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Obrigações

e Responsabilidade Civil
AUTOR: JOSÉ GUILHERME VASI WERNER

GRADUAÇÃO
2015.1
Sumário
Obrigações e Responsabilidade Civil

AULA 1: APRESENTAÇÃO DO CURSO.......................................................................................................................... 6

AULA 2: A RELAÇÃO JURÍDICA OBRIGACIONAL........................................................................................................... 10

AULA 3: OBRIGAÇÕES NATURAIS............................................................................................................................ 21

AULA 4: PRINCÍPIOS DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES.................................................................................................... 32

AULA 5: CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES............................................................................................................... 33

AULA :6 OBRIGAÇÕES DE DAR COISA INCERTA............................................................................................................ 38

AULA 7: OBRIGAÇÕES DE DAR ENVOLVENDO PRESTAÇÕES ESPECIAIS.............................................................................. 40

AULA 8: OBRIGAÇÕES DE FAZER............................................................................................................................. 44

AULA 9: OBRIGAÇÕES ALTERNATIVAS E OBRIGAÇÕES FACULTATIVAS............................................................................... 48

AULA 10: OBRIGAÇÕES DIVISÍVEIS E INDIVISÍVEIS..................................................................................................... 51

AULAS 11 e 12: OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS................................................................................................................ 52

AULA 13: TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES............................................................................................................... 55

AULAS 14 e 15: EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES............................................................................................................. 59

AULA 16: MODALIDADES DE PAGAMENTO/PAGAMENTOS ESPECIAIS................................................................................ 62

AULA 17: MODALIDADES DE PAGAMENTO/PAGAMENTOS ESPECIAIS................................................................................ 64

AULA 18: EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES SEM PAGAMENTO.............................................................................................. 68

AULA 19: EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES SEM PAGAMENTO.............................................................................................. 71

AULA 20: ATOS UNILATERAIS COMO FONTES DE OBRIGAÇÕES........................................................................................ 72

AULA 21: EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES POR DESCUMPRIMENTO..................................................................................... 74

AULA 22: MORA................................................................................................................................................. 80

AULA 23: PERDAS E DANOS................................................................................................................................... 89

AULA 24: CLÁUSULA PENAL.................................................................................................................................. 90


Obrigações e Responsabilidade Civil

CÓDIGO

DISCIPLINA

Obrigações

CARGA HORÁRIA

60 h

EMENTA

Teoria das Obrigações. Princípios. Conceito. Fontes. Classificação. Obri-


gações de dar, fazer e não fazer. Obrigações alternativas e facultativas e de
meio e de resultado. Indivisibilidade e solidariedade. Efeitos das obrigações,
transmissibilidade e relatividade. Extinção das obrigações. Pagamento. Mora
e inadimplemento.

OBJETIVO GERAL

Capacitar o aluno para o domínio da teoria das obrigações, sua inserção


no Direito Privado moderno e as questões mais atuais acerca do tema.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Apresentar os princípios que regem o direito das obrigações, a conceitu-


ação de obrigação e sua inserção no estudo do Direito Civil. Identificar os
tipos de obrigação e suas características. Reconhecer as fontes, os processos de
modificação da relação obrigacional e as formas de sua extinção. Apresentar
as consequências da mora e do inadimplemento das obrigações.

METODOLOGIA

Aulas expositivas e participativas, com a discussão do material disponibili-


zado pelo Professor e as contribuições obrigatórias dos alunos. Utilização da

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jurisprudência atualizada dos tribunais superiores e discussão de casos con-


cretos previamente apresentados em temas selecionados.
Avaliação que levará em conta o cumprimento das tarefas previstas para as
aulas, a contribuição dos alunos para o material de discussão, a participação
em sala e notas nos trabalhos e testes aplicados de acordo com o regimento
da faculdade.

PROGRAMA

1) Conceito; A Relação obrigacional; Diferença com outras figuras;


Obrigações propter rem e obrigações naturais; Estrutura;
2) Princípios; Fontes; A obrigação como processo;
3) Classificação das obrigações; Obrigações de dar e entregar; Obriga-
ções de dar envolvendo prestações especiais; Obrigações de fazer e
não fazer; Obrigações simples e complexas; Obrigações fungíveis e
infungíveis; Obrigações de meio e de resultado; Riscos e responsabi-
lidade; Obrigações alternativas; características; escolha; obrigações
facultativas; Obrigações divisíveis e indivisíveis; teoria pluralista e
unitarista; Obrigações solidárias;
4) Efeitos das obrigações, transmissibilidade e relatividade;
5) Extinção das obrigações; pagamento; requisitos objetivos e subje-
tivos; prova do pagamento; pagamento indevido; Enriquecimento
indevido; modalidades de pagamento; Consignação em pagamen-
to; pagamento com sub-rogação; Imputação; Dação em pagamen-
to;
6) Extinção das obrigações sem pagamento; Novação; Compensação;
Transação; Confusão; Remissão; Compromisso;
7) Inadimplemento e mora; cláusula penal; arras ou sinal.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

NEVES, José Roberto de Castro. Direito das Obrigações. 3ed. Rio de Ja-
neiro: GZ, 2012.

LOBO, Paulo Luiz Netto. Obrigações. 3ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. 2. 25ed. Rio


de Janeiro: Forense, 2013.

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BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral das Obrigações e Responsabili-


dade Civil. 12ed. São Paulo: Atlas, 2011.

MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. v.5. t.2.


Rio de Janeiro: Forense, 2003.

MAZEAUD, Henri et Léon; MAZEAUD, Jean e CHABAS, François. Le-


çons de Droit Civil. 9ed. Paris: Montchrestien, 1998.

SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. 1ed. Rio de Janeiro:


Editora FGV, 2006.

TEPEDINO, Gustavo (org.). Obrigações: Estudos na perspectiva civil-


-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

TEPEDINO, Gustavo, BODIN DE MORAES, Maria Celina e BARBO-


ZA, Heloisa Helena. Código Civil Interpretado conforme a Constituição
República, v. I. 8ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.

VARELA, João de Matos Antunes. Das Obrigações em geral, v.I. 9ed.


Coimbra: Almedina, 1996.

VARELA, João de Matos Antunes. Das Obrigações em geral, v.II. 7ed.


Coimbra: Almedina, 1997.

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AULA 1: APRESENTAÇÃO DO CURSO

Ementa:

APRESENTAÇÃO DO CURSO. DIREITO DAS OBRIGAÇÕES.


ÂMBITO E IMPORTÂNCIA DA MATÉRIA. DISTINÇÃO ENTRE DI-
REITOS REAIS E PESSOAIS.

Objetivo:

Apresentar o curso; situar a matéria no Direito Privado e ganhar noção


das aplicações do conhecimento do direito das obrigações para outras áreas
do conhecimento jurídico (direito contratual, direito empresarial, direito tri-
butário etc.); saber contextualizar a relação jurídica obrigacional e o direito
de crédito.

Instruções:

Ler o texto abaixo, como um roteiro para a localização de nosso objeto de


estudo.

Introdução

# Antes de estudarmos o tema das obrigações temos que situá-lo no con-


texto do Direito Civil.
# Primeiramente vamos situar as obrigações no Código. O Código Civil é
dividido em uma parte geral e uma parte especial, que por sua vez se divide
em cinco títulos: do Direito das Obrigações, do Direito de Empresa, do Di-
reito das Coisas, do Direito de Família e do Direito das Sucessões.
# O Livro das Obrigações se divide também, em obrigações em geral, con-
tratos, atos unilaterais e títulos de crédito. Vamos nos concentrar no estudo
das obrigações em geral e atos unilaterais.
# No período passado vocês estudaram a parte geral do Direito Civil, estu-
dando, por conseguinte, a parte geral do Código Civil, à qual todos tem que
recorrer em qualquer situação jurídica.
# Agora vocês vão estudar o Direito das Obrigações.
# Até relativamente pouco tempo, a ordem do Código seguia uma das
sistematizações em voga na época de sua elaboração, pela qual deveria ser ini-

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ciado o estudo do Direito na parte especial pelo Direito de Família. Contudo,


modernamente, há a preferência pelo início do estudo pelos direitos das obri-
gações que tem mais influência, pela sua filosofia, nos demais campos e, por
isso, deve ser estudado primeiro. Daí a nova ordem dos livros no CC de 2002.
# Situada a matéria no Código, há que se situá-la no âmbito da divisão dos
direitos e especialmente na divisão dos direitos subjetivos.
# Se lembram que de um ponto de vista os direitos podem ser divididos
em potestativos e subjetivos?

— Potestativos são os direitos que conferem a seu titular um poder para


a realização de um interesse que não depende da interferência do sujeito
passivo. A existência desses direitos deixa o sujeito passivo em uma situ-
ação que a doutrina chama de estado de sujeição, pois este pode ver sua
situação modificada pelo simples querer do titular.

— É o caso, usando o exemplo mais famoso, do direito que teria o


marido de, caso constatasse o defloramento de sua mulher, nos dez pri-
meiros dias do casamento, de anular esse casamento. É o caso, também,
da possibilidade de resilição do contrato por alguma parte, da denúncia
vazia, por exemplo. Notem que para que o titular satisfaça seu interesse
ele não depende de qualquer atitude do sujeito passivo.

— Já os direitos subjetivos conferem a seu titular um poder para a reali-


zação de um interesse, mas que depende da participação, da interferência,
da colaboração do sujeito passivo. A existência do direito subjetivo, por
isso, não deixa o sujeito passivo em estado de sujeição, mas cria para ele
um dever de realizar determinado comportamento, de modo que o poder
de que dispõe o titular é um poder de exigir o comportamento. É o caso
de uma dívida, por exemplo. O titular do direito de crédito tem o poder
de exigir o pagamento e o devedor fica com o dever de pagar. Para que o
credor possa satisfazer seu interesse, ou seja receber, tem que ficar depen-
dendo da ação do devedor, do pagamento.

# Agora, por sua vez, os direitos subjetivos se dividem em duas grandes


categorias. Acho que vocês se lembram: direitos reais e direitos pessoais.

— Essa é a grande divisão dos direitos subjetivos.

# Se lembram da estrutura do direito subjetivo?

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— Todo direito subjetivo tem um sujeito (o titular), um objeto e uma


relação jurídica que liga não o sujeito e o objeto, mas o titular e o sujeito
passivo, o devedor.

# O direito subjetivo se caracteriza, como vimos, pela existência de um


dever jurídico por parte do sujeito passivo. Não há uma sujeição como no
direito potestativo.
# Bom, a diferença entre o direito real e o direito pessoal é quanto ao ob-
jeto e ao sujeito passivo, à relação jurídica.

— No direito real, o objeto é sempre uma coisa, ou seja, um bem


corpóreo (ainda que em algumas situações de exceção possa ser um bem
incorpóreo), enquanto que no direito pessoal, o objeto é sempre um com-
portamento do sujeito passivo.

— E o que é objeto? O objeto do direito é tudo aquilo através do


que o sujeito, a pessoa, realiza seu interesse, se satisfaz, de forma
imediata.

— O objeto do direito subjetivo é o fim, a finalidade, aquilo que pode-


rá proporcionar a satisfação ao titular; é onde recai seu interesse imediato,
direto.
— Pois nos direitos pessoais, tal interesse será realizado diretamente
através do comportamento que se espera do devedor: o mesmo comporta-
mento que é objeto da relação jurídica entre o credor e o devedor.
— Caso da compra e venda (dizer que o interesse do comprador não se
satisfaz com a coisa comprada (esse é o interesse mediato)); o interesse do
comprador se satisfaz com a entrega da coisa imediatamente.

— Já no direito real, o objeto é sempre uma coisa, em geral coisas


corpóreas, mas não um comportamento. O direito de propriedade, por
exemplo: o proprietário, que é o titular do direito de propriedade, se sa-
tisfaz com a coisa sua, por si só. Para que ele exerça o direito e, portanto,
satisfaça seu interesse, não precisa de mais ninguém, só da coisa.
— Em contraste com os direitos pessoais, em que para que o titular o
realize, é preciso que uma pessoa intervenha, o devedor, o sujeito passivo.
Ele depende de uma atitude do sujeito passivo para que consiga exercer
seu direito, satisfazendo seu interesse imediato.
— Dar o exemplo da compra e venda em que, depois de entregue a coi-
sa o comprador vai ser o proprietário, passando a poder exercer seu direito
diretamente sobre a coisa, sem a participação de ninguém.

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— Importante é não confundir esse exercício do direito sem a par-


ticipação de ninguém com o direito potestativo. O direito potestativo,
como falei para vocês, também se exerce sem qualquer participação ou
interferência de outrem. Mas ali há uma sujeição de um sujeito passivo,
que está sujeito, subordinado, totalmente à mercê da vontade do titular.
No direito real, o sujeito passivo não está sujeito dessa forma, não está
subordinado dessa forma. O direito real se encaixa mais no esquema
do direito subjetivo, havendo um dever jurídico para o sujeito passivo.
E, ainda que de menor forma, em menor intensidade, o titular deve
esperar um comportamento do sujeito passivo, um comportamento
no sentido de não interferir com o exercício do direito de propriedade.
De certa forma, então, o titular do direito real, está dependendo de um
comportamento, uma atitude do sujeito passivo.

— E quem é o sujeito passivo no direito real?

— O sujeito passivo do direito pessoal é sempre uma pessoa determi-


nada, enquanto que o sujeito passivo dos direitos reais é universal, todas
as pessoas, indeterminadamente.

— Agora veja que o objeto do direito subjetivo e o objeto da relação


jurídica que integra esse direito subjetivo não são a mesma coisa. Nem
sempre se confundem. Nos direitos reais, que são direitos subjetivos tam-
bém, não é assim. Nos direitos reais o objeto é uma coisa, ou seja, algo que
é apropriável, sendo através dela que o titular realiza imediatamente, di-
retamente seu interesse. Ele não precisa da colaboração ou da atitude, do
comportamento de alguém para aproveitar seu direito, para se satisfazer.

— Vejam o direito de propriedade. O proprietário não precisa de nin-


guém para satisfazer-se com seu direito. Ele se utiliza da coisa por si só.
— Já o comprador precisa do vendedor, precisa que ele entregue a
coisa.
— Por outro lado, qual a relação jurídica estabelecida no direito
real? É entre o titular (proprietário, por exemplo) e todos as demais
pessoas: é o que se chama de sujeito passivo universal. O objeto dessa
relação jurídica é o comportamento dessas pessoas em não atrapalhar,
não obstar ou interferir no aproveitamento da propriedade. Ao contrá-
rio do direito potestativo, há uma sujeição.
— Outra diferença do comportamento devido no direito obrigacio-
nal e no direito real é exatamente em razão disso: aquele é específico,
dirigido a pessoa determinada e este é genérico, dirigido a um universo
indeterminado (Antunes Varela, pág. 81).

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AULA 2: A RELAÇÃO JURÍDICA OBRIGACIONAL

Ementa:

A RELAÇÃO JURÍDICA OBRIGACIONAL. DIREITOS DE CRÉ-


DITO. A PRESTAÇÃO. CONCEITO DE OBRIGAÇÃO. ESTRUTURA
DA RELAÇÃO OBRIGACIONAL.

Objetivo:

Conceituar obrigação, apresentando as diversas maneiras de enxergar o


vínculo entre credor e devedor; entender a estrutura teórica da obrigação e
deter conhecimento crítico sobre débito e responsabilidade.

Instruções:

Ler PEREIRA (2013, v.2), capítulo XXV, itens 126 a 128; ler o texto abai-
xo como roteiro para o estudo desta aula.

# Como vimos na aula passada, no direito real o aproveitamento econô-


mico se dá diretamente com a coisa.
# Já no direito pessoal, o aproveitamento vai depender da interferência de
alguém, de outra pessoa. O interesse, a satisfação do titular do direito pessoal
passa pela atitude de outra pessoa (o sujeito passivo).
# Segundo Silvio Rodrigues e Trabucchi, passa pela colaboração de ou-
trem.
# É por isso que o objeto no direito pessoal é o comportamento ou tal
atitude do devedor enquanto que no direito real é a coisa em si.
# Mesmo assim, isso não significa que a relação no direito real se estabe-
leça entre o titular e a coisa. É sobre ela que incide o direito, o poder ou as
faculdades, mas a relação se dá entre o titular e o sujeito passivo universal.
# Como vimos, a obrigação não foge ao âmbito dos direitos pessoais.

— Os direitos obrigacionais ou de crédito são direitos pessoais que se


particularizam por terem por objeto um comportamento apreciável, afe-
rível economicamente, se distinguindo de alguns direitos de família, por
exemplo, dever de fidelidade.

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# O que vai distinguir o comportamento nos direitos obrigacionais ou


de crédito é exatamente a economicidade ou a patrimonialidade. Em razão
disso, esse comportamento tem a denominação particularizada de PRESTA-
ÇÃO.

— PRESTAÇÃO, então, é o comportamento devido no direito obriga-


cional ou de crédito que se caracteriza por sua patrimonialidade.

# Finalmente podemos dizer que a obrigação vive no mundo dos direitos


pessoais. A obrigação se encontra nos direitos obrigacionais (e aqui é impor-
tante distinguir direitos obrigacionais (mais conhecidos como de crédito) da
obrigação propriamente dita).

# O que vem a ser uma obrigação?

# Obrigações há em toda parte e em todo lugar. Todos estamos, no sentido


popular do termo, obrigados a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Seja em
âmbito familiar, escolar, profissional e social, mesmo moral ou religioso.
# Vários de vocês devem dizer: eu odeio essa obrigação... de ir a casamen-
tos, reuniões de família, casa da sogra etc.
# Podemos ver, então, que obrigação tem uma acepção bem ampla.
# Mas para nós que somos pessoas do Direito, que temos formação e edu-
cação jurídica, a palavra tem um sentido mais restrito e específico, ainda que
não muito diferente. É que assim como nos exemplos que demos vislumbra-
mos uma ligação, um vínculo, uma restrição de nossa liberdade, a obrigação
que passaremos a estudar é também um vínculo: um vínculo jurídico, isto é,
reconhecido e tutelado pelo Direito, uma relação jurídica. E também como
aquelas, decorrente principalmente de nossa vontade.
# A obrigação, podemos dizer, é um tipo de relação jurídica.

# E porquê?

# A obrigação é uma faceta de um direito subjetivo pessoal (de crédito),


que tem por objeto um comportamento de natureza econômica, ou seja, uma
prestação.
# O que se vê em um direito subjetivo?

— Um titular, um sujeito;
— um objeto; e
— uma relação jurídica entre o sujeito e a pessoa que deve determinado
comportamento no que se refere ao objeto.

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# Olhando essa relação jurídica, vemos que ela, por seu turno, pode ser
apreciada desde um enfoque do titular, quando se vislumbra que ele detém
o poder de exigir, um faculdade de exigir o comportamento, até um enfoque
do sujeito passivo, quando se enxerga um dever de agir conforme determina-
do comportamento (é o que se chama dever jurídico).

— Orlando Gomes alerta para que não se tome a obrigação no sentido


de dever de prestar, mas em um enfoque de vínculo que englobe tanto o
ponto de vista do sujeito passivo como o ativo.

# Por isso que a obrigação não se confunde com o dever jurídico que é a
visão de apenas um enfoque. Nem com a sujeição (direitos potestativos), nem
com o ônus (em que aquele onerado cumpre o comportamento com vistas a
garantir um interesse próprio, ao contrário da obrigação, em que o interesse
é alheio) e nem com o direito obrigacional ou de crédito, do qual faz parte.

# Onde achamos a obrigação, vamos achar um direito subjetivo de nature-


za pessoal. A esse direito podemos chamar de direito obrigacional ou direito
de crédito.

# A obrigação tem a mesma essência da relação jurídica.

— Tem uma abrangência maior que a de simples dívida como a ideia


vulgar nos aponta (vista nos exemplos acima fornecidos). Não pode ser
vista pelo lado passivo apenas. As definições mais corretas, portanto, a
tratam a partir das perspectivas ativa e passiva ao mesmo tempo.

CONCEITO

# É em função dessas ideias, a partir da perspectiva do direito subjetivo e


tomando-o do ponto de vista da relação jurídica que se elaboram as defini-
ções das obrigações.
# Para os romanos era “o vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa
fica adstrita a satisfazer uma prestação em proveito da outra”.

— Obligatio est juris vinculum, quo necessitate adstringimur allicuius solven-


dae rei secundum nostrae civitatis jura (Trabbuchi, pag. 517; Institutas, 3.13).

