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Realização
CAPA | PSICOLOGIA NA PANDEMIA Coordenação de Relações Externas CRP SP
Andréa Licht, Tiara Vaz Ribeiro
Estagiária Jaqueline Melo
Jornalista responsável Gabriela Moncau (MTB
0069610 SP)
Reportagens Guilherme Garcia, conselheiras/os
UM DIA NA VIDA | RELATOS SOBRE DESAFIOS e colaboradoras/es do CRP SP
ATUAIS DO ENSINO-APRENDIZAGEM Edição Guilherme Garcia, conselheiras/os
e colaboradoras/es do CRP SP
Direção de arte e Capa Paulo Mota
Fotos internas Divulgação, Arquivo CRP SP, iStock e
Freepik
SAÚDE MENTAL | A PREVENÇÃO DO SUICÍDIO Revisão CRP SP
Impressão Rettec Artes Gráficas e Editora Ltda.
Tiragem 121.000
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10 ANOS DO CEDOC | HISTÓRIA, MEMÓRIA
E DISSEMINAÇÃO DA PSICOLOGIA NO ESTADO Subsedes CRP SP
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Assis | tel. (18) 3322-6224, (18) 3322-3932
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Vale do Paraíba e Litoral Norte | tel. (12) 3631-1315
E D I TO R I A L
A PSICOLOGIA EM
TEMPOS ADVERSOS
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O que é preciso considerar no exercício profis- em seu benefício, aprimorando seus critérios de pro-
sional num contexto de pandemia, onde são muitas cura da saúde. Também as instituições formadoras de
as possibilidades de inserção da Psicologia (nas psicólogas/os (universidades) devem ter responsabili-
políticas públicas, no campo hospitalar, da Assis- dade por esta contribuição à reflexão da sociedade,
tência Social, etc)? ao formar profissionais psicólogas/os críticas/os e
Brônia: A inserção da/o psicólogo/a nas diversas abertas/os às reflexões éticas e transformações so-
áreas se dá, primordialmente, por meio de sua par- ciais nesta direção.
ticipação em equipes multi e interprofissionais. Ne- Como você vê as práticas cotidianas da atuação
las, sua informação específica sobre os processos de das/os profissionais de Psicologia no cenário atual?
subjetivação da realidade pelos indivíduos auxiliará Brônia: Mais do que as próprias práticas - mas não
na leitura mais abrangente dessa realidade e das fora delas -, o compromisso ético é responsabilidade
ações possíveis para garantia dos direitos à saúde e da/o profissional psicóloga/o ao adaptar-se às novas
das condições para sua concretização. condições concretas sem perder o que está sendo
Como você entende que a Psicologia, na presta- chamado de “essencialidade da Psicologia”. Os sujei-
ção de serviços à coletividade, pode contribuir em tos de direitos, assim reconhecidos pela Psicologia,
situações de calamidade com compromisso ético e é que seriam a “essencialidade” dela; a Psicologia
em defesa dos Direitos Humanos? é instrumento, por meio de sua prática refletida, de
Brônia: Em primeiro lugar e, primordialmente, no transformação da/o própria/o psicóloga/o e dos su-
reconhecimento dos sujeitos como cidadãos de jeitos dessa sua prática. Manter o compromisso ético
direitos. No caso, no reconhecimento à saúde e, parte de uma reflexão básica: para quê e quem estou
portanto, às condições de existência que lhes per- praticando a Psicologia neste contexto?
mitam tê-la. Isso significa, por exemplo, o acesso Como você avalia a utilização de tecnologias
do sujeito às informações pertinentes por parte da informação e da comunicação (RESOLUÇÃO Nº
das instituições públicas e o reconhecimento e o 04/2020) neste cenário?
acolhimento do sofrimento subjetivado. De modo a Brônia: A responsabilidade pela manutenção do
permitir ao serviço público a possibilidade do me- compromisso ético da Psicologia nos processos de
lhor desenho de atendimento; e ao indivíduo, a pos- trabalho está na/o profissional psicóloga/o. A ela/e
sibilidade de acesso e compreensão de seu proces- cabe a reflexão sobre a escolha das tecnologias,
so como sujeito social. com respeito aos indivíduos e a certeza de que os
Você considera que os Princípios Éticos da Psi- princípios fundamentais do Código de Ética Profis-
cologia e o compromisso na defesa de Direitos Hu- sional estejam presentes nas relações estabelecidas
manos têm contribuído para a reflexão da socieda- nos meios selecionados. Estes itens não devem ser
de frente aos dilemas atuais? transgredidos em nome da utilização da tecnologia.
Brônia: Este é um dado difícil de quantificar, mas, O atendimento on-line até há pouco só se referia a
com certeza, percebe-se um caminho trilhado no tem- situações específicas e especiais. Agora é um novo
po para esta direção. Há maior inserção - que ainda modus operandi nas relações, que poderá continuar
poderia ser maior - da/o psicóloga/o nas instituições a ser útil em determinadas situações. Pessoalmente
de atendimento público e privado à saúde, à educação não creio, no entanto, que poderá substituir todos os
e à assistência. Há maior aceitação de informação dos níveis de relações entre a/o profissional psicóloga/o e
órgãos de representação (Sistema Conselhos) ao pú- os sujeitos (grupos, instituições, pares). Porém, como
blico, em meios reconhecidos que se preocupam em todas as inovações e renovações, após reflexões re-
chamar profissionais vinculados a reflexões e práticas sultantes deste período excepcional, uma avaliação
promotoras de protagonismo do sujeito para sua saú- conscienciosa nos dará o respaldo para construção
de. A informação sobre as boas práticas psicológicas da moldura possível a novas formas de atuação, res-
pode ajudar o cidadão a reconhecer os objetivos delas peitados os princípios éticos da profissão.
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COT I D I A N O
ORIENTAR,
FISCALIZAR
E DIALOGAR
NA PANDEMIA
Desafios, aprendizados e enfrentamentos
do CRP SP em 2020
Ilustração: iStock / Micael Melchiades / Paulo Mota
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canais do Conselho. As rodas de conversa on-line Para além destas campanhas, foram realizadas
abriram novas possibilidades de diálogos da Psico- atividades evidenciando a importância do Mês do Or-
logia, conectando psicólogas/os de todo o estado de gulho LGBTQIA+, da Luta Antimanicomial, da Lei Bra-
São Paulo para trocas sobre assuntos de pertinência sileira de Inclusão (LBI) em seu 5º aniversário e de im-
ampla e também territorial. O site especial “O Coro- portantes datas do calendário dos Direitos Humanos.
