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ANTROPOLOGIA E PSICOLOGIA*

Christina Toren
Tradução de André Villalobos

Os antropólogos que trabalham na interface invenção da antropologia psicológica e a década se-


entre psicologia e antropologia estão de modo geral guinte trouxe-nos a psicologia cultural. Nos anos de
comprometidos com a antropologia como ciência. 1990 redescobrimos o corpo e a fenomenologia e,
O problema para nós, entretanto, é que, no final do ao mesmo tempo, testemunhamos o ressurgimento
século xix e início de século xx, o desenvolvimento da antropologia cognitiva, a qual durante a primei-
institucional das ciências humanas segmentou entre ra década do século xxi parece dominar o campo,
diferentes disciplinas os diversos aspectos do que contribuindo para o desenvolvimento do que hoje
deve ser considerado o humano. Em face dos do- se chama ciência cognitiva. Nas próximas décadas, a
mínios epistemológicos separados da antropologia, antropologia cognitiva continuará dominando nosso
psicologia, sociologia, linguística, filosofia e biologia, entendimento da mente se seu projeto intelectual for
os cientistas da última metade do século xx viram- capaz de enfrentar as reais implicações políticas do
-se na necessidade de trabalhar arduamente para de conceito a-histórico de ser humano que se encontra
novo reunir essas peças – corpo e mente, por exem- em seu âmago.
plo. Contudo, como ocorre com frequência, novos O argumento deste texto é explicitamente
domínios subdisciplinares concebidos para superar oposto aos modelos cognitivistas, tendo em vista a
dificuldades conceituais serviram mais propriamente incapacidade destes em lidar com a realidade histó-
para entrincheirá-las. Os anos de 1970 assistiram à rica humana, em geral, e com sua própria natureza
histórica, em particular. Assim, não obstante o tra-
* Conferência realizada no 35º Encontro Anual da An-
pocs, Caxambu, Minas Gerais, em 26 de outubro de balho muitas vezes fascinante realizado nos vários
2011. subcampos da antropologia, e apesar da explosão do
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conhecimento em outros domínios subdisciplinares A propensão para compreender o mundo cir-


– a neurobiologia e a neurociência, por exemplo –, cundante é um aspecto crucial do ser humano.
a interface entre a antropologia e a psicologia conti- Disso se segue que o aprendizado é um processo
nua a destacar uma questão que permanece funda- espaço-temporal dinâmico que em cada ponto, de
mental para as ciências humanas, incluindo a antro- modo inevitável, situa historicamente os humanos
pologia: como devemos conceber os seres humanos? em relação a outros seres, em lugares e momentos
A resposta que dermos a essa questão é importante, específicos do tempo no mundo que habitam. Em
porque ela estrutura não somente o que conhece- outras palavras, qualquer ser humano é, em todos
mos atualmente sobre nós mesmos e os outros, mas os aspectos de seu ser, um produto transformador
também o que somos capazes de descobrir. dinâmico do passado por ele vivido e está situado
O reconhecimento de nossa natureza histórica em relação a todos os outros (jovens e velhos, vivos
proporciona uma resolução dos debates concernen- e mortos) cujas ideias e práticas estejam contribuin-
tes à validade relativa de modelos representacionais, do para estruturar as condições de sua existência
socioconstrutivistas e neurofenomenológicos da presente. “Qualquer ser humano”, significa, aqui,
mente. Propomos aqui um modelo unificado de ser qualquer feto, neonato, bebê, criança, adolescente,
humano, cujos múltiplos aspectos permanecem in- adulto ou idoso, porque a autopoiese é um proces-
teiramente abertos à investigação, mesmo quando o so que se inicia na concepção e só termina com a
modelo pretende lidar simultaneamente com a sin- morte. Podemos, portanto, considerar a nós pró-
gularidade – isto é, com a realidade histórica – do prios como vivendo e manifestando os processos
que deve ser considerado como o humano e com históricos que nos envolvem em literalmente todos
questões críticas na interface entre psicologia e an- os aspectos de nosso ser. Por exemplo, quer consi-
tropologia. deremos a questão estatisticamente, em termos de
população, quer a consideremos em termos pesso-
ais, nossa constituição física e moral (make-up) é o
Modelo unificado de ser humano produto dinâmico de uma história biossocial que,
não obstante todas as suas possíveis complicações e
Quais seriam os aspectos cruciais de tal modelo? convoluções, poderia em princípio ser rastreada por
Fundamentalmente, seu objeto deve ser concebido, muitas gerações; o mesmo se aplica à(s) língua(s)
de início, como algo vivo, não como um dispositivo que falamos e às nossas ideias sobre o que está, ou
de processamento de informação. Este modelo parte poderia estar, no mundo e sobre os nossos meios
da realidade física humana: o fato de que, do pon- para descobri-lo. Essa história pessoal está em co-
to de vista biológico, cada um de nós, como outros nexão imediata com a história de nossa espécie evo-
seres vivos, é autopoiético – cria-se por si mesmo lucionária.
e se autorregula. Um recém-nascido, um bebê ou No modelo unificado, a mente é uma função
uma criança pequena precisam de outros humanos não do cérebro, nem do sistema nervoso incorpora-
que cuidem de suas necessidades primárias, tornan- do, mas do ser humano integral em relações inter-
do sua ontogênese um processo social. Com efeito, subjetivas com outros no mundo circundante. Está
como sistemas vivos humanos, cada um de nós ne- implícita aí uma concepção da consciência como
cessita de outros para manter a autonomia ao longo um aspecto da autopoiese humana. A consciência
da própria vida e contribuir para a vida de outros. não pode ser um domínio ou um nível do fun-
Não há nada de paradoxal nisso: como seres huma- cionamento psicológico; ela é, antes, o aspecto da
nos, antes nos é dado que a natureza particular de mente que pressupõe a existência de quem pensa
nossa autonomia reside precisamente na história e o caráter autoevidente do mundo tal como vi-
de nossas relações recíprocas. Para dizê-lo de outra vido por ele. Intersubjetividade é uma abreviação
forma, nossa singularidade em cada caso individual para a ideia: “sei que você é um humano como eu,
está dada pelo fato de que cada um de nós tem uma e por isso sei que você sabe que por eu ser huma-
história pessoal que faz de nós o que somos. no você também o é”. É essa capacidade de pensa-

