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LAUDO ANTROPOLÓGICO

A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU


E ADJACÊNCIAS

Perito: JOÃO DAL POZ NETO

Segunda Vara da Justiça Federal


Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso
Processo no 1997.36.00.005648-9
Classe 06300 – Carta de ordem
Autor: Estado de Mato Grosso
Réu: União Federal e outro

Cuiabá, MT

outubro de 2001
A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
2a. Vara, JF - Mato Grosso/Proc. 1997.36.00.005648-9

INDICE

I. INTRODUÇÃO ............................................ 4
II. OS CONCEITOS E SUA APLICAÇÃO ......................... 9
1. A definição de terras indígenas .................. 9
Mapa 1 – Os povos do alto Xingu (Nimuendaju, 1944) .......... 10
2) A territorialidade xinguana ..................... 12
Mapa 2 – A localização das aldeias em 1948 (Oberg, 1953) .... 14
3) A perícia antropológica ......................... 18
Mapa 3 – As redondezas da aldeia mehinako (Gregor, 1982) .... 23
III. OS POVOS DO ALTO XINGU ............................. 24
1. A paisagem regional ............................. 24
Mapa 4 – Aldeias em 1960 e povos extintos (Simões, 1963) .... 26
2. A área do uluri ................................. 28
Mapa 5 – As tribos em 1890 (Monod-Becquelin, 1975) .......... 29
a) Os Mehinako .................................. 35
Mapa 6 – Aldeias no Batovi e no Curisevo (Steinen, 1940) .... 36
b) Os Waura ..................................... 39
Mapa 7 – Viagem etnográfica aos Waura (Lima, 1955) .......... 41
c) Os Yawalapiti ................................ 46
Mapa 8 – As aldeias yawalapiti (V. de Castro, 1977) ......... 48
d) Os Kustenau .................................. 51
Mapa 9 – O rio Batovi em 1884 (Steinen, 1942) ............... 52
e) Os Kalapalo .................................. 53
f) Os Nahukwa ................................... 60
Mapa 10 – Os rios Batovi e Curisevo (Steinen, 1942) ......... 62
g) Os Matipu .................................... 66
h) Os Kuikuro ................................... 67
Mapa 11- A dinâmica dos povos karib (Franchetto, 1993) ...... 71
i) Os Bakairi ................................... 73
Mapa 12 – Os territórios bakairi (Barros, 1994) ............. 75
j) Os Naravute e os Tsuva ....................... 81
Mapa 13 – A expedição de Dyott em 1928 (Dyott, 1929) ........ 83
k) Os Kamayura .................................. 84
Mapa 14 – Os sítios kamayura (Samain, 1991) ................. 88
l) Os Aweti ..................................... 90
m) Os Trumai .................................... 92
Mapa 15 – As aldeias trumai (Monod-Becquelin, 1981) ......... 98
3. Os povos periféricos ........................... 102
a) Os Suya ..................................... 103
Mapa 16 – As migrações dos Suya (Frikel, 1972) ............. 104
Mapa 17 – As aldeias suya (Seeger, 1981) ................... 113
b) Os Juruna ................................... 116
Mapa 18 – As migrações dos Juruna (Oliveira, 1970) ......... 119

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c) Os Txukahamãe ............................... 123


Mapa 19 – As aldeias dos Txukahamãe (Verswijver, 1985) ..... 125
d) Os Ikpeng (Txikão) .......................... 130
Mapa 20 – Aldeias no Batovi e Jatobá (Galvão & Simões, 1965) 132
Mapa 21 – Histórico das aldeias ikpeng (Menget, 1977) ...... 137
e) Os Arawine .................................. 139
f) Os Yaruma ................................... 140
g) Os Manitsaua ................................ 142
Mapa 22 – O rio Xingu em 1884 (Steinen, 1942) .............. 143
4. Os povos adventícios ........................... 145
a) Os Kayabi ................................... 145
Mapa 23 – O território kayabi (Ferreira, 1992) ............. 147
Mapa 24 – Os Kayabi em 1955-56 (Grünberg, 1970) ............ 151
b) Os Tapayuna ................................. 156
c) Os Panará ................................... 160
Mapa 25 - A trajetória dos Panara (Arnt, 1998) ............. 165
IV. A OCUPAÇÃO E OS LIMITES ............................ 167
1. Mito, arqueologia e história ................... 167
Mapa 26 – Sítios arqueológicos (Becquelin, 1993) ........... 170
Mapa 27 – Movimentos populacionais (Heckenberger, 2001) .... 173
Mapa 28 – A geografia xinguana dos Suya (Steinen, 1942) .... 174
2. A marcha para o oeste .......................... 175
Mapa 29 – A expedição alemã de 1884 (Steinen, 1942) ........ 176
Mapa 30 – Os postos da FBC (Oliveira, A., 1976) ............ 180
3. A dinâmica demográfica ......................... 183
Quadro demográfico em 1970 ................................. 188
População do Parque do Xingu e áreas Wawi e Batovi ......... 189
População da área Capoto/Jarina ............................ 190
Mapa 31 – A carta do Mato Grosso (Rondon, 1952) ............ 191
4. A demarcação das terras ........................ 192
Mapa 32 – Alienação das terras do Xingu (Oliveira, 1955) ... 195
V. RESPOSTAS AOS QUESITOS .............................. 204
1. Quesitos do Estado do Mato Grosso .............. 204
2. Quesitos da Advocacia-Geral da União e FUNAI ... 212
Mapa 33 - Recursos naturais utilizados pelos Juruna ........ 217
VI. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ............................ 227
VII. FOTOGRAFIAS ....................................... 250
VIII. ANEXOS ........................................... 255
1. Mapa Parque do Xingu e áreas adjacentes (ISA, 2000)
2. Mapa Cabeceiras do rio Xingu (ISA, 2000)
3. Mapa Ocupação e reconhecimento das terras indígenas
4. Mapa Perícia antropológica no alto Xingu

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I. INTRODUÇÃO
Este Laudo traz os resultados da perícia histórico-
antropológica realizada no cumprimento do mandado expedido
na Carta de Ordem - Processo 1997.36.00.005648-9, da 2ª
Vara da Justiça Federal, Seção de Mato Grosso, relativa à
Ação Cível Originária – ACO 362-8 (desapropriação
indireta), proposta no Supremo Tribunal Federal pelo Estado
de Mato Grosso contra a União Federal e a FUNAI. Os
quesitos afetos à peritagem antropológica foram formulados
pelo Estado de Mato Grosso às fls. 3359 e 3360 e pela
Advocacia-geral da União e FUNAI às fls. 3363 a 3364, sendo
deferidos pelo Juízo às fls. 3365 dos Autos. Por ocasião da
audiência para início da perícia, marcada para 2 de abril
de 2001, às 14 horas, na Secretaria da 3ª Vara em Cuiabá,
não compareceram os assistentes técnicos designados pelas
Partes. O prazo estipulado para a conclusão da perícia foi
de 150 dias, além do qual se solicitou uma prorrogação de
45 dias para a entrega do Laudo.

A viagem de vistoria foi realizada nos dias 14 a 29 de


julho de 2001, e contou com o apoio da Associação Terra
Indígena do Xingu – ATIX, sediada em Canarana (MT), com a
finalidade de planejar os deslocamentos dentro da área e de
contratar os serviços de transporte necessários. Previu-se
entrar no Parque do Xingu pelo rio Culuene, descer até sua
foz e, daí, seguir pelo rio Xingu até a estrada BR-80, no
intuito de percorrer locais críticos onde a ocupação
indígena necessitava melhor esclarecimento.

Nos trabalhos de campo colaboraram Kamani, chefe do


posto Diauarum, e Yanaru Suya, motorista, que muito
favoreceram o reconhecimento da região, a visita às aldeias
e as entrevistas, e a auxiliar de pesquisa Liebe Silva
Lima, responsável pelo registro fotográfico da viagem.

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O roteiro da vistoria (ver mapa no Anexo 4) teve como


ponto de partida o porto da fazenda Sayonara, na margem
direita do rio Culuene, situado a três horas de caminhão da
cidade de Canarana. No rio Culuene foram visitadas as
aldeias de Ronaldo Kalapalo (posto de vigilância), Tanguro
(Kalapalo), Afukuri (Kuikuro) e Kuikuro. Subindo o ribeirão
Tuatuari, o posto Leonardo. Descendo outra vez o rio
Culuene, vistoriamos o posto Jacaré, ex-base aérea da FAB.
A aldeia Sucuri (Kamayura) está localizada no local
denominado Morená, onde se congregam as águas dos rios
Ronuro, Batovi e Culuene, formadores do rio Xingu.
Descendo, estivemos nas aldeias Boa Esperança (Trumai), no
posto Pavuru, na aldeia Moygu (Txikão ou Ikpeng), na aldeia
Tuyarare (Kayabi) e no posto Diauarum. Subindo o rio Suiá-
Miçu, fomos até a aldeia Riko (Suya). Outra vez descendo o
rio Xingu, as aldeias Paquiçamba (Juruna), Capivara
(Kayabi) e Tubatuba (Juruna). Já de retorno, subindo outra
vez o rio Suiá-Miçu, alcançamos o porto da aldeia Ngosoko
(Suya) e, por estradas vicinais, passamos pelo posto de
vigilância Wawi e tomamos a estrada para Querência e
Canarana.

Limitações de recursos e de tempo e obstáculos à


navegação nos afluentes menores durante a estação seca
impossibilitam alcançar, no decurso de uma perícia desta
natureza, todos os quadrantes, os povos e as aldeias que
compõem o Parque do Xingu e áreas adjacentes. No entanto,
os dados obtidos no itinerário acima descrito, acrescidos
daqueles oriundos da copiosa bibliografia e da documentação
já produzidas sobre as sociedades indígenas da bacia do
Xingu, mostraram-se relevantes e, sobretudo, suficientes
para que fossem atendidos os quesitos suscitados. A posição
geográfica das atuais aldeias e demais localidades foi
obtida com um aparelho GPS, modelo Garmin 12.

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A documentação e a bibliografia sobre os povos


indígenas do Xingu vêm se acumulando, de maneira
promissora, desde as últimas décadas do século XIX, quando
foram organizadas as primeiras expedições científicas à
região. Em particular, há que se destacar a monumental
contribuição do médico e etnólogo alemão Karl von den
Steinen que, em 1884 e em 1887, excursionou e descreveu com
muita precisão sua geografia e os vários povos que lá
habitavam. A partir de então, conceituados antropólogos,
arqueólogos e lingüistas, de procedências as mais diversas,
realizaram pesquisas substanciosas entre as diferentes
sociedades xinguanas, como Eduardo Galvão, Mário Simões,
Pedro Lima, Max Schmidt, Harald Schultz, Curt Nimuendaju,
Buell Quain, Anthony Seeger, Kalervo Oberg, Ellen Basso,
Robert Carneiro, Gertrude Dole, George Grünberg, Berta
Ribeiro, Adélia Engrácia de Oliveira, Amadeu Lanna, Pedro
Agostinho, Carmen Junqueira, Patrick Menget, Gustaaf
Verswijver, George Zarur, Eduardo Viveiros de Castro, Tânia
Stolze Lima, Vanessa Lea, Etienne Samain, Bruna Franchetto
e Michael Heckenberger, entre outros. Muitos destes
pesquisadores vinculavam-se a instituições científicas de
renome internacional, como o Museu Nacional, do Rio de
Janeiro, o Museu Goeldi, do Pará e a Smithsonian
Institution, de Washington (EUA), ou a universidades
brasileiras, norte-americanas e francesas. Ao lado dos
estudos científicos, a convivência prolongada dos
indigenistas Cláudio e Orlando Villas Bôas com os povos
xinguanos possibilitou-lhes também produzir ricas anotações
acerca de sua história, seus costumes e suas crenças. Os
relatos dos irmãos Villas Bôas tratam ainda das atividades
da Expedição Roncador-Xingu e suas relações com os índios,
e permitem deste modo conhecer as mudanças e os
deslocamentos impostos pela chamada “Marcha para o Oeste”,
impulsionada pelo Governo Federal e pelo Governo do Estado
de Mato Grosso em meados do século XX.

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Os livros e artigos compulsados para fins desta


perícia foram localizados nas bibliotecas da Universidade
de São Paulo (FFLCH, IEB, Museu de Arqueologia e Etnologia
e Museu Paulista), do Instituto Socioambiental (São Paulo)
e do Museu do Índio, no Rio de Janeiro. Foram também
consultados o Serviço de Arquivos do Museu do Índio, no Rio
de Janeiro, onde se encontram microfilmados os Arquivos do
SPI – Serviço de Proteção aos Índios, o acervo do CIMI –
Regional Mato Grosso e arquivos pessoais. A Escola Paulista
de Medicina e a FUNASA disponibilizaram, gentilmente, os
últimos dados censitários.

A presente Ação abrange um grande conjunto de povos e


uma vasta extensão territorial, posto que a área sub judice
inclui o perímetro total do Parque Indígena do Xingu e,
subsidiariamente, três outras áreas a ele contíguas, a área
Capoto/Jarina, a área Wawi e a área Batovi (ver mapa no
Anexo 1). Diante da amplidão espacial e a variedade de
povos indígenas que vivem nessas áreas, entendemos que uma
das principais metas a cumprir nesta perícia, no intuito de
facilitar a análise objetiva dos fatos, seja estabelecer
uma síntese geral dos dados relevantes, evitando excessos
de informação e argumentos redundantes que alongariam
desmedidamente o Laudo. Neste sentido, pretende-se delinear
um panorama conciso da extensão e das formas de ocupação
territorial dos povos indígenas hoje circunscritos às áreas
mencionadas, lançando mão de recursos didáticos como
diagramas, tabelas e mapas. Vale notar que os Autos foram
já carregados com cópias de livros, artigos e relatórios
relacionados à questão, dentre os quais o criterioso laudo
da dra. Bruna Franchetto, às fls. 1053 e seguintes,
produzido a pedido da Procuradoria Geral da República para
instruir a defesa da União Federal na presente Ação.

Na mesma direção, parece dispensável abordar, afora


comentários ligeiros, os dados e as hipóteses arqueológicas

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relativos às etapas mais remotas do processo de


“homogeneização” sócio-cultural que conformou os povos
alto-xinguanos. Mais oportuno para as finalidades desta
perícia serão as evidências de ocupação indígena no período
que vai do ano de 1884, quando se deu a primeira viagem de
von den Steinen, aos dias atuais. As expedições do etnólogo
alemão representam um marco inicial bastante conveniente
para a presente investigação histórico-antropológica, na
medida em que as notícias muito precisas que nos legaram
podem atestar a localização dos povos indígenas na bacia do
Xingu nas décadas anteriores à promulgação da Constituição
de 1934. E uma vez que, nesta época, a região dos
formadores do rio Xingu abrigava tão-somente populações
indígenas, apurar daí aos dias de hoje a configuração e a
continuidade da ocupação indígena na área sub judice.

Em seguida ao panorama abrangente dos povos indígenas,


sua ocupação territorial e as medidas oficiais para seu
reconhecimento, passaremos enfim aos quesitos propriamente
ditos, no tópico V deste Laudo. Os mapas em meio ao texto,
extraídos de várias fontes documentais, embora em escalas
desiguais, ajudam a firmar no plano geográfico os dados que
subsidiaram a peritagem. Por sua vez, os mapas traçados
para fins desta perícia, nos Anexos 3 e 4, procuram
consolidar os dados bibliográficos e os colhidos no
transcurso dos trabalhos de campo.

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II. OS CONCEITOS E SUA APLICAÇÃO

1. A definição de terras indígenas

Os conceitos principais a serem utilizados, para fins


da peritagem antropológica, sustentam-se nas expressões
jurídicas sancionadas pela Constituição Federal de 1988,
que em seu Artigo 231, capítulo VIII, reconheceu aos índios
“sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam”. Para identificar quais são as
“terras tradicionalmente ocupadas”, o parágrafo primeiro do
mesmo artigo da Constituição balizou-as com os seguintes
critérios de orientação:

- as por eles habitadas em caráter permanente;

- as utilizadas para suas atividades produtivas;

- as imprescindíveis à preservação dos recursos


ambientais necessários a seu bem-estar; e

- as necessárias à sua reprodução física e cultural,


segundo seus usos, costumes e tradições.

Tais terras, acrescentam os parágrafos seguintes do


Artigo 231, “destinam-se a sua posse permanente, cabendo-
lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e
dos lagos nelas existentes”; e “são inalienáveis e
indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”.
Vale notar que a atual Constituição vedou a remoção dos
grupos indígenas de suas terras, exceto “em caso de
catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou
no interesse da soberania do País”, ad referendum do
Congresso Nacional, garantindo-lhes contudo “em qualquer
hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco”.

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A fórmula encontrada pelos legisladores, que confirmou


a natureza e a abrangência da “posse indígena”, cujo amparo
constitucional remonta à Carta de 1934 e às subseqüentes,
tem entre outros méritos o de guardar uma notável
semelhança com o conceito antropológico de habitat, qual
seja, uma relação cultural e historicamente constituída
entre uma sociedade e um dado espaço geográfico. O habitat
ou território indígena, portanto, diferencia-se claramente
de outras modalidades de posse ou propriedade também
sancionadas pela legislação brasileira. Para o eminente
jurista João Mendes Júnior, o “indigenato” consiste num
“título congênito”, um “domínio a reconhecer e direito
originário e preliminarmente reservado” (Mendes Júnior,
1912: 58-59). A identificação e a caracterização das terras
indígenas, desta maneira, devem pautar-se no exame
minucioso das formas singulares de uso dos recursos
naturais pela população indígena respectiva, da sua
organização social e da distribuição espacial dos seus
contingentes demográficos, dos vínculos morais e
mitológicos que mantém com um certo conjunto de acidentes
geográficos, da percepção histórica de suas relações com os
lugares onde viveram e morreram seus antepassados, das suas
convicções genuínas de um porvir enquanto sociedade
culturalmente distinta.

No excerto do mapa etno-histórico adiante, elaborado


em 1944 pelo notável etnólogo Curt Nimuendaju (1981), temos
as denominações e a localização aproximada dos povos
indígenas sobre os quais havia registros à época. Nos
tópicos seguintes, detalharemos a distribuição territorial
que aí se esboça.

Mapa 1 – Os povos do alto Xingu (Nimuendaju, 1944)

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2) A territorialidade xinguana

No caso das terras indígenas na bacia do Xingu, a sua


identificação e caracterização exigem certas considerações
preliminares. A ocupação tradicional, o uso dos recursos
naturais e a representação simbólica do espaço físico
encontram-se submetidos, de um modo geral, conforme os
estudos etnográficos que ali tiveram lugar, à existência de
um conglomerado sócio-cultural peculiar, que se constituiu
ao longo de vários séculos de acomodação e de integração de
povos com línguas e tradições culturais muito distintas,
que se abrigaram na seção meridional do rio Xingu, entre o
médio e o baixo cursos dos seus formadores. Para o
antropólogo Eduardo Galvão (1949: 47), que cunhou a
expressão “área do uluri” (uluri é uma pequena tanga
triangular, usada pelas mulheres xinguanas) para designar o
sistema cultural regional que ali vigora ainda hoje, a
província etnográfica do alto Xingu se distinguiria pela
difusão de traços culturais padronizados, a prática de
rituais comuns, as trocas especializadas e uma política de
intercasamentos.

Participantes deste sistema regional, os povos


Mehinako, Waura e Yawalapiti de língua aruak, os Kuikuro,
Matipu, Nahukwa e Kalapalo de língua karib, os Kamayura e
Aweti de língua tupi-guarani e o alófilo Trumai continuam a
conviver de modo harmonioso e a compartilhar, extensamente,
uma mesma base territorial. Ainda em meados do século XX,
ali estavam também os Naravute e os Tsuva, de língua karib,
e os Kustenau, de língua aruak, cujos remanescentes
fundiram-se a outros povos, e os Bakairi orientais, também
de língua karib, que se retiraram em direção ao rio
Paranatinga, onde foram viver com os demais grupos dessa
etnia. O caráter genuíno e harmônico desse sistema regional
foi analisado pelo antropólogo Egon Schaden, que fez
viagens à região em 1957 e 1958:

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“Entre o que de mais interessante oferece ao


antropólogo e ao sociólogo o panorama étnico do alto
Xingu está a complexa rede de relações
institucionalizadas que ligam entre si o conjunto das
populações que ali se localizam. Trata-se de um
sistema sui generis que, fugindo à solução comum de
uma estratificação étnica, acentua, ao contrário, a
pretensa autonomia de cada um dos grupos, com
tendências muito fracas para o estabelecimento de
relações verticais, ou seja, de hegemonia e
subordinação, de um sistema que reflete em todas as
suas manifestações uma característica atitude de
ambivalência de uma tribo face a outras ou a todas as
demais: de um lado, a vontade constante de auto-
afirmação através de demonstrações de superioridade;
de outro, a aceitação dos grupos vizinhos como pares,
reconhecidos a um tempo como aliados e como inimigos
potenciais. Conquanto ciosas de sua autonomia, as
várias tribos dependem umas das outras como parceiros
necessários para as manifestações recíprocas de valor
e de consciência étnica. Nutrem, assim, uma
agressividade permanente, que não raro se exacerba até
a um ponto crítico, mas normalmente sem ir além do
limite último entre a paz e a guerra. E se acaso o
estado de guerra potencial se converte em hostilidade
aberta, traduzindo-se em ações efetivas, não tardam a
prevalecer os fatores que agem em sentido contrário e
levam a restabelecer o equilíbrio instável entre as
forças de aproximação e de repulsão. É o que de modo
geral se depreende dos inúmeros informes ocasionais
relativos às situações transitórias de guerra e à
freqüente alternância entre alianças e conflitos que
se encontram espalhados pelas fontes, de 1886 aos
nossos dias. Em seu conjunto, essas notícias parecem
evidenciar que as instituições que regulam as relações
pacificas entre as tribos estão de tal modo integradas
no sistema social de cada uma delas em particular que
as respectivas unidades não podem mais prescindir
desses vínculos externos para a sua existência normal,
razão pela qual a guerra pode ocorrer como forma
intermitente de catarse, sem ser, porém, tolerada como
estado permanente. Em outros termos: os laços que unem
as tribos entre si são de tal ordem e tão estreitos
que, a rigor, se torna impróprio falar em sociedades
distintas e autônomas, havendo antes, em certo
sentido, uma sociedade xinguana, constituída de um
número definido de grupos étnicos” (Schaden, 1969: 73-
74).

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Mapa 2 – A localização das aldeias em 1948 (Oberg, 1953)

Ainda que cada um desses povos esteja assentado em


áreas que considera tradicionais, segundo limites mais ou
menos definidos no interior de uma ampla extensão contínua,
há ali muitos nichos ecológicos que são usufruídos em
comum, lugares míticos e referências geográficas igualmente
reverenciados e vias de acesso terrestre e fluvial que
interligam as diferentes aldeias. O intenso trânsito de
visitantes e convidados, para festas e motivos diversos, e
a presença em quase todas as aldeias de indivíduos de
diferentes povos xinguanos e periféricos, que ali se
casaram e fixaram residência, são demonstrações inequívocas
de que esses povos indígenas exerciam e continuam a exercer

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um domínio amistoso e intrinsecamente conjugado do espaço


geográfico circundante.

A região do alto Xingu, devo esclarecer, abrigava


ainda outros povos que não estão ou estavam integrados à
“área do uluri”, ainda que, até muito recentemente,
alternassem relações pacíficas e condutas beligerantes com
um ou outro dos membros da coligação. Situados portanto nas
vizinhanças da “área do uluri”, os Suya e os Txukahamãe (ou
Metuktire, um subgrupo Kayapo) de língua jê, os Ikpeng (ou
Txikão) de língua karib e os Juruna (ou Yudja) de língua
tupi foram catalogados, por isto, como povos “marginais” ou
“periféricos” (ditos às vezes “intrusivos”; cf. Simões,
1963: 84; Agostinho, 1967: 23; Oliveira, 1970: 43). O
rótulo significava apenas, como notaram Galvão e Simões
(1966: 40), que eles não partilhavam a índole pacífica e os
traços culturais que caracterizam a “área cultural” dos
formadores do rio Xingu. Entre os periféricos, incluíam-se
ainda os Manitsaua e os Arawine, de língua tupi, e os
Yaruma, de língua karib, hoje considerados extintos ou
incorporados a outros povos.

Embora localizados no entorno da região dos formadores


do Xingu, os territórios tradicionais dos chamados
“periféricos”, na verdade, estão ali encaixados ou mesmo
sobrepostos em vários pontos (cf. Lea, 1997a: 106). A
contiguidade espacial entre os povos “periféricos” e a
“área do uluri” revela-se em diferentes momentos e aspectos
da vida social: a freqüência e a densidade das relações
mútuas, quer amigáveis ou hostis, que derivaram em
casamentos mistos, raptos, trocas comerciais ou pilhagens;
os assentamentos subsequentes em áreas anteriormente
ocupadas por povos distintos; e, também, o aproveitamento
simultâneo de recursos naturais em áreas intermediárias.

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A respeito das estreitas relações que os Suya, por


exemplo, mantinham com os demais alto-xinguanos, vejamos o
que diz Egon Schaden:

“os escassos dados contidos nas fontes não deixam


dúvida quanto ao fato de que os Suyá, que, pelo menos
desde os dias de von den Steinen, viveram em pé de
guerra ora com algumas, ora com todas as outras tribos
do alto Xingu, estiveram outrora integrados na área,
provavelmente por um período de tempo considerável. Do
contrário não se compreenderia a existência, em sua
cultura, de tão elevado número de elementos
característicos da área e não compartilhados pelos
demais Jê, embora evidentemente uma parte desses
elementos - como, por exemplo, a cerâmica - lhes possa
ter sido transmitida por mulheres raptadas e
prisioneiros de guerra. O inventário cultural contém
grande número de itens que confirmam essa asserção.
Entre eles figuram os seguintes: o tipo de habitação
generalizado na área, banquinhos ornitomorfos (...),
canoas de casca de jatobá (...), a técnica da
preparação da mandioca (inclusive o uso do beiju
[...]), a fabricação do sal de aguapé (usado também
por eles [...], não como condimento, mas como petisco,
em pequenas doses), a pesca do timbó (...), a flecha
sinaleira com caroço de tucum perfurado (...), as
toucas de plumas, os diademas e outros enfeites de
penas. Von den Steinen os viu com cordões de cintura
feitos de discos ‘de pedra’ (?) e com colares de
pedaços de concha quadráticos (...). Encontrou entre
eles também o ornamento do meréxu (...). Além disso,
Amadeu Lanna verificou a prática do hukahuka (luta
livre), a existência da ‘casa das flautas’ e da flauta
diakuí (igualmente aí tabu para as mulheres) e, na
esfera social, relações evitativas entre genro e
sogros, bem como entre cunhados. Para a quase
totalidade desses elementos não há como duvidar de que
a sua fonte são as culturas vizinhas do alto Xingu”
(Schaden, 1969: 69).

Destas conexões, com suas várias facetas, redunda que


a ocupação histórica da bacia do Xingu pelos povos
vinculados à “área do uluri” e pelos povos ditos
“periféricos” aglutinou aquelas terras indígenas num bloco
compacto e indissociável, não remanescendo ali áreas
devolutas ou sítios lacunares. Bruna Franchetto, que desde

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1976 vem desenvolvendo pesquisas na região, sustentou a


mesma conclusão no laudo anexo aos Autos, de que os
territórios indígenas na bacia do Xingu deveriam ser
examinados através de uma “visão integrada”:

“Nas terras xinguanas não há vazios, se sobrepormos ao


espaço geográfico os territórios indígenas assim
definidos. Há fronteiras internas entre as diferentes
áreas indígenas, fronteiras que não são estabelecidas
rigidamente de uma vez por todas, já que os movimentos
de um grupo podem se insinuar em território alheio,
mas que são reconhecíveis e reconhecidas pelos índios”
(Franchetto, 1987: 9; fls. 1064 destes Autos).

A partir dos conhecimentos disponíveis em 1944, Curt


Nimuendaju, assinalou a posição relativa dos vários povos
indígenas na bacia do Xingu (ver Mapa 1 acima). Uma
comparação entre os perímetros das terras indígenas
demarcadas, ou seja a presente área sub judice, e a
ocupação territorial efetiva que estes povos exerciam
poderá ser divisada no mapa “Ocupação e reconhecimento das
terras indígenas” (Anexo 3), elaborado para fins desta
perícia.

Será preciso considerar ainda, no quadro atual, a


situação dos grupos ou povos que, em ocasiões e por motivos
diversos, foram “transferidos” para o interior do Parque do
Xingu pelas autoridades governamentais, aos quais caberia
designar como “adventícios”. Assim sucedeu com os Kayabi
(tupi-guarani), os Tapayuna (ou Beiço-de-Pau, de língua jê)
e os Panara (ou Kren-akarore, de língua jê). Mostraremos,
adiante, que estes povos (com exceção dos Panara, que
reconquistaram parte de suas terras originais, e assim
puderam retornar para o rio Iriri) estão hoje assentados em
parcelas de territórios tradicionais cedidas pelos povos
xinguanos. De todo modo, como referiu Bruna Franchetto
(1987: 14), os grupos adventícios vieram de regiões
circunvizinhas à bacia do Xingu, e portanto “não eram

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desconhecidos dos alto-xinguanos, sendo antiga a história


de relações, sobretudo guerreiras, entre eles”.

3) A perícia antropológica

Dentre os fatos relevantes a considerar neste Laudo,


temos as mudanças culturais, os deslocamentos residenciais
e as reduções demográficas causadas pelo avanço das frentes
pioneiras na bacia do Xingu, em particular a atuação das
agências governamentais diretamente vinculadas à política
indigenista, a exemplo da Fundação Brasil Central (FBC), o
Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e a Fundação Nacional
do Índio (FUNAI). De um ponto de vista histórico, parece
conveniente dividir a descrição histórica em três momentos.
Primeiro, as excursões exploratórias, algumas de cunho
científico, como as de von den Steinen em 1884 e 1887,
Hermann Meyer em 1896 e 1899, Max Schmidt em 1901, Ramiro
Noronha em 1920, Vicente Vasconcelos em 1924, Petrullo em
1931 e Buell Quain em 1938. A segunda fase consolida-se a
partir da década de 40, com a penetração da Expedição
Roncador-Xingu, a principal turma de vanguarda da FBC, e a
instalação dos primeiros postos do SPI. As pesquisas de
Eduardo Galvão e seus colegas do Museu Nacional e os
relatos dos irmãos Villas Bôas, que lideravam em campo as
atividades da FBC, dão uma ampla cobertura da situação em
que foram encontrados os povos alto-xinguanos e a sua
derrocada populacional, em razão de uma série de epidemias
transmitidas por expedicionários e visitantes. A fase final
estaria assinalada pelos processos de delimitação do Parque
do Xingu e das áreas do entorno e a recuperação demográfica
desses povos.

Ao lado do vasto e minucioso cabedal de informações


das fontes escritas (ver Bibliografia consultada, tópico
VI), os procedimentos adotados na vistoria pericial in loco

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foram igualmente inestimáveis. As descrições da geografia e


dos recursos naturais e a visão histórica das populações
locais, que se sustentam numa autêntica memória oral e em
formas sociais de transmissão específicas, foram essenciais
para complementar e consolidar o mapeamento detalhado da
ocupação indígena tradicional na bacia do Xingu. O roteiro
da vistoria, para fins desta Perícia, encontra-se no mapa
“Perícia antropológica no alto Xingu” (Anexo 4). Dos
trabalhos de campo, destacaremos as seguintes entrevistas,
cujos conteúdos serão comentados adiante:

- dia 17 de julho de 2001, terça-feira: Ronaldo


Kalapalo, no posto de vigilância Culuene; cacique Kurikare
e Luís Kalapalo, na aldeia Tanguro; Jairo Kuikuro, na
aldeia Afukuri;

- dia 18, quarta-feira: cacique Afukaka e Tabata


Kuikuro, na aldeia Kuikuro;

- dia 19, quinta-feira: chefe de posto Kokoti, no


posto Leonardo; Jorge Kamayura, na aldeia Morená;

- dia 20, sexta-feira: Aru e Kaiwulu Trumai, na aldeia


Boa Esperança; cacique Melobo e Komoro Ikpeng, na aldeia
Moygu;

- dia 21, sábado: cacique Kuyusi Suya, na aldeia Riko;

- dia 23, segunda-feira: cacique Karanini e Lahuse’a


Juruna, na aldeia Tubatuba.

Os relatos colhidos em campo abordaram, com acuidade,


acontecimentos históricos e trajetórias espaciais
fidedignos, investidos porém do ponto de vista e da
retórica das próprias sociedades xinguanas. Não se deve
estranhar, então, que a história oral, notadamente os
episódios cruciais de conflitos, raptos, alianças, festas e
trocas, seja uma expressão direta da rede densa de relações
que articula, desde um passado distante, os povos da “área
do uluri” e os povos periféricos, e que se estende dos

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formadores do Xingu até a região a jusante da cachoeira Von


Martius (ver mapa “Ocupação e reconhecimento das terras
indígenas”, Anexo 3).

Diante de tal configuração sociológica, devemos


obviamente rejeitar como metodologicamente inadequadas as
tentativas de abordar isoladamente quaisquer desses povos,
ou de circunscrevê-los num espaço físico autista e
exclusivo. Tal exame em separado não seria apenas um
esforço inócuo, mas sobretudo acarretaria em grave
distorção da realidade social, cultural, econômica e
religiosa dos povos indígenas que habitam o rio Xingu e
seus formadores. Tal equívoco, entretanto, parece ter
contaminado certos laudos periciais anteriores que
incidiram em áreas do Parque do Xingu e seu entorno.

Como se sabe, são inúmeras as ações judiciais que


disputam as terras afetas ao Parque do Xingu e áreas
contíguas, nas quais pretensos proprietários buscam alguma
indenização em razão de terem sido declaradas de ocupação
indígena. Laudos periciais sobre o Parque do Xingu já
foram, assim, demandados a vários especialistas, alguns dos
quais considerei como subsídios à presente vistoria. Entre
estes, temos a peritagem realizada pela antropóloga Vanessa
Lea em 1994, relativa a uma área de 15 mil hectares,
território tradicional dos Juruna e dos Mebengokre
(Metuktire ou Txukahamãe), situada à margem esquerda do rio
Xingu, na altura da cachoeira Von Martius, no interior da
área indígena Capoto/Jarina (Processo 3145-3, 3a. Vara da
Justiça Federal, Seção de Mato Grosso, promovido por José
da Silva Seabra e outros contra União Federal e FUNAI). Uma
segunda perícia desta expert, no mesmo ano de 1994, incidiu
sobre uma área de 5.045 hectares situada entre a margem
esquerda do rio Auaiá-Miçu e a margem direita do rio Xingu,
dentro portanto dos limites do Parque do Xingu, num trecho
de ocupação tradicional dos Suya e dos Juruna (Processo

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3594-7, 3a. Vara da Justiça Federal, Seção de Mato Grosso,


promovido por Fioravante Bertussi e outros contra a União
Federal e FUNAI). E, da mesma maneira, o laudo da
antropóloga Mariana Leal Ferreira, que vistoriou em 1998 as
terras de ocupação tradicional dos Suya no rio Wawi (ou
Santo Antônio), na área indígena Wawi (Processo 95.0001396-
7, 1a. Vara da Justiça Federal, Seção de Mato Grosso,
promovido por Hélio Salvador Russo e outros contra FUNAI e
Kuyusi Suya).

No curso dos trabalhos para a presente perícia, que


envolve integralmente o Parque do Xingu e três áreas
adjacentes, pude constatar a solidez das conclusões
emanadas nos laudos judiciosos das antropólogas Vanessa Lea
e Mariana Ferreira, acerca da ocupação indígena tradicional
nas respectivas áreas sub judice. Os laudos de Vanessa Lea
foram recentemente publicados pelo Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da UNICAMP (cf. Lea, 1997a; 1997b).

Infelizmente, outros laudos acerca da ocupação


indígena na região não possuem as mesmas qualidades, pois
foram executados por profissionais não afeitos à disciplina
antropológica e, em certos casos, pouco diligentes com os
procedimentos periciais. Entre esses, merecem reparos os
laudos juntados a estes Autos às fls. 1372 a 1616, de
autoria do engenheiro civil Air Praeiro Alves, em 1981, na
ação movida por Oswaldo Daunt Salles do Amaral, acerca de
uma gleba de 9.758 hectares entre os rios Suiá-Miçu e Wawi
(Supremo Tribunal Federal, ACO 278-8/MT), e do engenheiro
agrônomo Ainabil Machado Lobo, em 1986, na ação movida por
Maurício Figueiredo e outros, em uma gleba de 9.959
hectares na mesma região (Supremo Tribunal Federal, ACO
265-6).

A bibliografia pífia de que se valeram estes


engenheiros, em geral manuseada de modo incompleto ou
truncado, as vistorias frouxas que levaram a cabo,

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reduzidas a um sobrevôo da respectiva “gleba” e um rápido


contato com os moradores do posto Diauarum, e os conceitos
inconsistentes que veicularam em seus laudos – por exemplo,
a suposta “índole perambulante” atribuída aos Suya, às fls.
1448 destes Autos -, tudo isto macula o trabalho pericial
e, em decorrência, compromete sobremaneira a legitimidade
de suas conclusões.

Com efeito, tais peritos ignoram que a ocupação


tradicional indígena diferencia-se abertamente da posse
civilista, e portanto não se resume aos locais de roças e
moradias atuais – “não sendo registrado qualquer ocorrência
de aldeias ou tampouco roças que evidenciassem a presença
de silvícolas na gleba de terras vistoriada”, é a dedução
peremptória do engenheiro Air Praieiro depois de sobrevoá-
la a 1.500 pés de altura! (fls. 1426 destes Autos) - mas
corresponde, essencialmente, ao território vital de
reprodução social e simbólica de um povo, um espaço
delimitado por critérios históricos e culturais
específicos. A título de ilustração das complexas
interações que constituem o habitat de uma comunidade
indígena, temos a seguir um croquis no qual um mehinako, a
pedido do antropólogo Thomas Gregor (1982: 40), representou
a aldeia e suas redondezas, inclusive os sinais de cunho
místico, tal como o “caminho do espírito da cobra”:

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Mapa 3 – As redondezas da aldeia mehinako (Gregor, 1982)

As conclusões gerais da presente perícia, em suma,


talvez sejam úteis para evidenciar as inconsistências e os
erros grosseiros que abasteceram os laudos respectivos dos
engenheiros Air Praeiro Alves e Ainabil Machado Lobo, em
especial no tocante ao território de ocupação tradicional
dos Suya e Juruna.

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III. OS POVOS DO ALTO XINGU

1. A paisagem regional

Uma súmula dos principais aspectos físicos da região


xinguana encontramos em Carvalho (1949; 1951), Brasil Netto
(1964), Agostinho (1974) e Heckenberger (1996). Em linhas
gerais, esta consiste num peneplano de inundação, a uma
altitude média de 350 metros acima do nível do mar. A
cachoeira Von Martius, nas proximidades do Paralelo 10º
Sul, serve de limite norte da planície do alto Xingu; os
chapadões sedimentares do Planalto Central a delimitam a
sul, leste e oeste. No alto curso destacam-se, de leste a
oeste, os rios Culuene, Curisevo, Batovi, Jatobá, Ronuro e
Steinen. Afluentes, igarapés, córregos, furos e lagoas
compõem uma imensa teia aquática, sobretudo nos seus cursos
inferiores. Todos estes formadores convergem para a baía
chamada Morená, logo a jusante do Paralelo 12º Sul - o
“centro do mundo” na cosmologia kamayura, lugar da aldeia
mítica do demiurgo Mavutsinin (Agostinho, 1974: 155). É
somente a partir deste ponto que o rio Xingu passa a ser
conhecido sob esta denominação principal. Descendo para o
vale amazônico, recebe daí os afluentes Suiá-Miçu,
Manitsauá-Miçu, Huaiá-Miçu, Auaiá-Miçu e, já quase na
cachoeira Von Martius, Jarina.

A variação de nível da rede hidrográfica, entre as


estações seca (maio a setembro) e chuvosa (outubro a
abril), é da ordem de três metros. Zona de transição entre
a Hiléia Amazônica e o Planalto Central, surgem ali
distintas zonas ecológicas, compondo um complexo mosaico:

“O cerrado estende-se até próximo aos grandes rios da


região e continua para o norte acompanhando as áreas
mais secas, avançando pela mata ou sendo invadido por
ela, conforme a topografia e proximidade dos rios. São
típicas as matas ciliares, os resfriados (área úmida

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recoberta de gramíneas), os buritizais, trechos de


campo e depressões recobertas de mata. À medida que
caminhamos para o Xingu, a mata torna-se
progressivamente mais densa e mais alta” (Carvalho,
1949: 7).

Segundo o arqueólogo Michael Heckenberger (1996: 20-


21), as aldeias e as roças indígenas estão localizadas
exclusivamente em áreas de “floresta de terra firme”, um
tipo transicional entre a floresta ombrófila (tropical
úmida) e a floresta estacional semi-decidual. Por este
motivo, acrescenta ele, as chamadas “terra preta de índio”
acham-se apenas nos locais de “terra firme”, justamente nas
áreas de ocupação humana pretérita. Como exibem solos
férteis, os xinguanos escolhem essas áreas de “terra preta”
para o plantio de milho.

Acerca dos Mehinako, o antropólogo Thomas Gregor


(1982: 16-17) observou que grande parte da área em torno da
sua aldeia – assim como de outras aldeias xinguanas – não
era adequada para a agricultura, pois parte dela inundava
na estação chuvosa ou era permanentemente alagadiça, outra
parte estava infestada por formigas saúva.

A ocorrência de espécies zoológicas na região, muito


extensa para ser tratada aqui, foi descrita em dois artigos
de José Carvalho (1949; 1951) e no primoroso livro do
zoólogo Helmut Sick (1997), que acompanhou a marcha da
Expedição Roncador-Xingu. Chamamos a atenção, tão-somente,
para a importância de algumas espécies para a subsistência
dos povos xinguanos. Em primeiro lugar, a exuberante fauna
aquática, disseminada nos lagos, paranás e rios, um dos
alimentos primordiais na sua dieta. Segundo Carvalho (1951:
11), os peixes mais assíduos são pintado, barbado, bagre,
fidalgo, piranha, bicuda, pirarara, lambari, tamuatá,
curimatá, cachorra, tucunaré, piau, matrinxã, pacu, traíra,
mandi, poraquê, cari, cascudo, acará, corvina, tuvira e
jacundá. Já os mamíferos, devido a uma série de crenças

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relativas à gestação e à amamentação, são os vertebrados


menos visados na “área do uluri” (com exceção dos Trumai);
apenas os macacos prego e guariba seriam regularmente
consumidos (Carvalho, op. cit.: 3-4). As aves, por sua vez,
fornecem as matérias-primas indispensáveis à confecção dos
ornamentos rituais e outros. Para a alimentação, entre os
povos meridionais, aproveitam o mutum, o cujubim, as
pombas, a juriti, as rolinhas, os papagaios, o pato e o
macuco (Carvalho, op. cit.: 6-7).

Mapa 4 – Aldeias em 1960 e povos extintos (Simões, 1963)

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No tocante à distribuição dos grupos humanos na região


do alto Xingu, temos acima uma mapa preliminar de sua
distribuição em 1960, incluindo aqueles considerados
extintos. Como introdução aos sumários adiante sobre cada
um desses povos, recordemos inicialmente as palavras dos
sertanistas Orlando e Cláudio Villas Bôas, que lideraram a
Expedição Roncador-Xingu:

“Em 1946, ano da nossa chegada aos formadores do


Xingu, os seus povoadores indígenas eram, nas suas
várias práticas e costumes, estritamente os mesmos
encontrados pelo etnólogo alemão Karl von den Steinen
em 1887, em sua expedição etnográfica. Era idêntica a
distribuição das aldeias na região, o mesmo
intercâmbio e relações entre elas; a mesma índole
pacífica, a mesma hospitalidade, curiosidade,
traduzindo-se, ao contacto com estranhos, nas atitudes
ingênuas e amistosas que tanto impressionaram o
explorador alemão, merecendo dele o mais minucioso e
expressivo registro.
Em verdade, nada, aparentemente, havia mudado. Os
poucos instrumentos de metal até àquela data
introduzidos na região, que substituíram os primitivos
machados de pedra, embora tenham, naturalmente,
facilitado sobremaneira a produção dos índios, em
geral não chegaram, pelo que verificamos, a repercutir
no sistema original de organização e associação dos
elementos constitutivos do grupo, até hoje
praticamente inalterado. A única alteração constatável
ocorrida na região, de 1887 para cá, foi uma grande
redução de quase metade do número de seus habitantes,
tomando-se como verdadeiro o montante populacional
calculado naquela ocasião. Atribuímos este real
minguamento da população indígena do Alto-Xingu aos
primeiros e violentos surtos gripais, disentéricos e
de outras moléstias infecciosas irrompidos na região
há uns trinta anos aproximadamente, quando grupos de
índios moradores do baixo Kurizevo começaram a subir
este rio e entrar em contacto com núcleos civilizados
do Alto Paranatinga, do Posto Simões Lopes e outros.
Nessas viagens, realizadas sempre com o fito de
adquirir ferramentas, machados e facões, eram os
índios, em algumas delas, contaminados por
determinadas moléstias que se agravavam quando já se
encontravam em meio do caminho de volta. Completamente
desamparados, morriam quase todos. Os poucos que
logravam atingir suas aldeias eram portadores dos

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agentes mórbidos contraídos e estes, uma vez


disseminados, iam encontrar, em um número maior de
organismos indefesos, campo propício para prosseguir e
ampliar sua ação devastadora” (Villas Bôas, O. & C.,
1976: 17-18).

2. A área do uluri

Os povos Mehinako, Waura, Yawalapiti, Kalapalo,


Nahukwa, Matipu, Kuikuro, Kamayura, Aweti e Trumai formam,
como já se disse, um singular sistema cultural regional.
Até as primeiras décadas do século XX, a eles coligavam-se
também os Kustenau, os Naravute e os Tsuva, etnias hoje
consideradas extintas e seus remanescentes incorporados aos
demais povos, e os Bakairi orientais, que depois se
deslocaram para a região dos rios Paranatinga e Novo.
Quanto aos territórios que ocupavam já em fins do século
XIX, o alferes Luiz Perrot, que acompanhou a segunda
expedição de von den Steinen ao Xingu, em 1887, oferece-nos
a seguinte descrição:

“Todas estas tribos aí mencionadas ocupam o extenso


território entre o Tamitatoale, Batovi, Coliseu e
Culuene, principais confluentes do grande Xingu. Esta
zona, cortada de inúmeras nascentes, ribeiros grandes
e baías, presta-se para todos os misteres. Nas suas
imensas matas encontram-se madeiras de lei e outras em
abundância, fornecendo os seus rios peixe de muitas
espécies e em grande quantidade. Do 13° lat. Sul em
diante para N., grandes baías e furados dos rios
facilitam as relações interiores e é por estas,
ligados os caminhos terrestres, que os selvagens do
Batovi e Culuene se comunicam com os do Coliseu e
vice-versa” (Perrot, 1998: 26).

Disseram-me os Kuikuro, por ocasião da presente


perícia, que os povos Waura, Mehinako, Kuikuro, Nahukwa e
Kalapalo foram os primeiros a chegar na região, seriam “os
mais antigos”. A índole pacífica e as trocas rituais,

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explicou o cacique Afukaka, estreitaram as relações entre


esses povos: “No começo da história nunca tinha briga, só
festa!” Os demais vieram depois - os Aweti, os Kamayura, os
Yawalapiti -, alguns deles avançando pelo rio Xingu até
seus formadores. De acordo com a tradição oral narrada
pelos Kuikuro, também os Trumai teriam subido até o Morená:

“Esse lugar daqui é nosso, a parte mais de cima. Nosso


avô falava. Trumai tinha rama de mandioca, aí Kuikuro
pegava. Por isso chamava assim, rama de mandioca era
[língua] kuikuro” (Tabata Kuikuro, em Ipatse,
17/07/2001).

Mapa 5 – As tribos em 1890 (Monod-Becquelin, 1975)

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O mapa acima, esboçado por Monod-Becquelin (1975: 25)


a partir dos dados coligidos por Hermann Meyer em sua
excursão de 1896 ao alto Xingu, traz a localização de
alguns desses povos em fins do século passado:

Paul Ehrenreich, etnólogo que participou da segunda


expedição alemã, em 1887, notou a acentuada semelhança dos
usos e costumes dos povos indígenas dessa região:

“A cultura material é quase a mesma entre todas as


tribos, em razão do antigo comércio que entre eles
existe. Mesmo os Suyás, que pertencem à nação dos Gês
etnologicamente tão diferentes de todas as outras,
adotaram, dos outros, muitos costumes, como sejam o
estilo da casa, a construção das canoas de cortiça e
sobretudo a maca [rede] que é desconhecida de todas as
outras tribos da nação dos Gês.
Os Trumais, aliás de difícil classificação, têm muita
cousa de comum com os Carajás e parecem, entre os
outros povos do Xingu, um elemento algum tanto
deslocado. Só na região por eles habitada encontram-se
as pedras próprias para a fabricação dos machados, que
eles por isso vendem às outras nações.
Os Bakairis ganharam fama como fabricantes de redes de
algodão, ao passo que os Mehinakus, como verdadeiros
Aruaks pela origem, ocupam-se mais com a cerâmica;
mulheres Mehinakus introduziram mais recentemente esta
arte entre os Nahuquas. Aos Mehinakus também cabe a
prioridade no uso das grandes e pintadas máscaras de
madeira, que deles passaram aos Nahuquas e aos
Bakairis, que antes não tinham para as suas festas
senão os singelos dominós de buriti” (Ehrenreich,
1929: 258).

