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A Evolução Dos Materiais. Parte II A Contribuição Das Civilizações Pré-Colombianas - Navarro
A Evolução Dos Materiais. Parte II A Contribuição Das Civilizações Pré-Colombianas - Navarro
br/revista
Resumo:
Neste trabalho são enfocadas as três principais civilizações pré-colombianas nas Américas e explicitadas as mais
evidentes contribuições dessas civilizações para a Ciência e Engenharia de Materiais. A parte I desta serie sobre a
evolução dos materiais foi publicada no Volume 1, Numero 1 desta revista, onde consta uma retrospectiva que vai da
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Abstract:
In this work it was presented the three main pre-Colombian civilizations in Americas and explain the most evident
contributions of these civilizations to the Materials Science and Engineering. The part I of this series about materials
evolution was published in the Volume 1, Issue 1 of this journal, where is shown a retrospective from Stone Age to
†
Keywords: Materials; materials history; pre-Colombian civilizations
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E-mail: romulonavarro@oi.com.br (R. F. Navarro)
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dentre eles o algodão. O plantio era feito em nada na Europa como as pontes do Peru. Os
terraços e já usavam a adiantada técnica das curvas cronistas escreveram que os soldados espanhóis
de nível, sendo os primeiros a usar o sistema de tiveram receio antes de caminhar sobre as pontes de
irrigação [3]. A aração da terra era feita com ajuda cabos de fibras trançadas, suspensos através de
de varas afiadas e arados de material não-ferroso. gargantas profundas nos Andes, pois, ao vergarem e
Embora a lhama fosse usada para transporte das balançarem, elas pareciam passarelas bastante
colheitas, ela era a principal fonte de couro e, frágeis [6]. Ao contrário, as pontes suspensas foram
principlamente, de lã para fazer tecidos, mantas e vitais no estabelecimento do vasto império inca, nos
cordas. Andes, durante centenas de anos antes da chegada
Os incas gostavam de se adornar e de se vestir do conquistador espanhol em 1532. O povo que não
bem. Quanto mais ricos em detalhes e elaborados os tinha desenvolvido o arco de pedra ou transportes
tecidos mais dispendiosos e caros, acabando por com rodas, especializou-se de forma fantástica no
demonstrar o nível social do usuário. Os incas, que uso de fibras naturais para fabricar tecidos, barcos,
usavam gorros de lã com cores para designar a armas de funda, mantendo, inclusive, um inventário
origem de quem a usava, mostravam ter por meio de um sistema de pré-escrita com base em
conhecimento da técnica de tingimento, nós. Essas pontes feitas de cordas de fibra, algumas
provavelmente pelo uso de corantes minerais. Os tão grossas como o tronco de um homem (ver
homens dessa civilização usavam muito mais jóias Figura 3), foram a solução tecnológica para o
do que as mulheres; os mais ricos usavam pulseiras problema do caminho percolado de terrenos ásperos
de ouro e da famosa prata Potosi (veja tópico a e vales profundos.
seguir) e brincos enormes – quanto maior o brinco
mais importante era a pessoa que o usava [5].
pedra calcária, abundante na maior parte do trabalhados, para produção dos blocos menores,
território maia. Em geral, as pedreiras se geralmente placas planas, usados nas construções
localizavam fora da cidade, próximas aos locais [11].
onde podiam ser retirados os blocos que seriam
Figura 7. Detalhe do território, com destaque para os pontos arqueológicos mais importantes da
civilização maia [10].
Os maias também utilizaram argamassas em embora seja utilizado para a produção de redes e
suas edificações. Essas argamassas eram obtidas a sandálias.. De fato, antes da invenção de fibras
partir da queima da pedra calcária, em um processo sintéticas, a maior parte das cordas de barco do
muito técnico. Tal processo consistia em justapor mundo era feita de Ixtle. Duas espécies de agave,
camadas de pedra calcária e de madeira, em troncos sisal e pita, eram usadas em regiões diferentes. Em
ou vazadas, que depois eram queimadas, Yucatan, as folhas de agave eram aquecidas sobre
produzindo a argamassa. Para os maias, a aparência fogueiras, posteriormente tinham a polpa
exterior dos seus edifícios era muito mais dilacerada, eram então lavadas e secadas e
importante do que o interior. Os templos tinham encaminhadas para a produção de fios.
