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Personagens

Madalena casou com Manuel partindo do pressuposto de que o 1º marido estava morto, pelo
que estava livre para casar 2ª vez. Contudo, Madalena sente, no seu íntimo, que atraiçoou o
seu 1º marido. Ela própria confessou que se apaixonou por Manuel ainda em vida de D. João
de Portugal. O seu corpo manteve-se fiel ao seu marido, mas o seu coração não. Esta
«infidelidade sentimental» continuou a afligir Madalena, mesmo depois de casada 2ª vez,
fazendo-a sentir-se culpada, embora tudo apontasse para a sua inocência. É este sentimento
de culpa, associado aos terrores de que D. João ainda esteja vivo, que não a deixam ser feliz ao
lado do único homem que verdadeiramente amou. Os seus receios são alimentados pelas
contínuas alusões de Telmo à iminente vinda daquele que considerava como o seu verdadeiro
amor.
Deixando-se reger pelos sentimentos, Madalena recusa-se a ouvir, sistematicamente, a voz do
bom
senso, da razão. O sofrimento é ainda intensificado pelo profundo amor que sente pela filha,
na medida em que tem consciência de que o regresso de D. João — ou a simples noção da sua
existência — a poderiam matar. Surge como “pobre mãe” e “coitada”, que se encontra em
pânico, com pressentimentos de desgraça. É uma sofredora e tem um amor intenso e uma
preocupação constante com a sua filha Maria.
Ela é uma «amorosa» por excelência e, embora se apresente como uma boa
mãe, sempre preocupada coma filha, Madalena coloca acima do amor maternal o amor
passional: o marido (Manuel) vem primeiro do que a filha. É esta paixão avassaladora que a vai
arrastar e, igualmente com ela, todos os que a amam, à perdição. Por amar cegamente
Manuel, esta arrasta-o para uma situação de adultério inconsciente, que irá destruir os dois e
irá destruir igualmente o fruto desse amor.
Madalena revela-se uma mulher desequilibrada, irracional. Os sentimentos de culpa
torturam-na, não a deixando viver o presente. A este propósito, a própria Madalena
estabelece um paralelismo entre o seu caso e o de Inês de Castro, que ela considera mais
afortunada, porque viveu plenamente feliz, enquanto ela viver cheia de remorsos e de receios
aterradores. A referência à trágica história de amor de Inês de Castro deixa adivinhar um
desfecho igualmente infeliz para a história de amor de Madalena.

Madalena parece ser uma personagem perseguida pelo infortúnio, marcada pelo destino para
o sofrimento.

Acredita em agoiros, superstições, dias fatais (a sexta-feira) e Deus, o que a leva a entrever
presságios de desgraça em vários acontecimentos Curiosamente, Madalena é capaz de assumir
atitudes contraditórias. Por exemplo, quando o romeiro está diante dela, Madalena não
consegue perceber que este é o seu primeiro marido.

