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UM HISTÓRICO DA MANUTENÇÃO E CONCEITOS

SOBRE SUA FUNÇÃO

TIUDORICO LEITE BARBOZA*


Contra-Almirante (EN- Refo)

SUMÁRIO

Introdução
Histórico
Conclusão

INTRODUÇÃO das máquinas motrizes a vapor e pela


mecanização das indústrias.

E ste artigo propõe-se a abrir espaço na


Revista Marítima Brasileira para um
assunto que se supõe ser de interesse da
A primeira indústria a ser mecanizada
foi a da tecelagem, nas Ilhas Britânicas
[1]. Nessa época, os reparos necessários
comunidade de leitores da revista, qual nas máquinas e equipamentos eram exe-
seja o acervo de conhecimentos sobre a cutados pelos próprios operários da pro-
História da Manutenção e sobre a função dução. Esta situação, característica de uma
Manutenção. Constitui um apanhado de manutenção improvisada não organizada,
informações utilizadas, principalmente do tipo "quebra-repara", manteve-se até
nas referências [1], [2] e [3]. princípios do século XX.
Com a guerra mundial de 1914 e com
HISTÓRICO a invenção da produção em série, intro-
duzida pelo fabricante de automóveis
A denominada Primeira Revolução Ford, as principais indústrias passaram a
Industrial teve seus primórdios por volta programar a produção em termos de va-
de 1750 e caracterizou-se pela introdução lores mínimos a atingir e, para conseguir

* O autor é engenheiro naval e D.S.C. em Engenharia Oceânica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
e faz parte do Corpo Docente do Centro de Instrução Almirante Wandenkolk (CIAW).
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o propósito de aumento da produção e e lubrificação periódica. E, em função de


produtividade, tiveram que criar grupos plantas mais modernas, com equipamen-
especializados em manutenção, de modo tos interdependentes (por exemplo, linhas
que os reparos fossem efetuados em boas de montagem e sistemas de propulsão
condições técnicas e no mínimo intervalo do tipo turbina a vapor), avarias em um
de tempo possível. equipamento comprometiam seriamente
Este era o início da Manutenção Cor- a operação do sistema como um todo e
retiva, que, até por volta de 1920/1930, assim, as avarias tinham que ser evitadas
era focada apenas no reparo de equipa- e não apenas corrigidas [2] e [3].
mentos avariados, sem sistemização na Porém essa estratégia de manutenção
organização e execução da manutenção, não era ainda sistemática, pois não havia
com baixo nível de gerenciamento, su- nenhum plano de ação, nem instruções
bordinada à função produção e com pla- preestabelecidas. Um elemento dedica-
nejamento e controle rudimentares. Este do circulava pela planta, executando as
tipo de manutenção ainda predomina em ações, na medida e na frequência que
grande número de atividades produtivas ele ou o chefe considerassem razoáveis.
industriais e de serviços. Dependia em muito da vivência com o
Essa estratégia era viável devido: equipamento e da experiência do elemento
– à robustez dos equipamentos – os que a executava. Férias (que começavam
altos fatores de segurança (e até mesmo de a se tornar direito comum dos trabalha-
ignorância) reduziam a propensão à falha; dores) podiam causar aumento da taxa de
– ao alto nível de redundância existente falhas. Apesar de simples, essa estratégia
(“Quem tem dois, tem um; quem tem um, foi responsável por substancial redução
não tem nenhum”); no número de falhas, principalmente nas
– pequena interdependência dos equi- linhas de montagem e na indústria naval.
pamentos, fazendo com que uma avaria Entre 1930 e 1950, como resposta às
em um dado equipamento não se refletisse demandas da Segunda Guerra Mundial, as
nos demais. indústrias básicas sentiram a necessidade
Não existia sistema de manutenção não somente de corrigir os defeitos dos
estruturado (por exemplo, um departa- equipamentos, como também de evitar ou
mento de manutenção nas fábricas ou atrasar a ocorrência de defeitos capazes
uma divisão por escalões no caso naval); de interferir na produção, com uma Ma-
os operadores eram responsáveis por um nutenção Preventiva sistemática, isto é,
mínimo de manutenção, afeta apenas com organização definida, procedimentos
àquilo que influenciasse o desempenho; formalizados e com periodicidade estabe-
o chefe da produção (ou da condução, no lecida. Era a Manutenção posta no papel
caso naval) tinha pessoal para as fainas pela primeira vez, havendo um boom nos
de correção de avarias, organizacional- Estados Unidos da América (EUA), na
mente colocado como assessores diretos. época da Segunda Guerra, devido à falta
Era a época do Gitafi (Get In There And de pessoal especializado em diagnóstico
Fix It) [2] e [3]. e reparo (causada pela convocação de
Entre 1920 e 1930, nascia uma Ma- homens para a guerra e utilização de mu-
nutenção Preventiva insipiente, baseada lheres neste tipo de tarefa).
na repetição de ações de manutenção Nascia assim a Manutenção Preventiva
primárias, tais como reaperto de parafusos como complemento à Manutenção Corre-

