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F O R T U N A C R Í T I C A 4

Ivan Teixeira

ESTRUTURALISMO
A crítica estrutural teve Roland Barthes

Fotos/Reprodução
e Tzvetan Todorov entre seus principais
representantes, empenhando-se na criação
de uma poética preocupada em construir
um modelo arquetípico que desse
conta de todas as narrativas existentes O crítico francês Roland Barthes

Série destaca as principais O estruturalismo representou a Sem deixar de estabelecer as neces-


tendências da crítica literária maior revolução metodológica nas sárias conexões entre os gêneros e as
ciências humanas nos últimos cinqüenta diversas obras da mesma série, a postura
“Fortuna Crítica” é uma série de seis anos, sendo certo que hoje se encontra imanentista encara o texto como objeto
artigos de Ivan Teixeira sobre as princi- em relativo descrédito, embora algumas autônomo, e não como documento ou
pais correntes da crítica literária. O pri-
de suas postulações se tenham incor- manifestação de qualquer instância
meiro, publicado no número 12 da
CULT (julho), abordou a retórica de Aris- porado definitivamente ao próprio modo exterior. O estruturalismo propõe o
tóteles e Quintiliano; o segundo texto de ser do pensamento contemporâneo. abandono do exame particular das obras,
(agosto) foi sobre o formalismo russo; o Nenhum intérprete das humanidades tomando-as como manifestação de outra
terceiro (setembro) estudou o new criti- pensará de forma adequada, caso não coisa para além delas próprias: a estrutura
cism. O presente ensaio é sobre o estru- incorpore os pressupostos estrutura- do discurso literário, formado pelo
turalismo. Nas próximas edições, serão
analisados o desconstrutivismo e o new listas, ainda que apenas para os negar. conjunto abstrato de procedimentos que
historicism. Ivan Teixeira é professor do Todavia, a teoria estrutural apresenta caracterizam esse discurso, enquanto
Departamento de Jornalismo e Editora- uma espécie de paradoxo relativamente propriedade típica da organização mental
ção da ECA-USP, co-autor do material à evolução dos métodos de crítica do homem. As obras individuais seriam
didático do Anglo Vestibulares de São literária no século XX. Esse paradoxo, manifestações empíricas de uma
Paulo (onde lecionou literatura brasilei-
ra durante mais de 20 anos) e autor de apenas aparente, decorre da seguinte realidade virtual, constituída pelas
Apresentação de Machado de Assis situação: desde alguns formalistas normas que regem as práticas singulares.
(Martins Fontes) e Mecenato pombalino russos – passando pelos esforços da nova A análise desse discurso, que paira acima
e poesia neoclássica (a sair pela Edusp). retórica, da estilística e do new criticism das obras e antes de sua existência
Tem-se dedicado a edições comentadas –, a orientação tida como mais moderna singular, é que consiste no objeto de
de clássicos – entre eles, as Obras
poéticas de Basílio da Gama (Edusp) e
tem se caracterizado pela abordagem investigação do método estrutural.
Poesias de Olavo Bilac (Martins Fon- imanente do texto, detendo-se no exame Os estruturalistas recusam a descrição
tes) – e dirige a coleção “Clássicos para da estrutura particular e concreta das imanente, por acreditar que um método
o vestibular”, da Ateliê Editorial. obras. científico não pode se esgotar em

