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VIGOTSKI E A ESCOLA ATUAL:

fundamentos teóricos e
implicações pedagógicas

2 a edição

Sueli Guadelupe de Lima Mendonça


Stela Miller
organizadoras

junqueira&marin
editores
Coordenação: Prof. Dr. Dinael Marin
Produção: ZEROCRIATIVA
Revisões: Maria Aparecida Boschi Ribeiro
Impressão: Gráfica Viena

Conselho Editorial da Junqueira&Marin:

Profa. Dra. Alda Junqueira Marin


Prof. Dr. Antonio Flavio Barbosa Moreira
Profa. Dra. Dirce Charara Monteiro
Prof. Dr. José Geraldo Silveira Bueno
Profa. Dra. Luciana Maria Giovanni
Profa. Dra. Maria das Mercês Ferreira Sampaio
Profa. Dra. Maria Isabel da Cunha
Prof. Dr. Odair Sass
Profa. Dra. Paula Perin Vicentini
Profa. Dra. Suely Amaral Mello

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

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V741
2.ed.

Vigotski e a escola atual : fundamentos teóricos e implicações pedagógicas /


Sueli Guadelupe de Lima Mendonça, Stela Miller, organizadoras. - 2.ed. revisada. -
Araraquara, SP : Junqueira&Marin ; Marília, SP : Cultura Acadêmica, 2010.

Conferências e palestras proferidas em jornadas do Núcleo de Ensino da Faculdade


de Filosofia e Ciências, UNESP, Campus de Marília, a saber: a II Jornada,
realizada de 05 a 06 de agosto de 2003, com o tema: Vygotsky e a escola atual:
implicações no fazer pedagógico, e, a III Jornada, realizada de 19 a 22 de
outubro de 2004, com o tema: A teoria histórico-cultural e a produção do conhecimento.

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-86305-82-5

1. Vigotsky, L. S. (Lev Semenovich), 1896-1934. 2. Educação - Filosofia. 3.


Educação - Aspectos sociais. 4. Psicologia educacional. I. Mendonça, Sueli
Guadelupe de Lima. II. Miller, Stela.

10-4005. CDD: 370.1


CDU: 37(01)

12.08.10 23.08.10

DIREITOS RESERVADOS

JUNQUEIRA&MARIN EDITORES
J.M. Editora e Comercial Ltda.
Rua Voluntários da Pátria, 3238
Jardim Santa Angelina
Fone/Fax: (16) 3336-3671
CEP 14802-205
Araraquara - São Paulo - Brasil
www.junqueiraemarin.com.br

Esta edição recebeu apoio da “Cultura Acadêmica” por meio da Faculdade de Filosofia e Ciências
- UNESP - Campus de Marília.

Proibida a reprodução total ou parcial desta edição, por qualquer meio ou forma, em língua portuguesa
ou qualquer outro idioma, sem a prévia e expressa autorização da editora.

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO
I ................ Sueli Guadelupe de Lima Mendonça & Stela Miller

PRIMEIRA PARTE:
FUNDAMENTOS DA TEORIA
HISTÓRICO-CULTURAL

FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS MARXISTAS DA


OBRA VIGOTSKIANA: A QUESTÃO DA CATEGORIA DE
ATIVIDADE E ALGUMAS IMPLICAÇÕES PARA
O TRABALHO EDUCATIVO
3 ....................................................... Betty Antunes de Oliveira

ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS QUE


DISTANCIAM A PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA
VIGOTSKIANA DO CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO
27 ........................................... Sueli Terezinha Ferreira Martins

IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS DA ESCOLA


DE VIGOTSKI: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
49 ............................................................. Lígia Márcia Martins

SEGUNDA PARTE:
IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS
DA ESCOLA DE VIGOTSKI

A MEDIAÇÃO DA PSICOLOGIA
HISTÓRICO-CULTURAL NA ATIVIDADE DE
PROFESSORES E DO PSICÓLOGO
65 .................................................. Elenita de Ricio Tanamachi
A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA SUBSIDIANDO
A REFLEXÃO DA QUESTÃO CULTURAL NA
EDUCAÇÃO ESCOLAR
85 ....................................... José Roberto Boettger Giardinetto