# Para Orlando Gomes, “é um vínculo jurídico entre duas partes, em virtude


do qual uma delas fica adstrita a satisfazer uma prestação patrimonial de inte-

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resse da outra, que pode exigi-la se não for cumprida espontaneamente, mediante
agressão ao patrimônio do devedor”.
# Clóvis Bevilaqua, em definição extensa, transcrita no livro do Caio Ma-
rio, ressalta o caráter de temporariedade.
# Todos os conceitos acima usam o termo vínculo jurídico, porém mais
por homenagem ao original romano, pois a acepção é mesmo de relação jurí-
dica. Para eles, vínculo jurídico e relação jurídica são o mesmo.
# Antunes Varela, um Professor Catedrático de Coimbra que escreveu
uma obra muito recorrida sobre o tema das obrigações, usa a definição já com
o termo relação jurídica: “a relação jurídica por virtude da qual uma (ou mais)
pessoa pode exigir de outra (ou outras) a realização de uma prestação”.
# Ruggiero também destaca a natureza de relação jurídica: “relação jurídica
pela qual uma pessoa (devedor) está adstrita a uma determinada prestação para com
outra (credor), que tem direito de a exigir, obrigando a primeira a satisfazê-la” (p.34).
# Eu faço questão de dizer isso porque quem tem a obra do Caio Mario vai
poder perceber que para ela não há que se falar em relação jurídica para defi-
nir a obrigação. Para ele, a obrigação não se traduz em uma relação jurídica,
mas em vínculo jurídico, sendo que para ele o vínculo é diferente da relação
jurídica. É algo mais, não frio, apenas jurídico, mas também psicológico.
Envolve a restrição da liberdade mesma do devedor, como se via na idéia
romana. Segundo ele o próprio termo obrigação (que vem de obligatio = ob
+ ligatio = liame), já diria isso.

— Destacava-se no Direito Romano arcaico a manus injectio, sobre a


forma de garantia das obrigações que vinculava fisicamente as pessoas.
Lembre-se do caso do menino Caio Publilio (Trabbuchi, pag. 517) que se-
ria levado além do Tibre para ter suas partes divididas entre os credores e a
Lex Poetelia Papiria, que acabou com isso e deu origem ao missio in bona.
— De fato, antes da Lex Poetelia Papiria, o que existia era mesmo um
liame mais forte, como uma subordinação literal de uma pessoa a outra.

# Ainda que não se deva desprezar a opinião do mestre, pode-se prescindir


dessa preciosidade. O conceito de obrigação não perde em nada se a tomar-
mos como relação jurídica que, aliás, gera sempre uma ligação, mesmo que
em algumas vezes mais tênues ou, como diz Antunes Varela, mais difusa que
em outras, como vemos ao comparar os direitos reais e os direitos de crédito.

# De todas as definições podemos extrair as características da obrigação:

— relação jurídica
— de natureza transitória (as obrigações nascem para morrer, quando
se cumprem, se extinguem)

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— que têm por conteúdo um comportamento de dar, fazer ou não-


-fazer algo
— economicamente apreciável
— e que se não cumprida enseja o ataque ao patrimônio.

# E aí já dá para construirmos nossa própria definição.

ESTRUTURA DA OBRIGAÇÃO

1) Sujeito: que tem a característica de ser duplo, ativo e passivo.

— Vimos que a obrigação não pode


ser entendida através de um enfoque só passivo ou só ativo, que deve ser
vista ao mesmo tempo por esses dois lados, para abarcá-los simultaneamente.
— Assim, os sujeitos da obrigação, da relação obrigacional são sempre
dois: o sujeito ativo (titular do direito subjetivo e que tem o poder de exi-
gir o comportamento do devedor; e o sujeito passivo, aquele que deve o
comportamento economicamente apreciável.
— Há que se explicar que quando falo em sujeito no singular, não que-
ro dizer que a obrigação só comporte uma pessoa de cada lado, em cada
pólo. O sujeito pode ser singular ou plural. Pode haver uma obrigação
com mais de um devedor, por exemplo (duas pessoas compram um carro
em conjunto: ambas ficam obrigadas a pagar o preço).
— A pessoa pode ser física ou jurídica.
— Os sujeitos da obrigação são sujeitos de uma relação jurídica e, por-
tanto, são sempre pessoas.
— Característica importante do elemento subjetivo (sujeito) é sua de-
terminabilidade. Ainda que tanto o sujeito ativo quanto o passivo possam
ser indeterminados no nascimento da obrigação, tem que ser pelo menos
determináveis (ex. oferta ao público: sujeito passivo indeterminado, ou
loterias: sujeito ativo indeterminado).

2) Objeto

— Se a obrigação é a relação jurídica, o objeto da obrigação é sempre


um comportamento de dar, fazer ou não fazer.
— A diferença é que o comportamento na relação obrigacional tem
apreciação econômica, patrimonial. E a esse comportamento, que se ca-
racteriza por sua aferição econômica, chama-se prestação.

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— A prestação nada mais é que o comportamento devido pelo sujeito


passivo ao sujeito ativo.
— Essa idéia de comportamento como cerne do dever é comum a
todos os direitos subjetivos e, portanto, é obrigatória ao direito das obri-
gações também. A distinção, ou melhor dizendo, a especialização desse
comportamento que o faz merecer da doutrina o nome de prestação é a
apreciação econômica. É o comportamento apreciável economicamente
ou que tenha valoração econômica.
— Assim, em um contrato de compra e venda, por exemplo, nasce
uma obrigação por parte do vendedor de entregar a coisa: um carro, por
exemplo. O objeto dessa obrigação que une o comprador ao vendedor é a
atividade de entrega do carro. Vocês podem dizer que é o carro em si. Mas
o carro é o fim último, mediato, apenas, da relação estabelecida entre o
comprador e o vendedor.
— É claro que o que o comprador quer é o carro, mas ele só consegue
o carro se o vendedor o entregar a ele. O que verdadeiramente vincula,
prende o vendedor ao comprador é essa entrega, esse dever de dar o carro.
Enquanto essa expectativa não se realizar, o vendedor não fica livre.
— É importantíssimo não esquecer disso: o objeto da obrigação é sem-
pre uma prestação — esse é o objeto imediato. O carro, no exemplo que
demos, é o objeto mediato.
— Aqui podemos constatar que o objeto da obrigação vai se confundir
com o objeto do direito subjetivo de crédito (ou obrigacional).
— Se lembram quando estudaram o direito subjetivo? Que este é for-
mado de três elementos (sujeito, objeto e relação jurídica)? Pois bem, o
objeto do direito subjetivo é o fim, a finalidade, aquilo que poderá propor-
cionar a satisfação ao titular; é onde recai seu interesse imediato, direto.
— Pois nos direitos pessoais, tal interesse será realizado diretamente
através do comportamento que se espera do devedor que, quando o di-
reito subjetivo é de crédito (obrigacional) é apreciável economicamente:
o mesmo comportamento que é objeto da relação jurídica entre o credor
e o devedor.

— Agora veja que o objeto do direito subjetivo e o objeto da relação


jurídica que integra esse direito subjetivo não são a mesma coisa. Nem
sempre se confundem. Nos direitos reais, que são direitos subjetivos
também, não é assim. Nos direitos reais o objeto é uma coisa, ou seja,
algo que é apropriável, sendo através dela que o titular realiza imedia-
tamente, diretamente seu interesse. Ele não precisa da colaboração ou
da atitude, do comportamento de alguém para aproveitar seu direito,
para se satisfazer.

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— Vejam o direito de propriedade. O proprietário não precisa de nin-


guém para satisfazer-se com seu direito. Ele se utiliza da coisa por si só.
— Já o comprador precisa do vendedor, precisa que ele entregue
a coisa.
— Por outro lado, qual a relação jurídica estabelecida no direito
real? É entre o titular (proprietário, por exemplo) e todos as demais
pessoas: é o que se chama de sujeito passivo universal. O objeto dessa
relação jurídica é o comportamento dessas pessoas em não atrapalhar,
não obstar ou interferir no aproveitamento da propriedade. Ao contrá-
rio do direito potestativo, há uma sujeição.
— Outra diferença do comportamento devido no direito obrigacio-
nal e no direito real é exatamente em razão disso: aquele é específico,
dirigido a pessoa determinada e este é genérico, dirigido a um universo
indeterminado (Antunes Varela, pág. 81).

— A prestação, então, é um comportamento apreciável economicamente.


É isso que a diferencia dos demais comportamentos devidos nas relações dos
demais direitos subjetivos.
— A prestação é o cerne, a pedra de toque do direito das obrigações. É ela
que vai determinar a grande parte dos diversos tipos de obrigações que, como
vocês vão ver, serão então classificados em função delas.
— A prestação é sempre um dar, fazer ou não fazer alguma coisa. São os
tipos de comportamento que se pode esperar.
— Todavia, se restringe pelas seguintes características:

a) a patrimonialidade que já vimos; a apreciabilidade econômica. Al-


guns autores dispensam essa característica para entender que a prestação
não precisa ter caráter patrimonial, havendo casos, dizem, em que um
comportamento não é apreciável pecuniariamente mas não poderia deixar
de ser considerado prestação, pois o interesse em obtê-lo mereceria pro-
teção de qualquer forma (ver Antunes Varela, Orlando Gomes, pág. 16 e
Caio Mario, pág. 17).

— Antunes Varela, a meu ver, diferenciaria outros direitos subjeti-


vos em que um comportamento é devido, dos direitos de crédito ou
obrigacionais em razão do fim, do interesse, que é conferido não apenas
ao titular mas em uma função social, como o dever de fidelidade, por
exemplo.
— Segundo Ruggiero, o “objeto da prestação deve necessariamente ter
um conteúdo econômico ou ser suscetível de uma avaliação patrimonial;
caso contrário faltaria ao interesse do credor a possibilidade concreta de
se exercer, na falta de cumprimento, sobre o patrimônio do devedor e, por

FGV DIREITO RIO  16


Obrigações e Responsabilidade Civil

outro lado, incluir-se-ia no conceito jurídico da obrigação uma série de


obrigações que, posto que contraindo-se todos os dias na vida social, nunca
ninguém pensou em fazer valer mercê da coação judicial” (v.3, p.48).
— Na verdade, a discussão a respeito da necessária patrimoniali-
dade da prestação é vetusta e contemporânea de época em que não
se admitia com tranqüilidade a exigibilidade de comportamentos
fundados em interesses meramente morais, sendo exigido o cará-
ter econômico para que recebessem proteção. Atualmente, com o
reconhecimento pleno do interesse moral e fundado nos direitos
da personalidade, a discussão perde importância e, a meu ver, abre
espaço para a distinção clara dos direitos obrigacionais como sendo
aqueles de conteúdo patrimonial, cujo objeto deve ser sempre um
comportamento economicamente aferível.

b) Possibilidade — a prestação não pode ser impossível, nem mate-


rialmente nem juridicamente (ilicitude = impossibilidade jurídica). Se
o for, a obrigação é nula. Mas a prestação deve ser possível no momento
da formação do nascimento da obrigação. Se depois ela se torna impos-
sível, a solução é outra, como veremos.

c) Determinabilidade — a prestação deve ser determinável, ainda


que não precise ser determinada na ocasião do nascimento da obriga-
ção, deve ser determinada no cumprimento. Assim, por exemplo, no
caso de obrigações alternativas, em que alguém se obriga a entregar um
cavalo ou dois porcos. Ou em que alguém se obriga a entregar o cavalo
mais novo da manada ou dois outros
quaisquer. Vejam que o que é originalmente indeterminado é o objeto da
prestação e não a prestação em si, mas aquela vai acabar influenciando neste
e, por óbvio, tornando-a também indeterminada.

3) Conteúdo

— O vínculo ou relação que se constitui na obrigação, por ser uma relação


jurídica, é uma ligação entre pessoas, sempre.

* Hoje já se encontram afastadas as teorias que tentavam enxergar na


obrigação um vínculo entre o credor e o corpo, a liberdade do devedor;
entre o credor e o patrimônio do devedor; e entre os patrimônios do cre-
dor e do devedor.

FGV DIREITO RIO  17


Obrigações e Responsabilidade Civil

— Alguns dizem existir relação jurídica entre pessoas e coisas, mas isso
afronta a lógica.
— A relação jurídica é uma especialização da relação social e esta é natural,
pois humana, equivalência que Norbert Elias sempre fez questão de afirmar,
não sendo de se admitir que alguém se relacione diretamente com uma coisa
ou mesmo com animais. Os amantes de animais me desculpem, mas não
existe relação no sentido negocial de troca, de cooperação econômica ou sa-
crifício de interesses entre uma pessoa e um animal.
— Assim, a natureza do vínculo é fácil de se estabelecer; é uma relação
jurídica e, portanto, uma ligação entre pessoas.
— Mas a pergunta é: que tipo de relação então? Ora, o tipo de qualquer
relação: aquela que liga, por força de um direito subjetivo, uma pessoa a
quem cabe, a quem é reconhecida, a faculdade de exigir um comportamento
a outra a quem cabe realizar o comportamento.
— Já vimos que Caio Mario quis dar mais peso a essa relação, dizendo que
ela restringiria a liberdade do devedor, daquele que deve o comportamento.
Mas, se analisarmos bem, veremos que toda relação jurídica significa um
pouco uma restrição à liberdade do devedor do comportamento, ainda que
em pequena escala ou imperceptivelmente, como no caso dos direitos reais
(Japão-Brasil).
— Á corrente filiada por Caio Mario outra se coloca, considerando que o
vínculo não seria uma restrição de liberdade, pois o devedor pode não cum-
prir, caso em que o credor vai atacar seu patrimônio. Essa corrente afasta o
caráter pessoal para dizer que o vínculo é entre uma pessoa e o patrimônio
do devedor. Mas essa vinculação só existiria no caso do descumprimento e é
essa a crítica à corrente.
— Como veremos, a estrutura da obrigação desvenda o porquê desses en-
foques. O certo é que não se afasta a natureza interpessoal do vínculo. E nem
por isso é preciso reconhecer grande ou intensa restrição de liberdade ou que
seja o patrimônio do devedor o alvo do ataque.

— Alguns autores o tomam por vínculo, mas o vínculo é, como já dis-


semos, a própria relação jurídica. Vínculo, na acepção que vamos adotar é
o mesmo que relação jurídica.
— Conteúdo é mesmo o que melhor define esse elemento, pois ele diz
respeito ao que está dentro da obrigação, o que esta envolve. É exatamente
o que está por trás dela, o que esta significa, o que ela provoca o que ela
acarreta, o que ela traz como consequência, o que ela modifica no mundo
jurídico, tudo ao mesmo tempo.
— E esse conteúdo é, então, a situação que ao mesmo tempo que dá ao
sujeito ativo uma faculdade, uma prerrogativa de exigir a prestação, impõe
ao sujeito passivo o dever jurídico de prestar, sob pena de ter seu patri-

FGV DIREITO RIO  18


Obrigações e Responsabilidade Civil

mônio atacado por aquele para sua satisfação. Dá realmente ao sujeito


ativo um crédito que, em sua concepção, reúne os elementos confiança e
tempo (futuro), uma expectativa em face do devedor. Esse crédito dá a ele,
quando chegado o tempo futuro, a pretensão de reivindicar, de reclamar
o cumprimento, a realização da prestação.
— Veja-se que antes disso o credor, embora tenha uma certa suprema-
cia em face do devedor, por ser aquele a quem estaria vinculado, sendo o
senhor de parte de sua liberdade e o único que pode torná-lo liberto, não
pode ainda exigir o cumprimento. Pode cobrar, lembrar, zelar pela reali-
zação de seu crédito quando chegar o tempo do cumprimento, mas não
pode exigir antes dele, não tem ainda a autorização legal para tanto (exigir
dívida antes do vencimento é ilícito punível com o desconto dos juros
relativo ao período de precipitação e a pagar as custas em dobro — art.
1.530 do Código Civil (939)).
— Nesse meio tempo, enquanto subsiste o crédito propriamente dito,
o devedor, o sujeito passivo encontra-se preso, ligado, vinculado ao credor,
com o peso do cumprimento, da prestação a lhe pressionar no sentido do
cumprimento quando chegar o vencimento.

— Em uma imagem figurada, o conteúdo da obrigação poderia ser


visto como uma fotografia do momento, do instante entre o nascimen-
to da obrigação e seu cumprimento, que mostraria o estado de tensão
entre os interesses do credor e do devedor (totalmente distinto da idéia
de obrigação como processo, como dinâmica).
— Isso é uma imagem estática da obrigação, ao que a doutrina mais
moderna tem se oposto ao invocar uma imagem dinâmica da obrigação,
que envolveria, especialmente em função do conceito da boa-fé, outras
obrigações paralelas e correspectivas ao dever principal, que acompa-
nham as partes desde antes do nascimento até depois do cumprimento.

— O devedor tem o dever jurídico de prestar, mas só precisará fazê-lo


no vencimento (notem que eu evito utilizar o termo “sujeição” para dizer
que o sujeito passivo estaria sujeito ao cumprimento). Vocês vão notar que
Orlando Gomes utiliza essa expressão. Mas é que, modernamente, tem-se
utilizado o termo para definir o estado, a situação do sujeito passivo nos
direitos potestativos. O termo sujeição dá uma idéia de estática, melhor,
de impotência. O dever no direito subjetivo, no direito de crédito, é um
dever de comportamento e, assim, ele está pronto a fazer algo, a movimen-
tar-se. É um estado de tensão, de elasticidade esticada, prestes a detonar.
No direito potestativo, só resta ao devedor aguardar.

FGV DIREITO RIO  19


Obrigações e Responsabilidade Civil

— E quando chega o vencimento e o devedor não presta (essa coisa não


presta, não serve, essa pessoa não presta), não cumpre? Vimos que o credor
pode atacar seu patrimônio (no entanto, isso não quer dizer que ele pode
ir na casa do devedor e pegar o que bem entender; ele não pode agir por
si só; isso é crime; é exercício arbitrário das próprias razões; tem que agir
através do Estado, do Poder Judiciário).
— O que se quer dizer é que o patrimônio do devedor é a garantia
para o cumprimento da obrigação, da prestação pelo devedor. Se ele não
cumpre, por sua vontade, é o seu patrimônio que vai responder, que vai
garantir a satisfação do interesse do credor.
— É, portanto, possível, enxergar dois momentos nas obrigações ou,
melhor dizendo, no seu conteúdo; duas situações de interação entre o su-
jeito ativo e o passivo: (i) antes do vencimento; e (ii) após o vencimento.
Podemos pelo lado ativo chamar esses momentos de crédito e pretensão e,
do lado passivo, dever e responsabilidade. Schuld & haftung. Debitum e
obligatio. Débito e responsabilidade.

* Essas duas fases são o resultado dos achados da chamada teoria


dualista da obrigação, à qual se contrapõe a teoria clássica.
* Pacchioni, conforme Serpa Lopes, entenderia as duas fases da se-
guinte forma:

— “Quanto ao débito, há duas relações: 1ª) um dever, da parte do


devedor, estado de pressão psicológica, resultante de uma norma jurídi-
ca impondo-lhe cumprir uma detereminada prestação para com uma
certa pessoa; 2ª) da parte do credor uma expectativa e não um direito à
prestação, como freqüentemente se diz, um estado de confiança jurídica
do credor (fiducia), em razão da prestação lhe ser juridicamente devida.
No tocante à responsabilidade, os seus dois elementos são: 1ª) do lado
passivo, um estado de subordinação de uma pessoa, de um patrimônio
ou de uma coisa; 2ª) do lado ativo, um direito correspondente do credor
de tornar efetiva essa subordinação, para dar maior probabilidade ao
cumprimento da prestação, ou a obter, em caso de inadimplemento da
prestação, o objeto ou o valor desta” (p.14-15).

Sugestões:

Ler TEPEDINO (2005), capítulo 4; ler VARELA (1996, v. I), Capítulo I,


Seção I, itens 1 a 8 (inclusive).

FGV DIREITO RIO  20


Obrigações e Responsabilidade Civil

AULA 3: OBRIGAÇÕES NATURAIS

Ementa:

OBRIGAÇÕES NATURAIS. DIFERENÇAS ENTRE OBRIGAÇÕES


E OUTRAS FIGURAS. FONTES DAS OBRIGAÇÕES

Objetivo:

Conceituar obrigação natural. Diferenciar as obrigações das obrigações


naturais e de outras figuras. Identificar as fontes das obrigações, compreen-
dendo suas diversas causas.

Instruções:

Ler PEREIRA (2013, v.2), capítulo XXV, itens 129 a 131; Ler o texto
abaixo como roteiro para nosso estudo.

Sugestão:

Ler LOBO (2013), Capítulo VII.

DIFERENÇAS DA OBRIGAÇÃO COM CONCEITOS AFINS

# Dever jurídico
# Sujeição
# Ônus
# Direito Obrigacional ou de crédito

OBRIGAÇÕES PROPTER REM

# Propter rem quer dizer por causa da coisa


# São obrigações que não estão vinculadas à pessoa de seus sujeitos, como
a normalidade das obrigações, mas a uma coisa.
# Não se trata de um direito real, mas adere à coisa.

FGV DIREITO RIO  21


Obrigações e Responsabilidade Civil

# Não se trata de um direito real pois seu objeto é sempre um comporta-


mento.
# Contudo, está sempre ligada a uma coisa, de modo que sua “força vincu-
lante se manifesta, tendo em vista a situação do devedor em face de uma determi-
nada coisa, isto é, quem a ela se vincula o faz em razão da sua situação jurídica
de titular do domínio ou de uma relação possessória sobre uma determinada
coisa, que é a base desse débito” (Serpa Lopes, pág. 46).

