Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Coleção:
Formação Docente em Diálogo
Volume 7
PIBID-UNICAMP
Aprendizados e desafios na
formação de professores
Copyright © 2017
Coleção
Formação docente em diálogo – v.7
ISBN: 978-85-64440-42-5
PIBID-UNICAMP
Impresso no Brasil
1ª edição – Outubro - 2017
ISBN: 978-85-64440-42-5
Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto n.º 1.825 de 20 de dezembro de 1907.
Todos os direitos para a língua portuguesa reservados para o autor. Nenhuma parte da
publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer meio, seja
eletrônico, mecânico, de fotocópia, de gravação, ou outros, sem prévia autorização por escrito do
Autor. O código penal brasileiro determina, no artigo 184: “Dos crimes contra a propriedade
intelectual: violação do direito autoral – art. 184; Violar direito autoral: pena – detenção de três
meses a um ano, ou multa. 1º Se a violação consistir na reprodução por qualquer meio da obra
intelectual, no todo ou em parte para fins de comércio, sem autorização expressa do autor ou de
quem o represente, ou consistir na reprodução de fonograma ou videograma, sem autorização
do produtor ou de quem o represente: pena – reclusão de um a quatro anos e multa. Todos
direitos reservados e protegidos por lei.
Prefácio.................................................................................................................................. 9
Marcelo Knobel
9
manente de Formação de Professores (CPFP). Essa instância, que tem como
finalidade prover a universidade de subsídios no que se refere à sua política de
formação de professores, vem cuidando da consolidação do programa ao longo
dos últimos oito anos de sua vigência. Essa singular situação do programa em
nossa universidade proporciona um profícuo diálogo entre a equipe responsável
pelo PIBID e a equipe que coordena o CPFP, sempre em interlocução com todos
os coordenadores envolvidos com a formação de professores (coordenadores
de graduação e coordenadores de área do PIBID).
Dentre as 24 unidades de ensino e pesquisa da Unicamp, 11 são respon-
sáveis pela formação de professores nas áreas de exatas, biológicas, humani-
dades e artes, com 23 cursos de graduação (diurno e noturno). Inicialmente, o
PIBID-Unicamp era composto por seis subprojetos, abrangendo dez áreas de
conhecimento. Gradativamente, todos os cursos de formação de professores
da Unicamp passaram a se envolver com o PIBID, sendo que mais de 1000
graduandos já tiveram a oportunidade de participar do programa.
A política interna de formação de professores da Unicamp, que também
envolve o PIBID, tem incentivado um amplo debate sobre a formação docente
em nossa universidade, no diálogo com outras universidades e instituições
como as Diretorias de Ensino Estaduais, a Secretaria Municipal de Educação
de Campinas, a Câmara de Educação da Região Metropolitana e o Conselho
Estadual de Educação.
Como se pode notar pelos sete livros anteriores da Coleção Formação
Docente em Diálogo, muitos aprendizados foram construídos no decorrer
desses anos de experiência do PIBID na Unicamp. Considero que os conheci-
mentos desenvolvidos no âmbito do PIBID, assim como as iniciações cientí-
ficas, trabalhos de conclusão de curso, dissertações, teses e artigos científicos
produzidos na Unicamp e em outras universidades públicas brasileiras, atestam
os desafios e possibilidades que um programa dessa envergadura tem gerado
para a reflexão sobre a formação de professores no Brasil.
Os quinze artigos deste volume evidenciam que práticas formativas efeti-
vadas nos diferentes subprojetos nas áreas de exatas, biológicas, humanidades
e artes, estabelecidas na relação com as necessidades das escolas públicas, mu-
nicipais ou estaduais, caracterizam-se como uma relevante ação universitária
comprometida com a qualidade da formação docente, que favorece a ampliação
dos conhecimentos acadêmico-científicos no campo da educação.
Isso pode ser constatado pela riqueza e diversidade de ações que foram
abordadas nos textos aqui apresentados, favorecendo, como explicitado no
10
título do primeiro volume desta Coleção, a criação de uma nova cultura for-
mativa, na qual professores universitários, professores das escolas e estudantes
da graduação produzem e partilham conhecimentos relativos aos processos
de ensino e aprendizagem nas diferentes áreas. Além da socialização de expe-
riências, os artigos objetivam divulgar as pesquisas científicas e as inovações
advindas das atividades acadêmicas realizadas nos subprojetos do PIBID,
trazendo significativas contribuições para o desenvolvimento de cada uma das
áreas atendidas pelo programa e fortalecendo o tripé ensino, pesquisa e exten-
são. E mais uma vez fica evidente nos textos que “diálogo” é a palavra-chave
tão necessária nestes momentos difíceis que estamos vivendo.
Enfatizo, ainda, o que redigimos no contexto da proposta de gestão da
atual reitoria, que nosso objetivo é “atuar na consolidação de uma cultura
universitária de valorização da formação docente, a qual não abra mão do
necessário e urgente enfrentamento que já vem se delineando no cenário na-
cional relativo a projetos com caráter privatista e de desqualificação de uma
formação pública de qualidade”.1
Para finalizar, parabenizo todos os participantes do PIBID-Unicamp
pelas tantas ações que vêm sendo concretizadas e por estarem envolvidos e
mobilizados nessa luta por uma universidade pública compromissada com
a sociedade, especialmente no que diz respeito à formação de professores e à
Educação Básica.
Marcelo Knobel
Reitor da Universidade Estadual de Campinas/Unicamp
11
Iniciação à docência:
vicissitudes do Pibid-Unicamp na
formação de professores
À guisa de apresentação
Eliana Ayoub
Coordenadora de Gestão do PIBID-Unicamp
Faculdade de Educação
Elaine Prodócimo
Coordenadora de Gestão do PIBID-Unicamp
Faculdade de Educação Física
13
aglutinadora tem sido fundamental nessa esfera acadêmica. Ao longo desses
oito anos de participação no PIBID, podemos afirmar que, juntamente com a
CPFP, temos colaborado significativamente para a consolidação de uma nova
cultura de valorização da profissão docente em nossa universidade.
Os números do PIBID-Unicamp revelam que já participaram do progra-
ma mais de 1370 bolsistas, sendo aproximadamente 1245 de iniciação à docên-
cia, 84 supervisores das escolas públicas, 44 coordenadores da universidade,
desenvolvendo atividades formativas em 49 escolas públicas para alunos do
ensino fundamental e ensino médio, incluindo alunos da educação de jovens
e adultos.
No Edital 2013 do PIBID, que está em vigor desde 2014, foram aprovados
14 subprojetos da Unicamp nas seguintes áreas: Artes Visuais, Biologia, Dança,
Educação Física, Enfermagem, Filosofia, Física, Geografia, História, Letras, Ma-
temática, Música, Pedagogia e Química. Esses subprojetos atendem estudantes
de todos os cursos de formação de professores da universidade, inclusive os de
Sociologia (única licenciatura sem um subprojeto próprio nesse edital)2, uma
vez que tem sido uma política instituída desde o início do PIBID-Unicamp a
possibilidade de inserção de estudantes de diferentes licenciaturas em cada sub-
projeto. Iniciamos as atividades desse edital em 24 escolas públicas, contando
com a participação de 279 bolsistas ID, 47 supervisores, 20 coordenadores de
área, 2 coordenadores de gestão e 1 coordenador institucional, num total de 349
bolsas. No decorrer desse período, com os cortes e novas orientações da Capes,
ficamos com 203 bolsistas ID, 29 supervisores, mantendo os 20 coordenadores
de área, dois coordenadores de gestão e um coordenador institucional, num
total de 255 bolsas, computando uma perda de 94 bolsas entre ID e supervisão.
Mesmo diante dos expressivos números que envolvem o PIBID-Unicamp,
consideramos difícil mensurar os impactos que o programa vem trazendo para
a formação de professores em nossa universidade na relação com as escolas
públicas.
Com o intuito de refletirmos sobre as repercussões do programa espe-
cificamente para os bolsistas de iniciação à docência, nossos educandos, no
primeiro semestre de 2016 demos início a uma pesquisa com os bolsistas ID
egressos do PIBID-Unicamp3, por meio de questionário online, a fim de co-
2 Destacamos que no Edital 2009 do PIBID a Unicamp teve um projeto específico na área
de Sociologia.
3 A amostra da pesquisa foi composta por 793 egressos. Obtivemos resposta de 205 sujeitos
(72 homens e 133 mulheres), dentre os quais 141 estavam formados, sendo que 96 deles
atuavam na área da educação em diferentes níveis de ensino.
14
nhecer e analisar o caminho trilhado por eles e seus olhares sobre os impactos
do PIBID em sua formação docente e em sua carreira. O questionário versou
sobre perguntas relacionadas a: informações de identificação pessoal e formação
(curso, tempo de participação no PIBID, subprojeto, ações realizadas, ano de
conclusão da graduação, etc.); informações profissionais concernentes à atuação
na área da docência (local, nível de ensino, carga semanal de trabalho, etc.);
e informações acerca dos impactos do PIBID-Unicamp para a sua formação
inicial e carreira docente na relação com a atuação profissional. Solicitamos tam-
bém que os participantes da pesquisa narrassem alguma experiência marcante
durante a sua participação no PIBID e que fazia parte de sua atuação docente.
A investigação está em andamento e a análise inicial dos achados permite
afirmar que fazer parte do programa permitiu para grande parte dos sujeitos
investigados o conhecimento da realidade escolar e do contexto da sala de
aula, como pode ser percebido na resposta de um dos participantes do estudo
sobre os impactos do PIBID na sua atuação profissional: “Principalmente a
percepção das potencialidades e das contradições inerentes à escola, que devem
ser levadas em conta em qualquer planejamento; o conhecimento da estrutura
escolar em funcionamento: o que cabe a cada ator, as políticas públicas e seu
impacto no cotidiano de professores e gestores, que impactam, por sua vez, nas
atividades em sala de aula”.
Para alguns bolsistas ID, a participação no PIBID reforçou sua opção pela
docência, como relatado por outra participante do estudo: “O PIBID definiu os
rumos de minha carreira. A partir do PIBID pude perceber que queria realmente
ser professora e me dediquei à carreira, atuando em todos os níveis de ensino”.
E, ainda, a possibilidade de vivenciar a experiência docente durante a
formação inicial em uma estrutura que une a universidade à escola foi mencio-
nada na resposta dada por outro participante: “Para além da prática docente
permitida pelo projeto, os olhares sobre o processo de ensino e aprendizagem se
tornaram mais críticos e atentos às diversidades e problemas existentes. Minha
formação como docente crítico, atento às necessidades e diferenças presentes em
sala de aula e nas escolas é grandemente devedora das observações e discussões
realizadas durante o projeto”. Essa “formação como docente crítico” vai ao
encontro das ideias de Paulo Freire em sua Pedagogia da autonomia, quando
enfatiza que “ensinar exige reflexão crítica sobre a prática”. Para Freire (2003,
p.39), “Por isso é que, na formação de professores, o momento fundamental é
o da reflexão crítica sobre a prática”.
Esses relatos, somados às outras vozes dos participantes do PIBID-
-Unicamp, trazem para o debate a efervescência das relações educativas que
15
vêm sendo cuidadosamente estabelecidas na parceria universidade-escola e
efusivamente compartilhadas na Coleção Formação Docente em Diálogo,
publicada pelo PIBID-Unicamp desde 2014.
Essa coleção, ao explicitar em seus livros4 as diversas ações, aprendiza-
dos e desafios partilhados entre estudantes bolsistas de iniciação à docência,
professores e gestores das escolas e da universidade, assim como dos alunos e
comunidade das escolas parceiras, vem nos auxiliando a colocar em diálogo
“tanto as ações, análises e reflexões de iniciação à docência realizadas nesse
programa, quanto outras no âmbito da formação inicial e continuada de pro-
fessores” (PRADO; AYOUB, 2014b, p.13).
Nos sete livros anteriormente publicados, colocamos em evidência as
realizações e problematizações produzidas no PIBID-Unicamp e também
pudemos contar com a colaboração de outros autores que realizaram uma
reflexão crítica sobre o programa e as necessárias ações para consolidar a par-
ceria universidade-escola e o aprimoramento da formação docente no meio
acadêmico.
Em cada um dos subtítulos da coleção, sinalizamos a caminhada reflexiva
pela qual estávamos passando e anunciando o horizonte de possibilidades que
se descortinavam a partir dela. No volume1 (PRADO; AYOUB, 2014a), refle-
timos sobre a criação de uma nova cultura nos cursos de formação de profes-
sores, conforme citamos acima, atenta ao necessário diálogo nos processos de
formação de professores com o intuito de consolidar práticas educativas que
colocassem em efetiva interlocução a cultura universitária e a cultura escolar.
O volume 2 (AYOUB; PRADO, 2014) anunciou a indispensável construção
da parceria entre a universidade e a escola pública a fim de sustentar o trânsito
entre os conhecimentos e saberes escolares e os saberes e conhecimentos aca-
dêmicos. O volume 3 (PRADO; AYOUB, 2014c) foi construído com o sentido
de compreendermos que era preciso, tanto para a escola quanto para a univer-
sidade, ampliar os horizontes da formação inicial e continuada de professores,
a partir do diálogo mais amplo com a sociedade. Quase como uma retomada
das primeiras iniciativas e uma avaliação para a continuidade do programa
em nossa universidade, o volume 4 (AYOUB; PRODÓCIMO; PRADO, 2015)
procurou retratar as experiências e reflexões constituídas por todos os envol-
vidos nos processos formativos: professores universitários, coordenadores de
área do programa; professores das escolas, supervisores dos bolsistas ID nas
4 Todos os livros da Coleção Formação Docente em Diálogo estão disponíveis em: <http://
www.ccg.unicamp.br/index.php/cpfp/pibid>.
16
escolas parceiras; estudantes dos cursos de graduação de formação de profes-
sores, bolsistas ID assistidos e amparados em suas vivências pelo compromisso
assumido por esses dois profissionais, tanto da escola como da universidade.
Já no volume 5 (PRODÓCIMO; PRADO; AYOUB, 2016), apresentamos, da
perspectiva desses três importantes agentes do programa, os conhecimentos e
saberes produzidos no contexto das práticas pedagógicas realizadas na escola
e seus espaços educativos. O volume 6 (AYOUB; PRADO; PRODÓCIMO,
2016), de certa maneira, anunciou nosso entusiasmo e preocupação:
Entusiasmo por vermos corporificadas experiências exitosas resultantes da dedi-
cação dos atores envolvidos com o Programa e da convicção de que um trabalho
feito numa efetiva parceria e diálogo colaborativo pode resultar em avanços na
qualidade da formação docente e da educação escolar. Preocupação por vermos
que [...] um dos melhores programas de fomento, incentivo e valorização da
profissão docente já propostos pelo Governo Federal, esteja sofrendo cortes
severos e correndo o risco de ser desconfigurado ou mesmo extinto (AYOUB;
PRADO; PRODÓCIMO, 2016, p.13).
17
práticas formativas docentes – muito dos artigos usam os depoimentos de seus
integrantes para evidenciar o impacto que o programa teve em sua trajetória
formativa e experiencial a partir do estabelecimento da parceria universidade-
-escola e da rica interlocução, cotidiana e assistida, junto à equipe de professores
da universidade, professores das escolas e estudantes dos diferentes cursos de
formação de professores da Unicamp e alunos das escolas parceiras.
No primeiro deles, intitulado “Experiências acumuladas do subprojeto
História do PIBID-Unicamp: temporalidades, impermanência e fragmentação
no aprendizado docente”, as coordenadoras de área do subprojeto História,
Josianne Cerasoli e Luana Tvardovskas, procuram, de forma densa e com argu-
mentos calcados em diferentes referenciais teóricos, mostrar que o aprendizado
da docência envolve inúmeras práticas e uma preparação intelectual, relacional,
afetiva e subjetiva, que demanda tempo alargado e espaços diversos. Contex-
tualizando o cenário sócio-político brasileiro e o crescente conservadorismo
social, as autoras refletem sobre o desafio de formar professores nessa conjun-
tura e apontam o necessário investimento nas potencialidades dos pibidianos,
no desenvolvimento de práticas de autonomia e de responsabilidade social,
respeitando e cuidando de si e dos outros, no mundo e com ele.
Em “Reinventar-se: o PIBID-Educação Física e a experiência do sujeito
docente”, os coordenadores de área do subprojeto Educação Física, Helena
Altmann e Mario Luiz Ferrari Nunes, explicitam as bases teórico-metodológicas
em que as diferentes ações do subprojeto foram encaminhadas, notadamente as
relações entre a formação docente em Educação Física e as práticas escolares,
a produção de conhecimento por meio das linguagens escrita e oral na relação
com as experiências e os projetos coletivos desenvolvidos a partir das demandas
de seus participantes e os alunos das escolas. Expondo de modo minucioso
cada um desses tópicos, os autores finalizam o texto afirmando a contribuição
do PIBID para formação de identidades docentes “mais atentas aos problemas
enfrentados diariamente pelo corpo docente em sua jornada laboral”, bem como
a necessidade de tratar os problemas contemporâneos de maneira articulada
às ações de ensino da Educação Física escolar.
O terceiro artigo, “A trajetória do subprojeto PIBID-Unicamp Letras
2014-2017: diversidade, práticas escolares e formação inicial em Letras”, dos
participantes do subprojeto Letras, Anna Christina Bentes, Márcia Mendonça,
Marcos Lopes, Jefferson Cano, Elisa Ribeiro Santos, Daniela Manini, Gisele
Ursini Finardi e Natasha Mourão, apresenta o alcance das ações formativas a
partir de três eixos temáticos construídos na articulação entre as áreas de Lin-
guística, Linguística Aplicada e Teoria Literária: “(i) registros de linguagem e
18
diversidade cultural nas práticas escolares; (ii) formação literária do leitor e for-
mação docente e (iii) gêneros do discurso, práticas escolares e formação docente”.
Chama a atenção do leitor atento o quanto as ações constituídas e construídas
na inter-relação entre todos os participantes das escolas e da universidade nesse
subprojeto, mobilizaram diferentes conhecimentos acadêmicos e escolares e
produziram vivências exitosas aos futuros docentes, possibilitando a circulação
desses outros sentidos, também no contexto da formação inicial de professores.
Elisabeth Barolli e Wilson Elmer Nascimento, do subprojeto Física, as-
sinam o artigo “Desenvolvimento profissional de uma supervisora do PIBID-
-Unicamp: formar e formar-se continuamente”, em que argumentam a favor
das inúmeras oportunidades formativas que se apresentam aos professores
supervisores quando estes assumem o papel de co-formadores e de interlocu-
tores que problematizam as atividades de ensino e educacionais desenvolvidas
na escola pelos bolsistas ID. Refletindo essas premissas a partir de um caso
particular, a autora e o autor evidenciam a trajetória de uma supervisora e o
quanto ela se compreende como uma importante articuladora entre os saberes
da escola e os saberes da universidade nas atividades escolares desenvolvidas
pelos bolsistas ID, bem como do redimensionamento dos próprios saberes,
reconstituídos na interação com os participantes do programa.
O artigo “Aprendendo a escutar o idioma pessoal do aluno: o brincar
e a contação de histórias na formação docente”, de Ana Archangelo, Soraya
Souza, Aletéia Eleutério Alves Chevbotar e Flávia Casarini Tomaz, participantes
do subprojeto Pedagogia, apresenta, a partir de um referencial psicanalítico,
como se estrutura um espaço simbólico no contexto da sala de aula para que
crianças, realizando brincadeiras espontâneas e/ou na contação de histórias,
desenvolvam-se afetivamente e experimentem, pela preparação dos bolsistas
ID e professores-supervisores, um ambiente acolhedor e favorável ao seu
desenvolvimento. O texto procura não só apresentar as bases teórico-meto-
dológicas das ações propostas e realizadas junto às professoras supervisoras
e outras professoras, como também mostra as práticas educativas que foram
desenvolvidas ao longo dos anos de realização do subprojeto em uma escola
municipal de Campinas.
O coordenador de área e a colaboradora voluntária do subprojeto
Geografia, Rafael Straforini e Anniele Freitas, escreveram o artigo “Por uma
paisagem de licenciatura: o GeoPIBID-Unicamp como espaçotempo de ten-
sionamento de sentido de formação docente” com o objetivo de apresentar a
trajetória de desconstrução e ressignificação dos conhecimentos da Geografia
e dos saberesfazeres docentes constituídos junto aos professores de Geografia,
19
a partir das seguintes ações: “pesquisar e agir nas práticas curriculares; oficinas
geográficas; produção de materiais didáticos; grupo de estudos em educação
geográfica; compartilhando saberes; integrando comunidade-escola; palavras
geográficas; e expedições geográficas”. Dentre as contribuições elencadas no
contexto do subprojeto Geografia, as que mais se destacaram, na avaliação
dos autores, são aquelas que passaram a problematizar as “paisagens das li-
cenciaturas” no âmbito da construção da identidade docente do professor de
Geografia da Unicamp.
Edson do Prado Pfutzenreuter, coordenador de área do subprojeto Artes
Visuais, é autor do artigo “A formação do professor de Arte no subprojeto
PIBID-Artes Visuais Unicamp”. Como o próprio autor anuncia, o texto traz
um histórico do subprojeto, no qual o destaque é para as atividades de plane-
jamento entre os participantes e as aulas desenvolvidas na escola parceira. Os
aprendizados construídos giram em torno da organização e condução das situ-
ações de ensino e dos processos de aprendizagem desencadeados, bem como do
desafio de trabalhar com grupos diferenciados e de envolver os estudantes das
escolas em atividades que usem novas tecnologias e favoreçam uma formação
integral a todos os participantes das atividades de ensino.
“Da abstração da teoria à realidade da prática de ensino de Matemática:
experiências e percepções de bolsistas PIBID”, de Ana Cláudia Piau Cândido,
Dario Silva Nascimento, Jheovany Martins, Nayane Lossardo Bucalon, Roger
Amarantes Silveira, Samuel Rocha de Oliveira, Sonia Nogueira e Tiago Torres
Dantas, bolsistas do subprojeto Matemática, retrata alguns pilares fundamentais
para o trabalho docente de professores que ensinam Matemática, notadamente
para o desenvolvimento dos bolsistas ID e sua formação profissional como
também para uma formação cidadã consciente de seu papel na sociedade. Os
relatos dos bolsistas ID presentes no artigo indicam a importância das vivências
no contexto escolar e a construção de uma práxis que alia a ação e a reflexão
constantes acerca do ato de ensinar.
Em “PIBID-Biologia – resumo de nossa trajetória 2014-2017”, Cristina
Pontes Vicente apresenta o conjunto de atividades realizadas no âmbito do sub-
projeto Biologia por ela coordenado, dividido em 6 tópicos: “(1) vivenciando a
escola; (2) aulas práticas; (3) preparação e aplicação de aulas teóricas; (4) criação
de jogos e meios multimídia; (5) avaliação formativa; (6) reuniões semanais”.
Finalizando, a autora indica que as lições aprendidas podem ser cotidianamente
incorporadas nos processos formativos dos licenciandos, desde que professores
responsáveis e coordenadores do PIBID cooperem na produção de projetos de
formação compartilhados e construídos coletivamente.
20
Adriana do Nascimento Araújo Mendes, no artigo “Uma reflexão sobre
os cinco anos do PIBID-Música Unicamp”, apresenta as propostas de trabalho
desenvolvidas no subprojeto Música de 2012 a 2017, período em que atua como
coordenadora de área junto a duas escolas públicas na cidade de Campinas,
tanto no Ensino Fundamental como no Ensino Médio. Situa o ensino de
Música nas escolas dentro do contexto de luta dos profissionais da educação
responsáveis pelo debate do ensino de Artes e detalha as inúmeras atividades
realizadas em que o foco principal foi a ampliação do repertório musical de
todos os envolvidos com o subprojeto na relação com a comunidade escolar.
No capítulo 11, intitulado “A integração de licenciandos, professores da
Educação Básica e do Ensino Superior para a plena formação de professores
de Química ao longo de trajetórias do PIBID”, Adriana Vitorino Rossi, coor-
denadora de área do subprojeto Química, mostra como o compartilhamento
de experiências, angústias, capacidades e sonhos, como ela mesma diz, a partir
do diálogo entre os diferentes participantes do subprojeto, promove um rico
processo de ensino e aprendizagem em um Centro de Educação de Jovens e
Adultos. Evidenciando as ricas interlocuções produzidas a partir dos trabalhos
publicados, a autora explicita os diversos ganhos construídos ao longo da
vigência do programa na Licenciatura em Química em nossa universidade e
convoca o poder público a não abandonar uma prática formativa tão exitosa.
Rêne José Trentin Silveira, Amanda Souza dos Santos, Caio Vilela, Da-
niel Akos, Leonardo César Ribeiro Leite e Thaís Gomes Shiratori, no artigo
“Subprojeto Filosofia e Sociologia: breve balanço”, fazem uma retrospectiva
das atividades desenvolvidas tanto na escola quanto na universidade no con-
texto do subprojeto Pedagogia5. Com o objetivo explícito de contribuir para
o aprimoramento da prática docente dos licenciandos, a partir “da efetiva
imersão na realidade da escola pública”, o texto mostra as diversas atividades
desenvolvidas, dando ênfase àquelas que se revelaram potentes para o trabalho
com os conteúdos escolares além de movimentarem os participantes para a
ampliação do repertório cultural dos bolsistas ID e alunos das escolas.
Os participantes do subprojeto Enfermagem, Mara Regina Lemes De
Sordi, Renata Belarmino, Damaris Ferreira Piffer Alves, Diana Romão Gon-
çalves da Silva, Gabriela dos Santos Pascoto, Leonardo Jayme Correia Rocha,
Luana Cristina Hencklein e Priscila Krahembuhl de Oliveira, no artigo “Ser”
21
professor em saúde e a formação dos trabalhadores técnicos de nível médio
de Enfermagem”, tomando como referência as práticas educativas em saúde,
problematizam os processos de formação dos licenciandos em Enfermagem no
campo da formação dos técnicos em saúde do nível médio, com o intuito de
proporcionar, como indicado no texto, “uma inserção no mundo do trabalho
em saúde, na qual assumam protagonismo na luta por uma assistência digna,
resoluta, humanizada, integral, garantida para todos os usuários, sem discri-
minação de nenhuma espécie”.
No artigo “Experiências e experimentos em ensino de Física”, os autores
do subprojeto Física, Maurício Urban Kleinke, Laura Ramos de Freitas, Ales-
sandra da Cunha, Marli Morceiro, Luiz Fernando Dimarzio, Leticia Guedin
Verratti, Tayna Mioni Nakamura e Tercio Alexandre Esperandio Junior, traçam
um panorama das atividades desenvolvidas, recuperando as experiências de
todos os envolvidos no subprojeto e dos alunos da escola básica em práticas
educacionais ativas que envolvem a aproximação da Física Moderna ao coti-
diano vivencial de todos os participantes.
No último capítulo, “Salve o PIBID-Dança! Um processo de lutas, con-
quistas e desdobramentos”, as autoras Marisa Martins Lambert e Amanda
Rossi Sabioni do subprojeto Dança contextualizam a luta para o ensino de
Dança no âmbito das aulas de arte na escola pública e explicitam as diversas
ações do subprojeto Dança que conquistou um espaço marcante de atuação
na escola. Com a perspectiva de proporcionar a todos os envolvidos o contato
com outras formas de expressão artística corporal e favorecendo a ampliação
do repertório de movimentos e gestos, as ações do subprojeto nas escolas foram
compreendidas como “uma ação de resistência, pautada no exercício de escuta,
participação coletivizada, quebra de pré-conceitos e opiniões reducionistas [...],
na busca pelo refinamento do saber sentir, saber conhecer e saber fazer dança”.
Como se pode depreender das leituras realizadas e das reflexões presentes
nos artigos, temos a certeza de que, apesar das limitações e dificuldades para a
construção de um trabalho mais integrado entre os subprojetos, conquistamos
o reconhecimento dos bolsistas ID a respeito da importância das práticas for-
mativas entre diferentes áreas de formação acadêmica contempladas nos sub-
projetos do PIBID-Unicamp, na relação com seus cursos de formação docente.
Essa valorização do programa é, igualmente, reconhecida por professores da
universidade que se dispõem a colaborar com o programa de forma sistemática e
engajada em seus campos de atuação. No que se refere às escolas e seus sujeitos,
é nítido que os supervisores, ao mediarem as ações educativas dos estudantes,
acordadas nos subprojetos, favorecem não somente o desenvolvimento pré-
22
-profissional dos bolsistas ID como também o seu próprio desenvolvimento
profissional em interlocução com a comunidade escolar.
Do mesmo modo, tem sido muito evidente que as ações didático-peda-
gógicas desenvolvidas em cada um dos subprojetos do PIBIB-Unicamp, no
contexto dos cursos de formação de professores das faculdades e institutos da
universidade, geram um movimento na formação universitária e suas relações
com a escola básica – futuro lugar da profissão docente –, que proporciona
visibilidade para a formação dos profissionais da educação em sua relação his-
tórica com outros conhecimentos universitários associados a outras formações
profissionais. Um indicador forte, apresentado por vários subprojetos ao longo
da realização do programa em nossa universidade, é a realização de trabalhos
de conclusão de curso, pesquisas de iniciação científica, dissertações e teses que
tematizam a formação de professores e seus conhecimentos profissionais, bem
como as problemáticas contemporâneas que incidem sobre a escola básica.
Sob essa ótica, respeitadas as peculiaridades das unidades de ensino
e pesquisa e suas respectivas áreas, estamos observando um movimento de
discussão em torno da formação de professores, do seu status nos cursos de
graduação, da necessária implicação de algumas disciplinas no tratamento de
aspectos singulares da docência e do papel social da profissão docente na so-
ciedade. Esse movimento aponta que o PIBID na Unicamp tem fortemente se
constituído como um espaço simbólico e material que tem provocado outras
formas de conceber a formação universitária.
Nesse contexto, visualizamos como perspectiva que as bases do programa
na Unicamp, em consonância com as orientações da Comissão Permanente
de Formação de Professores (PRG/Unicamp), possam ser assumidas pelas
unidades de ensino e pesquisa na formulação de uma política universitária de
formação de professores articulada com as problemáticas da escola pública,
tendo em vista a valorização da profissão docente na sociedade.
Tal valorização parece estar ainda mais fragilizada na atual conjuntura
brasileira, o que tem demandado de todos nós um engajamento coletivo para
enfrentarmos esses tempos sombrios do cenário nacional.
Nas discussões realizadas no Fórum Nacional do PIBID (ForPIBID),
um imprescindível espaço de luta, tem sido tema recorrente que a atual crise
brasileira, ligada à crise econômica e política mundial, tem afetado todas as
instâncias da vida social, com especial destaque à esfera educacional. É incon-
testável que está em curso um conjunto de ações nefastas e temerárias, com
ataques sistemáticos à educação pública no Brasil, que se fazem sentir nas macro
23
e micro decisões no âmbito da política educacional e, mais especificamente,
nas políticas de formação de professores, levadas a termo pelo MEC e pela
CAPES, especialmente desde maio de 2015. E, nesse sentido, juntamo-nos a
António Nóvoa (2009), quando defende a necessidade de uma “renovação da
educação como espaço público”.
Em particular, o PIBID corre seriamente o risco de ser descaracteriza-
do como uma política de formação de professores comprometida com uma
formação de qualidade e com a valorização da profissão docente brasileira, a
despeito das inúmeras discussões mostrando a relevância do programa, tanto
nas universidades e nas escolas parcerias quanto em diferentes fóruns e em
sucessivas audiências com a participação de alguns representantes públicos
(vereadores, deputados e senadores), as quais atestam a integridade e a exe-
quibilidade de uma ação governamental dessa amplitude.
Caros leitores e leitoras, apesar desse momento extremamente difícil e
nebuloso que estamos vivendo no país, esperamos que os aprendizados e de-
safios partilhados neste oitavo livro da Coleção Formação Docente em Diálogo
possam nos inspirar e incentivar a permanecer juntos numa ação de resistência
para que o PIBID não se fragmente e continue sendo uma permanente e efetiva
política no campo da formação de professores, que se some aos incansáveis
esforços dos educadores brasileiros para a constituição de uma educação pú-
blica de qualidade em nosso país.
Referências
AYOUB, Eliana & PRADO, Guilherme do Val Toledo Prado (Orgs.). PIBID-Unicamp:
construindo parcerias entre a universidade e a escola pública. Campinas: Edições
Leitura Crítica, 2014. (Coleção Formação Docente em Diálogo, v.2). Disponível em:
<http://www.ccg.unicamp.br/files/cpfp/pibid/livros/02-PIBID-UNICAMP-livro-
volume-2.pdf>.
AYOUB, Eliana; PRADO, Guilherme do Val Toledo; PRODÓCIMO, Elaine (Orgs.).
PIBID-Unicamp: interlocuções e ações no contexto de uma necessária política de
formação de professores. Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2016. (Coleção
Formação Docente em Diálogo, v.6). Disponível em: <http://www.ccg.unicamp.br/
files/cpfp/pibid/livros/06-PIBID-UNICAMP-livro-volume-6.pdf>.
AYOUB, Eliana; PRODÓCIMO, Elaine; PRADO, Guilherme do Val Toledo (Orgs.).
PIBID-Unicamp: experiências e reflexões sobre a formação docente. Campinas, SP:
Edições Leitura Crítica, 2015. (Coleção Formação Docente em Diálogo, v.4). Disponível
em: <http://www.ccg.unicamp.br/files/cpfp/pibid/livros/04-PIBID-UNICAMP-livro-
volume-4.pdf>.
24
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
(27ª ed.) São Paulo: Paz e Terra, 2003.
NÓVOA, António. Os professores e o “novo” espaço público da educação. In: TARDIF,
Maurice; LESSARD, Claude (Orgs.). O ofício de professor : história, perspectivas e
desafios internacionais. (3ª ed.) Petrópolis, RJ : Editora Vozes, 2009, p. 217-233.
PRADO, Guilherme do Val Toledo Prado & AYOUB, Eliana (Orgs.). PIBID-Unicamp:
criando uma nova cultura nos cursos de formação de professores. Campinas: Edições
Leitura Crítica, 2014a. (Coleção Formação Docente em Diálogo, v.1). Disponível em:
<http://www.ccg.unicamp.br/files/cpfp/pibid/livros/01-PIBID-UNICAMP-livro-
volume-1.pdf>.
. PIBID-Unicamp: criando uma nova cultura de valorização da profissão
docente. In: PRADO, Guilherme do Val Toledo e AYOUB, Eliana (Orgs.). PIBID-
Unicamp: criando uma nova cultura nos cursos de formação de professores. Campinas:
Edições Leitura Crítica, 2014b, p.17-33. (Coleção Formação Docente em Diálogo, v.1).
. PIBID-Unicamp: ampliando horizontes na formação de professores.
Campinas: Edições Leitura Crítica, 2014c. (Coleção Formação Docente em Diálogo,
v.3). Disponível em: <http://www.ccg.unicamp.br/files/cpfp/pibid/livros/03-PIBID-
UNICAMP-livro-volume-3.pdf>.
PRADO, Guilherme do Val Toledo; AYOUB, Eliana; PRODÓCIMO, Elaine (Orgs.).
PIBID-Unicamp: narrando cotidianos e histórias. Campinas, SP: Edições Leitura
Crítica, 2017. (Coleção Formação Docente em Diálogo, Edição Especial). Disponível
em: <http://www.ccg.unicamp.br/files/cpfp/pibid/livros/07-PIBID-UNICAMP-livro-
edio-especial.pdf>.
PRODÓCIMO, Elaine; PRADO, Guilherme do Val Toledo; AYOUB, Eliana (Orgs.).
PIBID-Unicamp: conhecimentos e saberes produzidos na práxis educativa. Campinas,
SP: Edições Leitura Crítica, 2016. (Coleção Formação Docente em Diálogo, v.5).
Disponível em: <http://www.ccg.unicamp.br/files/cpfp/pibid/livros/05-PIBID-
UNICAMP-livro-volume-5.pdf>.
UNICAMP. Pró-reitoria de Graduação (PRG). Comissão Central de Graduação
(CCG). Comissão Permanente de Formação de Professores (CPFP). Regimento
Interno da Comissão Permanente de Formação de Professores – CPFP – PRG /
UNICAMP. Campinas, SP: Unicamp/PRG/CCG/CPFP, 2014.
25
Experiências acumuladas do
subprojeto de História do pibid-Unicamp:
temporalidades, impermanência e fragmentação no
aprendizado docente
Josianne Cerasoli
Luana Tvardovskas
Coordenadoras de Área do subprojeto História do PIBID-Unicamp
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
27
condição de bolsistas e futuramente como docentes. No entanto, aprender a
ensinar demanda exercício e prática, observação, reflexão e amadurecimento,
além de tempo dedicado à preparação intelectual, relacional, afetiva e subjeti-
va. Os percursos para tornar-se professor ou professora de História, mais do
que resultante de um cálculo preciso ou fechado, podem ser compreendidos
como uma rede de significados moldáveis, um movimento incerto e em fluxo
que nos desafiamos aqui a discutir. Esses aspectos evidenciados são funda-
mentais e valiosos na formação docente, se desejarmos sustentar espaços para
a liberdade e para a criação de práticas e estratégias próprias a cada futuro
docente.
No entanto, perante o cenário sócio-político desafiador no Brasil con-
temporâneo, a educação de modo geral e as políticas públicas direcionadas à
educação se tornam vulneráveis sob diversos sentidos.6 Ameaças constantes
de interrupção nos programas de incentivo à pesquisa e ao ensino como o
próprio PIBID, conjugadas a iniciativas envoltas em um conservadorismo
social crescente, somadas a um revigoramento de políticas e ações de fundo
liberal na forma de uma “virada neoliberal”, descrita por muitos pesqui-
sadores, a educação sofre e padece; dessa forma, a formação docente se vê
profundamente afetada.
Não parece plausível refletir sobre a experiência do PIBID sem inseri-la
nesse cenário cujas decorrências estão mutuamente interligadas e, embora
ainda difíceis de se mensurar, desde já alimentam intensas preocupações.
Sejam consideradas a partir de aspectos mais abrangentes, sejam compre-
endidas a partir das dimensões subjetivas daqueles envolvidos no projeto,
sobretudo os bolsistas de iniciação à docência, tais preocupações reiteram a
importância de se refletir sobre as condições históricas em que se desenvolve
o projeto. De um ponto de vista mais amplo, a aceleração das decisões go-
vernamentais, sobretudo em âmbito federal, soma-se às renovadas restrições
orçamentárias para as políticas públicas em educação e à ampliação do papel
desempenhado por representantes de empresas direta ou indiretamente re-
lacionadas à área educacional, produzindo ao mesmo tempo instabilidades
e ansiedades quanto aos desdobramentos dessas iniciativas. Ao menos três
dentre elas repercutem amplamente no cotidiano do programa e acabam por
afetar, ainda que de modo impreciso, os processos formativos de estudantes
de licenciatura engajados no PIBID: a reestruturação do Ensino Médio, as
6 Uma breve reflexão a partir da experiência do PIBID aponta algumas consequências ime-
diatas (CERASOLI, 2017, p. 21-24).
28
discussões sobre a Base Nacional Comum Curricular e as polêmicas em torno
da “doutrinação ideológica” nas escolas.
Se por um lado as medidas governamentais em direção à chamada
reforma do Ensino Médio indicam diretamente a futuros professores a neces-
sidade de se manterem atualizados quanto ao debate, despertando inclusive
dúvidas sobre o papel de cada um dos campos disciplinares na formação básica
prevista para a educação formal no Brasil, as incertezas quanto aos interesses
efetivamente contemplados e talvez motivadores nessas mudanças apontam
para constantes dúvidas acerca das questões que estão em jogo. A percepção
da importância de uma análise detida sobre as circunstâncias que envolvem o
Ensino Médio e da formulação de proposições refletidas e consequentes para
os sistemas de ensino parece estar em conflito com a urgência com que me-
didas de enorme relevância para a educação foram apresentadas entre 2016 e
2017 no país. Essa percepção não deixa de trazer aos bolsistas preocupações
e sobretudo dúvidas sobre os posicionamentos mais coerentes a se defender.
Situação similar ocorre em relação à Base Nacional Comum Curricular,
cujo processo de elaboração e discussão iniciado em 2014 e norteado por ampla
participação da sociedade e dos profissionais da educação sofreu significativa
alteração quando foram organizadas as comissões para sistematização da ter-
ceira versão, divulgada no final de 2016.7 Especificamente na área de História,
as expressivas diferenças entre as três versões, especialmente entre a primeira e
a segunda, ao lado das divergências de avaliação entre os profissionais, deixam
sob suspeição uma análise detida sobre os objetivos e o alcance das mudanças
indicadas. No subprojeto de História do PIBID-Unicamp, o tema tem estado
em pauta desde 2015 e a percepção das diferenças entre as versões e opiniões
de especialistas tem acentuado, nesse tempo, a necessidade de se analisar mais
detidamente as implicações das decisões que estão em jogo.8 Tanto a mudança
do Ensino Médio instaurada a partir de uma medida provisória, um instru-
mento legal justificável em caso de urgência, quanto a abreviação e restrição
29
dos debates sobre a reestruturação do Ensino Médio sinalizam aos futuros
professores uma interpretação que poderia ser vista como contraditória, na
medida em que relevam a um segundo plano a desejável tomada de decisão
refletida no campo educacional.
