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Ra.

úl PLUS

A CAMINHO
DO MATRIMóNIO
(Para o tempo dos noivados cristãos)

2." EDIÇÃO

TRADUÇÃO DE INÁCIO MARTINS

Edição da «UNIIÃO C·RÃFICA»

R·ua de Santa 'Marta, 48 - Lisboa


NIHIL OBSTAT

Olisipone, 4 Octobris 1944


'

'MicTHiel' A. de Oliveira

IMPRIMATUR

Olisipone, 6 Octobris 1 944

t EM., Card. Patriarcha

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«Ouso dizer, que apenas, entre os
Christãos d'agora, de cê vodas, se
celebrão huas, em temor de Deos, e
c o a consideração, e modestia devida.
Assi abusão muitos, e muitas, da li­
cença do matrimonio, ij cõ razão se
pôde delles duvidar, se são homês
racionaes, ou animaes brutos11.

Frei Amador Arrais

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DUAS PALAVRAS

É muito possível que estas páginas se


afigurem inconvenientes ou até escanda­
losas a pessoas que não costumam ter,
aliás, grande escrúpulo na escolha de lei­
turas.
O autor, a certa altura, justifica o apa­
recimento do livro em França. Será preci­
so justificá-lo também em Portugal?
A «Acção Católica Portuguesa» anda,
nesta hora, empenhada na Campanha da
Farm1ia. Importa que essa campanha fru­
tifique e não se reduza a· passageiro entu­
siasmo ou deixe apenas como resultado
uma série de conferências que, por mais
bem feitas, são palavras que fàcilmente
esquecem. Requere-se estudo continuado
e pessoal, disposição de espírito muito ín­
tima e de todos os momentos. Excelente
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8 DUAS PALAVRAS

auxiliar para isso, poderá ser o presente


livrinho.
É ádmirável o lema Restaurar a famí­
lia em Cristo, mas talvez convenha mais
aos novos adoptar antes êste: Fundar a
família em Cristo! Fundá-la e vivê-la!
Mas como? Rapazes que vos preocupais
com esta pregunta, aqui a sós, digamos as
coisas como eZas são: Os nossos pais, re­
gra geral, não sabem ensinar-nos, porque
também êles não foram ensinados; os Mi­
nistros do Senhor, salvo muitas e valiosas
excepções, não sabem ganhar-�os a con­
fiança <11•
E, depois, que livros temos nós aí, ca­
pazes de nos orientar nestes melindrosos
assuntos? Respondamos com franqueza:
nenhuns <21: Romances? Mas ai! a vida, tal

(I) Corno eu desejaria que tpdos os Padres da nossa


terra lessem c meditassem o magnífico relatório, cheio
de ucoragem e nobre verdadeu, que J. Declercq publi­
cou em La Vie IntellectueUe de �:s-:lcG-38, com o titulo
de Le pr/Jtre et la g1'áce du foyer!
(2) Seria injustiça não lembrar aqui: Catecismo do
matrimónio, de J. Hoppenot, S. J. (trad. Zuzarte de
Mend onça) , 1928, e o O Matrimónio Cri�.tão segundo a
Encíclica.. , {}e A. Vermeesch, S. J. (trad. Dr. Aires
.

Ferreira), 1935. Mas o carácter didátiço, com que se


apresentam, não é o que melhor quadra ao espir ita dos
jovens, nem o que mais os tenta.
(Estas palavras foram escritas para a I." ed., em
1939. Neste findar de 1944, já não precisaríamos, graças
a Deus, de ser tão radicais).

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DUAS PALAVRAS 9

qual ela é e nós queremos que seja, é tão


diferente da que os romances nos pintam!
Pois bem, rapazes amigos e raparigas
minhas irmãs, todos vós para quem a san­
tidade não é pal{wra.vã, nem o amor sen­
timento mesquinho, aqui tendes êste livro,
escrito Por um Sacerdote e ]esuíta que
vos compreende e que sabe, como pou­
cos, falar ao coração, à inteligência e à
vontade da juventude moderna. Lêde-o,
meditai-o e, sobretudo, ponde em prática
os ensinamentos que nêle colherdes.
Só me resta pedir-vos que releveis as
inevitáveis falhas que a versão portugue­
sa há-de ter, e a Deus Nosso Senlwr e a
sua Mãe Santíssima que abençoem e aju­
dem toaos os que nela procurarem luz e
orientação Para uma vida cheia e digna.

Dia de S. José, I939

I. M.

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INTRODUÇÃO

Uma preparação condigna para qual­


quer estado de vida importa, naturalmen­
te, vista clara e exacta das obrigações
que êle acarreta.
Daqui a primeira parte do nosso tra­
balho: Conhecimento dos deveres.
Mas não basta conhecer, é preciso
querer. E daqui a segunda parte : Manei­
ra de tornar-se apto para cumprir inte­
grahnente, em dado momento, os deveres
que se impuserem.
Sua Santidade Pio XI, na Encíclica
sôbre o Casamento �ristão, de 31 de De­
zembro de 1930, recomenda que se pro­
porcione uma instrução conveniente aos
que aspiram à vida de casados.
Desejoso de corresponder a êste conse­
lho do Padre Santo, quisemos comentar
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12 INTRODUÇÃO

a sua doutrina, que é a da Igreja, enca­


rando-a sob um único aspecto, e dar aos
rapazes e às raparigas que já não são ne­
nhumas crianças indicações concretas,
claras, viris e castas, indicações que im­
periosamente reclama a grande obra da
fundação dos seus futuros lares.

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PRI MEIRA PARTE

CONHECER

O Casamento implica uma dupla série


de obrigaÇões : Em primeiro lugar, os de­
veres conjuntos dos dois esposos,_ em rela­
ção à prole (função criadora, função edu­
cadora (ll). Depois, os deveres de cada es­
pôso em relação um ao outro (unidade,
fidelidade) .

(1) :Nf'Ste trabalho. deixaremos de parte o dever de


educaÇt�o, prolongamento normal do dever de prouia­
ção, para exclusivamente nos limitarmos ao último.

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LIVRO PRIMEIRO

Deveres conjuntos dos dois e$posos

(quanto á procriação)

CAPíTULO I
Os Direitos

Deus quis que houvesse no gén�ro hu­


mano um sexo masculino e um sexo fe­
minino ; - quis entre êles uma atrac;ç�o
mútua e criou essa realida.de misteriosa
que se chama o amor; - o amor tem 1>9r
objecto a união; - a conseqüênpia da
união é o aparecimento de um novo ser.
Amor, união, procriação.
O plano de Deus aparece-nos assim
em tôda a sua luz assegurar a continui-
·

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r6 A CAMINHO DO MATRI!I1ÓNIO

dade da espécie humana pela íntima


união do homem e da mulher; é o fim
primário do casamento. Eis agora o se­
cundário : dar aos dois, no e pelo amor
que mutuamente se consagram, coragem
e alegria para bem cumprirem os seus de­
veres e não se afastarem do seu destino,
na realização do plano que Deus lhes tra­
çou.
«No amor verdadeiro e perfeito, que
é o dom total que dois seres um ao outro
de si fazem e que supõe a determinação
das suas vontades de aceitarem tôdas as
conseqüências do mútuo amor, não há
pràticamente distinção entre o fim essen­
cial e o fim secundário do matrimónio.
Os dois seres que se amam sabem que o
seu amor deve naturalmente frutificar;

e de antemão amam êsses frutos (tl)). Sa­

bem que não se destinam a ficar só dois,


mas que, da união dos dois, há-de nas-

(r) Abbé VioUet: Les devoirs du. mariage. p. w.


Excelente brochura publicada pcia Association d·u Ma­
riage chrétien (A. M. C.). Rue de Gergovie, 86, Paris
XIV.

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CONHECER 17

cer um terceiro, uma série de «tercei­


ro�» <t>.
':Mais resumido ainda, é o que quere
dizer esta fórmula feliz : «No momento
em que dois seres j ulgam atingir, pela
sua mútua doação, a unidade que am­
bicionam, é então precisamente que essa
unidade desaparece. De dois, passam a
três. O têrmo do amor é um novo s�r.
Orientado para a família, o amor abre
caminho a uma tendência que o ultra­
passa» <ZJ.

Parece que, em no5$o tempo, estas


evidências são freqüentemente esqueci­
das : quere ver-se, no casamento, ape­
nas a aproximação egoísta do homem e

(r) Recentemente e a propósito de um livro U.o ale­


mão Herbert Doms, :ivro que em França. tomou o títu­
lo de Du sens et àe la fin du matriage, levantou-se por
!á rija celeuma. sõbre a estabUida.de do que poderíamos
chamar: jerarquia. clássica ou tradicional dos fins do ma­
trimónio. O assunto é dos que fazem aguçar a especula­
ção dos teólogos, a julgar pelos artigos que teem apareci­
do nas revistas da. especialidade. Baste-nos, porém, -sa­
her que tudo o que de mais útil e compreensível para
nós, simples leigos, se escreveu a tal respeito, está re­
sumido nas poucas palavras do texto. (n. do t.)
(2) P. Alb. Valensin.

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11'1 :\ CA:'IllNHO DO MATRIMÓNIO

da mulher, em que o fruto normal Ida


união. aparece como um desmancha-o/a-
zeres : - e pouco falta que não se aouse
a Igreja de sair da sua competência e de
exigir impossíveis, quando recorda e im­
põe a verdadeira doutrina.
Note-se bem isto : Quando a Igreja
fala como fala, não faz mais do que san­
cionar as exigências - soberanas e in­
frangíveis - da lei natural ; não inova,
nada acrescenta ao que reclama uma ra­
zão não avariada ; patrocina apenas
com a sua divina autoridade o que já de
si requere o espírito do homem isento de
paixão.

Por outro ládo, se a obra criadora é


o fim primário do casamento, não é a
única.
Se fôsse a única, não tinha Deus pre­
cisão, ao dar uma companheira ao ho­
mem, de dotá-la de coração e inteligên­
cia; bastava gratificá-la com um corpo
suficientemente apto para a multiplica­
ção da espécie.
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CONHECER

(Porque é que os maometanos ne­


gari!- que a mulher tenha uma alma
imortal? Porque, dizem êles, criada uni­
camente para perpetuar a geração, não
é espiritualmente comparável ao homem.

Doutrina errónea. Quando Deus criou


a mulher, diz o Génesis que a criou para
dar a Adão <<Uma auxiliar a êle seme­
lhante». Não é só a geração futura que
Deus tem em vista; é a geração presente
que .ttle quere completar, com alguma
coisa que ainda lhe falta.
«Não é bom, disse Deus, que êste iso­
lamento continue»; e dá Eva a Adão, pa­
ra que um encontre no outro o suple­
mento de valor humano que, indivíduos
separados, não possUÍ\lffi.
Mas há mais ainda. Adão foi forma­
do da matéria bruta ; pois a mulher há­
-de sê-lo da matéria viva, do corpo do
próprio Adão, « Os ex ossibus». ( Não é ver­
dade que, até neste ponto d8t origem, en­
contramos uma indicação, simbólica mas
precisa, de que a mulher, espiritualmente
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20 A CAMINHO DO MATRIMÓKIO

e quanto às riquezas essenciais da alma,


será capaz, não só de servir ao fim :p ri­
mário do matrimónio, mas também, de
levar ao seu marido e de encpntrar junto
dêle alegria, estímulo, auxílio, numa pa­
lavra, plenitude de vida?

Antes, pois, de entrarmos a esmmçar


os deveres dos cônjuges, procuremos pri­
meiro marcar com exactidão - visto j á
claramente o plano de Deus - os limi­
tes dos seus direitos.
Direito estricto, em primeiro lugar, às
relações conjugais.
Assentemos, por conseguinte, em que
é coisa lícita, melhor ainda, louvável e
nobre, e que não tem nada de indecente
ou mesmo de inconveniente, a união ín­
tima que entre si liga os casados. Todo
o amor tende p�ra a união, mais, para a
fusão de dois seres, se tal fusão fôsse pos­
sível. Seja exemplo a mãe a acariciar o
filho : cobre� de beijos, parece querer
fazer «um só» com êsse inocentinho nas­
cido dela, que é dela, mas que, enfim, já
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CONHECER 21

não é ela. Deus quis assim o coração das


mães!
E do mesmo modo o coração dos es­
posos e das espôsas : a:A atracção recí­
proca, o desejo de se possuírem inteira­
mente e sem reservas, leva os cônjuges,
tal como a mãe e o filho, a unirem-se um
ao outro, a quererem passar um para o
outro, para só fazerem um <tl».
Os esposos não teem apenas direito às
relações conjugais propriamente ditas e
ao que ou as prepara ou as completa;
teem ainda direito, mesmo quando não
relacionadas directamente com aquelas,
a tôdas as demonstrações de afecto que
lhes pareçam atinentes a manifestar-se o
seu mútuo amor; com uma só condição,
a saber, que elas não sejam de natureza
a oferecer por si mesmas um perigo pró­
ximo de incontipência ou, por outras pa­
lavras, de excitação sexual completa.

(r) Hardy Schilgen, S. J. (trad. frn.ncesa de Hono­


ré): Un Jivre sur le maiiage pour les fiamcés et les !poux
chrétiens (ed. de Casterman), p. 30. � perfeito êste
opúsculo de 138 páginas.

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22 A CA.\IINHO DO MATRBIÓNIO

Da Encíclica de Pio XI copiamos êste


parágrafo, que resume bem tôda a qu�s­
tão ú Quer no próprio matrimóni<'>,
. . .

quer no uso do direito matrimonial, exis­


tem também fins secundários, como se­
jam o promover o auxílio mútuo, o afec­
to recíproco e o apaziguamento da con­
cupiscência, fins que aos cônjuges é líci­
to desejar, desde que respeitern sempre a
natureza intrinseca do acto e, por conse­
qüência, a sua subordinação ao fim prin­
cipal».
Ajuntemos só mais uma palavra com
r�speito aos direitos dos cônjuges no to­
cante a pensamentos, etc. «Üs pensamen­
tos, as imaginações, os desejos e as pala­
vras que teem por objecto as relações per­
mitidas no casamento não são culpáveis
entre esposos. Com efeito, o sexto man­
damento só proíbe a satisfação do instin­
to sexual fora das relações regulares'>
(Schilgen-Honoré, p. 36).

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CAPíTULO II

Deveres

Al Os Princípios

Vamos resumir tôda a doutrina em


cinco proposições e desenvolveremos nes­
tas os pontos susceptíveis de explicação.
I . - Os cônjuges não estão obrigados
a ter determinado número de filhos.

Observações: a) Dizemos c mão estão


obrigados» - por efeito das leis do ca­
samento.
Se êles, de comum acôrdo, decidem
abster-se do acto conjugal, durante um
período mais ou menos longo, nada lho
proíbe; se, ao casarem-se, assentam em
abster-se inteiramente e- em viver por tô­
da a vida como irmão e irmã, nada há
ainda que os impeça. Assim fêz, por
exemplo, Santo Henrique, obrigado a des-
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24 A CA!IliNHO DO MATRIMÓNIO

posar Santa Cunegundes por motivos po­


líticos.
Acrescentemos no entanto: se os côn­
juges- cumpridores, supomos, das obri­
gações impostas pelo seu comum acôrdo
- renunciam a ter filhos por falta de con­
fiança �m Deus ou por egoísmo, podem
lesar a virtude da esperança ou a da for­
taleza cristã, mas não violam a lei da
procriasão no matrimónio.
b) A lei da procriação no matrimónio
enuncia-se rigorosamente assim: quando
um dos dois esposos exige do outro a sua
coadjuvação no acto criador da vida,
aquêle que é solicitado não pode escu­
sar-se sem razão grave. É êste precisa­
mente o objecto do compromisso funda­
mental do casamento, do contrato, <1> a
saber, que cada um dos dois renuncia ao
direito de dispor de si mesmo e obriga-se
a consentir no acto conjugal, quando tal
acto fôr reclamatlo pelo companheiro.

(I) Empregamos aqui a palavra contrato no sentido


rea) e não para designar as disposições legais que prece­
dem a união, o valor do dote, etc.

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CONHECER 25

Qualquer dos cônjuges pode pedir e


obter com modos amigáveis, que o outro
não urja o seu direito numa circunstância
dada; mas se, apesar de tudo, êste últi­
mo continua a urgir, o solicitado deve
ceder, a não ser que a solicitação seja
feita ein condições reputadas ilegítimas.
Foi a isso, propriamente, que os d�sposa­
dos se obrigaram ao contrair matrimónio.
c) As condições reputadas ilegítimas
são: I.a caso de adultério formal; 2.a hi­
pótese seriamente fundada de um perigo
(não ligado à condição matrimonial <ll)
que ponha em risco, no parecer de um
médico competente e sério, a vida do ou-

(1) O casp, aliás muitp rarP, de certeza maiPr ou


menpr de a mulher não poder dar à luz sem perigP de
vida, é considerado por alguns moralistas comP mPtivo
suficiente para recusa legítima dp actP cPnjugal. Outros
Pbjectam cPm o perigo de incpntinência por parte do
marido. A mulher não está obrigada a evitar, à custa
da própria vida, o pecado de seu marido; êste é que
deve dominar-se e, por caridade para com ela, poupá­
-la. � bom também ter presente que os médicos, _em
geral, são levados a exagerar os perigps e dão com fa­
cilidade atestados de ... benevolência, sobretudo PS de
cultura. católica pouco profunda. Supomos sempre uma
inteira lealdade de parte a parte.

