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A evolução da poesia visual:

da Grécia Antiga aos infopoemas

HENRIQUE PICCINATO XAVIER


Universidade de São Paulo/ECA-USP - bolsista /C
Res umo
Este estudo visa a mostrar conceitualmente o que é a poesia visual e
demonstrar sua evolução pelo tempo, desde seu surgimento na anti-
ga Alexandria até os mais recentes poemas visuais realizados no
computador.

Palavras-chave
rede intersemiótica, poesia visual, poema performance, infopoema

Abstract
This study aims to explain conceptually what is visual poetry. It also
shows the evolution of visual poetry through time, since its appearance
in ancient Alexandria to late visual poems done in the compu ter.

Key words
intersemiotic net, visual poetry, performance poem, infopoem
A
poesia visual ou figurativa consiste em uma forma de arte
que procura a união de dois códigos distintos - o verbal e o
visual- criando assim uma intrincada e complexa
rede interserniótica. A ativação dessa rede se dá quando os mecanis-
mos lingüísticos de decodificação são colocados em sincronia com
aqueles que governam a recepção das imagens. A coexistência da
palavra e imagem é feita através da direta transformação de símbo-
los verbais em elementos visualmente expressivos.
A escrita tradicional consiste na tradução simbólica de nos-
sa oralidade em caracteres visuais, as letras. Essa escrita, embora
visual, abandona suas características plásticas, buscando essencial-
mente representar a oralidade. Segundo E. M. de Melo e Castro
(1993), no quadrante oral, o signo interpretante é especifica-
mente diacrônico, extensivo, analítico, temporal, abstrato. Nela
a poesia se prende então em valores musicais (sonoros, temporais e
rítmicos) por meio de rimas, assonâncias, aliterações etc.
A poesia visual busca trabalhar as características plásticas
da escrita ressaltando os valores visuais, espaciais, considerando-a
como uma mancha gráfica, um desenho, uma relação de figura-fun-
do na folha, como a admiração de um arabesco cujo significado da
grafia desconhecemos. Segundo E. M. de Melo e Castro (1993), no
quadrante visual, o signo interpretante é especificamente
sincrônico, compacto, sintético, espacial, concreto. A poesia não
só como símbolos representativos de uma sonoridade anterior à pró-
pria escrita, mas sim como uma escrita tácita que em si já é forma
carregada de sentido. A página que não é mais um depósito frio de
letras, mas um suporte espacial ativo, como a tela de uma pintura.
A poesia visual sinteticamente: uma rede interserniótica da
palavra verbal somada a palavra imagem, formulações
Henrique Piccinato Xavier

"verbivocovisuais" na definição do grupo Noigrandes de São Paulo,


composições não somente para serem lidas mas também olhadas.
A poesia visual aparece em fases de profundas transições
históricas, na fronteira entre épocas, quando intensas alterações
econômicas, técnicas e sociais estão ocorrendo. Nessas fases de com-
plexa e complicada organização, a estrutura lingüístico-semântica se
encontra desgastada e saturada, incapaz de acompanhar o turbilhão
das mudanças. Neste momento, surge a poesia visual como uma fer-
ramenta nas mãos do artista que se debruça sobre linguagem em uma
tentativa de renová-la e reestruturá-la eticamente. Nas palavras do
norte-americano Geoffery Cook (em Uma Rede Interserniótica, 1993,
CASTRO, E. M. de Melo e.), um sinal de transformação, um grito
do poeta, já que o conteúdo do passado está canceroso e uma
nova pele deve ser produzida para conter os sonhos do futuro -
uma afirmação de que nada significativo pode já ser dito antes
de reestruturarmos a concepção básica do que é uma cultura his-
tórica.
Segundo E. M. de Melo e Castro (1993), a poesia visual
aparece de uma forma consistente quatro vezes na história da
arte ocidental: durante o período alexandrino, na renascença
carolíngea, no período barroco e no século XX. Pode observar-
se ainda que cada um desses surtos de poesia visual se relaciona
com o fim de um período histórico e começo de uma nova época.
Datando de 300 anos antes de Cristo e realizadas na
Alexandria, as tecnofanias de Sírnias de Rodes constituem os pri-
meiros poemas visuais conhecidos. São elas: "O Machado", "As Asas"
e "O Ovo".
Alexandria, a imponente capital da cultura helênica- a qual
unia a cultura grega às culturas orientais, principalmente egípcia e
persa - conhecida por suas fabulosas obras como o Colosso de Ro-
des, a escultura de Laocoonte, o seu gigantesco farol e sua riquíssima
e famosa biblioteca.
Deste período altamente intelectualizado, que mesclava o
espírito especulativo grego com as ciências orientais, destacaram-se
diversos avanços científicos como os de Euclides, na geometria, e de