São duas situações concomitantes e, em certo sentido, complementares,
uma vez que articulam mudanças estruturais nas próprias finalidades do pro-
cesso educacional formal, deslocando-o de uma educação para a cidadania e
a emancipação, com bases em abordagens de caráter democrático acerca do
quotidiano escolar, para um processo educativo voltado prioritariamente para o
chamado “protagonismo juvenil” e a antecipação do preparo para o “mercado”.
Seguramente haveria muito a se discutir a esse respeito, e a necessidade desse
debate não tem passado despercebida para os especialistas e também para o
grupo do subprojeto História do PIBID-Unicamp.9 Porém, a aceleração na
condução das mudanças tem sido inversamente proporcional às dúvidas e à
demanda por esclarecimentos por elas levantada.
A despeito da velocidade das mudanças em pauta, tem sido possível no
grupo do PIBID/História levantar-se ao menos algumas questões mais am-
plas para viabilizar o entendimento de bases e implicações desses processos.
Ao buscar aprofundar o entendimento dessas questões, um dos aspectos que
chama atenção do grupo é o papel preponderante e crescente de parcerias
público-privadas e de iniciativas da chamada “sociedade civil organizada” na
articulação dessas medidas governamentais.10 As organizações privadas em
parceria com a administração pública, cada vez mais presentes e atuantes na
condição de entidades da sociedade civil genericamente identificadas como
organizações não governamentais, ocupam atualmente lugar privilegiado nos
debates sobre as políticas públicas em educação.11 São organizações vinculadas
a empresários ou diretamente a grandes empresas nacionais e internacionais,
cujos slogans sugerem sua atuação inovadora, eficiente, independente e com-
prometida com soluções de gestão supostamente mais efetivas do que aquelas
em vigor, orientadas por padrões empresariais de gestão e avaliação. São tão
9 São exemplos do debate sobre as mudanças nas políticas públicas educacionais, entre ou-
tros, os dossiês publicados na revista Educação & Sociedade, entre os quais: FERREIRA;
SILVA, 2017, p. 287-292, e POCHMANN, 2017, p. 309-330.
10 As parcerias público-privadas foram aprovadas pela Constituição Federal de 1988 e seu
marco regulatório foi oficializado pela Lei Federal 13.019, de 2014, alterado pela Lei 13.204,
de 2015.
11 Juridicamente abrangem institutos, fundações, entidades sem fins lucrativos, Organiza-
ções da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) e as Organizações Sociais (OSs),
subvencionadas pelo Estado.
30
numerosas quanto atuantes ao reiterarem a suposta ineficiência dos sistemas
de ensino atuais, inclusive na formação de professores. Apoiadas em critérios
de avaliação de eficiência em certa medida alheios às condições de trabalho
e vivência experimentadas pelos bolsistas nas escolas, acabam por reforçar
visões negativas sobre o ensino ao mesmo tempo em que apoiam concepções
individualistas de educação. Mesmo indiretamente, reiteram avaliações de que
as soluções e metas para uma melhoria na qualidade da educação passariam
prioritariamente por respostas individuais, tanto de estudantes quanto de pro-
fessores, relegando a segundo plano análises capazes de inserir a problemática
da educação em uma esfera social, histórica e política.12
Michel Foucault (2008) analisou o neoliberalismo como um fenômeno
não simplesmente econômico, mas que havia se espalhado pelo corpo social
em práticas tão diversas como empresariamento de si mesmo e a governa-
mentalidade biopolítica. Nesse prisma, alertava para como a constituição das
subjetividades havia sido afetada por um modelo contabilista e perversamente
autoritário. Nessa lógica, indivíduos são continuamente incitados a consti
tuírem a si como uma empresa dotada de capital humano e, por isso, tomados
como um resultado direto dos seus próprios investimentos e cálculos de rota.
Assim, relacionamentos interpessoais, afetivos, familiares, o processo educacio-
nal e o próprio mundo do trabalho foram profundamente afetados por fatores
como estimativa, lucro, benefícios ou vantagens. Foucault (2008, p.203) destaca:
É essa multiplicação da forma “empresa” no interior do corpo social, que cons-
titui, a meu ver, o escopo da política neoliberal. Trata-se de fazer do mercado,
da concorrência e, por conseguinte, da empresa, o que poderíamos chamar de
poder enformador da sociedade.
12 Entre tais organizações sociais destacam-se: a Fundação Lemann (criada em 2002 por
Jorge Lemann, um dos controladores da empresa de cervejas belgo-brasileira Anheuser-
-Busch ou AB InBev); o Instituto Unibanco (fundado em 1982 e ampliado em 2002 com o
conglomerado Itaú-Unibanco, quando passa a dedicar-se prioritariamente à educação); o
movimento Todos pela Educação (fundado em 2006 por iniciativa liderada por Jorge Gerdau
Johannpeter, presidente do Grupo Gerdau, empresa siderúrgica brasileira com vínculos
transnacionais); a organização Movimento pela Base (formado em 2013, com papel deci-
sivo no processo de discussão da BNCC, assumindo atualmente inclusive a liderança do
processo de implementação da Base, ainda em discussão, como se vê em notícia pela União
dos Dirigentes Municipais de Educação-UNDIME em maio deste ano: <https://undime.
org.br/noticia/05-05-2017-10-49-iniciativa-do-movimento-pela-base-traz-orientacoes-
-para-a-implementacao-da-bncc>. Acesso em: 18/8/2017.
31
tempo necessário para compreensão da extensão das consequências dos usos de
valores empresariais na concepção de gestões públicas e no gerenciamento das
expectativas em prol do empreendedorismo. A premência concorrencial enfor-
ma em certa medida o debate incontornável. Soma-se à percepção da aceleração
dos processos em discussão e às consequentes dúvidas que despertam a indi-
cação da importância de se acompanhar, na condição de futuros professores,
as implicações do debate e das decisões assim encaminhadas por meio dessas
medidas e da atuação desses protagonistas até recentemente estranhos às esferas
da educação formal.13 A aparência consensual reforçada nas campanhas em prol
das mudanças em curso na verdade ocultam divergências e diminuem o papel
fundamental de um debate aprofundado sobre o tema, ampliando a sensação
de instabilidade e insegurança dos licenciandos diante das políticas públicas
em educação. Afinal, tanto a discussão sobre a reformulação do Ensino Médio
quanto a implementação da BNCC estão diretamente associadas às anunciadas
revisões dos parâmetros para formação de professores e das matrizes tanto para
avaliação externa da aprendizagem escolar quanto das políticas de elaboração
e seleção de material didático.14 Não se pode negar a implicação direta dessas
mudanças para a futura atuação dos pibidianos como professores, tampouco
o efeito de cada uma delas para a consolidação de expectativas muitas vezes
negativas sobre a atuação profissional. As mudanças, afinal, são anunciadas
para um tempo muito próximo.
Além desses aspectos, os recentes debates sobre a presumida “doutrinação
ideológica” nas escolas reiteram o cenário de incertezas e as angústias diante de
um espectro composto no ambiente de suspeição estimulado pelas iniciativas
em prol da suposta neutralidade ideológica, em diferentes níveis. A despeito
de pareceres jurídicos recentes que atestam não apenas a inconstitucionalidade
quanto usos distorcidos de conceitos e de documentos relativos à defesa de di-
reitos humanos, empregados contraditoriamente na contramão dos princípios
que asseveram, a reiterada vigilância dirigida aos profissionais da educação
para se evitar algum potencial atentado a parâmetros autorreferenciados como
neutros converte cotidianamente suspeição em constrangimento.15
32
Além dos perigos para as relações de ensino e aprendizagem em ambiente
de suspeição, ao se considerar a importância do conhecimento histórico para
a compreensão de concepções e perspectivas de sociedade em pauta nessa
polêmica e em seus desdobramentos, também fora dos espaços educativos
formais, percebe-se de modo ainda mais agudas as consequências provocadas
pelo cerceamento da vigilância ideológica. É exemplar da gravidade desse
quadro a recente interrupção de uma exposição artística na cidade de Porto
Alegre sob forte pressão de argumentos alinhados com “neofundamentalismos”,
em flagrante censura artística similar àquelas experenciadas em sintonia com
a expansão do nazismo na década de 1930.16 Mais que a futuros professores
e professoras voltados a todos os campos disciplinares, aos licenciandos em
História esse aprofundamento de intransigências – em si mesmos, contrárias
a princípios constitucionais de tolerância e liberdade de pensamento – impõe
atenção, preparo e sensibilidade para reflexões, também na esfera escolar.
Nossos pibidianos se encontram, assim, afetados por esse quadro na condição
de cidadãos, de futuros professores e historiadores.
São circunstâncias capazes de interferir diretamente na formação dos
futuros docentes, alterando sua percepção da pertinência de posturas críticas
e plurais ao mesmo tempo em que estimulam incompreensões ligadas a temas
de sensível presença no cotidiano escolar, interditando-os. Para citar aspectos
que exprimem a violência desse contexto no qual a escola está inserida hoje,
crescem os ataques à chamada “ideologia de gênero”, que teria, segundo seus
opositores, a função de regular o corpo, o desejo, as práticas e as identidades
sexuais das crianças. Ora, é justamente contra a regulação moral das subje-
tividades corporais e a violência que essa regulação imprime no cotidiano
escolar que os estudos de gênero, em suas mais ricas e diferentes vertentes,
especializaram-se há pelo menos quatro décadas em nosso país.
Aprendizados acumulados
Segundo a coordenadora do subprojeto História entre os anos de 2012
a 2016, Néri de Barros Almeida, em entrevista para a RTV Unicamp em 17
de junho de 2015, o programa almejou desde seu início a formação didático
pedagógica específica para o conteúdo de História, para que seus integrantes
chegassem à escola com algumas estratégias para o desenvolvimento daquele
33
conteúdo e capacidade de adaptabilidade para diferentes faixas etárias.17 Para
isso, o programa promoveu e promove uma série de ações práticas para uma
formação docente ainda no período da licenciatura, o que antes ocorria ape-
nas no início da carreira de um jovem professor. Podendo ser pensado como
um estágio mais elaborado e mais exigente, desenvolve-se em convênio com
diferentes escolas, com um professor supervisor também bolsista em cada uma
delas. Esses supervisores recebem os alunos da Unicamp que assistem às aulas,
planejam intervenções que sejam motivadoras e interessantes para os alunos e
que possam levar novidades também para o próprio professor.18
Num segundo momento, o feedback do professor deve contemplar a
atuação dos pibidianos, a adequação do conteúdo à série, apontando se houve
uma fundamentada preparação do material, dando-lhes informações sobre
a prática escolar e conteúdos novos que podem ser aprimorados até o seu
desenvolvimento no contexto escolar. A atuação pensa-se, então, como uma
atividade que procura ser especial e é discutida pelo professor supervisor e pelos
pibidianos antes e após a experiência. Há no programa uma série de elementos
motivadores: o/a professor/a recebe uma bolsa, podendo dedicar tempo ao pro-
jeto; tampouco se determina um tempo obrigatório de permanência por parte
dos pibidianos - há maleabilidade e, mesmo assim, e a taxa de permanência
é muito alta, pelo menos de 12 meses. Os pibidianos também relatam ser um
fator de motivação poder atuar e não somente observar a sala de aula, como
geralmente ocorre em estágios curriculares tradicionais. Outro dos aspectos
bastante sublinhado é o caráter coletivo do projeto, que implica formas de
atuação críticas do individualismo e da competitividade, nem sempre simples
de serem alcançadas. Em relação à possibilidade de experimentação e de saída
da zona de conforto, uma participante de nosso projeto afirma:
Eu, que sou bastante tímida e tenho dificuldades de falar em público, tive que
assumir, com a ajuda de colegas, por várias vezes algumas salas de aulas, e cada
uma dessas vezes foi uma experiência muito rica pra mim. Lembro-me de uma
professora me incentivando a fazer o PIBID, me dizendo: “entra no projeto,
porque é muito importante na formação do professor, quando eu dou minhas
aulas de estágio vejo ser nítida a diferença entre quem participou ou participa
do programa e quem não”. Retomo isso, para dizer que acho que a experiência
mais marcante do PIBID, para mim, nesse semestre foi a conexão do programa
com o Estágio Supervisionado II. Em comparação ao Estágio Supervisionado I,
34
que fiz quando ainda não participava do projeto, percebi que me senti muito mais
segura, com mais ideias e me senti bem mais preparada, por conta da bagagem
de outras atividades que já fiz no PIBID, como o UPA do ano passado e algumas
intervenções. (Tânia)19
35
aproximação dessa relação entre a rede pública e a universidade para que se possa
pensar, pesquisar e produzir mais conhecimento sobre o ser professor, suas táticas,
seus objetivos, suas dinâmicas e sua didática (...). O PIBID tem a possibilidade de
fazer parte dessa aproximação, e da elaboração a partir da vivência nas escolas
de novas compreensões sobre a educação e seus horizontes, trazendo o debate da
educação não apenas para os pedagogos, mas também para os profissionais de
História ao pensarmos o conteúdo produzido na universidade para com o ensino
do mesmo nas escolas. (Rita)
36
quais podem ser as estratégias para que o conteúdo específico do ensino de
História tenha pertinência social, significado e potencial para a construção
da cidadania apesar das imensas dificuldades e empecilhos políticos, institu-
cionais e sociais, é sem dúvida um desafio cotidiano e um enorme ganho em
termos de maturidade intelectual e profissional. Uma segunda dimensão que
merece reflexão é a experiência deste choque sem um pensado acolhimento
das demandas e dos sonhos que pode facilmente desestimular uma geração
de graduandos à docência.
Nesse segundo aspecto, gostaríamos de nos deter, pois ele indica um
problema nem sempre de fácil compreensão. Se há, como identificamos em
inúmeras falas e depoimentos, um interesse genuíno na docência por parte dos
pibidianos, que veem na educação uma forma de interferir para equilibrar a
balança num país tão desigual quanto o nosso, também esses mesmos futuros
professores são constituídos por e expressam práticas muito comuns de nosso
tempo. Por vezes temos diagnosticado em nossos estudantes certa confusão
entre sentidos, valores e projetos educacionais e os medos e inseguranças de
como efetuar o cálculo neoliberal profissional, que podem ser mais bem com-
preendidos por meio da reflexão de Foucault acerca dos modos de subjetivação
contemporâneos.
Acerca dessa temática, em diálogo com Michel Foucault, Alfredo Veiga-
-Neto discute os movimentos contemporâneos em que as escolas, sobretudo
privadas, vêm modificando as práticas de disciplina tradicionais em nome de
pedagogias que aparentemente são mais flexíveis e liberadas, discurso afinado
com as recentes propagandas de que o novo Ensino Médio é melhor, pois o
aluno poderia “escolher” seu percurso formativo livremente, segundo seus
interesses. No entanto, aponta como essas práticas são, muitas vezes, informa-
das pelos discursos do mercado, que priorizam a forma sujeito-cliente e não
necessariamente o ensino. Para ele, dessas tecnologias de controle, remetendo-
-nos aqui também a Gilles Deleuze, derivam subjetividades cada vez mais as-
sujeitadas e dependentes, quanto mais livres acreditam ser (DELEUZE, 1992,
p.219-226). Para Veiga-Neto (2000, p.179-217):
Além disso, boa parte das inovações administrativas e pedagógicas que estão
invadindo a instituição escolar - de que são bons exemplos a meritocracia exa-
cerbada, a formação permanente, o ensino a distância, o controle contínuo—
refletem a tendência ao empresariamento das escolas privadas, cujo maior
resultado é a antecipação, aos alunos, do mundo “lá fora”; uma antecipação
que é vista como a melhor maneira de preparar competências para atuar num
mundo marcado pelo mercado e pela competição. Nesse sentido, essas escolas
estão ainda implicadas no jogo da cidade.
37
Perante tais apelos do mercado, como enfrentar um desejo de intimida-
de e de melhores relações humanas que por vezes esbarra na difícil construção
da autoridade em sala de aula? Como não confundir a aspiração legítima por
uma relação professor-aluno respeitosa com uma atuação frágil – motivada
pelo anseio de ser bem quisto entre alunos ou pela ameaça do desemprego?
Como reconhecer que o professor deve assumir intelectualmente o papel
de retirar o discente da zona de conforto, ensinando-lhe outros mundos,
quando muitos descrevem o receio em serem desaprovados ou perderem
o interesse e a atenção dos estudantes? Qual é a equação adequada entre
cuidado com casos individuais ou excepcionais em sala de aula, interven-
ção rígida ou ignorar pequenos “desvios” de comportamento em nome do
bem coletivo? Como aceitar e acolher o tempo necessário ao aprender e ao
ensinar, resistindo às pressões e cálculos estéreis? Um dos integrantes desse
subprojeto refletiu, por exemplo, sobre as experiências encontradas num
cotidiano escolar instável:
Um primeiro balanço realizado através desta experiência nos leva a concluir que
a escola definitivamente não se relaciona com o modelo ideal que encontramos
ao cursar disciplinas da licenciatura na Universidade. Problemas e complicações
acontecem a todo o momento e, diferente do curso de História, lidamos com pes-
soas vivas o tempo todo e estamos constantemente sujeitos às suas mudanças de
pensamento, humor, crises de consciência e falhas. Assim, o aprendizado deste
semestre foi muito menor em relação às metodologias de aula ou didática de
maneira geral, mas muito maior no que se refere à convivência em um ambiente
escolar – seja na relação inter-docentes como nas relações docente-alunos, que
não estão de forma alguma distantes do que ocorre do lado de dentro da “sala
dos professores”. (Carlos)
38
Das grandes dificuldades apontadas nesse programa, portanto, parece
permanecer um desafio fundamental inserir o projeto de modo significativo
e consciente no interior dos dilemas fundamentais que vivenciamos na esfera
escolar, no âmbito da formação e também da prática profissional, mas também
nas esferas mais amplas da sociedade contemporânea. No testemunho de uma
bolsista quando se despedia do programa, talvez se vislumbre, entrelaçados, os
diferentes fios desse aprendizado multifacetado - e em muitas medidas intangí-
vel - que perpassa os estudos históricos sem a eles se restringir, mostrando-se
de difícil mensuração.
Creio que fomos aprendendo muita coisa com as experiências e com certeza
caminhamos para um futuro melhor. Pude aprender de maneira não tão tran-
quila como eu gostaria, a conviver com o diferente: opiniões diferentes, formas
diferentes, verdades diferentes, maneiras de encarar os problemas, dificuldades e
responsabilidades diferentes. (Nádia)
Ao mesmo tempo, esse mesmo desafio figura como uma grande mo-
tivação para novas etapas desse processo. Parece-nos central, nesse sentido,
investirmos nas possibilidades e potencialidades do projeto, estimulando em
nossos pibidianos um aperfeiçoamento das práticas de autonomia, a partir
de um incentivo à maturidade e à confiança e, ao mesmo tempo, dotá-los de
sentido de responsabilidade social, respeito e de cuidado com o outro e com o
mundo, como provoca Hannah Arendt - estes poderiam ser alguns dos aspectos
mais pertinentes.21 Aprender a ensinar demanda algo além de exercício, prática,
observação, reflexão e amadurecimento, além de tempo dedicado à preparação
intelectual, relacional, social afetiva e subjetiva. Os conhecimentos e conteúdos
específicos do campo disciplinar da história ganhariam ainda mais significado,
inseridos nos dilemas e engajamentos para os quais todos somos chamados a
nos posicionar na atualidade.
Referências
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Editora Perspectiva, 1990.
CERASOLI, Josianne et al. O currículo para o ensino de História em questão. In:
PRODÓCIMO, Elaine; PRADO, Guilherme do Val Toledo; AYOUB, Eliana (Orgs.).
21 Arendt (1990, p. 246) afirma que “(...) a função da escola é ensinar às crianças como o
mundo é, e não instruí-las na arte de viver. Dado que o mundo é velho, sempre mais que
elas mesmas, a aprendizagem volta-se inevitavelmente para o passado, não importa o
quanto a vida seja transcorrida no presente”.
39
PIBID-Unicamp: conhecimentos e saberes produzidos na práxis educativa. Campinas,
SP: Edições Leitura Crítica, 2016, p.17-38. (Coleção Formação Docente em Diálogo, v. 5.)
CERASOLI, Josianne F. Instabilidades educacionais como legado do PIBID. In:
PRADO, Guilherme do Val Toledo; AYOUB, Eliana; PRODÓCIMO, Elaine (Orgs.)
PIBID-Unicamp: narrando cotidianos e histórias. Campinas, SP: Edições Leitura
Crítica, 2017, p. 21-24. (Coleção Formação Docente em Diálogo, Edição Especial)
DELEUZE, Gilles. Post-scriptum sobre as sociedades de controle. Conversações,
1972-1990. Trad. Peter Pál Pelbart. São Paulo: Editora 34, 1992, p.219-226.
FERREIRA, Eliza Bartolozzi & SILVA, Monica Ribeiro. Centralidade do ensino médio
no contexto da nova “ordem e progresso”. Educ. Soc. [online]. 2017, v.38, n.139,
p. 287-292. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/es0101-73302017179021>.
Acesso em: 11/09/2017.
FOUCAULT, Michel. O nascimento da biopolítica. Aula de 14 de fevereiro de 1979.
São Paulo: Martins Fontes, 2008.
POCHMANN, Marcio. Estado e capitalismo no Brasil: a inflexão atual no padrão das
políticas públicas do ciclo político da nova república. Educ. Soc. [online]. 2017, v.38,
n.139 . Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/es0101-73302017176603>. Acesso
em: 11/09/2017.
PRADO, Guilherme do Val Toledo; AYOUB, Eliana; PRODÓCIMO, Eliana (Orgs.)
PIBID-Unicamp: narrando cotidianos e histórias. Campinas, SP: Edições Leitura
Crítica, 2017. (Coleção Formação Docente em Diálogo, Edição Especial)
VEIGA-NETO, Alfredo. Educação e governamentalidade neoliberal: novos
dispositivos, novas subjetividades. In: PORTOCARRERO, Vera & CASTELO
BRANCO, Guilherme (Orgs.). Retratos de Foucault. Rio de Janeiro: Nau, 2000.
p. 179-217. Disponível em <http://www.lite.fe.unicamp.br/cursos/nt/ta5.13.htm>.
Acesso em: 11/09/2017.
40
Reinventar-se: o pibid-Educação Física e
a experiência do sujeito docente
Helena Altmann
Mário Luiz Ferrari Nunes
Coordenadores de Área do subprojeto Educação Física do PIBID-Unicamp
Faculdade de Educação Física
41
proporcionando às crianças e jovens ferramentas para que atuassem no espa-
ço público de forma a facilitar a reconstrução crítica da cultura corporal de
movimento. Gênero passou a ser um dos marcadores de diferença a partir do
qual as observações e ações foram trabalhadas. Criar e explorar estratégias pe-
dagógicas que contemplassem as diferenças, construindo práticas de educação
física inclusivas e democráticas, constituíram um dos eixos de intervenção.
O subprojeto contou com a participação de licenciandos majoritariamen-
te da Educação Física, no entanto, também integraram o subprojeto universi-
tários dos cursos de Dança, Pedagogia, Ciências Sociais e Filosofia. Ao longo
dos anos, o subprojeto foi desenvolvido em quatro escolas: Escola Municipal
de Ensino Fundamental Lima Souto, Escola Municipal de Ensino Funda-
mental Padre Silva, Escola Estadual Sophia Velter Salgado e Escola Estadual
Professor Antônio Vilela Junior. A inserção na escola era acompanhada por
reuniões semanais de estudo, orientação e troca de experiências. Participaram
como supervisoras cinco professoras e um professor de Educação Física, que
sempre participaram ativamente do subprojeto tanto na escola e nas reuniões
semanais de orientação, como em experiências de escrita e publicação ligadas
ao PIBID. Os autores desse artigo foram coordenadores do subprojeto em
diferentes momentos.
Feita essa introdução geral ao subprojeto Educação Física do PIBID-
-Unicamp, neste artigo optamos por abordar três dimensões do trabalho
desenvolvido ao longo dos anos que consideramos importantes entre as ativi-
dades. A primeira refere-se às reflexões produzidas a respeito da inter-relação
escola, Educação Física e formação inicial; a segunda destaca a produção de
conhecimento por meio das linguagens escrita e oral sobre a experiência na
escola; e a terceira consiste no relato de dois projetos pedagógicos coletivos.
42
-fazer do professor, a ênfase na teoria ou na prática. Ambas apresentam uma
questão comum: a defasagem existente entre a preparação do futuro profissional
e a realidade prática que irá enfrentar. O estudo reforça que, independente
dos polos, tanto a teoria como a prática que se assimila não confere ao egresso
condições para enfrentar os problemas que se instauram no cotidiano escolar.
Para o enfrentamento dessa situação, nas reuniões semanais procura-se
abordar e debater temas que emergem das situações cotidianas anunciadas pelos
discentes por meio de variadas problematizações. Nesse processo, os esforços
centraram-se na compreensão da função social da escola e da potencialidade
do componente Educação Física para a consecução dos objetivos apresentados
tanto no projeto político da unidade, sede da parceria, como os presentes no
plano de ensino das docentes da área, que eles acompanham.
As dinâmicas dos encontros partiam do estudo de textos indicados
pelo coordenador para cada um dos bolsistas ID e a posterior apresentação
dos conteúdos em plenária. Destacamos que a atual supervisora também quis
participar destes momentos, efetuando a leitura indicada e a exposição de
suas considerações aos discentes. Após a exposição, abria-se para a exposição
de dúvidas e comentários, questionando-se a relação entre o texto e a escola,
entre o texto e a Educação Física, de modo que os envolvidos realizassem as
ponderações necessárias para as intervenções projetadas.
Em relação aos debates a respeito da função social da escola, constatamos
que este tema é bastante inconsistente na formação inicial. Para todos, era algo
impensável a relação que se estabelece entre as lutas sociais por reconhecimen-
to e o modo como o currículo oficial se desenvolve na escola, tendo em vista
a intenção política para formação de certas identidades. Ao aproximar esse
tema da prática pedagógica da Educação Física, o debate fez ver que teorias
ou currículos da Educação Física se alinham a intenções formativas diversas.
Aqui, mais uma vez, os discentes reforçam que a formação inicial se esforça em
apresentar metodologias diversificadas, mas não aprofunda a intenção política
das mesmas e o modo como suas bases epistemológicas foram elaboradas.
Importante assinalar que os encontros anunciados não eram movimentos
solitários no processo formativo. Eles só ganharam relevância por envolver
a todos em outros momentos. Em relação aos bolsistas ID, enfatizamos que
vivenciar a teoria aprendida na academia permite o acesso a elementos que
favorecem o questionamento do que se vê no campo. Mais ainda: permite ques-
tionar o que se aprende no interior da universidade. Esse processo se expandia
para o supervisor, que, além de ter a oportunidade de acessar outras formas de
43
dizer sobre o seu lócus de trabalho, permitia a si mesmo indagar o modo como
pensa, debate, elabora e põe em ação sua prática pedagógica. O coordenador
também não escapava desse efeito. Afinal, suas certezas ancoradas nos referen-
ciais e pesquisas que produz e acessa também são desestabilizadas diante das
narrativas que os demais trazem acerca da escola, das práticas pedagógicas, das
professoras, dos estudantes e das traduções que efetuam dos textos indicados.
Diante do exposto, o que se vislumbra é uma mudança efetiva nos sujeitos
envolvidos e a potencialidade para estabelecer uma política clara e sistemática
de formação inicial de professores. Essa ação necessita, é claro, da manuten-
ção da parceria efetiva entre universidades e escolas a fim de traçar, construir
e manter ações que tanto permitam a inserção dos graduandos nas escolas,
como favoreçam a crítica ao currículo e aos modos de ensinar que ocorrem no
interior dos cursos de formação inicial. Entendemos que a ação desenvolvida
permite a todos compreender como se aprende a falar da docência em Educa-
ção Física, da escola, dos estudantes. Reforçamos a importância de momentos
formativos compostos pelo diálogo campo-universidade, que instiguem a re-
troalimentação das atividades acadêmicas. Além disso, entendemos que estes
momentos permitem a todos elaborarem novas formas de falar das distintas
realidades que acessam e construir ferramentas para um trabalho mais eficaz
diante dos problemas da contemporaneidade que reverberam de modo ímpar
em cada localidade.
44
permitindo seu aprimoramento e, em muitos casos, sua posterior publicação
ou apresentação em eventos.
O trabalho cotidiano na escola torna-se, por vezes, rotineiro, podendo ter
como efeito a invisibilização de pequenas, mas importantes ações e decisões,
de escolhas, de intervenções pedagógicas, de conflitos e impasses que geram
reflexão e mudanças de percursos. Escrever sobre a própria experiência na
escola evidencia a potencialidade e a complexidade daquilo que, à primeira
vista, apresenta-se como corriqueiro, ordinário. Assim, esse processo de escrita
tem como efeito não apenas o aprimoramento do domínio da língua portu-
guesa, da capacidade de reflexão e de sistematização das ideias, mas também
de construção e elaboração do ser professor(a). Não menos importante, as
publicações possibilitam o registro do vivido, que poderá ser retomado em
outras experiências formativas, e contribuem para a formação acadêmica dos
licenciandos, dentre outros, qualificando seus currículos para novas trajetórias
estudantis e profissionais.
A relação formativa com a escrita está particularmente expressa no artigo
intitulado “Surpreender-se com a escola para constituir-se professor(a): relatos
do cotidiano escolar em um programa PIBID de Educação Física” (ALTMANN
et al., 2017). Esse artigo foi elaborado a partir de breves relatos de experiências
marcantes vividas nas escolas, os quais foram apresentados de forma temática,
evidenciando aspectos inusitados do cotidiano, dimensões afetivas da expe
riência pedagógica, o encontro com a diversidade ou as emoções de se perceber
competente para ensinar22.
45
matizadora das situações de ensino-aprendizagem daquele ano letivo para uma
escola de tempo integral de ensino fundamental de primeiro a quinto anos.
Foram utilizadas pinturas de três artistas: Pieter Bruegel, Cândido Porti-
nari e Francisco De Goya. Alguns dos quadros utilizados foram: La gallina ciega
(Goya, 1788), El pelele (Goya, 1791), Las gigantillas (Goya, 1791), Muchachos
trepando a un árbol (Goya, 1792), Los zancos (Goya, 1792), Les jeux d’enfants
(Bruegel, 1560), Brincadeira de criança (Portinari, 1941), Diabolo (Portinari,
1959), Futebol (Portinari, 1935), Moleques pulando cela (Portinari, 1958),
Palhacinhos na gangorra (Portinari, 1957), Plantando bananeira (Portinari,
1956) e Roda (Portinari, 1941). Os quadros expressam diversas manifestações
do brincar, jogos lúdicos e típicos da época em que os artistas viveram. As pin-
turas impressas em alta resolução foram expostas para as crianças no formato
de banner ou em papel, seguido da observação, da exploração de percepções e
questionamentos e da elaboração coletiva de práticas corporais. As aulas foram
conduzidas pelos bolsistas ID, abordando o reconhecimento das brincadeiras
e as interpretações das imagens; as comparações com suas próprias vivências;
o contexto histórico, espacial e material da época e da atualidade entre outros
aspectos. Também foram exploradas as múltiplas percepções suscitadas pelas
pinturas, as quais inspiraram a construção de novas práticas corporais nas aulas.
O contato com estes quadros e artistas, até então desconhecidos das
crianças, se configurou como uma prática inovadora e alternativa. O projeto
foi desenvolvido em consonância com alguns dos princípios elencados no pro-
jeto pedagógico da escola: “promoção de uma postura investigativa do aluno;
apropriação e produção de cultura; indissociabilidade entre a construção de
conhecimento; a afetividade e os valores”. Além disso, o projeto pedagógico
da escola propunha-se a ampliar e diversificar os gestos, a experiência sensí-
vel, a apropriação e ressignificação da cultura corporal de movimento, numa
aprendizagem ativa e participativa.
A condução dessa prática pedagógica a partir de pinturas propiciou o
contato com elementos da cultura e a elaboração de conhecimentos ligados
às brincadeiras, à arte e à Educação Física, permitindo ainda que as crianças
comparassem seus atuais conhecimentos com um contexto histórico apre-
sentado nas artes. As práticas possibilitaram uma diversificação na linguagem
corporal do grupo e novos conhecimentos sobre a linguagem cultural. Durante
as atividades brincaram com objetos diversos, vivenciando corporalmente o
que lhes era exposto nos quadros, explorando o corpo, os gestos e expressões,
debatendo em grupo a melhor execução, explorando o tocar, o ter cuidado e
respeito com o corpo do outro, o transportar e ser transportado, entre outros.
46
As atividades lúdicas, as brincadeiras e os jogos se constituíram como
espaços de compreensão do mundo, na medida em que os significados que
ali transitaram foram apropriados pelo sujeito que jogava. A singularidade
no jeito de interpretar, recriar e refazer as imagens dos quadros eram per-
ceptíveis ao observarmos os diferentes grupos e as formas que construíam
seu entendimento.
47
4. Para escrever outras coisas, em outros momentos
Em suas análises a respeito do currículo, Silva (1999) afirma que este
é um artefato que forja pessoas, constitui identidades. A partir do problema
levantado no início deste texto - a distância entre a formação inicial e a rea
lidade escolar, e das ações efetivadas no subprojeto Educação Física aqui
descritas -, afirmamos que o PIBID contribui para formação de identidades
docentes mais atentas aos problemas enfrentados diariamente pelo corpo
docente em sua jornada laboral, assim como possibilita articular suas ações
com os problemas contemporâneos.
Estar imerso nesse processo permite a oportunidade de o sujeito apresen-
tar, debater, propor, executar e tornar a analisar o que se faz de forma coletiva
e apoiada tanto no conhecimento científico como nos saberes produzidos
a partir da experiência de todos; logo, uma experiência crítica e sensível às
diversas condições humanas com as quais tomam contato. O que se tem é a
possibilidade de se repensar e construir algo que tencione a formação técnico-
-científica dominante da Educação Superior. Além disso, as ações fomentadas
no PIBID e o contato com a alteridade do Outro permitem aos envolvidos estar
em processo permanente de reinvenção de si mesmo.
Seja enquanto docentes, seja enquanto sujeitos que transitam no espaço
público, o que se evidencia é a assunção de posições de sujeito que reconheçam
e afirmem as diferenças culturais, assim como potencializam seres engajados na
luta por uma sociedade menos desigual. Uma sociedade que possa ser escrita
de outro modo.
Referências
ALTMANN, Helena et al. Surpreender-se com a escola para constituir-se professor(a):
relatos do cotidiano escolar em um programa PIBID de Educação Física. In: PRADO,
Guilherme do V. T.; AYOUB, Eliana; PRODOCIMO, Elaine (Orgs.). PIBID-Unicamp:
narrando cotidianos e histórias. Campinas: Edições Leitura Crítica, 2017, p.33-39.
(Coleção Formação Docente em Diálogo, Edição Especial)
ALTMANN, Helena; JACÓ, Juliana F.; FERNANDES, Simone C. Educação Física
Escolar e gênero: construindo estratégias pedagógicas através do PIBID. In: AYOUB,
Eliana; PRADO, Guilherme do V. T. (Orgs.). PIBID-Unicamp: ampliando horizontes
na formação de professores. Campinas: Edições Leitura Crítica, 2014, p.33-46. (Coleção
Formação Docente em Diálogo, v.3)
ALTMANN, Helena & FERNANDES, Simone C. Educação Física escolar e relações de
gênero: construindo práticas pedagógicas a partir do PIBID. IV Encontro Nacional
48
das Licenciaturas e III Seminário Ncional do PIBID, A boniteza de ensinar e a
identidade do professor na conteporaneidade. Uberaba: UFTM, 2013, v.1, p.1.
BOSCARIOL, Marina C. & ALTMANN, Helena. Formação de professores de Educação
Física: uma análise a partir da produção bibliográfica e de uma experiência pedagógica
no PIBID. Anais do XIX Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte e VI Congresso
Internacional de Ciências do Esporte. Vitória: Ed. UFES, 2015, v.1, p.1-3.
CAPES. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência. Edital nº 061/2013. Brasília: Capes,
2013.
CARDANI, Leonora T. & ALTMANN, Helena. A experiência pedagógica do Festival
PIBID-Unicamp. V Encontro Nacional das Licenciaturas. Professores em espaços
de formação: mediações, práxis e saberes docentes. Natal: EDUFRN, 2014, v.1, p.1-10.
. O circo e suas figuras: uma possiblidade para a educação física escolar. Anais
do XIX Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte e VI Congresso Internacional
de Ciências do Esporte. Vitória, 2015, v.1. p.1-3.
CHIEPPE, Vinícius P.; FERREIRA, Gabriela F.; TICIANELLI, Giovanna G.;
ALTMANN, Helena. Gênero e Educação Física escolar: habilidade não é destino. Anais
do Encontro Nacional das Licenciaturas (ENALIC), Seminário Nacional do PIBID,
Encontro Nacional de Coordenadores do PIBID. Curitiba: UFPR, 2016, v.1, p.1-2.
LARROSA, Jorge Bondía. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista
Brasileira de Educação ANPEd, n. 19. Rio de Janeiro: ANPEd: Autores Associados,
jan/fev/mar/abr, 2002, p. 20-28.
MEDEIROS, Daniele C. C. O valor da experiência - o PIBID na formação de uma
professora. In: AYOUB, Eliana; PRODOCIMO, Elaine; PRADO, Guilherme do V.
T. (Orgs.). PIBID-Unicamp: experiências e reflexões sobre a formação docente.
Campinas: Edições Leitura Crítica, 2015, p. 97-109. (Coleção Formação Docente em
Diálogo, v.4)
NUNES, Mário L.F. Frankenstein, monstros e o Ben 10: fragmentos da formação
inicial em Educação Física. Tese (doutorado). Faculdade de Educação, Universidade
de São Paulo. São Paulo, 2011.
OLIVEIRA, Rosires A. S. Diversas formas de ser professor. Anais do I Seminário
PIBID/Sudeste e III Encontro Estadual do PIBID/ES. Aracruz, ES, 2015.
SILVA, Tomaz T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo.
Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
49
A trajetória do subprojeto
pibid-Unicamp Letras 2014-2017:
diversidade, práticas escolares e formação inicial em Letras
Anna Christina Bentes
Colaboradora voluntária na coordenação de Área
do subprojeto Letras do PIBID-Unicamp
Instituto de Estudos da Linguagem
Márcia Mendonça
Coordenadora de Área do subprojeto Letras do PIBID-Unicamp
Instituto de Estudos da Linguagem
Marcos Lopes
Coordenador de Área do subprojeto Letras do PIBID-Unicamp
Instituto de Estudos da Linguagem
Jefferson Cano
Coordenador de Área do subprojeto Letras do PIBID-Unicamp
Instituto de Estudos da Linguagem
Daniela Manini
Supervisora do subprojeto Letras do PIBID-Unicamp
EMEF Maria Pavanatti Fávaro
Natasha Mourão
Bolsista ID do subprojeto Letras do PIBID-Unicamp
51
Campinas em resposta ao Edital 61/2013 da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES) relativo ao Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), buscou alcançar o objetivo geral pre-
viamente delineado: o aprimoramento da formação inicial dos licenciandos em
Letras no que tange ao ensino de língua portuguesa e suas respectivas literaturas,
tomando como foco central a diversidade linguístico-cultural. Ancorado em três
eixos temáticos, a saber, (i) registros de linguagem e diversidade cultural nas
práticas escolares, (ii) formação literária do leitor e formação docente, e (iii)
gêneros do discurso, práticas escolares e formação docente, o referido projeto
também pressupunha uma atuação multi- e interdisciplinar a partir do entre-
laçamento das áreas de Linguística, Linguística Aplicada e Teoria Literária, de
forma a possibilitar uma formação acadêmica e profissional mais global para
o licenciando em Letras. Os eixos temáticos acima remetem a questões emer-
gentes no cenário do ensino de língua e literatura, como a multiculturalidade,
a formação para os letramentos críticos e a discussão ética acerca das práticas
de linguagem.
A atuação do PIBID-Letras-Unicamp nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017
se deu na forma de projetos, regidos por alguns princípios organizadores, con-
solidados após a experiência dos anos de 2014 e 2015 (BENTES, MENDONÇA
& LOPES, 2014; BENTES, MENDONÇA & LOPES, 2015):
• Definição dos domínios/campos a serem trabalhados.
• Ampliação e consolidação de repertório dos alunos/bolsistas.
• Valorização da diversidade de gêneros do discurso e foco em algum/
alguns gênero(s) para o trabalho pedagógico.
• Conhecimento teórico sobre as práticas de linguagem exploradas.
• Considerações das múltiplas dimensões do trabalho com linguagem
(multimodalidade, corporeidade, escritura, oralidade).
• Reconhecimento e exploração das marcas de autoria dos alunos nos
seus textos.
• Reflexão sobre a linguagem a partir da emergência dos fenômenos
nas produções dos alunos e nas interações pedagógicas.
• Elaboração de produções com e para a comunidade escolar.