Só quando as circunstâncias são irrefutáveis é que ela consegue alcançar o sentido das
palavras do Romeiro. Mesmo assim, Madalena vai tentar resistir até ao fim. No último
encontro que tem com Manuel, antes de tomar o hábito, Madalena tenta demover Manuel,
adiantando a possibilidade do Romeiro ser um impostor e estar a mentir. Até ao final, ela
recusa-se a aceitar as evidências e só se conforma com a solução do sacerdócio, porque
Manuel não recua, mantendo-se firme na sua nobre decisão, o que demonstra que é muito
influenciada por ele.
Em Madalena encontra-se ausente o amor à pátria. Não se nota qualquer preocupação
relativamente à ocupação de Portugal pelos espanhóis. Quando Madalena se insurge é porque
os governadores espanhóis lhe querem ocupar o palácio: esta reage por amor próprio e não
porque no seu íntimo exista algum sentimento nacionalista, ou patriótico. É o orgulho ferido
que faz com que Madalena se revolte contra a «ocupação».
Manuel de Sousa Coutinho é um nobre e honrado fidalgo que se orienta por valores universais
como a honra, a lealdade, a liberdade, é um patriota, forte, corajoso, e decido, mas não
acredita em agoiros, sendo muito racional e não possuindo qualquer sentimento de culpa em
relação ao passado. Contudo, esta personagem evolui de uma atitude interior de força, de
coragem e segurança para um comportamento de medo, de dor, sofrimento, insegurança e
piedosa mentira no ato III quando teme pela saúde da filha e pela sua condição social, onde
mostra desagradado quando Maria lhe fala
na possibilidade de regresso de D. Sebastião. Tal demonstra que, na realidade,
não estava absolutamente convicto de que D. João tinha morrido na
Batalha de Alcácer-Quibir. O ceticismo que mostra em relação aos presságios
é também contrariado quando recorda que o pai fora morto pela própria
espada, interrogando-se sobre se também ele não será vítima do fogo que
ateou. Encontramos aqui um Manuel supersticioso, que se deixa
contagiar pelos temores de Madalena e que começa, também ele, a recear que o incêndio do
palácio possa trazer uma desgraça ainda maior.
O seu discurso sofreu também alterações: torna-se desconexo, com repetições, com
afirmações contraditórias, com frases suspensas. É um homem desorientado que pede
simultaneamente a morte para a filha (a razão, a cabeça, diz-lhe que seria a forma mais airosa
de Maria sair de toda aquela situação sem sofrer e sem passar pela vergonha de conhecer a
bastardia) e a vida (o sentimento, o coração, diz-lhe que a sua filha não pode morrer, porque é
uma filha muito querida e muito amada). De salientar que em Manuel, o amor paternal, o
amor pela filha, é mais forte, desempenha uma função mais importante do que o próprio amor
de homem, o amor que sente por Madalena. Em relação a Madalena, Manuel não perdeu o
equilíbrio, tomou a decisão mais correta e, como cavalheiro exemplar que era, assumiu a
responsabilidade de todos aqueles acontecimentos trágicos. Importante para Manuel é ainda
o seu amor à pátria. Esse amor à pátria leva-o a cometer atos de autêntica loucura: desafia a
autoridade espanhola, arriscando-se a ser preso. Ao incendiar o seu palácio, Manuel mostra
grande espírito de sacrifício, estando disposto a tudo pela pátria, pelo seu sentimento de bom
português. Ver a sua casa «invadida» pelos espanhóis era como se visse Portugal a ser
invadido uma 2ª vez. Já que não conseguiu evitar a invasão dos espanhóis e a consequente
perda de independência de Portugal, pelo menos evitava a «invasão» da sua casa e a perda da
sua própria dignidade e identidade como português. Desprezando todos os bens materiais,
destruindo tudo aquilo que conseguira juntar ao longo de toda uma vida, Manuel mostra o
grande amor que sente pela pátria e deixa antever já o espírito predisposto ao despojamento
dos bens materiais. Destruindo o «ninho de amor», onde fora feliz com Madalena, privando-se
de todos os confortos materiais, Manuel estava a preparar-se gradualmente para o
despojamento total, que ocorrerá com a entrada na vida religiosa.

Maria de Noronha é uma menina muito inteligente e precoce para a sua idade, sendo muito
culta, intuitiva, perspicaz, curiosa e romântica (é nacionalista, idealista, sonhadora, fantasiosa,
patriota, crente em agoiros e uma sebastianista). Maria é uma patriota, que defende a
identidade e a liberdade do povo português e de Portugal. O seu sebastianismo tem a ver com
o nacionalismo, não perdendo ela uma oportunidade para «atacar» os espanhóis. Maria é uma
idealista, que gostava de poder combater pela pátria. No entanto, ela tem consciência das suas
limitações (condição de mulher, doença, etc.); quase que adivinha as condições pouco nobres
do seu nascimento («O que sou… só eu sei, minha mãe… E não sei, não, não seu nada, senão
que o que devia ser não sou…»).
Tendo sido criada por Telmo, tem-lhe um amor profundo, partilhando da sua crença no
regresso de D. Sebastião.

