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Marcio Farias
Resumo
Parte I
1
Apesar de sua obra não figurar entre as mais destacadas análises que estudam o pensamento social
brasileiro, Clóvis Moura é bastante prestigiado pelos pesquisadores que estudam a questão das relações
raciais no Brasil. Dada a amplitude de seus estudos, pesquisadores das mais diversas áreas das ciências
humanas tem nos escritos de Moura subsídios para estudos sobre o tema das relações raciais no Brasil.
Clóvis Moura também é autor de destaque entre as referências teóricas do movimento negro que travam
suas lutas e ateiam as bandeiras nos setores de esquerda (grupos como Kilombagem do ABC, Força Ativa
da Cidade Tiradentes, Círculo Palmarino, Unegro, Uneafro , entre outros).
Francisco de Assis Moura, teve como bisavô pelo lado materno um barão do
império prussiano, Ferdinando vön Steiger, e pelo lado paterno a avó Carlota,
escrava de seu avô, que era senhor de engenho na zona da mata
pernambucana (Mesquita, 2003).
Moura mudou-se com a família para Natal, capital do Rio Grande do Norte,
onde residiu de 1935 a 1941. Parte dos seus estudos ocorreu no Colégio Santo
Antônio, administrado por padres Maristas 2. É desse período seu envolvimento
com política e literatura, duas paixões as quais ele se dedicou durante toda a
vida. Muito jovem fundou, à revelia dos padres Maristas, o Grêmio Cívico-
Literário 12 de Outubro, onde eram realizadas reuniões semanais para
discussão de literatura e política. O grêmio possuía também um jornal de nome
O Potiguar, dirigido por Clóvis Moura, no qual publicou seu primeiro artigo não
literário, que versava sobre a Inconfidência Mineira. Ele e seu irmão se
mudaram para Salvador em 1942, quando tinha 17 anos (Mesquita, 2003).
Por conta desse revés político, Moura se transferiu para São Paulo em 1949,
onde integraria a Frente Cultural do PCB, organismo que reunia Caio Prado
Júnior, Villanova Artigas, Artur Neves, dentre outros intelectuais. Além de
militar no PCB, Moura atuaria profissionalmente como jornalista, trabalhando
para Samuel Wainer e posteriormente para Assis Chateaubriand nos Diários
Associados. Concomitante a sua atividade profissional, pesquisava história, em
particular sobre a rebeldia negra no tempo da escravidão, tendo como objetivo
demonstrar o importante e ativo papel do negro na formação da nação, não só
do ponto de vista cultural, muito abordado naquele momento, mas — e
principalmente — social, se desdobrando para os planos políticos e econômico.
2
Em recente texto, escrito para o encarte especial da Revista Principio: Clóvis Moura: pensador das
raízes da opressão e do protesto negro no Brasil, a historiadora Soraya Moura, filha de Clóvis Moura,
relata que seu pai sempre comentava seu afastamento de doutrinas religiosas muito por conta da
experiência “traumática” quando estudante de colégio confessional.
Em 1959 publicou seu primeiro e marcante livro, Rebeliões da Senzala, uma
interpretação marxista da escravidão no país pelo viés da resistência escrava
(Mesquita, 2003).
Após sua saída do PCB, Clóvis Moura nunca mais integrará as fileiras de
nenhum partido, mantendo apenas um bom diálogo com a fração que participa
do “racha” do partidão e que em 1962 funda o PC do B. Da década de 1960 até
a década de 1980, Moura se dedica aos estudos, participação em congressos,
elaboração de artigos para revista cientificas, jornais e revistas, além da
publicação de algumas obras de importância singular para os estudos sobre
relações raciais no Brasil e para o pensamento social brasileiro.
4
O Movimento negro unificado (MNU) surge em meados do ano de 1978 como uma frente ampla que
unificou vários setores da luta antirracista. A mola propulsora dessa organização foi o assassinato do
trabalhador negro Robson Silveira da Luz, no mês de maio daquele ano, por policiais no bairro de
Guaianases, bairro localizado no extremo leste da capital paulista.
obra: Negro, de bom escravo a mau cidadão?(1977). Aqui há uma elaborada
discussão sobre a presença negra na América Latina com ênfase na
Revolução Haitiana. Explicitamente influenciado por C.R.M. James autor da
obra clássica de análise da revolução haitiana Os Jacobinos Negros (1944),
Clóvis Moura apresenta uma discussão inovadora sobre o processo de
independência da colônia francesa de maioria negra, que foi a única revolta
bem sucedida de escravizados no mundo inteiro. Para Moura, ainda que pese
a importância de uma elite negra letrada consciente dos desígnios de um
processo de independência e formação de uma sociedade moderna, a massa
dos escravizados foi muito importante na tomada de poder e vitória dos
colonizados. A mediação que possibilitou, segundo Moura, aos escravizados
tomarem consciência do processo histórico e exercerem um papel decisivo na
revolução foi a religiosidade. Foi o Vodu praticado pelos escravizados que
restitui a condição psicossocial desses sujeitos e forjou uma possibilidade aos
escravizados de negarem a condição imposta pelo julgo colonial e efetivarem
um processo de ruptura radical.
