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SUMÁRIO

ÉTICA | ENTREVISTA COM BRÔNIA LIEBESNY


SOBRE ATUAÇÃO EM TEMPOS DE COVID-19

Publicação do Conselho Regional de Psicologia


de São Paulo, CRP SP, 6ª Região
COTIDIANO | ORIENTAR, FISCALIZAR
Diretoria
E DIALOGAR NA PANDEMIA
Presidenta | Beatriz Borges Brambilla
Vice-presidenta | Ivani Francisco de Oliveira
Secretária | Raizel Rechtman
Tesoureiro | Rodrigo Toledo

ASSEMBLEIA ORDINÁRIA | PELA PRIMEIRA VEZ Conselheiras/os


EM AMBIENTE VIRTUAL Ana Paula Hachich de Souza, Annie Louise Saboya
Prado, Beatriz Borges Brambilla, Clarissa Moreira
Pereira, Edgar Rodrigues, Eduardo de Menezes
Pedroso, Emanoela Priscila Toledo Arruda, Ione
Aparecida Xavier, Ivani Francisco de Oliveira, Jessica
PERSPECTIVA DA/O USUÁRIA/O | A TRAJETÓRIA DE Tomaz da Costa Silva, Julia Pereira Bueno, Jumara
UMA EDUCADORA E PSICOPEDAGOGA TRANSEXUAL Silvia Van De Velde, Lauren Mariana Mennocchi, Lilian
Suzuki, Luana Alves Sampaio Cruz Bottini, Luciane de
Almeida Jabur, Maria da Glória Calado, Maria Mercedes
Whitaker Kehl Vieira Bicudo Guarnieri, Maria Rozineti
Gonçalves, Mônica Cintrão França Ribeiro, Mônica
Marques dos Santos, Murilo Centrone Fereira, Raizel
ARTIGO | PSICOLOGIA HOSPITALAR NO Rechtman, Rita de Cássia Oliveira Assunção, Rodrigo
CONTEXTO DO NOVO CORONAVÍRUS Toledo, Sarah Faria Abrão Teixeira, Sulamita Jesus de
Assunção, Talita Fabiano de Carvalho, Tatiane Rosa
da Silva

Realização
CAPA | PSICOLOGIA NA PANDEMIA Coordenação de Relações Externas CRP SP
Andréa Licht, Tiara Vaz Ribeiro
Estagiária Jaqueline Melo
Jornalista responsável Gabriela Moncau (MTB
0069610 SP)
Reportagens Guilherme Garcia, conselheiras/os
UM DIA NA VIDA | RELATOS SOBRE DESAFIOS e colaboradoras/es do CRP SP
ATUAIS DO ENSINO-APRENDIZAGEM Edição Guilherme Garcia, conselheiras/os
e colaboradoras/es do CRP SP
Direção de arte e Capa Paulo Mota
Fotos internas Divulgação, Arquivo CRP SP, iStock e
Freepik
SAÚDE MENTAL | A PREVENÇÃO DO SUICÍDIO Revisão CRP SP
Impressão Rettec Artes Gráficas e Editora Ltda.
Tiragem 121.000

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Rua Arruda Alvim, 89, Jardim América
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DE PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL Centro de Orientação | orientacao@crpsp.org.br
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Relações Externas | relacoesexternas@crpsp.org.br

Site
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ESTANTE | PARA ESTUDAR E COMPREENDER O ECA Sorocaba | tel. (15) 3211-6368, (15) 3211-6370
Vale do Paraíba e Litoral Norte | tel. (12) 3631-1315
E D I TO R I A L

A PSICOLOGIA EM
TEMPOS ADVERSOS

N este ano, com tantas adversidades, estamos


enviando um único JORNAL PSI. Esta edição
marca nosso compromisso em assegurar a orien-
psicológico com ética e compromisso social. Acima
de tudo, somos solidárias/os às milhares de vidas
perdidas em razão da Covid-19.
tação e o diálogo permanente com a categoria no Desde março de 2020 temos: (a) orientado a ca-
estado de São Paulo. tegoria com publicações consistentes para atuação
A pandemia do novo Coronavírus tem sido mar- com ética e compromisso social; (b) realizado articu-
cada por conflitos no campo da política, pauperi- lação permanente com as entidades e órgãos públi-
zação social, crescimento da precarização do tra- cos, orientando o governo com relação à atuação da
balho e do desemprego, ameaça à democracia e Psicologia como instrumento de enfrentamento da
aos direitos humanos. pandemia – visando a mitigação de riscos, conside-
Nós, psicólogas/os, fomos convocadas/os a atu- rando o cenário de emergência e calamidade públi-
ar na linha de frente nesta conjuntura. A pauta da ca; (c) articulado com órgãos públicos e movimentos
saúde mental foi evidenciada, especialmente pelas sociais na defesa de direitos; (d) disseminado infor-
consequências psicossociais da pandemia, o medo mação de qualidade e confiança para a categoria e
do vírus e da morte, a falta de informação de qua- a sociedade, fazendo das redes sociais do CRP SP
lidade, a ausência de medidas públicas efetivas, o uma importante fonte de dados e acolhimento.
isolamento prolongado e a desigualdade, afetando Portanto, essa edição é síntese do acúmulo de
ainda mais as populações já vulnerabilizadas. questões que nos afetam na profissão. Você po-
Nas diversas áreas de atuação – nos consultó- derá conferir matérias que refletem temáticas e
rios (por meio do atendimento virtual), nas políticas situações cotidianas de nossas vidas enquanto
públicas, no SUS – seguimos no trabalho presencial psicólogas/os.
construindo medidas de cuidado; no SUAS assegu- O XVI Plenário convida todas as pessoas a se
rando direitos de sobrevivência e acolhimento às somarem na construção desta gestão, participando
populações e enfrentamento das situações de vio- das atividades, grupos de trabalhos e comissões.
lência, em especial a doméstica; na educação com Construir uma profissão com fundamentação cien-
os desafios do ensino remoto e da desigualdade tífica, posicionamento ético-político e rigor é um
digital; no âmbito do Sistema de Justiça-Criminal dever comum. Desta forma, ecoamos: Psicologia é
denunciamos as situações de violações de direitos; para todo mundo, e se faz com Direitos Humanos!
nas organizações, mantendo o apoio a trabalhado-
ras/es. Mostramos à sociedade brasileira um fazer Desejamos uma boa leitura!

XVI Plenário do Conselho Regional


de Psicologia de São Paulo
ÉTICA

“PARA QUE E QUEM ESTOU


PRATICANDO A PSICOLOGIA
NESTE MOMENTO?”
Atuante na construção do Código de Ética
Profissional da/o Psicóloga/o, Brônia Liebesny
apresenta suas perspectivas frente a pandemia
Ilustração: iStock / Paulo Mota

A inda que 2020 não tenha terminado, já podemos


afirmar: será um ano que levaremos conosco.
Enquanto sujeitos e profissionais da Psicologia, en-
comprometida com os Direitos Humanos. Ela com-
partilha as suas perspectivas sobre o assunto:
Como é possível pensar a Psicologia na pers-
frentamos coletivamente o luto, o isolamento, o dis- pectiva do compromisso ético neste momento?
tanciamento social, as ausências, as adaptações, as Brônia: Independentemente da pandemia, os aspec-
incertezas, entre outros. Seguimos e seguiremos vi- tos éticos na atuação profissional não mudam. Continu-
venciando as suas marcas. Questões éticas profun- amos a ver o sujeito como um ser de direitos sociais, en-
das emergem e nos fazem pensar sobre o papel das/ tre eles o da saúde, onde nos inserimos. A pandemia, no
os psicólogas/os neste momento histórico. entanto, ressaltou formas de vivência muito específicas.
Para nos ajudar a pensar a atuação ética da Psi- Devemos, então, entender como as restrições associa-
cologia na pandemia, entrevistamos Brônia Liebesny. das à pandemia - o não acesso a informações fidedig-
Psicóloga há quase 50 anos, mestre e doutora em nas, as condições pessoais e familiares, de trabalho e
Psicologia Social, Brônia participou da elaboração do subsistência, etc - estão sendo subjetivadas pelos indi-
atual Código de Ética Profissional da/o Psicóloga/o, víduos, de modo que possamos entender suas necessi-
sendo figura ativa na construção de uma Psicologia dades psíquicas e, assim, atuar de forma ética e eficaz.

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O que é preciso considerar no exercício profis- em seu benefício, aprimorando seus critérios de pro-
sional num contexto de pandemia, onde são muitas cura da saúde. Também as instituições formadoras de
as possibilidades de inserção da Psicologia (nas psicólogas/os (universidades) devem ter responsabili-
políticas públicas, no campo hospitalar, da Assis- dade por esta contribuição à reflexão da sociedade,
tência Social, etc)? ao formar profissionais psicólogas/os críticas/os e
Brônia: A inserção da/o psicólogo/a nas diversas abertas/os às reflexões éticas e transformações so-
áreas se dá, primordialmente, por meio de sua par- ciais nesta direção.
ticipação em equipes multi e interprofissionais. Ne- Como você vê as práticas cotidianas da atuação
las, sua informação específica sobre os processos de das/os profissionais de Psicologia no cenário atual?
subjetivação da realidade pelos indivíduos auxiliará Brônia: Mais do que as próprias práticas - mas não
na leitura mais abrangente dessa realidade e das fora delas -, o compromisso ético é responsabilidade
ações possíveis para garantia dos direitos à saúde e da/o profissional psicóloga/o ao adaptar-se às novas
das condições para sua concretização. condições concretas sem perder o que está sendo
Como você entende que a Psicologia, na presta- chamado de “essencialidade da Psicologia”. Os sujei-
ção de serviços à coletividade, pode contribuir em tos de direitos, assim reconhecidos pela Psicologia,
situações de calamidade com compromisso ético e é que seriam a “essencialidade” dela; a Psicologia
em defesa dos Direitos Humanos? é instrumento, por meio de sua prática refletida, de
Brônia: Em primeiro lugar e, primordialmente, no transformação da/o própria/o psicóloga/o e dos su-
reconhecimento dos sujeitos como cidadãos de jeitos dessa sua prática. Manter o compromisso ético
direitos. No caso, no reconhecimento à saúde e, parte de uma reflexão básica: para quê e quem estou
portanto, às condições de existência que lhes per- praticando a Psicologia neste contexto?
mitam tê-la. Isso significa, por exemplo, o acesso Como você avalia a utilização de tecnologias
do sujeito às informações pertinentes por parte da informação e da comunicação (RESOLUÇÃO Nº
das instituições públicas e o reconhecimento e o 04/2020) neste cenário?
acolhimento do sofrimento subjetivado. De modo a Brônia: A responsabilidade pela manutenção do
permitir ao serviço público a possibilidade do me- compromisso ético da Psicologia nos processos de
lhor desenho de atendimento; e ao indivíduo, a pos- trabalho está na/o profissional psicóloga/o. A ela/e
sibilidade de acesso e compreensão de seu proces- cabe a reflexão sobre a escolha das tecnologias,
so como sujeito social. com respeito aos indivíduos e a certeza de que os
Você considera que os Princípios Éticos da Psi- princípios fundamentais do Código de Ética Profis-
cologia e o compromisso na defesa de Direitos Hu- sional estejam presentes nas relações estabelecidas
manos têm contribuído para a reflexão da socieda- nos meios selecionados. Estes itens não devem ser
de frente aos dilemas atuais? transgredidos em nome da utilização da tecnologia.
Brônia: Este é um dado difícil de quantificar, mas, O atendimento on-line até há pouco só se referia a
com certeza, percebe-se um caminho trilhado no tem- situações específicas e especiais. Agora é um novo
po para esta direção. Há maior inserção - que ainda modus operandi nas relações, que poderá continuar
poderia ser maior - da/o psicóloga/o nas instituições a ser útil em determinadas situações. Pessoalmente
de atendimento público e privado à saúde, à educação não creio, no entanto, que poderá substituir todos os
e à assistência. Há maior aceitação de informação dos níveis de relações entre a/o profissional psicóloga/o e
órgãos de representação (Sistema Conselhos) ao pú- os sujeitos (grupos, instituições, pares). Porém, como
blico, em meios reconhecidos que se preocupam em todas as inovações e renovações, após reflexões re-
chamar profissionais vinculados a reflexões e práticas sultantes deste período excepcional, uma avaliação
promotoras de protagonismo do sujeito para sua saú- conscienciosa nos dará o respaldo para construção
de. A informação sobre as boas práticas psicológicas da moldura possível a novas formas de atuação, res-
pode ajudar o cidadão a reconhecer os objetivos delas peitados os princípios éticos da profissão.