coberturas bastante elaboradas [12], com a O malacatl é usado para girar o algodão e a lã.
argamassa sendo também utilizada para refinar o O fuso é uma vara de madeira fina, apontada em
acabamento do exterior dos edifícios, revestir os ambos os fins com um verticilo de pedra no fim
pisos e fazer esculturas. A argamassa foi de grande mais baixo. O fim ponderado do fuso é colocado
ajuda para a preservação dos produtos maias, em um cabaço secado para guardá-lo no lugar. A
mesmo que, em áreas mais úmidas, o estuque tenha mulher mantém a fibra em uma mão e usa o outro
se deteriorado precocemente [11]. para virar o fuso. O passo é gradualmente a ferida
Dada às características climáticas, os maias para o fuso. Um método mais rápido que usa dois
tiveram que desenvolver uma técnica peculiar de de madeira ou rodas de bicicleta também é
tecelagem. Antes da conquista pelos espanhóis, o empregado para girar o fio.
algodão era usado exclusivamente pela elite da Ainda no tocante ao ferramental, os antigos
sociedade maia. Conseqüentemente, a maioria de maias não usavam instrumentos metálicos, porque
população teve que explorar outras fibras vegetais, esses materiais não ocorriam normalmente na área
para criar artigos de vestuário. As fibras vegetais na qual se estendia seus territórios. Dessa forma, os
tradicionais mais importantes usadas na criação de instrumentos com que eles trabalharam eram
tecidos são as da espécie do Agave - há evidência bastante simples, como fogo e machados de basalto
do agave usado para o bordado em fragmentos de sobre a madeira. Como o fogo era muito
tecido do Cenote do Sacrifício em Chichen Itza. imprevisível, eles preferiam machados de basalto,
Atualmente conhecida como Ixtle, essa fibra é objetivando um pouco mais precisão. No trabalho
principalmente usada para a produção de corda, com a pedra, eles usaram instrumentos feitos de
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sílex, obsidiana, granito, pedra calcária e quartzito, fragmentos de murais em vários sítios maias
também usaram a tecnologia "do prumo bob" para permitiu a determinação da origem da fonte de cada
aferir a exatidão do alinhamento vertical [12]. uma delas na produção do azul maia, tendo em
vista que as argilas de diferentes regiões podem
3.2. O pigmento azul Maia conter impurezas diferentes e podem ter estrutura
variada. Como exemplos, há o caso de uma amostra
O uso primário de fibras vegetais e seus de paligorsquita (chamada de sak-lum na língua
processos de fiação e tecelagem, apesar de maia), originária da península de Yucatan, que
importantes, não foram tão importantes, como indica apenas a presença de dolomita como uma
contribuição à evolução dos materiais, como o impureza; já a encontrada na região de Totonaca
famoso Azul Maia, cujo principal segredo foi apresenta calcita muito mais do que dolomita como
desvendado em trabalho publicado no fim do século impureza. Pode-se concluir que, como as argilas
XX por Pollet et al [13]. são diferentes, não houve comércio de argila, mas
Apesar da abundância de cores presentes em houve transferência do segredo da produção do azul
murais e em outros objetos encontrados em antigos maia.
sítios mais, uma peculiar tonalidade do azul tem Já naquela época, havia uma clara intenção da
chamado a atenção de pesquisadores. Essa cor azul, disseminação da tecnologia como forma de
parecendo-se com aquela do Mar do Caribe, passou promoção e progresso da comunidade. Mais a mais
a ser conhecida como "Azul Maia". Contudo, o importante contribuição é o fato de que o azul maia
pigmento é encontrado não só em pinturas de é um material cuja estabilidade sem precedente é
parede e cerâmica de sítios maias, mas, também, conseguida se a presença de metais pesados. Isto é
em muitas outras localizações na América Central. de extrema importância para a indústria de tintas e
Assim, há questões não-respondidas quanto ao fato de pigmento, que anualmente consome grandes
da ocorrência de transferência de tecnologia, por quantidades de metais estrategicamente importantes
parte dos maias, a outras culturas ou se outras e ambientalmente degradantes. A substituição
culturas descobriram esta tecnologia de forma desses pigmentos metálico-ferrosos por outros
independente. como o azul maia, certamente, melhoraria muito a
O pigmento não é um mineral de cobre e não situação ambiental atual e resultaria em economia
tem nenhuma relação a o natural e ultramarinha considerável em metais estratégicos.
