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Indução Matemática

O último axioma de Peano diz o seguinte: seja um subconjunto de . Se e se, além disso,
contém todos os sucessores dos seus elementos, então .
Este axioma é conhecido como axioma da indução e serve como base do método de demonstração por indução, o
qual é de grande utilidade para estabelecer provas rigorosas em Matemática.
O princípio da boa ordenação dos naturais e o axioma de indução não são independentes e sem nenhuma conexão.
De fato, eles são equivalentes, ou seja, se considerarmos o princípio da boa ordenação como sendo um postulado podemos
deduzir o axioma de indução e, reciprocamente, se considerarmos o princípio de indução como sendo um postulado podemos
deduzir o princípio da boa ordenação.
Assumiremos que representa uma afirmação em relação ao natural , podendo esta ser verdadeira ou falsa.

Teorema 6.1 (Princípio da Indução Finita) Considere um inteiro não negativo. Suponhamos que, para cada inteiro ,
seja dada uma proposição . Suponha que se pode verificar as seguintes propriedades.
a) é verdadeira;
b) se é verdadeira então também é verdadeira, para todo .
Então, é verdadeira para qualquer .

A afirmação (a) é chamada de base da indução e a (b) de passo indutivo. O fato de que é verdadeira no item (b)
é chamado de hipótese da indução.

Demonstração
Definamos o conjunto

Notemos que é não vazio, pois a condição (a) nos assegura que . A prova do teorema é equivalente a mostrarmos
que

ou equivalente, a provarmos que o conjunto

é vazio. Suponhamos que é não vazio. Pelo princípio da boa ordenação existe um menor elemento , onde é
falso. Observemos que,
. De fato, , porém a possibilidade contradiz a condição (a);
. Com efeito, é verdadeira pois, caso contrário, e, além disso, ,
contradizendo isso a minimilidade de .

Finalmente, como é verdadeira, segue da condição (b) que também é verdadeira, o que é impossível pela
definição de . Portanto, o conjunto é vazio, concluindo-se assim a prova.

Aplicações do P.I.F. na Demonstração de Identidades

(P1) Determinar uma fórmula para a soma dos primeiros números pares, isto é,

(P2) Determinar uma fórmula para a soma dos primeiros números ímpares, isto é,
Para induzir ambas as fórmulas, primeiro fazendo os cálculos para vários valores de , os quais apresentaremos na seguinte
tabela:
1 2 3 4 5
2 = 1.2 6 = 2.3 12 = 3.4 20 = 4.5 30 = 5.6
1 = 12 4 = 22 9 = 32 16 = 42 25 = 52

Os resultados da tabela sugerem que e que . Provaremos estas fórmulas por indução.

Exemplo 6.3: Demonstre que para qualquer é válida a igualdade

Definamos a proposição

e observemos que a mesma vale para (base da indução); de fato

Agora partirmos para a prova do passo indutivo:


Hipótese: suponhamos que é verdadeira para um certo ;
Tese: devemos mostrar que também é verdadeira.
Com efeito, como

somando a ambos os lados desta igualdade, temos que

Esta última igualdade afirma que também é verdadeira. O Princípio da Indução nos garante que é verdadeira
para qualquer .

Exemplo 6.4 Demonstre que para qualquer é válida a igualdade

Aqui definimos a proposição

e notamos que a mesma é válida se tomarmos, por exemplo, . De fato,

Agora partirmos para a prova do passo indutivo:


Hipótese: suponhamos que é verdadeira para um certo ;
Tese: devemos mostrar que também é verdadeira.
Com efeito, como
somando a ambos os lados desta igualdade, temos que

O princípio de indução nos garante que é verdadeira para qualquer .

Uma conseqüência imediata do Exemplo 6.3 é a fórmula para a soma dos primeiros números naturais, dada por

Com efeito, como

então dividindo por 2 ambos os membros da igualdade acima, obtemos a equação desejada.

Continuando com o mesmo raciocínio, é natural nos perguntarmos se é possível obter uma fórmula para a soma dos
primeiros quadrados perfeitos, ou seja, determinar onde:

Para deduzir a fórmula, consideramos os valores de e numa tabela:


1 2 3 4 5 6
1 3 6 10 15 21
1 5 14 30 55 91

Aparentemente não existe nenhuma relação entre e . Mas, se considerarmos o quociente , vejamos o que
acontece:
1 2 3 4 5 6
3/3 5/3 7/3 9/3 11 / 3 13 / 3

Isso nos sugere que vale a relação

Logo nosso candidato para o valor de é

Aplicações do P.I.F. na Demonstração de Desigualdades

Exemplo 6.5 Prove que para todo .


Denotamos por a propriedade .
É claro que é válida, pois

Agora supondo que é verdadeira temos que

logo também vale. Observamos que na desigualdade acima usamos o fato de que para qualquer
.
Exemplo 6.6 Mostre que para todo número , , vale que .
Demonstração
Para a desigualdade é verificada, pois .
Vamos assumir como hipótese de indução que a desigualdade é válida para .
Então, precisamos mostrar que a mesma vale também para . De fato, por hipótese de indução:

Como , podemos multiplicar o lado esquerdo da desigualdade por e o lado direito por , sem alterar o sinal
de desigualdade. Logo, temos que:

concluindo-se a demonstração.