DIFERENÇA ENTRE OBRIGAÇÃO PROPTER REM E ÔNUS REAL

# Obrigação propter rem:

— É uma obrigação que nasce de um direito real


— Pode ser confundida com um direito real porque também adere à
coisa, podendo ser exigida de quem quer que se encontre com a coisa.
— Mas não é direito real:

* Não é resultado da separação dos poderes (faculdades) da propriedade


* Não gera dever jurídico sempre negativo (como os direitos reais)
* Não configura direito oponível erga omnes
* Não configura direito à sequela (buscar e tomar a coisa)

— Exemplos:

* IPTU
* Quota condominial
* Direitos de vizinhança

# Ônus Real

— É um direito real que nasce de uma obrigação.


— Exemplo (hipoteca — nasce para garantir uma obrigação)

OBRIGAÇÕES NATURAIS

# Aqui há que se falar em uma espécie de obrigação, ou melhor, uma espé-


cie de vínculo em que não se vislumbra a responsabilidade, ou seja, em que o
descumprimento do devedor não acarreta a possibilidade ou a pretensão, por
parte do credor, de exigir judicialmente o cumprimento e atacar o patrimô-
nio do devedor para se satisfazer.

FGV DIREITO RIO  22


Obrigações e Responsabilidade Civil

# Ora se dissemos que o conteúdo das obrigações envolve não só o dever


de prestar mas também a faculdade de exigir o cumprimento sob possibilida-
de de ataque ao patrimônio do devedor, uma relação que não apresente essas
características, esse conteúdo, não pode ser vista como relação obrigacional,
como uma obrigação civil.
# Por outro lado, em razão de sua relevância moral ou social, o compor-
tamento, se cumprido, se entregue, não pode ser repetido, ser desfeito, sob a
alegação de que não existia o dever jurídico.

— De fato, o dever jurídico nessa espécie de vínculo não existe, pois se


existisse, ensejaria a responsabilidade.
— O que existe nesse tipo de vínculo, de relação, é o dever moral ou
social que encontra medida em ser dever de justiça.

# A relação se caracteriza por um conteúdo que ainda não é reconhecido


plenamente pelo Direito ou não é mais reconhecido plenamente pelo Di-
reito, que entende não haver importância ou necessidade na sua proteção
integral. Tal relação estabelece um tipo de dever de uma parte que por sua
vez estabelece um tipo de interesse de um credor que não merece a proteção
completa da ordem jurídica, a ponto de fixar uma coação para sua realização.
# No entanto, sua manifestação social ou moral é considerada relevante e
o Direito não pode deixar de reconhecer essa relevância de modo que acaba
chancelando seu cumprimento.

— Talvez desse reconhecimento ainda que parcial, tenha decorrido a


conclusão de Piero Bonfante, no sentido de que as obrigações naturais são
relações jurídicas mas não de natureza obrigacional.
— “Ao passo que a obrigação civil se fundamenta no vinculum juris, a
obrigação natural é baseada no vinculum aequitatis” (José Cretella Júnior,
Curso de Direito Romano, p. 233).

# O Direito não exige o cumprimento mas o chancela, de forma que se


não acha importante ou necessária a coação para a realização do dever, que
acabaria sendo perigosa ou inútil se estabelecida, ameaçando entrar em cho-
que com outros interesses morais protegidos, já acha importante, até mesmo
por questões de segurança das relações jurídicas, chancelar, reconhecer
todos os efeitos no cumprimento, de modo a evitar uma sucessão de cum-
primento e pedido de repetição.

— Tanto é assim, diz Antunes Varela (pág. 745) que o “acto espontâneo
do devedor natural é, em regra, equiparado ao cumprimento da obrigação” e
que “a prestação espontâneamente efectuada, quando coberta pelo título da

FGV DIREITO RIO  23


Obrigações e Responsabilidade Civil

obrigação natural, é tratada como cumprimento dum dever e não como uma
liberalidade do autor”.

— Aqui é importante atentar para a diferença existente entre as libe-


ralidades e a obrigação natural, conforme Antunes Varela:

— Se há um mero dever genérico de (i) caridade (esmola) ou de


(ii) beneficência (auxiliar vítimas de uma catástrofe), ou (iii) um
dever de cortesia (presentes de aniversário), não há obrigação na-
tural, há liberalidade, há doação, que se torna um negócio jurídico
perfeito.
— Também não há se há dever de gratidão (doação remunera-
tória).
— Só há obrigação natural quando há um “dever moral ou social
específico entre pessoas determinadas, cujo cumprimento seja imposto
por uma recta composição de interesses”.

# Segundo Miguel de Serpa Lopes, a obrigação natural, como quase tudo


em termos de Direito das Obrigações veio dos romanos:

— “O poder absoluto e absorvente do chefe de família tolhia ao escravo ou


ao filho família de obrigarem-se por si só, isto é, constituirem uma obligatio
no sentido do direito — obligatio civilis — e só deixando uma obligatio
naturalis. Ao credor, então, cabia um minus de efeitos jurídicos; não dispunha
de qualquer ação e protegido ficava apenas pela denegação da repetitio inde-
bitis” (pág. 37).

# Historicamente foram reconhecidos dois tipos de obrigações naturais:


(i) obrigações naturais propriamente ditas que surgem por motivo de inca-
pacidade (ab initio); e (ii) obrigações naturais resultantes de obrigações civis
degeneradas (prescrição).
# Há obrigação natural no caso de:

(i) dívida de jogo (art. 814);


(ii) dívida prescrita (art. 882);
(iii) sentença absolutória ou declarando improcedente em que o réu resol-
ve pagar (caso de empresas de ônibus).

# Segundo Caio Mario a obrigação natural está a meio caminho entre a


moral e o Direito. Para Ruggiero, a meio caminho entre as obrigações civis e
as morais:

FGV DIREITO RIO  24


Obrigações e Responsabilidade Civil

— “É sabido que entre estas e aquelas os romanos intercalaram uma cate-


goria intermédia, constituída pelas chamadas obrigações naturais, cujo caráter
não era contestado; eram elas próprias e verdadeiras obrigações, tendo, porém,
uma eficácia menor das que, em contraposição, se chamavam civis, visto não
serem acompanhadas de ação e o credor não as poder fazer valer senão de
modo indireto, mediante exceção, e sobretudo mediante a soluti retentio, que
autorizava o credor natural a repelir a restituição do pagamento, quando o
devedor tivesse pago de alguma maneira, ainda que o tivesse feito por erro, isto
é, por se julgar civilmente adstrito. Contrapunham-se assim, por um lado, às
obrigações civis ou perfeitas, dada a falta da mais segura garantia de qualquer
relação obrigatória, isto é, a ação; por outro lado às obrigações meramente
morais ou da consciência, nas quais, posto que verificando-se o principal efeito
daquelas, isto é, a soluti retentio, faltava todavia qualquer idéia do vínculo
jurídico, só havendo o da pietas, do officium, do sentimento moral, religioso
ou social que podia levar a satisfazê-las e, satisfeitas, impedia em regra que se
pudesse exigir a restituição do pagamento” (v.III, p.48-9).

# Vejam que na obrigação natural há débito (debitum, schuld) mas não há


responsabilidade (obligatio, haftung).
# Diferenciar também das obrigações secundárias (v. Orlando Gomes (p;
82) e Trabbuchi).

FONTES DAS OBRIGAÇÕES

# Que seriam as fontes das obrigações?


# Podemos falar aqui de fontes, não tanto na mesma conotação que fa-
laríamos da fonte de um rio, que é o lugar onde ele nasce, não tanto como
lugar de origem, mas como origem mesmo. E origem aqui tomada como no
sentido de causa, de razão determinante do nascimento.
# Fonte, então, seria a causa de nascimento das obrigações, tudo aquilo
que pode dar-lhes à luz, que pode gerá-las.
# A doutrina diverge muitíssimo quanto à determinação das fontes das
obrigações. Alguns preferem utilizar um critério mais sintético, mais resumi-
do, outros um critério mais analítico, isto é, apontando mais detalhadamente
todas as hipóteses que podem gerar, dar origem a uma obrigação.
# Se fôssemos resumir da maneira mais perfeita a origem das obrigações,
diríamos que sua fonte é sempre a lei.

— De fato, nenhuma obrigação pode deixar de ter certa origem na lei.


É a lei que vai determinar e chancelar o nascimento das obrigações.

FGV DIREITO RIO  25


Obrigações e Responsabilidade Civil

* “Sem este amparo ou fundamento, a obrigação não passa de natural.


E com razão, posto que dificilmente se pode obrigar alguém a cumprir
determinado ato se não consta a previsão no direito positivo. Dizer que a
força que impõe o cumprimento está no fato, ou na moral, ou no direito na-
tural, equivale a afirmar a exigibilidade sem um amparo em ordenamento
jurídico, levando a criar imposições arbitrárias e volúveis, aquilatadas em
critérios pessoais ou particulares” (Arnaldo Rizzardo, Direito das Obriga-
ções, Ed. Forense, 1999, pág. 17).

— O quanto vai isso de encontro ao entendimento de Clóvis


do Couto e Silva quanto ao contato social? Muito, à primeira vista.
Nada, se consideramos que o surgimento de obrigações desse tipo
decorre da boa-fé e a boa-fé já é princípio inserido no ordenamento
(Código de Defesa do Consumidor e Novo Código Civil), reduzin-
do-se a fonte à lei..

— Como lembra Orlando Gomes, “a obrigação é uma relação jurídi-


ca. Como tal, sua fonte há de ser, necessariamente, a lei. Em última análise,
é o Direito que empresta significação jurídica a relações de caráter pessoal
e patrimonial que os homens travam na sua vida social” (p.25), inclusive
impondo-lhes a coerção que a caracteriza.

* “La fuente comúm de toda especie de obligaciones es el hecho recono-


cido como generador por la ley” (Henoc Aguiar, in Serpa Lopes, p. 28)

— Dessa forma, de qualquer maneira, toda obrigação estaria fundada


na lei.
— A lei é a fonte imediata das obrigações. Pois todo fato capaz de
estabelecer por parte de uma pessoa um dever de um comportamento
economicamente avaliável que pode ser exigido por outra, só o é por ter
sido reconhecido como tal pelo Direito.

# Para Orlando Gomes, muitos autores deixam de diferenciar a fonte ime-


diata da fonte mediata ou a causa eficiente da condição determinante e por
isso acabam incluindo a lei entre as fontes das obrigações, mas, na verdade,
segundo ele, nenhuma obrigação teria fonte na lei, pois a lei sempre reconhe-
ce em um fato a condição que faz com que ela o reconheça como gerador
de obrigação, ou seja, é sempre um fato específico, determinado, que vai ser
identificado dentre outros quaisquer como gerador da obrigação.

— Para ele, reconhecer na lei a causa da obrigação de nada adianta para res-
ponder ao problema que se coloca através da análise das fontes das obrigações

FGV DIREITO RIO  26


Obrigações e Responsabilidade Civil

que é exatamente o problema de identificar e classificar, organizando-os, os


fatos que seriam capazes de gerar a relação obrigacional. O problema, segundo
o autor, envolve determinar, criteriosamente, quais os fatos que são reconhe-
cidos na lei como capazes de criar relações jurídicas e, portanto, obrigações.

# Segundo o testemunho histórico, o Direito Romano estabeleceu, inicial-


mente, duas grandes fontes das obrigações: o contrato e o delito, sendo que, se-
gundo alerta Antunes Varela, contrato tinha a acepção de voluntariedade (“nunc
transeamus ad obligationes, quarum summa divisio in duas species deducitur: omnis
enim obligatio vel ex contractu nascitur vel ex delicto” — Gaius; Institutas, 3, 88).

— Leciona Serpa Lopes que o “contractu”, forma elíptica de “negotium


contractu”, não era reduzido ao acordo de vontades, mas a todo e qualquer
ato jurídico capaz de gerar obrigação (inclusive o pagamento indevido),
somente no período clássico tendo tomado a acepção de convenção, o
que deu azo ao surgimento da categoria de quase-contratos para incluir as
figuras decorrentes, por exemplo, de atos unilaterais.

# O próprio Gaius, segundo o relato de Washington de Barros Monteiro


(op.cit. p.36), fez inserir uma terceira espécie em sua “Res Cotidianae”: “ex
variis causarum figuris” que englobava, de modo genérico, as obrigações de-
correntes de uma situação de fato à qual era reconhecida ação ou exceção.
# Na fase do direito pretoriano, os pretores tiveram que reconhecer, de
modo a proteger situações não previstas expressamente na lei, mas surgidas
por conta do desenvolvimento dos negócios, mais duas categorias, conforme
trecho do mesmo jurisconsulto: “obligatio ex contractu, quasi ex contractu, ex
delicto, quasi ex delicto”.
# Com o fim da distinção entre o “jus civile” e o “jus honorarium” (pre-
toriano), informa Serpa Lopes, poderiam ter desaparecido as diferenças, mas
estas acabaram sendo consagradas pelo direito bizantino (“obligationes aut
ex contractu aut quasi ex contractu aut ex malefio aut quasi ex maleficio”). Fi-
xaram-se os quatro grandes grupos de fontes das obrigações: (i) o contrato;
(ii) o delito; (iii) o quase-contrato; e (iv) o quase-delito, sendo que estas duas
últimas categorias se referiam a alguns fatos ou situações que não se incluíam
precisamente nas outras duas, mas que guardavam com elas determinadas
semelhanças, como a declaração unilateral de vontade estaria para o contrato
e o abuso de direito estaria para o delito.

— Note-se que, conforme nos lembram os Mazeaud, O código jus-


tiniano não pretendeu marcar posição rigorosa sobre a divisão, apenas
tendo destacado a diferenciação entre as fontes que não se enquadravam
nas duas originais, conforme se aproximassem do contrato ou do ilícito:

FGV DIREITO RIO  27


Obrigações e Responsabilidade Civil

* “Ce sont les commmentateurs byzantyns et ceux du Moyen Age qui


ont donné à la classification une rigueur qu´elle n´avait pas, en prétendant
qu´on recontrait quatre catégories de sources d´obligations...” (p.45).

— Nos quase-contratos se incluíam: a gestão de negócios, o pagamento


indevido, os deveres decorrentes da tutela etc.
— Nos quase-delitos se incluíam os ilícitos decorrentes de culpa, ou
seja, aqueles em que não se identificava uma intenção do delinqüente di-
rigida à sua realização.

# O Código Civil francês adotou essa divisão inserindo ainda a lei, in-
fluenciado pela lição de Pothier, segundo o qual seria correto fazer menção,
além das fontes tradicionais, todas relativas a um atuar do homem, aquelas
relativas a um fato sem participação humana, ao qual fosse por ela atribuído
o nascimento de direitos e obrigações. Para ele, todas as obrigações resulta-
riam de uma conjugação de vontades (atos bilaterais) ou de uma única von-
tade (atos unilaterais), devendo a tanto ser acrescida a lei, que explicava as
obrigações nascidas de fatos em que não se vislumbrava uma participação da
vontade do homem (é curioso notar que embora a codificação francesa deva
muito à obra sistematizadora desse grande autor, esqueceu-se de uma sexta
fonte que por ele foi mencionada: a eqüidade: “las causas de las obligaciones
son los contratos, los cuasi contratos,los delitos, los cuasi delitos, algunas veces la
ley o la simple equidad” (Tratado de Las Obligaciones. Buenos Aires: Editorial
Atalaya, 1947. p.11)).
# Muitos códigos modernos seguiram a orientação francesa mas, poste-
riormente, prevaleceu o repúdio à construção do quase-contrato e do quase-
-delito.

— A razão, que Antunes Varela aponta, para a manutenção e persis-


tência da categoria dos quase-contratos é “o chamado dogma da vontade,
traduzido na preocupação individualista de reconduzir todas as obrigações à
força criadora da vontade dos cidadãos e na relutância em aceitar que elas
possam nascer, por imperativo legal, das exigências da solidariedade social e
das relações de cooperação entre os homens” (pág. 218). Ele quer dizer que
em função da força desse dogma, muitos se
esforçaram em incluir, dentre as causas das obrigações geradas na vontade,
novas figuras com elas muito pouco semelhantes, o que em grande parte das
vezes levando a uma distorção.

* Mas ao mesmo tempo em que diz isso, ele não situa a boa-fé como
fonte de obrigações. Ou mesmo o contato social que, é claro, poder-se-

FGV DIREITO RIO  28


Obrigações e Responsabilidade Civil

-ia reduzir a um fato previsto abertamente na lei por força da operação


do princípio da boa-fé. Reporta-se ao disposto no Código Civil portu-
guês e enumera as fontes como os contratos, os negócios unilaterais, a
gestão de negócios, o enriquecimento sem causa e a responsabilidade
civil. Acho que, após o parágrafo acima transcrito, deveria ele ter redu-
zido as fontes, pelo menos em sua doutrina, à vontade, à boa-fé e à lei,
talvez a segunda dentro desta. Mas, no capítulo que fala dos contratos
e mais especificamente da responsabilidade pré-contratual, ele diz que a
responsabilidade que é gerada nessa fase, pela frustração da expectativa,
ou seja, inobservância da boa-fé, está mais próxima da relação con-
tratual (pág. 279). E ele nem inclui entre as fontes a responsabilidade
pré-contratual, dizendo que estaria fora da sistematização do Código
(pág. 221).

# Hoje nós dividimos e classificamos as figuras jurídicas segundo o crité-


rio estabelecido pela Pandectística. Reportemo-nos, pois, à divisão dos fatos
jurídicos, ou seja, de todos aqueles fatos ou acontecimentos que são caros ao
Direito, aos quais este presta sua atenção, que podem gerar relações jurídicas
e, por conseguinte, obrigações:

— Fatos Naturais
— Fatos Voluntários

— Atos Jurídicos (latu sensu)

— Atos Jurídicos (strictu sensu)


— Negócios Jurídicos

— Atos Ilícitos

# Poderíamos dizer, então, que as fontes se reduziriam aos fatos jurídicos,


mas essa é uma categoria tão ampla que levaria à mesma inconveniência en-
contrada na indicação exclusiva da lei.
# Uma classificação aceitável, dir-se-ia, seria aquela que seguisse toda a
divisão pandectística. É o que se chama de uma classificação analítica, que
tenta enumerar todas as situações ou todos os grupamentos de situações de
origem semelhante que serviriam como fontes.
# Mas o que a doutrina almeja é, em verdade, encontrar um critério que
permita identificar de forma tão resumida quanto possível, as categorias gera-
doras de obrigações, sistematizando-as. Almeja sintetizar no menor número
possível, os grupos de fontes, identificando-as e agrupando-as segundo crité-
rios que realmente importem.

FGV DIREITO RIO  29


Obrigações e Responsabilidade Civil

# Daí decorrem as classificações sintéticas.


# Com base nessa intenção, Orlando Gomes coloca de um lado fatos
cujos efeitos são buscados, queridos pelo homem (negócios jurídicos), de-
correntes da autonomia privada, e fatos cujos efeitos já são previstos e,
portanto, cuja produção não sofre interferência do homem (atos jurídicos
strictu sensu, atos ilícitos, acontecimentos naturais e outros fatos dotados de
potencialidade jurídica, como a situação de vizinhança, o enriquecimento
indevido). Veja-se que ele tenta chegar a uma classificação sintética, divi-
dindo as fontes em:

(i) negócios jurídicos; e


(ii) atos jurídicos não negociais (o que, a meu ver, é tecnicamente in-
correto, já que à categoria de atos jurídicos são reservados os fatos que
decorrem de uma ação humana, pelo que não poderiam incluir as causas
naturais).

# São esses os grupamentos de fontes que ele acha importante identificar.

— Ele ainda menciona o abuso de direito, que não se encontra em nenhu-


ma das categorias acima, mas que é fonte de obrigações conforme a lei (note-
-se, então, que a classificação sintética que ele apresenta é falha nesse ponto).

* O que se pode notar em uma tal classificação é que ela coloca em
um mesmo grupo eventos ou fatos de fundamento ou de gênese com-
pletamente diferente. Essa é uma de suas desvantagens embora não
esteja por absoluto errada. Na verdade, em última análise, de acordo
com essa idéia de Orlando Gomes, poderíamos colocar como fontes
das obrigações os fatos jurídicos e pronto.

# Por sua vez, Caio Mario, seguindo a tendência mais atual, prefere iden-
tificar as fontes das obrigações não nos fatos a que a lei reconhece o poder
gerador, mas no fator mais relevante, mais importante, de maior carga e força
para justificar esse poder vinculador: (i) a vontade, cujo poder vinculador
justifica-se na autonomia privada; e, em contraposição (ii) a lei, que represen-
ta o interesse coletivo, público a exigir a vinculação de determinadas pessoas
que se colocam frente a uma situação específica.