Segundo a resenha de Patrick Menget (1985: 133), na


“área do uluri” são hoje faladas seis línguas diferentes
(das famílias tupi, karib e aruak e uma isolada), elas
mesmas subdivididas por sua vez em dialetos. Os dez grupos
atuais possuem uma estrutura familiar semelhante e
partilham os mesmos usos dos recursos florestais
(agricultura com queimada) e da rede fluvial e lacustre (a
pesca fornece a proteína animal essencial). A intervalos
regulares, celebram os grandes cerimoniais pan-

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comunitários: a festa kwarup, a mais importante e a mais


célebre, em homenagem aos mortos; a iniciação dos rapazes,
que implica em reclusão e treinamento árduo; e o jawari, um
torneio de lançamento de flechas, com propulsores. Conclui
Menget dizendo que os povos dos formadores do Xingu
constituem, “graças à densidade das relações econômicas,
cerimoniais e matrimoniais entre seus membros, um
verdadeiro sistema social”. É a mesma impressão que se
depreende da leitura da reportagem do jornalista Manoel
Rodrigues Ferreira, que conheceu os povos alto-xinguanos
ainda em 1945:

“Os Meinaco, entretanto, notabilizam-se por irem, cada


um ou dois anos, ao posto avançado do Serviço de
Proteção aos Índios, nas cabeceiras do rio Batovi,
buscar utilidades. Evitam subir esse rio, devido a
algum eventual encontro com índios que temem,
principalmente os Xicão, que atacam periodicamente os
Uaurá, objetivando roubar mulheres, por serem elas
grandes mestras na cerâmica. Efetuam a viagem rio
Curisevu acima, remando quase um mês diariamente,
para, nas suas cabeceiras, atravessar o divisor de
águas que o separa do Batovi, e alcançar finalmente o
posto do S.P.I. Deste posto avançado, descem o rio com
as canoas cheias de machados, enxadões, facões e
outras ferramentas que cedem às outras tribos, a troco
de canoas, colares, panelas, etc. Os Calapalo, por se
localizarem muito distantes dos Uaurá, quando
necessitam das suas panelas, recorrem aos Aueti, que
as adquirem previamente. Desta maneira, são estes os
intermediários entre aqueles. É portanto duma maneira
até pitoresca que se processa a distribuição das
utilidades nesta interessante região do Alto Xingu. As
línguas, que diferenciam as tribos, não constituem
empecilho à vida social intensa, pois geralmente em
cada aldeia sempre existem membros de outras que ali
vieram constituir família, do que resulta serem comuns
índios que falam diversas línguas. Famílias e grupos
de índios dirigem-se constantemente às outras aldeias,
em visita, onde se demoram semanas, e onde são
tratados com grande afetividade durante todo o tempo.
Assim, constitui este Alto Xingu uma área cultural
perfeitamente definida, do que resulta serem idênticas
as habitações de todas as aldeias, cortarem todos os
índios os cabelos da mesma maneira, fazerem as canoas,

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os colares, os arcos e as flechas com as mesmas


características, terem, enfim, todos eles os mesmos
hábitos e os mesmos costumes. A tribo dos Trumai, por
exemplo, cuja língua não está classificada entre os
quatro grandes grupos lingüísticos brasileiros (tupi,
caribe, aruaque e gê), constituindo, portanto, o que
se denomina grupo isolado, estabeleceu-se, num passado
bem recente, nesta região do Alto Xingu. As outras
tribos contam, por tradição, a história da chegada dos
Trumai, e referem-se, com precisão, aos usos e
costumes que eles possuíam. Hoje, essa tribo, depois
de muitas gerações, está completamente integrada neste
meio, onde vive e do qual adquiriu tudo que o
caracteriza. Quando estas tribos possuíam muitos
membros e se desentendiam entre si, sustentavam
guerras. Atualmente, vivem em paz. Infelizmente, estão
se extinguindo. Os únicos seis Suva, vivem na aldeia
dos Cuicuru, mas o orgulho que os dignifica obriga-os
a passar temporadas inteiramente sós, na única
habitação que resta da aldeia que possuíam, e assim,
reafirmam que ainda constituem uma tribo. Mas, os dois
últimos sobreviventes da tribo Custenavu, mãe e filho
adolescentes, que vivem com os Uaurá, sabem que são o
fim da sua raça” (Manoel R. Ferreira, 1951: 83-84)

Vejamos outros aspectos característico da “área do


uluri”. De acordo com Pedro Agostinho (1967: 23-24), os
alto-xinguanos escolhem para suas aldeias um local
protegido das enchentes, embora próximo de algum ribeirão
ou lagoa, tanto para abastecimento de água como para pesca.
Raramente, todavia, fixam-na à beira dos rios maiores,
talvez para se proteger de ataques inimigos. Os Kamayura
disseram-lhe, por sua vez, que abandonaram o ribeirão
Tuatuari por causa dos mosquitos que ali proliferam nos
terrenos pantanosos. Outra condição para a escolha do local
da aldeia são as vias navegáveis, para acesso às roças e o
transporte de cargas de mandioca. Dos citados Kamayura,
suas terras cultivadas se distribuem ao redor do lago de
Ipavu, a distâncias que vão até três ou quatro quilômetros,
ampliando assim a disponibilidade de áreas agricultáveis
dentro do sistema vigente, de derrubada, queima e plantio
por dois ou três anos apenas. Embora a situação ecológica

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local favorecesse a sedentarização de populações muito


maiores (Carneiro, 1973), nenhuma das aldeias conhecidas
alcançou um número muito superior a duzentas pessoas. Para
Agostinho (op. cit.), esse fato se explicaria menos pelos
condicionamentos geográficos, que através dos sistemas
político e social. A aldeia é a maior unidade política e,
ao mesmo tempo, territorial. Composta por um número
variável de grandes casas oblongas, dispostas em círculo em
torno do pátio, nelas residem famílias extensas ligadas
pelo parentesco e lideradas por um “capitão” ou morerekwat,
na língua kamayura. Entre os vários “donos-de-casa” vigoram
laços de parentesco, fictícios ou não, como se fossem
irmãos uns dos outros – na verdade, eles formam uma classe
que se distingue pelo prestígio e pelas prerrogativas
rituais. Unidade econômica e social, diz Agostinho (op.
cit.: 24), “a família extensa não é chamada a cooperar com
as demais, a não ser em pescarias coletivas e grandes
cerimônias. Destas, da atividade econômica da pesca e do
parentesco entre os morerekwat derivam as forças
integradoras da sociedade tribal”.

No plano mais geral, a despeito da uniformização


cultural, cada povo distingue-se dos restantes em razão de
sua língua, seu habitat e suas manufaturas especializadas.
Segundo a lingüista Bruna Franchetto (1986: 51-52), as
diferenças lingüísticas e dialetais constituem o principal
critério distintivo, do ponto de vista das representações
indígenas acerca do sistema cultural regional, para a
identificação dos agrupamentos sociais relevantes.

Em segundo lugar, consideram a especialização na


produção de um determinado tipo de objeto indispensável aos
demais. Adornos, armas, utensílios de cozinha e
ferramentas, entre os quais os colares dos Kalapalo e
Kuikuro, os arcos pretos dos Kamayura, as insubstituíveis

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panelas dos Waura, os machados de pedra dos Trumai. Segundo


Pedro Agostinho (op. cit.: 24):

“Em determinadas ocasiões fortemente cerimonializadas,


duas tribos encontram-se para o moitará, no qual, além
dos objetos de especialização, se trocam outros de
menor valor.”

Embora não haja estudos mais completos sobre a


distribuição geográfica das matérias primas, sobram
indícios de que esta desempenha um importante papel. Por
exemplo, o monopólio dos Trumai na fabricação de machados
de pedra seria devido à escassez desta no restante da
região. O dos Waura, porque coletam o barro para sua
cerâmica no alto rio Batovi (Lima, 1950: 11; Schultz &
Chiara, 1971: 300). Quanto aos colares de caramujo dos
Kalapalo, depois que estes foram forçados a mudar sua
aldeia para mais perto do posto do SPI, substituíram-nos
provisoriamente pelas miçangas, ainda que obedecendo ao
mesmo padrão formal dos tradicionais. Nos próprios mitos de
origem, os povos são individualizados por seu nome e pelo
objeto em que se especializou.

De maneira complementar às trocas econômicas e aos


intercasamentos, as festas pan-comunitárias, segundo
Agostinho (op. cit.: 26), extravasam as rivalidades e os
impulsos agressivos. Os exemplos mais destacados são os
torneios de arremesso de flechas jawari, os campeonatos de
luta huka-huka e as cerimônias do kwarup (ou kwaryp), uma
forma de exéquias honrosas que encerra publicamente o
período de luto.

Por último, dentre as referências que especificam os


territórios tradicionais dos povos alto-xinguanos, devemos
lembrar que as aldeias antigas ou abandonadas, ao lado dos
recursos econômicos que ali continuam a ser explorados, são
reverenciadas como “cemitérios”, porque abrigam os restos
mortais de antepassados. De acordo com Pedro Agostinho

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(1988: 682), os mortos são enterrados com seus objetos


pessoais, em sepulturas cavadas no centro das aldeias, cujo
formato e disposição expressam diferenças de status e de
hierarquia.

Vejamos, a seguir, uns poucos dados históricos e


etnográficos e a localização dos sítios históricos e atuais
dos povos da “área do uluri”.

a) Os Mehinako

Falantes de uma língua aruak, os Mehinako (também


Mehinaku ou Meinaco) estavam situados à esquerda do rio
Curisevo em outubro de 1887, quando, em sua segunda
expedição ao Xingu, von den Steinen visitou uma de suas
aldeias. Os Mehinako mantinham então três aldeias:
Paischuati, que o etnólogo conheceu, com quatorze casas;
Yutapühü ao norte, com cinco casas; e a pequena Atapilu, a
sudoeste, com apenas uma casa (Steinen, 1940: 137; 192). No
mapa adiante, da região dos rios Batovi e Curisevo, estão
assinaladas a aldeia onde esteve von den Steinen e o porto
da do norte.

Uma aldeia mehinako, situada a pouco mais de duas


léguas da margem esquerda do Curisevo, foi visitada pela
expedição liderada pelo capitão Vicente de Paulo
Vasconcelos em 1924. Dentre outras observações, chamou a
atenção de Vasconcelos (1945: 74) o processo de fabricação
do sal, a partir das cinzas de aguapé extraído das lagoas.
Em 1944, o inspetor João Clímaco de Araújo (1944),
integrante da expedição cinematográfica do SPI, recensearia
92 pessoas na agora única aldeia mehinako.

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Mapa 6 – Aldeias no Batovi e no Curisevo (Steinen, 1940)

O antropólogo Thomas Gregor, que conduziu suas


pesquisas entre os Mehinako nos anos 60 e 70, retratou com
vivacidade os aspectos centrais de sua vida cotidiana.
Epidemias de sarampo e gripe, segundo ele, haviam reduzido
gravemente a população e obrigado os remanescentes a se

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unir numa única aldeia. Por volta de 1951, envolvidos pela


política de reordenamento dos agentes da FBC e do SPI, sob
a alegação de facilitar a assistência, e temerosos de
ataques dos agressivos Txikão (Costa, 1988: 13), os
Mehinako deslocaram sua aldeia para a margem direita do rio
Tuatuari, em território cedido pelos Yawalapiti, a apenas
três horas de canoa do atual posto Leonardo:

“Em junho de 1976 havia setenta e sete índios morando


nas seis casas da aldeia. Desses, setenta e três eram
Mehináku; os demais eram índios que se casaram na
tribo. Embora atingida por epidemias de sarampo e
gripe, a população Mehináku entrou em curva ascendente
e, sem dúvida, já começou a voltar ao nível normal.
Durante os últimos dez anos, somente três adultos
tiveram morte natural; dois outros foram mortos como
feiticeiros. No mesmo período, nasceram vinte
crianças. Como esses dados sugerem, a população é
jovem; mais de metade da tribo tem menos de dezoito
anos de idade.
Excetuados os maus augúrios sobre o futuro, o moral da
aldeia é bom. Atividades grupais, como cerimônias e
projetos de trabalho, ocorrem praticamente todos os
dias. As casas são mantidas em bom estado, a praça
central é freqüentemente capinada e os principais
acessos ao rio e às áreas de pesca são regularmente
limpos e alargados” (Gregor, op. cit.: 23).

Segundo Gregor (op. cit.: 15-16), a alternância das


estações das chuvas e de estio regula o ciclo anual de
atividades. Quando as chuvas terminam, por volta do mês de
maio, os homens derrubam áreas de mata para as novas roças.
Nos meses de seca a pesca é muito produtiva, pois os peixes
se concentram nos ribeirões e rios menos profundos. Em
agosto e setembro, quando as águas estão no seu menor
nível, os mehinako entorpecem com timbó os peixes
aprisionados em lagoas e em ribeirões interrompidos. Em
setembro faz-se a queimada e, em outubro, quando começa a
chover, plantam as roças de milho e mandioca. Estes são, em
geral, os meses de fartura em toda a bacia do Xingu, devido
à abundância de peixes e de frutas, em especial o pequi, a

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mangaba, a macaúba – pequi, mangaba e macaúba, de acordo


com Heckenberger (1996: 177), são espécies vegetais semi-
domesticadas, que ocorrem primariamente nas áreas de
antigos sítios habitados. Em janeiro, quando as chuvas
atingem seu auge, a pesca e as frutas diminuem. Todavia,
colhem e armazenam o milho e consomem as reservas de
farinha de mandioca, até que as novas roças estejam
produzindo.

Um dos informantes de Gregor (op. cit.: 40-41)


desenhou um interessante croquis (ver acima Mapa 3), no
qual indicou os lugares mais expressivos das redondezas da
aldeia. De acordo com o autor, todos os trechos ali
assinalados são bastante conhecidos dos Mehinako. Alguns
pontos de referência na mata e nos cursos d’água são
acidentes naturais, mas os nomes atribuídos a esses
acidentes “apenas ocasionalmente são arbitrários; em geral
estão relacionados a interesses econômicos ou a observações
estéticas”. Algumas zonas são designadas conforme as
espécies naturais mais notáveis que ali vivem, ou suas
características mais óbvias. Outros marcos territoriais
estão, ainda, associados a eventos sociais ou mitológicos:

“Perto da junção dos rios que formam o Xingu está o


Morena, ponto onde o Sol modelou os primeiros seres
humanos a partir da madeira. Mais para o sul, não
longe da atual aldeia dos Awetí, situa-se [o] lugar
onde o Sol quebrou um grande pote de cerâmica contendo
água, a qual, então, escorreu, dando origem ao rio
Culiseu. Outras áreas são associadas a espíritos, ou a
acontecimentos históricos recentes. As crianças, por
exemplo, são prevenidas quanto ao perigo de tomar
banho sozinhas no rio situado perto da aldeia, porque
poderiam ser devoradas pelo espírito - monstro da
formiga saúva, Jalapakuma, que assombra o rio. Outras
áreas que devem ser evitadas, pelas pessoas prudentes
são as habitações das ‘sombras’ (iyeweku) dos
feiticeiros executados. (...) Um outro conjunto de
marcos sociais é constituído por aldeias e trilhas
abandonadas. A parte sul do nosso mapa mostra nada
menos que oito sítios de aldeias abandonadas ainda

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reconhecidas pelos Mehináku. Algumas são de interesse


meramente histórico, ao passo que outras são
regularmente visitadas. Muitas das famílias Mehináku
voltam, a cada outono, para Ulawapuhu, sua aldeia
tradicional, onde colhem os frutos do pequi. Embora
abandonada há mais de dez anos, até hoje um homem
conserva ali sua roça. Outras aldeias abandonadas,
como Wajatapuhu, uma antiga aldeia Awetí, são usadas
como parada na longa viagem até a área de fabricação
do sal. Mesmo após ter sido abandonada por muitos
anos, uma aldeia pode permanecer como ponto de
repouso, pois os viajantes só podem parar onde há
terreno sólido. No grande pântano (itsautaku), situado
na parte oeste do território Mehináku, as aldeias
abandonadas são, muitas vezes, os únicos lugares com
essa característica. Esses lares tradicionais
permanecem, então, na memória Mehináku” (Gregor, op.
cit.: 42-43).

A descrição do cotidiano mehinako convém, com poucas


alterações, aos demais povos da “área do uluri”,
confirmando o que já havia adiantado Paul Ehrenreich (1929:
258), que a “cultura material é quase a mesma entre todas
as tribos, em razão do antigo comércio que entre elas
existe”. Devido a essa quase uniformidade sócio-cultural,
poderemos abreviar, sem prejuízos à peritagem, as
observações adiante sobre os demais povos.

Atualmente, com uma população de 172 indivíduos (EPM,


dez/2000), a aldeia mehinako está situada novamente mais ao
sul, nas proximidades da margem esquerda do rio Curisevo.

b) Os Waura

Os Waura (também Uaura ou Wauja), de língua aruak, são


famosos pela cerâmica que fabricam, traço característico de
sua cultura e que exerce grande influência na “área do
uluri” – basicamente, grandes panelas usadas para preparar
mandioca e vasilhas adornadas com figuras de animais (Lima,
1950: 1). Nas grandes festas pan-comunitárias, quando os
diferentes povos trocavam apenas artefatos indígenas, os

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Waura concorriam com a cerâmica, assim como os Kamayura com


os melhores arcos, os Kalapalo os colares de concha, os
Trumai os machados de pedra etc. De acordo com o
antropólogo Pedro de Lima,

“Os Waurá oferecem exclusivamente peças de cerâmica, o


que lhes dá, ainda assim, bastante prestígio, visto
ser esse produto necessário a todas as tribos. Um fato
interessante, porém, é que há naquela área grupos que
desempenham o papel de intermediários entre as tribos.
Os Kalapalo, por exemplo, habitam o alto Kuluene e
nunca foram aos Waurá, que, por sua vez, têm sua
aldeia próximo ao Batovi, ficando à enorme distância.
Os Auety moram entre esses dois grupos, de maneira que
adquirem a cerâmica Waurá a troco de pequi, que têm em
abundância, e vão aos Kalapalo trocá-la por colares de
conchas. Observa-se o mesmo com os Mehináko; este
grupo habita o Alto Kurisevo e adquire ferramentas
através dos Bakairi, que já vivem no posto indígena,
trocando-as por outros objetos entre os grupos do Alto
Xingu” (Lima, 1950: 21).

O território tradicional dos Waura tem sido, desde


muito, as margens do rio Batovi. Segundo o capitão
Francisco de Paula Castro (1904-1905: 42), a primeira
expedição alemã não atinara com a sua aldeia, provavelmente
porque, quando desciam o Batovi, não avistaram canoas no
porto. Contudo, deles lhes falaram os Bakairi (Steinen,
1942: 211). Já na segunda expedição, von den Steinen e
Ehrenreich encontraram três waura na aldeia dos Aweti, e
confirmaram o parentesco lingüístico estreito com os
Mehinako e os Kustenau (Steinen, 1940: 142). Na aldeia dos
Aweti, nesta oportunidade, havia também visitantes
yawalapiti, kamayura, mehinako e bakairi, empolgados num
campeonato de luta huka-huka.

Segundo Ehrenreich, (1929: 253), os Waura e os


Yawalapiti dispunham de duas aldeias cada um, situadas mais
ao norte que a dos demais dessa família lingüística
(Mehinako e Kustenau), na região das lagunas entre o rio
Batovi e o baixo Curisevo.

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Em sua viagem ao posto Simões Lopes, em 1927, Max


Schmidt (1947c: 61-62) ali avistou um rapaz waura. Tanto os
Waura como os Nahukwa e os Mehinako, segundo disse o
cacique bakairi ao autor, compareciam amiúde àquele posto.

Mapa 7 – Viagem etnográfica aos Waura (Lima, 1955)

O professor suíço Heinrich Hintermann e os


expedicionários comandados pelo capitão Vicente de Paulo
Vasconcelos (1945: 74-76), por sua vez, estiveram em 1924
numa aldeia waura, localizada agora na margem esquerda do
médio Curisevo, cujo porto distava poucas horas a montante
do porto dos Mehinako. Afastada duas léguas da beira do
rio, nas cercanias de uma pequena lagoa, sua aldeia

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comportava mais de 150 pessoas. Os Waura - ali


provisoriamente refugiados - relataram então suas lutas com
os Suya, quando retomaram um rapaz e raptaram um menino e
uma mulher dos inimigos.

Poucos anos depois, em 1931, também Vicent Petrullo


encontrou os Waura num porto que mantinham no rio Curisevo,
conquanto seus domicílios, outra vez, estivessem situados
mais para oeste, na região do rio Batovi (Petrullo, 1932:
137, 144).

Pedro de Lima (1950), do Museu Nacional, fez em 1948


uma viagem à aldeia waura, segundo ele uma das mais
segregadas, no limite sudoeste da ”área do uluri” (ver mapa
acima). Na margem direita do Batovi, a um dia de viagem de
sua foz, a aldeia escondia-se num córrego tomado por um
vasto buritizal, e testemunhava a ininterrupta ocupação
territorial do rio Batovi pelos Waura:

“A Aldeia dos índios Waurá é composta de quatro casas


dispostas em círculos, como são todas as aldeias do
Alto Xingu; havia, até bem pouco tempo, uma quinta
casa, que foi destruída acidentalmente pelo fogo.
Segundo informações que obtivemos, há muitos anos que
os Waurá moram no mesmo local onde estão, já tendo
havido muitas aldeias, todas próximas da atual. Já
construíram nada menos de 10 aldeias e sempre a 100 ou
200 metros de distância uma da outra; essas mudanças
tão próximas são motivadas por crenças supersticiosas.
Algumas dessas aldeias tiveram muitas casas, o que nos
faz crer que o número de habitantes tenha sido bem
maior. Estivemos nos locais das seguintes aldeias,
hoje alguns já apresentando cerrado grosso ou mesmo
mata secundária. São elas: Enutsapyhy - 9 casas;
Wutapypy - 12 casas; Kuiatoana - ?; Tauriapy - 12
casas; Ratipyhy - ?; Makwiriude - ?; Kamaiute - ?;
Makauapy - 8 casas; Akahisakupyhy - ?; Piulaga - 5
casas e, finalmente, Tsariapyhy que é o nome dado à
atual. A construção das diferentes aldeias e as
informações que nos foram prestadas por um dos índios
mais velhos do grupo, baseadas nas suas próprias
recordações e nas de outro índio, levam-nos a crer
que, na ocasião em que von den Steinen atravessou a
região, já os Waurá habitavam aquele mesmo lugar. A

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localização desses índios, portanto, é, de há muito,


na margem direita do Batovi. O freqüente abandono das
aldeias é motivado pelos ataques de outros índios,
principalmente os Suiá. Os Waurá sempre foram atacados
por outras tribos, para a conquista das mulheres, que
são especialistas no fabrico das cerâmicas. Além dos
Suiá, falam os Waurá de uma tribo que habita a dois
dias de viagem, subindo o Batovi, e na margem
esquerda. Eles a chamam de Tikão [Txikão ou Ikpeng] e
contam pormenores que não deixam dúvidas quanto à sua
existência. Os Tikão e os Suiá são os inimigos e
maiores hostilizadores dos Waurá, que têm pago elevado
tributo na defesa de suas mulheres. Nesses ataques,
incendeiam sempre uma ou mais casas. Mas, mesmo que
não haja incêndio, a Aldeia é abandonada, pelo receio
dos malefícios que os atacantes lhe hajam lançado”
(Lima, op. cit.: 5-6).

Além dos ataques dos Suya e dos Txikão, recordados


pelos Waura, o etnólogo atribuiu o escasso número de
indivíduos à depopulação causada pela gripe e suas
conseqüências desastrosas. No recenseamento a que procedeu,
Lima contabilizou 95 indivíduos (24 homens, 28 mulheres, 36
crianças e 7 recém-nascidos). Com efeito, os dados
levantados por Ireland (2001: 269-271) confirmam a elevada
mortalidade em razão de epidemias.

O primeiro surto de gripe, talvez creditado à


expedição alemã de 1884 ou às seguintes, reduziu de tal
maneira a população waura que o número de suas aldeias
passou de três para apenas uma diminuta – antes denominada
Yutapwihi (“Sítio do Veado”), foi rebatizada de
Tsariwapwihi (“Sítio Tsariwa”), uma recordação do
“civilizado” que por lá passara.

“Depois disso, os waurá deslocaram-se para sua atual


aldeia, a cerca de dois dias rio abaixo. Não obstante,
continuam a falar orgulhosamente do Sítio Tsariwa como
sua última aldeia de verdade, onde havia um grande
círculo de belas casas, dizem eles, e não, como na
aldeia atual, apenas um punhado de casas pequenas e em
mau estado de conservação. Os waurá eram então
numerosos, e, contrariamente ao que ocorre hoje, o

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discurso do chefe ao amanhecer era complementado pelas


objeções rituais dos chefes auxiliares (inamula
ipalukaka), cuja função era formalmente reconhecida.
Muitas das cerimônias antigas realizadas na aldeia
Tsariwa foram abandonadas, desde então. Até mesmo as
grandes plantações de pequi, cultivadas zelosamente
por gerações de antepassados, jazem agora abandonadas,
como os próprios túmulos dos ancestrais. E assim, o
Sítio Tsariwa, a última das aldeias waurá tradicionais
e arquetípicas, traz o nome do homem branco
responsável por sua destruição: amarga ironia, que os
waurá mal percebem” (Ireland, 2001: 269).

A segunda maior epidemia, na década de 50, disseminou


o sarampo e, de acordo com os censos oficiais, os Waura
perderam cerca de 20% de sua população (Agostinho, 1972:
358). Para Ireland (op. cit.), tomando por base as suas
próprias genealogias, a perda teria sido bem maior,
atingindo a cifra de 50% da população.

Em 1964 Harald Schultz (1966: 132) passou quatro meses


na aldeia waura, encontrando-a ainda à margem de um lago do
rio Batovi. A população estava mais reduzida, apenas 85
pessoas. Eles mantinham uma segunda aldeia, a um dia rio
acima, para a coleta de pequi na estação chuvosa (Schultz,
1971: 286). Dentre as histórias que o etnólogo ali
recolheu, uma narra o ataque dos Txikão à aldeia
Sarivapuhi, quando feriram uma mulher e mataram outra. Foi
quando os Waura buscaram refúgio por uns três anos no lugar
chamado Utauana, nas proximidades da aldeia mehinako – ali
onde Hintermann e Vasconcelos os avistaram (Schultz, 1965:
135-137).

Os sucessivos ataques dos Ikpeng (Txikão), que


culminaram no rapto de duas meninas por volta de 1960,
forçou o deslocamento dos Waura para o baixo Batovi. Logo
em seguida, ajudados pelos Mehinako e Kamayura e municiados
- e provavelmente acompanhados - por empregados do posto
Capitão Vasconcelos (atual posto Leonardo), decidiram

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atacar e incendiar a aldeia ikpeng do Batovi (Simões, 1963:


92; Galvão & Simões, 1965: 5; Ireland, 2001: 261-262).

Ainda hoje a aldeia Waura permanece à margem direita


do rio Batovi, num pequeno afluente; sua população atingiu
269 pessoas (EPM, 2000). Vale destacar, todavia, a
insatisfação dos Waura com a invasão, por fazendeiros e
pescadores, de uma área no alto Batovi, reverenciada como a
moradia do demiurgo Kamukwaka, na qual costumeiramente
pescavam, conforme registrou a antropóloga Emilienne
Ireland (1990). Segundo os Waura, uma parte essencial do
seu território tradicional ficou fora dos limites do Parque
do Xingu, ao sul. Por ocasião da presente perícia, dois
professores waura, que participavam de um curso no posto
Diauarum, confirmaram a reivindicação de seu povo sobre
Kamukwaka, “local sagrado” onde existem jiraus e outros
vestígios da cultura indígena petrificados (“virou pedra”,
disseram-me eles). Este sítio está situado a 13º 14’ 09” de
latitude sul, no alto rio Batovi (Myazaki, 1998: 24).
Segundo Ireland, encontra-se ali, ao lado de uma queda
d’água, uma caverna sagrada e um espaço cerimonial
delimitado por monumentos de arte lítica:

“Atamai, o chefe político dos Wauja, descreve-o como


um lugar extraordinário, uma grande pedra ao lado da
cachoeira. Na boca da caverna estão rochas esculpidas
pelos ancestrais dos Wauja, imagens de partes de
mulheres que criam vida. Os Wauja dizem que as
esculturas têm poder de aumentar e tornar abundante os
seres vivos” (Ireland, op. cit.).

Nesse lugar de moradia de espíritos auxiliares e


conselheiros de líderes e pajés, os Waura e os Bakairi
realizaram seus rituais ao longo de muitas gerações, em
particular a cerimônia sagrada denominada Kawika. Na
opinião do arqueólogo Heckenberger (2001: 44), a gruta
Kamukwaka no alto Batovi e os demais lugares sagrados
localizados no rio Culuene assinalam, de acordo com a

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tradição das comunidades contemporâneas, a fronteira


meridional do território dos povos alto-xinguanos.

A invasão e devastação do sítio sagrado de Kamukwaka


pelos fazendeiros trouxe também conseqüências econômicas
negativas para os Waura, pois nessa área coletavam matérias
primas essenciais, como pigmentos de cerâmica, plantas
medicinais e conchas usadas nas trocas (Ireland, op. cit.).
A disputa já ocasionou confrontos entre os Waura e os
fazendeiros e pescadores, como o incêndio criminoso do
posto de vigilância Batovi, em junho de 1990.

c) Os Yawalapiti

De acordo com von den Steinen (1940: 143), os


Yawalapiti falam uma língua de afiliação aruak, mas
bastante diversa das línguas mehinako, kustenau e waura.
Diz Ehrenreich (1929: 253) que os Yawalapiti possuíam duas
aldeias na região das lagunas, entre o rio Batovi e o baixo
Curisevo – no mapa anexo ao livro da segunda expedição,
vemos que as aldeias yawalapiti estavam na margem esquerda
do ribeirão Tuatuari, entre as aldeias dos Aweti e
Mehinako, a montante, e os Kamayura, a jusante (ver mapa 10
abaixo).

Perto da aldeia aweti observou von den Steinen duas


casas onde moravam famílias de homens aweti e mulheres
yawalapiti, que se identificavam mais aos Yawalapiti e
usavam o nome de “Arauití”. O comentário que faz o etnólogo
sugere a proeminência do grupo local no contexto xinguano:
embora se tratasse de apenas duas famílias, diz ele, “a
denominação de Arauití já tinha o inteiro valor de uma
designação de tribo”.

Em sua visita às aldeias yawalapiti, na região de


lagoas e pântano no alto curso do Tuatuari, von den Steinen
(op. cit.: 144-145) verificou um ambiente de penúria. Um

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velho cacique contou-lhe então que os Yawalapiti eram antes


mais poderosos, mas os Manitsaua os oprimiram, embora
fossem estes depois subjugados pelos Suya.

Em 1931 a expedição de Petrullo (1932: 139-140) foi


recebida cerimoniosamente na aldeia yawalapiti, com cantos
e danças e bastante comida. Todavia, em 1947 o etnólogo
Pedro Lima (1949: 25) constatou que os Yawalapiti não
tinham mais uma aldeia própria, e seus representantes
estavam dispersos. Mas naquele mesmo ano, doze deles
conseguiram reagrupar-se, nas proximidades da lagoa Ipavu –
contra a vontade de seus hospedeiros kuikuro e kamayura,
mas com o apoio dos irmãos Villas Bôas, que lhes compraram
ferramentas e alimentos (Villas Bôas, O. & C., 1994: 282;
Lima, 1955: 165).

Em meados dos anos 70, o antropólogo Eduardo Viveiros


de Castro (1977: 63-64) encontrou-os vivendo no sítio
denominado Emakapúku (ver mapa abaixo), no baixo curso do
Tuatuari, perto da margem esquerda, a apenas um quilômetro
e meio do posto Leonardo da FUNAI. De acordo com Viveiros
de Castro, o nome “yawalapiti” significaria “a aldeia dos
tucuns”, a aldeia mais remota de que se recordam, situada
mais ao norte, entre a baía Morená e Diauarum. De lá teriam
saído por causa dos ataques dos Manitsaua. Alguns se
estabeleceram na aldeia Yakunipi (aldeia I, no mapa acima)
e, depois, ergueram sucessivas aldeias nessa mesma região
de lagoas (id., ibid.: 65-66). Quando se mudaram para
Palusayu-píti (aldeia IV) – onde tempos depois também os
Mehinako construíram uma aldeia -, um aweti assassinou um
importante chefe dos Yawalapiti, ocasionando a dispersão
pelas aldeias dos demais povos, em particular os Kuikuro,
Kamayura e Mehinako (id., ibid.: 66, 68). Estima-se que
tais eventos aconteceram em meados dos anos 30.

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Mapa 8 – As aldeias yawalapiti (V. de Castro, 1977)

Segundo Eduardo Galvão(1979: 98), a iniciativa de


reunir os remanescentes yawalapiti numa aldeia partiu dos
chefes da Expedição Roncador-Xingu, porém atendia ao desejo
de alguns indivíduos desse povo. Na nova aldeia juntaram-se
inclusive seus parentes afins, kuikuro e kamayura. A
identidade ambígua dos indivíduos resolvia-se, segundo
Viveiros de Castro (op. cit.: 93), através de um critério
residencial amplamente difundido no alto Xingu - a
residência na aldeia garante a unidade mais ampla de

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sociabilidade cotidiana e, inclusive, referenda os direitos


à exploração de recursos no seu território.

Este antropólogo, como introdução à sua dissertação,


produziu uma descrição concisa dos meios de subsistência
empregados pelos Yawalapiti:

“Os Yawalapíti, como os demais xinguanos, vivem


basicamente da agricultura e da pesca. A caça reduz-se
a algumas aves consideradas comestíveis (jacu, mutum,
macuco, pomba), aos macacos-prego, também comidos, e à
aquisição de penas para enfeites; certas aves são
também procuradas para animais de estimação. A
agricultura concentra-se no cultivo da mandioca brava
(...), que perfaz (...) 85% da dieta xinguana. Outras
variedades de mandioca também são plantadas, em muito
menor quantidade. Milho, banana, algumas espécies de
feijão, pimenta, tabaco e urucum são outras plantas
cultivadas. Durante meu período de campo, além da
mandioca, os Yawalapíti mantinham pequenas roças de
milho, plantavam pimenta e tabaco. Estes dois últimos
itens são principalmente condimentos próprios dos
xamãs - o tabaco, sobretudo, tem importância na vida
sobrenatural. O urucum serve de tintura corporal.
A pesca (que preenche 10% da dieta [...]) é atividade
masculina por excelência; os rios da região são
abundantes em peixe, e, na época da seca, quando os
rios baixam, os Yawalapíti utilizam redes (de
procedência brasileira), anzóis, flechas e timbó (...)
para a obtenção deste alimento. O rio em que se
localiza a atual aldeia Yawalapíti não comporta peixes
muito grandes; em certas ocasiões os homens se
deslocam até o Kuluene para grandes pescarias. Os
peixes são comidos assados direto no fogo, moqueados,
(colocados sobre jiraus a fogo lento) ou cozidos. Este
último processo é usado quando a comida é pouca.
O fruto do pequizeiro, que abunda no auge das chuvas
de janeiro e fevereiro, completa o triângulo básico da
alimentação xinguana. Os pés de pequi são ditos de
propriedade individual, e cada aldeia costuma ter em
sua volta extensas p1antações desta árvore. Os
Yawalapíti são pobres em pequi. O pequi é processado
na época da coleta e é em parte armazenado sob a água
até a época das cerimônias inter-aldeias (julho-
dezembro), quando, junto ao peixe moqueado e ao mingau
de mandioca e beijus, constitui o alimento cerimonial
por excelência. O pequi é comido cru, assado ou

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diluído no mingau de mandioca. Seu armazenamento sob a


água por meses dá-lhe um gosto ácido e delicado.
A mangaba é também fruta consumida na região; os
Yawalapíti não possuem plantações de mangabeira, e seu
sítio atual é pobre nestas árvores. Na época das
chuvas, comem-se outras variedades de frutas, como o
ingá, a macaúba e outros frutos de palmeiras.
A região e seus recursos são aproveitados pelos
Yawalapíti para a totalidade de suas necessidades:
fibras de buriti para redes e cestos, sapé para a
cobertura das casas, taquara para flechas, madeiras
variadas para fins variados, raízes e folhas como
remédios. O sal usado na alimentação é fornecido
principalmente pelos Mehináku, e provém da cocção das
cinzas de uma planta aquática. As grandes panelas de
preparação de mandioca provêm dos Mehináku e Waurá,
que detêm a tecnologia de sua fabricação e o acesso ao
barro do fundo de certos rios.
A mandioca é plantada pelos homens, que derrubam,
queimam, limpam as roças (...). As mulheres arrancam
as raízes, carregam-nas, ralam-nas e espremem o suco
venenoso destas. A mandioca é consumida basicamente
sob a forma de beiju (ulári) – torrada de polvilho,
chata, assada em tachos circulares -, de mingau de
beiju dissolvido em água (uluni), e de um mingau
resultante da fervura do suco venenoso (nukáya). O
polvilho que resta no fundo das panelas de espremer,
bem como parte da massa, é armazenado em silos no
centro das casas.
A cozinha é feita indiferentemente por homens e
mulheres, no que diz respeito aos produtos da pesca; a
manipulação da mandioca depois de plantada, contudo, é
inteiramente feminina. As mulheres são encarregadas
além disto de trazer toda a água consumida pela
aldeia. São elas que fiam o algodão – também plantado
-, tecem as redes, as esteiras de espremer mandioca,
preparam a pasta de urucum, o óleo de pequi e a tinta
de jenipapo, usados na ornamentação corporal. Os
homens fazem os cestos, os instrumentos cerimoniais
(flautas e chocalhos), e realizam todos os trabalhos
em madeira – bancos, arcos, pilões, pás de virar o
beiju etc. São os homens que constróem as casas”
(Viveiros de Castro, 1977: 59-61)

De acordo com Viveiros de Castro (op. cit.: 61) a vida


econômica e cerimonial das aldeias xinguanas alterna-se
entre períodos de abundância e interação entre os vários
grupos, na estação seca, e escassez e retraimento, durante

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as chuvas. Merecem ser destacados, ainda, os comentários do


autor acerca do profundo enraizamento dessas sociedades na
região dos formadores do Xingu:

“Não há (...) oscilações e deslocamentos espaciais


importantes; as tribos são sedentárias, e a abundância
de terras disponíveis para a agricultura (...) faz com
que todos os grandes deslocamentos já ocorridos no
Xingu devessem-se a guerras e à interferência da
sociedade nacional” (Viveiros de Castro, op. cit.:
61).

Por ocasião dos trabalhos periciais, encontrei a


aldeia yawalapiti situada nas proximidades da foz do
Tuatuari, como se pode observar no mapa “Parque do Xingu e
áreas adjacentes” (Anexo 1) – a localização atual é
recente, porém implicou num deslocamento de pouca monta. A
população desta aldeia soma 217 indivíduos (EPM, 2000).

d) Os Kustenau

O etnólogo von den Steinen (1942: 213) encontrou em


1884 alguns kustenau num acampamento de roça, por ocasião
de sua viagem Batovi abaixo, e recolheu deles um curto
vocabulário. A aldeia, da qual não perceberam o porto, na
margem direita, estaria a 12º 20’ de latitude sul, como se
vê no mapa abaixo. Segundo von den Steinen, os Kustenau
falavam uma língua aruak, muito semelhante às línguas
mehinako e waura (Steinen, 1940: 197).

Já o capitão Paula Castro (1904-1905: 41), que


liderava a tropa militar na expedição do Batovi, contou
nesse acampamento dezoito kustenau e dois bakairi.
Disseram-lhe porém que a aldeia era numerosa, com cinco
grandes casas, e estava acima, na margem esquerda.

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Mapa 9 – O rio Batovi em 1884 (Steinen, 1942)

Quando esteve na aldeia waura no rio Batovi, em 1948,


Pedro Lima (1955: 165) concluiu que os Kustenau haviam se
integrado aos Waura. Dos Kustenau, ali restavam apenas uma
mulher e seu filho. Harald Schultz(1971: 287), que visitou
a aldeia waura na década de 60, empregou como intérprete um

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homem que se identificava como kustenau – provavelmente, o


menino que Pedro Lima conhecera anos antes. Segundo Lima
(1950: 22), os Kustenau eram também ceramistas como os
Waura, dos quais sua aldeia não distava mais que meio dia
de viagem. Teriam sido dizimados pelos ataques dos Txikão e
as epidemias de gripe.

e) Os Kalapalo

Povo de língua karib, tradicionalmente os Kalapalo (ou


Calapalo) têm partilhado a região do rio Culuene com outros
povos da mesma família lingüística, como os Kuikuro, os
Matipu e os Nahukwa. Suas aldeias localizavam-se, dizem as
fontes documentais, nas proximidades das embocaduras dos
rios Sete de Setembro e Tanguro. O termo “kalapalo”
designava um determinado local de antigas aldeias, e tem
servido como um rótulo para distingui-los na literatura
sobre o alto Xingu. Todavia, os próprios xinguanos os
conhecem como Aiha ótomo, o “pessoal de Aiha” (ou Aifa,
aldeia erigida em 1961, no extremo norte de seu território,
e que ainda é a de maior contingente kalapalo), ou então
como Akuku ótomo, um dos segmentos primevos dos karib, que
habitava a montante da foz da rio Sete de Setembro (Basso,
1973: 4; Franchetto, 1986: 65; 1987: 57, 59).

Em sua viagem ao Culuene em 1920, logo abaixo da foz


do ribeirão Couto de Magalhães, por volta da latitude 12º
30’ sul, vieram ao encontro do capitão Noronha (1952: 39)
duas canoas com quatro nahukwa e dois kalapalo, um deles o
“capitão Caluvocu”. De fato, este ponto no alto Culuene,
onde não há mais corredeiras e começam a aparecer as
primeiras baías, constituía o limite meridional do
território dos Naravute (”Naruvôto”) e dos Kalapalo.
Passando o porto dos Naravute, na margem esquerda, e logo
abaixo da barra do rio Sete de Setembro (ou Turuine),
estava o porto dos Kalapalo, também na margem esquerda:

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“O capitão deles que conosco vinha, seguiu hoje cedo,


por terra, a fim de avisar à sua gente. De passagem:
por terra, vai-se da taba dos Naruvôto à dos Calapalo
em um dia, e das casas destes às dos Ianahuquá, no
Curisêvu, também num dia de marcha” (Noronha, op.
cit.: 42).

Um pouco acima da barra do rio Tanguro, uns trinta


kalapalo, liderados pelos caciques Amutuá e Caluvocu,
visitaram o acampamento de Noronha (op. cit.: 44, 48). De
acordo com as informações então tomadas pelo chefe da
expedição, as aldeias dos Kalapalo e a dos Kuikuro tinham
dez ranchos cada, o que o fez estimar uma população total
de duzentas pessoas.

Em 1928 o comandante Dyott (1929: 529), que buscava


informações sobre o desaparecido coronel Fawcett, partiu de
uma aldeia nahukwa no Curisevo, e tomou a direção do rio
Culuene até alcançar uma aldeia dos Kalapalo, com três dias
de marcha.

De acordo com a antropóloga Ellen Basso (2001: 295),


cujas pesquisas no alto Xingu tiveram início em 1966, os
Kalapalo atuais seriam “um amálgama de indivíduos criados
em grupos comunitários distintos, que sobreviveram e se
mantiveram unidos após epidemias e ataques inimigos que
dizimaram sua população”. Nas reconstruções históricas a
que procedem os Kalapalo, segundo Basso (op. cit.: 298),
“os nomes de lugares e pessoas fornecem uma espécie de
continuidade que preenche as freqüentes lacunas das
narrativas”. Dentre outros locais onde seus ancestrais
estiveram assentados, os atuais Kalapalo apontam o alto rio
Buriti (ou Mirassol), o rio Tanguro e as vizinhanças da foz
do Sete de Setembro. Acerca da ocupação continuada destes e
de outros sítios do seu território tradicional, acrescenta
Ellen Basso,

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Os habitantes de Aiha [aldeia kalapalo na margem


direita do Culuene, abaixo da foz do Curisevo; ver
mapa no Anexo 1] e Tangugu [aldeia Tanguro, na foz do
rio Tanguro] freqüentemente retornam a sítios
relacionados com povoamentos antigos, que permanecem
na lembrança por causa dos recursos naturais
utilizados por seus ancestrais no passado. Os nomes
dessas localidades, bem como os recursos que ali se
podem encontrar (tais como espécies de peixes, varas
para fabrico de arcos, plantas medicinais e conchas,
por exemplo), estão preservados nas histórias sobre a
fundação dos povoados. São essas histórias que
legitimam a ocupação e utilização da terra,
justificando o retorno dos habitantes de Aiha e
Tangugu, ano após ano, a determinados tratos
florestais e lacustres” (Basso, op. cit.: 301).

A expedição Roncador-Xingu, chefiada pelos irmãos


Villas Bôas, atingiu em fins de 1945 o rio Sete de Setembro
(os xinguanos o denominam Turuine; os expedicionários, por
equívoco, pensaram tratar-se do Tanguro; cf. Villas Bôas,
O. & C., 1994: 107-110). Próximo ao córrego que batizaram
de Garapu, havia antigas trilhas e sinais de fogo, os
primeiros vestígios dos índios xinguanos. Distante três
quilômetros da margem esquerda do Sete de Setembro e pouco
mais de cinqüenta quilômetros de sua foz, a expedição fixou
então o posto Garapu e abriu uma pista de pouso (13º 20
aproximado de latitude sul; ver a localização no Mapa 29,
adiante). A movimentação atraiu os índios, que passaram a
rondar o acampamento. Dizem os Villas Bôas em seus diários:

“Para o lado de cá da mata, na orla onde estamos,


parece não existir morada definitiva de índios.
Entretanto, sempre os temos aqui ao nosso redor. Nas
noites, principalmente de lua, ouvimos seus gritos,
imitação de aves e outros sinais de sua aproximação.
Embora estejam constantemente nos rondando,
espreitando, ainda não nos causaram nenhum prejuízo.
Nem por isso deixamos de estar sempre vigilantes. Não
sabemos ao certo que índios são” (Villas Bôas, O. &
C., 1994: 125-126).

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Para tentar afugentar os invasores, os índios


colocavam fogo no mato perto do acampamento, simulavam
ataques, jogavam paus nos ranchos e nos cachorros, sem
muito sucesso (id., ibid.: 132-137). Continuando, a
expedição desceu o Sete de Setembro em outubro de 1946 e,
acima da confluência com o Culuene, avistou novos sinais de
índios - paus quebrados e uma queimada. Já no Culuene, os
vestígios estavam por toda parte. Os Kalapalo afinal
apareceram na altura de uma barreira - o cacique Iuaikuma e
sua família, que regressavam de uma pescaria. A notícia do
encontro da expedição com os Kalapalo foi transmitida pela
agência United Press, e ganhou destaque no então Repórter
Esso (id., ibid.: 149, 152).

Próximo à barreira escolheram um local na margem


esquerda (12º 44’ 40” de latitude sul), onde seria
construída a nova pista e o posto Kuluene. Para o
acampamento dos expedicionários acorreram, em massa, os
Kalapalo que moravam nas imediações, numa aldeia chefiada
pelo velho cacique Izarari – já nos primeiros dias, mais de
cento e cinqüenta kalapalo ali vieram. E logo chegariam os
Naravute, os Nahukwa e os Kuikuro, estes liderados pelo
“capitão” Afukaka (id., ibid.: 154-156; Sick, 1997: 53).

Em novembro do mesmo ano, os Villas Bôas e o


cinegrafista Nilo Vellozo visitaram a aldeia kalapalo,
distante uns dezoito quilômetros do posto (Villas Bôas, O.
& C., op. cit.: 163-166). E antes de findar o ano, uma
epidemia de gripe espalhou-se entre funcionários e índios;
o posto da FBC converteu-se num ambulatório para atender os
doentes em estado crítico. Das aldeias kalapalo e kuikuro
chegavam pedidos angustiados de auxílio, informando que lá
morriam pessoas todos os dias (id., ibid.: 177-180, 182).
Quando Cláudio Villas Bôas chegou na aldeia kalapalo com os
medicamentos, verificou um quadro desolador, e nove
sepulturas recentes (id., ibid.: 184). Nos primeiros dias

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de janeiro de 1947, por sua vez, faleceria Izarari, o


grande cacique dos Kalapalo.

O pesquisador do Museu Nacional, Pedro Lima (1955:


162-163), realizou em 1948 uma viagem à aldeia kalapalo, e
computou uma população de 142 pessoas. Observou então que
os Kalapalo constituíam o grupo mais expressivo no extremo
sul da área, e tendiam a absorver os grupos menores
próximos, como já estava ocorrendo com os remanescentes
naravute.

Em 1950, Eduardo Galvão (1996: 261) verificou que os


Kalapalo haviam construído uma aldeia ao lado do campo de
pouso do posto Kuluene. Até 1961 as aldeias kalapalo
manter-se-iam nos sítios mais ao sul, na margem esquerda do
rio Culuene, explorando a zona entre as barras do Tanguro e
do Sete de Setembro para pesca e coleta. Com a criação do
Parque do Xingu em 1961, os Kalapalo e os demais moradores
dos altos cursos do Batovi, Curisevo, Buriti e Culuene
foram pressionados pelos encarregados do SPI a deslocar
suas aldeias para as redondezas do posto no Tuatuari, ao
norte. A justificativa para que abandonassem seus
territórios tradicionais era de que uma linha paralela
imaginária, na altura da confluência dos rios Curisevo e
Culuene, formava o limite sul do Parque recém-criado. Com
efeito, o Decreto 50.455 de 1961 não abrigava aldeias e
territórios de vários povos, dentre os quais os Kuikuro, os
Kalapalo, os Matipu, os Nahukwa e os Mehinako.

No entanto, a parcela meridional do território dos


Kalapalo, entre os cursos superiores dos rios Culuene (em
particular, as vizinhanças das embocaduras do Sete de
Setembro e do Tanguro), Buriti e Curisevo, continuou a ser
explorada por eles em suas pescarias, nas excursões para a
coleta de frutas (entre as quais, o pequi e a mangaba de
suas plantações nas velhas aldeias), a procura de ovos de
tracajá (no mês de julho), a extração de matéria prima para

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flechas (taquari) e colares (caramujos) e o plantio de


roças (Basso, 1973: 120; 1981). De acordo com Ellen Basso:

“Esses lugares das antigas aldeias são considerados


pelos Kalapalo com grande sentimento e interesse.
Muitos de seus mitos referem-se a locais conhecidos, e
os eventos históricos significativos estão associados
a marcos próximos. Quando vivi [E. Basso] com eles na
aldeia Aifa, fui encorajada a viajar para sua aldeia
abandonada Kanugijafïtï, e pude verificar os
esplendores daquela área. Fui levada na velha aldeia
de verão, Fififïtï, perto do rio Culuene, onde os
Kalapalo têm pescado durante a estação seca. Aqui uma
velha mulher mostrou-me os túmulos das vítimas de uma
epidemia de sarampo que ocorreu no verão de 1954,
lembrando-se exatamente quem estava enterrado lá. Os
residentes de Aifa são constantemente relembrados da
tragédia dessa epidemia por um número incomum de
órfãos, e isso traz às mentes a vida que eles deixaram
nas antigas aldeias, um assunto de recordações
freqüentes” (Basso, 1973: 5).

Segundo os dados oficiais do SPI, morreram na referida


epidemia de sarampo um total de quarenta kalapalo (Mota, J.
L. da, 1955: 137).

Por ocasião da presente perícia, verificamos que os


Kalapalo estão agora distribuídos em quatro aldeias à
margem direita do rio Culuene: a aldeia de Ronaldo (ou PIV
Kuluene), no limite sudeste do Parque do Xingu; a aldeia
Pedra (ou Kunue), pouco abaixo; a aldeia Tanguro, na foz do
rio de mesmo nome (à qual está apenso o PIV Tanguro); e a
aldeia Kalapalo, a maior de todas, no lago Aiha (ou Aifa;
ver mapa no Anexo 1). A população total dessas aldeias já
alcançou 393 pessoas (EPM, 2000).

Os informantes indicaram-me um outro ponto na margem


esquerda do Culuene (S 12º 44’ 27,4” e W 52º 55’ 30,5”,
dentro do perímetro do Parque do Xingu), local de uma
antiga aldeia de verão, chamada hoje de Jakui [“Diacuí” era
o nome de uma moça kalapalo que se casou com Ayres Câmara
Cunha, funcionário da FBC, na Igreja da Candelária, no Rio

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de Janeiro, em 1952, sob o patrocínio de Assis


Chateaubriand, dono dos Diários Associados; Diacuí faleceu
de parto justamente nesse local; cf. Cunha, 1960). Trata-se
daquela aldeia que, como vimos acima, fora erguida nas
proximidades do antigo posto Kuluene da Fundação Brasil
Central.

As redefinições do perímetro do Parque do Xingu,


ocorridas em 1968, 1971 e 1978 (ver tópico IV.4, abaixo),
permitiram que os Kalapalo retornassem com suas aldeias
para a seção meridional do território tradicional. Os
informantes que consultamos indicaram, de modo preciso, os
marcos de sua ocupação original, que coincidem com os
registros históricos acima enumerados:

“Antigamente morava no Sayonara [denominação de uma


fazenda, a jusante da foz do Sete de Setembro, na
margem direita] até o Sete de Setembro. Ali é mato de
capoeira, lugar de roça do pessoal kalapalo. Andava
até a cachoeira [para pescar no rio Culuene]. O
pessoal andava para lá. Lá pegava pedra para furar e
lixar caramujo [usado na confecção de colares]” (Luís
Kalapalo, aldeia Tanguro, 17/07/2001).

