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O Que É Imperialismo PDF
O Que É Imperialismo PDF
• O que
Passos
Capa:
Mário Carnerini
Caricaturas:
Emílio Damiani
Revisão:
José E. Andrade
- Apresentação 7
- Lênin e a questão do imperialismo. . . . . .. 10
- Rosa Luxemburgo e A Acumulação do
Capital. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 58
- Conclusão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 84
- Indicações para leitura .90
a eles se dedicasse. Dessa maneira optei, neste outro um pouco mais demorado acerca de Rosa
pequeno livro, pela retomada da questão do impe- J (em virtude de maioria do público a que o presente
rialismo a partir das principais obras clássicas que livro se destina dispor de informações menos con-
trataram do tema, centralizando a exposição nas solidadas sobre a autora), inseridos no infcio de
idéias veiculadas por alguns trabalhos de Lênin e cada um dos capítulos, permitem situar tais pensa-
Rosa Luxemburgo - sem dúvida os pensadores dores no tempo e no espaço.
que mais aprofundaram o estudo de tão espinhosa O item Indicações para Leitura tem uma finali-
problemática. dade dupla: destacar a importância de alguns clás-
Nessa exposição dos aspectos essenciais dos sicos que não foram incorporados ao texto (casos,
trabalhos de Lênin e Rosa sobre o imperialismo por exemplo, dos trabalhos de J. A. Schumpeter e
procurei ser fiel ao pensamento dos autores, se- Hannah Arendt) bem como sugerir alqurnas das
guindo as mesmas "trilhas", condensando, esque- II publicações editadas nos últimos anos sobre o
matizando e transcrevendo trechos dos originais. 1I tema. Esse procedimento, acredito, fornecerá ao
Para esclarecer passagens que me pareceram obscu- leitor um mapeamento, ainda que não exaustivo,
ras e/ou com a finalidade de realizar algumas - daquilo que deverá ser lido caso pretenda se ultra-
críticas às concepções dos dois escritores, utilizei passar os limites introdutórios deste livro.
textos de comentaristas que, em meu entender, Espero que após a leitura de O que é Imperialis-
compreenderam muito bem tais clássicos. Assim, mo você não tenha sede de expansão e não se sinta
R. Banfi, L. Gruppi e M. Bandeira; M. Pedrosa, desanimada(o) como Cecil Rhodes, o todo-pode-
J. Valier (principalmente) e J. P. Nettl tornaram-se roso senhor britânico da África do Sul. Rhodes
indispensáveis para a compreensão das idéias de II ficava deprimido ao ver no céu "essas estrelas ...
Lênin e Rosa Luxemburgo, respectivamente. esses vastos mundos que nunca poderemos atingir."
As concepções de K. Kautsky, F. Engels, R. E afirmava: "Se eu pudesse, anexaria os planetas."
Hilferding e J. A. Hobson aparecem incorporadas,
principalmente, na parte dedicada ao exame das
idéias de Lênin acerca do fenômeno do imperialis-
mo - embora críticas a Kautsky não estejam
ausentes quando
Luxemburgo.
apresento as idéias de Rosa I
I[
Um ligeiro esboço biográfico sobre Lênin e
-a
o que é Imperialismo 11
mental: o nascimento do monopólio como conse- "velhos" motivos da pol ítica colonial, o capital
qüência da concentração da produção. financeiro acrescentou a luta pelas fontes de
Em segundo lugar os monopólios vieram agu- matérias-primas, pela exportação de capitais,
dizar a luta pela conquista das mais importantes pelas "esferas de influência", isto é, as esferas de
fontes de matérias-primas, particularmente para a transações lucrativas, de concessões, de lucros
indústria siderúrgica e de carvão que eram as mais monopolistas, etc. e, finalmente, pelo território
cartelizadas da sociedade capitalista. A posse mo- econômico em geral. Por exemplo, quando as
nopolista das fomes mais importantes de matérias- colônias das potências européias na África repre-
primas aumentou enormemente o poderio do gran- sentavam a décima parte desse continente, como
de capital e tornou mais agudas as contradições acontecia ainda em 1876, a pai ítica colonial podia
entre a indústria cartelizada e a não cartelizada. desenvolver-se de uma forma não monopolista,
A terceira manifestação principal do capitalismo pela "livre conquista" de territórios. Mas quando
monopolista diz respeito ao fato de que o mono- 9/10 da África já estavam ocupados (por volta de
pólio surgiu dos bancos, os quais de modestas 1900), quando todo o mundo estava já repartido,
empresas intermediárias que eram antes transfor- começou inevitavelmente a era da posse rnonopo-
maram-se em monopcllstas do capital financeiro. lista das colônias e, por conseguinte, de luta parti-
Três ou cinco grandes bancos de cada uma das cularmente aguda pela divisão e pela nova partilha
nações capitalistas mais avançadas realizaram a do mundo.
"união pessoal" do capital industrial e bancário, e Assim, os monopólios, a oligarquia, a tendência
concentraram em suas mãos somas de milhares e para a dominação em vez da tendência para a liber-
milhares de milhões, que constituem a maior dade, a exploração de um número cada vez maior
parte dos capitais e dos rendimentos em dinheiro de nações pequenas ou fracas por um punhado de
de todo o país. A oligarquia financeira tece uma nações riqu íssimas ou muito fortes: tudo isto
II densa rede de relações de dependência entre originou os traços distintivos' do imperialismo,
todas as instituições econômicas e pol íticas da que obrigam a qualificá-Io de capitalismo parasi-
sociedade burguesa contemporânea sem exceção: tário, ou em estado de decomposição. Cada vez se
tal é a manifestação mais evidente deste mono- manifesta com maior relevo como uma das ten-
pólio. dências do imperialismo, a formação de "Estados-
Finalmente é preciso destacar que o monopó- rentiers", de Estados usurários, cuja burguesia vive
lio nasceu da pol ítica colonial. Aos numerosos à custa da exportação de capitais e do "corte de
16 Afrânio Mendes Catam O que é Imperialismo 17
a 1903. Já a partir da í os cartéis passam a ser uma monopólios. O capitalismo, na sua fase imperia-
das bases de toda a vida econômica: o capitalismo lista, conduz à socialização integral da produção
transformou-se em imperialismo. nos seus mais variados aspectos. Praticamente
Esses cartéis estabelecem entre si acordos sobre arrasta os capitalistas contra sua vontade, e sem
- as condições de venda e sobre os prazos de paga- que disso tenham consciência, para um novo regi-
mento; repartem os mercados de venda; fixam a me social, de transição entre a absoluta liberdade
quantidade de produtos a fabricar; estabelecem os de concorrência e a socialização completa. A pro-
preços; distribuem os lucros entre as diferentes dução passa a ser social, mas a apropriação conti-
empresas, etc. nua a ser privada. Os meios sociais de produção
A concorrência transforma-se em monopólio, continuam a ser propriedade privada de um reduzi-
daí resultando um gigantesco progresso na sociali- do número de indivíduos. Mantém-se o quadro
zação da produção. Socializa-se também, em parti- geral de livre concorrência formalmente reconhe-
cular, o processo dos inventos e aperfeiçoamentos cida, e o jugo de uns quantos monopolistas sobre
técnicos. Isto nada tem a ver com a antiga livre o resto da população torna-se bem mais duro,
concorrência entre patrões dispersos, que não se mais sensível, mais insuportável.