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26 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

tro cônjuge (por exemplo, doença conta­


giosa bem caracterizada) .
d) Fala-se às vezes em «família nor­
mal» e entende-se por isso uma família de
três filhos. Aquela expressão pode ter sen­
tido na bôca de um economista; em Mo­
ral não significa absolutamente nada. Em
estilo de economista, quere diz�r o se­
guinte: Tôda a família em que não hou­
ver pelo menos dois filhos, para substituir
o pai e a mãe, e um terceiro <<para as fal­
tas)), é uma família que contribui para a
despovoação do país : consideração de
ordem puramente material. A Moral colo­
ca-se noutro ponto de vista : não reclama
dos cônjuges, já o vimos, nem dois nem
dez filhos; exige simplesmente, mas im­
periosamente, como veremos a seguir,
que, uma vez realizado o acto criador,
nada se faça para impedir o fruto que tal
acto, por sua natureza, é chamado a pro­
duzir.
e) É aqui a altura de responder a uma
pregunta : «As famílias que se propõem
educar cristãmente os filhos não terão,
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mais do que quaisquer outras, o dever de
se esforçarem por gerar numerosa prole,
mesmo à custa de pesados sacrifícios?»
É, na verdade, desolador que tão pou­
cas famílias cumpram o seu dever. Em
França, por cada IOO casais, encontra­
mos:
23% sem filhos;
25% com um só filho;
22% com só dois filhos,
ou o mesmo é dizer que ?o% das famílias
são estéreis, não deixam após si aumen­
to de população. Ficam 30 % com, pelo
menos, três filhos. As famílias v�rdadei­
ramente numerosas, aquelas que contam
sete e mais filhos, não chegam a uns mí­
seros 3% !
Mas não vá agora concluir-se dêstes
números que os esposos cristãos, afora a�
obrigações gerais da lei comum do casa­
mento, assumem a mais a obrigação es­
pecial de excederem os outros no núme­
ro de filhos. É muito para desejar que as
famílias genuinamente cristãs sej am so­
bremodo fecundas. Todavia, não se au-
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28 Â CAMINHO DO MATRIMÓNIO

mentem de modo indevido obrigações já


de si bem pesadas.
II - Um ponto há em que os esposos
não ficam entregues à sua fantasia, nu:r.s
devem respeitar religiosamente o plano
de Deus. É nisto: uma vez pôsto o acto
criador da vida, nada, absolutamente na­
da permite atentar contra a existência do
sei' vivo em germe; é preciso deixar a na­
tul'eza seguir o seu curso.
Observações: A união dos sexos tem
por fim primeiro, no plano de Deus, a
multiplicação da espécie.
O Senhor podia fazer aparecer os ho­
mens na terra por criação directa ou ge­
ração espontânea, isto é, sem se servir do
intermédio das suas criaturas. � o que se
passa com a alma : Os pais interveem na
feitura de um corpinho; mas Deus reser­
va-se o privilégio de insuflar directamen­
te nesse corpinho a alma por �le só for­
mada. Para isto não quis intermediários.
Ora ninguém dirá que Deus não pudesse
proceder de igual modo, para a criação
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do corpo, como procede para a criação
da alma.
Não quis, e é isso o que constitui a
grande honra da paternidade e da mater­
nidade : Deus chama os pais e as mães a
procriarem com êle e, segundo a ordem
das coisas, nenhum ser l!umano virá ao
mundo, sem que aquêles ·acedam a coo­
perar com Deus, sem que Deus, o único
senhor da vida, lhes não confira uma par­
cela do seu poder criador.
Daqui a sublimidade excelsa do ma­
trimónio, e neste, da «obra da carne.», pa­
ra quem sabe ver com olhos limpos e al­
ma recta. Disse Monsenhor Gay : «Tudo
o que une segundo Deus as criaturas de
Deus é santo. Dois seres não podem unir­
-se entre si segundo Deus, sem daí se uni­

rem mais a Deusn.


Não há nada mais odioso, nem mais
repelente, do que ver, na união dos sexos,
só atracção irracional e satisfação egoís­
ta, ou então compreender o amor apenas
na medida em que os sentidos são interes­
sados. O amor é uma realidade incompa-
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30 A CA:\II�HO DO lHATRniO;.<IO

rável, é nma invenção prodigiosa de


Deus, para levar as criaturas a fazerem
obra de vida. Por conseguinte, tudo o
qu� ao amor se refere, tudo o que, entre
casados, se relaciona com a «obra da car­
ne», tudo isso é sagrado. Urge desterrar,
como a vis corruptores, cérebros obtusos,
corações pecos, a ês�es que se recusam a
encarar a união dos sexos em sua verda­
de autêntica e em, tôda a sua luz, como
Deus quere que ela seja realizada no ma­
trimónio.
Mas basta de falar nas belezas esplên­
didas do casamento; é tempo de nos ocu­
parmos das suas terriveis responsabili­
dades.
III - Tomar o prazer que acompa­
nha o acto criador da vida e recus,ar os
encargos e sacrifícios que normalmente
êle acarreta (aparecimento eventual do
ser vivo), é violar o plano de .Deus.
Observações: O acto conjugal é, de
sua natureza, um acto criador; no pen­
samento de Deus e segundo o curso nor-

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CONHECER 31

mal das coisas, foi instituído para criar a


vida.
É evidente que criar a vida, aumentar
a família, não se faz sem encargos e ra­
zoàvelmente pesados.
Encargos para a mãe : sofrimentos do
parto, sacrifícios dos primeiros cuidados,
da educação, etc.; encargos para o pai :
à medida que no lar aumentam as bôcas,
aumenta para êle a necessidade de traba­
lhar com redobrado ardor, para poder
sustentar e vestir tôda a sua gente. Isto é
sobretudo verdadeiro nas famílias de pas­
sadio mais modesto, que são a maior par­
te.
Deus, que é bom, não quis pedir -
para um acto necessário à sustentação e
propagação da espécie - nada que fôsse
exclusivamente mortificativo e oneroso.
E eis por que �le fêz com que o acto con­
jugal viesse acompanhado de grande pra­
zer. Se o propusesse aos homens apenas
como um acto penoso, muito poucos con­
sentiriam em realizá-lo; mas, como vem
junto a um prazer- e prazer proporcio-
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32 A CA�IINHO DO MATRIMÓNIO

nado aos encargos- já não repugna aos


mortais consentir nesse acto e são levados
até a procurá-lo.
Um exemplo : é um dever- não da
espécie mas do indivíduo- a manuten­
ção da vida, o comer. Pois bem! o acto
.
da manducação, para tal indispensável, e
que é, de sua natureza, wn acto oneroso
e pouco elegante, será também acompa­
nhado de um certo prazer. Qual o homem
que se sujeitaria de boamente ao trabalho
de comer, só por comer (levar à bôca pe­
daços de animal morto, ervas cozidas ou
cruas! ) , se essa acção lhe não proporcio­
nasse algum deleite? E então se fôsse um
homem de vida interior, um temperamen­
to de artista, muito pior ainda.
Regalar-se com o deleite razoável que
a manducação pode acarretar, quando o
comer se toma útil ou necessário, não
constitui acto censurável e ninguém irá
acusar:..se em confissão ou no fôro íntimo
da própria consciência, por ter achado
bom um fruto saboroso <ll. Quando é que
(r) Poderá haver ipsuficiente pureza de intenção,
mas não gulodice.

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CONHECER 33

nisto haverá falta e desordem· moral?


Quando o prazer da manducação fôr pro­
curado só por si mesmo, sem ne·cessidadc
ou conveniência alguma de alimentação.
Suponhamos um indivíduo que se levan­
ta da mesa sem fome nem precisão de co­
mer e a quem apresentam uma bandeja
de doces : atira-se a êles e devora grande
quantidade� só pelo gôsto que nisso e.n,­
contra e com exclusão positiva de. qual­
quer outra intenção <t>. Claro que haveria
neste caso violação da ordem, quebra do
plano de Deus.
Ora o que vale para quando s.e trat�
da manutenção da vida no indivídu�,- va­
le também para a conservação da espécie
na existência : num caso como no out;ro, .

o acto compr�ende ao me�o .te�po gô­


zo e sacrifício. Quando gôzo e: sacrifício
andam norma.h:pente juntos, o acto é mo­
ral. Há desordem e o acto é imoral, :quan­
do os sacrifícios se apartam- do prazer.

( 1) Assim é que sempre se tem interpretado a ·pro­


posiçãp condenada por Alexandre VIII: .. propte-� �.ol.a.m
·
voluptatemll.
·

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34 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

porque Deus permitiu êste só para tornar


aquêles aceitáveis.
IV-: No caso do acto conjugal, a bus­
ca do prazer por si mesmo, com recusa da
sua conseqüência natural, a produção da
vida� constitui violação <<grave» da lei de
Deus,
Observações: I. Tratando-se da man­
ducação, a quebra do plano de Deus não
chegará fàcilmente a pecado grave (a
não ser, talvez, na bebida) . E a razão, de
todo alheia à moral, é que o estômago
costuma protestar antes de a . gulodice ter
ultrapassado os limites do «Veniah> .
Quando se trata da obra da carne, a
quebra: do plano de Deus constitui, de si,
matéria (<grave». Porquê? Porque o fim
dá «Obra da carne» na intenção divina

-é a criação do ser vivo, e ninguém tem


o direito de submeter a simples capricho
pessoal acto de tamanha responsabilidade.
Mais um· exemplo : gosto muito de ati­
rar ao alvo e deu-me na cabeça de exer­
citar a minha boa pontaria em peito hu­
mano, em vez de o fazer sôbre modelos
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CONHECER 35

de cartão. Será lícito um tal c·apricho?


Não; não posso, unicamente para: irre di­
vertir, praticar uma acção qüe· ameaçá
ser destruidora de vida. Qtiem não vê is­
to? - Pois a regra é a mesína rio caso
que nos ocupa.
2. Veremos também que, f�ltar à obri­
gação neste ponto, é cometer'üin pecado
que tem muito de homicídio.
Ouçamos o P. Sertillanges: «Dizer
não ao fio da vida que queria ·correr; ·mo­
dificar a · mensagem do céu e, oride esta
trazia estampado um Viverás! para o ·no­
vo ser em expectativa, escrever ·de süa
própria autoridade üm Morrerás! !1> é • • •

um cnme».
Depois do casamentô frustrado de seu
filho único- e frustrado porque os pais,
no dizer da· rapariga, não detani aó filho
a competente energiá de carácter _i_ 'os' es­
posos Limerel, em ta Barriêre·<�>� de Re.:

(I) Ou, mais exactamente: Níio viverás!


( 2) Há uma traduçã.o pQrtugues;t, ou .m�ll�or, bra­
sileira, dêste romance - A BMTeira, tra�. 'de M.
d' Attias, Livraria Gámier. A sua Jeit!lra, porem,. não
· ·

conseguiu interessar-no
- s (n. do t.).

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36 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

né Bazin. teem entre si uma conversa


amargurada e lamentam-se de haverem
ficado numa religião de aparências, «re­
ligião para durante o dia, que se esquece
durante a noite».
- Somos ambos culpados, concluía a
espôsa,.
O marido contesta :
- Filhos. .. Quem é que os não que­
ria ? Sou cúmplice, é certo, mas a grande
culpada és tu. Vejo unirem-se contra nós
as almas que poderiam ser e não são . .
Protestam as cinzas acusadoras dos cor­
pos a quem poderíamos ter dado a vida.
Se me chamassem homicida, não me atre­
veria a dizer que não. Diminuímos volun­
tàriamente o número dos justos, e Deus
castiga . . >>
.

Quem contará jamais o núm�ro dos


«nonatosll? Com o poder de enscenação
que o caracteriza, o Padre Loutil- aliás
Pierre L'Ennite- descreve a chegada ao
outro mundo de uma alma de mãe que
f?i infiel ao dever procriador. .. Vê-se, de
repente, como que cercada de anjinho':�,
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CoNHECER 37

meio fantasmas meio realidade, e pare­


ce-lhe que todos gritam: Mamã!
((Eram os filhos que, no plano divino,
desde tôda a eternidade lhe estavam des­
tinados, os que ela devia ter tido, aquê­
les a quem o seu egoísmo, sem mais dis­
cussão, barrara o caminho da existência.
E aí estavam êles agora, gritando deses­
peradamente pela vida . .. Abafavam, im­
precisos, no sepulcro do irreal, esperando
que os aceitasse um querer humano. E
percebiam que êste faltara e que estavam
condenados ao não-ser. .. A que dêles de­
via ser mãe foi a que lhes respondeu :
Não ! ))
Quando era pároco de S. Roque, re­
cebeu o mesmo Pierre L'Ermite, um dia,
a visita de certa senhora, ainda nova, que
vinha propor-lhe um caso de consciência.
Tratava-se de iludir a lei do matrimónio
ou, para falar mais claro, de escolher ape­
nas o gôzo, arranjando-se de maneira a
evitar os encargos - tudo, claro está, sem
ofender a Deus, caso fôsse possível. O sa­
cerdote lembra as exigências da sã moral.
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38 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

- Mas que há-de dizer o meu marido?


- O que êle quiser.
- Mas não temos meios .. .
- Deus proverá.
- E se morro?
- Terá cumprido o seu dever. E de-
pois, saiba isto : arrisca-se muito menos,
submetendo-se, do que fazendo o contrá­
no.
-E a pobre senhora saíu reconfortada;
melhor, resolvida. Vinte anos mais tarde,
rebentou a guerra. Novamente uma sa­
cristia, mas agora são três os visitantes :
o pai, a mãe e um valente mocetão, em
cujo peito brilhavam condecorações glo­
nosas.
- É meu filho! exclama cheia de or­
gulho aquela mãe, que parece querer di­
zer ao padre : «Lembra-se ? ... Há vinte
anos. .».

- Se me lembro, ó m�lher, do que


estiveste para fazer! ... Mas ai ! por uma
que se ergue e espezinha a abominável
tentação, quantas que sucumbem! . .. E
por detrás daquele mancebo garboso,
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CONHECER 39

conclui o padre, eu vi um exército esplên­


dido que não surge do fundo dos berços
vazios!
V - Eis o que se impõe: ou o acto
conjugal realizado como Deus o quere,
isto é, respeitando as leis da vida: ou con­
tinência temporária.
Observação: Pode haver, por parte
dos esposos, contravenção às leis da vida
em qualquer dêstes dois casos :
- se, antes do acto, ou da série even­
tual de actos, havia já intenção de tomar
o prazer completo da união. conjugal,
mas de maneira a evitar a todo o custo a
fecundação;
- se, durante o acto, e sem ter tido in­
tenção perversa ao começá-lo, impedem
que êl� termine normalmente.

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CAPíTULO III

Deveres

B)_ Esclarecimentos suplementares

Para precisar ainda mais um certo


número de pontos práticos, vamos res­
ponder a algumas interrogações :
I- Por um mo#vo razoável, como a
pobreza, uma doença, ou simplesmente o
desejo de atrasar um pouco a vinda even­
tual dos filhos, para poupar a mãe, etc.,
podem os esposos buscar o prazer na rea­
lização incompleta ou simulada do acto
conjugal?
R.- Se por incompleta se entende o
prazer completo, mas o acto incompleto;
se por simulada se entende o prazer com­
pleto, mas obtido sem ser pelo modo nor­
mal, não, não podem.
II- Se não podem, qual é a gravida-
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CpNHECER

de da matéria? É pecado venial ou peca­


do mortal?
R. - De si, é matéria grave. Porquê?
Porque está a vida em jôgo. Ninguém
tem o direito, para sua satisfação egoísta,
de se procurar um prazer que normal­
mente leva à criação de um ser vivo e de
suprimir êsse ser vivo, ou na sua causa
(pecado de onanismo) - ou entre a con­
ceição e o nascimento (abortamento) -
ou depois de nascido (homicídio propria­
mente dito) .
III- Se um dos cônjuges, por não
crer na gravidade do pecado, ou por ser a
tentação muito forte, a ela sucumbe, po­
de o outro aceder, depois de ter feito o
possível pelo dissuadir do mau intento,
com receio de o ver satisfazer os seus ape­
tites fora do lar?
R. - Sim (teoria do mal menor) ;
mas é preciso :
a) ter realmente feito o possível para
obter do cônjuge a fidelidade ao dever;
b) só passivamente se prestar ao que
lhe é exigido, com total desaprovação in-
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A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

terior do acto realizado em tais condi­


ções (ll.
IV. - É permitido aos esposos esco­
lher, .Sem motivos sérios, para .a realiz.a­
ção do acto conjugal, as ocasiões em que
julgam menos provável a concepção?
R. - Não lhes é proibido. São livres.
Escolhendo as épocas em que a fecu:n,da­
ção é menos provável, não interveem pa­
ra iludir artificiàlmente a ordem da natu­
reza (é isso o que é proibido) , mas ser­
vem-se dela de maneira inteiramente con­
fonne ao seu funcionamento normal (2>.

(I) Fala assim a Encícfica de Pio XI sôbre o Casa­


mento:
..
« . com freqüência um dos cônjuges é mais vítima
do que causa <!o pecado,. quando, por motivos verdadei·
ramente graves, e sem que eom isso concorde, permite
a perversão da ordem devida, da qual, portanto, se não
torna réu, desde que se lembre das leis da caridade,
proc.urando dissuadir e afastar o outro do pecado n.
(2) É também Pio XI que diz, lpgo a seguir às pa­
lavras atrás transcritas: .uNem pode dizer-se que proce­
dam contra a ordem da natureza os cônjuges que usam
do seu direito na forma devida e natural, ainda que ·por
cau!ias naturais de tempo ou de outras circunst;ã.ncias de­
feitúosas, não possam dar origem. a uma nova vidan.

Dificilmente aparecerá hoje em França trabalho sé­


rio e desenvolvido sôbre o casamento, que não faça re­
ferência ao que se convencionou chamar umétodo Ogino­
-Smu:ders" ou ude continência periódica,.

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CoNHECER 43

V -Os pais que, por egoísmo, guar­


dando embora a continência, limitam a
um ou dois o número de filhos, cumprem
o seu dever?
R. - Terão falta de coragem ou de
confiança em Deus, mas não violam as
exigências estrictas do dever de procria­
ção. Uma coisa é deixar de praticar deter­
minadas virtudes no casamento (o nosso
caso), e outra coisa é faltar às leis aper­
tadas que o regem.
VI - Será preferível deixar na igno­
rância os cônjuges que sabemos incapa­
zes de bem cumprirem os seus aeveres?
Ao menos, enquanto vivem na ignorân­
cia, não são culpados diante de Deus nem
O ofendem...
R. - Ponhamos de lado êste ou aquê­
le caso particular, em que será de acon­
selhar o silêncio. Mas, como os interêsses
da colectividade suplantam os de deter­
minada pessoa e como os perigos da igno­
rância são consideráveis, recomenda-se
em geral, sobretudo aos sacerdores, que
procurem elucidar.
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44 A CA!\IINHO DO MATRIMÓNIO

VII Se esposos conhecidos pela sua


-

fidelidade cristã ficam muito tempo sem


ter filhos, não se poderá dizer que come­
Çtam a cansar-se, a iludir a lei de Deus, o
que será de grande desedificação, por su­
por a maior parte da gente que é impos­
sível não conce ber sem pecar?
R. - O que o vulgo diz ou pensa não
interessa nada; e ninguém está obrigado
a evitar o escândalo dos fracos, quando
entra em jôgo um motivo de ordem grave.
VIII Nos tempos ae continência,
-

será preciso abster-se também de tôdas as


demonstrações de afecto íntimas ou pro­
longadas, com receio de chegar mais lon­
ge do que se quere?
R. - A dificuldade já foi prevista, ao
falar acima dos direitos dos esposos. Lem­
bremos o essencial.
O casamento tem duplo objecto : o au­
xílio mútuo e a procriação. Pelo auxíli.:J
mútuo, que teem o direito (e o dever) de
fomentar, podem os esposos exteriorizar
todos êls sinais de afecto, mesmo íntimos e
prolongados, sempre que os julguem con-
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CoN:t�ECER 45

venientes, exceptUando apenas aquilo


que, por sua natureza, teria .por têrmo a
"
obtenção do prazer completo (l). E se 'J
prazer completo vem sem ser querido
nem provocado, mas só porque os senti�
dos se activaram mais do que. natural­
mente podia supor-se, nem então há pe­
cado. Só uma coisa aqui importa : inteira
lealdade. A prudência cristã, virtude que
deve regular todos êstes assuntos, não ce­
da a vez a uma inquietação febril. Estar
resolvido a cumprir o dever e, nisto como
em tudo, acostumar-se a submeter a von""
tade ao dever.
IX - Nas relações íntimas entre espo­
sos não haverá lugàr- e lugar obriga-tó"'­
rio -para a temperança e para o pudor?
R. - I) A temperança deve entrar no
exercício dos direitos matrimoniais, como
aliás e:nt todo e qualquer acto· que nos
(I) Diz o P. Perroy: «Se a experiência dos dois es­
posos !hes mostrou ou lhes faz crer que tal' intiiJ}idade
pode ter lugar, sem perigo de a verem seguida do efeito
último, essa intimidade é permitida. E se o efeito 'Ú1-
timo chegasse mesmo a produzir-se .. sem ter sido direc­
tamente procurado, ainda então tal facto deveria set
considerado apenas como acidental>!. (Cana fk. Galilée
- Aux fiancés et aux époux chrétien.s, Vítte, p. 19).
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46 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

proporcione. prazer. Sem querer fixar


concretamente os limites, diremos apenas
que o corpo, tal qual como a alma, só tem
a lucrar com. uma sábia moderação. Pe­
lo que às almas se refere, vale a pena ci­
tar as palavras de S. Paulo: ((Não vos de­
fraudeis· um ao outro, senão de comum
acôrdo, durante algum tempo, para vos
aplicardes à oração» (ou, será lícito acres­
centar, por qualquer motivo razoável).
Muito cuidado, porém, em não satisfazer
então os apetites de maneira indevida. E
é por isso que S: Paulo acrescenta logo :
<Ce de novo tornai a coabitar, para que
não vos tente Satanás por vossa inconti­
nência)) (I Cbr. VII, 3 e seg.).
2) Quanto ao pudor, é de crer que os
cristãos, templos santos de Deus, saberão
conservar sempre presente, no exercício
dos direitos conjugais, aquêle ideal de de­
licadeza e de moderação que lhes con­
vém, ideal que será tanto mais perfeito,
quanto mais convencidos estiverem da
própria grandeza divina. O espírito deve
dominar, ainda quando o corpo se recreia
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CoNHECER 47

legitimamente. O corpo tem direitb ao


amor, mas não a todo o amor, nem mes­
mo ao principal do amor; mais, nunca
êle deve prejudicar o amor: ora- como é
que um cônjuge há-de amar quem o não
respeita nem se respeita e de quem pode
esperar �altas manifestas de delicadeza?
Convém, ·no entanto, fazer duas ob­
servações.
Primeira : não confundir direito real
com ideal mais ou menos ambicionável,
ou, se quiserem, matéria «pecado» com
matéria Hperfeiçãon. Tôdas· as intimida­
des ordenadas de modo a preparar ou· a
completar o' acto conjugal normalmente
pôsto (isto é, sem atentar contra '0 fruto
legítimo) , são permitidas· e não' há .nelas
falta alguma'.' Será, evidentemente, I mais
perfeito que càda um dos cônjuge8r por
delicadeza recíproca, se abstenha de tudo
aquilo que, nas sua' s_ relações íriti.mas tom
o companheiro,, não sej� absolut�mente
necessário nem· útil ao fim do- ado (tl.