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mento recursivo que faz do aprendizado humano contram altamente desenvolvidos. Quanto mais
(aqui considerado em seu sentido mais amplo) um tempo eles tenham estado funcionando para assi-
processo micro-histórico. Nossa relação intersub- milar informações, mais altamente diferenciados
jetiva recíproca está sempre determinada a ser his- estarão e menos radicalmente poderão se transfor-
toricamente anterior, porque, onde quer que nos mar em função da acomodação a novas situações.
encontremos, somos portadores de nossa história Desse modo, o modelo unificado diz respeito aos
singular. “Compreendo o que você está dizendo humanos enquanto seres viventes.
e falando em termos do que já conheço: toda e Entender nossa substância biológica é crucial
qualquer experiência é assimilada em minhas es- para a compreensão não apenas de nossa consti-
truturas de conhecimento já existentes”. Isso se tuição física, mas também de nossa constituição
aplica a todos – inclusive aos recém-nascidos e aos psicológica; faz diferença conceber os fenômenos
pacientes geriátricos. Compreender o mundo ha- da mente como processos neurofenomenológicos ou
bitado é um processo material auto-organizador como programas computacionais. Mais adiante dis-
que, simultaneamente, transforma a nova experi- cutiremos mais esse tema; no momento, o impor-
ência no curso de sua assimilação (e, nessa medi- tante é apenas compreender que, por mais sofisti-
da, “conserva o que já conheço”) e transforma as cado que um computador possa ser, ele não produz
já existentes estruturas de conhecimento no curso seu próprio ser por diferenciação de sua substância
de sua acomodação à nova experiência (e, nessa física ao longo do tempo. Nosso conhecimento
medida, “muda o que conheço”). atual certamente deixa muito a desejar, mas ainda
Nessa perspectiva, o ser humano, cujas ideias assim conhecemos o suficiente da autopoiese como
e práticas estamos procurando entender e explicar, processo biológico para compreender que ela tem
é completamente social, e o mundo de pessoas e que se aplicar não somente à dimensão fisiológica
coisas que ele habita informa toda a sua consti- do ser humano, mas também àqueles processos a
tuição, especialmente a constituição continuada que denominamos “mente”.
no tempo dos processos que chamamos “mente”.
Disso se segue que não há qualquer aspecto da hu-
manidade de alguém que não seja historicamen- O problema com os modelos culturais
te constituído. Em qualquer momento, quando
alguém age sobre o mundo, não importa de que Os processos por meio dos quais conhecemos
maneira, sua compreensão do mundo, de si mes- o mundo habitado, assim como os processos neu-
mo e das relações com outros humanos, é toda rológicos dos quais eles constituem um aspecto, são
informada por sua história prévia – isto é, sua his- igualmente autopoiéticos, caracterizados por contí-
tória até o momento presente.1 nua diferenciação em virtude de seu funcionamen-
O modelo unificado pressupõe que a intersub- to. Compreendido isso, torna-se óbvio que os mo-
jetividade é emocional, que perceber e sentir são delos da mente como modelos de processamento
aspectos recíprocos e que a intencionalidade se dá de informações (ou modelos representacionais) não
em uma abertura para o, e um engajamento sentido podem captar sua dinâmica intrínseca. Tome-se,
no, mundo habitado.2 Assim, aprendizado e ensino por exemplo, a teoria dos esquemas tal como se en-
são aspectos de um único e mesmo processo.3 Ao contra em diversas formas na antropologia cogniti-
longo de nossas vidas, nosso engajamento ativo no va. A ideia do esquema como representação mental
mundo das pessoas e das coisas produz uma dife- estabeleceu-se na antropologia cognitiva nos anos
renciação continuada dos processos por meio dos de 1980 e, na década seguinte, foi incorporada aos
quais conhecemos o mundo. Os processos da men- modelos de funcionamento psicológico de tipo
te estão sujeitos tanto à mudança como à continui- “rede neural”. Os modelos conexionistas da mente
dade, mas à medida que nos tornamos mais velhos tentam tornar a teoria computacional consistente
eles se tornam progressivamente menos suscetíveis com o que conhecemos sobre as operações do cé-
à mudança radical, precisamente porque já se en- rebro humano; eles utilizam uma ideia de proces-

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samento distribuído em paralelo que possibilita um gia cultural que, em vez disso, presumisse “que a
esquema cognitivo nunca completamente estabe- vida da psique é a vida de pessoas dotadas de in-
lecido (fixed), sempre emergente, proporcionando tencionalidade, cujas ações respondem a, e estão
assim um modelo de como os processos cognitivos dirigidas para, seus próprios objetos mentais ou re-
respondem a seu próprio ambiente e são modifica- presentações, sofrendo transformações em virtude
dos por ele. Não obstante, como representação e da participação em um mundo intencional evolu-
como componente do “modelo cultural” mais com- cionário que é produto das representações mentais
plexamente configurado, o esquema que figura nos que o constituem” (Shweder, 1991, p. 97).
trabalhos de Holland, D’Andrade e Shore (para to- Shweder apoiou-se tanto na ideia de que “a
mar alguns exemplos bem conhecidos) é caracteris- mente está corporificada em representações concre-
ticamente estático.4 A tentativa de Shore no sentido tas, em esquemas mediadores, roteiros e ferramen-
de distinguir entre modelos convencionais e mode- tas de pensamento bem praticadas”, como, natu-
los pessoais manifesta claramente o problema de- ralmente, na ideia de cultura, por ele caracterizada
corrente da ideia de esquema como representação como “aquela parte do esquema que é herdada ou
dos processos mentais. Em virtude de os esquemas recebida do passado” (Idem, pp. 98 e 100). O pro-
que compõem os modelos culturais serem conce- blema é que a distinção implícita entre cultura e
bidos como espelhando representações mentais do biologia e o modelo de mente como um processa-
mundo no interior da mente humana, o modelo dor de informação representacional, de que depen-
cultural de Shore não pode dar conta do fato de de sua exposição, tornam seu projeto incoerente,
que, na medida em que entendemos e adotamos o internamente contraditório e irrealizável.6 Como
que é convencional, o fazemos como pessoas espe- outras teorias desse tipo, esta recorre à construção
cíficas, com histórias pessoais singulares. Do que se social na tentativa de explicar as diferenças entre
segue que, para cada um de nós, o convencional e o mundos intencionais: especificamente, por exemplo,
pessoal estão determinados como aspectos recípro- entre as ideias de pessoa características dos norte-
cos (artefato de um único e mesmo processo), e que -americanos e dos indianos. Mas a própria constru-
a continuidade ao longo do tempo é igualmente ção social depende de uma ideia de pessoa histori-
um aspecto de transformação.5 camente constituída, como a de um indivíduo em
Se essa ideia de “continuidade em transforma- sociedade que interage com outros indivíduos para
ção” lhe soa estranha, procure pensar sobre você transacionar suas respectivas ideias sobre um mundo
mesmo – sua pessoa total, incluindo suas ideias objetivamente dado.
sobre o mundo – como um sistema de transfor-
mações; envelhecer, por exemplo, é um aspecto As partes “construtivas” de uma teoria da cons-
do funcionamento desse sistema dinâmico, assim trução social representam a ideia de que obser-
como o é a digestão, a leitura de um livro ou uma vadores igualmente racionais, competentes e
conversação. Você permanece autonomamente você informados são, em algum sentido, livres [...]
mesmo, embora de momento a momento e de ano para constituir para si diferentes realidades; e
para ano sua continuidade ao longo do tempo seja [...] que há tantas realidades quanto à manei-
a de um sistema que se transforma dinamicamente. ra pela qual “ela” pode ser constituída ou des-
O problema com um modelo representacio- crita [...]. As partes “sociais” de uma teoria da
nal da mente, espelhando propriedades do mundo construção social representam a ideia de que as
dadas objetivamente, não desapareceu com o de- categorias são recebidas vicariamente, não in-
senvolvimento da psicologia cultural dos anos de ventadas individualmente; e [são] [...] transmi-
1990. Shweder, não obstante, fez um grande esfor- tidas, comunicadas e “ultrapassadas” através da
ço para afastar os antropólogos daquilo que carac- ação simbólica (Shweder, 1991, p. 156).
terizou como o “impulso platônico”, que presume
a mente como uma propriedade fixa e universal da Ao situar o processo construtivo na pessoa e o
psique. Ele argumentou em favor de uma psicolo- que é social em um espaço abstrato entre pessoas