conheciam e que produziam para um mercado As associações monopolistas recorrem a vários
ignorado. A concentração chegou a tal ponto que meios no combate àqueles que não fazem parte dos
foi possível fazer um inventário aproximado de cartéis. Além de utilizarem as condições técnicas
todas as fontes de matérias-primas (por exemplo, para vencer a competição, recorrem ainda aos
jazidas de minérios de ferro) de um pa ís e, ainda, seguintes métodos:
de vários países e de todo o mundo. Não só se • privação de matérias-primas (um dos processos
realiza este inventário, mas também associações mais importantes para obrigara entrar no cartel):
monopolistas gigantescas se apoderam das refe- • privação de mão-de-obra mediante "alianças"
ridas fontes. Efetua-se o cálculo aproximado da (quer dizer, mediante acordos' entre os capita-
capacidade do mercado que estes grupos partilham listas e os sindicatos operários para que estes
entre si por contrato. Monopoliza-se a mão-de-obra últimos só aceitem trabalho nas empresas carte-
qualificada e contratam-se os melhores engenhei- lizadas) ;
ros. As vias e meios de comunicação - as linhas • privação de meios de transporte, de possibili-
férreas na América e as companhias de navegação dades de venda e de créditos;
na Europa-e na América - vão parar nas mãos dos • acordo com os compradores para que estes man-
• . Mendes Cata,que é Imperialismo 23
22 Afrânio .
intervêm na própria situação econômica, amplian- mediante a posse das ações, mediante a partici-
do ou restringindo o crédito, aumentando ou pação dos diretores dos bancos nos conselhos de
diminuindo o preço do dinheiro, condicionando supervisão ou de administração das empresasindus-
assim os investimentos e a própria vida das indús- e
triais comerciais, e vice-versa - completa-se com
trias. a "união pessoal" dessas sociedades com o governo.
Em tal situação, a relação entre capital bancário Vários lugares nos conselhos de administração são
e capital industrial se faz tão estreita que necessa- confiados a personalidades de renome, bem como a
riamente tem de se desenvolver uma união pessoal antigos funcionários do Estado, que podem "faci-
dos bancos com as maiores empresas industriais e litar" em grau considerável as relações com as
comerciais, uma fusão entre eles mediante a posse autoridades. .
de ações ou a entrada de diretores de bancos nos Os grandes bancos criam seções especiais, desti-
conselhos de administração das empresas indus- nadas a recolher informações financeiras, onde
triais e comerciais e vice-versa. trabalham permanentemente dezenas de engenhei-
Os bancos convertem o capital-dinheiro inativo ros, economistas, advogados, .especialistas em esta-
em capital ativo, isto é, em capital que rende tística, etc. Ocorre, por um lado, a junção dos
lucro. Reúnem toda a espécie de rendimentos em capitais bancário e industrial; e, por outro, a trans-
dinheiro e os colocam à disposição da classe capi- formação dos bancos em instituições com um ver-
talista. Os pequenos estabelecimentos vão sendo dadeiro "caráter universal", isto é, informadas
afastados pelos grandes e em apenas alguns deles sobre todas as variáveis financeiras que Ihes inte-
concentra-se a maior parte de todos os depósitos. ressam.
O aumento da concentração dos bancos restringe Lênin deixa claro que o velho capitalismo cadu-
o círculo de instituições a que se poderia recorrer cou e que o novo constitui uma etapa de transição
em busca de crédito, acarretando um aumento na para algo diferente, fornecendo resposta bastante
dependência da grande indústria com relação a um clara ao importante problema de saber em que
reduzido número de grupos bancários. Assim, a per íodo se situa o in(cio da nova atividade dos
grande indústria assiste com certa perplexidade à grandes bancos. Para ele, as relações entre as
trustificação - (unificação ou transformação em empresas industriais com o seu novo conteúdo e as
trustes) dos bancos, cada vez mais intensa. suas novas formas e os grandes bancos organizados
A "união pessoal" dos bancos com as maiores de um modo ao mesmo tempo centralizado e des-
empresas industriais - isto é, a fusão de ambos centralizado, não se estabelecem como fenômeno
27
26 Afrânio Mendes Cal que é Imperialismo
o capital financeiro
e a oligarquia financeira
controlar 8 milhões do capital das "sociedades- tal financeiro são desmedidos durante os períodos
netas"; E se esse entrelaçamento vai ainda mais de expansão industrial, nos períodos de depressão
longe, com 1 milhão pode-se controlar 16 milhões, arruínam-se as pequenas empresas e aquelas pouco
32 milhões, etc. Como boa parte dos pequenos fortes. A í é que novamente os grandes_bancos
acionistas se encontra dispersa (isto é, não tem na entram em ação; adquirindo tais empresas a preços
prática ,possi~ilidade alguma de assistir às assem- baixos ou no seu lucrativo "saneamento" e "reor-
bléias gerais, etc.) basta possuir fração relativamen- ganização". Tais operações de saneamento e reorça-
te pequena das ações para dirigir os' negócios' de nização tornam-se interessantes para os bancos por
uma sociedade 'anônima. Um exemplo; bastante dois motivos: primeiro, como operação lucrativa;
recente do que se está afirmando é o da GEmeraI segundo, como ocasião propícia para colocar sob
Motors;,ol)de o grupo que possui apenas 7% das a sua dependência essas empresas.
ações mant'ém o controle da corporação. Outra das operações' particu larmente lucrativas
Esse "sistema de participação" serve não só para do capital financeiro é também a especulação com
aumentar em proporções gigantescas o poderio terrenos situados nos subúrbiosdas grandes cidades
dos monopolistas como também permite a execu- que crescem rapidamente. O monopólio dos bancos
ção, impunemente', de "toda ,a' espécie de negó- funde-se neste caso com o monopó1io das vias de
cios escusos 'e sujos e roubar o 'público". Isto cornunicação, pois o aumento dos preços dos
porque os dirigentes das "sociedades-mães" não terrenos, a possibilidade de vendê-Ios vantajosa-
respondem pela "sociedade-filha" (considerada mente por parcelas, etc., dependem principalmente
independente, segundo, a lei), através da qual se das boas vias de comunicação com a parte central
póde fazer passar tudo. da cidade, as' quais 'se encontram nas mãos de
O capital financeiro,: concentrado em poucas grandes companhias ligadas a esses mesmos bancos
mãos e gozando do monopólio efetivo, obtém um mediante o sistema de participação e da distri-
Iucroenorme que aumenta, quase que indefinida- buição dos cargos diretivos. '
mente, com a constituição de sociedades, emissão O monopólio, uma vez constituído e contro-
de valores, empréstim.os do Estado, etc., consoli- lando milhares de milhões, penetra de' maneira
dando a dominação' da oliqàrquia financeira e absolutamente inevitável em todos os aspectos da
impondo a toda a sociedade um tributo em pro- vida social, independentemente do regime político
veito dos monopolistas. e de qualquer outra particularidade.
