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O pedagogo e a educação

Na obra O Banquete, de Platão, Sócrates caracteriza o pedagogo como aquela pessoa


que deve cuidar das crianças no trajeto até o lugar de estudo, onde se adquire o saber
impedindo que ela se desvie do caminho para satisfazer seus prazeres infanto-juvenis.
Passados quase 2.500 anos desde esta descrição não é difícil perceber como tal simbolismo
ainda está presente nos dias de hoje, apesar da oposição pressuposta por Sócrates entre o
saber e o prazer se caracterizar de modos diferentes hoje em dia, e o pedagogo ter muito mais
obrigações do que tinha na época de Sócrates.

Tomando-se como ponto de partida este simbolismo, há desde então uma relação
direta do pedagogo com a educação, em defesa da educação, a partir do cuidado que ele tem
em fazer desviar as crianças e os jovens do caminho da perdição, que levaria crianças e jovens
a se consumirem em seus prazeres naquela e nesta época. Sua incumbência de mensageiro
não seria simplesmente levar as crianças e jovens até a escola, mas evitar que elas tomassem
um caminho do prazer e negassem o saber ao qual elas deveriam ser destinadas. Não era,
portanto, um simples pajem sem poder de decisão, mas alguém que orientaria quanto ao
caminho a ser seguido na ausência dos pais durante um determinado percurso da vida dos
imberbes. Entre o lar e a escola, o pedagogo tinha a função importante de limitar as ações das
crianças e jovens conduzindo-as para um determinado o fim, o da educação, que era
principalmente teórica, consistindo sua prática um dimensionamento daquela sobre o corpo
com os exercícios de ginástica e sobre as artes com as métricas musicais e poéticas.

De tanto levar crianças e jovens até a escola cuidando para que ela não se desvie do
seu trajeto, a educação passou a ser identificada com o ponto de vista pedagógico, com a
lógica do cuidado e do poder sobre o corpo e da mente das crianças e jovens como um
orientador, de modo a garantir a educação não mais no trajeto da escola, mas dentro da
própria escola exercendo as funções de coordenadores e diretores criadas especificamente
para aquela finalidade apontada por Sócrates. Funções que fundam a estrutura de poder
escolar tal como a conhecemos atualmente na medida em que o poder conferido aos
pedagogos antigamente e atualmente ainda pelos pais se institucionaliza nas instituições
escolares, ou mesmo, na medida em que as escolas se tornam instituições. Isto é, adquirem a
tarefa de instituírem o saber na sociedade no sentido de garantir de todos os modos possíveis
que as crianças e jovens aprendam.

O que muitos chamam de educação hoje em dia se refere a esta estrutura de poder
estabelecida pedagogicamente na medida em que o saber é instituído a partir do poder do
pedagogo de limitar o prazer das crianças e jovens desde a época de Sócrates e, podemos
dizer, desde o próprio Sócrates como o pedagogo por excelência, aquele que sabe que nada
sabe, isto é, que não detém o saber, mas tem o poder, inclusive divino conferido pelo oráculo,
de conduzir todos ao saber, de si próprios, primeiramente, mas também de tudo o mais que se
queira conhecer. Neste sentido, assim como o pedagogo é aquele que conduz as crianças e
jovens ao saber durante um determinado trajeto, Sócrates também conduz aqueles que
querem aprender a conhecer a si próprios e por si próprios, mas não é por meio das mãos que
ele os conduz senão pela razão. Modo pelo qual a ética do cuidado com o corpo e a mente
exercida pelo pedagogo, se torna uma maiêutica, a arte de parir ideias de Sócrates, a qual
Platão, por sua vez, interioriza, subjetiva, torna consciente, fazendo da maiêutica socrática um
diálogo, isto é, uma conversa consigo mesmo, e não mais com o outro como em Sócrates,
tornando a pedagogia propriamente uma lógica, a das Ideias, cujo telos a ser atingido por
todos que quiserem se educar seria a limitação de todo o prazer, dos sentidos e do corpo, que
pudesse desviar as crianças e jovens do saber.

Neste sentido, é importante percebermos o caminho pelo qual os pedagogos


transcorrem desde o momento em que foi conferido a eles este poder de cuidar das crianças e
jovens até ser criada uma estrutura em torno de si para que ele atue dentro dela, no caso,
quando a escola como instituição do saber, na medida em que ela passa de uma corrente de
pensamento, um fluir dele a quem quisesse aprender, à instituição de um saber pelo poder
conferido a si pelos pedagogos ou por quem os autoriza a isto, os pais e a sociedade de um
modo geral. Mais ainda, é importante perceber como esta estrutura de poder criada pela
pedagogia ou de modo pedagógico se constitui a partir do discurso teórico socrático-platônico
sobre os prazeres do corpo, cuja prática é exercida principalmente pelos pedagogos. E, por sua
vez, como Sócrates e Platão transformam a filosofia então insurgente na Grécia antiga,
indefinida em sua diversidade de saberes e de lugares, numa filosofia institucionalizada a partir
da Academia platônica, cuja preocupação principal era o cuidado da alma para que os prazeres
do corpo não a atrapalhassem em sua obtenção do saber, o que Platão celebremente definiu
sua pedagogia como uma preparação para a morte.

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