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(isto é, em categorias da linguagem, por exemplo), a capacidade do bebê para tornar-se portador de
os socioconstrucionistas reproduzem o próprio cultura lhe é inerente; assim, a cultura deve, em
impasse teórico que buscam desmontar.7 Na au- algum sentido, ser dada, ainda que suas formas es-
sência de um entendimento de que compreender pecíficas estejam por ser realizadas. Mas, se nossa
o mundo habitado é um processo histórico, Shwe- aptidão para a cultura é biologicamente dada e se
der não pode tornar analíticas as categorias que todas as ideias biológicas são artefatos históricos
busca entender. como qualquer outra ideia, segue-se que o bioló-
Naturalmente, em termos teóricos, a cons- gico e o cultural são aspectos recíprocos (of one
trução cultural não se sai melhor. A ideia de que another). Então, por que reter essa distinção?
muito (ou a maior parte) daquilo que os humanos Não podemos ainda rastrear a precisa coonto-
dizem e fazem é produto de uma construção cultu- genia de processos neurológicos e processos con-
ral constitui um truísmo da antropologia cultural ceptuais, embora haja estudos relevantes no campo
contemporânea.8 A cultura continua a ser conside- em desenvolvimento da neurofenomenologia, por
rada explanatória, muito embora distinções analí- exemplo.12 O que podemos fazer, com certo grau
ticas como cultura-biologia, sociedade-indivíduo, satisfatório de validade, é teorizar o processo em
mente-corpo, estrutura-processo e emoção-raciona- que as ideias se constituem ao longo do tempo –
lidade há muito têm colocado problemas, especial- sua ontogenia do nascimento em diante. Como ve-
mente para os antropólogos psicologistas.9 As ideias remos adiante, a maneira pela qual caracterizamos
de construção cultural assentam-se nas mesmas dis- a ontogenia é fundamental para o entendimento da
tinções cartesianas problemáticas que os modelos especificidade histórica do que deve ser considera-
de significado cultural.10 A ubiquidade dos termos do o humano em qualquer tempo e lugar.
é tal que posso encontrar inclusive em meus pró- Desde o nascimento, os bebês estão imersos
prios escritos anteriores uma pluralidade de apa- em relações com seus cuidadores; de fato, bebês
recimentos dos termos “cultural”, “construção” e recém-nascidos apresentam capacidades que faci-
mesmo “construtos”. Mas o que me incomoda não litam os relacionamentos sociais e que se tornam
é tanto o uso do termo “construção”, mas do termo cada vez mais diferenciadas – desenvolvidas – ao
“cultura”, que é analiticamente vazio.11 Como algo longo da vida. Nem todas as capacidades dos bebês
que é relativo e historicamente específico, a cultura implicam relações sociais, mas ainda assim é no-
implica inevitavelmente sua contraparte, a biolo- tória a relevância muito alta dos outros humanos
gia, como o domínio do irredutível, do universal. A para eles. Assim, nas últimas duas décadas aproxi-
pobreza analítica dessa distinção torna-se mais apa- madamente, descobrimos que os recém-nascidos
rente quando voltamos nossa atenção para estudos preferem estímulos fisionômicos a outros estímulos
antropológicos cujo foco é a criança. visuais atraentes; podem distinguir e imitar certos
gestos faciais de outros; mostram percepção categó-
rica de sons da fala; distinguem entre formas geo-
Modularidade inata versus desenvolvimento métricas curvas e retas; distinguem sons de caráter
neuroconstrutivo linguístico de outros tipos de estímulos auditivos;
e, com quatro dias de vida, aprendem o suficien-
O objetivo da antropologia é explicar a extra- te para diferenciar sua língua nativa de outras. Aos
ordinária multiplicidade que é o ser humano no três meses, mostram surpresa se dois objetos sólidos
mundo ou, mais exatamente, como a singularida- parecem ocupar o mesmo espaço; e aos quatro me-
de peculiar a cada um de nós se situa no que te- ses, mostram surpresa se um objeto sólido parece
mos em comum. Faz sentido, então, pensar sobre ter passado através de uma superfície sólida; nessa
um neonato como um organismo que nasceu bio- idade, mostram capacidade de integração de per-
lógico para só se tornar cultural como resultado cepções feitas através de diferentes sentidos (com-
de ações efetuadas sobre ele por seus cuidadores? plex cross-modal perception), combinando sons da
Seguramente não, pois mesmo nesta perspectiva, fala com movimentos dos lábios no rosto de quem