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COT I D I A N O

ORIENTAR,
FISCALIZAR
E DIALOGAR
NA PANDEMIA
Desafios, aprendizados e enfrentamentos
do CRP SP em 2020
Ilustração: iStock / Micael Melchiades / Paulo Mota

M al passou o Carnaval e o ano de 2020 mostrou


que seria difícil e histórico. Para além da ca-
lamidade sanitária, no Brasil vivemos uma série de
“Temos pensado em nossas ações de orientação
e fiscalização a partir do investimento em tecnolo-
gias de informação e comunicação, de modo a am-
embates recentes. Entre eles, as eleições munici- pliar as possibilidades de participação e aproximação
pais, as disputas em torno da vacina, as queimadas, da categoria”, destaca Beatriz Brambilla, presidenta
as denúncias de corrupção, o apagão no Amapá, o do CRP SP, sobre alguns dos aprendizados da gestão
aumento da desigualdade social, a crescente preca- durante este ano. “Outras questões dizem respeito
rização do trabalho, além de avanços e retrocessos à Psicologia enquanto atividade essencial nesse mo-
em diversas áreas. mento e também possibilidade efetiva de garantia de
Durante o primeiro semestre, frente as imposi- direitos e promoção de saúde”, elenca. Para Bram-
ções resultantes do período mais agudo da pan- billa, a defesa da democracia “e a certeza de que a
demia, o Conselho organizou-se e atuou estrate- Psicologia para todo mundo se faz com políticas pú-
gicamente em cinco eixos: Atendimento e Gestão blicas” são pontos centrais da atuação do Conselho,
Administrativa; Orientação à categoria; Diálogo com “ao reconhecer as diferenças e desigualdades que
a Sociedade; Gestão da pandemia na perspectiva marcam e estruturam a nossa sociedade”.
das Emergências e Desastres e Gestão com Auto-
ridades e movimentos sociais. O atendimento administrativo à categoria
Desde março trabalhando de forma remota, o Com a implementação da plataforma de Atendi-
CRP SP tem experimentado, por um lado, desafios mento On-Line (Resolução CFP 05 de 07/04/2020), as
demandados pelo novo contexto. Por outro, a firme demandas de serviços remotos aumentaram. De abril
manutenção de seus posicionamentos diante de te- até setembro 4.155 atendimentos on-line foram reali-
mas tão importantes à Psicologia. zados e 48.111 e-mails respondidos.

6 Conselho Regional de Psicologia de São Paulo


Entre janeiro e outubro foram feitas 7.863 novas Foram fundamentais a discussão, sistematiza-
inscrições de profissionais. Para dar suporte as/aos ção e a rápida disponibilização das orientações à
novas/os inscritas/os, foi criado o “CRP Acolhe”, alter- categoria por meio dos canais de comunicação do
nativa on-line às cerimônias de entregas das Cartei- CRP SP. Entre elas, inaugurou-se a campanha “CRP
ras de Identidade Profissional (CIP), que visa acolher e Responde”. Você pode conferir as principais dúvidas
apresentar as atribuições do CRP SP, a gestão do XVI e respostas na matéria de orientação, nas páginas 24
Plenário e orientar as/os novas/os inscritas/os sobre e 25 desse jornal.
o exercício profissional.
Com o aumento significativo de envio de e- Resoluções, Portarias e demais documentos
-mails, o endereço eletrônico do CRP SP passou a O contexto da pandemia impactou significativa-
ser identificado por alguns provedores como SPAM mente as questões normativas legislativas do CRP
e lixo eletrônico, o que tem demandado ações mo- SP e do Sistema Conselhos como um todo. Foram
bilizadoras da autarquia. Entre elas, a orientação produzidos mais de 450 documentos para diversos
para que as/os psicólogas/os verifiquem também o fins. Dentre eles estão a recomendação da adoção
SPAM e lixo eletrônico de seus e-mails. de medidas sanitárias para atuação em proteção so-
cial e geração de trabalho e renda na pandemia, en-
Prezando pela atuação ética da profissão viada ao Governo do Estado de São Paulo; bem como
Para atender as funções essenciais de orientar, as resoluções e portarias que buscam dar o aporte
fiscalizar e zelar pela ética da Psicologia, a Comissão necessário para os trabalhos das/os psicólogas/os,
de Orientação e Fiscalização (COF) e a Comissão de o funcionamento do próprio Conselho e a garantia da
Ética (COE) estiveram em constantes alinhamentos, melhor representação dos interesses e necessidades
discussões e diálogos com o Sistema Conselhos de da categoria na autarquia em tempos tão difíceis.
Psicologia para a elaboração de orientações para a Entre as novas normas criadas destacamos a
atuação profissional na pandemia. Resolução CFP 04/20 (que regulamenta a pres-
No primeiro trimestre de 2020 tramitaram 820 tação de serviços psicológicos por meio de tec-
Processos Éticos e Ordinários na Comissão de Ética; nologia da informação); a Resolução CFP 05/20
36 processos foram encaminhados à Mediação; 24 (que possibilitou o atendimento administrativo
novas representações foram analisadas e a Plenária durante a pandemia); a Resolução CFP 09/20
apreciou 29 processos. No segundo trimestre, a tra- (que trata sobre a Avaliação Psicológica); e a
mitação de processos foi suspensa pela impossibili- Recomendação CNS 48 07/20 (sobre estágios e
dade de circulação em meio físico. práticas na área da saúde).
A COE, então, avançou em discussões sobre ética Em defesa das políticas sociais consideradas
e mediação em diferentes espaços (transversalida- prioritárias durante a pandemia, foi criada uma se-
de), com revisão de fluxos e protocolos de trabalho ção especial no site da autarquia: o CRP Apoia. Lá
para adaptação à nova norma de tramitação proces- estão organizadas todas as cartas abertas lança-
sual (Código de Processamento Disciplinar - CPD) e das pelo Conselho.
estudos para a implantação de um novo sistema.
O período de pandemia despertou angústias e in- A comunicação com as/os psicólogas/os e
certezas na população, além de trazer à tona ques- a sociedade
tões sociais nos âmbitos familiares, profissionais e O CRP SP tem intensificado suas produções e di-
relacionais, exigindo acolhimento. Os serviços psi- álogos com a categoria e a sociedade. Foram mais
cológicos aumentaram significativamente suas de- de 12 milhões de pessoas alcançadas nas redes so-
mandas e uma preocupação do CRP SP foi fornecer ciais e 250 novos artigos publicados no site de janei-
subsídios para que a prática profissional pudesse se ro a setembro deste ano.
adaptar para continuar ocorrendo com a ética e a As lives inauguraram novo formato de comunica-
qualidade necessárias. ção, com debates semanais transmitidos ao vivo nos

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canais do Conselho. As rodas de conversa on-line Para além destas campanhas, foram realizadas
abriram novas possibilidades de diálogos da Psico- atividades evidenciando a importância do Mês do Or-
logia, conectando psicólogas/os de todo o estado de gulho LGBTQIA+, da Luta Antimanicomial, da Lei Bra-
São Paulo para trocas sobre assuntos de pertinência sileira de Inclusão (LBI) em seu 5º aniversário e de im-
ampla e também territorial. O site especial “O Coro- portantes datas do calendário dos Direitos Humanos.
navírus e a Psicologia” foi lançado no início da pan-
demia, para informar e orientar as/os psicólogas/os. Enfrentamentos: lógica capacitista
A campanha #COVIDNaReal, por meio de conte- entranhada na “nova” Política
údos com linguagem acessível, informativa e didáti- de Educação Especial
ca, ocupou-se de mobilizar o público em geral sobre Em setembro, o governo federal emitiu o Decreto
os impactos psicossociais da pandemia na vida das nº 10.502, que institui a “Política Nacional de Educa-
pessoas. Buscou-se também uma maior aproxima- ção Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendiza-
ção com a imprensa, fornecendo entrevistas para do ao Longo da Vida” que carrega, em seu conteúdo,
veículos e canais de comunicação por meio da se- o contrário do que o título expressa. Em oposição
ção CRP SP na Mídia. ao modelo pautado na inclusão das pessoas com
deficiência, o decreto visa à segregação – referida
Outras campanhas e ações no documento como “os que não se beneficiam da
Ao longo deste ano, o Conselho se engajou em 20 escola regular” –, separando os que devem e os que
campanhas com o intuito de informar a categoria e não devem frequentar o ensino regular, barrando o
discutir temas pertinentes à classe e a toda a socie- acesso compulsório e ferindo o direito à educação
dade. Entre elas, a campanha de 30 anos do Estatuto equitativa e inclusiva.
da Criança e do Adolescente (ECA+30, a Gente Luta, “Nós, pessoas com deficiência, não fomos consul-
A Gente Brinca); a Prevenção ao Suicídio; a campanha tadas sobre a elaboração do decreto”, atesta a psi-
Saúde Mental é para todo Mundo e se faz com Di- cóloga Natália Luiza Barnabé, portadora de atrofia
reitos Humanos; Saúde Mental da População Negra muscular espinhal e participante da série de vídeos
Importa; A Psicologia antirracista é para todo mundo organizada pelo CRP SP em campanha contra o de-
e se faz conscientizando e 16 Dias de Ativismo pelo creto. Em outro vídeo, Melissa Mascarenhas, psicólo-
Fim da Violência contra as Mulheres. ga e pessoa com deficiência física, classifica o decre-
Para compreender as questões e percalços na to como “um retrocesso no ensino para a população
atuação profissional diante da pandemia, uma pes- com deficiência no que diz respeito ao desenvolvi-
quisa respondida por quase cinco mil psicólogas/os mento e à manutenção dos aspectos afetivos, de
inspirou a criação da Mostra de Práticas de Psicologia socialização, psicomotores e cognitivos”. A psicóloga
na Pandemia. A Mostra aconteceu em agosto e este- Mirian Carolina Ferreira, também pessoa com defici-
ve associada às atividades do Dia da/o Psicóloga/o, ência, alerta que “uma vez que matrículas de estu-
com o intuito de promover a troca de conhecimentos dantes com deficiência não sejam mais compulsórias,
e experiências e produzir memória social nesta situa- criar ambientes educacionais acessíveis e adaptados
ção de calamidade pública. Confira alguns dos relatos deixarão de ser uma urgência”.
na matéria de capa dessa edição do Jornal Psi. Maria Rozineti, psicóloga e presidenta da COF
Também no Mês da/o Psicóloga/o, em que a re- do CRP SP, caracteriza o decreto como “pautado no
gulamentação da profissão no Brasil completou 58 modelo biomédico – que desconsidera a avaliação
anos, foram veiculadas publicações sobre o vínculo biopsicossocial prevista na Lei Brasileira de Inclusão
indissociável entre Psicologia e Direitos Humanos, (LBI) e na Classificação Internacional de Funciona-
tema debatido na live especial “Psicologia em tem- lidade”. Assim, considera que essa política reforça
pos de pandemia”. Além disso, lançou-se um manifes- uma “lógica patologizante e medicalizante em rela-
to pela pluralidade humana em nome da Psicologia, ção à pessoa com deficiência e recupera um viés po-
publicado na imprensa. pulista, discriminatório, segregador e mercantilista

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estados, distrito federal e municípios vinculados
à educação por força do disposto no artigo 212 da
Constituição Federal”.
Mesmo com resistência de uma parcela conser-
vadora, em julho, a Câmara dos Deputados apro-
Ilustração: Freepik / Paulo Mota

vou a PEC 15/2015 que tratava do Novo Fundeb.


No mês seguinte, ela foi aprovada por unanimidade
também no Senado.
Ainda que tenha sido garantida a verba pública
ao atender a uma parcela do mercado da educação para a educação básica em 2021, a luta ainda não
especial, além de desresponsabilizar o Estado de está ganha. Apesar de aprovada, a PEC precisa ser
investimento e garantia de uma educação pública regulamentada para garantir que seja aplicada de
para todas/os”. maneira justa, com distribuição de verbas para os
Nessa perspectiva e em defesa da Política Nacio- municípios de acordo com suas necessidades, sem
nal de Educação Especial na Perspectiva da Educa- penalizar os municípios com “menor desempenho”.
ção Inclusiva (PNEEPEI, 2008), o CRP SP tem atuado Esse aspecto é fundamental pois dele depende a
em diversas frentes. Entre elas, oficiando ministérios, efetiva aplicação da Lei 13.935/2019, que tem im-
solicitando a realização e audiências públicas; mobi- plicação direta para a Psicologia.
lizando deputados e senadores; produzindo campa- A Lei 13.935/2019, aprovada como fruto de uma
nhas de orientação e posicionamento à sociedade mobilização de duas décadas, prevê a presença da
e à categoria, além do diálogo com movimentos so- Psicologia e do Serviço Social na educação básica.
ciais, entidades parceiras, órgãos de controle social, Sancionada em 11 de dezembro de 2019, a Lei 13.935
universidades e institutos de pesquisa. segue sem ser implementada pelo Governo do Es-
. tado de São Paulo. Assim, entidades da Psicologia,
Fundeb e Lei 13.935/2019 do Serviço Social e da Educação têm se articula-
Ainda na área da educação, uma mobilização do do no “Comitê Estadual pela Implementação da Lei
CRP SP em conjunto com diversas entidades – como 13.935/19” por meio do qual demandamos diálogo
o CFP, o CFESS e o CRESS SP – pela aprovação do com o governo estadual.
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Edu- “O CRP SP se compromete a seguir articulando es-
cação Básica e de Valorização dos Profissionais da tratégias de defesa de direitos”, afirma Beatriz Bram-
Educação, o Fundeb, foi vitoriosa. Como explica a psi- billa: “especialmente diante das arbitrariedades do go-
cóloga e conselheira Lilian Suzuki em um dos vídeos verno brasileiro que não adotou medidas suficientes
do CRP SP que integrou a campanha nacional #Vo- para a o enfrentamento da Covid-19 e das consequ-
taFundeb, trata-se de “um fundo formado por recur- ências na vida da população brasileira, especialmente
sos provenientes dos impostos e transferências dos pessoas negras, pobres, idosas e mulheres”.

