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AS PRÁTICAS NARRATIVAS DE MICHAEL WHITE

ELDA ELBACHÁ*

Foi realmente uma oportunidade estar presente no Workshop de Michael White


nos dias 17, 18 e 19 de março de 2005, no auditório do Hotel Blue Tree Towers
– Salvador/BA - um evento muito bem coordenado pelo NET (Núcleo
de Estudos das Terapias), nas pessoas e profissionais queridas de Margarida
Rego e Ângela Teixeira.

A princípio achávamos que ele nos falaria sobre seu livro “Medios Narrativos para
Fines Terapêuticos”, porém Michael nos foi surpreendendo e proporcionando uma
ampliação e atualização consistente e profunda, ou melhor, “rica e espessa” sobre a
Terapia Narrativa de sua autoria.

Para ele as pessoas contam histórias em estrutura narrativa, sobre os seus problemas e
os eventos da sua vida, em sequência, em relação ao tempo e de acordo com um tema.
No entanto, existe um estoque de experiências vividas que nunca foram contadas.

A vida é multi-historiada, porém as pessoas compartilham histórias de suas vidas sob o


ponto de vista de uma história dominante e outras histórias ficam à margem. Para
Michael White essas são as histórias subordinadas que ficam na sombra da história
dominante.

A terapia narrativa dele co-constrói histórias mais espessas e conclusões mais ricas
sobre as identidades e as histórias. “Existem muitos territórios nas identidades e as
conversas terapêuticas apoiam as pessoas na exploração de outros territórios através do
desenvolvimento de ricas histórias”.

Essa ideia de pensar no contraste entre o fino e o espesso, ao invés do conhecido


contraste entre a superfície e a profundidade, foi um dos fundamentos principais que
White nos apresentou nesse Workshop. Fez-nos refletir o quanto estamos impregnados
da tradição de pensar as ações humanas como a superfície das manifestações da
profundidade do Self - como a metáfora de uma "cebola” - e a identidade
como propriedade essencialista da natureza humana.

A prática narrativa de Michael White está ancorada no contraste entre o fino e o


espesso, ou seja, as pessoas dão significados às suas experiências vividas
através de uma estrutura narrativa e as conversas terapêuticas proporcionam
sentidos às histórias subordinadas, através de perguntas terapêuticas que
fornecem os “andaimes” para a geração de novas conclusões e significados
sobre a identidade e a história. Como ele diz: As histórias subordinadas saem
das sombras e fazem sombra nas histórias dominantes”.

Ele nos apresentou a sua importante metáfora sobre “andaimes”, referindo-


se ao processo terapêutico e à conversação narrativa como os instrumentos
capazes de proporcionar os “up-grades” para as pessoas na reconstrução das
identidades e criação de reautoria. Apresentou-nos rica e detalhadamente os
“Mapas” da sua prática narrativa, demonstrando e compartilhando como pensa
e constrói ética e epistemologicamente a sua clínica.

MAPAS DAS PRÁTICAS NARRATIVAS DE MICHAEL WHITE

Para ele, como as pessoas estão submersas numa NARRATIVA SATURADA


DE PROBLEMAS ( HISTÓRIA DOMINANTE ), tornam-se impedidas da
capacidade de perceber as iniciativas, os recursos extraordinários, os eventos
singulares que fazem parte das HISTÓRIAS NÃO CONTADAS ( HISTÓRIAS
ALTERNATIVAS ), onde estão ancoradas as oportunidades de ressignificação,
riqueza e visibilidade de sua história.

A terapia narrativa de Michael White propõe conversações de reautoria,


conversações de re-lembrança, conversas externalizadoras e testemunhos
externos, como “andaimes” úteis no desenvolvimento de histórias espessas
que relatam, re-relatam e re-re-relatam os sentidos e os significados das
histórias e dos problemas.

