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Estomatologia
Introdução
Como fora visto anteriormente no primeiro módulo (tópico de lesões fundamentais) erosão é
definida como perda parcial do tecido epitelial sem resultar na exposição do tecido conjuntivo (figura
1). A erosão, portanto, leva a uma diminuição da espessura epitelial gerando um aspecto clínico
avermelhado devido a maior visualização do componente vascular presente no tecido conjuntivo
subjacente. Além disso, os pacientes portadores de lesões erosivas podem relatar desconforto no
local, em especial sensação de ardência, que ocorre devido à diminuição da espessura epitelial e,
consequentemente, maior estímulo das terminações nervosas presentes no tecido conjuntivo.
Algumas lesões erosivas podem ser observadas frequentemente na rotina clínica do cirurgião
dentista. Essas lesões podem ter agentes etiológicos distintos (trauma, infecções, autoimunes,
distúrbios sistêmicos), portanto o estabelecimento do diagnóstico correto se torna fundamental
para que as mesmas possam ser tratadas adequadamente.
Neste módulo, vamos desenvolver o raciocínio diagnóstico abordando itens importantes do
exame clínico, principais exames complementares a serem realizados para cada doença, bem como,
a melhor forma de tratamento. Para facilitar o raciocínio diagnóstico, optamos por apresentar as
principais lesões erosivas de acordo com o sítio envolvido.
Erosão
Epitelial
Tecido
Tecido Conjuntivo
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A B
FIGURA 2. Candidíase atrófica crônica com aspecto de eritema pontilhado (pétequias) (A). Lesão
avermelhada difusa por toda a área chapeável da mucosa do palato duro e rebordo alveolar (B).
Trata-se de uma infecção fúngica oportunista superficial, frequente em boca, causada por alguma
espécie de Cândida (mais comumente a C. albicans). As diferentes espécies de Cândida fazem parte
da composição normal da microbiota da boca. Em alguns casos, fatores locais ou sistêmicos podem
favorecer a proliferação destes fungos e, consequentemente, instalação da doença. Dentre estes
fatores, o uso de próteses removíveis ou totais mal higienizadas ou que gerem trauma na mucosa
são os mais frequentes. Diabetes mellitus é uma condição sistêmica muito relacionada com qua-
dros de candidíase bucal. O diagnóstico é baseado nos aspectos clínicos. Não se faz necessária a
realização de exames complementares. O tratamento consiste na orientação quanto à higienização
das próteses, sua remoção no período noturno para desinfecção e o tratamento medicamentoso.
1 Área de mucosa sobre a qual as próteses parciais removíveis (chamadas PPRs) ou próteses totais (populamente chamadas de dentaturas) se apoiam.
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Tratamento medicamentoso
Considerações gerais:
Iniciar com Nistatina suspensão oral 100.000 UI/ml, principalmente em casos de lesões
múltiplas ou amplas sobre próteses totais/PPRs.
Substituir por gel de miconazol oral em casos não responsivos. Em casos raros, o fato de não
haver resposta ao tratamento pode ser atribuído a reações alérgicas.
Em lesões localizadas, o miconazol pode ser a primeira alternativa. Em casos de candidíase
sobre dentadura, regiões ásperas da prótese podem gerar micro trauma, portanto devem ser
removidas.
Reavaliar o paciente em 30 dias. Caso não haja remissão do quadro, pode-se fazer uso de
antifúngicos sistêmicos como fluconazol.
Cuidado com as próteses removíveis – PPRs e próteses totais desadaptadas, mal higienizadas, antigas ou que
não são removidas à noite. Orientar para que as próteses sejam removidas à noite e colocadas em copo com
solução desinfetante. Avaliar necessidade de ajuste, reembasamento ou confecção de novas próteses. No verso
da prescrição, optar por uma das alternativas para higienização da prótese:
- Colocar a prótese de molho em um copo de água com uma colher das de sopa de hipoclorito de sódio (QBoa),
enquanto o paciente dorme à noite. Ao acordar na manhã seguinte, lavar a prótese com bastante água da torneira
antes de usar.
- Colocar a prótese de molho em um copo com solução de digluconato de clorexidina 0,2% enquanto o paciente
dorme à noite. Ao acordar na manhã seguinte, lavar a prótese com bastante água da torneira antes de usar.
Obs.: A segunda opção (digluconato de clorexidina) é recomendada especialmente em casos de próteses que
apresentam base de metal, que pode oxidar se for utilizada a solução de hipoclorito de sódio. A solução de
digluconato de clorexidina (0,2%) utilizada para igienização da prótese é mais concentrada do que a utilizada para
controle químico de biofilme (0,12%), pois a Cândida penetra no acrílico. Em função disso é necessário que esta
solução seja manipulada.
Tratamento tópico
Medicamentos de Uso Externo - Via tópica
Obs.: Lembrar ao paciente que, mais importante do que “bochechar” a solução é deixá-la em contato com a
região da lesão por bastante tempo, pois isso potencializa o efeito da medicação.
Obs.: Caso a candidíase se estenda para orofaringe, o paciente deve engolir a nistatina. O medicamento não
tem absorção, porém, por sua composição ter açúcar, é contraindicada a deglutição em pacientes diabéticos.