navírus e a Psicologia” foi lançado no início da pan-
demia, para informar e orientar as/os psicólogas/os. Enfrentamentos: lógica capacitista
A campanha #COVIDNaReal, por meio de conte- entranhada na “nova” Política
údos com linguagem acessível, informativa e didáti- de Educação Especial
ca, ocupou-se de mobilizar o público em geral sobre Em setembro, o governo federal emitiu o Decreto
os impactos psicossociais da pandemia na vida das nº 10.502, que institui a “Política Nacional de Educa-
pessoas. Buscou-se também uma maior aproxima- ção Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendiza-
ção com a imprensa, fornecendo entrevistas para do ao Longo da Vida” que carrega, em seu conteúdo,
veículos e canais de comunicação por meio da se- o contrário do que o título expressa. Em oposição
ção CRP SP na Mídia. ao modelo pautado na inclusão das pessoas com
deficiência, o decreto visa à segregação – referida
Outras campanhas e ações no documento como “os que não se beneficiam da
Ao longo deste ano, o Conselho se engajou em 20 escola regular” –, separando os que devem e os que
campanhas com o intuito de informar a categoria e não devem frequentar o ensino regular, barrando o
discutir temas pertinentes à classe e a toda a socie- acesso compulsório e ferindo o direito à educação
dade. Entre elas, a campanha de 30 anos do Estatuto equitativa e inclusiva.
da Criança e do Adolescente (ECA+30, a Gente Luta, “Nós, pessoas com deficiência, não fomos consul-
A Gente Brinca); a Prevenção ao Suicídio; a campanha tadas sobre a elaboração do decreto”, atesta a psi-
Saúde Mental é para todo Mundo e se faz com Di- cóloga Natália Luiza Barnabé, portadora de atrofia
reitos Humanos; Saúde Mental da População Negra muscular espinhal e participante da série de vídeos
Importa; A Psicologia antirracista é para todo mundo organizada pelo CRP SP em campanha contra o de-
e se faz conscientizando e 16 Dias de Ativismo pelo creto. Em outro vídeo, Melissa Mascarenhas, psicólo-
Fim da Violência contra as Mulheres. ga e pessoa com deficiência física, classifica o decre-
Para compreender as questões e percalços na to como “um retrocesso no ensino para a população
atuação profissional diante da pandemia, uma pes- com deficiência no que diz respeito ao desenvolvi-
quisa respondida por quase cinco mil psicólogas/os mento e à manutenção dos aspectos afetivos, de
inspirou a criação da Mostra de Práticas de Psicologia socialização, psicomotores e cognitivos”. A psicóloga
na Pandemia. A Mostra aconteceu em agosto e este- Mirian Carolina Ferreira, também pessoa com defici-
ve associada às atividades do Dia da/o Psicóloga/o, ência, alerta que “uma vez que matrículas de estu-
com o intuito de promover a troca de conhecimentos dantes com deficiência não sejam mais compulsórias,
e experiências e produzir memória social nesta situa- criar ambientes educacionais acessíveis e adaptados
ção de calamidade pública. Confira alguns dos relatos deixarão de ser uma urgência”.
na matéria de capa dessa edição do Jornal Psi. Maria Rozineti, psicóloga e presidenta da COF
Também no Mês da/o Psicóloga/o, em que a re- do CRP SP, caracteriza o decreto como “pautado no
gulamentação da profissão no Brasil completou 58 modelo biomédico – que desconsidera a avaliação
anos, foram veiculadas publicações sobre o vínculo biopsicossocial prevista na Lei Brasileira de Inclusão
indissociável entre Psicologia e Direitos Humanos, (LBI) e na Classificação Internacional de Funciona-
tema debatido na live especial “Psicologia em tem- lidade”. Assim, considera que essa política reforça
pos de pandemia”. Além disso, lançou-se um manifes- uma “lógica patologizante e medicalizante em rela-
to pela pluralidade humana em nome da Psicologia, ção à pessoa com deficiência e recupera um viés po-
publicado na imprensa. pulista, discriminatório, segregador e mercantilista
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estados, distrito federal e municípios vinculados
à educação por força do disposto no artigo 212 da
Constituição Federal”.
Mesmo com resistência de uma parcela conser-
vadora, em julho, a Câmara dos Deputados apro-
Ilustração: Freepik / Paulo Mota
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ASSEMBLEIA ORDINÁRIA
CRP SP REALIZA
PRIMEIRA ASSEMBLEIA
GERAL ORDINÁRIA
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P E R S P E C T I VA D A / O U S U Á R I A / O
“VOU LUTAR
ATÉ O FIM DA
MINHA VIDA”
Alexandra viveu as violências
estruturantes que atingem as mulheres
trans. Com assistência psicológica e
novos afetos, refez sua trajetória.
Alexandra hoje é ativista pelos direitos das pessoas LGBTQIA+.
Fotos: Arquivo Alexandra Braga
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Fotos: Arquivo Alexandra Braga
Apesar das reações contrárias e do isolamento na Em sentido horário: Alexandra em um ato político; dançando no
Zumbi dos Palmares; em evento de música em Mogi das Cruzes;
própria casa, Alexandra continuou residindo com a famí- na Virada Cultural e no programa de TV “Caldeirão do Huck”.
lia. Vivendo em turnos opostos aos dos pais e irmãos,
enquanto todos dormiam durante a noite, ela trabalhava. Novas possibilidades
O trabalho sexual segue como destino para 90% A rotina de Alexandra começou a mudar: gradu-
das travestis e mulheres transexuais no Brasil. Ape- almente, deixou o trabalho sexual e buscou outros
nas 4% da população trans feminina atua em empre- caminhos. Retomou os estudos, que haviam sido in-
gos formais, com possibilidade de promoção e pro- terrompidos quando revelou sua identidade transgê-
gressão de carreira. Não foi diferente com Alessandra: nero. Alexandra completou o Ensino Médio com Alex
“Aonde eu iria conseguir emprego? Fui para a noite e lá em um programa de Educação para Jovens e Adultos.
trabalhei por alguns anos. Foi um período difícil, mas A escola teve um papel decisivo ao acolher o casal.
me fez forte”. O rompimento com um companheiro, Mais que mérito pessoal, a história de Alexandra e
que trabalhava com a venda ilegal de drogas, sensi- do acolhimento que receberam na escola demonstra
bilou Alexandra sobre as suas potencialidades: “Certo como uma sociedade inclusiva é aquela que garante
dia, ele disse que ali não era o meu lugar. Que eu tinha a todas as pessoas o acesso a direitos.
condições de tomar outro rumo. Para tentar me tirar No livro de chamadas, os professores foram orienta-
de lá, rompeu comigo”, conta Alexandra, que tinha, en- dos a utilizar o nome Alexandra, que naquele momento
tão, 20 anos. Ela seguiu trabalhando nas ruas. ainda tinha sua documentação com o nome masculino.