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os produz. Aos seis meses, reconhecem como equi- ou em termos computacionais) [...], mas do modo
valentes diferentes sons de fala de locutores diver- de interpretação [mode of construal] propiciado pela
sos; também são capazes de fazer inúmeras com- estrutura interna” (Sperber, 1996, pp. 135-136).
binações entre sons e olhares (exemplos retirados Um determinado modo de interpretação pode apli-
de Elman et al., 1996, p. 107). “Por volta dos seis car-se a condições ambientais inteiramente novas,
meses, os bebês seguem o olhar das pessoas e pres- desde que sejam, por assim dizer, suscetíveis de se-
tam atenção em objetos sobre os quais elas atuam. rem interpretadas dessa maneira. Sperber encontra
Aos nove meses, reproduzem as ações que outras apoio na psicologia evolucionista para afirmar que
pessoas realizam sobre objetos e se comunicam a “um módulo cognitivo é um mecanismo evoluído
respeito de objetos por meio de gestos tais como o com uma história filogenética distinta” (Idem, p.
de apontar” (Spelke, 1999, pp. 402-404).13 124).15 A modularidade massiva subscreve o mo-
Essas habilidades dos neonatos e bebês propi- delo de processamento de informações proposto
ciaram o surgimento da ideia, hoje aparentemente por Sperber quanto ao funcionamento do cérebro e
assumida por cognitivistas de várias convicções, de respalda sua ideia de uma “epidemiologia de repre-
que a mente é inatamente modular – constituída sentações” como a chave para o entendimento da
por um conjunto de sistemas cognitivos que se de- cultura (Sperber, 2006).
senvolveram para lidar com domínios separados de Esse argumento tem apoio na extensa literatura
nosso ambiente e que, consequentemente, todos os que nos oferece explicações cognitivas para as cren-
humanos têm em comum. ças religiosas. O módulo como ideia de modo de
A ciência cognitiva é abrangente e inclui mo- interpretação revela, por exemplo, a maneira pela
delos congruentes de grande número de domínios qual a teoria da modularidade pode ser usada para
subdisciplinares – principalmente a psicologia evo- explicar a religião como uma projeção inevitável da
lucionária, a antropologia cognitiva, a neurociên- consciência humana em ideias cosmológicas relati-
cia, a psicologia cognitiva e do desenvolvimento. vas à vida após a morte ou à existência de deuses.16
O que elas têm em comum é seu embasamento em De modo geral, os pesquisadores sobre a cognição
distinções analíticas entre biologia e cultura e, para da religião têm em comum com Sperber a concep-
muitas se não para a maior parte delas, a noção de ção de que a própria transmissão de ideias constitui
que a mente é modular. Essa ideia foi proposta pri- um problema, embora difiram quanto ao seu empe-
meiramente por Fodor, que defendia a existência de nho no tocante à modularidade massiva. Afirmam,
uma quantidade limitada de sistemas inatos de in- contudo, que os atributos comuns encontrados em
sumos perceptuais e linguísticos, cujos produtos ali- ideias sobre deuses, ancestrais, o sobrenatural e as-
mentavam sistemas cognitivos centrais que funcio- sim por diante só podem ser função de caracterís-
navam para integrar as informações em formas mais ticas invariantes da arquitetura cognitiva humana –
complexas de solução de problemas de cognição cen- quer dizer, das características inatas [hard-wired].
tral.14 A ideia do sistema de insumos como módulo Estas incluem um módulo de teoria da mente, um
cognitivo foi assumida e elaborada pelos psicólogos módulo de coisas vivas, um módulo que estipula as
evolucionistas Tobby e Cosmonides (1992), cujo propriedades físicas de objetos e um módulo que
modelo de “modularidade massiva” tornou-se fun- procura e reconhece corretamente a ação.17 De fato,
damental para antropólogos como Sperber (1994, o argumento de Sperber sobre a modularidade mas-
1996) e Hirschfield e Gelman (1994), entre outros. siva exige admitir que, “em grande medida, a cog-
No modelo “massivamente modular”, a mente é nição possibilita a cultura por meio de mecanismos
constituída por sistemas cognitivos pré-conectados interpretativos [construtive mechanisms] de domínio
(isto é, inatos) e específicos por domínio; apenas específico” (Idem, p. 447). Nada mais, afirma ele,
um subconjunto deles tem a ver com a assim cha- pode explicar a estabilidade cultural.
mada “cognição social”. No entanto, “o domínio Contudo, há aqui um problema importante
de um módulo [...] não é uma propriedade de sua que tem a ver com o fato de que os modelos dos
estrutura interna (descrita em termos neurológicos psicólogos evolutivos e seus seguidores cognitivistas

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mantêm uma distinção entre matéria e informação Com efeito, não há necessidade de apegar-se a
que não faz sentido em termos biológicos. Nisto es- uma teoria de difícil manejo como a da modulari-
tou de acordo com Evan Thompson, que resume o dade massiva inata. Poderíamos, entretanto, tomar a
problema nos seguintes termos: abordagem neuroconstrutivista do desenvolvimento
infantil proposta pela psicóloga Karmiloff-Smith e
A falha mais profunda da metáfora do dna seus colegas biológico-conexionistas, os quais defen-
como programa de armazenamento de informa- dem que o próprio desenvolvimento é a chave para
ções é o fato de implicar uma estrutura dualista o entendimento de como os processos cognitivos
de matéria e informação, homóloga ao dualismo vêm a ser estruturados de maneiras específicas:
computacional e funcionalista da mente como
um software informacional e do cérebro como [...] um mecanismo começa como algo mais
hardware. Em ambos os casos, processos que relevante para um tipo de insumo do que para
são intrinsecamente dinâmicos (temporalmente outros, mas é utilizável [...] também para ou-
orquestrados), corporificados (somáticos e com tros tipos de processamento. Isso possibilita
organicidade) e entranhados (necessariamente processamento compensatório e torna o desen-
situados em um ambiente ou meio) – seja de volvimento canalizado, mas muito menos pre-
ontogenia, evolução ou cognição – são proje- determinado do que [acredita] a visão inatista.
tados em abstrações reificadas de um programa Uma vez usado repetidamente para processar
genético no núcleo da célula ou de um progra- certo tipo de insumo, um mecanismo relevan-
ma de computador no cérebro (Thompson, te para determinado domínio torna-se espe-
2007, p. 185). cífico para esse domínio como resultado de
sua história de desenvolvimento (Karmiloff-
O modelo da mente como processadora de in- -Smith, 1998, referindo Elman et al., 1996, e
formações está fadado a conservar distinções entre Karmiloff-Smith, 1995).
o hardware e o software, o universal e o relativo, o
individual e o social, o natural e o cultural. Essas Na medida em que os neuroconstrutivistas
distinções são importantes para os cognitivistas, aceitam a ideia de modelos inatos, estes não podem
pois alimentam a ideia de que a biologia humana é ser mais do que estruturas transformacionais mini-
o domínio do que é universal na natureza humana mamente especificadas. O desenvolvimento cogni-
e de que a cultura é o domínio do que é relativo. tivo é entendido “em termos de estruturas emer-
A tarefa dos antropólogos, nesse caso, é a de in- gentes auto-organizadas que surgem das interações
terpretar as representações culturais dos povos do complexas entre organismo e ambiente” (Elman et
mundo, suas teorias a respeito de crenças, valores al., 1996, p. 113). Além disso, o trabalho experi-
e costumes tradicionais (folk theories). Isso deixa a mental cuidadoso que justifica o modelo lida com
explicação, a ciência, na posse do domínio do que é o dinamismo do organismo e do ambiente. Contu-
natural e universal, aplicando-se à teoria da modu- do, vários problemas permanecem: primordialmen-
laridade da mente. Se apenas um subconjunto do te, o de que o modelo neuroconstrutivista (como o
conhecimento humano pode ser apropriadamente de Sperber) está fundado em uma teoria representa-
descrito como social ou cultural, isso implicita- cional da mente/cérebro e, concomitantemente, em
mente isola de contaminação outros processos de uma ideia de pessoa na qual a sociabilidade é uma
conhecimento – a percepção, por exemplo –, ali- entre as numerosas estruturas de desenvolvimento
mentando assim a pretensão a uma ciência objetiva emergentes, mais propriamente do que inerente a
da mente. Esse modelo não é convincente, porque todos os aspectos do ser humano no mundo; dis-
não considera o fato de que literalmente todos os so se segue que, neste caso, não há consciência de
aspectos do ser humano, neles incluídos todos os que o desenvolvimento é um processo histórico – ou
processos perceptivos, são passíveis de revelar a his- seja, um processo inserido em uma intersubjetivi-
tória de uma pessoa. 18 dade constituída historicamente.