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Tratamento sistêmico
Medicamentos de Uso Interno - Via Oral
Obs.: Indicado para casos de suspeita de imunossupressão, a qual deve ser investigada mediante solicitação de
exames laboratoriais (hemograma completo, glicemia em jejum, contagem de plaquetas, VSG, ferro sérico, ácido
fólico, vitamina B12 e anti-HIV - em alguns casos). Além disso, a função hepática do paciente deve ser avaliada
mediante solicitação de TGO, TGP e Gama GT, pois o medicamento é hepatotóxico.
Estomatite de contato
A estomatite de contato é uma reação inflamatória ou reação de hipersensibilidade associada
a algum tipo de material. Essas lesões podem aparecer em vários sítios da boca e, quando no palato,
estão mais associadas ao acrílico de aparelhos/próteses totais e removíveis. Tem sido relatado que
isso acontece quando o acrilíco não foi devidamente preparado, permanecendo um alto conteúdo de
monômero de metil metacrilato residual. Clinicamente, se caracterizam como áreas avermelhadas/
eritematosas limitadas ao local de contato com os aparelhos removíveis. Os pacientes podem relatar
ardência e/ou dor no local. Em casos raros podem ocorrer reações de ordem sistêmica, de maior
ou menor intensidade, como: sensação de queimação, dificuldade na deglutição, edema nos lábios
e urticaria. Essas lesões não são muito frequente, mas devem entrar no diagnóstico diferencial
de lesões erosivas em palato. O diagnóstico clínico é feito por exclusão. Inicialmente, o cirurgião
dentista deve suspeitar de candidíase atrófica crônica, porém, após terapia com antifúngico, a lesão
não regride. Assim, deve-se pensar em lesão inflamatória de hipersensibidade ao acrílico. A conduta
inicial pode ser o reembasamento com condicionadores de tecido, uso de medicação tópica com
antiinflamatórios esteroidais. Porém, a resolução só ocorre com a troca do aparelho protético de
resina por metal.
A B
FIGURA 3. Reação de hipersensiblilidade local: (A) aparelho de contenção utilizado e (B) reação local
de eritema sob o aparelho de contenção.
Fonte: Gonçalves et al (2006)
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Fonte: https://dentistryandmedicine.
blogspot.com.br/2011/08/red-lesions-of-oral
mucosadifferential.html (Mancha avermelhada
em palato duro, associado ao traumatismo por
sexo oral).
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Glossite atrófica
A glossite atrófica é uma alteração em língua que
se caracteriza pelo despapilamento do dorso lingual de
forma localizada, multifocal ou generalizada. Apresenta
etiologia variada, sendo que muitos pacientes mostram
carência nutricional com deficiência de vitamina B, ácido
fólico, além de quadros de anemia, diabetes e outras
debilidades sistêmicas. O dorso lingual exibe eritema
difuso devido à ausência ou atrofia das papilas, deixando
um aspecto liso conhecido vulgarmente como “língua
careca”. Comumente pode se notar quadros de infecção
secundária sobreposta às áreas atróficas. Conforme o grau
de atrofia os pacientes podem apresentar ardência, dor ou
queimação. O aspecto clínico é decisivo para o diagnóstico
e a investigação laboratorial das condições hematológicas e
nutricionais deve ser realizada através da solicitação de um
hemograma, glicose em jejum, e níveis séricos de vitamina
B12, ácido fólico e ferritina. Caso se observe alguma Figura 8. Atrofia generalizada das papilas
alteração sistêmica o paciente deve ser encaminhado ao gustativas de todo dorso lingual.
médico para diagnóstico e tratamento das alterações.
Usualmente, prescrevemos antifúngico, tendo em vista a Fonte: FO/UFRGS
alta frequência de infecção secundária por alguma espécie
de Cândida. Esse tratamento promove apenas a diminuição
da sintomatologia. A reepitelização só irá ocorrer quando a
alteração sistêmica ou imunológica for corrigida.
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Eritroleucoplasia/ Eritroplasia
Essas alterações são desordens potencialmente malignas, ou seja, são alterações epiteliais
que tornam esse tecido mais suscetível ao desenvolvimento de um câncer. A eritroleucoplasia é
um subtipo de leucoplasia e, portanto, representa uma lesão avermelhada com placas ou manchas
esbranquiçadas. As áreas avermelhadas geralmente apresentam maior grau de displasia epitelial.
O principal fator etiológico é o fumo. O diagnóstico é clinico, mas de exclusão, e a biópsia se faz
necessária para saber se há ou não a presença e o grau de displasia epitelial. A conduta frente a
essas lesões é a suspensão do fumo e a remoção total da lesão, quando for possível. Após o exame
histopatológico, define-se o acompanhamento do paciente, sendo este semestral nos casos que
não apresentaram displasia epitelial e trimestral nos casos que apresentaram essa alteração
epitelial. Caso o diagnóstico histopatológico revele um carcinoma espinocelular, o paciente deve
ser encaminhado para o cirurgião de cabeça e pescoço para realização do tratamento.