Maria acredita ter a capacidade de desvendar o oculto, traço que, supostamente, é agudizado
pelo aumento da sensibilidade que o facto de estar tuberculosa lhe proporciona. A sua
intuição apurada leva-a a compreender que há algo que toda a família lhe quer ocultar, no
intuito de a proteger.

A coragem que demonstra quando incita o pai a queimar o palácio manifesta-se também no
fim, quando enfrenta as convenções sociais e as próprias convenções religiosas, afirmando que
nada justifica a destruição de uma família.

Apesar da sua força interior, a sua fragilidade física não lhe permite sobreviver ao desgosto de
descobrir que é filha ilegítima, acabando por morrer de vergonha, apresentando-se como
vitima inocente de toda a situação que é «sacrificada», sem ter cometido pecado algum, quase
como se a sua morte servisse para expiar os pecados dos outros.

Com os seus sonhos, as suas fantasias, o seu sebastianismo, Maria acaba por atormentar
inconscientemente a mãe. Contudo, se faz mal à mãe, é sem querer e sem o perceber, porque
quando vê a mãe triste, ela evita tocar nos assuntos que costumam melindrar a mãe.

A morte em palco de Maria serve para provocar o terror no espectador, mas também se poder
ver na sua morte uma forma de salvação. Salva-se a sua alma, que foi para o céu, a quem
sempre pertenceu. Maria foi um «anjo» que, durante algum tempo, viveu na terra, mas
depois «ganhou asas» e subiu aos céus.

Em relação a esta personagem, é de destacar o importante papel desempenhado por


ela no final da peça. Curiosamente, é através da sua boca que surgem as críticas mais sérias e
agressivas à sociedade de então. Maria critica a instituição religiosa, o sagrado laço do
matrimónio: «Que Deus é esse que está nesse altar, e quer roubar o pai e a mãe a sua filha…
Vós não sois marido e mulher». Maria critica a inflexibilidade dos princípios religiosos que
impedem que os seus pais lhe possam dar um nome digno e critica igualmente os preconceitos
sociais, que recriminam uma relação não abençoada pelos laços sagrados do casamento e que
estigmatiza os filhos nascidos dessas relações.
A escolha de Maria para tecer as críticas mais severas e também mais perigosas não
terá sido arbitrária. Quem poderia apontar o dedo acusador a uma menina que sempre
mostrou qualidades louváveis? Além do mais, tudo se perdoa a quem está à beira da morte!
Ainda por cima, Maria fala debaixo da dor da descoberta da sua real situação. É, pois, uma
Maria enlouquecida, dominada pela dor, que levanta a sua voz pelo que, atendendo ao seu
estado psicológico, é de desculpar o facto de ela ter cometido alguns excessos.

TELMO PAIS
Trata-se do leal escudeiro de D. João de Portugal. Não é de origem nobre, contudo
ocupa um estatuto privilegiado na família. É uma pessoa considerada por todos, tendo um
ascendente muito grande sobre Maria e Madalena. Maria nutre por ele quase um amor filial e
Madalena vê nele um «pai», um conselheiro, um confidente. Telmo faz a ligação entre o
passado e o presente. Tendo servido D. João na sua meninice, vê nele um filho, tendo-se
sempre recusado a aceitar que ele tivesse morrido na batalha de Alcácer Quibir. Telmo vai
atormentar os catorze anos de casamento de Madalena e é, com um mórbido prazer, que ele
aproveita as crenças, os receios e os terrores de Madalena para os alimentar ainda mais, não
permitindo nunca que Madalena se esqueça do seu 1º marido, lembrando-lhe sempre que
este poderá estar ainda vivo e regressar para reclamar o seu legítimo estatuto. Telmo chega
até a «sentir os ciúmes» que o marido sentiria ao ver-se atraiçoado. Telmo desempenha aqui o
papel do coro da tragédia grega, que tem a função de comentar, antecipar os acontecimentos
e de lançar avisos.
Além de atormentar direta e propositadamente Madalena, Telmo fá-lo também
indiretamente através de Maria, explorando a sua fantasia e o seu espírito sonhador. Telmo
vai desenvolver em Maria o gosto pelo sebastianismo. Relativamente a Maria, no início, Telmo
não a podia ver, porque era filha do seu rival, mas Maria foi crescendo e acabou por conquistar
o coração do velho escudeiro com toda a sua meiguice, ao ponto de este afirmar que gosta
mais dela do que os próprios pais. Quando colocado á prova, no Ato III, o coração de Telmo
acaba por pender para o lado de Maria. Colocado entre dois amores (D. João e Maria), Telmo
mostra nitidamente que o amor que sente por Maria é maior que o que sente por D. João.
Telmo chega a sentir-se tentado a mentir, dizendo que o Romeiro era um impostor, mas os
seus rígidos princípios morais impedem-no de contar tal mentira. Também relativamente a
Manuel Madalena, as suas atitudes e sentimentos mudam. Após o incêndio, arrepende-se de
nunca ter dado o devido valor a Manuel e reconhece-o como um grande homem e um grande
português.
Quando esteve diante do Romeiro, defendeu Madalena a que considerou a mais digna e
honrada dama de Portugal, deixando de lhe apontar o dedo acusador, como no Ato I.

