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A importância da linguagem científica

Quando falamos em letramento científico, geralmente, logo pensamos em método. Isso ocorre
devido ao fato da ciência ter um lado empírico bastante próprio, voltado mais para o aspecto prático: a
elaboração e a condução de experimentos, a tomada de evidências, a obtenção de medidas de grandezas
para a confirmação ou negação de uma hipótese etc. Contudo, a linguagem tem grande importância, pois é
ela que garante a inteligibilidade no compartilhamento dos resultados de uma pesquisa, como
observaremos mais adiante.
Em uma divulgação científica, indiferente de qual suporte ou gênero, as palavras devem apresentar
significado preciso e as relações entre elas muito específicas. Tomemos, por exemplo, a palavra eletricidade.
Muitas vezes falamos: “este material é conduto de eletricidade”, ou “cuidado com eletricidade desta
tomada”, ou ainda “este objeto está carregado com eletricidade”. Apesar dessas construções comunicarem
um sentido nas interações do cotidiano, cientificamente, elas estão todas equivocadas, pois eletricidade é a
área da Física responsável pelo estudo de fenômenos associados a cargas elétricas.
Nos exemplos anteriores, expressões como corrente elétrica, tensão elétrica e cargas elétricas,
respectivamente, seriam mais assertivas. Isso quer dizer que a escolha-e-uso das palavras é parte do
entendimento e interpretação que damos de um fenômeno natural. Logo, concluímos que linguagem e
pensamento caminham de mãos dadas, como vemos no cartum abaixo:

Fonte: HARRIS, Sidney. The American Scientist Magazine, 1980 (tradução nossa)

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Vamos a outro exemplo? Pensemos no seguinte processo físico: “a mudança na velocidade de uma
onda ao atravessar a interface entre dois meios transparentes, como ar e água”. Todo esse enunciado pode
ser condensado em uma único vocábulo: refração. Convém destacarmos que, se por um lado, todo o
fenômeno é resumido em um substantivo; por outro, guarda em si uma ideia científica, razoavelmente,
complicada e que se constrói a partir da relação com outras palavras: mudança, velocidade, interface, meio.
Um outro ponto que merece ser ressaltado é que alguns desses termos científicos, como mudança, por
exemplo, também são usados no cotidiano, o que gera uma variação e até confusão de sentido.

A linguagem científica na sala de aula

De acordo com alguns teóricos, aprender ciências é aprender uma nova linguagem, e, portanto, cabe
ao professor, desde o início da Educação Básica, oferecer oportunidades aos estudantes para usarem esse
“idioma” durante as aulas, como, por exemplo, explicar um dado fenômeno a partir do emprego de conceitos
(unidades de sentido que definem algo por meio de vocabulário preciso).

Durante a construção de tais explicações, é comum acabarmos trazendo, por meio da linguagem,
“entidades” invisíveis ou até mesmo abstratas, as quais nos fornecem mecanismos para pensarmos
cientificamente. Exemplos:

1. Quando expomos de que forma ocorre a respiração, basicamente, descrevemos um


processo envolvendo pulmão, coração, sangue, veias e artérias, oxigênio e gás carbônico.
Todos esses elementos são materiais, concretos, apesar de alguns não serem perceptíveis
a olho nu.

2. Quando elucidamos sobre a queda dos corpos, lançamos mão da noção de gravidade ou
campo gravitacional, que é uma “entidade” abstrata. Algo similar ocorre ao falar sobre
massa: Se tocamos em um objeto, estamos tocando na matéria, podemos medir a massa ou
quantidade de matéria naquele corpo, mas estamos tocando de fato em sua massa? Ou
seria massa um conceito abstrato que nos ajuda a pensar a resistência dos corpos à
mudança de movimento ou a deformação que eles causam no espaço-tempo?

Possibilitar que os alunos desenvolvam o pensamento científico na escola, a partir dos enunciados
que produzem, é de grande importância na formação humana, pois, além de inseri-los em uma atividade
genuinamente discursiva, como sujeitos ativos-reflexivos, também propicia que eles transformem seus
entendimentos cotidianos em concepções científicas.

Características da linguagem científica

A linguagem científica apresenta certas especificidades, pois, ao se divulgar os resultados de uma


pesquisa, é fundamental que o texto seja o mais claro, preciso, conciso, objetivo, impessoal, imparcial e coeso
possível.

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CLAREZA E PRECISÃO

● eliminar palavras de sentido amplo, vago, indefinido, figurado e ambíguo;

● evitar vocabulário pomposo e de difícil entendimento;

● evitar construções rebuscadas e com informações em excesso;

● optar por frases curtas e sem inversões;

CONCISÃO E OBJETIVIDADE

● evitar prolixidade, generalizações, clichês e redundâncias;

● concentrar no que é essencial e relevante para a exposição dos resultados;

IMPESSOALIDADE E IMPARCIALIDADE

● eliminar expressões carregadas de subjetividade;

● optar pela terceira pessoa do singular, com destaque para a voz passiva;

● focar na observação e na descrição;

COESÃO E CONTINUIDADE

● encadear as ideias, transmitindo-as na sequência lógica;

● utilizar conectivos adequado à explicação, à argumentação ou à conclusão;

COERÊNCIA E UNIDADE

● conectar as informações de modo que não seja um amontoado de palavras sem sentido;

● atentar-se a taxonomia do vocabulário técnico, que segundo Wellington e Osborne


(2001), divide-se em:

nomes: denotam objetos reais, observáveis e identificáveis, como traqueia, tórax,


vértebra, menisco, saliva ou íris;
processos: referem-se aos fenômenos, como evaporação, condensação, fotossíntese,
combustão e evolução, e
conceitos: indicam concepções com maior grau de abstração em relação às demais,
como energia, pressão, volume, temperatura, calor.

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Exemplo:

O esmerado estudo químico do caule da espécie Melaleuca alternifolia por nós realizado no presente
trabalho resultou no isolamento e na caracterização de seus constituintes principais, tais como as seguintes
substâncias: o ácido 3,3’-O-dimetilelágico.


O esmerado estudo químico do caule da espécie Melaleuca alternifolia por nós realizado no presente
trabalho resultou no isolamento e na caracterização de seus constituintes principais, tais como as seguintes
substâncias: o ácido 3,3’-O-dimetilelágico.


O estudo químico do caule da Melaleuca alternifolia resultou no isolamento e na caracterização do
ácido 3,3’-O-dimetilelágico.

BIBLIOGRAFIA:

WELLINGTON, J.; OSBORNE, J. Language and literacy in science education. Buckingham: Open
University Press, 2001

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