Exemplo 6.7 Prove que, para todo ,

Demonstração
Claramente a desigualdade vale para , pois .
Suponhamos que para certo a desigualdade acontece, então:

Logo, adicionando 2 em ambos os lados desta igualdade tem-se

Tomando a raiz quadrada em ambos os lados desta última igualdade obtemos

como desejávamos.
Aplicações do P.I.F. em Problemas de Divisibilidade

Exemplo 6.8 Mostre que para qualquer é sempre divisível por 3.

Para a afirmação é válida, pois , que obviamente é divisível por 3.


Assumamos como hipótese indutiva que a afirmação vale para algum , isto é,

Devemos mostrar que a afirmação também é verdadeira para , ou seja, temos que provar que

Para provar isto último, usamos o fato de que

agrupando adequadamente,

concluindo assim a prova.

Exemplo 6.9 Mostre que a soma dos cubos de três números naturais consecutivos é divisível por 9.

Definamos a seguinte proposição:

Notemos que é válida, pois

Precisamos provar agora o passo indutivo, isto é,


Hipótese: é verdadeira para algum ;
Tese: também é verdadeira.
Para provar isto, observamos que

Ordenando adequadamente, temos que o lado direito da última igualdade se escreve como

completando assim nossa demonstração.

Muitas vezes, para conseguir mostrar que a hipótese é verdadeira, precisamos supor que é verdadeira para
todo . Isto é a base do princípio forte da indução finita.
Teorema 6.10 (Princípio Forte da Indução Finita) Considere um inteiro não negativo. Suponhamos que, para cada inteiro
seja dada uma proposição e que valem as propriedades
a) é verdadeira;
b) se para cada inteiro não negativo , com , temos que é verdadeira, então é também
verdadeira.
Então, a proposição é verdadeira para qualquer .

Exemplo 6.11 (Teorema Fundamental da Aritmética) Todo número natural maior que 1 pode ser escrito como um produto

onde é um número natural e os são números primos. Além disso, a fatoração dada é única se
exigirmos que .

Aplicações do P.I.F. em Geometria

Um polígono convexo é um polígono tal que qualquer segmento de reta que liga dois de seus pontos está contido no interior
dele. No caso de polígonos, isto é equivalente ao fato de que todo segmento que liga dois vértices ou é uma aresta ou está
contido no interior do polígono.

Exemplo 6.12 Mostre que a soma dos ângulos internos de um polígono convexo de lados é igual a
radianos.

No caso a soma é conhecida e verdadeira. Façamos mais um caso, tomando . Neste caso, podemos dividir um
quadrilátero em dois triângulos, assim, a soma dos ângulos internos de um quadrilátero será radianos.

Vamos considerar mais um polígono, o pentágono . Neste caso, para mostrar que a soma dos ângulos internos é
radianos, iremos dividir o pentágono em um quadrilátero e um triângulo .
Assim a soma dos ângulos internos do pentágono é igual à soma dos ângulos internos do triângulo
(igual a radianos) mais a soma dos ângulos internos do quadrilátero (igual a radianos), ou seja, igual a
radianos.
Finalmente, vamos assumir como hipótese de indução que para um certo mostramos que a soma dos ângulos internos
do é dada pela expressão radianos. Precisamos mostrar que a soma dos ângulos internos de um
é radianos. De fato, podemos repetir o processo anterior. Vamos denominar de
os vértices consecutivos do . Podemos dividi-lo no e no
triângulo . Logo, a soma dos ângulos internos do é .
Exemplo 6.13 Mostre que o número de diagonais de um polígono convexo de é igual a .
Observe que para temos que existem

diagonais num triângulo. Para , temos

diagonais num quadrilátero convexo.

Vamos agora assumir como hipótese de indução que se é um convexo então o seu número de diagonais é
e vamos provar que a fórmula vale para um convexo. De fato, denote por
os vértices consecutivos do .. Podemos decompô-lo como a união do
e do triângulo . Neste caso, para contarmos as diagonais do devemos considerar
os seguintes casos:
diagonais do ; por hipótese de indução, o número dessas diagonais é ;
diagonais que partem do vértice mais a diagonal .

Assim, o número total de diagonais do é:

Indução e Recorrências

Em geral, uma equação de recorrência é uma equação envolvendo uma certa quantidade de termos de sequência .

Definição 6.19 Uma equação de recorrência linear de grau é uma expressão da forma

onde são números reais e .

Definimos a Sequência de Fibonacci como sendo a sequência que satisfaz a seguinte equação de recorrência

Exemplo 6.21 Considere a sequência de Fibonacci. Mostre que

Definamos a proposição
Para temos que

de modo que é verdadeira. Suponhamos que

sejam todas verdadeiras. Mostraremos que . Com efeito,

Como , segue-se que

Portanto,

Exemplo 6.22 Dada a seguinte relação de recorrência

Mostre que , para todo

Definamos a proposição .
Verificamos que é verdadeira pois .
Suponhamos que é verdadeiro para cada inteiro tal que .Vamos mostrar que é verdade para
. Com efeito,

Devemos fazer algumas observações sobre as equações de recorrência linear:


se e são soluções da equação , então também é solução;
se é solução da equação e é um número real, então também é solução.
O polinômio

recebe o nome especial de polinômio característico da equação de recorrência . Qualquer raiz do polinômio característico
gera uma solução particular da equação

Vamos assumir que a equação

possui raízes diferentes, digamos . Então vale o seguinte teorema:

Teorema 6.23 Se escolhemos números reais então

é uma solução da equação de recorrência, onde os termos iniciais para são:

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