( 1) uSucede, por vezes•, que os .dois .-esposos, anima­


dos do mesmo de5ejo de ·.agradar a -Deus o' ·mais possí-

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48 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

Mas- . e é esta a segunda observação


- é preciso não levar a tal ponto o senti­
mento e a prática da reserva, que haja
perigo de diminuição na confiança ·m�­
tua, o que seria opor-se aos deveres de es­
tado sábia e integralmente compreendi­
dos.
X- Para as pessoas de fraca saúde,
não será de obrigação absterem-se de ter
filhos?
R. - Poderá ser, em determinados
casos, wn dever mais ou menos grave de
caridade; mas não será nunca um dever
resultante das obrigações conjugais.
Certos higienistas, em nome de um
falso eugenismo, de tendências materia­
listas, e por capciosas razões de interêsse
social, apregoam que só devem vir ao
mundo seres perfeitamente sãos e selec-

vel, se obrig!UD por convenção bilate� a renunciar. no


todo ou em parte, ao que lhes é permitido no matri·
m(!nio. Out r!)s, só .querem ter relações tanto quanto fo­
rem precisas, e abster-se-ão totalmente, logo que haja
concepção. Uma tão nobre ·continência não · é de pre­
ceito, mas sem dnív:da que 6 sinal de grande virtude,
e só pode ser exercida de comum acôrdo. Se uma das
partes ·não consentir, a outra deverá ceder aos desejos
dela,. (Schilgen-Hpnoré , p. 47)-

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CoNHECER 49

cionados, e condenam, por contrapartida.


e querem suprimir tôda a possibilidade de
engendrar crianças fracas ou defeituos.as.
É muito para desejar, não negamos,
que um conhecimento, mais generalizado
entre os cônjuges, dos perigos das trans­
missões hereditárias, e uma acção mais ri­
gorosa dos· poderes públicos (luta contra
a tuberculose, extinção de tugúrios imun­
dos), limitem cada vez mais o nascimen­
to de crianças débeis e doentes. Mas não
é permitido'a ninguém, em nome da mo­
ral ou seja do que fôr, constranger a não
procriarem os pais desprovidos de saúde
menos robusta ; também êles teem direito
estricto ao uso das liberdades conjugais.
Quanto aos filhos, mais lhes vale existi­
rem, mesmo que fiquem sempre criaturas
inferiores, do que não existirem, sobre­
tudo se considerarmos o problema pelo
lado do destino, não só humano, mas so­
brenatural. Não é preciso ser atleta para
entrar no Céu ; e um corpo doente ou de­
feituoso pode albergar um grande espíri­
to, uma bela ahna.
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50 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

O Estado terá razão, quando convida


os nubentes a um exame pre-nupcial;
exorbita, porém, das suas ahibuições, se
o to·rna obrigatório, e mais ainda quan­
do proíbe aos indivíduos mal conforma­
dos o contrair matrimónio e, por conse­
guinte, lhes veda, lhes usurpa o direito de
procriar. A Encíclica de Pio XI não dei­
xa dúvidas nenhumas neste ponto : Os
poderes públicos não teem o direito de
proibir o casamento ((àqueles que, segun­
do os processos e conjecturas da ciência,
embora por si capazes de contrair matri­
mónio, possam, devido à transmissão he­
reditária, procriar uma prole defeituosa.
Não é justo, certamente, acusar de grave
culpa os .homens que, por um lado, são
aptos para o casamento e por outro, em­
bora empregando todo o cuidado e dili­
gência, se prevê que terão uma prole de­
feiD.Josa, se contraírem casamento, não
obstante convir vulgarmente dissuadi-los
disso».

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LIVRO SEGUNDO

Deveres de cada espôso em relação


um ao outro

CAPíTULO I

Chegar «intacto>> ao casamento

Parece à primeira vista que êste as­


sunto nem valeria a pena lembrá-lo, de
tal modo êle se impõe. E contudo ! . . .
� ão é verdade que para muita gente
constitui «carolice ridícula» o querer um
rapaz passar a j uventude sem dela apro­
veitar para se <<divertim? E servem-se de
especiosas razões para mascarar o seu ri­
sinho de escárnio: a continência, no adul­
to, é impossível. É falso ! Somos o primei-
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52 A CAMINHO DO �IATRIMÓNIO

ro a reconhecer as grandes e pesadas exi­


gências da castidade ; faz falta uma cora­
gem mais que ordinária para permanecer
constantemente fiel. Mas não esqueçamos
isto : se a lei moral exige muito, o dogma
e a doutrina dos sacramentos dão fôrça
em demasia para arrostar com as genero­
sidades obrigatórias. Deus vive no cristão
fiel à graça do baptismo. Que poderoso
auxílio o desta presença íntima, contínua,
activa, da Trindade Santíssima no fundo
da alma ! E a oração ? não vale nada ? E a
devoção a Nossa Senhora ? E a sagrada
Comunhão ? Costumam apresentar os ri­
gores da moral como um bloco isolado, ·�
não reparam nas fontes de energia com
que Deus nos muniu e nos ajuda a obser­
vá-los. Encaremos, pois, a religião no seu
conjunto, e não apenas pelas exigências
da castidade.
Não é verdade que, mesmo onde não
tem entrada o célebre e malfazejo sofis­
ma «Il faut que jeunesse se passe», fica
sempre de pé a fraqueza humana, o pen­
dor do mal � para o rapaz, as condescen-
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CoNHECER 53

dências interesseiras da mulher fácil, -


para a rapariga, a sedução dos sentidos,
que interveem um dia de surprêsa, graças
ao arrebatamento do coração ?
E, por cima de tudo isto, o paganismo
ambiente não se mostra cada vez mais in­
clinado a desculpar as estroinices que
precedem o casamento ? Chega até a fa­
vorecê-las, consentindo e promovendo no
teatro, na literatura, no cinema, a exalta­
ção vergonhosa daquilo que o direito na­
tural e a Igreja condenam com o nome
de «pecado sensual».
Mas há mais ainda. Aparecem por aí
uns sociólogos bafientos, a apregoar como
reforma útil e necessária a união marital
antes do casamento. Chamarão a isso.
por exemplo, casamento-experiência :
ajuntam-se conjugalmente dois seres, an­
tes dos desposórios definitivos, que é para
verem se s� ajeitam um com o outro, ou
se será melhor pensar noutra vida <t>.

( 1) É certo que, para facilitar a separação dos dois


interessados, no caso de· não se darem, assentar-se-á em
que a anticoncepção será de regra durante êSII:e estágio

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54 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

É para lastimar, e muito, que idéias


tão avariadas encontrem penas que as
acarinhem. O próprio chefe do partido so­
cialista francês e, por mais de uma vez,
presidente do Govêrno, num livro no­
jento que cândidamente dedica a sua mu­
lher com estas palavras : <�Peço licença
para tornar pública a dedicação que faço
dêste volume a minha mulher, querendo
significar assim que, na feitura do livro,
não entrou a mínima parcela de decep­
ção ou má vontade, antes pelo contrário.
um vivo sentimento de gratidão, e que foi
escrito por um homem felizn, - o próprio
Leão Blum, dizíamos nós, preconiza a

t cvida de aventuras)) como preâmbulo lí­


cito, e até desejável, de tôda a união defi­
nitiva. Segundo êle, seria fisiologicamente
impossível aos cônjuges conservar os seus
apetites dentro das raias da moderação
de uma união estável, antes de terem
chegado à idade madura. <�A vida de

de uniã o temporária, o que fará juntar ao pecado de


impureza um outro que tem muito de homicídio, como
já houve vcasião de dizer.

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CoNHECER 55

aventuras, são palavras textuais suas,


deve preceder a vida de matrimónio, a
vida do instinto, levar dianteira à vida
da razão» - e ainda estas : ((Patenteia­
-se a necessidade de que a mulher, tam­
bém ela, tenha levado a sua vida de ra­
paz, de paixão e de aventura ( antes do
casamento ) <tJ».
Quem é que não vê o êrro de seme­
lhantes teorias <2>? Partem elas do princí­
pio egoísta de que o casamento só serve
para o prazer - e unicamente para c
prazer do corpo, o que equivale a rebai.::

( 1 ) Já no tempo de Luís XV, Maurício de Saxe, o


vencedor de Fontenoy, propôs que as uniões só pudes­
sem concluir-se, a titula definitivo, depois de terem si­
do precedidas de estágios. Primeiro um estágio de cinco
anos; se neste tempo não v iesse nenhum filho, o casa­
mento ficava automática e obr:gatõriamente desfeito.
Se houvesse filhos, os esposos podiam juntar-se. para
dois novos periodos qüinqüenais. A união só se torna­
va definitiva depois de renovada três vezes. Bom cabo
de guerra, o Marechal, mas fraco moralista !
( :;:·) Juntamente com_ o casamento temporário e o
casamento-experiência, Pio XI estigmatiza o casamento
'
«amical»· (isto é, sem indissolubilidade e com ausência
de filhos propositada ) . Estas concepções da vida conju­
gal repugnam não só à lei divina, mas até ao simples
direito natural; por outras palavras: nãO é preciso re­
correr B. moral· revelada, para condenar estas formas
odiosas de u nião mutua; a sã razão por si as reprova.

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56 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

xar a economia divina ao prescrever. ?_


união dos sexos ; esquecem que, se em
certos momentos pode ser custoso, tan­
to no casamento como fora dêle, o do­
mimo dos sentidos, a religião, vindo �m
socorro da moral, oferece o apoio neces­
sário, já pela oração, já pela Eucaristia,
pela devoção a Nossa Senhora, pelo há­
bito salutar da mortificação, etc. ; aviltam
o casamento, admitindo que se entregue
ao outro cônjuge um corpo murcho e
gasto, um coração cujo melhor perfume
há já muito que se evaporou. 1\;iais adian­
te voltaremos a êste mesmo assunto,
quando houvermos de falar do «amor li­
vre» para o condenar.
Receando pouco erigir em teoria os
desconchavas aconselhados por Leão
Blum, Lindsey e outros moralistas de

:É isto mesmo o que se há-de responder àqueles que


acham muito_ dura a doutrina lembrada pelo Santo Pa­
dre: a doutrina não é do Papa nem da Igreja (excepto
no que se refere propriamente ao matrimónio como sa­
cramento) , é a expressão pura e simples da lei natu­
ral gravada por Deus no coração do homem. Todo o
homem de ·j uízo são e recto tem forçosamente de pen­
sar como fala a Encíclica.

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CONHECER 57

igual estôfo, certos rapazes, acicatados


pela paixão e sem energia bastante para
refrear os apetites, e não se encontrando
ainda em situação de arranjar um casa­
mento à sua vontade, deixam-se chegar
a familiaridades culpáveis. ( Muitas ve­
zes não se vêem obrigados a apressar a
data do enlace, porque um nascimento
prematuro o exige ? - a não ser que, jun­
tando a desvergonha à incontinência,
abandonem cinicamente, com o filho que
lhe deram, a desgraçada que foi cúmpli­
ce ou demasiado crédula ; - ou a não
se r que, ante os temores da maternidade,
se tenha feito desaparecer, por processos
homicidas, o fruto odiado da união com­
prometedora.
A regra moral, bem entendida e inte­
gralmente praticada, exige que os dois
nubentes cheguem intactos ao matrimó­
nio. E isto, note-se bem, é para os dois ;
não vá pensar-se que há uma lei para
os rapazes, e outra, mais apertada, para
as raparigas. Cada qual deve dar ao seu
companheiro a totalidade de si mesmo,
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5s A cA:-.nNHo Do MATRIMÓNIO

e é negócio pouco sério pedir urna vir­


gindade inteir:a aquêle que j á a não pode
dar. Disse-o muito bem o moralista
Arniel : «( Não é uma profanação entre­
gar o mais íntimo e o mais misterioso do
seu ser e da sua personalidade, por menor
preço que urna reciprocidade absoluta?»
Quere isto dizer que, se um rapaz ou
uma rapariga teve alguma leviandade
antes de se casar, já deva por isso renun­
ciar à vida conjugal? Tal coisa não afir­
mamos ; ( mas não será mais honesto
contar tudo lealmente ao futuro consor­
te, no caso de ter havido relações culpá­
veis com terceira pessoa? É, mas podem
existir razões de pêso que aconselhem
silêncio. Só haverá obrigação de falar, se
a leviandade tiver tido conseqüências,
- filhos, contaminação, - e isto por cau­
sa dos encargos ou riscos que se lhe se­
guem.
- Mas é que assim, dirão, o casa­
mento não se realiza . . . - De acôrdo, e
talvez a juventude fôsse mais cautelosa,
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CONHECER 59

se conhecesse melhor os muitos e grandes


perigos a que se expõe. Contrair matri­
mónio e levar no seu activo uma virgin­
dade perdida e uma única mentira sôbre
o valor do que se dá, pod e ser uma es­
peculação egoísta muito bem achada : é
também a mais vil de tôdas as infâmias.
Há quem diga : Na prática, felizmen�
te, os interessados teem o bom gôsto de
se contentar com umas respostas vagas,
ao tratar-se de inquirições preambulares,
e fogem de aprofundar muito êste pon­
to. E o contrato nem por isso se deve al­
cunhar de menos honesto, porque a ou­
tra parte antes quere fechar os olhos, pa­
ra não ter de cortar, e tàcitamente passa
uma esponja sôbre tudo o que por acaso
tenha havido que mereça condenação.
Não teremos nós aqui, precisamente,
a explicação de tantos casamentos pouco
felizes ?
Acrescentemos, no entanto, que, se
antes do casamento convinha confessar
o dano ou injustiça que ao cônjuge se
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6o A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

fêz, sob pena de cruelmente o ludibriar


- será de mui sábia prudência ocultar,
depois do casamento, tudo o que para
trás dêle tiver ficado de repreensível.
Antes, teria sido bom dizer tudo; agora,
é forçoso não dizer nada. E que martírio,
ter de reconhecer perpetuamente, pela
vida fora : há um recôndito da minha
existência que a «metade de mim mes­
moJJ nunca chegará a conhecer ! É já tão
trist� necessidade de tôda a união, mes­
mo daquela que mais estreita se afirma,
que cada um fique «em si>J e que, apesar
de todo o esfôrço, seja muitas vezes
para o outro parcialmente desconheci­
do (tJ ; -troca total absoluta, dom mútuo
pleno, suporiam não duas naturezas di­
ferentes, mas dois amores sem limites, -
quanto mais se um dos dois, proposita­
damente, tiver de fazer com que o con­
sorte ignore uma parte - e parte que

( x ) Disse alguém , . com muita' habilidade: "Um dos


devere� dos e,sposos é perdoarem-se mutuamente o não
poderem dar o infinito, depois de quás>i o terem pro­
metido>>. (P. Thouvign()n , L'âme feminine, Lethie�eux ,
I 9)0, p. 164) .

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CoNHECER 6I

tanto interessa ! - do _seu passado e da


sua vida !
Existe, pois, o dever de guardar para
si o segrêdo ; uma vez que o contrato es­
tá fechado, os compromissos tomados, é
preciso não dizer nada que possa dimi­
nuir a estima recíproca e o mútuo amor.
A moral, aqui, pede que a sinceridade
seja sacrificada a um bem maior. Mas
.
que tormento para uma ahna que - su­
pômo-lo - apesar de tôdas as fraquezas,
é ainda nobre, esta necessidade de per­
manentemente mentir (l) !
Só mais uma palavra. Se, muito afor­
tunadamente, não chegou alguém a dar­
-se a outrem, mas, conservando embora
a virgindade essencial do corpo, não sou­
be guardar os sentidos, ou a imaginação,
ou o coração, como deverá proceder ao
apresentar-se-lhe a idéia do casamento ?
É bem de ver que, quem cometeu tais

(I) E que alegria, pelo contrário, quando cada um


dos dois esposos puder dar a ler tôdas as páginas da
sua vida à criatura a quem se uniu. Transcreveremos
adiante uma bela passagem de Paulo Lerolle a êste
propósito.

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62 A CAMDiHO DO MATRIMÓNIO

faltas, não se colocou nas melhores dis­


posições para atrair as bênçãos de Deus
sôbre o seu lar. No entanto, por hipóte­
se, não faltou gravemente à justiça em
relação ao outro cônjuge, - a não ser,
evidentemente, que por êsses deslizes te­
nha de tal modo apoucado o seu va1or
moral, que não pass� agora de uma cria­
tura tarada, com exigências sensuais in­
domáveis até mesmo na vida conjugal,
incapaz de submeter-se às leis rigorosas
desta, - caso de excepção, queremos
crê-lo.
Mas, bem entendido, uma coisa é o
limite que não se pode ultrapassar sem
faltar à justiça, e outra coisa é o ideal
que convém manter sempre vivo, se se
quere corresponder aos desejos de Deus
:rio casamento, às mais íntimas aspirações
do futuro companheiro, às melhores ga-·
rantias de felicidade completa no estado
conjugal.

