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Frases de Michel de Montaigne
Frases de Michel de Montaigne
VOLUME 1
Página 35 – Em verdade o homem é de natureza muito pouco definida, estranhamente
desigual e diverso. Dificilmente o julgaríamos de maneira decidida e uniforme.
Páginas 48/49 – [...] se a pele do leão não basta, cumpre juntar um pedaço da pele da
raposa.
Página 89 – O medo é a coisa de que mais medo tenho no mundo. Ele ultrapassa, pelos
incidentes agudos que provoca, qualquer outra espécie de acidente.
Página 118 – A razão humana é um amálgama confuso em que todas as opiniões e todos
os costumes, qualquer que seja sua natureza, encontram igualmente lugar.
Página 125 – O sábio precisa concentrar-se e deixar a seu espírito toda liberdade e
faculdade de julgar as coisas com serenidade, mas quando ao aspecto exterior delas
cabe-lhe conformar-se sem discrepância com as maneiras geralmente aceitas.
Página 127 – Não será mal calcular ir ao encontro de tantas desgraças certas e esperadas
para combater erros contestáveis e discutíveis?
Página 132 – Como é coisa vã a prudência humana! Quaisquer que sejam nossos
projetos e os conselhos a que recorremos, e as precauções tomadas, o destino aí está de
posse dos sucessos.
Página 141 – Ainda que possamos ser sábios com o saber alheio não seremos avisados
senão com a própria sabedoria.
Página 143 – Não cabe justapor o saber á alma, cumpre incorporá-lo a ela. Não se trata
de negá-la, mas sim de impregná-la com ele. Se não modifica nem melhora o estado de
imperfeição, fora certamente preferível não adquiri-lo. É uma arma perigosa que
embaraça e fere o dono, caso não esteja em mão forte e lhe ignore a maneira de usar.
Página 144 – O saber é uma boa droga, mas não há droga suficientemente forte para
resistir às falhas do recipiente.
Página 150 – [...] entendo que a maior e mais importante dificuldade da ciência humana
parece residir no que concerne à instrução e à educação da criança.
Página 152 – Quem segue outrem não segue coisa nenhuma; nem nada encontra, mesmo
porque não procura.
Página 152 – Não se trata de aprender os princípios destes filósofos, e sim de lhes
entender o espírito. Que os esqueça à vontade, mas que os saiba assimilar. A verdade e a
razão são comuns a todos e não pertencem mais a quem as diz primeiro do que ao que
as diz depois.
Página 153 – Saber de cor não é saber: é conservar o que se entregou à memória para
guardar. Do que sabemos efetivamente, dispomos sem olhar para o modelo, sem voltar
os olhos para o livro.
Página 156 – Que lhe ensine a apreciar os fatos mais do que os registrar.
Página 165 – O nosso jovem deverá rir e brincar e dar-se a excessos com seu príncipe;
quero que até na devassidão suplante seus companheiros e que não faça o mal por falta
de vontade e não por carência de forças ou informação.
Página 169 – Prefiro amoldar a frase a meu pensamento a modificar minha idéia para a
engastar. [...] Quero que o pensamento a ser comunicado domine e penetre a imaginação
de quem ouve, a ponto de que não se lembre mais das palavras.
Página 179 – [...] nada depende mais de nosso livre-arbítrio que a amizade e a afeição.
Página 189 – Falha o arqueiro que ultrapassa o alvo da mesma maneira que aquele que
não o alcança.
Página 195 – [...] só podemos julgar da verdade e da razão de ser das coisas pelo
exemplo e pela idéia dos usos e costumes do país em que vivemos.
Página 201 – A verdadeira vitória reside na maneira por que combatemos e não no
resultado final. E não consiste a honra em vencer mas em combater.
Página 213 – Não cometo esse erro tão comum de julgar os outros por mim. Acredito de
bom grado que o que está nos outros possa divergir essencialmente daquilo que está em
mim. Não obrigo ninguém a agir como ajo e concebo mil e uma maneiras diferentes de
viver; e, contrariamente ao que ocorre em geral, espantam-me bem menos as diferenças
entre nós que as semelhanças.
Páginas 223/224 – Basta-me a mim, quando a sorte me sorri, preparar-me para suas
infidelidades.
Página 225 – Quem pode abrasar a alma com a chama desta fé que nada abala e dessa
esperança que engendra uma convicção real e constante, leva na solidão uma existência
cheia de volúpias e de delícias, que deixa muito distantes todas as satisfações
outorgadas por qualquer outro gênero de vida.