VIGOTSKI E O PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM:


A FORMAÇÃO DE CONCEITOS
123 ........................................... Marilda Gonçalves Dias Facci

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E A
PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
149 ........................................................................... Adil Poloni

PALAVRAS GRÁVIDAS E NASCIMENTOS DE


SIGNIFICADOS: A LINGUAGEM NA ESCOLA
169 ....................................................... Dagoberto Buim Arena

A APROPRIAÇÃO DA ESCRITA COMO


UM INSTRUMENTO CULTURAL COMPLEXO
181 ............................................................. Suely Amaral Mello

CONTRIBUIÇÕES DE VIGOTSKI
PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL
193 ............................................................. Suely Amaral Mello
APRESENTAÇÃO

Sueli Guadelupe de Lima Mendonça


Stela Miller

Os textos desta coletânea são artigos


referentes a conferências e palestras proferidas
durante duas jornadas do Núcleo de Ensino da
Faculdade de Filosofia e Ciências — UNESP — Campus
de Marília, a saber, a II Jornada, realizada de 05 a 06
de agosto de 2003, com o tema “Vygotsky (1) e a escola
atual: implicações no fazer pedagógico” e a III Jornada,
realizada de 19 a 22 de outubro de 2004, com o tema
“A teoria histórico-cultural e a produção do conhecimento”.
Esses dois eventos resultaram de um trabalho
coletivo de discussão e organização realizado pelo Grupo
de Pesquisa “Implicações pedagógicas da teoria
histórico-cultural” e pelo Núcleo de Ensino da
Faculdade de Filosofia e Ciências.
Pôr em discussão a teoria histórico-cultural e,
em particular, o pensamento de um de seus principais
representantes, Vigotski, foi uma opção feita pelos
organizadores das referidas jornadas, para
disponibilizar uma discussão aberta ao público a respeito
de uma teoria que vem ampliando o debate acerca de
temas fundamentais na área da psicologia do
desenvolvimento, com consequências importantes para
o encaminhamento dos processos educacionais, em
especial os que se referem à educação escolar.
Embora seja o mais conhecido representante
dessa teoria, Vigotski deve ser compreendido no quadro
mais amplo de suas relações com dois outros teóricos,
Luria e Leontiev, com os quais formava a chamada
“tróica intelectual”, cuja influência foi decisiva para
traçar os rumos da história da psicologia soviética (2).
Juntos,

estudaram desde processos neurofisiológicos até


relações entre o funcionamento intelectual e a

I
cultura da qual os indivíduos fazem parte,
trabalhando muito intensamente não só com
temas de psicologia do desenvolvimento, mas
também com as relações entre linguagem e
pensamento. Com tal extensão teórica, sua obra
traz implicações para as áreas da neurologia,
psiquiatria, educação e linguagem que não
podem, de forma alguma, ser ignoradas. (3)

Os fundamentos marxistas da obra de Vigotski


constituem outro ponto importante a ser considerado
para maior compreensão de sua produção teórica. Na
busca por uma psicologia digna desse nome, dizia
Vigotski, é preciso “construir uma ‘teoria mediadora’
que seja para a psicologia aquilo que o materialismo
histórico é para as ciências sociais. (...) Para Vygotski,
essa elaboração mediadora é a teoria histórico-cultural
do psiquismo.” (Grifos no original.) (4) Pela hipótese
central dessa teoria, “a atividade psíquica
especificamente humana seria a interiorização das
relações sociais sob a forma que essas relações se
revestem dentro de uma cultura dada.” (Grifos no
original). (5)
Este livro está organizado em duas partes. A
PRIMEIRA PARTE focaliza os aspectos mais amplos
da teoria histórico-cultural sob a denominação de
“FUNDAMENTOS DA TEORIA HISTÓRICO-
CULTURAL”. Inclui os artigos: “Fundamentos filosóficos
marxistas da obra vigotskiana: a questão da categoria de
atividade e algumas implicações para o trabalho educativo”
de Betty Antunes de Oliveira; “Aspectos teórico-
metodológicos que distanciam a perspectiva sócio-histórica
vigotskiana do construtivismo piagetiano”, de Sueli
Terezinha Ferreira Martins e “Implicações Pedagógicas
da Escola de Vigotski: algumas considerações”, de Lígia
Márcia Martins, artigo que faz a transição entre esta e
a SEGUNDA PARTE do livro, que focaliza os aspectos
mais diretamente ligados à reflexão sobre as
implicações pedagógicas da teoria histórico-cultural nas
áreas da docência e do currículo e, sob a denominação
de “IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS DA ESCOLA DE
VIGOTSKI”, inclui os artigos: “A mediação da psicologia