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operações práticas e singulares. Ao o propósito de descobrir semelhanças e objeto da poética estruturalista, decorre
contrário, deve voltar-se para o exame da relações entre elas. Com isso, os filólogos
de outra formulação de Saussure, talvez a
estrutura do discurso literário, abstra- pretendiam estabelecer as raízes comuns mais importante para as ciências humanas
tamente concebido, do qual as obras de certos vocábulos e, no limite, definir a
depois dele: a distinção entre langue e
concretas não passam de particula- aquisição da língua entre os homens. parole. Langue é o sistema abstrato de
rizações. Em última análise, a crítica Todavia, os filólogos não chegaram a normas segundo o qual se manifesta a
estrutural preocupa-se com a criação de formular uma teoria específica da língua parole, que é uma espécie de projeção
uma poética, não no sentido clássico de que a concebesse como uma, e apenas concreta daquela estrutura ideal, formada
conjunto de normas ou preceitos para a uma, dentre as inúmeras manifestações pelo conjunto hipotético de todas as
conquista da adequação das obras aos da linguagem. A filologia clássica paroles do homem. Assim, qualquer obra
respectivos gêneros, mas no sentido de considerava que a língua era uma espécie literária deve ser entendida como uma
uma teoria da estrutura e do funciona- de espelho da realidade (teoria mi- parole, isto é, como o uso individual da
mento do discurso literário. mética), entendendo que cada vocábulo langue, que é aquele sistema impessoal
Evidentemente, o estudo de obras possuía uma relação natural com a coisa constituído pelo conjunto de todos os
particulares desempenha um estágio a que se refere, sem se dar conta de que ausos que antecederam a apropriação
importante nas pesquisas estruturais, mas língua não reflete espontaneamente a específica desse sistema por um dado
apenas enquanto meio para a formulação natureza. autor num determinado momento.
de uma poética, preocupada em Assim como o usuário da
construir um modelo arque- língua se apropria de estruturas
típico que dê conta de todas as O princípio essencial que antecedem sua fala, o ro-
narrativas existentes e as que da noção de estrutura mancista lança mão de unidades
porventura venham a existir. O do discurso literário narrativas preexistentes a seu
objetivo da poética estrutural decorre da distinção romance. A crítica imanente
seria, enfim, a descoberta da entre langue e parole preocupava-se com a descrição
gramática segundo a qual se formulada pelo do romance (parole); a crítica
articulam as narrativas do lingüista suíço estrutural investiga o sistema de
homem, que não são aleatórias Ferdinand de Saussure unidades narrativas anteriores ao
nem imprevisíveis, mas que romance (langue). Nesse sentido,
obedecem a uma estrutura, a postura estrutural aproxima-
entendida como o conjunto de pro- Ao conceber a língua como um se do método extrínseco de investigação
priedades essenciais do discurso literário. aspecto da linguagem humana, Saussure literária.
Mas qual seria o modelo para a criou uma nova ciência, a semiologia, A diferença essencial entre os métodos
estrutura das narrativas do homem, tanto preocupada com a sistematização dos extrínsecos tradicionais e a crítica es-
as chamadas primitivas, estudadas por sinais, e não apenas com o estudo das trutural consiste em que aqueles asso-
Lévi-Strauss, quanto as literárias, línguas. Tomando-as como matriz de ciavam a literatura a um discurso hetero-
estudadas por inúmeros teóricos nos anos todos os demais códigos, o sábio de gêneo (história, sociologia, psicanálise,
60, dentre os quais o presente ensaio Genebra, em vez de se concentrar na psicologia etc.), conduzindo-a para uma
selecionou Roland Barthes e Tzvetan evolução das línguas (diacronia), área diversa do saber, ao passo que esta
Todorov como fontes principais? O orientou suas pesquisas sobretudo para o associa a literatura com uma instância
modelo por excelência do sistema exame do funcionamento delas no homogênea: a lingüística, de cuja
narrativo é aquele revelado pela lin- presente (sincronia), preocupando-se natureza decorre a própria configuração
güística saussuriana. com as leis que regem a geração do da literatura e cujo estudo deve neces-
Antes de Saussure, os estudos significado. A partir daí, criou também a sariamente ser regulado por uma poética.
lingüísticos preocupavam-se com o teoria da arbitrariedade do signo Mas se o estruturalismo recusa a
desenvolvimento histórico da língua lingüístico, segundo a qual as relações descrição imanente das obras individuais,
(visão diacrônica), sobretudo em sua entre os vocábulos e o mundo se assim como não incorpora os resultados
dimensão filológica. A filologia é o estabelecem, não por leis imanentes da dos estudos extrínsecos do fenômeno
estudo comparativo da evolução das natureza, mas por operações do espírito literário, como então caracterizar sua
línguas. Seu principal método consiste no humano (cultura). atividade? Em rigor, a crítica estrutural
exame, na descrição e na comparação Todavia, o princípio essencial da não recusa totalmente a descrição; apenas
entre as diversas línguas do mundo, com noção de estrutura do discurso literário, não partilha da idéia de que a obra