Segundo eles, a montante estava a aldeia Agahãgugo; em


seguida, descendo, a aldeia Naravute; e então a Kãgugo.
Observaram ainda que na última demarcação do Parque do
Xingu, em 1978, não foi incluída uma área nas redondezas da
foz do rio Sete de Setembro, parcela do seu território
tradicional que agora estão reivindicando: há ali um
córrego onde costumavam banhar-se, os pesqueiros que
freqüentavam no rio Sete de Setembro e um grande pequizal,
que foi plantado pelos ancestrais que lá viviam. Este
antigo sítio karib, inclusive, foi apontado na lista dos
locais de interesse para pesquisa arqueológica
(Heckenberger, 1996: 30, 37). Nesta região, disseram-me,
implantaram-se algumas pousadas e fazendas que atraem
pescadores e turistas nos fins de semana. Contudo, os

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Kalapalo não desistiram ou abdicaram destas terras


(Franchetto, 1986: 65). Em 1993, inclusive, segundo eles,
foram forçados a reafirmar seus direitos e dissuadir o dono
de uma das fazendas, perto da foz do Sete de Setembro, que
iniciara uma derrubada de parte do pequizal que seus avós
plantaram.

f) Os Nahukwa

A denominação “Nahukwa” (Anauquá, Nahuquá, Naucuá ou


Nafuqua) foi legada por von den Steinen, por mero acaso, a
vários grupos locais que falavam uma mesma língua karib:

“Mais acima [de Xingu-Koblenz, ponto onde confluem os


formadores do Xingu], ainda, na margem do Kuluene,
como também em pequenos afluentes que correm entre
este e o Kulisehu, estão situados os Nahuquá,
habitando uma série de localidades que têm nomes
especiais. Travamos conhecimento com alguns indivíduos
dos Guapiri, Yanumakapü, Guikurú e Yaurikumá; os
Yanumakapü, os Enomakadihü dos Bakairi, não moram no
rio principal. Os Bakairi mencionaram também os
Guapirí que são encontrados em terras existentes entre
o Kulisehu e o Kuluene. Na primeira aldeia bakairi
Paleko deu-me a relação das aldeias Nahuquá do
Kuluene, indicando os pontos cardeais pelos quais
deviam ser procuradas, quando se parte de Maigéri [a
aldeia bakairi]. Começando pela região superior, são:
1o Anuakúru ou Anahukú sudeste, 2o Aluíti ou Kanaluíti
leste, 3o Yamurikumá ou Yaurikumá de leste para leste-
sudeste, 4o Apalaquíri leste-nordeste, 5o Puikurú
leste-nordeste, 6o Mariapé nordeste. Depois seguiam-se
os Trumaí. Teríamos, deste modo, incluído os Guapirí,
os Yanumakapü e os Nahuquá do Kulisehu, nove aldeias
nahuquá. (...) Esta longa relação de nomes é menos
complicada do que parece. Cada aldeia tem seu nome, e
o estrangeiro não pode, ao ouvi-lo, discernir se se
trata de uma tribo nova ou de outra já conhecida. O
exemplo mais simples é o dos Nahuquá. O nome de
‘Nahuquá’ é dado pelos índios exclusivamente aos
habitantes da aldeia do Kulisehu; os Yaurikumá,
Guikuru etc. não se chamam, a si mesmos, de Nahuquá. É
só pelo acaso de termos visitado em primeiro lugar os
‘Nahuquá’ que me sirvo desta palavra como denominação
tribal. Talvez haja pequenas variações dialetais;

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consegui, porém organizar um vocabulário das palavras


mais importantes dos Yanumakapü e convencer-me, também
quanto aos Yaurikumá e Guikuru, que a sua língua é
inteiramente idêntica à dos ‘Nahuquá’” (Steinen, 1940:
192-194).

O porto da aldeia nahukwa visitada pela expedição


alemã estava situado na margem direita do médio Curisevo,
no ponto de coordenadas S 12º 50’ 18” e W 53º 31’ 00”,
conforme o mapa elaborado pelo dr. Vogel (ver abaixo). A
aldeia, a duas horas do porto, compunha-se de um círculo
com doze casas grandes e uma casa de flautas e uma
população de mais de 150 pessoas (Steinen, op. cit.: 126-
127; Perrot, 1998: 18). Ali von den Steinen conheceu um
yaurikuma, que morava a três dias de viagem, na direção
leste, nas margens do Culuene (id., ibid.: 128).

Segundo Paul Ehrenreich (1929: 252), que fez parte da


segunda expedição alemã, além dessa aldeia dos Nahukwa, na
margem direita do Curisevo, havia umas seis ou oito sobre o
Culuene. E foi nesse porto do Curisevo que, em 1901, Max
Schmidt (1942a: 57-60) tomou contato com os Nahukwa.

O uso extensivo da denominação “nahukwa” por von de


Steinen e outros foi, entretanto, criticado por Lévi-
Strauss (1948), uma vez que recobria grupos que, aos
poucos, a literatura sobre o alto Xingu e os observadores
passaram a distinguir. Assim, entre outros exemplos, os
“Guicuru” de von den Steinen ficaram conhecidos como
Kuikuro, os “Apalaquíri”, “Kanaluíti” e “Yamurikumá” como
Kalapalo e os “Mariapé” como Matipu. Por sua vez, os
Nahukwa, denominados Jâramâ ótomo pelos demais karib (ou
Jagamï, segundo Basso, 1973: 3), corresponderiam aos mesmos
“Nahuqua do Kulisehu”, que ocupavam a região entre o
Curisevo e as cabeceiras do Buriti, e aos “Anuakúru” ou
“Anahukú”, a sudeste (Franchetto, 1986: 65; 1992: 352).

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Mapa 10 – Os rios Batovi e Curisevo (Steinen, 1942)

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Esses Nahukwa do Curisevo explicaram a Vicent Petrullo


(1932: 143-144), durante sua expedição em 1931, que, de
fato, tinham originalmente suas aldeias a leste do rio
Culuene, porém, após um violento ataque dos Yaruma,
deslocaram-se para oeste, em direção às margens do rio
Curisevo.

Em sua viagem ao Culuene em 1920, o capitão Noronha


(1952: 18) se fez acompanhar de guias bakairi e quatro
nahukwa (entre os quais, Aloique, um dos chefes de maior
prestígio no Culuene, e Kuiapare, seu lugar-tenente), que
estavam visitando o posto Simões Lopes. Abaixo da foz do
ribeirão Couto de Magalhães, a expedição foi recepcionada
por quatro nahukwa e dois kalapalo, que subiam em duas
canoas (id., ibid.: 39). Abaixo do porto dos Kuikuro, os
Nahukwa disseram ao capitão Noronha que havia uma aldeia
“de gente deles [Nahukwa]”. De fato, acampados no porto
dessa aldeia, os expedicionários foram ali visitados pelos
“Navuquóro” ou “Avótaro”, um dos grupos de língua nahukwa
cuja população Noronha estimou em cinqüenta indivíduos
(id., ibid.: 47-48). Estes deram informações sobre outras
aldeias:

“Por eles soubemos que da outra banda, no mesmo dia,


com pouco mais de meio dia de viagem, se chega à casa
dos Aravôto e depois à dos Jacariana, moradores da
margem direita, mais ou menos a este-nordeste do porto
deles” (id., ibid. 48).

Retornando pelo rio Curisevo, já acima do porto dos


Mehinako, a expedição de Noronha dirigiu-se então à aldeia
dos Nahukwa propriamente ditos:

“Pelas duas horas chegamos ao porto dos Ianahuquá, que


têm, a um quilômetro escasso, afastados do rio, dois
ranchos, a que denominam: Curuquitcha. Às três e um
quarto, acompanhados de José Caboclo e dois Bacairis
(...) estávamos de marcha para a sua taba, onde
chegamos pouco antes das cinco horas. É mais ou menos
de légua e meia a distância, em terreno quase plano,

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de mata e capoeira. Cinco ranchos - umas 150 pessoas,


no máximo, entre homens, mulheres e crianças. Ao
centro do terreiro bem limpo, agrupavam-se alguns
homens e crianças; das portas dos ranchos emergiam
furtivamente inúmeras cabeças de mulheres e sobretudo
de crianças que nos espreitavam. Percebi que na área
central os índios localizam o cemitério da aldeia.
Viam-se ali sepulturas recentes, apontadas pelos
parentes em pranto, das quais partiam trilhas; que se
dirigiam aos ranchos, distantes uns dos outros cerca
de 50 metros. Com pouco, feitas mais ou menos as
apresentações, que vieram de mistura com os conhecidos
que já tínhamos ali - conhecidos do Posto - demos a
entender que trazíamos a recompensa, pela companhia
dos quatro Ianahuquás na expedição e que queríamos
armas, redes, provisões, etc. Demos então início à
distribuição de algumas miçangas pelas mulheres e
crianças (...). Aos homens, demos anzóis, pregos e
duas meias peças de chita, com alguns carretéis de
linha, para que tudo fosse dividido também pelas
mulheres e crianças e 13 facões Colins que, como não
chegassem para todos, foram entregues a Ialóique para
repartir” (id., ibid.: 51-52).

Por sua vez, em 1924 o capitão Vicente de Paulo


Vasconcelos (1945: 76-77), após a conclusão do levantamento
do rio Ronuro, subiu o rio Curisevo e comprovou que o
território nahukwa estendia-se pela margem direita do
Curisevo. A expedição militar localizou um acampamento
nahukwa a pouco mais de um dia de viagem a montante do
porto waura – “pitoresco sítio da margem direita, preparado
e mantido pelos Anauquá, para servir-lhes de acampamento,
quando saem para as viagens e pescarias pelo rio”. Mais
acima, o porto da aldeia nahukwa, à margem direita. Nessa
aldeia do capitão Aloique, a dez quilômetros da beira do
rio, rumo leste, Vasconcelos contou uns cinqüenta
residentes, além de um pequeno grupo de Trumai, abrigado em
velhos ranchos distantes uns 300 metros, há pouco rechaçado
do baixo Culuene pelos Kamayura.

Já a expedição de Dyott (1929: 522), que atravessou em


1928 a aldeia nahukwa chefiada pelo cacique Aloique,

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localizou-a a umas duas horas e meia de caminhada a partir


da margem direita do Curisevo.

Aos missionários americanos que desceram em 1937 o rio


Curisevo, segundo o relato de Martha Moennich (1942: 43-44,
50), os caciques nahukwa Aloique e Kabuzala descreveram a
recente investida dos “Cajabis” (provavelmente os Ikpeng),
quando dois jovens nahukwa morreram e um menino foi
raptado; um dos atacantes também morreu. Os missionários
estimaram a população dessa aldeia em quarenta pessoas.

A expedição cinematográfica do SPI de 1944, chefiada


por Nilo Vellozo, desceu o rio Curisevo e entrevistou
quatro nahukwa no seu antigo porto, na margem direita, que
lhe falaram dos novos ataques dos inimigos:

“Estavam pintados de carvão, e contaram-me que, há


três dias, a aldeia havia sido atacada pelos Cajabi
[provavelmente os Ikpeng], que quatro dos seus, foram
mortos por aqueles índios. As mulheres e as crianças
retiraram-se para a aldeia de Matipu, que fica na Baía
de Buriti, próximo ao Culuene” (Vellozo, 1944: 7).

Em seu retorno, na subida do rio Curisevo, Vellozo


(op. cit.: 16) então visitou a aldeia quase abandonada:

“Em conseqüência dos ataques sofridos pelos Cajabi, os


Anauquá ficaram reduzidos a duas casas, em estado de
ruínas. Além disto, todos os habitantes se retiraram
para outra aldeia, na baía do Buriti, que fica no rio
Culuene. Ao passarmos por ali, os índios foram
sabedores. Desta forma, encontramos 40 pessoas entre
mulheres, homens e crianças, que nos aguardavam, a
espera de presentes”.

Já na segunda expedição cinematográfica, em 1945, Nilo


Vellozo percorreu novamente o rio Curisevo e certificou que
os Nahukwa residiam agora na aldeia Mehinako - embora seu
território não restasse abandonado, pois era explorado
pelos Kalapalo chefiados por Izarari:

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“Aqueles índios [Kalapalo] estão colhendo pequi nas


terras dos Anauquá, aproveitando-se assim do
desaparecimento daquele povo como tribo, apossa-se do
pequizal e de alguma mandioca restante das suas roças”
(Vellozo, 1945).

Em 1948 Pedro Lima (1955: 161) constatou que os


Nahukwa haviam se deslocado para sudeste, e estavam
drasticamente reduzidos a vinte e oito indivíduos, numa
aldeia próxima a dos Matipu, entre os rios Culuene e
Curisevo, na latitude aproximada de 12º 45’ sul. Ali
juntaram-se então numa única aldeia e, poucos anos depois,
foram induzidos a se transferir mais para o norte, após a
criação do Parque do Xingu. Fixaram-se na margem direita do
Culuene em 1962, num local chamado Marijapéi, o sítio dos
antigos “Nahuqua-Mariapé” citados por von den Steinen. Sua
população conjunta crescera muito pouco, um total de 51
pessoas em 1963 (Franchetto, 1992: 352; Galvão & Simões,
1966: 45, 50; Agostinho, 1972: 361)

Em 1976 os Matipu afinal se separaram dos Nahukwa e


ergueram uma aldeia mais ao sul (Viveiros de Castro, 1977:
26). No tocante aos dados demográficos, os Nahukwa os
mostraram uma franca recuperação – na sua aldeia hoje vivem
94 pessoas (EPM, 2000).

g) Os Matipu

Povo de língua karib, os Matipu correspondem aos


“Nahuqua-Mariapé” citados por von den Steinen, como
explicamos acima. São chamados Iwagifïtï pelos Kalapalo
(Basso, 1970: 2) ou também Uarihâtâ pelos Kuikuro e outros
alto-xinguanos; devido ao local onde conviveram com os
descendentes nahukwa, às vezes são ditos Marijapéi ótomo
(Franchetto: 1986: 66).

Em razão de, por muito tempo, serem confundidos na


literatura sob a denominação de “nahukwa”, poucos são os

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registros disponíveis acerca dos Matipu. É certo que seus


ancestrais, conforme informaram os Bakairi a von den
Steinen, viviam ao norte dos demais povos karib, na margem
direita do rio Culuene (ver Mapa 11, abaixo, para a posição
dos sítios históricos karib na região dos rios Curisevo,
Buriti e Culuene).

Em 1948 Pedro Lima (1955: 160, 163) visitou a aldeia


matipu, então entre o Curisevo e o Culuene (ver Mapa 7,
acima), onde moravam apenas dezesseis pessoas. Reuniram-se
daí aos Nahukwa numa única aldeia, e depois voltaram para a
margem direita do Culuene em 1962, num local chamado
Marijapéi, sítio dos antigos “Nahuqua-Mariapé” (Galvão &
Simões, 1966: 45, 50; Steinen, 1940: 161). Ao que parece, a
epidemia de sarampo de 1954 também causou mortes entre os
Matipu (Agostinho, 1972: 361; Mota, 1955: 133).

Em meados de 1976 os Matipu ergueram uma aldeia


separada num sítio mais ao sul, na beira de uma lagoa
chamada Agahâga, onde reside ainda hoje (conforme mapa no
Anexo 1; Viveiros de Castro, 1977: 26; Franchetto, 1986:
67). Nessa aldeia, a população matipu soma agora 101
pessoas (EPM, 2000).

h) Os Kuikuro

O termo “kuikuro” (Cuicuro e Kuikutl) teria como


origem o nome de uma aldeia ancestral, Kuhikugu, na orla
leste da lagoa Lamakuka (coordenadas aproximadas S 12º 33’e
W 53º 07’, ao sul da atual aldeia Ipatse), onde teriam
vivido no período entre 1890 e 1930 (Heckenberger, 1996:
48). Tratam-se, com certeza, dos Puikurú, Guikuru e Kuikutl
de von den Steinen e demais observadores, ou seja, um
segmento dos Karib da região do Culuene (Franchetto, 1986:
64).

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Quando a expedição Roncador-Xingu chegou ao Culuene,


em 1946, os Kuikuro achavam-se na aldeia Lahatua, ainda nas
redondezas da lagoa Lamakuka (Franchetto, 1987: 62). Seus
vizinhos a sudoeste eram os Matipu e a sudeste, os
Kalapalo. Robert Carneiro, cujas pesquisas entre os Kuikuro
tiveram início em 1953, verificou que as margens da lagoa
Lamakuka abrigavam aldeias kuikuro desde oitenta anos atrás
ou mais, e que a nova aldeia, em geral, não se afastava
mais que umas centenas de metros da anterior (Carneiro &
Dole, 1956: 171).

O território tradicional de ocupação dos Kuikuro,


todavia, não se restringe à margem esquerda do rio Culuene.
Bruna Franchetto (1986: 74) observou, destarte, que a maior
parte dos grupos domésticos deslocam-se, sazonalmente, para
as chamadas “fazendas” (hihitsigóho), onde colhem mandioca
e plantam a nova roça durante a estação seca. A disposição
espacial das fazendas e das zonas de pesca expressa,
portanto, uma certa configuração do território kuikuro, que
se estende até o antigo sítio de Lahatua e abrange o lago
Tavununo, na margem direita do rio Culuene. Os sítios das
antigas aldeias são locais privilegiados para a manutenção
de “fazendas” e a extração de recursos naturais, como as
palhas do buriti que utilizam para a confecção de cordas e
barbantes (Carneiro & Dole, 1956: 170).

Segundo me informaram na aldeia Afukuri, em suas


expedições de pesca os Kuikuro percorriam o rio Culuene
desde a lagoa do posto Leonardo, na foz do Curisevo, até a
foz do Tanguro; deste ponto para cima, até o rio Sete de
Setembro, pescavam os Kalapalo.

Robert Carneiro produziu estudos meticulosos sobre as


práticas agrícolas e os conhecimentos botânicos dos
Kuikuro, que demonstram o refinamento e a extensão das
técnicas produtivas e das concepções relativas ao ambiente
natural circundante. Com respeito ao lago Tavununo, então,

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coube-lhe apontar sua importância econômica e religiosa na


vida dos Kuikuro:

“Desde minha [Carneiro] primeira pesquisa de campo,


nos anos de 1953 e 1954, soube que os kuikuro
ocasionalmente pescavam num imenso lago, ao qual
chamavam Tahununu, localizado a leste do Culuene.
Durante a estação chuvosa, homens em grupos de 10 ou
12 deixavam a aldeia kuikuro e atravessavam este rio
em canoas de casca de árvore, para passar cerca de uma
semana pescando no Tahununu, onde se dizia haver peixe
graúdo em abundância. Nas margens do lago, moqueavam o
pescado, enchiam seus cestos e retornavam à aldeia
carregando quase uma tonelada de peixe. Ali, na praça
central, o peixe era depositado sobre grandes esteiras
e distribuído a todas as famílias. Por essas
informações, eu estava convencido de que o lago
Tahununu era de grande importância econômica para os
kuikuro. Sabia também que o lago estava localizado,
segundo eles, dentro dos limites de seu território
tradicional. Mas não havia percebido até então que, de
acordo com sua história oral, os ancestrais kuikuro
teriam residido, justamente, às margens desse lago
(...). De fato, como compreendi depois, a ligação dos
kuikuro com o Tahununu era tão estreita e antiga que
um de seus mitos conta, com riqueza de detalhes, a
história da origem do lago” (Carneiro, 2001: 287).

De fato, os Kuikuro consideram este lago “sagrado”,


segundo os depoimentos que obtive por ocasião desta
perícia. Ali estão os sítios das aldeias ancestrais, além
de um inesgotável estoque pesqueiro:

“Estava pequeno, eu vi o pessoal [agrimensores] fazer


picada [para demarcação de lotes], antes de Orlando
[Villas Bôas] vir, onde tem barranco pequeno, onde tem
lagoa com peixe.
Ali tem tempo existia somente Kuikuro, Kamayura.
Depois chega Yawalapiti. Abaixo, Suya e Juruna. Pedaço
que tem Diauarum, cada curva é sagrado. Quem conhece é
Suya, é Juruna. Ali Kayabi ocupou o lugar. Governo
mentiu que não tinha índio lá.
Eu nasci lá naquela aldeia, Lahatuá [na beira da lagoa
Lamakuka]. Quando era pequeno assim, o pessoal
[agrimensores] estava fazendo picada até saída da
lagoa chamada Tavununo. Orlando chegou e mandou
pessoal embora, parou picada. Esse nosso sagrado

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mesmo. Muitos anos, tem história bem claro. Nunca os


Kuikuro deixou. Lagoa grande, tinha muitas aldeias ao
redor da lagoa.
Outra perícia, veio Eugênio [Wenzel, perito de uma
ação judicial que incidia numa área próxima] aqui [no
lugar da atual aldeia] e Tavununo. A gente levou ele
para mostrar onde era o lugar das aldeias. O
fazendeiro disse que tinha casa, curral. Aí eu levei o
perito para ver, na lagoa Tavununo. Eu falei para ele
que só tem casa do meu irmão. Tem casa agora de novo
no Tavununo.
Foi aqui [apontando no mapa] que o pessoal
[agrimensores] fez picada, quando eu era pequeno, no
Tavununo. Aí depois mentiu, disse que tinha curral,
tinha casa, é tudo mentira. Aí Orlando apareceu e
mandou parar [as picadas], parou mesmo.
Naquele tempo [quando foi demarcado o Parque do Xingu]
a gente não sabia como era [a demarcação dos limites].
Se fosse hoje, a gente pegava tudo isso aí [traçou no
mapa um grande círculo, desde o alto rio Sete de
Setembro]. Ninguém acompanhou também [a demarcação].
Aqui [apontou no mapa a região dos altos cursos do
Culuene e Curisevo] tem muito pequi. O pequizal do
Nahukwa. Agora aqui tem pousada [hotel fazenda], nesse
pedaço” (Afukaka Kuikuro, em Ipatse, 18/07/2001).

No mapa a seguir, Bruna Franchetto (1993) condensou os


dados sobre os movimentos históricos dos karib no alto
Xingu, a partir do século XIX.

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Mapa 11- A dinâmica dos povos karib (Franchetto, 1993)

Em particular, devemos notar o forte arrasto


centrípeto a partir da década de 60, resultado da política
de concentração da população alto-xinguana nos arredores do
posto Leonardo, implementada pelos agentes do SPI após a
criação do Parque do Xingu:

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Em 1953-54, Carneiro calculou que a aldeia de kuhikúru


devia ter sido abandonada 40 anos antes, depois de uma
ocupação de 20 ou 30 anos. (...).
Carneiro encontrou os Kuikuro em Lamakuka, local
próximo a Lahatuá, no começo dos anos 50. A mudança
sucessiva não esperou os movimentos tradicionais de
deslocamento e fissão. Em 1961 foi criado o Parque e
os Kuikuro se viram definitivamente presos ao interior
de suas fronteiras, começando, assim, um capítulo
radicalmente novo de sua história. Os limites de 1961
deixaram seu território fora do perímetro do Parque;
os irmãos Villas Boas iniciaram uma política de
atração dos grupos alto-xinguanos para a área de
influência do Posto Leonardo, utilizando mediadores
fiéis e as promessas de assistência de saúde e de
muitos presentes.
O abandono de Lahatuá foi forçado e doloroso; são
sobretudo as mulheres a lembrar aquele momento. O
‘capitão’, o ‘dono de caraíba’ [o intermediário],
apresentou aos Kuikuro o plano da administração do
Parque de levá-los para perto do Posto e os convenceu,
não sem oposição e negociações. Em Lahatuá deixaram os
mortos do sarampo de 54; a aldeia era grande e bonita,
muito peixe, muito pequi e muitos caramujos com os
quais podiam fabricar os preciosos colares Karibe.
Deixaram roças com a mandioca já alta e grandes
quantidades de polvilho que não conseguiram
transportar; no novo local passaram um período de fome
e não encontraram condições favoráveis. Lahatuá
continua sendo considerada o verdadeiro centro do
território Kuikuro; todo ano, famílias inteiras se
transferem para lã em acampamentos temporários para
aproveitar os grandes pequizais e os caramujos.
Os Lahatuá ótomo [os Kuikuro] se deslocaram para
Ahagitahárâ, onde ergueram uma aldeia abandonada em
1973; enfim, uma nova foi estabelecida a cerca de três
quilômetros a sudeste, em Ipáce [Ipatse], local dos
extintos Icúha (Tsuva)” (Franchetto, 1986: 78-79).

Os Kuikuro estão hoje distribuídos em duas aldeias


principais: Kuikuro (ou Ipatse), nas águas do rio Buriti,
com 306 pessoas; e Afukuri, na margem direita do rio
Culuene, abaixo da foz do Tanguro, com 98 pessoas (EPM,
2000).

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
2a. Vara, JF - Mato Grosso/Proc. 1997.36.00.005648-9

i) Os Bakairi

Os Bakairi, de língua karib, se chamam de Kurâ, gente


ou ser humano. O termo Bakairi, contudo, cristalizou-se nos
registros históricos desde o século XVIII. Atualmente os
Bakairi vivem concentrados em duas áreas indígenas, a área
Bakairi, de 61.405 hectares, no município de Nobres, e a
área Santana, de 35.479 hectares, no município de
Paranatinga. Ambas estão plenamente regularizadas,
homologadas e registradas no SPU e nos respectivos
Cartórios de Registro de Imóveis.

Os Bakairi somavam cerca de 950 pessoas em 1999


(Barros, 1999), sendo que 898 nas duas áreas indígenas:

Área Indígena Grupo Local População Município


Santana 165
SANTANA Nova Canaã 40 Nobres
Boa Esperança 24
Quilombo 31
Painkun 50
Kaiahoalo 45
BAKAIRÍ Pakuera 285 Paranatinga
Alto Ramalho 30
Painkun Âtuby 20
Aturua 180
Sawâpa 28 Planalto da Serra
Total 898
Fonte: Taukane, 1999: 47

Nas últimas décadas houve uma substantiva recuperação


dos seus contingentes populacionais: 261 em 1965; 277 em
1968; 386 em 1977; 414 em 1980; 448 em 1983; 572 em 1988; e
651 em 1996 (Barros, 1999).

Até fins do século XIX não havia mais que umas poucas
notícias acerca dos Bakairi, trazidas por bandeirantes,
exploradores e administradores da então província de Mato
Grosso. Com as expedições de Karl von den Steinen ao Xingu,
nos anos de 1884 e 1887, os Bakairi tornaram-se largamente
conhecidos. As suas obras trouxeram observações valiosas
tanto dos Bakairi “orientais” (nos rios Batovi e Curisevo)

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2a. Vara, JF - Mato Grosso/Proc. 1997.36.00.005648-9

quanto dos “ocidentais” (nos rios Arinos e Paranatinga).


Max Schmidt realizou seus estudos em 1901 e 1927, e relatou
as migrações de xinguanos em direção ao rio Paranatinga.
Outros etnólogos, como Kalervo Oberg (1948; 1953) e
Fernando Altenfelder Silva (1976; 1993), já em meados do
século XX, pesquisaram sua organização social, seus mitos e
os ritos de reclusão. Destacam-se igualmente os trabalhos
de Edir Pina de Barros (1992; 1994b; 2001), enfocando
aspectos de sua cosmologia, economia e história. Esta
autora elaborou, inclusive, um laudo pericial relativo à
área Bakairi, local de destino de boa parte dos Bakairi
xinguanos (Barros, 1994a).

Os Bakairi organizavam-se, tradicionalmente, em vários


grupos locais autônomos, formados por uma parentela
bilateral e dispostos em territórios delimitados por
acidentes naturais (Barros, 1994a). Os rios ou riachos
próximos da aldeia serviam de epônimos para designar essas
“unidades político-territoriais”. Segundo Barros (1999), os
indivíduos e as famílias são identificados como
pertencentes ao local em que vivem, e assim expressam uma
relação entre identidade e territorialidade.

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
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Mapa 12 – Os territórios bakairi (Barros, 1994)

Dizem os Bakairi, em seus mitos, que seu povo se


originou no salto Sawâpa, situado abaixo da confluência do
rio Verde com o Paranatinga (Barros, 1999; Taukane, 1999).
Conflitos internos e agressões de inimigos, com destaque
para os Kayabi, levaram os ancestrais dos Bakairi a migrar,
separando-se em três diferentes direções. Até as primeiras
décadas do século XX subsistiram várias aldeias Bakairi na
região do alto Xingu, nos rios Batovi e Curisevo.
Transcrevo a seguir um histórico sucinto desses
acontecimentos, segundo a reconstrução da antropóloga Edir
Pina de Barros (1999):

“Uma parcela deslocou-se para as cabeceiras do Arinos;


e foi a primeira a ser alcançada por bandeiras, nas
primeiras décadas do século XVIII, sendo a partir de
então engajados, nas atividades mineradoras. Outra
deslocou-se para o alto Paranatinga; e foi envolvida
por colonizadores dedicados à pecuária, agricultura e
atividades a elas subsidiárias, nas primeiras décadas
do século XIX. A terceira, que era a maior parte,
tomou o rumo do alto Xingu, perdendo o contato com as
outras duas. Os Bakairí das duas primeiras parcelas
passaram a ser conhecidos como ‘mansos’ ou
‘independentes’. Posteriormente Karl von den Steinen

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
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viria a denominá-los de ‘ocidentais’, reservando o


qualificativo de ‘orientais’ aos do alto Xingu.
A partir de 1847, os Bakairí do Arinos, também ditos
de Santana, passam a freqüentar, com os do alto
Paranatinga, a Diretoria Geral de Índios, em Cuiabá,
em busca de brindes. Posteriormente, engajaram-se nas
atividades extrativistas da borracha, sobretudo os de
Santana, indo comercializá-la nessa capital. Os
Bakairí de Santana acabaram por trabalhar,
compulsoriamente, na extração da borracha, inclusive
nas suas próprias terras, para os seringalistas que as
ocuparam. Proibidos de falar a sua língua, entre
outras violências contra eles praticadas, parcelas
desses Bakairí migraram para o Paranatinga, nas
décadas de 20 e 60. Mas daí foram expulsos por
funcionários do órgão tutor, que alegavam, tal como os
seringalistas, que eles roubavam gado. A criação do
Posto Indígena Santana, em 1965, não alterou esse
quadro. O S.I.L. [Instituto Lingüístico de Verão,
formado por missionários que traduzem a Bíblia nas
línguas nativas], a partir dessa época, aí se fez
presente, intermitentemente, assim como missionários
jesuítas. Anos depois os próprios Bakairí expulsaram
os invasores de Santana. Somente em 1975 nela foi
implantada uma escola.
Os Bakairí do Paranatinga foram guias, construtores de
canoas e intérpretes nas expedições de Steinen -
realizadas em 1884 e 1887 - e nas outras que as
sucederam. Através delas se restabeleceram as relações
entre os Bakairí Orientais e os Ocidentais (...).
Em 1920 foi criado o Posto Indígena e foi demarcada a
Terra Indígena Bakairí, deixando fora dos seus limites
o grupo de Antoninho, famoso guia de Steinen. Tinha-se
por objetivo atrair para aí todos os indígenas alto-
xinguanos, e conquistar assim terras e mão-de-obra
para a colonização. Mas apenas os Bakairí se
deslocaram definitivamente para o Paranatinga e três
anos depois não se registra mais a sua presença no
alto Xingu. Reduzidos por uma depopulação crítica, os
transferidos se reorganizaram em vários grupos, às
margens do Paranatinga, e foram submetidos ao trabalho
compulsório pelos agentes do órgão tutor. Os demais
indígenas do alto Xingu visitavam o Posto em busca de
‘brindes’”.

Na opinião de von den Steinen, a divisão dos Bakairi


nos ramos ocidental e oriental remontaria ao século XVIII,
e teria sido por meio da expedição de 1884, para a qual os

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de Paranatinga serviram de guias, que voltariam a se


comunicar. O etnólogo conheceu os dois aldeamentos dos
chamados “Bacairis mansos”, o do rio Novo, um afluente do
Arinos, e o do Paranatinga (Steinen, 1942: 124). Dali, os
expedicionários buscaram as cabeceiras do rio Xingu.
Chegaram a um dos seus formadores, batizado de rio Batovi,
e seguiram viagem rio abaixo. Os primeiros indícios da
presença indígena foram avistados a montante da latitude
13º 30’ sul (conforme indicado no Mapa 9 acima), e
consistia de restos de jiraus e de lenha:

“No alto Batovi não encontramos em parte alguma


vestígios da presença provável dos índios em tempos
anteriores. Em 6 de agosto, entretanto, ao abrirmos
caminhos pela espessura da mata, vimos sinais de
alojamento antigo, em lugar solitário da floresta
virgem. Percebia-se, por exemplo, que os que ali
estiveram tinham hábito de fritar peixe. Numa
arvorezinha estava amarrado um laço, onde os peixes
eram certamente dependurados. Havia duas armações de
estacas, próprias para fritar, sendo que uma se
compunha de três pauzinhos iguais armados em forma de
pirâmide, no meio dos quais se achava, horizontalmente
disposta, a grelha de pau, cuidadosamente trabalhada.
As varas e os pauzinhos devem ter sido quebrados à
mão, conforme o demonstravam as extremidades, e em
seguida amarrados com plantas trepadeiras; viam-se 4
locais de acender lume, ali estavam os pedaços de
lenha, voltados para o centro em feitio de raios. Os
galhos dobrados indicavam o caminho que tomaram
através da mata, isto é, para leste. Antônio
[Antoninho Bakairi] esclareceu que índios devem ter
vindo até aqui por terra. Nós todos nos sentíamos
comovidos com esses testemunhos mudos” (Steinen, 1942:
186).

Após percorrer um trecho bastante encachoeirado, a


expedição chegou à primeira aldeia dos Bakairi orientais,
na margem esquerda, a um ou dois quilômetros da beira do
rio, a 13º 14’ de latitude sul. Adiante, visitou mais duas
aldeias bakairi à esquerda, e uma quarta em 12º 32’ sul, na
margem direita, distante três quilômetros, a maior delas
(op. cit.: 188, 200-212).

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Já na expedição de 1887, cujo objetivo seria a


exploração do rio Curisevo, os expedicionários alemães
constataram que o território ocupado pelos Bakairi
estendia-se ao norte da latitude 13 º 34’ sul, ponto onde
existia junto ao rio um rancho feito pelos índios, com o
madeirame cortado com machado de pedra ou quebrado, jiraus
para moquém etc. – no local fixaram o acampamento base da
expedição, que chamaram de Independência (Perrot, 1998:
13). Rio abaixo, von den Steinen conheceu as aldeias
bakairi denominadas Maigeri (a 13º 18’ de latitude sul, a
jusante do salto Taunay), Igueti (a 13º 12’ de latitude
sul) e Kuyaqualieti (a 12º 58’ de latitude sul, a jusante
da foz do ribeirão Kevuaieli), situadas na margem esquerda,
a última a quatro horas de caminhada (Steinen, 1940: 115-
124). Nesta, o etnólogo dirigiu sua atenção para o intenso
comércio que articulava os vários povos da região:

“A casa das flautas era grande e espaçosa; o telhado


estragado, e muita palha, espalhada no chão; tanto
aqui como nas casas de moradia não reinava aquele
asseio, que tanto nos agradara nas outras aldeias.
Diante da casa das flautas via-se um enorme tronco de
árvore apoiado sobre traves transversais. Era uma
árvore-morcego, como diziam os nossos camaradas, e
estava pintada com figuras humanas e espinhas dorsais
de peixe. Com cacetes grossos, semelhantes às mãos de
pilão de farinha, batiam neste tronco gigantesco, por
ocasião das festas. No interior havia belas máscaras e
um novo modelo de traje de dança: duas criolinas
enormes, com 10 metros de roda, cobertas de palha,
comparáveis a pequenos ranchos que o dançarino, koálu,
prendia ao ombro com um anel. Dentro de pouco tempo
tínhamos todos iniciado um intenso comércio. (...)
Pelos objetos deste terceiro grupo de Bakairí notamos,
claramente, que nos achávamos na parte da tribo mais
próxima dos outros índios do Kulisehu; possuíam muitos
objetos importados. Os Bakairí não fabricam potes e
também não têm, em seu território, um lugar do qual
possam tirar as pedras para fazerem os seus machados
de pedra; informaram-nos que os potes eram de
fabricação mehinakú e os machados de pedra,
provenientes dos Trumaí. Entre os potes havia um em
forma de tartaruga, uma verdadeira obra prima de

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escultura primitiva; com a cabeça, a cauda, os pés e o


casco admiravelmente executados. De fabricação auetö,
encontramos uma boneca de barro quebrada; de
procedência mehinakú, novelos de algodão finamente
fiado; de origem trumaí e suyá, lindos gorros de
penas. Da nossa procedência de 1884, descobrimos dois
cinzéis de ferro, partes duma vareta de espingarda,
que tinham sido amoladas em pedras” (Steinen, op.
cit.: 123).

Quando da expedição de Max Schmidt (1942a: 42-56, 270-


272), em 1901, vários bakairi do Batovi estavam já
residindo nas aldeias do Paranatinga. O etnólogo percorreu,
no rio Curisevo, as aldeias Maigeri, na margem esquerda, e
Maimaieti (ou Murica), na margem direita, na qual haviam se
fundido os grupos de Igueti e Kuyaqualieti.

De acordo com Edir Pina de Barros (2001: 309), o


afastamento entre os Bakairi e os demais povos alto-
xinguanos não teria sido prolongado e, principalmente, seus
contatos continuam nos dias de hoje, embora num contexto
diverso e com outra intensidade. Conforme relatam os
próprios Bakairi, os que então estavam no Batovi e no
Curisevo sempre visitavam os do Paranatinga e Arinos. De
fato, o tenente Pyrineus de Sousa (1916: 64), que no ano de
1915 fez o levantamento do rio Paranatinga, a serviço da
Comissão Rondon, assinalou que a aldeia bakairi do capitão
Antoninho, na serra Azul, da qual partia um trilho em
direção aos aldeamentos xinguanos, “está em contínua
comunicação com os Bakahiris bravos do Xingu”. E
acrescentou:

“Os bakahiris xinguanos comerciam em arcos, panelas de


barro, peneiras e cestos com os bakahiris do Telles
Pires, chamados mansos, e somente com eles, porque
receiam ser escravizados pelos civilizados” (Sousa,
1916).

Distante oito quilômetros dessa aldeia estava a de


Karutu, às margens do Telles Pires, onde moravam os

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remanescentes de um grande grupo de imigrantes, dizimados


pela gripe:

“Karutu veio em 1914 do Xingu trazendo 180 xinguanos,


dos quais apenas nove homens, algumas mulheres e
crianças ainda vivem com o velho capitão; os outros
morreram de feitiço (febre e influenza), ou passaram
para as outras aldeias” (Sousa, op. cit.: 65).

Com o posto Simões Lopes, fundado e demarcado em 1920


pelo capitão Ramiro Noronha, ratificava-se a política de
“atração” dos alto-xinguanos para a região do Paranatinga e
Telles Pires, a qual, em termos próprios, os “Bakairi
mansos” já vinham praticando desde as expedições de von den
Steinen.

Quando em 1920 o capitão Noronha retornava do


levantamento do rio Culuene, encostaram num porto bakairi
no rio Curisevo, onde estavam “umas cinqüentas pessoas,
todos em preparativos para subirem para o Paranatinga”. E
adiante, numa cachoeira grande, encontraram já desabitada a
antiga aldeia Maigeri (Noronha, 1952: 53-54).

Com o posto Simões Lopes já em pleno funcionamento,


costumavam seus encarregados presentear os recém-chegados
com ferramentas e bens industrializados, induzindo mais e
mais alto-xinguanos a ali se fixarem. Havia um lado
perverso neste jogo de sedução, que logo vieram a conhecer:
o trabalho forçado nas fazendas e seringais, a mudança
compulsória para as terras a eles reservadas e as doenças
epidêmicas. O empenho dos encarregados do SPI em atrai-los
acelerou a remoção de todos os Bakairi do alto Xingu; ainda
em 1923, os últimos dezoito chegaram ao posto Simões Lopes
(Barros, 2001: 326; Schmidt, 1947a:28).

Entrementes, a atração e o aliciamento não se dirigiam


exclusivamente aos Bakairi, mas visavam todos os alto-
xinguanos. No livro de registro do posto Simões Lopes foram
anotados, entre 1920 e 1928, um total de 342 visitantes –

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indivíduos nahukwa, kalapalo, mehinako, kamayura, waura,


aweti, trumai e yawalapiti ali compareceram nesse período.

A assistência que o posto prometia, entretanto, era


insuficiente e ineficaz. Os Bakairi, constatou V. Petrullo
em 1931, estavam morrendo rapidamente, dizimados por
febres. Isto porque, acreditava ele, as cabeceiras do
Paranatinga eram menos saudáveis que a região de suas
antigas moradias. Max Schmidt (1947a: 30), em 1927,
lastimou que a maior parte dos Bakairi que conhecera nas
aldeias de Maigeri e Maimaieti houvesse sucumbido na região
do rio Paranatinga, devido a uma grande epidemia de gripe
anos antes.

Em 1942, sob pressão dos funcionários do SPI, diversos


grupos locais foram reunidos em um único aldeamento, ao
lado do posto Simões Lopes (atualmente denominado Pakuera).
Entre estes, muitos doentes, com febre palustre e sarampo
(Barros, op. cit.: 332). Os que não se submetiam, eram
ameaçados de deportação para outras terras indígenas.

Na década de 80 deram-se iniciativas para reconquistar


uma parte de suas terras, subtraída da área Bakairi por
ocasião de uma segunda demarcação (Barros, 1999). Nesse
ínterim, os Bakairi decidiram repartir o “aldeamento”
existente e reorganizar os grupos locais, a partir de
parâmetros sociais e políticos próprios.

j) Os Naravute e os Tsuva

Os Naravute (Narovoto e Naruvoto; ou Anagafïtï, em


karib), constituíam um dos povos de língua karib que
habitava o rio Culuene, acima da foz do Sete de Setembro.
Segundo Franchetto (1986: 66), estes denominar-se-iam
Agarahâtâ.

Descendo o rio Culuene em 1920, acompanhado de alguns


bakairi, nahukwa e kalapalo, o capitão Ramiro Noronha

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(1952: 41-42) chegou ao porto de cima dos Naravute,


disposto na margem esquerda, após registrar queimadas em
várias direções. Pouco abaixo, localizaram o segundo porto
e caminharam até a aldeia naravute, a quatro ou cinco
quilômetros de marcha, na direção geral 255º - nas
proximidades, avistaram “grandes mangabais e inúmeros
pequizeiros de tamanhos extraordinários”. A aldeia
naravute, cujo capitão havia falecido recentemente,
dispunha de quatro grandes casas de moradia. Demonstrando
admiração pela arquitetura das casas, o capitão Noronha
anotou:

“O seu aspecto exterior, apesar da rigorosa simetria e


capricho, não deixava adivinhar – o gosto, a arte, o
capricho que inspiraram o arquiteto das selvas! É
simplesmente uma construção, no gênero, de nos fazer
inveja” (id., ibid.: 42).

Apenas no dia seguinte, então, os expedicionários


atingiram a barra do rio chamado Turuine pelos karib, ao
qual, para celebrar a data em que aí chegavam, designaram
de rio Sete de Setembro.

No mapa abaixo o comandante Dyott (1929) situou a


aldeia naravute (“Naruvoto”), não obstante não a ter
visitado, um pouco mais ao norte da aldeia dos Kalapalo,
por onde passou ao cruzar do Curisevo ao Culuene. Esta nova
posição não foi confirmada por Petrullo (1932: 141-142),
que em 1931 assinalou aquela aldeia no mesmo sitio onde
Noronha a conhecera - do acampamento fixado na foz do Sete
de Setembro, foram necessárias algumas horas de caminhada
para lá chegar. Hospitaleiros e bem providos de alimentos,
como deles disse Petrullo (op. cit.: 141), eram os Naravute
do Culuene que, tradicionalmente, defendiam as fronteiras
meridionais da “área do uluri”.

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Mapa 13 – A expedição de Dyott em 1928 (Dyott, 1929)

Em 1948 Pedro Lima considerou que os Naravute deixaram


de existir enquanto unidade autônoma, havendo sido
absorvidos pelos Kalapalo, entre os quais viviam na época
um homem, uma mulher e uma criança remanescentes. Sãos
estes, com certeza, os três ou quatro sobreviventes
identificados pelos sertanistas da Expedição Roncador-Xingu
na aldeia kalapalo, que falavam a mesma língua destes
(Villas Bôas, O. & C., 1976: 33; 1994: 156).

Cabe notar, outrossim, que os Kalapalo atuais


reconhecem nos Naravute um dos segmentos primevos do seu
próprio povo. Isto levou os informantes que consultei na
aldeia Tanguro a arrolarem, em meio às antigas aldeias
kalapalo, uma denominada “Naravute”, situada a montante da
foz do Sete de Setembro – ou seja, a aldeia visitada por
Noronha e Petrullo na primeira metade do século XX.

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Já os Tsuva (Aipatse, Ipatse), um outro povo de língua


karib, viviam na margem esquerda do Culuene, acima da foz
do Curisevo. A expedição de Petrullo (1932: 138-139), em
1931, fez duas visitas à aldeia tsuva, que então possuía
quatro casas e uma população que chegava a quase cem
pessoas.

Essa aldeia situava-se no sítio conhecido por Ipatse,


onde hoje está a principal aldeia kuikuro (Franchetto,
1986: 79). Até 1947, de acordo com Pedro Lima (1955: 163)
os Tsuva e os Aipatse viviam em aldeias independentes,
próximos aos Kuikuro, mas logo desapareceriam enquanto
unidade independente:

“Tivemos oportunidade de trabalhar alguns dias, em


1949, na aldeia tsuva, constituída por uma única casa,
com 16 indivíduos. Dois anos mais tarde, em 1951,
encontramos remanescentes tsuva entre os índios
Kuikuro. Sua aldeia havia sido extinta.”

De acordo com os irmãos Villas Bôas (1976: 34), os


remanescentes Tsuva (ou Aipatse, dizem eles) moraram
durante longo tempo com os Kuikuro, mas depois as duas
últimas famílias foram viver com os Kalapalo e os Nahukwa.

k) Os Kamayura

De língua tupi-guarani, os Kamayura se denominam


Apyap, e ocupam tradicionalmente as terras da margem
esquerda do baixo Culuene, na beira da lagoa Ipavu
(Agostinho, 1974: 9). Sua tradição oral recorda um
movimento migratório num passado remoto que, vindo do
norte, deixou vestígios no curso inferior do rio Suiá-Miçu
(Galvão, 1953: 8) e seguiu para a região do Culuene, na
região onde a segunda expedição alemã encontrou suas
aldeias em fins do século XIX.

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Tendo como ponto de partida a aldeia yawalapiti, von


den Steinen (1940: 148-151) chegou à primeira aldeia
kamayura com pouco mais de três horas de caminhada. A
aldeia compunha-se de quatro casas e da habitual gaiola de
harpia. Meio quilômetro a oeste, mais próximo da lagoa
Ipavu, havia uma segunda aldeia, com sete moradas e uma
casa de flautas em construção. A terceira aldeia possuía
três casas. Na quarta, com apenas uma grande casa acabada
há pouco, tinham intenção os Kamayura de reunir a todos os
que viviam esparsos. No mapa apresentado pela expedição de
1887 (id., ibid.: 259; ver Mapas 6 e 10 acima), observamos
os Kamayura junto à lagoa Ipavu e, em direção ao sul, as
aldeias dos Yawalapiti, dos Aweti e dos Mehinako.

Especialistas na fabricação de arcos de seção


quadrangular, que trocavam com artigos de outros povos, os
Kamayura ocupam uma zona onde o pau d’arco é abundante diz
(Galvão, 1949: 39). De certa maneira, a associação com os
arcos serve-lhes como marca de identidade: nos seus mitos
de origem, cujos eventos se passam na praia de Morená (a
confluência dos rios Culuene, Batovi e Ronuro), local que
consideram por isto como o “centro do mundo”, os Kamayura
lamentam que seus avoengos tenham escolhido o arco preto,
ao invés da espingarda que o demiurgo Mavutsinin lhes
oferecia (Agostinho, 1974: 16; Junqueira, 1978: 87).

Em 1944 Nilo Vellozo (1944: 2), descendo o rio


Curisevo, encontrou alguns kamayura, inclusive o capitão
Maricá, que regressavam de uma visita ao posto do SPI
(“Posto Indígena de Atração Culisevo”), então situado no
rio Batovi. A aldeia kamayura, que alcançou depois de
atravessar um “labirinto de canais” e uma trilha de três a
quatro léguas, segundo ele, estava “à beira de uma baía”,
composta por quatro grandes casas. Vellozo (op. cit.: 11)
descreveu ainda a aliança dos Kamayura com os Trumai, para
a defesa destes, obrigados porém a pescar e a trabalhar na

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mandioca para aqueles. O inspetor João Clímaco de Araújo


(1944), que acompanhava a expedição cinematográfica, contou
então na aldeia kamayura 39 homens, 34 mulheres, 11
meninas, 24 meninos, num total de 108 pessoas.

No ano seguinte, a segunda expedição cinematográfica


esteve na barra do Curisevo com quarenta e cinco kamayura,
que lhe noticiaram os conflitos recentes com os Suya:

“Soube então que sua esplêndida aldeia, visitada a um


ano pela nossa Equipe, fora assaltada pelos índios
Suiá e incendiada. Morreram na luta 3 Camaiurá. Por
sua vez os Camaiurá viajaram 5 dias e 4 noites e
vingaram-se atacando os seus agressores. Deixaram os
Camaiurá o antigo local de sua aldeia e construíram
outra ao lado da roça existente e quase à margem do
lado esquerdo, do Rio Culuene, a meio dia de viagem da
barra do Rio Curizevo. Segundo Maricá, capitão
daqueles índios, os facões, machados, serrotes,
distribuídos pela Equipe em 1944, muito ajudaram em
seus trabalhos, na nova aldeia” (Vellozo, 1945).

O etnólogo Pedro Lima (1949: 24), em fins da década de


40, constatou a presença na aldeia kamayura, em decorrência
das várias reações beligerantes, de indivíduos oriundos de
povos diversos (cinco mulheres suya e dois homens juruna,
estes roubados quando crianças, um deles com o lóbulo da
orelha deformado, pois fora antes prisioneiro dos Suya).

Da expedição aos Suya em meados dos anos 40, segundo


Galvão (1949: 45-46), participaram guerreiros waura,
mehinako, trumai e kamayura, formando uma flotilha de mais
de vinte canoas, que atacaram de surpresa e incendiaram a
aldeia inimiga. Há que se notar, todavia, que as relações
entre os Suya e os Kamayura nem sempre foram hostis - o
etnólogo Hermann Meyer (1897 apud Samain, 1991: 44), por
exemplo, flagrou em 1886 uma visita dos Suya à aldeia
kamayura, para disputar um torneio jawari de arremesso de
flechas.

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Em 1948 a aldeia kamayura estava situada à margem


esquerda do Culuene e possuía cinco casas e uma população
de 110 pessoas (Galvão 1949: 32-33):

“Essa aldeia é de construção recente, tendo os


Kamaiurá habitado anteriormente as margens de uma
grande lagoa, distante meio dia de viagem por terra,
da atual situação. A essa Lagoa, chamam de Ipavú.
Fortes epidemias de gripe, que causaram muitas mortes,
parecem ter sido a causa de seu abandono. Os kamaiurá
não estão satisfeitos com a atual localização,
pretendendo voltar para Ipavú, para onde viajam com
freqüência em busca de pequi e urucum, e onde vão
enterrar os mortos”.

Na mesma época, a aldeia kamayura do igarapé Tuatuari


recebeu a visita do jornalista e cineasta Manoel Ferreira
Rodrigues (1951: 125-126):

“Nesta aldeia, por eles denominada Tutuari, onde fazem


grandes plantações de mandioca, passam a época da
seca, que se prolonga de abril a outubro. Vinte e
quatro quilômetros além, junto a um grande lago,
levantaram a aldeia do Ipavu, onde vivem durante a
estação chuvosa, e onde há uma extensa área de pés de
pequi, cujos frutos amadurecem em dezembro e
constituem para eles uma alimentação importante.”