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CAPíTULO II

Na vida de casadoc

Duas obrigações :
- amor exclusivo
- amor indissolúvel (t).

Amor exclusivo

Deus prescreveu-o bem claramente :


((Serão dois numa só carne». ((O homem
juntar-se-á a sua mulhem.
Uma só carne; sua e não suas. A in­
dicação é formal e, como o casamento,
quando Jesus Cristo veio ao mundo,_ ti-

( 1 ) Para maiores desenvolvimentos, que estaS pági­


nas por fôrç a não podem dar, ver o livro de Castillon
Autou1' du llfariage (Bcauchesne) . Do mesmo autor é o
artigo Mariage no [)ictionnaire gpolo6éiiiJ.ue de la F;oi
Catholique (Beauchesne) .

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04 A CAMINHO DO MATRIJ.IONIO

nha esquecido esta exigência, um dos fins


do Salvador, ao elevar a sacramento o
contrato matrimonial, foi o de repô-lo no
rigor primitivo.
Ficam, portanto, interditos :
a) O amor livre
b) O adultério.

a) Amor livre.

Há quem assim discorra : A estabili­


dade na união conj ugal é uma coisa odio­
sa, e é preciso deixar independência abso­
luta à soberania do amor. O amor cria li­
vremente a união ; permita-se-lhe, pois,
que também livremente a continue e livre­
mente a acabe, sempre que um objecto
mais amável a isso o leve.
Quatro razões condenam o amor livre :
- vê apenas a junção dos corpos, quan­
do o casamento é muito mais do que isso ;
- não tem em conta o fruto da união, é
um egoísmo cede parelha», e a sua conse­
qüência lógica é a anticoncepção ou, se
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CoNHECER

acaso aparecem filhos, o abandono dêles


ao Estado (lJ ; - toma impossível a edu­
cação da prole ; - avilta
' o amor e degra-
da a mulher.
As três primeiras razões metem.,.se
pelos olhos dentro; vamos apenas dizer
algun:tas palavras sôbre a quarta.
A própria natureza e dignidade do
amor exige a unidade no casamento : um
homem, uma mulher; uma mulher, um
homem . . . Se há um,a qualidade indispen­
sável em todo o amor verdadeiro, é esta
com certeza : tender para o exclusivismo :
quem ama a valer, ama unicamente, ex­
clusivamente (falamos aqui, bem enten­
dido, de um amor que inclua as intimida­
des que o casamento traz consigo) . Dizer
a uma pessoa que se ama - dêste amor
que oferece e pede em troca o dom total
do corpo e alma - e. ao m,esmo tempo dei­
xar supor que outra criatur� irá beneficiar
de tal amor, não é condenar de antemão a
própria causa ?
(1) O bolchevismo russo, ao menos, é :ógico neste
ppnto.

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66 A CAMINHO DO MATRI MÓl\10

11l
A dignidade da mulher compare­
-se bem o regime de unicidade com o vi­
ver dos haréns; naquela, situação igual
para os dois cônjuges; nestes, a mulher
reduzida ao estado de bêsta humana,
carne para prazer. E que invejas, quan­
do uma mulher é repudiada, que intrigas
para voltar às boas graças de quem na
deixou !

b) Adultério.

O adultério consiste nas relações con­


jugais entre uma pessoa casada e outra
solteira, ou entre duas pessoas casadas
mas que não são entre si marido e mu­
lher.
Além das razões precedentes, que

(r) Sem possível contestação, é ela a grande vítima


dos u :trajes �s leis do matrimónio. O homem, êsse, bem
se· arranja. Está. sempre pronto, relevem-se-nos as pa:a­
vras cínicas; a refazer uma virgindade. A mulher sedu­
zida, e depois abandonada, perdeu roo% do seu va­
lor; e, se a união lhe de11 um filho, que vai ela fazer?
Abandoná-lo? :É um crime. Criá-lo e educá-lo ? Mas ha­
verá quem na queira e ajude, assim embaraÇada com
um fardo odioso? Perdão para êste trisre fraseado, mas
não é outra a linguagem desgraçada do amor livre.

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valem - adaptadas, - devemos ainda
acrescentar o motivo de injustiça grave
que se faz ao cônjuge ou aos cônjuges le­
gítimos, a quem se prometeu um dom sem_
reserva.
�ste problema prende-se com .o da in­
dissolubilidade, do qual vamos também
dizer duas palavras.

II

Amor indissolúvel

É indissolúvel a união conjugal legi­


timamente contratada ; só a morte de um
dos cônjuges permite ao outro contrai r
segundas núpcias ((Não separe o ho­
mem .o que Deus juntoU>>, disse Nosso Se­
nhor. E logo pouco depois : «Todo aquêle
que repudiar sua mulher e se casar com
outra, comete adultério contra a primei�
ra. E se a mulher repudiar seu marido e
se casar com outro, comete adultério » .

A propriedade essencial de todo o ca­


samento vàlidamente reali zad o é a de ser
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68 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

indissolúvel (iJ ; tratando-se do casamen ­


to entre católicos, a indissolubilidade que
vem à união pela fôrça da lei natural ti­
ra ainda do sacramento uma firmeza mui­
to especial.
A Igreja pode autorizar a separação
de bens, pode até mesmo suprimir a obri­
gação de coabitar, por exemplo no caso
de incompatibilidade absoluta de génios :
mas o que ela não pode é permitir a um

ou aos dois cônjuges que contraiam no­


va união, que isso seria consentir no di­
vórcio <2>.

Porquê ? Porque tal prática brigaria


directamente com três coisas muito sa-

( 1 ) Entre não baptizados, o casamento é vã:ido, se


fôr contratado segundo os preceitos da lei natural, lei
que exige o consentimento mútuo, dado com pleno co­
nhecimento, plena liberdade e sem restrições. :É evidente
que êste contrato não chega a ser sacramento, mas nem
por isso fica menos indissolúvel. Contudo, pode ser que­
brado por dispensa do Papa, no caso de um dos pagãos
se converter e o outro lhe negar a liberdade de praticar
livremente a religião que abraçou. .
(2) Muitos chamam divórcio � simples separação dos
dois esposos; o que é estrictamente proibido é a separa­
ção feita já com o subentendido de poderem tomar a ca­
sar. :Bste segundo casamento não pode ser de maneira
nenhuma união válida.

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CONHECER 6g

gradas : a dignidade do amor (o amor


não diz apenas : «Só teu, só minha»; «Só
tua, só meu», mas acrescenta : (<Para sem­
pre»), a dignidade e a felicidade da mu­
lher, o interêsse soberano dos filhos (o
romance de Paulo Bourget, Um divór­
cio o J , põe êste último ponto bem em evi­
dência).

Objectam : não será isso condenar a


sofrimentos intoleráveis dois esposos que
não se dêem ?
É condenar rapazes e raparigas a te­
rem mais tento na escolha. É lembrar a
cada um que, por tôda uma vida que já
lhe não pertence, há-de recorrer com fre­
qüência à graça do sacramento, porque
só esta pode tornar leveiras as cruzes
inevitáveis. Além disso, o mal dos parti­
culares, - (bem real em certos casos e
nem sempre, confessamo-lo, por - culpa

(1) Pub:icado na colecçã o "Biblioteca das Famílias"


Ja antiga casa editora A. Figueirinhas, hoje Livraria
Editora Educação Nacional, Rua do Almada, 125, Pôrto
( n . do t . ) .

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70 A CA!I!JNHO DO lHATRD!(l�IO

dos interessados) - deve ceder ante o


bem evidente da colectividade, ou sej a
ante a conveniência de manter a todo o
custo a estabilidade dos lares, sob pena
da sua desagregação rápida e generali­
zada.
� Mas, insiste-se ainda, por que é que
não há-de haver excepções, embora ra.­
ras ?
- Porque as excepções arruinariam
a lei. Não é isto o que infelizmente se vê,
depois da instituição do divórcio civil ?
Em França, o j udeu Naquet, ao defen­
der a sua lei no Parlamento, afjrmava
r6e alguém conseguir mostrar-me que .
ho dia em que nós estabelece rmos o di­
vórcio, aumentaremos o número de fa­
mílias que se desagregam, não terei re­
médio senão aceitar as vossas recrimina-

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CoNHECER 7I

ções». Os factos estão à vista, em França


e por tôda a parte <t>

( r ) Será preciso acrescentar que só o casamento re­


ligioso é válido entre baptiza-9os? Não que o sacerdote
seja o ministro do sacramento; os ministrps sagrados são
os próprios nubentes, muito embora se requeira a pre­
sença do sacerdote ou, em caso de impossibilidade, de
duas testemunhas. - O casamento civil não é uo casa­
menton, é apenas a homologação, a título legal, da união
contratada. (o� a. contratar) na igreja. Permita-se-nos
a. seguinte transcrição de Dumas filho, em geral menos
bem inspirado:
"Que é que vós me pedis para a minha felicidade
ser coisa lícita, para poder dizer a tôda. a. gente: Eis
a m:nha. espôsa bem amada, carne da minha came, os­
sos dos meus ossos ? . . . Que numa sala desguarnecida e
fria, diante de um homem igual a mim, entre quatro tes­
temunhas vestidas de negrp, nas fôlhas de um registo que
pa;ece um livro de àeve-e-haver, eu assine o compromis­
so de tomar esta virgem por mulher, de a levar para
minha casa, de a protefWr, pe lhe ser fjel ? . . . - E pen­
sais que eu me vou contentar com êste laço puramente
material que a morte romperá? Quero um que nada
possa desfazer. Onde acharei o meu Deus? Onde é a
sua casa sôbre a terra? Vamos depressa à Igreja! � Será
lá que, se eu morrer, minha querida companheira há-d�
encontrar o divino EspOso, o único que no seu coração
me pode substituir; será lá que, se ela morrer, os meus
filhos irão procurar uma segunda Mãe, sempre nova e
sempre viva, a única, sem dlúvida, capaz de substituir a
que tiverem perd!don.

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SEGUNDA PARTE

PR EPARAR-SE

LIVRO PRIMEIRO

Preparação remota

Visto que mais tarde haverá uma du­


pla missãó a cumprir no matrimónio : ser
instrumento da obra criadora e ajuda pre­
ciosa para o outro cônjuge, é indispensá­
vel que, quem se destina àquele estado, co­
mece desde longe a preparar-se para tão
delicado e magnífico papel.
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CAPíTULO I

Preparação
com vista à obra procriadora

Não são precisas grandes reflexões pa­


r::I. chegar à conclusão de que só estarão

aptos para cumprir inteiramente os seus


graves deveres nesta matéria aquêles que
tiverem sabido
educar-se no respeito do amor
educar a castidade.

Aprender a respeitar o a mor

Para o rapaz, isto equivale a dizer :


não falar nunca do casamento, nem da
mulher, senão em têrmos delicados e ho­
nestos. ] ohannes ] rergensen, historiador
de S. Francisco de Assis, depois de ter
pôsto em evidência a limpidez viril do
seu herói, acrescenta : «Como todos os de
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jb A CAMINHO DO MATH DI(lNIO

coração puro, teve sempre um grande res­


peito pelos mistérios da criação)). Oxalá
todos os rapazes do nosso tempo mereces­
sem i dêntico elogio !

Há, para falar das coisas do amor, um


vocabulá1io degradante e vergonhoso,
que todos os jovens de alma nobre deviam
intransigentemente proscrever. O nec no­
minetu1· z:nter vos de S. Paulo é a única
regra cristã que deve valer, quer se tra­
te de calão arruaceiro, quer de subenten­
didos engravatados.
É preciso, pois, que os jovens deixem
de ver no amor apenas a aproximação
dos sexos, pois ela não é tudo, nem se­
quer o principal do amor.

Para as raparigas a dificuldade é ele


ordem diferente : teem, em geral, de fazer
esfôrço para compreenderem que esta
união corporal seja uma coisa santa, me­
recedora de respeito.
Disse muito acertadamente uma edu­
cadora avisada : ((Bastas ve.zes notamos
que as donzelas em idade de poderem co-
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PREPARAR-SE 77

meçar a preparar-se para o casamento la­


boram em êrro, ou melhor dito, padecem
de uma ilusão sôbre a natureza � o ver­
dadeiro sentido do amor. Com estas pala­
vras toco num assunto bastante delicado.
O pensamento do amor, a realidade do
amor, as mais das vezes sob forma de
amizade apaixonada, teem um lugar de
primacial importância na vida das rapa­
rigas, ainda as mais pr�servadas. É ge­
ralmente casta a idéia que uma rapariga
de r6 anos faz do amor; afigura-se-lhe,
segundo a lei da sua própria sensibili­
dade, ser êle um sentimento maravilho-­
so, que produz uma exaltação de todo o
ser humano e lhe revela como que um
mundo novo ; julga que êste sentimento
termina em si mesmo, que procura sã­
mente confundir dois seres e proporcio­
nar-lhes assim a felicidade perfeita. Se­
rá coisa desatinada e completamente inú­
til querer tirar a poesia à maneira como
as raparigas encaram o amor; e, além
disso, a educação deve antes visar a di­
rigir do que a suprimir tendências natu-
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78 A CA::IUNHO DO MATRIMÓNIO

ra1s. É preciso, no entanto, conduzi-las


pela verdade, dizer-lhes a elas que o
amor, tal qual o concebem, não passa de
um egoísmo entre duas pessoas, que o
amor autêntico é um sentimento muito
maior ainda do que julgam, que não ter­
mina em si mesmo e que só é belo quan­
do é fecundo. O amor está ordenado pa­
ra a família, eis a verdade fundamental,
,
prepara-a e funda-a, dêle recebem luz
muito especial todos os pequenos e gran­
des deveres· da vida ; fora da família, o
amor só é êrro, desordem e, por fim, so­
frimento (l) J J .
Fique, pois, bem entendido que a
união dos corpos em nada prejudica a
santidade dos esposos ; é coisa querida
por Deus, e seria falsear a realidade não
incluir a obra da carne na -idéia que se
faz do amor conjugal, ou o considerá-la
uma obra sem nobreza e, em certo modo,
deprimente. Haja vista às páginas do
princípio.

( r ) M.mc Daniélou, no Congresso da. Natalidade, em


Clermónt-Ferrànd.'

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PREPARAR-SE 79

Tudo o que contribui para a obra


criadora é, de si, nobre ; mas não é só por
isso que o amor dos dois cônjuges devt:
ser animado do mais alto respeito : o ca­
samento supõe duas almas em estado de
graça. Ora o que vem a ser uma alma
�m estado de graça ? Uma alma em que
vive Deus. Portanto, na união de dois
consortes, não somente os corpos se
abraçam e as almas se juntam, mas Deus
presente num vem, se é permitido falar
assim, encontrar a Deus presente no .ou­
tro.
Que íntimo e profundo sentimento de
respeito, quando cada espôso sabe ver,
naquele com quem faz um só, esta pre­
sença divina - misteriosa mas real -. ·
que lhes dá à união no tempo valor pe
eternidade, que transforma um. gesto
humano num gesto a que Deus tão es­
treitamente fica ligado. Não se trata de
unir simplesmente dois corpos, nem mes�
mo duas almas ; trata-se de · conjugar
dois estados de graça, de conjugar, em
sublime intimidade, a vida una .da SS.""
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80 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

Trindade a viver em cada um dêles. Mis­


ticismo, dirão. Talvez, mas do melhor e
de carácter mais autêntico.
Para alguns Doutores da Igreja, uma
das mais subidas grandezas do matrimó­
nio cristão está precisamente no seu va­
lor de expressão simbólica : a união dos
cônjuges entre si é a imagem - imagem
longínqua mas expressiva - de uma
união bem mais alta, daquela que Deu;
se digna manter com tôda a alma em es­
tado de graça. E Santo Padre houve
que, depois de s� ter referido ao Espírito
Santo pelo seu nome masculino Spiritus
Sanctus, não hesitou em chamar a alma
pelo feminino de spirita sancta, para in­
dicar assim o incomparável esplendor e
a imperiosa necessidade da presença da
graça para a fecundidade sobrenatural da
vida inteira.
S. Paulo vê na união conjugal o sím­
bolo de uma outra união invisível ; não já
precisamente a união de cada alma com
Deus pela graça, mas a união em Jesus
Cristo de tôdas as almas resgatadas pelo
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PREPARAR-SE 8r

baptismo, na unidade de um só corpo, o


Corpo Místico de Cristo, a Santa Igrej a.
O Salvador é o Espôso ; o conjunto de
tôdas as almas fiéis constitui a Espôsa :
é esta a união conjugal mais perfeita e
os nossos casamentos na, terra não pas­
11>.
sam de apagados símbolos dela
Por conseguinte, assim como para a
Igrej a Jesus Cristo é sagrado, e vice-ver­
sa, assim marido e mulher devem ser um
'
para o outro coisa sagrada, ou melhor,
pessoa sagrada.
Onde encontrar doutrina que faça do
casamento realidade tão alevantada e

exija dêle e nêle mais profundo respei­


to ? Como é triste verificar que a maior
parte dos cristãos e das clistãs do nosso
tempo se aproximam dêste «Grande Sa­
cramenton,' sem nunca terem reflectido_
na sublimidade do �tado que abraçam !