Tais princípios emergiram como resultado das avaliações e feedbacks
acerca dos projetos implementados e dialogam com uma perspectiva de edu-
cação linguística que considera os sujeitos dos processos de aprendizagens e
as comunidades em que se inserem; no caso, do PIBID. Nesse cenário, cada
52
projeto é único. Expostos esses princípios gerais, passaremos aos relatos das
experiências. Apresentaremos dados panorâmicos e quantitativos do subpro-
jeto, acrescentando-lhes reflexões de natureza qualitativa.
Desde o início, nosso projeto caracterizou-se por apresentar dimensão
razoavelmente grande, dado que propusemos a coordenação de três docentes
do Instituto de Estudos da Linguagem. Tendo sido aprovado em novembro
de 2013 com esse formato, foi possível, ao longo desses quatro anos, desen-
volver um trabalho nas escolas abaixo listadas, contando com o trabalho dos
seguintes supervisores:
53
EMEF Raul Pila Márcia Watanabe Hurtado
EMEF/EJA Maria Pavanatti Fávaro Daniela Manini
2017 Maria Aparecida Montagner 5
EMEF Pe. José Narciso V. Ehrenberg
Lucilene Land
EMEF Profa. Dulce Bento Nascimento Gisele Ursini Finardi
54
EMEB Gov. André Franco Montoro 6.3 6.8
55
Tabela 3: Número de bolsas ID por ano de subprojeto PIBID-Letras-Unicamp
56
A partir do segundo ano do subprojeto, a Capes estabeleceu o mínimo
de 41 bolsas de alunos ID em projetos do nosso porte. Em função disso, nos-
sos editais de seleção de bolsistas para o PIBID passaram a aceitar alunos de
outras licenciaturas, tais como Ciências Sociais, História, Artes Visuais, Dan-
ça, Pedagogia, Filosofia. Esse trabalho conjunto foi viabilizado tanto porque
desenvolvemos uma metodologia de trabalho em dupla ou em trio para os
licenciandos bolsistas, quanto porque raramente os licenciandos bolsistas de
outros cursos desenvolveram atividades em caráter individual, sem a parceria
com os graduandos de Letras.
Antes de começarmos a comentar alguns dos importantes impactos do
PIBID-Letras Unicamp, apresentamos a seguir as tabelas sobre o número de
alunos diretamente beneficiados nas escolas nas quais o projeto atuou.
57
EMEF Raul Pila Campinas 109
EMEF/EJA Maria Pavanatti Fávaro Campinas 86
2017 489
EMEF Pe. José Narciso Ehrenberg Campinas 210
EMEF Profa. Dulce Bento Nascimento Campinas 84
Total de alunos beneficiados pelo PIBID-Letras Unicamp 2.197
58
Figura 1. Alunos da EMEF Profa. Dulce Bento do Nascimento - Campinas, 2016.
Figura 2. Equipe do PIBID-Letras-Unicamp na EMEF Dulce Bento Nascimento – Campinas, 2016.
59
Nos primeiros dois anos de projeto, foi necessário elaborar a metodologia
que seria adotada ao longo dos anos seguintes. Um ponto importante dessa
metodologia diz respeito ao fato de que os licenciandos bolsistas tinham que
ser preparados para entrarem na escola e, além disso, a entrada deles era como
observadores por pelo menos quatro semanas. No primeiro semestre do pro-
jeto, contamos com a colaboração de duas doutorandas, uma do programa de
pós-graduação em Linguística, Rafaela Defendi, e outra do programa de pós-
-graduação em Linguística Aplicada, Tânia Toffoli, que puderam acompanhar
as primeiras reuniões e seminários internos, e que auxiliaram na organização
desses eventos. Esses eventos consistiram em debates sobre textos e outros
materiais voltados à formação dos professores (artigos, teses, documentos ofi-
ciais, vídeos, relatos de experiência, etc.), a fim subsidiar de forma consistente
o trabalho pedagógico a ser realizado.
A observação da escola se deu a partir de um roteiro previamente ela-
borado pelos coordenadores. Os licenciandos bolsistas, ao final do período de
observação, produziam um relatório consolidado sobre a escola, tal como pode
ser observado no trecho de um dos relatórios, trazido aqui como um exemplo
desse tipo de atividade.
Nossa primeira visita à EMEB Gov. André Franco Montoro aconteceu no dia
19/05/2014. Chegamos à escola, como nas cinco semanas de visitas subsequentes,
antes do horário de início das aulas, por volta das 7h00. Por esse motivo, geral-
mente, os professores ainda não estavam na escola e precisávamos aguardar do
lado de fora, junto com os alunos.
Na primeira visita, em particular, os alunos já estavam entrando na escola, mas
a coordenadora pedagógica pediu que esperássemos, no portão, pela chegada da
professora Elisa, nossa supervisora, antes de entrar no espaço da escola. Consi-
deramos, naquele primeiro momento, que essa atitude poderia representar um
obstáculo à observação do contexto escolar, na medida em que fomos tratados,
imediatamente, como corpos estranhos, que não poderiam se movimentar, ao
menos inicialmente, com total liberdade pela escola.
No entanto, após a chegada da professora Elisa, pudemos entrar na escola e
a recepção foi muito mais calorosa e aberta. A professora fez questão de nos
apresentar ao corpo docente, na sala dos professores, assim como à diretora da
escola. Ela também explicou, rapidamente, que, em um primeiro momento,
dezesseis horas de aula por mês por cada dezoito duplas de bolsistas, totalizando duzentos e
oitenta e oito horas/mês multiplicadas por quatro meses. Em relação a 2016, tomamos oito
horas de aula por mês por cada vinte grupos de bolsistas, totalizando cento e sessenta horas/
mês multiplicadas por quatro meses. E no que toca ao ano de 2017, consideramos oito horas
de aula por mês por cada vinte grupos de bolsistas, totalizando cento e sessenta horas/mês
multiplicadas por sete meses.
60
acompanharíamos as aulas de diversas turmas, caso os professores responsáveis
estivessem de acordo. Também mencionou os objetivos do PIBID e nos identi-
ficou como pibidianos, não estagiários, o que se reflete também nas tarefas que
desempenharíamos na escola.
Os professores, de maneira geral, pareceram bastante abertos e interessados em
nossa presença, considerando que poderíamos ajudá-los no desenvolvimento de
projetos e, também, buscando sanar algumas deficiências dos alunos na área
de Língua Portuguesa. Eles nos receberam muito bem e fomos expressamente
convidados, tanto pela direção, quanto pelo corpo docente, a permanecer na sala
dos professores durante os intervalos, ou antes das aulas, e a tomar café com eles.
Eles também insistiram para que almoçássemos com eles na escola. Os funcioná-
rios da escola também nos receberam muito bem e se mostraram sempre muito
prestativos. A própria diretora da escola conversou diversas vezes conosco sobre
as visitas e nossas impressões.
Nesse sentido, após o primeiro momento de estranhamento, a postura de toda
a comunidade escolar foi de bastante abertura em relação aos bolsistas. Os pro-
fessores e alunos, principalmente, conversaram conosco e expuseram questões de
conflito, de sucesso e dificuldades que vinham enfrentando. Ao contrário do que
esperávamos, não fomos vistos como intrusos pela maior parte da comunidade
escolar. O objetivo de todos parecia ser contribuir para nossa ambientação e,
como muitos professores frisaram, com nossa formação profissional. Vários deles
nos apresentaram para as turmas como “futuros colegas”, que deveriam ser bem
recebidos e bem tratados. (Trecho inicial do Relatório de Observação produzido
pelos bolsistas ID Ana Maria F. Côrtes, Anna Carolina Queiroz Chilemi, Lucas
M. de Oliveira e Tatiane Pinheiro de Souza, sobre a EMEB Gov. André Franco
Montoro, em 2014).
61
algumas para escrever. Vi muitas que não conhecia e gostei, isso fez com que
eu já pensasse no que vou fazer no futuro e me ajudou bastante. Me senti mais
segura do que vou fazer! As áreas que me interessaram foi Artes Cênicas, Estudos
Literários, Letras, Moda, Direito, Administração.
Elas também falaram dos passeios que realizamos para o UPA e COTUCA. Fiquei
feliz, isso vai me ajudar muito também! E por fim elas falaram que vamos fazer
uma revista científica online com todas as turmas da escola. E nos apresentaram
alguns tipos e exemplos do que vamos fazer como a revista Recreio e Ciência Hoje.
62
Para a temática específica daquele ano – continuidade dos estudos e
mundo do trabalho - a contribuição das bolsistas acerca de possíveis áreas de
atuação foi positivamente avaliada pelas alunas da escola. Alguns fatores que
podem ter influenciado essa percepção são a maior proximidade etária entre
alunos e licenciandos e o fato de que esses universitários representavam, ainda
que parcialmente, uma perspectiva de “futuro” possível para os alunos.
Para que a atuação dos bolsistas ID pudesse ser supervisionada, foi
necessária a implementação de uma rotina de orientação dos licenciandos
bolsistas com os professores supervisores, dos bolsistas com os coordenadores
e de reuniões de trabalho dos bolsistas entre si, o que resultou em reuniões
semanais com os coordenadores, reuniões semanais com os supervisores e
reuniões semanais entre os bolsistas de forma a planejar as atividades nas salas
de aula, conforme podemos observar na quantificação das horas de reuniões
organizada na tabela abaixo:
63
Figura 4. Reunião dos coordenadores e supervisores – Unicamp, 2014.
Um dos impactos mais relevantes ao longo desses quatro anos foi a pos-
sibilidade de os coordenadores do projeto oferecerem formação continuada
para professores das escolas das redes municipais de Campinas e Valinhos,
conforme tabela abaixo.
Tabela 10: Carga horária de seminários de formação com os professores das redes
municipais no âmbito do subprojeto PIBID-Letras-Unicamp
64
Em 2015, no âmbito do projeto temático “Mundo do Trabalho”, sessenta
alunos da EMEF Dulce Bento do Nascimento participaram do evento Uni-
versidade de Portas Abertas (UPA-Unicamp). A vinda dos estudantes para a
Unicamp envolveu dez bolsistas, dois supervisores e três de área.Também em
2015, noventa alunos da escola EMEF Dulce Bento do Nascimento visitaram
o Colégio Técnico da Unicamp, no evento COTUCA de Portas Abertas, o que
envolveu cinco bolsistas e duas supervisoras. Por fim, nesse mesmo ano, ocorreu
a visita de alunos da escola EMEF Luiz Antoniazzi, de Valinhos, ao campus da
Unicamp, o que envolveu seis licenciandos bolsistas e um professor supervisor.
65
Figura 6. Seminário Interno do PIBID-Letras-Unicamp – Unicamp, 2016.
66
além de capacidades de relacionamento interpessoal necessários à atuação
docente nas escolas públicas (assim como a medida dessa necessidade) – “o
que ainda não sei que deveria saber”, “o que já sei, mas não tem me servido
muito”, “como acessar/elaborar os conhecimentos”, “como elaborar atividades
que ajudem os alunos a aprenderem”, “como mediar conflitos no ambiente de
trabalho”, dentre outros questionamentos.
Em 2015, para a maioria expressiva dos licenciandos bolsistas, bem
como para supervisores e coordenadores, o que se sobressaiu foi a possi-
bilidade do exercício responsável e crítico da docência. Tal possibilidade
deveu-se, sobretudo, às experiências vividas em sala de aula, e também ao
cuidadoso preparo das atividades didáticas, culturais e científicas pelo grupo
de bolsistas. Também merece destaque, por aparecer em vários relatos dos
licenciandos bolsistas e dos professores supervisores, a importância de se
pensar o sentido social do magistério público, que não apenas investe sim-
bolicamente os atores individuais de protagonismo e autonomia crescentes
nesse processo de aprendizagem, mas fundamentalmente confere à docência
a responsabilidade de preservação de uma memória cultural e de transfor-
mação das relações éticas e políticas.
Em 2016, o PIBID-Letras Unicamp continuou sendo um programa muito
importante e de impacto direto, tanto na formação de profissionais da educação,
quanto na comunidade escolar. Para os bolsistas e supervisores, a experiência
muito contribuiu para a prática de formação docente dos graduandos, desde
o planejamento das aulas, passando pelas práticas didáticas e finalizando com
o retorno positivo dos alunos, que foram se engajando crescentemente du-
rante as aulas. Esse engajamento dos alunos refletiu-se nas produções textuais
(autobiografias), que revelaram seus saberes acerca de suas próprias vidas,
subjetividades e experiências escolares que marcaram positiva e negativamente
suas vidas. As aulas permitiram uma aproximação e interação muito rica entre
pibidianos e alunos da escola básica.
Nesse mesmo ano, a partir da temática do preconceito, alunos puderam
elaborar relatos de situações reais discriminatórias. Mas essas histórias não
surgiram de imediato e eles afirmavam “eu nunca sofri preconceito” e “não
tenho nenhum relato sobre isso”. Foram as leituras e discussões em sala de
aula que deram espaço ao surgimento de histórias marcantes, sendo boa parte
delas relativas a episódios de racismo, e também de superação. A denúncia,
portanto, surge em meio às práticas de leitura e escrita, como resultado de
um trabalho intersubjetivo de escuta e de autoria, como nos ensina Cláudia
(nome fictício):
67
Me chamo Claudia, sou negra e tinha um cabelo ‘blackpower’. Na época, com onze
anos, amava ele, mas isso mudou completamente quando fui pro quinto ano. No
meu primeiro dia de aula fui com o cabelo completamente solto, entrei na sala
e senti que as pessoas me olhavam de um jeito diferente, nem liguei, falava que
era inveja e pronto! No outro dia, já me chamavam de bombril, no terceiro dia
de leãozinho e aí por diante. (...).24
24 Relatos disponíveis na página “Das dores faço flores”, no Facebook, parte do projeto.
68
Documentários sobre o tema
Esfera jornalística “Mundo do trabalho”
Mundo do Roteiro de adaptações teatrais
Esfera acadêmica
trabalho escritas
Esfera literária Documentação em vídeo das
peças teatrais encenadas
Suporte: Jornal Cecília Meireles
Jornal escolar
Esfera jornalística Reportagem
digital
Notícia
Suporte: revista “Saúde e
2015 Conhecimento”
Esfera da divulgação
Saúde e científica Reportagem de divulgação
conhecimento científica
(interdis- Esfera jornalística Artigo de divulgação científica
-ciplinar, LP e
Ciências) Esfera do Curiosidade científica
entretenimento Passatempo
Infográfico
Vídeo da Caminhada Poética
Outros temas Esfera literária (evento de recitação de poemas)
Antologia de contos e poemas
Autobiografias (organizadas em
Memórias
álbuns de memórias)
escolares
Esfera jornalística
e questões Relato de experiência pessoal
sociais sobre preconceito
69
Relato memorialístico
Esfera da vida íntima/
pessoal Relato autobiográfico
Memórias
Perfil pessoal
escolares Esfera publicitária
e questões Guia de boas práticas contra
2017 sociais Esfera jornalística preconceitos
70
Outro fator primordial para a boa produção e que contribuiu muito para minha
formação foi a coletânea multimodal muito bem escolhida e apresentada pelos
licenciandos bolsistas do Projeto, que mostraram às turmas como o gênero me-
morialístico se constitui em representações orais, na literatura, na pintura, na
fotografia e no cinema. Assistimos a entrevistas e trechos de documentários com
relatos sobre experiências vividas à época do nazismo; lemos trechos dos livros
Quarto de despejo (Carolina Maria de Jesus), Diário de Anne Frank, Meus desa-
contecimentos (Eliane Brum), Persépolis (Marjane Satrapi); analisamos a auto
representação na pintura através de produções de Frida Kahlo, Andy Warhol
e Tarsila do Amaral e em selfies de famosos e das próprias bolsistas do Projeto;
assistimos a trechos do filme Persépolis e do seriado Todo mundo odeia o Chris.
Foi uma seleção de textos madura, explorando o drama e o riso, em determinados
momentos incomodando os alunos pela “não ficção” ou pela “dura realidade”,
como chegaram a comentar, mas que certamente contribuiu para sua subjetividade
e para a qualidade das produções finais.
71
dução dos projetos, na negociação com a gestão. No entanto, esta condição
não impediu os licenciandos bolsistas de se organizarem para desenvolverem
os produtos finais. Apesar da dinâmica de negociação prévia com os agentes
escolares sobre o tipo de projeto a ser implementado na escola, essa negociação
prévia e bem amarrada ainda não foi suficiente para que as condições de traba-
lho dos bolsistas sejam menos impactadas. No entanto, essa dificuldade também
foi superada pela capacidade de negociação, pela característica persistência dos
licenciandos bolsistas e pela mediação indispensável dos supervisores.
Em 2016, grande parte das dificuldades encontradas pelos bolsistas na
realização do projeto consistiu de problemas enfrentados por todos os profes-
sores do Ensino Básico, são eles: evasão dos alunos; inicialmente, dificuldades
para os alunos escreverem seus textos (sobre si e sobre experiências escolares)
e falta de interesse e indisciplina por parte dos alunos ao longo das ativida-
des. No entanto, conforme os projetos foram sendo desenvolvidos, os alunos
foram se sentindo mais confiantes para produzir seus textos, além de terem
mais interesse em participar das aulas. Outra dificuldade inicial foi a distância
percebida entre os graduandos e os alunos da escola no que diz respeito ao
vocabulário e conhecimento de mundo, de modo que era necessário explicar
o significado de várias palavras ou reformular o que era dito de maneira que
os alunos compreendessem os graduandos. Essa dificuldade foi diminuindo
à medida que as práticas didáticas foram sendo revistas, o que levou a uma
maior aproximação dos graduandos em relação às turmas. Nesse período, os
graduandos puderam descobrir aspectos culturais e sociais em comum com
os alunos da escola.
72
alunos egressos do 9o ano. Por outro lado, procurou ampliar a visão dos alu-
nos em relação aos aspectos do mundo do trabalho. As atividades principais
realizadas neste projeto foram a preparação e o planejamento para visitas ao
evento UPA (Unicamp de Portas Abertas) e ao COTUCA (Colégio Técnico da
Unicamp), além de palestras com especialistas e com ex-alunos da escola sobre
suas experiências profissionais e acadêmicas. Esses eventos puderam despertar
nos alunos o interesse pela continuidade de seus estudos no ensino médio e
superior. O principal resultado desse projeto foi a revista “Futuro próximo”
elaborada pelos alunos com a orientação dos licenciandos bolsistas, conforme
podemos ver abaixo pela página de apresentação da revista.
73
Figura 9. Carta aos leitores, que abre a revista “Futuro Próximo”.
74
A vantagem desse suporte, a revista, seria principalmente abrigar diversos
gêneros, desde os mais simples aos mais complexos, o que permitiria a parti-
cipação ativa de turmas de todas as séries atendidas (6º ao 9º ano). O produto
final contemplou integralmente as expectativas da escola em relação ao PIBID-
-Letras Unicamp. Além disso, a revista pode constituir-se como material para
pesquisa porque levou a uma melhor compreensão sobre os modos como foi
possível conectar o conhecimento científico dos alunos (adquirido por meio
de experimentos, do aprendizado em sala e de pesquisas feitas em diversas
fontes) ao aprendizado e à produção escrita de diferentes gêneros textuais,
como jogos, curiosidades, relato de experimento, infográfico, reportagem e
artigo de divulgação.
75
Em relação à execução desse projeto, a supervisora Gisele Finardi afirma:
(...) sempre em diálogo com a Unicamp, pude observar que as metas estabelecidas
para o desenvolvimento do PIBID no ano de 2015 na escola foram plenamente al-
cançadas. Sinto que fui capaz de contribuir de modo significativo para a formação
profissional dos alunos de cursos de licenciatura, ao mesmo tempo em que, todos
juntos, promovemos um trabalho importante para a escola ao acompanhar um
projeto respeitável, pois o PIBID mostrou ser um programa capaz de desenvolver
projetos relevantes no sentido de abordar nossa diversidade linguística e cultural
por meio da abordagem da diversidade dos gêneros textuais contemplados nos
trabalhos com os alunos da escola. Somamos a isso a temática dos trabalhos do
projeto, voltada para as pesquisas científicas e também para as perspectivas para
o futuro, o que contribuiu bastante para aumentar a informação, para elevar a
autoestima e propiciar melhorias nos resultados do desempenho escolar dos nossos
alunos, além de colaborar também para a ampliação do envolvimento de outros
professores e da comunidade escolar.
76
nada a alunos do Ensino Fundamental. Desde as primeiras etapas, referentes
sobretudo à retextualização, as turmas se destacaram pelo desenvolvimento de
certas habilidades de leitura e escrita. Foi possível notar o desenvolvimento dos
alunos referente a:
• interpretação de textos narrativos, reconhecendo os elementos que os compõem
(personagens, tempo, espaço, narrado);
• processo de escrita de um roteiro teatral, observando como os elementos
narrativos são alterados na retextualização;
• adaptação da linguagem escrita para a linguagem oral.
(...) As experiências de retextualização e de adaptação teatral proporcionadas
pelo PIBID foram, sem dúvida, um momento de descoberta das capacidades
desses alunos. Eles construíram, dia após dia, a criação que apresentaram. Para
tanto, assumiram responsabilidades e souberam se envolver com cada detalhe da
organização do que estavam construindo. O mundo do trabalho se revelou como
um experimento prazeroso, que para além das obrigações do universo adulto,
pode ser entendido como uma atividade de amadurecimento e aprendizagem.
77
trajetórias escolares e das histórias de vida dos alunos. Para tanto, foi traba-
lhado com os oitavos e nonos anos da EMEF Dulce Bento Nascimento - após
planejamento em reuniões com a docente colaboradora Anna Christina Bentes
e a professora supervisora Gisele Finardi - o gênero autobiografia, objetivando
que os alunos refletissem e escrevessem sobre suas subjetividades, trajetórias
escolares e perspectivas para o futuro.
Figura 12. Cerimônia de formatura das turmas de 9º ano da EMEF Dulce Bento
Nascimento, com a entrega dos álbuns de memórias para os formandos.
78
4.4. Produção de performances teatrais com base na leitura de cordéis
e de animações (Stop-motion) na EMEF Pe. Narciso Vieira Ehrenberg,
Campinas
79
lecimento mínimo de um corpus literário para a formação do grupo discente, a
explicação do gênero, bem como a identificação dos elementos que compõem
o projeto gráfico de um cordel, como, por exemplo, as xilogravuras, foram
etapas contempladas na proposta que envolveu a linguagem cênica e literária.
A segunda proposta procurou articular a linguagem das animações à
reflexão sobre o preconceito com o intuito de sensibilizar os alunos para os
principais problemas dessa temática. Várias etapas foram estabelecidas para
que o produto final, a animação em Stop-motion, fosse realizado, como, por
exemplo, a elaboração de um roteiro pelos alunos, a confecção de cenários,
a gravação de áudios e a confecção de bonecos de vários estilos. Tais etapas
exigiram a sondagem e o desenvolvimento de algumas habilidades do corpo
discente que impactaram a própria compreensão dos bolsistas sobre o trabalho
da docência com o Ciclo Fundamental II, mais especificamente os alunos dos
sétimos anos.
Considerações finais
A experiência desses quatro anos no PIBID-Letras Unicamp transformou
as relações entre os sujeitos envolvidos, seus conhecimentos e os modos como
se mobilizaram para atuar pedagogicamente com as escolas e nas escolas. Saí-
mos todos mudados, no polo da universidade, bolsistas ID e coordenadores de
área; e no polo da escola, supervisores, alunos e gestores. Relatório avaliativo
da Fundação Carlos Chagas sobre o PIBID aponta que
[...] coordenadores de área destacam o desenvolvimento de novas compreen-
sões sobre educação, escola e práticas educativas pela aproximação das IES,
Professores Supervisores e Licenciandos Bolsistas com a escola, considerando
os efeitos positivos que colhem. Esses efeitos, a boa recepção das escolas causam
entusiasmo, aprendizagens e vontade de continuar. Isso propiciado pelo modelo
de ação induzido pelo PIBID. Esse programa, dando liberdade para a elaboração
dos projetos, ao mesmo tempo orienta para intervenções na escola e a construção
de reflexões e estudos sobre essas práticas, oferecendo apoios que viabilizam os
projetos (FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 2014, p. 39).
80
Figura 14. Natureza da formação tutorial no PIBID (MENDONÇA, 2016, p. 80-81)
81
Referências
ALVES, Cláudia Tavares & RIBEIRO, Thaíssa Marques. Projeto PIBID na EMEB
Franco Montoro: o mundo do trabalho a partir da retextualização e da adaptação
teatral. Língua, Literatura e Ensino (Unicamp), v. 10, p. 7-15, 2015.
BENTES, Anna; MENDONÇA, Márcia; LOPES, Marcos. Relatório parcial do
subprojeto Letras do PIBID-Unicamp: ano de 2015. Campinas, SP: Unicamp, 2015.
. Relatório parcial do subprojeto Letras do PIBID-Unicamp: ano de 2014.
Campinas, SP: Unicamp, 2014.
FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS. Um estudo avaliativo do Programa Institucional
de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). Bernardete A. Gatti; Marli E. D. A. André;
Nelson A. S. Gimenes; Laurizete Ferragut, pesquisadores. São Paulo: FCC/SEP, 2014.
MENDONÇA, Márcia. Projetos de letramento, sequências didáticas e ensino de
gêneros no PIBID Letras Unicamp: lógica das práticas e formação de professores. In:
PRODÓCIMO, Elaine; PRADO, Guilherme do Val Toledo; AYOUB, Eliana (Orgs.).
PIBID-Unicamp: conhecimentos e saberes produzidos na práxis educativa. Campinas,
SP, Editora da Unicamp, 2016. p. 73-89. (Coleção Formação Docente em Diálogo, v.5)
82
LOPES, Marcos Aparecido. Conversas sobre o PIBID -Letras Português. Centro de
Ciências Humanas, Letras e Artes - Departamento de Letras. Universidade Federal
de Viçosa, MG, 2014.
LOPES, Marcos Aparecido. Textos fundamentais de literatura e formação do leitor
(mesa redonda). I Seminário de Ensino de Língua Portuguesa e suas Literaturas/
UFLA, 2014.
MENDONÇA, Márcia. Escola, letramentos escolares e aprendizagens na área de
linguagens: reflexões a partir de dados do PIBID Letras-Unicamp (mesa redonda). I
Seminário de Ensino de Língua Portuguesa e suas Literaturas/UFLA, 2014.
Percursos de formação dentro e fora da universidade: a experiência do PIBID-
Letras-Unicamp-2014. V Encontro Nacional das Licenciaturas e IV Seminário
Nacional do PIBID e XI Seminário Nacional de Iniciação à Docência/UFRN, 2014.
Leitura, escrita e práticas pedagógicas em projetos didáticos: reflexões a partir
de experiências do PIBID Letras Unicamp. VI Encontro das Ciências da Linguagem
Aplicadas ao Ensino/UAG, 2015.
OLIVEIRA, Natália; MARTINS, Naira; MOYSES, Luisa; NOGUEIRA, Laiz; ZAGO,
Katherine; SIMÕES, Bianca. PIBID Letras Unicamp: um projeto interdisciplinar e
formação escolar e profissional. 12º SePeG - Seminário de Pesquisa da Graduação/
Unicamp, 2016.
Publicações
ALVES, Cláudia Tavares. Transformações em sala de aula: minha experiência no
PIBID-Letras. In: PRADO, Guilherme do Val Toledo; AYOUB, Eliana; PRODÓCIMO,
Elaine. (Orgs.). PIBID-Unicamp: narrando cotidianos e histórias. Campinas: Edições
Leitura Crítica, 2017, p.102-103. (Coleção Formação Docente em Diálogo, v.7).
ALVES, Cláudia Tavares; CASTILHO, Jéssica Aparecida; BENEDITO, Júlia Marina
Alves; FREITAS, Sinara Gomes; RIBEIRO, Thaíssa Marques. Relato sobre PIBID
Letras Unicamp: uma experiência de retextualização e adaptação teatral. Ao pé
da Letra (UFPE. Online), v.17.2, p.47-59, 2015.
ALVES, Cláudia Tavares; RIBEIRO, Thaíssa Marques. Projeto PIBID na EMEB Franco
Montoro: o mundo do trabalho a partir da retextualização e da adaptação teatral.
Língua, Literatura e Ensino (Unicamp), v. 10, p.7-15, 2015.
CÔRTES, Ana Maria. O impacto do PIBID na formação de professores na área de
literatura. Língua, Literatura e Ensino (Unicamp), v. X, p.115-133, out./2013.
CORTES, Ana Maria Ferreira; BOCCATO, Diana Michaela Amaral; SZENTE,
Mateus; ROCHA, Suzy Costa; LOPES, Marcos Aparecido. Despertar para o outro: o
mundo do trabalho nas séries finais do Ensino Fundamental II. In: AYOUB, Eliana;
83
PRADO, Guilherme do Val Toledo; PRODÓCIMO, Elaine. (Orgs.). PIBID-Unicamp:
interlocuções e ações no contexto de uma necessária política de formação. Campinas:
Edições Leitura Crítica, 2016. p. 95-114. (Coleção Formação Docente em Diálogo, v.6)
Das dores faço flores. Página de Facebook. Disponível em: <https://www.facebook.
com/Das-dores-fa%C3%A7o-flores-801144763359358/>. Acesso em 30/08/2017>.
DE LA NUEZ, Daniela Campos. Gênero “relato” na escola: voz de vítimas de
preconceitos. In: PRADO, Guilherme do Val Toledo; AYOUB, Eliana; PRODÓCIMO,
Elaine (Orgs.). PIBID-Unicamp: narrando cotidianos e histórias. Campinas: Edições
Leitura Crítica, 2017. p.116-118. (Coleção Formação Docente em Diálogo, v.7).
FINARDI, Gisele Ursini. Renovação, trabalho, sucesso. In: PRADO, Guilherme do Val
Toledo; AYOUB, Eliana; PRODÓCIMO, Elaine (Orgs.). PIBID-Unicamp: narrando
cotidianos e histórias. Campinas: Edições Leitura Crítica, 2017, p.55-57. (Coleção
Formação Docente em Diálogo, v.7).
LOPES, Marcos Aparecido. Aquém da literatura: o declínio da formação humanista e os
estudantes de Letras. In: AYOUB, Eliana; PRODÓCIMO, Elaine; PRADO, Guilherme
do Val Toledo (Orgs.). PIBID-Unicamp: experiências e reflexões sobre a formação
docente. Campinas: Edições Leitura Crítica, 2015, v. 4, p. 37-45. (Coleção Formação
Docente em Diálogo, v.4)
MARTINS, Naira; MOYSES, Luisa; OLIVEIRA, Natália; SIMÕES, Bianca; ZAGO,
Katherine. PIBID Letras Unicamp: um projeto interdisciplinar e formação escolar e
profissional. Língua, Literatura e Ensino, v. XII. p.358-374, dez./2015.
MENDONÇA, Márcia. Projetos de letramento, sequências didáticas e ensino de
gêneros no PIBID Letras Unicamp: lógica das práticas e formação de professores.
In: AYOUB, Eliana; PRADO, Guilherme do Val Toledo; PRODÓCIMO, Elaine (Orgs.).
PIBID-Unicamp: conhecimentos e saberes produzidos na práxis educativa. Campinas:
Edições Leitura Crítica, 2016. p.73-89. (Coleção Formação Docente em Diálogo, v.5).
MOYSES, Luisa Ianhes. O florescer de uma profissão: e fez-se uma professora. In:
PRADO, Guilherme do Val Toledo; AYOUB, Eliana; PRODÓCIMO, Elaine (Orgs.).
PIBID-Unicamp: narrando cotidianos e histórias. Campinas: Edições Leitura Crítica,
2017, p.75-76. (Coleção Formação Docente em Diálogo, v.7)
OLIVEIRA, Natalia; MARTINS, Naira; MOYSES, Luisa, NOGUEIRA, Lais, ZAGO,
Katherine. Textos de divulgação científica no ensino fundamental II: uma experiência
interdisciplinar do PIBID Letras Unicamp. Ao Pé da Letra (UFPE. Online), v.17.2,
p. 9-30, 2015.
SANTOS, Elisa da Silva Ribeiro. Existe contou-me? O currículo escolar e as intervenções
do PIBID. In: AYOUB, Eliana; PRADO, Guilherme do Val Toledo; PRODÓCIMO,
Elaine (Orgs.). In: PRADO, Guilherme do Val Toledo; AYOUB, Eliana; PRODÓCIMO,
Elaine. (Orgs.). PIBID-Unicamp: narrando cotidianos e histórias. Campinas: Edições
Leitura Crítica, 2017, p.182-186. (Coleção Formação Docente em Diálogo, v.7)
84
Desenvolvimento profissional de
uma supervisora do pibid-Unicamp:
formar e formar-se continuamente
Elisabeth Barolli
Coordenadora de Área do subprojeto Física
Faculdade de Educação
Introdução
Não há dúvidas quanto ao fato de que o Programa Institucional de
Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) se constitui numa das iniciativas mais
relevantes e promissoras no âmbito da formação de professores e na busca
pelo encurtamento da distância entre universidade e escola. Aproximar estas
instituições representa uma forma de romper com uma formação inicial de
professores engessada em procedimentos teóricos e pouco realistas. É por meio
da relação universidade-escola-licenciando que se criam condições efetivas
para que sejam compartilhadas experiências entre profissionais da educação
e aqueles que assim pretendem se tornar.
Ao mesmo tempo, não podemos deixar de assinalar o fato de que a
fertilidade deste programa transcende a formação inicial, pois também abre
oportunidades para que o professor supervisor, ao desempenhar o papel de
co-formador, se desenvolva profissionalmente. Também é necessário assinalar
a relevância do professor supervisor na sustentação do programa, pois é ele
quem vai conduzir e problematizar as atividades de formação previstas no
âmbito da escola. Não é exagero afirmar que o programa correria sério de risco
de fracassar sem a participação efetiva do professor supervisor.
85
Nessa perspectiva, o subprojeto Física da Unicamp, vinculado à Licen-
ciatura Integrada Física e Química, teve como um de seus principais objetivos
investir fortemente na valorização do trabalho do professor supervisor, criando
diversas condições para que ele pudesse se desenvolver profissionalmente.
Com a intenção de dar expressão ao potencial do PIBID em termos
de suas contribuições para o desenvolvimento profissional do professor su-
pervisor, este trabalho focaliza a participação de uma professora supervisora
no referido subprojeto, de modo a expressar a influência deste programa no
aprimoramento de sua própria prática. Os depoimentos que ela nos ofereceu
indicam que ela pôde alcançar diferentes dimensões relacionadas ao desen-
volvimento profissional docente, trazendo-lhe, inclusive, um novo ânimo no
exercício da profissão.
86
De modo complementar, Villegas-Reimers (2003), em uma revisão da
literatura, aponta algumas características consideradas como essenciais para o
desenvolvimento profissional docente. Para esta autora, por não ser um mero
treinamento de habilidades, o desenvolvimento profissional dos professores é
um processo permanente e contínuo, haja vista que suas aprendizagens ocorrem
ao longo do tempo. Partindo do pressuposto que os professores possuem um
conhecimento de base, é um processo que os auxilia na construção de novas
teorias e práticas pedagógicas. Esse processo pode ser concebido de diferentes
maneiras em diversos contextos e ter uma variedade de dimensões; no entanto,
pressupõe-se que a forma mais efetiva é aquela focalizada na escola e nas ati-
vidades cotidianas de professores, alunos, gestores e membros da comunidade
em um trabalho colaborativo.
No âmbito da Educação em Ciências, Barolli e colaboradores (2017) reali-
zaram um esforço de síntese e organizaram um conjunto de oito dimensões do
desenvolvimento profissional de professores da área. Tendo como referência a
sistematização das orientações previstas pela literatura educacional, o esquema
torna ainda mais evidente a complexidade do ofício do magistério e traz uma
nova contribuição para a análise sistemática do desenvolvimento profissional
de professores de Ciências.
87
Essas oito dimensões procuram expressar não apenas a complexidade da
profissão, mas também trazem implícitos os saberes que os professores preci-
sam agregar ao longo de sua constituição profissional. Em outras palavras, na
medida em que os professores se desenvolvessem no âmbito dessas dimensões,
seriam contemplados os diferentes saberes do repertório de conhecimentos
próprios da profissão docente. Além disso, a sistematização dessas dimensões
contribui para o planejamento de contextos formativos favoráveis para que
o professor encontre condições, inclusive aquelas por ele próprio requeridas,
para se desenvolver profissionalmente.
88
volvessem com a reflexão sobre o ofício de ensinar. Foram realizadas ações
que visaram o planejamento e condução de aulas e de sequências didáticas
baseadas em metodologias inovadoras; a articulação entre teoria e prática por
meio de relatos e memoriais reflexivos; analogias entre o processo de produção
do conhecimento científico e a aprendizagem em Ciências; aprofundamento
de critérios de observação de aulas, entre outras. Dentre essas atividades há
que se destacar o desenvolvimento de alguns projetos de pesquisa-ação 26
realizados por licenciandos e supervisoras com sustentação da coordenação
pelo fato de terem se mostrado bastante ricos em termos das aprendizagens
proporcionadas.
26 Foram desenvolvidos durante o ano de 2012 quatro diferentes projetos que investigaram
o grau de contextualização das questões do ENEM, as habilidades requeridas nas provas
de Biologia elaboradas pela professora da escola, a relação de professores de Física com
o processo avaliativo e as dificuldades de aprendizagem de alunos com os conteúdos de
Mecânica.
89
Ela nos contou logo no início da entrevista que a proposta da primeira
coordenação de contribuir na concepção e na orientação da atividade apoiada
na Ciência Forense lhe deixou bastante angustiada, visto que ela não tinha
experiência com este tipo de abordagem. Contudo, admitiu ao mesmo tempo
que aprendeu muito com esse projeto. Para ela, conhecer um pouco mais das
outras disciplinas e perceber como integrá-las com a Física foi muito provei-
toso para sua prática.
Pra mim foi importante no sentido de aprender a trabalhar com as outras disci-
plinas e conhecer um pouco mais da área de Química, de Biologia e saber como
é que eu me integro com elas. (Supervisora)
90
girava ao redor de outro Sol, se eu não me engano está em outra galáxia e que
existia toda a probabilidade de existir vida devido à distância que esse planeta
está do Sol. Eu vou lendo algumas coisas que eles me mandam, algumas coisas
que eu acho eu mando para o pessoal do PIBID. (Supervisora)
Esses recursos são incorporados à sua prática também pelo fato de apren-
der a manusear uma série de ferramentas que ela não utilizava anteriormente.
Nós tivemos que ir atrás de simulações, aprender como é que inclui uma simulação
em um slide de PowerPoint, então tinha coisas que eu não sabia que eu aprendi
com eles. [...] Aprendi a fazer inserção de vídeos, aprendi a fazer edição de vídeos,
conheci outras simulações, outros sites que eu não conhecia, outros materiais que
eu não conhecia e isso eu tive mais acesso com a entrada do PIBID. (Supervisora)
91
contar com a ajuda dos licenciandos. Ao pedir para que os bolsistas elaborem
atividades, ela sempre os alerta sobre a especificidade de cada curso e conta com
diversas ideias vindas do grupo. Nesse sentido, é no âmbito da dimensão sus-
tentação da aprendizagem dos alunos que essa professora vem encontrando
a oportunidade de se desenvolver profissionalmente. Essa busca por diferentes
abordagens, respeitando as peculiaridades dos alunos, está intimamente ligada
à sua preocupação em sustentar a motivação e a aprendizagem de seus alunos.
A pior coisa que tem para um professor é dar aula para uma sala desmotivada.
(Supervisora)
92
O PIBID me fez enxergar outro lado da formação de professores que eu não tinha.
[...] E eu nunca vi uma maneira de interferir nessa realidade da universidade.
Como fazer a licenciatura melhorar se eu estou numa sala de aula de ensino
médio. [...] Então pela primeira vez eu percebo que eu estou fazendo uma coisa
boa em relação a formação de professores. [...]. (Supervisora)
À guisa de conclusão
Os episódios relatados pela professora nos trazem indicações de que o
desenvolvimento profissional do professor é também um processo de desen-
volvimento pessoal, em que as crenças, os pensamentos e as atitudes têm um
papel vital, contribuindo para uma nova compreensão sobre si (HARGREAVES
& FULLAN,1992). Esse processo envolve mudanças mais profundas, que no caso
dos supervisores que atuam como co-formadores pode culminar em satisfação
pessoal, sobretudo em decorrência da valorização desse trabalho.
Hargreaves e Fullan (1992) argumentam que os professores têm pouco a
aprender uns com os outros se trabalharem isoladamente e que os processos de
desenvolvimento do professor dependem muito das condições contextuais em
que estes têm lugar. Ao nosso ver, o contexto proporcionado pelo subprojeto
aqui focalizado conseguiu romper com uma problemática bastante presente
na carreira de professores em exercício, que é o isolamento. Ao terminar sua
formação na universidade, o professor fica, de certa maneira, isolado em seu
trabalho na escola e o contexto promovido pelo projeto pode constituir uma
possibilidade de romper com esse isolamento, estabelecendo uma interlocução
da professora com a universidade.