Uma noite foi socorrer uma colega e acabou sen- “Isso foi importante para mim”, lembra. Concluída essa
do agredida com um soco no nariz. Um homem que etapa, Alexandra obteve bolsa para cursar a graduação
passava de carro parou para socorrê-la. Dirigiram-se em Pedagogia. Na sequência, ingressou na pós-gradua-
ao hospital. Ao sair do atendimento, Alexandra viu ção, unindo sua paixão por ensinar a outra, a Psicologia,
que o homem a esperava para levá-la à casa dela. O e concluiu o curso de Psicopedagogia. Pouco a pouco,
encontro terminou com um selinho. “Pensei: ‘Que coi- Alexandra refez o vínculo com a família. Almoçavam jun-
sa estranha’”, lembra. O reencontro aconteceu dias tos e ela voltou a participar dos passeios familiares.
depois: ela trabalhando em uma casa noturna, ele Havia, contudo, uma questão que, se não é necessa-
distribuindo material da escola de informática onde riamente motivo de incômodo para todas as mulheres
atuava. Alexandra e Alex estão juntos há 20 anos. trans, para Alexandra era causa de intenso sofrimento: a
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vontade de passar pela cirurgia de redesignação sexual
(CRS). “Estava feliz porque outras questões estavam se
resolvendo. Mas o pênis sempre foi uma tortura. Quando
eu ia ao médico, por exemplo, era constrangedor. Eu pre-
cisava me livrar do que me trazia dor”, lembra.
Apoio psicológico
Alexandra não conseguia se olhar no espelho e seu
corpo inibia a intimidade com o seu parceiro. “Eu cho- Bastidores da gravação de um programa de TV.
Dia 29 de janeiro é o Dia Nacional da Visibilidade Trans. Também foi a ocasião do lança-
mento do Documento de Orientação CRP 06 Nº 002/2019, sobre a atuação profissional de
psicólogas/os no processo transexualizador e demais formas de assistência às pessoas
trans, baseado na Resolução CFP 01/2018. O lançamento contou com eventos realizados
na sede e subsedes, com rodas de conversa e apresentação artística do Slam Marginália.
Um dos trechos do documento elucida: “Quando refletimos sobre a subjetividade humana,
logo nos deparamos com profundas facetas que versam sobre o processo de construção
da identidade. Nossa cultura tem imposto compulsoriamente modelos de identidade cis
normativas que historicamente patologizam e estigmatizam pessoas trans e pessoas não-
-binárias, produzindo sofrimento, dor, preconceito e violência contra essa população”.
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ARTIGO
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A atuação de profissionais da área da saúde envolve L., atendimento a pacientes na enfermaria - O que
longas horas de trabalho, contato frequente com pesso- mais incomodava [a paciente] era o fato de não conse-
as doentes e com a morte, além de condições de traba- guir realizar coisas básicas. Ela teve uma crise de an-
lho muitas vezes aquém do ideal. Além da pandemia, que siedade na madrugada porque não conseguiu se virar
já é um importante estressor, as/os profissionais preci- na cama. Ela foi se virar, sentiu falta de ar e entrou em
saram se adaptar a novas condições de trabalho. desespero. Teve uma crise de pânico e a equipe solici-
O estresse é uma reação do organismo frente a tou atendimento psicológico. O atendimento envolveu
situações de ameaça e coloca o indivíduo em alerta relaxamento e mudança de pensamentos disfuncio-
para lidar com o problema. O estresse excessivo rela- nais. Gradualmente a equipe conseguiu tirar o oxigênio
cionado ao trabalho é denominado burnout. Mudan- da paciente, que percebeu que podia respirar sozinha.
ças inesperadas no ambiente de trabalho, como a vivi-
da por A., podem causar estresse. Assim, psicólogas/ A.P. Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) - No início
os da própria instituição realizam atendimentos com eu ficava fora da UTI. Fiz muitos atendimentos de famí-
as/os profissionais da saúde. lias por chamadas por vídeo. Era difícil porque eu estava
fora da UTI, dando trabalho para os profissionais que
O., atendimento a profissionais da saúde - Por me- estavam dentro da UTI. Aí chegou um momento em que
ses estava ansioso pela oportunidade de voltar a atu- resolvi entrar. Pensei: como não estar lá com a equipe
ar no mesmo hospital onde, vinte anos antes, comecei com quem eu trabalho há mais de vinte anos? Entrei
minha jornada. Finalmente, em fevereiro definiu-se a com muito medo, foram dias angustiantes. A primeira
contratação. Inicialmente seriam algumas horas de vez que entrei colhi exame porque tinha certeza que
trabalho semanais voltadas para o atendimento de tinha me contaminado. Gradualmente fui me sentindo
profissionais. Eu não poderia imaginar que, no mes- melhor, mais segura. Pensando sempre em não aban-
mo momento em que se iniciariam os atendimentos, donar a equipe que precisava de mim lá dentro, nos pa-
a pandemia convocaria todas/os para organizar suas cientes e em suas famílias, que precisavam das visitas
atividades e focar no atendimento aos pacientes e virtuais porque sofriam muito com a ausência. Hoje eu
profissionais que trabalham na linha de frente deste chego a fazer oito, dez, já cheguei a fazer quinze cha-
problema extremamente complexo e sem preceden- madas virtuais em um plantão de seis horas. Cada visita
tes. Desde então, já foram várias/os as/os profissio- virtual requer um contato prévio com a família e com a/o
nais de diversas áreas dentro do hospital que procu- paciente e, muitas vezes, um contato virtual pós visita.
raram o serviço para orientação e intervenção breve Demanda tempo. Hoje eu tenho uma sensação maravi-
como, por exemplo, o manejo do estresse relacionado lhosa de estar fazendo o bem para a/o paciente, para
ao trabalho com pacientes com Covid-19. a sua família, para mim mesma. Além da UTI, eu atendo
na semi-intensiva, onde as/os pacientes que passaram
A maior parte dos atendimentos a pacientes com pela UTI estão antes de terem alta ou irem para a en-
Coronavírus ocorrem nas enfermarias e também nas fermaria. Tem sido uma experiência maravilhosa. As/os
Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). profissionais da equipe sabem que pode contar comigo
para conversar com as famílias, porque elas/eles têm
muito pouco tempo para fazer isso. Conversam por dois
ou três minutos e eu assumo o contato com a família,
recorrendo a equipe se for necessário.