II
histórico-cultural na atividade de professores e do psicólogo”,
de Elenita de Ricio Tanamachi; “A pedagogia histórico-
crítica subsidiando a reflexão da questão cultural na
educação escolar”, de José Roberto Boettger Giardinetto;
“Vigotski e o processo ensino-aprendizagem: a formação de
conceitos”, de Marilda Gonçalves Dias Facci; “Educação
matemática e a psicologia sócio-histórica”, de Adil Poloni;
“Palavras grávidas e nascimentos de significados: a
linguagem na escola”, de Dagoberto Buim Arena; “A
apropriação da escrita como um instrumento cultural
complexo” e “Contribuições de Vigotski para a Educação
Infantil”, de Suely Amaral Mello.
A PRIMEIRA PARTE traz como primeiro artigo
uma reflexão de Betty Antunes de Oliveira acerca dos
“Fundamentos filosóficos marxistas da obra
vigotskiana: a questão da categoria de atividade e
algumas implicações para o trabalho educativo”.
Nele encontramos os fundamentos ontológicos e sócio-
culturais da obra de Vigotski que tem como fonte
original a obra de Karl Marx. A autora chama atenção
para as distorções do materialismo de Marx expressas
nas primeiras tentativas de fundar uma Psicologia
Marxista, nos anos 20 do século passado, apresentando
Vigotski como aquele que conseguiu superar a
apropriação artificial desse materialismo bem como a
aplicação mecanicista da lógica dialética. Na
explicitação clara e significativa dos fundamentos
teóricos do conceito de atividade humana é possível ir
estabelecendo as relações desse conceito fundante de
Marx com as reflexões sobre indivíduo e sociedade,
vistos numa perspectiva complementar e não
antagônica, leitura tão presente em análises
reducionistas. A categoria atividade humana na
psicologia de Vigotski “é uma unidade orgânica e recíproca
entre teoria e prática, através da qual o homem foi criando
sua própria essência, histórica e socialmente, criando,
portanto, a cultura – o patrimônio cultural do gênero
humano.” Esse princípio vai contra as visões pedagógicas
adaptativas do indivíduo ao sistema atual existente, já
que “o homem se torna humano transformando a natureza
para adaptá-la a si e não para o homem adaptar-se ao
existente.”

III
“Aspectos teórico-metodológicos que
distanciam a perspectiva sócio-histórica vigotskiana
do construtivismo piagetiano” é o artigo de Sueli
Terezinha Ferreira Martins. Nele, a autora apresenta
Vigotski, sua obra, os fundamentos de sua teoria, as
aproximações e os distanciamentos com a obra de
Piaget, destacando, no percurso histórico esboçado, os
quatorze anos de produção científica do autor, o acesso
inicialmente exíguo a suas obras e sua expansão a
partir de 1990, quando o mundo passa a conhecê-las.
Na sua visão, as aproximações pretendidas entre Piaget
e Vigotski, embora sejam até objeto de publicações na
atualidade, são indevidas, uma vez que desconsideram
as raízes marxistas da teoria Vigotskiana, sendo
algumas delas possíveis, porém nenhuma se referindo
aos elementos centrais da teoria desses dois autores.
Os únicos pontos comuns entre eles seriam os fatos
de terem nascido no mesmo ano e de terem pesquisado
os processos psicológicos próprios ao desenvolvimento
do ser humano e suas implicações na prática
pedagógica. Construíram uma teoria sobre o
desenvolvimento humano e estiveram à frente de
experiências educacionais. Porém, para além disso, é
desconsiderar a produção de ambos e todo o contexto
em que foram produzidas suas obras.
O terceiro e último artigo desta parte denomina-
se “Implicações Pedagógicas da Escola de Vigotski:
algumas considerações”, de Lígia Márcia Martins.
Nele a autora parte de uma questão que o próprio
Vigotski levantava em seus cursos de formação para
professores: “O que é educar?” e que respondia
utilizando as ideias de Blonski, um de seus antigos
professores: “educação é a influência premeditada,
organizada e prolongada no desenvolvimento de um
organismo”. Destaca, a partir daí duas questões
centrais: a intencionalidade e a organização do processo
de formação. A primeira questão leva-nos a pensar no
significado da pré-ideação de um projeto e o
planejamento das atividades e procedimentos que
garantam a objetivação da pré-ideação (que se torna
um dado da realidade concreta). Duas são as
implicações advindas dessa postura: fazer a crítica, do