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Os procedimentos experimentais usados para de pessoas e coisas, os processos cognitivos que se


trazer à tona as competências dos neonatos e dos revelam cedo na ontogenia estão fadados a parecer
bebês, conquanto magnificamente convincentes, módulos – de domínio específico, permanentes, in-
tendem – como ocorre com todos os procedimen- formacionalmente encapsulados e mandatórios.19
tos laboratoriais – a desviar a atenção das condições
do mundo real em que a criança adquire suas ca-
pacidades. Em qualquer circunstância determina- Socialidade humana e teoria da mente
da, o neonato e o bebê estão imersos em múltiplas
sensações – das superfícies do corpo, dos órgãos Minha preocupação em lidar com a realidade
internos, sensações viscerais de fome e sede, calor histórica dos seres humanos é em parte derivada
e frio, do movimento de seus membros, das dife- da natureza da antropologia como disciplina. Ela
rentes modalidades sensoriais, e assim por diante. não só envolve a longa história de diferenciação que
Além disso, essas múltiplas sensações não são, por produziu a diversidade contemporânea de línguas,
assim dizer, inseridas na experiência que, quando sistemas de parentesco, economias políticas, cos-
acordado, o bebê tem ao ser carregado, alimenta- mologias e assim por diante, mas também a nós,
do, vestido e desvestido, banhado, transportado, antropólogos, não é permitido esquecer nosso pas-
acariciado, objeto de brincadeiras e da fala da mãe sado. Não há amnésia histórica na disciplina, por-
e de outras pessoas dedicadas a cuidar dele. Parece que, onde quer que você desenvolva seu trabalho
importante enfatizar aqui a imersão total do bebê, de campo, se for para obter algum entendimento
desde o nascimento (ou mesmo, poder-se-ia dizer, decente sobre o povo com que trabalha, você tem
antes do nascimento), em relações sociais específi- que ler todos os trabalhos feitos pelos que o pre-
cas - sons, olhares e toques de outros que produzem cederam naquela região geográfica, assim como
conforto ou desconforto, acalmam ou excitam, que os arquivos a respeito, caso existam. Quanto mais
são aspectos vividos de um mundo circundante trabalho de campo você faz e quanto mais história
específico. Esta simples observação evidencia a ne- e etnografia você lê sobre a sua região, mais você
cessidade de tornar mais completa a história de de- adquire consciên­cia de que a história é um processo
senvolvimento, nela incorporando uma análise das dinâmico que continua alimentando o presente em
relações sociais específicas pelas quais é informada transformação e que esse processo deve se encontrar
e nas quais está inserida: apesar de todo o seu foco no âmago do que é o ser humano.
no desenvolvimento, o modelo neuroconstrutivista Por conseguinte, de um modo ou de outro, os
baseia-se em uma ideia historicamente específica da antropólogos temos que lidar em nossas etnografias
criança, a qual supõe que o que é social na consti- com o fato de que tudo que diz respeito aos seres
tuição da criança pode, de um modo geral, ser dis- humanos evidencia sua história. Essa consciência,
tinguido do que é psicobiológico. Assim, o modelo contudo, é ainda posta em xeque pelo que pare-
construtivista não é um modelo de desenvolvimen- ce ser uma relutância em nos submetermos, como
to adequado. Como não trata da maneira pela qual cientistas, ao escrutínio que impomos aos outros.
a intersubjetividade informa o desenvolvimento, O que vemos é antes o anúncio de um novo domí-
ele permanece um artefato de procedimentos expe- nio científico.
rimentais e de modelagem conexionista.
Não obstante, no modelo neuroconstrutivista, As raízes ou fundações da socialidade humana
nossos esquemas de pensamento e ação são autorre- [são propostas como] um objeto de investigação
gulados, transformacionais e caracterizados por di- coerente constituído por princípios de diferen-
ferenciação contínua através de seu funcionamen- tes ordens (etnológicos, psicológicos, sociológi-
to. Os fenômenos conscientes são os artefatos desse cos e culturais) que se interseccionam e atuam
processo de desenvolvimento autopoiético. Como conjuntamente para produzir um sistema emer-
o produto dinâmico do engajamento intersubje- gente, um sistema de socialidade e interação so-
tivo de qualquer humano no mundo circundante cial humana (Enfield e Levinson, 2006, p. 1).

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ANTROPOLOGIA E PSICOLOGIA  29