— A doutrina moderna tem preferido restringir as fontes a duas, nessa


ideia reportada por Caio Mario, sem deixar de reconhecer que, em última
análise, toda obrigação deriva da lei. É que diferencia-se a obrigação gera-
da pela vontade, com a participação direta do devedor na “formação de seus
compromissos” (Harm Peter Westermann, Direito da Obrigações, Ed. Sergio

FGV DIREITO RIO  30


Obrigações e Responsabilidade Civil

Antonio Fabris, 1983, pág. 19), da obrigação gerada sem essa participação,
em decorrência da subsunção de uma situação à hipótese abstrata prevista em
lei, independentemente do querer do agente.

# No fundo, é tudo uma questão de ponto de vista como, aliás, se dá com


qualquer classificação.

FGV DIREITO RIO  31


Obrigações e Responsabilidade Civil

AULA 4: PRINCÍPIOS DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

Ementa:

PRINCÍPIOS DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES. AUTONOMIA


PRIVADA. BOA-FÉ. RELATIVIDADE. FUNÇÃO SOCIAL. A OBRI-
GAÇÃO COMO PROCESSO.

Objetivo:

Reconhecer os princípios que orientam o tratamento das obrigações e em


que podem influenciar sua origem; ter a noção da dinâmica do vínculo obri-
gacional.

Instruções:

Ler SILVA (2006), Introdução e Capítulo 1 até a página 44; Ler NEVES
(2012), Capítulo 3. A primeira metade da turma deve ler SILVA e a segunda
NEVES. Debateremos as visões dos autores em sala.

Exercícios em sala:

Comparar caso João Carlos x Luciana Tamburini (Lei Seca) com RESP
nº 1.417.641, Rel. Min. Nancy Andrighi, com descumprimento do dever de
pagar o preço no contrato de compra e venda em que a coisa já foi entregue
e com emissão de cheque.

FGV DIREITO RIO  32


Obrigações e Responsabilidade Civil

AULA 5: CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

Ementa:

CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES. OBRIGAÇÕES DE DAR E


ENTREGAR COISA CERTA.

Objetivo:

Saber reconhecer os critérios de classificação das obrigações e entender


que cada um deles volta-se para um interesse prático ou didático; entender
a importância de conhecer a classificação adotada pelo Código Civil, tendo
em vista as escolhas feitas pelo legislador e a sua coerência com o sistema do
Código de Processo Civil; diferenciar o tratamento legal das obrigações de
dar coisa certa e restituir e suas implicações nos casos de perda e deterioração
fortuita ou culposa.

Instruções:

1) Ler PEREIRA (2013, v.2), capítulo XXVI, itens 132 e 133; 2) Ler NE-
VES (2012), Capítulo 6, item 6.1.1; 3) Ler o Acórdão e votos do julgamento
da AgRg nos EDcl nos EDcl no Ag 972302 / RJ, Rel. Min. Sidnei Beneti
para discussão em aula; 4) Ler o caso Sherwood vs. Walker (abaixo) para
exposição em sala; 5) Resolver a seguinte questão: Renato aluga para Paulo
sua casa de campo por um período de seis meses. Todavia, após um mês de
locação, Paulo, bêbedo, esquece o gás do fogão aceso e provoca uma explo-
são, levando a casa a incendiar-se completamente. Quais as providências que
Renato poderá adotar em face de Paulo?

Sugestões:

Ler TEPEDINO (2005), Capítulo 6.

CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES:

# Subjetividade das classificações


# Importância da prestação nas classificações

FGV DIREITO RIO  33


Obrigações e Responsabilidade Civil

# Classificações quanto ao objeto (qualidade e quantidade) e quanto ao


sujeito da obrigação
# Classificação quanto à qualidade do objeto:

(i) obrigações de dar (o que é de dar é a prestação)


(ii) obrigações de fazer
(iii) obrigações de não-fazer

— Classificação abandonada na maioria dos países (obrigações de


fato positivo/negativo)
— Aqui mantida não só pela história, já que remonta aos romanos,
mas por ser realmente importante na determinação das regras aplicá-
veis (traditio, execução)

(iv) divisíveis e indivisíveis (que estudaremos à parte)

OBRIGAÇÕES DE DAR:

(a) dar strictu sensu (traditio; transferência de direito real)


(b) entregar (transferência do uso e gozo da coisa)
(c) restituir (devolver A coisa pertencente a credor)

— As obrigações de dar e entregar podem envolver: (x) coisa certa; e


(y) coisa incerta
— A obrigação de restituir é sempre de coisa certa.

OBRIGAÇÕES DE DAR E ENTREGAR COISA CERTA

# “Infungibilidade” decorrente da coisa certa (art. 313)


# Abrangência (art. 233 — acessórios/accessorium sequitur principallis).
# O interesse do credor está em receber aquela determinada coisa e não
outra em seu lugar.
# Grande parte do interesse prático no estudo das obrigações de dar está
nas consequências da perda ou deterioração da coisa, seja por culpa ou por
fortuito. Esse último caso é objeto da “Teoria dos Riscos” que visa sistemati-
zar tais consequências, especialmente para determinar quem (dentre credor
e devedor) suportará a diminuição patrimonial dessa perda ou deterioração.
# Perda:
(i) desaparecimento total da coisa;

FGV DIREITO RIO  34


Obrigações e Responsabilidade Civil

(ii) o extravio, quando não mais possa ser encontrada;


(iii) quando a coisa deixa de ter suas qualidades essenciais;
(iv) quando se tornar indisponível;
(v) quando se tornar inatingível (ex.: fundo do mar); e
(vi) quando se confundir com outra não mais podendo ser separada
(confusão, comistão, adjunção).

1) Coisa certa se perde COM CULPA (art. 234, fine): equivalente + in-
denização
2) Coisa certa se deteriora COM CULPA (art. 236): (i) fica com a coisa +
indenização; (ii) exige equivalente (sempre pecuniário) + indenização
3) Coisa certa se perde SEM CULPA (art. 234, 1a parte):

— risco é do devedor; ele era quem tinha a coisa mais arraigada em seu
patrimônio (proprietário? (res perit domino)).
— ele sofre a diminuição patrimonial equivalente a essa perda (credor
fica com eventual preço ou aluguel)
— resolve-se a obrigação.

4) Coisa certa se deteriora SEM CULPA (art. 235): (i) fica com a coisa +
desconto; (ii) resolve-se a obrigação.
# Cômodos (acréscimos) da coisa (art. 237, caput).

— Sherwood vs Walker

OBRIGAÇÕES DE RESTITUIR:

# Mesmo tratamento em caso de perda ou deterioração com culpa (art.


239 remete ao 234,2a parte).
# Diferença no tratamento das hipóteses de perda ou deterioração fortui-
tas da coisa:

— inversão do risco POIS invertida a posição de quem tinha a coisa +


arraigada no patrimônio
— art. 238

# Diferença no tratamento dos cômodos (arts. 241 e 242)

FGV DIREITO RIO  35


Obrigações e Responsabilidade Civil

Resumo de Sherwood vs Walker:

Summary of Sherwood v. Walker, 66 Mich. 568, 33 N.W. 919 (1887).

Facts
Sherwood (P) contracted to purchase a cow from Walker (D). Walker sho-
wed Sherwood a cow, Rose 2d of Aberlone, which he believed to be barren.
Sherwood agreed to purchase the cow for $80. If the cow had been fertile it
would have been worth $750 to $1000. Walker later discovered that the cow
was with calf and refused to complete the transaction.
Sherwood brought suit and took possession of the cow via a writ of reple-
vin. At trial, Walker showed that at the time of the sale both parties had be-
lieved the cow to be barren and both knew that the value of a fertile cow was
much higher than that of a barren cow. The judge instructed the jury that it
was immaterial whether the cow was barren. The jury returned a verdict in
favor of Sherwood and Walker appealed.

Issue
• Can a mutual mistake regarding the substance of the subject matter of
a contract render a contract unenforceable?

Holding and Rule


• Yes. A mutual mistake regarding the substance of the subject matter
of a contract may render that contract unenforceable.
There is no contract if there is a difference or misapprehension as to the
substance of the thing bargained for, or if the thing actually delivered or
received is different in substance from the thing bargained for and intended
to be sold. However, if there is merely a difference as to some quality or acci-
dent, even though the mistake may have been the actuating motive of either
or both of the parties, the contract remains binding. The only difficulty in
such a case is to determine if the mistake is as to the substance of the whole
contract. Under prior law it has been held that when a horse is bought under
the belief that he is sound, and both the buyer and seller have this honest
belief, the purchaser must stand by his bargain and pay the full price unless
there was a warranty.
The court held that in this case the mistake went to the whole substance
of the agreement. This mistake was not about the mere quality of the cow but
to its very nature, i.e. a fertile cow as opposed to a barren cow.

Disposition
Reversed and remanded with new jury instructions.

FGV DIREITO RIO  36


Obrigações e Responsabilidade Civil

Dissent (Sherwood)
There is no pretense that the plaintiff bought the cow for beef. There is
nothing indicating that he would have bought her at all only that he thought
she might be made to breed. From the facts it turns out that Sherwood was
more correct than the defendant as to one quality of the cow. Walker made a
mistake about the quality of the cow and unless the plaintiff knew or should
have known about that mistake he cannot be charged with taking advantage
of the situation. The contract is valid and should be enforced.

Notes
A contractual mistake ‘is a belief that is not in accord with the facts’. See
1 Restatement Contracts, 2d, § 151, p 383. The erroneous belief of one or
both of the parties must relate to a fact in existence at the time the contract is
executed. The belief which is found to be in error may not be, in substance,
a prediction regarding a future occurrence or non-occurrence.

FGV DIREITO RIO  37


Obrigações e Responsabilidade Civil

AULA :6 OBRIGAÇÕES DE DAR COISA INCERTA

# Coisa incerta = não determinada em sua individualidade; não particu-


larizada
# Então obrigação de dar coisa incerta = obrigação indeterminada? Não.
Obrigação de dar coisa indeterminada = obrigação nula
# A indeterminação não é total (art. 243): é preciso determinar ao menos
o gênero e a quantidade.
# Não é preciso determinar a espécie (“espécie” aqui <> “espécie” em Bio-
logia)
# Espécie = “corpo certo, coisa individuada, objeto determinado”
# Na obrigação de dar coisa incerta não importa ao credor qual indivíduo
dentro de um gênero receberá. Para ele só importa que o indivíduo que rece-
berá seja daquele determinado gênero.
# Gênero = universo de coisas da mesma espécie
# Coisa naturalmente infungível = sempre coisa certa; coisa naturalmente
fungível nem sempre é incerta
# Na obrigação de dar coisa incerta a prestação é sempre indeterminada?
# Escolha: ato através do qual se individualiza a coisa a ser entregue:
— Quem faz a escolha? Art. 244, 1a parte
— Como deve ser feita a escolha? (art. 244, fine). E se for do credor?
— Conseqüência da escolha = coisa certa (art. 245)

# Perda ou deterioração da coisa incerta? (genus non perit — art. 246)

Objetivo:

Saber reconhecer os critérios de classificação das obrigações e entender


que cada um deles volta-se para um interesse prático ou didático; entender a
importância de conhecer a classificação adotada pelo Código Civil, tendo em
vista as escolhas feitas pelo legislador e a sua coerência com o sistema do Có-
digo de Processo Civil; diferenciar o tratamento legal das obrigações de dar
coisa certa e restituir das obrigações de dar coisa incerta e suas implicações
nos casos de perda e deterioração fortuita ou culposa.

FGV DIREITO RIO  38


Obrigações e Responsabilidade Civil

Instruções:

1) Ler PEREIRA (2013, v.2), capítulo XXVI, item 134; 2) Ler NEVES
(2012), Capítulo 6, item 6.1.3; 3) Resolver a seguinte questão: Empresa
Agrícola Tondemo Ltda. deu em pagamento a Murilo Santos 12 (doze) vagas
de garagem e 335m2 de área útil em salas do edifício Mirante em Brasí-
lia, de sua propriedade. Antes da transferência, Murilo foi informado que
Tondemo estaria vendendo várias salas e vagas de garagem, pelo que propôs
ação pretendendo que Tondemo fosse condenada a se abster de vender as
salas e vagas. O juiz determinou a abstenção. No recurso, Tondemo alega
que a decisão deve ser reformada, pois cuida-se de bens imóveis e estes não
estão especificados, sendo que a decisão equivaleria a impedir a recorrente de
alienar quaisquer vagas e salas dentre aquelas que possui no prédio, o que é
inconcebível. Como vc decidiria?

Sugestões:

Ler TEPEDINO (2005), Capítulo 13.

FGV DIREITO RIO  39


Obrigações e Responsabilidade Civil

AULA 7: OBRIGAÇÕES DE DAR ENVOLVENDO PRESTAÇÕES


ESPECIAIS

Ementa:

OBRIGAÇÕES DE DAR ENVOLVENDO PRESTAÇÕES ESPE-


CIAIS. PRESTAÇÕES PECUNIÁRIAS. PRESTAÇÕES DE JUROS.

# Prestações pecuniárias

• Pecúnia <= Pecus


• Dinheiro (moeda)
• Entrega de determinada quantia em dinheiro (moeda)
• Valor da moeda
§ Intrínseco
§ Extrínseco ou nominal
§ Comercial ou de curso/corrente
s Índice BigMac
• Moeda
§ Curso
§ Curso forçado
s Decreto nº 23.501/1933
s Art. 1º, Decreto-Lei nº 857/1969
s Art. 1º, p.u., I, Lei nº 10.192/2001
s Arts. 315 e 318, Código Civil
• Princípio nominalista
§ Dívidas de dinheiro x dívidas de valor
• Art. 315: As dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em
moeda corrente e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subse-
qüentes.

REGRA?

• Atualização monetária
§ Lei 6.889/1981: dívidas cobradas judicialmente
§ Art. 316: É lícito convencionar o aumento progressivo de prestações
sucessivas.
§ Cláusula de escala móvel (‘échelles mobiles’)
§ Obrigações alimentares
§ Atos ilícitos
§ Enriquecimento sem causa (art. 884)

FGV DIREITO RIO  40


Obrigações e Responsabilidade Civil

§ Indenizações trabalhistas
§ Locações
§ desapropriações

# Prestações de juros

• Juros
§ Frutos civis do dinheiro
• Espécies
§ Compensatórios & Moratórios
§ Convencionais & Legais
s Em geral, os compensatórios são convencionais

• Taxa de juros
§ Histórico
s Código Comercial
s Código Civil de 1916
Ø Art. 1.262. É permitido, mas só por cláusula expressa,
fixar juros ao empréstimo de dinheiro ou de outras coisas
fungíveis.
Ø Esses juros podem fixar-se abaixo ou acima da taxa legal
(art. 1.062), com ou sem capitalização.
s Decreto nº 22.626/33 (Lei da Usura):
Ø Art. 1º. É vedado, e será punido nos termos desta lei, es-
tipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores
ao dobro da taxa legal (Código Civil, art. 1062).
¥ Art. 1.062. A taxa dos juros moratórios, quando não
convencionada (art. 1.262), será de seis por cento ao
ano.
s Súmula 596, STF: As disposições do Decreto 22.626 de 1933
não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados
nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas,
que integram o sistema financeiro nacional.
Ø Lei nº 4.595/1964: Sistema Financeiro Nacional
s Constituição de 1988, art. 192, § 3º: § 3º: As taxas de juros
reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remune-
rações direta ou indiretamente referidas à concessão de cré-
dito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a
cobrança acima deste limite será conceituada como crime
de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos
que a lei determinar.
• Taxa de juros

FGV DIREITO RIO  41


Obrigações e Responsabilidade Civil

§ Histórico
s Código Civil de 2002
Ø Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos,
presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redu-
ção, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406,
permitida a capitalização anual.
Ø Art. 406. Quando os juros moratórios não forem con-
vencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando
provierem de determinação da lei, serão fixados segundo
a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de
impostos devidos à Fazenda Nacional.
¥ Taxa SELIC?
¥ Art. 161, § 1º do CTN?
• Capitalização ou Anatocismo
• Juros capitalizados: juros devidos e vencidos que se incorporam ao capital
periodicamente
• Histórico
§ Código Comercial
s Art. 253 — É proibido contar juros de juros; esta proibição não
compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos liquida-
dos em conta corrente de ano a ano.
§ Código Civil de 1916
s Art. 1.262. É permitido, mas só por cláusula expressa, fixar
juros ao empréstimo de dinheiro ou de outras coisas fungíveis.
s Esses juros podem fixar-se abaixo ou acima da taxa legal (art.
1.062), com ou sem capitalização.
§ Decreto nº 22.626/1933 (Lei da Usura)
s Art. 4º. E proibido contar juros dos juros: esta proibição não
compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos
em conta corrente de ano a ano.
§ Súmula 121, STF: É vedada a capitalização de juros, ainda que
expressamente convencionada.
§ Exceções: cédulas de crédito bancário, rural e industrial
s Súmula 93, STJ: A legislação sobre cédulas de crédito rural,
comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros
§ MP 1963-17 e 2170-36, art. 5º: Nas operações realizadas pelas
instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível
a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano
§ Código Civil de 2002
s Art. 591: Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-
-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão

FGV DIREITO RIO  42


Obrigações e Responsabilidade Civil

exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capita-


lização anual.
§ STJ, tese: é permitida a capitalização mensal de juros nos contratos
bancários firmados após 31/3/2000, data da publicação da Medida
Provisória n. 1.963-17/00, desde que expressamente pactuada (Resp
973.827/RS).

Objetivo:

Entender as peculiaridades das prestações envolvendo dinheiro e juros;


espécies de moeda, padrão, curso legal e curso forçado; juros moratórios e
compensatórios, juros legais.

Instruções:

1) Ler Artigo de Christian Sahb Batista Lopes e Mariana Richter Ribeiro


disponibilizado no sistema; 2)) Ler Acórdão e votos do Resp 973827/RS,
Rel. Min. Maria Isabel Gallotti para discussão em sala.

Sugestões:

Ler TEPEDINO (2005), Capítulo 18.

FGV DIREITO RIO  43


Obrigações e Responsabilidade Civil

AULA 8: OBRIGAÇÕES DE FAZER

Ementa:

OBRIGAÇÕES DE FAZER. OBRIGAÇÕES DE NÃO-FAZER.

# Prestação de fato (envolve um fato) <> prestação de coisa (envolve uma coisa)
# Prestação de fato positivo <> prestação de fato negativo (obrigação de
não-fazer)
# O interesse do credor está no fato, na atividade do devedor, não na coisa
somente
# Envolve um trabalho, seja físico, seja intelectual: ex.: Pintar um quadro;
Consertar um automóvel; Escrever um livro, um parecer; Construir algo;
Realizar uma performance.
# Como se vê, algumas obrigações de fazer se esgotam na própria ativida-
de, sem que nenhuma coisa seja dela criada. Mas outras envolvem também
uma coisa.
# Não confundir com obrigação de dar (interesse só na coisa, não importa
como será obtida)
# Na obrigação de fazer o interesse pode estar em uma coisa mas também
na atividade através da qual se obterá tal coisa (pintar o quadro). Para diferen-
ciá-las, Washington de Barros Monteiro, lembra que na obrigação de dar, o
devedor não tem que fazê-la antes de entregá-la, enquanto que na obrigação
de fazer, o devedor tem que primeiro confeccionar a coisa: diz-se que o dar,
nesse caso, é consequência do fazer.
# Antigamente: diferenciação com base no critério da execução específica
# Conceito: Silvio Rodrigues é “aquela que tem por conteúdo um ato a ser
praticado pelo devedor, donde resulte benefício patrimonial para o credor”; Car-
valho Santos: “é a que consiste na prestação de fato, tendo por objeto um ou mais
atos do devedor”.

# Classificação:

— simples e complexas (um ou mais atos)


— fungíveis e infungíveis (caráter personalíssimo/intuitu personae): (i)
só ao devedor imposta (convenção: expressa ou tácita?); ou (ii) realizável
somente pela devedor

— de meio e de resultado:

* interesse do credor em uma mera atividade (performance, show)

FGV DIREITO RIO  44


Obrigações e Responsabilidade Civil

* ou em determinado resultado de uma atividade (conserto de carro)


* Regra: — obrigações de meio (exs. Professor particular, advogado,
médico)
— dever de diligência, de melhores esforços na atividade
— descumprimento só com negligência, imprudência, imperícia
(culpa)
— ônus da prova do descumprimento (culpa): do credor

* Exceção: — resultado (legalização de empresa, cirurgia(?))


— dever de alcançar o resultado
— descumprimento: resultado não alcançado
— ônus da prova: resultado não atingido por fato alheio: do de-
vedor

# Riscos e Responsabilidade:

— Impossibilidade da prestação de fazer sem culpa (art. 248, 1ª parte


— resolução)
— Impossibilidade por culpa (art. 248, 2ª parte — responsabilização
perdas e danos)
— Responsabilidade em caso de recusa de cumprimento de prestação
infungível (art. 247)

* Sempre perdas e danos?


* Conflito: liberdade do devedor x interesse do credor
* Evolução da técnica de satisfação do credor (dribla a necessidade
de atividade do devedor)
* Execução específica das obrigações de fazer (declarações de vonta-
de)
* Reforço: multa + astreinte (arts. 461 e 644 do Código de Processo
Civil)

— Se fungível: perdas e danos ou realização por terceira pessoa (art.