IV
ponto de vista da teoria vigotskiana e humanizar o
processo educativo pela socialização do saber escolar.
A segunda questão envolve a organização do processo
educativo, articulando método de ensino e
sistematização de conteúdo, objetivando a superação
dos conceitos cotidianos para a aquisição dos conceitos
científicos. Essa perspectiva deve levar à superação do
modelo calcado nas competências, próprio da visão da
educação como mercadoria que caracteriza o projeto
neoliberal para a educação.
A SEGUNDA PARTE está organizada em sete
artigos. O primeiro artigo é de Elenita de Ricio
Tanamachi intitulado “A mediação da psicologia
histórico-cultural na atividade de professores e do
psicólogo”. Ela apresenta os fundamentos da teoria
histórico-cultural e do método materialista histórico-
dialético como essenciais na transformação da ação/
formação de professores, alunos e psicólogos. Através
de uma ação direta numa escola pública, a autora busca
desvendar, coletivamente com os agentes sociais da
escola, a relação entre a atividade (motivos/ações/
finalidades) e a consciência (significados e sentidos)
na prática pedagógica, problematizando a questão “por
que o aluno não aprende”, elaborando-a de outra forma,
“em que circuntâncias o aluno aprende”. O trabalho
realizado mostra o processo de alienação como um
obstáculo para se obter a articulação entre sentido e
significado na atividade pedagógica. Para superar essa
situação, aponta a necessidade de uma formação que
alie a competência técnico-pedagógica e compromisso
político com a transformação da realidade, visando à
humanização do próprio homem.
“A pedagogia histórico-crítica subsidiando a
reflexão da questão cultural na educação escolar” é
o artigo em que José Roberto Boettger Giardinetto
tece considerações sobre a produção, elaboração do
conhecimento e a importância da apropriação do saber
escolar pelos alunos da escola pública. A partir da
pedagogia histórico-crítica, problematiza a questão do
“respeito à cultura do aluno”, através de categorias
cotidiano, não cotidiano e processo de humanização,
conceitos-chave na teoria marxista na análise da

V
realidade social. Pautado em teóricos marxistas como
Saviani e Duarte, o autor defende o trabalho escolar
como elemento fundamental ao desenvolvimento
cultural dos alunos, levando-os à apropriação de
conteúdos sistematizados, construídos historicamente,
que contribuem para o desenvolvimento do gênero
humano, entendendo-o como ato de produzir direta e
indiretamente a humanidade em cada indivíduo, tendo
a escola o papel de mediação entre o indivíduo e o
conhecimento. Toma como exemplo a crítica à
etnomatemática, que se apega ao aspecto da
manifestação da matemática em diferentes espaços
etnoculturais como algo contraditório à ciência
matemática, ou à matemática escolar. Como afirma o
autor, “as diferentes produções da matemática em
contextos socais diversos não são ‘diferentes
matemáticas’, mas diferentes manifestações ‘da’
matemática”: trata-se de saber decodificar os traços
essenciais do conhecimento, no caso matemático
produzido fora da escola, mediante a matemática
escolar, sendo esses conteúdos manifestações do
conhecimento construído historicamente pelo homem
ao longo da história.
“Vigotski e o processo ensino-aprendizagem:
a formação de conceitos”, de Marilda Gonçalves Dias
Facci, trata da questão da formação dos conceitos na
teoria Vigotskiana. Nesse texto, os conceitos são
entendidos como construções culturais: são
internalizados pelo homem no decorrer de um processo
histórico-cultural, ou seja, ao longo de seu processo
de desenvolvimento. A autora destaca a diferença entre
os conceitos cotidianos, construídos pelo homem a
partir da observação e das atividades próprias de sua
vivência em interação com objetos e pessoas a sua
volta, e os conceitos científicos que são adquiridos por
meio de estudos sistematizados, como são os promovidos
pela instituição escolar, que insere o aluno em
situações que o levam a realizar sucessivos níveis de
abstração em torno de cada conceito que aprende.
Ambos os conceitos guardam entre si estreita relação,
de modo que um influencia na formação do outro: os
conceitos espontâneos podem oferecer suporte para a