terra ou Lápis-lazúli ou Lazurite como
originalmente pensado [13]. O Azul Maia é 4. Civilização Asteca
composto de paligorsquita e de um pigmento
orgânico natural (índigo), tendo uma estabilidade 4.1. Aspectos gerais e materiais usados no
sem precedente quando exposto a ácido, álcalis, cotidiano
solventes além de resistir à biodegradação.
Embora a técnica exata que o povo maia O povo asteca, ou mexica, vagou por cerca de
empregou para sintetizar uma tinta tão sofisticada 200 anos pela América Central até escolher o local
permanece um enigma, é possível executar um sagrado onde seria construída, conforme predição
método semelhante em um laboratório. Todavia, de sarcedotes, a capital de seu fantástico império.
ainda não se sabia a razão pela qual o complexo Uma pequena ilha no interior do lago Texcoco foi
argila/índigo impunha ao material a estabilidade escolhida para a construção de Tenochtitlán, sob
verificada, o que foi desvendado por Polette et al cujas ruínas foi edificada a Cidade do México, atual
[13]. Os resultados produzidos por métodos capital do país.
computacionais e investigações estruturais por meio Antes da capital, floresceu a cidade de
de difração de Raios-X, de fonte síncroton, Teotihuacán, que em seu apogeu, entre 450 e 650
forneceram as primeiras evidência da presença do de nossa era, constituiu-se na maior concentração
índigo nos canais da paligorsquita, sobretudo, das humana na América Central pré-colombiana, com
ligações químicas que mantiveram unidas as cerca de 100 mil habitantes distribuídos em seus
moléculas durante séculos. quase 23 km2 de área. Mas foi a partir da fundação
A análise de dados de síncroton permitiu ainda a da capital, em 1325, até a destruição pelos
elucidação da origem do material inicial usado invasores espanhóis em 1521, que o império asteca
pelos maias e, além disso, entender como ocorreu a floresceu, atingindo vasto território como mostrado
transferência de tecnologia. A obtenção refinada da na Figura, baseado em construções de cidades com
estrutura da paligorsquita encontrada em impressionante organização, com largas avenidas
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O grande orgulho do povo e dos dirigentes uso como material estrutural ou ferramenta – o
astecas era o seu comércio interno, ao qual o aparecimento tardio do cobre e do ouro destinou-se,
imperador Montezuma chamava de maravilha do apenas, ao uso como jóias e objeto de culto. Os
império [15]. Segundo Stierlin [14], os astecas não astecas preferiam pedras verdes – turquesa e jade –
conheciam o metal, pelo menos no que se refere ao ao ouro no preparo de objetos decorativos e jóias
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(ver Figura 10). De acordo com Marcilly [15], os látex da seringueira. Assim como souberam
astecas não ultrapassaram tecnicamente a idade da observar quanto a mastigação do chiclete era
pedra, pois o ferro lhes era desconhecido. Tanto agradável e dava brancura aos dentes, também
que, para fazer explodir as rochas, eles introduziam conseguiram reduzir o leite da seringueira e fazer
cunhas de madeira em rachaduras, molhavam dele um látex endurecido [15].
depois para, com o inchamento da madeira, A borracha, logo utilizada para a feitura de
produzir fendas maiores. Os demais instrumentos bolas para o jogo de péla asteca, para muitos o
eram de pedra, cuja dureza estava de acordo com a antecessor do futebol atual, era monopólio
finalidade: martelos de basalto (rocha vulcânica industrial e comercial dos pochtecas, negociantes
vítrea), picaretas de diorito (rocha de textura responsáveis, em grande parte, pela pujança do
granular), cinzéis de obsidiana. império asteca.