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ASSEMBLEIA ORDINÁRIA

CRP SP REALIZA
PRIMEIRA ASSEMBLEIA
GERAL ORDINÁRIA

Ilustração: iStock / Micael Melchiades


DE MODO VIRTUAL
Proposta de anuidade, taxas e emolumentos
para 2021 foram as pautas prioritárias
do evento realizado em setembro

A Assembleia Geral Ordinária foi feita de modo on-


-line nesse ano tão extraordinário. Por meio de
pandemia de Coronavírus no país. “Nossa profissão
tem se colocado na linha de frente para garantir di-
uma ferramenta de gestão especializada, operando reitos, promover saúde e cuidado para toda a popu-
em ambiente seguro e amplamente documentado, lação”, ressaltaram. O evento foi transmitido ao vivo
psicólogas/os se conectaram no dia 25 de setembro e segue disponível no canal do CRP SP no YouTube.
às 19h para deliberar sobre a proposta de anuidade,
taxas e emolumentos para o ano de 2021. Anuidade
Conforme previsto na lei, estiveram habilitadas/os Diante das dificuldades financeiras decorrentes
para o voto as/os psicólogas/os com registro ativo da crise sanitária, e considerando as Leis 5.766/71 e
e obrigações junto ao Conselho em dia até o ano de 12.514/11 que não permitem a isenção da anuidade,
2019 (quites ou em negociação) e também as/os psi- o CRP SP, apresentou dois cenários possíveis para
cólogas/os inscritas/os em 2020. Participaram 235 votação. Um deles com o reajuste legal pelo Índice
psicólogas/os habilitadas/os para votar. No momen- Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e outro
to da votação, havia 154 votantes. com a manutenção da anuidade de 2020. A proposta
“Estamos vivendo um momento – inclusive para de manutenção do valor da anuidade sem reajustes
a Psicologia – muito importante”, afirmaram Rodrigo foi aprovada por 84,4% das/os votantes presentes;
Toledo, conselheiro e tesoureiro do CRP SP e a con- 9,1% votaram pelo reajuste da anuidade; 1,9% se
selheira presidenta Beatriz Brambilla na abertura do abstiveram e 4,5% não votou. Os valores de anuidade
evento, ao mencionarem o impacto e a letalidade da para 2021, portanto, permanecem da seguinte forma:

Pessoa física*: R$ 483,70 Taxas e emolumentos:


Inscrição pessoa física: 10% da anuidade,
Pessoa jurídica*:
corresponde a R$ 48,37
Capital até R$ 50.000: R$ 742,91
Capital de R$ 50.000 até R$ 200.000: R$ 1.479,18 Inscrição pessoa jurídica: 35% da anuidade,
Capital de R$ 200.000 até R$ 500.000: R$ 2.215,43 conforme valores ao lado
Capital de R$ 500.000 até R$ 1.000.000: R$ 2.863,10 Segunda via CIP: 4% da anuidade,
Capital de R$ 1.000.000 até R$ 2.000.000: R$ 3.687,95 corresponde a R$ 19,34
Capital de R$ 2.000.000 até R$ 10.000.000: R$ 4.424,00 Descontos novos inscritos (Resolução 001/12, § 6),
Capital acima R$ 10.000.000: R$ 5.896,72 20% da anuidade, corresponde a R$ 96,74
*Pagamento em até 5 parcelas conforme previsto Para emitir o boleto bancário, basta acessar
pela Resolução CFP nº 06/2020 anuidade.crpsp.org.br

10
P E R S P E C T I VA D A / O U S U Á R I A / O

“VOU LUTAR
ATÉ O FIM DA
MINHA VIDA”
Alexandra viveu as violências
estruturantes que atingem as mulheres
trans. Com assistência psicológica e
novos afetos, refez sua trajetória.
Alexandra hoje é ativista pelos direitos das pessoas LGBTQIA+.
Fotos: Arquivo Alexandra Braga

N em mesmo a pandemia foi capaz de diminuir as


violentas mortes de travestis e mulheres tran-
sexuais no Brasil. Ao contrário: o boletim de violên-
“Foi um período difícil, mas me fez forte”
“Sou uma mulher transexual de 42 anos. Chegar
a essa idade assim, com um lar, um esposo e um ca-
cia contra a população trans da ANTRA (Associação chorrinho, como educadora e respeitada em todos
Nacional de Travestis e Transexuais) registrou, nos os lugares, é uma raridade. Quando me perguntam
primeiros quatro meses deste ano, o maior índice de se preciso de mais direitos, digo que sim: qualquer
homicídios de travestis e mulheres transexuais des- pessoa, por mais que seja estruturada socialmente,
de 2017: 64 assassinatos oficiais. precisa deles. Hoje eu olho especialmente para aque-
Uma pessoa trans no Brasil vive, em média, até les que ainda vivem à mercê no país que mais mata
os 35 anos, enquanto a expectativa de vida da po- mulheres transexuais e travestis. Vou lutar até o fim
pulação em geral é de 75,5 anos. As violências contra da minha vida”, afirma Alexandra em meio a lágrimas
essa parcela da população são tantas, e seus nú- no seu apartamento.
meros tão impressionantes, que por vezes é preciso Aos 16 anos, Alexandra comunicou oficialmente
lembrar que por trás das estatísticas há nomes, ros- à mãe que é transexual. A reação não foi a espera-
tos, sonhos interrompidos e pessoas em luto. da e envolveu agressões físicas e verbais. “Ela dis-
Alexandra Braga é psicopedagoga, professora da se que eu não era mais sua filha. Naquela época, mal
rede municipal e moradora de Mogi das Cruzes, São se falava sobre isso. Foi muito difícil. Minha mãe era
Paulo. Alexandra nasceu Anderson. Como parte das simplesmente um mecanismo dessa sociedade que
estatísticas, sofreu o ciclo de violências estruturan- exclui por orientação sexual e identidade de gênero,
tes que costuma recair sobre as mulheres trans: vi- que acredita que se você não for aquilo que nasceu
veu a rejeição familiar, as agressões físicas e verbais pra ser, não é mais ninguém. Essa situação está mu-
nas ruas, o trabalho sexual e a precarização de suas dando graças à militância. Não aceitamos mais pre-
condições de existência. Com assistência psicológica conceitos, estamos buscando formas de mostrar
e novos afetos, refez sua trajetória. Alexandra conta que somos diferentes, que temos o direito de sermos
a sua história ao Jornal Psi. quem somos”, declara.

11
Fotos: Arquivo Alexandra Braga

Apesar das reações contrárias e do isolamento na Em sentido horário: Alexandra em um ato político; dançando no
Zumbi dos Palmares; em evento de música em Mogi das Cruzes;
própria casa, Alexandra continuou residindo com a famí- na Virada Cultural e no programa de TV “Caldeirão do Huck”.
lia. Vivendo em turnos opostos aos dos pais e irmãos,
enquanto todos dormiam durante a noite, ela trabalhava. Novas possibilidades
O trabalho sexual segue como destino para 90% A rotina de Alexandra começou a mudar: gradu-
das travestis e mulheres transexuais no Brasil. Ape- almente, deixou o trabalho sexual e buscou outros
nas 4% da população trans feminina atua em empre- caminhos. Retomou os estudos, que haviam sido in-
gos formais, com possibilidade de promoção e pro- terrompidos quando revelou sua identidade transgê-
gressão de carreira. Não foi diferente com Alessandra: nero. Alexandra completou o Ensino Médio com Alex
“Aonde eu iria conseguir emprego? Fui para a noite e lá em um programa de Educação para Jovens e Adultos.
trabalhei por alguns anos. Foi um período difícil, mas A escola teve um papel decisivo ao acolher o casal.
me fez forte”. O rompimento com um companheiro, Mais que mérito pessoal, a história de Alexandra e
que trabalhava com a venda ilegal de drogas, sensi- do acolhimento que receberam na escola demonstra
bilou Alexandra sobre as suas potencialidades: “Certo como uma sociedade inclusiva é aquela que garante
dia, ele disse que ali não era o meu lugar. Que eu tinha a todas as pessoas o acesso a direitos.
condições de tomar outro rumo. Para tentar me tirar No livro de chamadas, os professores foram orienta-
de lá, rompeu comigo”, conta Alexandra, que tinha, en- dos a utilizar o nome Alexandra, que naquele momento
tão, 20 anos. Ela seguiu trabalhando nas ruas. ainda tinha sua documentação com o nome masculino.
Uma noite foi socorrer uma colega e acabou sen- “Isso foi importante para mim”, lembra. Concluída essa
do agredida com um soco no nariz. Um homem que etapa, Alexandra obteve bolsa para cursar a graduação
passava de carro parou para socorrê-la. Dirigiram-se em Pedagogia. Na sequência, ingressou na pós-gradua-
ao hospital. Ao sair do atendimento, Alexandra viu ção, unindo sua paixão por ensinar a outra, a Psicologia,
que o homem a esperava para levá-la à casa dela. O e concluiu o curso de Psicopedagogia. Pouco a pouco,
encontro terminou com um selinho. “Pensei: ‘Que coi- Alexandra refez o vínculo com a família. Almoçavam jun-
sa estranha’”, lembra. O reencontro aconteceu dias tos e ela voltou a participar dos passeios familiares.
depois: ela trabalhando em uma casa noturna, ele Havia, contudo, uma questão que, se não é necessa-
distribuindo material da escola de informática onde riamente motivo de incômodo para todas as mulheres
atuava. Alexandra e Alex estão juntos há 20 anos. trans, para Alexandra era causa de intenso sofrimento: a

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vontade de passar pela cirurgia de redesignação sexual
(CRS). “Estava feliz porque outras questões estavam se
resolvendo. Mas o pênis sempre foi uma tortura. Quando
eu ia ao médico, por exemplo, era constrangedor. Eu pre-
cisava me livrar do que me trazia dor”, lembra.

Apoio psicológico
Alexandra não conseguia se olhar no espelho e seu
corpo inibia a intimidade com o seu parceiro. “Eu cho- Bastidores da gravação de um programa de TV.

rava muito por isso. Estava lá, no meio de uma festa,


e, de repente, vinha o choro em razão da minha condi- A cirurgia, uma das pioneiras no Hospital das Clíni-

Fotos: Arquivo Alexandra Braga


ção”. O desespero motivou três tentativas de suicídio, cas, foi bem-sucedida. Alexandra adaptou-se rapida-
o que levou Alexandra a procurar apoio psicológico. mente ao seu novo corpo. Em sua opinião, o processo
“Eu sempre questionei muito a Deus sobre a razão foi fundamental para a auto-aceitação, melhora na
de ele ter me feito assim. Aí o psicólogo me deu uma al- saúde e no bem-estar.
mofada e disse que ela era Deus. Eu deveria falar tudo Seis meses depois, um novo evento impactou a vida
o que queria para ela. Depois, eu era Deus; e a almofa- de Alexandra: a participação em um programa de TV
da, Alexandra. Foi um exercício interessante”, diz ela, que deu visibilidade nacional a sua história. A partir daí, ela
saiu da consulta com indicação para ir ao Hospital das ampliou seu papel como porta-voz na luta pelos direi-
Clínicas, do Sistema Único de Saúde (SUS), em São Paulo. tos LGBTQIA+, chegando a participar de um documen-
Alexandra foi ao hospital com a expectativa de fa- tário no canal National Geographic, da série Tabu Brasil.
zer a redesignação sexual o quanto antes, mas, entre a Acompanhada de Alex e do pequeno cão Bruce,
primeira visita e o procedimento médico, foram anos de Alexandra conclui sobre a sua vida: “Hoje me sin-
preparação envolvendo encontros semanais – em grupo to respeitada. Posso estar em qualquer ambiente e
e individuais – com psicólogos e psiquiatras. A etapa com conviver com qualquer pessoa. Acho que a sociedade
acompanhamento especializado, segundo ela, foi funda- tem entendido que sou uma mulher transexual, e que
mental para se conhecer e ter a certeza da decisão. isso é uma questão minha. Felizmente, posso estar
Ao mesmo tempo, vale ressaltar que a despatolo- até em uma sala de aula, educando os filhos dessa
gização das identidades trans leva a sociedade a criar sociedade que um dia me discriminou”, afirma.
novas condutas, menos medicalizantes e sem a compul- Alexandra é vice-presidenta da Associação Fórum
soriedade da presença de psicólogas/os no processo. Mogiano LGBT, da qual também é uma das fundadoras.
“Foi um processo importante. Tive acompanha- Pretende, em um futuro não distante, ingressar na car-
mento para a terapia hormonal, o que antes fazia por reira política pelas vias tradicionais. Quer transformar
conta própria, com todos os riscos que isso traz. Fui aspirações em projetos e políticas públicas perenes e
me entendendo, sabendo que a cirurgia não iria mu- capazes de possibilitar mudanças na vida de quem é
dar tudo num passe de mágica, que minha história constantemente levado a rejeitar a própria existência.
continuaria ali, que seguiria como mulher trans, po- Alexandra acredita que as trajetórias de pessoas com
rém com melhor qualidade de vida, já que estaria me orientação sexual não normativas podem ser, espe-
sentindo completa como eu me vejo socialmente”. cialmente hoje, mais saudáveis que a sua.