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individual se constitua no fim único e Diga-se o mesmo com relação às pesquisas existem as funções integrativas, que tra-
último dos estudos literários. Estes devem do antropólogo Lévi-Strauss, que, antes de balham em sentido vertical, seman-
objetivar a investigação das propriedades formular sua gramática do discurso tizando o sintagma narrativo: os índices.
do discurso literário, com vistas à mitológico, passou anos estudando os Correlatos do procedimento metafórico,
formulação de uma poética que pudesse mitos indígenas de diversos países, os índices são unidades que não con-
servir de base operacional à história incluindo os do Brasil. Propp chamou tribuem para o desenvolvimento linear
literária, que deveria, esta sim, dedicar- funções as unidades narrativas recorrentes da trama, mas para a caracterização das
se à descrição da estrutura particular das nos contos populares, assim como Lévi- personagens, dos ambientes e dos
obras com vistas ao estabelecimento de Strauss denominou mitemas as seqüências próprios núcleos narrativos. Há ações
um sistema de valor. Mesmo essa noção matriciais dos mitos indígenas. que integram a unidade da narrativa: por
é relativizada por Tzvetan Todorov em Roland Barthes desenvolveu as serem essenciais, a ausência delas produz
seu Estruturalismo e poética (1968), sob o pesquisas de Propp, demonstrando que uma lacuna no relato; essas sãos as
argumento de que a descrição imanente um conjunto de funções forma um núcleo funções cardinais. Existem outras, cuja
de uma obra implica seu desligamento ausência não prejudica a unidade da
da dimensão histórica. Logo, a verdadeira narrativa; a função delas é agenciar um
preocupação de uma história literária de significado geral para o texto ou ilustrar
feição estrutural deveria se caracterizar o tipo de ação que predominará no relato.
pelo exame da evolução das propriedades Veja-se um exemplo de ação indicial
do discurso literário, e não exatamente em O guarani, de José de Alencar: o fato de
pelo exame das obras em si. Peri subjugar uma onça no início do
Por causa de afirmações desse tipo é romance não possui nenhuma conse-
que Terry Eagleton identifica, em tom qüência no desenvolvimento da fábula. Sua
pejorativo, o método estrutural com o função é apenas revelar a força e a astúcia
idealismo, afirmando que o resultado de do índio, o que terá repercussão no final
seus trabalhos não passa de mais uma do romance, quando, no momento crítico
manifestação da “doutrina idealista da enchente, o herói arranca com os braços
clássica”, segundo a qual o mundo é uma palmeira secular, com a qual
constituído pela consciência humana, e improvisa uma jangada e salva Cecília.
não o contrário. De fato, o estruturalismo Essas seqüências, aparentemente seme-
jamais se submeteu ao materialismo lhantes, possuem natureza distinta: a
empirista. Roland Barthes afirma, na O antropólogo Lévi-Strauss primeira é distribucional, compõe-se de
Introdução à análise estrutural da narrativa passou anos estudando os núcleos; a segunda é integrativa, constitui-
(1966), que não seria necessário mitos indígenas de diversos se num índice.
investigar todas as narrativas do mundo países – incluindo os do Conforme Todorov, as condições
para chegar à essência do discurso Brasil – antes de formular essenciais para que uma poética seja
narrativo. Bastava o conhecimento de um sua gramática do discurso estrutural são: recusa da descrição
número considerável de exemplos para mitológico concreta das obras, eleição de organi-
obter as regras segundo as quais se zações abstratas anteriores à sua mani-
articulam as demais narrativas. Logo, o narrativo. Pela importância e pela festação em textos individuais, a correta
estruturalismo desde o início adotou o extensão dessas unidades, elas recebem o noção de sistema, a condução da análise
método dedutivo de conhecimento, e não nome de funções cardinais, as quais se unem até as unidades elementares do discurso
o indutivo. pela mediação de unidades menores e, por fim, a escolha explícita dos
Mesmo assim, não se pode descon- chamadas catálises. Compreendidos entre processos. Considere-se em particular a
siderar o vasto levantamento e o exame as funções distribucionais, os núcleos noção de que a poética deve se empenhar
concreto de inúmeras narrativas folcló- formam o sintagma narrativo, numa na decomposição do discurso literário até
ricas levados a efeito pelo formalista russo sucessão metonímica de aproximação e suas menores unidades. Do ponto de vista
Vladimir Propp, um dos principais distensão horizontal e seqüencial do prático, ao menos no que diz respeito ao
antecedentes do estruturalismo francês, relato, processo em que predomina uma ensino da literatura, esta última noção
para o estabelecimento das constantes relação de causa e efeito. tem-se mostrado útil, na medida em que
fundamentais do conto popular em seu Além dessas seqüências narrativas que facilita a apresentação imediata de
Morfologia do conto maravilhoso (1928). operam na horizontalidade do texto, qualquer romance, sem necessariamente