VI
formação dos conceitos científicos e estes podem levar
os primeiros a níveis mais elaborados de generalização.
Daí se deduz a importância do trabalho escolar, cuja
tarefa primordial é ajudar a criança no desenvolvimento
dos conceitos científicos, responsáveis pelos níveis mais
elaborados dos processos psicológicos superiores do ser
humano.
Adil Poloni, em seu artigo intitulado “Educação
matemática e a psicologia sócio-histórica”, fala de
sua experiência com a educação matemática do ponto
de vista vigotskiano. Destaca a possibilidade de que
novos conhecimentos podem ser adquiridos numa
perspectiva sócio-centrada, através de uma prática que
valorize os aspectos sociais voltados para a formação
da cidadania. Na área da Matemática, as atividades
educativas, desse ponto de vista, pretendem trocar a
formação de uma consciência solitária por uma
consciência solidária. Nessa perspectiva, considera que
os problemas matemáticos não se separam dos
problemas da vida, pelo contrário, ajudam a resolvê-
los. O ambiente cultural e a mediação do professor são
imprescindíveis para o desenvolvimento do aluno. Os
avanços cognitivos dependem de uma ação deliberada
do professor, dentro de um contexto significativo, que
concorrerá para o desenvolvimento dos modos de
internalização de significados no aluno. Longe de um
trabalho matemático que funcione como um receituário
de fórmulas, a educação matemática deve ser
emancipatória: incidir nas possibilidades da zona de
desenvolvimento potencial do aluno e levá-lo à
internalização de novos conhecimentos necessários a
sua formação como cidadão.
Em seu artigo “Palavras grávidas e
nascimentos de significados: a linguagem na escola”,
Dagoberto Buim Arena tem por finalidade dialogar com
dois estudiosos: o tcheco Kosik (1927) e o russo Mikhail
Bakhtin (1895-1975), a fim de “fazer um exercício sobre
a língua que a sociedade, pelas suas instituições de
ensino, poderia oferecer ao aluno”. Utiliza “como fio-
guia a criança que se torna aluno ao entrar para a
escola, que se movimenta no ambiente histórico e
cultural, criado pelas relações interpessoais, movimento

VII
em que também é criada e recriada a língua com a
qual o aluno inicia o seu relacionamento como cocriador
da língua escrita”. Considera a língua não como objeto
estável, pronta para ser assimilada pelo aluno, mas
como um sistema de relativa estabilidade em que há
espaço para “a realização da criação humana”, o que a
torna “viva para o homem criador”. É no espaço
reservado às interações que isso se torna possível. Na
escola, é preciso que o processo de aprender a ler e a
escrever seja encaminhado considerando o uso social
da língua e o fato de que as significações são tecidas
no momento das enunciações. Só assim o sujeito
aprendiz pode apropriar-se da língua em sua essência.
Fora disso resta apenas a aparência.
“A apropriação da escrita como um
instrumento cultural complexo”, de Suely Amaral
Mello, focaliza as “contribuições de Vigotski acerca do
processo de aquisição da escrita”. A autora parte da
ideia de que muito do que se tem feito com a educação
das crianças carece de uma base científica; porém,
com o avanço já conquistado na área de educação, é
possível buscar maneiras de melhorar a prática
pedagógica levada a efeito nas escolas, no intuito de
chegar ao “desenvolvimento máximo da inteligência e
da personalidade das crianças”. Destaca-se, como
elemento essencial desse processo, a apropriação da
escrita pela criança que não tem sido devidamente
ensinada, pois, “ao enfatizar a escrita e o
reconhecimento das letras, acabamos por ensinar às
crianças o traçado das letras, mas não ensinamos a
linguagem escrita”. Isso equivale a dizer que, ao darmos
relevo ao aspecto técnico dessa aprendizagem, “nos
esquecemos da função social para a qual a escrita foi
criada”. A autora aponta como um grande equívoco a
focalização apenas da técnica da codificação, sem
considerar ou criar a necessidade da escrita na
criança, pois só quando tal necessidade é criada no
interior da língua em uso é que aprender a escrever
fará sentido para o aluno.
Finalmente, em seu outro artigo, denominado
“Contribuições de Vigotski para a Educação
Infantil”, Suely Amaral Mello destaca, inicialmente,