Dia 29 de janeiro é o Dia Nacional da Visibilidade Trans. Também foi a ocasião do lança-
mento do Documento de Orientação CRP 06 Nº 002/2019, sobre a atuação profissional de
psicólogas/os no processo transexualizador e demais formas de assistência às pessoas
trans, baseado na Resolução CFP 01/2018. O lançamento contou com eventos realizados
na sede e subsedes, com rodas de conversa e apresentação artística do Slam Marginália.
Um dos trechos do documento elucida: “Quando refletimos sobre a subjetividade humana,
logo nos deparamos com profundas facetas que versam sobre o processo de construção
da identidade. Nossa cultura tem imposto compulsoriamente modelos de identidade cis
normativas que historicamente patologizam e estigmatizam pessoas trans e pessoas não-
-binárias, produzindo sofrimento, dor, preconceito e violência contra essa população”.

13
ARTIGO

O TRABALHO DA/O PSICÓLOGA/O


NO CONTEXTO HOSPITALAR EM
TEMPOS DE CORONAVÍRUS
Por M. Cristina Miyazaki e psicólogas/os do Serviço de
Psicologia da FUNFARME e Departamento de Psicologia
da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto

Imagens: iStock / Paulo Mota


A pandemia do novo Coronavírus impôs mudanças
no estilo de vida das pessoas e provocou inúme-
ras perdas e inseguranças, acarretando consequên-
Trabalhar na área da saúde é, por si só, um impor-
tante estressor. A pandemia aumentou a sobrecarga
das/os profissionais e os hospitais precisaram se re-
cias psicológicas, sociais, econômicas e políticas. organizar para atender a nova demanda. Os relatos
Os hospitais modificaram sua rotina para atender de algumas/uns psicólogas/os que integram o Servi-
um número crescente de pacientes. A ausência de ço de Psicologia FUNFARME/FAMERP ajudam a com-
vacinas e de um tratamento efetivo fez com que inú- preender como tem sido a experiência.
meros países adotassem medidas de isolamento so-
cial, fechando escolas, estabelecimentos comerciais A., psicóloga da equipe de oncologia - No início,
e serviços não essenciais. houve muita insegurança. Nos questionávamos como
Estudos sobre o impacto da pandemia sobre a saú- chegaria a onda de contaminação no interior, como
de mental da população ainda estão sendo realizados. seria o atendimento a essa demanda, se teríamos
Entretanto, os dados já existentes indicam repercus- estrutura, profissionais, EPIs (máscaras, aventais,
sões negativas sobre a saúde mental da população e óculos, protetores faciais e luvas) suficientes. A reor-
das/os profissionais trabalhando na linha de frente do ganização do hospital foi acontecendo aos poucos,
enfrentamento à doença e aos seus efeitos. mas começou na oncologia. Nós tínhamos um novo
Os relatos a seguir descrevem a atuação de psicó- andar, reformado recentemente só para a enferma-
logas/os de um complexo hospitalar que inclui Hos- ria da oncologia clínica, com a equipe interdisciplinar
pital de Base, Hospital da Criança e Maternidade e montada há dois meses. Tudo estava funcionando
ambulatórios. Localizado em São José do Rio Preto, como um setor estruturado. A primeira mudança no
São Paulo, o complexo é também um hospital escola hospital foi transformar a enfermaria de oncologia
de cursos de graduação em Medicina, Enfermagem e em enfermaria para pacientes da Covid-19. Foi muito
Psicologia. estressante para todos nós...

14
A atuação de profissionais da área da saúde envolve L., atendimento a pacientes na enfermaria - O que
longas horas de trabalho, contato frequente com pesso- mais incomodava [a paciente] era o fato de não conse-
as doentes e com a morte, além de condições de traba- guir realizar coisas básicas. Ela teve uma crise de an-
lho muitas vezes aquém do ideal. Além da pandemia, que siedade na madrugada porque não conseguiu se virar
já é um importante estressor, as/os profissionais preci- na cama. Ela foi se virar, sentiu falta de ar e entrou em
saram se adaptar a novas condições de trabalho. desespero. Teve uma crise de pânico e a equipe solici-
O estresse é uma reação do organismo frente a tou atendimento psicológico. O atendimento envolveu
situações de ameaça e coloca o indivíduo em alerta relaxamento e mudança de pensamentos disfuncio-
para lidar com o problema. O estresse excessivo rela- nais. Gradualmente a equipe conseguiu tirar o oxigênio
cionado ao trabalho é denominado burnout. Mudan- da paciente, que percebeu que podia respirar sozinha.
ças inesperadas no ambiente de trabalho, como a vivi-
da por A., podem causar estresse. Assim, psicólogas/ A.P. Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) - No início
os da própria instituição realizam atendimentos com eu ficava fora da UTI. Fiz muitos atendimentos de famí-
as/os profissionais da saúde. lias por chamadas por vídeo. Era difícil porque eu estava
fora da UTI, dando trabalho para os profissionais que
O., atendimento a profissionais da saúde - Por me- estavam dentro da UTI. Aí chegou um momento em que
ses estava ansioso pela oportunidade de voltar a atu- resolvi entrar. Pensei: como não estar lá com a equipe
ar no mesmo hospital onde, vinte anos antes, comecei com quem eu trabalho há mais de vinte anos? Entrei
minha jornada. Finalmente, em fevereiro definiu-se a com muito medo, foram dias angustiantes. A primeira
contratação. Inicialmente seriam algumas horas de vez que entrei colhi exame porque tinha certeza que
trabalho semanais voltadas para o atendimento de tinha me contaminado. Gradualmente fui me sentindo
profissionais. Eu não poderia imaginar que, no mes- melhor, mais segura. Pensando sempre em não aban-
mo momento em que se iniciariam os atendimentos, donar a equipe que precisava de mim lá dentro, nos pa-
a pandemia convocaria todas/os para organizar suas cientes e em suas famílias, que precisavam das visitas
atividades e focar no atendimento aos pacientes e virtuais porque sofriam muito com a ausência. Hoje eu
profissionais que trabalham na linha de frente deste chego a fazer oito, dez, já cheguei a fazer quinze cha-
problema extremamente complexo e sem preceden- madas virtuais em um plantão de seis horas. Cada visita
tes. Desde então, já foram várias/os as/os profissio- virtual requer um contato prévio com a família e com a/o
nais de diversas áreas dentro do hospital que procu- paciente e, muitas vezes, um contato virtual pós visita.
raram o serviço para orientação e intervenção breve Demanda tempo. Hoje eu tenho uma sensação maravi-
como, por exemplo, o manejo do estresse relacionado lhosa de estar fazendo o bem para a/o paciente, para
ao trabalho com pacientes com Covid-19. a sua família, para mim mesma. Além da UTI, eu atendo
na semi-intensiva, onde as/os pacientes que passaram
A maior parte dos atendimentos a pacientes com pela UTI estão antes de terem alta ou irem para a en-
Coronavírus ocorrem nas enfermarias e também nas fermaria. Tem sido uma experiência maravilhosa. As/os
Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). profissionais da equipe sabem que pode contar comigo
para conversar com as famílias, porque elas/eles têm
muito pouco tempo para fazer isso. Conversam por dois
ou três minutos e eu assumo o contato com a família,
recorrendo a equipe se for necessário.

Pelos relatos das/os psicólogas/os que estão na


linha de frente de atendimento a pacientes, familia-
res e profissionais da saúde, fica evidente que a Psi-
cologia tem um importante papel a desempenhar du-
rante a pandemia no contexto hospitalar.

15
C A PA

A ATUAÇÃO
COTIDIANA
DA PSICOLOGIA
NA PANDEMIA
No aniversário de 58 anos da Profissão,
Mostra reúne experiências, desafios e
aprendizados em tempos de Coronavírus
Ilustração: iStock / Paulo Mota

M edo, solidão, insegurança, conflito familiar, an-


gústia, culpa, raiva. Esses sentimentos foram
identificados por Samara Carvalho nos atendimentos
dias 28 e 29 de agosto – no marco dos 58 anos da
profissão no Brasil – e recebeu 211 submissões. Foi
o primeiro evento 100% online desse porte realizado
realizados por ela e pelo restante das/os estudan- na história do CRP SP.
tes de especialização em Psicologia Hospitalar com As rodas online, com a apresentação de 109 tra-
familiares de pacientes diagnosticados com Covid-19 balhos na modalidade de comunicação oral, tomaram
no Hospital das Clínicas, em São Paulo. o sábado do evento e contaram com 670 participan-
A lista bem poderia descrever as sensações de tes, entre autoras/es de trabalhos, mediadoras/es,
grande parte da população brasileira nesses tempos organizadoras/es e espectadoras/es. Com o objetivo
pandêmicos. Novembro entrou com o país atingindo de promover a troca de conhecimentos e experiên-
a marca de 160 mil vítimas fatais da pandemia de co- cias entre psicólogas/os nos diferentes contextos de
ronavírus, atrás apenas dos Estados Unidos na lista atuação, a Mostra, com grande parte do seu conteú-
de países com maior quantidade de mortes. De que do disponível na internet, também cumpre a função
modo esse momento histórico de calamidade pública de produzir uma memória social sobre a atuação pro-
mundial impactou a vida e a subjetividade das pesso- fissional nesse inusitado ano de 2020.
as? Dentro das necessidades de reinvenção de tan- Samara Carvalho foi uma das 40 profissionais que
tos aspectos da vida, quais alternativas estão sendo tiveram seus vídeos-relatos aceitos e publicados.
construídas na prática cotidiana de psicólogas/os? Nele, a psicóloga contou que desde o começo da pan-
Quais têm sido as principais dificuldades e desafios demia realiza por telefone o acolhimento de parentes
para o acolhimento, a promoção de saúde mental e a de pessoas diagnosticadas com o Coronavírus, “por
garantia de direitos neste período? E os aprendiza- meio da psicoeducação e da identificação com esses
dos, as estratégias desenvolvidas? familiares dos principais recursos de enfrentamento
Com essas perguntas como guias, a Mostra de que eles propõem, sejam esses recursos positivos e
Práticas de Psicologia na Pandemia aconteceu nos adaptativos ou não”. O estímulo para o desenvolvi-

16
mento da comunicação entre familiares de pacientes deslocar os atendimentos presenciais para o modo
e as equipes médicas do hospital também foi ressal- remoto e suas implicações (como as desiguais pos-
tado por Samara: “é componente importante do tra- sibilidades de acesso à tecnologia e a menor privaci-
tamento que, ao receberem os boletins médicos, eles dade decorrente de fazer sessões dentro de casa). A
consigam tirar suas dúvidas”. Muitas das pessoas Resolução CFP nº 04/2020 orienta a categoria acerca
atendidas nunca haviam tido antes um contato com da atuação online diante do cenário de pandemia, re-
a Psicologia. “Tiveram esse primeiro contato num forçando o cadastro prévio na plataforma e-Psi como
momento difícil, mas importante”, aponta Samara, prerrogativa para o atendimento de forma remota.
ao narrar que o retorno tem sido positivo. “Ficamos Os sofrimentos psíquicos decorrentes das dificulda-
gratas de contribuir para o bem-estar da sociedade e des geradas pelo Coronavírus foram também citados
levar para essas pessoas não só o acolhimento e um em vários depoimentos de psicólogas/os.
atendimento de qualidade, mas principalmente fazer Amanda Cavalcante Ribeiro atua em São Bernardo
cumprir o papel social da Psicologia no país”, afirma. do Campo e se apresenta como psicóloga bilíngue, por
Além da área voltada para Emergências e De- ser acessível em libras e atender, predominantemente,
sastres, a Mostra de Práticas de Psicologia na Pan- pessoas surdas e/ou seus familiares. A demanda mais
demia recebeu relatos de experiências de atuação frequente constatada por Amanda nos últimos meses
profissional nas mais diversas temáticas: Assistên- é a ansiedade. “A falta de acessibilidade em libras nos
cia Social; Psicologia Comunitária; Direitos Humanos; meios de comunicação, como a TV aberta ou a inter-
Políticas Públicas; Psicologia do Esporte; Psicologia net, traz para os pacientes uma falta de informação
Hospitalar; Comunicação Social; Avaliação de Progra- que acarreta em ansiedade, por não saberem com o
mas; Formação em Psicologia; Psicologia Escolar e que estão lidando”, conta Amanda. Em tempos de in-
Educacional; e Psicologia Clínica. certezas, fica explícito o quanto o acesso à informa-
Entre os desafios mais recorrentes que foram ção é crucial. A falta de privacidade também tem sido
compartilhados, está a abrupta necessidade de um problema, já que todos os seus atendimentos pas-