( r ) Epístola aos Efésios, c. V. 2 I · • 3 ·

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82 A CAMI:-< Hü DO �iATRDlÚ:t\ JO

Educação da castidade

Pelo que dissemos da verdadeira na­


tureza e das exigências legítimas da obra
criadora, salta claro aos olhos que ela
requere almas fortes, que saibam r�gular
as paixões, conformar-se com o plano de
Deus e com as leis da vida.
Qual será o ingénuo que suponhd.
bastar a gente tomar um estado qual­
quer, para logo autornàticament� adqui­
rir as virtudes necessárias a êsse estado ?
Todo aquêle que se preparou para o ca­
samento, dando largas aos mais deprava­
dos apetites, não vá agora pensar que
poderá fàcilmente refreá-los, só pelo fac­
to de mudar de vida. As virtudes ga­
nham-se com a longa prática, e há tam­
bém uma espécie de noviciado para o
matrimónio integralmente cristão. Terá
mais probabilidades de fundar um lar
casto, quem tive.r aprendido a dominar
os instintos da carne na vida de solteiro.
Nada conhecemos mais ridículo, mais
ignobilmente interesseiro, mais estúpido,
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PREPARAR-SE

que a pretensão de certos desbragados,


ao afirmarem que o melhor espôso é aquê­
le que mais levianamente tiver sabido ((di­
vertir-se». Engano ! Só quem viveu cas­
to aprendeu a ser casto, e qualquer outro
meio preconizado não passa de mentira
impudente !
E são tantos os jovens que chegam ao
casam�nto sem nunca terem obtido uma
vitória sôbre si mesmos !
Terão êstes fôrça para se insurgirem
contra as arremetidas do egoísmo ? Pode
• supor-se que não. É certo que virá depois
em sua ajuda a graça do sacramento ; mas
a maior parte recusam deixar-se por ela
ajudar.
Com tristeza reconhecemos que, se de
tôdas as educações a receber ou a dar­
-se, a da castidade é a mais útil e a mais
urgente, é também a mais difícil, não só
porqu� instintivamente o esfôrço nos re­
pugna, senão porque as dificuldades do
futuro não se antolham aos adolescentes,
nem mesmo aos jovens. Como pode al­
guém preparar-se para vencer um obstá-
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84 A CAMINHO DO MATRI1\IÓNIO

culo que nem sequ�r adivinha ? Bem po­


demos dizer às crianças que se habituem
a vencer-se, mas a vencer-se em quê ?
Está bem que se lhes diga que aprendam
a dominar as paixões, e esta sobretudo.
Mas é impossível mostrar-lhes, logo aos
primeiros assomas da concupiscência,
quais os perigos a que a paixão as exporá
mais tarde ; é forçoso prepará-las para
uma coisa que não podem ainda alcan­
çar ; - e é esta, em nosso entender, a di­
ficuldade capital da educação da pureza.
Precisamente por isso é que nós somos
partidário, não de um esclarecimento pre­
maturo, mas de um esclarecimento judi­
cioso, que acompanhe o desenvolvimento
da criança e as suas necessidades.
Mas é fora de dúvida que a inteligên­
cia, em seu devido tempo, dos mistérios
da vida segundo o plano de Deus, se po­
de ser auxiliar da pureza, há-de sê-lo
sempre muito fraco, se desde tenra ida­
de e simultâneamente as almas não fo­
rem enrijecidas com têmpera de aço. Por
mais que se indique o caminho a seguir,
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PREPARAR-SE ss

de nada isso valerá, se de longe se não


ensinar a querer ! E, além disso, nesta
matéria, a concupiscência malsã, sempre
e em todos· susceptível de terríveis sola­
vancos, pode tornar perigosa uma ciên­
cia recebida castamente na sua origem.
De si, recebida castamente e por uma
natureza sã, é preservativo - fica assim
justificado o aparecimento dêste nosso
trabalho -; no entanto, é, para a maior
1
parte, preservativo insuficiente, se não
tiver por base enérgica formação do ca­
rácten
Procurem todos trabalhar por adqui­
ri-la ou por desenvolvê-la (t).

( 1 ) Não é nosso propósito dar aqui um qatado de


educação do carácter e da castidade, mas não faltam por
aí bons livros sôbrc o assunto, por exemplo: Hoomaert,
Le combat de la P.:treté. (Há uma tradução brasileira
com o título de A Grande Guerro) . - De entre muitos
e admiráveis modelos de aprendizagem no vencimento
prÇprio, assinalemos apenas Raymond de P�rrot (Berger­
-L6vrault) e Maurice Retour (Téqui) , dois livros que to­
dos os rapazes haviam de meditar.

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CAPíTU LO II

Preparação com vista à vida em com um

Os dois esposos não só teem, conside­


rados juntamente, deveres com relação à
prole eventual ou existente (procriação
e educação) , mas teem ainda, j á o disse­
mos, deveres com relação um ao outro.
Como preparar-se para êstes últimos ?
a) Esforçando-se por suprimir em si
tudo o que possa tornar mais difícil a vi­
da em comum ;
b) Esforçando-se por se engrandecer
aos olhos da pessoa amada (já conheci­
da ou ainda ignorada) .

A) Cor rigi r-se

Uma rapariga vai dar parte ao direc­


tor espiritual do seu próximo casamen­
to carácter violento, alma indomável,
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PREPARAR-SE

generosidade, sem dúvida, mas avêssa a


dobrar-se, a obedecer, um comodismo e
um amor próprio de que cândidamente
fazia gala . . . Depois de a ter felicitado, o
Padre tenta ainda convencê-la a fazer
um último esfôrço antes da hora sagra­
da : «Üh ! responde ela com desenvoltu­
ra, êle quere-me bem assim mesmo como
sou ! »
Ele, era o noivo. Sim, com c�rteza,
êle queria-a tal qual ela era, mas tê-la-i:1
querido com muito maior satisfação, se
ela fôsse como devia ser. Será realmente
amar a valer, quando não se trabalha por
agradar em tudo àquele a quem se pro­
meteu o coração ?
Seja-nos ainda permitido lembrar às
raparigas de carácter mais difícil, que as­
piram ao doce nome de «prometidas»1 a
maneira poética e lendãria por que na
índia refer�m a criação da mulher. Gra­
ças à fábula, há-de ser ouvido o convite
que lhes fazemos para amaciarem o tem­
peramento, e o nosso conselho há-de ser
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1)8 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

pôsto em prática, discreta mas eficazmen­


te. Fala assim o conto oriental :
..
<<Deus tomou a redondeza da lua e n
deslizar da serpente, o amplexo da hera
e a tremura da relva, a esbelteza da cana
e a frescura da rosa, a leveza da fôlha r::
o aveludado do fruto mimoso, o olhar ter­
no do cordeirinho e a inconstância da vi­
ração, o chôro da neblina e a alegria de
um raio de sol, a timidez da lebre e a vai­
dade do pavão, o macio do peito da an­
dorinha e a rijeza do diamante, a doçura
do mel e a crueza do tigre, o frio da neve
e o calor do fogo, o casquinar do gaio f'
o gemer da rôla . . . Juntou tudo isto e disto
tudo fêz a mulher.
Era graciosa e sedutora, mais linda
que o íbis ou a gazela. Deus regozijou-se
na sua obra, admirou-a e fêz dela presente
ao homem.
Oito dias depois, o homem vem ter
com Deus, todo confundido : «Senhor, :I.
criatura que me destes envenena a minha
existência. Taramela sem parar, queixa­
-se por nada, chora e ri ao mesmo tem-
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PREPARAR-SE

po, quere tudo, só sabe enredar, não pára


quêda, não me larga, não me deixa des­
cansar nem trabalhar. . . Peço-vos, Senhor,
que ma tireis, que eu não posso viver com
ela».
E Deus guardou-a paternalmente. Mas,
passados oito dias, aí volta o homem ou­
tra vez : «Senhor, desde que vos restituí
aquela criatura, a minha vida tem sido
muito triste e solitária. Dançava e cantava
na minha presença. Brincava comigo. E
que suavidade de expressão quando me
mirava pelo canto dos olhos sem voltar a
cabeça ! Não encontro nas árvores da flo­
resta frutos tão bons como as suas ca­
rícias. Suplico-vos, Senhor, que ma tor­
neis a dar, porque já não posso viver sem
ela». E Deus tornou-lha a dar.
Daí a oito dias, franziu a testa, ao ver
que o homem o procurava de novo, com
a mulher diante de si, trazida aos empur­
rões : «Senhor, não sei comQ é isto, mas
o que sei é que esta criatura me dá mais
aflições que outra coisa. Guardai-a e fa-
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90 A CAl\I I NHO DO MATR!i\!ÓNIO

zei dela o que vos aprouver, que eu não


a quero maiS».
Deus zangou-se ao ouvir tais palavras.
<<Homem, volta para a tua choupana com
a companheira que te dei e apr�nde a
suportá-la. Se eu agora a tomasse, não
tardaria muito que voltasses -a importu­
nar-me para a reavem.
E o homem, então, foi-se embora . . .
«Desgraçado de mim ! Duas vezes desgra­
çado, porque não posso viver com ela e
não sou capaz de viver sem ela ! »

Também o jovem, e êle talvez ainda


mais, precisa de se examinar e corrigir.
Dois pontos, sobretudo, devem merecer­
-lhe especial atenção A mane�ra como
guarda a fé e corno conserva a morali­
dade.
Vejamos a lição que nos dá Maria Li­
merel, naquele diálogo memorável do ro­
mance A Barreira, quando declara ao ho­
mem que pretende ser seu esposado :
- O que eu quero, acima de tudo,
que, entre êle e mim, não haja pensa-
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mentos que nos separem ; é que a alma
dêle e a minha alma fiquem uma só
alma.
- Mas ai ! Maria, eu receio tanto que
tu me obrigues a parecer-me contigo !
- Ainda és cristão ? Temos a mesma
fé ? Entende bem o que eu quero dizer.
Sei que continuas a ir à missa e que a
ela acompanharias tua mulher ; creio qu�.
por tradição de família, respeitas ainda a
idéia católica, as suas cerimónias, os seus
ritos . . . Mas olha que ser respeitador não
basta, meu amigo. Isso não é viver a fé
como eu a quero viver. Muito me custa
falar-t� assim, e só o faço para evitar
desilusão que teria um dia, se o meu ma­
rido não rezasse comigo, não fôsse comi­
go receber o Se:nhor, e não se inspirasse,
para o menor dos seus actos, desta fé que
me anima . . . Vej o tantas ruínas à minha
volta ! Sinto que arriscaria, com a maior
parte dos homens, a salvação da minha
alma e a minha felicidade . . . Quereria
- não te rias - que o meu casamento ti­
vesse qualquer coisa de eterno. Consider;)
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!)2 A CA!\!I:-\HO DO MATRIMÓNIO

medíocres os que não são feitos para du­


rar sem fim. Penso que tôda a família
que se constitui tem uma repercussão in­
finita, ante e após si. Quero ser mãe de
uma geração de santos ! »
Todo o jovem que aspira ao casa­
mento e pretende realizá-lo na plenitude
de tôda a sua beleza soberana deve não
só conservar intacta a fé, mas ainda proi­
bir-se o mais pequeno deslize que lhe me­
noscabe a pureza : deslize em que entre
em jôgo uma segunda pessoa, deslize pu­
ramente interior, que a ninguém tenha por
testemunha.
Se os rapazes se dessem ao trabalho
ele reflectir de vez em quando - mas com
seriedade ! - no que dêles exigem as ra­
parigas a quem um dia pedirão o amor,
a alma e todo o ser, como teriam o cui­
dado de evitar certas liberdades e lamen­
táveis atrevimentos !
Eis o que escreveu uma delas, em vias
de contratar os esponsais :
((Condições de religião, de saúde, de
situação, de família, etc . . . tudo isso está
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PREPARAR-SE 93

regulado ; mas há ainda uma pregunta


que eu me faço : qual foi, até hoje, o go­
vêmo íntimo dêste homem ? . . . Reservei­
-me integralmente para o meu futuro es­
pôso ; por isso, só quero unir-me a um ho­
mem que nunca tenha tido a mais peque­
na ligação, que se tenha guardado, como
eu, para o seu futuro Iam.
R�clama um amor fundado sôbre
<Cdois passados irreprováveisll, e acres­
centa :
<CExijo mais. Não poderei nunca amar
um homem que teve um momento de
fraqueza, fôsse com quem fôsse, porque,
no meu entender, o amor conjugal deve
ter por base a · mútua estima, e eu não
posso estimar, com a estima que êsse amor
pede, quem não foi capaz de se conservar
íntegro. Lamentá-lo-ei, rezarei por êle,
ajudá-lo-ei com tôdas as minhas fôrças a
erguer-se, mas, uma vez erguido, passarei
adiante e não o quererei para meu espô­
so : fica sempre êsse minuto de esqueci­
mento, que se pode resgatar, sem dúvida,
mas que não deixará nascer em mim o
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94 A CA�!I:\Hü DO MATRDIÓ:\Iü

amor. Oh não ! renuncio para sempre ao


homem cujo passado me não aparecer in­
teiramente limpo, nem que seja só por ter
tido ( (Com quem se divertir», sem ter ido
mais longe : divertir-se assim não é leal
nem honesto».
Para mais de um rapaz de alma no­
bre foi motivo de sérias reflexões - so­
mos disso testemunha - um belo artigo
de H. Reverdy publicado em Freres d'ar­
mes. Essas páginas saborosas intitula­
vam-se «A Prometida que me espera1>.
Depois de ter convidado os .jovens, seus
irmãos, a conservarem-se puros, por Deus
e pela sua fé, o autor apresenta outra ra­
zão, em si menos nobre, mas igualmente
forte, em certas ocasiões mais forte ainda
do que a primeira : a evocação, à beira
do pecado, da criatura adorável que há­
-de chegar virgem ao matrimónio.
«Nada vale tanto, quando a tentação
ronda próximo, como a evocação da
«bem-amada que nos espera». A sua fi­
gura graciosa traz-nos, nas auras da saü­
dade, uma fôrça purificadora.
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PREPARAR-SE <)5

Que diríeis vós, se aquela que vos pro­


meteu fidelidade a traísse ? Será por serdes
homens que julgais ter o privilégio mons­
truoso de lhe ,faltar ?
Não digais que ela nunca o saberá.
Quanto mais a gente avança na idade,
mais se persuade de que tudo se vem a
saber. Tantos homens feitos quereriam
arrancar uma página do livro da vida e
não o conseguem ! Não é pelo ruído que
à sua volta espalha a opinião que se me­
de a grandeza de um crime.
Rapazes, vivei, pois, na casta lem­
brança daquela que vos espera. Se a ti­
vésseis ao vosso lado, iríeis a êsse espec­
táculo ? freqüentaríeis determinada casa ?
falaríeis com certas pessoas ?
E vós também, os que ainda tendes
o coração livre, ide moldando nêle a ima­
gem da que vos aguarda. Mesmo sem .1
conhecerdes, jã vos pode ser de muita
fôrça».
Paulo Lerolle, que chegou a ser con­
selheiro municipal de Paris, deputado e
defensor acérrimo da causa católica no
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96 A CA�1l:\HO DO l\fATRDIÓ::\!0

Parlamento, deixou, numa confidência,


a fórmula esquisita da felicidade conju­
gal, reservada aos que souberam em sol­
teiros vencer as próprias paixões e im­
por-se os necessários sacrifícios :
((Ü encanto da vida de casados, es­
creve êle, está em que tudo se vive em
comum, não só no futuro, mas também
do passado. Não ter nada que esconder,
poder responder a tôdas as preguntas,
prevenir uma interrogação, indicar os sí­
tios em que se experimentou uma ale­
gria, em que se sofreu um desgôsto, no­
mear as pessoas conhecidas, sem que nun­
ca alegria, desgôsto ou pessoa nomeada
venha criar entre nós um minuto de per:..
plexidade, que doçura na vida, que incen­
tivo para o amor ! »
E é com humildade calma e um re­
gozijo incomparável que mais tarde, de­
pois de casado, lembra os esforços e a fi­
delidade da juventude :
<<Universitário ! Era a entrada na vi­
da, a liberdade. Alguns psicólogos de via
reduzida tinham profetizado que esta li-
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PREPARAR-SE 97

herdade me seria nociva. Graças a Deus


e aos meus pais, enganaram-se redond�:­
mente . . . A primeira vez que o mal s�
apresentou em tôda a sua. bmta realida­
de . . . afastei-o com um movimento o

mais natural dêste mundo, sem precisar


de grandes reflexões. A minha delicada
sensibilidade revoltou-se, por me terem
j ulgado capaz disso . . . Durante uma noi­
te inteira, senti o efeito da revolta vito�
riosa da minha natureza bem disciplina­
da; tremi de indignação generosa e pedi a
Deus, de todo o meu coração, que nun­
ca me deixasse conhecer as quedas .que
desonram e degradam, mesmo que o
mundo as absolva. Deus ouviu-me, Meu,s
pais nunca me regatearam a minima
parcela de liberdade. Tenho . a consciên-:­
11>n.
cia de j amais dela ter abusado

( r ) Paul Lerolle, por Paulo Blanchemain ( De Gi­


gord ) , pp. I ISe 29.

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98 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

E não digam : semelhante ideal é


muito bonito e tentador, mas quantos o
realizam ?
Muitos, mais do que se pensa. Ou, ao
menos, lutaxn por êle.
Se nos pedissem outro �xemplo, apre­
sentaríamos com gôsto a nota transcrita
por Alberto Chérel nos seus apontamen­
tos sôbre «A família francesa no século
XX)), e encontrada na carteira de um es­
tudante de medicina, em 1914 .nl . Pensa­ .

va no casamento :
C<Para descansar um pouco, vou dis­
co,rrer cinco minutos .sôbre a espôsa ima­
ginária : Imaginária, não, porque ela exis­
te,, mas aonde ? . . .
Existe. Enquanto rabisco estas li­
nhas, entretém-se ela, talvez, a sonhar
com flores, com anjos, com berços. Vais
brincando pelo dia adiante, minha que"
rida, e não te lembras de que êle 4raba-

(1) André Pontal, cujas Lettres i!!, ma jiancée foram


publicadas pelo P. L. Bergerau, em A . Pontal (Féret,
Bordeus) . Pontal morreu a 8 de Maio de 1916, de doen­
ça apanhada no front e com fama de santidade. (n.
do t:) . · '

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PREPARAR-SE 99

lha, isto é, prepara o seu futuro e a tua


vida.
As vezes assalta-me o desânimo, mas
logo ela me ilumina com o pensamento
reconfortante do dever. E não és tu que
o personificas, fada encantadora dos
meus dezanove anos ? Não é por ti, pelos
teus filhos, que eu aprofundo o saber em
livros tão maçadores, que arrombo os
escalpelos a estripar bichos tão repu­
gnantes ? Não tem sido por ti que eu te­
nho guardado até hoje, graças ao Se­
nhor, esta virgindade de que tanto me
or�lho ? Não duvides de que és a raz ão
única da minha vida e da minha honesti­
dade. Quero oferecer-te um corpo imq­
culado, uma alma ardente, uma inteli­
gência esclarecida, que tudo saiba com­
preender, afirmar as doutrinas assimila­
das e a verdade que sempre honrou . . .
Deus te proteja e me ajude a mim,
querida aniiga, porque eu quero dar-rhe
a ti dignamente, em dádiva real, novo,
de vontade firme e corpo robusto; Hei:.
-de levar-te o meu coração, o meu cora-
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IDO A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

ção todo inteiro sem desviar dêle a. mais


pequena fibra, nem esparramar os senti­
dos por absorventes c perigosas aven­
turas».
Há aqui algo mais que simples prosa.