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A evolução da poesia visual: da Grécia Antiga aos infopoemas

Arquimedes, na física. O heliocentrismo de Aristarco de Samos e o


geocentrimo de Ptolomeu, também são conhecidos os mitos da cria-
ção do primeiro robô ou autômato.
A convivência da abstrata literatura grega com as escrituras
egípcias, árabes e pérsicas, de forte cunho visual, é encarada como a
condição preliminar para o surgimento dos primeiros poemas visuais.

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"O Machado", Sirnias de Rodes.

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Henrique Piccinato Xavier

As tecnofanias de Símias de Rodes não são apenas poemas


visurus, mas também labirintos de leitura, sendo necessário conhecer
a estrutura peculiar da distribuição das frases para o desvendamento
do texto. Como na leitura do poema "O Ovo", não se trata de um

2 I M M I OT T OT P O A I OT
n T i P T I" I O N.

"As Asas", 325a.C., Sirnias de Rodes.

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A evolução da poesia visual: da Grécia Antiga aos infopoemas

simples poema de forma oval , mas de um ovo que se constrói das


extremidades para o centro, através de uma leitura saltada de seu
primeiro verso para o último, do segundo verso para o penúltimo, do
terceiro para o antepenúltimo assim sucessivamente por seus vinte
versos .
Os poemas tratam de temas clássicos da literatura grega.
"O Machado" tem como tema uma inscrição sobre o machado da
deusa Minerva por Epeio, o criador do Cavalo de Tróia. "O Ovo",

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Significação 17 • 167
Henrioue Piccinato Xavier

OOvo
Acolhe
da fêmea canora
este novo urdume que, animosa
Tirando-o de sob as asas maternas, oruidoso
emandou que, de metro de um só pé,crescesse em número
e seguiu de pronto, desde cima, odeclive dos pés erradios
tão rápido, nisso, quanto as pernas velozes dos filhotes de gamo
efaz vencer, impetuosos, as colinas no rastro da sua nutriz querida,
até que, de dentro do seu covil, uma fera cruel, ao eco do balido, pule
mãe, elhes saia célere no encalço pelos montes boscosos recobertos de neve.
Assim também o renomado deus instiga os pés rápidos da canção aritmos complexos.
do chão de pedra pronta apegar alguma das crias descuidosas da mosqueada
balindo por montes de rico pasto e grutas de ninfas de fino tornozelo
que imortal desejo impele, precípites, para aansiada teta da mãe
para bater,atrás deles, avária e concorde ária das Piérides
até oauge de dez pés, respeitando aboa ordem dos ritmos,
arauto dos deuses, Hennes, jogou·a àtribo dos mortais,
e pura, ela compôs na dor estrídula do parto.
do rouxinol dórico
benévolo.

"O Ovo ", 325 a.C., Símias de Rodes, tradução uu~:La uu gr~:gu por
José Paulo Paes.

poema metalingüístico, trata do nascimento do poema (ou canto) e


da busca de sua perfeição. Nele, o canto é metaforizado pelo ovo do
pássaro rouxinol (aedóon em grego, derivado de aeídoo, o verbo
cantar, de que também deriva o termo aedo, cantor/poeta).
Após um salto de 1200 anos das tecnofanias de Rodes, a
poesia visual voltará a ser feita na forma das carmina figurata na
baixa idade média, durante a renascença carolíngia em que os cléri-