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saram a ser remotos. Amanda ilustrou esse desafio ao de pandemia, as frustrações com as atividades es-
relatar a interrupção de uma de suas sessões, quando colares, de organização de tempo, de espaço”, expõe.
um familiar entrou no quarto do paciente por tê-lo ou- Amanda Medeiros também tem elaborado pequenos
vido chorar. Por outro lado, mencionou Amanda, o fato vídeos para que os professores mandem aos pais de
de muitas vezes a comunicação ser feita em libras tem seus estudantes. Entre os temas abordados, estão
também facilitado o sigilo. a importância que a família aplique as atividades do
Alternativas como fazer a vídeo-chamada de den- ensino remoto e também algumas dicas para lidarem
tro do carro ou digitar as falas que não podem ser com as crianças tanto tempo dentro de casa.
ditas em voz alta têm sido algumas das que Laís Re- A atuação de Lia Brioshci Soares também tem uma
gina Silva Melo têm aplicado junto a seus pacientes, interface com educadores, mas em outro contexto.
para lidar com a escassa privacidade que o modo Concursada da prefeitura de um município no interior
online pode implicar. Aos 23 anos de idade, a estreia de São Paulo, durante a pandemia Lia foi realocada de
de Laís nos atendimentos em psicoterapia aconteceu um Centro de Referência de Assistência Social para
justamente em 2020. uma Casa de Acolhimento de Crianças e Adolescen-
Já Luciana Angelo, coordenadora do Curso de tes. Impossibilitadas de irem à escola, de sair e tam-
Aperfeiçoamento e Especialização da Psicologia do bém de receberem visitas, com dificuldades de acesso
Esporte do Instituto Sedes Sapientiae, enviou para às aulas online já que nem todos têm celular e o com-
a Mostra um vídeo coletivo, elaborado pela vigésima putador da Casa está quebrado, as crianças e adoles-
turma de estudantes. Com a proposta de pensar em centes têm, de acordo com Lia, sentido tédio. Com a
estratégias adequadas para lidar com o momento, nova rotina, os conflitos dentro da Casa aumentaram
as/os psicólogas/os elencam uma série de sugestões muito – tanto entre as próprias crianças e adolescen-
voltadas para a área do esporte. Entre elas: manter
o contato virtual com a equipe e a comissão técnica
reforçando a troca de experiências e o vínculo; man-
ter rotina de alimentação, sono e terapias auxiliares;
aproveitar para desenvolver habilidades de percep-
ção e reflexão sobre si mesma/o que possam auxiliar
no enfrentamento de adversidades e não se cobrar
tanto, fazendo o que está ao alcance.
Entre as experiências relatadas por psicólogas/os
atuantes em serviço público, está a de Amanda Me-
deiros. Psicóloga escolar, Medeiros atua na cidade de
Paulicéia, no fortalecimento da saúde mental de servi-
dores da educação pública do município. Amanda con-
ta que no início da pandemia seu foco foi o apoio às
equipes gestoras e pedagógicas com orientações re-
lacionadas, principalmente, a manutenção de vínculos
entre crianças e professores. “Houve uma resistência
da equipe de professores para aderir ao ensino remo-
to”, comenta. Num segundo momento, Amanda ela- tes quanto nas suas relações com educadores sociais.
borou um questionário sobre saúde mental, pergun- Para lidar com esses desafios, Lia Soares e o res-
tando aos servidores o que sentiam, lhes oferecendo tante da equipe técnica da Casa de Acolhimento ela-
um espaço de escuta. A partir daí pôde perceber quais boraram uma série de estratégias. “Para melhorar
Ilustração: iStock / Paulo Mota

pessoas mais estavam precisando de ajuda. “Estou a dinâmica da Casa propusemos rodas de conversa
trabalhando também com a formação de professo- entre a equipe técnica e os educadores como uma
res, sobre nossa inteligência emocional em tempos forma de capacitar e supervisionar as ações”, desta-

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ca Lia, ao mencionar que também foi contratado um rante o inverno, por exemplo, o coletivo organizou a
educador físico com intuito de manter e promover a distribuição de kits com cobertores, casacos, toucas,
saúde mental e física das crianças e adolescentes. cachecóis, garrafas d’água e máscaras.
“Temos tentado promover o diálogo e a manutenção “Tão importante quanto falarmos da lavagem das
do vínculo entre as crianças e adolescentes e os fa- mãos é nos aproximarmos do território da Brasilân-
miliares e amigos através de tecnologia”, acrescenta. dia e constatarmos que uma das maiores demandas
E por último, complementa Lia, “também sugerimos dessa população é a falta de água para beber”, en-
que os educadores façam assembleias junto com fatiza Clair Aparecida. “Tão importante quanto fa-
crianças e adolescentes para promover o diálogo, a larmos de isolamento social é constatarmos que no
autonomia e o direito à cidadania que eles têm”. distrito de Guaianases existem apenas 15 vagas fe-
“A pandemia desnuda, desmascara uma crise já mininas ofertadas no Centro de Acolhida”, exemplifi-
instaurada: uma crise estrutural de acesso a todas as ca. “Em meio a um período pandêmico de tantas in-
formas de saúde”, resumiu Eliane Rosa de Melo, psicó- certezas, uma coisa é certa”, alega Clair: “O vírus não
loga e psicanalista atuante em São Paulo e também em é democrático. Infecta pessoas de todas as classes,
Taboão da Serra. O vídeo enviado por Clair Aparecida mas mata aqueles que já são vulneráveis: os pobres”.
parece reforçar a frase de sua colega. Se apresentan- Os dados não deixam Aparecida mentir. Uma aná-
do como filha de nordestinos, mulher, negra, psicólo- lise feita pela Agência Pública a partir de boletins epi-
ga e pós graduada em Psicologia na Atenção básica à demiológicos do Ministério da Saúde divulgada em
Saúde, Direitos Humanos e Lutas Sociais, Clair descre- maio já apontava as desigualdades raciais na fatali-
ve como tem sido a sua atuação junto à população em dade da Covid-19 no Brasil. De acordo com o estudo,
situação de rua. Diante dos desafios vividos por pes- entre a população negra há uma morte a cada três
pessoas hospitalizadas por Síndrome Respiratória
Aguda Grave (SRAG); já entre a branca, há uma morte
a cada 4,4 hospitalizações. Para cada morte em Moe-
ma, foram contabilizadas quatro em Brasilândia.
E é justamente a população negra e moradora das
periferias a que mais foi atendida em hospitais de cam-
panha, como aquele onde trabalhou a psicóloga De-
borah Toledo dos Santos. No vídeo-relato que enviou
para a Mostra, Deborah aparece com seu uniforme
hospitalar. Entre suas principais atribuições, segundo
conta, estão o acolhimento no início da internação, o
acompanhamento e a finalização do tratamento. “Nes-
sa finalização do tratamento a gente trata da alta ou
do acolhimento do óbito com a família caso venha a
acontecer”, descreve. O trabalho diário e difícil, no en-
tanto, é narrado por Deborah como oportunidade de
aprendizado, crescimento e apoio a pessoas que es-
tão precisando. Um de seus desafios, afirma, é sanar
soas que não tem como seguir as orientações como as dúvidas das pessoas que chegam com o diagnós-
de isolamento social ou uso de álcool em gel, Clair jun- tico do coronavírus e desmistificar a ideia de que, por
to a outras/os profissionais, pesquisadores e ativistas estarem sendo internadas em um hospital de campa-
criaram, em maio, o Coletivo Projeto Vida. O objetivo nha, “estão assinando o próprio óbito”. Para Deborah
é fortalecer a promoção de direitos para a população Toledo, o trabalho funciona muito bem, principalmente
em situação de rua por meio da articulação de redes por conta da alta qualidade da equipe multiprofissional
entre sociedade civil, setores públicos e privados. Du- na qual atua: “É uma experiência muito incrível”.

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UM DIA NA VIDA

ENSINO-APRENDIZADO
EM PSICOLOGIA NA PANDEMIA
Duas estudantes e uma docente de Psicologia
narram suas experiências com o ensino à distância
Ilustração: iStock / Paulo Mota

P ara debater as novidades e complexidades do ex-


cepcional ano de 2020 na formação em Psicolo-
gia, o CRP SP, em parceria com o CFP e a Associação
Confira os relatos de duas estudantes e uma do-
cente em Psicologia sobre suas experiências, dificul-
dades e aprendizados com o ensino à distância e as
Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP), realizou o perspectivas para o futuro.
“Seminário Formação em Psicologia no Contexto da
Pandemia da Covid-19: impactos da Portaria MEC n. Mayara Massa: “Muitas pessoas com
544”. Nele, estudantes, docentes, supervisoras/es de deficiência passam suas vidas em
estágios, coordenadoras/es de cursos de Psicologia isolamento social”
e responsáveis técnicos pelos Serviços-Escola levan-
taram argumentos favoráveis e contrários a realiza- “As barreiras sociais – como a falta de acessibili-
ção de estágios em Psicologia na modalidade online dade, de recursos e de profissionais preparados para
durante o período de isolamento social. garantir a inclusão – fazem com que apenas 0,5% de
O Grupo de Trabalho do CRP SP montado para o nós, pessoas com deficiência, estejamos inseridas no
seminário contou com 22 participantes representan- ensino superior.
do as 11 subsedes do Conselho. A live de abertura do Essas segregações, embora agora ocorram de
seminário realizada em 30 de junho já passa de 2 mil maneira diferente, continuam presentes em tempos
visualizações. Foram realizados encontros com 443 es- de pandemia. Tenho consciência de que pertenço a
tudantes e 254 docentes, além de 10 reuniões com re- uma classe privilegiada e que, graças a isso, tenho
presentantes de Instituições de Ensino Superior de to- acesso a recursos tecnológicos que me permitem
das as regiões do estado. O relatório produzido a partir acompanhar as atividades remotamente. Mas sei
do seminário está disponível na internet. Nele, a ABEP e que essa não é a realidade de todas as pessoas com
o CFP destacam a excepcionalidade do momento e, ao deficiência: muitos de nós não têm acesso a compu-
mesmo tempo, defendem a importância de não perder tadores ou internet.
de vista o caráter eminentemente presencial da forma- Eu moro em Santana de Parnaíba e estudo em
ção para o exercício profissional na Psicologia. São Paulo. Por isso, me deslocar até a universidade

20
não é fácil: dependo da carona da minha mãe, minhas Lorena Martha Roberto: “Como não
tias ou minha amiga para chegar até lá. A Prefeitura perdemos de vista os afetos em jogo?”
de São Paulo disponibiliza o Atende SPTrans, com o
intuito de proporcionar transporte gratuito e acessí- “É um desafio, por si só, começar a escrever sobre as
vel para pessoas com deficiência, mas como eu moro experiências dos últimos meses de pandemia, ensino
em outro município, não tenho o direito a participar remoto, desgoverno. São muitos acontecimentos que
do programa. Acho que todos os municípios deveriam deslizam sobre um tempo extremamente acelerado
disponibilizar essa política pública, já que para nós — excesso de informações, inúmeras reuniões e aulas
que temos dificuldades de locomoção, chegar até um on-line, enxurrada de notícias entristecedoras — e, em
ponto de ônibus ou uma estação de trem ou metrô contrapartida, há momentos em que prepondera uma
é um desafio. Neste quesito, as aulas remotas faci- sensação de estagnação, impotência e imobilidade.
litam, pois não tenho que me deslocar diariamente. Nos preocupávamos muito — e ainda nos preocu-
Quando eu ingressei na universidade, solicitei pamos — com a precarização do ensino público, com
salas de fácil acesso. Porém, fui colocada em uma a enorme desigualdade de acesso aos meios digitais
sala cujo único elevador que permitia o acesso pas- entre os estudantes, com as complexas situações de
sou o semestre inteiro quebrado. Além disso, após saúde e trabalho dentro das casas e, assim, com o
meu ingresso ocorreu uma reforma em que perdi o que há de ético-político em nossas ações e decisões.
acesso a 3 centros acadêmicos, 3 xerox e à papela- Como burlar o mero produtivismo e cumprimento de
ria da universidade. Embora eu tenha feito diversas tarefas? Como não nos tornarmos apenas burocra-
reclamações para a ouvidoria, demorou mais de um tas e sim futuras psicólogas e psicólogos?
ano e meio para que o problema fosse resolvido. Um A formação em Psicologia é marcada pelos en-
dia cheguei na faculdade e todos os elevadores do contros nas práticas, nas aulas, nos corredores da
prédio novo estavam quebrados; eu não conseguia universidade. Há certa sensibilidade que vai se cons-
sequer entrar no prédio e precisei pedir a ajuda de tituindo aos poucos, que preza por uma atenção ao
minha amiga. Ainda bem que eu tinha ela lá, que me que se passa. Entre as câmeras desligadas, as ativi-
ajuda muito quando essas coisas acontecem. dades remotas, as semanas que correm e o esgota-
Durante a pandemia eu não passo por essas si- mento que aumenta a cada dia, como não perdermos
tuações. Mas não vou ficar em casa quando o isola- de vista os afetos em jogo, as vidas ali envolvidas e
mento acabar. Meu lugar é na universidade, na rua, suas complexidades? Como nos cuidamos durante o
no trabalho, na balada, ou em qualquer outro espaço processo de formação e produção de conhecimento?
onde que eu queira estar. Vou continuar lutando pela Entre as durezas do tempo em que vivemos, al-
minha autonomia, já que assim como todos, também guns encontros virtuais vêm como forma de respiro
tenho o direito de ir e vir livremente e de usufruir do e acolhimento. Diante de tamanha estranheza inci-
convívio social. dindo em nós e frente a um inusitado muitas vezes
Muitas pessoas com deficiência passam suas vi- adoecedor, percebo em mim e em colegas uma von-
das em isolamento social. Por conta da pandemia, tade de caminhar próximos, de inventar jeitos de nos
agora a sociedade entende melhor como é a realida- fortalecer. Atentos a ritmos e tempos, vamos criando
de de diversas pessoas com deficiência; porém a di- brechas nos momentos de solidão, mas também nos
ferença é que a gente sabe que uma hora a pandemia permitindo ausências e silêncios”.
irá acabar, mas, algumas pessoas com deficiência, in- Lorena Martha Roberto é graduanda do 7º termo
felizmente, continuarão sem sair de casa”. de Psicologia pela UNIFESP. Participa do Laboratório de
Mayara Massa, 23 anos, é estudante de Psicologia Sensibilidades e do Laboratório de estudos e pesquisas
da PUC SP, membra da Comissão de Acessibilidade de em formação e trabalho em saúde (LEPETS). Realiza a
Psicologia da PUC SP, integrante do Coletivo Feminis- iniciação científica “Acordos, acordes: encontros e musi-
ta Helen Keller e estagiária da Secretaria Municipal da calidades de uma clínica comum”. Atualmente é monito-
Pessoa com Deficiência de São Paulo. ra do Eixo Trabalho em Saúde da UNIFESP.