Com efeito, no início da década de 50 os Kamayura já


haviam regressado com sua aldeia para os arredores da lagoa
Ipavu (Lima, 1955: 164). Segundo Pedro Agostinho (1988:
679, 688), que registrou a construção em 1969 de uma nova
aldeia a trezentos e poucos metros mais ao norte da
anterior, as mudanças da aldeia kamayura mantiveram-se,
desde o século XIX, dentro de uma mesma área restrita. Em
1971 Carmen Junqueira (1978: 13) ali assinalou sete casas,
nas quais viviam 131 pessoas. E Rafael Bastos (1978: 31-
32), em 1976, contabilizou 152 pessoas vivendo na margem
sul da famosa lagoa.

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Mapa 14 – Os sítios kamayura (Samain, 1991)

De acordo com as pesquisas arqueológicas promovidas na


região, verificou-se que, além da margem meridional da
lagoa, os sítios de habitação distribuíam-se também pelas
margens oriental e ocidental (Agostinho, 1974: 9). De fato,
ainda hoje os Kamayura recordam-se de oito sítios onde
residiram seus antepassados – conforme o mapa acima:

“Originando-se de Wawitsa (I), um lugar que não


somente se encontra ao extremo norte, precisamente
onde desembocam os principais formadores do rio Xingu
para constituí-lo, mas que também se situa ao lado de

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Murena, palco central das ações míticas e ‘centro do


mundo’ para os Kamayurá, é bem possível que esta única
referência seja-lhes ainda hoje suficiente para se
definirem conjuntamente no espaço e no tempo,
histórico e mítico.
Não é de se supor que a ocupação sucessiva dos sítios
II e III remeta a tempos longínquos. Deveria coincidir
mais ou menos à época em que von den Steinen encontrou
os Kamayurá, numa fase final de migração (fala de 4
sítios), procurando se reunirem numa única aldeia às
margens do Ipawu. Quais foram as razões desta mudança?
Não é excluído que os Kamayurá tenham procurado novas
roças; mas, além das sérias reservas, que R. Carneiro
(...) opõe à explicação das migrações indígenas a
partir do esgotamento do solo, não se vê por que os
Kamayurá teriam atravessado o Kuluene e tomado um rumo
tão para o sul. Parece mais provável que foram as
pressões vindas do norte - dos Suyá e Jurúna em
particular - que os determinaram, pois, apesar da
‘amizade ambígua’ que os Kamayurá mantinham com os
primeiros, ainda na época de Meyer, não podiam ignorar
o destino fatal ao encontro do qual dirigiam-se os
Trumai (também os seus aliados de circunstâncias).
Aliás, uma aldeia Trumai, já abandonada em 1887 (...),
encontrava-se exatamente no local da atual base aérea
de Jacaré. cuja importância para os Kamayurá logo será
evidenciada.
É fora de dúvida, em todo caso, que a passagem do
sítio III para o IV foi motivada pelas sucessivas
incursões dos Suyá no território ocupado pelos
Kamayurá e que a sua retirada, mais para o sul ainda
(sítios V, VI, VII), ao redor do atual Posto Leonardo,
deva-se explicar a partir da mesma razão. Conserva-se
viva, ainda hoje, entre os Kamayurá, a lembrança dos
ataques dos Suyá e depois dos Jurúna (em torno das
décadas de 30 e 40), conduzidos, na sua procura de
mulheres, por Marika, um Kamayurá que em 1977, com
quase oitenta anos de idade, era ainda temido.
Em junho de 1948, K. Oberg (...) e, em 1950, Galvão
(...) encontravam os Kamayurá, instalados junto ao rio
Tiatiari [Tuatuari] (sítio VII), lembrando-se daquela
aldeia de Ipawu, de seus pomares de pequis e de
mangabeiras, que freqüentavam, tanto quanto a recente
base de Jacaré. Em 1952 deviam se aproximar e
construir uma nova aldeia a menos de dois quilômetros
de Ipawu (sítio VIII). Foi lá que P. Agostinho (...)
topou-os em 1965 e 1966, antes de se fixarem no
decorrer dos três anos que se seguiram, no sítio IX
que ocupam hoje, a uns trezentos metros de ‘bela
lagoa’. Se os Kamayurá apontam como motivo deste

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retorno a abundância dos mosquitos que, de fato,


infestam periodicamente os arredores do Tiatiari, há
de se supor que, além dos estigmas deixados por uma
tradição sempre viva, essa progressiva volta às
origens explique-se tanto em função do clima de
relativa paz externa que se alastrava entre as tribos
xinguanas, desde a vinda da Expedição Roncador-Xingu,
quanto em função dos novos interesses político-
econômicos que essa expedição fazia surgir,
particularmente a partir de seu campo de base, Jacaré,
centro potencial de uma hegemonia intertribal, que
nunca parece ter escapado à atenção dos Kamayurá”
(Samain, 1991: 48-50).

No mapa do Anexo 1, cujos dados foram consolidados


pelo Instituto Socioambiental para o ano 2000, constatamos
que a aldeia kamayura permanece na margem sul da lagoa
Ipavu. Sua população alcançou a cifra de 234 pessoas (EPM,
2000).

l) Os Aweti

Falantes de uma língua tupi, os Aweti foram


investigados por von den Steinen em sua segunda expedição -
sua aldeia, cujo porto estava abaixo dos portos mehinako
(ver Mapas 6 e 10 acima), distava uma hora e meia da margem
esquerda do Curisevo, através de um caminho ornado de
mangabeiras (Steinen, 1940: 139).

O alferes Luiz Perrot (1998: 21-22) anotou em seu


relatório que a aldeia estava composta de dezessete casas,
com mais de 200 pessoas; e que o porto estava a 12º 25’ de
latitude sul. Além do porto no Curisevo, havia também o do
rio Tuatuari, a partir do qual se podiam transladar,
através de canais, lagunas e pequenos trajetos terrestres,
às aldeias mehinako, waura, kamayura, yawalapiti e trumai.
Havia também uma grande roça, a pouco mais de uma hora de
canoa:

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“Os Aweti possuíam aí uma plantação, em que


trabalhavam, permanecendo vários dias seguidos na zona
cultivada. Observamos mais ou menos uma dúzia de
ranchos de abrigo, vários lugares em que tinham feito
fogo, e muitos potes grandes e pequenos” (Steinen, op.
cit.: 144).

O etnólogo Paul Ehrenreich, que acompanhava a


expedição alemã, demonstrou genuína simpatia pelos Aweti:

“talvez devido às qualidades pessoais do seu cacique,


que, na verdade, era um velho excelente e respeitável.
As suas aldeias eram constantemente freqüentadas por
índios de todas as outras tribos e serviam, pode-se
dizer, de estações postais; pois ali chegavam notícias
e recados de todos os lados para serem transmitidos em
direções opostas” (Ehrenreich, 1929: 255).

Max Schmidt (1942a: 63), em 1901, também encontrou a


aldeia dos Aweti à margem direita do rio Tuatuari, nas
mesmas imediações do seu sítio atual. Pedro Lima (1955:
164), que ali os visitou em 1947, registrou que a aldeia
então abrigava 27 indivíduos.

Por sua vez, em 1969 as lingüistas Charlotte Emerich e


Ruth Monserrat (1972), do Museu Nacional, que estudaram a
fonologia da língua aweti, computaram cerca de 40 pessoas
na aldeia, quase a metade composta de estrangeiros
incorporados por vínculos matrimoniais ou seus descendentes
diretos. Da dissertação de mestrado do antropólogo George
Zarur, resultado de suas pesquisas entre os Aweti em 1971 e
1972, extraímos os seguintes comentários sobre sua aldeia e
localização:

“Os Aweti formam um pequeno grupo, localizado nas


nascentes do ribeirão Tuwatuwari. 0 acesso à aldeia é
extremamente difícil e já Von den Steinen, visitando a
aldeia, então situada a poucos metros da atual, notava
o meandro de pequenos canais cursados até ela. Chega-
se à aldeia após 11 horas de canoa, a partir do Posto
Leonardo Villas Boas, subindo o ribeirão, que se
subdivide em dezenas de canais. Somente com o
conhecimento que têm os xinguanos de seu território, o

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caminho pode ser seguido. Por vezes os canais têm a


profundidade de um palmo, sendo então os remos
substituídos por varas, com as quais são impulsionadas
as canoas. Na época da seca o percurso é
intransitável, restando as alternativas de 35
quilômetros a pé, ou dois dias de canoa através do
Culuene e do Curisevu, encerrados por 6 quilômetros a
pé do Curisevu à aldeia.
As nascentes do Tuwatuwari, às margens das quais fica
a aldeia, consistem em uma série de remansos, poços e
lentos cursos d’água de um buritizal, um pântano. A
aldeia fica em uma faixa de terra alta, de cerca de 6
quilômetros, que separa o buritizal do Curisevu. Esta
faixa é tomada pela floresta ciliar característica da
região. A água do Tuwatuwari, da qual a aldeia se
serve, fica a 1500 metros das casas. A aldeia há muito
tempo se situa ao longo da trilha que une as águas do
Tuwatuwari às do Curisevu. Nela contei 6 sítios de
antigas aldeias Aweti.
Quando chegamos à aldeia, tinha ela cinco casas e uma
população de 44 pessoas. Duas dessas casas eram
habitadas, apenas, pela família nuclear de seus
proprietários. As demais, eram ocupadas, seguindo o
padrão tradicional xinguano, por unidades mais amplas
de parentesco - o dono da casa, sua família nuclear e
afins. Uma das casas foi queimada enquanto estávamos
na aldeia e uma nova foi construída. Essas duas casas,
a antiga e a nova, seguindo o padrão neo-brasileiro,
com teto em duas águas. No centro da aldeia (...)
encontra-se a ‘casa das flautas’, casa dos homens. Não
tem a aldeia Aweti o grande gavião preso em sua enorme
gaiola, encontrado nas aldeias maiores. A aldeia
Aweti, tanto em população, como em número de casas, é
das menores do Xingu” (Zarur, 1975: 7-8).

Uma gradativa recuperação demográfica tem sido


registrada nos últimos anos, que elevaram a população da
aldeia aweti para 108 indivíduos (EPM, 2000).

m) Os Trumai

Os Trumai, cuja língua é considerada alófila, teriam


sido um dos últimos povos a ingressar na “área do uluri”,
vindos de sudeste em meados do século XIX (Murphy & Quain,
1955: 8; Simões, 1963: 84). Posicionando-se desde logo na

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zona intermediária entre os povos dos formadores do Xingu e


os Suya e Juruna, que residiam rio abaixo, e ainda pouco
integrados aos primeiros, os Trumai foram alvo de pilhagens
e raptos de uns e de outros e se envolveram numa incontável
sucessão de desavenças e agressões mútuas. Dentre os traços
que os distinguem dos demais, utilizam em sua pauta
alimentar quase todas as espécies de caça (Villas Bôas, O.
& C., 1976: 29).

A primeira expedição de von den Steinen (1942: 226-


233), que acampou na baía de Morená, protagonizou um
encontro desastroso com uma turma de quarenta e três trumai
que ali vieram: um tiro acidental os fez debandar, mas
ainda assim foram perseguidos pelos soldados, no intuito de
recuperar chapéus e outros objetos que levaram; com os
disparos, os Trumai jogaram-se no rio, abandonando na fuga
canoas, armas e ornamentos. Soube-se depois que um deles
fora baleado e morreu (Steinen, 1940: 150; Paula Castro,
1905: 45; Ehrenreich, 1929: 270).

No mapa do trajeto dessa expedição, a aldeia trumai


aparece no baixo Culuene (embora ali indicado como “rio
Culiseu”; ver Mapa 9 acima). Quando da segunda expedição,
em 1887, Paul Ehrenreich (1929: 270) e von den Steinen
surpreenderam os Trumai buscando refúgio na aldeia dos
Aweti, após os Suya os terem atacado e incendiado suas
aldeias:

“Achavam-se fugindo dos seus vencedores, os Suyás, em


pleno mato com todos os seus bem móveis, entre outros,
não faltando nem aqueles grandes e pesados varões de
barro, nem as máscaras nem os instrumentos de música.
Todas as suas mulheres, mais ou menos moças, tinham-
lhes sido arrebatadas pelos Suyás, restando-lhes como
representantes do belo sexo apenas um pequeno grupo de
velhas” (Ehrenreich, 1929: 270).

O dr. Vogel e o tenente Perrot, membros da mesma


expedição, tiveram o ensejo de vistoriar as ruínas das

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aldeias incendiadas, situadas na margem direita do rio


Culuene, pouco abaixo da embocadura do Curisevo:

“Desejosos de ver os destroços das aldeias incendiadas


pelos Suyás, atravessamos o rio (...). Com efeito, os
Suyás, quebraram e queimaram ali tudo quanto
encontraram. Contamos pelas armações, que em parte
ainda estavam de pé, 8 casas na aldeia situadas quase
junto do rio, e na outra, cerca de 2 quilômetros
distante da primeira, 5 casas. Pelo cheiro de madeira
e palha queimadas que ainda muito se sentia,
calculamos datar o incêndio de 15 a 20 dias. Em toda
parte se observava a mão destruidora do Suyá, que em
sua fúria não dispensaram as panelas e tachos de todo
tamanho, do que davam testemunho os inúmeros cacos
espalhados pela superfície. Doze Trumahys foram
vítimas do audacioso ataque daqueles bárbaros, que
para cúmulo do escárnio, os enterraram em profundas
covas redondas, na frente da aldeia. Agradável
impressão nos causou a boa conservação das grandes
roças de mandioca e algodão que escaparam da
destruição” (Perrot, 1998: 24).

Em 1896 o etnólogo Hermann Meyer novamente mencionou


suas aldeias no Culuene, mas três anos depois achavam-se os
Trumai de volta ao rio Curisevo (apud Galvão & Simões,
1966: 43). Este quadro levou-o a conjecturar uma iminente
fusão dos Trumai com os Kamayura:

“Meio aniquilados já pelas guerras constantes com os


Suyas e privados de todos os meios de existência, os
Trumais se prendem cada vez mais aos vizinhos
Kamayuras e por eles serão com certeza absorvidos”
(Meyer, 1899: 312).

Não obstante, o etnólogo Max Schmidt (1942a: 61, 70-


72), na viagem pelo Curisevo em 1901, observaria que os
Trumai haviam se mudado para um sítio ao sul da aldeia dos
Mehinako, onde residiram sob a proteção destes. Em 1924 o
capitão Vasconcelos (1945: 64, 77), ao retornar pelo rio
Curisevo, notificaria um “grupinho” dos Trumai nas
imediações da aldeia nahukwa. Suas desavenças opunham-nos
então aos antigos aliados, pois, como disseram ao militar,

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eram “remanescentes do extermínio que lhes moveram os


Camaiurá, que os forçaram a emigrar do baixo Culuene, onde
moravam outrora”.

Em 1931, Vicent Petrullo (1932: 136, 145 ) também os


achou no médio Curisevo, entre os portos dos Nahukwa e dos
Mehinako. Todavia, quando em 1938 Buell Quain, o primeiro
antropólogo a pesquisar intensivamente uma sociedade alto-
xinguana, esteve por quatro meses entre os Trumai, estes
ocupavam outra vez a zona de suas antigas aldeias Anaria e
Waniwani, na margem direita do Culuene.

Conforme as notas de Quain (Murphy & Quain, 1955: 9),


cada uma dessas aldeias possuía uma denominação e
notabilizava-se pelos eventos que ali ocorreram.
Mencionavam, entre outras, as aldeias Morená, Waniwani,
Karajajan, Iakare, Jawpew, Wahdat. No tempo das expedições
de von den Steinen, os Trumai habitavam em Jawpew; e
Karajajan, próximo à aldeia kamayura, donde saíram devido
aos “feitiços” que lhes dirigiam os vizinhos, teria sido
sua última localização antes do regresso ao sítio da antiga
Anaria.

“As pessoas eram freqüentemente referidas pelos outros


Trumai de acordo com a aldeia onde eles nasceram
(...). Da mesma maneira, os locais das roças eram mais
comumente nomeados de acordo com a aldeia abandonada.
As antigas aldeias eram vistas com reverência como as
moradias dos ancestrais dos Trumai. Eram considerados
locais de interesse, e Quain [o antropólogo] era
repetidamente estimulado a visitá-los. Os pesqueiros e
as fruteiras ainda produtivas das antigas aldeias eram
considerados de domínio dos Trumai, e estes direitos
eram aparentemente respeitados pelos demais. Quando
mudavam em busca de novas terras, usualmente a nova
aldeia tomava um dos nomes dos velhos locais” (Murphy
& Quain, 1955: 9-10).

A população trumai contava, em 1938, com apenas 43


indivíduos; em 1948, estava resumida a 25 (id., ibid.: 10).
É provável que, pouco antes, os Suya tenham novamente

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atacado a aldeia dos Trumai, quando morreu o capitão Jalevi


(Galvão, 1996: 322).

A Expedição Roncador-Xingu inaugurou em 1947 seu posto


em Jacaré (ou Iakare, local de uma antiga aldeia trumai
denominada “Alacta”, onde havia grandes plantações de
mangaba e pequi; Sick, 1997: 60; Galvão, 1953). Os Trumai
agora revezavam-se entre três aldeias, Anaria, Waniwani e
Karajajan (ver Mapa 15, abaixo). Dos diários dos irmãos
Vilas Bôas, extraímos o seguinte relato:

“Os camaiurás chegados ontem insistem que pouco acima


da confluência, no local que denominam Iacaré, há uma
chapada com água, buriti perto, enfim, um bom lugar.
Resolvemos verificar (...).
Os trumaís regressaram à aldeia.
26 de março de 1947. Quarta-feira. Saímos com tempo
nublado: nós (Leonardo, Cláudio, Orlando), Perpétuo,
Eduardo e o índio Maricá. (...)
Chegamos ao lugar indicado depois de três horas de
viagem. No Iacaré existiu uma antiga aldeia trumaí.
Encontramos inúmeros pés de pequi e um extenso
mangabal.
Iniciamos imediatamente três longas picadas e
concluímos que o local dá para a abertura de um campo
mais rápido e maior do que lá onde estamos. O terreno
do Iacaré é mais firme, a água, embora não das
melhores, é muito superior às da enchente do rio.
No Iacaré a vegetação é baixa, sendo quase toda a área
coberta por cerrado fino e mangabeiras. (...).
27 de março de 1947. (...).
Reiniciamos viagem; havíamos navegado (...) apenas
duas horas. Às três da tarde fomos sobrevoados pelo
TGP - Vilella e Olavo. Percebendo que pretendiam jogar
uma mensagem, encostamos as embarcações numa pequena
barreira da margem esquerda. Logo em seguida, numa
garrafa, veio um bilhete dizendo que se entrássemos
pela boca de um lago, pouco abaixo de onde estávamos,
e por ele subíssemos umas três léguas, daríamos em uma
aldeia habitada onde havia terreno bom para campo.
Diante de tal informação, embora já soubéssemos
tratar-se de uma aldeia trumaí, resolvemos pernoitar
na barreira onde estávamos encostados. Deixamos os
homens preparando o acampamento e saímos imediatamente
para o lugar indicado. Fomos em sete: nós três
(Leonardo, Orlando e Cláudio), Elias, Zacarias,

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Eduardo e Maricá. Felizmente as três léguas ficaram


reduzidas a uma. Meia de motor e estávamos na aldeia.
Fomos recebidos por Aluari - capitão trumaí.
Há na aldeia três casas, sendo que duas, no momento,
estão desabitadas. Ao chegar tem-se a impressão de uma
aldeia abandonada. O mato alcança a porta das malocas.
Além de Aluari lá estavam mais cinco homens, duas
mulheres e três crianças.
Saímos para verificar o terreno. Ficamos
entusiasmados. Dá para abrir um campo, mas por
informação dos índios, no ‘verão’, secando a parte
final da lagoa, fica a água muito distante. É a época
em que os índios se retiram para outra aldeia Vanivani
ou ainda outra, Krem-nhem-nhem [Karajajan]. A esta
eles denominam Nariá. Permanecemos na aldeia pouco
mais de uma hora e regressamos para pernoitar na
barreira” (Villas Bôas, O. & C., 1994: 217-218).

O jornalista Manoel Rodrigues Ferreira (1951: 86-90,


98-100), em julho de 1948, descreveu esta mesma aldeia: lá
estavam apenas vinte e cinco pessoas; a gripe acabara de
vitimar uma mulher idosa. Do posto Jacaré descia-se o
Culuene de batelão por cerca de hora e meia, daí entrava-se
no igarapé Anaria, da margem direita, e tomava-se uma
trilha. Os Trumai estavam num acampamento, próximo à roça
de mandioca. Planejavam se deslocar para a aldeia Waniwani,
depois de aprontar a farinha e o polvilho. O jornalista
comentou ainda que, naquela estação, eles apanhavam ovos de
tracajá nas praias do Culuene.

Do mesmo autor, temos também uma nota acerca da aldeia


“Araim” (Awara’i), situada pouco abaixo do Morená,
justamente o sítio onde hoje os Trumai mantêm uma de suas
aldeias, chamada Boa Esperança:

“Dizem eles que, há anos, ali havia uma aldeia de


índios Trumai, que foi atacada pelos Suiá, que os
expulsaram.
Os Trumai subiram o Coluene, onde foram construir nova
aldeia, e os Suiá, no Araim fizeram a sua, que
abandonaram posteriormente. Hoje, de ambas as aldeias
só restam alguns paus ficados no chão e envolvidos

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pelo mato que nasceu em redor” (Rodrigues, op. cit.:


99).

Mapa 15 – As aldeias trumai (Monod-Becquelin, 1981)

O posto Jacaré da Expedição, obviamente, tornou-se um


polo de atração para os Trumai e os demais povos dessa
área. Assim, Eduardo Galvão (1996: 263), em 1950, contou
ali vinte e nove trumai, chefiados por Aluari e Lituari,
residindo nas casas construídas pelos Kamayura. Em 1958
Egon Schaden (1969: 62) os encontrou novamente junto da
lagoa Karajajan. Por volta de 1964, todavia, ameaçados
pelos Kamayura, os Trumai mudaram-se para Diauarum, onde o

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
2a. Vara, JF - Mato Grosso/Proc. 1997.36.00.005648-9

SPI instalara um de seus postos, e ali buscaram uma aliança


com os antigos inimigos Suya:

“Os Trumai estão numa situação difícil. Lituari fez


roça, mas, os porcos acabaram com ela. Dependem agora
do Posto e das roças kaiabi. Tenho assistido a
freqüentes pedidos dos Trumai aos Kaiabi. Lituari, o
velho capitão, parece muito desanimado. Mudaram-se
para cá, em definitivo, há cerca de um ano,
pressionados pelos kamayurá, que os ameaçavam
constantemente e os acusavam de feitiçaria. Por várias
vezes, Lituari teve que se refugiar no Posto. Contudo,
vez por outra, vai até as aldeias de cima, por ser
reconhecido como dos melhores cantadores. (...) Dois
Trumai estão casados com mulheres Suiá, e, algumas
vezes, o grupo vai acampar nessa aldeia” (Galvão, op.
cit.: 329).

Em 1965 os Trumai somavam 40 pessoas, segundo o


levantamento de Galvão. Em 1967, uma nova mudança: diante
da eminência de conflitos com os Kayabi e os Juruna, foram
aconselhados pelo encarregado do posto, Cláudio Villas
Bôas, a se aproximar dos Suya, e ficaram algum tempo no rio
Suiá-Miçu (id., ibid.: 279, 290, 331).

Pouco depois, os Trumai se transferiram para as


imediações do posto Leonardo, às margens do ribeirão
Tuatuari, onde estiveram de 1968 a 1973. Em 1980 voltaram a
se fixar numa aldeia autônoma, chamada Makalawia, na margem
esquerda do Xingu, pouco acima do atual posto Pavuru
(Monod-Becquelin, 1981). Desta, então, foram para a aldeia
Adat’tã (ou Terra Preta), um pouco mais acima, na margem
esquerda. Em fins dos anos 80 separaram-se os grupos que
fundaram a aldeia Boa Esperança, no local chamado Awara’i,
e a aldeia Steinen, no rio de mesmo nome, perto do limite
oeste do Parque do Xingu (Monod-Becquelin & Guirardello,
2001: 410).

A população trumai das aldeias Boa Esperança, Terra


Preta e Steinen soma 69 pessoas, segundo o censo da Escola
Paulista de Medicina (EPM, 2000). Contudo, há muitos

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
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indivíduos dispersos em postos e aldeias, o que talvez


eleve esse total a 150 pessoas (Monod-Becquelin &
Guirardello, op. cit.: 438).

As lingüistas Aurore Monod-Beqcquelin e Raquel


Guirardello (op. cit.: 406-408), que há muitos anos
realizam pesquisas entre os Trumai, recolheram relatos da
saga de sua chegada à região do alto Xingu. Dizem os Trumai
que, quando alcançaram o rio Culuene, fugindo dos “caraíba”
(brancos, civilizados), avistaram os Kuikuro e estes lhes
ofereceram beiju e mingau. Foram então morar num local que
ficou conhecido por Karajajan (acima da ex-base do Jacaré,
segundo informaram os Trumai a este perito). Mudaram-se daí
para Anaria, depois Morená e Awara’i. Retornaram para
Anaria e, simultaneamente, mantiveram as aldeias Urukutu e
Waniwani. Juntaram-se depois numa mesma aldeia. Segundo os
Trumai, ali encetaram o processo de sua adaptação ao modus
vivendi xinguano (corte de cabelo, rede de dormir,
pinturas, festas etc.) e vieram a participar da rede de
trocas que articulava os alto-xinguanos, na condição de
fornecedores de machados de pedra.

A memória oral dos Trumai atuais, com respeito aos


antigos sítios que seus ancestrais ocupavam, assemelha-se
bastante aos registros de Quain (Murphy & Quain, 1955),
Villas Bôas (1976), Galvão (1996) e outros. Com efeito, as
aldeias acima citadas, na região entre o posto Diauarum e o
baixo Culuene, foram também relacionadas nos depoimentos
para a presente perícia. Delimitando o território
tradicional, os informantes trumai nomearam, do posto
Diauarum em direção ao sul, as seguintes aldeias (ver Mapa
15 acima, para a localização de algumas):

- Karaihu, onde está a aldeia dos Kayabi que se chama


Tuyarare;

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- Yawarawiti, onde está a aldeia Ilha Grande dos


Kayabi;

- Inawaty, onde está a aldeia Barranco Alto, dos


Kayabi;

- Mukurukitsa, mais acima;

- Wawi, onde está o posto Pavuru e a aldeia dos


Ikpeng, no córrego Uavi;

- Makalawia, mais acima, na margem esquerda do Xingu,


num ponto de coordenadas S 11º 47’ 33,5” e W 53º 35’ 44,2”
(ponto P-16, no mapa com o roteiro desta perícia, Anexo 4);

- Adat’tã, onde está a aldeia Terra Preta (uma


tradução incorreta para a palavra em trumai, que significa
“jenipapo”, uma fruteira abundante no local);

- Awara’i, o local da atual aldeia Boa Esperança;

- Aruparahu, um lago próximo a Boa Esperança, onde


morou uma velha que morreu há poucos anos;

- Waniwani, já na margem direita do Culuene, pouco


acima de sua confluência, num grande lago longe da beira do
rio;

- Atihytihyku, mais acima;

- Anaria, no córrego de mesmo nome, afluente da margem


direita do Culuene;

- Iakare, onde está a ex-base Jacaré, da FAB;

- Karajajan (ou Kragnagna), ainda na margem direita do


Culuene; e,

- Otawana, já no curso médio do rio Curisevo


(provavelmente a aldeia ao sul dos Mehinako, assinalada por
várias fontes históricas).

Esta sucessão de sítios que, numa época ou outra,


foram ocupados pelos Trumai desde fins do século XIX,

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confere uma identidade e uma dimensão precisa ao território


tradicional, que se estendia desde o baixo Culuene até a
foz do Suiá-Miçu, sobrepondo-se ali parcialmente ao
território karib, aruak e tupi, e aqui ao suya. Na
atualidade, o território trumai abriga também três aldeias
dos Kayabi (Tuyarare, Ilha Grande e Barranco Alto), a
aldeia e o posto dos Ikpeng (Moygu e posto Pavuru) e uma
aldeia dos Kamayura (Morená).

3. Os povos periféricos

Os povos aqui classificados como periféricos


constituem, na verdade, uma coleção heterogênea que, de uma
maneira ou outra, mantém laços históricos com os povos da
“área do uluri”, seja por meio de frágeis mecanismos de
reciprocidade e aliança ou de condutas belicosas, como
raptos, roubos, feitiços e homicídios.

Com efeito, as aldeias alto-xinguanas sempre


congregaram um certo número de indivíduos oriundos de povos
distintos, que ali chegaram por motivos variados, seja
porque foram raptados quando criança, ou devido a
intercasamentos ou porque acompanhavam seus parentes e
amigos. O capitão Vasconcelos (1945: 72), por exemplo,
admirou-se que dentre uma turma de pescadores waura, que
avistou no rio Curisevo, houvesse um deles com um batoque
labial característico dos Suya. Sabe-se também, num outro
exemplo, das visitas assíduas Juruna aos Kamayura e aos
Trumai no início do século XX, nas quais se davam trocas de
mulheres e de artefatos; e que tais laços se transmudaram
depois em guerras crônicas (Villas Bôas, O. C., 1970).

De modo que, para os fins que aqui nos interessam, há


que se compreender tais interações múltiplas entre os povos
dos formadores do Xingu e aqueles de suas adjacências, nos
seus mais variados planos - ritual, econômico, político -,

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como eventos que manifestam e alicerçam uma determinada


espacialidade territorial ampliada. Nas descrições a
seguir, detalharemos alguns aspectos que marcaram as
conjunções entre os povos da “área do uluri” e os
periféricos Suya, Juruna, Txukahamãe, Ikpeng, Arawine,
Yaruma e Manitsaua.

a) Os Suya

Do ramo norte da família jê, que inclui os Kayapo,


Apinajé e outros Timbira, a língua suya era falada por dois
grupos - os Tapayuna (ou Beiços-de-Pau), entre os rios
Arinos e o Sangue, afluentes do rio Juruena (ver adiante),
e os Suya (também nomeados Me-kin-seji e Crincatire), que
há mais de dois séculos haviam se apartado dos primeiros e
migrado rumo à bacia do Xingu. Em 1970 os Tapayuna, após
uma severa redução populacional, foram levados a viver com
os Suya na aldeia destes, no Parque do Xingu (Seeger, 1981:
49).

Ambos recordam um passado lendário similar, de


migrações que cruzaram o rio Xingu na direção oeste, até a
bacia do Tapajós, onde provavelmente se separaram. Segundo
Lévi-Strauss (1948: 323) os Suya teriam retornado para
leste “durante o primeiro quartel do século XIX dos rios
Arinos e Verde para o alto rio Xingu”.

A cronologia das migrações suya na bacia do Xingu,


onde penetraram pelo rio Ronuro, foi já discutida por
vários autores (cf. Lanna, 1967; Frikel, 1972; Seeger,
1981, 1995; Lea, 1997a; Ferreira, 1992, 1994, 1998). O
confronto dessas versões denota uma cronologia coerente e
consistente em linhas gerais, que se fundamenta numa
seqüência de eventos históricos e marcos espaciais
socialmente significativos, tais como as guerras, as
migrações e os locais onde ergueram suas aldeias. No longo

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depoimento que obtivemos para fins desta perícia, o cacique


Kuyusi Suya enumerou os sítios das antigas aldeias, que
coincidem amplamente com os já arrolados em outras fontes,
de maneira a esboçar um mapa da ocupação tradicional suya.
Na exposição a seguir, valemo-nos portanto da narrativa de
Kuyusi Suya, a ser complementada com as notícias
bibliográficas.

Mapa 16 – As migrações dos Suya (Frikel, 1972)

Descendo o rio Ronuro nas primeiras décadas do século


XIX, os Suya ergueram a aldeia Metuktita a oeste do rio
Xingu, distante da beira do rio, na altura do atual posto
Pavuru. Em seguida, a aldeia Tepsuationgo um pouco abaixo,

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às margens do Xingu, onde hoje está a aldeia Kwaryja dos


Kayabi. Muitos teriam morrido por causa de feitiços dos
alto-xinguanos (cf. Seeger, 1981: 50), como explicou
Kuyusi:

“Primeiro que apareceu no Xingu, a aldeia Metuktita.


Antigo, muitos anos atrás. Depois, a segunda aldeia
Tepsuationgo. Suya fazia festas com Kamayura, Waura,
Trumai, Kalapalo. Os índios moravam aqui há muito
tempo e não tinha contato com os brancos. Só tinha
contato com o pessoal do alto, Kamayura e os outros.
Tinha também conflitos entre eles mesmos. Nessa aldeia
mais antiga, os povos do alto colocaram feitiços,
acabaram com os Suya. Não existia guerra com os
Kamayura, Trumai, Kalapalo, Kuikuro. Na segunda aldeia
é que começou os conflitos, na beira do rio Xingu,
fazia guerra com os Trumai. Os Trumai e os Suya sempre
guerreavam” (Kuyusi Suya, entrevista em 21/07/2001).

A convivência estreita com os povos alto-xinguanos,


observou Egon Schaden (1969: 68), deixaria marcas culturais
profundas. Na visão panorâmica das relações entre os Suya e
os demais, Eduardo Galvão sublinhou a condição periférica
daqueles:

“A situação marginal dos Suiá à área do uluri é


particularmente interessante. Tiveram eles demorado e
amistoso contato com as tribos do Culuene e Culisevu,
particularmente os Yawalapiti. Periodicamente,
realizaram excursões a esta parte do rio, participando
no comércio intertribal da área. Os artigos de sua
especialidade eram artefatos de pedra. Os Bacairi no
extremo sul e os Suiá ao norte foram, durante o
período que precedeu o contato, e em maior escala,
após este, os únicos fornecedores de instrumentos para
a agricultura, bem como de objetos de adorno muito
prezados pelas demais tribos, as chamadas Moi kitã
(Kamayurá): cilindros e pássaros feitos em pedra
polida, esverdeada, usados como ornato dos colares
cilíndricos. Essas relações comerciais e amistosas, ou
pelo menos não beligerantes, se deterioram.
Aparentemente, foram os Trumai que interromperam essas
relações, com a matança de um grupo de seis ou oito
Suiá. Estes foram até a aldeia Trumai, quando ainda no
Carapinhã, levados por um Trumai. Aí, foram mortos.
Desde então, os Suiá se tornaram inimigos dos Trumai,

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realizando repetidas incursões, algumas destas


registradas por Steinen, Vasconcelos e Quain. Os Suiá,
porém, estenderam essas incursões às outras aldeias.
Das últimas atacadas foram os Waurá, de quem roubaram
mulheres. Em revide, estes organizaram uma expedição,
de que os Kamayurá foram os verdadeiros líderes. (...)
Nesta expedição, foram aprisionados alguns Suiá,
distribuídos pelas diversas aldeias. Alguns dos
cativos foram mortos. Seus descendentes, ainda hoje,
são olhados com desprezo” (Galvão, 1996: 328).

Para escapar do assédio dos Trumai, os Suya desceram o


rio Xingu e, pouco abaixo da foz do rio Suiá-Miçu (ou
Paranajuva, na língua kamayura) ergueram a aldeia
Hukasakro, também conhecida por Winkoti, justamente no
local do atual posto Diauarum (que os mais novos, explicou-
me Kuyusi, chamam agora de Otoko). Foi justamente nessa
aldeia que a expedição de von den Steinen os encontrou em
1884, em nove casas e uma população estimada em 150 pessoas
(Steinen, 1942: 244-246, 250). Entre eles, dez manitsaua
que o etnólogo achou serem “prisioneiros” e uma mulher
trumai, de grande influência.

O capitão Francisco de Paula Castro, que comandava a


escolta militar, tomou as seguintes notas acerca da
extensão percorrida pelos Suya em suas excursões de caça,
pesca e coleta:

“Os índios Chuyás [Suya] nos declararam que só desciam


o rio [embarcados nas canoas] até onde eles encontram
uma grande cachoeira [von Martius] que lhes causava
grande pavor. Ali carregavam as canoas sobre os
ombros, por terra, quando tinham de fazer alguma cousa
abaixo da cachoeira e voltavam para seu aldeamento,
concluído o serviço” (Castro, 1904-1905: 34).

Ainda segundo Paula Castro (1904-1905: 71) os Suya


colhiam castanhas-do-pará, que “iam buscar nas matas um
pouco afastadas da margem do rio” e, conforme indicado no
mapa de Otto Clauss, extraíam no rio Huaiá-Miçu, afluente
da esquerda, casca de jatobá para a confecção de canoas

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(ver Mapa 22, abaixo). Na descida, os expedicionários


avistaram caçadores suya logo abaixo da foz do rio
Manitsauá-Miçu (Steinen, op. cit.: 259-260); e, pouco acima
da cachoeira von Martius, encontraram famílias suya num
acampamento, que ali caçavam e pescavam (Castro, 1904-1905:
73; Steinen, op. cit.: 263-264).

A segunda expedição alemã, em 1887, que se limitou à


região dos formadores do Xingu, obteve todavia notícias de
que os Suya se encontravam “numa campanha contra seus
inimigos, os Trumais” (Ehrenreich, 1929: 252). Contudo, os
conflitos amainaram por algum tempo, e os Suya recompuseram
seu contingente demográfico. Nas proximidades da foz do
Suiá-Miçu, os Suya construíram aldeias menores: na margem
direita, rio abaixo estavam a aldeia Kukentikta (onde está
hoje a aldeia Capivara, dos Kayabi) e, adiante,
Hwinkotitamo (perto do local da atual aldeia Pequizal, dos
Kayabi); e acima da foz, Dokerento, também na margem
direita:

“Aqui no Diauarum e nessas aldeias, os Suya caçavam


até mais abaixo da cachoeira [von Martius], onde
Kayapo [Txukahamãe] mora. Mais adiante da cachoeira os
Suya iam em busca de machado de pedra, taquara para
flecha e araras, que os Suya sempre utilizaram. Ia bem
abaixo. Todos esses rios têm nome na língua suya”
(Kuyusi Suya, entrevista em 21/07/2001).

A calmaria, todavia, foi curta, esclareceu o cacique


Kuyusi:

“Suya morava em Diauarum, aldeia grande, e os outros


povos começaram a guerrear de novo. E matavam muita
gente, Juruna, Kamayura, Trumai, Kayapo. Os Suya se
reuniram e, para desviar desses povos que os estavam
matando, resolveram entrar pelo rio Awaikyongo, que é
como os Suya chamam o rio Suiá-Miçu. O nome veio de
uma outra tribo que morava aqui, chamada Awaiky.
Subindo o rio Suiá-Miçu, os Suya construíram uma
aldeia bem aqui [indicou no mapa um ponto na margem
esquerda, a uns 20 quilômetros da foz], a aldeia

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Yamurikuma Esse nome Yamurikuma não é da língua suya,


é dos Kamayura.
Os Suya moravam em Yamurikuma, tinha uma lagoa perto,
na seca sujava a água do rio que os Suya bebiam,
tomavam banho. Tinha muitas pedras no porto. Não
prestava. Eles discutiram para encontrar outro local
para morar. Construíram uma aldeia mais para cima,
Wawihoakari. Quando os Suya foram para lá, construíram
uma aldeia bem grande de novo. Aqui este local [da
atual aldeia Riko] era também uma aldeia pequena,
chamada Winkaporotama – esse era o nome antigo, e Riko
é o nome novo.
Os Suya moraram muito tempo nessa aldeia Wawihoakari.
Então os Juruna e os Kamayura guerrearam entre eles, e
uma mulher suya casada com juruna subiu o rio. O nome
dessa mulher era Gaimby. Subiu o rio Suiá-Miçu e
chegou na aldeia Wawihoakari. Com isso, o nome da
aldeia mudou para Gaimbykatorota, por que essa mulher
suya encontrou o pessoal nessa aldeia” (Kuyusi Suya,
entrevista em 21/07/2001).

No retorno do casal à aldeia dos Juruna, estes ficaram


sabendo da nova localização dos Suya e foram visitá-los.

“Quando os Juruna chegaram na aldeia, os Suya mataram


três juruna. Uma parte eles pegaram como reféns,
todos, como escravos. E aí os Suya tomaram todas as
mulheres dos Juruna. Os homens juruna ficaram bravos e
desceram o rio, foram embora. Os Juruna voltaram então
para guerrear com os Suya, já vieram junto com os
seringueiros, para fazer guerra (Kuyusi Suya,
entrevista em 21/07/2001).

No relatório sobre a situação dos Kayapo no Pará, Curt


Nimuendaju noticiou a participação no episódio do
seringalista Constantino Viana, morador da colocação Pedra
Seca:

“Um resto dos Yuruna (...) agüentou-se ainda no Alto


Xingu. Armados de rifles como estavam, fizeram uma
tentativa de roubar crianças aos Suiá. Mas a correria
fracassou e eles mesmos perderam algumas mulheres que
caíram nas mãos dos Suiá. Foram então solicitar o
auxílio de Constantino contra aqueles. Constantino
armou a sua cabroeira, subiu o Xingu, mandou cercar a
aldeia dos Suiá, provavelmente no Baixo Paranaiuba
[Suiá-Miçu], incendiar as 15 casas grandes de que era

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composta e fuzilar os que escapavam das chamas. De


volta, ainda assaltaram um grupo pacífico de Kamaiurá
e Waurá, moradores acima da confluência dos formadores
do Xingu, roubando-lhes as mulheres e crianças. A
volta desta expedição com as canoas carregadas de
espólios e prisioneiros foi a maior glória da vida de
Constantino” (Nimuendaju, 1982: 224).

Na ocasião, morreu Tepkonti, então “cacique grande”


dos Suya. Desacorçoados, alguns decidiram voltar para o
alto Xingu, dispersando-se pelas aldeias kamayura, trumai e
waura. Outros, porém, aceitaram o convite de um visitante
yaruma para subir para sua aldeia, então na confluência dos
tributários d alto Suiá-Miçu. Os que foram morar nas
aldeias dos Waura e dos Trumai logo foram mortos. Dos que
foram para Ipavu, dois morreram e os restantes fugiram,
rumo à aldeia no rio Horeyongo (trata-se provavelmente do
rio Suiazão, o braço esquerdo do alto Suiá-Miçu).

Reduzidos pelas investidas dos Kuikuro e Kalapalo e


convivendo numa mesma aldeia, os Yaruma afinal se ajuntaram
aos Suya, e foram daí morar na aldeia Nonsatamrikpato, no
alto Suiá-Miçu (ou Suiazão). Os Yaruma lhes falaram dos
Xavante, seus vizinhos a leste – segundo Frikel (1972: 110-
111) teriam ocorrido encontros e até o rapto de um menino
xavante. Para Kuyusi, os Suya ficaram contrariados com os
assaltos às suas roças, por pessoas de outros povos, e
assim resolveram buscar um novo local para a aldeia.
Dividiram-se então, por volta da década de 40, nas aldeias
Gosakati, no rio Paranaiba (ou Soconti), afluente da na
margem esquerda do Suiá-Miçu, e Gotire, às margens do
córrego Jandaia. Em seguida, construíram a aldeia Soktiasi,
na foz do rio Paranaiba. Ainda aqui, frisou o informante
Kuyusi, os Suya não tinham contatos com “brancos” nem
conheciam os aviões.

Os deslocamentos e as novas aldeias e roças, devo


notar, constituem uma expressão cabal do domínio que os

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Suya exerciam sobre ambas as margens do rio Suiá-Miçu,


desde o baixo ao alto curso, como bem assinalou a perita
Maria Leal Ferreira no laudo referente ao Processo
95.0001396-7 (1a. Vara da Justiça Federal, Seção de Mato
Grosso), que incidiu em terras de ocupação tradicional
suya:

“Ademais, é importante ressaltar que (...) a sucessiva


mudança de aldeias Suya desde a entrada do povo no Rio
Suiá-Miçu em fins da década de 1880 não significou o
abandono das aldeias e outros sítios antigos. Pelo
contrário, as roças, pequizais, buritizais, trilhas de
caça e coleta e lagoas, entre outros locais, foram
constituindo, ao longo de mais de um século, o habitat
Suya às margens do Rio Xingu, Rio Suiá-Miçu e dos
afluentes deste último” (Ferreira, 1998: 33).

Os jatobazeiros, dos quais se retirava a casca para a


confecção de canoas, só eram encontrados rio acima, muito
distante (Schultz, 1961: 328). E, no sentido oposto, os
Suya retornavam seguidamente para Diauarum, para apanhar
frutos de pequi. Numa ocasião, surpreenderam-nos ali os
Txukahamãe, que lhes carregaram grande parte das mulheres.
Voltaram então para Gosakati e decidiram raptar as
apreciadas mulheres ceramistas waura. Nesse ínterim, vieram
os próprios Waura os atacar.

Nilo Vellozo (1945), por ocasião da segunda expedição


cinematográfica do SPI, em 1945, soube que a aldeia
kamayura havia sido recentemente assaltada e incendiada
pelos Suya. E que, em represália, os Kamayura comandaram
uma expedição contra os agressores, cuja aldeia alcançaram
após cinco dias de viagem. Um informante kamayura narrou em
1947 a Eduardo Galvão que a flotilha compunha-se de dez
canoas com guerreiros kamayura e cinco com waura e trumai:

“Dormiram em Morená, aldeia Trumai. Alcançaram a


aldeia Suiá, que cercaram pelos lados. O informante
participou desse ataque. Viram o capitão Suiá ir até o
rio pegar a canoa e ir pescar. Esperaram até o

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amanhecer, quando desfecharam o ataque. Um dos


Kamayura levou uma carabina com duas balas. Errou o
primeiro tiro. Os Suiá acordaram e lutaram. Caíram
todos em cima. Um segundo tiro pegou um Suiá.
Atacaram, então, a flechadas. Os Waura lançaram
flechas de fogo nas casas Suiá. Algumas crianças Suiá,
que haviam sido abandonadas no pátio, foram atiradas
ao fogo. Encerrado o ataque, voltaram. Os Suiá têm um
capitão Kalapalo. Dois Juruna também estavam lá,
prisioneiros. Os Suiá têm atacado algumas aldeias
Kamayura, Trumai e Kalapalo” (Galvão, 1996: 324).

Os atacantes carregaram vários prisioneiros, mulheres


em sua maioria (id., ibid.: 326). Só na aldeia kamayura,
Galvão (1949: 46) conheceu em 1947 quatro mulheres suya
“cujo status era idêntico ao de qualquer outro membro
nativo da tribo“.

Os Suya subiram ao alto curso do Suiá-Miçu, e


construíram a aldeia Ñoporehinre, às margens de um afluente
da margem esquerda, o rio Darro ou Feio (Mariana Leal
Ferreira, 1998: 32, refere-se ao rio Jau, uma denominação
todavia não consignada nas cartas do IBGE). Nesta aldeia
nasceram Demonti, Tewensoti e Kuyusi, homens que hoje estão
na faixa entre 50 e 60 anos de idade – segundo Schultz
(1961: 329), Demonti teria uns dezoito anos em 1960.

“Nessa aldeia, quando era pequeno, uns dois ou três


meses, o pessoal viu avião, nessa aldeia. Quando o
avião estava sobrevoando, minha mãe correu para o
mato, eu no colo dela. Eu nasci nessa aldeia, eu
cresci até os três anos aqui. Essa aldeia não prestava
mais, tinha muita muriçoca [pernilongo]. Não existia
mosquiteiro, o pessoal andava nu. Discutiram um novo
local, escolheram um local no rio das Pacas, a aldeia
Gokatoti. Nós construímos a aldeia aqui [apontou no
mapa], onde eu [Kuyusi] cresci, virei homem. Os outros
também.
Esse local Gokatoti ficou dentro da área Wawi
demarcada há pouco. Aqui nasceu essas pessoas, com
quarenta e poucos anos. Mas aqui também tinha muita
muriçoca. Moravam todos juntos. Aí os Suya se
dividiram. Meu pai [de Kuyusi] constituiu uma aldeia
por aqui, Rophwinkokapaito [um pouco abaixo da

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anterior, na margem direita do rio das Pacas], essa


ficou fora da área demarcada. O avião sempre passava
por aqui, os pilotos que sobrevoaram esta aldeia ainda
estão vivos. Nós moramos nessa aldeia, não faz tanto
tempo. O Cláudio Villas Bôas já tinha chegado em Otoko
(Diauarum). Os aviões sempre passavam lá e
sobrevoavam. Já tinha os brancos em Otoko. Nas aldeias
mais antigas não existia brancos nem aviões” (Kuyusi
Suya, entrevista em 21/07/2001).

Em fins da década de 40 turmas de agrimensores


esquadrinhavam a bacia do Xingu, para retalhar os lotes
vendidos pelo Departamento de Terras e Colonização do
Estado de Mato Grosso. Para os encarregados do posto
Diauarum, a “pacificação” dos Suya tornou-se premente.
Vejamos este evento crucial para as definições territoriais
posteriores, de acordo com o relato de Kuyusi Suya:

“Nós andávamos sempre nessas duas aldeias, Hwinko [o


outro nome da aldeia Gokatoti] e Rophwinkokapaito. Os
brancos já tinham chegado nesse rio Suiá-Miçu, já
estavam fazendo a demarcação das terras, das fazendas.
Os Suya continuaram a morar no afluente, e os brancos
entraram fazendo a demarcação das fazendas, as
picadas. Como a gente estava morando no rio das Pacas,
o rio Suiá-Miçu parecia vazio. A gente ficava
escondido no rio menor porque sempre guerreava com
outras tribos. Por isso que os brancos, os fazendeiros
começaram a entrar, a abrir picadas, dizendo que nesse
rio não existia índio. Só que a gente sempre vem
caçando pelos rios, a gente vai até lá em cima, volta.
Nós temos vários materiais que a gente usa, que estão
ao longo do rio Suiá-Miçu. Pegava material dos dois
lados do rio, caçava e pescava dos dois lados. Tudo.
Como estávamos escondidos nesse riozinho, o Cláudio
[Villas Bôas] estava procurando pelo rio Suiá-Miçu,
mas não encontrava. Ele andou até em cima e voltou, e
não encontrou. Os brancos vinham fazendo as picadas
das fazendas. Os Suya só encontravam os acampamentos,
não encontravam as pessoas.
Os Juruna entraram nesse riozinho [rio das Pacas] e
encontraram com Suya. Tinha uma mulher suya morando
com os Juruna. Essa mulher explicou para os Suya todos
os problemas, contando sobre Orlando e Cláudio. Os
Suya acalmou, não brigaram com Juruna. Depois, os
Juruna voltaram para Diauarum e contaram para Cláudio

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e Orlando. Daí que Orlando veio para encontrar com a


gente na aldeia Rophwinkokapaito. Vieram cinco
pessoas” (Kuyusi Suya, entrevista em 21/07/2001).

Mapa 17 – As aldeias suya (Seeger, 1981)

É curioso notar que o sítio da aldeia


Rophwinkokapaito, onde os Suya foram encontrados em 1959
pelos funcionários do SPI (Seeger, 1981: 53), não está
inserido no perímetro do Parque do Xingu ou na área Wawi,
recentemente demarcada. O “esquecimento” parece, assim,
coadunar-se com os objetivos arcaicos da política
indigenista, de integração das comunidades indígenas e sua

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sedentarização nas cercanias dos postos do SPI. Os Suya,


contudo, não perceberam de imediato suas conseqüências:

“Quando Cláudio e Orlando vieram, conversaram para


levar os Suya para o Xingu. Aí o pessoal discutiu como
ia ser. A gente não sabia de nada naquela época. Eu
pensei que Cláudio e Orlando ia levar a gente para lá
para alguma coisa assim de bom. Mas a gente não sabia
de nada, e eles levaram a gente para Diauarum. Fomos
morar no lugar da aldeia antiga, Yamurikuma. Quando
trouxeram para Diauarum, então Suya construiu a aldeia
em Yamurikuma para morar [ver mapa acima].
Cláudio conversou com meu pai [de Kuyusi], falou que
ia levar para o Xingu, para morar perto: - ‘Porque lá
tem médico, tem remédio para cuidar de vocês próximo.
Se morarem longe, como vamos ter condições de fazer
atendimento, se vocês ficarem doentes, como vamos
tratar de vocês logo?’. E por isso que eles levaram os
Suya para Diauarum, para morar bem próximo” (Kuyusi
Suya, entrevista em 21/07/2001).