VIII
o valor da aprendizagem no processo educativo: as
crianças, desde que nascem, aprendem e, porque
aprendem, se desenvolvem. Isso permite pensar uma
nova Pedagogia para a infância, cuja base é a
organização intencional das atividades para a criança,
o que supõe que ela é capaz de aprender, consegue
estabelecer relações com os outros, consigo mesma e
com o mundo a seu redor. Nessa perspectiva, a relação
entre a aprendizagem e o desenvolvimento ganha um
novo entendimento: a aprendizagem leva ao
desenvolvimento. No contato com a cultura, com os
adultos e outras crianças são criadas as condições para
a aprendizagem infantil. Isso traz como consequência
a valorização do trabalho do professor, mediador do
processo educativo, cuja finalidade é a de garantir a
criação das qualidades essencialmente humanas no
educando, as quais são, inicialmente, externas ao ser
humano, internalizando-se quando se permite o acesso
das novas gerações à cultura historicamente
acumulada.
Pelo conjunto de artigos que o compõem, este
livro propõe-se a contribuir para a formação permanente
do professor, profissional hoje pouco valorizado frente
à sua responsabilidade social e intelectual. A qualidade
da educação requer a articulação entre teoria e prática,
inserindo na atividade pedagógica a intencionalidade
do processo de humanização de todos os atores nela
envolvidos. Além disso, sem a teoria não há
compreensão da prática e de seus problemas, e sem a
prática não há como se apropriar do real e transformá-
lo. Assim, esta coletânea soma-se ao pensamento
daqueles que veem na teoria histórico-cultural um
caminho interessante a ser trilhado por todos os que
concebem a crise como momento possível de
transformação através da construção de novos sentidos
e significados, no rigor conceitual dos termos, visando
ao processo de humanização tão em risco na sociedade
atual.
Junho de 2006 (6)
Notas

(1) Vygotsky, assim grafado, é uma dentre as diferentes

IX
maneiras que encontramos, conforme a procedência da
edição, para escrever o nome desse autor. Escrito dessa
forma foi como se apresentou no título da II Jornada do
Núcleo de Ensino. Outras possibilidades, para citar as mais
conhecidas, são: Vygotski, Vigotskii e Vigotski. Nos textos
do livro será utilizada a grafia Vigotski, com exceção das
citações originais.

(2) VERNAUD, G. Lev Vygotski: pédagogue et penseur de notre


temps. Paris; Hachette Livre, 2000, p.4.

(3) VIGOTSKII, L. S., LURIA, A. R. & LEONTIEV, A. N.


Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo:
Ícone: Editora da Universidade de São Paulo, 1988, p.15/
16.

(4) Trecho da página 12 de SÈVE, L. Dialectique et psychologie


chez Vygotski. In: Enfance. Tomo 42, v.1-2, p.11-16. Presses
Universitaires de France, 1989.

(5) Trecho da página 3 de ZAZZO, René. Vygotski (1896-1934).


In: Enfance. Tomo 42, n.1-2, p.3-10. Presses Universitaires
de France, 1989.

(6) Ano da primeira edição desta obra.

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