Página 226 – [...] a volúpia age como a embriaguez; para melhor nos enganar vai à
frente, escondendo-nos as consequências que acarreta.
Página 231 – Abaixo a eloquência que atrai nossa atenção para ela mesma e não para
seus temas.
Página 235 – O espírito humano comporta tantos graus quantas braças vão daqui ao céu.
Página 237/238- Para saborear os bens quaisquer que sejam, que nos outorga a fortuna,
cumpre ter o sentimento que a sensação cria. É pelo gozo e não pela posse que somos
felizes.
Página 239 – Quem não tem tempo de ter sede, não tem prazer em beber. [...] Nada
incomoda mais do que a abundância.
Página 244 – Ordena-nos a razão que sigamos sempre o mesmo caminho, mas não nos
diz que o façamos sempre com o mesmo passo.
Página 263 – [...] é defeito generalizado, não somente no homem comum, como em
quase todos os homens, ver e seguir apenas o que se praticou desde o berço.
Página 267 – [...] não nos desculpemos com as qualidades externas das coisas; cabe-nos,
a nós, determina-las. Nosso bem como nosso mal só dependem de nós. A nós mesmos e
não à fortuna devemos endereçar as nossas preces e a expressão de nossos desejos; ela
nada pode sobre nossos costumes, de que é, ao contrário, a consequência. São elas que a
arrastam e a fazem tal qual é.
Página 279 – [...] não admiro em absoluto aqueles que vejo orar a Deus amiudada e
regularmente, sem que os atos que acompanham suas preces testemunharem
arrependimento ou intenção de se corrigirem.
Página 291 – Os que se dedicam à critica das ações humanas jamais se sentem tão
embaraçados como quando procuram agrupar e harmonizar sob uma mesma luz todos
os atos dos homens, pois estes se contradizem comumente e a tal ponto que não
parecem provir de um mesmo indivíduo.
Página 292 – [...] o vício nada mais é que desregramento e falta de medida e por
conseguinte não o podemos imaginar constante.
Página 295 – Ninguém determina do princípio ao fim o caminho que pretende seguir na
vida; só nos decidimos por trechos, na medida em que vamos avançando. O arqueiro
precisa antes escolher o alvo; só então prepara o arco e a flecha e executa os
movimentos necessários.
Página 296 – O vento nunca é favorável a quem não tem um porto de chegada previsto.
Página 297 – Assim como para Sócrates o principal papel da sabedoria consiste em
ensinar a distinguir o bem do mal, para nós, em quem o melhor ainda é vício, esse papel
deveria consistir em estabelecer as diferenças existentes entre os diversos vícios, pois
em não havendo exatidão confundem-se virtuosos e maus.
Página 301 – A vaidade incita-nos por demais a ter boa opinião de nós mesmos. A alma
mais ponderada, mais perfeita, já precisa esforçar-se muito para se sustentar de pé e
evitar de ser derrubada pela sua própria fraqueza.
Página 302 – Por mais sábio que seja, o sábio não passa afinal de um homem; e haverá
algo mais caduco, mais miserável, mais insignificante do que um homem?
Página 303 – Nossa alma em condições normais não poderia erguer-se tão alto. É
preciso que ela saia de seu estado habitual, que se eleve e, tomando o freio nos dentes,
arraste o seu homem tão longe que, em voltando a si, ele próprio se espante do que fez.
Página 304 – Dizem que filosofar é duvidar. Com maior razão ainda fantasiar e divagar.
Cabe porém aos aprendizes inquirir e indagar; e só aos mestres resolver. O meu mestre é
a autoridade da vontade divina, a qual sem contestação possível nos rege, pairando
acima das vãs indagações humanas.
Páginas 306/307 – Desdenhar a vida é ridículo, porque afinal de contas a vida é nosso
ser, nosso tudo. As coisas de essência mais rica e nobre podem acusar nossa vida; é
porém ir de encontro à natureza desprezar-se a si mesmo e odiar-se; é uma doença de
gênero especial que não se depara em nenhuma outra criatura senão o homem. [...]
Nenhum dos males da vida justifica que nos suicidemos para o evitar. Ademais, as
coisas humanas estão sujeitas a tais reviravoltas, que se faz difícil julgar em que
momento nos cumpre renunciar a qualquer esperança.