Outro aspecto que merece destaque foi o fato da atuação dessa profes-
sora no subprojeto ter modificado sua visão sobre a formação de professores,
93
sobretudo quando afirma se sentir satisfeita em poder assumir uma vocação
que só a universidade possuía, ou seja, formar futuros professores. Uma nova
compreensão sobre si e um novo modo de ser e de se constituir como educa-
dora surgiu em função de sua vivência no subprojeto.
O professor que se encontra no ofício há muitos anos enfrenta, em geral,
um cotidiano muito rotineiro e cansativo. A introdução do PIBID na escola,
sobretudo quando o professor tem como perspectiva a co-formação, pode
romper com essa rotina, fazendo com que ele tenha que lidar com novidades
e, assim, adquirir uma nova disposição com relação à profissão. Além disso,
suscita uma série de reflexões que podem levar ao desenvolvimento do pen-
samento crítico e a se empenhar numa investigação com vista não só a uma
melhor compreensão de si mesmo como professor, mas também a buscar a
melhoria do seu eu.
Referências
BAROLLI, Elisabeth; VILLANI, Alberto; NASCIMENTO, Wilson Elmer; MAIA,
Juliana de Oliveira. Desenvolvimento Profissional de Professores de Ciências: um
esquema de análise. Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, 11,
2017, Florianópolis. Anais eletrônicos. Florianópolis: ABRAPEC, 2017.
DAY, Christopher. Desenvolvimento profissional de professores: os desafios da
aprendizagem permanente. Porto: Porto Editora, 2001.
HARGREAVES, Andy & FULLAN, Michael. Understanding teacher development.
New York: Teacher College Press, 1992.
MARCELO, Carlos. Desenvolvimento Profissional Docente: passado e futuro. Sísifo
– Revista de Ciências da Educação, n. 8, p. 7-22, 2009.
PONTE, João Pedro. O desenvolvimento profissional do professor de Matemática.
Educação e Matemática, n. 31, p.9-12, 1994.
VILLEGAS-REIMERS, Eleonora. Teacher professional development: an international
review of the literature. International Institute for Educational Planning, 2003.
Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001330/133010e.pdf>.
Acesso em: 30/06/2017.
94
Aprendendo a escutar o idioma pessoal do aluno:
o brincar e a contação de histórias na formação docente 27
Ana Archangelo
Coordenadora de Área do subprojeto Pedagogia do PIBID-Unicamp
Faculdade de Educação
Soraya Souza
Colaboradora voluntária do subprojeto Pedagogia do PIBID-Unicamp
Universidade do Vale do Paraíba (Univap)/SJC
Introdução
Uma das habilidades políticas mais importantes é a de narrar, na me-
dida em que o humano e a história se constroem a partir delas e do que elas
provocam nos sujeitos.
Para Tfouni, Martha e Monte-Serrat (2015, p. 137), “é a possibilidade de
nos tornarmos narradores que enriquece e torna suportável a nossa existên-
cia”. Toda narrativa traz consigo a subjetividade daquele que está narrando
e, quando nos dispomos a escutar o que o outro tem para nos dizer, estamos
escutando o que é suportável para ele, a partir de sua existência e de suas
experiências; estamos escutando o que ele é capaz de dizer sobre elas. Além
disso, testemunhamos os meios e os recursos mediante os quais a narrativa
95
se constitui e se explicita. Não necessariamente ela recorre a palavras, nem se
vale exclusivamente delas.
Nas crianças, podemos dizer que a necessidade de narrar se revela no
brincar, no desenho, nos gestos e também nas palavras. Aquilo que Sandler
(1997) denomina “idioma pessoal” de cada sujeito em situação de análise, que
requer do analista investigar o sentido de cada expressão, cada termo ou gesto
do paciente para realizar bem o seu trabalho, pode aqui ser tomado também
para ilustrar o que se passa com os pequenos: os símbolos são móveis, variados,
pouco convencionados e, muitas vezes, peculiares, mas plenos de sentido para
a atividade narrativa. Aquele que escuta, por sua vez, também o faz a partir do
que é capaz de capturar do idioma narrado e daquilo que é narrado.
Embora essencial ao desenvolvimento tanto individual como coletivo, a
narrativa e aquilo que ela comporta de existência humana não encontra o devi-
do espaço no contexto escolar. Em contraposição a esse cenário, o subprojeto
PIBID Pedagogia, parte do PIBID-Unicamp/CAPES, desde 2011 tem propicia-
do, para crianças do Ensino Fundamental I de uma escola pública da periferia
da cidade de Campinas, um espaço simbólico no qual a narrativa, concebida
a partir da perspectiva acima, é eixo estruturante da atividade. Desde os seus
primórdios, tem oferecido um ambiente favorável à integração psíquica: atra-
vés do brincar e do narrar, inspirado em conceitos da psicanálise, como os de
holding (WINNICOTT, 1975) e reverie (BION, 1991), oferta acolhimento, que
admite as ações espontâneas que as crianças praticam nesse espaço e colabora
com o processamento de angústias presentes nas experiências.
No “momento para o brincar” e na “contação”, com o auxílio dos bolsis-
tas ID que se dedicam a contar histórias, a brincar com elas e a escutá-las, as
crianças podem construir possibilidades de entrar em contato com experiên-
cias até então não narradas e, muitas vezes, difíceis de suportar na realidade.
O brincar e a contação oferecem à criança a oportunidade de experienciar
a continuidade de ser e as ansiedades relativas ao “vir a ser”: durante essas
atividades, ela projeta suas construções fantasiadas e imaginadas na realidade
compartilhada com as demais pessoas de seu convívio – seja familiar ou escolar
–, o que lhe permite sentir-se parte do grupo-classe, de uma comunidade de
aprendizes, de uma cultura.
O momento da contação de histórias oportuniza às crianças elaborar e
manifestar seus mais diversos sentimentos, a partir de narrativas orais, escritas e
do desenho, criando, assim, novas possibilidades para suas próprias narrativas.
É importante que elas possam dizer sobre si mesmas, elaborar as suas angús-
96
tias, seus medos e outras emoções – um amparo para viver as experiências,
inclusive as escolares.
Metodologia
O momento da contação de histórias em sala de aula é dividido em três
etapas: a contação de história propriamente dita, a roda de conversa e o registro,
que consiste em uma atividade escrita ou um desenho.
Dez bolsistas do subprojeto PIBID-Pedagogia, dos cursos de Pedagogia
e Letras, realizam as atividades semanalmente em dez turmas de primeiro ao
quarto ano do ensino fundamental. O objetivo é ofertar um espaço em que
as crianças possam manifestar os seus mais diversos sentimentos a partir de
narrativas orais e escritas decorrentes de seu envolvimento com os personagens
das histórias, além de criar um ambiente favorável à integração psíquica dessas
crianças através de brincadeiras.
O trabalho é pautado numa abordagem psicanalítica, que acolhe as
contribuições de Bettelheim (1980), Bion (1991), Ferro (1998), Klein (1991) e
Winnicott (1975), visando à comunicação e à elaboração emocional em sala
de aula, e apoia-se em Archangelo e Chevbotar (2015) – uma oportunidade
ímpar de experimentação do viver e do vir a ser humano.
As atividades são realizadas na própria sala de aula, em um horário espe-
cífico cedido pela professora da sala e destinado apenas às atividades da “aula
do brincar”, como as crianças nomearam o momento. Porém, é importante
ressaltar que o objetivo não é estritamente pedagógico, uma vez que não temos
a intenção de ensinar gramática ou de ensinar a estrutura de uma narrativa,
por exemplo, apesar de fazê-los indiretamente. Tal espaço valoriza a expressão
das crianças, inclusive criativamente.
Por ser um momento mágico, é importante que o espaço seja recons
truído simbolicamente, favorecendo a mobilidade das crianças e comunicando
que estamos em outro momento, dentre tantos na rotina escolar. As carteiras
são afastadas e encostadas nas paredes da sala, deixando um espaço onde uma
grande colcha decorada é colocada sobre o piso. A colcha serve para criar um
espaço lúdico e confortável, para que as crianças se acomodem em uma roda
e experimentem um estado de maior relaxamento, próprio da fruição.
97
1. A contação de histórias
De modo geral, as histórias constituem um significado
especial ao universo infantil, pois, através de sua narrativa,
fornecem elementos favoráveis para que os pequenos se
organizem internamente. A sua própria estrutura – come-
ço, meio e fim – sugere ao leitor caminhos para compre-
ender seus sentimentos e resolver seus conflitos (ALVES;
ESPÍNDOLA; MASSUIA, 2011, p. 102).
2. A roda de conversa
É importante que as crianças sejam capazes de criar suas narrativas a
partir daquelas que lhes foram contadas, para que expressem os sentimentos
que cada história evoca nelas e comuniquem, assim, os elementos toleráveis
de tal experiência e, portanto, passíveis de serem narrados (SAFRA, 2005).
Por essa razão, a escolha, a postura e as ações dos bolsistas ID são guiadas por
uma concepção aberta e disponível para acolher as manifestações das crianças.
É essencial que o bolsista ID esteja disponível para qualquer manifestação
da criança, sem julgamentos ou lições de moral. O objetivo é que ele acolha a
criança na sua integralidade, em seus aspectos criativos, agressivos, destrutivos,
98
desamparados, vorazes, sagazes e tudo que ali se manifestar. É tal disponibi-
lidade que indica à criança que o adulto compreende sua condição e está ali
para acolhê-la “tal como é”, ajudando-a a enfrentar e a lidar com suas emoções.
Há casos, porém, de crianças que não conseguem comunicar suas angús-
tias e permanecem em silêncio a maior parte do tempo. É papel do bolsista ID,
então, respeitar o espaço da criança, entendendo que o silêncio também pode
representar interação e elaboração. Mais importante que falar, é perceber qual
o melhor momento de falar e sobre o que falar. Nesse caso, cabe ao bolsista ID
demonstrar que está disponível para debater sobre qualquer temática, quando
a criança se sentir segura para dizer de si.
Precisamos lembrar que diversos temas podem conflitar com diferentes
crenças e culturas. Nesses casos, é importante que o bolsista ID acolha as di-
ferenças subjetivas, sem favorecer um ponto de vista em detrimento de outro,
assegurando um espaço favorável à expressão, ao respeito à diversidade e à
convivência com o diferente e divergente.
3. O registro
A roda de conversa é importante, uma vez que possibilita às crianças
pensar sobre suas próprias histórias e sobre si mesmas, legitimando suas
experiências e suas vivências. E, dada a importância desse momento, ele tem
como atividade final um registro escrito produzido pelas crianças sobre o tema
discutido na história, uma vez que a criança toma emprestadas a narrativa das
histórias e a do próprio bolsista ID para construir a sua própria. Essa atividade
é sempre pensada a partir das histórias e das temáticas contidas ali.
Vale ressaltar que as crianças não são obrigadas a fazer as atividades, se
não quiserem, mas a todo momento são incentivadas a participar. Juntamente
com a conversa, esse momento mobiliza a criatividade e o exercício espon-
tâneo de síntese. É também a chance para que as crianças que não tiveram a
oportunidade de falar na roda de conversa ou não se sentiram confortáveis na
frente dos demais colegas se expressem mais facilmente. É como se fosse uma
comunicação delas para elas mesmas, mas que culmina com a comunicação,
quando da entrega do trabalho ao bolsista ID.
Muitas vezes, algumas crianças, talvez por serem mais inibidas ou por
não se sentirem confortáveis naquele momento, permanecem em silêncio du-
rante toda a discussão ou apenas fazem alguns comentários superficiais, que
não dizem realmente sobre elas nem revelam o que sentem durante a roda
99
de conversa. Por isso, esse registro lhes oportuniza falar sobre o assunto. Às
vezes elas contam sobre seus desenhos ao bolsista ID em tom de confidência,
pedindo segredo.
Há casos, ainda, em que a criança, embora continue recusando-se a con-
versar sobre o assunto, realiza a atividade sem inibição ou constrangimento. O
registro, então, torna-se importante, pois nem sempre a criança precisa verba-
lizar seus sentimentos para que façam sentido para ela. O desenho possibilita
narrar sua história de uma forma diferente do que se espera na escola, sempre
nomeando tudo e racionalizando sobre tudo.
100
pensão. O final feliz entre seus pais parece ter murchado, como as flores. (Relatório
da bolsista Thais,16 nov. 2016)
101
tras crianças – e até mesmo Manuela – poderiam receber aquela história, mas
todos foram muito receptivos e participativos. Na roda de conversa, contaram
que tinham perdido familiares ou sequer chegaram a conhecê-los, e revelaram
que gostariam de ter tido a oportunidade de conhecê-los.
Em determinado momento, conversaram a respeito de não haver nenhum
problema em se sentirem tristes por perderem pessoas de quem gostavam mui-
to. A bolsista ID perguntou em que lugar sentiam essa tristeza, e as crianças
disseram que era no coração. Ela então explicou que isso acontecia porque as
pessoas que iam embora continuavam morando em nossos corações e, quando
a saudade chegasse, poderíamos sempre visitá-las. Manuela completou, dizendo
que essa tristeza poderia se transformar em alegria com o tempo.
De fato, era essa a ideia que o livro tentava passar com a história de Lu-
cas, que tentava superar a perda de seu avô. Em nenhum momento foi preciso
dizer que a história foi pensada para Manuela, mas ela pôde identificar-se com
a personagem, que passava pela mesma adversidade que ela.
A fantasia envolvida na história e a sensação de “brincadeira” oferecem à criança
a possibilidade de lidar com questões tristes e marcantes de sua vida sem neces-
sariamente identificá-las. Além disso, essas histórias alimentam nos pequenos
a esperança de que por mais difícil que seja sua vida, no final tudo acabará bem
(ALVES; ESPÍNDOLA; MASSUIA, 2011, p.105-106).
102
o tipo de expectativa adulta, não deixavam ver necessariamente o sentido que
a trama tinha para elas.
Isso fica ainda mais claro quando se consideram as relações que as crian-
ças têm entre elas, e, nesse grupo, destacou-se, em específico, o ocorrido entre
duas meninas desta turma, assim relatado pela bolsista:
Gabriela e Bruna passaram a manhã toda discutindo. Diversas vezes precisei in-
terferir, falando “não quero mais ouvir isso”. As falas eram muito pesadas. Bruna
insultava a mãe de Gabriela e essa respondia com “a sua que é. Ah, esqueci, ela
‘tá’ morta”. Gabriela disse à Bruna que a mãe da menina estava no inferno, a
garota nem conseguia processar o que ouvia e dar resposta. (Relatório da bolsista
Mayara, 26 nov. 2016)
103
Por ser uma temática que esbarra na violência social e cultural, nosso
objetivo precisa ser abrir o espaço para que a criança possa ter experiências
inéditas de simbolização de sua condição. A menina que vive reiteradamente
o preconceito e o racismo pode ter, na história, a cor de pele como razão de
admiração. Trata-se de oferecer modelos de identificação e cenários distintos
de simbolização, em que as características pessoais estigmatizadas possam vir
a ser integradas em sua personalidade e, eventualmente, apreciadas por ela. Só
assim, de fato, a angústia resultante das experiências de preconceito pode ganhar
luz e encontrar espaço para ser formulada como narrativa, seja no brincar ou
na conversa sobre a história. Ao conquistar esse estágio, a criança pode deixar
de disparar torpedos projetivos de ataque àquele que representa a sua própria
cor ou condição. No plano do trabalho educativo, só assim a contação pode
ultrapassar a barreira das respostas estereotipadas e se converter, de fato, em
experiência transformadora para as crianças.
104
A caixa continuou passando, e a bolsista ID fez outra pergunta: “Como
podemos mostrar o que sentimos? Só falando ou há também outras maneiras?”.
Nossa criança foi a primeira a levantar a mão para falar: “Não. A gente não
precisa só falar, pode mostrar com carinho, presente ou falando também”. O
menino que parecia ter dificuldade de expressar o que sentia foi perfeitamente
capaz de dizer o que achou da história, o que sentia; e, inclusive, deixou claro
que, muitas vezes, não precisamos dizer para demonstrar o que sentimos, pois
existem diversas maneiras de fazê-lo. Mas o espaço organizado e legitimado
para falar a esse respeito parece ter surtido o efeito de conceder ao sentimento
o estatuto de algo a ser processado para ser transmitido.
Com o passar do tempo e com a ajuda de outras histórias, os choros
diminuíram significativamente, até cessarem de vez. Em um dado momento,
o garoto conseguiu inclusive explicar por que sempre discutia com um colega
específico, alegando que o outro era muito “mandão” e queria sempre as coisas
“do jeito dele”.
105
Referências
ALVES, Aletéia Eleutério; ESPÍNDOLA, Ana Lúcia; MASSUIA, Caroline Sanchez.
Oralidade, fantasia e infância: há lugar para os contos de fadas na escola. In: SOUZA,
Renata Junqueira; FEBA, Berta Lúcia Tagliari (Orgs.). Leitura literária na escola.
Campinas: Mercado de Letras, 2011, p. 97-121.
ARCHANGELO, Ana & CHEVBOTAR, Aletéia. Algumas considerações sobre a
difícil tarefa de se tornar um professor contador de histórias. In: AYOUB, Eliana;
PRODÓCIMO, Elaine; PRADO, Guilherme do Val Toledo (Orgs.). PIBID-Unicamp:
experiências e reflexões sobre a formação docente. Campinas, SP: Edições Leitura
Crítica, 2015, p.47-62. (Coleção Formação Docente em Diálogo, v. 4)
AUBREY, Annete. Para sempre no meu coração. Ilustrações de Patrice Barton. São
Paulo: Girassol, 2009.
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fada. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1980.
BION, Wilfred. O aprender com a experiência. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
FERRO, Antonino. Na sala de análise: emoções, relatos, transformações. Rio de
Janeiro: Imago, 1998.
KING, Stephen Michael. O homem que amava caixas. São Paulo: Brinque-Book, 1997.
KLEIN, Melanie. “Inveja e gratidão” e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
MACHADO, Ana Maria. Menina bonita do laço de fita. Ilustração de Claudius.
(7ª ed.) São Paulo: Ática, 2005.
SAFRA, Gilberto. Curando com histórias: a inclusão dos pais na consulta terapêutica
com crianças. São Paulo: Sobornost, 2005.
SANDLER, Paulo Cesar. A apreensão da realidade psíquica. Rio de Janeiro: Imago,
1997.
TFOUNI, Leda Verdiani; MARTHA, Diana Junkes Bueno; MONTE-SERRAT, Dionéia
Motta. Narrar para narrar-se: entre o livro e a sabedoria, a autoria. Memorandum,
n. 28, p.132-144, 2015.
WINNICOTT, Donald. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
WOJTOWICZ, Jen. O menino que florescia. Ilustrações de Steve Adams. São Paulo:
Edições SM, 2006.
106
Por uma paisagem de licenciatura:
o Geopibid-Unicamp como espaçotempo de
tensionamento de sentido de formação docente
Rafael Straforini
Coordenador de Área do subprojeto Geografia do PIBID-Unicamp
Instituto de Geociências
Anniele Freitas
Colaboradora voluntária do subprojeto Geografia do PIBID-Unicamp
Universidade Federal Fluminense
107
Um conteúdo de saber que tenha sido definido como saber a ensinar, sofre, a par-
tir de então, um conjunto de transformações adaptativas que irão torná-lo apto
a ocupar um lugar entre os objetos de ensino. O “trabalho” que faz de um objeto
de saber a ensinar, um objeto de ensino, é chamado de transposição didática.
108
Sabíamos que ao incorporar tais fundamentos, teríamos de aceitar o
convite a que nos faz Alves (1998) para “mergulhar no cotidiano escolar” e nos
deixarmos tocar por toda a sua “soma das insignificâncias”, o que implicaria
abandonarmos a exclusividade do olhar disciplinar (a Geografia em nosso
caso), quando tratamos de escola e, evidentemente de formação docente;
afinal, a escola não é a morada exclusiva das disciplinas, mas também a mo-
rada de uma rede de significações infinitas da própria sociedade. Se no edital
anterior o subprojeto Geografia ainda falava e tratava “sobre” a escola, neste
edital passamos a falar e atuar “com” a escola. Para Ferraço (2003 e 2007), a
perspectiva cotidianista é um convite para abandonarmos de vez a ideia da
ação e da pesquisa “sobre” o cotidiano. Para esse autor:
[agir e] pesquisar “sobre” traz a marca da separação entre sujeito e objeto. Traz
a possibilidade de identificarmos o cotidiano como objeto em si, fora daquele
que o estuda, que o pensa ao se pensar. (...) Pesquisar “sobre” aponta a lógica da
diferença, do controle. Resulta no sujeito que domina, ou crê dominar, o objeto.
Um ‘sobre’ o outro, que ”encobre” que se coloca ‘por cima’ do outro sem entrar
nele, sem o ‘habitar’ (FERRAÇO, 2003, p.162).
109
Nesse sentido, o GeoPIBID tem sido um espaçotempo privilegiado de
disputas e de tensionamentos do próprio sentido de “formação inicial”, pois
nesta paisagem de licenciatura que almejávamos outros elementos que até
então eram silenciados passaram a disputar espaços e sentidos discursivos de
formação e, porque não dizermos, sentidos de conhecimento geográfico. O
GeoPIBID assumiu, pelo menos a nosso ver, um papel significativo no pró-
prio currículo do curso de Licenciatura em Geografia, não na perspectiva do
currículo oficial ou grade curricular, mas como ações que ocorrem e disputam
sentido de conhecimento geográfico e de formação docente que se realizam
no campo da prática. Ações estas que muitas vezes escapam do controlado, do
previsto e do planejado.
As ações do GeoPIBID se dividiram em vários eixos de atuação, a saber:
pesquisar e agir nas práticas curriculares; oficinas geográficas; produção de
materiais didáticos; grupo de estudos em educação geográfica; compartilhan-
do saberes; integrando comunidade-escola; palavras geográficas; e expedições
geográficas.
Pesquisar e agir nas práticas curriculares trata da elaboração de um
projeto de pesquisa junto às escolas parceiras a partir de uma questão problema
vivenciada e presente nas práticas curriculares dos professores supervisores e/
ou demais sujeitos escolares. Já as oficinas geográficas são atividades elaboradas
nas escolas e na própria universidade a partir das demandas dos professores
supervisores ou sugeridas pelo corpo pedagógico de cada das escolas parceiras,
ou ainda das demandas dos bolsistas ID. A produção de materiais didáticos
teve como proposta a elaboração de materiais didáticos voltados para ensino
da Geografia em consonância com as oficinas geográficas e os projetos de
pesquisa dos bolsistas ID.
Dentre todas as ações planejadas e executadas pelo subprojeto, pesquisar
e agir nas práticas curriculares foi uma das que teve maior impacto na for-
mação dos bolsistas. A princípio, uma proposta um tanto quanto ousada para
um curso de licenciatura que não havia tradição de pesquisas voltadas para
as temáticas do ensino de Geografia. A proposta de se desenvolver pesquisas
num programa de iniciação à docência também causou certo estranhamento
e algumas resistências aos seus próprios participantes. Tal iniciativa teve como
pilar a perspectiva e influência do conceito de professor-pesquisador, já tão
debatido nos cursos de formação de professores. O professor-pesquisador é
uma proposta formativa que tem como princípio formar ao longo da carreira
docente um profissional que seja capaz de refletir e transformar sua própria
prática, compreendendo que, dentro da sua práxis docente, a pesquisa tem um
110
papel crucial na construção de conhecimento do professor, dos alunos e do cres-
cimento da qualidade do processo educativo em geral (GHEDIN et al., 2015).
Na ação pesquisar e agir nas práticas curriculares os bolsistas ID em
parceria com os professores supervisores das duas escolas também propuseram
e desenvolveram regências ao longo de todo o período de vigência do atual edi-
tal. Consideramos que tal ação também foi de extrema importância na relação
escola-universidade / teoria-prática por estarem apoiadas em dois fundamentos
do subprojeto do GeoPIBID: as regências deveriam ser realizadas em torno
de um conteúdo curricular negociado com o próprio professor, consideran-
do o seu currículo praticado, e, como segundo fundamento, a regência seria
também um espaçotempo de reflexão, conforme apontado por Schön (1995)
em sua teoria do “professor reflexivo”. Como resultado dessa ação, inúmeros
relatórios e trabalhos de reflexão sobre o processo de ensino-aprendizagem
foram produzidos e publicados em eventos acadêmicos locais e nacionais,
unindo esta proposta à ação compartilhando saberes.
Nas ações que ocorreram na universidade, o Grupo de Estudos em Edu-
cação Geográfica tem sido, desde o início do atual edital, o ponto de maior
força, articulação e convergências dentre as ações do subprojeto. Acreditamos
que tais encontros assumiram esta força em virtude de serem, até então, o úni-
co espaço-tempo de reflexões e debates em torno da educação em Geografia
antes de os alunos cursarem as disciplinas de Estágios Supervisionados em
Geografia, presentes nos dois últimos semestres da grade curricular do curso.
A simples presença semanal dos pibidianos nos corredores do bloco de sala
de aula à espera da abertura de uma sala para a realização das reuniões, bem
como a necessidade da coordenação e da secretaria de graduação terem de
encontrar e reservar dentre as poucas salas disponíveis uma para a realização
de nossos encontros, já é um dos elementos que foi simbolizando a almejada
“paisagem de licenciatura”.
Nas reuniões semanais presenciais, inúmeros temas da Geografia e da
Educação, assim como questões de método e de procedimentos de pesquisa
em Educação são estudados e debatidos à luz de importantes referenciais teó
ricos com o objetivo de apoiar a elaboração dos projetos de pesquisas, dos
materiais didáticos, do planejamento das regências e de reflexões em torno
das questões que envolvem o cotidiano escolar vivenciados pelos bolsistas ID,
bem como do cotidiano do próprio Curso de Licenciatura. Nessas reuniões
também se iniciaram o planejamento e o desenvolvimento de ações em torno
das políticas educacionais de diferentes escalas vivenciadas nos últimos anos,
como a adequação curricular do curso de Licenciatura em Geografia frente à
111
Deliberação do Conselho Estadual de Educação para a Formação Docente (CEE
111/2012); o Movimento Fica PIBID, a leitura coletiva e debates em torno da
Base Nacional Comum Curricular, entre outras.
Nesse sentido, concluímos que as ações pesquisar e agir nas práticas
curriculares e Grupo de Estudos em Educação Geográfica, ao se fixarem
numa “paisagem de licenciatura”, passaram a disputar sentidos na construção
da própria identidade docente do professor de Geografia da Unicamp.
Referências
ALVES, Nilda. O espaço escolar e suas marcas: o espaço como dimensão material
do currículo. Rio de Janeiro: DP&A, 1998.
CHEVALLARD, Yves. La transposición didáctica: del saber sabio al saber enseñado.
Buenos Aires, Argentina: Aique Grupo Editor, 1991.
FERRAÇO, Carlos Eduardo. Pesquisa com o cotidiano. Educação & Sociedade.
Campinas, v. 28, n. 98, p. 73-95, jan./abr. 2007.
________. Eu, caçador de mim. In: GARCIA, Regina Leite (Org.). Método: pesquisa
com o cotidiano. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 157-171.
FREITAS, Anniele Sarah Ferreira. Formar professores-pesquisadores numa escola
de bacharéis: a cultura do PIBID de Geografia da Unicamp. Dissertação de Mestrado.
Campinas: Unicamp, 2016.
FREITAS, Anniele & STRAFORINI, Rafael. PIBID-Geografia: práticas e reflexões obre
o processo de formação do professor-pesquisador. In: AYOUB, Eliana; PRODÓCIMO,
Elaine; PRADO, Guilherme do Val Toledo (Orgs.). PIBID-Unicamp: experiências e
reflexões sobre a formação docente. Campinas: Edições Leitura Crítica, 2015, p.85-96.
(Coleção Formação Docente em Diálogo, v.4)
GHEDIN, Evandro; OLIVEIRA, Elisangela S.; ALMEIDA, Whasgthon A. Estágio
com pesquisa. São Paulo: Cortez, 2015.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. São Paulo: Record, 2000.
SILVA JUNIOR, Hilton Marcos. “E agora, o que eu ensino: Eustáquio de Sene ou
Milton Santos?”: Geografia Escolar, Geografia Acadêmica e mobilidade espacial do
saber. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ, 2014.
SCHÖN, Donald. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA,
António (Coord.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Publicações Dom
Quixote, 1995, p. 80-92.
112
A formação do professor de arte no
subprojeto PIBID-Artes Visuais Unicamp
Introdução
Este artigo apresenta um histórico do Subprojeto PIBID-Artes Visuais
da Unicamp, destacando alguns pontos que foram considerados fundamentais;
entre eles, as atividades de planejamento para alguns trabalhos desenvolvidos
com os alunos do Ensino Fundamental. Apresenta-se um pequeno relato
dos envolvidos no projeto e conclui-se com a argumentação de que o projeto
colabora para desenvolver nos bolsistas as competências necessárias para o
trabalho como professor.
113
num artigo escrito em conjunto com a professora supervisora Milena Quat-
trer e uma das bolsistas29.
114
também uma vivência no planejamento dessas atividades. O trabalho na EMEF
Profª Dulce Bento Nascimento, por outro lado, permitiu colocar em destaque
a consciência de que ensino é coletivo, determinado por legislação e ocorre
numa estrutura hierarquizada.
Planejamento coletivo
Sobre esse assunto, Libâneo (2006, p.120) comenta que um dos objetivos
educacionais indica que “os valores e ideais proclamados na legislação edu-
cacional expressam os propósitos das forças políticas dominantes no sistema
social”. No entanto, o autor (id. ibid., p.121) também lembra que junto a este
objetivo existem outras referências com as quais este se une, quais sejam:
• os conteúdos básicos das ciências, produzidos e elaborados no decurso
da prática social da humanidade;
• as necessidades e expectativas de formação cultural exigidas pela po-
pulação majoritária da sociedade, decorrentes das condições concretas
de vida e de trabalho e das lutas pela democratização.
Na articulação destes elementos dentro de um plano de ensino, temos a
necessidade de submissão às exigências da legislação educacional e a indicação
de possibilidades de liberdade de ação para o professor. Os dois últimos itens
são facilmente reconhecidos pelos estudantes de Licenciatura; no entanto, ao
lidar com eles foi possível identificar uma certa dificuldade de reconhecer que
a educação está inserida num contexto político e legal.
A legislação precisa ser transformada num plano de ensino, numa pro-
gramação dos trimestres que é como se estruturam o Ensino Fundamental e
Médio na prefeitura de Campinas. Para isso, deu-se ênfase às atividades de
planejamento feitas coletivamente entre o coordenador do subprojeto PIBID,
a professora supervisora e o(a)s bolsistas. Para operacionalizar esta atividade
foram utilizados recursos compartilhados via web, em especial por meio das
planilhas no sistema Google. Com isso, conseguimos desenvolver propostas
de atividades didáticas.
115
sendo que em dois casos foram chamados especialistas para tratar de assuntos
específicos.
Um dos casos foi sobre o relato de bolsistas a respeito de desenhos de
caráter erótico feitos por crianças muito pequenas, o que trouxe a necessidade
de chamarmos um especialista que lidasse com o assunto sexualidade. Assim,
uma vez que se tratava de uma questão que poderia interessar a outros projetos,
as coordenações dos subprojetos PIBID do Instituto de Artes promoveram a
palestra “Sexualidade, espaços de ensino e o(a) professor(a)” com o Prof. Dr.
Ricardo Castro e Silva30, no dia 9 de abril de 201531.
Seguindo a mesma lógica, o trabalho em sala de aula trouxe o assunto
da disciplina dos alunos para a aprendizagem. E para falarmos sobre isso, foi
marcada uma conversa por Skype com a Profa. Dra. Rita de Cássia Magalhães
Trindade Stano32 no dia 22 de junho de 2015.
Atividades didáticas
O trabalho do professor envolve a organização de condições para que os
alunos possam construir seus conhecimentos, habilidades e atitudes. Tendo por
base o que foi proposto pela legislação, à realidade concreta vivida na escola e
sua experiência compete ao professor conceber, desenvolver e avaliar situações
nas quais os alunos possam aprender. Essa concepção coloca o aluno como um
elemento de participação ativa no processo de aprendizagem.
O aluno precisa fazer e por meio deste fazer ele aprende algo; reforçando
o assunto, vale a pena citar um comentário do Profº Fernando José Almeida
da PUC-SP que, ao enfatizar a importância da atividade para um grupo de
professores de uma instituição de ensino privada, afirmou: “O ensino é o único
serviço em que uma pessoa paga para ela mesma fazer, todos os outros serviços
são outras pessoas que fazem”33.
30 Psicólogo pela PUC-Campinas com mestrado e doutorado em Educação sobre temas re-
lacionados à adolescência e sexualidade. Fundador e coordenador pedagógico de projetos
da Taba- espaço de vivência e convivência do adolescente (ONG situada em Campinas/
SP). Consultor da Área da Saúde do Adolescente, do Ministério da Saúde.
31 <http://www.iar.unicamp.br/evento/palestra-sexualidade-espacos-de-ensino-e-o-professor>.
32 Pedagoga pela Fundação de Ensino e Pesquisa de Itajubá (1984), mestrado e doutorado em
Educação (Currículo) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-doutorado
na Universidade do Minho. Professora Associada da Universidade Federal de Itajubá.
Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Currículo: questões atuais da PUC-SP.
33 Frase citada frequentemente nas reuniões pedagógicas com os professores do Curso de
Design de Multimidia do SENAC-SP, no ano de 2000.
116
Se a atividade é algo importante em qualquer das disciplinas escolares,
essa importância aumenta quando tratamos do ensino de artes. Encontramos
essa valorização do fazer na arte em vários autores, tais como Ostrower (1977),
Focillon (2001) ou mesmo Bachellard (1991).
Ana Mae T. B. Barbosa34 tem mostrado isso no que ficou conhecida como
a abordagem triangular do Ensino de Artes, que inclui a produção como um
fator essencial na aprendizagem. Essa proposta também aparece explicitamente
nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs (Brasil, 1997, p. 36), onde
encontramos que a aprendizagem da arte envolve, entre outros fatores,
[...] a experiência de fazer formas artísticas incluindo tudo que entra em jogo
nessa ação criadora: recursos pessoais, habilidades, pesquisa de materiais e téc-
nicas, a relação entre perceber, imaginar e realizar um trabalho de arte.
117
Fotografia
Foi uma das primeiras atividades desenvolvidas no projeto. Iniciou
com a visualização de fotografias com a intenção de incentivar a percepção de
diferentes formas de fotografar. Após uma roda de conversa, foi apresentada
a proposta da fotografia pin-hole. Posteriormente, os alunos do ensino funda-
mental construíram suas câmeras e fotografaram. A revelação das fotos ficou
ao cargo de terceiros e foi feita uma exibição dos resultados, direcionando a
atenção para os efeitos visuais.
A atividade colaborou para o desenvolvimento, nos bolsistas, de muitas
competências ligadas ao ensino, em especial a adaptação de propostas para a
realidade concreta da escola e dos alunos. Houve também o desenvolvimento
da consciência da necessidade do planejamento.
Boifalô
Foi planejado um grupo de atividades tendo como tema uma narrativa
folclórica da região de Barão Geraldo, Campinas. Essa atividade envolveu to-
dos os anos escolares de acordo com as propostas, limites e potencialidades de
cada grupo, resultando em diferentes produções, tais como: cenário, máscaras
e corpo do “Boifalô”. Estas atividades envolveram desenho, recorte e colagem,
além de um estudo de lendas regionais bem como a construção de histórias em
quadrinhos com a mesma temática. A produção de máscaras também serviu
para um estudo da proporção do rosto.
Por se tratar de uma atividade complexa e interdisciplinar, ela exigiu
dos bolsistas uma grande capacidade de organização, permitindo o desenvol-
118
vimento das seguintes competências: trabalho em grupo, planejamento em
conjunto, condução do grupo de alunos visando atingir um objetivo maior,
que foi a atividade de cada um.
119
Maquete fantástica - casa maluca
A atividade consistia nos alunos criarem a maquete de uma casa fantástica
na qual eles gostariam de morar. Deveriam planejá-la com desenhos e depois
construir a maquete com sucata.
Para os bolsistas, a atividade envolveu a capacidade de coordenar um
projeto dos alunos e ajudá-los a alcançar os resultados esperados.
Cindy selfies
O tema do retrato foi amplamente trabalhado envolvendo fotografias,
pintura de fotografias, desenhos e uma discussão sobre a cor, desenho de obser-
vação com o retrato do colega e autorretrato com espelho. Por se tratar de um
trabalho reflexivo, foi vista a história do retrato, autorretrato e a comparação
com selfies. Tivemos roda de conversa sobre a Monalisa de Leonardo da Vinci
e as fotografias de Cindy Sherman, resultando no que os alunos chamaram de
Cindy selfies, ou seja, selfies com uma produção que lembrava os trabalhos de
Cindy Sherman.
Esta atividade foi extremamente rica, permitindo que os bolsistas desen-
volvessem competências de mediação e organização do trabalho com os alunos.
Cores
Essa atividade se iniciou com a leitura do livro Flicts, de Ziraldo (1988),
envolvendo a produção de desenho, pintura e colagem. Com os alunos das
turmas mais avançadas, trabalhou-se uma introdução às cores, cores primárias
e secundárias e círculo cromático.
Além dos aspectos específicos do assunto, esta atividade trouxe para os
bolsistas a necessidade de mobilizar competências de organização do trabalho
dos alunos, principalmente nas atividades que envolveram pintura, uma vez
que não tínhamos um espaço adequado para isso.
120
Esta atividade foi muito rica, mas a sua condução foi um tanto complexa
demandando planejamento e desenvolvimento de competências por parte dos
bolsistas para engajar os alunos, problematizar conceitos já estabelecidos e
conduzir a turma nas atividades propostas. Essa atividade também envolveu
a capacidade de ouvir os alunos e trouxe a discussão da diversidade.
Ter contato direto com a escola foi fundamental para que a teoria pudesse se aliar
à prática. O projeto também é bastante aberto e permite várias experimentações,
o que é muito importante para nós, que estamos em formação. Uma das crian-
ças era paciente psiquiátrica e pouco participava das atividades. Na maioria do
período, passava o tempo dormindo. As outras crianças mesmo diziam que nem
adiantava tentar, porque ele não participava de nada.
Conforme fomos desenvolvendo o projeto das máscaras, fomos mostrando para
ele e tentando fazer com que participasse. Ele aceitou, fez sua máscara e no final
perguntou: “posso levar para casa? Quero mostrar para o meu pai”. (Samuel
Harumi Gagliardi Araujo Nakasone, Bolsista PIBID)
O projeto de cinema como um todo que foi realizado no ano de 2013. O pensa-
mento de construção do projeto todo, pensando nas etapas da montagem de um
filme: a pré-produção do roteiro e storyboard; o processo de filmagem e edição; a
121
confecção de cartazes e divulgação do filme; toda essa estrutura de uma proposta
longa foi interessante, pois desenvolveu um processo e ainda trouxe o envolvimento
dos alunos (Thiago Fernandes Ribeiro, Bolsista PIBID)
122
tão significativos para o grupo de bolsistas e mexeram tanto com os alunos do
ensino fundamental que optou-se por divulgá-los por meio PIBID-Unicamp e o
segundo num artigo científico publicado em periódico da área de Artes. (Milena
Quattrer, Supervisora do PIBID)
Competências
Perrenoud (2000) estabelece uma lista de 10 competências para o trabalho
docente. Não podemos dizer que essa lista seja completa nem que os itens ali co-
locados sejam aceitos por todos, mas podemos tomá-la como um parâmetro útil
para pensar a formação docente. Pode-se afirmar que por meio das atividades
de planejamento e atuação com os alunos do ensino fundamental, os bolsistas
desenvolveram aprendizagens e competências, tais como: organizar e dirigir
situações de aprendizagem; trabalhar com grupos diferenciados; envolver os
alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho; trabalhar em equipe; utilizar
novas tecnologias e administrar sua própria formação contínua.
Referências
BACHELARD, Gaston. A terra e os devaneios da vontade. Ensaio sobre a imaginação
das formas. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora, 1991.
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais
- Arte. 1997. Ministério da Educação.
CAMPINAS, SP. Diretrizes Curriculares da Educação Básica para o Ensino
Fundamental – Anos Iniciais: um processo contínuo de reflexão e ação. Campinas:
Prefeitura Municipal de Campinas, Secretaria Municipal de Educação, Departamento
Pedagógico, 2012. Organização e coordenação: Heliton Leite de Godoy. Disponível
em: <http://campinas.sp.gov.br/governo/educacao/diretrizes-curriculares.php>.
COLAPIETRO, V. Visual Semiotics [Incomplete, Working Draft]. 29. out. 2003.
Palestra, SENAC R. Scipião, 67, São Paulo, Brazil.
FOCILLON, Henri. A vida das formas - seguido de elogio da mão. Lisboa: Edições
70, 2001.
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 2006.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e os processos de criação. (8ª ed.) Petrópolis:
Vozes, 1977.
PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre:
Artmed, 2000.
ZIRALDO. Flicts. São Paulo: Melhoramentos, 1988.