Em 1961 o etnólogo Harald Schultz (1962: 124) visitou


os Suya que, reduzidos a 65 pessoas e liderados por Pentoti
(o pai do atual cacique Kuyusi) e Kwedkere, colocavam-se
então em Yamurikuma:

“Estreitas sendas conduziam ao acampamento provisório


na mata, a menos de cinqüenta metros do porto. Este
local conforme explicaram depois, tem a vantagem de
ter muito peixe e ótimas terras para lavoura, além de
ser mais perto de Diauarum, ponto de atração pelas
ferramentas e os remédios existentes. Por esses
motivos tinham abandonado sua aldeia e roças rio
acima” (Schultz, 1961: 316).

Em Yamurikuma os Suya permaneceram uns seis anos,


período em que todos os homens velhos morreram de doenças
variadas (Seeger, 1981: 54).

Quando viemos morar em Yamurikuma, para morar perto de


Diauarum, as fazendas já tinham derrubado, já tinham
entrado nessa área, que é nossa aldeia. Já tinha
derrubado, estava derrubando as matas. Mas o pessoal
sempre ia subindo esse rio, o pessoal não esqueceu
esses lugares onde andou, e sempre encontrava com os

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fazendeiros nesses locais. Chegavam e contavam para


ele [Cláudio Villas Bôas]: - ‘Tem uns caras lá, pelo
rio, fazendo picada, fazendo derrubada”. Ele só ouvia.
A gente morava aqui, e quando Cláudio estava se
despedindo, indo embora, e Olímpio [Serra] assumiu a
direção do Parque, os Suya construíram uma aldeia bem
próximo do Diauarum, a aldeia Aranha [na margem
direita do Suiá-Miçu, a cinco quilômetros da foz, onde
residiram nos primeiros anos da década de 70].
Enquanto morava na aldeia Aranha, o pessoal construiu
também a aldeia Hwintitama, na margem esquerda do rio
Suiá-Miçu [pouco abaixo da foz do rio Wawi ou Santo
Antônio]. Tinha as duas aldeias, Aranha era aldeia
grande, Hwintitama era pequena.
Quando a gente chegou no Xingu, Olímpio e Cláudio
conversaram comigo [Kuyusi] sobre a demarcação das
terras do Parque. Eles sobrevoaram comigo toda essa
área. Eles mostraram onde ia passar os limites do
Parque. Mas na época eu não sabia de nada, eu
concordei. Se fosse agora, como eu estou pensando, eu
ia pedir para demarcar por aqui, pegar esse pedaço,
bem reto [Kuyusi traçou no mapa uma linha na direção
geral norte-sul, ligando o PIV Tuiuiu ao PIV Tanguro,
abrangendo uma faixa a leste do atual perímetro do
Parque]. Naquela época eu não sabia o que era
demarcação, por isso ficou desse jeito.
Como foi demarcada a terra, os Suya decidiram mudar
para perto dos limites, para fazer a fiscalização da
área, ver se as fazendas não estão invadindo. A gente
construiu esta aldeia Riko, bem próximo dos limites do
Parque. Na época não existiam os postos de vigilância
em torno do Parque. E nós decidimos cuidar da área.
Neste local a gente sempre briga com os caçadores e
pescadores [indicou no mapa um ponto no médio curso do
Suiá-Miçu]. Aqui chega uma estrada na beira do rio. A
nossa briga continua, não vai ter fim mesmo.
Agora existe a lei que proíbe a caça. Primeiro não
existia. Quando os caçadores chegam no rio, eles matam
vários tipos de bicho, ariranha, capivara, jacaré, até
cobra. Eles jogam pelo rio os bichos mortos.
É para proteger esse pedaço de área, que é nosso, por
isso mesmo que a gente vem brigando com os
fazendeiros, os pescadores, os caçadores. Inclusive
tinha as fazendas bem na beirada, bem encostadas na
nossa reserva, uma fazenda do Roberto Russo, do
Antônio Mendonça e Fazenda São Caetano, que não
gostei. Nós prendemos um peão, trouxemos aqui para a
aldeia. Estava fazendo derrubada. Quando nós prendemos
peão aqui, nós conquistamos nossa área de novo, nossa
aldeia velha. Foi demarcada. A gente conversou com

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todos os Suya e entramos de acordo para voltar para


essa aldeia antiga. Vamos construir a aldeia nova. Os
rios não prestam mais [devido à poluição das
cabeceiras], por isso vamos sair da beira do rio Suiá-
Miçu e morar na aldeia velha, no rio das Pacas. É
muito duro para a gente fiscalizar todas as cabeceiras
e rios pequenos” (Kuyusi Suya, entrevista em
21/07/2001).

A aldeia Riko, na margem esquerda do rio Suiá-Miçu,


foi fundada em 1988, enquanto a aldeias Ngosoko, mais
abaixo, e o posto Wawi, ao sul da área Wawi, em 1994. A
população total suya alcançou 256 pessoas, segundo os dados
da Escola Paulista de Medicina para o ano 2000.

b) Os Juruna

Um dos vários povos de língua tupi que habitavam a


região do baixo Xingu, os Juruna (Yuruna, Iuruna e Yudja)
foram ali assinalados ainda no século XVII. Todavia, uma
parcela deles obstinou-se rio acima, para fugir do assédio
dos bandeirantes, missionários e seringalistas (Nimuendaju,
1948: 218-219). São seus descendentes que hoje habitam na
área sub judice. Uns poucos remanesceram no médio Xingu, em
três núcleos no Estado do Pará: na área Paquiçamba, nas
proximidades da foz do rio Bacajá e acima da boca do rio
Iriri (Andrade, 1988: 147).

O príncipe Adalberto da Prússia (1977), em 1843,


visitou aldeias juruna nas imediações de Piranhaquara, a 4º
de latitude sul. Por sua vez, a expedição de von den
Steinen registrou cinco aldeias entre este ponto e cerca de
8º 34’de latitude sul. A aldeia meridional, perto da
colocação Pedra Seca, estava formada por 30 pessoas que
moravam sobre duas ilhotas rochosas no centro do rio.
Tratava-se, observou o etnólogo (Steinen, 1942: 279), de
uma medida de proteção contra seus inimigos “carajás”– na

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verdade, segmentos dos Kayapo, entre os quais os Txukahamãe


(cf. Galvão, 1952).

“As suas guerrilhas com os carajás e, muito antes


ainda, com os tucunapéuas, mantidas, talvez, desde
tempos imemoriais explica o que os levou a escolher
tão singular localização para suas moradas. É que
assim procuram abrigar-se de ataques imprevistos.
Tem-se a impressão de que os iurunas, desde algumas
gerações, a fim de preservarem a sua liberdade,
estejam em vias de imigrar para o alto rio.
Nos séculos XVII e XVIII eles constituíram objetivo
principal de catequese das missões do baixo rio. O
Príncipe Adalbert encontrou-os concentrados a 3 graus
e no início do 4o grau, mas o fato de os localizarmos
a 8º era muito surpreendente” (Steinen, op. cit.: 280-
281).

A associação com seringalistas e, mais tarde,


castanheiros, observou Eduardo Galvão (op. cit.), decerto
trouxera modificações aos padrões culturais juruna, entre
as quais o uso de roupas, de armas de fogo, de instrumentos
de metal e de técnicas e algum conhecimento da língua
portuguesa.

O ingresso dos seringueiros no médio rio Xingu, na


primeira década do século XX, empurrou os Juruna ainda mais
para cima. Na carta que remeteu em 1920 ao diretor do SPI,
Curt Nimuendaju (1993: 151) aludia aos que subiram o rio
Xingu:

“Os Juruna, antigamente a tribo mais importante do


Xingu, sofreu todo o peso do avanço dos seringueiros.
Especialmente o pessoal do Crl. Tancredo Martins
Jorge, na boca do rio Fresco cometeu, do assassinato
para baixo, toda sorte de crimes contra estes pobres,
até que eles se revoltaram e fugiram, chefiados pelo
seu Tuxaua Máma, para além das fronteiras do Mato
Grosso, onde se estabeleceram numa ilha acima da
Cachoeira de Martius. Lá os encontrou Fontoura quando
em comissão da Defesa da Borracha desceu o Xingu do
Mato Grosso em 1913 (?). Em seguida os Juruna fizeram
as pazes com o seringueiro Major Constantino Viana, da
Pedra Seca, que com eles tripulou as suas embarcações

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em 1916 e desceu a Altamira onde em poucos dias


morreram 11 dos Juruna. Quando os sobreviventes
voltaram com esta notícia o velho Máma fugiu com o
resto novamente rio acima, e ninguém sabe hoje do
paradeiro deste bando que se compõe de umas 40
cabeças. Um outro bandozinho, a família do Tuxaua
Muratú, umas 12 pessoas, conservou-se, protegido pelas
terríveis cachoeiras da ‘Volta’ do Xingu, no Salto
Jurucuá, pouco abaixo da boca do Pacajá. Eis o que
resta de uma das mais poderosas tribos do Estado do
Pará.”

Segundo os irmãos Villas Bôas (1976: 38-39), os Juruna


começaram a aparecer no alto Xingu nas primeiras décadas do
século XX, distanciando-se dos seringueiros e dos Kayapo
que dominavam o seu médio curso. De início, fizeram amizade
com os Suya, de quem receberam mulheres em casamento. Os
sertanistas conheceram, em 1949, algumas destas mulheres,
já bastante idosas. E, inclusive, realizaram juntos uma
campanha contra a aldeia kamayura, na lagoa Ipavu (Villas
Bôas, O. & C., 1970: 64). Sentindo-se traídos, entrementes,
os Juruna atacaram posteriormente seus aliados Suya, usando
rifles 44 que trouxeram do tempo que conviviam com os
seringueiros. Obrigaram-nos assim a abandonar a aldeia no
Diauarum e subir o rio Suiá-Miçu. Ali outra vez os Juruna
os atacaram, provocando novo deslocamento dos Suya
(Oliveira, A. E. de, 1970: 33-34).

A despeito das mútuas desconfianças, também com os


povos de cima os Juruna conseguiram entabular laços
cordiais, ainda que transitórios (Villas Bôas, O. & C.,
1970: 65). Certa vez, quando tentava reatar relações
estremecidas devido a morte de dois kamayura em Anaria, uma
turma de doze homens foi massacrada pelos Kamayura,
ressentidos e desejosos de se apoderar das armas de fogo
dos visitantes. Meses depois, mais uma turma de oito homens
juruna, em busca dos parentes, foi exterminada na aldeia
kamayura. Os Juruna afinal se vingaram, matando quatro

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kamayura e aprisionando uma menina (Villas Bôas, O. & C.,


1976.: 39-41).

Mapa 18 – As migrações dos Juruna (Oliveira, 1970)

Uma reconstrução minuciosa da acidentada epopéia que


viveram os Juruna no alto Xingu, com base em suas tradições
orais e nas fontes bibliográficas, deve-se a Adélia
Engrácia de Oliveira (1970: 15-43) e aos relatos coligidos

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pelos irmãos Villas Bôas (1984). As estimativas


cronológicas e os trajetos das migrações constam do mapa
acima, o que torna desnecessário repeti-los aqui. Basta
notar que, já nas primeiras décadas do século XX, os Juruna
estavam instalados no alto Xingu - movimentavam-se por uma
zona extensa, desde a baía Morená até muito abaixo da
cachoeira von Martius, explorando ambas as margens do Xingu
para a obtenção dos recursos necessários à sua subsistência
e interagindo com os demais povos da região (Lima, 1995:
74). Quando foram avistados pela Expedição Roncador-Xingu,
em fins da década de 40, os Juruna tinham sua aldeia
principal na foz do rio Manitsauá-Miçu. Os eventos e os
marcos significativos de sua ocupação tradicional foram
confirmados na entrevista que o cacique Karanini e o
intérprete Lahuse’a concederam a este perito, na aldeia
Tubatuba, situada pouco abaixo da foz do rio Manitsauá-
Miçu:

Karanini:
“Nós morávamos primeiro lá..., eu ouvi o pessoal
contar história de que nós nascemos lá no Amazonas. Há
muito tempo. Viemos subindo o rio Xingu, tinha muita
gente o pessoal antigo. Vinha subindo até chegar em
Altamira, ainda muita gente. Aí chegou o branco, veio
o contato com branco, para lá de Altamira. Lá ainda
não tinha cidade, era aldeia. Fizemos a aldeia lá. Aí
chegou branco, seringueiro. Porque o povo nunca sabe o
que o branco faz, só misturado com ele. O pessoal
andava muito. Aí o pessoal começou a vir para cá [o
alto Xingu]. O branco já foi na aldeia em Altamira, já
ficou lá. Lá tem Juruna com ele, junto. Muitas pessoas
lá.
Depois andou para cá. Fizemos aldeia lá para baixo de
Altamira, que chama Pacajá, aldeia grande. Depois tem
aldeia grande também, que chama Kriyãkana. Tiveram
muitas aldeias, Sibarau, Aribaru. Tinha muitos juruna.
Vinha subindo, fazendo aldeia grande.

De lá o pessoal andou para cá, fez mais aldeias. Veio


para cá. Fizeram aldeia no Porori, acima da cachoeira
[von Martius]. Ficaram morando lá na cachoeira, o
pessoal antigo. Depois veio para cá [na foz do rio

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Manitsauá-Miçu]. Tem aldeia para baixo da estrada


[rodovia BR-80], que chama Kalapixykwa. Na estrada
mesmo, encostada da estrada, a aldeia que chama
Yapozaka. Pessoas que nasceram na aldeia Porori ainda
estão vivas, com 60 anos. Depois veio fazendo outra
aldeia, era muita gente.”
Lahuse’a:
“Tem outra aldeia aqui [apontou no mapa], onde fomos
pescar ontem, chama Nakwaxa. De lá tem outra aldeia,
onde tem pequizal, chama Pyatyha. Nasci lá, estou
agora com 44 anos. Quando estava com uns dez anos de
idade, a gente mudou para dentro da boca do Manitsauá-
Miçu.
Os Juruna conheceram os índios Manitsaua, parece que
foram mortos por inimigos, ou mudaram para outro
lugar. Existe ainda índios bravos, perto da aldeia
Sobradinho, no rio Arraias. Ali a gente sempre vê
caminho, a gente não conversa com eles, a gente vê
caminho de caçada deles.
De lá a gente mudou para Tubatuba, onde estamos agora,
mais ou menos em 1981.
O pessoal andou muito. Quando morava em Porori, na
cachoeira, o pessoal foi até o rio Suiá-Miçu, até
encontrar os Suya. Subindo o rio Xingu encontrou
Trumai, Kamayura, o pessoal do alto. O pessoal não
parava, era muita gente. Também andava aqui no rio
Mosquito [ou Huaiá-Miçu, afluente da margem esquerda
do Xingu], já ia para lá. O pessoal antigo conheceu
todo esse mato, já tem história. No rio Manitsauá-Miçu
também o pessoal foi até para cima de Marcelândia -
antes ainda de haver essa cidade, o pessoal juruna já
andou lá. Só tinha acampamentos dos índios, onde foram
caçar.
Aqui no rio Mosquito a gente andou muito, e anda até
agora. Ainda não tinha essa fazenda que está lá, a
fazenda Ibicaba. O pessoal andava lá, encontrou
taquari no rio Mosquito. Essa fazenda veio agora. O
pessoal ia até aqui [apontou no mapa], tinha taquari.
Aqui tinha muita caça, o pessoal caçava muito. Só que
esse fazendeiro ocupou todo esse lugar. Queimou o
taquari, passou o trator. A gente queria passar para
cá, o gerente dele não deixou a gente passar. Nós
queríamos encontrar taquari, para usar. Mas esse
gerente diz que não pode. Lá tem campo também, onde
existe arara, papagaio. Pessoal foi lá bastante, antes
do fazendeiro chegar. Nós caçávamos lá. Tem muitos
recursos naturais.”
Karanini:

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“Por que índio veio lá do Pará? Por causa de branco,


branco de lá mexe muito no pessoal, quando morava lá,
matando pessoal, roubando mulher. Por isso o pessoal
antigo procurou onde não tinha branco, subindo esse
rio Xingu. Lá onde estava a aldeia dos Krenakarore
[abaixo da estrada BR-80], o pessoal subiu para cima
da cachoeira, procurando onde não tem branco.
Naquele tempo não tem branco aqui, não ouvi barulho de
carro, de avião. Cheguei aqui sozinho, só nós, nesse
rio, subindo até encontrar nosso parente, os Suya. Nós
somos donos desse rio até aqui. Eu nasci, tomei banho
e até agora estou bebendo água desse rio. Não é terra
do Governo. Governo nasceu na cidade grande, São
Paulo, Rio, Cuiabá. Aqui nasceu foi índio. O Governo
está roubando terra do índio. Índio está roubando
terra do branco? Não, é terra do índio aqui. Faltou
pedaço aqui, índio andou muito nesse rio Mosquito,
caçando até lá na cabeceira. Meu pai andou muito.
Agora passou estrada no meio, partiu terra do índio
para cá. Está roubando.
Quando Orlando e Cláudio [Villas Bôas] vieram,
estávamos morando aqui para baixo, aqui pertinho. Por
isso o pessoal está aqui, não quer perder essa terra.
Lá em Altamira, no Pará, era aldeia. Agora carro,
trator passou, tirou tudo o cemitério de índio lá.
Isso está doendo para mim.”
Lahuse’a:
Nós pescamos e caçamos no rio Macaco, que falamos Kaí
[rio Auaiá-Miçu, afluente da margem direita do Xingu],
no rio Preto [um afluente do anterior], nos rios
Mosquito e Manitsauá-Miçu [afluentes da margem
esquerda do Xingu}. Pega material, madeira landi e
cedro para fazer canoa [o informante mostrou então o
“Mapa dos recursos naturais Yudja 2000”, com os locais
onde obtêm os meios de subsistência; ver Mapa 33, no
tópico V.2]. Quando era pequeno, andava por aqui,
abaixo da cachoeira. Eu conheço um pouco. Mas agora
ficou na área Capoto/Jarina, para os Txukahamãe. Mas a
gente entra um pouco. Ele foi há pouco tempo na
cachoeira, buscar taboca para flauta. É um tipo nosso
mesmo, só tem lá em baixo. Agora secou, está nascendo
de novo. Nós vamos lá para o final do ano buscar.”

Os Juruna, no Parque do Xingu, dispõem hoje de duas


aldeias, totalizando 187 pessoas: Tubatuba, pouco abaixo da
foz do Manitsauá-Miçu, na margem esquerda do Xingu, com 144

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pessoas; e Novo Paquiçamba, um pouco acima, na margem


direita, com 43 pessoas.

c) Os Txukahamãe

Devido à predileção pela borduna ao invés do arco,


este segmento dos Kayapo (língua jê) foi chamado de
Txukahamãe pelos Juruna (Villas Bôas, O. & C., 1955: 80),
alcunha que se disseminou na região e na literatura.
Constituem uma fração dos Mekragnoti – os demais habitam
entre os rios Iriri e Curuá, no Pará -, também conhecidos
como Metuktire; e da mesma maneira que os demais Kayapo,
usam ainda denominar a si mesmos de Mebengokre (Verswijver,
1982: 306). Por comodidade, utilizamos a denominação
Txukahamãe, com a qual são mais conhecidos.

O antropólogo Gustaaf Verswijver (1982; 1985), que


conviveu com os Mekragnoti entre 1974 e 1979, enfocou em
seus trabalhos o intrincado enredo de migrações e
fracionamentos, através dos quais os vários agrupamentos
kayapo vieram a ocupar, ao longo dos séculos XVIII e XIX,
extensas zonas das bacias do Tocantins, do Xingu e do
Tapajós. Desde então as relações entre os Txukahamãe e os
Juruna, moradores do curso médio do rio Xingu (Coudreau,
1977), oscilariam da convivência amistosa e trocas aos
confrontos abertos ou furtivos – o que levou os Juruna,
como vimos acima, a se movimentar rumo ao sul. Num dos
últimos ataques, por volta de 1910, a aldeia juruna já se
encontrava assentada nas ilhas do rio Xingu, nas imediações
da cachoeira von Martius. De acordo com Verswijver (op.
cit.: 313), estes entreveros possibilitaram aos Txukahamãe
assimilar vários aspectos da cultura juruna.

Interessa-nos aqui, sobretudo, avaliar a disposição


territorial dos Txukahamãe nas primeiras décadas do século
XX, com relação à região compreendida pela bacia do rio

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Jarina e as duas margens do rio Xingu, nas proximidades da


cachoeira von Martius, de maneira a cotejar a ocupação
tradicional dos Txukahamãe com o perímetro da área
Capoto/Jarina, cuja demarcação administrativa foi
homologada em 1991 (ver tópico IV.4 adiante). No laudo
pericial da antropóloga Vanessa Lea (1997b), relativo ao
Processo 3.145-3, movido por José da Silva Seabra e outros
contra a União Federal e FUNAI (3a. Vara da Justiça
Federal, Seção de Mato Grosso), que incide justamente na
referida área indígena, encontramos subsídios valiosos para
nossos fins.

Nos primeiros anos do século XX os Txukahamãe


construíram uma aldeia entre os rios Jarina e Iriri Novo,
denominada Roikõre (ver mapa abaixo). Em 1920, ergueriam
nas imediações uma nova aldeia, Krãnhkykti; e alguns anos
depois, Krãnhkratx a nordeste. Já na década de 30, numa
sucessão rápida de separações e fusões das várias facções,
as aldeias Adutirekrekyh, Pykakrãkumetx, Rop-kako, Rikre-
kore, Krãnhmropryiaka, Akranhikro e Pykabãrã materializavam
a ocupação que os Txukahamãe exerciam em toda a bacia do
rio Jarina e suas imediações. Os terrenos de caça
estendiam-se em ambas as margens do rio Xingu. À direita do
rio Xingu, entre o rio Liberdade (ou Comandante Fontoura) e
o ribeirão Fontourinha, existia um acampamento de caça,
denominado Kapot-ninõrõ (Lea, op. cit.: 97-98). Neste local
um grupo liderado por Kremoro se abrigaria entre os anos de
1944 a 1947, em razão dos conflitos internos na aldeia
Rõtinõrõ, onde se concentravam os demais. Em fins dos anos
40, os Txukahamãe reunir-se-iam na aldeia Tekajytidjãm,
donde retornariam a Roikõre (id., ibid.: 100).

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Mapa 19 – As aldeias dos Txukahamãe (Verswijver, 1985)

Ainda residindo em Roikõre, uma turma txukahamãe


visitou em 1952 a aldeia juruna, agora na foz do rio
Manitsauá-Miçu, afluente da margem esquerda do Xingu, e
recebeu facas e anzóis que os irmãos Villas Bôas deixaram
com este propósito. Os Juruna deram a entender que os
Villas Bôas voltariam logo com mais brindes. Nos meses
seguintes outras turmas estiveram na aldeia juruna.

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Segundo os Villas Bôas (1955: 80), em suas incursões


anuais os Txukahamãe alcançavam as imediações do posto
Diauarum, na foz do rio Suiá-Miçu:

“Durante o tempo que estivemos estacionados na barra


do Suiá-Miçu, fizemos diversas explorações Xingu
abaixo, ultrapassando bastante os rios Manitsauá e
Auaiá-Miçu. Nesses reconhecimentos, que fazíamos mais
com o objetivo de conhecer a região do que procurar
contato com índios, encontrávamos, muitas vezes,
trilhas e outros vestígios de índios. Nos lugares que
víamos estarem sendo freqüentados deixávamos sempre
alguns brindes.
No ‘verão’ de 1949, numa grande praia abaixo do Auaiá-
Miçu tivemos o nosso primeiro encontro com os
Txukahamãi. Divisamos de longe um grupo de índios que
fugiram logo ao pressentirem a nossa presença. Próximo
à praia havia um acampamento e junto dele passava uma
trilha bastante usada que marginava o rio. Deixamos no
lugar alguns facões e outras ferramentas. No dia
imediato, depois de um minucioso exame nas imediações,
constatamos terem os índios estado ali à noite. Os
brindes, contudo, não foram levados. Talvez temessem
eles, os índios, uma cilada de nossa parte. Passado
dois meses, fizemos nova exploração descendo o rio. O
acampamento encontrado na viagem anterior tinha sido
novamente visitado pelos índios, e com bastante
satisfação constatamos terem sido aceitos os nossos
presentes. Como dessa vez estávamos desprovidos de
ferramentas disponíveis, colocamos no mesmo lugar, bem
à vista, meia dúzia de linhas de pesca e alguns anzóis
encastoados. Fizemos com que os Juruna que estavam
conosco deixassem também, como demonstração de amizade
para com seus vizinhos, algumas de suas flechas e
enfeites de pena.
Nos últimos meses de estio desse mesmo ano, os
Txukahamãi rondaram insistentemente nosso Posto da
barra do Suiá-Miçu. No macaubal que havia nas
imediações, encontrávamos todas as manhãs os vestígios
de sua presença. Certa noite, aproximaram-se tanto dos
ranchos que os nossos cachorros entraram em verdadeira
polvorosa. Na manhã seguinte, encontramos duas flechas
e algumas tiras de inajá sobre um pé de pequi. (...)
Por vários dias estiveram eles rondando, afastando-se
logo que as chuvas começaram a cair” (Villas Bôas, O.
& C., 1955: 80).

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Nesse ínterim, sucedeu um novo racha na aldeia


Roikõre, e o grupo de Kremoro foi morar em Ngorãrãnk
(futura localização da fazenda Agropexin, segundo Lea, op.
cit.: 101).

Em princípios de 1953, perto da cachoeira von Martius,


no local da antiga aldeia Piá dos Juruna, os Villas Bôas
depararam-se com mais de quarenta homens txukahamãe na
barranca do rio Xingu, a quem presentearam com facões e
machados. Em agosto do mesmo ano, entraram em contato com
um grupo de caçadores na foz do rio Jarina: Kremoro e seis
outros foram levados a conhecer os postos Diauarum e
Capitão Vasconcelos (Villas Bôas, O. & C., op. cit.: 82;
Lea, op. cit.: 101). Em novembro, os Villas Bôas encetariam
uma visita à aldeia txukahamãe: acompanhados do cacique
Kremoro, dos repórteres Jorge Ferreira e Henri Ballot, da
revista O Cruzeiro, e índios Juruna e Kayabi, acamparam no
primeiro pedral da cachoeira von Martius, onde os
txukahamãe liderados por Kretire combinaram encontrá-los.
Dali seguiram para a aldeia Roikõre:

“Queríamos conhecer a aldeia e presentear os índios


que lá haviam ficado. (...) Na hora da partida, porém,
constatamos com alguma apreensão que somente Critão
[Kretire ?] e três outros partiriam conosco. (...) No
rumo para a aldeia pisamos uma picada bastante batida,
através da mata espessa, subindo e descendo serrotes
que constituem os primeiros contrafortes do divisor
Xingu-Tapajós. A marcha se desenvolveu sem novidades
através do terreno acidentado do caminho (...). À
tarde, depois de atravessarmos um córrego largo,
afluente do Jarina, encontramos uma mulher carregada
com bananas maduras, que vinha ao nosso encontro como
um primeiro sinal de boa hospitalidade. Caminhamos
mais de duas horas até chegarmos às aldeias. (...) Uma
vez na aldeia fomos informados da existência de outras
semelhantes àquela em que estávamos, encravadas na
mata e sem pátios” (Villas Bôas, O. & C., op. cit.:
83-84).

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A população foi estimada em cerca de 500 pessoas


(Villas Bôas, O. & C., 1994: 564, 566). Os sertanistas
observaram que os Txukahamãe possuíam poucos utensílios.
Plantavam diversos tipos de banana, além de mandioca, milho
e batata - em torno da área cultivada, gravitavam várias
aldeias abandonadas. A caça, a pesca e a coleta de frutas
silvestres destacavam-se no quadro alimentar ((Villas Bôas,
O. & C., op. cit.: 84-85). A situação geográfica da aldeia
Roikõre foi documentada num sobrevôo de reconhecimento do
rio Jarina em 1954, do qual temos o relato do major Leal
Netto (1955: 188)

“Trinta quilômetros acima da foz [do rio Jarina] havia


uma bifurcação. Tomamos o braço da esquerda e momentos
depois sobrevoávamos descampados, mais ou menos
acidentados. Estávamos sobre os campos ocupados por
uma numerosa horda dos Kayapó, sendo Mekragnoti o seu
verdadeiro nome, segundo os irmãos Villas Bôas que com
eles já tiveram diversos contatos, pacificando-os.
Depois de alguma procura, localizávamos uma grande
aldeia, constituída de um amplo círculo de pequenas
palhoças, com uma construção maior no centro. Por mais
de um mês foram os Villas Bôas hóspedes dela. Fomos
informados ser a zona que sobrevoávamos, constituída
de terreno seco, firme e bastante amplo para abertura
de campo de aviação. De fato, junto da aldeia,
abandonada naquele momento pelos índios, divisamos
nitidamente o pequeno campo que os referidos
funcionários do SPI abriram com o auxílio exclusivo
dos índios”.

Em 1954 uma epidemia de gripe atingiu os Txukahamãe;


outras doenças, nos anos seguintes, causariam uma sensível
depopulação. Em 1957 os moradores de Ngorãrãnk, tentando
escapar das epidemias, voltaram para Kapot-ninõrõ. Esta
aldeia, a leste do rio Xingu, seria visitada por Cláudio
Villas Bôas em 1958, junto com o cineasta inglês Adrian
Cowell – tal fato demonstra, com nitidez, que os
encarregados do SPI tinham plena ciência de que os
Txukahamãe ocupavam tradicionalmente ambas as margens do
rio Xingu (cf. Lea, op. cit.: 104).

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Todavia, quando o Parque do Xingu foi criado em 1961


os sítios das aldeias Roikõre e Kapot-ninõrõ ficaram fora
dos limites então estipulados, e os Villas Bôas pediram que
os Txukahamãe se transferissem mais ao sul, a montante da
foz do rio Jarina. O cacique Kremoro levou seu pessoal para
Porori, local de uma antiga aldeia juruna (id., ibid.:
105). Novamente em 1970, com a construção da estrada BR-80,
e a amputação da parte setentrional do Parque do Xingu, os
Villas Bôas voltaram a exortá-los a abandonar suas terras
tradicionais e seguir ainda mais para o sul. Nem todos,
porém, concordaram.

Liderados por Kremoro e Krumari, uns levantaram a


aldeia Jarina ou Ken-nga, no baixo rio Jarina. Outros,
embora deslocando-se para o sul, fixaram a aldeia
Pykanhikanhkary na margem direita do rio Xingu, ao norte da
estrada BR-80 (id., ibid.). A partir daí, sucederam-se os
embates com as frentes pioneiras na região, em particular a
fazenda Agropexin, ao norte do rio Jarina, e o vilarejo de
Piaraçu, à margem da estrada.

Em 1972, pretendendo forçar o ingresso dos Txukahamãe


no perímetro do Parque do Xingu, a FUNAI construiu o posto
Kretire, a cerca de vinte quilômetros a montante da
estrada, para ali atendê-los – no mês de mês de janeiro
daquele ano seriam medicados 82 casos de malária (Cruz,
1972). Somente em 1976, com a criação do posto Jarina, a
FUNAI retomaria o atendimento aos moradores da aldeia Ken-
nga, que persistiam no território original.

Em 1979 os Txukahamãe ocuparam a fazenda Agropexin e


expulsaram seus funcionários. No ano seguinte foram mortos
onze peões que desmatavam uma área a jusante da BR—80. Na
década de 80, os conflitos recrudesceriam, em razão da
crescente reivindicação dos Txukahamãe acerca de suas
terras tradicionais. Por volta de 1983, segundo Lea (op.
cit.: 106), os caciques Kromari, do posto Jarina, e

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Ukakoro, do posto Kretire, foram morar na aldeia Pium,


perto da cachoeira von Martius.

Coroando a forte mobilização de todos os povos


xinguanos em 1984, os Txukahamãe viram afinal reconhecidos
seus direitos sobre as áreas Capoto e Jarina, e obtiveram
uma “faixa de amortecimento” de 15 quilômetros na margem
direita do rio Xingu.

No local da aldeia Pium, com isto, implantou-se o


posto Metuktire, e ali se reuniram inicialmente todos os
Txukahamãe. Em 1989, então, cerca de metade da população
deslocou-se para noroeste e construiu a aldeia Kapoto,
próximo ao sítio da antiga Roikõre (Ver mapa “Parque do
Xingu e áreas adjacentes”, Anexo 1).

Segundo os dados do DSEI/FUNASA para o ano 2000, a


população da área Capoto/Jarina totaliza 730 pessoas,
residindo 328 em Kapoto, 315 em Metuktire (incluindo uns
sessenta tapayuna) e 87 no posto de vigilância Piaraçu.

d) Os Ikpeng (Txikão)

Mais conhecidos pela denominação Txikão (ou Txicão),


os Ikpeng constituem um povo karib que, já nas primeiras
décadas do século XX, achava-se estabelecido na região do
médio rio Ronuro (Menget, 1977: 66-68). De fato, em 1924,
durante a exploração deste rio pela expedição do capitão
Vasconcelos, foram ali avistados sinais de sua presença:
uma “montaria de casca de jatobá, muito velha e abandonada
junto à margem direita”, encontrada entre as corredeiras e
a foz do afluente Jatobá, e “caminhos de índios”, que
indicavam a existência de alguma aldeia nas redondezas
(Vasconcelos, 1945: 52, 102).

Desde então, os Ikpeng tornaram-se uma ameaça


constante aos demais povos dos formadores do Xingu: suas
incursões resultavam em pilhagens (ferramentas de metal,

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cerâmicas), mas principalmente no rapto de crianças, que


eram adotadas e incorporadas ao seu grupo. Estes cativos,
observa Patrick Menget, serviam para “compensar a morte dos
Ikpeng, pois estes supunham que ela era provocada pela
bruxaria dos inimigos” (Menget, 1999: 160).

O primeiro ataque de que se tem notícia deu-se em


1944, contra a aldeia dos Nahukwa, à margem do Curisevo:
quatro nahukwa foram mortos e os demais se retiraram para a
aldeia matipu (Vellozo, 1944: 6-7). Em 1945, incendiaram
uma casa na aldeia waura; e em 1948, investiram contra uma
turma mehinako que subia o Curisevo (Simões, 1963: 90-91).
Os Mehinako e os Waura, sobretudo, serão alvos prioritários
das seguidas incursões dos Ikpeng.

Após um novo ataque aos Waura em 1956, Cláudio Villas


Bôas organizou uma primeira expedição com a intenção de
pacificar os Ikpeng, com a ajuda de alguns waura, kamayura,
trumai e kayabi. Subindo o rio Batovi, os primeiros
vestígios foram avistados após oito dias de viagem
(acampamentos abandonados, velhas tapagens de pesca e
outros sinais); no décimo dia, uma flecha flutuando no rio
e alguns rastos no barranco; com doze dias, uma trilha, na
margem esquerda. Após três horas de caminhada, os
sertanistas penetraram na aldeia e surpreenderam os mais de
cem ikpeng ali distraídos. Refeitos, os guerreiros reagiram
mas foram dispersos por disparos para o ar, permitindo a
retirada dos expedicionários (Villas Bôas, O. & C., 1968:
426-433; 1994: 582-586).

Uma segunda expedição, pouco tempo depois, apesar dos


vestígios e picadas recentes que encontraram, também
fracassou. Em 1958 uma equipe do SPI, da Inspetoria de Mato
Grosso, sobrevoou uma aldeia ikpeng, com uma única casa,
situada a um quilômetro da margem esquerda do Batovi, em
território outrora ocupado pelos Bakairi, e uma outra

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aldeia não muito distante, queimada e abandonada (Simões,


1963: 91-92).

Mapa 20 – Aldeias no Batovi e Jatobá (Galvão & Simões, 1965)

Em 1960, novamente os Ikpeng assaltaram a aldeia dos


Waura e raptaram duas meninas, o que levou estes à
represália, na tentativa de resgatar as cativas. Auxiliados
por alguns waura, kamayura e, talvez, empregados do posto
do SPI ou sertanejos e portando armas de fogo, promoveram

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uma razia na aldeia ikpeng, matando doze adultos e


incendiando a casa comunal – mas falharam em recuperar as
meninas waura.

Os sobreviventes refugiaram-se no rio Jatobá, onde


foram avistados mais tarde pelo avião da missão South
American Indian (Simões, op. cit.: 92; Ireland, 2001: 260-
264; Menget, 1977: 87-88). Em outubro de 1964, Orlando e
Cláudio Villas Bôas localizaram a aldeia ikpeng num
sobrevôo de rotina, na margem direita do rio Jatobá, a cem
quilômetros no rumo 240º do posto Leonardo. Aproveitando
uma várzea enxuta a quatro quilômetros da aldeia, uma
equipe eclética ali aterrissou para um primeiro contato
amistoso com os Ikpeng – os irmãos Villas Bôas, o
cinegrafista Jesco von Puttkamer, o rei Leopoldo da Bélgica
e os kayabi Pionin (Galvão & Simões, 1965: 5-7).

Alguns meses depois os Villas Bôas fizeram uma nova


expedição fluvial, subindo desta feita o rio Jatobá. Pouco
acima de sua foz, apareceram os primeiros vestígios dos
Ikpeng: uma tapagem numa enseada, um acampamento abandonado
etc. Chegaram então a um porto na margem direita e, um
pouco afastados do rio, os Ikpeng num acampamento de pesca
(Villas Bôas, O. & C., 1994: 590-591). Dos irmãos Villas
Bôas, temos esta breve descrição do modo de vida dos
Ikpeng:

“Os Txikão formam um grupo numericamente pequeno mas


muito ativo e laborioso. No Jatobá, onde os
conhecemos, pudemos verificar que baseavam sua
subsistência mais na caça, pesca e coleta do que na
atividade agrícola. Os artefatos que confeccionam são
pouco variados. Os cestos grandes e pequenos, as
peneiras, os tipitis e os abanos para fogo, feitos de
talas de palmeira trançadas, chamam a atenção pela
rusticidade do seu acabamento. Por outro lado,
impressiona a caprichosa confecção das suas armas
(arcos, flechas e tacapes), como também os trabalhos
com algodão. Os fios são tão bem torcidos que chegam a
dar a impressão de terem sido feitos mecanicamente. Os

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tecidos, preparados com estas linhas, pela delicadeza


da sua urdidura e seu aspecto, revelam uma técnica
bastante apurada, contrastando grandemente com os
trançados rudimentares já referidos. As redes são
feitas de algodão e fibras de buriti, idênticas às do
Alto-Xingu. Como estas, os cordéis longitudinais de
fibra de buriti são amarrados transversalmente por
fios de algodão” (Villas Bôas, O. & C., 1976: 43).

Com relação aos seus meios de subsistência,


acrescentam os sertanistas:

“Para obtenção do seu sustento, os Txikão, a par de


uma agricultura primitiva, se entregam às atividades
de caça, pesca e coleta. Cultivam apenas cinco
plantas: o milho, a mandioca, o algodão, o urucu e a
cabaça. Estas duas últimas são plantadas de
preferência ao redor das casas. A mandioca é consumida
sob a forma de beijus espessos e rijos; o milho é
comido assado na cinza quente. É sem dúvida na caça,
na pesca e na coleta de frutos que obtêm os recursos
mais ponderáveis para a sua subsistência. Diligenciam
diariamente, nas redondezas da aldeia ou em viagens
longas e demoradas, a maior parte do seu sustento.
Movimentam-se ininterruptamente, caçando, pescando,
tirando mel ou catando frutos no mato. Os peixes,
quando não apanhados a flecha no rio, são obtidos nas
baías e nas pequenas lagoas pelo processo da tapagem e
do timbó. Apreciam muito as pererecas dos banhados.
Passam horas - mulheres e crianças - ocupadas na
difícil tarefa de procurá-las por entre o capim. Outro
processo muito curioso que empregam para obter
alimento animal são os fojos escavados no terreiro da
aldeia, que se destinam a apanhar ratos e lagartixas
que se aproximam das habitações. Fojos maiores para
capturar caça grossa – capivaras, porcos e outros –
são abertos nas margens do rio e em carreiros batidos”
(Villas Bôas, O. & C., 1976: 44-45).

Em 1967 a administração do Parque do Xingu


surpreendeu-se com uma concentração de garimpeiros muito
próxima à aldeia ikpeng, e decidiu solucionar o problema
com a remoção dos Ikpeng para o interior do perímetro do
Parque (Villas Bôas, O. & C., 1968). O antropólogo Eduardo
Galvão registrou os seguintes comentários em seus diários:

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“Cláudio ficou de fazer a retirada dos Txicão para o


Parque, o que talvez dê bolo, se os Mehinaku estiverem
por perto.
Pioni (...) saiu para o Jacaré para ir, com a balsa,
para os Txicão. A situação destes é bastante precária,
um funcionário de Minas e Energia veio, há uma semana,
com o objetivo de verificar uma propalada invasão do
Jatobá, por garimpeiros de diamantes. Sobrevoou a área
com Cláudio [Villas Bôas], constatando a existência de
1.100 garimpeiros. O grosso, distante 90 quilômetros
da aldeia Txicão, mas, alguns mais próximos e
misturados com os índios. Nesse segundo ano, desceram
no campo aberto ano passado. Cláudio apurou que índios
teriam trocado mulher por camisa ou qualquer coisa.
Era urgente retirá-los. Situados fora dos limites do
Parque, não havia como interditar a área (...).
A estimativa é de cinco dias de subida. Orlando
[Villas Bôas] pensa localizar os Txicão na antiga roça
Yawalapiti. Vai ser um problema. (...) O deslocamento
dos Txicão para o núcleo maior do Parque virá quebrar,
sensivelmente, o equilíbrio até agora mantido, seja do
ponto de vista físico, seja psicológico. (...) O alto
Jatobá é ocupado por seringueiros. Com a nova de que
os Txicão foram retirados, não é improvável que venham
a ocupar a área agora livre” (Galvão, 1996: 340).

Muito prontamente os Ikpeng foram induzidos a deixar


suas terras, e vieram para as imediações do posto Leonardo,
onde desembarcaram enfraquecidos e desorientados (Galvão:
1996: 296; Ribeiro, 1979: 181; Menget, 1977; Franchetto,
1987: 67).

Reinstalados nos limites do Parque do Xingu, a


população ikpeng assistiu, felizmente, um crescimento
demográfico espetacular, passando de 56 a 235 pessoas,
entre 1967 e 1997 (Menget, 1999: 160). Em 1979, afinal, os
Ikpeng ergueram sua própria aldeia, na foz do rio Uavi,
margem esquerda do rio Xingu – um sítio de antigas aldeias
trumai e suya (ver acima) – onde estão agora o posto Pavuru
e, uns quinhentos metros adiante, a aldeia Moygu. Os
últimos dados censitários da Escola Paulista de Medicina
totalizam 270 pessoas (EPM, 2000), para a aldeia e o posto.

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No que tange ao território tradicional dos Ikpeng,


Patrick Menget (op. cit.: 161) constatou que os seus
relatos recordavam os feitos das guerras passadas, e que o
conjunto dessas histórias desenhava uma verdadeira
geografia e uma topografia dos lugares percorridos (ver
Mapa 21, abaixo). Em outras palavras, a perspectiva
histórica e a memória social, entre os Ikpeng, estão
estreitamente associadas aos territórios por eles ocupados:

“É importante não esquecer a espacialização dessas


histórias de guerra: veremos que elas são a chave da
transformação atual dessa conglomeração de relatos
numa outra história. De alguns anos para cá, o grupo
dos Ikpeng voltou a crescer; eles aprenderam a gerir
suas relações com o mundo branco, garantiram seu lugar
no Parque Indígena do Xingu - sem conseguir, aliás,
influenciar a política interna dessa instituição - e
educaram a maioria dos jovens na língua portuguesa -
mantendo, porém, o essencial de sua vida ritual.
Algumas cerimônias foram tomadas emprestadas dos
xinguanos - o que é ao mesmo tempo uma satisfação
estética (o gosto pela novidade) e um bom instrumento
diplomático em relação a estes últimos - e o complexo
xamânico xinguano foi conscientemente imitado e
adotado, por motivos demasiado longos para poderem ser
explicados aqui. Um desejo profundo de rever seu
habitat - que hoje se estende além dos limites do
Parque Indígena do Xingu, por uma região maciçamente
desmatada e ocupada - apossou-se da maioria dos
velhos, alguns chegaram até a desejar que o conjunto
do grupo voltasse àquele lugar. Quaisquer que sejam as
razões desse desejo complexo e tenaz, que gera entre
os Ikpeng dissensões que beiram o facciosismo, o fato
é que vários deles enviaram a uma ONG defensora de
seus interesses um documento gravado em português,
traduzindo (de forma um tanto resumida) várias noites
de discussões entre os velhos, a respeito
principalmente da história da ocupação ikpeng de seu
antigo território” (Menget, 1999: 163).

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Mapa 21 – Histórico das aldeias ikpeng (Menget, 1977)

Para fins desta perícia, foram tomados na aldeia Moygu


os depoimentos do cacique Melobo e de Komoro Ikpeng, que
serviu de intérprete. Ao lado da trajetória e dos motivos
que os levaram a residir em terras trumai e suya, no
interior do Parque do Xingu, eles insistiram enfaticamente
no seu direito às terras tradicionais da região do rio
Jatobá:

Melobo:
“Os Ikpeng moravam no Jatobá, entre o Batovi e o
Ronuro. Faz muito tempo que nosso avô nasceu lá no
Amazonas, longe do Xingu. Eles andavam muito, em volta
do Xingu. Foram parando. Faziam guerras contra outros
índios; não existia branco. Até eles pararem no
Ronuro.
Vieram do Amazonas, vieram andando, muita gente. Não
tinha nenhum branco. Não faz muito tempo, uns

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cinqüenta anos atrás, eu estava junto, era moleque,


não via branco, só tinha porco.
Eu nasci no Ronuro, o lugar da aldeia ficou fora do
Parque, mais para cima. Naquela época não tinha
demarcação. Andaram muito, pararam lá no Ronuro. Foi
então que começou a aparecer branco, lá no Ronuro,
entre o Ronuro e o Batovi. Tinha garimpeiro, tinha
madeireiro, não muitos, mais distante. Eles vinham de
canoa. Existe [daquele tempo] ainda ele [apontou para
um velho que chegava], está aqui, Nikãpot.
Aí foi indo, naquela época não tinha branco. Branco
entrou agora na área nossa, não faz muito tempo.”
Komoro:
“Meu pai parece que tem setenta e cinco anos, está
vivo ainda. Os brancos vieram lá de cima procurando
garimpo. Mas meu pai andou muito para lá, não tinha
ninguém [quando ele andou]. Por isso Melobo está
dizendo que é mentira do branco. Dono da terra é
índio.
Conheceram os Bakairi, mas a gente brigava com eles.
Meu bisavô disse, Bakairi morava para cá [ao norte],
nós morávamos mais em cima [ao sul]. Morávamos mais
longe que os povos xinguanos. Andou muito, muito
mesmo.”
Melobo
“Não é só nossa terra. Kayapo voltou para trás, quer a
terra dele. Está certo. Panará voltou para terra dele.
Trumai está aqui, a terra é dele. Nós Ikpeng temos a
terra lá no Jatobá, até agora nós queremos voltar para
lá. Nós morremos muito lá, é nosso cemitério, lá no
Jatobá. Nessa época não existia branco. Eu era novo,
era rapaz lá no Jatobá. Não tinha branco.
Quando tinha uns quinze anos os brancos começaram a
aparecer. O branco não tem direito de reclamar que a
terra é dele. É terra do índio mesmo. Naquela época
não tinha governador, não tinha senador...
Nós estamos agora no Xingu é por causa do Orlando
[Villas Bôas]. Trouxe toda a gente para o Xingu. O
Orlando chamou para cá. Tudo o Orlando chamou, Trumai
era longe, Kayabi era longe, Kayapo era longe,
Krenakarore era longe, Juruna era longe. Tudo Orlando
chamou para perto. Porque nós acreditamos em Orlando.
Nós pensamos que Orlando ia apoiar nós até hoje. Por
isso nós acreditamos no Orlando, para vir para o
Xingu.
Mas nossa terra é lá, longe. Lá nós tínhamos tudo.
Aqui não tem coisa boa, não tem nem brinco aqui. Essa
concha de brinco não tem aqui no Xingu. Agora, onde

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nós morávamos tinha brinco. Mesma coisa o pessoal do


Suya.
O pessoal de baixo ganhou terra que era deles, está
puxando. Agora está faltando a nossa terra. Nós nunca
esquecemos as nossas coisas, cocar, flecha. Nós vamos
de barco para lá [Jatobá], para pescar, de canoa,
vamos remar. Você acha que estou esquecendo minha
terra? Uma semana, é longe. Nós vamos ficar trinta
dias pescando para lá. Nós vamos para lá nesse mês.
Fazendeiro está longe, mas dentro da terra nossa.
Nós andamos muito, a terra é nossa, não esquece da
nossa terra. Nós vamos passear lá. Lá morreu muita
gente nossa, tem cemitério. Foi sarampo, morreu mais
de cinqüenta pessoas. Vieram poucos de lá, os outros
morreram. O pessoal não esquece o cemitério. Tenho
ciúme daquela terra.”
Komoro:
“Tem posto de vigilância lá perto, mora lá perto. Já
tem pousada [hotel] a meia hora abaixo do PIV Terra
Nova. Cada vez chegando mais. Nós não fomos muitas
vezes, fomos duas vezes. É duas horas acima do posto
de vigilância [aponta o local no mapa; ver Anexo 4].
Aonde nós está querendo mudar é aqui, no Jatobá. Nós
catávamos pedra nessa cabeceira. Nós ficávamos mais
para cima, por aqui. No Jatobá tem as conchas que nós
falamos.”

e) Os Arawine
Os Arawine, de procedência tupi segundo Krause (1936:
44, apud Simões, 1963: 77), habitavam as matas a leste do
Culuene, às margens do rio Sete de Setembro. Uma informação
análoga foi prestada pelos Kalapalo também a Petrullo
(1932: 145). São hoje considerados extintos.

Notícias dos Arawine foram também obtidas por Hermann


Meyer: disseram-lhe os Aweti que aqueles já tinham cães e
recebiam objetos manufaturados. Na opinião de Krause (1936:
42) e de Baldus (1938: 8) haveria uma ligação entre o Xingu
e o Araguaia, levada a efeito pelos Arawine e pelos Yaruma.
A hipótese de Baldus, em particular, é de serem os Arawine
os mesmos Ampaneá, grupo tupi de que lhe falaram os

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Tapirapé em 1935 – aparentados a estes, estariam situados a


oeste, no alto rio Tapirapé.

Na carta geográfica do Estado de Mato Grosso de 1952,


elaborada sob a coordenação do marechal Rondon (ver Mapa 31
adiante), temos a provável localização dos Arawine em fins
do século XIX.

f) Os Yaruma

Considerados extintos - melhor dizendo, como veremos,


incorporados a outros povos da região -, os Yaruma residiam
no rio Tanguro, afluente da margem direita do Culuene, até
as primeiras décadas do século XX. Dali, mantinham contatos
com os Kuikuro e os Kalapalo. Recordam os xinguanos que os
Yaruma usavam brincos sonoros que percutiam como sinos, um
adorno que os distinguia dos demais (Steinen, 1940: 149-
150). Na década de 40 os sertanistas Orlando e Cláudio
Villas Bôas (1976: 33; cf. Simões, 1963: 77) conheceram
entre os Kalapalo uma descendente yaruma de nome Queveso,
esposa do chefe kalapalo Iauaícuma, que havia sido raptada
quando criança.