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C A PA
A ATUAÇÃO
COTIDIANA
DA PSICOLOGIA
NA PANDEMIA
No aniversário de 58 anos da Profissão,
Mostra reúne experiências, desafios e
aprendizados em tempos de Coronavírus
Ilustração: iStock / Paulo Mota
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mento da comunicação entre familiares de pacientes deslocar os atendimentos presenciais para o modo
e as equipes médicas do hospital também foi ressal- remoto e suas implicações (como as desiguais pos-
tado por Samara: “é componente importante do tra- sibilidades de acesso à tecnologia e a menor privaci-
tamento que, ao receberem os boletins médicos, eles dade decorrente de fazer sessões dentro de casa). A
consigam tirar suas dúvidas”. Muitas das pessoas Resolução CFP nº 04/2020 orienta a categoria acerca
atendidas nunca haviam tido antes um contato com da atuação online diante do cenário de pandemia, re-
a Psicologia. “Tiveram esse primeiro contato num forçando o cadastro prévio na plataforma e-Psi como
momento difícil, mas importante”, aponta Samara, prerrogativa para o atendimento de forma remota.
ao narrar que o retorno tem sido positivo. “Ficamos Os sofrimentos psíquicos decorrentes das dificulda-
gratas de contribuir para o bem-estar da sociedade e des geradas pelo Coronavírus foram também citados
levar para essas pessoas não só o acolhimento e um em vários depoimentos de psicólogas/os.
atendimento de qualidade, mas principalmente fazer Amanda Cavalcante Ribeiro atua em São Bernardo
cumprir o papel social da Psicologia no país”, afirma. do Campo e se apresenta como psicóloga bilíngue, por
Além da área voltada para Emergências e De- ser acessível em libras e atender, predominantemente,
sastres, a Mostra de Práticas de Psicologia na Pan- pessoas surdas e/ou seus familiares. A demanda mais
demia recebeu relatos de experiências de atuação frequente constatada por Amanda nos últimos meses
profissional nas mais diversas temáticas: Assistên- é a ansiedade. “A falta de acessibilidade em libras nos
cia Social; Psicologia Comunitária; Direitos Humanos; meios de comunicação, como a TV aberta ou a inter-
Políticas Públicas; Psicologia do Esporte; Psicologia net, traz para os pacientes uma falta de informação
Hospitalar; Comunicação Social; Avaliação de Progra- que acarreta em ansiedade, por não saberem com o
mas; Formação em Psicologia; Psicologia Escolar e que estão lidando”, conta Amanda. Em tempos de in-
Educacional; e Psicologia Clínica. certezas, fica explícito o quanto o acesso à informa-
Entre os desafios mais recorrentes que foram ção é crucial. A falta de privacidade também tem sido
compartilhados, está a abrupta necessidade de um problema, já que todos os seus atendimentos pas-
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saram a ser remotos. Amanda ilustrou esse desafio ao de pandemia, as frustrações com as atividades es-
relatar a interrupção de uma de suas sessões, quando colares, de organização de tempo, de espaço”, expõe.
um familiar entrou no quarto do paciente por tê-lo ou- Amanda Medeiros também tem elaborado pequenos
vido chorar. Por outro lado, mencionou Amanda, o fato vídeos para que os professores mandem aos pais de
de muitas vezes a comunicação ser feita em libras tem seus estudantes. Entre os temas abordados, estão
também facilitado o sigilo. a importância que a família aplique as atividades do
Alternativas como fazer a vídeo-chamada de den- ensino remoto e também algumas dicas para lidarem
tro do carro ou digitar as falas que não podem ser com as crianças tanto tempo dentro de casa.
ditas em voz alta têm sido algumas das que Laís Re- A atuação de Lia Brioshci Soares também tem uma
gina Silva Melo têm aplicado junto a seus pacientes, interface com educadores, mas em outro contexto.
para lidar com a escassa privacidade que o modo Concursada da prefeitura de um município no interior
online pode implicar. Aos 23 anos de idade, a estreia de São Paulo, durante a pandemia Lia foi realocada de
de Laís nos atendimentos em psicoterapia aconteceu um Centro de Referência de Assistência Social para
justamente em 2020. uma Casa de Acolhimento de Crianças e Adolescen-
Já Luciana Angelo, coordenadora do Curso de tes. Impossibilitadas de irem à escola, de sair e tam-
Aperfeiçoamento e Especialização da Psicologia do bém de receberem visitas, com dificuldades de acesso
Esporte do Instituto Sedes Sapientiae, enviou para às aulas online já que nem todos têm celular e o com-
a Mostra um vídeo coletivo, elaborado pela vigésima putador da Casa está quebrado, as crianças e adoles-
turma de estudantes. Com a proposta de pensar em centes têm, de acordo com Lia, sentido tédio. Com a
estratégias adequadas para lidar com o momento, nova rotina, os conflitos dentro da Casa aumentaram
as/os psicólogas/os elencam uma série de sugestões muito – tanto entre as próprias crianças e adolescen-
voltadas para a área do esporte. Entre elas: manter
o contato virtual com a equipe e a comissão técnica
reforçando a troca de experiências e o vínculo; man-
ter rotina de alimentação, sono e terapias auxiliares;
aproveitar para desenvolver habilidades de percep-
ção e reflexão sobre si mesma/o que possam auxiliar
no enfrentamento de adversidades e não se cobrar
tanto, fazendo o que está ao alcance.
Entre as experiências relatadas por psicólogas/os
atuantes em serviço público, está a de Amanda Me-
deiros. Psicóloga escolar, Medeiros atua na cidade de
Paulicéia, no fortalecimento da saúde mental de servi-
dores da educação pública do município. Amanda con-
ta que no início da pandemia seu foco foi o apoio às
equipes gestoras e pedagógicas com orientações re-
lacionadas, principalmente, a manutenção de vínculos
entre crianças e professores. “Houve uma resistência
da equipe de professores para aderir ao ensino remo-
to”, comenta. Num segundo momento, Amanda ela- tes quanto nas suas relações com educadores sociais.
borou um questionário sobre saúde mental, pergun- Para lidar com esses desafios, Lia Soares e o res-
tando aos servidores o que sentiam, lhes oferecendo tante da equipe técnica da Casa de Acolhimento ela-
um espaço de escuta. A partir daí pôde perceber quais boraram uma série de estratégias. “Para melhorar
Ilustração: iStock / Paulo Mota
pessoas mais estavam precisando de ajuda. “Estou a dinâmica da Casa propusemos rodas de conversa
trabalhando também com a formação de professo- entre a equipe técnica e os educadores como uma
res, sobre nossa inteligência emocional em tempos forma de capacitar e supervisionar as ações”, desta-
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ca Lia, ao mencionar que também foi contratado um rante o inverno, por exemplo, o coletivo organizou a
educador físico com intuito de manter e promover a distribuição de kits com cobertores, casacos, toucas,
saúde mental e física das crianças e adolescentes. cachecóis, garrafas d’água e máscaras.