123
Da abstração da teoria à realidade
da prática de ensino de Matemática:
experiências e percepções de bolsistas PIBID
Sonia Nogueira
Supervisora do subprojeto Matemática do PIBID-Unicamp
Professora de Matemática da Escola Estadual Professor José Vilagelin Neto
Introdução
A formação inicial de um professor deve ter os seguintes pilares funda-
mentais do futuro profissional de ensinar Matemática:
1. Conteúdo, a saber, os conhecimentos abstratos e aplicados da Mate-
mática como linguagem do raciocínio e grande área do conhecimento.
2. Entender de avaliações de aprendizado dos alunos, isto é, das formas
e momentos examinar a apropriação, parcial ou não, correta ou não,
de conteúdos matemáticos por parte dos alunos.
3. Conhecer várias possibilidades pedagógicas, isto é, a didática apro-
priada para ensinar Matemática.
125
4. Ter um “modelo” dos alunos, que deve ser aprimorado e ajustado
durante a relação aluno-professor.
5. Conhecer o currículo a ser ensinado, de forma a estabelecer priorida-
des nas escolhas de conteúdo a serem abordados, quando e como.
Vários referenciais teóricos afirmam e as nossas experiências corrobo-
ram que nenhum dos pilares acima é construído exclusivamente nos bancos
acadêmicos da Universidade. Em outras palavras, a Licenciatura em Matemá-
tica é necessária, mas não é suficiente para a formação, mesmo inicial, de um
professor profissional de Matemática (FIORENTINI et al., 1998). O PIBID tem
tido o papel fundamental e necessário para esse fim. Mais do que os também
importantes estágios, pois o PIBID, em acordo com a nossa proposta, permite
que bolsista assuma explicitamente a condução da atividade docente em sala
de aula.
Neste artigo vamos mostrar segmentos do cotidiano que indicam o desen-
volvimento dos bolsistas de iniciação à docência na sua formação profissional
e, para mais além, na formação cidadã consciente de seu papel na sociedade.
Esta experiência foi possível pelo acordo firmado com a escola para
que os bolsistas pudessem participar de algumas reuniões ordinárias dos
professores da disciplina e assim iniciarem o entendimento do ambiente de
trabalho escolar.
Já os acordos de atuação dos bolsistas nas aulas de Matemática variam
com os professores que fazem os acompanhamentos. Os horários de dispo-
nibilidade dos bolsistas e das disciplinas impõem um quebra-cabeça com
soluções pragmáticas longe das ideais.O nosso projeto propõe, na medida
do possível, um bolsista para cada turma.
E já aconteceu de um bolsista ir para uma turma desconhecida, por cir-
cunstâncias de tempo real na escola. De qualquer forma, mesmo os episódios
não planejados propiciam aos bolsistas novas experiências. O seguinte relato
mostra a abordagem bem sucedida de um bolsista em um turma desconhecida:
126
Como não conhecia a turma, na minha primeira aula de equações, fui cons-
truindo o conceito com os alunos, para perceber o conhecimento deles sobre o
assunto. Em uma análise superficial, acredito que toda a sala sabia o que era uma
equação, mas a grande maioria não sabia como resolver uma equação. Então
comecei com equações bem simples e fui aumentando o seu grau de dificuldade.
O tempo era curto; no entanto, então eu resolvia uma equação com os alunos
na lousa e depois pedia para que eles resolvessem uma semelhante por conta
própria. Depois de uns 5 ou 10 minutos, enquanto eu andava pela sala, tirava
dúvidas, e guiava alguns alunos, eu corrigia na lousa. E a próxima equação eu
adicionava um certo conceito, como frações e distributivas, e repetia o procedi-
mento, que foi também utilizado para o estudo de inequações. (Depoimento de
Roger Amarantes Silveira)
127
acima, ou não, a sua vocação para o magistério. Nesse sentido também, o projeto
PIBID é importante. Ter estímulos reais em sala de aula com um professor e
atuando como professor em determinados momentos.
Foi o que aconteceu:
Em uma das semanas, pedi permissão à professora para conduzir o assunto du-
rante as aulas, seriam 3 aulas [...] sobre Geometria Analítica. Então, preparei em
uma folha sulfite com ajuda de um livro didático que usei no meu Ensino Médio
como seria a ordem das lousas e dos exemplos que passaria para ajudar os alunos
entenderem. Ensaiei em casa como passaria as informações de um modo claro e
detalhado. (Depoimento de Nayane Lossardo Bucalon)
Esse relato indica também aquilo que várias pesquisas apontam: muitos
professores, em várias ocasiões, recorrem à suas próprias experiências como
alunos para desenvolver suas práticas docentes (PEREIRA, 1998). Isso pode
levar a um ciclo virtuoso ou vicioso. Se a experiência como aluno foi boa, com
bons professores, a sua atuação como docente provavelmente será boa e vai
imprimir boas impressões em alunos que eventualmente serão professores com
aquelas características. Vale observar também a importância do livro didático,
que não foi esquecido.
Aprendi muitas coisas, [ … ], mas o que mais me marcou foi perceber as mudanças
necessárias para melhorar a forma de explicação, de passar o conteúdo, ou seja,
corrigir os erros nas aulas seguintes e adaptar-me de acordo com o perfil da sala.
Afinal, cada sala tinha suas características, tanto no individual como no coletivo.
[...] Enfim, a chance de poder melhorar suas práticas pedagógicas ao decorrer das
aulas no mesmo dia me chamou atenção, pois sou uma professora em formação
e adquirindo muitas experiências. (Depoimento de Nayane Lossardo Bucalon)
Desde quando fui imerso no ambiente escolar através do PIBID, comecei a en-
xergar com outras perspectivas a prática docente dentro da sala de aula, ora por
tomar uma atitude mais proativa se compararmos aos estágios vistos na gradu-
ação, ora por analisar de uma forma mais crítica o dia a dia do corpo docente
no ambiente escolar.
128
Minha principal ideia foi introduzir nas turmas do ensino médio uma Matemática
vista sob uma ótica interdisciplinar e contextualizada. Como toda metodologia
que foge do convencional, enfrentei alguns contratempos, seja por parte de alguns
alunos, seja por parte da burocracia da escola, mas sempre nos utilizamos de alguns
meios para lidar com esses desafios, seja com adaptação das aulas, nivelamento
dos alunos ou até mesmo umas simples (e essenciais) conversas com eles.
Lembro das aulas em que falei sobre a história da Matemática e quando fazíamos
dobraduras dentro da sala de aula em que os alunos tinham um choque inicial,
frases como: “mas é aula de história?” ou “mas é aula de artes?” foram bem co-
muns de serem ouvidas nesses dias. É a partir desse momento que eu começo a
me realizar, a partir desse momento que os alunos começam a quebrar essas bar-
reiras que as disciplinas das formas que são vistas dentro da escola são impostas,
a partir desse instante em que eles começam a enxergar a Matemática em outras
áreas é que eu vejo que meu trabalho começa a surtir efeito. Pois é exatamente
nesse momento em que enxergamos a Matemática em outras competências é que
começamos a nos apropriar dela. É a partir desse momento em que quebramos
essas barreiras sobre o papel da escola na sociedade, é a partir desse momento que
os alunos começam a ter o mesmo prazer que eu tenho em aprender; em geral isto
faz com que ele comece a ter uma perspectiva maior sobre a sociedade e como ele
pode se inserir nesse meio, sobre quais são suas opções para o futuro e como esse
diálogo pode ocorrer daqui pra frente (GARCIA, 2005).
Vou relatar alguns acontecimentos que ocorreram durante duas aulas em que
aplicamos exercícios sobre resolver uma equação de segundo grau (usar a fórmula
de Bhaskara). Os exercícios estavam no livro didático enviado pelo governo e
eu deveria ir de mesa em mesa tirar dúvidas e ajudar os alunos a resolverem os
exercícios. Após os relatos explicarei porque estes acontecimentos foram relevantes.
129
1. Um dos alunos me chamou em sua mesa e me perguntou porque - 2 + 4 = 2.
Para explicar eu desenhei uma reta, marquei um ponto e chamei de zero, depois
marquei outro ponto e chamei de -2, quando marquei o ponto que seria o +4 ele
me disse: Tá bom, já entendi.
3. Tinha um aluno que estava quieto em sua carteira. Ao chegar perto percebi que
ele não estava fazendo nada. Então expliquei como fazia e saí. Ao voltar à mesa
dele, percebi que ele não havia feito nada ainda. Tentei, então, explicar que ele
devia substituir os coeficientes na fórmula de Bhaskara, mas ele não entendeu e
parecia que nada daquilo fazia sentido a ele. Fiz mais algumas perguntas que eu
mesmo respondia e então, muito lentamente, eu ajudei-o a encontrar as raízes
da equação, mandando ele colocar número a número e explicando passo a passo;
no entanto, mesmo assim, ele não conseguiu resolver nem um terço dos exercícios
propostos e de forma muito lenta - era preciso eu dar dicas ou propor perguntas
que o fizessem seguir para o próximo passo.
Eu acredito que estas experiências acima são relevantes para um futuro professor,
pois permite ao bolsista iniciante na docência que será professor profissional ter
contato com as diferenças de capacidade que existem entre os alunos.
130
P.A, com o professor da turma então pensei em alguma atividade para uma aula
mais prática dos alunos, que pudesse envolver os dois pontos.
Conforme os alunos encontravam seus valores, eles iam colocando na lousa para
que os demais tivessem acesso, já que seriam necessários alguns valores para res-
ponder às questões. Como esperado, o que causou mais problemas foi a resolução
dos cartões - então eu estaria disponível para tirar dúvidas conforme surgissem.
Relato de experiências
Jheovany Martins
Uma crítica comum aos cursos que se propõem à formação de professores é o ex-
cesso de teoria e a quase ausência da prática. No decreto que instaurou o PIBID,
um dos objetivos citados é “contribuir para a articulação entre teoria e prática
necessárias à formação dos docentes, elevando a qualidade das ações acadêmicas
nos cursos de licenciatura” (Decreto nº 7.219, Art. 3o, Inc. VI; BRASIL, 2010).
Ou seja, possibilitar que o sujeito em formação viva, experiencie e de fato se for-
me professor. Para Larrosa, o excesso de informação impossibilita a experiência
(LARROSA, 2002, p. 21) e, portanto, impossibilita uma formação de qualidade
que articule esses dois eixos teoria-prática.
131
No decorrer desses anos de graduação, tive acesso a diversos teóricos educadores
e as reflexões proporcionadas pelas leituras e discussões foram fundamentais e
formadoras. No entanto, a teoria sem a possibilidade da prática é insuficiente.
Vivenciar o cotidiano de uma escola é tornar possível a práxis, ou seja, é tornar
possível que a ação e a reflexão se encontrem.
Conclusão
Vemos, nos relatos acima, a importante complementação profissional que
o PIBID tem permitido, especialmente para os futuros docentes, professores
profissionais de Matemática.
Referências bibliográficas
BRASIL, MEC. Decreto nº 7219, de 24 de junho de 2010. Dispõe sobre o Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID. Brasília: MEC, 2010.
FIORENTINI, Dario; SOUZA JR, A. J.; MELO, Gilberto Francisco Alves. Saberes
docentes: um desafio para acadêmicos e práticos. In: GERALDI, Corinta M.G;
FIORENTINI, Dario; PEREIRA, Elisabete M.A.(Orgs.). Cartografias do trabalho
docente: professor(a)- pesquisador(a). Campinas: Mercado de Letras; ALB, 1998,
p.307-335.
GARCÍA, Carlos Marcelo & NARCISO, Isabel. Formação de professores: para uma
mudança educativa. Porto: Porto Editora, 2005.
HUBERMAN, Michael. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA,
Antonio (Org.). Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 1992, p.31-61.
LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira
de Educação, ANPEd. n. 19. Rio de Janeiro: ANPEd: Autores Associados, p. 20-28,
jan.-fev-mar.-abr. 2002.
132
PEREIRA, Elizabeth M de A. Professor como pesquisador: o enfoque da pesquisa-
ação na prática docente. In: GERALDI, Corinta M.G; FIORENTINI, Dario;
PEREIRA, Elisabete M.A. (Orgs.).Cartografias do trabalho docente: professor(a)-
pesquisador(a). Campinas: Mercado de Letras, 1998, p.153-81.
SHULMAN, Lee S. Knowledge and teaching: foundation of the new reform. Harvard
Educational Review, v. 57, n.1, p.1-23, 1987.
. Those who understand: knowledge growth in teaching. Educational
Researcher, v. 15, n. 2, p. 4-14, 1986.
133
PIBID-Biologia – resumo de nossa
trajetória 2014-2017
Introdução
O Instituto de Biologia (IB) da Unicamp participa do Programa Ins-
titucional de Bolsa de Iniciação à Docência, o “PIBID”. Este programa, em
associação com as escolas públicas estaduais de Ensino Médio, objetiva esti-
mular a formação de novos professores e sua interação com estas escolas. No
PIBID-Biologia, alunos do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da
Unicamp realizaram intervenções em aulas e buscaram aplicar novas estra-
tégias pedagógicas que auxiliassem e motivassem os alunos do Ensino Médio
no aprendizado de Biologia. Ao todo, 27 bolsistas de iniciação à docência (ID)
participaram do subprojeto entre 2014-2017, em 4 escolas, e cerca de 800 alu-
nos, atendidos nos três anos do Ensino Médio. Todas as escolas possuíam um
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) em torno de 4 e estavam
localizadas em diferentes regiões de Campinas, SP. Algumas das atividades rea-
lizadas envolviam aulas expositivas, aplicação de atividades lúdicas, auxílio nas
atividades da classe, visitas à universidade, preparação de aulas práticas e sua
aplicação, estudos dirigidos e mostras científicas nas escolas. Este subprojeto
foi dividido em 6 tópicos: (1) vivenciando a escola: os bolsistas ID atuavam
selecionando os temas a serem trabalhados no semestre e adaptavam estes con-
teúdos à educação formativa; (2) aulas práticas: a temática estava relacionada ao
conteúdo sendo administrado nas turmas selecionadas; este processo facilitava
a interação dos alunos da escola com o conteúdo; (3) preparação e aplicação de
aulas teóricas; (4) criação de jogos e meios multimídia; (5) avaliação formativa:
esta etapa deu ênfase à importância de um processo de avaliação formativa que
trouxesse subsídios ao professor para ações que efetivamente melhorassem o
135
desempenho dos seus alunos e que permitissem avaliar o papel das estratégias
de ensino empregadas durante o desenvolvimento deste projeto; (6) reuniões
semanais nas quais os tópicos dos diferentes temas foram discutidos com os
bolsistas ID, a supervisora e a coordenação de área.
Durante os quatro anos do subprojeto conseguimos realizar intervenções
em todas as etapas mencionadas acima. Ao longo dos anos, nossos bolsistas
ID puderam ministrar aulas teóricas e práticas de conteúdos pertinentes aos
tópicos relacionados aos conteúdos do 1º, 2º e 3º ano do Ensino Médio. Além
disso, organizamos três apresentações na Universidade de Portas Abertas (UPA
– evento organizado pela Unicamp), com mais de 100 visitas por dia em cada
ano. Nossos alunos fizeram trabalhos como o Museu na Escola e participaram
também da preparação de questões para as provas ao longo de todo do ano
letivo, além de fazerem na escola uma oficina de estudos para o Exame Nacional
do Ensino Médio (ENEM). Para finalizar este subprojeto, estamos montando
uma coletânea de roteiros de aulas práticas, jogos e dinâmicas em sala de aula
que foram utilizados ao longo dos quatro anos de trabalho, a qual será um de
seus produtos finais de conclusão.
Esperamos, deste modo, ter participado ativamente não só da formação
de novos professores, como auxiliado as professoras supervisoras em seu tra-
balho, propiciando aos alunos atendidos uma visão dinâmica e agradável da
escola, cumprindo deste modo o objetivo principal do subprojeto que seria o
de gerar novas estratégias de ensino e aprendizagem em Biologia que possam
facilmente ser utilizadas em salas de aula de escolas, independentemente de
suas condições financeiras e estruturais.
136
Bolsistas PIBID – seleção
Os estudantes bolsistas ID foram selecionados de acordo com critérios
que envolvem o seu ano de entrada na universidade, o tempo que falta para a
conclusão do curso e suas notas. No período entre 2014-2017, foram atendidos
27 bolsistas ID que estavam entre o quarto período da graduação e o último
ano de graduação em Licenciatura em Ciências Biológicas. De modo geral, os
alunos ficaram pelo menos um ano participando do subprojeto. A escolha de
permitir a permanência dos estudantes pelo menos um ano no subprojeto foi
bastante válida, pois deu a eles a possibilidade de vivenciar a turma, conhecer os
alunos e o funcionamento da escola, sendo então capazes de opinar ativamente
no desenvolvimento de projetos dentro da sala de aula. Deste total de alunos,
50% já estão em sala de aula atuando como professores, 2 realizaram concur-
sos públicos para o magistério público e 2 estão em mestrados relacionados a
projetos educacionais. Acredito que estas escolhas possam estar relacionadas
à participação no PIBID, não só pela vivência na escola, mas também pela
convivência com professores envolvidos em projetos relacionados à educação
propiciada ao longo do subprojeto.
Supervisores
Nestes quatro anos de trabalho, tivemos duas supervisoras, uma nos
primeiros três anos, a professora Liliane de Oliveira Prates e, no quarto ano, a
professora Débora Aparecida Rodrigues Bueno. A escolha das supervisoras foi
feita de acordo com a disponibilidade destas em participarem do subprojeto,
seu entusiasmo e capacidade para aceitar a nossa diversidade de bolsistas e as
nossas sugestões de receber os estudantes em sala, como também participar das
atividades extracurriculares como a reunião semanal do grupo. Além disso, o
aceite da diretora da unidade escolar e a disponibilidade de turmas em horários
adequados para os estudantes de licenciatura da Unicamp.
137
relacionada com a possibilidade de estabelecer relações com os alunos da escola
e conhecer as necessidades e dificuldades de cada turma. Além disso, assistir
aulas em outras turmas fornecia aos bolsistas um parâmetro de comparação
entre os diferentes grupos de alunos, permitindo-lhes observar a variedade de
comportamentos dos diferentes grupos. As duas horas semanais de preparação
de material serviam para a preparação de roteiros e planos de estudos de aulas
teóricas e práticas, de estudos dirigidos, questões de prova e suas correções, além
do estudo dos conteúdos a serem ministrados nas aulas da semana, para que
deste modo pudessem auxiliar diretamente a professora responsável durante o
desenvolvimento das atividades didáticas. Completando as oito horas semanais,
tivemos ainda duas horas de reuniões na Unicamp com todo o grupo, nas quais
eram trocadas impressões e experiências sobre o que havia acontecido durante
a semana, trabalhava-se o conteúdo das aulas seguintes e discutia-se a aplicação
das diferentes atividades planejadas para o conteúdo de cada bimestre.
Caderno de campo
O caderno de campo foi um meio de incentivar os bolsistas a relatarem
as atividades realizadas durante a semana. Cada bolsista possuía um caderno
virtual atualizado semanalmente e nele descrevia as atividades, colocava fotos,
materiais utilizados em sala de aula, arquivos digitais ou links para que estes
pudessem ser acessados. Estes cadernos foram um produto do trabalho do
PIBID e uma fonte de informação, não só para a preparação dos relatórios
anuais do subprojeto, como também para os capítulos de livro e para que
os novos bolsistas que entravam ao longo do subprojeto tivessem exemplos
a seguir para preparar o seu próprio caderno. Além disso, a leitura semanal
138
dos cadernos permitiu ao professor coordenador verificar as atividades dos
bolsistas e sugerir novas atividades e formas diversas de registro nos cadernos
de campo. Embora houvesse um formato básico do caderno de campo, neste
espaço os alunos podiam exprimir suas opiniões e utilizar seu estilo de escrita.
Deste modo, obtivemos uma grande variedade de estilos nos cadernos. Esse
trabalho permitiu trabalhar a desenvoltura do bolsista não só em preparar re-
latórios, como também em descrever o seu processo de aprendizado ao longo
de seu período de bolsa.
139
suscitar o interesse de muitos visitantes. Além disso, vários professores que
acompanharam os alunos nas visitas ficaram interessados no trabalho e foi
possível uma troca muito rica de informações nesse momento de encontro. O
principal feedback recebido pelos bolsistas ID foi o desejo expresso pelos alunos
de que as atividades práticas apresentadas tivessem sido realizadas em suas
próprias escolas, fato que demonstra a eficácia das intervenções desenvolvidas
pelo PIBID nas suas escolas de atuação e indica as vantagens que uma possível
ampliação do programa ofereceria à formação escolar dos alunos e à formação
docente dos bolsistas ID.
Figura 1: (A) Grupo de alunos na apresentação da UPA 2016: Jéssica Stephany do Vale,
Giuliana Sotorili, Matheus Tonon (fila atrás); professora coordenadora de área Cristina Vicente,
Cássio Pacheco e Gabriela Rabeschini (na frente). (B) Grupo de alunos na apresentação da
UPA 2015: Camila Oliveira e Matheus Tonon). (C) Apresentação de pôsteres na UPA 2015.
140
Aulas práticas
A introdução de aulas práticas ao conteúdo das disciplinas do 1º, 2º e 3º
anos do Ensino Médio utilizando materiais de fácil aquisição, armazenamento
e utilização em sala de aula, foi uma das principais metas de nosso trabalho.
Em algumas escolas não havia um espaço adequado, como um laboratório
para aulas práticas. Então, além de preparar as aulas, buscamos estratégias para
adequar sua execução na sala de aula. Durante o desenvolvimento do subpro-
jeto, além de preparar e executar as aulas práticas, o grupo buscou estabelecer
um protocolo de execução destas aulas, contendo todo material necessário,
modo de preparo, custo de execução, tempo necessário para a preparação e
realização da aula. Foram preparados também métodos de análise da resposta
aos alunos sobre a atividade, com roteiros de práticas contendo perguntas
sobre o assunto da aula. Este processo permitiu que mesmo as turmas nas
quais os bolsistas ID não estavam participando pudessem ter um material
para facilitar ao professor responsável pela disciplina o desenvolvimento desta
metodologia. Algumas das aulas práticas tiveram enorme sucesso entre os
alunos, como a aula de osmose, a aula de células de esfregaço de mucosa oral
e sua comparação com a epiderme de cebola, a aula de Botânica mostrando
os diferentes tipos de flores e frutos e a aula sobre fungos e seu crescimento,
como mostramos nas fotos a seguir.
141
Figura 3: Aula prática de botânica mostrando inflorescências e a
análise das espécies na lupa.
Figura 4: (A) Aula prática de osmose mostrando a turma pesquisando sobre os resultados
obtidos para a preparação de um relatório de prática. (B) Materiais utilizados na aula.
A B
Jogos e maquetes
Um fator determinante no desenvolvimento da dinâmica de aula é esti-
mular uma nova disposição dos alunos em sala, promovendo a formação de
142
grupos de atividades e discussões. Um dos fatores que favorece os trabalhos
em grupo é o acesso à informação. Isto pode ser feito permitindo-se, quando
possível, o acesso dos alunos ao laboratório de informática, onde eles podem
fazer pesquisas prévias sobre o assunto a ser discutido em grupo. O estímulo
à utilização de dispositivos móveis como celulares e tablets, que vários alu-
nos possuem, disponíveis para uso em sala, também pode ser feito. Quando
não existe a disponibilidade de rede wi-fi, os alunos podem ser estimulados
a baixarem o conteúdo de onde está disponível a informação e trazê-lo para
a sala de aula. A realização de trabalhos escritos em sala de aula permite
o acompanhamento, por parte do professor, sobre seu desenvolvimento e
conclusão.
Os jogos foram especialmente interessantes por retirarem os alunos
de seus lugares, estimular sua curiosidade e a competitividade, muito agu-
çadas nessa fase da adolescência. Alguns dos jogos que forneceram grande
resposta dos alunos foram os do grupamento ABO e o de montagem do
cariotipo e o jogo da teia alimentar. No caso do jogo do grupamento ABO,
os alunos foram desafiados a entender a genética envolvida nos diferentes
grupos sanguíneos e a importância dos mesmos. Na montagem do cariótipo
eles precisavam montar, com os cromossomos fornecidos, um cariótipo a
fim de entender os cromossomos sexuais e deficiências cromossômicas e
deste modo compreender a importância da distribuição dos cromossomos
ao longo da divisão celular.
No que se refere a maquetes, utilizamos esta técnica principalmente
para a compreensão dos diferentes tipos celulares e dos componentes celu-
lares, podendo associar a morfologia celular com sua função. A produção de
maquetes nos permitiu relacionar a compreensão do aluno sobre proporções
e quantidades de organelas e estruturas. Para o desenvolvimento desta ati-
vidade, além de pesquisa prévia, foram levados materiais como cartolina, lã,
massa de modelar, tesouras, colas coloridas. O trabalho lúdico de imaginar
uma célula e seus componentes resultou em um grande sucesso não só per-
mitindo a exposição destes materiais na escola e na UPA, como no cumpri-
mento da finalidade final deste processo, o que facilitou a compreensão das
estruturas e funções celulares e de sua diversidade nos diferentes organismos.
143
Figura 5: Preparação das maquetes sobre diferentes tipos celulares:
(A) hemácia; (b) hepatócito; (C) componentes celulares.
144
Museu na escola
Os alunos do 3º ano do Ensino Médio têm a classificação biológica e a
biologia dos animais como alguns dos tópicos de estudo. Portanto, a fim de
enriquecer as aulas dadas pelos bolsistas ID, promovemos a atividade “Museu na
escola”. Com a colaboração do Museu de Zoologia, do Instituto de Biologia da
Unicamp, pudemos obter por empréstimo várias espécies animais e fazer uma
mostra na escola, não só auxiliando na compreensão da classificação biológica,
como também na evolução das espécies, diferenças fisiológicas, estudando a
biologia dos animais com um material teórico preparado pelos bolsistas ID.
Um dos pontos positivos desta apresentação foi a possibilidade de alunos de
outros anos observarem a mostra na escola e também se interessarem pelos
conteúdos. Optamos por fazer a exposição em um local acessível a todos os
alunos e num período de tempo que não fosse só de aula, mas que utilizasse
também o horário do intervalo para que os alunos das diversas turmas e
também os professores pudessem participar. Uma visita guiada ao Museu de
Zoologia seria de grande interesse, mas nem sempre as dificuldades técnicas
e financeiras podem ser superadas para que tal aconteça. Assim, a mostra na
própria escola, embora tivesse demandado certa logística, pois envolveu o
transporte e organização das espécies e a preparação de nossos bolsistas para
que os alunos da escola pudessem tirar o máximo proveito da apresentação,
obteve grande sucesso todas as vezes em que foi realizada.
145
Preparação, aplicação e correção de provas – métodos de avaliação
A avaliação é sempre um processo que gera discussões e dúvidas entre
nossos bolsistas, sendo estes ainda estudantes de graduação, que muitas vezes
consideram injusto o processo de avaliação formal. Colocar os bolsistas ID pela
primeira vez no papel de avaliadores - e principalmente avaliadores do próprio
trabalho - foi uma tarefa muito interessante. Pela primeira vez eles conseguiram
observar as dificuldades de avaliar e verificar o aprendizado e se sentiram em
dúvida, questionando acertos e erros quanto ao conteúdo durante a fase de ela-
boração das questões. De um modo geral, questionaram-se sobre o que poderia
ter acontecido quando os alunos não entendiam as perguntas, não atingiam os
objetivos, colavam nas provas e preparavam trabalhos idênticos entre grupos,
não buscando realizar trabalhos inéditos ou individualizados. Esta vivência
proporcionou amadurecimento aos bolsistas ID e estimulou a busca de novas
formas de avaliação. Quando preparamos as avaliações, buscamos normalizar
a forma de correção, distribuição de pontos em cada questão e a criação de um
gabarito. Num experimento em nosso grupo, pudemos avaliar as diferenças
entre as correções da mesma questão dentro do próprio grupo, mostrando que
mesmo com gabarito pode haver variações nas correções. Estimular a produção
de questões discursivas, múltipla escolha e várias outras formas de questiona-
mento gerou um trabalho enriquecedor para o grupo. Também buscamos criar
formas não só de preparação de seminários, como roteiros para sua avaliação,
buscando variações na forma de avaliar o aluno. Já foi descrito que a avalia-
ção deve estar contida no processo de atividade e que as notas não devem ser
apenas um momento pontual de um teste ou prova (VASCONCELOS, 2005).
Portanto, temos buscado associar à avaliação formativa, uma avaliação diagnós-
tica que nos permita perceber onde se localizavam as maiores dificuldades de
aprendizado dos grupos para tentarmos auxiliar a professora supervisora com
materiais sobre estes conteúdos, facilitando o aprendizado. Os resultados das
avaliações nos permitiram também uma autoavaliação, sendo um momento de
reflexão não somente sobre o conteúdo, mas também sobre a forma como este
estava sendo administrado e uma verificação se nossas estratégias de auxílio
ao aprendizado produziam os resultados esperados.
Dificuldades
Ao longo dos quatro anos de subprojeto, conseguimos superar diversos
problemas. No início de sua implantação, a divulgação do subprojeto PIBID-
-Biologia era modesta e alguns alunos pensavam que se tratava de mais uma dis-
146
ciplina nos mesmos moldes de um estágio. Além disso, na graduação em Biologia,
existe uma grande competição com os estágios acadêmicos em laboratório com
bolsas FAPESP, PIBIC e também os estágios remunerados na Unicamp, como
os bolsistas trabalho. A impossibilidade de combinar bolsas fazia com que os
alunos optassem por outros compromissos que não o PIBID. Isto gerou, em um
primeiro momento, uma maior rotatividade dos bolsistas. Já no segundo ano, a
divulgação feita pelos próprios bolsistas e uma estratégia de mostrar, na UPA e em
palestras no IB, o nosso trabalho, deram maior visibilidade ao projeto, gerando
uma expectativa e até uma demanda pela entrada de estudantes no subprojeto.
Como descrito por Silveira (2016), o PIBID não é estágio, e tornar o aluno sujeito
do processo de ensino nas escolas públicas gera grandes desafios - desafios que vão
desde desde a decepção frente às condições das escolas e desinteresse do aluno em
aprender, até a geração de uma força oposta a essa e permitir que o futuro profes-
sor entenda que seu papel é fundamental para mudar o atual sistema e que sem
estas mudanças todo o processo fica congelado. Embora tenhamos um número
pequeno de bolsistas e este número tenha diminuído ao longo do projeto (co-
meçamos com dez alunos e estamos finalizando o subprojeto com sete), o grupo
não esmoreceu diante da falta de recursos e corte de bolsas. As incertezas que o
ano de 2015 trouxe, com um possível final antecipado do subprojeto e perda das
bolsas, geraram estresse e desânimo não só nos coordenadores, mas também nos
bolsistas. No entanto, estes se mobilizaram, fizeram apresentações pelos corredo-
res, abaixo-assinados, demonstrando não somente uma admiração pelo PIBID
como também reforçando a sua importância na formação de novos docentes.
Outra dificuldade que encontramos foi a receptividade nas escolas.
Embora na maioria delas tenhamos sido recebidos de portas abertas, devido
às condições físicas das escolas, algumas vezes precárias, e também devido à
falta de pessoal, modificar a organização das salas e ocupar espaços diferentes
constituíam uma tarefa difícil. Percebemos também, em escolas onde éramos
o único grupo PIBID, uma não percepção da importância do subprojeto pela
escola – talvez uma deficiência nossa em formar um vínculo com a administra-
ção da escola que não passasse apenas pela professora supervisora. No entanto,
apesar dos desafios enfrentados ao longo dos anos, acreditamos na importância
de um projeto diferenciado como o PIBID na formação de novos docentes;
projeto no qual exista a participação dos novos docentes, não só como espec-
tadores, mas como agentes do processo de educação e formação dos alunos. Os
bolsistas ID são também uma fonte criadora de novas estratégias de formação
dos alunos do Ensino Médio e isto talvez possa auxiliar no desenvolvimento de
seus papeis não só como novos formadores, mas também como protagonistas
das mudanças tão necessárias que devem ocorrer na Educação Básica.
147
Perspectivas futuras
Ao término do subprojeto PIBID-Biologia, iniciado em 2014, acredita-
mos que, junto ao grupo de coordenadores institucionais, coordenadores de
área dos diferentes subprojetos, nossos bolsistas ID, professores supervisores
e administradores das escolas, enfrentamos as dificuldades que apareceram ao
longo do caminho e perseveramos buscando as melhores soluções para resolvê-
-las. De uma forma geral, questionar a situação das escolas, sem vivenciá-las e
vivendo numa ilha de excelência como a Unicamp, é muito fácil, pois algumas
vezes desconhecemos a realidade que nos é próxima. Com o aprendizado que
obtivemos nestes 4 anos de subprojeto, tivemos a idéia de que o mais importante
agora é compreender como as lições aprendidas durante esse tempo podem ser
incorporadas na formação de nossos licenciandos, como podemos prepará-
-los melhor para os desafios que serão enfrentados em sala de aula. Quais são
os produtos que este projeto deixou? Relatos em livros, relatórios e um grupo
de alunos que obteve uma visão diferenciada de sala de aula? Esses produtos
serão capazes de gerar um benefício visível? Torna-se difícil medir os efeitos
deste projeto de maneira rápida e imediata. No entanto, acreditamos que um
diálogo maior entre os professores responsáveis pelos estágios docentes e os
coordenadores PIBID e uma troca de informações sobre o que acreditamos
ter sido um acerto em nosso trabalho podem, de fato, auxiliar na formação
docente na Unicamp e nas várias universidades beneficiadas com o projeto,
podendo futuramente gerar um resultado possível de ser quantificado. Neste
momento, acreditamos que as agências de fomento serão capazes de perceber
que somente a partir da preparação adequada de docentes e do estímulo destes
nesta prática teremos um futuro possível de ser modificado para melhor.
Referências
Silveira, Renê José Trentin. O protagonismo da escola pública na formação dos
professores: a experiência do PIBID Filosofia da Unicamp (2011-2013). In: AYOUB,
Eliana; Prado, Guilherme do Val Toledo (Orgs.). PIBID- Unicamp: interlocuções e
ações no contexto de uma necessária política de formação de professores. Campinas:
Edições Leitura Crítica, 2016, p.17-41. (Coleção Formação Docente em Diálogo, v.6).
Vasconcellos, Celso dos Santos. Avaliação: concepção dialética-libertadora do
processo de avaliação escolar. (15ª ed.) São Paulo: Libertad, 2005.
148
Uma reflexão sobre os cinco anos
do PIBID-Música Unicamp
Introdução
O presente artigo apresenta as propostas e trabalhos desenvolvidos nos
cinco anos de existência do subprojeto Música do Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), de agosto de 2012 a agosto de 2017. Durante esse período, o projeto
foi coordenado pela Profa. Dra. Adriana N. A. Mendes, do Departamento de
Música do Instituto de Artes (IA) da Unicamp e desenvolvido em parceria
com duas escolas da rede pública estadual de Campinas - E.E. José Vilagelin
Neto e E.E. José Maria Matosinho. Contou também com quatro supervisores
e 49 bolsistas de Iniciação à Docência (bolsistas ID). Inicialmente, situaremos
a problemática que o ensino musical enfrenta nas escolas públicas de Educa-
ção Básica, para então expor o trabalho que foi desenvolvido no subprojeto
Música da Unicamp.
O ensino musical na escola está inserido dentro da disciplina de Artes,
porém o que se vê na prática é que a maior parte dos profissionais da área
vem de uma formação específica em Artes Visuais e não se sente preparada
para lidar com as quatro linguagens artísticas que compõem o currículo de
Artes: Artes Visuais, Música, Dança e Teatro. Conforme intensas discussões
já realizadas ao longo das últimas décadas, constata-se que não é possível
formar um profissional que tenha adequado domínio das quatro linguagens
artísticas em apenas quatro anos no ensino superior e que possa, portanto,
realizar um trabalho efetivo com as crianças e jovens na escola, sem ter
uma sólida formação em sua área de conhecimento artístico específico.
149
No início dos anos 2000, foram promulgadas as Diretrizes Curriculares
Nacionais para os Cursos de Graduação nas diversas áreas artísticas e,
após anos de lutas travadas por músicos e educadores musicais para uma
inserção mais efetiva do ensino musical dentro da disciplina de Artes na
escola, foi promulgada em 2008 a Lei 11.769 que assegurou que “a música
deve ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo do componente curricu-
lar” (BRASIL, 2008). Posteriormente, em 2016, após intensos embates dos
profissionais para igual reconhecimento da Dança e do Teatro como áreas
específicas e relevantes do conhecimento, foi promulgada a Lei 13.278 que
substituiu a Lei 11.769 e garante que “as artes visuais, a dança, a música e o
teatro são as linguagens que constituirão o componente curricular” (BRASIL,
2016). Contudo, apesar de todo esse histórico e atuais exigências legais, os
profissionais formados nos cursos superiores de Licenciatura em Música,
Dança e Teatro ainda encontram dificuldades, no estado de São Paulo, para
se inserir na rede pública de ensino, pois as provas dos concursos, além de
serem escassas, contemplam majoritariamente conteúdos ligados às Artes
Visuais. A esse respeito, Penna (2012, p.157) afirma que “por conta dos
programas dos concursos para Arte/Educação Artística que não incluem a
música, a inserção do professor de música nas redes públicas é dificultada,
mas não totalmente impedida [...]”. Assim, deparamo-nos com dificuldades
para encontrar professores com formação específica em Música na rede es-
tadual e também na rede municipal de Campinas, cidade onde a Unicamp
está localizada. Partindo dessa problemática, com a dificuldade de estabe-
lecer parceria com um supervisor com formação específica em Música no
município de Campinas, foi feito contato com a E.E. José Vilagelin Neto,
seus gestores e professor de Artes.
150
Diante da escassa bibliografia sobre ensino de música escolar especifica-
mente para os anos escolares escolhidos para o desenvolvimento do projeto,
foi feita uma proposta inicial que tinha como objetivo ser motivadora para os
alunos da escola e também trazer contribuições específicas para a formação
dos bolsistas ID. Deve-se acrescentar a isso a compreensão de que o ensino
musical escolar tem objetivos muito distintos do ensino realizado em uma
escola de música ou conservatório, que visa formar um músico. Na escola de
Educação Básica, os objetivos são mais amplos e fazem parte da formação
sociocultural do indivíduo.
Após um semestre, obtiveram-se algumas conquistas com a fanfarra,
chegando a ter vinte integrantes, mas também muitas dificuldades para
manutenção do coral, que nunca chegou a se firmar no contraturno escolar.
Devido à dificuldade de locomoção para chegar ou permanecer no contra-
turno e à falta de recursos para alimentação, muitos alunos apresentaram
irregularidade na frequência. A proposta foi então reavaliada por toda a
equipe e iniciou-se uma nova etapa, com os bolsistas ID participando mais
efetivamente das aulas de Artes, mas fazendo também propostas paralelas
de ensino de fanfarra, flauta doce, violão e apreciação musical em segmentos
das aulas do supervisor.
Nos encontros na universidade, a equipe ampliou o estudo das apostilas
de Artes fornecidas pelo Estado de São Paulo, como ponto de partida para
novos projetos interdisciplinares. Os resultados, então, atingiram um escopo
bem mais amplo. Ao longo de 2013, cerca de quatrocentos alunos tiveram
aulas de música envolvendo percussão corporal, canto, criação musical, ati-
vidades com instrumentos, apreciação musical através de gravações e vídeos,
entre outros. Para tanto, foram utilizados os espaços de sala de aula, sala de
vídeo, laboratório de informática, quadra desportiva e pátio escolar. Além
disso, as atividades da fanfarra no contraturno foram mantidas e ampliadas.
Na coordenação do subprojeto buscamos, ao longo dos cinco anos,
trabalhar com as potencialidades e especificidades de cada bolsista ID, in-
corporando seus principais instrumentos e saberes musicais aos projetos
desenvolvidos. Porém, na realidade da escola, onde os alunos trazem suas
vivências musicais principalmente ligadas às músicas veiculadas pela mí-
dia, é um grande desafio oferecer novos repertórios e novas possibilidades
de expressão musical. É necessário ter atenção para o fato que o aluno já
traz uma vivência que precisa ser respeitada para que professores e alunos
discutam, reflitam em conjunto e possam juntos ampliar os repertórios e o
conhecimento cultural.
151
O pedagogo musical inglês Keith Swanwick (2003) nos fala sobre a im-
portância de respeitar esse “discurso musical” do aluno:
Cada aluno traz consigo um domínio de compreensão musical quando chega a
nossas instituições educacionais. Não os introduzimos na música; eles são bem
familiarizados com ela, embora não a tenham submetido aos vários métodos de
análise que pensamos ser importantes para seu desenvolvimento futuro. Temos
de estar conscientes do desenvolvimento e da autonomia do aluno, respeitar o
que o psicólogo Jerome Bruner chama de “as energias naturais que sustentam
a aprendizagem espontânea”: curiosidade; desejo de ser competente; querer
imitar os outros; necessidade de interagir socialmente. Não podemos nos eximir
de compreender tudo que está envolvido com esses aspectos (SWANWICK,
2003, pp. 66-67).