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tiva, e a função Manutenção começava, – eliminação das causas de falhas,


assim, a tomar uma importância dentro ou seja, toda falha tinha suas causas in-
das fábricas em nível da produção, apesar vestigadas, gerando contramedidas que
de ficar ainda a ela subordinada. evitassem sua repetição; e
Essa estratégia considerava a substi- – ações preventivas periódicas.
tuição, em caráter preventivo, de itens Essa filosofia de manutenção reduziu
que se desgastavam, visando prevenir ainda mais as falhas, mas não alcançou a
as avarias, e essa substituição era econo- falha zero, pois, com os novos métodos de
micamente justificada pela redução dos cálculo e de projeto desenvolvidos à época
fatores de segurança adotados e pelos e com a busca pela otimização causada
crescentes níveis de segurança exigidos pela acirrada competição no mercado, os
(por exemplo, indústria aeronáutica). equipamentos tornaram-se muito mais
A ambição de toda boa fábrica ao final complexos e sensíveis.
da Segunda Guerra Mundial era ter um Para muitas organizações atuais, essa
sistema de Manutenção Preventiva esta- estratégia de manutenção ainda é um
belecido. A área naval (principalmente estágio a alcançar. Os EUA exportaram
a US Navy) seguiu e desenvolveu tal tal estratégia para o Japão do Pós-Guerra,
tendência, sendo esta ainda utilizada hoje durante o período de reconstrução tutelada
em diversas instalações. pelos americanos, via George Smith, J.
No Pós-Guerra, na década de 1950, Juran e W. Deming [2] e [3].
as indústrias aeronáutica e eletrônica A partir de 1965, foi desenvolvida nos
sentiram a necessidade de utilizar méto- EUA e no Reino Unido a Manutenção
dos mais sofisticados para diagnosticar voltada para a Confiabilidade (RCM),
as falhas e para analisar as causas e os que, aceitando o insucesso da Manutenção
efeitos das avarias nos componentes e Produtiva na busca da falha zero, tentava
equipamentos, pois, em sistemas elétricos eliminar as consequências da falha. Ini-
e eletrônicos, a análise dos defeitos pode ciou-se na indústria aeronáutica americana
ser muito demorada e exigir um tempo (United e American Airlines) e propagou-
maior do que o do reparo propriamente -se para as áreas nuclear, militar e de
dito. Desenvolveu-se então o conceito de geração elétrica. A US Navy e a Royal
Engenharia de Manutenção, cujo papel Navy adotam, pelo menos parcialmente,
consiste em planejar e controlar a Ma- os conceitos do RCM, existindo normas
nutenção Preventiva. Criaram-se, para específicas sobre o assunto (MIL-STD e
desempenhar esta função, órgãos espe- NES-45) [4].
cializados, ainda vinculados à produção. Começaram a ser utilizados, cada vez
Entre 1950 e 1970, foi desenvolvido mais, instrumentos e técnicas de medição
nos EUA o conceito de Manutenção sofisticados e capazes de permitir a detec-
Produtiva, como um passo adiante em ção de sintomas numa fase muito inicial,
relação à Manutenção Preventiva da dé- mas suficiente para a previsão de ocorrên-
cada de 1940. Buscava a falha zero por cia de futuras falhas. O RCM tenta deter-
meio de [2] e [3]: minar as necessidades de manutenção de
– prevenção da manutenção, ou seja, um dado equipamento ou sistema a partir
as soluções de projeto que evitassem a da resposta a sete questões fundamentais:
necessidade de ações de manutenção 1) Qual é a função do equipamento e
(interface operador x projetista); desempenho necessário para que ele possa

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cumprir essa função em dado contexto zações denominadas “World-Class” tem