A B
Figura 11. Lesão eritroleucoplásica, em borda esquerda de língua, com grande erosão (setas) na sua
porção anterior, associada à áreas de placas/manchas brancas(asterisco) mais posteriores (A). Lesões
eritroleucoplásicas, localizadas em língua, com áreas vermelhas/erosivas (setas) associadas a placas/
manchas brancas (asteriscos) (B).
Fonte: Neville et al (2009)
A eritroplasia é uma lesão muito mais rara e se apresenta como mancha ou placa vermelha,
cujo diagnóstico é feito pela exclusão de outras lesões. A maior parte dos casos que clinicamente
parecem eritroplasia, quando biopsiados, revelam tratar-se de um carcinoma espinocelular.
Portanto, o clínico deve estar atento às áreas vermelhas, que sempre mostram maior agressividade
histológica quando comparadas com área brancas.
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Fórmula do Clobetasol para manipulação (solução): casos com co-infeccão por Cândida
Propionato de clobetasol 0.05%
Nistatina 100.000 UI/ml
Água destilada
Conteúdo final = 250 ml
Bochechar 10ml por 3 minutos e cuspir. Evitar comer e beber após 30 minutos.
Reação Liquenóide
As reações liquenóides ocorrem na mucosa devido ao uso de medicamentos ou amálgama.
Clinicamente, elas não podem ser diferenciadas do líquen plano. O diagnóstico diferencial e a
evolução no processo de obtenção do diagnóstico final se faz após removermos o medicamento
ou o material irritativo local. Os principais agentes desencadeadores de reações liquenóides são o
amálgama, captopril, carbamazepina, alopurinol, fenitoína, furosemida, isoniazida e o propranolol.
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Eritroplasia/eritroleucoplasia
Conforme comentado anteriormente,
essas duas lesões são consideradas
potencialmente malignas e necessitam de
biópsia para confirmar o diagnóstico clínico.
Quando essas lesões estão situadas em soalho e
língua merecem uma atenção especial, pois elas
apresentam um risco maior de transformação
para carcinoma espinocelular.
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Queilite angular
A queilite angular representa uma forma de candidíase eritematosa situada nas comissuras
labiais . Clinicamente pode ser observado eritema, fissuras e descamação nas comissuras.
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Usualmente, são assintomáticas e acometem pessoas idosas com redução da dimensão vertical de
oclusão e sulcos acentuados nas comissuras labiais. Pacientes imunossuprimidos também podem
apresentar essas lesões. O diagnóstico é baseado no aspecto clínico. O tratamento envolve o uso
de antifúngicos tópicos.
A B
Figura 17. Figuras ilustrando quadro clínico da queilite angular, caracterizado pela presença de lesões
erosivas com fissuras nas comissuras labiais.2
Fonte: A- FO/UFRGS e B - Neville et al (2009)
Queilite exfoliativa
Essa lesão se caracteriza clinicamente
como fissuras e descamação persistente do
vermelhão do lábio, envolvendo frequentemente
ambos os lábios. Nos casos mais severos o
processo inflamatório pode ser mais intenso
e gerar crostas hiperceratóticas amareladas
e espessas, que podem ser hemorrágicas ou
exibir fissuração. Nestes casos, pode afetar a
pele perioral. Mulheres são mais afetadas. A Figura 18. Queilite esfoliativa, definida pela presença
maior parte dos casos parece estar relacionada de descamação e eritema na mucosa de transição do
com trauma crônico secundário, como lamber, lábio inferior.
morder, picar ou sugar os lábios, que podem estar Fonte: Neville et al (2009)
associados ou não a distúrbios psicológicos. Nos
casos em que não há evidência de trauma crônico
Crioterapia: Tratamento que se baseia na aplicação de nitrogênio líquido, direta ou indiretamente, nas lesões.
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deve-se descartar infecção por candidíase crônica, queilite actínica ou queilite alérgica. Mesmo
com uma investigação completa, existe com frequência um número de pacientes com queilite
esfoliativa clássica em que nenhuma causa subjacente pode ser identificada. Uma vez estabelecido
o diagnóstico deve-se, quando possível, remover o agente causal. A aplicação de batom ou cremes
labiais para hidratação demonstra bons resultados em casos mais leves. Nos casos mais severos,
pode-se utilizar cremes ou pomadas a base de corticoides, associados a antifúngicos. Em caso sem
resposta ao tratamento, a crioterapia pode ser indicada.3
Referências
ALMEIDA, O. P. Patologia oral. São Paulo: Artes Médicas, 2016.
ARTICO, G. et al. Lichenoid reaction to carbamazepine in the oral mucosa: a case report. Anais
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MANGOLD, A. R.; TORGERSON, R. R.; ROGERS, R. S. Diseases of the tongue. Clinics in Dermato-
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maio 2017.
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Equipe Responsável:
A Equipe de coordenação, suporte e acompanhamento do Curso é formada por integrantes do
Núcleo de TelessaúdeRS do Rio Grande do Sul (TelessaúdeRS/UFRGS) e do Programa Nacional de
Telessaúde Brasil Redes.
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