B ) Aperfeiçoa r - se

Corrigir-se ou guardar-se não passa


de preocupação negativa ; é preciso
mais : aperfeiçoar-se, engrandecer-se.
Hão-de abundar, na vida conjugal, oca­
siões de parecer - e de ser - pequeno.
Bem avisado andará, por isso, quem, àn:­
tes dela, procurar encher-se de virtude e
de grandeza de alma.
O que os rapazes exigem de suas fu­
turas espôsas é, por vezes, tão alevanta­
do, que a gente pregunta se o ideal que
êles sonham será possível encontrá-lo cá
na terra, em criaturas de carne e osso.
Ouçamos, por exemplo, João du Ples­
sis, herói <l:o Dixmude, na resposta que
deu a seus pais, quando, pela primeira
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PREPARAR-SE IOI

vez, lhe sugerem um casamento even­


tual :
«Isso de que me falam não é para
mim nenhuma surprêsa : mas é resolu­
ção minha bem assente que só consenti­
rei em casar-me com a mulher que jul­
gar de seu dever fazê-lo. Assim mesmo ;
não se admirem. Entendo que é uma
honra para a mulher ser chamada a ele­
var-se acima de si mesma. Ora, para ser
mulher de um marinheiro, é preciso, na
realidade, elevar-se acima de si mesma.
É preciso ter a coragem de ver-se fre­
qüentemente só, a braços com tôda a sor­
te de dificuldades : dificuldades de or­
dem prática, dificuldades de ordem mo­
ral. Não faltam umas nem outras na fa­
mília do marinheiro. É preciso que �h.
se convença de que, ao contrário das ou­
tras mulheres, há-de ser pràticamente o
v�rdadeiro chefe, a pedra central do lar.
As espôsas dos oficiais de marinha,
em geral, lamentam-se de o serem. Pois
eu quero que a minha se sinta disso orgu­
lhosa, como cristã que sabe encarar ani-
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102 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

mosamente as cruzes que a vida nos


traz. O meu sonho, em resumo, é ter uma
companheira diante de Deus qu� tenha
como grande honra uma vida mais di­
fícil e mais atribulada que a das outras
mulheres>>.
Dirão : isso são pretensões excepcio­
nais, pois nem tôdas as donzelas vão ca­
sar com oficiais de marinha ; nem tôdas
pod�m lançar a barra tão alto. Então
vejamos como se exprime o professor
Ozanam. Anda há muito a pedir a Deus
que lhe dê a conhecer o estado em que o
quere : vida religiosa ou vida matrimo­
nial. Para êste último caso, escreve :
«Desejo que ela traga consigo quanto se
pode exigir de graças exteriores, para
assim me evitar mais tarde o mínimo si­
nal de pena ; mas o que sobretudo desejo·
é que tenha uma alma excelente, que tra­
ga forte cabedal de virtude, que seja
melhor, muito melhor que eu. . . que me
ajude numa contínua asc�nsão do espíri­
to, e depois, que seja também condes­
cendente, não vá eu envergonhar-me em
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PREPARAR-SE 103

sua presença da minha inferioridade . . . ))


Deixemos ainda estas exigências pre­
ciosas e vejamos, reduzida a mais mo­
destas proporções, mas igualmente be­
las, a indicação do que desejam, encon­
trar em suas espôsas todos os jovens de
alma nobre : São as seguintes estrofes de
Adriano Hubert, publicadas no boletim
da A. M. C. ( I de Janeiro de 1921) com
o título de Appel du Fiancé :

A celle en qui je vois déjà. la fiancée,


Je dédie humblement ce!'l stances, ou j'ai mis
Les rêves de bonheur qui bercent ma pensée,
Et qui sont d'un fidele entre tous ses a.mis.

Je voudrais qu'elle füt mieux que belle ou jolie,


Qu'e:Ie eüt ce charme exqÚis qu'un poete a chanté
Rayonnement d'une âme ou tout est harmonie,
De u:a gr.ice, plus be:Ie encore que la beaut:éll .

Je la voudrais, non pas bigote, mais pieuse,


Avec un fond de vie intérieure tel,
Qu'il lui garde toujours l'âme alerte et joyeuse,
Comme portant en soi tout le bonheur du ciel.

Je voudrais qu'elle füt aimante autant qu'ai.mée,


Qu'en m'accueillant le soir au senil de la mais!>n,
Elle eO.t dans :e regard la f:amme accoutumée
D'un amour qui réchauffe en .elle la raison.

Je voudrais qu'elle füt exacte i:nénagere,


Qu'un sou pour elle fút un sou, sans lésiner,
Et qu'elle eút, fécondant sa bourse trop légere,
L'art de multiplier les pains, l'art de donner.

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104 A CAMINHO DO MATRI1lÓNIO

Je voudrais qu'e:Ie füt brave devant la vie,


Se confiant à Dieu, Pere du !is des champs,
Tres fiere qu'là. créer le Maitre la convie,
Heureuse de régner sur de nombreux enfants (1) .

Um inquérito jornalístico, como é de


moda fazerem-se agora, e reahnente
bastante original, vai mostrar-nos o que
as raparigas esperam, por seu lado, en­
contrar em quem as procura. Um diárb
apresentou às suas leitoras, com pedido
de resposta, esta interrogação : Quais são
as qualidades do melhor namorado? Re­

colh�u 4470 listas e pôde publicar a se­


guinte lista-tipo, com as onze qualidades
mais preferidas, por ordem decrescente
de votos : optimista, condescendente,
al�gre, generoso, pontual, paciente, or­
denado, poupado, afável, leal, trabalha­
dor <zJ .
Sem dar por infalível êste juízo ple­
biscitário, nem por acertada a seriação,
cremos n9 entanto que uma e outro po-

(1) Esta poesia parece-nos inferior como produção li­


terária. Por isso a deixámos ficar no original, não fôs­
ie ela �rder ainda mais com a tradução. (n. do· t. )
(z) � claro ·que pal'a nós, catónéos, ·falta a palavra
"Piedoso, na. ,cabeça. desta lista.

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PREPARAH-SE IOS

derão ser, para muitos, útil indicação.


Rapazes que aspirais ao casamento e pa­
ra quem o amor não é palavra vã, metei
a mão na consciência e vêde se traba­
lhais por adquirir as virtudes que vos
são pedidas. E não esqueçais ainda uma
coisa muito importante : é que êste aper­
feiçoamento não é temporário, deve ser
contínuo, durar pela vida fora.
( (O casamento é uma arte muito difí­
cil», escreveu, não sem verdade, um mo­
ralista mundano ( Paulo Géraldy) . «0
amar-se antes dêle, palavra que não cus­
ta ! ainda não se conhecem. A habilida­
de está em se amarem depois de s� co­
nhecerem. Então já não pode haver es­
pertezas nem enganos ! O amor que se
exige do outro é preciso merecê-lO>>.
Não terá de se dar sentido idêntico a
esta reflexão humorística ? - «Permita
que me apresente. Sou um velho amigo
da casa. Conheci a sua mulher muito an­
tes de se ter casado>>.
- «Foi mais feliz que eu, que só a
conheci depoisn.
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LIVRO SEGUNDO

Uma vez chegado o momento disso,


como escolher?

I." Por que maneiras ?


-

z." - Com que qualidades ?

CAPíTULO I
Por que maneirasl

Parece que uma só palavra resume


tudo : entregando-se à reflexão.
O amor, tôda a gente o sabe, é cego.
Sucede quási sempre que a causa deter­
minant� da simpatia foi um pormenor
mesquinho, que a qualidade que mais
impressionou num primeiro encontro era
uma qualidade de segunda ou derradei­
ra ordem. Não será temeridade d�c�dir
em assunto tão momentoso por uma vis-
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PREPARAR-SE 107

ta superficial, nada razoável, e sem ga­


rantias ?
Aí temos dois seres. Nunca se viram.
Um acaso aproxima-os. Salta uma faísca,
os corações falam, uma conversa banal,
palavras no ar, nada de profundo, ne­
nhum exame sério de parte a parte. Di­
zem que se amam e passados três meses,
ou menos, estarão casados. É como nu­
ma C<fita» : apresentação, conversação,
fascinação, declaração, jubilação, pr�pa­
ração, celebração . . .
Que admira, poís, que, uma vez sela­
do o contrato, cheguem logo à conclusão
de que não estavam talhados um para o
outro ? Mas ai ! j á é tarde. Uma irrefle­
xão sem nome foi que presidiu ao com­
promisso mais sério e mais solene que se
possa imaginar ; e queira Deus que a C <fi­
tall não acabe breve em catástrofe : dis­
cussão, contestação, s�paração.
No romance inteligentemente escrito
La Confession d'une femme du monde,
Genoveva, a sua heroína, faz a s eguinte
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108 A CAMINHO DO MATR IMÓNIO

confidência a propósito do casam�nto de


uma amiga :
((Lembro-me que o que mais me im­
pressionou foi a rapidez com que tudo se
decidiu. Disseram-lhe um dia que o filho
de uma importante família bretã, o conde
de K�rzern, a tinha visto duas vezes e .1.
queria para espôsa . . . Nos oito dias que
precederam a entrevista, ria-se muito co­
migo do projecto. Encontraram-se um
domingo, passearam com os pais no par­
que durante meia hora e, quando êle lhe
preguntou se podia alimentar a esperan­
ça de um dia unir a sua vida à dela, res­
pondeu logo que «sim», sem mais pen­
sar».
E continua :
((Indignei-me imenso com esta ligei­
reza. Custava-me admitir que assim tão
precipitadamente tomasse uma resolução
de que, afinal, dependia a sua felicidade.
É certo que eu tinha vindo notando que
quási tôdas as raparigas minhas conhe­
cidas procediam da mesma forma, mas
isso não tirava que sentisse sempre por
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PREPARAR-SE

tais actos uma indignação viva e sincera.


Quanto maior não seria ela, que revolt<J.
não teria eu mostrado, se íne viessem di,.
zer que faria exactamente a mesma coi­
sa, quando chegasse a minha vez ! Pois
foi o que aconteceu . . . »
O resultado está-se mesmo a ver. Que
sabe a pobre Genoveva do seu marido ?
Durante o tempo em que se namoraralll.
ainda isso a preocupou um pouco : ((Eu
desconhecia quem êle era t Formei então
o propósito de no dia seguinte lhe fazer
algumas preguntas sôbre a sua vida, par­
ticular, sôbre a sua pessoa >> Prome­
. . .

teu, mas não cumpriu. Mais tarde, . torce


as orelhas. Passada a lua de .mel, come­
çam a viver um ao lado do outro como
dois estranhos.
<�As nossas vidas tocam-se amiúd�.
mas as nossas ahnas separa-as 1;11n infini.,.
to, e é difícil encontrar duas pessoas ·mais
alheias uma da outra .do qq� nós o :SQ­
mos agora. Talvez assim tenha sido sefil.­
pre, mas eu é que o não via».
E mais adiante :
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I IO A CAMlNHO DO MATRIMÓNIO

«Em resumidas contas, não conheço


nada do. meu marido, nada da sua yida
partic.ular. Nanca soube. Nos primeiros
tempos da nossa vida em comwn, se
adregava de o interrogar sôbre o passa­
do, a resposta era um beijo e a afirma­
ção de que só tinha principiado a viver
no momento em que me conhecera. De­
pois, os beijos foram rareando, começou
a deixar de me responder e eu de o inter­
rogar.
Quando considero no que vou apren­
dendo dia a dia no à-vontade das con­
v�rsas, do passado de uns e de outros . . . é
sempre feio e às vezes terrível. Houve
crimes, verdadeiros crimes, dos que as
leis rigorosamente punem, na vida dês­
tes homens - e mulheres - que entram
e.m nossas casas e em CUJas casas somos
recebidos.
Haverá semelhantes crimes na juven­
tude do meu homem ? . . . Passarei a mi­
nha vida ao pé da dêle e nunca o hei-de
saber ! . . »
.

Não foi por nada de profundo nem


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PREPARAR-SE III

de sólido que Genoveva se uniu a seu


marido; um nada os desunirá também :
simples tique nervoso que acabará por ir­
ritar um dos dois e aí temos logo o p�di­
do de ruptura.

...
·�

Um óptimo conselho : para decisão


mais acertada, com mais perfeito conhe­
cimento de causa, é bom formar um pe­
queno recuo e fazer, caso seja possível,
um «retiro fechado» de, pelo menos, três
dias. Não há como êsse tempo, só a· só
com Deus, para tomar uma resolução.
Foi pouco depois da Grande Guerra.
Um moço oficial de 27 anos, já com três
palmas e sete estrêlas, pede a mão de
uma rapariga. Esta quere-se recolher pri­
meiro e só depois se ·pronunciará. Bom
cristão, o rapaz aptova e escreve-lhe .:

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II2 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

«22 de ] unho de rgrg.

Minha Grande Edviges.

Nestes quatro dias és tu que ficas se­


nhora dos nossos destinos. Em tuas mãos
entrego a minha sorte. O que decidires
será o mais perfeito. O teu bem será o

meu bem. Do fundo da alma te digo que


seria Uma bela coisa que entrasses para o
convento ; teria eu de algum modo con­
tribuído para a vida superior do ser ama­
do ..
Acharia também muitíssimo natural
que não quisesses fazer-te religiosa, mas
que chegasses à conclusão de que não
nascemos um para o outro. Não te preo­
cupes nem um instante com o facto de já
estarmos prometidos . . . Pensa por ti e pa­
ra ti ; pensa por mim e para mim . . . De­
cide tranqüilamente, sem apreensões,
com grande serenidade.
Sobretudo, recolhe-te até ao mais ín­
timo de ti mesma . . . No imenso e fecundo
isolamento das meditações, face a face

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PREPARAR-SE Il3

com a verdade, sozinha diante de Deus,


toma a decisão suprema.
Das três conseqüências, uma só coisa
importa : é que encontres o teu cami­
nho : esponsais continuados, desfeitos ou
vida religiosa. Encontra-o e eu ficarei
contente. O que tu escolher�s será para
mim o verdadeiro, o melhor. Digo-te isto
muito sinceramente e exprimo assim a
minha absoluta maneira de pensam.

Dev�m os nubentes casar-se ainda


novos ?
Fazer esperar muito tempo não é de
aconselhar : primeiramente, porque as
almas podem ficar expostas com isso a
perigos muito para ter em conta, sobre­
tudo tratando-se de naturezas mais vi­
vas ; depois, porque é como dizer ? -
-

porque é um desperdício deixar passar


os anos mais belos e mais cantantes sem
pôr nêles as alegrias superiores da vida
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II4 A CA�UNHO DO MATRIMÓNIO

conjugal, e só se darem depois de gastos


e arruinados.
Isto não quere dizer, é evidente, que
seja preciso lançarem-se todos ao casa­
mento pouco menos que à toa, prematu­
ramente, sem consultar a prudência e
sem ver as possibilidades concretas de
subsistir, que terá o lar que fundem.
Que se deve pensar, por exemplo, do
seguinte caso : um �studante de vinte
anos apaixona-se por uma rapariga da
mesma idade, encantadora sem dúvida
e muito prendada, estudante também.
Parecem dignos um do outro e ambos as ­
piram a fundar um lar cristão, termi­
nados que sejam os estudos. O rapaz fala
com s�us pais e mostra desejos de lhes
apresentar a rapariga de quem gosta.
�les recusam terminantemente : «Não é
ajuizado começardes a namorar três anos
antes de vos poderdes casam.
Deixemos de lado o problema dos
namoros muito prolongados, que disso
falaremos mais adiante. Fixemo-nos ago­
ra só na idade : êste rapaz e esta rapa-
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PREPARAR-SE II5

nga, ambos cristãos e muito bem inten­


cionados, mereciam censura ou apro­
vação ? O caso foi submetido a uma co­
missão d� pais e obteve dupla resposta :
os de cinqüenta anos opinaram pela re­
cusa ; os de trinta não condenaram . . .

O que fica dito põe outro problema :


o namôro com ou sem permissão dos
pa1s.
É evidente que, se o motivo invoca­
do por êstes não tem valor, ou tem ape­
nas um valor insignificante, os jovens
podem muito bem desprezar-lhes a pro!­
bição. Mas, como será mais freqüente, se
as razões dêles teem um real valor � são
sábias, a prudêncip. e o respeito filial pe­
dirão, não talvez um acatamento repen­
tino e inconsiderado, mas ao menos · que
se estudem com seriedade e serenidade
essas razões por êles apresentadas. É so­
bretudo neste campo que ninguém é
bom juiz em causa própria. E quem me-
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u6 A CAMINHO DO MATR IMÓ!\ IO

lhor que os pais poderá ver claro e ao


long� e descobrir onde está o verdadeiro
interêsse dos filhos ?
E escolher uma pessoa que não seja
da mesma condição social, é coisa que se
possa admitir?
A moral não o proíbe, mas, em re­
gra, a prudência não o aconselha : Diz­
-se : ((Eu caso com a criatura e não com
a família». Em teoria, talvez, mas na
prática . . . � depois será um nunca findar
de atritos. Bem bastam aquêles que não
se podem evitar e que são os que a vida
conjugal, em si mesma considerada e
sem intervenção de te_rceiros, já traz con­
sigo.

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CAPíTULO II

Com q ue qualidades?

Saúde
Amor ao trabalho
Valor moral
Espírito cristão.

A. - Saúde

Quem se casa é para constituir famí­


lia, ser tronco de numerosa descendên­
cia, ter filhos, numa palavra ; importa,
pois, no interêsse da própria saúde e dos
futuros reb�ntos, escolher um cônjq.ge
hereditàriamente são e de vigor físico SU ··
ficiente.
Que pensar, por exemplo, dêste frag;­
mento de carta que certa rapariga - in­
teligente aliás e avisada para tudo o mais
- escrevia a uma sua companheira ? De-
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I I8 A CAMINHO DO MA TRIM<ÍNIO

pois de ter falado das qualidades de ca­


rácter do noivo em perspectiva, acres­
centa :
«Apesar disto, sinto-me perplexa. Pa­
rece que, sôbre dez, tem nove probabi­
lidades de ficar tísico, e já um doutor me
desaconselhou abertamente o casamento
com êle, tanto mais que eu também não
possuo uma saúde por aí além. Com
franqueza, não sei que resolução top1ar.
Vou pensando e fazendo rarear cada vez
mais os nossos encontros».
Se fôsse prudente, minha menina,
não h�sitaria nem um instante e saberia
muito bem o que h avia de fazer. Não é
ainda tempo de cortar por tudo ?
É sabido, e nós já o dissemos, que a
lei do casamento por ela lllesma, num
caso dêste género, não obriga ninguém a
abster-se. Mas, ao lado da lei estricta do
casamento, e mesmo que ela �e encontre
fora de causa, há outros preceitos que
podem intervir : dever de prudência, de
caridade, etc. Abstraindo até destas con-·
siderações de ordem moral, não é ver-
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PREPARAR-SE II9

dade que o simples desejo de uma vida


feliz devia tomar difíceis uniões de se­
melhante natureza e só as autorizar, na
prática, quando o cônjuge em referência
possuísse tal conjunto de boas qualida­
des, que tomasse explicável o abandono
do factor saúde ? Mesmo então, pensar
duas vezes.