Sendo assim, a severidade e inflexibilidade inicial, que o leva a criticar D. Madalena por se ter
casado segunda vez sem estar certa da morte do primeiro marido e mesmo a sugerir que, em
consequência disto, Maria poderia não ser uma filha legítima e a inflexibilidade que revela (e
que se manifesta, por exemplo, no facto de nunca mentir) virá a ser quebrada, humanizando-
se.

Frei George é uma personagem tipo e apenas tem a função de mostrar o que a igreja deveria
de assumir. Frei George é irmão de Manuel de Sousa, representa a autoridade de Igreja. É
também confidente de Madalena, pois é a ele que ela confessa o seu “terrível” pecado: amou
Manuel de Sousa ainda D. João era vivo. É uma figura moderadora, que procura harmonizar o
conflito e modera os sentimentos trágicos. Acompanha sempre a família, é conciliador,
pacificador e impõe uma certa racionalidade, procurando manter o equilíbrio no meio de uma
família angustiada e desfeita.

• No Ato Terceiro, quando D. Manuel se verga ao peso da desgraça, é Frei Jorge quem toma
todas as providências para que o irmão e D. Madalena ingressem no convento — procurando,
simultaneamente, amparar a família e funcionar como intermediário entre as personagens.
• Apesar de se comover com o sofrimento a que assiste, Frei Jorge mostra-se inflexível na
obediência aos seus princípios, recusando qualquer solução que passasse pela mentira, mesmo
que esta lhe permitisse impedir a catástrofe. Com efeito, considera que a entrada na vida
religiosa proporcionará a D. Manuel e a D. Madalena o consolo e a redenção de que
necessitavam.