A ênfase, neste caso, está posta em juntar [...] propõe que toda criança precisa construir
descobertas provenientes da psicologia evolucio- de novo (por exemplo, conceitos de herança
nista e do desenvolvimento, da linguística, da biológica e de espécies humanas naturais) [...]
ciência cognitiva e da antropologia. As premis- essa construção [...] é possibilitada e restrin-
sas analíticas subjacentes à nova síntese proposta gida por poderosos mecanismos de aprendiza-
permanecem, entretanto, inalteradas – princi- do inatos de domínio geral, tais como análise
palmente a distinção entre biologia e cultura, o causal [...] ou modos de construção teleoló-
universal e o relativo – e com bastante frequência gicos [...] e essencialistas (Astuti et al., 2004,
uma concomitante dependência da modulari- pp. 15-16)
dade que possibilita distinguir a cognição social
de outras formas de cognição. A socialidade é Do mesmo modo, Astuti e Harris (2008) argu-
central para um argumento que sustenta a inter- mentaram que as crianças são fundamentalmente
subjetividade, “possibilitando uma variedade de racionalistas no que respeita a suas ideias relativas
ação conjunta que é verdadeiramente aberta em ao que acontece após a morte, e que, à medida que
termos de objetivos e estrutura [e] [...] propor- crescem, esse racionalismo inicial é progressiva-
ciona os blocos construtivos para a diversidade mente superado em razão de assumirem ideias reli-
cultural humana” (Idem, p. 3). É então uma pena giosas mantidas pelos mais velhos. Entendimentos
que, para Enfield e Levinson, a capacidade para a racionalistas, contudo, mantêm-se cognitivamente
intersubjetividade se baseie na ideia de uma Te- disponíveis para a pessoa, e os atributos aparente-
oria da Mente (mais ou menos inata) – a assim mente paradoxais dos espíritos podem mesmo ser
chamada tom. discutidos – que eles consomem alimentos, mas
Em sua acepção corrente, a teoria da mente é não têm estômago, por exemplo. Como Astuti e
um módulo cognitivo de domínio específico cujos Harris reconhecem, entretanto, não se presume,
componentes são conceitos sobre estados men- mesmo admitindo que isso seja algo difícil de con-
tais; ela funciona para entender o que os outros ceber, que as pessoas abandonarão a ideia de que
têm em mente e para predizer o que irão fazer. os espíritos consomem a substância espiritual dos
Dada a sua associação com racionalismo e teste nutrientes. Não contesto os resultados primários de
de hipóteses, o uso da palavra “teoria”, neste caso, Astuti e Harris, mas em minha maneira de ver eles
é instrutivo: assim, o módulo da teo­ria da men- apenas mostram que as crianças mais novas ainda
te caracteriza-se como aberto a reorganização em não têm a experiência suficiente para entender o
face de evidência infirmativa. A ideia de um mó- que são espíritos.
dulo da teoria da mente revelou-se persuasivo para Os vários teóricos da socialidade, cujos tra-
os antropólogos, os quais os utilizaram para sus- balhos foram reunidos por Enfield e Levinson,
tentar uma ideia de natureza humana em que os têm diferentes compromissos teóricos. Tomasello,
entendimentos aparentemente tácitos das pessoas por exemplo, cujo trabalho pioneiro mostra que a
são privilegiados pelo pesquisador em detrimento aquisição da linguagem na criança é um processo
de suas ideias declaradas (ver, por exemplo, Bloch, constitutivo que pode ser demonstrado como não
2006). Ainda assim, os que utilizam essa ideia va- dependente de um módulo cognitivo inato de do-
riam em seu comprometimento em considerá-la mínio específico propiciador da estrutura primitiva
inata, hard-wired no sentido de ser bem especifi- de uma gramática universal (dispositivo de aquisi-
cada no nascimento, embora todos a considerem ção da linguagem) ou mesmo de um módulo de
como no mínimo representando uma influência teo­ria da mente. Em vez disso, Tomasello demons-
restritiva sobre o desenvolvimento. Dessa forma, tra o rápido desenvolvimento conjunto da aten-
uma posição teórica intermediá­ria é assumida por ção, das habilidades gestuais (especialmente a de
Astuti e colaboradores, que argumentam em favor apontar) e da habilidade para compreender [learn]
do que chamam “hipótese da construção concei- os atos intencionais dos outros; essas habilidades,
tual restringida”, a qual conjuntamente com habilidades de descobrir pa-

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drões, que se desenvolvem cedo, tornam possível sariamente) conjunta, mediada socialmente em um
às crianças “descobrir padrões na maneira em que contexto cultural” (Idem, p. xi, grifos no original).
os adultos usam símbolos linguísticos através de di- A concepção de Hutchins parece próxima desta
ferentes elocuções, e assim construir as dimensões quando ele insiste que a “cognição distribuída é
gramaticais (abstratas) da competência linguística uma abordagem ao estudo de toda cognição” (Hu-
humana” (Tomasello, 2003, p. 4). tchins, 2006, p. 376).
Do mesmo modo, no volume de Enfield e Le- A cognição distribuída vê a cognição no mun-
vinson, Susan Goldin-Meadow argumenta convin- do real como um processo que envolve a interação
centemente que das consequências da experiência passada (para o
indivíduo, o grupo, ou o mundo material) com as
[...] o fenômeno da criação da linguagem em affordances* do presente. Nesse sentido, na perspec-
crianças surdas nos diz que uma criança indivi- tiva da cognição distribuída, a cultura constitui-se
dual pode reinventar a roda linguística, ou pelo no mínimo como um contexto para a cognição
menos seus aspectos rudimentares – contanto (Idem, p. 377).
que a criança possa interagir com humanos Tudo isso está muito bem, mas apesar de toda
que se comportem humanamente (Goldin- a preocupação com processos do mundo real, os
-Meadow, 2006, p. 354). pressupostos dualistas subjacentes persistem não
tratados por Cole ou Hutchins, e o modelo perma-
Há aqui certa ironia no fato de que a ideia nece, consequentemente, computacional e a-his-
inicial de Fodor sobre a modularidade tinha tudo tórico: estranhamente, dada a longa insistência de
a ver com a ideia de que os humanos não podiam Cole na necessidade de incorporar uma perspectiva
de modo algum adquirir um conhecimento tão histórica à cognição. Penso que o problema reside
complexo e altamente diferenciado como a lin- na própria maneira em que sua “abordagem históri-
guagem na ausência de um Dispositivo de Aqui- co-cultural à cognição baseada na atividade conduz
sição de Linguagem (lda) dedicado e inato. O a que se pense na distribuição da cognição entre
lda esteve entre os primeiros módulos, e foi as pessoas, os artefatos culturais e o tempo” (Cole,
central para o desenvolvimento da teoria da mo- 1993, p. 22). Por contraste, o modelo unificado de
dularidade ao longo dos anos de 1980 e 1990. ser humano que venho sustentando torna óbvio
Agora que ele é aparentemente desnecessário, foi que, em virtude da evolução, nós humanos, como
substituído pela tom. os outros seres vivos, somos inerentes ao mundo.
A teoria da socialidade também incorpora de- Do que se segue que inevitavelmente fazemos uso
senvolvimentos da ideia de “cognição distribuída”, de seus múltiplos aspectos para compreendê-lo in-
que é influente especialmente na área da educação tersubjetivamente ao longo do tempo.21 Mas penso
e que está associada ao trabalho de Lave e Wen- que não há mistério a esse respeito.
ger (1991) sobre o conhecimento situado, bem A socialidade humana é completamente difu-
como à perspectiva histórico-cultural de Michael sa, de modo que tenho pouca simpatia pela ideia
Cole.20 A ideia é mais ou menos congruente com da socialidade como um domínio de investigação;
o modelo neuroconstrutivista. Neste caso, as cog- além disso, os dados neurobiológicos, psicológicos
nições “não são ferramentas sem conteúdo aplica- e socioculturais nos dão acesso não a diferentes ní-
das a este ou aquele problema; elas surgem mais veis de integração (e, assim, de explicação), mas a
propriamente em uma situação com a qual lidam aspectos de um mesmo fenômeno. Sustento que
conjuntos de pessoas que se valem das ferramen- não podemos construir modelos psicológicos ou
tas que lhes estão disponíveis” (Salomon, 1996, biológicos genuinamente explicativos sem referên-
p. xiii). Salomon está se referindo ao trabalho de cia (ao menos em princípio) ao fato de que nossa
Cole quando argumenta em favor da concepção biologia e psicologia estão inseridas em uma longa
de que “a unidade adequada da análise psicológica história de relações sociais, cuja análise será perti-
deve ser a atividade (muitas vezes, mas não neces- nente a qualquer modelo biológico e psicológico