152
despertar os alunos da escola para o respeito à diversidade de repertórios e
gostos musicais, para o trabalho com o som e com o corpo, bem como para a
incorporação das tecnologias à criação musical. A partir do interesse dos alunos,
os bolsistas ID ofereceram também, no contraturno escolar, aulas coletivas de
flauta doce, violão, canto, fanfarra e apoio musical e vocal ao grupo teatral da
escola. Como um dos impactos significativos, vale ressaltar a incorporação de
um “Show de Talentos” ao calendário escolar oficial. Em 2016, foram também
realizadas inúmeras apresentações musicais durante o intervalo escolar e os
alunos foram expostos a um projeto de ópera na escola, que culminou com a
ida de alunos, professores e pais ao Teatro Municipal de Paulínia, para assistir
à Ópera “O Elixir do Amor”, encenada pelo Ópera Studio da Unicamp. Na
Figura 1 vê-se um registro de parte desse trabalho.
153
alguns resultados positivos junto aos alunos e à comunidade escolar, como:
difundir a cultura brasileira, trabalhar o respeito pela diversidade de repertório e
por gostos musicais diferentes, incentivar a vivência musical e contribuir para a
valorização da arte. Para os bolsistas ID e a coordenadora do subprojeto, a escola
foi um espaço intenso para aplicar os conhecimentos estudados e discutidos
na universidade, apresentando desafios e trazendo reflexões relacionadas às
dificuldades encontradas no dia-a-dia da sala de aula, que muito contribuíram
para a formação dos licenciandos e para o estreitamento das relações entre a
escola de Educação Básica e a Universidade.
154
e depois por sua colega, Érika Siste Boaventura (professora de sociologia), o
projeto proporcionou a vivência e estudo de folguedos e ritmos como ijexá,
coco, samba, cavalo-marinho, ciranda e maracatu, bem como dança e criação
coletiva, fazendo um amplo trabalho de conscientização da comunidade escolar
e do entorno da escola para a Lei 10.639/03 sobre “História e Cultura Afro-
-brasileira” na escola (BRASIL, 2003).
Os bolsistas ID envolvidos no projeto também tiveram que lidar com
muitos desafios, porém diferentes daqueles enfrentados pelos bolsistas que
estavam atuando na E.E. José Vilagelin Neto. Primeiramente, a grande distân-
cia do campus até à escola e a necessidade de levar instrumentos próprios ou
emprestados da universidade foram um problema. Houve um grande empenho
por parte da supervisora, que acabou por obter diversos instrumentos através
do Programa “Mais Educação” do Ministério da Educação (MEC). Concomi-
tantemente, a coordenação do subprojeto Música buscou adquirir instrumentos
através do Laboratório Interdisciplinar de Formação de Educadores (LIFE) da
Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES),
o que se concretizou posteriormente. Mas os instrumentos deveriam perma-
necer na universidade e o deslocamento semanal, em transporte público, de
instrumentos de percussão de grande porte não é algo simples.
Além da dificuldade de obter os instrumentos, os bolsistas ID e as su-
pervisoras se depararam também com a dificuldade de encontrar um espaço
dentro da escola para os encontros do grupo. Devido ao som intenso dos
instrumentos de percussão, depois de algumas tentativas mal sucedidas em
diferentes espaços dentro da escola, o grupo acabou optando por se encontrar
e ensaiar em uma praça localizada em frente à escola, de frente para a igreja
do bairro. A entrada da escola praticamente se confunde com uma parte da
praça, em uma rua sem saída. O projeto aconteceu neste espaço, de abril
de 2014 até o presente momento em setembro de 2017, às sextas-feiras, das
13:30 às 15:30 h. A utilização da praça muitas vezes envolveu a comunidade
de transeuntes e o estabelecimento de diálogo com o padre responsável pela
igreja, que se tornou um parceiro amigo do projeto.
Outro ponto de dificuldade enfrentado foi lidar com o preconceito que a
prática das tradições de matriz africana gera em relação a questões religiosas e
raciais. Foi necessário um trabalho de esclarecimento, discussão e conscienti-
zação de alguns alunos e pais por parte das professoras para mostrar o objetivo
e a importância do projeto. Mesmo assim, até hoje o grupo enfrenta alguns
obstáculos nesse sentido. Porém, também há o relato de integrantes a respeito
da forte tradição de comunidades negras do bairro e de influências da tradição
155
nordestina que alunos de outros bairros trazem para a escola (REIS et al., 2016).
Isso se manifesta no fortalecimento desse grupo, que assume características de
resistência social, e a música assume potencial transformador.
Os alunos da escola, em parceria com o grupo Maracatucá da cidade
de Campinas, apresentaram-se em diversos eventos na região. O projeto
proporcionou aos bolsistas ID a oportunidade de convivência com alunos e
com a comunidade do bairro São Bernardo no entorno da escola e também o
entendimento do funcionamento da implementação de um projeto de cultura
popular em uma comunidade.
O subprojeto Música proporcionou também o intercâmbio entre bolsistas
e alunos que atuaram nas duas escolas. Por três anos seguidos, alunos, bolsis-
tas ID e supervisoras do “Maracatosinho de Baque Virado” apresentaram-se
no Show de Talentos da E.E. José Vilagelin Neto, e bolsistas ID do Vilagelin
colaboraram no Sarau do Matosinho, além de ter sido apresentada uma peça
de teatro do Vilagelin na E.E. José Maria Matosinho.
A partir de 2016, o subprojeto Música na E.E. José Maria Matosinho
ganhou novos elementos: duas bolsistas ID passaram a oferecer aulas extra-
curriculares de ensino coletivo de violão e voz e, em 2017, desenvolveram um
projeto para vivência e formação musical dos professores da escola, dentro do
replanejamento anual. Esta última proposta trouxe novo olhar para o subpro-
jeto Música dentro da escola, visto que proporcionou aos demais professores
um maior contato com as possibilidades criativas que o ensino musical escolar
pode oferecer.
Pode-se observar, abaixo, algumas imagens do trabalho com as tradições
da cultura popular brasileira desenvolvido na E.E. José Maria Matosinho:
156
Figura 2- Registro de momentos do trabalho realizado pelo subprojeto
Música do PIBID-Unicamp com alunos da E.E. José Maria Matosinho
Participação em eventos
Em 11 de novembro de 2013, os bolsistas ID participaram do evento
“Experiências e Vivências: Projetos de Subprojetos do PIBID” realizado pela
equipe da UNESP do campus de Bauru em parceria com Unicamp e UFSCar,
visando “a troca de experiências e a socialização das ações decorrentes dos
projetos” (cf. FOLDER DO EVENTO). Os bolsistas participaram também
157
dos Encontros do PIBID Unicamp, Encontros na Faculdade de Educação e
Instituto de Artes e da I Semana do PIBID-Dança.
A coordenadora do subprojeto participou de reuniões de planejamento
do PIBID-Música da Universidade Federal da Bahia (UFBA) em fevereiro de
2013 e março de 2017. Participou também do I Encontro Nacional de Subpro-
jetos de Música do PIBID no Fórum dos Cursos de Licenciatura em Música
em Pirenópolis, GO, em 4 de novembro de 2013.
Produção bibliográfica
Foram produzidos os seguintes capítulos de livros da Coleção Formação
Docente em Diálogo do PIBID Unicamp:
a) “Educação musical e cultura popular fomentando a construção da
autonomia: experiência do PIBID Música da Unicamp na E.E. José
Maria Matosinho” (REIS et al, 2016) no volume 6 da Coleção PIBID-
-Unicamp, de autoria das duas supervisoras, cinco bolsistas ID e da
coordenadora do subprojeto;
b) “O subprojeto Música do PIBID-Unicamp” (MENDES; CESAR, 2014),
de autoria da coordenadora do subprojeto e uma bolsista ID.
c) Treze narrativas, no volume Edição Especial da Coleção PIBID-
-Unicamp, Narrando cotidianos e histórias.
158
b) CESAR, Patrícia Kawaguchi. O PIBID como forma de levar a música
à escola pública e a escolha de um conteúdo que desperte o interesse
dos alunos. In: VII Encontro de Educação Musical da Unicamp, 2014,
Campinas. Anais do Encontro de Educação Musical da Unicamp,
2014, p. 32-37.
Apresentações artísticas
A equipe do subprojeto Música participou das seguintes apresentações
artísticas:
a) V Encontro e I Mostra PIBID/Unicamp, em 30 de outubro de 2013,
no Auditório da FCM/Unicamp, onde houve apresentação da fanfarra
da E.E. José Vilagelin Neto;
b) Abertura do VIII Encontro de Educação Musical da Unicamp;
c) Show de Talentos na E.E. José Vilagelin Neto (de 2012 a 2017);
d) Apresentações diversas no intervalo musical na E.E. José Vilagelin
Neto; e
e) Apresentações do grupo “Maracatosinho de Baque Virado” na escola,
na Unicamp e em diversos espaços na cidade de Campinas.
Considerações finais
Nesse período de cinco anos, o subprojeto Música da Unicamp propôs
o desenvolvimento de propostas para o Ensino Fundamental II e o Ensino
Médio em duas escolas e sob duas diferentes vertentes. Os bolsistas ID foram
inseridos nas escolas através de participação nas aulas de Artes ou em períodos
do contraturno escolar, quando assumiram algumas aulas de música, com
apoio dos supervisores. Tiveram a oportunidade de participar com gestores e
professores do planejamento e replanejamento escolar, da Aula de Trabalho
Pedagógico Coletivo (ATPC), de reuniões de pais, do desenvolvimento de
projetos interdisciplinares e de festividades escolares: Festa Junina, Jogos Es-
tudantis, Formatura, Show de Talentos, festas do bairro, Sarau, entre outras.
Os bolsistas tiveram grande atuação na conquista do espaço para a música
nas escolas parceiras e foram aos poucos adquirindo a confiança de gestores,
professores, estudantes e funcionários. Ressalta-se a construção de uma visão
humanista do ensino da Música, bem como um enfoque no desenvolvimento
moral e afetivo dos alunos da escola.
159
Dos quarenta e nove bolsistas que participaram do subprojeto Música,
vinte e um estão formados e os demais ainda estão cursando a Licenciatura.
De acordo com contato da coordenadora do PIBID-Música mantido com os
alunos já formados, registra-se que, em agosto de 2017, seis já concluíram um
mestrado acadêmico, três estão atuando como professores da rede municipal
de ensino no Estado de São Paulo (nos municípios de Hortolândia, Paulínia
e Franca), cinco como professores de Música em escolas da rede privada de
ensino, seis como professores de Música em escola especializada de Música,
uma atua como educadora musical ligada a coros de igreja, dois atuam como
professores substitutos na rede estadual de ensino e seis atuam como profes-
sores particulares de seus respectivos instrumentos.
O PIBID se revelou de grande relevância para o curso de Licenciatura
em Música do Instituto de Artes da Unicamp, na medida em que os alunos
se envolveram com a realidade escolar, compreenderam melhor o ambiente
e funcionamento da escola pública brasileira, levaram propostas inovadoras
para a sala de aula, aprenderam com professores mais experientes e trouxeram
para a sala de aula da universidade essas experiências. Contribuiu para que os
bolsistas ID e os professores universitários, fossem inseridos na cultura escolar,
e para que os supervisores se aproximassem dos licenciandos - professores em
formação - e da universidade.
Referências
BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no
currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Brasília, 2003. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm>. Acesso em: 12/07/2017.
BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de
ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
Brasília, 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2008/lei/l11645.htm>. Acesso em: 12/07/2017.
BRASIL. Lei nº 13.278, de 2 de maio de 2016. Altera o § 6o do art. 26 da Lei no 9.394,
de 20 de dezembro de 1996, que fixa as diretrizes e bases da educação nacional,
referente ao ensino da arte. Brasília, 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.
br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13278.htm>. Acesso em: 12/07/2017.
160
MENDES, Adriana do Nascimento Araújo & CESAR, Patricia Kawaguchi. O
subprojeto Música do PIBID- Unicamp. In: AYOUB, Eliana & PRADO, Guilherme
V. T. (Orgs.). PIBID-Unicamp: ampliando horizontes na formação de professores.
Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2014, p.111-123. (Coleção Formação Docente
em Diálogo, v. 3)
PENNA, Maura. Música(s) e seu ensino. (2ª ed. rev. e ampl.) Porto Alegre: Sulina,
2012.
REIS, Mirela Garcia dos; BOAVENTURA, Érika Siste; JORGE, Fernando de
Souza; TURÍBIO, Suelen; LIU, Tiago; LANÇAS, Diana YumiShirata; PIMENTEL,
Yandara; MENDES, Adriana do Nascimento Araújo. Educação musical e cultura
popular fomentando a construção da autonomia: experiência do PIBID-Música
da Unicamp na Escola Estadual José Maria Matosinho de Campinas. In: AYOUB,
Eliana; PRADO, Guilherme do Val Toledo; PRODÓCIMO, Elaine (Orgs.). PIBID-
Unicamp: interlocuções e ações no contexto de uma necessária política de formação
de professores. Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2016, p. 127-145. (Coleção
Formação Docente em Diálogo, v. 6)
SOUZA, Jusamara. Aprender e ensinar música no cotidiano. In: SOUZA, Jusamara
(Org.). Aprender e ensinar música no cotidiano. (2ª ed.) Porto Alegre: Editora
Sulina, 2009.
SWANWICK, Keith. Ensinando música musicalmente. São Paulo: Editora
Moderna, 2003.
161
A integração de licenciandos, professores da
Educação Básica e do Ensino Superior para a plena
formação de professores de Química ao longo de
trajetórias do pibid
163
Já não é mais preciso contar sobre a dificuldade de inserir a primeira
turma desse subprojeto em uma unidade fortemente engajada com a pesquisa
química, com grande oferta de bolsas de iniciação científica e estágios, e, con-
sequentemente, pouco destaque e poucas oportunidades para a licenciatura
em Química, já que os bacharelados dominavam a atenção e as expectativas.
Isso já foi compartilhado em momento anterior (ROSSI, 2014) e, embora ain-
da seja difícil inserir estudantes na licenciatura integralmente, a consolidação
do PIBID na Unicamp trouxe outros desafios e novas perspectivas de ação,
inclusive diante das recentes e inquietantes dúvidas sobre os rumos futuros
desse programa pioneiro, tão diverso e rico de potencialidades.
Quando o edital PIBID 2009 surgiu para fomentar a inserção de licen-
ciandos nas escolas públicas com a supervisão de professores da escola pública,
sob a coordenação de professores da universidade, era a oportunidade que não
se podia perder porque era possível integrar um grupo de estudantes pouco
contemplados em programas regulares de fomento por um período tão ade-
quado para a construção de propostas duradouras e efetivas. A trajetória que
seguimos até 2017 passou por momentos distintos, com equipes de formação
dinâmica, possibilidades variadas de trabalho, produções de intensas e, acima
de tudo, infinitas oportunidades de crescimento profissional.
Em momento anterior, em registro de impressões sobre o PIBID (ROSSI,
2017), coordenar, ensinar e aprender no contexto do PIBID foram considerados
experiências instigantes, recompensadoras e indispensáveis para ser professor.
As questões pontuadas continuam atuais, já que a constatação também se
mantém válida.
Quando uma parceria efetiva, duradoura e produtiva pode se consolidar entre
formadores de professores? Como a interação de licenciados no contexto da
escola pode ser simbiótica e motivadora? Por que um modelo de escola diferen-
ciado pode modificar tanto a formação de novos professores? Até que ponto a
convivência profissional com professor experiente em exercício contribui para a
formação de licenciandos? Em que etapa do trabalho, a organização das práticas
formativas da licenciatura demanda orientação e autonomia? A formação de
novos professores decididamente depende da interação harmoniosa e integrada
de sujeitos, espaços e papéis, todos, sem exceção, inseridos em um universo
plural e dinâmico (ROSSI, 2017, p.29).
Contexto
Nosso curso de licenciatura forma poucos professores, infelizmente.
Isto acontece por diversas diversas razões cujas tentativas de explicação não
164
ajudariam a modificar a situação, mas alunos interessados na licenciatura
existem sim: quarenta e sete deles foram bolsistas em nosso subprojeto. E
nos inserimos em Campinas-SP, onde existem cento e cinco escolas púbicas
de Ensino Médio, todas da rede estadual35, que ainda enfrentam a falta de
professores de Química, mas onde também atuam professores de Química
engajados, inclusive muitos deles participando anualmente, desde 2001, do
SIMPEQ – Simpósio de Profissionais do Ensino de Química, evento realizado
no Instituto de Química da Unicamp para discutir e trocar experiências sobre
ensinar e aprender Química no Ensino Médio36. Dessa vivência profissional
surgiram parcerias que resultaram no reconhecimento de pares que se confi-
guraram como supervisores de nosso subprojeto. Contamos com cinco pro-
fessores supervisores que nos levaram para cinco escolas37 com perfis típicos
da escola pública brasileira, incluindo um Centro Estadual de Educação para
Jovens e Adultos – CEEJA, em um formato inovador e exitoso (ZANINI &
ROSSI, 2015). No CEEJA, encontramos o melhor ambiente para estimular
a formação dos novos professores e oferecer contribuições para a escola,
como apontado em uma publicação de coautoria com membros da equipe do
subprojeto PIBID (ZANINI et al., 2012) apresentada em evento acadêmico.
Uma retrospectiva dos resultados alcançados em nossa trajetória no PI-
BID em termos quantitativos pode ser resumida na produção de dois artigos
(ROSSI, 2013; ZANINI e ROSSI, 2015), um capítulo de livro (ROSSI, 2014), com
diversos resumos, tendo sido nove apresentados como pôsteres (CALIAN et al.,
2012; CARCAIOLI et al., 2012; CORREA et al., 2013; OLIVEIRA et al., 2012;
OLIVEIRA et al., 2013; OLIVEIRA et al., 2014; SILVA e ROSSI, 2012; SILVA et
al., 2014; SORIA Jr. et al., 2012), cinco com apresentação oral (CALIAN et al.,
2010; CAVASSA et al., 2010; PETTERMAN & ROSSI, 2012; ROSSI, 2012; SIL-
VA et al., 2012), dois resumos estendidos com apresentação de pôster (SILVA
& ROSSI, 2012; ZANINI et al., 2012). Também houve a criação e realização de
mais de 15 oficinas temáticas, com material de apoio para os participantes, sobre
assuntos variados e atuais, envolvendo conceitos químicos, como por exemplo
a produção de bolos e pães, cabelos, protetores solares, energia nuclear, pig-
165
mentos e cores, diabetes, radioterapia, reciclagem, colesterol, química forense,
etc. Foram criados experimentos químicos didáticos interessantes como a série
de “Sólidos Brancos e Líquidos Incolores”, com materiais acessíveis (água, sal
de cozinha, açúcar, vinagre de álcool e refrigerante de limão) e sem geração de
resíduos, além de textos sobre temas como: anticoncepcionais, nanotecnologia,
dor, doping, pasta de dentes, dentre vários outros, sempre buscando trazer a
Química inserida no contexto sócio-ambiental. Também foram preparados
roteiros de aulas, textos para atividades de estudo dirigido e instrumentos de
avaliação para aulas de Química. Boa parte desse material desenvolvido pela
equipe e aplicado nas escolas pelos bolsistas está disponível no Blog do Grupo
PIBID do Instituto de Química da UNICAMP38. Toda produção contribuiu
para o processo formativo da equipe e sua disponibilização online pode servir
como oferta de material para ser avaliado para uso por interessados. As ofici-
nas temáticas desenvolvidas pelos pibidianos passaram a integrar o calendário
oficial de atividades do CEEJA, contribuindo para estimular a interação dos
estudantes com a Química e principalmente para motivar sua frequência e
permanência na escola, o que é indispensável para o envolvimento desses
estudantes no sistema de frequência flexível dessa escola.
As ações mais recentes estão relacionadas com o desenvolvimento de
atividades dinâmicas e acessíveis para ilustrar alguns conceitos químicos re-
levantes, que requerem certo grau de abstração por relacionarem modelos e
raciocínio matemático. Com a utilização de materiais didáticos comerciais de
baixo custo, usados para atividades de Matemática no ensino fundamental,
conhecidos como material dourado (SILVEIRA, 1997) e escala cuisenaire
(BORGES et al., 2012), estamos criando alternativas para tentar explicar con-
servação da matéria, relações estequiométricas e até estruturas moleculares, que
normalmente representam barreiras nos processos de ensino/aprendizagem
de Química no Ensino Médio. As propostas ainda estão em desenvolvimento
e serão disponibilizadas no blog do subprojeto.
Do ponto de vista de agente formadora de novos professores de Química,
em constante esforço de formação continuada, a coordenação de um subpro-
jeto do PIBID alimenta novas propostas e ações profissionais que resultam de
reflexões inspiradas pela riqueza do convívio duradouro e integrado na escola,
com os professores supervisores e os licenciandos. Além de impactar os esfor-
ços para traduzir toda essa experiência em movimento profissional positivo
e efetivo, o PIBID também inspirou um capítulo de livro (ROSSI, 2015), que
38 <https://PIBIDunicamp.wordpress.com/>.
166
tratou de ensinar ciências hoje para o futuro de todos nós, que retrata algumas
inquietações, expectativas e deleites de ser professora.
Destaques do percurso
A equipe de licenciandos e supervisores com válidas experiências dife-
renciadas que integraram nosso subprojeto teve composição variada e flexível,
o que certamente contribuiu para a formação de todos nós com a diversidade
compartilhada, enriquecendo a prática profissional dos envolvidos. Por outro
lado, também é necessário reconhecer que essa flexibilidade incluiu obstácu-
los cuja superação contribuiu para o crescimento profissional de todos, em
processos muitas vezes desgastantes demais. No cômputo geral, até mesmo
com as dificuldades, a flexibilidade tem saldo positivo, pois garante o dinamis-
mo da equipe, que pode expandir o número de estudantes envolvidos, com
a vitalidade das ações para ajustes constantes que constituem boas práticas
educativas. Com isso foi possível buscar escolas mais adequadas para o pro-
cesso formativo dos licenciandos e a consolidação da indispensável parceria
profissional com os supervisores. Aqui estão resumidos dois fatores cruciais
para o sucesso de propostas do PIBID: inserir-se em escolas empenhadas
com os princípios norteadores do subprojeto, em relação simbiótica com o(a)
supervisor(a). Sempre optamos por escolas públicas típicas, por sua dinâmica
rica e fervilhante, a despeito de suas mazelas, porque em todas encontramos
professores engajados, competentes e ávidos por compartilhar suas práticas
profissionais num contínuo processo formativo. Porém, notamos que certos
problemas dessas escolas podem impactar de tal forma alguns licenciandos que,
ao invés de reconhecerem-nas como campo de trabalho futuro, a experiência
praticamente os fez desistir da opção pela licenciatura. Poucos casos, mas isso
aconteceu e foi necessário um processo lento e cuidadoso de reaproximação
e convencimento para evitar que um tipo de desânimo contagioso afetasse o
grupo todo. Aqueles que se imunizaram contra essa ameaçadora desilusão
fortaleceram seus objetivos profissionais e seus valores sociais, tendo sido
implacável o papel das supervisoras no processo de descontaminação. Esta
situação exemplifica o valor da parceria profissional entre coordenador(a) de
área e supervisor(a). Não há como conceber a aproximação desses sujeitos do
PIBID por demandas externas ao projeto de maneira favorável ao desenvolvi-
mento de qualquer trabalho.
O PIBID surgiu em meio a muitas expectativas em um cenário receptivo,
porém com resistências decorrentes da ignorância ou do receio de seu futuro,
167
talvez acirrado por seu vertiginoso crescimento, se confrontado com outras
iniciativas envolvendo bolsas para graduandos, como o Programa Institucio-
nal de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC, seu inevitável e, porque não,
desfavorável parâmetro de comparação. Dessa origem peculiar, decorreram
dificuldades para sua consolidação. Percorrer essa trajetória revelou poten-
cialidades e fragilidades da Licenciatura em Química, que subsidiam desde
a modificação de aspectos pontuais de estratégias de ensino e aprendizagem
em disciplinas do curso, até o planejamento de reformulação de seu projeto
pedagógico. Assim, a presença de subprojeto do PIBID representa um canal
potencialmente ativo para a constante e necessária avaliação da licenciatura já
que a interação prolongada, contínua e efetiva da universidade com a escola
revela necessários ajustes de rumo e destaca as perspectivas de inovação, em
uma relação dinâmica, saudável e enriquecedora.
O PIBID passou por momentos de incertezas que refletiram nas atividades
dos subprojetos, fragilizando o envolvimento das equipes diante de dúvidas
sobre as perspectivas de continuidade dos trabalhos e o receio pelo iminente
rompimento da parceria tão cultivada com a escola. Ainda assim, seus dados
e resultados estimularam o desenvolvimento de pesquisas para tentar depre-
ender seus diversos sentidos e efeitos. Cabe destacar o trabalho de doutorado
de Ivan Araujo Mariano, em andamento sob nossa orientação, com o título
“Identidade profissional e motivação do professor supervisor no contexto do
PIBID”39; alguns dados já sugerem que o PIBID vem potencializando as relações
universidade-escola que contribuem para mudanças necessárias no espaço
escolar e na formação de professores, com efeitos na construção da identidade
profissional do professor supervisor.
168
ações que contribuam para consolidar avanços de parceria universidade-escola,
com estímulos ao senso crítico de professores em formação e em exercício,
oportunizando reflexões sobre sua prática docente, sua identidade profissional
e seu compromisso social.
Referências
BORGES, Rosimeire Aparecida Soares; DUARTE, Aparecida Rodrigues Silva;
CAMPOS, Tânia Maria Mendonça. A matemática da escola primária nas revistas
pedagógicas do Brasil e de Portugal. Revista Reflexão e Ação, 20(2), p.240, 2012.
CALIAN, Bruna Roque; BIUDES, Brígida de Moraes; ROSSI, Adriana Vitorino.
Vivências de atividades de projeto PIBID da Licenciatura em Química – Unicamp,
inclusive sob a perspectiva de bolsista ID egressa da escola pública. I Seminário e II
Encontro PIBID/Unicamp, 2012.
. Vivências e perspectivas do Ensino de Química sob diversas ópticas a partir
do PIBID. Anais do XVI Encontro Nacional de Ensino de Química, 2010.
CARCAIOLI, Gabriela Furlan; PETTERMAN, Márcia Zanchetta SILVA; ROSSI,
Adriana Vitorino. Delimitação de novos caminhos profissionais a partir da vivência
no subprojeto PIBID Unicamp - Licenciatura em Química. I Seminário e II Encontro
PIBID/Unicamp, 2012.
CAVASSA, Alieth Sirlene Pereira; LOPES, Elizandra Cristiane da Silva; ROSSI, Adriana
Vitorino. Impressões de estudantes da Escola Estadual Professora Hercy Moraes
sobre as atividades de projeto PIBID nas aulas de Química. Anais do XVI Encontro
Nacional de Ensino de Química, 2010.
CORREA, Gabriela Chagas; ZANINI, Silvana Maria Correa; ROSSI, Adriana Vitorino.
Oficina de alimentação e saúde com o tema gordura trans: prós e contras. 12° Simpósio
de Profissionais do Ensino de Química, Resumos de Trabalhos dos Participantes,
p.7, 2013.
OLIVEIRA, Vicente Gomes; ZANINI, Silvana Maria Correa; ROSSI, Adriana Vitorino.
Oficina sobre alimentação: uma ação desenvolvida em um Centro Estadual de
Educação de Jovens e Adultos a partir do PIBID. Anais do XVII Encontro Nacional
de Ensino de Química, 2012.
. Oficina de alimentação: um projeto desenvolvido em um centro de educação
de jovens e adultos através do PIBID. 12° Simpósio de Profissionais do Ensino de
Química, Resumos de Trabalhos dos Participantes, p.5, 2013.
. A química dos cabelos no aprendizado de pH: motivando estudantes de EJA.
13° Simpósio de Profissionais do Ensino de Química, Resumos de Trabalhos dos
Participantes, p.7, 2014.
169
PETTERMAN, Márcia Zanchetta & ROSSI, Adriana Vitorino. O PIBID Unicamp no
MAJU. Sobre as atividades do projeto PIBID-Unicamp, SubProjeto Licenciatura em
Química, na Escola Estadual Professora Maria Julieta de Godoi Cartezani. I Seminário
e II Encontro PIBID/Unicamp, 2012.
ROSSI, Adriana Vitorino. Um projeto do PIBID para licenciatura em Química em
uma instituição estadual com pesquisa química destacada: cenário, dificuldades e
perspectivas. Anais do XVI Encontro Nacional de Ensino de Química, 2012.
. O PIBID e a Licenciatura em Química num contexto institucional de pesquisa
química destacada: cenário, dificuldades e perspectivas. Química Nova na Escola, 35,
p.255, 2013.
. O PIBID e a Licenciatura em Química num contexto institucional de pesquisa
química destacada: cenário, dificuldades e perspectivas. In: AYOUB Eliana, PRADO
& Guilherme Val Toledo (Orgs.). PIBID-Unicamp: construindo parcerias entre a
universidade e a escola pública. Campinas: Edições Leitura Crítica, 2014, p. 53-71.
(Coleção Formação Docente em Diálogo, v.2)
. Ensinar ciências hoje para o futuro de todos nós. In: CORREA, T. H. B.
(Org.). A educação como arte de sonhar. Curitiba: Editora CRV, 2015, p. 25.
. Reflexões sobre coordenar, ensinar e aprender muito. In: PRADO, Guilherme
do Val Toledo; AYOUB, Eliana; PRODÓCIMO, Eliana (Orgs.). PIBID-Unicamp:
narrando cotidianos e histórias. Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2017, p. 29-30.
(Coleção Formação Docente em Diálogo, Edição Especial)
SILVA, André Luiz Affonso Medice; PINHEIRO, Amanda Negreiro; ROSSI, Adriana
Vitorino. Contribuições de bolsistas PIBID (subprojeto Licenciatura em Química,
Unicamp): experimentação envolvendo tema integrador para EJA. Anais do XVI
Encontro Nacional de Ensino de Química, 2012.
SILVA, Paulo Rogério & ROSSI, Adriana Vitorino. O cotidiano escolar para os futuros
professores. I Seminário e II Encontro PIBID/Unicamp, 2012.
SILVA, Vitor Secamili; ZANINI, Silvana Maria Correa; ROSSI, Adriana Vitorino.
Construção da oficina “radioterapia”: desafios na estruturação do tema para uma
escola de EJA. 13° Simpósio de Profissionais do Ensino de Química, Resumos de
Trabalhos dos Participantes, p.12, 2014.
SILVEIRA, Joseliana Amado. Material dourado de Montessori: trabalhando com os
algoritmos de adição, subtração, multiplicação e divisão. Ensino em Re-Vista, 6(1),
p.47, 1997.
SORIA Jr., Oscar Mendoza; SILVA, Paulo Rogério; ROSSI, Adriana Vitorino. O que
polímeros em medicamentos têm a ver com aulas de Química numa escola pública?
I Seminário e II Encontro PIBID/Unicamp, 2012.
170
ZANINI, Silvana Maria Correa; CAVASSA, Alieth Sirlene Pereira; PINHEIRO,
Amanda Negreiro; ROSSI, Adriana Vitorino. Contribuições de uma escola de Educação
de Jovens e Adultos, com atendimento individualizado e frequência flexível para a
formação de licenciandos em um projeto PIBID. Anais do Simpósio do PIBID/
UFABC, v.1, p. 96-98, 2012.
ZANINI, Silvana Maria Correa; ROSSI, Adriana Vitorino. Contribuições da Educação
de Jovens e Adultos para a formação inicial de professores de Química. Revista Virtual
de Química, 7(3), p.962, 2015. Disponível em: <http://rvq.sbq.org.br/imagebank/pdf/
v7n3a15.pdf >. Acesso em: 31/08/2017.
171
Subprojeto Filosofia e Sociologia:
breve balanço
Introdução
173
esses, em virtude do fato de frequentemente as aulas de Filosofia e Sociologia
no Ensino Médio serem atribuídas a pedagogos.
Vale registrar que inicialmente contávamos com dois supervisores. Em
certo momento, porém, ocorreu a exoneração do professor de Sociologia, o que,
aliás, coincidiu com a política da CAPES de redução dos recursos do PIBID. Por
isso, não foi possível substituí-lo, de modo que, daquela situação em diante, os
bolsistas passaram a atuar apenas nas aulas de Filosofia. Pela mesma razão não
pudemos preencher todas as vagas deixadas pelos licenciandos que, por um
ou outro motivo, se desligavam do subprojeto. Assim, se no início tínhamos
treze, hoje contamos com apenas seis.
A seguir, apresentamos sumariamente algumas das principais atividades
desenvolvidas e por meio das quais buscamos atingir os objetivos supramen-
cionados. Ao final, complementando o presente balanço, encontram-se os
textos dos bolsistas que aceitaram o convite para escrever sobre o significado
de sua participação no PIBID.
1. Reuniões ordinárias
174
também, conosco. Por outro lado, a referida ausência alienou parcialmente os
supervisores do planejamento das atividades, o que prejudicou o seu envolvi-
mento na execução das mesmas.. Além disso, também retardou a formação de
vínculos mais estreitos entre eles e os licenciandos, o que, em algumas ocasiões,
gerou problemas de relacionamento.
Olhando, agora, retrospectivamente, para essa ambiguidade, vemos
que o peso maior recai sobre o aspecto negativo. É verdade que a participação
restrita dos supervisores nas reuniões se deu por motivos alheios à vontade
do grupo e que escapavam ao nosso controle, mas é preciso reconhecer que
eles nos fizeram muita falta. Certos erros e dificuldades poderiam ter sido
evitados, minimizados, contornados ou superados mais rapidamente, com
o envolvimento efetivo dos professores supervisores em todas as etapas do
trabalho: de sua concepção à sua execução e avaliação. Por vezes, procuramos
compensar essa ausência alternando o local e o horário de algumas reuniões,
comunicando-nos por meios eletrônicos ou fazendo uso de redes sociais. Nada
disso, porém, compensou as perdas que tivemos por não poder usufruir do
encontro cotidiano entre todos os integrantes do subprojeto.
Mesmo assim, as reuniões semanais foram essenciais para o êxito do
trabalho. Constituíram, na realidade, a espinha dorsal do mesmo, pois era ali
que decidíamos, de forma colegiada, praticamente tudo o que seria feito e que
nos preparávamos para fazê-lo. Permitiram, também, acompanhar o trabalho
dos bolsistas e orientá-los sobre as situações pedagógicas vivenciadas.
2. Reuniões de estudo
Algumas das reuniões semanais eram destinadas ao estudo de textos
teóricos, com o objetivo de enriquecer a formação filosófica e pedagógica dos
bolsistas por meio da reflexão rigorosa, crítica e bem fundamentada de pro-
blemas educacionais encontrados na prática da sala de aula.
Os temas, em geral, eram trazidos pelos universitários, mas também
podiam ser propostos por nós. O mesmo se aplicava aos textos. Dentre esses
temas, destacam-se: as teorias pedagógicas; inclusão de alunos surdos41; liber-
dade versus diretividade; disciplina na organização escolar; relação professor
aluno, entre outros.
41 Algumas salas de aula em que atuaram os bolsistas contavam com estudantes surdos, o
que representou um desafio adicional e, ao mesmo tempo, a abertura de um novo campo
de pesquisa e estudo para todo o grupo do PIBID. Voltaremos a esse assunto mais adiante.
175
Durante algum tempo o estudo se deu na forma de “seminário integrado”.
O grupo era dividido em quatro sub-grupos, a saber: 1) Grupo de exposição:
responsável por apresentar a estrutura argumentativa do texto e expor as ideias
principais do autor, com destaque para os conceitos e categorias chaves; 2)
Grupo de relacionamento: incumbido de articular o texto estudado com outros
saberes, temas e questões já abordados, inclusive nas disciplinas dos cursos de
licenciatura, e de sugerir leituras complementares visando ao aprofundamento
da reflexão; 3) Grupo de problematização: encarregado de fomentar o diálogo
com o autor, buscando explicitar lacunas, limites e contribuições relevantes do
texto, além de levantar situações concretas que pudessem ser pensadas à luz
dos conceitos estudados e de sugerir leituras adicionais; 4) Grupo de síntese:
dedicado a sumariar, tanto oralmente quanto por escrito, as ideias do autor e
as contribuições dos demais grupos decorrentes da discussão do texto durante
o seminário. Posteriormente, essa dinâmica de trabalho foi substituída pela
discussão coletiva dos textos sob a coordenação de um dos bolsistas. Ambas
as formas se mostraram bastante produtivas.
Alguns dos textos utilizados nessas ocasiões foram: As teorias da educação
e o problema da marginalidade, de Dermeval Saviani (2009); Escola Summerhill,
de A. S. Neill (1980); Pedagogias não-diretivas, de Georges Snyders (1984); É
possível ter autoridade em sala de aula sem ser autoritário?, de Elaine Lopes
Novais (2004); Estratégias metodológicas para o ensino de alunos surdos, de
Cristina Broglia Feitosa de Lacerda, Lara Ferreira dos Santos e Juliana Fonseca
Caetano (2013); Sobre o dilema do professor: amar ou conhecer o aluno, de Fábio
Villela e Ana Archangelo (2014a); O enquadre técnico e a crítica ao sistema
de normas disciplinares, também de Villela e Archangelo (2014b); Abstrata,
difícil, inútil: o preconceito contra a Filosofia e o antídoto gramsciano, de nossa
autoria (SILVEIRA, 2014).
De um modo geral, todos esses textos foram úteis para a reflexão sobre
situações vivenciadas na escola. Mas alguns tocaram mais significativamente
os bolsistas. Citamos dois casos para ilustrar. O primeiro e, sem dúvida, o
mais impactante, foi Sobre o dilema do professor: amar ou conhecer o aluno,
de Fábio Villela e Ana Archangelo (2014b). Com efeito, questões envolvendo
a afetividade na relação professor-aluno eram recorrentes nas reuniões. Para
os autores, porém, o elemento central nas relações pedagógicas não deve ser o
amor, entendido como estima e afeição, mas sim a “confiança que se estabelece
entre eles” e que, aliás, também tem um certo sentido afetivo. Para conquistá-la,
é preciso, antes de mais nada, que o professor conheça seu aluno, compreenda
seu “estado de espírito” e suas “preocupações e interesses” e o trate como único,
176
isto é, como um ser imbuído de uma “subjetividade que lhe é própria”. Isso,
por si só, já comunica ao aluno que o professor “está atento e em simpatia”
com ele, independentemente da afeição que exista entre ambos (VILLELA
& ARCHANGELO, 2014a, p. 42-43). A abordagem de Villela e Archangelo
trouxe uma nova perspectiva para um tema que tão fortemente afetava o gru-
po. Ajudou-nos não apenas a superar certas noções ingênuas e românticas da
relação professor-aluno, como também a rever nossa postura em sala de aula.
O segundo texto foi Pedagogias não-diretivas, de Snyders (1984). Os
bolsistas haviam lido e discutido Escola Summerhill, o capítulo inicial da obra
Liberdade sem medo, de Neill (1980). Encontravam-se ainda um tanto entor-
pecidos pelas ideias inovadoras e sedutoras daquela experiência particular de
um ensino não diretivo. Vem, então, Snyders para mostrar que as coisas não
são bem assim, que a proclamada liberdade de Summerhill tem um quê de
ilusão e que, na realidade, “não se educa inocentemente” porque, queiramos
ou não, “os nossos silêncios falam tanto como as nossas palavras”. Na verda-
de, insiste o autor, para o espanto geral, “nós ‘endoutrinamos’ os alunos tanto
pelo nosso silêncio, como pela nossa palavra” (SNYDERS, 1984, p. 29-30). Foi
curioso e fascinante observar o papel de contraponto que o texto de Snyders
desempenhou em relação ao de Neill. Também nesse caso foi possível rever
concepções ingênuas e repensar a prática.
Creio que os exemplos mencionados são suficientes para mostrar como
funcionavam as reuniões de estudo e o grande proveito que delas pudemos
extrair.
177
também, em critérios e instrumentos de avaliação. Praticamente todos os
bolsistas realizaram pelo menos uma oficina de aula.
Na ocasião em que fizemos uma avaliação dessa atividade, a percepção
dos licenciandos em relação aos resultados obtidos foi bastante positiva. Por
exemplo, relataram ter aprendido, dentre outras coisas: que o planejamento
das aulas é essencial para o seu êxito e que, portanto, o improviso deve ser
evitado; que esse planejamento deve atentar tanto para a parte didática quanto
para o domínio do conteúdo a ser ensinado; que o professor precisa passar
segurança ao aluno quanto ao domínio do saber que ensina e à consciência do
que deve fazer em sala de aula; que é importante explicitar muito claramente
os conceitos principais e procurar verificar se os alunos de fato se apropriaram
deles; que é preciso saber claramente de onde se parte e onde se pretende che-
gar com o conteúdo; que o simples uso adequado da lousa pode tornar a aula
mais dinâmica e interessante; que é preciso estar sempre preparado para os
imprevistos; que, ao planejar, é preciso reservar um espaço para a participação
dos alunos; que o professor deve ser sensível às necessidades deles e mostrar-
-se interessado e disponível para acolhê-los com respeito e consideração; que
os alunos também precisam respeitar o professor como profissional e como
pessoa, e que cabe a este criar as condições para que aqueles tenham essa ati-
tude; que na performance do professor há também certa representação teatral
e certa margem de negociação, no sentido positivo, o que ajuda a tornar a aula
mais dinâmica e a melhorar o relacionamento dele com os alunos; que não há
neutralidade no processo de ensino e aprendizagem e que cabe ao professor
fornecer “ferramentas” (conceitos, teorias, etc.) para o aluno pensar por si
mesmo; enfim, que cada um deve pensar muito seriamente sobre se deseja, de
fato, tornar-se professor.