E importante salientar que, se os lucros do capi-
30 Afrânio Mendes Cat4que é Imperialismo 31
A exportação de capital
riqu íssimas, nas quais a acumulação de capital ti mo com receio de que o vizinho se adiante, con-
tinha alcançado proporções gigantescas, fazendo ceda e, ao mesmo tempo, obtenha certas vantagens
com que se constitu ísse um enorme "excedente em troca do serviço que presta. Nas transações
de capital" nos países avançados. internacionais deste gênero o credor obtém quase
Esse "excedente de capital" - que jamais é sempre algo em proveito próprio: um favor no
investido no sentido de elevar o nível de vida das tratado de comércio, a construção de um porto,
massas trabalhadoras do pa ís - é exportado para uma concessão lucrativa ou uma encomenda de
o estrangeiro, dos países desenvolvidos para os canhões. ~ muito comum observar que entre as
países atrasados. Nos atrasados o lucro é em geral cláusulas de empréstimo se imponha o gasto de
elevado, pois os capitais são escassos, o preço da uma parte do mesmo na compra de produtos do
terra e os salários relativamente baixos e as maté- país credor, em especial de armamentos, barcos,
rias-primas baratas. Uma série de nações atrasadas etc. Portanto, a exportação de capitais passa a ser
já foram incorporadas na circulação do capitalismo um meio de estimular a exportação de mercado-
mundial, e nelas já se construíram (ou foram inicia- rias. Num relatório do cônsul austro-húnqaro em
das) as principais vias férreas, bem como foram São Pau 10 encontrava-se escrito: "A construção
asseguradas as condições elementares para o desen- das ferrovias brasileiras realiza-se, na sua maior
volvimento da indústria. Assim, a necessidade da parte, com capitais franceses, belgas, britânicos e
exportação de capitais obedece ao fato de que em alemães; os referidos países, ao efetuarem-se as
alguns países (como a Inglaterra, a França e a Ale- operações financeiras relacionadas com a _cons-
manha) o capitalismo "amadureceu excessiva- trução de ferrovias, reservam-se as encomendas
mente" e o capital - dado o insuficiente -desen- de materiais de construção ferroviária".
volvimento da agricultura e a miséria das massas -
carece de campo para a sua colocação lucrativa.
Os países que tomam dinheiro emprestado insis-
A partilha do mundo
tem junto às grandeS potências no sentido de obte- entre as associações de capitalistas e
rem cada vez mais empréstimos. Em geral, mesmo entre as grandes potências
que as perspectivas políticas não sejam animadoras
e que o país que tomou o empréstimo esteja com
sua economia já abalada, raramente qualquer dos As associações de monopolistas capitalistas
mercados monetários se decide a negar um ernprés- (cartéis, sindicatos, trustes) inicialmente partilham
34 Afrânio Mendes Cau i I, . li
que e mpena tsmo 3S
micas do imperialismo moderno e as suas ra ízes ções entre "a grande Roma com a Grã-Bretanha",
sociais e pol íticas. Rhodes falava em 1895, a não acrescentando nada de útil à elucidação da ques-
propósito de suas idéias imperialistas: "Ontem tão da particularidade fundamental do capitalismo
estive no East-End londrino (bairro operário) e moderno. Mesmo a política colonial capitalista das
assisti a uma assembléia de desempregados. Ao fases anteriores do capitalismo é essencialmente di-
ouvir ali discuros exaltados cuja nota dominante ferente da pol ítica colonial do capital financeiro.
era: pão!, pão!, e ao refletir, de. regresso a casa, A particularidade fundamental do capitalismo
sobre o que tinha ouvido, convenci-me, mais do moderno consiste na dominação exercida pelas
que nunca, da importância do imperialismo ... associações monopolistas dos grandes patrões. Tais
A idéia que acalento representa a solução do monopólios adquirem a máxima solidez quando
.problema social: para salvar os 40 milhões de habi- conseguem reunir sob seu controle todas as fontes
tantes do Reino Unido de uma mortífera guerra de matérias-primas e atuam no sentido de retirar
civil, nós, os políticos coloniais, devemos apode- dos adversários, por exemplo, as terras que contêm
rar-nos de novos territórios; para eles enviaremos o . minério de ferro, as jazidas de petróleo, etc. A
excedente de população e neles encontraremos posse de colônias é a única coisa que garante de
novos mercados para os produtos das nossas fábri- maneira completa o êxito do monopólio contra
cas e das" nossas minas. O império, sempre o tenho todas as contingências da luta com o adversário.
dito, é uma questão de estômago. Se quereis evitar Quanto mais· desenvolvido está o capitalismo,
a guerra civil, deveis tornar-vos imperialistas". quanto mais sensível se torna a insuficiência de
matérias-primas, quanto mais dura é a concorrên-
* * * cia .e a procura de fontes' de matérias-primas em
todo o mundo, tanto mais encarniçada é a luta
A política colonial e o imperialismo existiam já pela aquisição de colônias.