Nas CONVERSAÇÕES DE REAUTORIA, a história das ações das pessoas


nos remete ao cenário das suas identidades. Buscar as histórias
extraordinárias na linha do tempo é poder reconstruir identidade e
construir reautoria. Nos mapas de conversas de reautoria existem dois
cenários: um de ação e outro de identidade. No cenário de ação está a linha do
tempo, onde ele distingue as histórias em: remota, distante, recente, presente e
futuro próximo. No cenário da identidade estão os entendimentos internos
(personalidade, temperamento, características, adjetivações) e os
entendimentos intencionais (propósitos, intenções, aspirações, valores,
esperanças, empenhos). Nas conversas narrativas, os entendimentos
intencionais são os principais “andaimes” para o engajamento e
desenvolvimento de histórias mais ricas, despatologizantes e
desproblematizantes.
Para Michael construímos conceitos de identidade que são fundados nas
percepções e contribuições de outras pessoas sobre a nossa identidade. A
partir deste eixo epistemológico, ele acredita que diferentes conceitos de
identidades podem ser fundados no que ele nomeia de CONVERSAÇÕES DE
RE-LEMBRANÇA. Nos mapas de conversas de re-lembrança, ele foca nos
“outros” - pessoas que contribuíram positivamente para a construção da
identidade de outras pessoas - proporcionando-as serem vistas através deste
olhar, relembrando as trocas dessas relações e como isso tocou o seu sentido
de identidade.

Esse novo passo constrói um outro mapa de práticas narrativas que são as
CONVERSAÇÕES COM TESTEMUNHAS EXTERNAS. White faz
perguntas às testemunhas com o objetivo de fazer surgirem as reverberações
ou ressonâncias dessa relação, porém cuidando de recentrar os re-relatos para
não serem respostas apenas autoreferenciadas ou autobiográficas. Ele quer o
sentido pessoal de como tocou em você a escuta daquela história e que
respostas estão situadas nas experiências vitais das testemunhas, que não
sejam conselhos, intervenções, elogios ou ajudas. As conversas com
testemunhas estão focadas em quatro eixos: expressões (o que chamou a sua
atenção na história contada?); imagens (que tipo de imagens foram evocadas
sobre o que ouviu?); ressonância (o que evoca da sua própria história?) e as
catarses (que novo entendimento surge para você sobre a vida e o viver?).

Para a construção deste processo, propõe o que ele chama de tradição de re-
relato, ou seja, ele procura deixar o cliente descentralizado na posição de
platéia ou audiência, através do convite à re-lembrança e aos testemunhos
externos (clientes, coterapeutas, convidados e pessoas em ressonância com o
tema que possam expressar os re-relatos das ressonâncias sobre aquilo
escutado).

Outro mapa conversacional da clínica dele, são as CONVERSAÇÕES


EXTERNALIZANTES, uma prática narrativa muito útil, quando existem
conclusões negativas sobre a identidade da pessoa. O “espírito” das
externalizações é muito forte e importante, porque caracteriza o problema
como algo distinto e separado do sujeito.

O mapa da externalização do problema se ancora em caracterizar o problema:


nomeá-lo (dar um nome para o problema), mapear as consequências dele (o
que o problema tem feito com a sua vida?), contar as experiências
dessas consequências e questionar o porquê se importa com
as consequências do problema na sua vida. Essas são as quatro categorias de
perguntas que Michael White reflete para construir esses “andaimes”, onde a
pessoa vai podendo, aos poucos, dar sentidos e significados. Relacionar os
problemas com as consequências é útil e normalmente pouco visível nas
narrativas dominantes.

Para ele é muito mais rico abordar a história do problema via as conversações
externalizantes: “O importante nas conversas é não ser normativo, para não
termos suposições que calam as vozes das pessoas e elas ficam sem poder
falar suas particularidades”. Ele busca as intenções e os propósitos de vida das
pessoas e de que forma os problemas ameaçam e distanciam esse objetivo ou
impedem de executá-lo.

Certamente, as conversas externalizantes são também conversas de reautoria.


Michael prioriza os eventos singulares ou exceções que contradizem
a história dominante e que estão negligenciados na percepção. Ele se
interessa pelo desenvolvimento e procura das pessoas, portanto busca o
que chama de iniciativas ou recursos extraordinários, que são como um “ponto
de entrada” para o desenvolvimento de ricas histórias.

Michael White consolidou uma clínica sistêmica própria, onde a sua abordagem
psicoterapêutica é profundamente histórica através de conversações de reautoria, de re-
lembrança, de testemunhas externas e de conversações externalizantes.