Além desse aprendizado mais especificamente pedagógico, cremos que
as oficinas de aula contribuíram também para dar mais segurança aos futuros
professores, elevar sua autoestima e aumentar seu apreço pela educação.
4. Oficinas na escola
Por iniciativa do PIBID, algumas oficinas foram promovidas na escola.
Uma delas foi a Oficina de LIBRAS.
A ideia de sua realização partiu da inquietação dos bolsistas ID com o
problema da inclusão dos alunos surdos nas atividades pedagógicas. Observa-
ram atônitos que, embora a escola contasse com alguns intérpretes de LIBRAS,
esses alunos permaneciam alijados da participação nas aulas e, principalmente,
178
da assimilação do conteúdo. Afinal, como poderia ser diferente se o intérprete
não é formado nas disciplinas em que atua, não participa do planejamento
das atividades didáticas e se inexistem sinais consolidados para os conceitos
das áreas de estudo? Nessas condições, de fato, a aprendizagem, se ocorre, é
sempre precária, insuficiente.
Essa situação mobilizou muito intensamente o grupo, que passou a
sentir a necessidade de conhecer e estudar melhor o tema. Como resultado
dessa mobilização foram tomadas diversas iniciativas: participamos de duas
edições (2015 e 2016) do evento “Setembro Azul”, voltado para a discussão
do problema da inclusão de surdos, e que acontece anualmente na Unicamp.
Em uma delas, o grupo do PIBID trouxe ao evento uma das alunas surdas da
escola, o que também ajudou a estreitar os laços de amizade com ela. Também
convidamos, em ocasiões distintas, duas docentes da Faculdade de Educação
da Unicamp, especialistas no tema, para proferirem palestras ao grupo e nos
indicarem caminhos para o aprofundamento dos estudos: a Profa. Dra. Heloísa
Lins e a Profa. Dra. Lilian do Nascimento. Além disso, organizamos um even-
to, na Faculdade de Educação, com Renato Dente Luz, autor do livro “Cenas
surdas: os surdos terão lugar no coração do mundo?” (LUZ, 2013), aberto ao
público externo ao PIBID. Por fim, discutimos textos (como o de LACERDA
& SANTOS, 2013, por exemplo) que abordavam o problema.
Por meio dessas e outras atividades procuramos adquirir subsídios para
lidar com a situação concreta da inclusão com a qual havíamos nos deparado.
O coroamento desse processo foi a realização da oficina na escola, com
o objetivo de sensibilizar os estudantes ouvintes e os professores para o prob-
lema e os desafios do modelo de inclusão em vigor. Essa oficina foi planejada e
realizada em parceria com um dos intérpretes de LIBRAS da escola. Consistiu,
basicamente, de uma roda de conversas com os estudantes e professores, na
qual se abordavam questões e problemas relativos à inclusão e, ainda, demons
travam-se e ensinavam-se sinais em LIBRAS para familiarizar os participantes
com essa línguagem e, assim, propiciar uma maior aproximação entre surdos
e ouvintes.
Não apenas os bolsistas, mas também muitos alunos da escola que par-
ticiparam da oficina perceberam a importância do problema da inclusão e
passaram a se interessar mais pela situação dos colegas surdos.
Outras oficinas desenvolvidas na escola foram: Oficina de escrita, voltada
para o aprimoramento dessa habilidade nos estudantes; Oficina de Filosofia,
organizada em atendimento a uma solicitação da Coordenação Pedagógica da
179
escola e destinada aos estudantes concluintes do Ensino Fundamental II, com
o objetivo de “aplainar” seu caminho para o estudo da Filosofia no Ensino
Médio; Oficina de redação, ainda em andamento, desenvolvida no contraturno
em resposta a uma demanda de um grupo de alunos do Ensino Médio.
5. Eventos
Nosso subprojeto também organizou alguns eventos, tanto na escola
quanto na Universidade. Já mencionamos aquele relativo ao tema da inclusão
de surdos, com Luiz Renato Dente. Relatamos, a seguir, outros dois.
Em abril de 2014, para marcar os 50 anos do golpe civil-militar de 1964,
promovemos uma mesa redonda intitulada O golpe de 1964 e a educação, no
Centro de Convenções da Unicamp. Os expositores foram: o Prof. Dr. José
L. Sanfelice, do Departamento de Filosofia e História da Educação da FE-
-Unicamp; o Professor Jocimar Archangelo, diretor do Colégio Equipe, de São
Paulo, durante o regime ditatorial; e nós. Simultaneamente à mesa, houve uma
exposição de poesias da forma de um Varal Político-Cultural, com textos de
Ferreira Gular, Carlos Drummond de Andrade, Pedro Tierra e Paulo Fonteles.
Alguns bolsistas também produziram um pequeno vídeo sobre o golpe, exibido
entre as exposições.
O evento contou com a presença de um bom número de estudantes da
Unicamp, além de outros coordenadores do PIBID, docentes da escola e do
Colégio Equipe. Abaixo, um trecho do poema Nosso tempo, de Drummond,
apenas para dar uma ideia da atmosfera daquele encontro:
[...] É tempo de meio silêncio,
de boca gelada e murmúrio,
palavra indireta, aviso
na esquina. Tempo de cinco sentidos
num só. O espião janta conosco.
180
No beco,
apenas um muro,
sobre ele a polícia.
No céu da propaganda
aves anunciam
a glória.
No quarto,
irrisão e três colarinhos sujos. [...]42
181
6. Produção de textos
Ao longo de toda a vigência do nosso subprojeto, os bolsistas foram con-
vidados e estimulados a escrever, a começar pelos diários de campo, elaborados
semanalmente. Muito mais do que o mero registro da experiência vivenciada
na escola, esses diários eram uma oportunidade de refletir sobre ela e de, num
esforço de síntese pessoal, articular teoria e prática. Foram, certamente, uma
ferramenta importante para a consecução dos objetivos do subprojeto.
Alimentamos, também, durante muito tempo, o desejo de produzir textos
didáticos para o uso nas aulas de Filosofia e Sociologia. Para realizá-lo, estabe-
lecemos alguns objetivos e parâmetros comuns a partir dos quais cada bolsista
poderia escolher um ou mais temas sobre o qual escrever. Esses parâmetros
incluíam, por exemplo, o equilíbrio entre rigor conceitual e simplicidade da
linguagem, a fim de assegurar a inteligibilidade do texto e sua acessibilidade
aos alunos do Ensino Médio.
Infelizmente, não conseguimos atingir o objetivo de publicar uma coletâ-
nea desses textos. O envolvimento com diversas atividades e demandas, tanto
do próprio subprojeto quanto dos demais compromissos na universidade, nos
impediram de dedicar a esse trabalho a atenção e o tempo que ele requeria.
Mesmo assim alguns textos foram elaborados e repousam adormecidos à es-
pera de que, num futuro não muito distante, venham a ser despertados. Para
exemplificar, cito alguns deles e seus respectivos autores: Arte e Filosofia: nas
quebradas das ruas, no hall dos grandes museus, de Isabela Carolina Rossi; Liber-
dade na escola, de Júlia Rodrigues Magalhães; Minorias e mudanças sociais: e eu
com isso?, de Mayara F. Fantato da Silva; Ideologia, de Marjorie Helen da Silva.
Durante a vigência do edital anterior (2011-2013), os bolsistas foram
também convidados a escrever uma breve reflexão, como parte da avaliação de
sua participação no PIBID, sobre os impactos do subprojeto em sua formação
profissional e pessoal. Foi interessante e gratificante constatar, não apenas que
todos avaliam positivamente o Programa, como também que aferiram ganhos
muito maiores do que aqueles inicialmente imaginados. Mais uma vez se con-
firmou a importância da manifestação dos estudantes para que se tenha uma
avaliação ampla e objetiva do trabalho realizado. O relato registrado nesses
textos foi em parte incorporado, na forma de excertos, ao texto O protagonismo
da escola pública na formação de professores; a experiência do PIBID-Filosofia
da Unicamp (2011-2013), de nossa autoria, publicado em 2016, como capítulo
I, no volume 6 da Coleção Formação Docente em Diálogo, do PIBID Unicamp
(SILVEIRA, 2016).
182
Essa experiência foi repetida com o grupo atual, que também produziu
uma reflexão sobre os resultados do PIBID em sua formação. Dos que aceitaram
o convite para fazê-lo, três tiveram seus artigos publicados na Edição Especial
Narrando cotidianos e histórias, da coleção supracitada. Os autores e seus res-
pectivos títulos foram: Aline Andrade: O PIBID como agente transformador no
futuro acadêmico do bolsista; Amanda Souza dos Santos: Um novo olhar sobre
a educação; e Daniel Brandão: O PIBID e a reflexão sobre a atividade docente.
Conclusão
Inúmeras outras atividades e experiências foram desenvolvidas ao longo
desses já quase quatro anos de vigência do subprojeto. Relatá-las todas seria
impraticável, em função dos limites deste texto. Cremos porém, que as que
foram apresentadas fornecem uma ideia razoavelmente clara daquilo que foi
e tem sido o trabalho por nós desenvolvido.
De fato, o subprojeto permitiu aos licenciandos vivenciar a docência,
conhecer o funcionamento da escola pública e discutir diversos aspectos e
problemas emanados dessa experiência.
Além disso, depararam-se com a presença de alunos surdos, o que gerou
a necessidade de estudar e conhecer melhor as políticas de inclusão. Essa ex-
periência aguçou nossa sensibilidade em relação a esse problema, para o qual
passamos a olhar com mais cuidado e compromisso.
Tudo isso representou um profundo enriquecimento de formação
profissional dos licenciandos. Eles próprios o reconhecem ao atestarem, una-
nimemente, a importância do PIBID para essa formação. Consideram que
o engajamento na escola proporcionado pelo Programa é qualitativamente
superior àquele obtido nos estágios, pois lhes permite vivenciar uma autêntica
experiência de iniciação à docência. De fato, imersos no dia-a-dia da institui-
ção, deparam-se com situações desafiadoras e educativas que, sem o PIBID,
dificilmente teriam experimentado.
A universidade e, em particular, os cursos de licenciatura, também se
beneficiam dos resultados produzidos pelo PIBID. Além de propiciar uma
maior integração entre a universidade e a escola pública, o Programa também
desafia as licenciaturas por meio do testemunho de seus licenciandos e dos
coordenadores de subprojetos, a repensar e redefinir sua concepção de forma-
ção do professor, incluindo os estágios, a fim de responder mais eficazmente
às necessidades dessa escola. Pode-se inclusive dizer que, por meio do PIBID,
183
a escola participante se converte em protagonista da formação do futuro pro-
fessor, atuando efetivamente no aprimoramento do trabalho realizado pela
universidade. Evidentemente, a consolidação da parceria escola-universidade
é um processo longo, difícil e que exige humildade, vontade política e sincera
disposição para o diálogo. Há muito a ser construído, portanto. E o PIBID
representa um importante avanço nessa direção.
A nosso ver, o PIBID é, na realidade, a iniciativa mais interessante, rica e
produtiva que se produziu no país nos últimos tempos, no campo da formação
de professores. Os resultados obtidos são notoriamente positivos! Por isso, é
fundamental que o Programa seja mantido, aprimorado e ampliado, para que
cada vez mais licenciandos possam dele se beneficiar. Quem sabe ele venha a ser
até inspiração para se repensar a concepção de estágio supervisionado. Ao fim
e ao cabo, quem ganha é o ensino público e, por conseguinte, a sociedade bra-
sileira, que poderá contar com professores mais bem qualificados e motivados.
Referências
LACERDA, Cristina Broglia Feitosa; SANTOS, Lara Ferreira; CAETANO, Juliana
Fonseca. Estratégias metodológicas para o ensino de alunos surdos. In: LACERDA,
Cristina Broglia Feitosa & SANTOS, Lara Ferreira (Orgs.). Tenho um aluno surdo, e
agora? Introdução à LIBRAS e à educação de surdos. São Carlos: EDUFSCAR, 2013,
p.185-200.
LUZ, Renato Dente. Cenas surdas: os surdos terão lugar no coração do mundo? São
Paulo: Parábola, 2013.
NEILL, Alexander Sutherland. Liberdade sem medo – Summerhill: radical
transformação na teoria e na prática da educação. (30ª ed.) São Paulo: IBRASA –
Instituição Brasileira de Difusão Cultural, 1980.
NOVAIS, Elaine Lopes. É possível ter autoridade em sala de aula sem ser autoritário?
Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 7, n. 1, p. 15-51, jan./jul. 2004.
SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. (41ª ed. revista) Campinas: Autores
Associados, 2009.
SILVEIRA, Renê J. Trentin. Abstrata, difícil, inútil: o preconceito contra a Filosofia
e o antídoto gramsciano. Educação e Filosofia, Uberlândia, v. 28, n. 55, p. 99-130,
jan./jun. 2014. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/
article/view/21014/15247. Acesso em: 13/09/2017.
. O protagonismo da escola pública na formação de professores; a experiência
do PIBID Filosofia da Unicamp (2011-2013). In: AYOUB, Eliana; PRADO, Guilherme
184
do V. T., PRODÓCIMO, Elaine (Orgs.). PIBID-Unicamp: interlocuções e ações no
contexto de uma necessária política de formação de professores. Campinas: Edições
Leitura Crítica, 2016, p. 17-42. (Coleção Formação Docente em Diálogo, v. 6)
SNYDERS, Georges. Pedagogias não-directivas. In: SNYDERS, G.; LÉON, A.;
GRÁCIO, R. Correntes actuais da pedagogia. Lisboa: Livros Horizonte, 1984. p. 13-27.
VILLELA, Fábio C. B. & ARCHANGELO, Ana. Sobre o dilema do professor: amar ou
conhecer o aluno. In: VILLELA, F. C. B. & ARCHANGELO, Ana. A escola significativa
e o professor diante do aluno. São Paulo: Loyola, 2014a., p.29-44.
. O enquadre técnico e a crítica ao sistema de normas disciplinares. In:
VILLELA, F. C. B. & ARCHANGELO, Ana. (4ª ed.) Fundamentos da escola
significativa. São Paulo: Loyola, 2014b, p.111-137.
APÊNDICE
O universo do aluno como facilitador da aprendizagem
Amanda Souza dos Santos
Durante meu período acompanhando as aulas de Filosofia em uma turma
do ensino médio, notei de que forma os alunos se envolvem com a disciplina e
como a relação com a professora influencia, positiva ou negativamente, nesse
envolvimento.
Com um cronograma pré-definido, as aulas de Filosofia ocorriam se-
manalmente, e seu conteúdo, já muito condensado, era transmitido de uma
forma tradicional: a professora explicando a matéria, postada em pé, à frente
da sala, algumas leituras e pouco estímulo ao diálogo.
Em uma das aulas, a professora não pôde comparecer, o que abriu espaço
ao nosso grupo para experimentar com os alunos uma nova organização da
sala e fazer a aula em forma de debate. Escolhemos falar sobre gênero e, então,
organizamos a sala em uma roda e nos posicionamos entre os alunos. Isso
permitiu que tivéssemos um contato muito mais próximo deles. Durante todo
o período em que permanecemos na escola, mostraram-se muito interessados
em trocar experiências e pedir ajuda sobre os conteúdos trabalhados.
A aula-debate correu muito bem: os alunos participaram, fizeram per-
guntas, levantaram questões e conversaram entre si, enquanto mediávamos a
discussão. Foi realmente interessante!
Mas era inevitável a comparação entre essa aula diferente e as demais que
tinham na escola e com a própria professora de Filosofia. Revelaram sentir-
-se muito mais confortáveis em fazer perguntas, conversar sobre Filosofia e
aprender a matéria quando percebem que há espaço para apresentarem suas
185
ideias. Além disso, percebiam que nós, bolsistas, conhecíamos melhor seu
cotidiano, o que facilitava a aproximação entre as aulas e a realidade deles,
pois os exemplos utilizados e a linguagem eram próximos daquilo que vivem.
Essa experiência nos fez perceber “na pele” a enorme importância da
relação professor-aluno no processo de ensino e aprendizagem. Pudemos
observar o quanto os alunos valorizam e desejam estabelecer uma relação de
maior proximidade com o professor e também com seus colegas, e o quanto isso
favorece a aprendizagem e o envolvimento deles nas aulas. Essa proximidade
inclui tanto vínculos afetivos – dentro de certos limites, claro, sem perder de
vista a especificidade de cada papel –, quanto o conhecimento pelo professor
do universo cultural do aluno para que se estabeleça um nexo entre o conteúdo
estudado e sua realidade concreta; ou seja, entre Filosofia e vida.
186
as Ciências Exatas. Comecei então a lhe falar da proximidade entre Filosofia
e Matemática, de como a Filosofia historicamente colocou questões para a
Física e de como hoje essa apresenta questões para aquela – por exemplo, as
implicações filosóficas da Mecânica Quântica. A despeito de seu proclamado
desinteresse pela Filosofia, ela achou a conversa bastante interessante. Creio que
isto ocorreu devido à abertura de um espaço de autoinvestimento na Filosofia,
que até então não lhe havia sido possibilitado.
O segundo episódio foram os debates que organizamos em sala de aula
e que produziram um surpreendente envolvimento da turma, esta em geral
bastante inerte. A participação foi tamanha que o grupo chegou a propor que
esse tipo de aula ocorresse rotineiramente. Embora essa estratégia didática
tenha também suas limitações – principalmente no que se refere ao risco de
se perder o fio condutor do conteúdo programado –, o entusiasmo dos alunos
com temas mais próximos de sua realidade e que se articulam direta ou indi-
retamente com a Filosofia é digno de nota. Certamente, pode ser uma forma
– embora não a única – de construir pontes que favoreçam a aproximação entre
os alunos e a Filosofia. Para mim, é muito importante explorar a possibilidade
de fazer uma aula, um conteúdo aparecer como algo passível de investimento
subjetivo, algo em relação a que o estudante possa “se posicionar”. O PIBID
me permite refletir sobre isso e me fornece subsídios para construir maneiras
de colocar este princípio em prática.
Vivências e lutas
Daniel Akos
A experiência propiciada pelo PIBID é, sem dúvida, enriquecedora e
construtiva. Ela nos mostra as várias faces de uma escola, incluindo aquela
de um ambiente disciplinador e autoritário naturalizado. Capacitar o futuro
professor para observar, compreender e agir nessa estrutura escolar é, a meu
ver, o maior ganho propiciado pelo PIBID.
Percebo que nosso trabalho torna o dia-a-dia dos alunos na escola mais
feliz, menos comum, mais interessante e instigante. Todavia, ainda é motivo
de angústia perceber a presença de modelos de dominação simbólica: grades,
regras, punições, ausência de participação dos alunos nas decisões e na cons-
trução do espaço político específico da escola. De fato, o ambiente escolar é,
no sentido foucaultiano, disciplinador43.
43 Para Foucault, em Vigiar e Punir “esses métodos que permitem o controle minucioso das
operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma
187
Por diversas vezes tentamos propiciar experiências fora do comum
aos alunos, esperando que, no futuro, o fora do comum se torne o comum.
Intervenções críticas nas aulas, oficinas filosóficas, debates, filmes seguidos de
discussões, exposições e conversas pessoais enriquecem e temperam a relação
entre bolsistas e estudantes e entre esses e a Filosofia.
Enquanto atuamos, constituímo-nos como docentes, adquirindo reper-
tório pedagógico e colecionando vivências para quando viermos a ser profes-
sores. Ao mesmo tempo, buscamos ajudar os alunos a “sair da caverna”44 por
meio de uma educação crítica, problematizadora. Ou seja, o PIBID nos mostra
que não precisamos nos submeter à desumanização, às estruturas e sistemas
de controle e que, ao contrário, podemos oferecer aos estudantes uma edu-
cação libertadora – no sentido freireano45 –, que lhes ofereça elementos para
deixarem de ser politicamente passivos e para que assumam a soberania de
suas vidas – individuais e coletivas –, de sua liberdade, de seus destinos. Para
que isso ocorra, porém, é preciso luta, pois não é essa educação que a escola,
como um todo, privilegia.
Mas o PIBID nos dá uma perspectiva esperançosa, que nos faz acreditar
que é possível ao professor atuar apaixonadamente, apesar das inúmeras di-
ficuldades; que a resistência não é fútil nem inútil; que o entusiasmo realista
vale a pena; que a criatividade é nossa aliada; que se não podemos tudo, pelo
menos podemos fazer aquilo que está em nossas mãos.
Cárcere
Leonardo César Ribeiro Leite
Trrrrrrrm. O sinal tocando me arrepia e não me deixa dúvidas: estou de
volta à prisão. O endereço não é o mesmo de meus tempos de regime semi-
-aberto. Tampouco estou preso. De encarcerado, agora me vejo como um bom
advogado. Ainda presto contas à delegada e ao juiz, mas carrego informações
valiosas que podem libertar todos os que, neste prédio, também são forçados a
prestar contas. Caminho pelo corredor gélido e de cores frias. A falta de ilumina-
ção e os gritos vindos daquilo que ousam chamar de agravam minha ansiedade.
188
Ao chegar em frente à cela, sinto uma vontade insana de ir ao banheiro.
Corro por todo o corredor e, ao abrir a porta do vestiário, sou violentamente
estapeado pelo cheiro de urina. Como podem deixar esse lugar às traças, sendo
que diversas pessoas o frequentam? Prendi a respiração, entrei e saí o mais
rápido que pude. Acelerei o passo para cumprir com minha atividade do dia.
Finalmente, invadi a sala sob o olhar atento daqueles que clamam pela
liberdade.
- Bom dia, meu nome é Leonardo e os acompanharei durante este ano.
Por um curto momento consegui prender a atenção de todos. A curio-
sidade por eu ser uma nova atração fez com que se calassem. Alguns olhavam
com temor, outros com esperança. Sentei-me e virei meus olhos, observando
os muros altos com rolos de arame farpado. Aquilo me dava aflição, mas a von-
tade de trocar experiências me encorajava a ficar ali. Tentei passar confiança,
mas ainda era cedo para que se abrissem. Alguns pareciam ansiosos por ouvir
o sino que os libertaria por vinte minutos. O banho de sol era claramente seu
momento favorito. Fiquei calado durante este primeiro dia. Não sabia ao certo
como intervir, então dediquei-me apenas a ouvir. Talvez isso os tenha feito
perceber que eu me importava com suas vozes. Naquele primeiro contato me
lembrei de algo que não me vinha à cabeça há cinco anos: se a educação liber-
ta, a escola prende. Minha vontade de mudar esse conceito de prisão gritou.
E isso só foi possível por eu ter voltado a essa instituição, ainda que, agora,
incumbido de uma nova função: a de professor. Indo embora o coração bateu
mais forte, ansioso pelo retorno.
189
Já nas primeiras semanas de acompanhamento de uma turma de Filoso-
fia, o contato com o cotidiano escolar deixou evidente a urgência de repensar
minha concepção de Educação, abrangendo desde a forma como as aulas são
planejadas, até como a figura do aluno é construída. Isso porque, de um modo
geral, percebo que suas demandas, indagações, necessidades, assim como sua
bagagem cultural, não são consideradas pela escola. Além disso, o próprio
espaço físico do colégio, com suas paredes brancas e frias, grades, cadeados
e portas limitando e determinando o caminho que os alunos devem seguir,
revelam como este ambiente pode ser também aprisionador.
Fazer parte desse cotidiano, mesmo que ainda de forma tímida e muitas
vezes apenas observando, ainda sem saber ao certo como devo me posicionar
em diversas situações, deixam em mim, apesar de todas as dificuldades e dos
inúmeros momentos de desilusão, a vontade de mudar e de construir uma
Educação que acredito ser verdadeiramente boa. É essa vontade me faz voltar
à escola todas as semanas, sempre ansiosa por inventar e pôr em prática uma
outra forma de ensinar e aprender.
190
“Ser” professor em saúde e a formação dos
trabalhadores técnicos de nível médio de Enfermagem
Renata Belarmino
Supervisora do subprojeto Enfermagem do PIBID-Unicamp
Escola Técnica de Paulínia
191
A luta para garantir maior visibilidade à Licenciatura em Enfermagem
como formação que complementa o perfil profissional do bacharel em Enfer-
mangem vem de longa data. Superar o viés que tende a perpetuar a inserção
periférica da Licenciatura no projeto pedagógico da Enfermagem é questão
crucial e impostergável (CORRÊA & SORDI, 2016).
As tensões que cercam as políticas de saúde acirradas pela inconstância dos
tempos políticos atuais sinalizam os riscos que o Sistema Único de Saúde (SUS)
enfrenta e alguma reação precisa ser engendrada pelos profissionais da área.
A pertinência desta luta e compreensão das especificidades desta docên-
cia traz ao campo da formação de professores em saúde grande complexidade
posto que, simultaneamente, se requer do professor expertise na lide com os
saberes pedagógicos e compromisso social com uma docência capaz de formar
trabalhadores motivados para atuar política e tecnicamente na assistência dos
cidadãos brasileiros dependentes do SUS. Que tipo de formação é requerida
quando se trata de empoderar futuros trabalhadores técnicos de nível médio
para o cuidado de vidas humanas?
O tempo de reflexão necessário para que uma docência crítica e politi-
camente posicionada ganhe visibilidade parece cada vez mais reduzido e as
consequências não podem ser desprezadas. A valorização de uma qualidade
educacional detentora de pertinência social confronta-se com a cultura da
performatividade resultante de práticas gestionárias eficazes e vorazes em voga
(BALL, 2005). A proposição de um PIBID implicado com esta causa faz todo
sentido e se coaduna com o movimento de mudança paradigmática proposta
pelas Diretrizes Curriculares Nacionais – DCNs para a área da saúde, esten-
dendo seus princípios para os trabalhadores técnicos de nível médio.
Deriva daí o eixo norteador que escolhemos para a experiência do PIBID-
-Enfermagem da Unicamp. A proposta pauta-se num dos temas mais relevantes
na saúde brasileira “a humanização” no atendimento em saúde. A estratégia
é simultaneamente estimular a escola e os futuros professores para o planeja-
mento de ações didático pedagógicas capazes de transformar, positivamente, a
inserção dos futuros egressos nos cenários da saúde, compreendendo-os como
trabalhadores capazes de afetar a linha do cuidado.
O número de técnicos de enfermagem no Brasil é de 1.093.840 de pro-
fissionais, segundo Conselho Federal de Enfermagem - COFEn46. Trata-se de
um grande contingente de profissionais atuantes na área do cuidado, o que
afeta a imagem da Enfermagem como profissão comprometida com os direitos
192
de saúde da população. O técnico de enfermagem, historicamente, por força
da lógica que orienta as escolas formadoras, carrega uma postura mecânica
e via de regra submissa em relação aos demais trabalhadores. Esta posição é
reforçada pela estrutura ainda hegemônica dos serviços de saúde, que valoriza
procedimentos de grande complexidade técnica, reforçando certa hierarquia
entre saberes/poderes, diferentemente distribuídos entre os profissionais da
área, com destaque ao médico.
Os cursos de formação de técnicos em saúde, predominantemente
desenvolvidos em escolas privadas, têm sido “formatados” para produzir
trabalhadores aptos a realizar procedimentos sem incluir a necessária criti-
cidade frente ao seu fazer. Os princípios do Sistema Único de Saúde - SUS,
ordenadores da formação em saúde, se confrontam com este direcionamento,
defendendo que a formação crítica-reflexiva se estenda a todos profissionais,
sem distinção.
Quando consideramos o poder de ação do profissional técnico em
Enfermagem, precisamos avaliar os impactos que sua formação tem e como,
direta ou indiretamente, influenciam na saúde da comunidade. Muitas vezes, a
percepção de sua importância no processo do cuidar não é explícita e os alunos
(futuros trabalhadores) podem não perceber sua relevância para a feição do
sistema da saúde, pois estão na linha de frente do cuidado, afetando o jeito
de produzir saúde. Uma formação que contemple apenas a dimensão técni-
ca, ainda que de suma importância, é insuficiente. Incorporação de debates
sobre questões políticas, éticas, sociais, culturais, relacionais que considerem
o respeito ao usuário, individual e coletivo, dependentes do SUS, além do
respeito a si próprios como partícipes de uma equipe de trabalho, são signos
de uma boa formação em saúde.
Pode-se inferir o caráter inédito do eixo do PIBID-Enfermagem ao con-
ceber e fomentar práticas docentes implicadas com a ampliação dos potenciais
destes futuros trabalhadores, fortalecendo-os para uma inserção no mundo do
trabalho em saúde, na qual assumam protagonismo na luta por uma assistência
digna, resoluta, humanizada, integral, garantida para todos os usuários, sem
discriminação de nenhuma espécie.
Embasados nesta intencionalidade, constituímos nosso grupo (uma
supervisora, oito alunos da Licenciatura e uma coordenadora de área) que
desenvolve seus trabalhos em escola cujo projeto pedagógico mostra-se sensível
ao eixo norteador do PIBID.
193
2. A escola que nos acolhe em nome de um novo agir pedagógico em saúde
A intencionalidade da escolha nasce de parceria anterior ligada aos es-
tágios da Licenciatura. Trata-se do curso de Enfermagem da Escola Técnica
de Paulínia (ETEP). As primeiras atividades da ETEP datam de 1995, com o
curso técnico em Química. O curso de Enfermagem em nível profissionalizante
na modalidade pós-ensino médio existe na cidade desde 1990. Inicialmente,
destinava-se à formação básica de auxiliar de Enfermagem, cujas aulas eram
ministradas no Hospital Municipal de Paulínia e no CEMEP.
O corpo discente da ETEP é constituído por 319 alunos: destes, 185
cursam o nível médio no período matinal e o técnico em Química no período
vespertino. O curso técnico em Química (período noturno pós-ensino médio)
conta com 104 alunos. O curso técnico em Enfermagem no período matutino
dispõe de 30 vagas.
O ingresso do aluno se dá por meio de processo seletivo, sendo o de téc-
nico em Química anual e o de técnico em Enfermagem bianual. A matrícula
para o ensino médio em 2017 contou com 78% dos alunos provenientes da
rede privada contra 22% da rede pública de ensino (SECRETARIA DE EDU-
CAÇÃO, PAULÍNIA, 2017).
Os ingressantes no curso de Enfermagem em 2017 apresentam como
característica alto tempo de afastamento da atividade educacional regular
(23,3% da turma concluiu o ensino médio no intervalo entre 16 a 25 anos e
26,7% entre 11 a 15 anos). Ressalta-se que 13,3% dos estudantes já possuem
formação universitária e outros 20% têm formação técnica em outra área. Esses
dados condizem com uma reconfiguração no mercado de trabalho e remetem
ao momento econômico nacional, que produz mobilidade e busca por novas
formas de empregabilidade. Emerge o interesse pela área da Enfermagem
como possibilidade de inclusão no mercado. Este perfil impõe novos desafios
à docência, pautados no reconhecimento da pluralidade de experiências.
Os alunos de Enfermagem usufruem da privilegiada estrutura física da
ETEP, favorecedora de uma formação integrada, interdisciplinar e holística tais
como: dois laboratórios de enfermagem, um auditório, uma sala de multimeios,
um refeitório, uma cozinha, uma biblioteca com terminais de acesso à internet,
uma sala de equipamentos de educação física, uma quadra de esportes com
banheiros e vestiários, um campo de futebol e um ambulatório.
O curso de Enfermagem conta com seis professores, sendo três licen-
ciados e três com mestrado. A admissão dos professores é feita por concurso
público, mas no caso específico do curso de Enfermagem, os professores advêm
194
também da área da saúde, o que cria um processo árduo de adaptação, já que
nem todos têm preparo para a docência. Esta situação reforça a importância do
PIBID de modo a contribuir para a capacitação de alguns destes profissionais/
professores, sob outra lógica, mais aderente ao paradigma clínico-epidemio-
lógico em saúde, diminuindo o viés da formação hospitalocêntrica, que gera
práticas do cuidado reiterativas e acríticas socialmente.
Cabe destacar que esta composição híbrida da equipe de professores
vem crescendo, deslocando a centralidade dos professores lotados na escola,
o que afeta o desenvolvimento do próprio projeto pedagógico do curso. Esta
transição expressa o processo de precarização do trabalho docente, acarretando
certo tarefismo, subtraindo o tempo do trabalho coletivo, contribuindo para
a perda da identidade de professor e o aligeiramento das rodas de conversa,
fundamentais para que se agenciem as novas formas de ensinar e aprender
em saúde.
O plano de curso da enfermagem pauta-se por uma concepção filosófica
de trabalho integrado e com formação educacional pluralista, mantendo os
princípios teóricos e ético-políticos calcados no desenvolvimento da integra-
lidade do ser humano no que tange à problemática da concepção de saúde-
-doença.
3. O PIBID-Enfermagem em movimento
O PIBID-Enfermagem teve início em fevereiro de 2014. Ao longo dos
anos, diferentes atividades foram executadas e beneficiaram vários atores, a
depender do âmbito da abordagem. As atividades pedagógicas incluem desde
a participação dos alunos em projetos da unidade escolar, passando pelo pla-
nejamento pedagógico, até atividades de aula teórica e prática com a finalidade
de relacionar a formação educacional com as necessidades de saúde do sistema.
Envolvem rodas de conversa, estudo de textos, acompanhamento em aulas de
reforço, estudos do meio, projetos de extensão junto à comunidade escolar
sobre diversos temas de saúde e campanhas educativas.
À medida em que a inserção do PIBID-Enfermagem foi se consolidando
e estreitando o vínculo entre os atores da escola e do PIBID, optou-se pela
propositura de atividades que extrapolassem os muros da ETEP, entre as
quais citamos seminários que envolveram outras escolas de ensino técnico de
nível médio em saúde. Buscava-se ampliar a zona de repercussão do PIBID-
-Enfermagem e de legitimidade da ETEP na orquestração de mudanças nesta
modalidade de ensino.
195
Percebe-se no Quadro 1 que as atividades desenvolvidas mantêm foco
constante: desenvolver diferentes olhares sobre o SUS, avançando dentro de
seus princípios doutrinários e intensificar o envolvimento da escola e seu pro-
tagonismo na capilarização junto a outras escolas técnicas de Campinas/região.
196
No processo de repensar e reestruturar o currículo, os bolsistas apren-
deram sobre as condições objetivas de trabalho que obstaculizam avanços
mais substantivos das práticas pedagógicas que dependem do encontro entre
os atores. Aprenderam que, apesar destes constrangimentos, é mister avançar
rumo a uma formação mais humana e eticamente implicada. Formação que
depende do engajamento dos professores e da releitura das práticas favorecidas
pela avaliação processual.
Diversos desafios são enfrentados quando processos formativos enve-
redam pelo campo da inovação em Educação e em Saúde e que envolvem a
integração de saberes, antes fragmentados nos currículos conservadores, obje-
tivando a formação de indivíduos capazes de articular teoria e prática, de modo
contextualizado, e visando formar profissionais capazes de intervir criticamente
na realidade. Nesse ínterim, educar envolve a criação de possibilidades para
a construção e produção de conhecimentos de forma integrada, não somente
da aprendizagem de conteúdos, mas também da formação ética dos educan-
dos. Transformar o currículo com o intuito de reconfigurar um processo de
ensino de modo a que este se revitalize rompendo com práticas mecânicas e
sem significado para os estudantes em formação foi decisão assumida pelo
coletivo do curso, tentando romper o isolamento disciplinar e/ou esforços
integradores que não alteram a lógica do que se integra. Integrar simplesmente
conteúdos biológicos não afeta a matriz formativa do técnico de enfermagem
na perspectiva dos requerimentos do SUS. Integrar a matriz curricular é fazê-la
gravitar em torno de saberes e valores capazes de subsidiar ações e interven-
ções que rompam com o tecnicismo na formação dos trabalhadores de saúde
e os recoloque na cena do cuidado em uma perspectiva mais ampla, prenhe de
competência técnica e ética, construídas de forma indissociável.
A ação avaliativa do curso visava desvelar as críticas positivas e negativas
dos estudantes em relação às experiências, a partir do currículo integrado e,
simultaneamente, captar as aspirações dos estudantes em relação à profissão
de técnico de enfermagem. Os bolsistas do PIBID foram responsáveis pela
mediação do encontro.
Uma das tônicas mais referidas foi a satisfação pessoal relacionada ao
próprio curso. Destacou-se a qualificação docente, a didática atualizada, o
uso de metodologias adequadas, a distribuição dos conteúdos curriculares e a
consistência das disciplinas. Alguns dos estudantes mostravam-se descontentes
com a progressão dos conteúdos e comparavam seu progresso com o de outras
escolas que possuem currículo convencional, como forma de justificar que se
sentiam “atrasados” em relação a estes. Em várias intervenções, os estudantes
197
pareciam avaliar a qualidade do aprendizado pela ótica estritamente técnica,
ligada aos procedimentos. Pouca referência era feita aos benefícios da forma-
ção crítica nem tampouco foi valorizado o que havia sido transmitido pelos
professores com relação ao cuidado numa visão mais ampla, considerando a
individualidade e necessidades dos usuários.
Certa apreensão tomou conta da cena, posto que aparentemente a
aventura do currículo integrado parecia não ser aprovada pelos estudantes.
Acolhidos em suas queixas, sentindo-se sujeitos no e do processo, outras
vozes foram se somando, mesclando-se e outras visões foram agregadas.
Alguns dos alunos conseguem compartilhar suas preocupações não apenas
com o domínio da técnica, mas também com relação ao contato direto com o
paciente, confessando dificuldades em abordar e lidar com questões trazidas
por eles. Nesse contexto surge a valorização do conhecimento de cunho social,
principalmente sobre ética e sociologia que foram abordados no primeiro
semestre. Apesar da priorização do saber técnico, os alunos revelam critici-
dade em perceber que sua formação deve ser mais ampla. Ter profissionais
com a formação adequada no âmbito técnico e ético reverbera na construção
de uma saúde digna para o indivíduo, que consequentemente influencie na
qualidade de vida de toda a comunidade que o cerca, afetando positivamente
a coletividade e em seu bem-estar.
Muitos depoimentos se mostraram a favor do currículo integrado no que
diz respeito a compreender novas dimensões, como a correlação entre temas
que antes pareceriam não possuir nenhuma ligação. Para eles, a nova meto-
dologia favorece o raciocínio, e a interligação dos temas dão um sentido mais
lógico, deixando de ser apresentados sem correlação. O mais festejado pelos
bolsistas foi o envolvimento dos estudantes com a qualificação do curso e sua
manifestação de que aprenderam sobre sua importância frente aos usuários.
Movimento que fala em favor de uma aprendizagem cidadã.
198
o reconhecimento do técnico de enfermagem como ator estratégico para outro
modo de cuidar. Quem disse que formar professores em saúde seria tarefa fácil?
(...) Fiquei intrigada com essa dificuldade de narrar. Talvez, por querer impres-
sionar com palavras bonitas e embasamento teórico que estamos acostumados
cotidianamente em escritos acadêmicos. Talvez, por achar que sem um alicerce em
algum texto, pesquisa ou documento, a possibilidade de uma escrita de qualidade
poderia ser mínima.
(...) Quando adentrei o bacharelado em Enfermagem, foi uma das melhores e
ao mesmo tempo a mais apreensiva escolha que fiz, uma inquietação enorme de
como essa graduação me afetaria. Desde o primeiro semestre ouço para lutarmos
por uma enfermagem empoderada para que não sejamos mais um profissional
no mercado de trabalho, mas sim, “o” profissional. (...) Sem muito tempo para
pensar, a carga horária extensa do curso torna limitado meu cotidiano. Relatórios,
seminários, avaliações e referências a serem lidos em massa se acumulam cada vez
mais. Mas não são apenas as matérias da graduação que farão com que eu seja
um profissional capacitado, muito menos crítico e reflexivo se eu me restringir aos
conteúdos da grade curricular e ao pensamento de que um coeficiente de rendi-
mento demonstra meu desempenho acadêmico. Algumas disciplinas são deixadas
de lado para poder suprir outras; às vezes sinto até culpa quando escolho conviver
com minha família, pois isso me impede de estudar mais e mais.
(...) Após muitas reconstruções de pensamentos, me permiti fazer parte de um pro-
grama que vai além do bacharelado, mas que sofreu forte influência dele em todo
o contexto de sentimentos e falta de tempo. Isso, possivelmente, é a causa da pouca
procura dos estudantes e de muitas desistências dos discentes do PIBID, o que
possivelmente pode dar um caráter desorganizado ao projeto e de desvalorização.
(...) Minha condição de aluno à posição de docente conota uma imensa responsa-
bilidade e construção do primeiro passo como professor. A insegurança é predo-
minante, e principalmente o planejamento da aula é analisado inúmeras vezes.
São 30 alunos, 30 futuros profissionais cuja forma de ensinar deve estar além de
apenas a transferência do conhecimento. Cada um possui diferentes contextos.
Diferentes pessoas, diferentes formas de aprender. Um dos princípios do SUS é
a equidade, e na Educação não deve ser diferente na adaptação do método de
ensino para que as dificuldades do discente não sejam um empecilho em sua
relação com o aprendizado.