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que pretenda ser explicativo. Ademais, nossas aná- lisarmos a ontogenia como um processo histórico,
lises etnográficas de relações sociais são essenciais mostrando, por exemplo, como a aquisição da lin-
para o entendimento da especificidade histórica da guagem implica relações sociais que são, elas mes-
intersubjetividade em qualquer caso e, assim, para mas, historicamente estruturadas. Neste ponto, a
mostrar como os processos de aprendizado são, eles convincente exposição de Tomasello (2003) sobre
mesmos, estruturados de acordo com certas ideias os fundamentos da aquisição da linguagem torna-
a propósito do que são e do que podem ser os hu- -se novamente útil, pois é bastante fácil mostrar
manos. como o processo é intrinsecamente histórico.
É preciso insistir que não se deve confundir
intersubjetividade com interação social. Do mes-
Incorporação e neurofenomenologia mo modo, o processo de compreender o mundo
intersubjetivamente não deve ser confundido com
Os antropólogos podem ser muito encorajados construção social. Onde o aprendizado é entendi-
pela publicação do brilhante Mind in life, de Evan do como um processo micro-histórico, o mundo
Thompson, no qual ele defende uma habitado – apesar de operar segundo sua própria
dinâmica – não pode nunca ser entendido inde-
[...] neurofenomenologia [...] [cujo] objetivo pendentemente do sujeito cognoscente. Em outras
é incorporar investigações fenomenológicas da palavras, a validade de um determinado estudo
experiência em pesquisas neurocientíficas sobre científico é, ela própria, um juízo constituído his-
a consciência. A neurofenomenologia focaliza toricamente – o que não significa dizer que os estu-
especialmente a dinâmica temporal da expe- dos científicos não devam ser considerados válidos,
riência consciente e da atividade cerebral [...] em maior ou menor medida. O problema é que,
(2007, p. 312). para funcionarem analiticamente, nossas categorias
têm que ser tornadas categorias analíticas por meio
Do meu ponto de vista, o importante com da análise etnográfica. Elas não devem ser tomadas
relação ao modelo neurofenomenológico da men- como pressupostos, pois também justificam uma
te é que ele está aberto a lidar com a historicidade investigação – sociedade, indivíduo, biologia, cul-
humana e, precisamente por essa razão, necessita a tura, personalidade, mente e assim por diante são
contribuição antropológica. casos pertinentes.
Como a temporalidade é inerente à consciên-
A ideia de que a fenomenologia possa situar- cia, o aprendizado exemplifica os processos micro-
-se em uma relação explanatória com relação -históricos que, ao longo do tempo, propiciam o
à biologia [...] soará estranha para muitos lei- surgimento dos fenômenos de consciência como
tores. O que poderia a fenomenologia expli- fenômenos sempre abertos a uma diferenciação
car nesse domínio? A resposta é nada menos ulterior. Por outro lado, como transformação e
que [explicar] como certos processos biológi- continuidade são aspectos dos processos micro-
cos são também realizações de identidade [sel- -históricos da autopoiese humana, as análises etno-
fhood] e subjetividade [...] (Thompson, 2007, gráficas da ontogenia abrem caminho para a teori-
p. 358). zação das conexões mútuas entre evolução humana,
história (uma história regional, por exemplo), vidas
Naturalmente, a maioria dos autores (mesmo contemporâneas, consciência e neurobiologia da
Evan Thompson) continua a pensar que o proble- consciência.22 Além disso, para os antropólogos é
ma é incorporar a cultura em seus modelos, mas importante que o mundo habitado dê sustentação
isso reintroduz a distinção biologia-cultura que por a todas as nossas descrições historicamente consti-
tanto tempo interferiu em nossa capacidade para tuídas a respeito dele, de tal modo que elas, que
produzir um modelo unificado de ser humano. são inevitavelmente parciais, se tornem objetivas de
Como sugeri, entretanto, fazemos melhor se ana- diferentes maneiras.23

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Os estudos etnográficos sobre como as crian- um argumento correlato, construído a partir da pers-
ças compreendem as condições no mundo criado pectiva da “criança social”.
para elas pelos adultos podem contribuir para a 4 Ver D’Andrade (1995, caps. 6 e 7) e Shore (1996, cap.
perspectiva dos sistemas dinâmicos sobre o desen- 2). D’Andrade fornece uma exposição sucinta sobre a
volvimento humano ao longo do tempo como um diferença entre o modelo conexionista e o modelo de
processo autopoiético e histórico – um processo processamento simbólico serial.
que fundamenta o completo espectro da diferen- 5 Cf. a ideia biologicamente fundada de Piaget sobre o
ça individual (no interior e através das regiões do esquema cognitivo como um sistema transformacio-
nal autorregulado, o qual ele explicitamente compa-
mundo) na maneira pela qual nossa biologia sus-
rava a estruturas matemáticas e lógicas e também a
tenta a socialidade, especificamente a empatia e a
“estruturas [...] cujas transformações se desdobram no
intersubjetividade, como a condição básica do ser tempo” (1971, p. 15).
humano. Além disso, os detalhes dos estudos etno-
6 Tome-se como exemplo o que se segue: “segundo as
gráficos sobre a ontogenia como processos históri- premissas da psicologia cultural, até mesmo as realida-
cos se nutrem diretamente do argumento de que des transcendentais retratadas pelos cientistas partici-
os processos neurais que caracterizam o desenvol- pam de mundos intencionais e não podem realmente
vimento conceptual humano são um aspecto emer- nos levar para além de nossas representações mentais
gente do funcionamento de um sistema nervoso das coisas. No mundo da psicologia cultural, a trans-
incorporado para o qual a intersubjetividade é uma cendência e a autotransformação são possíveis, mas
condição necessária. apenas por meio de um processo dialético de mover-se
de um mundo intencional para o seguinte, ou trans-
formar um mundo intencional em outro” (Shweder,
1991, p. 99).
Notas
7 Ver, por exemplo, Nussbaum (2001) e comparar com
1 Minha primeira formulação deste modelo (Toren, Hacking (1999).
1999, pp. 1-21; 2002) derivou-se de uma síntese dos 8 Deparei-me por primeira vez com essa ideia no do-
trabalhos de Maturana e Varela sobre autopoiese; de mínio da psicologia acadêmica a respeito de crianças
Piaget, sobre epistemologia genética, especialmente (ver Kessen, 1983). Construção cultural também é
de sua ideia do esquema cognitivo como um “siste- central para o desenvolvimento da sociologia con-
ma transformacional autorregulado” (isto é, como um temporânea sobre a infância, no sentido de que
processo autopoiético); da fenomenologia de Husserl ela sofre uma inflexão pela ideia de que a atividade
e Merleau-Ponty; e de certos insights de Vygotsky so- (agency) da criança desafia os discursos que consti-
bre a aquisição da linguagem. Meu modelo tem muito tuem ideias específicas relativas ao que é uma criança
em comum com Thompson (2007) e encontra novo (James, Jenks e Prout, 1998).
apoio em sua inovadora neurofenomenologia e na 9 Ver, por exemplo, Schwartz et al. (1992).
obra de Tomasello (2003) sobre a ontogenia da lin- 10 Ver, por exemplo, Strauss e Quinn (1997, parte 2).
guagem. Comparar tentativas de usar insights da fenomenolo-
2 Cf. Damasio (1999), que argumenta ser a emoção gia para analisar a mente corporificada: o corpo, neste
fundamental tanto para a sobrevivência do organismo caso, é o fundamento existencial da cultura, que ime-
como para a consciência. diatamente manifesta e constitui a mente (por exem-
3 Csibra e Gergely (2006, p. 294) sustentam que a plo, Csordas 1990); a cultura, no entanto, permanece
“pedagogia humana [é] uma adaptação evolucionária inquestionada.
para a transmissão eficiente do conhecimento”, mas 11 Minhas próprias tentativas de teorizar a noção de
se, para os humanos, viver é conhecer e vice-versa, e se construção envolveram, inicialmente, a utilização
viver e conhecer são processos históricos, então a ideia das ideias de Piaget para tornar a noção de habitus,
de pedagogia como um “sistema cognitivo dedicado” de Bourdieu, psicologicamente viável e capaz de in-
é desnecessária, o que não significa dizer que nossas corporar a história (Toren, 1990). Mais tarde, achei
várias ideias sobre pedagogia não sejam importantes mais satisfatório descartar por completo o excessi-
para aquilo que sabemos sobre o mundo e para a ma- vamente sistematizado e paradoxalmente estático
neira como o conhecemos. Ver Ingold (2007) para habitus e propor a síntese teórica esboçada em To-