249, CC + 633 do CPC)

OBRIGAÇÕES DE NÃO-FAZER:

# Aqui o devedor obriga-se a uma abstenção.


# O cumprimento se dá não através de uma ação, mas através de uma
omissão.

FGV DIREITO RIO  45


Obrigações e Responsabilidade Civil

# Exemplos: (i) não construir em determinado espaço; (ii) não demolir


uma construção; (iii) não estabelecer comércio de determinada natureza; (iv)
tolerar o uso de determinada coisa por outrem; (v) consentir a vistoria (loca-
ções residenciais).
# Trata-se de prestação de fato negativa, onde se incluem: — Abstenção; e
— Tolerância (pati).
# O risco aqui está na impossibilidade de abstenção, que resolve a obriga-
ção (art.250).
# A realização da atitude é o próprio descumprimento e o credor pode en-
tão exigir que o devedor desfaça o que fez sob pena de que alguém o desfaça
às suas custas mais perdas e danos (art.251 + arts. 642/ 643, CPC).
# Se não for possível desfazer, a obrigação resolve-se em perdas e danos
(art. 251, p. único).

Objetivos:

Identificar a lógica do tratamento das obrigações de fazer e diferenciá-lo


de outros tipos de obrigações; identificar obrigações de fazer personalíssimas
e suas peculiaridades, em especial diante do princípio da dignidade da pessoa
humana, tendo em vista as regras de execução; a execução específica de certas
obrigações de fazer (o compromisso de compra e venda, acordos de acionistas
e o código de defesa do consumidor; o dever de transparência.

Instruções:

1) Ler LOBO (2013), Capítulo VIII; 2) Ler acórdão e votos do julgamen-


to do REsp 703.244/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi para discussão em sala;
3) Resolver a seguinte questão: Hans contrata Pierre para que este último
elabore um projeto de decoração de sua casa recém-adquirida. Pierre entrega
o projeto na data combinada mas Hans não o aprova, pretendendo exigir
perdas e danos de Pierre pelo descumprimento da obrigação. (i) classifique
a obrigação nascida do contrato; (ii) Hans pode ter razão? (iii) em que con-
dições? 4) Procure identificar situações que fazem nascer obrigações de não-
-fazer; 5) Reflita sobre os seguintes considerandos do Decreto-Lei nº 58/37 e
o regime de execução das obrigações de fazer personalíssimas:

“O Presidente da República dos Estados Uni-


dos do Brasil, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180
da Constituição:

FGV DIREITO RIO  46


Obrigações e Responsabilidade Civil

Considerando o crescente desenvolvimento da loteação de terrenos


para venda mediante o pagamento do preço em prestações;
Considerando que as transações assim realizadas não transferem o
domínio ao comprador, uma vez que o art. 1.088 do Código Civil per-
mite a qualquer das partes arrepender-se antes de assinada a escritura
da compra e venda;
Considerando que êsse dispositivo deixa pràticamente sem amparo
numerosos compradores de lotes, que têm assim por exclusiva garantia
a seriedade, a boa fé e a solvabilidade das emprêsas vendedoras ;
Considerando que, para segurança das transações realizadas me-
diante contrato de compromisso de compra e venda de lotes, cumpre
acautelar o compromissário contra futuras alienações ou onerações dos
lotes comprometidos;
Considerando ainda que a loteação e venda de terrenos urbanos e
rurais se opera frequentemente sem que aos compradores seja possível
a verificação dos títulos de propriedade dos vendedores (...)”.

FGV DIREITO RIO  47


Obrigações e Responsabilidade Civil

AULA 9: OBRIGAÇÕES ALTERNATIVAS E OBRIGAÇÕES


FACULTATIVAS

Ementa:

OBRIGAÇÕES ALTERNATIVAS E OBRIGAÇÕES FACULTATIVAS.

Objetivos:

Reconhecer as obrigações alternativas como obrigações de prestações múl-


tiplas, ainda na classificação das obrigações quanto ao seu objeto, diferencian-
do-as das conjuntivas; diferenciar as obrigações alternativas das obrigações de
dar coisa incerta e das obrigações facultativas; compreender o mecanismo da
escolha e a quem ela é atribuída pelo legislador; ter noção da importância
desse mecanismo para o entendimento de outras situações; as implicações da
escolha em caso de perda e deterioração fortuita ou culposa.

OBRIGAÇÕES ALTERNATIVAS:

# Obrigações: (i) simples e (ii) compostas (1 ou mais objetos)


# Obrigações Compostas: (i) cumulativas/conjuntivas e (ii) alternativas
# Definições: (i) “É aquela em que há mais de uma prestação a cumprir e o
devedor se exonera satisfazendo uma delas” (J.M. Carvalho Santos); (ii) “Em-
bora múltiplo seu objeto, o devedor se exonera satisfazendo uma das prestações”
(Clóvis Beviláqua); (iii) “É aquela que tem por objeto duas ou várias prestações
que são devidas de tal maneira que o devedor se libera inteiramente executando
uma só dentre elas” (Planiol).
# Exemplos: (a) Entrega de um ou outro móvel de uma casa em legado;
(b) entrega de uma ou outra bicicleta (presente para o filho); (c) um ou outro
cachorro; (d) a consertar o produto ou entregar outro novo; (e) elaborar um
programa ou entregar um software equivalente.
# Natureza: uma obrigação só; ou obrigações interligadas? Mais de um ou
um só vínculo?
# Características: (i) multiplicidade de objetos; (ii) exoneração do devedor
com a realização de um só.
# Diferenças com a obrigação de dar coisa incerta (genérica), onde há tb.
possibilidade de escolha:

FGV DIREITO RIO  48


Obrigações e Responsabilidade Civil

(i) alguns dizem que na obrigação de dar coisa incerta se escolhe entre


diversas coisas não determinadas de um gênero; e na obrigação alternati-
va, as duas ou mais prestações sobre as quais recairá a escolha são certas e
determinadas;
(ii) a obrigação de dar coisa incerta tem um só objeto, que envolve
uma coisa incerta; já a obrigação alternativa tem mais de um objeto. Na
verdade, podemos dizer simplesmente que a obrigação de dar coisa incerta
é uma obrigação simples e a obrigação alternativa é uma obrigação com-
posta.
(iii) na obrigação genérica, a indeterminação está no objeto da presta-
ção (a coisa) e, portanto, a escolha se dá quanto ao objeto da prestação;
já na obrigação alternativa, a indeterminação está na própria prestação e,
portanto, a escolha se dará sobre a prestação.

# Escolha:

(i) a quem cabe (art.252);


(ii) deve ser exclusiva das outras prestações (art. 252, §1º);
(iii) consequências:— obrigação passa a pura e simples (importância
da oferta real);
— irrevogabilidade (exceção no art. 252 §2º)

(iv) anulável (restituição ao status quo ante)? E se há perda da coisa a


ser restituída?

# Impossibilidade:
(i) de uma das prestações:
(ia) impossibilidade originária: a obrigação é simples; resta a presta-
ção válida/possível
(ib) impossibilidade superveniente:

(ib1) Escolha do Devedor:

(ib1a) Fortuito: concentração (253);


(ib1b) Culpa do devedor: concentração (???) (253);

(ib2) Escolha do Credor:

(ib2a) Fortuito: concentração;


(ib2b) Culpa do devedor (art. 255, 1a parte). Sempre c/ P&D.

(ii) de todas as prestações:

FGV DIREITO RIO  49


Obrigações e Responsabilidade Civil

(iia) impossibilidade originária: a obrigação é nula.


(iib) impossibilidade superveniente:

(iib1) Escolha do Devedor:

(iib1a) Fortuito (art. 256: resolve-se, extinguindo-se);


(iib1b) Culpa do Devedor (precisa saber em qual prestação hou-
ve culpa?)
(art. 254)

(iib2) Escolha do Credor:

(iib2a) Fortuito (art. 256: resolve-se, extinguindo-se);


(iib2b) Culpa do Devedor (art. 255, 2a parte)

OBRIGAÇÕES FACULTATIVAS

# Há apenas uma obrigação, mas por liberalidade o credor admite que o


devedor se exonere cumprindo outra prestação.

Instruções:

1) Ler LOBO (2013), Capítulo X; 2) Ler acórdão e votos do julgamento


do REsp 1.074.323/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha para discussão
em sala; 3) Resolver a seguinte questão: “A” é condenado, por sentença tran-
sitada em julgado, a efetuar o reparo de aparelho eletrônico que vendeu a “B”
ou a entregar a este outro aparelho, novo, da mesma marca e modelo. “A”
decide reparar o aparelho defeituoso e, para tanto, notifica “B” para que este
leve o produto à sua oficina. “B” entrega o aparelho a “A” para que o conser-
to seja efetuado. “A”, constatando que o aparelho não pode ser consertado,
resolve entregar a “B” um aparelho novo. “B” se recusa a receber e pleiteia
indenização pelo descumprimento da obrigação. Quem tem razão?

Sugestões:

Ler AZEVEDO (2012), Capítulo 14.

FGV DIREITO RIO  50


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AULA 10: OBRIGAÇÕES DIVISÍVEIS E INDIVISÍVEIS

Ementa:

OBRIGAÇÕES DIVISÍVEIS E INDIVISÍVEIS.

Objetivos:

Reconhecer que o tratamento legal das obrigações divisíveis e indivisíveis


ganha importância na pluralidade de credores ou devedores, daí seu estudo
estar relacionado, para alguns autores, com a classificação das obrigações se-
gundo o sujeito; compreender as teorias pluralista e unitarista das obrigações
plurais; o “concurso partes fiunt”; entender, por meio da teoria pluralista
do vínculo as soluções dadas pelo legislador para a obrigação indivisível nos
casos de interrupção da prescrição, perda culposa da coisa e remissão, além
do pagamento.

Instruções:

1) Ler PEREIRA (2013, v.2), capítulo XXVII, itens 137 a 139; Ler NE-
VES (2012), Capítulo 12; 3) Ler acórdão e votos do julgamento do REsp
868.556/MS, Rel. Min. Nancy Andrighi para discussão em sala; 4) Resolver
a seguinte questão: “X”, “Y” e “Z” são devedores de “A”. A prestação envolvi-
da é de dar o relógio herdado. Antes da tradição, a coisa se perde, sendo eles
culpados.
Responda:(i) o que ocorre com a obrigação?;
(ii) Poderá “A” cobrar algo de “Y”? O quê?
(iii) se a culpa for somente de “Z”, quanto pode “A” cobrar de “Y”?

Sugestões:

Ler AZEVEDO (2012), Capítulo 15.

FGV DIREITO RIO  51


Obrigações e Responsabilidade Civil

AULAS 11 e 12: OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS

Ementa:

OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS.

OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS:

# Solidariedade não se presume (art. 265)


# Teoria Pluralista vs. Teoria Unitária
# Na obrigação solidária há somente um vínculo ou mais?

— contradição entre 264 e 266?

# Teoria Pluralista não explica a solução das obrigações solidárias. Se há


mais de um vínculo, porque um dos devedores ao pagar exonera os demais e
um dos credores ao receber satisfaz os demais?

— Se a obrigação é indivisível, isso se dá em razão da natureza da coisa.


— 2 teorias para explicar: (i) Teoria da Representação: Dizia que, na
verdade, o credor que recebia, ou o devedor que pagava, agia representan-
do os demais credores ou devedores; (ii) Teoria da Fiança Mútua: Dizia
que haveria entre os credores ou entre os devedores, uma fiança mútua,
que os vincularia entre si.

# O que parece explicar mesmo é a Teoria Unitária, embora de fato exis-


tam situações que não são compatíveis; no balanço geral, a teoria unitária é
a mais adequada; para a teoria unitária só há um vínculo, ainda com plurali-
dade de devedores ou credores, cada um estando obrigado ou com direito à
divida toda. O devedor só se libera pagando o todo e não a parte (in solidum).
E aí alguém vai dizer: — “mas na indivisibilidade também!”

# Diferença entre indivisibilidade e solidariedade

# Solidariedade Ativa:

— raridade; desvantagens (exceção: cta. Corrente conjunta)


— art. 264 e 267 (especificação): decorrência = medidas de proteção
(prescrição)

FGV DIREITO RIO  52


Obrigações e Responsabilidade Civil

— exoneração do devedor pelo pagamento a qualquer deles (art. 269


(900)): <> indivisibilidade
— E o que acontece depois? Art. 272.
— Prevenção judicial (art. 268)
— Morte de um dos credores (mostra que a solidariedade decorre do
vínculo — art. 270)
— Conversão em perdas e danos (não é mesma solução da indivisibili-
dade; solidariedade vem do vínculo)
— Unitariedade: remissão por um dos credores = exoneração do(s)
devedor(es): art. 269 + 272.

# Solidariedade Passiva:

— vantagem para o credor


— art. 264 + 275 (parcial? Afronta à teoria unitária?)
— E depois do pagamento por um só?
* art. 283.
* e se um devedor paga e quando vai reaver dos demais, outro está
insolvente? Art. 283
* entra nesse rateio o exonerado da solidariedade (art. 284)
* e o remitido?
— remissão (art. 277): ataque à teoria unitária (subsistem vínculos in-
dividuais)
* a solidariedade subsiste quanto ao restante da dívida
— situação semelhante no pagamento parcial (art. 277)
— remissão (melhor dizer exoneração) da solidariedade (art. 282)
— conversão em perdas e danos (mesma solução da solidariedade ativa
— art. 279)
— juros de mora (art. 280 (909))
— morte de um dos devedores (solidariedade não se transmite aos her-
deiros — art. 276)

Objetivo:

Compreender as teorias pluralista e unitarista das obrigações plurais; a so-


lidariedade e a teoria unitária; diferenciar as obrigações indivisíveis e obriga-
ções solidárias; compreender a solução para os casos de interrupção da pres-
crição, perda culposa da coisa e remissão, além do pagamento.

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Obrigações e Responsabilidade Civil

Instruções:

1) Ler PEREIRA (2013, v.2), capítulo XXVII, itens 140 a 143; Ler NE-
VES (2012), Capítulo 13; 3) Ler acórdão e votos do julgamento do REsp
1.211.400/SP, Rel. Min. Mauro Campbell e AgRg no REsp 850437/PR,
Rel. MIn. Humberto Martins para discussão em sala; 4) Resolver a seguinte
questão: “A”, “B” e “C” são credores solidários de “W”, “X”, “Y” e “Z” pela
quantia de R$3.600,00. “C” e “Z” falecem deixando, cada um, três herdeiros
(c¹, c², c³; e z¹, z² e z³). Que quantia poderá “c³” cobrar de z¹? Porquê?

Sugestões:

Ler TEPEDINO (2005), Capítulo 8.

FGV DIREITO RIO  54


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AULA 13: TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

Ementa:

TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES. CESSÃO DE CRÉDITO.


CESSÃO DE CONTRATO. ASSUNÇÃO DE DÍVIDA.

Objetivos:

Compreender as hipóteses e os mecanismos de transmissão cessão da


posição obrigacional.

CESSÃO DE CRÉDITO

Direito Romano = impossibilidade.


Via transversa = mandato
Direito Moderno = objetivação do crédito
Modalidades de Transmissão
Cessão de crédito
Sub-rogação
Cessão de posição contratual
Transmissão/cessão de débito/assunção de dívida

• Causas
§ Lei
§ Decisão judicial
§ Vontade das partes
s Negócio jurídico (qualidade creditória)
• Alteração subjetiva da obrigação
§ O vínculo permanece
• Espécies
§ Total ou parcial
§ Onerosa ou gratuita
§ Legal e Convencional
• Regra = possibilidade da cessão
§ Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opu-
ser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor;
a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessioná-
rio de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação.

FGV DIREITO RIO  55


Obrigações e Responsabilidade Civil

Obrigações personalíssimas = alimentos, recompensa


s
DPVAT etc.
s
Cessão de direitos hereditários e “Pacta Corvina”
s

• Princípio da Seqüela
§ ‘Acessorium sequitur principalis’
§ Art. 287. Salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito
abrangem-se todos os seus acessórios
s Garantias
Ø Penhor, hipoteca fiança etc.
s Cláusula penal
s Juros
s arras
• Forma
§ Validade => livre
§ Eficácia
s Escritura Pública
s Instrumento Particular
Ø É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um
crédito, se não celebrar-se mediante instrumento públi-
co, ou instrumento particular revestido das solenidades
do § 1o do art. 654.
Ø Art. 289. O cessionário de crédito hipotecário tem o di-
reito de fazer averbar a cessão no registro do imóvel.

• Notificação da cessão ao devedor


§ Informar quanto ao novo credor
s Ineficácia da cessão não comunicada (art. 290)
Ø Se o devedor pagar ao credor original se exonera (art.
292)
Ø Ineficácia ≠ validade
Ø Acórdão Resp 936589
Ø Mas o cessionário pode exercer atos conservatórios (art.
293)
§ Ensejar a oponibilidade de exceções contra o credor anterior
s Exceções objetivas (invalidades e modalidades do negócio)
s Exceções subjetivas ou pessoais (compensação, pagamento
parcial, remissão, nulidades relativas)
s Art. 294. O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe
competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter
conhecimento da cessão, tinha contra o cedente.

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Obrigações e Responsabilidade Civil

• Pluralidade de cessões
§ Art. 291. Ocorrendo várias cessões do mesmo crédito, prevalece a que
se completar com a tradição do título do crédito cedido
§ Art. 292. Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento
da cessão, paga ao credor primitivo, ou que, no caso de mais de uma
cessão notificada, paga ao cessionário que lhe apresenta, com o título
de cessão, o da obrigação cedida; quando o crédito constar de escritu-
ra pública, prevalecerá a prioridade da notificação.

• Responsabilidade do Cedente
§ Pela existência do crédito
s Cessões onerosas
Ø Regra: Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente,
ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessioná-
rio pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a
mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gra-
tuito, se tiver procedido de má-fé.
s Cessões gratuitas
Ø Só se houver má-fé
§ Pela solvência do devedor
s Só mediante cláusula expressa
s Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não respon-
de pela solvência do devedor.

ASSUNÇÃO DE DÍVIDA

• Modalidades
§ Liberatória (exclusiva) ou cumulativa (adjuntiva)
§ Unifigurativa (expromissão) ou bifigurativa
• Código civil?
§ Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com
o consentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor
primitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o
credor o ignorava
§ Art. 300. Salvo assentimento expresso do devedor primitivo, consi-
deram-se extintas, a partir da assunção da dívida, as garantias espe-
ciais por ele originariamente dadas ao credor
• Depende da concordância do credor?
§ Na liberatória, sempre
s Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor,
com o consentimento expresso do credor, ficando exonerado

FGV DIREITO RIO  57


Obrigações e Responsabilidade Civil

o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era


insolvente e o credor o ignorava
s Princípios da boa-fé e função social podem limitar o poder
do credor de recusar
s Mas a regra é que não se pode prejudicar o credor e suas
garantias com uma substituição do devedor
§ E na cumulativa?
s Problema da compensação
§ O silêncio do credor
s Art. 299, Parágrafo único. Qualquer das partes pode assinar
prazo ao credor para que consinta na assunção da dívida, inter-
pretando-se o seu silêncio como recusa
• E do devedor?
§ Este poderia ter interesse moral no pagamento
• Assunção de dívida hipotecária
§ Art. 303. O adquirente de imóvel hipotecado pode tomar a seu cargo
o pagamento do crédito garantido; se o credor, notificado, não im-
pugnar em trinta dias a transferência do débito, entender-se-á dado
o assentimento
§ Lei 8.004/1990
§ Resp nº 849.690/RS

Instruções:

Ler LOBO (2013), Capítulo XIII; Comentar o caso do Precatório nº (Es-


critura/80%/cessão integral/interpretação).

Sugestões:

Ler TEPEDINO (2005), Capítulos 9 e 10.

FGV DIREITO RIO  58


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AULAS 14 e 15: EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

Ementa:

EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES. PAGAMENTO. REGRAS DO PA-


GAMENTO.

Objetivo:

Compreender a orientação da obrigação para o pagamento e satisfação do


credor; ter a noção dos conceitos de pagamento e de quitação; saber identificar
as regras a respeito de quem deve pagar e a quem, como, onde e quando se paga.

EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES:

Pagamento:

# Não confundir com o sentido vulgar (solução de prestações de dinheiro)


# Segundo Caio Mario e Orlando Gomes é a forma de extinção da obri-
gação com a entrega da prestação devida.
# Natureza jurídica: — ato jurídico strictu senso? Efeito já previsto em lei
— negócio jurídico? Partes podem fazer prever outros efeitos/
pagamento por terceiro
— Caio Mario: às vezes um, às vezes outro
— ainda que às vezes possa ser considerado negócio, em regra é
mero ato.
— importância da distinção: elementos (não cabe anulação por vício)

# Regras do Pagamento (requisitos/perguntas do Código):

1) Quem deve pagar? Devedor. Melhor seria: quem pode pagar? Art. 304
a) terceiro interessado (interesse = interesse jurídico (fiador, avalista,
garantidor, herdeiro))

— devedor se exonera? Em face do credor, sim. Mas fica vincu-


lado ao que paga
— Sub-rogação (substituição): art. 346, III (é automática, ipso iure)

> transfere não só o crédito, mas seus consectários

FGV DIREITO RIO  59


Obrigações e Responsabilidade Civil

b) terceiro não interessado (correntes do Dir. Comparado: aceita ou


não o pagamento)
— Nosso Direito: aceita mas tenta desestimula-lo, não dá mes-
mas prerrogativas

b.1) que paga em seu próprio nome (art. 305):


> não sub-rogação (a menos que expressa — art. 347); só re-
embolso
> não consignação
> pode sofrer oposição do devedor: conseqüências (art. 306)

b.2) que paga em nome do devedor (como se o mesmo devedor


pagasse)
> age como devedor e, p/isso, tem os mesmos direitos (art. 304)
> por óbvio, não se sub-roga nos direitos do credor, nem re-
embolso

c) quem possa alienar o objeto do pagamento (art. 307)

2) A Quem Pagar?

a) ao credor ou a quem o represente (art. 308): consequência da


desobediência = invalidade

— aqui insere-se o sucessor do credor


— pagamentos em agências bancárias

b) terceiro, desde que ratificado (art. 308)


c) portador da quitação, exceto se circunstâncias adversas (art. 311)
d) ao credor putativo, desde que feito de boa-fé (art. 309)
e) ao credor incapaz de quitar se o pagamento reverter em seu bene-
fício (art. 310)
* Ineficácia do pagamento efetuado ao credor mesmo intimado da
penhora (art. 312)

3) O Quê Pagar? (objeto do pagamento): (i) identidade (deve ser pago


“o” devido (313)): no caso da dação em pagamento, há substituição: ou-
tra coisa passa a ser devida no lugar da prestação original; (ii) integridade
(deve ser prestado “todo” o devido); (iii) indivisibilidade (deve ser presta-
do “por inteiro”): art. 314.

FGV DIREITO RIO  60


Obrigações e Responsabilidade Civil

4) Como Pagar? Boa-fé: deveres acessórios de conduta (nebenpli-


chten) <> deveres secundários

5) Onde Pagar?

* regra: domicílio do devedor (pagamento quesível, chiedibile, qué-


rable): art. 327
* regra disponível: domicílio do credor (pagamento portável, porta-
bile, portable) ou outro.
* dois locais previstos: escolha do credor (art. 327)
* imóvel ou prestação relativa ao imóvel: lugar da situação (art. 328)

6) Quando Pagar? (tempo do pagamento)

* regra: imediatamente (art. 331)


* vencimento antecipado (art. 333) + outras hipóteses que as partes
podem estipular.

# Prova do Pagamento:

— quitação: “quietare”, deixar em descanso/contrapartida do devedor


pelo pagamento/é a prova do pagamento/é direito do devedor que cumpre
(dá a ele, se o credor a recusar as alternativas: (i) reter o pagamento (art.
319); (ii) consignar o pagamento/natureza = ato jurídico
— forma da quitação: art. 320 do novo código
— a quitação é prova do pagamento, mas não a única prova.

Instruções:

1) Ler PEREIRA (2013, v.2), capítulo XXX; 2) Ler acórdão e votos do


julgamento dos REsps 977077/GO e 1161411/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi
para discussão em sala; 3) Solucionar a seguinte questão: Joaquim deve a Pedro
a quantia de R$10.000,00 (dez mil reais), tendo dado a este duas garantias:
o penhor de um relógio Citisio de sua propriedade, avaliado em R$5.000,00
(cinco mil reais) e a fiança de Miguel. No dia do vencimento, pode Querêncio,
amigo de infância de Joaquim, pagar a dívida em seu próprio nome se Joaquim
não o fizer? Quais as consequências, especialmente com relação às garantias?

Sugestões:

Ler TEPEDINO (2005), Capítulo 11.

FGV DIREITO RIO  61


Obrigações e Responsabilidade Civil

AULA 16: MODALIDADES DE PAGAMENTO/PAGAMENTOS


ESPECIAIS

Ementa:

MODALIDADES DE PAGAMENTO/PAGAMENTOS ESPECIAIS.


PAGAMENTO POR CONSIGNAÇÃO.

Objetivo:

Compreender o funcionamento dos mecanismos de especiais de extinção


das obrigações com a satisfação do credor; dominar as regras da consignação
em pagamento e seus efeitos.

MODALIDADES DE PAGAMENTO/PAGAMENTOS ESPECIAIS

1) Pagamento por Consignação

# Importância do pagamento regular para o devedor: liberação


# Importância da quitação: prova o pagamento e, portanto, a exoneração
do devedor, sua liberação
# Há interesse do devedor em fazer o pagamento e obter a quitação res-
pectiva
# Sempre que ocorrer algum óbice ao pagamento regular ou ao recebi-
mento da quitação regular, a lei assegura ao devedor a faculdade de, com o
prévio depósito da prestação devida, obter liberação (por sentença ou presun-
ção): art. 334.
# Hipóteses (art. 335): (i) credor recusa, injustamente, receber o paga-
mento (dívida portável) ou dar quitação na devida forma; (ii) credor não vai
receber a coisa no lugar, no tempo e condições devidas (dívida quesível); (iii)
credor desconhecido, ausente, ou residente em lugar incerto ou de acesso pe-
rigoso ou difícil; (iv) se ocorrer dúvida sobre quem efetivamente deva receber
o objeto do pagamento (ex.: instituto de previdência que não sabe a quem
pagar, se à viúva ou aos herdeiros, pois todos requereram administrativamen-
te a pensão); (v) se pender litígio sobre o objeto do pagamento (art. 344);
(vi) se houver concurso de preferência aberto contra o credor, ou se este for
incapaz de receber o pagamento (incapaz que não tenha representante legal).
# Não obstante a enumeração, “há de ser cabível a o recurso à consignação
toda vez que o devedor não possa efetuar um pagamento válido” (Alfredo
Colmo).

FGV DIREITO RIO  62


Obrigações e Responsabilidade Civil

# Antes devia ser exclusivamente judicial. Mas dentre as alterações no


CPC, uma fez com que o procedimento previsse a consignação extra-judi-
cialmente. Tal procedimento encontra-se regulado nos §§ 1º, 2º, 3º e 4º do
art. 890 do Código de Processo Civil.
# Art. 336 (a prestação tem que ser a efetivamente devida e tem que se dar
no mesmo tempo e modo):
# Somente as prestações de dar podem ser consignadas. As de fazer e não
fazer, por óbvio, não podem. Peculiaridade quanto às obrigações de dar coisa
incerta (art. 342)
# Efeitos da sentença na ação de consignação (procedente e improceden-
te)/Perda da coisa antes da sentença.

Instruções:

1) Ler PEREIRA (2013, v.2), capítulo XXXI, item 158; 2) Ler NE-
VES (2012), Capítulo 16.1; Ler acórdão e votos do julgamento do REsp
1.194.264/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão para discussão em sala.

Sugestões:

Ler AZEVEDO (2011), Capítulo 27.

FGV DIREITO RIO  63


Obrigações e Responsabilidade Civil

AULA 17: MODALIDADES DE PAGAMENTO/PAGAMENTOS


ESPECIAIS

Ementa:

MODALIDADES DE PAGAMENTO/PAGAMENTOS ESPECIAIS.


PAGAMENTO COM SUBROGAÇÃO. IMPUTAÇÃO DO PAGAMEN-
TO. DAÇÃO EM PAGAMENTO.

Objetivo:

Compreender o funcionamento dos mecanismos de especiais de extin-


ção das obrigações com a satisfação do credor; dominar as regras das demais
espécies de pagamentos especiais saber diferenciar tais mecanismos e assim
conhecer quando se aplicam e quais seus efeitos.

2) Pagamento com Sub-rogação

# Pagamento por terceiro interessado: uma das hipóteses de sub-rogação


pessoal <> sub-rogação real

# Conceito: Caio Mario, “a transferência da qualidade creditória para aque-


le que solveu obrigação de outrem ou emprestou o necessário para isso”; Marcel
Planiol: “o pagamento com sub-rogação é um pagamento que não libera o deve-
dor porque não é feito por ele, e a sub-rogação que o acompanha é uma instituição
jurídica em virtude da qual o crédito pago pelo terceiro subsiste em seu proveito e
lhe é transmitido com todos os seus acessórios, se bem que seja considerado extinto
em relação ao credor”.

# Natureza: Teorias: (i) Cessão de Crédito (sempre decorre de vontade;


sempre necessita da vontade do credor); (ii) Mandato (a sub-rogação se opera
mesmo contra a vontade do devedor); (iii) Ficção. O melhor é reconhecer
que se trata de figura própria, considerada pela doutrina e por nosso código
como uma modalidade de pagamento: se dá com a entrega da prestação devi-
da; libera o devedor do vínculo com o credor; satisfaz o credor.

# Espécies:

(a) Legal (art. 346): opera-se automaticamente/mas está limitada (art.


350 (989))

FGV DIREITO RIO  64


Obrigações e Responsabilidade Civil

(b) Convencional (art. 347): entre credor e terceiro, sem a participação


do devedor (= cessão de crédito (art. 348); ou entre devedor e terceiro, sem
a participação do credor (aqui o credor é pago pelo devedor)).

# Efeitos (art. 349)


# Sub-rogação Parcial: preferência do credor ao sub-rogado (art. 351)

3) Imputação do Pagamento

# “imputare” = atribuir (art. 352)

# Requisitos:

(i) Deve existir mais de uma dívida com o mesmo credor;


(ii) A prestação a ser oferecida pelo devedor deve ser suficiente para o
pagamento de mais de uma dívida (se a prestação só for suficiente para o
pagamento de uma das dívidas e para parte de outra, não poderá haver
imputação; o devedor terá que pagar a dívida para a qual o pagamento é
suficiente e o credor não poderá ser obrigado a receber em parte (art. 314);
(iii) A prestação oferecida pelo devedor não pode cobrir todas as dívi-
das;
(iv) As dívidas devem ser fungíveis entre si, isto é, devem ser da mesma
natureza, podendo ser pagas com o mesmo objeto, ainda que em quan-
tidades diferentes (quer dizer que a prestação oferecida deve ser apta a
atender o objeto das dívidas, não podendo cada uma delas ter um objeto
diferente (cem toneladas de ferro, duzentas vacas, trezentas sacas de café
etc.)).

# Liberdade do devedor na escolha/Exceção: entre dívidas de capital e


juros (art. 354)/Se devedor não fizer a escolha, passa ao credor (art. 353)/Se
o credor também não fizer...(art. 355).

4) Dação em Pagamento

# Forma de extinção da obrigação com exoneração ou liberação do deve-


dor pela entrega ao credor, com o seu consentimento, de uma coisa diversa
daquela originalmente devida (art. 356). Não é exceção à regra do art. 313,
pois só com a autorização do credor é que se pode fazer: É um acordo libe-
ratório. Como diz Caio Mario, predomina a idéia de extinção da obrigação.

FGV DIREITO RIO  65


Obrigações e Responsabilidade Civil

# Requisitos: (i) existência de uma obrigação; (ii) consentimento do cre-


dor; (iii) entrega de coisa diversa da devida; (iv) extinção da obrigação.

— Dação de título de crédito: regulada pelas mesmas regras da cessão


(art. 358): O devedor do título deve ser comunicado (292); O devedor do
título pode opor exceções (294); O devedor que faz a dação responde pela
existência do crédito (295).

# Estipulação de preço para a coisa dada: dação segue as regras da compra


e venda (art. 357): Não quer dizer que se transforme em um contrato de
compra e venda, apenas se equipara a um (na questão dos vícios redibitórios.;
sujeição às regras de legitimação; restrição ao condômino).

— Tanto que as consequências da evicção são distintas (art. 359)

# Natureza da dação em pagamento:

— Se distingue das obrigações alternativas pois nestas se estipula no


próprio ato que o devedor poderá pagar uma coisa ou outra.
— Também se distingue das obrigações facultativas, pelo mesmo mo-
tivo.
— É novação?

* Na dação há pagamento e na novação não.


* A dação extingue a obrigação sem criar outra em substituição, o que
ocorre na novação.
*— É “a entrega de uma coisa por outra e não a substituição de uma
obrigação por outra” (Caio Mario).
* Carvalho Santos também lembra que a evicção da coisa recebida não
opera os mesmos efeitos que na compra e venda. Ocorrendo a evicção, é
como se não houvesse pagamento. Isso não se compatibiliza com a no-
vação, pois se existisse uma nova dívida, não haveria que se retornar ao
vínculo anterior.
— Se o objeto autorizado a dar em pagamento não for entregue,
volta-se à possibilidade de exigir o objeto original, o que não seria pos-
sível no caso da novação.

Instruções:

1) Ler PEREIRA (2013, v.2), capítulo XXXI, itens 159 a 161; 2) Ler acór-
dãos e votos dos julgamentos dos REsps 1.081.963/SP, Rel. Min. Jorge Mus-

FGV DIREITO RIO  66


Obrigações e Responsabilidade Civil

si,1321739/SP, Rel. Min. Paulo Sanseverino e 1138993/SP, Rel. Min. Massa-


mi Uyeda para discussão em sala; 3) Solucionar a seguinte questão: Frederico,
funcionário público federal, vendo-se em situação financeira delicada no mês
de abril de 2012 e aproveitando-se de oferta de seu banco, toma empresta-
do junto à instituição financeira a quantia de R$1.000,00 (mil reais), como
adiantamento de 13o salário, ficando estipulado que, ao receber o 13o salá-
rio, deverá pagar ao banco o valor de R$1.500,00. Não conseguindo equili-
brar sua situação, no mês de setembro de 2012, vê-se forçado a tomar mais
R$1.000,00 (dois mil reais) emprestados, também a título de adiantamento
de 13o salário, ficando estabelecido que, no recebimento do 13o salário, deve-
rá pagar ao banco a quantia de R$1.500,00. Ocorre que, no mês de outubro,
ao divorciar-se de sua esposa, fica obrigado a pagar pensão no equivalente a
1/3 de seus vencimentos líquidos, inclusive sobre o 13o salário, de modo que,
ao receber o benefício, Frederico percebe que só dispõe de R$1.500,00 para
pagar ao banco. Efetua o depósito desse valor e recebe quitação relativa à
primeira dívida. Alegando que as taxas de juros do segundo empréstimo são
mais elevadas que as do primeiro, pode Frederico pleitear o reconhecimento
do pagamento do segundo empréstimo em lugar do primeiro? Porquê?

Sugestões:

Ler LOBO (2013), Capítulo XV, itens 15.1 a 15.3.

FGV DIREITO RIO  67


Obrigações e Responsabilidade Civil

AULA 18: EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES SEM PAGAMENTO

Ementa:

EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES SEM PAGAMENTO. NOVAÇÃO.


COMPENSAÇÃO.

Objetivo:

Conhecer e diferenciar as formas de extinção das obrigações sem que haja


pagamento, seja pela superação da obrigação por outra, seja pelo “balancea-
mento” com outra; ter noção da transação e da sua presença no Código Civil
de 1916 como uma das espécies de extinção sem pagamento e do desloca-
mento sofrida na estrutura do atual código.

EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES SEM PAGAMENTO:

Novação:

# Extinção de uma obrigação através de sua substituição por outra; “é a


extinção de uma obrigação pela formação de outra, destinada a substituí-la”
(Orlando Gomes).
# Novação <> dação (extinção de obrigação pela entrega de uma coisa di-
versa da devida); novação não é pagamento; a novação acarreta na exoneração
do devedor da obrigação substituída, que é extinta; mas gera outra.
# Espécies:

Novação objetiva e subjetiva.

# Requisitos:

(i) existência de uma obrigação válida e existente (obrigação nula não


suporta a novação: art. 367 (casos de negociações de dívida com encargos
ilegais); obrigação decaída): obrigações anuláveis (art. 367); obrigações
prescritas e obrigações naturais;
(ii) consenso das partes;
(iii) nascimento de uma nova obrigação: deve ser válida e nova em re-
lação à antiga (modificação da forma de pagamento, estipulação de juros,

FGV DIREITO RIO  68


Obrigações e Responsabilidade Civil

exclusão de garantia e alargamento do prazo de pagamento não consti-


tuem novação); questão de refinanciamentos com cláusula de retorno às
condições anteriores;
(iv) animus novandi: intenção de novar (art. 361: pode ser tácito): no-
vação ñ presume.

# Efeitos:

(i) extinção da dívida anterior;


(ii) extinção dos acessórios da dívida anterior (“accessorium sequitur
principaliter”): art. 364, 1a parte <> arts. 364, 2a parte e 366; novação com
um dos devedores solidários (art. 365, fine);
(iii) criação de nova obrigação.

# Novação subjetiva: (a) por substituição do devedor (art. 999, II): depen-
de da vontade de todos; exonera o devedor original, com a exceção do art.
363 (1.002); (b) por substituição do credor: “expromissão” (art. 999, III): é
necessária a participação do devedor.

COMPENSAÇÃO

# “Compensare”; contrapesar, contrabalançar


# Em benefício do devedor; facilitação da circulação de riquezas
# Art. 368: se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma
da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.

# Requisitos:

(i) Reciprocidade das obrigações: não há reciprocidade no caso do art. 376;


(ii) liquidez da dívida (art. 369);
(iii) exigibilidade de todas as dívidas (art. 369): prazos de favor não
obstam (art. 372);
(iv) fungibilidade das dívidas (art. 369): inexistência de fungibilidade
no caso do art. 370; a causa não influencia, exceto nos casos do art. 373.

# Impossibilidade de compensação:

(i) art. 375: renúncia prévia;


(ii) art. 375: credor e devedor a afastam;
(iii) art. 378: dívidas pagáveis em lugares diversos;
(iv) art. 377: em prejuízo de terceiros

FGV DIREITO RIO  69


Obrigações e Responsabilidade Civil

Instruções:

1) Ler PEREIRA (2013, v.2), capítulo XXXII, itens 162 e 163; 2) Ler
acórdão e votos do julgamento do REsp 963472/RS, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão para discussão em sala.

Sugestões:

Ler TEPEDINO (2005), Capítulo 16; Ler LOBO (2013), Capítulo XV,
itens 15.5 a 15.6.

FGV DIREITO RIO  70


Obrigações e Responsabilidade Civil

AULA 19: EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES SEM PAGAMENTO

Ementa:

EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES SEM PAGAMENTO. CONFU-


SÃO. REMISSÃO.

Objetivo:

Conhecer e diferenciar as formas de extinção das obrigações sem que haja


pagamento.

CONFUSÃO:

# Reunião das qualidades de credor e devedor em uma só pessoa (Carva-


lho Santos)
# Conseqüência = extinção da dívida
# Casos principais: sucessões e casamento
# Pode ser meramente parcial (art. 382)
# Confusão na solidariedade ativa e passiva (art. 383): exemplo: 4 credores
solidários de um devedor pela quantia de R$100,00; um dos credores sucede
o devedor; passa a ser, ao mesmo tempo, credor e devedor dele mesmo; só
que é credor dele mesmo na parte que lhe cabia, como credor, no crédito
solidário (R$25,00); a dívida se extingue nessa parte; ele passa a ser devedor
solidários dos demais pela quantia de R$75,00; a solidariedade dos demais
permanece.
# Revigoração da obrigação (art. 384)

REMISSÃO

Instruções:

1) Ler NEVES (2012), capítulo 16, itens 16.7 e 16.8.

FGV DIREITO RIO  71


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AULA 20: ATOS UNILATERAIS COMO FONTES DE OBRIGAÇÕES

Ementa:

ATOS UNILATERAIS COMO FONTES DE OBRIGAÇÕES. PRO-


MESSA DE RECOMPENSA. GESTÃO DE NEGÓCIOS. ENRIQUECI-
MENTO SEM CAUSA. PAGAMENTO INDEVIDO.