Vou me valer de mais uma citação direta (ainda que entenda como exaustivo
para o leitor esse recurso) pois entendo que estes trechos explicam não só a
importância desse volume da obra mouriana, mas, sobretudo porque sintetiza
ideias centrais do conjunto do pensamento deste autor. Nessa introdução,
Moura ainda afirma:
Afirma ainda:
Parte II
Sobre a gênese da Teoria social marxista existe uma série de divergências
teóricas. Algumas obras do período que compreende 1843 – período que
compreende o lançamento da Crítica a filosofia de Hegel e “A ideologia Alemã”
1846- só foram tornadas acessíveis ao grande público a partir da segunda e
terceira décadas do século XX. No ensaio “Considerações sobre o marxismo
ocidental”, Perry Anderson propõe uma sistematização das gerações pós-
marxista, abordando questões de temática e conteúdo de cada grupo. Naquilo
que Anderson chamou de “geração revolucionária” que era composta por
Lênin, Rosa Luxemburgo, Trotsky, Stalin e outros, nenhum deles teve contato
com obras centrais na compreensão do legado teórico marxista como, por
4
Diante da necessidade de expansão do capital monopolista, vários recursos naturais fundamentais
para essa nova fase do capitalismo existiam em abundância no continente africano. Acordados com a
elite africana daquele período, conseguiram enfim adentrar ao continente. Esse processo de dominação
conheceu rapidamente a resistência africana que impediu o franco avanço das nações europeias
imperialista.
exemplo, Os manuscritos econômicos e filosófico e A ideologia Alemã , ambos
lançados na década de 1930.
Conforme Lukács, Marx foi um autor que se propôs a pensar uma ontologia
e não uma ciência lógica, os textos que antecedem a publicação da Miséria da
Filosofia são de extrema relevância para a elaboração da teoria social
moderna. Desconsiderá-las não é apenas negligenciar um período de
amadurecimento das teses marxianas, mas também deixar de lado categorias
de extrema relevância para compreensão do ser social inserido no contexto do
capital, bem como as mediações que esse novo modo de produção colocam
diante dos indivíduos. Miséria da Filosofia é uma obra que teve um impacto
muito relevante no conjunto da obra marxiana, pois a categoria totalidade está
presente pela primeira vez de forma a concatenar o ser social ao modo de
produção do capital. Porém, ainda é uma obra com diversas fraturas quando
comparamos as categorias econômicas desenvolvidas aqui e no Capital. Em
resumo, Miséria da Filosofia, pode ser entendida com uma síntese do período
de estudos de Marx que se inicia em 1843 até 1846. Em outros termos, todo
fenômeno social é determinado em última instancia pelo modo de produção,
ainda que exista uma independência entre os mais variados complexos sociais.
Parte III
Essa posição critica de Moura em relação aos estudos sobre relações raciais
no Brasil já está colocada em sua trajetória intelectual, conforme já
mencionamos, nas obras “Sociologia de la práxis” e “Raízes do Protesto Negro”
em que ele refuta os estudos produzidos na academia justamente pelo seu
caráter técnico e descomprometido com as mudanças radicais necessárias
para o efetivo benefício do conjunto da população oprimida e explorada. Nesse
sentido, Moura afirma:
Sabemos que não serão apenas estudos, livros e pesquisas
sem uma práxis política que irão produzir essa modificação
desalienadora no pensamento do brasileiro preconceituoso e
racista. Mas, de qualquer forma, esses trabalhos ajudarão a que
se forme uma prática social capaz de romper a segregação
invisível mas operante em que vive a população negra no Brasil
(MOURA, 1988, p. 13).
Essa elite de poder que se auto-identifica como branca escolheu, como tipo
ideal, representativo da superioridade étnica na nossa sociedade, o branco
europeu e, em contrapartida, como tipo negativo, inferior, étnica e
culturalmente, o negro. Em cima dessa dicotomia étnica estabeleceu-se,
como já dissemos, uma escala de valores, sendo o indivíduo ou grupo mais
reconhecido e aceito socialmente na medida em que se aproxima do tipo
branco, e desvalorizado e socialmente repelido à medida quase aproxima do
negro (MOURA, 1988, p. 62).
Esses grupos variam nos seus mais diversos objetivos, sendo que Moura
propõe que estas organizações, independente do motivo pelo qual se
aglutinavam,podem ser compreendidos por grupos diferenciados e grupos
específicos.
Ou seja, a relação de distinção entre esses grupos tem a ver com o fato de
que o grupo diferenciado é identificado, enquanto o grupo específico se
identifica. Essa qualidade que adquire o segundo grupo numa sociedade
dividida em classes sociais possibilita a criação de interioridade, identidade e a
partir disso a emergência de valores, ele adquire consciência e percebe que a
sociedade o diferencia, de uma maneira geral ,de forma depreciativa, e
confrontando a isso,”(...) passa a encarara a sua nova marca como valor
positivo, revaloriza aquilo que para a sociedade o inferioriza e sente-se um
grupo específico”.(Moura,1988,p.117)
É nesse contexto da década de 1990 que Clóvis Moura escreve sua obra
mais importante: Dialética radical do Brasil negro. A forma de apresentação
dessa obra volta a ter o caráter hermético de outros momentos da sua trajetória
intelectual. Esse livro apresenta se como uma espécie de tentativa de
reencontrar as frestas para a abertura da janela histórica para a revolução
brasileira. Ainda que nessa obra ele atualize categorias de analises que já
haviam surgido na década de 1980, há nesse momento indiscutivelmente um
estudos minucioso da formação do Brasil, elevando as categorias que outrora
subsidiarão suas pesquisa à um grau teórico rico e sofisticado.
Conclusão
Bibliografia
LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social I. São Paulo: Boitempo, 2012.