“Temos tentado promover o diálogo e a manutenção “Tão importante quanto falarmos da lavagem das
do vínculo entre as crianças e adolescentes e os fa- mãos é nos aproximarmos do território da Brasilân-
miliares e amigos através de tecnologia”, acrescenta. dia e constatarmos que uma das maiores demandas
E por último, complementa Lia, “também sugerimos dessa população é a falta de água para beber”, en-
que os educadores façam assembleias junto com fatiza Clair Aparecida. “Tão importante quanto fa-
crianças e adolescentes para promover o diálogo, a larmos de isolamento social é constatarmos que no
autonomia e o direito à cidadania que eles têm”. distrito de Guaianases existem apenas 15 vagas fe-
“A pandemia desnuda, desmascara uma crise já mininas ofertadas no Centro de Acolhida”, exemplifi-
instaurada: uma crise estrutural de acesso a todas as ca. “Em meio a um período pandêmico de tantas in-
formas de saúde”, resumiu Eliane Rosa de Melo, psicó- certezas, uma coisa é certa”, alega Clair: “O vírus não
loga e psicanalista atuante em São Paulo e também em é democrático. Infecta pessoas de todas as classes,
Taboão da Serra. O vídeo enviado por Clair Aparecida mas mata aqueles que já são vulneráveis: os pobres”.
parece reforçar a frase de sua colega. Se apresentan- Os dados não deixam Aparecida mentir. Uma aná-
do como filha de nordestinos, mulher, negra, psicólo- lise feita pela Agência Pública a partir de boletins epi-
ga e pós graduada em Psicologia na Atenção básica à demiológicos do Ministério da Saúde divulgada em
Saúde, Direitos Humanos e Lutas Sociais, Clair descre- maio já apontava as desigualdades raciais na fatali-
ve como tem sido a sua atuação junto à população em dade da Covid-19 no Brasil. De acordo com o estudo,
situação de rua. Diante dos desafios vividos por pes- entre a população negra há uma morte a cada três
pessoas hospitalizadas por Síndrome Respiratória
Aguda Grave (SRAG); já entre a branca, há uma morte
a cada 4,4 hospitalizações. Para cada morte em Moe-
ma, foram contabilizadas quatro em Brasilândia.
E é justamente a população negra e moradora das
periferias a que mais foi atendida em hospitais de cam-
panha, como aquele onde trabalhou a psicóloga De-
borah Toledo dos Santos. No vídeo-relato que enviou
para a Mostra, Deborah aparece com seu uniforme
hospitalar. Entre suas principais atribuições, segundo
conta, estão o acolhimento no início da internação, o
acompanhamento e a finalização do tratamento. “Nes-
sa finalização do tratamento a gente trata da alta ou
do acolhimento do óbito com a família caso venha a
acontecer”, descreve. O trabalho diário e difícil, no en-
tanto, é narrado por Deborah como oportunidade de
aprendizado, crescimento e apoio a pessoas que es-
tão precisando. Um de seus desafios, afirma, é sanar
soas que não tem como seguir as orientações como as dúvidas das pessoas que chegam com o diagnós-
de isolamento social ou uso de álcool em gel, Clair jun- tico do coronavírus e desmistificar a ideia de que, por
to a outras/os profissionais, pesquisadores e ativistas estarem sendo internadas em um hospital de campa-
criaram, em maio, o Coletivo Projeto Vida. O objetivo nha, “estão assinando o próprio óbito”. Para Deborah
é fortalecer a promoção de direitos para a população Toledo, o trabalho funciona muito bem, principalmente
em situação de rua por meio da articulação de redes por conta da alta qualidade da equipe multiprofissional
entre sociedade civil, setores públicos e privados. Du- na qual atua: “É uma experiência muito incrível”.
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UM DIA NA VIDA
ENSINO-APRENDIZADO
EM PSICOLOGIA NA PANDEMIA
Duas estudantes e uma docente de Psicologia
narram suas experiências com o ensino à distância
Ilustração: iStock / Paulo Mota
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não é fácil: dependo da carona da minha mãe, minhas Lorena Martha Roberto: “Como não
tias ou minha amiga para chegar até lá. A Prefeitura perdemos de vista os afetos em jogo?”
de São Paulo disponibiliza o Atende SPTrans, com o
intuito de proporcionar transporte gratuito e acessí- “É um desafio, por si só, começar a escrever sobre as
vel para pessoas com deficiência, mas como eu moro experiências dos últimos meses de pandemia, ensino
em outro município, não tenho o direito a participar remoto, desgoverno. São muitos acontecimentos que
do programa. Acho que todos os municípios deveriam deslizam sobre um tempo extremamente acelerado
disponibilizar essa política pública, já que para nós — excesso de informações, inúmeras reuniões e aulas
que temos dificuldades de locomoção, chegar até um on-line, enxurrada de notícias entristecedoras — e, em
ponto de ônibus ou uma estação de trem ou metrô contrapartida, há momentos em que prepondera uma
é um desafio. Neste quesito, as aulas remotas faci- sensação de estagnação, impotência e imobilidade.
litam, pois não tenho que me deslocar diariamente. Nos preocupávamos muito — e ainda nos preocu-
Quando eu ingressei na universidade, solicitei pamos — com a precarização do ensino público, com
salas de fácil acesso. Porém, fui colocada em uma a enorme desigualdade de acesso aos meios digitais
sala cujo único elevador que permitia o acesso pas- entre os estudantes, com as complexas situações de
sou o semestre inteiro quebrado. Além disso, após saúde e trabalho dentro das casas e, assim, com o
meu ingresso ocorreu uma reforma em que perdi o que há de ético-político em nossas ações e decisões.
acesso a 3 centros acadêmicos, 3 xerox e à papela- Como burlar o mero produtivismo e cumprimento de
ria da universidade. Embora eu tenha feito diversas tarefas? Como não nos tornarmos apenas burocra-
reclamações para a ouvidoria, demorou mais de um tas e sim futuras psicólogas e psicólogos?
ano e meio para que o problema fosse resolvido. Um A formação em Psicologia é marcada pelos en-
dia cheguei na faculdade e todos os elevadores do contros nas práticas, nas aulas, nos corredores da
prédio novo estavam quebrados; eu não conseguia universidade. Há certa sensibilidade que vai se cons-
sequer entrar no prédio e precisei pedir a ajuda de tituindo aos poucos, que preza por uma atenção ao
minha amiga. Ainda bem que eu tinha ela lá, que me que se passa. Entre as câmeras desligadas, as ativi-
ajuda muito quando essas coisas acontecem. dades remotas, as semanas que correm e o esgota-
Durante a pandemia eu não passo por essas si- mento que aumenta a cada dia, como não perdermos
tuações. Mas não vou ficar em casa quando o isola- de vista os afetos em jogo, as vidas ali envolvidas e
mento acabar. Meu lugar é na universidade, na rua, suas complexidades? Como nos cuidamos durante o
no trabalho, na balada, ou em qualquer outro espaço processo de formação e produção de conhecimento?