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Jaqueline Kalmus: “Quem sabe não início de agosto e ainda não é possível fazermos uma
possamos encontrar brechas e, avaliação mais consistente. Quando as atividades fo-
contraditoriamente, construir uma ram paralisadas, o ano letivo havia praticamente co-
maneira remota de estarmos juntas/os?” meçado. Desde então fizemos um grande esforço co-
letivo de continuarmos próximos às/aos estudantes
“Não é possível pensar a questão do ensino remo- e construirmos juntas/os essa modalidade de ensino
to de maneira abstraída do contexto de pandemia de emergencial. Com a premissa de “nenhum estudan-
Covid-19 em que ele se dá e das marcas das disputas te a menos” fizemos uma busca ativa das/os alunas/
dentro do próprio campo educacional. A situação do os “desaparecidas/os” e a universidade instituiu um
ensino remoto é emergencial e está atrelada a uma si- programa de inclusão digital - o que nem sempre é
tuação de isolamento físico e de sobrecarga da maio- suficiente, visto que muitas famílias tiveram perdas
ria das pessoas em relação ao trabalho, às atividades consideráveis em suas rendas.
domésticas, aos cuidados com os mais velhos ou com A marca deste período tem sido uma intensifi-
os mais novos, aos temores advindos da pandemia, ao cação no trabalho para todas/os as/os docentes e
próprio sofrimento decorrente do isolamento físico e, técnicas/os, não somente com relação ao preparo
também, da situação específica do Brasil, que resulta e realização das atividades de ensino, mas também
em mais de uma centena e meia de milhares de mortes com relação às outras atividades que a universidade
– grande parte das quais poderiam ter sido evitadas. realiza, como extensão, pesquisa e a própria gestão.
O ensino remoto foi a forma pela qual se materializou No curso de Psicologia estamos enfrentando um
uma modalidade de que, inegavelmente, traz aspectos desafio muito grande: o de manter um projeto políti-
negativos em termos de formação. Porém, neste mo- co-pedagógico de um instituto na área da saúde que
mento foi a alternativa encontrada para a preservação tem na base a interdisciplinaridade, a interprofissio-
de vidas e me parece que isso é uma questão funda- nalidade e a estreita relação com o território. Perma-
mental. Poderia haver outras formas? Talvez sim. necemos em contato constante com trabalhadoras/
Ao mesmo tempo, essa modalidade de ensino se es da saúde, da assistência e da educação, ainda
instala dentro de um contexto de ataque aos direi- que, salvo algumas iniciativas pontuais, não possa-
tos, às universidades públicas e aos servidores públi- mos estar no território. Buscamos insistentemente
cos, de precarização das condições de trabalho. Isso as formas de nos mantermos juntas/os.
também traz consequências. De um lado, temos visto Por fim, sem menosprezar o desgaste, a precari-
uma realidade em que universidades privadas reali- zação e a mercantilização do ensino, quem sabe não
zaram demissões em massa e/ou redução da carga possamos caminhar pelas bordas, encontrar as bre-
horária de professores. Essa realidade não é exata- chas e, contraditoriamente, construir uma maneira
mente provocada pelo ensino remoto – ainda que ele remota de estarmos juntas/os que possa suplantar
permita que essas ações tenham sido tomadas em as fronteiras institucionais e facilitar a articulação
uma velocidade maior –, mas efeito da contrarrefor- entre universidades? Continuar a luta histórica por
ma trabalhista e de todos os ataques que a gente uma universidade pública, gratuita, democrática e
vem sofrendo no campo dos direitos. O ensino remo- socialmente referenciada”.
to talvez tenha facilitado e acentuado a precarização Jaqueline Kalmus é Professora Adjunta da UNIFESP,
que já vinha ocorrendo, bem como a intensificação do Campus Baixada Santista, Instituto Saúde e Sociedade,
processo de mercantilização da educação em mar- Departamento de Políticas Públicas e Saúde Coletiva. É
cha nas últimas décadas. membra do Fórum sobre Medicalização da Educação e
Na Unifesp estamos realizando essa modalidade da Sociedade, com experiência em Psicologia e Educa-
de ensino na graduação: retomamos as atividades no ção e Psicologia Social.

22
S A Ú D E M E N TA L

PREVENÇÃO AO SUICÍDIO:
COMPROMISSO DIÁRIO
E DE TODA A SOCIEDADE
A Psicologia no enfrentamento
das violências autoprovocadas

Ilustração: iStock / Micael Melchiades


O Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, 10 de
setembro, foi criado em 2003 pela Associação
Internacional para a Prevenção do Suicídio e pela
não extrapole ao elemento específico que a motivou.
Porém é importante discutir a decisão com outras/
os profissionais envolvidas/os no manejo da situação
Organização Mundial de Saúde (OMS). A OMS tam- em questão, buscar auxílio com o Conselho e pre-
bém define a Violência Autoprovocada/Auto Infligida servar ao máximo o sigilo e a integridade do sujeito.
como a ideação suicida, autoagressões, tentativas Confira no canal de youtube do CRP SP as cinco lives
de suicídio e suicídios. organizadas recentemente sobre o tema.
Segundo dados recentes da OMS, na média glo- A necessidade de práticas preventivas diárias às
bal dos países, apenas 2% do orçamento voltado à violências autoprovocadas e de políticas públicas efe-
saúde é investido em saúde mental. Poucas pessoas tivas voltadas ao cuidado em saúde mental torna-se
têm acesso aos serviços de saúde mental. Em países evidente. O enfrentamento ao suicídio é um compro-
de baixa e média renda, mais de 75% das pessoas misso cotidiano e social de todas/os, compreendendo
em sofrimento ou em situação de vulnerabilidade não que as subjetividades são impactadas diretamente
recebem tratamento. São elas também as que mais pela sociedade capitalista na qual vivemos. Esse com-
sofrem discriminação, estigma e violação de direitos. promisso, portanto, aponta para a importância de res-
A pandemia de Coronavírus trouxe à tona a intensi- significar e lutar por uma vida digna, justa, equânime,
ficação de uma série de desigualdades já estruturan- promovendo cuidado, autonomia e ética às pessoas.
tes da sociedade. Por conta das violências e incertezas Psicologia é para todo mundo e se faz com direi-
diárias desse contexto, temos visto um aumento do tos humanos.
adoecimento psíquico em grande parcela da população.
Situações como o isolamento social, o rompimento das Para mais informações, confira:
redes de proteção, o aumento da violência, o medo de • Prevenção do Suicídio: um manual para Profissionais da
Saúde em atenção primária
contrair a Covid-19 ou de perder entes queridos, o de-
• CRP SP – 2020 - #COVIDNaReal #AutocuidadoNaCovid
semprego, e, principalmente, a ausência de um plano
• Uma análise crítica sobre Suicídio Policial – CRP SP / CFP
nacional de enfrentamento da crise sanitária, econômi- • O Suicídio e os Desafios para a Psicologia / Conselho
ca, social e psicológica, estão entre as principais maze- Federal de Psicologia. - Brasília: CFP, 2013
las do adoecimento psíquico da população. • Boletim B688: Comissão de direitos Humanos do CFP. v 1.
N 4, set-out 2020; Brasília – CFP 2020
As declarações das pessoas de que desejam
• Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal. - CRP
atentar contra si mesmas devem ser sempre levadas 01/DF - Orientações para a atuação profissional frente a
a sério. É facultativo à/ao psicóloga/o a quebra do situações de suicídio e automutilação / Brasília: 2020
sigilo profissional em situações em que avalie que • Nota Técnica - CRP-09 002/2019 - Orienta às(aos)
psicólogas(os) sobre prevenção e manejo do comporta-
tal atitude implicará na busca pelo menor prejuízo e mento suicida

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O R I E N TA Ç Ã O

ORIENTAÇÕES PARA A PRESTAÇÃO DE


SERVIÇOS NA MODALIDADE REMOTA
Conheça as ações que a Comissão de

Ilustração: iStock / Paulo Mota


Orientação e Fiscalização do CRP SP
tem realizado neste período de pandemia

D iante das repentinas mudanças provocadas pela


pandemia do Coronavírus e da necessidade do
isolamento social, a Comissão de Orientação e Fisca-
da categoria, esse mesmo número que foi aprovado
durante seis meses de pandemia havia sido atingido,
antes, no período de um ano e dois meses.
lização (COF) do CRP SP precisou adaptar suas ativi- Inicialmente, em decorrência do ineditismo da situa-
dades para a modalidade do teletrabalho. Foi preciso ção vivida, houve um aumento de demanda por orienta-
criar, rapidamente, novas formas de comunicação e ções, muitas dúvidas sobre a continuidade dos atendi-
orientação à categoria neste contexto, mantendo o mentos presenciais; como atuar em diferentes espaços
compromisso com os cuidados necessários para uma sem correr e causar riscos; queixas de insuficiência de
atuação profissional ética. EPIs nos serviços públicos; dificuldades nos trabalhos
As estratégias para a continuidade das atividades realizados no âmbito do SUS e SUAS; perguntas sobre
– especialmente relacionadas aos procedimentos or- atendimento emergencial voluntário; atendimento a mu-
dinários desta Comissão e à preocupação de orientar lheres em situação de violência; aplicação de instrumen-
todas as pessoas – rapidamente foram elaboradas. tos psicológicos à distância; estágios supervisionados,
As orientações sobre o exercício profissional passa- bem como consultas sobre a atuação profissional em
ram a se concentrar no site, nas redes sociais e e- hospitais, no poder judiciário, atuação em estabeleci-
-mail do Conselho. Foram realizados debates on-line mento de regime residencial, clínica e outras instituições.
sobre as temáticas que suscitavam mais dúvidas, Cada orientação foi elaborada a partir de pesquisas,
considerando as diversidades das áreas de atuação. debates, estudos, análises técnicas de legislações, do-
Também foi criada uma campanha CRP Responde, cumentos e outros materiais - cartilhas, folders, etc. -,
com perguntas e respostas divididas por temas e de forma a dirimir inquietações e questionamentos so-
processos de trabalho, divulgada nas redes sociais e bre a prática profissional neste novo cenário.
no site “O coronavírus e a Psicologia”, criado especial- A partir da análise das dúvidas mais frequentes
mente para este período. também foi pensada uma campanha de orientação
Muitas das dúvidas e consultas tinham relação direta permanente à categoria denominada Psicologia no
com os atendimentos por meio de Tecnologias da Infor- Dia a Dia, com lançamento previsto em breve.
mação e Comunicação (TICs), já que diversos serviços
psicológicos passaram a ser ofertados virtualmente. Orientações feitas pela COF entre 20/3 e 4/9/2020
Após o início da pandemia, o Conselho Federal de 8.888 enviadas por e-mail
Psicologia (CFP), em resposta aos desafios trazidos pela 970 enviadas por whatsapp
nova conjuntura da prática profissional, publicou a Reso- 305 feitas por telefone
lução CFP n. 04/2020, que flexibilizou as possibilidades 1.683 textos publicados
de atendimento remoto, até então regulado pela Resolu- 3.895 documentos divulgados
ção CFP 11/2018. Além disso, o cadastro e-Psi foi simpli-
ficado para agilizar as análises dos pedidos da categoria. Confira as principais dúvidas de atuação profis-
A partir do crescimento desta demanda, desde sional e suas elucidações:
março de 2020 (mês em que teve início o isolamento
social) e até setembro o CRP SP havia aprovado mais O que não deve constar na publicidade profissional?
de 23.195 pedidos na plataforma e-Psi. Para se ter • Títulos que não possua;
uma ideia do aumento dessa necessidade por parte • Preço como forma de propaganda;