Hermann Meyer (apud Simões, op. cit.), que esteve com


os Kalapalo em 1896, coletou de cativos yaruma material
etnográfico e registrou palavras de sua língua. Através
deste vocabulário, os Yaruma foram classificados entre os
karib, aparentados aos chamados “Apiaka do Baixo Tocantins”
(Baldus, 1938: 7).

Durante a expedição de 1920, quando o capitão Noronha


(1952: 46-47) chegou na foz do rio Tanguro, o kalapalo
Amutuá informou-lhe da presença desses inimigos nas
vizinhanças:

“os Jaruma descem pelo Tanguro e vêm até a barra. Os


Jaruma, como os Chuia, são índios que habitavam à

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margem direita do Culuene, donde haviam sido expulsos


pelos Juruna do Xingu, para o Paranaiuba [Suiá-Miçu].”

Segundo disseram os Kalapalo aos Villas Bôas (op.


cit.: 33), os homens yaruma teriam sido quase aniquilados
numa visita que fizeram aos Kuikuro. Enfraquecidos, os
Yaruma então se reuniram aos Suya, cuja aldeia no médio
curso do rio Suiá-Miçu não distava muito da deles. Nos
diários dos Villas Bôas (1994: 157-158), redigidos em 1946
durante o percurso da Expedição Roncador-Xingu, tem-se um
informe dos Kuikuro e Kalapalo acerca dos povos da região:

“no alto Tanguro habitam os iarumas. A região à margem


direita do Kuluene é batida pelos terríveis suiás. Já
von den Steinen, em 1886, chamava os iarumas de
‘misteriosos’. O rio Kuluene, segundo as informações
dos índios, é o ponto divisório entre os índios
pacíficos e os arredios e agressivos. As principais
tribos de margem são calapalo, cuicuro, nauquá,
matipuí, meinaco, aueti, camaiurá e uaurá, à esquerda.
Na margem direita, lá para o interior, estão os
iarumas, suías e outros desconhecidos.”

Segundo Petrullo (1932: 143; cf. Simões, 1963: 77), os


Yaruma teriam sido responsáveis pelo deslocamento das
aldeias do “Nahuqua-Akuku” (Kalapalo) para a margem
esquerda do rio Culuene. Numa outra versão do aniquilamento
dos Yaruma, em meados da década de 20, Patrick Menget
(1978: 34; 1985: 133) conferiu desta vez aos próprios
Kalapalo a recepção traiçoeira:

“Em torno dos anos 1920 viviam a leste da grande


aldeia kalapalo uma meia centena de Yaruma, grupo
karib (próximo lingüisticamente dos Txikão), no rio
Suiá-Miçu. As primeiras relações com os Kalapalo
parecem ter sido uma alternância de escaramuças e de
visitas, de tal sorte que ao menos uma mulher yaruma
vivia entre os Kalapalo, e uma kalapalo vivia entre os
Yaruma. Os Yaruma tinham a reputação de serem hostis:
por ocasião de um convite aos Kalapalo, para uma
cerimônia masculina, estes últimos massacraram,
traiçoeiramente, o conjunto de homens adultos yaruma.
A intenção confessa dos Kalapalo era de retornar à

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aldeia yaruma para recolher os benefícios de seu


malfeito, as mulheres e as crianças sobreviventes; por
um capricho da história, a aldeia estava sob a
vigilância estreita de um outro grupo hostil, situado
a jusante no mesmo rio, os Suya” (Menget, 1985: 133-
134).

No depoimento a este perito, o cacique Kuyusi Suya


confirmou a existência da antiga aliança entre os dois
povos. Junto com seringueiros e armados de rifles os Juruna
haviam investido contra a aldeia suya, então na barra do
rio Wawi, afluente do Suiá-Miçu. Uma parte dos Suya então
subiu ao alto Suiá-Miçu, a convite dos Yaruma, e lá
residiram por certo tempo em aldeias separadas, às margens
do córrego Horeyongo (um tributário do alto curso do Suiá-
Miçu). Todavia, consumada a razia dos Kalapalo – ou dos
Kuikuro, também na versão de Frikel, 1972: 114-115 -, os
poucos sobreviventes yaruma reuniram-se definitivamente aos
Suya. Com efeito, no levantamento genealógico que realizou,
em meados dos anos 60, o antropólogo Protásio Frikel (op.
cit.: 120), do Museu Goeldi, identificou diversos casos de
indivíduos suya com ascendência yaruma.

g) Os Manitsaua

Deste povo tupi, as notícias mais precisas foram dadas


por von den Steinen (1942: 250-251, 414-415), quando da sua
primeira expedição: na aldeia suya da foz do Suiá-Miçu,
atraiu-lhe a atenção a presença de dez indivíduos
manitsaua, tidos como “prisioneiros”, cuja aldeia estaria
situada rio abaixo “num afluente esquerdo do Xingu [rio
Manitsauá-Miçu] e, segundo eles, a 4 dias de viagem daqui”.
O etnólogo tomou umas poucas anotações lingüísticas,
tirando-se daí sua classificação entre os tupi.

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Mapa 22 – O rio Xingu em 1884 (Steinen, 1942)

Na oportunidade de sua segunda expedição, von den


Steinen (1940: 146) registrou as queixas dos Yawalapiti
contra os Manitsaua, a quem atribuíam a penúria e a
debilidade em que viviam à época.

Segundo Mário Simões (1963: 77), estes habitantes do


rio Manitsauá-Miçu teriam desaparecido após sucessivos
ataques dos Suya e dos Juruna, seus vizinhos próximos.
Souberam os Villas Bôas (1976: 32, 46) que os Manitsaua

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sofreram uma represália dos Yawalapiti, depois que


assaltaram uma turma que regressava de uma visita amistosa
à aldeia suya. Os Manitsaua, então, residiam na foz do rio
Arraias, local onde os sertanistas da Expedição Roncador-
Xingu encontraram restos dos grandes potes que eles
fabricavam.

Os Suya disseram a Protásio Frikel (1972: 112-113) que


os Manitsaua foram perturbá-los na região de Diauarum (na
foz do rio Suiá-Miçu), antes da visita de von den Steinen.
Todavia, a despeito da luta renhida e das mortes, os Suya
protestaram contra a insinuação de terem sido eles a
exterminar os Manitsaua:

“Conta a tradição suiá que na ocasião dos ataques


mataram alguns e ficaram com algumas mulheres e
crianças e que, mais tarde, até se deram bem com os
Manitsauá, havendo intercasamentos entre estes e Suiá,
cuja descendência, em parte, de fato, ainda existe.
Refere a mesma tradição que os Manitsauá se acabaram
por doenças e epidemias, que apanharam, provavelmente,
em contacto com os Juruna” (Frikel, op. cit.: 113).

Contudo, os sertanistas Villas Bôas (1976: 46), em


mais de uma ocasião, levantaram a hipótese de persistir um
grupo remanescente na região do Arraias. Informantes suya e
juruna teriam afirmado que os Manitsaua subiram o rio
Manitsauá-Miçu e refugiaram-se no rio Peixoto de Azevedo
(Simões, 1963: 77).

Na atualidade, temos a informação dos Juruna, anotada


no ensejo desta perícia, de que foram vistos sinais de
“índios isolados” a oeste do Parque do Xingu, na região
onde se juntam os tributários do rio Arraias, afluente da
margem direita do Manitsauá-Miçu, próximo à atual aldeia
Sobradinho, dos Kayabi.

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4. Os povos adventícios

Os povos que aqui denominamos adventícios são aqueles


que foram transferidos ou deslocados para o interior do
perímetro do Parque do Xingu, sob a égide direta ou
indireta dos órgãos governamentais, notadamente a Fundação
Brasil Central, o Serviço de Proteção aos Índios e a
Fundação Nacional do Índio. A saber, os Kayabi, os Tapayuna
e os Panará.

Duas questões devem ser aqui consideradas. Primeiro,


estes três povos procederam de regiões circunvizinhas à
bacia do Xingu, as quais, vale notar, haviam sido
contempladas na proposta original do Parque do Xingu,
datada de 1952 (ver mapa “Ocupação e reconhecimento das
terras indígenas”, Anexo 3). Segundo, foi justamente a
invasão e a alienação dos territórios indígenas
tradicionais, por particulares e autoridades
governamentais, na medida em que colocava em risco a
própria existência desses povos, que justificou a sua
transferência para os limites estipulados para o Parque do
Xingu - uma medida humanitária para, ao menos, preservar-
lhes a existência.

a) Os Kayabi

Ainda há poucas décadas atrás, os Kayabi (língua tupi-


guarani) compunham-se de duas a três dezenas de grupos
locais, que ocupavam um território bastante extenso entre
os rios Arinos e dos Peixes, e o médio Telles Pires (ver
Mapa 23 adiante).

“A área habitada pelos antigos era todo o Rio dos


Peixes, entre o Juruena e o Arinos e subia este até a
altura das cabeceiras do Rio dos Peixes e o de lá
emendava com o Teles Pires, cujas margens e córregos
habitavam descendo até pouco acima do Rio Peixoto de
Azevedo, e de lá se comunicava com o Rio dos Peixes
subindo o córrego Iawari, e deste passavam às

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cabeceiras do Córrego do Coatá, afluente do Tatu’y ou


Ita’nami (Rio dos Peixes ou Rio São Francisco)”
(Missão Anchieta & CIMI, 1985: 5).

Naquele tempo, então, eram seus vizinhos (e inimigos)


tradicionais os Apiaka e Munduruku, ao norte; os Rikbaktsa,
no baixo Arinos, a oeste; os Tapayuna ou Beiço-de-Pau, no
Arinos, a sudoeste; os Bakairi, ao sul, nas cabeceiras do
Paranatinga; os Kren-akarore ou Panará, a noroeste
(Dornstauder, 1993; Steinen, 1940; Villas Bôas, O. & C.,
1994). Considerados por muito tempo como “bravios e
indômitos” (Ferreira, 1905: 87), os Kayabi opuseram uma
ferrenha resistência à ocupação de suas terras pelas
empresas seringalistas que expandiam suas atividades no
alto Arinos, no alto Paranatinga e no rio Verde. Houve
conflitos com seringueiros em 1899 nas matas do alto
Paranatinga e Verde; e as expedições financiadas pelos
seringalistas, nos primeiros anos do século XX, tentaram
sem sucesso a pacificação dos Kayabi do rio Verde
(Grünberg, s/d: 34-36).

Durante o levantamento geográfico do rio Paranatinga


(Telles Pires ou São Manuel), em 1915, o tenente Antônio
Pyrineus de Sousa, da “Comissão Rondon”, deparou-se com
turmas de Kayabi e recolheu os primeiros dados etnográficos
confiáveis sobre estes índios. As primeiras aldeias dos
Kayabi, no Telles Pires, estavam então nas proximidades da
foz do rio Verde. Grupos de cem e até duzentas pessoas
visitavam o acampamento da expedição para trocar presentes;
mas as ferramentas logo acabaram e os expedicionários, por
isto, foram hostilizados por um dos grupos (Sousa, 1916:
73, 85-88). Ao todo, Pyrineus de Sousa enumerou oito
aldeias ao longo do rio Telles Pires, além de vários
acampamentos de caça e pesca.

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Mapa 23 – O território kayabi (Ferreira, 1992)

As hostilidades entre os Kayabi e a frente


extrativista remontam aos primórdios do século XX, quando
foram descobertos os seringais do rio Verde e alto Telles
Pires, e os seringueiros começaram a penetrar no território
indígena. Em 1927 Benedito Bruno Lemes Ferreira estabeleceu
um seringal na Cachoeira do Pau, no alto Arinos; em 1951 o
empreendimento abrangia a foz do rio dos Peixes. Em 1955
foram fundadas diversas feitorias no rio dos Peixes até o
Salto; e no ano seguinte, um barracão foi instalado junto
ao Salto (Santa Maria). Em novembro de 1957, quatro Kayabi
já trabalhavam no seringal, segundo Grünberg (s/d: 37).

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Em fins de 1953 foi estabelecida uma feitoria no médio


Telles Pires, a 373 quilômetros abaixo do posto José
Bezerra, portanto no centro da região ocupada pelos Kayabi
do Telles Pires (Grünberg, op. cit.: 39). Simultaneamente,
o governo estadual vinha promovendo um conjunto de medidas
para dar curso à colonização da região norte de Mato
Grosso, resultando no escandaloso processo de especulação
imobiliária com as terras públicas.

Em 1922 o SPI fundara o posto Pedro Dantas, no rio


Verde, destinado à pacificação dos Kayabi, mas dois anos
depois o posto foi por eles destruído. Em meados de 1925, o
posto foi reerguido mais ao sul, na margem esquerda do
Telles Pires, a 180 quilômetros acima da boca do rio Verde,
onde, em 1926, chegou em visita uma turma dos Kayabi. Em
1927 o etnólogo Max Schmidt ali esteve por cerca de dois
meses; seus estudos não chegaram a resultados
satisfatórios, em parte devido à atitude agressiva dos
índios. Ainda em 1927 uma tropa do posto do SPI foi
surpreendida e aniquilada pelos Kayabi (Schmidt, 1942a:
47). O posto foi então fechado, mas restaurado em 1929 num
lugar mais favorável, dez quilômetros ao sul, sob a
denominação de posto José Bezerra.

Ao longo da década de 30, sem recursos e sem prestígio


junto ao governo de Getúlio Vargas, as ações do SPI não
prosperavam. Com isto, alguns grupos kayabi desceram o
Telles Pires e passaram a atacar as feitorias de
seringueiros. Em 1941, para sua pacificação, seria fundado
o posto Telles Pires (depois denominado posto Caiabí), no
baixo curso do Telles Pires (Simões, 1963: 81). De um jeito
ou outro, os Kayabi estavam sendo aos poucos estimulados a
se integrarem ao sistema de seringal (Grünberg, s/d: 49).

O padre João Dornstauder, que visitou o posto em 1954,


ali encontrou 54 kayabi; as demais malocas estariam rio
abaixo. Depois de 1965, quando foi desativado o posto José

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Bezerra, uns poucos kayabi que ali ainda permaneciam foram


transferidos para o posto Simões Lopes, dos Bakairi, no
alto Telles Pires; outros se ligaram ao posto Fraternidade
Indígena, perto de Barra dos Bugres; e alguns se
extraviaram (Grünberg, s/d: 50; Dornstauder, 1983: 1).

Uma outra parcela dos do Telles Pires, constituída por


migrantes que, depois de 1930, desceram o rio Telles Pires,
concentraram-se no posto Caiabí, ao norte do seu território
tradicional.

Sob o comando dos irmãos Villas Bôas, a Expedição


Roncador-Xingu, da Fundação Brasil Central, operou de 1949
a 1951 na região do Telles Pires. O contato estreito com os
Kayabi levou-os a colaborar nas atividades da Expedição
(Villas Bôas, O. & C., 1994: 486-490, 492, 516). É evidente
que a posterior emigração dos Kayabi para o Parque do Xingu
decorreu do seu engajamento nos trabalhos da FBC.

“Alguns Kayabi do Teles Pires, entre eles Ipepuri (ou


Prepori), encontraram, por parte dos irmãos Villas-
Boas, uma compreensão inesperada para sua situação
opressiva e aceitaram a ajuda oferecida e, em parte,
também o convite para mudar para o Xingu” (Grünberg,
s/d: 52).

Em todo caso, o auxílio dos Kayabi parecia


indispensável para que a Expedição atingisse seus
objetivos:

“Não foi fácil a atração dos rebeldes caiabis, mas é


forçoso confessar que foi altamente compensadora a sua
conquista, principalmente num momento em que estava se
tornando cada vez mais difícil o ajuste de
trabalhadores caboclos. Corajosos, valentes e
incansáveis, sem ambição e sem troco, os caiabis desde
o início foram se mostrando insuperáveis. O campo do
Telles Pires foi começado com sertanejos, mas
concluído pelos caiabis, com algazarra, riso e
disposição. No correr de 1949 contatamos e
conquistamos todos os caiabis. Curiosos, animados e
cientes de que além da grande mata dentro da qual

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viviam existiam muitos outros índios falando a sua


própria língua e, ainda, outras que eles desconheciam,
não tiveram dúvida - começaram a emigrar, não todos
num só momento, mas no correr do tempo. A partir da
notícia de que os caiabis, tatuês e apiacás estavam em
paz com a Expedição, o vale começou a ser ocupado.
Povoações, vilas e cidades começaram a nascer no
grande vale: Sinop, Renata, Peixoto de Azevedo, Matupá
e inúmeras outras” (Villas Bôas, O. & C., 1994: 516).

Em 1951, a FBC havia aberto um campo de pouso nas


cabeceiras do Coatá, um afluente da margem direita do rio
dos Peixes. Este campo seria utilizado em 1966 na “Operação
Caiabí”, que visava a transferência dos Kayabi do rio dos
Peixes para o Parque do Xingu - denominados Tatuê pelos do
leste (Villas Bôas, O. & C., 1979: 62). Acerca deste campo
nas cabeceiras do Coatá, comentaria o pe. João Dornstauder
(1955: 13) que por lá passou em 1955:

“Até aqui chegou a Expedição Roncador-Xingu.


Construíram o campo de aviação com ajuda dos índios
Caiabí. Chamaram também a turma do Tatuí. Vieram só os
homens, mas logo chegaram também as mulheres para
visitar os homens, e ganhar alguma cousa. Avidez por
pano. Escassez de mantimentos. Depois houve gripes e
morreram vários. Lembram este encontro com um misto de
agrado e desgosto. A distância até o rio costumavam
cobrir em 2 dias [cerca de 80 quilômetros até as
margens do rio dos Peixes]. Mas nós levamos mais”.

A Colonizadora Conomali, de Guilherme Mayer, começou


em 1955 a implantar Porto dos Gaúchos (Gleba Arinos), e já
em abril do ano seguinte alguns Kayabi viriam numa primeira
visita. Por sua vez, em 1957 uma das três turmas que então
trabalhavam na medição de terras atravessou a área entre o
Arinos e o rio dos Peixes, saindo nas cabeceiras do rio dos
Peixes:

“Foi uma operação em pleno território Kayabi. E logo


as terras foram loteadas e postas a venda pelo Estado
de Mato Grosso” (Dornstauder, 1983).

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Mapa 24 – Os Kayabi em 1955-56 (Grünberg, 1970)

A alienação das terras, a despeito de todas as


irregularidades constatadas, correu célere e as
colonizadoras (Ipiranga, Camargo Corrêa, Conomali etc.)
passaram a dominar a cena regional. De maneira que, no fim
da década de 50 “quase não havia mais Kayabi no Telles
Pires. Os Tatuê ficaram acantonados no Salto Kayabi,
freqüentado por eles desde tempos imemoriais” (Dornstauder,
1984).

As atividades missionárias junto aos Kayabi foram


conduzidas, até meados da década de 60, quase unicamente
pelo pe. João Evangelista Dornstauder, da Prelazia de
Diamantino. Em 1953, Dornstauder visitou os 23 kayabi que
residiam no posto José Bezerra. Em julho do ano seguinte,
fez uma nova visita, quando soube por Purataí e pelo
capitão Sabino que “um grupo maior de Kayabi selvagem vivia

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no Rio dos Peixes (Tatuí). Decidiu localizá-los na estação


seca seguinte, junto com Sabino” (Grünberg, s/d: 54)

Em abril de 1955, Dornstauder partiu de Diamantino,


encontrando no posto José Bezerra os Kayabi que iriam
acompanhá-lo. Visitou daí as cinco aldeias dispostas ao
longo do Telles Pires, somando um total de 103 pessoas
(Dornstauder, 1955). Seguiu depois rumo ao rio dos Peixes.
Tomando o mesmo caminho trilhado pela expedição da FBC,
Dornstauder chegou ao campo de pouso construído anos antes,
nas cabeceiras do Coatá, um afluente da margem direita do
rio dos Peixes e seguiu então para as margens do rio dos
Peixes (ou Tatuí, segundo os Kayabi), onde encontrou alguns
kayabi que seguiam para a aldeia de Cuassiari, uma hora de
caminhada acima da barra do Coatá (Dornstauder, 1955). No
dia seguinte, subiu para a aldeia de Temeoni, o principal
chefe dos Kayabi do rio dos Peixes, situada na foz do
córrego Giva’í (ou Batelão). Os Kayabi do rio dos Peixes
somavam então 108 pessoas, distribuídas em seis aldeias.

A partir desta primeira visita ao rio dos Peixes,


alguns kayabi passaram a colaborar com Dornstauder nos
trabalhos de pacificação de outros grupos indígenas, como
os Rikbaktsa (Meliá, 1993: 502). Em 1960 foi fundado o
posto Tatuí pelo missionário jesuíta, localizado
estrategicamente abaixo do Salto para facilitar o seu
atendimento. Ali se reuniram aproximadamente 30 kayabi,
especialmente as famílias mais jovens. No velho local, rio
acima, pouco mais de vinte pessoas permaneciam morando na
aldeia junto a Temeoni.

Desde os primeiros anos do trabalho missionário no rio


dos Peixes, várias crianças kayabi foram levadas para
estudar no Internato de Utiariti, a sede da missão jesuíta
no rio Papagaio. E diversas enfermidades reduziram
drasticamente a população indígena. Mas em 1970 o Internato

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de Utiariti foi fechado, e muitos jovens e alguns casais


retornaram ao rio dos Peixes, indo morar no posto Tatuí.

O processo de migração dos Kayabi para o Parque do


Xingu teve início na década de 50, com seu envolvimento nos
trabalhos da Expedição Roncador-Xingu. Segundo Grünberg
(s/d: 52), em 1950 já havia um kayabi na expedição de
pacificação dos Txukahamãe; em 1954 são registrados 15 com
sarampo no Xingu; e em 1955, chegaram ao Xingu mais 40 do
Telles Pires.

“Em 1961/62 a maior parte dos índios [Kayabi] do alto


e médio Teles Pires já se encontrava no alto Xingu,
onde os Kayabi, graças aos conhecimentos de português
e certa familiaridade com a civilização brasileira, se
tornavam indispensáveis na administração do Parque
Nacional do Xingu fundado em 1961” (Grünberg, s/d:
52).

A versão dos Kayabi para a transferência para o Xingu


foi publicada por Mariana Leal Ferreira (1994). Para o
antropólogo George Grünberg (s/d: 53), os fatores que
provocaram a mudança dos Kayabi para o alto Xingu teriam
sido: a pressão dos seringueiros; a disposição cultural de
mudar para uma nova área; e as personalidades de Ipepuri
(ou Prepori, um kayabi que trabalhava há vários anos com os
Villas Bôas) “que uniu a tribo como chefe carismático”, e
principalmente, a de Cláudio Villas Boas “que estabeleceu
as bases organizatórias para a migração”.

A Operação Caiabi, em 1966, organizada pela direção do


Parque do Xingu, com o apoio da FAB e de pára-quedistas do
PARA-SAR, objetivava, desta maneira, dar seguimento ao
processo de transferência para o Xingu iniciado na década
anterior, sob o argumento de que os Kayabi estavam sendo
dizimados pelos seringueiros. Contudo, apenas 31 índios do
rio dos Peixes e 13 do baixo Telles Pires aceitaram o
convite nesta ocasião. Entre aqueles, seguia parte do grupo
chefiado por Temeoni, da aldeia nas proximidades da foz do

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Batelão, um afluente da margem esquerda do rio dos Peixes


(Silva & Mamprin, 1966). Observa Grünberg (s/d: 62) que a
transferência dos Kayabi para o Xingu (a ala de Temeoni e
um terço dos do posto Tatuí) fora realizada sem
entendimentos prévios e contra a vontade da Missão
Anchieta. Por último, uma parcela dos Kayabi do Telles
Pires, então morando no rio São Benedito, no Pará, foi
levada em 1970 para juntar-se no Parque do Xingu aos seus
patrícios (Ribeiro, 1979: 29).

Em 1955 o missionário Dornstauder computou os


seguintes dados dos contingentes kayabi:

Localização Aldeia População


Telles Pires Purutaí 47
Sabá 12
Cuiabano 12
Cap.Luiz França e Taraví 20
Purucatu, no rio Jaguaru 12
Posto José Bezerra 45
Posto Caiabí (PA) 45
Parque do Xingu aprox. 40
Tatuí 108
Total 341

Após a “Operação Caiabi”, nos últimos meses de 1966 o


quadro demográfico dos Kayabi (Meliá, 1993: 493) estava
assim configurado:

Local População
Telles Pires SPI (PA) 30
Telles Pires (rio) 2
posto José Bezerra 24
destribalizados 20
Tatuí 32
Utiariti 21
Parque do Xingu 179
Total 308

No final da década de 80, os dados censitários


apontavam uma forte retomada do crescimento populacional
(CEDI, 1991):

Área Apiaká-Kayabi (Tatuí, MT) 171


Parque do Xingu (MT) 526
Área Cayabi (Pará) 338
Total 1.035

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A área Apiaka-Kayabi havia sido originalmente criada


pelo Decreto no 63.368, de 8 de outubro de 1968. Contudo,
por sugestão dos próprios integrantes da Missão Anchieta,
esta foi alterada pelo Decreto no 74.477, de 29 de agosto
de 1975, que reduziu sua extensão na parte sul. Após
intensas pressões dos índios e dos missionários nos
primeiros anos da década de 80, que se opunham à construção
da usina hidrelétrica no Salto Kayabi, a área indígena foi
ligeiramente ampliada pelo Decreto no 94.602, de 14 de
julho de 1987, o qual, entretanto, excluiu da mesma uma
“área de segurança da UHE de Salto do Rio dos Peixes,
autorizada pelo Decreto no 85.889, de 08 de abril de 1981,
estimada em 300,81 hectares”. Por fim, a demarcação da área
Apiaka-Kayabi foi homologada pelo Decreto no 394, de 24 de
dezembro de 1991.

Em vários momentos, entrementes, os Kayabi têm


manifestado seu descontentamento por esse afastamento das
zonas que outrora habitavam no rio dos Peixes e no Telles
Pires. Já em 1967 vários que estavam no Parque do Xingu há
apenas um ano confessaram ao antropólogo Eduardo Galvão
(1996: 338-339) o seu desejo de retornar ao rio dos Peixes.
Todavia, a doação de bens e as promessas conservavam-nos
ainda no Parque.

De um modo geral, entre os Kayabi do Xingu e os de


Tatuí persiste a determinação de retomar suas terras nas
imediações do córrego Batelão, afluente do rio dos Peixes,
onde se encontravam as antigas aldeias que o pe. João
Dornstauder conheceu em 1955. Explicou assim Maireru Tafyt
a Eugênio Wenzel (1983):

“Como os Villas Boas veio buscar o pessoal para cima


do Batelão, eles [os Kayabi] têm direito de voltar
aqui. O que nós vamos fazer na terra de outro índio?”.

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Tendo-se separado desde 1966, os Kayabi do Xingu e os


que permaneceram no rio dos Peixes afinal retomaram os
contatos em 1978, através de visitas constantes de um lado
a outro e a troca de fitas cassete gravadas (Travassos,
1984: 25).

No Parque do Xingu, os Kayabi originários do rio dos


Peixes estão distribuídos em várias aldeias, muitas delas
assentadas precisamente em locais de antigas aldeias dos
Trumai (as aldeias hoje denominadas Tuyarare, Ilha Grande e
Barranco Alto) e dos Suya e Juruna (as aldeias Capivara,
Pequizal e Tuim). Muitos deles exprimem seu desejo de
retornar para as terras originais. Anos atrás os Kayabi do
Xingu promoveram uma viagem para rever seus antigos
territórios no Telles Pires e no rio dos Peixes, quando
constataram o alto grau de depredação da floresta nativa,
particularmente por madeireiras e agropecuárias. No
momento, temos a informação de que a FUNAI criou um Grupo
de Trabalho para fins de identificação e delimitação de
suas terras tradicionais remanescentes.

Segundo os dados da Escola Paulista de Medicina, que


há décadas ali presta assistência à saúde, a população
kayabi no Parque do Xingu somava 756 indivíduos no ano de
1997, distribuída em várias aldeias e postos.

b) Os Tapayuna

Os Tapayuna (ou Beiços-de-Pau), de língua jê, que


habitavam até a década de 60 a região dos rios Arinos e do
Sangue, afluentes da margem direita do Juruena,
correspondem a um segmento que se separou, há mais de dois
séculos, dos Suya que migraram para a bacia do Xingu
(Seeger, 1981: 229). Foram, por esta razão, denominados
como “Suya ocidentais”.

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O interesse em “pacificar” os Tapayuna surgiu em 1931,


depois que atacaram e destruíram a estação telegráfica
Parecis, a oitenta quilômetros de Diamantino e, cinco anos
depois, a estação Ponte de Pedra. Nos anos seguintes, foram
notificadas inúmeras investidas dos Tapayuna contra aldeias
dos Pareci e dos Irantxe, feitorias de seringal, barcos no
rio Arinos e turmas de agrimensores. De acordo com
Adalberto Pereira (1967: 217-218), os Tapayuna reagiam à
invasão crescente do seu território - a construção da linha
telegráfica, a abertura de estradas e fazendas e a
navegação no rio Arinos.

A entrada da Colonizadora Noroeste Matogrossense Ltda.


- Conomali na região do Arinos, em 1955, demandou as
primeiras iniciativas favoráveis à sua “pacificação”, das
quais participaram os jesuítas da Prelazia de Diamantino,
funcionários do SPI, empregados da Conomali e índios
Irantxe. A abertura de uma estrada pioneira em 1964, no
espigão entre o rio Arinos e o rio do Sangue, deu novo
impulso à ação pacificadora, desta feita com os jesuítas,
os empreiteiros da estrada e índios Irantxe, Paresi, Kayabi
e Apiaka.

Em 1966 a Inspetoria do SPI de Cuiabá, por meio de


edital público, interditou a área percorrida pelos
Tapayuna, entre os córregos Miguel de Castro e Tomé de
França. Chefiada pelo padre Adalberto Pereira, a equipe de
pacificação havia localizado aldeias e acampamentos e
mantivera encontros ligeiros com os Tapayuna, a despeito
das objeções do SPI, que arrogava a “competência exclusiva”
para os trabalhos de pacificação (Pereira, op. cit.: 223).

Afinal, em 1967 os Tapayuna obtiveram um contato


amistoso com o piloto da lancha da Conomali, um índio
apiaka (id., ibid.: 225). As hostilidades, contudo, iriam
cessar um pouco mais tarde. A mando de um seringalista de
Diamantino, seus asseclas deixaram na beira de um córrego

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uma mistura de arsênico e açúcar, causando a morte de


dezessete tapayuna (Busatto, 1987: 148).

Os dados levantados pelo padre Antônio Iasi, um dos


membros da equipe dos jesuítas - embora os Tapayuna
refugassem visitas às suas aldeias mais distantes - dão
conta de uma população ao redor de 140 pessoas, na época
dos primeiros contatos (id. ibid.).

Com a criação da FUNAI em 1967, os jesuítas são


afastados do front, e as operações de “atração” passaram a
ser comandadas por João Américo Peret. Desastradamente,
este sertanista promoveu um tour de jornalistas ao
improvisado posto onde os Tapayuna estavam então acampados,
disseminando uma impiedosa epidemia de gripe. Mais de dois
terços de sua população sucumbiu logo nas primeiras
semanas. Desmoralizados e enfraquecidos, foram daí coagidos
a aceitar a transferência para o Parque do Xingu. Os mais
velhos, a despeito da atenção à saúde ali proporcionada,
não resistiram à gripe, à pneumonia e às complicações da
malária (Seeger, 1977: 54-55).

“Ainda em 1969 a FUNAI chama o Pe. Antônio Iasi com


uma equipe de jesuítas de Diamantino para recuperar a
saúde dos sobreviventes. Restavam apenas 41 indivíduos
em situação lastimável, sem arcos e flechas, sem roças
e sem forças para se levantar.
Nove meses depois, já fortalecidos, foram transferidos
para o Parque do Xingu, onde passaram a viver com os
Suyá. Esta transferência mostrou-se catastrófica para
os Tapayuna, pois embora os Suyá fossem de uma cultura
próxima, a convivência forçada com estes reduziu-os
hoje [1987] a 31 indivíduos” (Busatto, op. cit.: 148).

Soube-se, depois, que nem todos os Tapayuna haviam


aceitado viajar para o Xingu. Para dirimir as dúvidas e,
também, justificar a posterior extinção da Reserva Indígena
Tapayuna – que se deu em 1976, através do Decreto 77.790 -,
a FUNAI ordenou uma expedição ao habitat original, no
segundo semestre de 1971, da qual se desincumbiram o

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sertanista Antônio de Souza Campinas e Tariri Tapayuna.


Vistoriaram a região e percorreram os antigos acampamentos
e aldeias tapayuna, em busca de remanescentes - todavia, já
estavam todos mortos, lamentou o sertanista:

“voltamos para as margens do Rio Alegre [afluente do


rio Arinos] e desta vez nós só passamos por três
aldeias, duas estavam em pé e a outra estava queimada
e no local da Aldeia está cheio de capim gordura, não
sei como capim gordura veio esbarrar ali nas duas
anteriores, digo aldeias uma das quais tinha vários
cadáveres, isto é, ossos de vários cadáveres de índios
Tapaiunas e muitos artesanatos, assim como arcos e
flechas e outros adornos. Então descemos o Rio Alegre
e depois o Rio Arinos, chegamos em um lugar onde
tivemos de puxar o barco para dentro de um lago, que
eles dão o nome de Gou-Huamenti (...). Então ali era
um grande ponto de veraneio, fomos em várias e
pequenas aldeias, mas como já disse, aldeias de
veraneio.
Deste lugar descemos para o lugar onde estivemos com
esta tribo em 1969, lugar este, onde os Tapaiunas
pegaram a epidemia posta pelos jornalistas caras-de-
pau (...), trazer uma gripe para uma tribo que ainda
se achava praticamente hostil, é preciso ter cara-de-
pau e mais, cara-de-pau foi o responsável que aceitou
um homem gripado ficar numa frente de atração só pelo
fato de querer ser notícia de uma negra e triste
reportagem que custou vidas; nesse lugar aonde foi o
antigo Posto de Atração dos Tapaiunas ou Beiço de Pau,
não existe mais ninguém. Descemos mais uns cinco
quilômetros, fizemos um ponto de apoio bem afastado da
margem do Rio Arinos, puxamos o nosso barco no seco e
então partimos para mais uma caminhada. Desta vez
passamos por seis aldeias, sendo que duas das quais
ao que tudo parece, se esta iniciativa fosse a seis
meses atrás, eu tenho uma ligeira impressão de que
podíamos ter salvo três vidas.
(...) pelo fato de todo o material dos falecidos
Tapaiunas ainda se encontrarem nas aldeias do jeito
que os índios morreram e deixaram o material do seu
uso enfiado nas palhas das malocas, outros pendurados
estavam lá do mesmo jeito. As aldeias que foram
abandonadas, estão todas queimadas e o material está
todo quebrado, panela de alumínio cortada com facão em
sinal ou desespero de causa” (Campinas, 1971).

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Nos anos 80 os Tapayuna removidos para o Parque


tentaram restabelecer uma aldeia autônoma, escolhendo um
local às margens do rio Xingu, abaixo da confluência do
Suiá-Miçu (Franchetto, 1987: 115). A iniciativa, contudo,
não foi bem sucedida e eles afinal aceitaram o convite dos
Txukahamãe, para morar na aldeia Metuktire.

Em 1997, de acordo com os dados do Instituto


Socioambiental - ISA, a população tapayuna era de 63
pessoas. Não foi possível obter um censo em separado para
os que vivem hoje em Metuktire, mas apenas a estimativa de
que os Tapayuna ali já são mais de sessenta. Alguns poucos,
devido a laços de casamento, ficaram nas aldeias Riko, dos
Suya, e Kremoro, a outra aldeia dos Txukahamãe na área
Capoto/Jarina.

c) Os Panará

Os Panará, de língua jê, ficaram mais conhecidos como


Krenakarore ou seus correlatos, uma designação de origem
kayapo, kran iakarare, que faz menção ao corte de cabelo
arredondado que os identifica. Ainda em 1967, quando o
sertanista Cláudio Villas Bôas começou a montar uma
“expedição de atração”, logo após o ataque desfechado pelos
Kayapo Mekragnoti, existiam nove aldeias, oito na bacia do
rio Peixoto de Azevedo e uma no alto Iriri, com uma
população estimada entre 300 a 600 indivíduos (Arnt et
alii, 1998: 73, 84, 92). O território que ocupavam, na
divisa entre Pará e Mato Grosso, estendia-se então pela
bacia do Peixoto de Azevedo, a serra do Cachimbo e as
cabeceiras do Iriri e do Ipiranga. As aldeias estavam
assentadas nas margens de igarapés, ligadas por uma rede de
trilhas e acampamentos de caça, pesca e coleta de
castanhas, frutas, conchas e penas. Com seu território na
rota da rodovia BR-163 e as epidemias de gripe que mataram

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dois terços da população, os sobreviventes terminaram sendo


transferidos para o Parque do Xingu.

Os Panara, todavia, voltaram a crescer e já alcançaram


o total de 202 pessoas (ISA, 2000). E há poucos anos,
retornaram à região do Iriri, para residir novamente em
suas próprias terras. Vejamos uns poucos dados dessa
trajetória dramática.

Informações mais precisas sobre os Panará começaram a


aparecer em 1949, por ocasião de um sobrevôo de
reconhecimento do rio Peixoto de Azevedo e a serra do
Cachimbo. Os irmãos Villas Bôas, que lideravam a Expedição
Roncador-Xingu, observaram que “as fraldas da serra
constituíam habitats de índios desconhecidos” (Villas Bôas,
O. & C., 1994: 451, 492). No mesmo ano os Kayabi, que com
eles já haviam lutado, alertaram “tratar-se de índios muito
aguerridos e que chamavam de ipeuís”.

Durante a abertura do campo de pouso do Cachimbo, onde


seria instalada a base aérea da FAB, os expedicionários
muitas vezes avistaram vestígios de índios que rondavam o
acampamento (id., ibid.: 497). E em 1961, os Panará mataram
o geógrafo inglês Richard Mason, da Royal Geographical
Society, que integrava uma expedição conjunta com o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que
tentava cruzar da base do Cachimbo ao rio Iriri (Arnt et
alii, op. cit.: 81).

Nos anos seguintes os Panara continuaram a assediar os


arredores da base da FAB Cachimbo. Francisco Meirelles, do
SPI, organizou uma expedição para contatá-los, porém logo
foi desativada. E em 1967 a aproximação repentina, mas
pacífica, de uns 60 panara provocou pânico entre os
militares e disparos – pelo menos um índio foi ferido a
bala. E vôos rasantes de um C-47 aceleraram a debandada dos
demais. De cômica, a situação converteu-se em tragédia: a

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Aeronáutica movimentou aviões e tropas para a defesa da


base “ameaçada”, e um dos aviões C-47 perdeu-se na floresta
- dos 30 tripulantes, apenas 5 salvaram-se (Arnt et alii,
op. cit.: 82-83).

As operações de contato e pacificação, coordenadas


pelos irmãos Villas Bôas, a pedido da FAB, foram
reiniciadas em 1968, após a incursão de um grupo Mekragnoti
Kayapo à maior aldeia panara, que causou várias mortes
(Schwartzman, 1988: 292). Por alguns meses a “frente de
atração” sobrevoou aldeias abandonadas, em geral às
pressas, e deixou brindes perto do acampamento que levantou
no Peixoto de Azevedo. Os Panara estavam, então,
concentrados numa aldeia à margem direita do rio Peixoto de
Azevedo, a 120 quilômetros ao sul da base do Cachimbo
(Villas Bôas, O., 1968).

Em 1970, no âmbito do Plano de Integração Nacional, o


governo federal lançou o projeto de construção da estrada
BR-163, ligando Cuiabá (MT) a Santarém (PA), atravessando
justamente o território panara na região do rio Peixoto de
Azevedo. Por sua vez, a FUNAI direcionou a política
indigenista de modo a corresponder às diretrizes
desenvolvimentistas, e assinou um convênio com a
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM)
para a “pacificação” de 30 tribos que se encontravam na
rota das novas estradas de penetração.

“Com o início da construção da Cuiabá-Santarém, os


irmãos Cláudio e Orlando Villas Bôas foram chamados
para comandar a terceira expedição aos índios gigantes
[os Panara]” (Arnt et alii, op. cit.: 85).

Nos primeiros meses de 1972 foram retomadas as


operações da FUNAI na região. Segundo Cláudio Villas Bôas,
a principal tarefa da expedição, composta por índios
xinguanos, era acompanhar e orientar os trabalhadores do 9o
Batalhão de Engenharia e Construção do Exército – BEC (Arnt

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et alii, op. cit.: 87). A imprensa acompanhou com


estardalhaço toda a epopéia da “pacificação” dos “índios
gigantes” – ilustrativa, nesse sentido, a reportagem da
revista Veja que divulgou os primeiros contatos amistosos
em fevereiro de 1973, ajuntada às fls. 1351-1354 destes
Autos (Veja, 14 de fevereiro de 1973). Dentre outras, temos
as descrições cuidadosas das operações da FUNAI nos diários
de Orlando e Cláudio Villas Bôas (1994: 517-533), na tese
de Stephan Schwartzman (1988: 281-324) e na narrativa de
Ricardo Arnt, Lúcio Flávio Pinto e Raimundo Pinto (Arnt et
alii, op. cit.: 85-91).

De maior interesse para os fins deste Laudo, no


entanto, são os fatos que daí se seguiram. Em dezembro
daquele mesmo ano a estrada Cuiabá-Santarém foi aberta ao
tráfego, oportunidade a contatos danosos entre os Panara e
militares do BEC, trabalhadores braçais, caminhoneiros e
outros viajantes. Da parte da FUNAI, as substituições
desastradas na chefia da Frente do Peixoto de Azevedo
restringiram bastante sua influência na região e suas
condições operacionais para a proteção da vida e das
terras dos Panara.

Através do Decreto 71.904, de 14 de março de 1973, no


entanto, interditou-se uma área entre os rios Telles Pires
e Peixoto de Azevedo. Embora fosse um primeiro passo para
“a criação da Reserva Indígena destinada ao habitat
definitivo dos Kreen-Akarore”, a área interditada não
recobria adequadamente as terras ocupadas pelos Panara,
pois restaram fora cinco aldeamentos e o próprio posto de
atração da FUNAI (Arnt et alii, op. cit.: 94).

Nesse ínterim, vários panara, atraídos pelo trânsito e


pelas oportunidades de “brindes”, já perambulavam às
margens da rodovia, e até mesmo uma pequena aldeia foi
arranjada a apenas quatro quilômetros (Arnt et alii, op.
cit.: 92). As epidemias de gripe propagavam-se de uma

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aldeia a outra, e ceifaram a vida de muitos. Ao longo da


estrada, o cenário era de desnutrição, mendicância,
alcoolismo e, inclusive, prostituição.

Em meados de 1974 o presidente da FUNAI e os irmãos


Villas Bôas, a despeito da oposição de alguns técnicos e
sertanistas do órgão, planejaram a remoção dos Panara para
o Parque do Xingu. Em fins daquele ano, as doenças já
haviam dizimado mais da metade de seu contingente; restavam
apenas 82 (Parise, 1975). Sem maiores fundamentos ou ato
legal a justificá-la, a decisão foi todavia efetivada em
janeiro de 1975, utilizando dois aviões da FAB para levar
os 79 sobreviventes para o Parque, distante 250 quilômetros
a oeste; e conduzir três outros a Cuiabá para tratamento
médico.

Consumada a transferência, prontamente o presidente da


FUNAI, general Ismarth de Araújo, através do Ofício 058, de
4 de fevereiro daquele ano, desinterditou a área Kreen-
Akarore, muito embora a competência de um ato dessa
natureza, respeitadas as regras legais em vigor na época,
fosse de competência estrita da Presidência da República.
Foi somente alguns anos depois que o Decreto n. 83.541, de
4 de junho de 1979, “corrigiu” tal ilegalidade, tornando
sem efeito a interdição e concedendo a área ao Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

Quando os Panara chegaram ao Parque do Xingu, após os


exames médicos e vacinas, foram alojados na aldeia kayabi
de Prepori, onde havia roças plantadas para eles. Mas as
roças logo acabaram e os Panara famintos foram levados para
a aldeia Kretire, dos Txukahamãe, seus inimigos ancestrais.
Sentindo-se derrotados e desanimados, repetiam a todo
instante que “os Krenakore acabaram” (Schwartzman, s/d).
Conforme indicado no mapa abaixo, os Panara foram obrigados
a deslocamentos consecutivos no interior do Parque. A
situação se estabilizou apenas nas proximidades da aldeia

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suya, onde fizeram suas próprias roças. Algumas de suas


mulheres e crianças, contudo, ficaram em poder dos
Txukahamãe. Em 1983 construíram afinal uma aldeia
independente, ao norte da BR-80; e em 1989 levaram-na para
o rio Manitsauá-Miçu, mais perto do território tradicional,
mas ainda no Parque do Xingu.

Mapa 25 - A trajetória dos Panara (Arnt, 1998)

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As limitações ecológicas e o desconforto de residir em


terras alheias levou-os a buscar o retorno ao seu antigo
território. Em outubro de 1991 fizeram uma primeira viagem
de reconhecimento: toda a região de Peixoto de Azevedo
estava tomada por garimpos e fazendas, por toda parte
desmatamentos, poluição e assoreamento dos rios. Ao
sobrevoar a área, constataram que, de oito aldeias
existentes em 1968, os sítios de seis tinham sido
destruídos por garimpos, colonização e pecuária. Todavia,
identificaram um trecho de seu território tradicional,
próximo à serra do Cachimbo, nas cabeceiras do rio Iriri,
ainda bastante conservado (Arnt et alii, 1998).

A partir daí, passaram a reivindicar a demarcação


dessa área de 488 mil hectares, nas cabeceiras dos rios
Iriri e Ipiranga, na fronteira entre Pará e Mato Grosso. Em
fins de 1994, a FUNAI apresentou os resultados do processo
de identificação e delimitação da Terra Indígena Panará. No
mesmo mês, os Panará entraram com uma Ação Ordinária de
Reparação de Danos Materiais e Morais na 7a Vara da Justiça
Federal, no Distrito Federal, impetrada por advogados do
Núcleo de Direitos Indígenas, contra a União Federal e a
FUNAI, pedindo reparação e indenização.

A partir de 1995, os Panará deram um passo decisivo


para o retorno às suas terras, e construíram uma nova
aldeia, Nacypotire; em setembro de 1996, lá já estavam 75
pessoas, onze casas, um posto da FUNAI e uma pista de
pouso.

Através da Portaria n. 667, de 1 de novembro de 1996,


do Ministério da Justiça, a Terra Indígena Panará, com
495.000 hectares (nos municípios de Guarantã, MT e
Altamira, PA) foi declarada de "posse permanente" dos
índios.

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IV. A OCUPAÇÃO E OS LIMITES

1. Mito, arqueologia e história

Nos tópicos anteriores realçamos alguns aspectos da


cultura material dos povos indígenas e sua imbricação no
ambiente natural da bacia do Xingu. Outros fundamentos da
territorialidade indígena são encontrados nas referências
míticas, e sugerem um enraizamento arcaico dessas culturas
naquele espaço geográfico. Nas palavras de Viveiros de
Castro (1977: 125-126), a “característica mais saliente da
geografia xinguana é a intercessão entre um espaço
‘natural’, uma extensão classificada por coordenadas
ambientais ou por movimentos históricos dos grupos, e um
espaço mitológico, teatro geograficamente determinado das
ações míticas”. De passagem, já citamos as convicções
acerca da baía de Morená, considerada pelos Kamayura como o
“centro do mundo”, onde o demiurgo Mavutsinin transformou
troncos de madeira em seres vivos (Samain, 1991: 79-80).
Outros xinguanos também assestam os eventos primevos nesse
local, tal como a versão da criação dos humanos que os
Waura narraram a Harald Schultz, e a distribuição
primordial dos povos na bacia do Xingu:

“É Sol que faz gente no Morená. Tudo gente, Kamayurá,


Mehinaku, Matipu, Kuikuro, Trumái, Aueti, Kalapalo,
Waurá, tudo, tudo. Sol que vai arranjar o chefe de
índio, Waurá, Kalapalo, Yaualapiti, tudo índio. Sol
que arranjou. Fez chefe. (...) Depois, amanhã, e Sol
mandou Waurá morar aqui. Lá no Tsarivapi. É Sol que
arranja lugar prá Waurá, vovô de Waurá ficar lá. Ai
Lua mandou de chefe de Kamayurá, vovô de Kamayurá
ficar lá no lago (perto do Posto Leonardo, explica o
tradutor-informante). Então Sol mandou vovô de Trumái
ficar lá no Nariá perto do Morená, prá cá. Aí Sol
mandou vovô de Yaualapiti lá perto do Posto Leonardo,
prá cá. Então Lua mandou o vovô de Aueti morar mais
prá cima perto do Curisevu, e Mehinaku, Aueti também.
Então Lua mandou vovô de Kuikuro ficar lá no Kuluene.

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Ai todo mundo ficou no lugar, só Lua ficou sozinho lá


no Morená. Depois ficou vovô de Civilizado lá também.
Ai Lua falou: ‘Vovô, este vovô de civilizado vai morar
onde?’ ‘Vai morar mais longe. Vai arrumar lugar mais
longe’. Ai vovô de Civilizado ficou mais longe. Ficou
sozinho chefe lá no mato, no Morená. Nada, nada gente.
Ficou sozinho. Entra pouquinho no mato, ai fica bem
limpinho. Fica lá. Não é pedra, não. É Sol que fez
chefe. Tem mão, tem arco, ficou sozinho chefe. Só
Trumái que sabe. Kamayurá que sabe. É vovô de Trumái
que sabe. É perigoso. Não é pedra, não. É gente mesmo”
(Schultz, 1965: 39).

As referências míticas indicam, sobretudo, uma


associação estreita entre os povos xinguanos e o habitat
natural, resultado de uma longa maturação na qual as
culturas indígenas esmiuçaram as características
geográficas e ecológicas da bacia do Xingu. Com efeito, as
pesquisas arqueológicas ali desenvolvidas vêm confirmando a
ocupação remota da região pelos ancestrais dos povos aruak,
karib e tupi. Em meados dos anos 60 o pesquisador Mário
Simões, do Museu Goeldi, sob o patrocínio do Conselho
Nacional de Pesquisas e do Smithsonian Institution,
localizou e prospeccionou doze sítios arqueológicos, desde
a foz do rio Manitsauá-Miçu até o baixo rio Culuene:

“Os sítios localizam-se sempre próximo à água corrente


(rio ou lagoa), em terreno seco e livre das inundações
periódicas. São todos sítios-habitações de tipo
aberto, incrustados na mata ciliar ou no limite desta
com o campo ou cerrado. A presença de inúmeros
fragmentos de cerâmica dispersos pela superfície dos
sítios facilitou a identificação e delimitação dos
mesmos, mormente naqueles em que o solo mostrava-se
calcinado pelas queimadas ou lavados pelas enxurradas
de inverno. Por não serem atingidos pelas cheias dos
rios e somente cobertos por vegetação secundária, são
os locais preferidos pelos atuais xinguanos para
plantio de suas roças ou construção de aldeias”
(Simões, 1967: 134).

Da análise da cerâmica e demais sondagens


estratigráficas, inferiram-se duas fases distintas: a fase

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Diauarum, no curso do Xingu, e a fase Ipavu, no curso


inferior do Culuene. Em ambas, as datações de Carbono 14
oscilaram em torno do século XIII da era cristã (Becquelin,
1993: 225). Os dois complexos se diferenciam pelo
temperante empregado na fabricação de cerâmica (cariapé
para Diauarum e cauixi para Ipavu) e pelos motivos
decorativos (Simões, 1967).

Outros sítios arqueológicos foram descobertos e


escavados por Pierre Becquelin em 1973 e 1980, e
confirmaram de perto a cronologia proposta por Simões (ver
mapa abaixo): carvões de lenha recolhidos nos níveis
inferiores das sondagens de Morená, por exemplo, foram
datados de 1030 +/- 90 d.C.