B. - Amor ao traba lho

Aqui há anos, saíu uma lei na N orue­


ga que obrigava tôda a donzela que qui­
sesse consorciar-se a apresentar ao futu�
ro cônjuge uma certidão, na qual se afir­
masse que sabia cozinhar, costurar, fa­
zer meia, bordar, em resumo, que era
uma boa dona de casa. Os rapazes terão
aplaudido com todo o entusiasmo ; mas
as raparigas não se terão atrevido a soli­
citar, como legítima compensação, o di­
reito de exigirem aos seus futuros mari­
dos um atestado em que se prove que
são senhores de uma situação que lhes

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120 A CA:\IINHO DO MATRil\iÓNIO

permita prover .às necessidades da fa­


mília.
Não se conclua daqui que as rapari­
gas - ou, talvez melhor, os seus pais -
devam querer s�mpre dos mancebos
uma situação já feita . . . Não será isto for­
çar os jovens a retardar por muito tempJ
a união, privá-los, portanto, de alegrias
muito legítimas e muito grandes, preci­
samente na idade em qu� tais alegrias são
mais apreciadas, expor-se a vê-los bus­
car, em aventuras de momento, um deri­
vativo para as suas exigências senti-­
mentais ?
Diremos antes : peça-se ao homem,
se não uma situação definida, ao menos
a garantia suficiente de - por sua inte­
ligência, sua actividade, sua coragem
ante os reveses da vida - adquirir, no
momento oportuno, a situação que tem
o direito de ambicionar.
Luís Pasteur chega a Estrasburgo em
r849 ; filho de pais modestos, precisava
de dar explicações para continuar os es­
tudos. Nomeado assistente da Universi-
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PREPARAR-SE 121

dade, vai visitar o reitor da academia e


apaixona-se-lhe por uma filha. Ao pedi­
-la em casamento, não esconde a modici­
dade dos sens recursos :
((Meu pai é tanoeiro . . . Haveres não
tenho nenhuns. Tôda a minha riquez.a
consiste numa boa saúde, num coração
valente e no meu lugar na Universida­
de>>.
Não será já isto um óptimo capital t
E continua :
«Há dois anos que saí da Escola Nor­
mal feito professor agregado de ciên­
cias físicas. Há dezóito meses que me
doutorei e já levei alguns trabalhos à
Academia das Ciências, onde foram bem
acolhidos . . . M. Biot tem-me animado �
pensar no Instituto. Talvez daqui a dez
ou quinze . anos, se assim continuar a tra­
balhar. Mas êstes sonhos pode levá-los o
vento e não são êles que me fazem amar
a ciência pela ciência <1>».

(I) Pasteur receia que a sua futura mulher sinta ciú­


mea de que a ciência tenha mais lugar · que ela no cora­
ção do sábip, sobretudo porque urna certa timidez amea-

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122 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

É evidente que não advogamos a te­


meridade, mas uma radiosa confiança
na vida, urna grande e mútua generosi­
d ade. E se os primeiros tempos da união
tiverem de ser um pouco austeros, que
mal há nisso ?
Quando a jovem espôsa sabe poupar,
tratar da sua casinha, fazer mil coisas
por sua mão; quando o marido s�be tra­
balhar com inteligência e esfôr��o. atrair
leahnente, por suas boas qualidades, con­
cursos úteis e seguras promessas de colo­
cação próxima e compensadora, por que
não hão-de êles tentar a sorte, ou me­
lhor, porque não hão-de confiar s�rena­
mente no auxílio de Deus ?
Prudência, sim, mas também alegre
confiança.

ça paralisá-lo nas demonstrações exte riores áe afecto, e


pede-!he então, com ingenuidade comovedora que acre�
<

dite nas suas palavras: apesar dos balões e tubos de en­


saio, há-de saber amá-:a, e com que intensidade! e ou:;a
esperar que também ela há-de ser muito amiga dêle.
uAs minhas recordações dizem-me que tôdas as pessoas
que me conheceram bem ficaram a gostar muito de mim».
Digamos. por fim, que a companheira do grande holl)em
será em tudo digna de seu espõso.

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PREPARAR-SE 1 23

C. - Va lor mora l

Pode-se prescindir da saúde ; não


prudente, mas é permitido. Pode-se pres­
cindir d� uma situação já feita. Mas há
um ponto sôbre que ninguém que pensa
em casamento pode passar àvante : é
exigir do futuro cônjuge valor moral su­
ficiente.
Um sacerdote que muito bem conhe­
cemos r�cebeu a seguinte carta que, por
ser já bastante antiga, aqui transcreve­
mos sem receio de trair nenhum segrê­
do ; melhor que tôdas as explicações, fa­
rá ela compreender a importância do
conselho dado acima. Não trazia assi­
natura ; pedia o favor de uma resposta
para tais iniciais de tal número da posta
restante. A carta é, na verdade, comove­
dora e significativa, e vê-se bem por ela
que quem na escreveu está à beira de
grande catástrofe :
«Venho pedir-lhe conselho para um
assunto extremamente delicado, e por is­
so espero que há-de perdoar-me o anoni-

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.r24 A C.HI I \"HO DO MATRüiÔNIO

mato em que me escondo. Trata-se do


�eguinte :
Casei-me há cinco anos, no embala­
menta cego da minha pouca idade -
moralmente era ainda uma criança - e,
desprezando certos indícios e informa­
ções que deviam ter-me feito abrir os
olhos, para breve me convenci da insi­
gnificância moral daquele cujo nome jun­
tei ao meu. A poucas semanas do nosso
cãsamento, já vinha para casa completa­
rn.ente embriagado e até chegava a mal­
tra.tar-me ; um dia repetiu a cena num
restaurante, diante de testemunhas. Além
disto, incapaz e preguiçoso, deixou ar­
ru'inar em poucos meses os negócios que
lhe confiaram, e começou então a mal­
baratar o dote dêle e o meu. Só conse­
guimos evitar a quebra e a desonra à
custa do dinheiro das nossas famílias.
Numa segunda emprêsa em que se me­
teu, nada mais fêz que multiplicar os lan­
ces desastrosos e apressar a ruínan.
Aqui, é-nos forçoso omitir um pará-
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!'REPARAR -SE I25

grafo, tão repugnante é o sucesso nêle


contado. Diz mais a pobre senhora :
«Cheia de horror, quis pedir a sepa­
ração judicial ; consultado o pároco da
minha freguesia e mal informado, acon­
selhou-me a esperar.
Recomeçou o meu martírio. Nasce­
ram-me mais dois filhos ; fiquei com qua­
tro e, por conseguinte, com um conside­
rável aumento d� encargos.
Bem pode imaginar a tortura da mi­
nha vida, com um ser de tão baixa mo­
ralidade : infiel, hipócrita, esbanjador, al­
coólíco, inteiramente falho de delicade­
za. Não tem respeito n�nhum por sua
mulher, nem pelos filhos, o mais velho
dos quais já vai em quatro anos e perce­
be tudoll.
Outro pormenor que nos é impossível
mencionar, por fazer alusão a cenas de­
masiado peníveis. E a pobre criatura ter­
mina, pedindo ao sacerdote um conselho
de direcção. Tem recebido conselhos de
várias pessoas, mas elas não sabem a
verdade tôda. Que fazer? «Parece-me que
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126 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

tenho obrigação de defender os meus fi­


lhos dêste pai desnaturado)).
Que fazer ? Sim, que fazer ? Que fazer
agora? Mas não era então que se devia
ter procedido com cautela ? Que formi­
dável ensinamento, para tôdas as rapa­
rigas que lerem estas linhas, o que se tira
da seguinte confissão : Casei-me há cinco
anos, no embalamento cego da minh:t
pouca idade . . . e, desprezando certos in­
dícios e informações que deviam ter-me
feito abrir os olhos ! . . .
Praza a Deus que só haja um exem­
plo de tão lamentável história ! Quem
poderá garanti-lo ? Carradas de razão
tem aquela senhora, de muito tato e sóli­
da experiência, quando, conhecendo sem
dúvida a cândida impaciência e a credu­
lidade ingénua de tanta rapariga, lhes
pede encarecidamente que sejam mais
previdentes e mais exigentes :
«De que serve guardar tão ciosamen­
te para o eleito um coração amante, se é
para receber em troca um coração já
chocho ? . . . Oh estultícia incomensurável
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PREPARAR-SE 127

a das tristes filhas de Eva, para se con­


tentarem com as escassas sobras de me­
díocres festins ! . ..
Jovens e lindas esposadas, que pen­
sais ser generosamente queridas, só por­
que vos cobrem de flores brancas e en­
chem de jóias preciosas, tend� a cora­
gem e a originalidade de pedir, em lugar
de falsos presentes, uma bôca nova onde

outros lábios não beberam ainda, um co-


ração a trasbordar, um corpo inteiro � só
para vós <t>u.
Se assiste às raparigas o direito e o
dever de se mostrarem exigentes, igual
direito e igual dever teem os manc�bos de
reclamar uma límpida beleza moral das
que hão-de ser as mães de seus filhos.
É certo que as infracções graves mais
dificilmente se darão entre elas ; mas,
ainda mesmo quando a virgindade do
corpo fica intacta, não vemos nós por aí
tão estranhas maneiras, cada vez mais
numerosas, de perder a virgindade de

·( r ) Vérine, Le sens de l'amour, p. 145 (Bossard) .


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128 A CAMINHO DO MATRIM<b;ro

coração e de porte ? O flirt com tudo o


que o acompanha, os modos exagêrada.­
mente arrapazados, as leituras impru-:­
dentes, etc., não são outros tantos laços
armados à virtude das donzelas e mais
sérios do que muita gente imagin� ? Se
estas teem, como já dissemos, o direito de
ser exigentes com os rapazes, é preciso
adQlitir em contrapartida que os jovens
possuem igualmente o dever e o direito,
que ninguém lhes pode contestar, de pe­
dir e exigir delas muito <t>.
D. - Espírito cristão

Falta ainda uma qualidade indispen­


sável para fundar um lar com tôda a se­
gurança e um máximo de garantias de
paz e união : é um esclarecido e profundo

(1) Por causa das insuficiências que êle temia na


mulher é que Ozanam difer}u põr tanto tempa o casa�
mento. Alain-Foumier deixou escritas algures ·estas pa­
lavrll.s desencantadas, - era na véspera das bodas de
sua innã com Jacques Riviere: u:Eu, cpm certeza, não
conhecerei nunca um sonllo assim no pàlá.cio da ventura.
Talvez haja em mim muita. . . insatisfação, insatisfação
que nada pode acalmar, e talvez a minha alma encha
todo o espaço, seja demasiado, grande para consentir a
seu lado uma companheira,,.

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PREPARAR-SE l 2 l)

espírito cristão nos dois cônjUges, mas


nos dois.
Se é ela que o não tem, como ·há-de
arranjar para cumprir em cheio, com o
marido, as obrigações da sua vocação de
espôsa e de mãe ? Como há -de tonseguír
arrastar o homem para Deus ? Como é
que mais tarde há-de educar cristãmentc
os filhos ? Ninguém dá o que não tem ; se
a sua religião é destas de meia tigela,
ininteligente e superficial, irritará o mari­
do, tomar-lhe-á antipáticos os exercícios
de piedade, e não será capaz de o levar
a rezar ou a manter-se firme nas práticas
da fé.
Se o falho de espírito cristão é êle, não
será menor o perigo, e é uma triste ga­
rantia de felicidade na união o iniciar-se
esta levando na b!gagem, um elemento
terrível de desunião. ((O casamento, disse
alguém, consiste em ter cada um dois
corações para amar a Deus», isto é, não
sentindo cada um dos cônjuges a própria
alma assaz grande para dar a Deus todo
o amor e o serviço que :f:le merece, pro-
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130 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

cura o apoio de outra alma, reclama os


tesouros de outra alma, para, dobrada­
mente rico, ofertar ao Senhor homenagem
menos pobre. Ora a rapariga que se unir
a um cristão medíocre nunca poderá as­
pirar a esta grande dita ; escapa-lhe o
mais .belo da sua função, pois sendo o
ideal da vida no casamento, para os es­
posos, altearem-se juntos, santificarem-se
juntos, terá a pobre de santificar-se sozi­
nha, de orar sozinha. Serão «doiS>> . . . Não,
ela fica sempre <<Una», e ei-la votada ao
mais completo e lamentável isolamento
em tudo o que fôr do serviço divino !
Sem falar de um outro perigo possível.
Quem lhe garantirá a fidelidade do ma­
rido, se êle é dêsses cristãos que não pra­
ticam ? Um homem que não é fiel a Deus,
como é que há-de sel' fiel a sua mulher, e
inversamente ? Nunca se confessa, não
comunga nunca, ou tão raramente . . .
Fraca nota !
É certo que uma pessoa pode ser pra­
ticante e cair, não praticar e «agüentar­
-se». Ainda assim, o mais lógico e normal
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PREPARAR-SE I3I

é que saiba melhor respeitar o casamen­


to aquêle que melhor procura servir a
Deus e amá-lo de todo o coração.
- Sim, o meu noivo quási não prati­
r.a, mas há-de ver como, depois de casa­
dos, eu d�pressa o con:�erto.
Engano ! Muito mais proY:àvelmente
será êle que te conv�rter;i a ti ; primeiro,
porque as sua!,; exigências no lar volta e
meia porão à prova a tua vida, moral, de­
pois, porque o carácter forte tem mais
probabilidades de se impor que o fraco, e
finalmente porque, no viver igual de to­
dos os dias, o que sucede quási sempre f:.
que o medíocTe vence o perfeito.
Deus queira que não te venhas a arre­
pender, mai ; tarde, de ter desprezado ês­
tes sábios c onselhos !

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LIVRO TERCEIRO

Previsto o casamento, como


proceder durante o te m po do
namôro?

CAPíTULO I

Relações entre ,prometidos

Um estudo completo do assunto leva­


ria a desenvolver êstes pontos : Como
proceder com Deus, com os próprios pais,
consigo mesmo, com o futuro cônjuge. Li­
mitar-nos-emos ao último, depois de umas
pequenas observações sôbre os primeiros.
Com Deus. Em vez de fugir d.tle, ago­
ra, que sorriem perspectivas seguras de
felicidade, unir-se mais a .tle, recolher-se
mais, orar com mais fervor : hão-de ser
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PREPARAR-SE 133

precisas tantas graças especiais ao longo


da vida sonhada ! A noiva, sobretudo, é
que deve ter muito cuidado, não vá dei­
xar-se prender em demasia com a prepa­
ração material da boda ou do futuro lar,
em detrimento dos interêsses da sua alma
e de uma vida de piedade mais intensa.

Com os pais. Procurar ser mais afec­


tuoso que nunca. Há-de custar-lhes tanto
a separação, em especial à mãe ! Muita

delicadeza, por conseguinte, e compreen­


são clara das situações.
Consigo mesmo. Servir-se desta pre­
paração imediata nas vésperas dó casa­
mento para a aquisição urgente das qua­
lidades e vüiudes que ainda faltam, em
particular daquelas cuja ausência pode
tornar mais penosa a vida em comum.
Ainda não há ligação propriamente dita,
mas cada um já não vive só para si ; por
amor da alma que espera, santificar-se
cada qual com dobrada intensidade.
Com o futuro cônjuge. Tudo depende
do muito ou pouco tempo que o namôro
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1 34 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

deve durar, e a fr�qüência ou não com


que os noivos se encontram.
Um noivado longo sem grandes possi­
. bilidades de ,os noivos se verem a miúdo
equivale a ser curto com freqüentes oca­
siões de se falarem ; dêste caso nos vamos
ocupar.
Se os encontros hão-de ser bastos, será
de aconselhar o namôro muito .prolonga­
do ?- Em geral, não, a não s�r em cir­
cunstâncias especiais ou que se trate de
naturezas privilegiadas. E compreende­
-se : à medida que o tempo vai passando,
vão também os dois seres atraindo-se ca­
da vez mais ; como, por outro lado, não
podem ir ainda até ao fim último da
união, forçoso lhes é segurar o coração
com as mãos ambas e amordaçar os sen­
tidos, e ninguém dirá que isto não é uma
fonte de cruéis sofrimentos ou que não
pode constituir, além disso, ocasião de
possíveis faltas.
A regra será esta -· regra só moral,
bem entendido - : tempo bastante par:).
permitir um suficiente e, quanto possível,
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PREPARAR-SE 1 35

completo conhecimento mútuo ; só o bas­


tante, para não esbarrar nos dois incon­
venientes atrás assinalados.
Ora, mesmo depois de taxado sàbia­
mente o tempo normal que o namôro há­
-de durar, fica ainda de pé, para os dois
futuros cônjuges, o problema de saberem
como hão-de tratar um com o outro.
«É evidente, escrevia com muito acêr­
to o Boletim da Associação do Casamen­
to Cristão, que os noivos, sobretudo noi­
vos cristãos, já não são nenhumas crian­
ças e que lhes são permitidas umas certas
liberdades. Mas que se entende pela pa­
lavra liberdades?
Se é deixá-los sozinhos para com tôda
a franqueza poderem falar do seu futuro
moral e familiar, nada obsta e deve ser­
-lhes concedido que falem à vontade, pa­
ra se conhecerem melhor. Querer o con­
trário seria impedir os namorados de sa­
berem se partilham do mesmo ideal e se:
encaram pelo mesmo prisma a vida con­
jugal que os espera.
Se pela palavra liberdade se entende
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I 36 A CA:VCINHO DO }llo\TRIMÓNIO

liberdade de atitudes � familiaridades


sentimentais, o caso é outro. Os noivos
ainda não se pertencem. Devem, pois, evi­
tar tôda a familiaridade sentimental ou
sensual que os coloque em perigo de pe­
car. Se com tôda a precaução podem dar­
-se beijos fraternais, não podem nunca
deixar-se escorregar a intimidades cujo
resultado fôsse excitá-los ou perturbá-los.
Não lhes é permitida tôda a liberdade nas
suas relações. Cumpre-lhes olhar muito
sôbre si e respeitar as virtudes do pudor e
da castidade. Os sacrifícios que para tal
houverem de se impor, pelo amor que se
consagram, ofereçam-nos a Deus como
preparação moral e espiritual para a vida
de família e :ele os retribu'irá com graças
particulares na hora do sacramento».
Completemos estas poucas indicações
de ordem moral com uma observação de
ordem psicológica.
A primeira qualidade que se exige do
noivo é a delicadeza. Não deve ignorar
que a mulher é «mais alma que o ho­
mem», no lindo dizer de Mons. Dupan-
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PREPARAR-SE 137

loup; que é, em geral, mais delicada e que


quanto mais êle souber etiquetar de res­
peito o seu amor, sem deixar nunca de ser
carinhoso, mais e mais ganhará o coração
da sua amada e o atrairá a si. Afirmou­
-se que havia no matrimónio uma arte
de amar, isto é, a arte de saber conservar
perpetuamente a louçania do amor, ape­
sar de as promiscuidades permanentes da
vida em comum irem deixando a desco­
berto defeitos e falhas; pois também no
tempo dos esponsais há uma arte de
amar, e engana-se redondamente quem
supuser que o noivo tanto mais depress::t
será dono do coração da sua prometida,
quanto mais depressa vencer as distân­
cias, mesmo sem sair nunca dos limites
do permitido, é claro.
A qualidade dominante na noiva será
a reserva. Por hipótes�, ela é «mais al­
ma» ; saiba, pois, conservar a sua prerro­
gativa. Um dos principais motivos por
que o homem é levado a procurar a mu-­
lher e a querer-lhe bem, é não encontrar
em si (ao menos no mesmo grau) o que
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I 38 A CAMINHO DO :MATRIMÓNIO

encontra nela. E não será rivalizando em


audácias - mesmo permitidas, mais uma
vez - que a noiva cativará o noivo ; mas
antes :mantendo-se no lugar que lhe com­
pete e limitando as manifestações exterio­
res de afecto ao estritamente permitido e
sàbriamente requerido, sem contUdo dei­
xar de ser liberal até ao máximo na entre­
ga da parte do seu coração que é para
dar. Se houver de se exceder, seja antes
para o lado da reserva; mais querida se­
rá para o momerito do dom total e nada
com isso perderá o amor.