24
• Promessa ou previsão taxativa de resultados; contempla a Portaria 544/2020 MEC, que autoriza a re-
• Autopromoção em detrimento de outras/os pro- alização de práticas, estágios e laboratórios por meio
fissionais; remoto. A respeito da supervisão na modalidade remota,
• Apresentação de atividades que sejam atribui- orienta-se que tais atividades devem ser realizadas de
ções de outras categorias profissionais; forma simultânea, sempre por profissional de Psicologia
• Divulgação sensacionalista das atividades profis- com inscrição ativa no Conselho Regional de Psicologia e
sionais; com cadastro no e-Psi.
• Conteúdo racista, homofóbico, sexista, estigmati- A/o orientadora/or de estágio deverá considerar
zante, discriminatório, preconceituoso, nem qual- as circunstâncias: quais públicos efetivamente per-
quer discurso ou prática que viole direitos humanos; mitem a realização de intervenções remotas e po-
• Exposição de pessoas, casos, depoimentos ou dem ser favorecidos por elas. Dificuldades potenciais
dados que indiquem a quebra de sigilo; podem surgir e devem ser discutidas explicitamente
• Conteúdos de patologização e medicalização; entre as/os estagiárias/os e orientadoras/es e. Caso
• Associação do exercício profissional da Psicologia ofereça risco ou não atenda os objetivos propostos,
a práticas não reconhecidas pela ciência, de cunho deve ser redesenhada ou interrompida.
místico e/ou religioso, que induzam a crenças reli-
O que fazer diante de quebra de sigilo ou violação
giosas, políticas, filosóficas, morais, ideológicas, de
de direitos?
orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito.
De acordo com o artigo 9.º do Código de Ética Pro-
A/O psicóloga/o pode realizar trabalhos voluntários? fissional, a/o psicóloga/o tem por dever profissional
Não há proibição quanto à prestação de serviços manter o sigilo e a privacidade das pessoas atendidas.
psicológicos de forma voluntária/gratuita. Todavia, a Ao tomar conhecimento de situações de maus-tratos e
informação sobre a gratuidade não pode ser utilizada violação de direitos humanos, deve avaliar a necessida-
como forma de propaganda do serviço oferecido. Além de de denunciá-las, levando em consideração as pos-
disso, as/os profissionais devem ter uma proposta de síveis consequências e o menor prejuízo, conforme ex-
trabalho com início, meio e fim, ou que garanta a gra- posto no artigo 10. O risco de cometer uma falta ética
tuidade por todo o período da prestação do serviço. poderá ocorrer tanto pela quebra do sigilo quanto por
É importante se atentar ao disposto nas Resoluções não haver denunciado o fato. Assim, se questionada/o
CFP 11/2018 e CFP 04/2020, esta última elaborada por haver denunciado ou não, a/o psicóloga/o deverá
estritamente para vigorar enquanto durar a pandemia. estar fundamentada/o e expor os motivos (técnicos e
éticos) que a/o levaram a tomar sua decisão.
Quais cuidados a/o psicóloga/o deve tomar ao
escolher um teste psicológico? Preciso me inscrever no CRP para poder atuar?
Somente testes psicológicos com parecer favorá- Estar inscrita/o é uma exigência da Lei n.º 5.766, de
vel no Sistema de Avaliação de Instrumentos Psicoló- 20/12/1971 para o exercício profissional da Psicologia.
gicos (SATEPSI) poderão ser aplicados. Para atuar em qualquer área, é necessário que a/o
Com relação ao uso de instrumentos psicológicos profissional possua inscrição ativa no Conselho Re-
de aplicação à distância por meio das tecnologias da gional de Psicologia, independente de utilizar ou não
informação e da comunicação (TICs), além do parecer testes psicológicos. Por exemplo, caso atue na área
favorável no SATEPSI, é necessária a padronização e de Recursos Humanos, se as atribuições incluem ativi-
normatização específica para a aplicação à distância. dades previstas na área de Psicologia Organizacional
Para checar quais testes possuem a possibilidade de e do Trabalho, a/o psicóloga/o deve estar inscrita/o e
aplicação remota, consulte o SATEPSI no endereço: ativa/o no CRP de sua jurisdição. Caso a pessoa esteja
http://satepsi.cfp.org.br/. atuando com a graduação concluída e sem inscrição
ativa, pode ser caracterizado exercício irregular da
Como funciona o estágio supervisionado em Psi-
profissão. Ainda, se não possuir a formação em Psi-
cologia na pandemia?
cologia ou não tiver concluído a graduação, pode ser
Consulte a publicação da ABEP e do CFP. O material
caracterizado exercício ilegal da profissão.

25
SUBSEDES

PSICOLOGIA: REPRESENTAÇÃO NAS


INSTÂNCIAS DE PARTICIPAÇÃO E
CONTROLE SOCIAL
Subsede São José do Rio Preto concentra
Ilustração: Monalisa Soto

o maior número de representações do


CRP SP no Estado de São Paulo

O controle e a participação social no Brasil é uma


conquista da/o cidadã/o garantida na Constituição
Federal de 1988. Assegura que a sociedade esteja pre-
com gestoras/es, colegas e equipes multiprofissionais
para formulação de ações de cidadania e inclusão.
Essa participação nos processos coletivos tem pro-
sente na construção e na gestão de políticas públicas vocado, inclusive, a presença de uma Psicologia com-
e programas promovidos pelos governos. Áreas como prometida com as particularidades do território e os
Saúde, Educação, Assistência Social, Criança e Adoles- desdobramentos sociais. Esta presença se acentua
cente e Idosos estão entre as instâncias de natureza em cenários nos quais a formação se faz insuficiente e
das políticas públicas com a participação da sociedade prioriza a lógica do sujeito isolado e privado da cultura
construindo planos e ações, monitorando e avaliando social, com processos medicalizantes e patologizantes.
programas e aprovando orçamentos e gastos financei- Nestes espaços, as/os psicólogas/os levam suas
ros públicos. Essas conquistas resultam das lutas ope- críticas, sugestões e defesas ao campo das políticas
rárias dos movimentos sociais, essenciais ao debate e de Estado, oferecendo, em contrapartida, sua princi-
à construção da democracia brasileira. pal ferramenta: a escuta que qualifica os discursos.
A Psicologia, como campo científico e profissional, Podendo, assim, garantir a dignidade das pessoas
tem um papel importante nestes espaços para a forma- nos preceitos do respeito e da justiça, com um deba-
ção de uma sociedade mais acessível a partir de seus te livre de ideias e atentas/os à proteção das popula-
saberes pautados nas subjetividades individuais e cole- ções em situação de maior vulnerabilidade.
tivas e no compromisso ético e social. Partindo destes preceitos, o CRP SP possui, atual-
A presença institucional do CRP SP pode ocorrer em mente, 130 cadeiras permanentes de representação
órgãos de controle social por meio de mandatos determi- no estado de São Paulo, espaços nos quais discute
nados, em fóruns de políticas públicas, comitês de ética essas diversas temáticas.
em pesquisa, comitês intersetoriais, entre outras repre-
sentações que ocorrem de forma pontual ou estratégica. O caso da subsede São José do Rio Preto
As/os psicólogas/os devem reafirmar os aspectos A subsede de São José do Rio do CRP SP possui o
éticos e científicos da profissão nessas representações. maior número de representações do Estado, ocupan-
Guiar-se por uma compreensão crítica da conjuntura so- do 18 espaços de controle e participação social. Re-
cial e se posicionar de maneira orientativa aos saberes sultado de articulações, lutas e ocupação de espa-
técnicos da Psicologia e comprometidas/os com a defe- ços democráticos construídos em mais de 3 décadas.
sa dos direitos humanos, a diversidade e o exercício da Dentre o histórico da subsede destacam-se as
democracia com participação ativa e humanizada. representações nas seguintes entidades: Conselhos
As/os psicólogas/os estão presentes nos conselhos Municipais de Saúde; Fórum dos Conselhos Profissio-
municipais de direitos, nos fóruns municipais de traba- nais da Área de Saúde; Conselhos Municipais de Edu-
lhadores, em comitês de ética em pesquisa, em coletivos cação; Fóruns Municipais de trabalhadores do SUAS;
temáticos, comitês intersetoriais, comissões, nas ges- Comitê de Políticas da Diversidade Sexual; Conselhos
tões municipais e regionais e em muitos outros espaços Municipais dos Direitos dos Idosos; Conselhos Muni-
nos quais são convidadas/os ao exercício do diálogo cipais dos Direitos da Criança e do Adolescente; Con-

26
selhos Municipais de Álcool e Outras Drogas; Con- Kleber Chaves Pereira, atualmente conselheiro Muni-
selhos Municipais de Assistência Social; Comitês de cipal de Educação, diz que “a garantia da qualidade na
Ética em Pesquisa; Coordenadoria dos Direitos das oferta de ensino público passa, impreterivelmente, pelo
Mulheres; Secretaria dos Direitos e Políticas para Mu- controle social do orçamento da Educação”.
lheres; Procuradoria Especial da Mulher; e o Comitê Raul Aragão Martins, ex-conselheiro do COMAD
de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. São José do Rio Preto, traz as nossas contribuições
Talita Fabiano de Carvalho, conselheira, psicóloga na construção das políticas sobre drogas destacan-
e Coordenadora da Subsede, destaca que “ fazemos do “a participação pela defesa do ser humano frente a
os enfrentamentos necessários para qualificar a Escuta todas vulnerabilidades que está exposto em uma socie-
da Sociedade e exercer uma defesa incansável do aces- dade voltada ao consumo. Nesta perspectiva, defendi a
so às políticas públicas”. abordagem de álcool e outras drogas como questão de
Para Maria Carolina Gatti, que já ocupou a cadeira no saúde pública e que não se restringe ao debate sobre
Conselho Municipal dos Direitos dos Idoso, de outubro descriminalização e legalização da droga, embora estes
de 2014 a março de 2017, “a presença efetiva da Psicolo- pontos sejam importantes. Recomendamos, também,
gia, em todos os espaços, é importante para promover um maior controle das drogas legais, como parte de
a garantia dos direitos humanos e fortalecer os víncu- uma política preventiva, como ocorreu com o tabaco,
los afetivos e sociais das pessoas em vulnerabilidade”. que não pode exibir propagandas na mídia, o que não
Ricardo Gasolla, atual Conselho Municipal de Assis- ocorre com as bebidas alcoólicas, em que as pessoas
tência Social de Catanduva, complementa essa pers- são submetidas a uma enxurrada de propaganda”.
pectiva: “A presença da Psicologia nesses espaços é a Alessandra Moreno Maestrelli, Gestora da Subse-
oportunidade de pautarmos o humano e a humanidade de e membra de Comitê de Ética em Pesquisa, aponta
no arranjo institucional, que incorpora diversas políticas que “nos comitês de ética, o papel do representante do
públicas, provocando discussões e reflexões no sentido CRP é zelar para que mesmo os riscos, aparentemente
do reconhecimento de todas as pessoas como sujeitos inócuos, sejam evidenciados e discutidos antes do iní-
de direitos, sendo essa compreensão fundamental para cio das pesquisas. Uma vez aprovados os documentos
a conquista do seu pleno desenvolvimento”. como termo de consentimento livre e esclarecido, as
autorizações das instituições participantes, dos pais
Já Márcia Polacchini Cartapatti da Silva, ao falar
ou responsáveis pelas pesquisadas de menor idade, as
sobre sua experiência como representante no Conse-
pesquisas estarão aptas a serem realizadas. É um tra-
lho Municipal da Criança e do Adolescente expressa a
balho importante para ajudar a garantir que os direitos
necessária dedicação de nossas/os representantes:
humanos não sejam violados em nome da Ciência. His-
“Participar de um Conselho Municipal não é tarefa fácil e
toricamente, trata-se de uma conquista para a Psicolo-
nem simples, dados os meandros das políticas públicas.
gia e das psicólogas, enquanto categoria”.
É necessário doar muitas horas de sua semana para um
desempenho satisfatório, que nos legalize nessa impor- Código de ética Profissional da/o Psicóloga/o
tante representação que é a área da Psicologia”. O Código de Ética da Psicologia preconiza, em seus
Luiz Tadeu Pessutto, ex-conselheiro do CRP SP e princípios fundamentais, que “a/o psicóloga/o trabalha-
atuante na área da Educação, destaca a importância rá visando promover a saúde e a qualidade de vida das
da participação que se configura como um “trabalho pessoas e das coletividades e contribuirá para a elimi-
árduo. A nossa militância, foi no sentido de ajudar e fa- nação de quaisquer formas de negligência, discrimina-
zer valer os direitos dos cidadãos. Nós inspecionamos ção, exploração, violência, crueldade e opressão”. Ainda
todas as obras que estavam sendo feitas na época com ressalta que a atuação se dará com “responsabilidade
os recursos do Fundo. No Conselho de Educação nós social, analisando crítica e historicamente a realidade
trabalhamos bastante também, elaboramos o Estatuto política, econômica, social e cultural (...) considerando
deste Conselho e nos mantivemos engajados nisso. A as relações de poder nos contextos em que atua e os
partir desses lugares, realizamos uma pesquisa, princi- impactos dessas relações sobre as suas atividades
palmente da Educação, no CRP SP, sobre o uso da Rita- profissionais, posicionando-se de forma crítica”. Afinal,
lina, em todo o Estado de São Paulo”. a Psicologia tem um papel ativo e transformador.