antes da fase mais recente do capitalismo e até Como os monopólios se constituem na parti-
antes do capitalismo. Roma, baseada na escrava- cularidade principal do capitalismo contemporâ-
tura, manteve uma política colonial e exerceu o neo, o mercado livre passa cada vez mais para o
imperialismo. Entretanto, as considerações qerais domrnto da história; os sindicatos e trustes mono-
sobre o imperialismo que relegam a um segundo polistas operam sua redução dia a dia. Para o capi-
plano as diferenças essenciais entre as formações tal financeiro, não são apenas as fontes de matérias-
econômico-sociais, acabam por realizar compara- primas já descobertas (geralmente localizadas nas
39
38 Afrânio Mendes Calque é Imperialismo
partilha de todos os territórios disponíveis entre os pleta, pois destaca de modo unilateral apenas o
países capitalistas mais importantes. Assim, no sen- problema. nacional, relacionando-o arbitrária eincor-
tido puramente econômico o imperialismo repre- retamente só com o capital industrial dos países
senta em si, indubitavelmente, "uma fase particular que anexam outras nações, colocando em primeiro
de desenvolvimento do capitalismo". plano, da mesma forma arbitrária e errada, a anexa-
Lênin desenvolve uma crítica penetrante à defi- ção das regiões agrárias. O imperialismo é uma
nição de Kautsky acerca do imperialismo, enquan- tendência para as anexações - eis a que se reduz a
to tendência dos países industrialmente desenvol- parte política desta definição. É justa, mas extre-
vidos a anexar territórios agrícolas. E é particular- mamente incompleta, pois no aspecto político o
mente rechaçada a tendência contida no estudo de imperialismo é, em geral; uma tendência para a
Hobson que vê o imperialismo como degeneres- violência e para a reação. Encontra sua base estru-
cência do capitalismo e não como seu desenvolvi- tural não no capital industrial, mas no capital
mento necessário. Trata-se do mesmo erro em que financeiro, donde deriva o impulso para anexar não
incorre Kautsky, que considera o imperialismo um apenas territórios atrasados, mas também para
"modo particular" através do qual o capitalismo penetrar em países industrialmente desenvolvidos,
se expressa (pela violência), e não como uma "ten- por dois motivos: em primeiro lugar, estando já
dência natural, necessária". concluída a divisão do globo isso obriga, para tor-
Karl Kautsky foi o principal teórico marxista nar possível uma nova partilha, a estender a mão
da época da chamada II Internacional, isto é, dos sobre todo tipo de territórios. Em segundo lugar,
vinte e cinco anos compreendidos entre 1889 e faz parte da própria essência do imperialismo a
1914 - ver, sobre as Internacionais, volume rivalidade de várias grandes potências nas suas
específico a ser lançado em breve nesta mesma aspirações à hegemonia, isto é, a apoderarem-se de
coleção. Contrapondo-se às concepções leninistas, territórios não apenas para si, mas também para
definiu o imperialismo como sendo um produto enfraquecer o adversário e minar a sua hegemonia.
do capitalismo industrial altamente desenvolvido, Se o imperialismo for concebido sem vinculação
consistindo na tendência de toda nação capita- ~m o capital financeiro, que é sua base econô-
lista industrial para submeter ou anexar cada vez mica. fundamental, poderá deixar de aparecer como
mais regiões agrárias, quaisquer que sejam as nações manifestação inevitável do capitalismo. Aí deixa-se
que as povoam. ~e lado o elemento decisivo: que na fase imperia-
Entretanto, esta definição é bastante incom- lista agravam-se todos os contrastes de classeentre
42 Afrânio Mendes Caflue é Imperialismo 43
o capitalismo e os trabalhadores; entre as metró- que temporariamente, desaparecem até ~ert? ponto
poles imperialistas e os povos coloniais, ao mesmo as causas estimulantes do progresso tecruco. Po.r
tempo em que se acentuam as contradições no inte- conseguinte, tendem a desaparecer as causas esti-
rior do alinhamento imperialista monopolista. mulantes de todo o progresso, de todo o avanço,
Hobson, em O Imperialismo (1902), entende surgindo assim a possibilidade eco~ô~ica de
que o novo imperialismo distingue-se do velho conter artificialmente o progresso tecruco. No
porque, em vez da aspiração de um só império início do século tornou-se clássico o caso de um
crescente, segue a teoria e a prática de impérios americano inventor de uma máquina que provocava
verdadeira revolução no fabrico de garrafas. O
rivais cada um deles guiando-se por idênticos.ape-
cartel alemão de fabricantes de garrafas com-
tites 'de expansão pol ítica e de lucro comercial.
prou-lhe as patentes e guardou-as à chave, atra-
E também porque nessa forma do imperialismo
sando a sua aplicação. É evidente, entretanto, que
predominam os interesses financeiros, ou relativos
sob o capitalismo o monopólio não pode nunca
ao investimento de capital, sobre os interesses
eliminar do mercado mundial, completamente e
comerciais.
por um período muito prolongado, a concorrência.
Assim, a concorrência entre os vários imperia-
É natural que a possibilidade de diminuir os
lismos e o predomínio do financeiro sobre o co-
gastos de produção e aumentar os lucros, implan-
mercial foram aspectos destacados pelo economista
tando aperfeiçoamentos técnicos, atua a favor das
inglês Hobson e que Kautsky estava longe de com-
modificações. Mas a tendência para a estagnação
preender.
e para a decomposição, inerente ao monopólio,
continua por sua vez a operar; e em certos ramos
da indústria e em certos países há períodos em
o parasitismo que consegue impor-se.
e a decomposição do capitalismo. Com o imperialismo observa-se o desenvolvi-
mento extraordinário de uma camada de indiví-
duos conhecida pelo nome de rentier (os rentiersi,
Conforme já se explicou, a base mais profunda
ou seja, de pessoas que vivem apenas do lucro
do imperialismo é o monopólio capitalista, que
extraído do capital Iíquido. Os rentiers seriam os
acaba por gerar inevitavelmente uma tendência capitalistas investidores, indivíduos que vivem do
para a estagnação e para a decomposição. Na
"corte de Cupons", que não participam em nada
medida que se fixam preços monopolistas, ainda
--------------------------------------~
44 Afrânio Mendes em I, . li 45
que é mpena tsmo
em nenhuma empresa. A exportação de capitais, a sua classe dirigente e subornar as classes infe-
uma das bases econômicas mais essenciais do capi- riores para conseguir a sua concordância. En~re-
talismo, acentua ainda mais este divórcio completo tanto, para que esse suborno se torne econormca-
entre o setor dos rentiers e a produção, imprime mente possível, é necessário um elevado lucro
uma marca de parasitismo a todo o país, que
monopolista.
vive da exploração do trabalho de alguns países Entre as particularidades do imperialismo rela-
e colônias do ultramar. cionadas com os fenômenos já descritos figura a
No imperialismo, o. predomínio do capital finan- redução da emigração dos países imperiali,st.as.e
ceiro e da categoria do rentier imprime um enorme o aumento da imigração (afluência de operanos e
impulso a todos os fenômenos que são próprios do migrações) para estes últimos. A massa humana
capitalismo: a especulação financeira, o jogo na que a eles chega vem, em geral, dos países mais
bolsa e, principalmente, a especulação sobre os atrasados onde o nível dos salários é mais baixo.
terrenos para a construção. Tudo isso adquire uma Na Inglaterra, a tendência do imperialismo para
nova dimensão, modifica as relações tradicionais dividir os operários e para acentuar o oportunismo
(capitalistas) entre os vários setores da economia e entre eles, provocando uma decomposição tempo-
atribui à especulação uma função determinante. rária do movimento operário, manifestou-se muito
A pol ítica parasitária desenvolvida pelos capi- antes dos fins do século XI X e princípios do sé-
talistas inclui laços que unem o imperialismo aos culo XX. Isto explica-se porque desde meados do
interesses financeiros, ao aumento dos lucrosresul· século passado existiam na Inglaterra dois impor-
tantes dos contratos, dos fornecimentos, etc. Em tantes traços distintivos do imperialismo: imensas
muitas cidades, os ramos mais importantes da possessões coloniais e situação de monopólio no
indústria dependem das encomendas do governo- mercado mundial, sendo que durante dezenas de
o imperialismo dos centros da indústria metalúrgica anos Marx e Engels estudaram sistematicamente
e da construção naval dependem em grande parte essa relação entre o oportunismo no movimento
deste fato. operário e as particularidades imperialistas do
Um dos principais fatores responsáveis pela capitalismo inglês.