Página 320 – No que concerne à morte, só a podemos experimentar uma vez, e quando
chega não passamos todos nós de aprendizes.
Página 321 – Muitas coisas parecem maiores quando pensamos nelas do que quando
com elas deparamos.
Página 327 – Devemos ser prudentes quando nos observamos e com a mesma
consciência nos apreciar quanto ao bem e quanto ao mal. Se me acreditasse bom e
avisado, ainda que mais ou menos, procramá-lo-ia em altos brados. Colocarmo-nos
abaixo do que realmente somos, considero-o torpeza e não modéstia; diminuir-se é
covardia e pusilanimidade, segundo Aristóteles. Não há virtude que acompanhe a
falsidade e a verdade jamais será objeto de terror. Dizer mais do que somos, nem
sempre é presunção: é por vezes ingenuidade; comprazer-nos em ultrapassar a medida é
cair no indiscreto amor a nós mesmos, o que a meu ver constitui o fundamento deste
vício. O único remédio consiste em fazer exatamente o contrário do que nos ordenam os
que nos proíbem falar de nós mesmos e portanto pensar em nós. O orgulho está no
pensamento, bem pequena é a participação da língua.
Página 328 – [...] a honra é um privilégio cuja característica essencial está na raridade, a
qual é também inerente à verdade.
Página 334 – É pela virtude e a capacidade que impomos o respeito, pela bondade e a
cordura dos costumes que somos amados.
Página 334 – O rigor e a opressão têm algo de servir e acho que o que não se pode obter
pela razão, a prudência, ou a habilidade, não se obtêm jamais pela força.
Página 337 – Mas ainda que me fosse possível tornar-me temido preferia ser amado.
Página 339 – Se os demais me enganam, ao menos não me engano a mim mesmo, não
forjo a ilusão de me acreditar tão forte que possa evitar uma armadilha, nem dou tratos à
bola para alcançar esse privilégio. Consolo-me com meus recursos interiores, não com
curiosidade inquieta e sempre alerta, mas com diversões que invento e resoluções que
tomo. Quando ouço contar o que acontece a alguém, não me apiado: volto-me para mim
mesmo e observo em que medida o fato poderia aplicar-se a mim. Tudo o que diz
respeito ao próximo me diz respeito igualmente; qualquer acidente que lhe ocorra é uma
advertência para a qual atento. Todos os dias e todas as horas dizemos de outrem o que
mais justamente poderíamos dizer de nós, se nos soubéssemos observar tão bem quanto
aos outros.
Páginas 348/349 – Bem sei que me ocorre não raro falar de coisas que são melhor e
mais precisamente comentadas pelos mestres do ofício. O que escrevo resulta de minhas
faculdades naturais e não do se adquire pelo estudo. E quem apontar algum erro
atribuível à minha ignorância não fará grande descoberta, pois não posso dar a outrem
garantias acerca do que escrevo, não estando sequer satisfeito comigo mesmo. Quem
busca sabedoria, que a busque onde se aloja; não tenho a pretensão de possuí-la. O que
aí se encontra é produto de minha fantasia; não viso explicar ou elucidar as coisas que
comento, mas tão-somente mostrar-me como sou.
Página 349 – Saber reconhecer nossa ignorância é mesmo uma das mais belas e seguras
garantias de que não carecemos da faculdade de julgar.
Página 359 – Dir-se-ia que a virtude pressupõe dificuldade e oposição e não pode existir
sem luta. Talvez seja por isso que qualificamos Deus como bom, liberal, justo, mas não
“virtuoso”, porquanto tudo o que faz é natural, não necessitando nenhum esforço para
realiza-lo.
Página 362 – [...] cumpre reconhecer que é mais belo, em consequência de uma elevada
e divina resolução, impedir as tentações de nascerem e edificar a virtude abafando o
vício em embrião do que se esforçar por detê-lo em sua evolução e contra ele triunfar
após se ter entregue às suas primeiras seduções.
Página 371 – A esse respeito Buñuel mostrava-se clarividente, prevendo, simplesmente
pelo raciocínio, que esse princípio de doença (Reforma Protestante) degeneraria logo
em execrável ateísmo.