As pesquisas mais recentes do arqueólogo Michael


Heckenberger (1996; 2001a), no período de 1993 a 1995,
vieram reforçar as principais conclusões relativas à
arqueologia xinguana. Para Heckenberger (2001a: 46), os
primeiros migrantes aruak chegaram no alto Xingu por volta
de 800 a 900 anos atrás, disseminando ali um modelo
cultural calcado no sedentarismo, na integração supralocal
(regional) e na chefia hierárquica, com o qual processariam
a integração de outros povos, culturas e línguas que lá se
alojaram.

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Mapa 26 – Sítios arqueológicos (Becquelin, 1993)

Foram constatadas evidências de que, por volta de 1500


a 1600, alguns povos karib já se encontravam em áreas a
leste do rio Culuene, entretendo relações amistosas com os
vizinhos aruak. A eles seguiram-se então os tupi
(Heckenberger, op. cit.: 51-52; 2001b: 83). Transcrevemos a
seguir a síntese dos principais movimentos populacionais na
bacia do Xingu, segundo Heckenberger:

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“Em 1700 havia, portanto, três grandes agrupamentos


culturais no Alto Xingu: 1) os ancestrais dos
yawalapiti; 2) os ancestrais dos mehinako/waurá; e 3)
os ancestrais dos grupos karib. Os mehinako e os waurá
são os descendentes atuais dos grupos aruak (Complexo
Ocidental) que ocuparam continuamente a bacia do Alto
Xingu, acima do Morená, desde os tempos pré-
históricos, enquanto os yawalapiti descendem
aparentemente das aldeias do Complexo Ocidental abaixo
do Morená, área que ocuparam historicamente antes do
século XVIII. Após 1500-1600, verificou-se uma
contração geográfica do território ocupado pelos
aruak; no momento podemos sugerir que houve um
abandono das áreas mais ao sul e a leste, o que criou
um vácuo no qual os grupos karib se expandiram, e
também das áreas mais ao norte (pelo menos até o
Diauarum), que foi ocupada pelos ancestrais dos
kamayurá no século XVIII. Os grupos karib mantiveram
padrão cultural distinto (Complexo Oriental) pelo
menos desde o tempo datado pelos primeiros registros
(c. 1500) até depois de c. 1750, quando, oriundos do
sul do lago Tahununu - sua localização desde os tempos
pré-históricos tardios -, migraram para oeste cruzando
o Culuene, aparentemente em massa e em movimentos de
rápida sucessão.
Embora ambos tenham coabitado a bacia desde os tempos
pré-históricos tardios, os grupos karib se achavam
concentrados nas periferias a sudeste da bacia (leste
do rio Culuene), aparentemente representando uma única
ou rápida sucessão de migrações por um ou poucos
grupos ancestrais relacionados a todos os karib alto-
xinguanos (evidenciado na proximidade lingüística
contemporânea). Esse grupo ancestral dividiu-se em
três grupos dialetais principais antes de meados do
século XVIII: um setentrional, ‘povo do lago
(Tahununu)’ (ancestrais dos kuikuro e matipu
contemporâneos), um meridional (os ancestrais dos
kalapalo) e um ocidental (os ancestrais dos nahukwá).
É incerto o período no qual falantes de nahukwá
moveram-se para oeste do Culuene, mas parece plausível
que os grupos meridionais e ocidentais tenham se
dividido entre meados e fim do século XVIII, após
grande parte dos karib ter saído de áreas a leste do
Culuene. Os karib mantinham modos de vida distintos do
padrão cultural xinguano até meados do século XVIII. O
período no qual se deu o movimento para oeste de
indivíduos karib no século XVIII foi tumultuado; as
narrativas desses povos descrevem inúmeros ataques por
parte de índios bravos e bandeirantes (...).

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Os povos karib ou aruak contemporâneos não se recordam


de histórias divergentes sobre a colonização, ou seja,
não encontrei nenhuma história a respeito de imigração
na bacia do Xingu entre qualquer desses grupos. Da
mesma forma, ambos afirmam mútua autoria do padrão
cultural xinguano original. Isso reflete, sem dúvida,
a antigüidade de ambos na região. Diversos grupos
tupi, ancestrais dos kamayurá e aweti, aparentemente
entraram na bacia em meados do século XVIII (...). Os
aweti e os kamayurá também estavam completamente
integrados na cultura regional xinguana, mas a
aparição de seus ancestrais na bacia, suas antigas
brigas com os xinguanos e sua incorporação à sociedade
xinguana, o que Coelho (...) chamou, seguindo os
aweti, de ‘virando gente’, são narrados tanto por eles
quanto pelos aruak e karib xinguanos.
De acordo com a história oral kuikuro, os grupos
ancestrais dos kamayurá entraram pela primeira vez em
contato com eles quando ainda viviam no lago Tahununu
(antes de c. 1750). A identificação concreta seguinte
dos ancestrais dos kamayurá, segundo os kuikuro,
localiza-os na área do Diauarum, após terem,
aparentemente, descido o Suiá-Missu desde a sua
nascente, próxima ao Tahununu, e registra uma migração
progressiva do Diauarum ao Ipavu, provavelmente entre
o fim do século XVIII e o início do XIX. Os kamayurá,
segundo seus próprios depoimentos, viveram
inicialmente com os waurá em Ipavu, antes de estes
últimos ‘cederem voluntariamente’ a área aos kamayurá.
Os aweti também estavam presentes - aproximadamente na
área em que foram encontrados em tempos históricos -
quando os karib ocuparam o Tahununu. Como Coelho
observa (...), no passado os aweti mantinham relações
com os bakairi, em áreas a sudoeste do Alto Xingu”
(Heckenberger, 2001b: 84-86).

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Mapa 27 – Movimentos populacionais (Heckenberger, 2001)

Quando a expedição de von den Steinen (1942: 254-256)


desceu o rio Xingu, em 1884, a disposição geográfica da
maioria desses povos estava, de modo geral, bastante
estabilizada, e era amplamente conhecida de todos os
vizinhos. Na aldeia suya na foz do rio Suiá-Miçu (hoje
Diauarum), coube a um velho cacique nomear-lhe, por meio de
um desenho (ver mapa abaixo), “todas as tribos domiciliadas
no alto Xingu”. Foram esses treze nomes, declarou o próprio
von den Steinen (1940: 191), que o fizeram empreender a
segunda expedição:

“Em geral confirmaram-se as explicações do nosso homem


de confiança. É verdade que as suas indicações
potamográficas não satisfizeram as nossas exigências
cartográficas, mas mesmo nisso ele tivera mais razão

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do que esperávamos, quando confundimos o Kulisehu com


o Kuluene.”

Mapa 28 – A geografia xinguana dos Suya (Steinen, 1942)

Em suma, a contínua e profusa ocupação indígena tem


marcado, de forma firme e convincente, a ecologia e a
geografia de toda a bacia do Xingu. Uma simples inspeção
superficial apontaria, por exemplo, a existência em toda a
região de um grande número de tratos de “terra preta”, que
são depósitos cumulativos ao redor de assentamentos
prolongados (Heckenberger, 2001a: 43-44).

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Na mesma direção, Pedro Agostinho (1993: 244) sugeriu


a confecção de uma carta etnográfica e ecológica preliminar
através de fotos aéreas, de modo a identificar a ocorrência
de manchas de vegetação distinta na floresta semi-decidual
não inundável, que indicariam os sítios de assentamentos
pretéritos. E ainda, na opinião abalizada do zoólogo Helmut
Sick (1997: 60), contratado pela Fundação Brasil Central já
nos primeiros anos da Expedição Roncador-Xingu, seria
possível “inferir a presença de antigas aldeias de índios
em toda a região do Xingu e estabelecer-se até mesmo a
época de sua existência” através da simples averiguação da
dispersão e da idade dos pés de pequi e de mangaba, frutos
apreciados e sistematicamente plantados por aqueles povos.

2. A marcha para o oeste

A quase desconhecida região dos formadores do rio


Xingu tornou-se, em fins do século XIX, um dos alvos
prediletos de incontáveis expedicionários, pesquisadores,
jornalistas, visitantes, missionários e aventureiros de
todos os quilates, ansiosos por desvendar sua geografia,
sua etnografia ou suas riquezas naturais. Todavia, apenas
em meados do século XX consolidar-se-iam medidas para
submeter as terras e os povos que ali habitavam ao efetivo
controle das instituições governamentais, de modo a abrir
espaço aos planos estratégicos nacionais e aos interesses
econômicos mais imediatos. Indicaremos a seguir, muito
rapidamente, alguns dos empreendimentos que impeliram o
desvelamento e as tentativas de apossamento dos territórios
indígenas na bacia do Xingu.

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Mapa 29 – A expedição alemã de 1884 (Steinen, 1942)

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Inicialmente, temos as duas expedições alemãs,


chefiadas por von den Steinen (1942; 1940), em 1884 e 1887,
que obtiveram o apoio de autoridades brasileiras, em
especial, os presidentes da província de Mato Grosso.
Protegido pela escolta do capitão Paula Castro, von den
Steinen buscava na primeira expedição as cabeceiras do rio
Xingu, cujo nome e foz constavam da cartografia amazônica.
Para isso, atravessou os campos do Paranatinga e alcançou
um rio que então denominou de Batovi (em homenagem ao Barão
de Batovi, presidente da província), seguindo daí rio Xingu
abaixo, até alcançar sua foz no Pará. O itinerário
escolhido para a expedição seguinte, da qual tomaram parte
o antropólogo Paul Ehrenreich, o geógrafo Peter Vogel e
quatro praças chefiados pelo alferes Perrot, foi o rio
Curisevo, onde von den Steinen pretendia investigar os
vários povos indígenas apontados na expedição anterior pelo
velho cacique suya.

O etnólogo Hermann Meyer (1897; 1899) também realizou


duas incursões à bacia do Xingu. Na primeira, em 1896, em
companhia de Karl Ranke, desceu o rio Jatobá e, daí, foi
conhecer as aldeias no Culuene e Curisevo. Em 1899, quando
fez-se acompanhar de Theodor Koch-Grunberg, explorou
novamente a região do Ronuro. Meyer aludiu a uma “avultada
população”, em 39 aldeias (Meyer, 1899: 309):

“Longos anos se devem ter escoado desde que este


congraçamento se realizou, e, enquanto as línguas se
conservam relativamente puras, teve lugar uma notável
transformação etnográfica” (id., ibid.: 310).

E, encerrando o ciclo das expedições alemãs, o


etnólogo Max Schmidt (1942a; 1947c) realizou em 1900-1901
uma atribulada viagem pelo rio Curisevo.

A Comissão de Linhas Telegráficas e Estratégicas de


Mato Grosso, mais conhecida como “Comissão Rondon”, ordenou

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os levantamentos geográficos dos rios Culuene e Ronuro, de


maneira a complementar os serviços cartográficos de von den
Steinen. Do primeiro, encarregou-se o capitão Ramiro
Noronha (1952), em 1920, que documentou a presença dos
Kalapalo e Nahukwa e outros povos karib ao longo do rio
Culuene. Por sua vez, acompanhado do suíço Henrich
Hintermann, os capitães Vicente Vasconcelos (1945) e Luís
Tomaz Reis exploraram o rio Ronuro e filmaram algumas cenas
nas aldeias visitadas, enquanto uma segunda turma fazia o
reconhecimento do rio Jatobá, afluente da margem direita do
primeiro.

Com o posto Simões Lopes, nas cabeceiras do rio


Paranatinga, fundado e demarcado em 1920 pelo capitão
Ramiro Noronha, tencionava-se atrair e aglutinar os Bakairi
e demais xinguanos, bem como exercer alguma vigilância
contra as constantes entradas de aventureiros em busca das
famosas minas dos Martírios (Galvão & Simões, 1966: 38).

O desaparecimento em 1925 do coronel Percy Fawcett,


aventureiro inglês que imaginava existir entre o Araguaia e
o Xingu uma fantástica “cidade perdida”, desencadearia toda
uma gama de especulações e notícias sensacionalistas em
torno dos povos xinguanos. Dentre as expedições que saíram
à procura de Fawcett, temos a de G. Dyott (1929), em 1928,
e a viagem solitária do sinistrado jornalista norte-
americano Albert de Winton, em 1934.

Protestantes norte-americanos fizeram também suas


démarches no alto Xingu (Moennich, 1942; cf. Oberg, 1953:
4). O reverendo Thomas Young lá esteve repetidas vezes a
partir de 1926 e, por alguns anos, fixou um posto
missionário no alto Curisevo, junto aos Nahukwa. Pelo menos
até 1953 este e outros missionários norte-americanos
efetuaram visitas esporádicas às aldeias xinguanas e, numa
oportunidade, foram acusados de colaborar com agrimensores

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que mediam os lotes vendidos pelo Estado de Mato Grosso


(cf. Young, 1953).

A expedição de Vicente Petrullo, em 1931, objetivava


um reconhecimento arqueológico e etnológico, sob os
auspícios do Museu Universitário da Filadélfia. Com o apoio
de um avião anfíbio, documentou vários povos da zona
Curisevo-Culuene (Bakairi, Nahukwa, Mehinako, Waura,
Trumai, Yawalapiti, Kamayura, Tsuva, Kuikuro, Kalapalo e
Naravute).

A primeira pesquisa antropológica intensiva de uma


sociedade xinguana, utilizando o método conhecido como
“observação participante”, foi realizada por Buell Quain
(Murphy & Quain, 1955), quando em 1938 residiu durante
quatro meses entre os Trumai.

Em 1944 Nilo Vellozo encarregou-se de uma expedição


cinematográfica, designado pelo SPI. Descendo o rio
Curisevo, fez tomadas nos Kamayura e nos Mehinako. No ano
seguinte, procedeu a uma segunda expedição, tendo como
destino a aldeia kuikuro.

A Fundação Brasil Central (FBC), instituída em 1943,


que incorporou e passou a administrar a Expedição Roncador-
Xingu, lançada meses antes pelo ministro João Alberto, da
Coordenação da Mobilização Econômica, serviu de instrumento
para viabilizar o acesso (fluvial, terrestre, aéreo) e a
colonização dos cursos superiores do Araguaia, Xingu e
Tapajós, de acordo com as diretrizes da política de
interiorização preconizada pelo governo de Getúlio Vargas,
a tão propalada “marcha para o oeste” (Meireles, 1960;
Menezes, 2000). A FBC esteve ativa até 1967, quando foi
encampada pela Superintendência de Desenvolvimento do
Centro-Oeste (SUDECO), vinculada ao Ministério do Interior.

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Mapa 30 – Os postos da FBC (Oliveira, A., 1976)

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À Expedição Roncador-Xingu coube a abertura de campos


de pouso estratégicos, para servir de suporte à rota aérea
Rio de Janeiro-Manaus. Partindo de Aragarças (GO) em 1945 e
cruzando o território dos Xavante, a turma de vanguarda da
Expedição, a cargo dos irmãos Villas Bôas (Orlando, Cláudio
e Leonardo), chegou em 1946 às margens do rio Culuene, após
construir os postos Rio das Mortes (hoje a cidade de
Xavantina), Tanguro (no rio Sete de Setembro) e Garapu
(mais abaixo, ainda no rio Sete de Setembro). Durante os
trabalhos em Garapu, foram notificados os primeiros
indícios da presença dos habitantes alto-xinguanos:
assobios, gritos, batidas em árvores, esturros (Villas
Bôas, O. C., 1994: 119-120, 124, 132-137).

Na descida do rio Sete de Setembro, pouco acima de sua


foz, os expedicionários avistaram na margem esquerda novos
sinais da presença indígena, paus quebrados e uma queimada
para roça (id., ibid.: 149). Quando iniciaram os trabalhos
de abertura do campo seguinte, situado na margem direita do
curso principal do Culuene (ver mapa acima), os
expedicionários logo foram abordados pelos Kalapalo, cuja
aldeia estava muito próxima ao local escolhido. Em poucos
dias o posto Kuluene se tornou ponto de visitação também
dos Kuikuro, Naravute, Nahukwa, Matipu e Mehinako.

Um rápido sobrevôo, em fins de 1946, ofereceu uma


visão panorâmica da distribuição das aldeias indígenas ao
sul, entre os rios formadores do Xingu:

“Ficamos sabendo apenas que à margem esquerda há uma


grande lagoa onde moram os índios cuicuros e à direita
a imensa lagoa Itavununo, habitada por índios bravos;
nova grande lagoa abaixo do Kurisevu, onde estão os
camaiurás, e finalmente, mais abaixo, a junção dos
rios Kuluene, Ronuro e Batovi, que passam a correr com
o nome de Xingu. Gastamos entre ida e volta quase duas
horas” (Villas Bôas, O. & C., 1994: 185).

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No baixo Culuene, ainda na margem direita, assentaram


em 1947 o posto Jacaré, no local de uma antiga aldeia
trumai. A partir deste posto os expedicionários tinham
acesso às aldeias trumai, kamayura, aweti e waura. Nos anos
seguintes, o posto do Jacaré seria o local de chegada de
visitantes, pesquisadores, jornalistas, autoridades e
celebridades que passaram a freqüentar a bacia do Xingu. Em
1954 a Força Aérea Brasileira (FAB) assumiu o controle do
posto do Jacaré e sedimentou ali uma enorme infra-
estrutura, hoje abandonada (ver Fotografias, adiante),
destinada a servir de base para o controle do tráfego aéreo
doméstico e internacional.

Em março de 1948 extinguiu-se a Expedição Roncador-


Xingu, mas a abertura de campos de pouso prosseguiu sob a
administração direta da Fundação Brasil Central. Os Villas
Bôas, daí, procederam ao levantamento aéreo e fluvial do
rio Manitsauá-Miçu e seu afluente Arraias. Perto da foz do
Manitsauá-Miçu os Villas Bôas localizaram uma aldeia
juruna. E nas imediações da foz do Arraias, muitos sinais
da presença de índios mais arredios - cipós amarrados,
pedras de quebrar coco, restos de fogueira (Villas Bôas, O.
& C., op. cit.: 395).

Como não encontraram outro ponto mais adequado a um


novo campo de pouso, decidiram construi-lo na foz do rio
Suiá-Miçu, local da antiga aldeia suya que von den Steinen
conheceu em 1884 (id., ibid.: 387). No local deste posto
Diauarum encontraram inúmeros sinais da passagem recente de
índios - desenhos em árvores, jiraus de assar peixe etc.

“À medida que vamos nos familiarizando com o Diauarum,


vamos nos convencendo de que esta área é
constantemente visitada pelos índios. Estiveram aqui
há poucos dias. Também não é fácil encontrar lugar
como este, onde tudo o que o índio procura ele
encontra: pequi, macaúba, sapé, cana-brava pra flecha,
inajá, mangaba, açafrão etc. Jurunas e suiás andam por

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
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aqui. Pelos piques batidos acreditamos que os suiás


sejam os mais assíduos” (id., ibid.: 423-424).

Em 1949, os Villas Bôas retomaram a exploração do rio


Manitsauá-Miçu, e estenderam uma picada de suas cabeceiras
ao rio Telles Pires (ou São Manoel), onde um novo campo foi
construído, desta feita com a colaboração dos Kayabi que
ali habitavam. Ainda nesse mesmo ano, foi inaugurado o
campo na serra do Cachimbo, para servir de base aérea à
FAB.

Com a criação do Parque Nacional do Xingu em 1961, e a


nomeação de Orlando Villas Bôas como seu primeiro diretor,
os postos da Fundação Brasil Central apartaram-se da função
de assistência aos índios, agora sob a responsabilidade do
novo órgão federal.

Com base num acordo de cooperação com a Fundação


Brasil Central, entre 1947 e 1952 os pesquisadores do Museu
Nacional puderam estudar as sociedades alto-xinguanas e
alguns aspectos de seu habitat (Galvão, 1949, 1952, 1953,
1960; Lima, 1949, 1950, 1955; Carvalho, 1951). Já o
trabalho de Kalervo Oberg (1953), à mesma época, ofereceu
uma primeira etnografia geral dos Kamayura. A partir da
década de 50, entretanto, as pesquisas antropológicas e
lingüísticas tornaram-se mais amiudadas, favorecendo uma
expansão notável do interesse e do conhecimento acerca das
sociedades alto-xinguanas. As referências aos pesquisadores
que lá trabalharam constam dos tópicos dos respectivos
povos.

3. A dinâmica demográfica

Dados esparsos e incompletos dificultam uma


compreensão plena da dinâmica demográfica das populações
xinguanas ao longo das primeiras décadas do século XX. A

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partir dos anos 60, com o concurso de pesquisadores e a


normalização dos serviço de assistência à saúde, através da
Escola Paulista de Medicina, os registros têm adquirido
maior consistência. Para fins deste Laudo, no entanto,
comentaremos tão-somente os fatos mais gerais e
detalharemos os dados censitários mais recentes,
consolidados pelos DSEI do Xingu e DSEI de Kayapo/MT
(Ministério da Saúde/FUNASA).

Em fins do século XIX, von den Steinen anotou trinta


ou mais aldeias na região dos formadores do Xingu, e uma
população de mais ou menos 2.500 a 3.000 pessoas. Observou
ainda que as aldeias menores possuíam somente duas casas, e
as maiores quase vinte. Assim, conforme o tamanho, as
aldeias teriam entre 30 a 150 moradores; as maiores até 200
(Steinen, 1940: 244-245).

Tal contingente populacional, no entanto, talvez fosse


já bastante inferior ao que a região abrigara
anteriormente. Além de evidências arqueológicas das muitas
e mais populosas aldeias em séculos passados, há fortes
suspeitas de que ocorreram crises de despovoamento em razão
de epidemias infecciosas, inclusive varíola, registradas no
médio e alto Xingu (Heckenberger, 2001: 94). De todo modo,
as epidemias tornaram-se mais intensas e sucessivas a
partir das viagens de von den Steinen e as demais
expedições, fruto também das visitações mútuas entre os
Bakairi de Paranatinga e os povos alto-xinguanos. Como um
dos efeitos mais imediatos, sucedeu na primeira metade do
século XX um rápido decaimento populacional e um contínuo
depauperamento dos padrões de vida.

Todo este processo implicou, consequentemente, em


profundas alterações no perfil demográfico da região. Por
um lado, vários povos ou aldeias desapareceram ou se
fundiram – é o caso, como vimos, dos Yaruma, dos Manitsaua,
dos Naravute, dos Tsuva, dos Kustenau e dos Arawine. Por

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outro, alguns se retiraram das imediações dos formadores do


Xingu, como os Bakairi do Batovi e do Curisevo, que
seguiram para a região do Paranatinga.

Do ponto de vista demográfico, as primeiras excursões


dos pesquisadores do Museu Nacional, entre 1947 e 1952,
comprovaram alterações drásticas: o contingente
populacional dos povos meridionais (Kalapalo, Kuikuro,
Nahukwa, Matipu, Waura, Mehinako, Yawalapiti, Kamayura,
Aweti e Trumai), com suas dez aldeias, alcançava apenas 652
pessoas (Galvão & Simões, 1966: 41, 43).

A chegada da Expedição Roncador-Xingu à bacia do


Xingu, além disto, introduziu um vetor pertinaz de
disseminação de doenças epidêmicas. Apenas dois meses após
a instalação do posto Kuluene e o primeiro contato dos
expedicionários com os Kalapalo, a gripe já estava
“campeando solta” entre trabalhadores e índios. Nos
primeiros dias de dezembro de 1946 a gripe atingiu os
Kalapalo e, depois, os Kuikuro. O acampamento da Expedição
se converteria num precário ambulatório, com poucos
medicamentos e enfermeiros improvisados para atender os
doentes para lá eram carregados em redes (Villas Bôas, O. &
C., 1994: 177-180, 182). Das aldeias kalapalo e kuikuro
vinham chamados urgentes:

“Cláudio anotou: Ao chegarmos na aldeia calapalo


presenciamos um quadro desolador. Nove sepulturas
recentes indicavam a situação angustiosa da tribo.
Izarari – seu chefe geral – estava à morte. A
desolação e a fome corriam pela aldeia” (id., ibid.:
184).

Dias depois, o cacique kalapalo faleceria (id., ibid.:


188). Na aldeia kuikuro, a onze léguas do posto Kuluene, a
situação era idêntica: “oito covas abertas no pátio
central, mostrando bem a gravidade da situação” (id.,
ibid.: 185).

185
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Em meados de 1947, com a Expedição já instalada no


posto Jacaré, a epidemia se alastraria aos Kamayura e seus
vizinhos (Villas Bôas, O. & C., op. cit.: 241). O zoólogo
Helmut Sick, captou com sensibilidade a tragédia em curso:

“O índio adulto, a despeito de sua capacidade para


sobreviver ante as condições adversas que o ambiente
natural sempre lhe impôs, teve pouca resistência às
doenças dos civilizados. De início, os nativos não
sabiam o que eram a gripe, a tuberculose, as doenças
venéreas, nem as afecções infantis como o sarampo. O
maior perigo para eles, com o passar do tempo, ficou
sendo a gripe, introduzida no Xingu, antes de nossa
expedição chegar à área, via Cuiabá. Os mais idosos,
quase todos, morreram dessa epidemia. Em 1947, assim,
não encontramos senão um velho Kamaiurá, chamado
Kratzipá, que nos falou acerca de dois brancos, ‘Karl’
e o ‘Doutor Meyer’. Era curioso que, entre
brasileiros, ele dissesse esses nomes com uma
pronúncia nitidamente alemã. Só podia estar se
referindo aos etnólogos alemães Karl von den Steinen e
H. Meyer, que (...) estiveram no Xingu entre 1884 e
1899.
Levamos a gripe aos Kamaiurá como a havíamos levado,
antes, aos Kalapalo - em duas semanas morreram nada
menos do que 25 pessoas dessa tribo! Nossos homens
pareciam contrair apenas um resfriado ligeiro, mas
para os índios a gripe era mortal. Quase todos os dias
traziam-nos novos doentes para que nós os curássemos.
A confiança que tinham em nossos remédios era
ilimitada. (...) Não há como descrever os gemidos,
espirros e ataques de tosse que emergiam das choças.
Os índios, antes tão limpos, agora andavam
desmazelados e sujos. Suas figuras morenas caminhavam
trôpegas, com fundas olheiras e sem um laivo restante
de alegria. As expressões fisionômicas, que já em
circunstâncias normais não eram de interpretação nada
fácil, tornavam-se completamente impenetráveis. Eles
tossiam desesperadamente e cuspiam sem olhar para
onde. Em todos os esteios das choças havia placas de
catarro. Fracos e pálidos, os índios, tremendo de
febre, jaziam apáticos em suas redes. Fizemos todo o
possível para tentar reparar o dano causado: doses
colossais de penicilina foram aplicadas. A Fundação
passava por uma de suas periódicas crises financeiras
e havia suspendido o envio de remédios para os índios.
Mas os chefes da expedição não mediram sacrifícios
para enfrentar a tarefa, e com dinheiro do seu próprio

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bolso mandaram comprar penicilina no Rio. Numa só


noite chegavam a ser dadas mais de 40 injeções. O
número de mortes, apesar disso, aumentava. Um dos
primeiros a morrer foi Kratzipá.
O pior é que ninguém conseguia convencer os índios
doentes a se absterem de tomar seu banho diário ou de
jogar água fria sobre os corpos, prática que provocava
um choque, levando à pneumonia, mas com a qual eles
esperavam baixar o calor da febre. Quando entendiam
que o fim estava próximo, os índios pediam para ser
embarcados em suas canoas de casca e rumavam para suas
aldeias. Freqüentemente morriam a caminho.
Também em nosso acampamento houve baixas. Uma tarde
morreu Arawiku, jovem esposa de um Kamaiurá, Takafuai.
Seu corpo foi lavado, o uluri trocado, e as coxas e a
testa pintadas com urucu, como para um dia de festa.
Com todos os seus colares, que se entrelaçavam em
profusão uns aos outros, a morta foi depositada na
rede, tendo o busto e o rosto cobertos por uma esteira
de tuavi. O marido, sentado à cabeceira, no chão,
pronunciou entre soluços uma determinada seqüência de
palavras; à frente dele, seu brinco de penas de
tucano. Finalmente levantou-se, suspendeu a esteira do
rosto de Arawiku e levou a mão a seu peito, como se
ele ainda tivesse esperança de sentir o coração bater.
Deixando então o brinco de penas junto ao seio da
mulher, cobriu-a novamente com a esteira.
Na mesma tarde Arawiku foi enterrada diante de sua
choça, ou seja, bem no meio do nosso acampamento. Os
índios sempre sepultavam seus mortos no espaço livre
que há no centro das aldeias, e como aldeia
consideravam nosso Jacaré. (...) Arawiku descendia de
uma família de caciques e foi enterrada com o ritual
devido e apropriado” (Sick, 1997: 106-109).

Observaram os irmãos Villas Bôas (1994: 364) que as


epidemias anualmente grassavam na região, sendo este o
principal fator de depopulação. A mortalidade infantil era
então assustadora: de oito crianças que nasceram num certo
período, apenas duas sobreviveram.

Um surto generalizado de sarampo, em 1954, abalou


quase todas as aldeias xinguanas e resultou em 114 mortes
oficialmente registradas, a despeito das ações emergenciais
efetivadas pelo SPI para o atendimento dos doentes (Mota,
J. L. da, 1955; Motta, L. S. da, 1954). Dentre as seqüelas,

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a baixa resistência a outras doenças (malária, gripe,


pneumonia) e a penúria alimentar, que prostraram por longos
períodos a maioria dos adultos. Os Kalapalo, os Waura e os
Kamayura foram os mais atingidos, conforme a relação
abaixo:

Povo Mortos
Kalapalo 40
Waura 21
Kamayura 18
Aweti 8
Kuikuro 9
Suya 3
Trumai 2
Kayabi 2
Kayabi 1
Matipu 1
Outros 9
Total 114
Fontes: Mota, J. L. da, 1955;
Motta, L. S. da, 1954

Com os dados da Escola Paulista de Medicina, obtidos


em 1970, para alguns destes povos e mais os Ikpeng (Txikão)
e informações de outros pesquisadores para os demais,
delineia-se um quadro mais favorável para a década de 60
(Agostinho, 1972: 371-373), sugerindo que o atendimento
regular à saúde e a criação do Parque do Xingu contribuíram
positivamente no sentido de uma recuperação demográfica:

Quadro demográfico em 1970

Povo População Ano, Fonte


Kalapalo 115 1970, EPM
Kuikuro 150 1970, EPM
Nahukwa-Matipu 51 1963, Galvão e Simões (1966)
Waura 86 1963, Galvão e Simões (1966)
Mehinako 78 1970, EPM
Yawalapiti 65 1970, EPM
Kamayura 118 1970, EPM
Aweti 26 1967, Kietzman (1967)
Trumai 25 1970, EPM
Ikpeng (Txikão) 60 1970, EPM
Total 774
Fonte: Agostinho, 1972

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Conforme os dados coletados pela Escola Paulista de


Medicina, as comunidades situadas no Parque do Xingu e nas
áreas Wawi e Batovi vêm sustentando nos últimos anos uma
taxa de crescimento acelerado, calculada em 3,89% para o
último período. A população alcançou 3.918 pessoas em 2000
(EPM, 2000). Neste total estão computados 73 xinguanos que
residem na cidade de Canarana, a maior parte em busca de
maior escolaridade. No último ano ali nasceram 164 crianças
e morreram 17 indivíduos. Por sua vez, na área
Capoto/Jarina, que abrange os Txukahamãe e os Tapayuna, a
população somou 730 pessoas (MS/FUNASA, 2000). O quadro
abaixo traz os contingentes demográficos da área sub
judice, por aldeias e postos, que totalizam 4.648 pessoas
para o ano 2000:

População do Parque do Xingu e áreas Wawi e Batovi

Local (povo) População Nascidos óbitos


Kalapalo 204 11 1
PIV Kuluene (Kalapalo) 11
Tanguro (Kalapalo) 133 8
Kunue/Pedra (Kalapalo) 26 2
PIV Tanguro (Kalapalo) 9 1
Kuikuro 306 12 5
Afukuri (Kuikuro) 98 3
Aweti 108 2
Mehinako 172 4
PIV Kurisevo 17 2
Yawalapiti 217 5
Posto Leonardo 41 3
Matipu 101 3
Nahukwa 94 2
Ipavu (Kamayura) 243 7 2
Morena (Kamayura) 74 3
Jacaré 8
Waura 269 9 2
PIV Batovi (Waura) 8
Aruak 9
PIV Ronuro 19 1
PIV Terra Nova 25
Boa Esperança (Trumai) 33 1
Terra Preta (Trumai) 13 1
Steinen (Trumai) 23
Moygu (Ikpeng) 219 13 2
PI Pavuru (Ikpeng) 51 5
Barranco Alto (Kayabi) 17 2

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Continuação:
Local (povo) População Nascidos óbitos
Ilha Grande (Kayabi) 38 1
Tuyarare (Kayabi) 181 5 2
Kwaryja (Kayabi) 59 2 1
Itai (Kayabi) 27 2
Posto Diauarum 96 4 2
Riko (Suya) 202 9
Ngosoko (Suya) 46 2
PIV Wawi (Suya) 8
Capivara (Kayabi) 114 5
Pequizal (Kayabi) 34 4
Kururu (Kayabi) 101 7
Sobradinho (Kayabi) 67 5
Arraias (Kayabi) 6
PIV Tywape 13
Paquiçamba (Juruna) 43 1
Tubatuba (Juruna) 144 5
Maraka (Kayabi) 71 3
Moitará 11 3
Acu/Piaraçu 22 2
PIV Rio Preto 14
Canarana (cidade) 73 4
Total 3918 164 17
Fonte: Distrito Sanitário Especial Indígena do Xingu e
Escola Paulista de Medicina (dezembro de 2000)

População da área Capoto/Jarina

Local (povo) População


Kapoto (Txukahamãe) 328
Metuktire(Txukahamãe e Tapayuna) 315
Piaraçu (Txukahamãe) 87
Total 730
Fonte: MS/FUNASA, 2000

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Mapa 31 – A carta do Mato Grosso (Rondon, 1952)

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4. A demarcação das terras

Desde as primeiras décadas do século XX, os


observadores que lá estiveram descreveram, em linhas muito
precisas, os limites territoriais da região habitada pelos
povos xinguanos. De acordo com Vicent Petrullo (1932), as
fronteiras meridionais coincidiam com as últimas
corredeiras dos principais formadores do Xingu:

“A ocupação das margens desses dois rios [Curisevo e


Culuene] começa onde as corredeiras terminam, e os
rios tornam-se profundos e, no caso do Culuene, largo.
Esta parece ser a linha igualmente do fim das zonas
abertas do chapadão e o começo do cinturão florestal
que se estende ao norte em direção ao Amazonas. Assim
a região ocupada pelos assentamentos permanentes dos
aborígenes é aquele limitado às águas profundas
providas de peixes grandes, onde os mamíferos são
raros, porém proliferam aves e o solo é melhor”
(Petrullo, 1932: 143).

De sorte que, em meados do século XX, havia já um


cabedal de notícias judiciosas acerca da distribuição dos
povos xinguanos e a localização de suas aldeias, tal como
foi exibida na famosa “Carta do Estado de Mato Grosso e
regiões circunvizinhas”, coordenada pelo general Cândido
Rondon (ver mapa acima).

A despeito de toda a coleção de notícias acumuladas,


até o início da década de 50 nenhuma medida para a proteção
das terras indígenas na bacia do Xingu havia sido adotada
pelas instâncias governamentais competentes. Ao contrário,
o governo do Estado do Mato Grosso movimentou-se
rapidamente para liberar requerimentos e autorizar
concessões de terras na zona de influência dos povos
xinguanos.

Em resposta a um apelo dos irmãos Villas Bôas (Villas


Bôas, O. & C., 1951; cf. fls. 1254-1255 dos Autos), já às
voltas com agrimensores que adentravam a bacia do Xingu

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pelos rios ao sul e os campos de pouso da FBC, o SPI emitiu


uma Ordem de Serviço em 10 de maio de 1951 que proibia a
entrada de qualquer pessoa ou comitiva na “reserva indígena
do Xingu”, a providenciar (Freire, 1987). Logo a idéia de
criação da reserva no Xingu ganhou corpo sob a forma de um
“parque indígena”, uma figura jurídica até então
inexistente (Menezes, 2000: 107), e prosperou com a
cobertura de setores da imprensa e o apoio de intelectuais
e políticos:

“Essa idéia assumiu forma concreta ao ser convocada,


em 1952, pela Vice-Presidência da República [Café
Filho, vice-presidente], uma mesa redonda que debateu
o problema. Disto resultou um anteprojeto de lei
encaminhado àquela autoridade a 27 de abril,
anteprojeto que seria enviado ao Congresso como
mensagem do Poder Executivo” (Agostinho, 1972: 355).

As justificativas para a criação do Parque Indígena do


Xingu haviam sido elaboradas pelo etnólogo Darcy Ribeiro,
realçando o interesse etnológico, florístico e faunístico
da área a ser abrangida, entre os rios Liberdade e Telles
Pires (cf. “Ante-projeto de lei”, ajuntado às fls. 1861 a
106 dos Autos). Deve-se notar que, a valer a proposta
original, estariam resguardadas no interior do Parque as
terras tradicionais dos Kayabi, dos Tapayuna e dos Panara
(Krenakarore), povos que, como vimos acima, tiveram seus
territórios alienados e foram posteriormente removidos para
as margens do rio Xingu (ver mapa ”Ocupação e
reconhecimento das terras indígenas”, Anexo 3).

Com instalação de um posto próximo à confluência dos


formadores do Xingu, denominado Capitão Vasconcelos (anos
depois renomeado para posto Leonardo Villas Bôas), e a
nomeação de Orlando e Cláudio Villas Bôas como delegados do
órgão, o SPI passou a exercer em fins de 1952 um controle
mais rigoroso sobre o ingresso de estranhos na região, bem

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como sobre as próprias comunidades indígenas (Freire, op.


cit.).

Ante a demora do Executivo para encaminhar a proposta


de criação do Parque do Xingu, o senador Kerginaldo
Cavalcanti apresentou-a em 1953 no Senado Federal, na forma
do Projeto de Lei no 14/53. Em 1955 os senadores Carlos
Gomes de Oliveira, Freitas Cavalcanti e Carlos Lindenberg
recolocaram-no em discussão, através do Projeto no 819/55.
A par da interminável tramitação no âmbito legislativo, o
governo do Estado de Mato Grosso impulsionou a venda e a
concessão de terras de modo a anular antecipadamente os
efeitos do projeto de criação do Parque do Xingu, caso
fosse aprovado.

Atendendo à solicitação da Seção de Estudos do SPI, o


antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira investigou à época
o problema da alienação das terras no futuro Parque do
Xingu. Segundo ele, a política de concessão de glebas a
companhias particulares de colonização, levada à efeito
pelo Departamento de Terras e Colonização do Estado de Mato
Grosso, intencionava “escamotear o dispositivo
constitucional que proíbe a entrega de glebas de mais de 10
mil hectares a particulares sem a prévia autorização do
Senado Federal” (Oliveira, 1955: 178). Cinco dessas
colonizadoras operavam diretamente dentro da área
pretendida para o Parque do Xingu (ver mapa abaixo):

“Constata-se a realidade desta alienação, tomando-se


por exemplo a área reservada pelo Decreto 1.210, de
10/12/51, e entregue à Sociedade de Agricultura e
Colonização de Araraquara – Mato Grosso (cf. mapa, o
no IV). Essa região que fica na confluência do rio
Xingu é talvez aquela em que se verifica maior
densidade indígena: nela acham-se localizadas aldeias
de índios Kamayurá, de Ywalapití, Waurá e Trumái,
perfazendo um número ponderável de malocas e de
índios. Também as glebas pertencentes à Colonizadora
Norte de Mato Grosso (cf. mapa, o no 3; e a área
provável, em pontilhado) compreendem inúmeras aldeias,

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postos indígenas e benfeitorias. Nas demais áreas


assinaladas no mapa, embora em menor densidade, acham-
se também tribos, havendo inclusive hordas hostis,
como as dos Kayabí. Portanto, mesmo que não existisse
o anteprojeto de Lei que cria o Parque Indígena do
Xingu, poder-se-ia concluir pela ilegalidade das
transações efetuadas entre o Estado de Mato Grosso e
compradores de terras” (Oliveira, 1955: 183).

Mapa 32 – Alienação das terras do Xingu (Oliveira, 1955)

Em suas conclusões, Cardoso de Oliveira sustentou que


a política fundiária adotada pelo governo estadual não
apenas desrespeitava flagrantemente o artigo 216 da
Constituição então vigente, como também incentivava a
especulação imobiliária e, inclusive, atentava contra a

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segurança nacional, ao privilegiar a alienação dos lotes a


estrangeiros.

A despeito dos argumentos e da campanha favorável à


criação do Parque do Xingu, os limites afinal estipulados
pelo Decreto 50.455, de 14 de abril 1961, contemplariam, em
grande medida, as restrições impostas pelo governo de Mato
Grosso, que considerava a proposta original de 1952 “demais
exagerada” e uma “amputação do patrimônio matogrossense”,
nas palavras do governador Fernando Corrêa da Costa (1955).
Idealizado como uma faixa de oitenta quilômetros, que
tomava o rio Xingu como eixo, e limitado ao sul por uma
linha paralela à altura da confluência dos rios Culuene e
Curisevo (ver mapa “Ocupação e reconhecimento das terras
indígenas”, Anexo 3), o então Parque Nacional do Xingu
sequer abrangia em seu perímetro as aldeias e grande parte
das terras dos Kalapalo, Nahukwa, Kuikuro, Mehinako, Aweti
e Waura.

Uma parte dessa omissão seria equacionada através do


Decreto 63.082, de 6 de agosto de 1968, que fixou o
paralelo 12º 30’como limite sul do Parque. Contudo, as
injunções inerentes ao programa desenvolvimentista do
regime militar, que retomava em maior escala a construção
de vias de acesso às regiões Centro-Oeste e Amazônia e a
expansão das fronteiras agrícolas, trariam alterações
lesivas ao novo perímetro.

O Decreto 68.909, de 13 de julho de 1971, anexou ao


sul mais uma parte das terras tradicionais dos alto-
xinguanos e, ao mesmo tempo, decapitou o Parque do Xingu de
uma grande área ao norte, tradicionalmente ocupada pelos
Txukahamãe e Juruna. A medida destinava-se a viabilizar o
traçado da rodovia BR-80, ligando Xavantina a Cachimbo. A
porção excluída, contudo, permaneceria “sob o regime do
artigo 198, da Constituição enquanto habitadas, com caráter
de permanência, pelas tribos indígenas que atualmente nela

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
2a. Vara, JF - Mato Grosso/Proc. 1997.36.00.005648-9

se encontram”, até que a FUNAI promovesse “a tração dos


grupos indígenas arredios, localizados na área excluída ou
nas regiões circunvizinhas, para o interior do Parque
Nacional do Xingu, devolvendo à posse e domínio pleno da
União as terras por eles habitadas”.

Os Txukahamãe, entretanto, não aceitaram passivamente


a transferência forçada, situação que ocasionou diversos
conflitos com as fazendas que ali foram se instalando.
Poucos anos antes os encarregados do Parque do Xingu haviam
orientado os Txukahamãe a deslocarem sua aldeia para
Porori, às margens do rio Xingu, na altura da latitude 10º
20’ sul. E com a definição do projeto de construção da
estrada BR-80, exortaram os Txukahamãe a se transferir
ainda mais ao sul, o que apenas uma parte aceitou – e assim
mesmo, a aldeia construída em 1969 ficou ao norte da BR-80.
Os demais retornaram para as imediações do rio Jarina.

Em 26 de maio de 1976, reconhecendo que uma boa


parcela da população txukahamãe persistia “além dos limites
do Parque Nacional do Xingu, em suas aldeias originais, ao
norte do Parque, sem usufruir dos benefícios de uma
assistência regular por parte do órgão”, a FUNAI editou a
Portaria 369/N, delimitando uma área para o posto Jarina
entre a BR-80 e o Paralelo 10º, na margem esquerda do rio
Xingu.

Em 1980 onze peões que desmatavam uma área à margem


direita do rio Xingu, logo a jusante da estrada BR-80,
foram mortos e os Txukahamãe interromperam o tráfego da BR-
80. Pressionada, a FUNAI comprometeu-se a estudar o
estabelecimento de uma “faixa de amortecimento” na margem
direita, com a largura de quinze quilômetros, de modo a
assegurar a necessária proteção ambiental e o controle
exclusivo dos recursos do rio Xingu. Segundo a antropóloga

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Vanessa Lea (1983), tratava-se de terras tradicionalmente


ocupadas por este subgrupo kayapo:

“Os Txukahamãe têm uma aldeia velha e acampamentos na


margem direita do Xingu, e sempre consideraram essa
terra como parte integrante de seu território.”

Em 18 de fevereiro de 1982, através do Decreto 86.956,


o governo federal declarou de interesse social, para fins
de desapropriação, a fazenda Agropexin (Agropecuária Xingu
e Ramze Abou Rizk), num total de 39.777 hectares, para
“servir de habitat ao grupo indígena Txukarramãe”.

Um favor aos pretensos proprietários estabelecidos em


terras de ocupação tradicional dos Txukahamãe, a resolução
do governo federal, no entanto, não respondia às demandas
indígenas. Em março de 1984, representantes de todos os
povos xinguanos reuniram-se na BR-80 para reivindicar a
demarcação das terras txukahamãe - o seqüestro da balsa do
rio Xingu e a tomada de funcionários como reféns buscavam
forçar uma negociação com a FUNAI (Lea & Ferreira, 1985).

Através da Portaria 291/P, de 16 de abril de 1984, a


FUNAI interditou a faixa de 15 quilômetros na margem
direita do Xingu. Em seguida, esta foi declarada de
interesse social para fins de desapropriação pelo Decreto
89.618, de 7 de maio de 1984, destinada a “servir de
habitat ao grupo indígena Txukarramãe, passando a integrar
a Reserva Indígena Jarina”. Como notou Vanessa Lea (1997b:
61) no laudo antropológico referente ao Processo 3.145-3
(3a. Vara da Justiça Federal, Seção de Mato Grosso), a
medida apenas restabelecia os limites anteriores do Parque,
fixados em 1961 e mantidos em 1968. Na verdade, as áreas
desapropriadas constituíam parte do território tradicional
dos Txukahamãe, como vimos acima.

Ao mesmo tempo, atendendo um antigo pleito dos


Txukahamãe, o Decreto 89.643, de 10 de maio de 1984,

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declarou de ocupação indígena a área Capoto, na margem


esquerda do rio Xingu, ao norte da área Jarina.

Em 25 de janeiro de 1991, então, o governo federal


homologou as demarcações administrativas do Parque do
Xingu, com 2.642.003,937 hectares e perímetro de 898,334
quilômetros, e da área Capoto/Jarina (que englobou as áreas
Jarina e Capoto e a faixa de 15 quilômetros na margem
direita do rio Xingu), com superfície de 634.915,225
hectares e perímetro de 415,455 quilômetros, ambas
caracterizadas como “de ocupação tradicional e permanente
indígena”.

Os obstáculos e conflitos que emergiram nesse longo,


tumultuado e inconcluso processo demarcatório revelam,
sobretudo, a falta de maior discernimento e de vontade
política para certificar a real abrangência dos territórios
indígenas. Mesmo as iniciativas mais bem sucedidas, devo
notar, exibiram graves erros estratégicos na medida em que,
ao tomar como eixo central o curso do rio Xingu, o traçado
das fronteiras do Parque excluíram não apenas porções
essenciais de territórios tradicionais, mas também as
cabeceiras de todos os seus formadores e afluentes maiores,
fecundando assim uma situação de extrema vulnerabilidade
ambiental. Com efeito, várias agressões ambientais já foram
notificadas, dentre as quais a poluição das cabeceiras do
rio Tanguro, enfocada na reportagem do jornalista Nelson
Francisco, divulgada pela página na Internet da agência
Midianews:

“Poluição no Rio Tanguro, afluente do Xingu,


compromete a saúde do índios kalapalo, no município de
Canarana, região Leste do Estado, no Parque Indígena
Nacional do Xingu. A contaminação da águas estaria
ocorrendo com a construção de uma grande represa na
Fazenda Cocal, de propriedade de Carlos Nakano, para a
criação de peixe pirarucu, uma espécie estranha àquela
região.

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
2a. Vara, JF - Mato Grosso/Proc. 1997.36.00.005648-9

Os índios perceberam a alteração na água em setembro,


quando fizeram a denúncia ao escritório do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama), em Canarana, e, em seguida, em
Brasília. Técnicos do órgão estiveram no local e
paralisaram a obra, a qual não teria licença do órgão
ambiental.
Hoje, informou Mairawe Kaiabi, coordenador de
fronteira do Parque Indígena Nacional do Xingu, uma
equipe do Ibama e da Associação Terra Indígena Xingu
(Atix), retornam ao local para cobrar do fazendeiro o
Relatório de Impacto Ambiental (Rima). Segundo
Mairawe, a represa está comprometendo a qualidade das
águas do Rio Tanguro, utilizado cotidianamente pelos
índios kalapalo de uma aldeia com o mesmo nome. A água
do rio ficara repentinamente barrenta, prejudicando o
abastecimento da aldeia e sua atividade pesqueira.
Preocupados com a situação, os índios organizaram uma
incursão rio acima, acompanhados por um chefe de posto
da Funai, para verificar a origem do problema. A
expedição constatou que o proprietário da fazenda está
construindo um represa com aproximadamente 100
hectares para a implantação de um projeto de criação
comercial de pirarucu - um peixe amazônico, muito
procurado por restaurantes.
As obras, de acordo com Mairawe, envolvem a construção
de barragens de contenção ao longo de toda a área a
ser represada e a abertura de canais de drenagem do
rio Tanguro até a represa. A movimentação da terra por
tratores e escavadeiras está ocasionando o carreamento
de um grande volume de sedimentos para as águas do
rio.
‘No momento as máquinas estão paradas; a informação
que eu tenho é que apenas existe uma máquina no local,
até que o dono apresente relatório ao Ibama’, disse
Mairawe, por telefone. ‘Eles não têm autorização do
Ibama para fazer essa represa’.
Preocupados com o impacto da obra sobre o Rio Tanguro,
os índios cobram providências do Ibama e da Fundação
Nacional do Índio (Funai). A denúncia foi feita há
mais de um mês, contudo, até hoje a obra permanece no
local, com riscos de poluir ainda mais o rio que
abastece os índios.
Conforme o coordenador de fronteira do Parque Indígena
Nacional do Xingu, não é a primeira vez que os povos
indígenas do Parque enfrentam problemas ambientais
decorrentes de obras irregulares e ambientalmente
impactantes executadas em propriedades vizinhas ao
território onde vivem 14 etnias, totalizando cerca de
4 mil pessoas.

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
2a. Vara, JF - Mato Grosso/Proc. 1997.36.00.005648-9

Os projetos de fazendeiros e madeireiros que procuram


desbravar a última fronteira agrícola em Mato Grosso,
na maioria da vezes não têm licenciamento ambiental, e
ignoram a legislação vigente, que protege cursos
d'água e que estabelece restrições para projetos
implementados no entorno de terras indígenas. O caso
da Fazenda Cocal traz como agravante o fato de estar
introduzindo uma espécie de peixe estranha à região
onde o projeto está sendo implantado.
Há três anos, os índios denunciaram o empresário
paulista Pelerson Soares Penido, proprietário da
empresa agropecuária Roncador, uma das maiores
propriedades da bacia do rio Xingu no Mato Grosso, por
ter construído um sistema de drenagem com centenas de
quilômetros de extensão, contrariando a legislação
ambiental e causando graves impactos para as
comunidades indígenas que residiam rio abaixo”
(“Poluição atinge o Xingu. Peixe estranho preocupa
índios”, Nelson Francisco, Midianews, 24 de outubro de
2000).