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ANTROPOLOGIA E PSICOLOGIA  33

ren (1999, 2002). O modelo unificado apresentado tes formas de codificação que se correlacionam com
neste texto é o mais recente. conjuntos distintos de características psicológicas e
12 Ver Lewis (2000, 2005) para uma abordagem sistêmi- sociopolíticas.
ca dinâmica que liga teoria da emoção e neurobiolo- 17 Os pesquisadores diferem quanto a todas estas ca-
gia, e Thompson (2007) para sugestões com relação racterísticas inatas serem ou não produtos diretos de
a uma neurofenomenologia experimental do tempo- pressões evolutivas exercidas sobre nossos ancestrais
-consciência. no Pleistoceno (Tooby e Cosmides, 1992); Sperber e
13 A capacidade do bebê de quatro dias para reconhecer Boyer, por exemplo, defendem a crença em agentes
o rosto da mãe parece basear-se na diferenciação de morais sobrenaturais como derivados de “mecanismos
“um sistema de processamento de padrão geral mais cognitivos pró-social inatos” (ver as contribuições de
propriamente do que de um [padrão] específico para Pascal Boyer e Maurice Bloch para a discussão crítica
a face” (Kamiloff-Smith, 1995, 1298); ver Elman et de Bering, 2006; ver também Sperber, 2006).
al. (1996, pp. 115-118) para a ontogenia do reconhe- 18 Por exemplo: “durante o último trimestre da gravidez,
cimento facial. aproximadamente 65-70% dos fetos humanos estão
14 Fodor (1983, p. 98): “todos os casos de estruturação posicionados com o ouvido direito voltado para o ex-
neural massiva em que se pode verificar com segu- terior e o ouvido esquerdo voltado para dentro, para
rança uma função cognitiva de conteúdo específico os tecidos e órgãos internos da mãe. Como resultado
parecem estar associados à linguagem ou à percepção desse posicionamento, os fetos humanos recebem di-
[...] a chave para a modularidade é o encapsulamento ferentes tipos e quantidades de experiência pré-natal
informacional [...] conexões inatas [hard-wired] indi- através dos ouvidos e labirintos direitos e esquerdos
cam caminhos privilegiados de acesso informacional”. durante o desenvolvimento pré-natal mais avança-
Ver também Fodor, 1988. Cole sugere que a origem do, contribuindo provavelmente para a lateralização
da modularidade provém do debate entre Chomsky, de uma pluralidade de traços pós-natais, nos quais se
Piaget e outros a respeito do que veio a ser conhecido incluem a percepção da fala, a função da linguagem
como o dispositivo de aquisição da linguagem ou mó- e os padrões de dominância dos membros, como a
dulo de linguagem (Cole, 1996, p. 198). tendência ao uso predominante de uma das mãos ou
de um dos pés” (Lickliter, 2007, p. 14).
15 O leitor deve estar atento à diferença entre psicologia
evolutiva e biologia evolutiva. Mesoudi et al. (2006) 19 “Dada a extraordinária complexidade do sistema ner-
propõem uma “ciência unificada da evolução cultu- voso humano, a imersão do bebê em um mundo de
ral” baseada em uma analogia entre os genes como sensação altamente diferenciada, e o rápido cresci-
portadores das características biológicas e os memes mento das conexões interneurais, este é seguramente
como portadores da cultura. Compare-se com a abor- um tempo amplo para [...] [o] desenvolvimento auto-
dagem dos sistemas desenvolvimentistas, a qual “defi- poiético [das habilidades do bebê] a partir de começos
ne evolução não como uma alteração nas frequências muito mais primitivos [...] como um sistema trans-
dos genes, mas como uma mudança na distribuição e formacional autorregulado, um esquema piagetiano,
na constituição de sistemas de desenvolvimento (or- mesmo em seus estágios iniciais, se parecerá com o
ganismo-ambiente)” (Oyama, 2000, p. 77). A unida- que os psicólogos cognitivistas chamam de módulo”
de fundamental da evolução assim concebida é o ciclo (Toren, 1999, p. 12).
de vida (Thompson, 2007, p. 188). Esta última pers- 20 Ver, por exemplo, Kirshner e Whitson (1997).
pectiva nos habilita a considerar a natureza histórica * Parece não existir um vocábulo equivalente em por-
dos seres humanos como em conexão imediata com a tuguês. Affordance seria uma qualidade ou condição
teoria evolucionista. Ver também Robertson (1996). de um objeto, ou de um ambiente, que permite a um
16 Para perspectivas mais ou menos radicais que ado- indivíduo realizar uma ação [N. do T.].
tam essa abordagem, ver, por exemplo, Boyer (1994, 21 Para intersubjetividade, ver Trevarthen (1988) e com-
2001), Astuti (2001, 2007) e Tremlin (2006). Whi- parar suas contribuições com Braten (1998) e Rumsay
tehouse (2000, 2004) adota uma abordagem um pou- (2003).
co diferente, embora relacionada. Sua hipótese é de
22 Sobre a antropologia da consciência, ver Throop e
que os sistemas religiosos funcionam de acordo com
Laughlin (2007).
dois modos diferentes de transmissão religiosa – um
imagístico e um doutrinal. Os dois indicam diferen- 23 Ver, por exemplo, Toren (2007, 2009, 2011).

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