulo oblíquo/subjetivo, na
colocamos em ação todo o nosso sistema de grupo social em que se medida em que elas não são mostradas de frente, mas de perfil,
deu nossa socialização primária, isto é, o grupo social em que fomos 239 240 como a esconder algo, gerando assim, menor empatia com o leitor,
criados”. maior distanciamento e subjetividade; já o casal de idosos abraçados
No segundo cartaz (figura 2), observa-se a perspectiva da no mesmo cartaz, está em um ângulo frontal/objetiva, uma vez que
metafunção interativa. Existem sete participantes representados, encaram diretamente o leitor, mostrando-se inteiros, criando uma
não havendo interação entre nenhum deles. Todos olham ideia de empatia, sinceridade e igualdade através do olhar. Já na
diretamente para o leitor, como a exigir-lhe algo. Até mesmo no caso figura 2, apenas os dois participantes adultos do sexo masculino
das duas mulheres que estão com a criança no colo e o do rapaz que apresentam-se sob o ângulo frontal/objetivo, enquanto as três
está com um papel na mão, eles não olham para suas possíveis metas mulheres e as crianças de colo apresentam-se no ângulo
(filhos e folha de papel), estão apenas apresentando-os para um oblíquo/subjetivo.
expectador. Deste modo, pode-se destacar que o produtor desse Acerca da modalidade, na qual as imagens se enquadram,
texto, utilizou-se da estratégia de olhar de demanda, o que constitui destaca-se que ambas (figura 1 e 2) estão no modo natural, posto
uma das principais características para reconhecer a prevalência da que apresentam significativa e direta relação com o mundo real,
metafunção interativa, uma vez que os participantes chamam pelo criando-se assim, um nível de verdade com a mensagem que
espectador, existe entre eles uma relação de cumplicidade no olhar. desejam transmitir, neste caso, o alerta para a importância da vacina
Quanto aos outros aspectos de classificação das imagens, a contra a gripe, em todas as idades.
partir dos significados da metafunção interativa, destaca-se que Assim, a articulação entre os conhecimentos multiletrados
ambas estão em posição de plano aberto no enquadramento ou de cada leitor e as possíveis interpretações em relação ao ângulo dos
distância social do leitor, uma vez que os participantes estão participantes representados nas imagens, acontece por meio de um
representados de corpo inteiro, podendo-se situar, inclusive, o processo de leitura não-linear, que ultrapassa a mera decodificação
ambiente em que eles se encontram. Na figura 1, em espaços que da materialidade da imagem, e alcança o leitor de modo ativo, de
predominam principalmente, a paisagem natural, representada pela modo que ele interage responsivamente com a imagem, e, portanto,
cor verde das árvores e o azul do céu; e na figura 2, além do aspecto a partir desse contato, aciona diversos conhecimentos multiletrados,
natural, há a presença de um edifício ao fundo e uma estrada possibilitando a construção de um novo sentido para a sua própria
asfaltada que serve de piso para os participantes, revelando, assim, ação no mundo, influenciada pela leitura das informações veiculadas
aspectos de uma paisagem modificada pelo homem. Nestes casos, o pelos cartazes.
produtor da imagem, utiliza-se da categoria modalização, como Para Kress; van Leeuwen (1996), essa comunicação visual
estratégia fundamental para a construção do sentido da imagem. entre os participantes representados e os leitores da imagem se dá
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através de recursos semióticos específicos e da produção de Reconhecer esta ideia é conceber o fato de que os saberes
significados pelos participantes da imagem, que se constituem como são múltiplos, plurais, advindos do encontro de culturas e tempos –
indivíduos reais que atribuem sentidos próprios às imagens, presente, passado e futuro -, que se entrecruzam e alocam novas
conforme os contextos sociais em que circulam, assim, no caso dos posições do sujeito na sociedade, exigindo deles uma postura
cartazes publicitários de campanhas de saúde, os participantes 241 242 proativa, como autênticos produtores do conhecimento,
‘falam’ com os expectadores/leitores na medida em que alcançam posicionando-se criticamente nas práticas sociais das quais participa,
seus contextos de circulação e conseguem transmitir uma construindo e reconstruindo experiências para além do regido, do
mensagem importante para suas vidas. pensado e do vivido e, desta forma, transformando seu mundo e o
As diferenças nos modos de leitura dessa imagem e, por contribuindo para a transformação da sociedade em geral.