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A evol ução da poesia visual: da Grécia Antiga aos infopoe mas

gos buscaram dar à linguagem um caráter revelador, elevando o tex-


to a uma manifestação sagrada.
A carmina figurata ou carmen figu ratum apresenta uma
es trutura extremame nte complexa, realizando um elo entre uma
visualidade simbólica e a escrita alfabética latina. Nela, um texto

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Carmina figurata n-1, Rabanus M aurus

Significação 17 • 169
Henrique Piccinato Xavier

oculto vem formar um desenho de valor esotérico a partir da


materialidade de certas letras, dentro de um texto maior. Cria-se, as-
sim, uma revelação metafísica através da relação entre um micro texto
escondido, uma figura simbólica desenhada e um macro texto poético.
Segundo o medievalista suíço Paul Zumthor (1975), sob sua
pena a carmen figutatum manifesta a unidade conceitual e sim-
bólica da página: os versos iguais em número de letras, são com-
postos de modo a conter, em lugares determinados, letras tais que
formem (extraídas das palavras às quais pertencem e religadas
umas as outras) uma frase revelando o sentido oculto do poema.
O desenho do microtexto, muitas vezes dado normalmente
por marcas gráficas, pela coloração ou caractere variante, também
poderia vir delineado por traços. Porem, quanto mais sutil essa dife-

Carmina figurata, Rabanu s Maurus

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A evolução da poesia visual: da Grécia Antiga aos infopoemas

renciação material, maior o peculiar efeito de destacamento do texto


figurado do plano.
A carmina figurata aparece em uma forma muito prema-
turajá no Baixo Império Romano por volta de 350, quando o poeta e
prefeito de Roma Porphyrius Optatianus realiza uma pequena série
de poemas, os carmina cancellata, em que versos de mesmo nú-
mero de letras comportam simples figuras geométricas como a for-
ma de uma cruz. Tais trabalhos, de mero enfoque ornamental,
redescobertos pelos letrados carolíngios no século IX, vieram dar
origem à complexa forma conceitual das carminas figuratas.
O principal artífice da carmina figurata chama-se Rabanus
Maurus. Seu trabalho de fé, embora altamente intelectual, baseia-se
num método de interpretação cosmológica da realidade. Procurava
J/.

Carmina cancellata, Porphyrius Optatianus

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Henrique Piccinato Xavier

Carmina figurata n-15, Rabanus Maurus

a estrutura metafísica do mundo e dos céus através de complexas fór-


mulas numéricas aplicadas ao texto, como descreve Paul Zumthor (197 5):

O livro comporta vinte e oito poemas: 4 vezes 7, o número


das direções cósmicas multiplicadas pela cifra do sabedo-
ria, segundo uma das proporções que se costuma usar na
representação do crucifixo. A cruz é a figura macrocósmica
do homem (desenho do poema de dedicatória e dos núme-
ros 1,4 e 28: lx4, 4x7);o homem por sua vez reveste quatro
figuras: o imperador(dedicatória), o Cristo (n-1), o Anjo
(n-4), e o adorador desenhado como o próprio autor (n-28).

Significação 17 • 172
A evolução da poesia visual: da Grécia Antiga aos infopoemas

Assim o que a obra cinge não é nada menos do que a totali-


dade das formas possíveis: das esferas celestes ao monge
prosternado, passando por todas as ordens de criaturas (mes-
mo os animais, no desenho n-15: as bestas do Evangelho em
volta do Cordeiro) e, significadas por elas, a partir do centro
redentor, as hierarquias do universo invisível.

O período barroco, de grande complexidade sócio-cultural e


de grande efervescência da expressão artística, constitui uma época

XXVIII

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Carmina figurara n-28, Rabanus Maurus

Significação 17 • 173
Henrique Piccinato Xavier

de contradições, excessos, de reformas e contra-reformas, de obras


labirínticas de uma intensificação dos recursos estilísticos e retóricos,
e, também, mais um período de criação dos poemas figurativos.
Neste período, a poesia visual volta em numerosa produção
cujas principais formas foram: os acrósticos, em que as letras iniciais

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Q. . Jh o,;, U f~jJ .. ~ Clf ;_,~ hJD::I\!J.i
SU ~ J·: T () ,\ 1; ~ O S 1· I C O (; 1: N I lU L O.

Soneto acróstico, 1734.