Em seus grandes mercados, destacavam-se Embora as propriedades notáveis da seringueira
utensílios de sílex e obsidiana – como se ainda fossem conhecidas aos astecas e, provavelmente, de
estivessem na idade da pedra, ao lado de outros outros povos americanos, a borracha só foi
confeccionados com a maravilhosa cerâmica conhecida na Europa após a descoberta do chamado
policromada, utilizados em dias de festa (ver Figura Novo Mundo.
11)[16]. Pietro Martyre d'Anghiera, capelão do tribunal
de Ferdinand do Aragão, Castile e Leon, fez o
4.2. A Borracha primeiro registro escrito da goma elástica em seu
livro De Orbo Novo [17]. Nele, ele descreveu um
Inegavelmente criativos, os astecas foram jogo praticado por crianças astecas que usam bolas
responsáveis pela criação ou descoberta de muitos de borracha, destacando a espantosa capacidade das
tesouros, todos originários dos vegetais ou práticas bolas de saltar ao ar depois de ser lançado de
agrícolas. Das delícias do milho ao chocolate, vindo encontro à terra.
das favas do cacau, chega-se à goma do tzictl e ao
Em 1615, aproximadamente 100 anos depois, [14] Stierlin, Henri. Teotihuacán: a morada dos
outro espanhol, Juan de Torquemada, em seu livro deuses, História Viva, junho, 2007.
Monarquía Indiana [18], descreveu como os astecas [15] Marcilly, Jean. Grandes Civilizações
faziam incisões no caule da seringueira e extraíam o Desaparecidas - A Civilização dos Astecas,
leite ou a seiva que gotejava. Quando seco, este Editions Ferni, Rio de Janeiro, 1978.
leite de borracha também era usado para fazer [16] Acosta, Rosario. AVida na Monumental
garrafas e solados de calçado, em processo que Tenochtitlán, História Viva, junho, 2007
mostrava um conhecimento técnico superior aos de [17] MacNutt, Francis Augustus, De Orbe Novo,
nossos atuais seringueiros, cuja ação principal é Volume 1,The Eight Decades of Peter Martyr
produzir enormes cilindros de borracha defumada D'Anghera, e-book, 2004.
para processamento futuro. [18] Torquemada, Juan de. Monarquía Indiana. De
los veinte y un libros rituales y monarquía
Referências indiana, con el origen y guerras de los indios
occidentales, de sus poblazones,
[1] Bauer, B. S., The Development of the Inca descubrimiento, conquista, conversión y otras
State, 1st. Ed., University of Texas Press, cosas maravillosas de la mesma tierra.
Austin, 1992. Universidad Nacional Autónoma de México
[2] Bauer, B. S., The Sacred Landscapes of the (UNAM) México, 1975.
Inca: The Cusco Ceque System, 1st. Edition,
University of Texas Press, Austin, 1998. Ilustrações
[3] Cobo, B., History of the Inca Empire. An
account of the indians’ customs and their origin Todas as ilustrações foram obtidas do banco de
together with a treatise on the inca legends, imagem do buscador Google
history and social institutions, University of (http://images.google.com.br/).
Texas Press, Austin, 1979.
[4] Cobo, B., Inca Religion and Customs, 1st. Ed.,
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[5] Malpass, M.A., Daily Life in The Inca Empire,
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1996.
[6] Canseco, M. R. de Diez , History of the Inca
Realm, Cambridge University Press,
Cambridge, 1999.
[7] Hanke, L., The Imperial City of Potosi: An
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[8] Lopez-Morillas, F. M. Tales of Potosi:
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[9] Bakewell, P., Miners of the Red Mountain:
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[10] Guirao, P., O Enígma dos Maias, Hemus, São
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[11] Benson, Elizabeth P. The Maya World. New
York: Thomas Y. Crowell Company, 1967.
[12] Stierlin, Henri. Living Architecture: Mayan.
New York: Grosset & Dunlap, 1964.
[13] Lori Polette, Norma Ugarte and Russell
Chianelli , In-Situ Identification of Palygorskite
in Maya Blue Samples Using Synchrotron X-
ray Powder Diffraction, Scientific American
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