consequente, o entendimento dessa mensagem, está relacionado Essas diferentes formas de interpretar e produzir
aos contextos socioculturais de acesso à leitura e à escrita de cada significados na leitura da imagem advém, portanto, das condições ou
leitor – os conhecimentos letrados ou multiletramentos -, níveis de letramento do sujeito leitor, que ao constituir-se como
reconhecendo-se, assim, capacidades de leitura e produção de agente do letramento, pela bagagem de conhecimentos letrados –
sentido que ultrapassem a mera compreensão e produção de textos os multiletramentos -, assume uma postura crítica nas relações
escritos, mas abrange a leitura de múltiplas semioses, as quais sociais formais ou informais do meio em que vive, ampliando sua
incluem textos expressos em diferentes formas de linguagem, dentre capacidade de leitura do mundo, passando a interpretá-lo e
eles o imagético (ROJO, 2013b). transformá-lo, a partir da “ideia [de] que a sociedade hoje funciona
Deste modo, que as experiências particulares se refletem a partir de uma diversidade de linguagens e de mídias e de uma
nas formas de interação social dos sujeitos com a leitura das diversidade de culturas [...], daí multiletramentos, multilinguagens,
imagens, que estão repletas de sentidos, significados e significância multiculturas” (ROJO, 2013c), que precisam ser reconhecidos e
social. É sob este entendimento que a GDV compreende que os considerados na forma como cada um ler e expressa o objeto lido (o
texto imagético), reafirmando, mais uma vez, “a pluralidade e
Significados pertencem à cultura, ao invés de modos diversidade cultural trazida pelos autores/leitores contemporâneos
semióticos específicos [...]. Por exemplo, aquilo que é a essa criação de significação” (ROJO, 2012, p. 56).
expresso na linguagem através da escolha entre diferentes
classes de palavras e estruturas oracionais, pode, na Portanto, a partir desta constatação, percebe-se que, de
comunicação visual, ser expresso através da escolha entre os fato, as condições socioculturais e ideológicas que esses leitores
diferentes usos de cor ou diferentes estruturas estão inseridos interferem significativamente no modo como eles
composicionais. E isso afetará o significado. Expressar algo processam a leitura, a partir de escolhas que denotam os processos
verbalmente ou visualmente faz diferença (KRESS; VAN
LEEUWEN, 1996, p. 2). instáveis e mutáveis das formas de leitura e escrita na sociedade. Os
múltiplos e ao mesmo tempo heterogêneos lugares sociais
desempenhados por cada leitor implicam o urgente reconhecimento
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dos domínios da competência leitora, articulados pelos diversos cognitivos do ato de ler (metacognição) e a relação sociointerativa e
veículos de informação e comunicação presentes no meio em que discursiva entre leitor, objeto lido e mundo.
vive, e que contribuem para a forma como veem e leem as imagens Entrelaçadas as evidências teóricas à análise das imagens,
e, por fim, o mundo do letramento, os multiletramentos que constata-se a intrínseca relação entre capacidade de compreensão
constituem a diversidade cultural dos leitores e que interfere na 243 244 leitora e conhecimentos culturais do sujeito leitor. Cada um lê à sua
criação de significação. maneira, a partir dos contextos específicos de onde ecoam suas
experiências de relação com a leitura. Experiências híbridas e
heterogêneas, que constroem e moldam a forma como cada um ler
5. Considerações Finais e amplia os significados desta leitura.
Propôs-se neste estudo uma reflexão teórica que avizinhou Assim, a construção dos sentidos em textos imagéticos a
as discussões acerca do conceito de texto advindo da Linguística partir de uma interface entre multiletramentos e GDV, como se
Textual às perspectivas de texto definidas pela Gramática do Design empreendeu neste estudo, requer, o reconhecimento e valorização
Visual de Kress e van Leeuwen, advinda da Gramática Sistêmico- dos diferentes tipos de letramentos ou multiletramentos que
Funcional de Halliday, na leitura de textos imagéticos. Optou-se, para compõem o painel sociocultural e ideológico do mundo da leitura e
a aplicação destes construtos teóricos, a análise de duas imagens de da escrita, evidenciando-se, assim, uma imbricada relação entre
cartazes de campanhas de vacinação de circulação nacional, leitor e texto imagético, na medida em que ao ler, este leitor
realizadas no ano de 2013. Objetivou-se, diante deste corpus, reconhece a leitura como um processo de simbolização e expressão
analisar a importância dos multiletramentos (conhecimentos formal dos sentidos, que se aplica a todas as formas de linguagens
letrados) para a compreensão dos sentidos da imagem, tida como que circulam nos contextos atuais, principalmente as imagens, que
texto, a partir de uma Gramática do Design Visual; e para tanto, cada vez mais ascendem como formas de dizer e arquitetar um
delimitou-se alguns questionamentos: Que tipo de postura ou propósito comunicativo no mundo. Assim, ler é possibilitar um
estratégia os sujeitos adotam nos processos de leitura e encontro de culturas, é ocupar e ampliar espaços, é sobrepor o dito,
interpretação da imagem? De que forma os conhecimentos letrados desdizer, refletir, pensar e agir, é, portanto, interagir, compreender
(multiletramentos) interferem na compreensão dos sentidos do e mudar o mundo.
texto imagético?
As possibilidades de análise através dos construtos teóricos Referências:
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