operacional? OEE superiores a 85%.
2) De que maneiras pode o equipamen- A implementação do TPM passa neces-
to falhar no ato de cumprir sua função? sariamente pelas seguintes etapas:
3) O que pode causar cada uma dessas – eliminação das seis grandes fontes
falhas? de perdas (avarias, ajustes excessivos
4) O que acontece quando cada uma e complexos, tempo morto e outras es-
dessas falhas ocorrem? peras, operação sob restrição, reduzida
5) De que forma cada uma dessas flexibilidade e tarefas não executadas
falhas se manifesta? adequadamente);
6) O que pode ser feito para prevenir – programa autônomo de manutenção
cada uma dessas falhas? para os condutores;
7) O que fazer se uma medida preven- – programa formal, estabelecido para
tiva não puder ser estabelecida? o setor de manutenção;
Também a partir de 1965 foi desenvol- – aprimoramento do pessoal na condu-
vida, no Japão, a Manutenção da Produ- ção e manutenção; e
tividade Total (TPM), como um passo à – programa de gerenciamento inicial
frente em relação à Manutenção Produtiva dos equipamentos.
na busca pela falha zero. Baseia-se na Visa incutir em todos as virtudes co-
cooperação, no esmero e na dedicação de nhecidas como “5S” (seiri = organização,
todos da organização, principalmente do seiton = esmero, seiso = apuro, seiketsu =
operador e da alta direção, nas atividades limpeza, e shitsuke = disciplina).
de manutenção. O TPM, a Qualidade Total A partir de 1970, foi desenvolvida no
e o Just-in-time formam o tripé responsável Reino Unido a terotecnologia, como res-
pelo impressionante desempenho industrial posta inglesa às estratégias de manuten-
do Japão a partir da década de 70 [ 5 ]. ção desenvolvidas nos EUA e no Japão.
Voltado inicialmente para a indústria de Baseia-se no anseio de minimizar o custo
produção seriada, o TPM virou “febre” no do ciclo de vida do equipamento. Esse
Ocidente, em todos os ramos de atividade, custo inclui o custo de obtenção (projeto,
inclusive em alguns para os quais não era especificação, aquisição, documentação e
adequado, e tenta obter a maior eficiência treinamento inicial), custos de operação,
global do sistema (meta de zero defeitos), custos das ações de manutenção (estoque
mediante 5 contramedidas básicas: de sobressalentes inclusive) [6].
– condições básicas de limpeza, lubri- A partir de 1975, os novos recursos
ficação e instalação; de monitoração, processamento de sinais
– procedimentos corretos de operação; e a redução substancial no preço dos
– reversão da degradação; computadores viabilizaram a Manutenção
– eliminação das fraquezas no projeto; e Preventiva Preditiva, na qual as ações de
– aprimoramento da capacitação de manutenção são planejadas em função
condução e manutenção. de avaliação do estado corrente da má-
Tem como propósito obter o maior quina. É conhecida por diversos nomes,
Nível Global de Eficiência (OEE) possí- como Condition-Based Maintenance,
vel. Este índice é definido por: Diagnostic-Based Maintenance, Condi-
OEE = (disponibilidade %) x (eficiên- tion Monitoring, Health Monitoring e
cia %) x (ritmo de operação %). Organi- Manutenção Sintomática.

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Período Tipo de manutenção Características

1750-1914 Manutenção improvisada Tipo "quebra-repara"

1914-1930 Manutenção Corretiva Sem planejamento, sem controle

1930-1950 Manutenção Preventiva + Corretiva Com planejamento, sem controle

1950-1970 Engenharia de Manutenção Com planejamento, com controle

Análise de sintomas
1970-atualidade Manutenção Preditiva Análise estatística
Processamento digital de dados

Medição contínua de sintomas com centros


Futuro Manutenção Preditiva Contínua
de diagnóticos

A partir de 1990, foram formuladas as CONCLUSÃO


bases formais da Manutenção Pró-Ativa,
que considera que a Manutenção Preditiva A prática da Manutenção Preditiva
é incompleta, pois só estabeleceria ações em Marinhas avançadas, como a Royal
de manutenção em função da iminência de Navy e a U.S. Navy, mostra que esta
falha. A Pró-Ativa, baseada em métodos não é uma abordagem a ser contemplada
similares aos da Preditiva, estabeleceria somente por empresas, mas também no
ações antecipadas que manteriam a esta- âmbito das Forças Armadas, no qual,
bilidade do sistema e inibiriam o início da sem dúvidas, a Marinha do Brasil é
ocorrência da falha. O conceito vem ga- precursora. Com investimentos em Ci-
nhando adeptos. A US Navy tem demons- ência & Tecnologia, o que requer que
trado algum interesse nessa direção [7]. os orçamentos permitam, tais técnicas,
Resumindo, verificam-se na tabela aci- mais e mais, chegarão para ficar, já que
ma as fases na evolução da manutenção. o tempo é o grande inovador.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<APOIO>; Manutenção;

REFERÊNCIAS

[1] SANTOS, J. Horta. Manutenção Preditiva. Núcleo de Treinamento Tecnológico¸UFRJ, 1996.


[2] MOBLEY, R. K. An Introduction to Predictive Maintenance. 2nd ed., Butterworth, 2002.
[3] Notas de aula da disciplina “Manutenção e Diagnóstico de Máquinas”, ministrada no CIAW.
[4] “Reliability Centred Maintenance”, Moubray, Butterworth Co.
[5]"Total Productivity Maintenance", Nakagima, Productivity Press.
[6] "Terotechnology and Maintenance Systems", British Standard 3811, 1984.
[7] "Handbook of Condition Monitoring", R. Rao.

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