(...) No Brasil, a área de enfermagem é constituída por cerca de 77% técnicos e
auxiliares e 23% de enfermeiros, assumindo a posição da segunda maior categoria
profissional na saúde. Precisamos entender a importância desses profissionais,
assim como o da docência que contribui para a formação deles.
(...) O docente ao cometer falhas massacra a curiosidade, a vontade de aprender, o
conhecimento e as expectativas do educando. A valorização da dimensão humana,
a predominância técnica, a superação do comodismo e as limitações na prática
pedagógica são temas imprescindíveis a serem discutidos.
( ...) Ainda não consigo desvincular o meu papel de aluno com o meu de profes-
sor. Será que devo? Talvez se colidam por estar atuando nas duas funções nesse
momento. Talvez...não sei.
199
(...) Infelizmente, essa desvalorização no prestígio profissional e nas condições de
trabalho é um dos fatores limitantes no ensino de qualidade que estamos debaten-
do, e a responsabilidade é de toda sociedade, discutindo, no mínimo, as propostas
insensatas para os cortes no investimento em educação e os belos discursos sociais
que não passam da teoria.
(...) Penso que não há coerência se meu aluno tiver notas altas e não souber lidar
com o indivíduo de forma integral e humanizada. Como ensinar os princípios e
diretrizes do SUS se nem ao menos discuto a influência da conjuntura política
na saúde e os benefícios desse sistema universal que mesmo com imensas dificul-
dades e reclamações possui uma importância e uma potencialidade imensa para
população se houvesse mobilização e militância? Não são apenas os conteúdos das
disciplinas que o currículo impõe que fomentarão articulações críticas e reflexões
de forma construtiva. A sofisticação de uma aula ou a plenitude do conhecimento
do professor é restringido se não houver a capacidade de colocar as informações
em um contexto de forma integrada e uma visão com capacidade de compreender
o conjunto e reconstruir a percepção do mundo. Aprendi isso lendo Morin.
(...) Minha primeira vez como docente em uma sala de aula foi valiosa experiência.
Havia preparado meus materiais, havia planejado fazia umas duas semanas.
Borboletas no estômago surgiam, e não era sinal de paixão, mas de receios. O en-
graçado foi elaborar o mesmo conteúdo da graduação, exatamente do dia que não
prestei atenção por estar estudando para a prova que eu teria posteriormente. Fiz
alguns slides contendo os ícones principais que eu falaria, e especialmente fazendo
com que o assunto integrasse diversos aspectos e contextos que nos cercam. Afinal,
discutíamos muito a nova proposta de currículo integrado na ETEP, nada mais
justo que realizar um planejamento de aula de acordo com esse eixo. Ao chegar,
fiz minha apresentação aos alunos com intuito de criação de vínculo. Parecia
que eu estava passando por uma prova de acordo com o perfil de docente que eu
mostraria. Incrivelmente, a participação da sala foi grandiosa, o que me remeteu
a ter confiança no que estava dizendo. Parece abstrato quando digo isso, mas a
dinâmica da minha aula de algum jeito fez com que eles se sentissem livres para
expressar qualquer curiosidade, opinião ou dúvida na sala. Talvez transmiti o
meu sentimento de como eu gostaria que um professor fosse. E eles me aprovaram:
“É bem-educada, gostei de você”; “Soube lidar bem com os alunos”. “Parabéns,
até perdi o sono!!!”. “Aula dinâmica com abertura para debates e tirar dúvidas”.
Aparentemente, vi que minha aula se diferenciava, mas não ao ponto de merecer
tantos elogios. Me surpreendi.
(...) Ser professor não é sinônimo de superioridade em relação ao aluno. Ser en-
fermeiro não é sinônimo de superioridade em relação aos técnicos e auxiliares.
Nenhuma profissão é inferior à outra. Trabalhando isso com os alunos, produzo
empoderamento da profissão e é essencial que eles reflitam sobre seu direito à
educação de qualidade. Caros alunos, vocês é quem fazem a aula, e independente
da plenitude do professor no conhecimento em relação aos assuntos, isso é insig-
nificante se não houver a participação crítica e reflexão de vocês na construção
da sua formação profissional diferenciada.
(...) Onde me enfiei? São tantos vieses e me sinto desafiada à superação dessas
barreiras para lutar pela recuperação da autoestima profissional. Ser professor e
200
enfermeiro ao mesmo tempo é o dobro de dificuldades (suspiros sinceros). Possuo
uma enorme contribuição como docente na formação de profissionais da saúde.
Você e eu somos também esse usuário da saúde e penso sobre como gostaríamos
de ser tratados. Esse futuro profissional que poderá estar nos atendendo amanhã
talvez tenha passado por mim como docente.
(...) Posso ter sido clara no que escrevi, como posso ter feitos desvios na formalidade
procurando sinônimos no Google de tantas palavras iguais que utilizei. Posso ter
acrescentado em sua leitura, como não ter feito alguma diferença. O que importa
realmente é ter feito você repensar, junto comigo, mesmo que minimamente, o
ensino-aprendizagem em saúde.
Referências
BALL, Stephen J. Profissionalismo, gerencialismo e performatividade. Cadernos de
Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 126, p. 539-564, 2005. Disponível em: <www.scielo.br/cp>.
COFEn, Conselho Federal de Enfermagem. Enfermagem em números. Disponível
em: <http://www.cofen.gov.br/enfermagem-em-numeros>.
CORRÊA, Adriana. K. & SORDI, Mara R.L. De onde vêm e para onde vão as
licenciaturas em Enfermagem: implicações com a formação do trabalhador técnico
de nível médio no contexto do SUS. In: CORRÊA, A.K. & SOUZA, M.C.B M. (Orgs.).
Formação de professores em debate: educação superior, educação profissional e
licenciatura em enfermagem. Curitiba: CRV, 2016, p.133-155.
PREFEITURA MUNICIPAL DE PAULÍNIA. Secretaria de Educação. Divisão de
Supervisão do Ensino Médio e Profissionalizante e EJA - DISEMP. Unidade Escolar
- Escola Técnica de Paulínia. Paulínia: 2017.
201
Experiências e experimentos em ensino de Física
Alessandra da Cunha
Supervisora do subprojeto Física Moderna do PIBID-Unicamp
Escola Estadual Professor Djalma Octaviano
Marli Morceiro
Supervisora colaboradora voluntária do subprojeto Física Moderna do PIBID-Unicamp
Física e o PIBID
O PIBID é um programa revolucionário nas relações entre a Educação
Básica, o Ensino Superior e os licenciandos nas mais diversas áreas. Antes do
PIBID, as relações entre as escolas e os centros de formação de professores
ocorriam ou em estágios observacionais dos licenciandos – com poucas in-
tervenções em classe ou discussões com os professores da Educação Básica
– ou por contatos pessoais entre docentes universitários e professores da
Educação Básica que tinham sido formados pelos docentes ou que já haviam
trabalhado juntos, em geral em projetos de pesquisa e/ou de extensão. O
Programa PIBID ampliou essas possibilidades, estabelecendo novas relações
no espaço escolar.
203
Nesse texto iremos buscar recuperar as experiências dos bolsistas PIBID,
professores e supervisores das escolas, bem como os alunos da Educação Básica,
no sentido de aproximar da Física com um viés de medidas experimentais e
uma prática educacional ativa envolvendo todos os participantes do projeto.
A Física é o ramo das Ciências da Natureza com o menor número de
professores licenciados em sua área atuando no ensino. Segundo dados do
Observatório do Plano Nacional de Educação em 2016, 28,3 % dos professores
de Física atuando no país tinham licenciatura ou bacharelado com comple-
mentação pedagógica em Física (OBSERVATÓRIO, 2016). Aproximadamente
3/4 dos professores de Física não possuem formação inicial na área.
Em uma comparação entre diferentes grupos de bolsistas, Paredes e Gui-
marães (2012, p.270) observaram que os bolsistas PIBID das áreas de Biologia
e Química esperam que seja possível e importante “ampliar o repertório das
práticas desses futuros professores” e “aproximar estes resultados do contexto
da sala de aula, mediante o aprofundamento de conteúdos trabalhados sobre
várias temáticas e a transposição didática necessária para sua utilização”. Já a
visão dos bolsistas da área de Física considera possível “potencializar o desen-
volvimento de projetos de docência e investigação nas escolas do nível básico
da rede pública”. Nesse sentido, os bolsistas de Física justificam a necessidade
de preparar profissionais para atender à realidade escolar atual. Esse prag-
matismo é presente nos diferentes níveis instrucionais de Física, sendo que
o programa PIBID tem como uma de suas possibilidades refletir sobre o que
significa o processo de ensino e aprendizagem em uma área de conhecimento
que, de forma incorreta, costuma ser associada à um excesso de formalismo
matemático e um alto nível de abstração.
Visando aproximar os bolsistas das escolas com uma visão mais expe-
rimental e cotidiana da Física, trabalhamos em duas escolas distintas: uma
localizada em zona central (EE Prof. Aníbal de Freitas) e outra em uma região
entre o centro e a periferia (EE Prof. Djalma Octaviano), ambas escolas públi-
cas estaduais situadas na cidade de Campinas, SP. Do ponto de vista arquite-
tônico, as duas escolas são bem distintas: a escola Aníbal de Freitas apresenta
dois andares, com as salas de aula circundando a quadra poliesportiva; essa
escola apresenta pouco espaço para biblioteca e não possui uma área para
laboratórios. Já a escola Djalma Octaviano é térrea, com dois prédios longos
paralelos, um associado às salas de aula e o outro aos laboratórios, biblioteca
e à infraestrutura administrativa da escola. Apresenta um grande espaço não
ocupado em torno das edificações.
204
Em ambas as escolas, parte das tarefas do PIBID esteve relacionada à
participação dos bolsistas em aulas práticas e teóricas. A maior diferença foi
que a escola Aníbal de Freitas tinha as aulas do Ensino Médio pela manhã,
possibilitando o uso de salas e do tempo do contraturno no período da tarde,
onde os alunos não tinham aulas e estavam na escola unicamente para ativi-
dades do PIBID, o que permitia um planejamento e uma integração intensa
entre os alunos e os bolsistas.
No presente texto estamos mesclando observações, sensações e memó-
rias dos diferentes atores do PIBID (coordenador, supervisoras e bolsistas),
buscando uma reflexão sobre como o PIBID impacta nas pessoas e nas insti-
tuições envolvidas.
A supervisora do PIBID nessa escola observa que dar aulas não é tarefa
tão fácil quanto são as expectativas na faculdade:
Ali acreditamos que basta preparar uma boa aula, usando variados recursos e
estratégias para ser bem-sucedido, mas a realidade é bem diferente: as classes
são muito heterogêneas, comportando desde alunos considerados de inclusão,
com algum grau de dificuldade de aprendizagem, até alunos perspicazes que já
sabem ou que aprendem muito rápido o que deveriam. (Laura Ramos de Freitas)
205
muito solitária; em geral, não há espaço na escola para se discutir as sequências
de aprendizagem, as estratégias de ensino que são mais adequadas para deter-
minado conteúdo ou turma. O PIBID, ao contrário, proporciona uma cons-
trução coletiva da aula, o que sem dúvida enriquece o processo de preparação.
Mesmo com as estruturas formais das aulas – com programa, cronograma e
currículo a ser seguido –, ainda assim os bolsistas PIBID observavam algumas
aulas e propunham – juntamente com discussão e reflexão com os professores
– atividades relacionadas ao conteúdo que estava sendo estudado. Atividades
estas que complementavam e enriqueciam as aulas.
Já no contraturno, a liberdade era maior: escolhíamos um tema em con-
junto e planejávamos também em conjunto qual a melhor forma de abordar o
assunto proposto. Esses temas não eram necessariamente atrelados ao currículo,
mas sim a conteúdos complementares – ou que raramente são ministrados
– e que podem despertar o interesse dos alunos. No contraturno, caso uma
atividade extrapolasse o tempo previsto, como por exemplo, a abordagem de
aspectos históricos ligados ao tema, isso não era visto como um problema e
sim como uma oportunidade de aprofundamento, o que não é possível na sala
de aula cotidiana devido ao cronograma a se cumprir. Além disso, no contra-
turno, apenas os alunos interessados participavam, o que gerava um maior
comprometimento da parte deles.
Outra vantagem do PIBID é propiciar a convivência dos alunos do
Ensino Médio com jovens universitários, o que ajuda na tarefa penosa – para
a maioria – da escolha de uma profissão. Essa convivência também é muito
profícua para os bolsistas PIBID, os quais entram em contato com a realidade
da escola pública de forma organizada e controlada, podendo conhecer seus
alunos, quais são os seus desejos, as suas dificuldades e dúvidas mais frequentes.
206
Enfrentamos problemas experimentais no desenvolvimento dos espec-
troscópios, tendo sido testados diferentes modelos, o que propiciou discussões
sobre a forma como a ciência se processa. A partir da estabilidade do espec-
troscópio, observamos os espectros luminosos de diferentes tipos de lâmpadas
(fluorescentes, incandescentes, coloridas, LED), buscando compreender a
natureza dos mesmos. Uma caixa com seis lâmpadas de tipos diferentes foi con-
feccionada, tendo como objetivo a caracterização dos espectros luminosos por
parte dos alunos. A embalagens das lâmpadas apresentam muitas informações
físicas (tensão, potência, intensidade luminosa, fonte da luz), permitindo uma
discussão contextualizada sobre o que essas informações significam. Em uma
etapa posterior, essas informações podem ser associadas aos espectros obser-
vados, permitindo identificar a embalagem de cada uma das lâmpadas.
Buscando ressaltar as diferenças e os avanços que a tecnologia propicia
nas medidas científicas, o espectro de cada lâmpada foi medido com um es-
pectrofotômetro profissional no Laboratório de Ensino de Ótica da Unicamp.
Novamente, os alunos foram convidados a analisar os espectros quantitativos e
relacionar com suas observações qualitativas, bem como identificar a lâmpada
correspondente.
No final de um dos semestres de nossas atividades, os alunos foram até
à Unicamp, onde apreciaram uma exposição no Museu de Ciências da Uni-
camp sobre “Luz e Cor” e também foram conhecer o Laboratório de Ótica
onde os espectros haviam sido obtidos. Propusemos a observação do espec-
tro de um laser. A característica principal de um laser, simplificadamente, é
emitir luz em uma única frequência característica. Antes de conectar o laser
ao espectrofotômetro perguntamos a um dos alunos que estava com o laser
o que ele esperaria do espectro. Ele nos olhou entediado, e disse que seria
um pico próximo dos 600 nanômetros. A descrição qualitativa e a medida
quantitativa da frequência (ou seja, da cor) corretas nos indicaram que, sim,
é possível trabalhar conceitos de Física Moderna como os alunos do Ensino
Médio, desde que se respeitem os tempos escolares para que esse aprendizado
seja internalizado pelos estudantes.
207
esportiva. Essa escola está localizada na cidade de Campinas, em uma região
de transição entre o centro e a periferia.
Sob o aspecto administrativo, é uma das unidades de ensino integral no
Estado de São Paulo. Apresenta um claro objetivo de formar alunos protago-
nistas e contribuir de forma efetiva na construção do futuro de seus alunos,
buscando estabelecer fundamentação e sentido nas relações entre a escola e
seus educandos.
Na visão dos professores da escola, o PIBID de Física da Unicamp veio
para somar, com uma proposta que vem ao encontro do objetivo da escola.
Formada por uma equipe eficiente, com alunos dispostos a encarar desafios,
colabora muito no desenvolvimento dos conceitos da Física. Assim, distribuí
dos nas aulas conceituais e práticas, os alunos bolsistas agregaram, além de
conhecimento, vivência, de forma que foi perceptível no final de cada semestre
a satisfação na troca, crescimento dos bolsistas, alunos da escola e professoras
de Física. Os alunos bolsistas estabeleceram uma proximidade entre Univer-
sidade e a escola, mostrando aos alunos que é possível a concretização de
seus projetos de vida que o acesso a uma universidade pública e de qualidade
não é inatingível. Em contrapartida, os estudantes do PIBID ganharam a ex-
periência da realidade de uma escola pública, lidando com suas dificuldades
estruturais e suas deficiências, auxiliando na formação acadêmica diante de
uma heterogeneidade.
Na Djalma Octaviano não existia contraturno, pois a escola funciona
em período integral. Sendo assim, foi necessário buscar outras formas de in-
tegração dos bolsistas com a escola, as quais foram estabelecidas em comum
acordo entre a supervisora e os demais professores da escola, juntamente com
os bolsistas. O PIBID iniciou suas atividades dividindo sua atuação nas aulas
teóricas, aulas de laboratório, Clube Juvenil e disciplina eletiva.
208
(...) aprendizados inimagináveis e situações marcantes como quando um aluno fala
com propriedade que entendeu sua explicação, que gostou da sua abordagem e que
de certa forma todo esforço surtiu efeito na vida deles. (Leticia Guedin Verratti)
O Clube Juvenil
O Clube Juvenil – como o próprio nome indica – consiste em um local
de encontro entre alunos com interesses afins. No espaço e no tempo de duas
aulas os alunos decidem, por conta própria e a partir de seus interesses, que
atividades irão realizar: música, pintura, desenho, dança, redação e Física são
alguns dos exemplos dos clubes que foram formados.
Ao iniciarmos as interações com a escola, fomos surpreendidos quando
os presidentes dos clubes (autogestão feita pelos alunos) indagaram sobre a
possibilidade de criar um “Clube Juvenil de Física”, onde os bolsistas PIBID
foram convidados pelos alunos e trabalhavam questões de Física em relação
direta com os alunos do Clube, sem outros mediadores e buscando atender às
expectativas de seus membros.
Foi uma oportunidade excelente para os bolsistas, pois dificilmente eles
irão se defrontar com estudantes que desejavam assistir aulas de Física. Mais
tarde soubemos que um dos motivos da proposta era a de que nos anos an-
teriores teria faltado professores de Física (com formação na área) na escola.
Na visão dos bolsistas “os alunos se mostraram muito motivados com o
início das atividades do Clube de Física, com os alunos se mostrando bastante
empolgados e curiosos”. No entanto, no decorrer das aulas surgiu um descon-
forto dos alunos com a metodologia adotada pelas bolsistas PIBID:
O primeiro foi o fato de ter sido requerida a participação dos alunos o tempo
todo, incentivando que se expressassem para comentar suas experiências e com-
partilhar dúvidas. Como consequência, a exposição de ideias era frequentemente
209
interrompida e não raramente o assunto se desviava por alguns minutos. (Tayna
Mioni Nakamura)
Isso gerou desconforto em alguns jovens, que vieram sugerir aulas menos
abertas a discussões e mais aulas expositivas nos próximos encontros. É inte-
ressante perceber como as estruturas mais tradicionais de ensino apresentam
raízes profundas, dificultando inovações curriculares mesmo em situações
muito favoráveis. O sistema escolar é um sistema complexo, onde alterações
locais podem não ser bem compreendidas, sendo necessário agir e pensar
coletivamente para se atingir resultados, ainda que parciais.
Disciplinas eletivas
O papel das disciplinas eletivas é o de integrar de forma multidiscipli-
nar as disciplinas formais que são trabalhadas na maior parte das aulas. Por
exemplo, em uma eletiva ministrada pelas professoras de Física e Matemática
em conjunto, trabalhamos com uma temática associada à luz e cor (de forma
similar ao que foi desenvolvido no contraturno da escola Aníbal de Freitas) com
os alunos e com os bolsistas PIBID. Em outro semestre, a eletiva foi conduzida
através de uma parceria entre as professoras de Física e de Artes, versando a
eletiva sobre Física e Música, onde foi desenvolvido o conteúdo sobre som,
acústica e ondas, na construção e no estudo dos instrumentos musicais.
Na visão dos bolsistas PIBID, as observações estavam focadas nas rela-
ções com os alunos, buscando um sentido mais amplo para a aprendizagem
– “foi assim que entendi que estávamos lá para guiá-los na direção adequada
enquanto caminhavam; e não para colocá-los sentados e fazê-los ouvir coisas
que, naquele momento inicial, não sentiam necessidade de aprender; para
depois só aplicarem o que dissemos num projeto de artes. A construção do
instrumento musical era o meio pelo qual surgiria a necessidade de buscar
conhecimentos de Física e Artes, e essa necessidade abriria as portas para um
aprendizado contextualizado”.
Uma das atividades mais gratificantes na escola Djalma Octaviano é o
encontro no final do semestre, a culminância das atividades das disciplinas
eletivas, Nesse encontro, pais, professores e colegas assistem às apresentações
dos resultados obtidos pelos alunos nas eletivas daquele semestre.
Particularmente, uma das atividades que causou mais impacto sobre a
luz foi o efeito de câmara escura, onde o observador coloca a cabeça no interior
de uma caixa escura, com um pequeno furo que permite a projeção da imagem
210
(invertida na vertical) no interior da caixa. O nível de interação entre pessoas
de diferentes idades e formações bem como a curiosidade que esse simples
experimento propiciou é um dos fatores que nos fortalece a discutir novas
formas de apresentar os conhecimentos sobre Física.
211
Essa identificação profissional – gerada pelo Programa PIBID – é fun-
damental para que possamos conquistar uma efetiva melhora no Ensino de
Ciências na Educação Básica em um futuro breve.
Referências
BARROSO, Marta F. & FALCÃO, Eliane B. M. Evasão universitária: o caso do Instituto
de Física da UFRJ. IX Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de Física, v. 9,
p. 1-14, 2004.
KLEINKE, Maurício Urban & FREITAS Laura Ramos. Física Moderna na escola. In:
AYOUB, Eliana; PRADO, Guilherme do Val Toledo; PRODÓCIMO, Eliane (Orgs.).
PIBID-Unicamp: interlocuções e ações no contexto de uma necessária formação de
professores. Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2016, p. 43-62. (Coleção Formação
Docente em Diálogo, v.6)
OBSERVATÓRIO do Plano Nacional de Educação. Disponível em: <http://www.
observatoriodopne.org.br/>. Acesso em: 08/08/2017.
PAREDES, Giuliana Gionna Olivi & GUIMARÃES, Orliney Maciel. Compreensões
e significados sobre o PIBID para a melhoria da formação de professores de Biologia,
Física e Química. Química Nova na escola, v. 34, n. 4, p. 266-277, 2012.
ULRIKSEN, Lars; MADSEN, Lene Møller & HOLMEGAARD, Henriette Tolstrup.
Why do students in stem higher education programmes drop/opt out? – explanations
offered from research. In: Understanding student participation and choice in science
and technology education. Springer Netherlands, 2015, p. 203-217.
212
Salve o PIBID-Dança!
Um processo de lutas, conquistas e desdobramentos
213
Como bem colocado na carta crítica da Associação Brasileira de Pesquisa
e Pós-Graduação em Artes Cênicas (ABRACE, 2016), esta posição não com-
pactua com os desenvolvimentos epistemológicos conquistados pelas Artes
nas últimas décadas,
[...] constatados por meio de pesquisas e ações de seus professores e por meio do
crescimento de cursos de licenciatura específicos de cada componente curricular
(Artes Visuais, Dança, Música e Teatro), ignorando todo o investimento público
aplicado na criação dessas licenciaturas (ABRACE, 2016, p.3).
214
Mapeando o subprojeto PIBID-Dança
Sempre foi propósito do PIBID-Dança Unicamp realizar a inserção na
prática pedagógica escolar de modo socialmente mais justo. Isto é, construir a
ação docente como professores de Dança em escolas públicas sempre cientes
da realidade contextual, educacional e cultural, entendendo que, mesmo que
as práticas em sala de aula possam parecer mínimas (de fato, micro ações po-
líticas) frente aos problemas sociais e seus significados, não estamos livres de
assumir uma posição sobre isso (RISNER & STINSON, 2010).
Ensinar Dança vai além de passos, exercícios ou atividades criativas
divertidas, com um pouco da história da Dança ou Anatomia adicionada ao
programa de ensino. Ser professor/a ultrapassa o domínio de conteúdos ou a
reprodução de padronizações metodológicas, uma vez que as condutas estru-
turantes da sociedade e o contexto de vida real de cada aluno atravessam todo
o processo de aprendizagem (idem, ibidem). O trânsito vida e arte, temática
que motiva a reflexão artística contemporânea, entra na escola para afirmar
que nem todo mundo aprende a mesma coisa da mesma maneira; na sala de
aula estamos diante de uma coleção de diferentes necessidades, que nos levam
a enxergar para além das demandas imediatistas, individuais ou do ambiente
escolar, mas a pensar sobre questões maiores de justiça social.
Neste sentido, a experiência no PIBID-Dança é uma ação de resistência,
pautada no exercício de escuta, participação coletivizada, quebra de pré-con-
ceitos e reformulação de opiniões reducionistas – uma prática de abandono
de informações superficiais, pouco fundamentadas sobre Educação e o Ensino
das Artes, na busca do refinamento do saber sentir, saber conhecer e saber
fazer. Proporciona às alunas bolsistas mais que a inserção na escola; promove
sim um processo de inserção social e cidadã, despertando uma sensação de
pertencimento, que aos poucos amadurece, propagando-se com segurança
devido ao caráter de continuidade do projeto.
A atividade semanal das bolsistas na escola, as trocas regulares com os
alunos e supervisor/a, assim como as reuniões também semanais de todo o
grupo com a professora coordenadora, na qual são tratadas questões peda-
gógicas, dificuldades relacionais e organizados os acontecimentos formativos
vinculados ao projeto48, criam em conjunto uma rede que fortalece a formação
48 Quais sejam, encontros que tematizam assuntos do Ensino da Dança, preparação de even-
tos artísticos na escola, palestras e workshops de aprofundamento, visitas a instituições
renomadas de Educação das Artes, entre outros.
215
profissional do futuro “professor-artista-pesquisador”49 (MARTINS, 2002),
aquele que estará preparado para exercer, através das competências específicas
da Arte, um trabalho engajado e renovador com a Dança.
Alinhado aos parâmetros pedagógicos do Curso de Licenciatura em
Dança, a evolução do PIBID-Dança contribuiu para dinamizar e redimensionar
as disciplinas do curso com maior ênfase na formação de professores, como as
Práticas de Ensino, a Educação através da Arte, os Estágios e o próprio Traba-
lho de Conclusão de Curso em Arte Educação. Esse impacto proporcionado
pela experiência no Subprojeto foi notado tanto pelos discentes como pelos
professores responsáveis por essas disciplinas, que identificaram o avanço das
bolsistas na leitura e compreensão dos elementos que compõem as relações de
ensino, e a autonomia e desenvoltura demonstrada por elas no planejamento
do fazer docente, trabalhando, inclusive, com a criação de metodologias e
ferramentas pedagógicas próprias.
A atitude constante das bolsistas de pesquisa frente à sua própria prática
artístico-pedagógica também é aspecto a ser sinalizado neste mapeamento.
Estimuladas pelo fluxo entre as experiências de ensino e os estudos teóricos
propostos pelo projeto, teceu-se uma trajetória de aprofundamento em que
teoria e prática construíram uma postura integrada. Os projetos de ensino e
planos de aula foram traçados com respeito ao conhecimento do outro, pene-
tração na diversidade cultural presente na escola e consideração à expressão
própria e desejos dos alunos.
Por ser enfoque desse Subprojeto interagir com crianças de 6 a 9 anos, alu-
nos de Escolas Públicas do 1o Ciclo da Educação Formal, realizaram-se estudos
mais específicos para o entendimento do universo da criança e do período da
infância. Compactuando com as ideias de Patrícia Prado (2017), pesquisadora
da Infância, percebeu-se que o desafio na esfera pública, ou mesmo fora dela,
é desenvolver propostas que
[...] rompam com os modelos e procedimentos investigativos convencionais e
racionalizadores, incapazes de responder à emergência de uma nova epistemo-
logia da infância que legitima as “vozes”, olhares, silêncios, gestos, movimentos
e expressões de meninos e meninas [...] (PRADO& SOUZA, 2017, p. 8).
49 Este é o perfil profissiográfico desejado pelo projeto, termo sugerido por Mirian Martins
em “Conceitos e Terminologia. Aquecendo uma Transforma-ação: atitude e valores no
ensino de Arte”, 2002.
216
nosso modo entrelaçado de trabalho. A partir dessa orientação, a equipe do
PIBID-Dança configurou diversos procedimentos: propôs-se a estudar a pró-
pria natureza das manifestações expressivas das crianças, como elas formulam
sentido e produzem cultura; lançou-se na ousadia de testagens prático-criativas
com as crianças na escola; investigou a interdisciplinaridade no fazer artístico
e dedicou-se à construção de parcerias com instituições de ensino das Artes
e com companhias de dança para criança50, que nos auxiliassem a verticalizar
nossos conhecimentos e apurar nossas metodologias sobre criação no uni-
verso infantil. Alicerçadas por esses novos saberes e inspirações, todas essas
investigações resultaram em produções de eventos artísticos na escola, com
participação ativa dos alunos nos processos; produções acadêmicas (escrita
de artigos, narrativas e participação em congressos); e, ainda, organização de
eventos como o “II Encontro a Dança e seu Ensino”51 que se realiza no momento
de registro dessas memórias circunstanciadas.
Para que venham a conhecer mais sobre o PIBID-Dança, pelo ponto
de vista do professor em formação, divido aqui espaço com minha assistente
voluntária no Subprojeto, que após ter participado como bolsista por mais de
um ano, hoje segue pesquisa motivada pelos aprendizados incorporados.
217
ao exercício de autoconhecimento do indivíduo, isto é, valoriza a bagagem
pessoal sociocultural do professor em formação, além de permitir que esse
sujeito desenvolva sua sensibilidade, sutileza da leitura corporal e sua percep-
ção das necessidades do contexto contemporâneo. Dessa forma, neste trânsito
arte e vida, experienciei novas maneiras de estar e fazer na instituição escolar,
descobri novas estratégias e aprofundei em algumas metodologias acerca da
prática docente entrelaçada ao fazer artístico.
As bases teóricas estudadas fomentaram importantes reflexões acerca do
corpo da criança, da infância, das interdisciplinaridades artísticas, sobre estra-
tégias de ensino e o entendimento do ambiente em fluxo escola-sujeito-mundo,
entre outros assuntos referentes à ação docente. Dessa maneira, estabeleceu-se
um diálogo entre saberes que fundamentam a existência do Subprojeto: aqueles
da universidade, das escolas públicas e as experiências dos professores-artistas
em formação (LAMBERT, 2016a).
O aprendizado em realizar o planejamento pedagógico teve como pri-
meira sugestão o material do Estado de São Paulo (2015) Orientações Curri-
culares e Didáticas de Arte para o Ensino Fundamental – Anos Iniciais, que
prevê expectativas de aprendizagens, condições didáticas e indicadores para a
elaboração de atividades, além de sugestões de processos avaliativos. A partir
dessa orientação inicial, a pessoalidade de cada bolsista e as necessidades de
cada turma puderam se fazer presentes durante as etapas de aula propostas
pelo documento: aquecimento, desenvolvimento e roda final de conversa. As
temáticas de cada aula construíram-se a partir da parceria entre as bolsistas
ID e supervisora. Logo, privilegiou-se um trabalho interdisciplinar entre as
áreas das Artes, composto pelas experiências dessas duas partes em diálogo
que, quando vivenciado, foi agregado pelas percepções e experimentações de
um terceiro pilar dessa conversa: as crianças.
O ato de registrar, não somente o planejamento de aula, mas também as
impressões, reflexões e observações acerca de cada encontro se estendeu para
além de um diário de bordo pessoal meu como docente. Tive a oportunidade
de partilhar essa prática com os alunos que a cada fim de proposta puderam
registrar com desenhos, falas, palavras e movimentos o que o seu corpo viven-
ciou e experimentou. Assim, enxergo nestes diários, tanto do professor como
do aluno, um importante recurso de análise e organização do desenvolvimento
prático teórico que realizei, estabelecendo-se como um campo de “refletir
sobre o passado (e sobre o presente) e avaliar as próprias ações, o que auxilia
na construção do novo. E o novo é a indicação do futuro. É o planejamento”
(WARSCHAVER, 1993, p.63).
218
Ao mesmo tempo que a inserção escolar me permitiu vivenciar as reais
dificuldades e indagações que a prática docente pode gerar, o projeto também
me amparou com as reuniões semanais de supervisão e orientação, as quais
foram fundamentais para ampliar as discussões e reflexões acerca de temáticas
importantes para a formação do docente.
O suporte do subprojeto Dança permite que, ao ingressarem, as bolsis-
tas tenham acesso a uma plataforma online que contém todos os dados dos
anos anteriores, sejam eles administrativos ou em relação ao fazer escolar:
livros infantis, textos de apoio, músicas, atas, informações sobre congressos,
documentos, relatórios, planos de aula, registros de imagens, entre outros.
Essa recepção me permitiu mergulhar nas conquistas e batalhas travadas pelo
PIBID-Dança ao longo dos anos, aproximando-me do caminho já trilhado e
da sustentação ideológica do subprojeto.
Nos meses iniciais como bolsista, os materiais teóricos estudados se
configuraram como a fundamentação do meu trabalho na escola, pois mostra-
ram, de uma maneira eficaz e saudável, caminhos para se refletir o ensino das
artes – apontando estratégias para a organização de conteúdos e construção da
relação professor-aluno. Entrei em contato com obras como: Dança educativa
moderna (LABAN, 1990), referência reconhecida no ensino de artes da cena e
Creative Dance for all ages: a conceptual approach (GILBERT, 2015), material
didático que desenvolve estratégias metodológicas acerca de ações práticas de
ensino da dança.
Em um segundo momento da minha participação, o foco de estudo
passou a ser a criação em dança no ambiente escolar. Apoiamo-nos em obras
como Somar para criar brincando (BONAMIN, 2007) que, a partir de um
pensamento plural, nos indica possíveis maneiras de se estruturar aulas de
dança para crianças e Teatro do movimento: um método para o intérprete
criador (LOBO & NAVAS, 2003) que trabalha as ideias de Laban pelo viés da
criação em dança, vinculando a técnica com a poética criativa. Este novo foco
de estudo resultou no desenvolvimento de processos criativos com as crianças
durante as aulas de Arte.
Associo minhas vivências na escola aos pensamentos de Strazzacappa
(2001), que inferem a respeito de condutas e regras comportamentais, disci-
plinares promotoras de engessamento e enrijecimento do corpo infantil no
ambiente escolar. Em geral, as propostas em sala de aula não dão vazão à explo-
ração e ao autoconhecimento corporal, muito menos à estimulação do campo
sensível, imagético e motor da criança. A começar, cada aula é denominada
como disciplina e há uma repetição, quase diária, da configuração espacial da
219
sala – provavelmente conhecida por todos nós. Mesas e cadeiras enfileiradas,
professor à frente e acima dos alunos, o movimento é visto como indisciplina,
enfim, a maioria de nós já vivenciou e conheceu este cotidiano escolar. Toda-
via, antagonicamente à proposta de coibir a movimentação, Machado (2010)
propõe o diálogo entre professor e aluno a partir do ato de positivar.
Positivar não é deixar não dormir, ou não dizer nada sobre bagunça de brinque-
dos, nem se importar com meia banana comida, meia banana restante; positivar
é apurar os sentidos para compreender o que aquele gesto expressa e comunica,
de modo a conversar com ele, fazer interlocução (MACHADO, 2010, p. 130).
220
de processo como parte do evento “Celebração FicaPIBID”. Assim, vemos um
exemplo de vivência escolar a qual o estudo do processo criativo é mediado
por uma relação professor-aluno pautada na escuta, alteridade e observação,
respeitando as ideologias do PIBID-Dança.
Neste mesmo período, onde o prático transita novamente para o teórico,
participei, juntamente com outras bolsistas, do “IX Congresso da Abrace – As-
sociação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas – Poéticas
e Estéticas Descoloniais: artes cênicas em campo expandido”, apresentando
uma comunicação via pôster intitulada Brincando se cria dança, que detalhou
as experiências vividas durante esta fase criativa na escola. Além disso, também
tive a oportunidade de elaborar a narrativa O PIBID Dança e a criança com
deficiência física (SABIONI, 2017), resultado de minhas experiências sobre o
fazer escolar em dança com uma aluna que possui limitações físicas, conse-
quentes de uma paralisia cerebral.
Ao ampliar meu olhar para a Sociologia da Infância e a Antropologia da
Criança, verticalizando no conceito de Machado (2010), “tripé corpo-mundo-
-outro” como relação potencializadora do processo criativo em dança, ansiei
aprofundar meus estudos ainda mais. Foi assim que a minha participação no
PIBID se desdobrou em uma atual Iniciação Científica financiada pela Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e orientada pela Profª.
Drª. Marisa Lambert: O Professor-artista-pesquisador e o processo criativo em
Dança com crianças.
Nesta nova fase, viso elucidar práticas e conceitos sobre como o com-
portamento da criança é afetado por uma metodologia emancipadora que
acolha sua criação em dança, respeitando seu universo e suas particularidades,
contrastando, assim, com uma metodologia condutiva e autoritária, ainda
amplamente dissipada no ambiente escolar. Além disso, permaneço refle-
tindo, criticamente, sobre a própria prática docente, isto é, quais as possíveis
fundamentações, estratégias e metodologias que podem apoiar o trabalho de
um professor de Dança no desenvolvimento de uma criação artística com
crianças. Proponho, assim, uma ressignificação do vínculo professor-aluno,
visando uma relação potencializadora de processos criativos em dança, que se
fazem existir a partir de um modo mais ético e emancipador de enxergar e se
relacionar com a criança.
Acredito que esse contato inicial com o PIBID-Dança se consolidou como
um primeiro passo na caminhada de amadurecimento e pertencimento ao fazer
e ser professor-artista, resultando em, ao passar dos meses, uma maior confian-
ça e ousadia para propor e estar no ambiente escolar. Dessa forma, me senti
221
preparada a encarar um novo desafio para aprofundar meus conhecimentos,
a iniciação científica, pois o projeto PIBID já havia me proporcionado bases
suficientes acerca de princípios, conceitos e procedimentos para se desenvolver
um processo criativo com crianças na instituição escolar, que proporcione uma
maior valorização e autonomia ao indivíduo que dança e cria.
Referências
ABRACE. Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas. Carta
crítica da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas –
ABRACE à estruturação do componente arte na Base Nacional Curricular Comum.
Março, 2016, p. 5.
BONAMIN, Aline. Somar para criar brincando. IN: LENGOS, Georgia (Org.). Põe o
dedo aqui: reflexões sobre dança contemporânea para crianças. São Paulo: Terceira
Margem, 2007, p.103-109.
GILBERT, Anne Green. Creative dance for all ages: a conceptual approach. (2nd ed.)
Champaign, Il: Human Kinetics, 2015.
LABAN, Rudolf Von. Dança Educativa Moderna. São Paulo: Ícone Editora, 1990.
LAMBERT, Marisa Martins. O ensino da dança no PIBID-Unicamp: rede estendida
de formações e transformações. In: PRODÓCIMO, Elaine; PRADO, Guilherme do V.
T.; AYOUB, Eliana (Orgs.). PIBID-Unicamp: conhecimentos e saberes produzidos
na práxis educativa. Edições Leitura Crítica, 2016a, p.55-72. (Coleção Formação
Docente em Diálogo, v.5)
LOBO, Lenora & NAVAS, Cássia. Teatro do movimento: um método para o intérprete
criador. Brasília: LGE Editora, 2003.
MACHADO, Marina Marcondes. A criança é performer. Educação & Realidade.
Porto Alegre, v. 35, n. 2, p. 115 – 138, mai/ago 2010.
MARTINS, Mirian Celeste. Conceitos e teminologia. Aquecendo uma transformação:
atitude e valores no ensino de Arte. In: BARBOSA, Ana Mae Tavares Bastos (Org.).
Inquietações e mudanças no ensino da Arte. São Paulo: Cortez, 2002, p. 49-60.
PRADO, Patrícia & SOUZA, Cibele Witcel (Orgs.). Educação Infantil, diversidade
e Arte. São Paulo: Editora Laços 2017.
SABIONI, Amanda Rossi. O PIBID Dança e a criança com deficiência física. In:
PRADO, Guilherme do Val Toledo; AYOUB, Eliana; PRODÓCIMO, Elaine (Orgs.).
PIBID-Unicamp: narrando cotidianos e histórias. Campinas: Edições Leitura Crítica,
2017, p. 50-52. (Coleção Formação Docente em Diálogo, Edição Especial)
222
SÃO PAULO (Estado). Secretaria Estadual da Educação. Orientações Curriculares e
Didáticas de Arte para o Ensino Fundamental – Anos Iniciais. Org. Coordenadoria
de Gestão da Educação Básica. São Paulo: SEE, 2015.
RISNER, Doug & STINSON, Suzan W. Moving social justice: challenges, fears and
possibilities in dance education. International Journal of Education & the Arts, v.11,
n.6, p.1-26, April 2010.
STRAZZACAPPA, Márcia. A educação e a fábrica de corpos: a dança na escola. Cad.
CEDES [online], v.21, n.53, p.69-83, 2001. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/
S0101-32622001000100005>. Acesso em: 10/09/2017.
WARSCHAVER, Cecília. A roda e o registro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993,
p. 61-67.
223