D. JOÃO DE PORTUGAL
O aparecimento do 1º marido de Madalena processa-se em três fases. Embora
fisicamente ausente, durante mais de metade da obra, D. João de Portugal está sempre
presente quer na memória, palavras e nas esperanças de Telmo que paira sobre aquela família,
na consciência (sombra das angústias) de Madalena, nas palavras de Manuel e na intuição de
Maria.
A 1ª fase corresponde aos terrores de Madalena, aos agoiros de Telmo e ao
sebastianismo de Maria. A «presença» de D. João paira no ar, como se de um «fantasma»
incómodo e assustador se tratasse. Madalena não consegue esquecer o seu 1º marido e vive
atormentada com a ideia de que este possa regressar a todo o momento. Telmo,
propositadamente, «alimenta» os terrores de Madalena, como se sentisse um prazer mórbido
em fazer sofrer Madalena. Fiel ao seu único e verdadeiro amo, (D. João), sentindo os ciúmes
que este nunca sentiu, Telmo não vai permitir que Madalena seja plenamente feliz com
Manuel, invocando constantemente o seu 1º marido. Maria, inconscientemente, acaba por
desempenhar uma função semelhante. O seu sebastianismo leva-a a desejar que ainda esteja
vivo o jovem rei português e que este volte para tirar o povo do jugo espanhol. Para Madalena,
este sebastianismo é perturbante porque, partindo da crença de que D. Sebastião estava vivo
e havia de voltar, também se poderia pensar que D. João estava vivo e, também ele, poderia
regressar. Esta fase observa-se no Ato I.
A 2ª fase observa-se no Ato II e corresponde ao retrato. Quando a família se desloca
para o palácio que foi de D. João de Portugal, assiste-se a uma semi-materialização. D. João
não está presente fisicamente, mas deixou de ser apenas um «fantasma», para se
«materializar» no retrato. Não é o seu corpo, mas é uma reprodução dele. Esta é a fase
preparatória para o surgimento físico de D. João Este vai ocorrer no final do Ato II, embora só
no Ato III o Romeiro se assuma como D. João de Portugal, utilizando sempre a 3ª pessoa
gramatical. É como se não falasse de si mesmo, mas de outra pessoa. Só no ato III, quando
está diante de Telmo, este é reconhecido como D. João. De salientar ainda que a primeira vez
em D. João/ Romeiro entra em cena, no Ato II, tal ocorre na cena XIII, aparecendo novamente
o número treze como um mau presságio: é como se anunciasse a entrada de uma
personagem, que iria ser responsável pela tragédia que se abaterá sobre a família.
O que se pode observar de D. João de Portugal é que este é um homem austero, de
princípios rígidos: um português dos antigos, como dizia Telmo.
Célebre e carregada de significado é a expressão usada pelo Romeiro, quando Frei
Jorge e Telmo lhe perguntam quem ele é: Ninguém. Este «ninguém» está implicitamente
ligado com o facto de todas as pessoas, em especial Madalena, terem partindo do princípio de
que D. João de Portugal morrera no norte de África. Assim sendo, era como se ele já não
existisse no coração e na memória dessas pessoas. O ninguém» também poderá estar
relacionado com o progressivo esvaziamento da personagem. No passado, quando casado com
Madalena, D. João apresentava um conjunto riquíssimo de características: era nobre, tinha um
nome reconhecido e digno, tinha os seus bens materiais (por exemplo: o palácio de Almada),
tinha uma mulher que amava, tinha uma família, tinha um rei, tinha uma Pátria. Agora, D. João
de Portugal já nada tem: perdeu o nome (já só o conhecem como o Romeiro), perdeu os bens
materiais (o palácio em Almada está «ocupado» por outro «dono»), perdeu a mulher (que está
«casada» com outro homem), perdeu a família (que o julgou morto) e regressou a um lugar
que já não tem rei, nem identidade própria (pertence a Espanha). Por todas estas razões fácil é
perceber que o «ninguém» remete também para este progressivo «empobrecimento» da
personagem.
O «ninguém» poderá ainda ter outro valor: como Telmo afirmava «já não há daquela
gente». D. João de Portugal não funcionaria somente como uma personagem individual, mas
sim como uma personagem coletiva, um símbolo do verdadeiro povo português, do
português do passado glorioso como, aliás, se pode verificar através do nome «Portugal». Sem
rei, sem Pátria, sem diretrizes, sem esperança no futuro, o povo português despersonalizara-
se, perdera a garra e o brio, perdera a raça e o orgulho. Este «ninguém» pode quase transmitir
esta ideia.
Revela-se ainda muito humano quando confrontado com o facto de que D. Madalena tinha
feito todos os esforços para o procurar e de que ela tinha uma filha, mostra-se disposto a
anular a sua própria existência para salvar toda a família da catástrofe.

Em suma, D. João é caracterizado direta e indiretamente, esta caracterização é tanto física


como psicológica. É sempre lembrado como patriota, digno, honrado, forte, fiel ao seu rei.
Quando regressa, na pele do Romeiro é austero e misterioso, representa um destino cruel, é
implacável, destrói uma família e a sua felicidade, mas acaba por ser, também ele, vítima desse
destino. Resta-lhe então a solidão, o vazio e a certeza de que ele já só faz parte do mundo dos
mortos.
D. João é uma figura simbólica: representa o passado, a época gloriosa dos descobrimentos.
Representa também o presente, a pátria morta e sem identidade na mão dos espanhóis, e é
também a imagem da pátria cativa.

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