redução da força dos velhos impérios vem a ser o Em A Situação da Classe Trabalhadora na
"parasitismo econômico", pelo qual o EstadO Inglaterra, de Engels,são analisadas as causas e
dominante utiliza suas províncias, colônias e conseqüências do aproveitamento, por parte dos
países dependentes com a finalidade de enriquecer operários ingleses, do monopólio colonial da
46 47
Afrânio Mendes Ca
que é Lmpena. litsmo
Inglaterra e do seu monopólio no mercado muno atitude das diferentes classes da sociedade ~erante
dial. As causas são as seguintes: 1) exploração do a política do imperialismo, de acordo com a Ideolo-
mundo inteiro por este país; 2) a sua situação de gia geral das mesmas.
monopólio no mercado mundial; 3) o seu mono- Uma série de fatores possibilitou a passagem em
pólio colonial. E as conseqüências: 1) aburquesa- bloco de todas as classes proprietárias para o lado
mento de parte do proletariado inglês; 2) uma do imperialismo, série essa que poderia ser as~im
parte dele permite que a dirijam pessoas compradas explicada: as proporções gigantescas_ do caplt~1
pela burguesia ou, pelo menos, pagas por ela. financeiro, concentrado em poucas maos, deu OrI-
O imperialismo do início do século atual com- gem a uma rede extraordinariamente vasta e densa
pletou a partilha do mundo entre alguns Estados, de relações e vínculos. Isso, por um lado, !ez c?m
sendo que cada um deles explorava na ocasião que ficasse subordinado ao seu poder nao so a
uma parte do mundo um pouco menor do que massa dos capitalistas e pequenos e médios empre-
aquela que a l,[Iglaterra explorava em 1858. Cada sários, mas também os mais insignificantes. Por
um desses Estados ocupava, no princípio do século, outro lado, exacerbou a luta contra outros grupos
uma posição de monopólio no mercado mundial nacionais-estatais financeiros pela partilha do
graças aos trustes, aos cartéis, ao capital financeiro, mundo e pelo domínio sobre outros países. É
às relações de credor e devedor. E, por último, interessante enfatizar que essa situação fez com
cada um deles dispunha, até certo ponto, de um que todas as classes proprietárias dessem sua ade-
monopólio colonial - segundo as estatísticas são ao imperialismo.
disponíveis, de 75 milhões de quilômetros quadra- No início do atual século o sinal do novo tempo
dos de todas as colônias do mundo 65 milhões, foi o entusiasmo "geral" pelas perspectivas do
isto é, 86% estavam concentrados nas mãos de imperialismo, a sua defesa furiosa, o seu embele-
seis potências; 61 milhões, isto é, 81% concentra- zamento por todos os meios, tendo a ideologia
vam-se em apenas três potências. imperialista penetrado mesmo - no seio da classe
operária.
O essencial da crítica do imperialismo consiste
Crítica do imperialismo em saber se é possível modificar por meio de refor-
mas suas bases, se há que seguir para diante, agu-
A crítica do imperialismo foi entendida por dizando e aprofundando ainda mais as contradições
Lênin no sentido amplo da palavra, ou seja, como a que o imperialismo gera, ou se há que retroceder,
48 Afrânio Mendes Cal que é Imperialismo 49
não em uma uruca de suas componentes - a ten- Após a guerra anglo-bôer, era natural que os
dência à concentração financeira - mas em todos padres dedicassem a maior parte d~ .seus esforços
os seus elementos, para ser fiel à interpretação com a finalidade de conso,lar. os filisteus ~ ope-
leninista então não há dúvida que o desenvolvi- rários ingleses, que tinham sofrido um bo,:" numero
mento seque a linha de um único truste mundial de mortos nas batalhas sul-africanas ~ tlvera~ de
pagar impostos elevados para .gara~tlrem maiores
que enriqueça todas as empresas e todos os Esta-
lucros aos capitalistas financeiros Ingleses. E que
dos sem exceção. Mas a segue em tais circunstân-
melhor poderia consolá-los do que a idéia de que o
cias, sob tais ritmos, com tais contrastes, conflitos
imperialismo não era assim tão mau, qu~ se en~o.n-
e choques - e não apenas econômicos, mas tam-
trava muito próximo do inter ou ultra-Impenal~s-
bém políticos, nacionais, etc., etc. - que neces-
mo, capaz de assegurar a paz permanente? Quais-
sariamente, antes que se chegue a um único truste
quer que fossem as boas intenções dos padres
mundial, à associação mundial "ultra-imperialista"
ingleses ou as de Kautsky, o verdadeiro_ sentid?
dos capitais financeiros nacionais, o imperialismo
social da sua "teoria" é um só: a consolaçao arqui-
deverá forçosamente explodir e o capitalismo se
reacionária das massas com a esperança na possi-
transformará em seu contrário.
bilidade de uma paz permanente sob o capitalismo,
Segundo Hobson, o cristianismo consolidado
desviando a atenção das agudas contradições e dos
num número limitado de grandes impérios fede-
agudos problemas da atualidade de então, para as
rais cada um deles com colônias não civilizadas e
dirigir para as falsas perspectivas de um possível e
paí~es dependentes, parecia a muitos a evolu~o
desejado ultra-imperialismo futuro.
mais legítima das tendências atuais, uma evoluçao
Dessa maneira, as alianças interimperialistas ou
que, além disso, permitiria alimentar as maiores
ultra-imperialistas no mundo capitalista - seja qual
esperanças numa paz permanente sobre a base
for a sua forma: uma coligação imperialista contra
sólida do interimperialismo.
outra coligação imperialista, ou uma aliança geral
Kautsky qualifica de ultra-lmperialismo ou su-
de todas as potências imperialistas - só podem ser,
perimperialismo aquilo que Hobson qualificava, inevitavelmente, "tréguas" entre guerras. As alian-
treze anos antes, de interimperialismo. Assim, o ças pacíflcas preparam as guerras e por sua vez
progresso do pensamento "científico" em Kautsky surgem das guerras, conciliando-se mutuamente,
reduz-se à pretensão de fazer passar por marxismo gerando uma sucessão de formas de luta pacífica
aquilo que Hobson descreve, em essência, como e não pacífica sobre uma mesma base de vínculos
manifestação hipócrita do clero inglês. .