PAGAMENTO INDEVIDO:

# Regra: obrigação de restituir por parte de quem recebeu (art. 876)


# Regra: ônus da prova de que feito por erro por parte do que pagou (ain-
da se exige erro?) (art. 877).
# Acréscimos e melhoramentos (referência aos arts. 510 a 519): solução
dependerá da boa ou má-fé do “accipiens” (desconhecimento ou conheci-
mento do indébito) (art. 878).
# Pagamento indevido de imóvel: dependerá da boa ou má-fé do accipiens
e da boa ou má-fé de terceiro:

— Situações:
(i) accipiens recebe o imóvel de boa-fé e o transfere a título oneroso:
(i.a) a terceiro também de boa-fé
— interesse do terceiro prevalece: fica com o imóvel
— accipiens restitui o preço que recebeu do terceiro
(i.b) a terceiro de má-fé:
— retorna o imóvel ao que pagou indevido
— terceiro sujeito a pagar perdas e danos
(ii) accipiens recebe o imóvel de má-fé e o transfere a título oneroso:
(ii.a) a terceiro de boa-fé:
— accipiens devolve o preço mais perdas e danos
— terceiro fica com o imóvel
(ii.b) a terceiro de má-fé:
— imóvel retorna ao solvens;
— accipiens paga perdas e danos
— terceiro sujeito a perdas e danos

(iii) accipiens recebe o imóvel de boa-fé e o transfere a título


gratuito:
> não importa a boa ou má-fé do terceiro, terá de perder o imóvel
> o interesse do terceiro que nada despendeu será sempre inferior

FGV DIREITO RIO  72


Obrigações e Responsabilidade Civil

(iv) accipiens recebe o imóvel de má-fé e o transfere a título gra-


tuito:
> accipiens tem que pagar perdas e danos

# Há três exceções à regra de que o pagamento indevido deve ser restitu-


ído:

(i) Art. 880: Fica isento de restituir pagamento indevido aquele que,
recebendo-o por conta de dívida verdadeira, inutilizou o título, deixou
prescrever a ação ou abriu mão das garantias que asseguravam o seu direi-
to; mas o que pagou dispõe de ação regressiva contra o verdadeiro devedor
e seu fiador: aqui o legislador permite ao credor que conserve o que rece-
beu, já que, em caso contrário, estaria sendo prejudicado por um erro que,
afinal, foi gerado pelo que pagou indevidamente.
(ii) Art. 882: Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida
prescrita, ou cumprir obrigação natural.
(iii) Art. 883: Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa
para obter fim ilícito, imoral ou proibido em lei.

* Alguém que combine (não é contrato) com outro para matar um


terceiro (como Rigoletto fez) não pode exigir a repetição se o outro não
cumprir ou matar outra pessoa (como Sparafucile fez com a filha de
Rigoletto, Gilda).

Instruções:

1) Ler LOBO (2013), Capítulo XVIII.

Sugestões:

Ler TEPEDINO (2004), p. 369-388.

FGV DIREITO RIO  73


Obrigações e Responsabilidade Civil

AULA 21: EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES POR DESCUMPRIMENTO

Ementa:

EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES POR DESCUMPRIMENTO.


INADIMPLEMENTO.

Objetivo:

Compreender as causas de extinção das obrigações por descumprimento,


especialmente aquelas imputáveis ao devedor e diferenciá-las da mora (des-
cumprimento relativo).

Instruções:

Ler LOBO (2013), Capítulo XVI, item 16.1.

INADIMPLEMENTO

O tema do inadimplemento é um dos mais problemáticos para a Ciência


do Direito, pois se insere no estudo dos fatores que levam à falta da prestação
devida, cuja classificação e nomenclatura são objeto de discussão entre os
autores.
Embora a identificação de tais fatores não seja propriamente tormentosa,
sua alocação sob um ou outro grupamento nominado de figuras não encon-
tra consenso na doutrina.
Mesmo o fenômeno principal (a falta de entrega da prestação prevista) é
ora chamado de inadimplemento, ora de incumprimento, ora de não cum-
primento ou descumprimento (Almeida Costa adota os três termos como
sinônimos).
De todo modo, o que importa no seu estudo é exatamente a identificação
desses fatores que geram ou caracterizam a não-entrega da prestação devida.
É dentre eles que, independentemente da classificação e nomenclatura ado-
tadas, se encontrará o inadimplemento.
Quando a prestação devida não é realizada a relação obrigacional pode es-
tar diante de um mero atraso ou demora; de uma impossibilidade; ou de um
cumprimento defeituoso, sendo que este e a demora poderiam levar a uma
inutilidade da prestação.

FGV DIREITO RIO  74


Obrigações e Responsabilidade Civil

Na concepção desenvolvida por Agostinho Alvim, também utilizada por


Orlando Gomes, esses fenômenos constituiriam o inadimplemento em sen-
tido amplo.
É mais provável que a falta da prestação devida não seja definitiva, ou seja,
que decorra de um mero atraso do devedor ou mesmo do credor. É o que os
sistemas em geral chamam de mora. O nosso traça um desenho mais abran-
gente dessa figura, considerando envolver também a entrega da prestação fora
do lugar, tempo ou modo convencionados.
E aí se incluiriam também as hipóteses de cumprimento defeituoso, adim-
plemento ruim ou violação positiva do crédito (na doutrina nacional há par-
cas referências a essa assemelhação; Orlando Gomes a menciona, embora
para afastá-la (p.174); Ruy Rosado de Aguiar a acata expressamente (p. 126)).
De todo modo, a mora recebe tratamento específico no Código Civil, que
a diferencia do caso de impossibilidade, mesmo quando configura inutilida-
de. Para este caso, o regime de responsabilização não é inferido por meio de
uma equiparação a uma hipótese de impossibilidade (artigos 389 a 393), mas
por via própria (parágrafo único do artigo 395).
Para Agostinho Alvim e Orlando Gomes, o inadimplemento em sentido
estrito somente pode ser reconhecido na impossibilidade, mas, não fazendo
qualquer distinção entre as causas de impossibilidade, reunirá sob esse nome
casos de soluções distintas (inadimplemento em sentido estrito imputável ao
devedor e inadimplemento em sentido estrito não imputável ao devedor).
Por isso, alguns autores, como Menezes Cordeiro e Judith Martins-Cos-
ta restringem a nomenclatura “inadimplemento” apenas à impossibilidade
culposa.
Não obstante a conveniente atribuição de um ‘nomen juris’ para uma so-
lução legal específica, parece mais adequado ao estudo do Código Civil a
adoção do termo inadimplemento em sentido estrito aos casos de impossi-
bilidade, seja fortuita ou culposa. Afinal, estes estão reunidos no Capítulo I
(Disposições Gerais) do Título IV (Inadimplemento das Obrigações). EM se
entendendo que o Título reúne todas as figuras-causa de inadimplemento, é
razoável que as disposições gerais se refiram ao inadimplemento em sentido
estrito (onde se encontram o inadimplemento fortuito e o culposo).

Inadimplemento (Strictu Sensu)

O inadimplemento em sentido estrito se dá com a impossibilidade da


prestação:
Esta pode decorrer ou não de culpa do devedor. Conforme um ou outro
caso, a solução legal será diversa.

FGV DIREITO RIO  75


Obrigações e Responsabilidade Civil

Inadimplemento Culposo

A impossibilidade por culpa é aquela correspondente ao que Judith Mar-


tins-Costa chama de regime geral do inadimplemento (com solução em per-
das e danos).
É regulada pelo artigo 389 do Código Civil: “não cumprida a obrigação,
responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segun-
do índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”.
Sabe-se que essa solução é relacionada ao descumprimento culposo por
conta da regra do artigo 392 (“Nos contratos benéficos responde por simples
culpa o contratante a quem o contrato aproveite (..). Nos contratos onerosos res-
ponde cada uma das parte por culpa...”) e da exceção feita pelo artigo 393 (que
isenta de perdas e danos a impossibilidade decorrente de fortuito).

Culpa

A culpa não difere daquela que constitui elemento da responsabilidade


civil. Os conceitos são ontologicamente iguais. Modernamente se reconhece
sua unificação, sendo a culpa entendida como a violação de um dever, de
uma norma (seja legal ou contratual) e abrangente dos casos de dolo (viola-
ção consciente do dever).
No entanto, por conta de efeitos práticos, identifica-se a culpa contratual
e a culpa aquiliana.
A primeira se refere à violação de um dever de origem contratual (Orlando
Gomes esclarece que não “se refere tão somente ao inadimplemento culposo de obri-
gação assumida contratualmente... Configura-se, igualmente, quando a obrigação
deriva de declaração unilateral de vontade ou de situações legais que se regulam como
se fossem contratuais”), enquanto a segunda a um dever previsto em lei.
O dever contratual cuja violação vai ensejar a culpa contratual é o dever
específico de prestar. Já o dever legal, cuja violação vai ensejar a culpa aqui-
liana, é o próprio dever genérico de não causar prejuízo (neminem laedere):
artigo 186 do Código Civil.
E é essa distinção que vai determinar o ônus da prova na responsabilização:
Na responsabilização contratual, como o devedor tinha de prestar e não o
fez, é ele quem terá de provar que o inadimplemento ocorreu por causa alheia
a sua vontade. Já na responsabilização extra-contratual, aquele que alega o
prejuízo, o dano, é que terá que provar que tal dano foi causado pela conduta
do outro. Veja-se que nesse caso, não há necessariamente um dever específico
de fazer alguma coisa; senão, um de não fazer (não causar dano). Não há um
vínculo pré-existente.

FGV DIREITO RIO  76


Obrigações e Responsabilidade Civil

Não obstante tais distinções, é importante notar que não há dois tipos
diferentes de culpa ou dois tipos diferentes de responsabilidade. Ambos se
fundam no mesmo pilar: a violação de um dever jurídico.

Responsabilidade por Perdas e Danos

Se essa violação culposa de um dever causa um dano, terá havido a prática


de um ato ilícito (no caso da violação de um dever contratual, o ilícito será
contratual).
A prática do ato ilícito gera o dever de reparação (responsabilidade civil).
Em resumo, quem infringe um dever (legal ou contratual), causando dano a
outrem, fica obrigado a reparar esse dano.
Daqui se extrai que a simples violação culposa de um dever não pode gerar
o dever de reparação. Deve ser correlacionada a um dano.
A questão é saber se esse dano já se presume com o inadimplemento ou não:
1) Uns entendem que o próprio descumprimento do dever de prestar
(o inadimplemento da obrigação) já caracterizaria o dano, ensejando a
reparação.
2) Outros entendem que o dano não pode ser presumido. Há que ser
provada a existência de danos emergentes (depreciação do ativo ou au-
mento do passivo) e lucros cessantes (frustração da expectativa de ga-
nho), assim como se dá na responsabilidade extra-contratual. É a corrente
adotada entre nós.
Além disso, há que estar presente o nexo de causalidade.
A presença desses três elementos (culpa, dano e nexo causal) configura, em
regra, a responsabilidade contratual.
Mas essa regra comporta três importantes exceções.

Responsabilidade com Culpa Qualificada (Dolo)

Em primeiro lugar, há casos em que a responsabilidade dependerá de uma


culpa qualificada como dolo. É o caso das obrigações inseridas em um con-
trato gratuito. É delas que trata o artigo 392, 1a parte: “Nos contratos benéfi-
cos responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por
dolo aquele a quem não favoreça”.

FGV DIREITO RIO  77


Obrigações e Responsabilidade Civil

Responsabilidade sem Culpa

Em segundo lugar, pode bastar a presença do dano e do nexo causal para


que se configure. Cuida-se, aqui, dos casos de responsabilidade objetiva.
Não se estará propriamente no campo do inadimplemento, pois este en-
volve a impossibilidade causada por culpa do devedor ou por evento fortuito.
Não se estende, na lição tradicional, ao descumprimento imputável (ainda
que não culposo) de um dever contratual.
Mas será o caso de uma falta de cumprimento da obrigação contratual
atribuível ao devedor ou à sua atividade.
Esse talvez seja um bom exemplo da inadequação ou insuficiência das
classificações para o auxílio na solução dos problemas verificados em casos
concretos.
A responsabilidade objetiva está, por exemplo, nas relações de transporte,
bancárias, de serviços públicos e de consumo em geral.

Culpa sem Responsabilidade

Por fim, pode haver culpa, dano e nexo causal sem que haja responsabilidade.
É o caso de exclusão da responsabilidade contratual por vontade das partes.
A possibilidade é polêmica mas existe. E inúmeros autores a defendem
(entre nós, por exemplo, Orlando Gomes e Caio Mario).
A polêmica é bem representada pelas escolas belga e francesa que dispu-
tam sobre o tema.
Segundo a Escola Francesa, não é possível afastar a responsabilidade. Essa
corrente considera o dever de reparação como sendo de ordem pública.
Para a Escola Belga, por outro lado, o dever de reparação é de ordem par-
ticular e, portanto, disponível, fundada na autonomia das vontades.
Essa exclusão abrangeria os casos de responsabilidade por simples culpa.
A exclusão de responsabilidade por dolo é repudiada desde o Direito Ro-
mano. De fato, importaria em uma não-vinculação (aquele que está isento de
responder juridicamente pelo descumprimento de uma dever contratual na
verdade não está obrigado juridicamente): “o devedor que reservasse a faculda-
de de não cumprir a obrigação por seu próprio arbítrio, em verdade não estaria
obrigado” (Orlando Gomes, p. 158).
Uma cláusula nesse sentido violaria o disposto no artigo 122 do Código
Civil.
Embora ainda se possa admitir, de modo geral, a possibilidade dessa exclu-
são, hoje está cada vez mais restrita.
Basta que se lembre do Código de Defesa do Consumidor que, em seu
artigo 51, I comina de nulidade as cláusulas que “impossibilitem, exonerem ou

FGV DIREITO RIO  78


Obrigações e Responsabilidade Civil

atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos


produtos e serviços...” (note-se que o próprio dispositivo libera a possibilidade
para o caso de relação de consumo entre pessoas jurídicas, o que é prova da
possibilidade).
Ou que, com relação aos contratos de adesão, sendo nulas as cláusulas que
estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza
do negócio, eventual cláusula de exclusão da responsabilidade acabaria por
autorizar, ainda que indiretamente, um descumprimento.

Conseqüências (possíveis) do Inadimplemento:

# Responsabilidade
# Resolução do contrato em que a obrigação esteja inserida

FGV DIREITO RIO  79


Obrigações e Responsabilidade Civil

AULA 22: MORA

Ementa:

MORA.

Objetivo:

Conceituar mora e confrontá-la com situações de inadimplemento abso-


luto.

Instruções:

Ler LOBO, Capítulo XVI, Item 16.2.

MORA

Quando o devedor culposamente deixa de entregar a prestação devida no


tempo em que deveria fazê-lo, caracteriza-se o inadimplemento em sentido
amplo. Este pode envolver: (i) uma impossibilidade de cumprimento; (ii)
uma inutilidade da prestação (estes dois primeiros casos se referem ao chama-
do inadimplemento absoluto); ou (iii) um mero atraso.
É este, segundo Orlando Gomes, o domínio da mora, que ele define como
“impontualidade culposa” (o autor não aceita a extensão do conceito de
mora para os casos de fato imputável ao credor ou entrega fora do lugar ou
modo devidos: Obrigações. 11ed. Rio de Janeiro: Forense. p. 167).
Embora uma parte da doutrina nacional não se renda a uma maior am-
plitude do conceito de mora ao defini-la (GOMES. Obrigações. 11ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2001. p. 167), Agostinho Alvim, referido por Serpa Lopes,
e este mesmo autor, não esquecem da mora do credor e da desconformidade
com o tempo e o lugar previstos no título (Curso de Direito Civil. v.II. 7ed.
Rio de Janeiro: Freitas Bastos. p.353).
Assim, o domínio da mora se estende, por um lado, para o caso em que o
credor não foi buscar a prestação quando lhe cabia ou se recusou a recebê-la
injustificadamente; e, por outro lado, para o caso do cumprimento em desa-
tenção ao lugar e ao modo devidos (legitimamente esperados).
Orlando Gomes já confronta a hipótese com a ideia do cumprimento
defeituoso ou adimplemento ruim, entendido como uma violação positiva

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Obrigações e Responsabilidade Civil

da prestação (em contraposição a uma violação negativa), não obstante para


afastar a possibilidade de inseri-lo no conceito de mora (o autor expressa
sua repulsa: “o conceito de violação positiva do crédito, conforme a crítica de
Ennecerus, está mal delimitado em relação à impossibilidade e à mora, porque
a infração contratual positiva desloca para segundo plano o ato que determina o
dano, enquanto a mora e a impossibilidade representam situações jurídicas nas
quais pode desembocar qualquer violação do crédito, tanto de natureza negativa
como positiva” op.cit. p.174).
Ruy Rosado de Aguiar Jr. também parece rechaçar a relação entre o cum-
primento defeituoso e a mora (“a mora compreende a ‘inexistência da presta-
ção’, a prestação ‘tardia’, a efetuada ‘fora do lugar’ adequado, ou sem a ‘forma’
da convenção ou da lei. Além desses casos, porém, e portanto, além do âmbito do
art. 394 do Código Civil, o contrato pode ser lesionado com o cumprimento da
prestação de ‘modo’ imperfeito, seja porque desatende ao exigível para as circuns-
tâncias (casos de execução defeituosa da prestação quanto ao modo), seja porque
da prestação efetuada pelo devedor resultam danos ao credor (violação positiva do
contrato)” op.cit. p.123-4).
Na doutrina nacional, em geral, não há outras referências.
Entretanto, é de se considerar o benefício metodológico dessa adequação.
Com a positivação em nosso sistema do princípio da boa-fé objetiva (arti-
gos 113 e 422 do novo Código Civil), determinando não só a interpretação
dos negócios segundo esse paradigma de comportamento mas igualmente
a execução dos contratos nessa conformidade, talvez seja a hora de reenviar
o conteúdo ético desse princípio para o campo das obrigações, estejam elas
inseridas ou não em um conjunto contratual ou negocial.
Ainda que a relação obrigacional não esteja ela mesma relacionada, refe-
renciada ou interdependente com outro vínculo dessa natureza, não pode
haver dúvidas quanto aos seus efeitos em atenção à expectativa do credor.
Este, tão só pela configuração do vínculo, já é portador da legítima expecta-
tiva quanto à sua hígida e plena solução.
Na ideia de Clóvis do Couto e Silva de que a obrigação é um processo, no
qual se integram diversas fases e comportamentos de parte a parte, há que
se vislumbrar o íntimo relacionamento entre a forma de atuação do devedor
e a plena satisfação dos legítimos interesses do credor (interesses entendidos
como aqueles social e objetivamente reconhecidos). Por vezes, essa satisfação
depende não só da realização do comportamento devido a título principal
mas, por igual, de todo um atuar (composto de comportamentos secundá-
rios e acessórios — deveres anexos e acessórios) condizente com a esperada
intenção de atender os interesses do credor, conforme a natureza e as circuns-
tâncias do vínculo.
Por isso, parece que, na falta de previsão expressa de que a violação
desses comportamentos legitimamente esperados tem conseqüências que

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Obrigações e Responsabilidade Civil

se aproximam daquelas atribuídas ao retardamento da prestação (o retar-


damento pode levar à inutilização da prestação, assim como o poderá a
violação positiva), é razoável admitir-se que tal violação se enquadra no
amplo conceito de mora que reside em nosso Direito posto.

CONCEITO

Diante do exposto, é possível estabelecer como conceito de mora: a falta


de cumprimento da prestação no momento, lugar e forma estipulados, por
culpa do devedor ou por recusa ou inércia do credor.
O conceito legal omite, em um primeiro momento, a menção à culpa
do devedor (art. 394: Considera-se em mora o devedor que não efetuar o paga-
mento, e o credor que o não quiser receber no tempo, lugar e forma que a lei ou
a convenção estabelecer). No entanto, tal omissão é corrigida posteriormente
(art. 396: Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este
em mora).
O conceito de mora envolve um caráter antitético, ou seja, somente pode
ser compreendido em contraposição ao inadimplemento “strictu sensu”, que
se refere à impossibilidade ou inutilidade da prestação (segundo a doutrina
trata-se de uma inutilidade subjetiva, porém sempre sujeita a controle judi-
cial). Sempre que a prestação for possível e útil ao credor, afasta-se o inadim-
plemento para se falar em mora.

MORA DO DEVEDOR

A mora do devedor (“mora debitoris”, “mora solvendi”) decorre da falta


culposa de cumprimento da prestação no momento, lugar e forma conven-
cionados.
Em geral se dá diante do atraso, pelo que é essencial saber-se como este se
reconhece.
E o atraso se dá em função do momento em que a prestação passa a ser
exigível, pelo que há que se saber quando isso ocorre. E é o legislador que o
estabelece.
Se a obrigação é a termo, o atraso e, em conseqüência, a mora, se configura
tão logo aquele se alcança. É a chamada mora ex re, que se estabelece automa-
ticamente, de pleno direito (art. 397: O inadimplemento da obrigação, positiva
e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor). Decorre
da regra romana “dies interpellat pro homine”.
A alusão a obrigação “positiva” não é vã. É que a obrigação negativa (de
não fazer), tão logo descumprida (ou seja, tão logo realizado o fato a que

FGV DIREITO RIO  82


Obrigações e Responsabilidade Civil

se devia abster) já acarreta o inadimplemento, não havendo que se falar em


mora (art. 390: Nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente
desde o dia em que executou o ato de que devia se abster).
Se a obrigação é proveniente de delito, a mora também se configura auto-
maticamente: a partir do momento em que praticado o ilícito (art. 398: Nas
obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que
o praticou).
Não havendo termo e não se tratando de obrigação decorrente de ato ilíci-
to, o atraso (e conseqüentemente a mora) não se configura automaticamente.
É que, não obstante a disposição do artigo 331 indicar que, não tendo sido
ajustada época para o pagamento, pode o credor exigi-lo imediatamente, essa
exigibilidade depende de prévia interpelação.
Por isso, o legislador estipulou que, em tais casos, a mora se constitui ape-
nas pela interpelação (art. 397, parágrafo único: Não havendo termo, a mora
se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial).