Significação 17 • 174
A evolução da poesia visual: da Grécia Antiga aos infopoemas

dos versos compõem palavras ou frases; os anagramas, palavra ou


frase formada da transposição das mesmas letras de outra palavra
ou frase; os labirintos cúbicos, em que o deslocamento espacial de
uma letra em inúmeros versos repetidos compõe uma malha visual
que contém pequenos textos ocultos.
Destaco apenas exemplos do barroco português devido à
maior proximidade com a nossa cultura. Contudo, há exemplos de
poemas visuais por toda Europa, principalmente na Alemanha.
O século XX consiste no período da complexidade, dos extre-
mos (ainda maiores que os barrocos), das revoluções e velocidade;

Anagrama poético, séc. XVII, Luís Nunes Tinoco.

Significação 17 • 175
Henrique Piccinato Xavier

LADYRINTHO
DI FFICULTOS O
Em que~ fe ex pende a 1ll:ttcrii1 da.
O bra.

Labirinto Cúbico, 1738, José da Assunção .

época da psicanálise, teoria da relatividade, do avanço da linha de


montagem fordista, comunismo-capitalismo-facismo, as vanguardas
artísticas, a criação da publicidade, o avanço do cinema; e em meio a
esse turbilhão histórico ocorre a explosão da poesia visual.
O século XX é o momento histórico em que a visualidade
toma uma fundamental importância devido a fatores como o desenvol-

Significação 17 • 176
A evolução da poesia visual: da Grécia Antiga aos infopoemas

vimento da indústria gráfica com a melhoria das técnicas de impres-


são e inclusão de fotos junto aos textos, as produções cinematográfi-
cas e a televisão, a criação e o bombardeio da publicidade, o design,
o avanço ilimitado dos meios de comunicação.
Pela primeira vez, a poesia figurativa não mais aparecerá
como uma criação efêmera e isolada de uns poucos autores. Segun-
do Philadelpho Meneses (1998):

Ela passa a ser uma forma central da poesia de todas as


vanguardas de nosso século. Por isso, a referência à
'poesia visual' reporta a esse conjunto plural de mani-
festações ligadas à cultura moderna e contemporânea.
Se, formalmente , há formas poéticas visuais no passado,
quando elas ressurgem com força total, neste século, es-
tão diretamente ligadas a um quadro especifico da cul-
tura, com outras intenções e outros significados, que
fa ze m essa poesia visual nitidamente diferenciada da
antiga.

A poesia figurativa no século XX aponta como uma forma


radical de experimentação literária. O número de obras figurativas
realizadas no período é incalculável; o que fica claro é um processo
de reciclagem muito dinâmico em que todos os modos de criação da
poesia visual interagem entre si. Para mapear tamanha produção,
resolvi criar uma breve antologia histórica da poesia visual moderna
e contemporânea.
Na virada do século, em 1896, o poeta simbolista francês
Stéphane Mallarmé criará o emblemático poema "Um Lance de
Dados" que servirá como paradigma para toda criação poética visu-
al do século seguinte. O poema de extrema complexidade, trabalha
simultaneamente o espaço, a forma, os caracteres, o tempo, a
musicalidade, na criação de uma polifonia de sentidos.
As páginas, sempre em dupla, são tratadas como um campo
visual ativo, a fragmentação das frases, repletas de elipses, cria uma
estrutura nova de discurso, rompendo com a sintaxe verbal: dando sen-
tido não mais às frases, mas sim a conjuntos de palavras distribuídas

Significação 17 • 177
Henrique Piccinato Xavier

como constelações num céu . O poema, ainda, apresenta a incompa-


rável riqueza hermética e metalingüística do autor.

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"Um Lance de Dados", duas páginas, 1896, Stéphane Mallarmé.

O futurismo italiano, o primeiro movimento organizado de


vanguarda, também será o primeiro movimento de poesia visual.
O movimento tem o seu início em 1909 com o lançamento do primei-
ro manifesto literário pelo poeta mentor do grupo F. T. Marinetti. O
futurismo italiano extremamente político e revolucionário, idealiza-
ram suas obras como verdadeiros balés mecânicos, atuando nas di-
versas áreas artísticas; pregando a destruição da tradição e dos mu-
seus, a exaltação da tecnologia, da velocidade e do militarismo.
Através de vários manifestos literários literário escritos por
Marinetti , os futuristas gradativamente chegaram à poesia visual:

Significação 17 • 178
A evolução da poesia visual: da Grécia Antiga aos infopoemas

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1913, F.T. Marínetti.