S4 Afrânio Mendes Calque é Imperialismo SS
de como a estratégia do proletariado deva ser postaE lênin chega a sentenciar, corretamente, que
no quadro do desenvolvimento imperialista. O mo a luta contra o imperialismo e uma frase oca e
mento em que lênin se apresenta no movimento falsa se não for indissoluvelmente ligada à luta
operário como o teórico que deu a mais lúcida contra o oportunismo existente no interior do
definição do imperialismo e de suas conseqüênciasmovimento operário.
pol íticas, é também o momento em que ele se apre
senta como um dirigente do movimento operário
revolucionário a nível internacional.
A tomada de consciência do fenômeno do impe-
rialismo, efetivada no seio da esquerda social-demo·
crata no curso da Primeira Guerra Mundial, repro·
põe a questão nacional e o princípio da autodeter-
minação dos' povos. Esboçam-se duas orientações:
a dos que, diante do novo grau de internacionali-
zação do capital representado pelo imperialismo,
consideram que a questão nacional já está supe-
rada, enquanto -momento essencial da luta revolu-
cionária do proletariado; ea dos que, como lênin,
consideram que precisamente essa mais direta e
orgânica opressão dos povos, exerci da pelo capita-
lismo transformado em imperialismo, coloca com
novo vigor e com maior amplitude a questão
nacional, de modo a torná-Ia mais que nunca uma
parte integrante do programa revolucionário do
proletariado.
O imperialismo, ao superar os limites dos Esta-
dos nacionais, faz com que todas as contradições
sejam aguçadas e os conflitos nacionais se somem
aos conflitos de classe. Também assim amadure-
cem, rapidamente, as condições para o socialismo.
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mesmo ano a Liga Spartakus realizou uma confe- Lê.nin e Rosa - é interessante ter em mente que ela
rência com outros grupos de esquerda e fundou o foi uma defensora ardente da Revolução Russa
Partido Comunista da Alemanha. '- e":lbora não, ~enha assumido de modo algum um~
No in ício de janeiro de 1919 os trabalhadores at~tude acrrtíca perante ela -, Lênin chegou a
berlinenses iniciaram uma série de manifestações afirmar: "Rosa Luxemburgo foi; e continua a ser
para nós, uma águia". .
armadas como protesto contra a tentativa de desti-
tuir o chefe da Polícia de Berlim, um popular Rosa Luxernburqo viveu e morreu pela causa a
social-democrata de esquerda e, como tal, um que dedicou apaixonadamente toda a sua vida,
obstáculo ao projeto do Exército de "restaurar a tendo lutado pela libertação da classe trabalha-
lei e a ordem" com a conivência do governo dora (e, de um modo geral, de toda a humanidade)
social-democrata republicano. Estas manifestações dos horrores do capitalismo imperialista.
ficaram conhecidas como Semana Spartakus, por-
que, se bem que os líderes da Liga Spartakus
fossem contra tais manifestações, colocavam-se à
Indagações que levaram
cabeça destas quando não conseguiam dissuadir Rosa Luxemburgo a escrever
os trabalhador de agir. O Exército acabou esma- "A Acumulação do Capital"
gando tais contestações de um modo sangrento
e brutal, tendo sido desencadeada uma verdadeira
onda de terror contra todos os socialistas revolu- Rosa. ~uxemburgo descrevia no "Prólogo" de
seu principal estudo teórico, em dezembro de
cionários.
Em 15 de janeiro de 1919 Rosa l.uxemburo e 1912, as razões que a levaram à redação de A
Karl Liebknecht foram presos por oficiais do ,,!-~~mulação do Capital. Afirmava a autora que "a
Exército e brutalmente assassinados. Luxemburgo Idela deste trabalho surgiu da Introdução à Econo-
foi espancada até a morte com coronhadas e o seu mia Política, obra de divulgação que há muito
corpo lançado para um canal onde ficou durante tempo venho preparando, constantemente inter-
algumas semanas. Liebknecht foi baleado mortal- rompida pelas minhas atividades na escola do
mente na cabeça, transportado para um necrotério ~art~do e pelas campanhas de propaganda. Em
e sepultado como "uma pessoa desconhecida Janeiro deste ano, após as eleições para o Reichstag
(parlamento alemão), tentei terminar aquele tra-
encontrada morta a bala".
balho de divulgação da teoria econômica de Marx,
Apesar das muitas divergências existentes entre
64 Afrânio Mendes Catani
o que é-Imperialismo
65
revolucionário,. insiste na importânci~ do papel tenha paulatinamente constituído e não possa ser
dos mercados externos no desenvolvimento das alargado por meio de freqüêntes ampliações,
economias capitalistas. Em um artigo pu~licad~ enquanto que a produtividléle do trabalho não
em 1902 ponderava ele que o mercado crescia mais deixará de progredir, o conflito periódico entre as
vagarosamente que a acumulação de capital e que o forças produtivas e os limites da mudança come-
aumento na produtividade do trabalho. Como con- çará cedo ou tarde e sua repetição irá se fazer cada
seqüência, . a indústria capitalista deveria procurar vez mais violenta e impetuosa.
um mercado suplementar localizado fora ~e s:u Interessando-se pelo problema do crescimento,
domínio em nações e estratos da população nao procura destacar também os movimentos cíclicos
capitalis;as. Acrescentava ainda q~e não a~en?s as da economia. Para ela é fundamental ter em mente
crises eram inevitáveis como tambem o caPI~hsmAo que, embora a periodicidade de conjunturas de
seria conduzido a um "período de depressao cro- prosperidade e de crise represente um elemento
nica". Isso precisamente devido à impossibilidade importante da reprodução, não. constitui o pro-
de se ampliar, indefinidamente, o mercado mun- blema da' reprodução capitalista em sua essência.
dial. . . . A existência" de ciclos faz com que a produção
Escrevia também que os conflitos internacionais seja ~Igumas vezes superior e outras inferior à
iriam se tornar mais sérios, pois à medida e~ que demanda efetiva. Sem dúvida, em um período de
o estado de depressão crônica se aproximava, tempo mais longo se pode obter um volume médio
cada nação procuraria estender sua parte do ~er- de reprodução, e isto não é puramente teórico,
cado à custa das outras, utilizando as conqUls~~s pois além dos movimentos cíclicos a capacidade
coloniais, as tarifas alfandegárias e os ca~t~IS. produtiva se desenvolve progressivamente. E ela
Mais tarde, Kautsky repudiará total e exphclt~- se pergunta: "Como se realiza isto ... ? Aqui
"mente estas teses; todavia, é interessante recorda- COmeçam as dificuldades ... " A essa questão de
Ias uma vez que constituíam uma das respostas Luxemburgo, podem ser acrescentadas outras,
que se poderia dar aos revisionistas. . tais como: por que cresce a economia capitalista?