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afastá-lo das abstrações da estrutura do grandes mecenas, a cujo gosto – um B I B L I O G R A F I A
discurso narrativo. gosto sistêmico – os artistas se inte-
Tome-se mais um exemplo de gravam. Em Portugal, O Uraguay, de
Alencar: Iracema. Quem de fato leu esse Basílio da Gama, articulou-se conforme
livro sabe que se trata de uma narrativa um padrão imposto pelo Marquês de
com diversos movimentos na fábula. Do Pombal. Nem por isso deixou de ser uma • Estruturalismo e poética, de Tzvetan
ponto de vista estrutural, talvez pudesse obra-prima. Diante da impossibilidade Todorov. Tradução de José Paulo Paes.
ser descrito da seguinte forma: chega ao do estabelecimento de qualquer parâ- São Paulo, Cultrix, 1970.
continente americano um explorador metro absoluto, Todorov entende os • “Introdução à análise estrutural da
europeu, que se une a uma virgem com juízos estéticos como simples propo-
narrativa”, de Roland Barthes. In:
funções sagradas em sua tribo. Essa sições de um processo de enunciação: o
união quebra um tabu. A moça paga com valor de uma obra depende de sua Análise estrutural da narrativa: Seleção
a morte. Deixa, no entanto, um filho estrutura, mas só se manifesta mediante a de ensaios da revista “Communications”
mestiço, que implanta a civilização leitura e os critérios de quem lê. [ nº 8, 1966]. Tradução de Maria
européia na região. Aplicado ao ensino O representante mais consagrado da Zélia Barbosa Pinto. Introdução de
da literatura, esse tipo de descrição crítica estrutural nos Estados Unidos Milton José Pinto. Petrópolis, Vozes,
demonstra uma possível aplicação da talvez seja Jonathan Culler, cujo
1971.
narratologia ao exame particular das Structuralist poetics (1975) retoma esse
obras, visto que a descrição do discurso postulado do estruturalismo francês para • Fifty key contemporary thinkers: From
literário propriamente dito não desenvolver, não mais uma poética do structuralism to postmodernity, de John
seguraria todos os alunos por muito discurso literário, mas uma poética da Lechte. Londres/Nova York, Routledge,
tempo em nenhuma aula de literatura leitura. Preocupado com a recepção da 1996.
no Brasil. obra de arte, procura estabelecer uma • Grammaire du “Décaméron”, de
Uma das grandes limitações do langue da interpretação. Depois de acusar
Tzvetan Todorov. Paris, Mouton,
método estrutural é que ele não consegue o excesso de interpretações concretas dos
solucionar o problema do valor artístico, textos literários, Culler propõe o exame 1969.
pois a caracterização do discurso literário do ato de interpretação em si, acreditando • Literary criticism: An introduction to
ou a descrição estrutural de uma obra não que o leitor, de alguma forma, possui uma theory and practice, de Charles E.
explicam as razões de sua beleza. O competência para a leitura, cuja estrutura Bressler. Englewood Cliffs, New
próprio Todorov reconhece os limites do precisa ser caracterizada tanto quanto a Jersey, Prentice Hall, 1994.
método estrutural diante do problema do estrutura do discurso narrativo. Deslo- •“ ‘Los Gatos’ de Charles Baudelaire”,
estético, embora afirme também que cando a atenção do texto para o leitor, o
análise estrutural de Roman Jakobson
nenhum sistema anterior o resolveu estudioso norte-americano procura
satisfatoriamente. Hegel, por exemplo, estabelecer o conjunto de regras ou o e Claude Lévi-Strauss. In: Estructu-
considerava que a perspectiva legiti- sistema que rege a leitura e a interpretação ralismo y literatura. Seleção de José
madora do belo era sempre a do príncipe. da obra literária. Como se vê, trata-se de Sazbón. Buenos Aires, Ediciones
Acrescente-se a isso a conhecida idéia de uma confluência entre o estruturalismo e Nueva Visión, 1972.
que quase toda a arte renascentista se a Teoria da Recepção, cujo expoente • Morfologia do conto maravilhoso, de V.
modelou pelo critério dos papas ou dos mais famoso é Hans Robert Jauss.
I. Propp. Tradução de Jasna Paravich
Sarhan. Organização e prefácio de
A descrição estruturalista
das obras de José
Boris Schnaiderman. Rio de Janeiro,
de Alencar permite Forense-Universitária, 1984.
decompor unidades • Poética da prosa, de Tzvetan Todorov.
narrativas peculiares a Tradução Maria de Santa Cruz.
romances como Lisboa, Edições 70, 1979.
O guarani e Iracema, • Structuralist poetics: Structuralism,
sem perder de vista linguistics and the study of literature, de
as abstrações da
Jonathan Culler. Nova York, Cornell
construção discursiva
University Press, 1993.

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