27
10 ANOS DO CEDOC

10 ANOS DO CENTRO DE
DOCUMENTAÇÃO DO CRP SP
História, memória e disseminação da Psicologia no estado

N
Ilustração: iStock / Paulo Mota. Fotos: Arquivo CRP SP

este 17 de setembro, o Centro de Documenta- Hoje, o acervo ampliou-se consideravelmente, pas-


ção do Conselho Regional de Psicologia de São sando a ser utilizado em consultas por psicólogas/os
Paulo (CEDOC) completou uma década de existên- e pesquisadoras/es, além de instituições de pesqui-
cia. Iniciativa pioneira no país, nasceu da necessida- sas e alunos de Arquivologia e Biblioteconomia.
de de cuidar, organizar e disseminar todo o acervo Para sua manutenção, o CEDOC está vinculado
constituído pela autarquia. à Comissão História e Memória do CRP SP (antigo
Anterior a sua criação, a produção do CRP SP estava GT História e Memória). Periodicamente, há reuniões
dispersa entre seus diversos setores e também em seu para elaboração de novos conteúdos e definição dos
arquivo externo. Nas reuniões do GT História e Memória, objetivos e estratégias de ampliação. A comissão
assim chamado na época, muito se discutia sobre como busca reunir cada vez mais psicólogas/os que te-
seria o local de preservação e disseminação de todo o nham interesse em contribuir com o desenvolvimento
conteúdo e memória do CRP SP. Entre arquivo, biblioteca de suas atividades.
e centro de documentação, optou-se pelo último. Tanto o CEDOC quanto o Repositório Digital Fúlvia
Contrataram-se, então, bibliotecárias temporárias. Rosemberg representam o empenho do CRP SP em pre-
Uma vez percebendo a crescente importância do CEDOC, servar a história e memória da Psicologia no estado e
em 2012 abriu-se um concurso público para contratação suas contribuições para os debates sociais. Reforçam o
de bibliotecário efetivo. Assim, conselheiras/os, colabora- intuito de orientar a categoria para uma atuação profis-
doras/es e bibliotecário definiram o que seria o CEDOC. sional responsável e alinhada ao Código de Ética.
Havia também a vontade de que seu farto acer- Para comemorar uma década, ao longo dos pró-
vo não se restringisse apenas ao seu local físico - na ximos 10 meses o CRP SP publicará uma série de
subsede Metropolitana - e que alcançasse psicólo- conteúdos produzidos a partir do acervo do CEDOC
gas/os e o público em geral por meios digitais. e voltados à defesa dos Direitos Humanos para dife-
Após muitas pesquisas, o repositório digital foi rentes campos e populações.
lançado em 2018. Para o seu amadrinhamento, Fúlvia
Rosemberg foi escolhida por voto popular em fun- Comissão História e Memória da Psicologia
ção de sua importante atuação na Psicologia. Sur- Repositório digital Fúlvia Rosemberg: cedoc.crpsp.org.br.
Endereço do CEDOC: Rua Oscar Freire, 1800.
ge, assim, o Repositório Digital Fúlvia Rosemberg, Funcionamento: das 09h às 18h, de segunda à sexta-feira.
que conta com milhares de conteúdos digitais - des- E-mail: cedoc@crpsp.org.br.
*No período de isolamento social, determinado pelo CRP SP, o CE-
de livros, fotografias, vídeos etc - disponibilizados e DOC não está funcionando presencialmente. Consulte nosso site
para mais informações sobre o retorno das atividades presenciais.
acessíveis para qualquer pessoa com internet.

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ECA+30

ECA + 30:
A GENTE LUTA,
A GENTE BRINCA
A Psicologia é para todo mundo e se faz com crianças e adolescentes

O Estatuto da Criança e Adolescente completou 30


anos em 2020, o que é, sem dúvida, uma conquista
significativa. Mas o olhar apurado traz a compreensão
gualdades e alavancou a miséria, gerando ainda mais
desemprego e fome. As crianças e adolescentes têm
sido diretamente atingidas.
de que há, ainda, muito a ser feito se considerarmos a E é exatamente aí que se dá o encontro das/os psi-
trajetória das crianças e dos adolescentes no Brasil e cólogas/os com as crianças e adolescentes: nos CRAS,
o tratamento que lhes tem sido dispensado historica- CREAS, no SUS, nas medidas socioeducativas, nas
mente. Sabemos que em um país forjado com base em escolas, nos consultórios e clínicas, nas ruas, parques,
violências estruturais, há ainda a ausência de cuida- na cultura, nas ONGs, nas filas das penitenciárias, nos
dos, omissão, negligência, exploração, silenciamento, tribunais de justiça, isto é, a Psicologia se depara com
projeto excludente de educação, criminalização, pro- este público nas diversas áreas de atuação.
cessos de medicalização, racismo e abandono. Mas qual tem sido o olhar para estas crianças e
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90), adolescentes? Elas têm tido espaço para falar? Ou
portanto, é fruto de muita luta e união envolvendo diver- encontram-se silenciadas e esquecidas em meio às
sos profissionais, movimentos sociais, instituições e en- urgências do mundo adulto? Não podemos fomentar
tidades que se articulam, inclusive com a participação de uma Psicologia adultocêntrica, que colabore para o
crianças e adolescentes no processo. Nas décadas de assistencialismo e a subserviência, que estuda e fala
1980 e 1990, o que se pretendia era a construção de um muito sobre as crianças e adolescentes, mas que
projeto para as crianças e adolescentes do Brasil: desta pouco interage e escuta.
vez, que os considerasse sujeitos de direitos, que levas- “Tem que acabar com esse estatuto!”; “Os menores
se em conta as especificidades de pessoas que se en- só têm direitos, eles tem é que ter deveres!”; “O Estatu-
contram em condição peculiar de desenvolvimento. Que to é a causa dessa violência que está aí, no meu tempo
procurasse não criminalizar e institucionalizar crianças não era assim, não!”; “O ECA só defende bandido!”. Pas-
e adolescentes que foram negligenciadas/os e explora- saram-se 30 anos e ainda escutamos discursos como
das/os, predominantemente aquelas/es pertencentes esses, que reforçam a concepção de que crianças e ado-
às populações pobres, negras e indígenas. lescentes são indivíduos que trazem riscos e incômodos.
A Psicologia, enquanto ciência, sempre atuou junto Retornamos, portanto, à questão inicial: o Estatu-
ao público infanto-juvenil, destacando-se em importan- to da Criança e do Adolescente foi marco na mudan-
tes estudos e pesquisas sobre desenvolvimento, inclu- ça de paradigma e no projeto do país para crianças
sive sobre as patologias. De que forma é possível reali- e adolescentes. Embora avanços tenham aconte-
zar uma práxis que consiga articular este conhecimento cido, nos encontramos num período de retrocessos
teórico à realidade prática? Qual olhar da Psicologia e de direitos e arrefecimento de investimento em im-
quais práticas têm sido realizadas junto a este público? portantes políticas públicas, como aquelas voltadas
O cenário de acirramento da disputa política so- à erradicação do trabalho infantil, à saúde mental, à
mado à pandemia de Covid–19 acentuou as desi- educação, ao esporte e ao lazer.

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A Psicologia tem procurado, no decorrer da histó- A partir de então, o CRP SP tem realizado discussões
Imagens: Arquivo CRP SP

ria, mudar sua rota por vezes elitista e adaptacionista, e articulações com a categoria, sociedade e outras en-
aliando-se às crianças e às/aos adolescentes, movi- tidades para compreender a realidade das crianças e
mentos sociais, entidades e organizações, colaboran- adolescentes durante a pandemia. Fizemos uma roda
do para a efetivação das garantias e direitos. A ciência de conversa e uma live denominadas “Criança e adoles-
deve estar em busca de mecanismos que propulsio- cente: prioridade absoluta na pandemia”. Organizamos
nem a vida, o desenvolvimento pleno e saudável. Desta um relato sobre as principais questões que atravessam
forma, a profissão caminha em busca de uma atuação a vida das crianças e adolescentes em tempos de pan-
que seja política, compreendendo os prejuízos advin- demia e as estratégias as/os psicólogas/os em suas
dos dos processos de exclusão vivenciados pela maio- atuações. Elaboramos, junto ao Movimento Pela Pro-
ria da população de crianças e adolescentes. teção Integral de Crianças e Adolescentes, a “Carta de
E este engajamento da Psicologia está demons- comemoração dos 30 anos do ECA e a defesa da Pro-
trado na práxis psicossocial e cotidiana, e assim, teção Integral como legado: desafios do presente e do
também está presente nas ações, debates, orienta- futuro”. O CRP SP, assim como o CFP, em interlocução
ções e trajetórias do CRP SP. com este movimento, tem procurado articular projetos
No repositório digital Fulvia Rosemberg é possível de lei nacionais ou estaduais que digam respeito aos
pesquisar este percurso da Psicologia na defesa dos di- direitos e políticas públicas para essa população.
reitos das crianças e adolescentes. Nos 10 anos do ECA, O CRP SP também possui representantes nos Conse-
o CRP SP levantou o mote “Tamanho é documento: 10 lhos Municipais de Direitos das Crianças e Adolescentes
anos do ECA, certidão de cidadania da criança e do ado- (CMDCA) de vários municípios e está sempre em diálogo
lescente”. Nos 15 anos entoamos: “ECA 15 anos: Estatu- com o CONANDA: o Conselho Nacional de Direitos das
to da Criança e do Adolescente, direitos a gente conquis- Crianças e Adolescentes, atualmente presidido pela psi-
ta!”. Aos 18 anos: “o ECA cresceu, mas será evoluiu?”. ECA cóloga Iolete Ribeiro, representante do CFP. Na live “30
25 anos: “Brincar pra valer, valer pra brincar”. anos do ECA e 58 anos da Psicologia: percursos e com-
Finalmente chegamos aos tão esperados 30 promissos”, Iolete explica como tem sido a atuação do
anos! Uma caminhada e tanto! O CRP SP, a categoria CONANDA. As dificuldades decorrentes de interferên-
e todas/os as/os envolvidas/os aguardavam muitas cias do governo federal têm sido constantes. Um exem-
ações e fortalecimento a partir de encontros poten- plo foi a suspensão da posse de conselheiras/os eleitas/
tes e articulações. No entanto, nos deparamos com a os, na tentativa de inviabilizar a realização de plenárias.
pandemia e o agravamento das desigualdades. Tudo É nesse contexto, portanto, que o ECA comple-
teve que ser repensado e reformulado, representan- ta suas três décadas e que o CRP SP reafirma a im-
tes e membros de todo o estado se reuniram para or- portância da Psicologia nas pesquisas, reflexões e
ganização da campanha e junto nos deparamos com discussões a respeito das infâncias e adolescências,
uma enxurrada de demandas e dúvidas. na defesa da aplicação dos artigos do ECA e demais
O mote destes 30 anos seguiu então em prol da legislações pertinentes. Compreendemos que desta
manutenção do brincar e com o reconhecimento de forma tornaremos possível uma atuação crítica e com-
que a luta é imprescindível! Temos 30 anos, mas que- prometida que articule ciência psicológica, proteção,
remos mais 30, e mais 30... E assim surgiu o “ECA + 30: direitos e participação das crianças e adolescentes.
a gente luta, a gente brinca”. Toda a sociedade deve estar comprometida com isto.

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E S TA N T E | M U R A L

ESTANTE

Para saber mais sobre o


Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

Psicologia em Defesa do ECA


O documentário apresenta a trajetória de contribui-
ções e reivindicações em que a Psicologia esteve
presente durante a constituição do ECA até os dias
de hoje. Reúne depoimentos de psicólogas/os que
estão diretamente envolvidas/os - na pesquisa e
em suas práticas cotidianas - com questões volta-
das a crianças e adolescentes.

Assista no canal do CRP SP no YouTube


youtube.com/crpspvideos

Caderno de Artigos dos 30 anos do ECA


Para marcar os 30 anos do ECA, o Conselho Federal de Psicologia
(CFP) lançou um caderno de artigos cujo intuito é problematizar os de-
safios para a consolidação do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Os artigos instigam a reflexão para auxiliar profissionais e estudantes
que atuam no Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adoles-
centes, na construção de práticas de proteção integral e promoção de
direitos humanos.

Leia no site do Conselho Federal de Psicologia e nos canais do CRP SP.


site.cfp.org.br
www.crpsp.org

“O Começo da Vida 2: Lá Fora”


Como as conexões entre as crianças e a natureza podem revolucionar
o futuro? O novo capítulo de “O começo da Vida” traz especialistas no
tema para refletir sobre como essa relação se apresenta frente aos
maiores desafios contemporâneos da humanidade. Promovido pelo
Instituto Alana e Fundação Grupo Boticário, o filme teve lançamento
em 12 de novembro em canais de TV e na plataforma VideoCamp.

www.videocamp.com/pt

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