onde que eu queira estar. Vou continuar lutando pela Entre as durezas do tempo em que vivemos, al-
minha autonomia, já que assim como todos, também guns encontros virtuais vêm como forma de respiro
tenho o direito de ir e vir livremente e de usufruir do e acolhimento. Diante de tamanha estranheza inci-
convívio social. dindo em nós e frente a um inusitado muitas vezes
Muitas pessoas com deficiência passam suas vi- adoecedor, percebo em mim e em colegas uma von-
das em isolamento social. Por conta da pandemia, tade de caminhar próximos, de inventar jeitos de nos
agora a sociedade entende melhor como é a realida- fortalecer. Atentos a ritmos e tempos, vamos criando
de de diversas pessoas com deficiência; porém a di- brechas nos momentos de solidão, mas também nos
ferença é que a gente sabe que uma hora a pandemia permitindo ausências e silêncios”.
irá acabar, mas, algumas pessoas com deficiência, in- Lorena Martha Roberto é graduanda do 7º termo
felizmente, continuarão sem sair de casa”. de Psicologia pela UNIFESP. Participa do Laboratório de
Mayara Massa, 23 anos, é estudante de Psicologia Sensibilidades e do Laboratório de estudos e pesquisas
da PUC SP, membra da Comissão de Acessibilidade de em formação e trabalho em saúde (LEPETS). Realiza a
Psicologia da PUC SP, integrante do Coletivo Feminis- iniciação científica “Acordos, acordes: encontros e musi-
ta Helen Keller e estagiária da Secretaria Municipal da calidades de uma clínica comum”. Atualmente é monito-
Pessoa com Deficiência de São Paulo. ra do Eixo Trabalho em Saúde da UNIFESP.
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Jaqueline Kalmus: “Quem sabe não início de agosto e ainda não é possível fazermos uma
possamos encontrar brechas e, avaliação mais consistente. Quando as atividades fo-
contraditoriamente, construir uma ram paralisadas, o ano letivo havia praticamente co-
maneira remota de estarmos juntas/os?” meçado. Desde então fizemos um grande esforço co-
letivo de continuarmos próximos às/aos estudantes
“Não é possível pensar a questão do ensino remo- e construirmos juntas/os essa modalidade de ensino
to de maneira abstraída do contexto de pandemia de emergencial. Com a premissa de “nenhum estudan-
Covid-19 em que ele se dá e das marcas das disputas te a menos” fizemos uma busca ativa das/os alunas/
dentro do próprio campo educacional. A situação do os “desaparecidas/os” e a universidade instituiu um
ensino remoto é emergencial e está atrelada a uma si- programa de inclusão digital - o que nem sempre é
tuação de isolamento físico e de sobrecarga da maio- suficiente, visto que muitas famílias tiveram perdas
ria das pessoas em relação ao trabalho, às atividades consideráveis em suas rendas.
domésticas, aos cuidados com os mais velhos ou com A marca deste período tem sido uma intensifi-
os mais novos, aos temores advindos da pandemia, ao cação no trabalho para todas/os as/os docentes e
próprio sofrimento decorrente do isolamento físico e, técnicas/os, não somente com relação ao preparo
também, da situação específica do Brasil, que resulta e realização das atividades de ensino, mas também
em mais de uma centena e meia de milhares de mortes com relação às outras atividades que a universidade
– grande parte das quais poderiam ter sido evitadas. realiza, como extensão, pesquisa e a própria gestão.
O ensino remoto foi a forma pela qual se materializou No curso de Psicologia estamos enfrentando um
uma modalidade de que, inegavelmente, traz aspectos desafio muito grande: o de manter um projeto políti-
negativos em termos de formação. Porém, neste mo- co-pedagógico de um instituto na área da saúde que
mento foi a alternativa encontrada para a preservação tem na base a interdisciplinaridade, a interprofissio-
de vidas e me parece que isso é uma questão funda- nalidade e a estreita relação com o território. Perma-
mental. Poderia haver outras formas? Talvez sim. necemos em contato constante com trabalhadoras/
Ao mesmo tempo, essa modalidade de ensino se es da saúde, da assistência e da educação, ainda
instala dentro de um contexto de ataque aos direi- que, salvo algumas iniciativas pontuais, não possa-
tos, às universidades públicas e aos servidores públi- mos estar no território. Buscamos insistentemente
cos, de precarização das condições de trabalho. Isso as formas de nos mantermos juntas/os.
também traz consequências. De um lado, temos visto Por fim, sem menosprezar o desgaste, a precari-
uma realidade em que universidades privadas reali- zação e a mercantilização do ensino, quem sabe não
zaram demissões em massa e/ou redução da carga possamos caminhar pelas bordas, encontrar as bre-
horária de professores. Essa realidade não é exata- chas e, contraditoriamente, construir uma maneira
mente provocada pelo ensino remoto – ainda que ele remota de estarmos juntas/os que possa suplantar
permita que essas ações tenham sido tomadas em as fronteiras institucionais e facilitar a articulação
uma velocidade maior –, mas efeito da contrarrefor- entre universidades? Continuar a luta histórica por
ma trabalhista e de todos os ataques que a gente uma universidade pública, gratuita, democrática e
vem sofrendo no campo dos direitos. O ensino remo- socialmente referenciada”.
to talvez tenha facilitado e acentuado a precarização Jaqueline Kalmus é Professora Adjunta da UNIFESP,
que já vinha ocorrendo, bem como a intensificação do Campus Baixada Santista, Instituto Saúde e Sociedade,
processo de mercantilização da educação em mar- Departamento de Políticas Públicas e Saúde Coletiva. É
cha nas últimas décadas. membra do Fórum sobre Medicalização da Educação e
Na Unifesp estamos realizando essa modalidade da Sociedade, com experiência em Psicologia e Educa-
de ensino na graduação: retomamos as atividades no ção e Psicologia Social.
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S A Ú D E M E N TA L
PREVENÇÃO AO SUICÍDIO:
COMPROMISSO DIÁRIO
E DE TODA A SOCIEDADE
A Psicologia no enfrentamento
das violências autoprovocadas
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O R I E N TA Ç Ã O
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• Promessa ou previsão taxativa de resultados; contempla a Portaria 544/2020 MEC, que autoriza a re-
• Autopromoção em detrimento de outras/os pro- alização de práticas, estágios e laboratórios por meio
fissionais; remoto. A respeito da supervisão na modalidade remota,
• Apresentação de atividades que sejam atribui- orienta-se que tais atividades devem ser realizadas de
ções de outras categorias profissionais; forma simultânea, sempre por profissional de Psicologia
• Divulgação sensacionalista das atividades profis- com inscrição ativa no Conselho Regional de Psicologia e
sionais; com cadastro no e-Psi.