Diante desse quadro de poluição e degradação dos


recursos naturais no entorno do Parque, os Suya e os Waura
urgiram medidas legais para a reintegração de alguns
trechos de suas terras originais. No médio e alto rio Suiá-
Miçu, território tradicional dos Suya, estavam os sítios de
várias aldeias antigas que continuavam a percorrer em suas
expedições de caça, pesca e coleta, surgindo ali confrontos
com pescadores e caçadores e com as empresas agropecuárias.
Preocupados com a poluição dos rios e córregos de seu
território tradicional, os Suya paralisaram em abril de
1994 os trabalhos de desmatamento nas fazendas São Pedro e
Santo Antônio, retomando o controle sobre a zona de antigas
aldeias no rio Wawi (ou Santo Antônio). O Ministério da
Justiça e a FUNAI entenderam tratar-se de terras de posse
permanente dos Suya, declarando a área Wawi através da
Portaria 1.029/MJ, de 1 de outubro de 1997. A demarcação
administrativa foi homologada em 8 de setembro de 1998, com
uma área de 150.329,186 hectares e perímetro de 219,386
quilômetros.

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
2a. Vara, JF - Mato Grosso/Proc. 1997.36.00.005648-9

Da mesma maneira, os Waura denunciaram a invasão por


madeireiras do setor oeste do Parque, próximo às cabeceiras
do rio Quente, afluente do rio Batovi. Foi então que
perceberam uma estranha reentrância na demarcação dos
limites do Parque, e solicitaram sua retificação. Através
da Portaria 1.026/MJ, de 1 de outubro de 1997, a área
Batovi foi declarada de posse permanente dos índios; a
homologação da área de 5.158,981 hectares e perímetro de
50,845 quilômetros deu-se em 8 de setembro de 1998.

Os conflitos latentes, destarte, tornam patente a


insatisfação dos povos xinguanos quanto aos limites
arbitrados para o Parque do Xingu, que deixaram ao
desabrigo trechos significativos de seus territórios
tradicionais. Temos, num outro exemplo, a reivindicação dos
Ikpeng acerca de suas terras originais no rio Jatobá, de
onde foram retirados devido a uma invasão de garimpeiros e
que, agora, estão sendo devassadas por umas poucas
fazendas. Da mesma maneira, os Juruna desejam recuperar uma
área que sempre exploraram no rio Mosquito (ou Huaiá-Miçu),
onde extraíam taquari e caçavam aves. Recentemente a
fazenda Ibicaba arrancou com trator as touceiras de taquari
e as queimou, fato que chocou profundamente a comunidade
juruna.

Já ao sul do Parque, os Kalapalo requerem um trecho de


suas terras tradicionais, na confluência do rio Sete de
Setembro com o rio Culuene, área hoje ocupada por fazendas
e pousadas e freqüentada nos fins de semana por pescadores
e turistas. Os Kalapalo, anos atrás, dissuadiram um dos
fazendeiros que pretendia derrubar os pequizais plantados
pelos antigos karib.

De acordo com os testemunhos históricos e


antropológicos compulsados, portanto, a área sub judice
corresponde tão-somente a uma fração dos territórios
tradicionais dos povos xinguanos. Dentre os trechos

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
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essenciais não defendidos pelos perímetros do Parque do


Xingu e das áreas Batovi, Wawi e Capoto/Jarina, foram
levantados no decorrer da presente perícia: as plantações
de pequi dos Kalapalo, na foz do rio Sete de Setembro; o
lugar sagrado dos Waura, onde está a gruta Kamukwaka, no
alto rio Batovi; as terras dos Ikpeng, no rio Jatobá; a
região dos índios isolados no rio Arraias; a zona de caça e
extração de taquari dos Juruna, no rio Huaiá-Miçu (ou
Mosquito); e os locais das antigas aldeias dos Suya no alto
e médio curso do rio Suiá-Miçu, onde ainda caçam e pescam.

Para melhor ilustrar esta situação, os referidos


trechos dos territórios tradicionais, até agora não
contemplados nos atuais perímetros do Parque e demais áreas
indígenas adjacentes, foram plotados de forma aproximada no
mapa “Perícia antropológica no alto Xingu” (Anexo 4).

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
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V. RESPOSTAS AOS QUESITOS

1. Quesitos do Estado do Mato Grosso

1. Pode o senhor perito responder se no perímetro das


Reservas Indígenas Nambikwara e Parecis, habitavam
nações indígenas? Quais? Desde quando?

Devo notar, em primeiro lugar, que a presente Ação não


diz respeito às terras indígenas acima nomeadas pelo Estado
de Mato Grosso, mas sim ao Parque do Xingu e áreas Batovi,
Wawi e Capoto/Jarina, nas quais habitavam e habitam
tradicionalmente, conforme descrito extensamente no tópico
III acima, inúmeros povos indígenas, a saber, Mehinako,
Waura, Yawalapiti, Kalapalo, Nahukwa, Matipu, Kuikuro,
Kamayura, Aweti, Trumai, Ikpeng, Suya, Juruna e Txukahamãe.

Alguns destes povos tiveram sua população muito


reduzida, como os Naravute, os Tsuva e os Kustenau, em
razão de epidemias a eles transmitidas por expedicionários,
aventureiros e outros que penetraram na região do alto
Xingu em fins do século XIX e nas décadas seguintes. Seus
sobreviventes, assim como os dos povos Arawine, Yaruma e
Manitsaua, entrementes, foram absorvidos em aldeias de
povos próximos ou afins. Outros, como os Bakairi, emigraram
para a região do rio Paranatinga, atraídos pelos parentes
“mansos” que ali viviam assistidos pela Diretoria de
Índios, embora ainda hoje mantenham contatos regulares com
os demais povos alto-xinguanos.

Três outros povos foram, em diferentes momentos,


removidos de seus territórios originais por agentes
governamentais (FBC, SPI e FUNAI) para o Parque do Xingu,
em razão de sérias ameaças à sua sobrevivência. São eles os
Kayabi, os Tapayuna e os Panara. Suas terras tradicionais
estão hoje, em sua maior parte, devastadas por empresas
agropecuárias e projetos de colonização. Quanto aos Panara,

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estes conseguiram afinal retornar, em 1995, para uma


parcela das terras tradicionais, na região do rio Iriri,
após a delimitação realizada pela FUNAI.

A ocupação da área sub judice pelos ancestrais de


alguns desses povos, em particular os aruak e os karib,
remonta há pelo menos cerca de 800 anos, conforme atestam
os materiais pré-históricos retirados de diferentes pontos
da bacia do Xingu, nos quais foram realizadas escavações
arqueológicas.

De acordo com os parâmetros conceituais e legais que


balizaram o presente Laudo, todavia, os argumentos cruciais
para a comprovação da antigüidade e da continuidade da
ocupação indígena na área sub judice e suas adjacências
estão respaldados nos relatos oriundos da tradição indígena
e, particularmente, nos abundantes registros históricos e
antropológicos coligidos desde o final do século XIX, bem
como na observação e comparação de aspectos essenciais do
modo de vida dos diversos povos indígenas que lá estão.
Como espero haver demonstrado, os testemunhos históricos e
antropológicos que se acumularam desde as viagens pioneiras
de von den Steinen, em 1884 e 1887, asseveram de maneira
inequívoca a ativa e ininterrupta ocupação indígena em toda
a extensão da área em litígio, ao longo de todo o século
XX.

2. Em caso de resposta positiva, tais povos da


floresta tinham localização permanente em toda
extensão territorial? A partir de que data?

Nos tópicos acima encontram-se sumários extraídos da


soberba coleção de testemunhos históricos e antropológicos
obtidos desde as viagens pioneiras de von den Steinen, cuja
validade e coerência a vistoria pericial in loco corroborou
decididamente. A análise acurada das provas assim

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
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constituídas permitiu-nos confirmar não apenas a intensa e


continuada ocupação indígena da área ora em litígio, como
também de certas porções adjacentes que não foram
contempladas nos perímetros atribuídos ao Parque do Xingu e
às áreas Batovi, Wawi e Capoto/Jarina.

Conforme as evidências arqueológicas, tal como se


afirmou acima, a ocupação da área sub judice pelos povos
aruak, karib e tupi, cujos descendentes lá se encontram
vivendo até hoje, teve início muitos séculos atrás. Os
deslocamentos sazonais que ali se verificam, para
aproveitamento de recursos naturais, para a localização de
terras férteis ou por razões de ordem política,
circunscrevem-se de modo geral aos próprios territórios
tradicionalmente definidos e reconhecidos entre os diversos
povos xinguanos.

De acordo com os testemunhos históricos e


antropológicos compulsados para fins da presente perícia, a
ocupação indígena está enraizada em toda a extensão da área
sub judice, e igualmente se estende para além dos seus
limites. Em particular, não foram até agora abrigados pelos
perímetros estipulados pelo SPI ou pela FUNAI os seguintes
trechos de seus territórios tradicionais: as plantações de
pequi dos Kalapalo, na foz do rio Sete de Setembro; o lugar
sagrado dos Waura, onde está a gruta Kamukwaka, no alto rio
Batovi; as terras dos Ikpeng, no rio Jatobá; a região dos
índios isolados no rio Arraias; a zona de caça e extração
de taquari dos Juruna, no rio Huaiá-Miçu (ou Mosquito); e
os locais das antigas aldeias dos Suya no médio e alto
curso do rio Suiá-Miçu, onde ainda caçam e pescam. Para
melhor ilustrar, foram assinalados no mapa “Perícia
antropológica no alto Xingu” (Anexo 4) estes trechos dos
territórios tradicionais não abrigados nos atuais
perímetros do Parque e demais áreas indígenas adjacentes.

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
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A inteira extensão territorial da área ora em litígio,


portanto, vêm sendo ocupada de forma permanente e
inequívoca, desde épocas remotas, pelos povos Mehinako,
Waura, Yawalapiti, Kalapalo, Nahukwa, Matipu, Kuikuro,
Kamayura, Aweti, Trumai, Ikpeng, Suya, Juruna e Txukahamãe.
Os registros históricos e antropológicos, que se iniciaram
com as viagens de von den Steinen e receberam acréscimos de
sucessivos observadores, testemunham a utilização vigorosa
e diversificada da área sub judice pelos povos acima
citados. As moradias, as plantações de pequi e mangaba, as
atividades agrícolas, a pesca, a caça, a coleta de frutas e
a extração de matérias primas ensejam a exploração ampla e
sistemática dos vários nichos ambientais que se encontram
na bacia do Xingu, como as chamadas terras firmes, as matas
ciliares, os trechos de cerrado ou campo, os buritizais, as
várzeas alagadiças, as praias, os rios e as zonas
lacustres, entre outras.

3. Há elementos antropológicos, artísticos, culturais


que possam assegurar conclusivamente a presença nativa
anterior a 1968 nas áreas das mencionadas reservas em
toda sua amplitude? Quais?

No caso das terras indígenas na bacia do Xingu, a sua


caracterização exige algumas considerações prévias. A
distribuição espacial, o uso dos recursos naturais e a
representação simbólica do espaço físico encontram-se
submetidos, de um modo geral, à existência de um
conglomerado sócio-cultural peculiar, que se constituiu ao
longo de vários séculos de acomodação e de integração de
povos com línguas e tradições culturais muito distintas,
abrigados na seção meridional do rio Xingu, desde os cursos
médios dos rios Culuene, Curisevo, Batovi e Ronuro até bem
abaixo de sua confluência na baía de Morená. Conhecida no
meio antropológico como “área do uluri”, trata-se de um

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
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sistema cultural regional que se distingue pela difusão de


traços padronizados, a prática de rituais comuns, as trocas
especializadas e uma política de intercasamentos.

Participantes de tal sistema regional, os povos


Mehinako, Waura e Yawalapiti de língua aruak, os Kuikuro,
Matipu, Nahukwa e Kalapalo de língua karib, os Kamayura e
Aweti de língua tupi-guarani e o alófilo Trumai continuam a
conviver de modo harmonioso e a compartilhar, de maneira
extensa, uma mesma base territorial. Ainda em meados do
século XX, ali estavam também os Naravute e os Tsuva, de
língua karib, e os Kustenau, de língua aruak, cujos
remanescentes fundiram-se a outros povos, e os Bakairi
orientais, também de língua karib, que se retiraram em
direção ao rio Paranatinga, onde foram viver com os Bakairi
ocidentais.

Ainda que cada um desses povos esteja assentado e


explore áreas que considera próprias, segundo limites mais
ou menos definidos no interior de uma ampla extensão
territorial contínua, há ali muitos nichos ecológicos que
são usufruídos em comum, lugares míticos e referências
históricas e geográficas igualmente reverenciados e vias de
acesso terrestre e fluvial que interligam as diferentes
aldeias. O intenso trânsito de visitantes e convidados e a
presença em quase todas as aldeias de indivíduos de
diferentes povos xinguanos são expressões claras do domínio
amistoso e conjugado do espaço geográfico circundante.

A região do alto Xingu abriga ainda outros povos que


não estão ou estavam integrados à “área do uluri”, ainda
que, até muito recentemente, alternassem relações pacíficas
e condutas beligerantes com um ou outro dos povos membros
desta coligação. Situados portanto nas vizinhanças da “área
do uluri”, os Suya e os Txukahamãe (ou Metuktire, um
subgrupo Kayapo de língua jê), os Ikpeng (ou Txikão) de
língua karib e os Juruna (ou Yudja) de língua tupi foram

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
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catalogados, por isto, como povos “marginais” ou


“periféricos”. Entre estes, incluíam-se ainda os Manitsaua
e os Arawine, de língua tupi, e os Yaruma, de língua karib,
hoje considerados extintos ou incorporados a outros povos.

Embora localizados no entorno da região dos formadores


do Xingu, os territórios tradicionais dos chamados
“periféricos”, na verdade, ali se encaixam ou mesmo se
sobrepõem em vários pontos. A contiguidade espacial entre
os povos “periféricos” e a “área do uluri” revela-se em
diferentes momentos e aspectos da vida social: a freqüência
e a densidade das relações mútuas, quer amigáveis ou
hostis, que derivavam em festas e torneios, casamentos
mistos, raptos, trocas comerciais ou pilhagens; os
assentamentos subsequentes em áreas anteriormente ocupadas
por povos distintos; e, também, o aproveitamento simultâneo
de recursos naturais em áreas intermediárias.

Sob várias facetas, a ocupação da bacia do Xingu pelos


povos vinculados à “área do uluri” e pelos povos ditos
“periféricos” aglutinou aqueles territórios indígenas num
bloco compacto e indissociável, não remanescendo ali áreas
devolutas ou sítios lacunares. Em outros termos, é preciso
examinar a realidade xinguana, com seus povos entrelaçados
e seus territórios sobrepostos, através de uma visão mais
integrada. Para fins ilustrativos, um esboço da extensão
territorial que ali ocupam esses povos encontra-se no mapa
“Ocupação e reconhecimento das terras indígenas” (Anexo 3),
elaborado para fins desta perícia.

Será preciso considerar ainda, no quadro atual, a


situação dos grupos ou povos que foram “transferidos” para
o interior do Parque do Xingu pelas autoridades
governamentais. Assim sucedeu com os Kayabi (tupi-guarani),
os Tapayuna (ou Beiço-de-Pau, de língua jê) e os Panara (ou
Kren-akarore, de língua jê). De todo modo, como referiu
Bruna Franchetto (1987: 14), os grupos adventícios vieram

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de regiões circunvizinhas à bacia do Xingu, e portanto “não


eram desconhecidos dos alto-xinguanos, sendo antiga a
história de relações, sobretudo guerreiras, entre eles”.

Apontamos nos tópicos II.1 e II.2 os critérios


apropriados à caracterização das terras tradicionalmente
ocupadas pelos povos xinguanos. Num primeiro momento,
caberia examinar as áreas onde estão assentadas as aldeias
atuais; as capoeiras antigas e as roças; as plantações de
pequi e mangaba; os rios e lagos onde pescam; os ambientes
de mata e de cerrado onde colhem frutas e extraem matérias
primas; as trilhas utilizadas na caça; os sítios tidos como
sagrados (a exemplo da baía Morená, na confluência dos rios
Batovi e Culuene, e a gruta Kamukwaka, no alto Batovi); e,
também, outras referências sociais, culturais e históricas,
a exemplo dos “cemitérios” onde estão sepultados seus
ancestrais.

Com relação a estes últimos, devemos lembrar o costume


generalizado entre os povos xinguanos de enterrar os mortos
na própria aldeia, em covas abertas no próprio terreiro. Na
medida em que a fórmula constitucional incluiu entre as
terras tradicionalmente ocupadas “as necessárias a sua
reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e
tradições”, há que se concordar que os sítios das antigas
aldeias figuram como partes constitutivas das terras
indígenas a serem reconhecidas pelo poder público. Estes
sítios, além de marcos históricos que sustentam a
identidade coletiva e a vida religiosa, são muitas vezes os
locais preferidos para as roças e os acampamentos de verão
ou mesmo as novas aldeias.

Como já dissemos acima, desde fins do século XIX vêm


sendo produzidos registros documentais conclusivos da
presença na área sub judice dos povos Mehinako, Waura,
Yawalapiti, Kalapalo, Nahukwa, Matipu, Kuikuro, Kamayura,
Aweti, Trumai, Ikpeng, Suya, Juruna e Txukahamãe (ver a

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
2a. Vara, JF - Mato Grosso/Proc. 1997.36.00.005648-9

bibliografia consultada, no tópico VI abaixo). No caso dos


povos removidos de suas áreas originais e assentados no
Parque do Xingu e áreas adjacentes, estes estão localizados
em certas porções dos territórios tradicionais cedidas por
povos xinguanos – os Kayabi em terras dos Trumai, Suya e
Juruna; e os Tapayuna, que agora residem na aldeia
Metuktire, dos Txukahamãe. Por sua vez, os Panara, que ali
estiveram até 1995, reconquistaram parte de suas terras
originais e retornaram para o rio Iriri.

Em resumo, do ponto de vista histórico e


antropológico, as modalidades de integração social entre os
vários povos xinguanos, as suas tradições culturais
compartilhadas, os referenciais míticos e históricos e as
evidências factuais da utilização profusa e múltipla dos
recursos naturais existentes no Parque do Xingu e nas áreas
Batovi, Wawi e Capoto/Jarina e outras frações territoriais
adjacentes são elementos conclusivos que atestam
sobejamente a tradicional ocupação indígena em toda a
amplitude da área sub judice.

Para melhor visualizar a configuração e a extensão da


ocupação indígena na bacia do Xingu, foram assinalados no
mapa “Ocupação e reconhecimento das terras indígenas”
(Anexo 3) os povos xinguanos e suas configurações
territoriais, atendendo aos critérios acima comentados.
Como podemos notar, os limites estipulados para o Parque do
Xingu e as áreas Batovi, Wawi e Capoto/Jarina estão
totalmente inseridos nas terras tradicionalmente ocupadas
pelos povos xinguanos.

4.Queira o senhor perito acrescentar outras


informações que julgar necessárias.

Nos tópicos acima foram detalhadas as informações mais


relevantes para os fins desta perícia. Parece-me, assim,

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
2a. Vara, JF - Mato Grosso/Proc. 1997.36.00.005648-9

suficientemente comprovada a ocupação tradicional das


terras do Parque do Xingu e áreas adjacentes pelos povos
indígenas já extensamente referidos ao longo deste Laudo.
Outras considerações encontram-se no quesito idêntico
formulado pelos Réus.

2. Quesitos da Advocacia-Geral da União e FUNAI

1. As terras indígenas Nambikuara, Pareci, Enauenê-


Nauê, também conhecida por Salumã, Utiariti e
Tiracatinga, podem ser consideradas de ocupação
tradicional e permanente indígena, na conformidade do
art. 231 § 1° da Constituição Federal e contando com
proteção constitucional desde os idos da Carta
Política de 1934 ?

Devo notar, em primeiro lugar, que a presente Ação não


diz respeito às terras indígenas que a Advocacia-Geral da
União e a FUNAI aqui mencionam, mas sim ao Parque do Xingu
e áreas Batovi, Wawi e Capoto/Jarina. Com relação a estas
últimas, repetindo aqui o que já foi exposto no Quesito 1
do Estado do Mato Grosso, tratam-se efetivamente de terras
de ocupação tradicional e permanente indígena, onde
habitavam e habitam inúmeros povos indígenas. Provas
fundamentadas da ocupação indígena extensa e longínqua na
área sub judice foram apresentadas nos tópicos acima,
destacando-se as evidências arqueológicas da presença
ancestral de populações aruak e karib na bacia do Xingu e
os registros históricos e antropológicos que nomeiam e
localizam os vários povos que ali até hoje se encontram.
Por sua vez, a vistoria pericial in loco constatou a
veracidade e a coerência dos resultados já acumulados pelas
sucessivas pesquisas antropológicas, arqueológicas e
lingüísticas desenvolvidas na região xinguana, desde as
viagens pioneiras de von den Steinen em fins do século XIX.

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
2a. Vara, JF - Mato Grosso/Proc. 1997.36.00.005648-9

Nestes termos, há que se reconhecer, forçosamente, que


a área ora em litígio, em toda a sua amplitude, corresponde
a terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas, em
conformidade com os preceitos do artigo 231 da Constituição
Federal de 1988, bem como das anteriores.

2. Quais os grupos de origem ameríndia que habitam


essas terras?

Como já disse acima, no Parque do Xingu e áreas


Batovi, Wawi e Capoto/Jarina habitam atualmente os
Mehinako, Waura, Yawalapiti, Kalapalo, Nahukwa, Matipu,
Kuikuro, Kamayura, Aweti, Trumai, Ikpeng, Suya, Juruna e
Txukahamãe, além de remanescentes Kustenau, Naravute, Tsuva
e Yaruma que se integraram a outros povos. Além destes, os
Kayabi e os Tapayuna para lá foram transferidos em épocas
distintas, e ocupam parcelas de terras tradicionais cedidas
pelos Trumai, Suya e Juruna. E os Panará, que ali residiram
vários anos, retornaram em 1995 para suas terras na região
do Iriri. Segundo os últimos dados censitários a população
total nas áreas indígenas acima referidas alcança 4.648
pessoas (EPM e MS/FUNASA, 2000). As aldeias atuais estão
plotadas no mapa “Parque do Xingu e áreas adjacentes”
(Anexo 1).

3. De quando data essa ocupação?

Os ancestrais de alguns destes povos, em particular os


aruak e os karib, estabeleceram-se na área sub judice em
época bastante remota, estimada em pelo menos 800 anos
atrás, conforme as evidências extraídas de escavações
arqueológicas em vários pontos da bacia do Xingu.

Outrossim, de maneira mais decisiva, a presente


perícia enfocou a situação nos últimos cem anos, apoiando

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
2a. Vara, JF - Mato Grosso/Proc. 1997.36.00.005648-9

suas conclusões na história oral indígena e, em especial,


nos abundantes registros documentais históricos e
antropológicos que se acumulam desde as viagens de von den
Steinen em 1884 e 1887, bem como nas evidências físicas
facilmente identificáveis, como os sítios de antigas
aldeias, os cemitérios, as capoeiras e as roças, as
plantações de pequi e mangaba, as lagoas e pesqueiros,
dentre outras. Ora, todo este acervo de provas demonstra,
de forma cabal e suficiente, que a ocupação indígena na
área sub judice e adjacências manteve-se extensa e
ininterrupta ao longo de todo o século XX. Na verdade, é
preciso notar, as terras tradicionalmente ocupadas por
aqueles povos abrangem uma área muito mais vasta, que
excede os limites oficialmente reconhecidos para o Parque
do Xingu e as áreas Batovi, Wawi e Capoto/Jarina - conforme
se observa no mapa “Ocupação e reconhecimento das terras
indígenas” (Anexo 3).

4. As terras demarcadas são necessárias à


sobrevivência física e cultural dos grupos indígenas
em comento, utilizando-se de todo o território para
apropriação dos bens e meios necessários?

Antes de tudo, como se afirmou na resposta ao quesito


acima, a área em litígio corresponde tão-somente a uma
fração dos territórios tradicionais dos povos xinguanos;
alguns trechos essenciais não estão defendidos pelos
perímetros do Parque do Xingu e das áreas Batovi, Wawi e
Capoto/Jarina. São eles: as plantações de pequi dos
Kalapalo, na foz do rio Sete de Setembro; o lugar sagrado
dos Waura, onde está a gruta Kamukwaka, no alto rio Batovi;
as terras dos Ikpeng, no rio Jatobá; a região dos índios
isolados no rio Arraias; a zona de caça e extração de
taquari dos Juruna, no rio Huaiá-Miçu (ou Mosquito); e os
locais das antigas aldeias dos Suya no alto e médio curso

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
2a. Vara, JF - Mato Grosso/Proc. 1997.36.00.005648-9

do rio Suiá-Miçu, onde ainda caçam e pescam. Para melhor


ilustrar, os referidos trechos dos territórios tradicionais
foram assinalados no mapa “Perícia antropológica no alto
Xingu” (Anexo 4).

A distribuição espacial, o uso dos recursos naturais e


a representação simbólica do espaço físico expressam, para
os povos xinguanos, certas formas de integração sócio-
política e de padrões culturais peculiares, a despeito das
distintas tradições culturais e das diferenças lingüísticas
ali presentes. Ainda que cada um desses povos se localize e
explore áreas que considera próprias, segundo limites mais
ou menos definidos no interior de uma ampla extensão
territorial contínua, há ali muitos nichos ecológicos que
são usufruídos em comum, lugares míticos e referências
históricas e geográficas igualmente reverenciados e vias de
acesso terrestre e fluvial que interligam as diferentes
aldeias.

A ocupação da bacia do Xingu por todos esses povos


resultou, com efeito, num certo encaixamento dos seus
territórios, configurando um espaço abrangente e, para
todos os efeitos, indissociável, não ocorrendo ali lacunas
desocupadas. Em outros termos, a realidade xinguana, com
seus povos entrelaçados e seus territórios sobrepostos,
precisa ser interpretada através de uma visão mais
integrada do espaço geográfico. Um esboço da extensão que
ali ocupam estes povos encontra-se no mapa “Ocupação e
reconhecimento das terras indígenas” (Anexo 3), elaborado
para fins desta perícia.

As terras tradicionalmente ocupadas pelos povos


xinguanos, e necessárias à sua sobrevivência física e
cultural, podem ser facilmente mapeadas através dos sinais
e indícios da sua utilização regular. Conforme já vimos nas
respostas aos quesitos acima, a inteira extensão
territorial da área ora em litígio vêm sendo utilizada

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
2a. Vara, JF - Mato Grosso/Proc. 1997.36.00.005648-9

pelos povos xinguanos de forma permanente e inequívoca


desde épocas remotas, conforme testemunham os mais variados
registros históricos e antropológicos. As moradias, as
plantações de pequi e mangaba, as atividades agrícolas, a
pesca, a caça, a coleta de frutas, a melação, a recolha de
ovos, a captura de quelônios e a extração de matérias
primas inscrevem-se, sistemática e amplamente, nos variados
nichos ambientais da bacia do Xingu, como as chamadas
terras firmes, as matas ciliares, os campos e cerrados, os
buritizais, as várzeas alagadiças, as praias, os rios e as
zonas lacustres. De modo que, enquanto marcas visíveis da
ação antrópica em toda a extensão da área sub judice, lá
estão os sítios de aldeias e acampamentos atuais, as
capoeiras antigas e as roças hodiernas, os pequizais e
mangabais, os portos e pesqueiros em rios e lagos, as
trilhas de coleta e de caça, as árvores ocadas donde
retiraram colméias, os locais sagrados (a exemplo da baía
Morená, na confluência dos rios Batovi e Culuene, e a gruta
Kamukwaka, no alto Batovi) e outras muitas referências
sociais, culturais e históricas, entre as quais os
“cemitérios” onde estão sepultados seus ancestrais.

Um detalhado mapa foi elaborado pelos próprios Juruna


para subsidiar o currículo escolar, no qual discernem todos
os recursos naturais que empregam, em ambas as margens do
rio Xingu. Traduz-se a contento ali, de forma bem didática,
a ocupação tradicional de uma ampla zona em redor da foz do
Manitsauá-Miçu:

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Mapa 33 - Recursos naturais utilizados pelos Juruna

Em resumo, a ocupação extensa e longínqua da área sub


judice tem proporcionado as condições indispensáveis para a
reprodução física, cultural e social dos povos xinguanos.

5. Quais os principais conflitos étnicos em que se


envolveram os índios com a expansão agropastoril nas
regiões de ocupação tradicional?

Com certeza, os conflitos mais graves envolveram a


área indígena Capoto/Jarina, de ocupação tradicional dos
Txukahamãe e, ao sul, dos Juruna. Quando foi criado o
Parque do Xingu em 1961, seu perímetro então englobava uma
parte da atual área Capoto/Jarina (ver mapa “Ocupação e
reconhecimento das terras indígenas”, Anexo 3). Todavia, em
1971 o Parque do Xingu seria seccionado ao norte, para
atender o traçado da estrada BR-80 (Xavantina-Cachimbo).

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
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A construção de vias de acesso terrestre compunha as


prioridades do Plano de Integração Nacional, voltado à
expansão das fronteiras agrícolas na região amazônica. As
terras remanescentes ao norte da BR-80, não obstante
excluídas do Parque do Xingu, permaneceram porém “sob o
regime do Artigo 198, da Constituição [Emenda
Constitucional de 1969] enquanto habitadas, com caráter de
permanência, pelas tribos indígenas que atualmente nela se
encontram” (Decreto 68.909, de 13 de julho de 1971).

Entrementes, este entendimento não demoveu as


agropecuárias e sequer a própria FUNAI, que passou a emitir
“certidões negativas” a pedido dos pretensos proprietários,
favorecendo desta maneira a abertura de fazendas nas terras
tradicionais dos Txukahamãe.

A despeito das admoestações dos encarregados do Parque


do Xingu para que os Txukahamãe deslocassem suas aldeias
mais para o sul, estes continuaram a percorrer as terras
originais em expedições sazonais de caça e coleta. Quando a
fazenda Agropexin instalou-se à margem direita do rio
Xingu, nas cabeceiras do igarapé Tokokran, os Txukahamãe
diversas vezes tentaram impedir as suas derrubadas. Os
sucessivos atritos resultaram na morte de vários peões, e a
posterior desativação da fazenda. E afinal, através de uma
medida desapropriatória de cunho legal duvidoso, o governo
federal destinou as terras da fazenda Agropexin para
“servir de habitat ao grupo indígena Txukarramãe” (Decreto
86.956, de 18 de fevereiro de 1982).

A construção da BR-80, que hoje liga São José do Xingu


(Bangue-Bangue) a Peixoto de Azevedo, daria ensejo a outros
conflitos. Em 1974, no vilarejo Piaraçu, que crescia às
margens da rodovia a apenas dois quilômetros do rio Xingu,
cinco moradores foram mortos e os demais expulsos anos
depois pelos mesmos Txukahamãe. Em 1980, onze peões que
desmatavam uma área logo a jusante da estrada foram

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
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igualmente mortos. A solução para esta verdadeira guerra


veio em 1984, quando, sob a pressão maciça de todos os
povos xinguanos, inclusive o seqüestro da balsa do rio
Xingu, o governo federal comprometeu-se a promover a
demarcação das terras tradicionais dos Txukahamãe, ao norte
da estrada BR-80.

A não inclusão nos limites do Parque do Xingu do médio


e alto curso do rio Suiá-Miçu, território tradicional dos
Suya, onde estavam os sítios de várias aldeias antigas que
continuavam a percorrer em suas expedições de caça, pesca e
coleta, gerou confrontos com pescadores e caçadores
eventuais e com as empresas agropecuárias que lá se
instalaram. Em 1984 os Suya já haviam apreendido o material
de caça e pesca e expulsado uma turma que acampara cerca de
trinta quilômetros acima do limite oeste do Parque.

Preocupados com a poluição dos rios e córregos de seu


território tradicional, os Suya paralisaram em abril de
1994 os trabalhos de desmatamento nas fazendas São Pedro e
Santo Antônio, localizadas no rio Wawi (ou Santo Antônio),
afluente da margem esquerda do rio Suiá-Miçu. Os Suya, com
isto, retomaram o controle sobre a zona de antigas aldeias
no rio Wawi, o que provocou protestos dos fazendeiros
diretamente atingidos, levando alguns a ingressar com uma
ação judicial de interdito proibitório (Processo 95.1396-7,
1a. Vara da Justiça Federal, Seção de Mato Grosso). No
entanto, o Ministério da Justiça e a FUNAI entenderam
tratar-se de terras de posse permanente dos Suya (Portaria
MJ 1.029, de 1 de outubro de 1997).

Já ao sul do Parque, os Kalapalo reivindicam a


incorporação de um trecho de suas terras tradicionais, na
confluência do rio Sete de Setembro com o rio Culuene, área
hoje ocupada por fazendas e pousadas e freqüentada nos fins
de semana por pescadores e turistas. Os Kalapalo, anos
atrás, já tiveram que dissuadir um dos fazendeiros que

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
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pretendia derrubar os pequizais que os antigos karib lá


plantaram.

A existência de tantos focos latentes de conflito


revela, sobretudo, a insatisfação dos povos xinguanos
quanto aos limites arbitrários que foram atribuídos ao
Parque do Xingu e deixaram ao desabrigo trechos
significativos de seus territórios tradicionais. Poderíamos
acrescentar, entre outras, a reivindicação que os Ikpeng
estão fazendo de suas terras originais no rio Jatobá, de
onde foram retirados devido a uma invasão de garimpeiros e
que, agora, estão sendo devassadas por umas poucas
fazendas. Da mesma maneira, os Juruna querem recuperar uma
área que sempre exploraram no rio Mosquito (ou Huaiá-Miçu),
onde encontravam taquari e caçavam aves, mas que ficou a
oeste dos limites do Parque do Xingu. Recentemente a
fazenda Ibicaba arrancou com trator as touceiras de taquari
e as queimou, fato que afrontou diretamente os Juruna que
ali compareciam amiúde.

6. Parte ou a totalidade desses conflitos originaram-


se pelo fato do Estado do Mato Grosso haver titulado
as terras tradicionalmente ocupadas?

Quando alguns índios xinguanos, há quarenta ou


cinqüenta anos atrás, descobriram “caraíbas” agrimensores
que abriam picadas em suas terras tradicionais, não
suspeitaram de que ali se passava algo como um esbulho ou,
melhor dizendo, sequer tinham uma noção clara do estatuto
jurídico da propriedade privada da terra que vigora na
sociedade brasileira. De modo análogo, quando o governo
federal estipulou os limites do Parque do Xingu em 1961,
não procedeu a nenhuma consulta aos povos xinguanos acerca
de quais seriam os limites mais apropriados, onde começavam
e onde terminavam as suas terras tradicionais. Tudo se
passou à sua revelia: o decreto de 1961 que criou o Parque,

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
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o decreto de 1968 que ampliou o limite sul, o decreto de


1971 que seccionou a área ao norte...

A rigor, somente a partir dos anos 80 os povos


xinguanos passaram a exercer um papel ativo e decisivo nos
assuntos relativos à definição dos limites de suas terras
tradicionais. Mas então, uma parte considerável desses
territórios estava devastada por fazendas, garimpos,
estradas, cidades e outros empreendimentos. Para que essas
empresas de colonização e firmas agropecuárias se
apossassem das terras indígenas, entrementes, as
alienações, as concessões e as titulações promovidas pelo
Estado de Mato Grosso foram fundamentais, ao propiciar o
necessário amparo político e administrativo, além de
estimular a especulação imobiliária.

Com efeito, ao lado das reivindicações relativas aos


trechos de terras tradicionais, existem inúmeras
reclamações motivadas pela ocupação desenfreada e pela
degradação ambiental no entorno do Parque do Xingu e das
áreas Batovi, Wawi e Capoto/Jarina, que ameaçam a
sobrevivência dos povos xinguanos.

Observa-se no mapa “Cabeceiras do rio Xingu” (Anexo 2)


que praticamente todos os cursos superiores dos principais
formadores e afluentes do rio Xingu estão fora dos limites
do Parque e das áreas indígenas adjacentes. Ora, sabemos o
quanto os recursos hídricos são vitais para todos os povos
xinguanos. De modo que, os desmatamentos nas nascentes, a
supressão das matas ciliares, a erosão das margens e o
assoreamento dos leitos dos rios, a poluição das águas por
resíduos de inseticidas e fertilizantes químicos e a pesca
predatória são fatores altamente negativos, que degradam as
condições ambientais necessárias à reprodução do modo de
vida próprio desses povos.

A oeste do Parque, por exemplo, além das centenas de


serrarias em funcionamento, implantaram-se também pequenas

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
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cidades desprovidas de infra-estrutura sanitária, que


despejam seus esgotos diretamente nos cursos d’água. E na
região do rio Suiá-Miçu, os Suya denunciaram em 1995 que a
fazenda Jaú (também conhecida como Roncador) estava
escavando e dragando o leito do rio Darro, afluente da
margem esquerda, para drenar as áreas de alagação e assim
ampliar as pastagens. Enquanto isto, as águas barrentas e
as manchas de óleo impossibilitavam os Suya de pescar com
arco e flecha e os obrigavam a buscar água potável num
local distante.

A destruição ambiental no entorno do Parque do Xingu e


das áreas Batovi, Wawi e Capoto/Jarina, que a alienação
indiscriminada das terras devolutas pelo Estado de Mato
Grosso propiciou, necessitaria ser urgentemente examinada à
luz dos preceitos constitucionais, tendo em vista que o
parágrafo 1o do artigo 231 da Carta de 1988 sancionou,
dentre as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios,
“as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais
necessários a seu bem-estar”.

7. É sabido que a Comissão Rondon tinha como uma das


suas finalidades, dentre outras, atrair as populações
indígenas e concentrá-las em colônias, povoados
indígenas ou seja lá o que o valha, com a finalidade
de liberar terras para a colonização. Nesse passo, o
Estado do Mato Grosso possuía as informações dos
territórios liberados? Caso positivo, neles titulou?

No caso em pauta, conforme descrevi no tópico IV.2, a


Comissão Rondon pouco interferiu na região da bacia do
Xingu, exceto pela execução de levantamentos geográficos no
rio Culuene pelo capitão Noronha, em 1920, e nos rios
Ronuro e Jatobá pelo capitão Vasconcelos, em 1924.

De maior magnitude foram as atividades e a prolongada


intervenção da Fundação Brasil Central e a Expedição
Roncador-Xingu, responsáveis pela abertura de picadas e a

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
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construção de vários campos de aviação entre o rio Araguaia


e a serra do Cachimbo, que atravessaram diametralmente a
área sub judice. A implantação de postos e pistas de pouso
acarretou conseqüências danosas para a população indígena,
no tocante à integridade territorial, à manutenção cultural
e, principalmente, à sobrevivência física. Já num primeiro
momento, o contágio de epidemias de gripe e sarampo
resultou em grande mortandade e na extinção de alguns
povos, como os Tsuva, os Naravute e os Kustenau, cujos
sobreviventes foram absorvidos por outras aldeias.
Concomitante, o engajamento de indivíduos indígenas e mesmo
de comunidades inteiras nos trabalhos da Expedição
introduziu relações de dependência e de subserviência que
se prolongam, de certa maneira, até os dias de hoje. Por
fim, o deslocamento forçado de vários povos para as
proximidades dos postos Capitão Vasconcelos (hoje posto
Leonardo), Jacaré e Diauarum, sob o argumento de que assim
seria possível prestar uma melhor assistência, conduziu a
uma excessiva e tendenciosa concentração de aldeias
populosas num espaço exíguo, extremando a competição por
recursos naturais e por dádivas de funcionários e
visitantes.

De certa maneira, a recusa do Estado de Mato Grosso em


aceitar a criação do Parque do Xingu, nos moldes e na
extensão propostos em 1952, e a alienação em larga escala
das terras notoriamente de ocupação indígena - nas bacias
do Araguaia, do Xingu e do Telles Pires -, contribuiu
acintosamente para fragilizar as populações indígenas e,
sobretudo, induziu à sua extinção ou ao confinamento numa
faixa diminuta dos territórios originais.

Após a oficialização do Parque do Xingu, em 1961, cujo


limite sul deixou ao desabrigo a maior parte das aldeias da
“área do uluri” (ver mapa “Ocupação e reconhecimento das
terras indígenas”, Anexo 3), os encarregados da FBC e do

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
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SPI exacerbaram o processo de confinamento em curso. Estes


não apenas exigiam o deslocamento das aldeias para locais
próximos aos postos, como também desestimulavam,
enfaticamente, a mera circulação pelos territórios
tradicionais, sequer para pescarias ou expedições de
coleta.

A alienação e a titulação das terras de ocupação


indígena pelo Estado do Mato Grosso, devo notar, não se
justifica por qualquer ausência de informações qualificadas
sobre a localização dos povos indígenas na bacia do Xingu.
Vale lembrar que, ainda em fins do século XIX, o presidente
da então Província de Mato Grosso, o Barão de Batovi,
apoiou e fez escoltar por militares a primeira expedição de
von den Steinen; e o vice-presidente José Joaquim Ramos
Ferreira, a segunda.

Já em meados do século XX, as relações estreitas e os


contatos freqüentes que então se estabeleceram entre a
Fundação Brasil Central e o governo do Estado, implicava
com toda a certeza num fluxo constante de informações,
inclusive acerca da presença indígena – diz-se, até mesmo,
que foram os políticos mato-grossenses que indicaram um dos
seus presidentes, Arquimedes Pereira Lima, que dirigiu o
órgão de 1951 a 1954.

Devemos lembrar também que, exatamente no ano de 1952,


publicou-se a famosa “Carta do Estado de Mato Grosso e
regiões circunvizinhas”, coordenada pelo general Cândido
Rondon, na qual foram plotadas as aldeias de todos os povos
xinguanos de que se sabia a existência (ver mapa 31,
acima). É evidente que o Departamento de Terras do Estado
não desconhecia a tão esperada carta geográfica do Mato
Grosso, fruto dos fatigantes levantamentos geográficos que
o eminente general comandou durante décadas.

Por fim, os debates acerca da proposta de criação do


Parque do Xingu na década de 50, que ganharam as páginas

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dos principais jornais da capital federal (então o Rio de


Janeiro) e de São Paulo, também repercutiram em Cuiabá,
capital de Mato Grosso. Frontalmente contrário à
implantação do parque indígena, o governo do Estado
participou e assumiu nessa polêmica um papel destacado.

Adotando aqui as observações da geógrafa Maria Lúcia


Menezes (2000: 171) em sua tese sobre o tema, devemos
concluir do exame desses fatos que a alienação, a titulação
e a concessão das terras indígenas na bacia do Xingu pelo
governo estadual tinham por objetivo precípuo a “obstrução”
à criação do Parque do Xingu, a despeito de bem informado
sobre os povos indígenas ali localizados em caráter
permanente.

8. Queiram os Srs. Peritos formularem outras


considerações que tiverem por pertinentes.

Antes de concluir este Laudo, considero oportuno


transmitir as palavras do cacique Kuyusi Suya, em seu
depoimento na aldeia Riko, que mostram sua inquietação com
os rumos da presente Ação e as recomendações para uma
peritagem veraz:

“Os fazendeiros ficam mentindo para o Governo, dizendo


que não existem índios na terra. Claro que o Governo
conhece que existem índios em todo o território aqui
do Brasil O Governo sabe. Por que ele não reconhece
que existe índio e respeita um pouco? Ele sabe que
existem índios no Xingu. Já têm os índios morando há
muito tempo. Os Kayabi que vieram de outra região,
agora também consideram o Xingu como terra deles
próprios, terra de verdade mesmo. É claro que a gente
tem que considerar vários grupos numa região só.
Os fazendeiros, eu penso, estão destruindo a terra
para sustentar os filhos deles, sustentar a família.
Olha o tamanho da terra que os fazendeiros já
destruíram, já acabou. E agora só tem esse pedacinho
do Xingu que tem floresta, que tem tudo, tem caça, tem
madeira, tem peixe. Aqui no Xingu tem tudo, por isso
que os fazendeiros estão de olho para destruir. E o

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
2a. Vara, JF - Mato Grosso/Proc. 1997.36.00.005648-9

Governo também cai no papo e quer destruir junto com


os fazendeiros, quer acabar com a natureza aqui. Por
isso que a gente está de olho aqui. Mesmo assim os
fazendeiros e o governo falam que nessa região do
Xingu não existem índios? É mentira do governo.
Por que o Governo e os fazendeiros não reconhecem o
tanto de florestas que eles destruíram, para pagar
para os índios? E o Governo está querendo pagar para
os fazendeiros? Isso está errado! O Governo tem que
reconhecer, tem que olhar para o lado ruim, e pagar
para os índios, porque nós que moramos primeiro aqui.
O Governo tem que pagar para nós. Ele que acabou com a
mata, os fazendeiros acabaram com as florestas, o rio
aqui está todo sujo. Então o Governo tem que pagar
para nós, para os índios, não para o fazendeiro. Você
está vendo o lugar das aldeias que ficaram fora do
Parque, os fazendeiros destruíram tudo e não pagaram
para a gente. Por que não pagou pelas aldeias fora do
Parque, que foram destruídas, acabadas?
Esse é o final da minha palavra. Eu gostaria que você
fizesse bem o seu relatório, em cima dessa região.
Você não pode inventar. Você tem que apresentar para o
Governo para tomar uma atitude, levar na Justiça para
ver o que eles vão dizer. Se você inventar um monte de
coisas no seu relatório, em cima dessa terra, eu vou
ficar aguardando a resposta do que você está fazendo.
Se você inventar, nós vamos fazer outro relatório e
levar para o juiz.”

Nos tópicos acima procurei trazer, de modo o mais


claro e sucinto possível, os fatos pertinentes que pudessem
deslindar os quesitos que as partes propuseram à vistoria
judicial. De tudo o que acima ficou exposto, sobressaiu a
justa convicção de que as terras do Parque do Xingu e áreas
adjacentes estão caracterizadas positivamente como de
ocupação tradicional dos povos indígenas referidos, nos
termos da Constituição em vigor e das anteriores.

Cuiabá, 29 de outubro de 2001

João Dal Poz Neto


perito antropológico

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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
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Akarore), situada no Município de Chapada dos Guimarães
... e dá outras providências.
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de interesse social, para fins de desapropriação, os
imóveis que especifica, situados no município de
Colider, Estado de Mato Grosso (para servir de habitat
ao grupo Txukarramãe).
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A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO PARQUE DO XINGU E ADJACÊNCIAS
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1984 Xingu: o velho Káia (conta a história de seu povo).


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Kuarup.
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1959a “O índio que eu vi em Mato Grosso: Onde o épico é coisa
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9/7/59, p 11.
1959b “O índio que eu vi em Mato Grosso: Caiabi, tribo da
reação”. Suplemento do Correio do Povo, edição de
26/7/59, p 11.
1959c “O índio que eu vi em Mato Grosso: Caiabi na fronteira
da civilização”. Suplemento do Correio do Povo, edição
de 2/8/59, p 6 e 11.

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VII. FOTOGRAFIAS

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VIII. ANEXOS

1. Mapa do Parque do Xingu e áreas adjacentes (ISA, 2000)

2. Mapa “Cabeceiras do rio Xingu” (ISA, 2000)

3. Mapa “Ocupação e reconhecimento das terras indígenas”

4. Mapa “Perícia antropológica no alto Xingu”

255
ANEXO 3
O
Y A P Ocupação e reconhecimento
RA
PA NA AI Menkr Kti A
agno das terras indígenas
AI Panara
PARÁ
K Processo 1997.36.00.005648-9
AY AI Capoto/ 2a. Vara da Justiça Federal
ABI Jarina MATO GROSSO Seção de Mato Grosso
Perito: João Dal Poz Neto
ÃE
H AM
KA
U POVOS INDÍGENAS
X
T
AI Urubu
Branco Terras tradicionalmente ocupadas
por povos indígenas
U R U N A
J
MA
N ITSAUA NNN Povos indígenas atuais
Povos incorporados, extintos

S
U NNN ou deslocados

TRUM
Y

S U
Parque
do
Xingu
AI Wawi
A Y
AI Maraiwatsede
A
AR U MA DECRETOS E PORTARIAS

AI
Y
KA NAHUKWA
M
AY K ALAP Anteprojeto do Parque do Xingu 1952
URA A LO

TIP MA

TI
PI U

AW YAW A
VA Decreto 50.455/61 - Cria o Parque do Xingu
R LA SU
U

T
BA

WA RO
G TI O I K U Decreto 63.082/68 - Altera limites do Parque
K U
E
N
KAIR

K
INA
PALO
AU
E

A Decreto 68.909/71 - Altera limites do Parque


EN L
EH
A
P

ST M KW K
A
KU
K
I

INE
Portaria 369/N/76- Área Jarina
U
I

ARAW
H
ov

A
at

E
N NAR
AVUT
B

Decreto 89.618/84 - Faixa da margem direita


AI

Decreto 89.643/84 - Área Capoto


AI Pimentel
Decreto s/n, de 25/1/91 - Homologa Área Capoto/Jarina
Barbosa

Decreto s/n, de 25/1/91 - Homologa Parque do Xingu

Decreto s/n, de 8/9/98 - Homologa Área Batovi


AI Marechal
Rondon
Decreto s/n, de 8/9/98 - Homologa Área Wawi
BAKAIRI
AI Santana AI Bakairi e
ubur AI Areões
arab
AI P
ANEXO 4

AI Menkr
agnoti Perícia antropológica
AI Panara
no alto Xingu
AI Capoto/
Jarina
Processo 1997.36.00.005648-9
2a. Vara da Justiça Federal
Zona de taquari dos Juruna Seção de Mato Grosso
no rio Mosquito
Perito: João Dal Poz Neto
AI Urubu
Branco Parque do Xingu e áreas
P-25 Wawi, Batovi e Capoto/Jarina
P-24

P-23
(área sub judice)
P-21
Áreas tradicionais reivindicadas
Área de índios isolados pelos povos xinguanos
no rio Arraias P-20 P-22

P-18
P-19
P-26
Áreas indígenas circunvizinhas
Parque
do P-17 AI Wawi
P-17A
Xingu P-16 Território tradicional AI Maraiwatsede ROTEIRO DA VISTORIA PERICIAL
P-15 dos Suya
P-14
P-13

P-01 Fazenda Sayonara


P-12
P-10
P-02 PIV Kuluene (kalapalo)
P-03 Antiga aldeia Jakui (kalapalo)
P-11
P-09
P-08
P-06

P-07
P-04 Aldeia Tanguro (kalapalo)
P-05
P-05 Aldeia Afukuri (kuikuro)
P-04 P-06 Porto da aldeia Kuikuro
Território tradicional P-07 Aldeia Kuikuro
dos Ikpeng P-03

P-02
P-08 Porto 1 da aldeia Matipu
P-01
P-09 Porto 2 da aldeia Matipu
iv

Pequizal dos Kalapalo


to
Ba

Gruta sagrada no Sete de Setembro P-10 Porto da aldeia Yawalapiti


AI

Kamukwaka P-11 Posto Leonardo


dos Waura P-12 Porto do antigo posto (SPI)
P-13 Ex-base Jacaré (FAB)
AI Pimentel
Barbosa P-14 Aldeia Morená (kamayura)
Canarana P-15 Aldeia Boa Esperança (trumai)
P-16 Antiga aldeia Makilawia (trumai)
P-17 Posto Pavuru (ikpeng)
AI Marechal P-17A Aldeia Moygu (ikpeng)
Rondon P-18 Aldeia Barranco Alto (kayabi)
P-19 Aldeia Ilha Grande (kayabi)
P-20 Aldeia Tuyarare (kayabi)
AI Santana AI Bakairi e
ubur AI Areões P-21 Posto Diauarum
arab
AI P P-22 Aldeia Riko (suya)
P-23 Aldeia Capivara (kayabi)
P-24 Aldeia Paquiçamba (juruna)
P-25 Aldeia Tubatuba (juruna)
P-26 Aldeia Ngosoko (suya)

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