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Olá, Jovens.

Esse é o meu primeiro texto para o blog da Dona Senta™, então espero fazer
algo nada menos que a Cleópatra chegando (https://www.youtube.com/watch?
v=A88thSR8qZ0).
O tema de hoje é Stealthing (ou stealth). Pra quem não conhece, é basicamente aquele ato
de tirar o preservativo no meio da transa sem que o outro parceiro note… pelo menos até o
fim do ~coito (depois todo mundo já ~coitado). Sim, é uma grandíssima sacanagem, e
vocês devem estar pensando que tipo de conduta criminosa isso pode acarretar, ou até
mesmo o que fazer depois de ter sido vítima dessa situação. E é por isso que a gente está
fazendo esse post, para alertar os jovens e fomentar o debate.
Antes de mais nada, um disclaimer: nada que vai ser escrito aqui é a NOSSA opinião
pessoal e subjetiva (com o perdão da redundância). A gente tá fazendo um role científico
aqui pra não restar dúvidas e trazer a seriedade que vocês merecem, portanto, as
definições, conceitos e explicações que a gente vai expor aqui foram retiradas da legislação
vigente e dos entendimentos dos tribunais brasileiros. Tá? Tá.
Bom, existem alguns desdobramentos possíveis para a prática do stealthing. Porém, todos
eles tem um detalhe em comum: a intenção do agente em remover o preservativo de forma
ardilosa, sem o consentimento do parceiro. Então, se a camisinha escapuliu nas entranhas
do submundo e NINGUÉM reparou (tipo os episódios em que ela rasga/estoura) nós NÃO
ESTAMOS numa situação de stealth. Parece básico, mas faz toda a diferença na hora de
discutir a criminalidade das coisas.

O que stealthing NÃO é?


Estupro. Parece bem característico de estupro, é claro, por causa do desencontro de
consentimentos que ocorre no sexo sem preservativo. Via de regra, na situação típica de
stealh, o que acontece é o crime de violação sexual mediante fraude (artigo 215 do Código
Penal) - ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude
ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: pena de
reclusão de 2 a 6 anos.
Qual a diferença desse crime para o estupro? O consentimento. No estupro, o
consentimento é desrespeitado; no outro, o consentimento é fraudado. É claro que pode
acontecer da vítima notar em tempo hábil a remoção do preservativo e, a partir daí,
assinalar que não deseja continuar transando. Então, se mesmo assim o agente quiser
forçar o seguimento, aí sim estamos diante de uma situação de estupro. Acontecendo isso,
o crime de estupro absorve o crime de violação sexual e estamos diante de um estuprador.
Deu pra entender que pra coisa escalar pro estupro é necessário uma série de detalhes e
intenções, né? Por isso que eu falei ali em cima da intenção do agente.

Que outras consequências o Stealthing pode gerar?


Bom, de acordo com a Lei Maria da Penha, essa prática poderia transformar o assunto em
matéria de violência doméstica, o que traria toda uma seriedade processual pro incidente.
Haveria inquérito policial, possibilidade de medidas protetivas e encaminhamento do
processo para a Vara da Violência Doméstica. Podemos falar só sobre violência doméstica
e suas repercussões em um outro momento, talvez? ;)
Outro desdobramento possível é a questão de exposição a contágio de infecções
sexualmente transmissíveis. É o que diz o artigo 130 do Código Penal: Expor alguém, por
meio de relações sexuais ou qualquer outro ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea,
de que sabe ou deve saber que está contaminado: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um)
ano, ou multa. Se é intenção do agente transmitir a moléstia: reclusão, de 1 (um) a 4
(quatro) anos, e multa. O ponto interessante deste crime em especial é que independe se a
vítima foi contaminada ou não. A merda conduta do agente é suficiente. A questão sobre ele
ter intenção de contaminar ou não, vai precisar ser comprovado de alguma forma. Às vezes
até uma conversa de corredor é suficiente, basta que alguém testemunhe o que ouviu.
E se a exposição resultar em contágio de HIV? Bom, daí nossos tribunais entendem que
não se aplica o crime de exposição a doença venérea, mas sim, lesões corporais graves,
por tratar-se de doença incurável.

Mas Ciri, passei por essa treva semana passada, e agora?!?!


Bom, em primeiro lugar é importante explicar que vivemos em um Estado Democrático de
Direito. E o que diabos isso significa? Bom, tem trocentas coisas que se desenrolam disso,
mas pra nós aqui só uma delas é relevante: todos são inocentes até que se prove o
contrário. Portanto, a treta acaba caindo muitas vezes naquele lance de "a minha palavra
contra a dele". Como eu disse ali acima, às vezes uma testemunha que tenha ouvido o
Desgraça comentar que andou aprontando já serve como prova.
Então, que conselho/estratégia eu recomendo? O mesmo que se faz em casos de estupro.
Deve-se procurar a polícia IMEDIATAMENTE. Formalizar um boletim de ocorrência policial
e solicitar um encaminhamento ao departamento médico legal mais próximo (ou hospital
que supra essa demanda em cidades em que não haja um). Lá poderá ser realizada a
perícia que vai verificar e confirmar a conjunção carnal. Sim, eu sei, é estressante e
constrangedor. Agora imagina as milhares de mulheres que passam por isso todos os dias.
E já aviso, é possível que a pessoa que te atender no balcão da delegacia seja um
Noronha™ (aquele sujeito que mais parece um bixeiro do que um policial e que
provavelmente já poderia ter se aposentado há décadas mas se recusa a passar a vaga e
vai te atender com AQUELA disposição), então ele pode ser que ele vá dificultar o teu
acesso a perícias. Caso isso aconteça, pega o B.O. e vai por conta numa UPA ou hospital e
não sai de lá até que alguém te atenda com o devido protocolo de estupro. Pode dizer que
fui eu quem mandou ahtri (mas sério, um advogado pode ajudar, ainda mais um advogado
amigo).
Bom, acho que por enquanto era isso o que eu tinha que conversar com vocês sobre o
tema. Ficaram com dúvidas? Falei alguma besteira e nem vi? Por favor, escreve pra nós
com teu feedback. Nem sei por onde se faz isso, se virem <3
beajs

Ciri é advogado criminalista em Porto Alegre, lojista de shopping, produtor musical, téc. em
radiologia e cambista de ingressos do circo romano.
ig: @ciri_for_president

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