ARPETIA DA SOCIET A · ORINA.


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"Zang Tumb Tuum ", "Scarpetta da società + origina",


1914, F.T. Marinetti. 1913, UmbertoBuoccioni.

primeiro, aboliram as rimas dos versos; segundo, com a Parole in


Liberta trabalharam com a livre associação das palavras, criam o
verso livre rompendo a estrutura métrica do verso, e, finalmente,

Significação 17 • 179
Henrique Piccinato Xavier

com as tavole parolibere (quadros de palavras livres) trabalham


visualmente o poema com as palavras distribuídas no espaço. Os
poemas deveriam ser como o barulho de um motor ou uma rajada de
metralhadora e as criações visuais tentavam captar a caótica reali-
dade industrial.

Ritratto di Marinetti
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"Retrato de Marinetti", 1916, Marieta Angelini.

A vanguarda russa, do início do século, foi outro grande pólo


produtor de poemas figurativos. Produzindo uma arte extraordinaria-
mente racional e a frente de seu tempo, realizaram ao máximo as
propostas futuristas. Os vanguardistas romperam as barreiras entre
as mídias fazendo uma mistura entre a literatura, a fotografia, a pin-
tura, o cinema e a propaganda.

Significação 17 • 180
A evolução da poesia visual: da Grécia Antiga aos infopoemas

Formando um refinado pólo intelectual, onde as artes


entrecruzavam-se, e seguindo o lema de Maiakóvski de que não existe
uma arte revolucionária sem uma forma revolucionária, vieram mu-
dar o rumo das diversas artes, través de obras como o cinema de
Eiseinten, a pintura de Malievich, poesia de Maiakovski etc.

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"Desafio", 1914, Vassíli Karniênski.

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Henrique Piccinato Xavier

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"Desafio", 1914,Vassíli Kamiênski,


Tradução de Augusto de Campos.

A poesia figurativa russa a princípio segue as idéias da tavole


parolibere, porém a supera em muito devido a uma forte influência
da pintura e da fotomontagem. A linguagem gráfica destes poemas,
do início de século, é tão sofisticada que até hoje não foi plenamente
superada, suas composições são de um complexo, porém, sintético
design equivalentes às pinturas suprematistas de Malievich.

Significação 17 • 182
A evolução da poesia visual : da Grécia Antiga aos infopoemas

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1920, Aleksandr Rodchenko

Significação 17 • 183
Henrique Piccinato Xavier

Em 1918, o poeta, prosador e crítico francês Guillaume


Apollinaire lança o seu livro Caligrammes que viria causar um gran-
de impacto na poesia de vanguarda. O livro apresenta os caligramas,
poemas visuais que contém isomorfismos com o conteúdo, ou seja, a
forma visual do poema é a mesma do objeto que descreve.
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"Chuva", 1918, I u
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A evolução da poesia visual: da Grécia Antiga aos infopoemas

O concretismo criado em São Paulo, em 1958, por Décio


Pignatari e pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e difundido
na Europa pelo poeta português E. M. de Melo e Castro e foi o único
movimento poético de vanguarda brasileiro a alcançar significativa
repercussão internacional.
Fazendo uma síntese da poesia figurativa do século XX soma-
da ao processo de composição do ideograma Chinês, a poesia concre-
ta vem decretar a superação do verso por uma sintaxe espacial e não-
verbal. Sempre excessivamente racionais, os poetas concretos busca-
ram uma comunicação dinâmica e direta, trabalhando com o espaço
gráfico da folha e com uma coisificação/substantivação da linguagem.

o v o
n o v e I o
novo no velho
o filho em falhos
na jaula dos joelhos
infante em fonte
f e t o f e t o
d e n tr o d o
centro