Respondendo aos revisionistas L~xembu~g? POde ela crescer de maneira ilimitada? Qual a ori-
destaca que se as previsões de Marx nao. s~ .verlfl- gem da propensão para lnvestir? De onde vem a
cam com exatidão é em virtude das pO~lblhdades demanda que permite a continuidade da acum~-
de expansão, que as colônias oferecem a Eu.r0pa. lação? São estas, acredito, questões fundamentais
Entretanto; uma vez que o mercado mundial se que necessitam ser respondidas. Trata-se, em suma,
68 Afrânio Mendes Catam 69
do problema da propensão para investir. Assim, sejam respeitadas. Dessa maneira, após apresentar
resta saber quais as razões que levam os capitalistas os esquemas de Marx afirma que a acumulação do
a investir e como eles sabem se existirá uma deman- capital parece poder continuar de maneira indefi-
da suficiente para os produtos criados pelo novo nida e numa progressão constante, com uma
cápital. extensão ilimitada da produção, apoiada apenas nó
mercado interno.
O erro de Marx, para ela, éonsiste em haver ra-
ciocinado no marco de uma nação, mais precisa-
Críticas às 'concepções de Marx mente, de formular sua argumentação como se o
mundo inteiro fosse uma única nação capitalista.
Rosa Luxemburgo, nos notáveis capítulos de Conseqüentemente, o esquema marxista de repro-
história do pensamento econômico, rechaça as dução ampliada não pode explicar o processo de
várias colocações de J. B. Say,' David Ricardo, acumulação tal como se verifica na realidade, nem
Sismondi e Malthus sobre a lei dos mercados. como se impõe historicamente. O esquema marxis-
Igualmente são rechaçadas as teses dos populistas ta expõe o processo de acumulação a partir do
russos que defendiam a necessidade de mercados pressuposto segundo o qual capitalistas e trabalha-
exteriores, além de criticar violentamente, tam- dores constituem-se nos únicos consumidores.
bém, as teses dos marxistas legais que defendiam a O livro III de O Capital fa Ia de uma contradição
possibilidade de um desenvolvimento indefinido entre a capacidade ilimitada de desenvolvimento
do capitalismo apoiado unicamente no mercado das forças produtivas e a capacidade limitada de
interno, levando .ao absurdo, porém, certas desco- desenvolvimento do consumo interno nas condi-
bertas de Marx. ções de distribuição capitalista das rendas. E é esta
Salienta que os esquemas de reprodução amplia- contradição que faz com que se tornem necessários
da do' livro II de O Capital conduzem a um resul- os mercados externos, que desempenham um papel
tado insatisfatório e contraditório em relação ao essencial na, propensão prévia para produzir, um
livro 111. Para Rosa, os esquemas de reprodução papel essencial na criação da mais-valia, na época
do livro II de O Capital dão a impressão de que é da acumulação primitiva. "Em nossos dias",
possível um desenvolvimento indefinido do capita- contudo, desempenham apenas o papel de fonte
lismo, apoiado apenas no mercado interno, com a para os excedentes de produtos, um papel na
condição de que as proporções entre os dois setores realização da mais-valia. Marx explica que "atual-
70 Afrânio Mendes Catani
o que é Imperialismo 71
grande importância aos m~rcad~s externos co~ Primeira explicação: Os mercados externos são
relação à propensão para investir. Confor~e fOI necessários para realizar a mais-valia.
mostrado, se Marx atribui um papel essen~lal a.os Ao longo de toda uma seção de seu trabalho,
mercados externos na realização da. mals-~al~a,
A
Luxemburgo retoma o tema desenvolvido por
acaba por- negar-Ihes toda a imp?rta~cla na cnaçao Marx no livro III de O Capital, segundo o qual os
da mais-valia, ou seja, na motiveçeo que leva os mercados externos, inúteis para criar a mais-valia,
capitalistas a produzir e a investir. . . são indispensáveis para a sua realização.
A partir de agora torna-se interessante ver.'flcar A) A acumulação do capital num sistema capi-
como Rosa Luxemburgo justificou a necessidade talista, afirmou, só pode ocorrer a partir de duas
de mercados externos para o desenvolvimento do condições: a primeira é que a produção deve .gerar
capitalismo e, especialmente, examinar se ela Ih;s mais-valia; a segunda é que a mais-valia tem que ser
realizada.
atribuiu alguma importância enquanto propensao
a produzire a investir. Quanto à primeira condição, Rosa concorda
com as afirmações de Marx, ponderando que para
se gerar mais-valia é indispensável a existência no
Os mercados externos são necessários mercado de matérias-primas, máquinas e mão-de-
obra. E que a criação da mais-valia não depende
para realizar e' para criar a mais-valia da existência de mercados externos.
B) Ao contrário, a realização da mais-valia
Em A Acumulação do Capital encon~ra~-se ~ois depende dos mercados externos.
tipos de explicação diferentes. Um p~lmelro tl?O, Uma condição adicional torna-se necessária para
que no plano teórico é mais desenvolvld_o,conslst,e que o capitalista individual realize sua mais-valia: a
em afirmar que os mercados externos sao n~cessa- existência "de um mercado mais amplo". E essa
rios para realizar a mais-valia. O se9.undo tipo de realização para fins de acumulação torna-se um
explicação, muito menos desenvolvido no plano problema insoiúvel em uma sociedade onde haja
teórico mas amplamente desenvolvid~ n? plano da apenas trabalhadores e capitalistas. Assim, como
história do desenvolvimento do capitalismo, co~~ primeira condição, a realização da mais-valia re-
siste em afirmar que os mercados externos sa quer um círculo de compradores que está locali-
necessários para criar a mais-valia, en.quanto pro- Zado fora da sociedade capitalista.
pensão prévia ou estímulo para produzir. SObre estes mercados a autora afirma que. eles
74 Afrânio Mendes Catani o que é Imperialismo
7S
direção, porém não é uma proposição prática cado seu A Acumulação do Capital, que a crença
para cuja aplicação imediata devamos trabalhar". na possibilidade de acumulação em uma sociedade
A fonte teórica da posição colonialista dos par- capitalista isolada, a crença de que o capitalismo é
tidos social-democratas era uma deformação do assim concebível sem expansão, é a fórmula teórica
marxismo. Consistia na afirmação de que sendo o de uma tendência tática perfeitamente determina-
capitalismo historicamente inevitável, tudo o que da. Esta concepção tende a não considerar a fase
servisse ao seu desenvolvimento e que o ajudasse do imperialismo como necessidade histórica, como
a se estender pelo mundo todo seria também ine- luta decisiva pelo socialismo, senão como invenção
vitável e, portanto, deveria ser sustentado. Esta perversa de um punhado de interessados. Esta
idéia é defendida por Kautskv quando declara que concepção trata de persuadir a burguesia de que o
a produção capitalista entra em choque com as for- imperialismo e o militarismo são perigosos para el~
mas de produção atrasadas, porém que não se pode e do ponto de vista de seus próprios interesses capi-
nem se deve colocar obstáculos' em seu caminho. talistas, isolando assim a suposta parcela daqueles
20) O segundo ponto a ser assinalado a propó- que se aproveitam deste imperialismo, formando
sito da atitude dos revisionistas frente ao livro de um bloco do proletariado com amplas camadas da
Luxemburgo é que eles - e em especial Kautsky - burguesia para "atenuar" o imperialismo.