• Conteúdo racista, homofóbico, sexista, estigmati- A/o orientadora/or de estágio deverá considerar
zante, discriminatório, preconceituoso, nem qual- as circunstâncias: quais públicos efetivamente per-
quer discurso ou prática que viole direitos humanos; mitem a realização de intervenções remotas e po-
• Exposição de pessoas, casos, depoimentos ou dem ser favorecidos por elas. Dificuldades potenciais
dados que indiquem a quebra de sigilo; podem surgir e devem ser discutidas explicitamente
• Conteúdos de patologização e medicalização; entre as/os estagiárias/os e orientadoras/es e. Caso
• Associação do exercício profissional da Psicologia ofereça risco ou não atenda os objetivos propostos,
a práticas não reconhecidas pela ciência, de cunho deve ser redesenhada ou interrompida.
místico e/ou religioso, que induzam a crenças reli-
O que fazer diante de quebra de sigilo ou violação
giosas, políticas, filosóficas, morais, ideológicas, de
de direitos?
orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito.
De acordo com o artigo 9.º do Código de Ética Pro-
A/O psicóloga/o pode realizar trabalhos voluntários? fissional, a/o psicóloga/o tem por dever profissional
Não há proibição quanto à prestação de serviços manter o sigilo e a privacidade das pessoas atendidas.
psicológicos de forma voluntária/gratuita. Todavia, a Ao tomar conhecimento de situações de maus-tratos e
informação sobre a gratuidade não pode ser utilizada violação de direitos humanos, deve avaliar a necessida-
como forma de propaganda do serviço oferecido. Além de de denunciá-las, levando em consideração as pos-
disso, as/os profissionais devem ter uma proposta de síveis consequências e o menor prejuízo, conforme ex-
trabalho com início, meio e fim, ou que garanta a gra- posto no artigo 10. O risco de cometer uma falta ética
tuidade por todo o período da prestação do serviço. poderá ocorrer tanto pela quebra do sigilo quanto por
É importante se atentar ao disposto nas Resoluções não haver denunciado o fato. Assim, se questionada/o
CFP 11/2018 e CFP 04/2020, esta última elaborada por haver denunciado ou não, a/o psicóloga/o deverá
estritamente para vigorar enquanto durar a pandemia. estar fundamentada/o e expor os motivos (técnicos e
éticos) que a/o levaram a tomar sua decisão.
Quais cuidados a/o psicóloga/o deve tomar ao
escolher um teste psicológico? Preciso me inscrever no CRP para poder atuar?
Somente testes psicológicos com parecer favorá- Estar inscrita/o é uma exigência da Lei n.º 5.766, de
vel no Sistema de Avaliação de Instrumentos Psicoló- 20/12/1971 para o exercício profissional da Psicologia.
gicos (SATEPSI) poderão ser aplicados. Para atuar em qualquer área, é necessário que a/o
Com relação ao uso de instrumentos psicológicos profissional possua inscrição ativa no Conselho Re-
de aplicação à distância por meio das tecnologias da gional de Psicologia, independente de utilizar ou não
informação e da comunicação (TICs), além do parecer testes psicológicos. Por exemplo, caso atue na área
favorável no SATEPSI, é necessária a padronização e de Recursos Humanos, se as atribuições incluem ativi-
normatização específica para a aplicação à distância. dades previstas na área de Psicologia Organizacional
Para checar quais testes possuem a possibilidade de e do Trabalho, a/o psicóloga/o deve estar inscrita/o e
aplicação remota, consulte o SATEPSI no endereço: ativa/o no CRP de sua jurisdição. Caso a pessoa esteja
http://satepsi.cfp.org.br/. atuando com a graduação concluída e sem inscrição
ativa, pode ser caracterizado exercício irregular da
Como funciona o estágio supervisionado em Psi-
profissão. Ainda, se não possuir a formação em Psi-
cologia na pandemia?
cologia ou não tiver concluído a graduação, pode ser
Consulte a publicação da ABEP e do CFP. O material
caracterizado exercício ilegal da profissão.
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SUBSEDES
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selhos Municipais de Álcool e Outras Drogas; Con- Kleber Chaves Pereira, atualmente conselheiro Muni-
selhos Municipais de Assistência Social; Comitês de cipal de Educação, diz que “a garantia da qualidade na
Ética em Pesquisa; Coordenadoria dos Direitos das oferta de ensino público passa, impreterivelmente, pelo
Mulheres; Secretaria dos Direitos e Políticas para Mu- controle social do orçamento da Educação”.
lheres; Procuradoria Especial da Mulher; e o Comitê Raul Aragão Martins, ex-conselheiro do COMAD
de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. São José do Rio Preto, traz as nossas contribuições
Talita Fabiano de Carvalho, conselheira, psicóloga na construção das políticas sobre drogas destacan-
e Coordenadora da Subsede, destaca que “ fazemos do “a participação pela defesa do ser humano frente a
os enfrentamentos necessários para qualificar a Escuta todas vulnerabilidades que está exposto em uma socie-
da Sociedade e exercer uma defesa incansável do aces- dade voltada ao consumo. Nesta perspectiva, defendi a
so às políticas públicas”. abordagem de álcool e outras drogas como questão de
Para Maria Carolina Gatti, que já ocupou a cadeira no saúde pública e que não se restringe ao debate sobre
Conselho Municipal dos Direitos dos Idoso, de outubro descriminalização e legalização da droga, embora estes
de 2014 a março de 2017, “a presença efetiva da Psicolo- pontos sejam importantes. Recomendamos, também,
gia, em todos os espaços, é importante para promover um maior controle das drogas legais, como parte de
a garantia dos direitos humanos e fortalecer os víncu- uma política preventiva, como ocorreu com o tabaco,
los afetivos e sociais das pessoas em vulnerabilidade”. que não pode exibir propagandas na mídia, o que não
Ricardo Gasolla, atual Conselho Municipal de Assis- ocorre com as bebidas alcoólicas, em que as pessoas
tência Social de Catanduva, complementa essa pers- são submetidas a uma enxurrada de propaganda”.
pectiva: “A presença da Psicologia nesses espaços é a Alessandra Moreno Maestrelli, Gestora da Subse-
oportunidade de pautarmos o humano e a humanidade de e membra de Comitê de Ética em Pesquisa, aponta
no arranjo institucional, que incorpora diversas políticas que “nos comitês de ética, o papel do representante do
públicas, provocando discussões e reflexões no sentido CRP é zelar para que mesmo os riscos, aparentemente
do reconhecimento de todas as pessoas como sujeitos inócuos, sejam evidenciados e discutidos antes do iní-
de direitos, sendo essa compreensão fundamental para cio das pesquisas. Uma vez aprovados os documentos
a conquista do seu pleno desenvolvimento”. como termo de consentimento livre e esclarecido, as
autorizações das instituições participantes, dos pais
Já Márcia Polacchini Cartapatti da Silva, ao falar
ou responsáveis pelas pesquisadas de menor idade, as
sobre sua experiência como representante no Conse-
pesquisas estarão aptas a serem realizadas. É um tra-
lho Municipal da Criança e do Adolescente expressa a
balho importante para ajudar a garantir que os direitos
necessária dedicação de nossas/os representantes:
humanos não sejam violados em nome da Ciência. His-
“Participar de um Conselho Municipal não é tarefa fácil e
toricamente, trata-se de uma conquista para a Psicolo-
nem simples, dados os meandros das políticas públicas.
gia e das psicólogas, enquanto categoria”.