* *

Convirá que os dois prometidos since­


ramente troquem entre si os seus propósi­
tos e desejos àcêrca de uma inteira fideli­
dade à lei divina no casamento ?
Sim, com certeza ; seria mesmo · para
desejar que se fixassem posições bem de­
finidas sôbre êste ponto capital, antes de
qualquer promessa e logo desde · as pri-

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PREPARAH-SE 1 39

meiras conversações senas, logo que se


antevirem possibilidades manifestas de
união ; é preciso romper, quando não fôr
possív�l chegar a um acôrdo sério (não
basta uma aceitação verbal e ocasional,
de pura cortesia, com pensamentos ocul.,.
tos e desleais restrições mentais) ; não se
deixar prender demasiado, se fôr ainda
no período de simples namôro; desfazer
o casaínento, �e já estiverem prometidos,

-. e antes querer esmigalhar o coração,


que consentir em violar mais tarde os de­
veres sagrados da vida matrimonial.
Preferir sofrer antes, quando ainda
não é fora de tempo, que depois, quando
a tragédia já fôr sem remédio !
E se dizemos que não se contentem
com um assentimento verbal ou uma res­

posta dilatória, não falamos à ligeira. Co­


nhecemos casos de pobres raparigas que
se contentaram com respostas dêste géne­
ro e sofreram pela vida fora terríveis de­
senganos.
Uma, de comunlião diária, querendo
seguir o conselho que lhe deram num re"-
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140 A CAh'liNHO DO MATRIMÓNIO

tiro, e a muitas outras, inquiriu do noivo


as idéias que êle tinha sôbre o dever pro­
criador no matrimónio. Eis como dá con­
ta do que lhe foi respondido :
<eFalei ao meu noivo do número de fi­
lhos, que não deveremos limitar. Parece­
-lhe que, à vista das nossas fracas posses,
não poderemos ter mais de quatro, pois
que, se tivermos mais, não os poderemos
educar como nós fomos . . . Pus-lhe muitas
objecções e, por fim, disse-me que ia
pensan>.
E a pobre criança satisfez-se com esta
promessa de pensar !
Ainda mais uma observação.
Seria êrro encarar o grave problema
das relações entre noivos apenas sob o
ponto de vista do que é estritamente re­
querião para não ofender a Deus. Atitu­
de lastimável de tantos cristãos, cuja re­
ligião é uma pura religião-barreira, e que
não sabem aproveitar-se das situações
privilegiadas que o Senhor lhes dá para
mais se santificarem ! É preciso que os fu­
turos cônjuges saibam utilizar êste tempo
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PREPARAR-SE

bendito da preparação para o casamento,


de maneira a adquirirem, um, pelo outro,
tudo o que lhes falta, e a habituarem-se já
a subir juntos para Deus.
Dificilmente encontraríamos melhor
exemplo dêste esfôrço de dois esposos em
perspectiva, a trabalharem juntos por au­
mentar em si a graça durante o tempo dos
esponsais, melhor exemplo, dizemos, que
o daquele bravo rapaz, industrial aos 18
anos J90r morte do pai e morto também
êle na guerra, aos 26 : Maurício Retour ttl •.

Ainda não conhecia aquela a quem Sf':

havia de unir "\ j á, por amor dela, se obri­


gava a uma mteira castidade : «Desde
sempren, lhe dirá quando noivos, - e não
são palavras no ar - Hfoi para mim o

amor coisa sagrada. Foi eni seu nome que


quis permanecer fiel à minha amada,
mesmo antes de a ter conhecido>>.
Em vez de, como tantos, trocarem
entre si cartas banais, donde ressuma um
sentimentalismo piegas e doentio, êles

(r) fida �lo Padre Baron (Têqui) .

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142 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

não : ! ,procuram dar-se a conhecer leal­


mente os P.efeitos que um no outro vão
encontrando. ,((Ponho de lado os cumpri­
mentos e não receio entreter-te com os
defeitos que o meu grande amor por ti
não tem ;conseguido velar de todo. Eu sei
que tu :queres assim, e a prova hás-de dar­
-ma procedendo comigo de igual ma­
ne1raH.
Decidem crescer a igual passo no
amor de Úeus e; para isso, cada ilm de
seu lado · lerá ' tôdàs as tardes o mesmo
capítulo da Imitação. «A vida interior
é-nos indispensável para nos corrigirmos
e desde hoje trabalharemos com mais
afinco por adquiri-la».
Como não podia deixar de ser, o pon­
to delicado do dever procriador vem tam­
bém à baila, é tratado a fundo, e os dois
ficam sôbre êle inteiramente de acôrdo.
uNão se funda uma família sem madura
r�flexão. . A gente não deve casar-se sem
.

conhecer bem todos os deveres a que se


obriga . . . Que faremos nÓ!) de mais trans-
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PREPARAR-SE I 43

cendental que o casamento, senão mor­


rer ?»
Que ternura a desta correspondência
e, ao mesmo tempo, que seriedade ! De­
pois de lindas palavras, em que as almas
inteiramente se comunicam uma à outra :
<<Esteja sempre Deus sobranceiro ao nos­
so amor ! Seja 1tle, agora e sempre, o fim
último do nosso amor !»
Dois anos de santa vida conjugal vi­
rão coroar êste santo noivado : e nunca
suas belas ahnas deixarão de correr para
Deus . . . Pregunta-.,� às vez�s - e nós ou­
vimo-lo, quando apareceu a Encíclica de
Pio XI - se o cumprimento exacto da
moral cristã no matrimónio é um .facto,
ou se, pelo contrário, não pa:ssa de uma
utopia. Depois de ler ·Mat1rício Retour,
ninguém dirá que não pode ser um facto.

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CAPíTULO II

N a manhã da boda : A missa do c:.asamento

Em geral, .ainda quando se trata de


esposos bons católicos, a cerimónia do ca­
samento, em vez de constituir uma autên­
tica demonstração de piedade cristã, re­
duz-se a uma exibição mundana de vai­
dades, onde mal há lugar pàra o recolhi­
mento e para o espírito interior.
Vestido, prendas, música, ornamenta­
ção floral. . . - em que se entornam por
vezes somas fabulosas, que seriam me­
lhor empregadas noutras coisas mais do
serviço de Deus - eis o que sobrema­
neira preocupa nubentes e assistência !
O sacramento como tal, a participação
no sacrifício da missa com os ritos pró-
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PREPARAR-SE 1 45

prios da cerimónia, e que tão útil seria,


em particular para os dois interessados,
meditar e aprofundar, isso, que é o prin­
cipal, fica relegado para segundo plano,
para o derradeiro plano, passa desperce­
bido. Pode dizer-se afoitamente que a as­
sistência a um casamento - sobretudo se
fôr dos chamados casamentos elegantes
- consiste numa distracção profana; em
que dificilmente se encontrará um míni­
mo sinal de piedade.
Que diríamos, por exemplo, de uma
Ordenação, em que os convidados e o neo­
-sacerdote se limitassem unicamente a
uma parada frívola e banissem de todo
a piedade, a adoração, o recolhimento ?

É notório que há, entre uma primeira


missa e o casamento, diferenças que tere­
mos o cuidado de não esquecer. Mas tam­
bém encontramos semelhanças que con­
vém assinalar. Esta desde já : se o sacer­
dote é o ministro do Santo Sacrifício, o:;
nubentes são, por seu turno, ministros do
sacramento que os une. Não é o padre
que casa os noivos; são os dois noivos
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I46 A CAMIKHO DO MATRIMÓNIO

que se casam (l) ; são êles que mutuamen­


te se conferem o casamento, o que equi­
vale a dizer que cada um dos dois é, pa­
ra si e para o outro, produtor e condutor
da graça divina.
Admite-se então que possa alguém
exercer tão alto ministério, sem conhecer
o alcance do que faz, ou sem · se preocu­
par com o recolhimento e a seriedade
que o acto reclama, quer no momento
preciso em que se executa, quer nas ho­
ras que imediatamente se lhe seguem ?
Porque, digamos tudo, se na missa da
manhã não há lugar para a oração, no
tempo imediato, pela fôrça dos usos mun­
danos, que os cristãos, ai de nós ! tão pas­
sivamente aceitam, não é possível nem é­
permitido escapar ao bulício da multidão.
· Retomemos a comparação de uma fes­
ta de primeira niissa, como no-lo sugere
oportuníssima_ «memória» <2> . Que ficaria

( I ) Não estará aqui a razãÇ> profunda por que, nal­


gumas regiões de Portuga!, a boa gente do povo ém­
prega êste verbo exclusivamente na forma reflexa? · (n.
do t.)
( 2 ) Do pároco de Notre-Dâme-Saint-A1ban, Lião.

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PREPARAR-SE I47

a gente a pensar do levita que, ordenado


de véspera, oferecesse o santo sacrifício
e .logo se entregasse a uma vida dissipa­
da ? Bradaria ao céu ! Que pensar então,
reconhecidas as necessárias dif�renças.
de dois noivos que efectuaram agora mes­
mo a sua união e imediatamente se lan­
çam, de cabeça baixa, porque o precon­
ceito mundano é mais forte que tudo, na
agitação e no borborinho de um ((Copo de
água» ou de um jantar sem fim, para, ter­
minado êste, partirem logo em brusca
abalada para qualquer suposta região dt:
sonho, sem ao menos se reservarem um
único minuto para o recolhimento ?
Longe de nós querer condenar as reü­
niões e repastas de família, ou chamar pe­
cado a uma viagem de núpcias começada
na .mesma tarde do dia da boda. O que
queremos dizer é o seguinte : deve haver
tempo para tudo, e preguntamo-nos se
não haverá, para cristãos, maneira mais
cristã de conceber e celebrar o casa­
mento.
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148 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

A resposta, para nós, é clara como


água.
O autor da «memóriaH citada, que não
receia sair a campo contra os hábitos rei­
nantes, se êles não são próprios de cris­
tãos, e trabalha por dar vida às sugestões
da liturgia, estabeleceu na sua paróquia
um costume, pelo qual o felicitamos : ne­
nhum casamento tarde, a horas em que
a comunhão se tome pràticamente im­
possível.
Raciocina assim : na Missa pro Spon­
so et Sponsa há uma rubrica que diz : uO
sacerdote, depois de ter consumido o Cor­
po e Sangue de Cristo, dê a Sagrada Co­
munhão aos recém-casados <1>)), e é o. úni­
ca ve� que se encontra no missal uma ru­
brica para indicar que se dê, por assim
dizer, de ofício, a Sagrada Comunhão a
fiéis determinados.
Mas como é que os noivos hão-de po­
der comungar, se a missa começa às onze

( 1 ) Pos:quam sumpserit Sanguinem, communicet


sponsos.

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PREPARAR-SE 149

rtl
horas ou ao meio dia ? Convém, por
conseguinte, que ela fique mais cedo. E
vai daí, sem hesitar, regulamenta as ho­
ras das missas de casamento na sua fre­
guesia : hora convenientemente matinal,
para que os nubentes possam - como é
desejo da Ii-rej a -, e os assistentes que
os queiram acompanhar, receber a sagra­
da Hóstia. Parece que os fiéis aceitaram
muito bem esta disposição, cujo bem-fun­
dado o pastor lhes explicou.
Sejam quais forem os frutos desta lou ­
vável iniciativa, - por desgraça quási
excepcional - cumpre a quem interessar
colher os ensinamentos que dela se de­
preendem. Os ensinamentos são �st�s : re­
ceber ao menos com um mínimo de reco­
lhimento o sacramento da união cristã ;
aliar o mais possível matrimónio e comu­
nhão ; não se lançar, logo depois de to­
mada a bênção, na frivolidade mundana

( 1 ) Muitos nubentes verdadeiiamente cristãos CO·


mungam no dia do seu casamento, a missa mais matu·
tina. Está bem, sem dúvida, mas a liturgia quere me·
Ihor ainda. Ouçamo-Ia.

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I50 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

esquecendo a sublimidade da graça rece­


bida, o ministério que exerceu, a nova
dignidade de que se encontra revestido.
S. Paulo chamava ao Matrimónio o
Gra,nde Sacramento. Seja êle também pa­
ra nós, na sua realidade fundamental, co­
mo a explicámos, e nas cerim�nias do cul­
to que o acompanham, qualquer coisa de
Grande.

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CONCLUSÃO

Era nossa tenção fechar êste modesto


trabalho, copiando simplesmente um belo
trecho de Luís Veuillot : A Câmara Nup­
cial 11) . Contentemo-nos com resumir-lhe
o tema : Quando se casaram, as paredes
da câmara nupcial encheram-se de qua­
dros e de bugigangas profanas. Passam
os anos, muda o aspecto. Crucifixo não
havia ; agora já se vê um : foi para o lu­
gar da Diana caçadora. Onde estava uma
gravura pagã, dependuraram uma Nossa
Senhora ao pé da Cruz; oferta do marido
à · mulher, quando lhes. :morreu o primeiro
filho, etc ; . . Está-se a ver aonde queremos
chegar.
Preferimos apelar para outro testemu-

(1) Em Historietas e Fantasias.

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152 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

nho, mais recente e de outra ordem : é (•


de um autor que não se pode dizer que
seja católico praticante, mas que, espírito
leal e observador consciencioso, fala das
coisas católicas com uma sinceridade me­
ritória e um belo e caloroso acento :
«A Igreja)), escreve Gonzaga Truc
num volume incompleto, às vezes falso,
mas sempre respeitador, sôbre Os Sacra­
mentos <ll, «deu mostras de grande sabe­
doria, quando restaurou na família êste
valor sobrenatural, cujo uso e a longa du­
ração dos velhos cultos, dêle haviam en­
fraquecido a lembrança. Transformou o
mais contingente dos contratos numa ins­
tituição de carácter divino ; fortificou
com o socorro do Céu um pacto que a
natureza tende a dissolver logo depois de
o ter criado ; abençoou e consagrou a
atracção passageira dos sexos wn· pelo
outro ; . santificou o acto gerador; fêz in­
tervir Deus na conservação social, dotan­
do de virtudes morais os dois cônjuges t:

( r ) Livraria Alcan.

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Cm<eLvsÃo 1 5 :\

a sua descendência e concedendo-lhes a


perpetuidade da sua acção.
Todo o desejo humano � todo o querer
são fugazes, e mais ainda quando se apli­
cam ao amor. A sociedade não saberia
nunca assegurar a estabilidade da união
do homem e da mulher, apelando sim­
plesmente para a necessidade que ela tem
de que vivam unidos. Só o casamento ca­
tólico, invocando a Deus, é que pode ar­
rancar os cônjuges a um egoísmo atroz,
para os identificar a ambos na procura
de um bem superior, e ousar falar-lhes do
futuro, precisamente na ocasião da mais
T

frágil das uniões».


Um pouco mais adiante, continua : ((A
voluptuosidade mal consegue fixar os cor­
pos que por um momento encadeia, e o
próprio amor, uma vez alcançado o que
pretendia, ou se transforma, ou diminui.
até quási de todo se extinguir. O sacra­
mento vem atalhar a estas deficiências.
Relega para segundo plano as alegrias fí­
sicas e acentua o carácter moral do pacto.
Os esposos j á não são um para o outro
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I 54 A CAMINHO DO MATRIMÓNIO

apenas matéria : sob as vistas de Deus, sa­


bem respeitar em si o poder que os uniu ;
aprendem a conhecer-se e a engrandecer­
-se com as virtudes um do outro».
«Ü Catolicismo>>, diz ainda - e isto
mostra no autor perfeita compreensão do
casamento católico -, «eleva a união
conjugal a uma altíssima dignidade, asse­
melhando-a ao nó perpétuo que une Cris­
to à sua Igreja, e aproxima o amor dos
esposos da caridade que engendrou os so­
frimentos da Paixão».

Depois de algumas páginas recheadas


de elogios no mesmo sentido, Gonzaga
Truc quere saber o que fazem os cren­
tes desta bela institui:ção divina e humana
que é o casamento cristão. E é levado a
concluir - Deus queira que êle se �nga­
ne ! - por estas palavras, cuja meditação
muito recomendamos :
«Ü casamento cristão� - · · tal como

acaba de lhe lembrar a beleza e as esplên­


didas exigências - «figura um ideal ra­
ramente atingido. Requere uma fé arden-
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CoNCLl'SÃo 155

te, esclarecida, cheia de prudência, de


amor, de humildade. Será preciso dizê-lo ?
Os fiéis que dê1e beneficiam nem sempre
lhe compreendem o alcance, não se intei­
ram do valor do carácter sacramentaL
ignoram qual a função que vão desempe­
nhar, quando se juntam na casa de Deus.
E o lar dos crentes é semelhante ao dos
que não crêem, ainda com a malícia do
pecado por cima. Mas ao menos ninguém
dirá que a Igreja deixou de fazer tudo o
que podia para diferenciar o homem da
bêsta e que é por culpa sua que a voz de
Deus não é ouvida».

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I NDICE

Pág.
DUAS PALAVRAS . . . ... . . . ... .. . . . . . .. . .. . .. 7
INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ·. . . . .. TI

PRIMEIRA PARTE

Con·hecer

LIVRO I

Deveres conjuntos dos dois esposos


(quanto à procriação)

CAPÍTULO I. Os direitos . . . . . . . . . . . . . . .
- 15
CAPÍTULO II. - Deveres - A) Os prin-
cípios . . . . . . .. ... . . . . . ·. . . . . 23
CAPÍTULO I I I . - Deveres - B) Esclareci-
mentos su plementares . . . . . .
40

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LIVRO II

Deveres de cada espôso em relação um ao u 11 / 1 "

CAPÍTULO I. - Chegar intacto ao casa-

mento . . . . . .. . . . ... ... ... 51


CAPÍTULO II. ---'- N a vida d e casados . .. ... 63
I. � Amor exclusivo . . . . . . 63
II. - Amor indissolúvel 67

SEGUNDA PARTE

Preparar-se

LIVRO I

Preparação remota

CAPÍTULO I. .....- Preparação com vista à


obra procriadora . . . ·. . . ... 75
- Aprender a respeitar o
amor . . . . . .
.
. . . . . . · · '· . . .
.
... 75
� Educação da castidade 82
CAPÍTULO II . .__, Preparação com vista à
vida em comum . . . 86
A. Corrigir-se . . . ... 86
B. Aperfeiçoar-se . .. ... roo

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LIVRO II

Uma vez chegado o momento disso, como escolher?


_
Pág.
CAPÍTULO I. - Por que maneiras? . .. ... ro6
- Reflectir . . .. . . . . . . . . . . . . ro6
___, Um retiro . . . . . . . . . . . . . . . rI I
- Escolh erem - se novos? . . . II3
- Com permissão dos
pais? . . . . . . ·
. . . ... II5
CAPÍTULO I I . � Com que qualidades? . . . II7
A. - Saúde . . . . . . . . . . . .. . . . I I7
B. - Amor ao trabalho ng
C. - Valor moral . . . . . . 123
D. � Espírito cristão . . . 128

LIVRo III

Prel'isto o casamento, como proceder durante o


tempo do namôro?

CAPÍTULO I. � Relações entre prometidos I32


- Amante reserva . . . . . . ' · · 133
___, Lealdade perfeita . . . . . . 138
CAPÍTULO II. ,...... Na manhã da boda : A
missa do casamento . .. I 44
CoNcLusÃo . . . . . .�
. .
· · = ... ... ... ... ... ... ... 151
ÍNDICE :- . • •
.
. ._. •. . ... ... ... . .. . . . . .. . . . ... I 57

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