estimavam ser o imperialismo (forma particular e O livro de Rosa Luxemburgo não foi mal rece-
violenta da expansão praticada apenas por peque- bido apenas pelos revisionistas; foi mal recebido
nos grupos de capitalistas; os grandes bancos e os também por Lênin. A influência das idéias de
militares) contrário ao interesse do conjunto da Lênin sobre a evolução posterior do pensamento
classe capitalista. É por esse motivo que, afirmava marxista será tal que as teses defendidas por
Kautsky, a maioria da classe capitalista irá se opor, Luxemburgo sobre o papel dos mercados extern~s
de maneira crescente, à pol ítica de violência impe- no desenvolvimento do capitalismo serão esqueci-
rialista e a fará retroceder cada vez mais. Pode-se das ou menosprezadas ao longo do tempo. "Este.é
observar até que ponto esta posição é contrária à um fato lamentável, pois é evidente que a teoria
de Luxemburgo, para quem o imperialismo e a do imperialismo de Rosa Luxemburgo - em que
conquista de mercados externos são inerentes ao pese as ( ... ) imprecisões e erros que for~m
capitalismo e permitem o seu desenvolvimento. mencionados - continua sendo, até nossos ?I~S,
Por outro lado, é pensando em Kautsky que ela um instrumento útil para a análise do imperialis-
irá escrever, ao responder àqueles que haviam ata- mo." (J. Valler).
o que é Imperialismo 8S
qual é preciso aplicar o capitalismo na Rússia ou amigo - que lhe pareça suscetível de desvio ou
como meio legítimo de fazer progredir a indústria, passo em falso na política que ele persegue. Ao
criar e desenvolver a classe operária; preparar enfim abordar o problema do comércio e dos mercados
os ingredientes necessários à dialética final da externos, acredita ser necessário tratá-los como
revolução. - A fúria de l.uxernburqo ao descrever o questão histórica e não mais teórica. É preciso ana-
processo feroz da penetração imperialista nos lisar as condições concretas do desenvolvimento do
países pobres e em curso de colonização irritava capitalismo nos diferentes países e nos diferentes
profundamente l.ênin, que comenta: "A de~c~i- períodos. Munido da teoria da realização de Marx,
ção da tortura dos negros na Ãfrica do Sul está concentra seus ataques, também, nas teses defen-
cheia de ru ídose cores sem significação. É sobre- didas por outros populistas russos. Esses escritores
tudo não-marxista". Para ele, em lugar de estar explicam a necessidade do mercado externo para
preocupada com a solução do problema da -rnais- uma nação capitalista - a própria Rússia - pelo
valia, Rosa procurava "0 conforto da exploração fato de que é impossível aos capitalistas realizar
colonial". de outro modo seus produtos. O mercado interno
Os ataques de Lênin nem sempre se destinam a russo reduz-se, em conseqüência da ru ína do carn-
Luxemburgo mas sim a jovens bolcheviques, seus pesinato e da impossibilidade de realizar a mais-va-
discípulos, pois ele temia que fossem influenciados lia sem mercado externo; ou o mercado externo é
por Rosa, por Bukharin em pessoa e, sobretudo, inconcebível a um país jovem, que ingressou
por Pyatak. tardiamente na via do desenvolvimento capitalista
I nicialmente o pensador tratou do problema da - eis como, insiste Lênin; os populistas russos
realização da mais-valia no capitalismo fechado. demonstram que o capitalismo nesse país, com
Em O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia fundamento em considerações a priori (e falsas
(1899), com o subtítulo "teoria populista sobre a de um ponto de vista teórico), "não tem base
impossibilidade de realizar a mais-valia", toda a sua sólida, é um natimorto! "
atenção voltou-se contra os populistas russos e Após longas considerações e análises sobre a
aqueles que foram considerados durante algum insistente questão da realização da mais-valia, sobre
tempo "marxistas legais". À sua maneira de uma o problema do escoamento dos produtos no exte-
vigilância dupla, sempre armada em qualquer si- rior, sobre as contradições entre as tendências
ilimitadas ao crescimento da produção e ao con-
tuação que se apresente, Lênin não perdoa a
sumo limitado - inclusive a tese de que o próprio
menor afirmação - seja de quem for, adversário
88 - Afrânio Mendes Catani o que é Imperialismo 89
Marx está em contradição com seus próprios esque- dente, afirmam que sua absorção não está relacio-
mas -, Lênin é peremptório ao afirmar que não nada com a questão da realização da mais-valia,
havia nada mais insensato do que deduzir dessas chegando à estranha posição segundo a qual uma
passagens do Capital que Marx não admitia a possi- tentativa de absorção do excedente conduz à aqui-
bilidade de realizar a mais-valia na sociedade capi- sição de mais excedente.
talista, que ele explicaria as crises por um consumo Essa posição tem sido apontada como dotada de
insuficiente, etc. um significado particular, que apresenta uma pers-
Para os economistas populistas, a causa da pro- pectiva metodológica diferente da de Rosa Luxem-
cura de mercados externos por parte dos pa íses burgo. Ela tentou permanentemente perceber
capitalistas deve-se à "carência do próprio capita- como é que as lutas dos 'trabalhadores e dos mar-
lismo". Replica Lênin que, muito pelo contrário, xistas revolucionários poderiam ter relação com o
essa necessidade mostra de modo claro o trabalho fenômeno que estava a discutir. No Capitalismo
historicamente progressista do capitalismo, que Monopolista, de Baran e Sweezy, o trabalho como
destrói o isolamento, o caráter fechado dos siste- categoria econômica e a classe trabalhadora como •
mas econômicos de outrora (e, por conseguinte, força política raramente são mencionados, e isto
a estreiteza da vida intelectual e política), e que não acontece por acaso. Estas omissões derivam
reúne todos os países do- mundo num só todo dos métodos utilizados na análise, e, como tal,
econômico. separam o estudioso da tradição em que o trabalho
Para alguns estudiosos contemporâneos, entre- de Rosa se integrou.
tanto, o problema principal do capitalismo mo-
derno - ao contrário do que pensava Luxemburgo
- não é a realização da mais-valia, mas a venda do
"excedente econômico" - que poderia ser concei-
tuado como a diferença entre o que a sociedade
produz e os custos. de produção. Dessa maneira,
os economistas Baran e Sweezy mostram que os
modernos monopólios enfrentam a questão de um
excedente econômico crescente, que cria o proble-
-.
ma da colocação ou absorção do mesmo. Após
realizar uma série de considerações acerca do exce-
~_IL.._
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