É necessário doar muitas horas de sua semana para um
desempenho satisfatório, que nos legalize nessa impor- Código de ética Profissional da/o Psicóloga/o
tante representação que é a área da Psicologia”. O Código de Ética da Psicologia preconiza, em seus
Luiz Tadeu Pessutto, ex-conselheiro do CRP SP e princípios fundamentais, que “a/o psicóloga/o trabalha-
atuante na área da Educação, destaca a importância rá visando promover a saúde e a qualidade de vida das
da participação que se configura como um “trabalho pessoas e das coletividades e contribuirá para a elimi-
árduo. A nossa militância, foi no sentido de ajudar e fa- nação de quaisquer formas de negligência, discrimina-
zer valer os direitos dos cidadãos. Nós inspecionamos ção, exploração, violência, crueldade e opressão”. Ainda
todas as obras que estavam sendo feitas na época com ressalta que a atuação se dará com “responsabilidade
os recursos do Fundo. No Conselho de Educação nós social, analisando crítica e historicamente a realidade
trabalhamos bastante também, elaboramos o Estatuto política, econômica, social e cultural (...) considerando
deste Conselho e nos mantivemos engajados nisso. A as relações de poder nos contextos em que atua e os
partir desses lugares, realizamos uma pesquisa, princi- impactos dessas relações sobre as suas atividades
palmente da Educação, no CRP SP, sobre o uso da Rita- profissionais, posicionando-se de forma crítica”. Afinal,
lina, em todo o Estado de São Paulo”. a Psicologia tem um papel ativo e transformador.
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10 ANOS DO CEDOC
10 ANOS DO CENTRO DE
DOCUMENTAÇÃO DO CRP SP
História, memória e disseminação da Psicologia no estado
N
Ilustração: iStock / Paulo Mota. Fotos: Arquivo CRP SP
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ECA+30
ECA + 30:
A GENTE LUTA,
A GENTE BRINCA
A Psicologia é para todo mundo e se faz com crianças e adolescentes
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A Psicologia tem procurado, no decorrer da histó- A partir de então, o CRP SP tem realizado discussões
Imagens: Arquivo CRP SP
ria, mudar sua rota por vezes elitista e adaptacionista, e articulações com a categoria, sociedade e outras en-
aliando-se às crianças e às/aos adolescentes, movi- tidades para compreender a realidade das crianças e
mentos sociais, entidades e organizações, colaboran- adolescentes durante a pandemia. Fizemos uma roda
do para a efetivação das garantias e direitos. A ciência de conversa e uma live denominadas “Criança e adoles-
deve estar em busca de mecanismos que propulsio- cente: prioridade absoluta na pandemia”. Organizamos
nem a vida, o desenvolvimento pleno e saudável. Desta um relato sobre as principais questões que atravessam
forma, a profissão caminha em busca de uma atuação a vida das crianças e adolescentes em tempos de pan-
que seja política, compreendendo os prejuízos advin- demia e as estratégias as/os psicólogas/os em suas
dos dos processos de exclusão vivenciados pela maio- atuações. Elaboramos, junto ao Movimento Pela Pro-
ria da população de crianças e adolescentes. teção Integral de Crianças e Adolescentes, a “Carta de
E este engajamento da Psicologia está demons- comemoração dos 30 anos do ECA e a defesa da Pro-
trado na práxis psicossocial e cotidiana, e assim, teção Integral como legado: desafios do presente e do
também está presente nas ações, debates, orienta- futuro”. O CRP SP, assim como o CFP, em interlocução
ções e trajetórias do CRP SP. com este movimento, tem procurado articular projetos
No repositório digital Fulvia Rosemberg é possível de lei nacionais ou estaduais que digam respeito aos
pesquisar este percurso da Psicologia na defesa dos di- direitos e políticas públicas para essa população.
reitos das crianças e adolescentes. Nos 10 anos do ECA, O CRP SP também possui representantes nos Conse-
o CRP SP levantou o mote “Tamanho é documento: 10 lhos Municipais de Direitos das Crianças e Adolescentes
anos do ECA, certidão de cidadania da criança e do ado- (CMDCA) de vários municípios e está sempre em diálogo
lescente”. Nos 15 anos entoamos: “ECA 15 anos: Estatu- com o CONANDA: o Conselho Nacional de Direitos das
to da Criança e do Adolescente, direitos a gente conquis- Crianças e Adolescentes, atualmente presidido pela psi-
ta!”. Aos 18 anos: “o ECA cresceu, mas será evoluiu?”. ECA cóloga Iolete Ribeiro, representante do CFP. Na live “30
25 anos: “Brincar pra valer, valer pra brincar”. anos do ECA e 58 anos da Psicologia: percursos e com-
Finalmente chegamos aos tão esperados 30 promissos”, Iolete explica como tem sido a atuação do
anos! Uma caminhada e tanto! O CRP SP, a categoria CONANDA. As dificuldades decorrentes de interferên-
e todas/os as/os envolvidas/os aguardavam muitas cias do governo federal têm sido constantes. Um exem-
ações e fortalecimento a partir de encontros poten- plo foi a suspensão da posse de conselheiras/os eleitas/
tes e articulações. No entanto, nos deparamos com a os, na tentativa de inviabilizar a realização de plenárias.
pandemia e o agravamento das desigualdades. Tudo É nesse contexto, portanto, que o ECA comple-
teve que ser repensado e reformulado, representan- ta suas três décadas e que o CRP SP reafirma a im-
tes e membros de todo o estado se reuniram para or- portância da Psicologia nas pesquisas, reflexões e
ganização da campanha e junto nos deparamos com discussões a respeito das infâncias e adolescências,
uma enxurrada de demandas e dúvidas. na defesa da aplicação dos artigos do ECA e demais
O mote destes 30 anos seguiu então em prol da legislações pertinentes. Compreendemos que desta
manutenção do brincar e com o reconhecimento de forma tornaremos possível uma atuação crítica e com-
que a luta é imprescindível! Temos 30 anos, mas que- prometida que articule ciência psicológica, proteção,
remos mais 30, e mais 30... E assim surgiu o “ECA + 30: direitos e participação das crianças e adolescentes.
a gente luta, a gente brinca”. Toda a sociedade deve estar comprometida com isto.
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E S TA N T E | M U R A L
ESTANTE
www.videocamp.com/pt
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