"Ovonovelo", 1956, Augusto de Campos

A poesia figurativa, a partir da década de 60, através de


processo evolutivo de reciclagem de suas diversas formas, chega ao
ponto da criação de poemas sem palavras ou letras, (embora, se
possa encontrar alguns esparsos exemplos na década anterior). Nor-
malmente, são poemas visuais artesanais de pequena tiragem, feitos
em serigrafia, litografia, em colagem, ou até mesmo objetos. São
poemas compostos por figuras de linguagem aplicadas a imagens
puras. Trabalha-se, assim, as imagens com uma estrutura lingüística

Significação 17 • 185
Henrique Piccinato Xavier

similar ao do poema verbal - como os oximoros visuais do poeta


catalão Joan Brossa: um lápis que vaza tinta ou uma roda perfeita-
mente quadrada.

Esgrima, 1982, Joan Brossa.

A partir dos anos 70, a poesia visual, até então expressa


basicamente através do meio gráfico (livro, cartaz e gravura), vem
buscar novos meios de suporte. Surgem então os primeiros poemas
performances.
Segundo o poeta português Fernando Aguiar (1985),

A performance possui uma série de componentes que po-


dem ser explorados esteticamente. Conceitos como o tem-
po, o espaço, o movimento/ação, a tridimensionalidade,
a cor, o som, o cheiro, a luz e, principalmente, a presen-
ça do poeta como detonador e fator de consecução do
poema, (. .. ) conferido-lhe uma outra dimensão e propor-

Significação 17 • 186
A evolução da poesia visual: da Grécia Antiga aos infopoemas

cionando ao leitor/fruidor o "poema total", o poema em


sua plenitude comunicacional e informacional.

A presença física do operador do poema é o fator principal da


performance. O artista entra como um signo novo, dotando o poema
de pulsação-respiração-movimento, trazendo o poema para um novo
espaço; o do corpo, do mundo, do sexo e, principalmente, da vida.
Esses poemas, por se darem no tempo real (o mesmo da
vivência do espectador), tomam-se efêmeros e não repetíveis, po-
rém o feedback do público é um fator essencial no desenrolar dos
poemas. Segundo Fernando Aguiar (1985), a performance poética
possibilita o criar-se e o estar ali para ver. Possibilita a infor-
mação integrada recíproca e instantânea. Apela à participação.
Hoje, num momento de enorme produção da poesia visual
repleta de hibridismos de um pós-tudo- pós: concretos, figurativos,
poema-objeto, performances-, resulta-se numa complexa e muitís-
sima variada produção em que o poeta lança mão de vários recursos
das diversas linhas de poesia visual, o que dificulta uma sistematiza-
ção da poesia visual contemporânea. Porém algumas tendências já
apontam para o que será da poesia visual no século XXI, certamen-
te, o uso dos computadores será propulsor de um novo fôlego. A
infopoesia expande quase ao infinito as possibilidades do poeta de
lidar com espaço, cor, luz, som, movimento e fundamentalmente a
interatividade.
A poesia pixel de E. M. de Melo e Castro (2000) é um des-
tes exemplos, realizada através de uma intensa manipulação das ima-
gens pela computação gráfica (abusando das estruturas visuais de
fractais). Levanta questões como da relativização da autoria na di-
nâmica poeta-programa-autor-software, quem fez o quê.
A poesia visual vem ganhar uma extrema potencialidade com
os computadores, dando-se essencialmente em três níveis que são
combinados livremente na obtenção dos mais inusitados resultados.
Primeiro, na sinergia autor-computador, como visto no caso de Melo
e Castro (2000). Segundo, na relação leitor-poema, em poemas cria-
dos no formato de hipertextos, em que o leitor possui um texto ligado
simultaneamente a uma série de outros textos (escritos, visuais, so-

Significação 17 • 187
Henrique Pfccinato Xavier

noros etc) formando uma rede de links em que o leitor virá navegar.
Terceiro, na relação autor-autor, na facilidade de criação conjunta de
poemas via Internet, um espaço virtual em que o poema sempre se
encontrará aberto a modificações.

2000, E. M. de Melo e Castro.

Significação 17 • 188
A evolução da poesia visual: da Grécia Antiga aos infopoemas

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