Requisitos:

(i) Inexecução culposa;


(ii) Dívida líquida (certa quanto à sua existência e determinada quanto
ao valor — “in illiquidis non fit mora”);
(ii) Dívida vencida (por interpelação, por termo ou por força de lei);
(iii) Viabilidade da prestação.

Com relação a este último requisito, discute-se se a viabilidade ou utilidade


da prestação deve ser estabelecida de forma objetiva ou subjetiva. A doutrina
parece concordar em que a utilidade deve ser apreciada com base em um cri-
tério subjetivo, ou seja, em atenção ao interesse do credor no caso concreto.
Todavia, essa caracterização subjetiva sempre estará sujeita ao controle ju-
dicial. Interesse não é capricho.
São exemplos clássicos de inutilidade: vestido de noiva que não é entregue
a tempo do casamento; táxi que não chega na hora adequada para conduzir
o passageiro ao aeroporto. Poderiam ainda ser citados os casos da fantasia
de carnaval, da roupa de Papai Noel, do voto em AGO/AGE. Como se v~e,
geralmente se trata de obrigação relacionada a termo essencial.

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Obrigações e Responsabilidade Civil

Efeitos:

(i) Responsabilidade por prejuízos, juros, atualização e honorários (art. 395);

Da mesma forma que o inadimplemento culposo gera a responsabilidade do


devedor, desde que haja dano, a mora também o fará (art. 395: Responde o devedor
pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores mone-
tários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos e honorários de advogado).
Tal responsabilidade tem, obviamente, o mesmo fundamento da respon-
sabilidade pelo inadimplemento absoluto. A diferença só diz respeito à gra-
vidade do dano.
Há que se atentar para o fato de que a mora somente se configura com
culpa (pelo atraso ou desconformidade da prestação em relação ao modo e
tempo), mas a responsabilidade que dela decorre pode se configurar mesmo
diante de um fortuito.

(ii) “Perpetuatio obligationis”.

A mora do devedor lhe atribui os riscos pela impossibilidade da prestação,


mesmo que decorrente de fortuito.
Se a prestação envolve dar ou entregar coisa certa ou incerta, os riscos
quanto à coisa já lhe são atribuídos até que se dê a tradição ou transferência
da coisa (artigos 234 e 246).
Mas, ao contrário do que ali ocorre, a obrigação não se resolve (é exata-
mente este o sentido da perpetuação). O devedor será compelido a pagar o
equivalente da coisa que se perdeu ou da parte que se deteriorou.
De outro lado, se a obrigação envolve a restituição de coisa, além da per-
petuação (com a manutenção do dever referente à contrapartida da coisa em-
prestada ou entregue temporariamente), arcará o devedor com a diminuição
patrimonial decorrente da perda ou deterioração dessa coisa, que, normal-
mente (art. 238) seria sofrida pelo credor.
Essa inversão se fundamenta na presunção relativa de que, se o devedor ti-
vesse cumprido sua obrigação a tempo (e não o fez culposamente, tendo sido
o não cumprimento decorrente de culpa sua), a coisa não teria sido afetada
pelo caso fortuito ou força maior (versare in re ilicita).
Note-se que essa presunção é relativa (juris tantum). Se o devedor (é dele
o ônus) provar (i) que seu atraso não foi culposo (e aí não estaria em mora);
ou (ii) que a coisa teria perecido mesmo que tivesse sido entregue ao credor,
sua responsabilidade será afastada.
Pois então o único meio de ver-se isento dessa responsabilidade pela per-
petuação da obrigação é provar que a perda ou deterioração teria ocorrido

FGV DIREITO RIO  84


Obrigações e Responsabilidade Civil

mesmo se a prestação fosse cumprida no tempo devido (art. 399: O devedor


em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossi-
bilidade resulte de caso fortuito ou força maior, se estes ocorrerem durante
o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria, ainda
quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada).
Trata-se do que a doutrina chama de “causalidade virtual negativa” ou
“relevância negativa da causa virtual” (“negativa” por negar a relação mora-
-fortuito e “virtual” por não ter sido a causa real da perda ou deterioração).

MORA DO CREDOR

Viu-se que a mora do credor (“mora creditoris”, “mora accipiendi”) envolve


o não cumprimento da prestação devida por inércia ou recusa.
A inércia refere-se ao credor que não vai buscar a prestação que lhe cabia.
A situação enquadra-se no pagamento quesível, “chiedibile” ou “quérable”.
Quando o título estipulou que o credor deveria buscar o pagamento junto ao
devedor e não o fez, configura-se a mora do credor.
Por outro lado, não há que se falar em inércia se o pagamento deveria ser
conduzido pelo devedor (pagamento portável, “portabile” ou “portable”). A
mora do credor nesse caso somente pode decorre de recusa em recebê-lo. Essa
recusa deve se dar em face de uma oferta real (oferta da prestação devida) e
não um mero oferecimento simples ou verbal.
Mas discute-se se a mora, para se caracterizar, depende da oferta através
da consignação.
Esse é o sistema francês. Segundo Caio Mario, entretanto, o nosso se fi-
liou ao alemão, que seguiu a tradição romana. A consignação é um meio de
remediar a mora do credor que decorre da recusa, mas não se confunde com
a oferta. Basta, para nós, que o devedor demonstre que efetivamente ofereceu
o pagamento e este foi recusado para que a mora do credor se configure (a
prova dessas oferta e recusa pode ser dificultada, o que aconselha o uso da
consignatória quando isso acontecer).

Requisitos:

(i) Dívida líquida;


(ii) Dívida vencida (cabe ao devedor interpelar o credor se este não o faz);
(iiia) Atraso na busca do pagamento;
(iiib1) Oferta real pelo devedor;
(iiib2) Recusa injustificada da prestação pelo credor

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Obrigações e Responsabilidade Civil

Efeitos:

(i) Subtração da responsabilidade do devedor por culpa em caso de


perda ou deterioração da coisa devida;
(ii) Responsabilidade do credor pelas despesas de conservação da coisa;
(iii) Sujeição ao recebimento pela estimação mais favorável (se houver
variação entre a data do pagamento e da efetiva entrega.

É o que determina expressamente o artigo 400: “A mora do credor subtrai


o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa, obriga o
credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la, e sujeita-o a recebê-la
pela sua mais alta estimação, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o
pagamento e o da sua efetivação.”

PURGAÇÃO DA MORA

A purgação ou emenda da mora é a faculdade reconhecida ao devedor de


fazer cessar os efeitos futuros da mora oferecendo ao credor a prestação de-
vida mais os consectários de seu atraso; ou ao credor, de receber a prestação
devida, sujeitando-se às conseqüências de seu atraso.
A “purgação” ou “emenda” da mora não pode se confundir com a “cessa-
ção da mora”. Esta é a extinção da mora e seus efeitos por conta de renúncia,
remissão, novação ou outra causa extintiva da obrigação.

Purgação da mora pelo devedor:

Segundo o artigo 401 do Código Civil, purga-se a mora pelo devedor


quando este oferece a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes
do dia da oferta.
A doutrina discute quanto ao momento até o qual pode ser admitida a
purga da mora.
A tese que prevaleceu foi a de Bevilaqua, endossada por Agostinho Alvim,
segundo a qual, a purga da mora é admitida até a defesa em eventual ação
fundada no atraso.
Desde que todos os prejuízos sejam cobertos pela oferta, inclusive as des-
pesas judiciais e com honorários de advogado, não há porque não acatá-la.
Conclui-se que a purga da mora é admissível sempre que a prestação ainda
seja útil.

FGV DIREITO RIO  86


Obrigações e Responsabilidade Civil

No entanto, deve ser considerado que a mora pode se inserir em obrigação


de natureza contratual, cujo cumprimento extemporâneo tenha sido previsto
como caso de resolução contratual (em cláusula resolutória expressa).
Ora, nesse caso, não cuidará propriamente de mora, mas de verdadeiro
inadimplemento por inutilidade da prestação para o credor (tanto há inutili-
dade que ele estipulou que a falta de entrega no momento precisado ensejaria
a resolução).
Por isso, aqui não há que se falar em purgação da mora, pois mora não há.
Em todo caso, mesmo quando o atraso, por si só, autoriza a resolução, o
princípio da função social dos contratos (art. 421 do Código Civil), em sua
vertente de preservação do vínculo (refletida no artigo 51, §2º do Código de
Defesa do Consumidor) pode vedá-la.
De modo a proteger o devedor contra o uso não razoável da prerrogativa
de resolução da avença, o legislador estabelece, em alguns casos, regras espe-
cíficas quanto à caracterização do descumprimento, limitando a invocação
da inutilidade pelo credor (o que é o mesmo que estender a utilidade da
prestação).
No que se refere à resolução dos compromissos de compra e venda de
imóveis por falta de pagamento do preço, exige-se, mesmo quando conste
cláusula resolutiva expressa, a constituição em mora do promissário compra-
dor (DL 745/69, artigo 1º).
O Dec-Lei 911/69 que alterou as regras sobre a alienação fiduciária em ga-
rantia prevê no seu artigo 2º, §§ 2º e 3º que a mora decorre do simples venci-
mento, podendo ser comprovada por carta registrada expedida pelo Cartório
de Títulos e Documentos ou pelo protesto do título.
Parece que o legislador quis estabelecer a mora ex re. No entanto, o STJ,
através da súmula 72 exige a comprovação da mora, o que deve se dar através
da interpelação.
Tanto no Decreto-Lei 745/69 (promessas de compra e venda) quanto na
lei de alienação fiduciária, embora haja termo certo estabelecido pelas partes,
exige-se a interpelação não para a “constituição em mora” como consta, mas
para a prova da mora. A interpelação é necessária para que, a partir dela, pos-
sa ser caracterizado o inadimplemento absoluto. Na verdade o mais correto
seria falar em algo como “constituição do inadimplemento absoluto”. Mas é
importante notar que nesses casos, a mora continua sendo ex re.
O artigo 54, § 2º do Código de Defesa do Consumidor estabelece a restri-
ção genérica aos efeitos automáticos da cláusula resolutória expressa.
A Lei das Locações (Lei 8.245/91) fixa regras bem específicas para o pro-
cedimento de purgação da mora.
A doutrina (ver Sylvio Capanema de Souza) e a jurisprudência
(RESP153434-MG; RESP 73667-SP) entendem que a purga da mora é in-
compatível com a discussão sobre os valores cobrados.

FGV DIREITO RIO  87


Obrigações e Responsabilidade Civil

A incompatibilidade não é propriamente material, mas de ordem proces-


sual, pois a purga da mora, no âmbito do processo, é um reconhecimento do
pedido do autor, o que é logicamente incompatível com a impugnação.
Resta saber se, após a defesa, pode o réu mudar de idéia e decidir pela
purga da mora. Será possível um “jus variandi”?
Artigo 1.925: o legado em dinheiro só vence juros desde o dia em que se
constituir em mora a pessoa obrigada a prestá-lo.

Purga da mora pelo credor:

Para Luiz Roldão, a mora do credor só pode se dar com a interpelação do


devedor.

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Obrigações e Responsabilidade Civil

AULA 23: PERDAS E DANOS

Ementa:

PERDAS E DANOS. INDENIZAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA


E JUROS.

Objetivo:

Conceituar e descrever as espécies de dano e as formas de ressarcimento.

Instruções:

Ler NEVES (2012), Capítulo 19.

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Obrigações e Responsabilidade Civil

AULA 24: CLÁUSULA PENAL

Ementa:

CLÁUSULA PENAL.

Objetivo:

Compreender a cláusula penal e suas funções e diferenciá-la de outros


institutos, como as arras penitenciais e as astreintes.

Instruções:

Ler LOBO (2013), Capítulo XVII.

Cláusula Penal

A mesma autonomia da vontade que permitiria a exclusão, atenuação e agra-


vação da responsabilidade pode permitir a regulação de suas conseqüências.

Função:

Pré-Fixação das Perdas e Danos

Isso se dá através da Cláusula Penal, cuja função primordial é evitar a


liquidação das perdas e danos, pré-fixando-os.

Alguns autores (v.g. Caio Mario) preferem destacar uma função de reforço
da obrigação. No entanto, tal função nem sempre se faz presente. Como bem
lembra Orlando Gomes, a multa fixada pode ser menor que o que o devedor
teria que pagar na liquidação normal das perdas e danos.

Além disso, não se permite, na legislação brasileira, que ultrapasse o valor


da prestação, o que poderia afastar a noção de reforço:

— Art. 412: O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode


exceder o da obrigação principal.

FGV DIREITO RIO  90


Obrigações e Responsabilidade Civil

Dispensa da Prova do Dano

A cláusula penal é vantajosa também, na medida em que, para ser exigida,


dispensa a prova do dano, eliminando-se a divergência acerca da presunção
do dano:

— Art. 416: Para exigir a pena convencional, não é necessário que o


credor alegue prejuízo.

Forma:

Era discutível se a estipulação poderia ser feita em instrumento separado


ou no título da obrigação. Desde nosso código anterior já se entendia por
admitir ambas as possibilidades (artigo 916):

— Artigo 409, 1a parte: A cláusula penal estipulada conjuntamente com


a obrigação, ou em ato posterior....

Espécies (Aplicação):

A cláusula penal se aplica tanto ao inadimplemento culposo quanto à


mora causada pela culpa do devedor (ou do credor):

— Art. 409: A cláusula penal estipulada conjuntamente com a obriga-


ção, ou em ato posterior, pode referir-se (i) à inexecução completa da obri-
gação; (ii) à de alguma cláusula em especial ou (iii) simplesmente à mora.

O primeiro caso está, sem dúvidas, compreendido na operação de uma


cláusula penal compensatória, que visa compensar o credor pelo prejuízo do
não cumprimento.
O terceiro, na operação de uma cláusula penal moratória (não há o
inadimplemento absoluto, apenas o atraso na prestação).
Quanto ao segundo, a doutrina se divide em controvérsias.
Judith Martins-Costa reporta-se à discussão entre Washington de Barros
Monteiro e Silvio Rodrigues. Relata que, enquanto aquele entendia que a
cláusula penal referente ao descumprimento de uma cláusula especial seria
sempre compensatória, este dizia que seria, em regra, moratória, pois relacio-
nada a uma execução imperfeita da obrigação.
A autora afirma que pode haver situações em que a intensidade do des-
cumprimento da cláusula especial, mesmo quando parcial, atinja de tal for-

FGV DIREITO RIO  91


Obrigações e Responsabilidade Civil

ma o interesse legítimo do credor que autorize a operação de uma cláusula


com conteúdo compensatório.
Parece haver, aqui, confusão quanto à natureza da figura “cláusula espe-
cial”. Uma cláusula especial poderá sempre ser considerada uma obrigação.
Uma obrigação secundária mas ainda uma obrigação. Sendo assim, seu des-
cumprimento não precisa ser tratado de forma especial. Se absoluto ou cau-
sador de inutilidade é controlado pela cláusula penal compensatória; se mero
atraso, pela cláusula moratória. Os autores parecem estar considerando o pla-
no contratual e não o obrigacional.

Cláusula Penal Compensatória

A cláusula penal compensatória funciona como compensação pelo inadim-


plemento total (nunca parcial) da obrigação.
Mas não quer dizer que, diante um tal inadimplemento, opere-se auto-
maticamente, ficando desde logo o devedor inadimplente vinculado ao pa-
gamento da multa.
O credor, tanto quanto seja possível, poderá sempre escolher entre (i) co-
brar a multa e (ii) exigir a prestação devida.
É o que determina o artigo 410: “Quando se estipular a cláusula penal para
o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa
a benefício do credor”.
Haverá um “jus variandi” apenas no caso de ter escolhido o cumprimento
da prestação. Uma vez exigida a multa, não poderá pleitear o cumprimento.
Afinal, ao optar pela multa, resolve-se a obrigação.
O fato de não optar pela multa não significa que o credor possa afastar a
aplicação da cláusula penal e exigir a reparação pelos danos que seriam, então
apreciados. Diante da função primordial da cláusula penal (pré-fixação das
perdas e danos), o valor da indenização não poderá ser outro.
Excepciona-se aqui, porém, o caso do parágrafo único do artigo 416
(“Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor
exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a
pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo
excedente”) Mediante previsão expressa no título, o credor poderá pleitear
indenização suplementar. Nesse caso deverá, contudo, provar o prejuízo.

Cláusula Penal Moratória

A cláusula moratória serve para a pré-fixação dos danos decorrentes da


mora (do atraso ou do cumprimento inadequado).

FGV DIREITO RIO  92


Obrigações e Responsabilidade Civil

Cumulação da Multa Moratória com a Exigência do Cumprimento

Considerando que a mora não significa, necessariamente, a inutilidade da


prestação, o credor pode exigir a multa pelo atraso e a entrega da prestação
devida ou a multa e a emenda da prestação:

— Artigo 411: Quando se estipular a cláusula penal para o caso de


mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o cre-
dor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o
desempenho da obrigação principal.

Cumulação da Multa Moratória com a Multa Compensatória

Alguns discutem a possibilidade de cumulação de cláusula penal compen-


satória com cláusula penal moratória (ver questão 2 da aula de 14.03.2003
sobre inadimplemento e cláusula penal).
Caio Mario e Orlando Gomes defendem a cumulação, dizendo nada obs-
tar que um contrato compreenda ambas as espécies.
De fato, tendo as duas finalidades específicas (pré-fixação de perdas e da-
nos do atraso e pré-fixação das perdas e danos do não recebimento), seria
injusto não permitir sua cumulação (ex.: de um carro comprado para aluguel.
Não sendo entregue no dia já há prejuízos que poderiam ser considerados
para o caso de atraso; não sendo entregue em absoluto há prejuízos da própria
falta do veículo).

Eficácia:

A eficácia da cláusula penal se verifica desde o descumprimento (em caso


de obrigação a termo certo ou impossibilidade) ou da constituição em mora
(em caso de obrigações sem termo).

— Artigo 408: Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde


que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora.

Valor da Multa:

Limite

O limite da multa é aquele do artigo 412: o valor da obrigação principal.

FGV DIREITO RIO  93


Obrigações e Responsabilidade Civil

Além desse (100%), leis especiais estabelecem, em alguns casos, outros


percentuais. É o caso da lei de usura (10%) e do Código de Defesa do Con-
sumidor (2%).
Fica claro que esse limite vale para o caso de mora e do descumprimento
de uma cláusula especial que não a principal.

Redução

Apenas pela possibilidade do artigo 412 já é possível imaginar que uma


multa fixada no valor máximo pode ser desproporcional para o caso de uma
mora não significativa.

Redução por Desproporcionalidade

Assim, nosso direito sempre deu ao juiz a possibilidade de reduzir a multa


considerada desproporcional em relação ao cumprimento (artigos 924 do
Código Civil de 1916 e 414, 1a parte do Código Civil de 2002).

Redução por Excessividade

O novo código foi além e deu ao juiz o poder de reduzir a multa fixada
pelas partes mesmo não havendo cumprimento parcial ou em atraso. Com
isso, ainda que nada tenha sido cumprido pelo devedor, a multa pode ser
reduzida, se considerada excessiva com relação à natureza e às finalidades do
negócio.

Distinções:

A cláusula penal não se confunde com outros dois institutos do Código


Civil:

— Astreinte:

* É fixado pelo juiz.


* Persiste enquanto o réu não cumpre a prestação ad eternum (se-
gundo Fux) e até que se atinja o valor das perdas e danos e da prestação
(para outros).

FGV DIREITO RIO  94


Obrigações e Responsabilidade Civil

— Cláusula Penitencial:

* Diz respeito às arras penitenciais.


* Estabelece multa devida pela não celebração do contrato.

— Orlando Gomes cita, ainda, a multa penitencial., que seria


devida quando do exercício da faculdade de rescindir o contrato.

> Ora, mas isso não é uma simples previsão de resilição unila-
teral (ou como quer a linguagem vulgar, rescisão unilateral)?

— O Prof. Simão Benjó pensa que só existe resilição unilateral


com previsão legal. Ver notas sobre resilição no item “Extinção dos
Contratos”, onde se demonstra a existência de resilição unilateral
por estipulação contratual.

FGV DIREITO RIO  95


Obrigações e Responsabilidade Civil

José Guilherme Vasi Werner


Mestre em Sociologia pelo Iuperj. Juiz de Direito no Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro. Foi conselheiro do Conselho Nacional de Justiça de
agosto de 2011 a agosto de 2013.

FGV DIREITO RIO  96


Obrigações e Responsabilidade Civil

FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen Leal


PRESIDENTE

FGV DIREITO RIO


Joaquim Falcão
DIRETOR
Sérgio Guerra
VICE-DIRETOR DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
Rodrigo Vianna
VICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO
Thiago Bottino do Amaral
COORDENADOR DA GRADUAÇÃO
André Pacheco Teixeira Mendes
COORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
Cristina Nacif Alves
COORDENADORA DE ENSINO
Marília Araújo
COORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUAÇÃO

FGV DIREITO RIO  97

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