MICHAEL WHITE E A CONVERSAÇÃO COM MEMÓRIAS TRAUMÁTICAS


DESASSOCIADAS DA LINHA DA CONSCIÊNCIA

As teorias da memória moldaram o trabalho de White com pessoas que


passaram por traumas bastante importantes. Para ele é importante o
entendimento sobre memórias desassociadas, ou seja, memórias que não
estão localizadas na linha da história e do tempo, que podem ser revividas
como se estivessem no presente, como um fenômeno assustador e
retraumatizante. São diferentes da memória traumática que está associada ao
sistema de memórias na linha da história e do tempo.

O objetivo dele na terapia com traumas é reassociar as memórias


desassociadas. Isto é feito através das memórias que compõe a linha da
história e que mostram as respostas e os sentidos das experiências, tornando
as memórias desassociadas mais completas e não mais não conscientes.
Quanto mais severo e recorrente é o trauma, maior o armazenamento nos
sistemas não conscientes de memórias. De 0 a 2 anos de vida, os sistemas de
memórias são não conscientes e não- verbais: memória de reconhecimento (1ª
semana), memória de procedimentos (1º ano) e memória semântica (2º ano). A
partir do final do 3º ano de vida, começa o desenvolvimento de memórias
conscientes e verbais. Memória de episódios (3º ano), memória de trabalho (4º
e 5º ano) e a memória da linha de consciência (4º, 5º e 6º anos de vida).

Para Michael o sentido do EU depende do desenvolvimento do fluxo dessa


memória da linha de consciência. Estamos falando daquela linguagem
meditativa ou vozes que desenvolvemos nas nossas experiências internas e
que são influenciadas por circunstâncias e relações na vida. Essas memórias
não são lineares e são estruturadas como uma narrativa rica em metáforas.

Para Vygostsky, a nascente do sistema de memória do fluxo da consciência


está na origem daquela linguagem privada e particular da criança, que é a
primeira representação simbólica da origem do EU.

Um trauma severo e recorrente pode dissolver a hierarquia do sistema de


memórias. A prioridade de Michael White é a CONVERSAÇÃO DE
REVIGORAÇÃO DO FLUXO DE CONSCIÊNCIA, de modo a assegurar que
isto não seja retraumatizante. Ele constrói conversas de reautoria com o
objetivo de restaurar o fluxo de consciência e que as memórias traumáticas
possam ocupar um lugar na linha do tempo e da história, de modo a alcançar
conclusões mais ricas sobre a identidade e o sentido de vida.

Priorizar o desenvolvimento e revigoração do fluxo de consciência passa por


todas as práticas conversacionais de Michael White para que a memória do
trauma possa ser reassociada e não seja retraumatizante. Portanto, ele não
começa o processo terapêutico pelo trauma, faz a revisita ao trauma após
construir as bases e fundações de como a pessoa respondeu ao trauma
através das iniciativas, eventos singulares ou recursos extraordinários da sua
história.

Foi realmente um encontro rico e espesso com Michael , que ao finalizar o


Workshop, deixou-nos algumas ideias sobre os seus trabalhos com terapia de
casal e terapia comunitária. Ficamos com um “sabor de quero mais“, com uma
semente plantada para, quem sabe, ser colhida no nosso próximo encontro
com ele, já pré-agendado para março de 2006, em Porto Alegre.

*ELDA ELBACHÁ é Psicoterapeuta Sistêmica de Família, Casal e Individual ,


Facilitadora em Constelações Sistêmicas, Reiki e Curas Energéticas , Diretora
Administrativa, Docente e Supervisora Clínica do CEFAC, Coordenadora do Curso de
Observação da Clínica Sistêmica de Casal (CEFAC/BA), Certificada em Psicoterapia
Sistêmica de Família, Casal e Indivídual (CEFAC/BA), Certificada em Terapia Psico-
Corporal (Círculos Neo-Reichianos/ BA), Certificada em Constelações Familiares (Bert
Hellinger/Ger), Certificada em Constelações Integrativas (Alexandra Caymmi/Swi),
Certificada em Dinâmica Energética do Psiquismo (DEP/BA), Certificada em Reiki
Níveis I, II, III-A (Mestra Claudia de Brito/BA), Certificanda em Essência da Cura
Energética (Lucia Ribas/SP)

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