Página 372/373 – Se estivéssemos unidos a Deus por uma fé ardente, se a Ele nos
prendêssemos por Ele próprio e não por nós, se nossa fé assentasse em fundamento
divino, as tentações humanas não teriam o poder de nos abalar como têm; resistiríamos
sem dificuldade a tão fracos assaltos. O amor à novidade, a tirania dos príncipes, a sorte
de um partido, as mudanças temerárias e fortuitas de nossas opiniões, não conseguiriam
estremecer ou alterar nossas crenças; não nos deixaríamos perturbar por argumentos
novos e nenhuma retórica no mundo nos impressionaria. Resolutos e serenos,
enfrentaríamos esses golpes.
Página 374 – É evidente, para mim, que somente nos conformamos com os deveres que
se coadunam com nossas paixões.
Páginas 375/376 – Diz Platão que poucos ateus o são a ponto de não apelarem para o
poder divino nos momentos de perigo. O aforismo não se aplica ao verdadeiro cristão.
Isso diz apenas respeito às religiões criadas pelo homem. Que espécie de fé será essa
que se desenvolve com a covardia e a pusilanimidade? Linda fé, a que existe somente
porque não se tem mais a coragem de deixar de crer! Sentimentos tão falhos quanto a
inconstância e o medo poderão provocar em nossa alma uma influência sadia?
Página 379 – Ela (a nossa razão) apresenta tantos pontos fracos, é tão cega que não há
verdade, por luminosa que seja, que assim lhe pareça. O fácil e o difícil são para ela
uma só coisa. Tudo enfim o que ela pretende julgar e a natureza em geral se sonega à
sua jurisdição e competência.
Página 381 – Entre outras doenças da natureza mortal há que apontar a cegueira da alma
que não somente induz o homem ao erro mas ainda a amar o seu erro.
Página 383 – Não há gesto ou movimento em nós que não fale, de uma maneira
inteligível que não é ensinada e que todos entendem.
Página 388 – Os homens que nos servem, fazem-no mais barato e em condições menos
agradáveis e menos vantajosas que as de nossos pássaros, cavalos e cães. Quantos
sacrifícios não aceitamos em prol do bem-estar desses animais? E nem os mais abjetos
servidores fariam de bom grado por seus senhores o que os príncipes de vangloriam de
fazer por seus bichos.
Página 393 – Idêntica é a natureza e inalterável o seu curso; e quem haja penetrado
suficientemente o presente poderá com segurança conhecer as leis do passado e do
futuro.
Página 400 – No que concerne à fidelidade, não há no mundo animal mais traiçoeiro do
que o homem.
Página 410 – Nenhum homem se ofende com se ver comparado a Deus, mas deprime-se
se o nivelam aos animais, prova evidente de que prezamos mais a nós mesmos do que a
glória do Criador.
Página 412 – Das grandes amizades nascem as grandes inimizades; as saúdes vigorosas
são o ponto de partida das doenças mortais; assim também as mais notáveis e belas
inteligências podem conduzir às mais sublimes loucuras e extravagâncias.
Página 413 – Mal percebemos o bem-estar que acompanha a prefeita saúde. Tortura-
nos, porém, a mais insignificante enfermidade.
Página 414 – Nada imprime mais profundamente alguma coisa na memória do que o
desejo de esquecer.
Página 419 – Por mais que saibamos nada sabemos ao lado do que ignoramos.
Página 422 – Ainda que se adote o melhor partido, nunca será ele tão seguro que não se
faça necessário, para defendê-lo, atacar e combater centenas de partidos contrários. Não
será melhor ficar fora da confusão?
Página 425 – [...] por ele (Aristóteles) ficamos cientes de que muito saber nos leva a
duvidar mais ainda.
Página 429 – Haverá coisa mais vã do que tentar adivinhar Deus por meio de analogias
com o nosso próprio ser? Do que O julgar, e ao mundo, pelas nossas capacidades e as
nossas leis? Do que usar a expensas d’Ele a escassa inteligência que Se dignou
conceder-nos? E em não podendo a nossa vista atingi-Lo na plenitude de Sua glória,
forçamo-Lo a descer e O associamos à nossa corrupção e às nossas misérias!
Página 434 – (Ao falar do paraíso prometido aos muçulmanos) Colocam-se ao nível de
nossa estupidez para nos engabelar e nos seduzir com ideias e esperanças adequadas a
nossos apetites de pobres mortais que somos!
Página 436 – O homem não pode ser senão o que é, e sua imaginação só pode exercitar-
se dentro dos limites a seu alcance.
Página 437 – (Ao falar de sacrifícios humanos) Era um sentimento bárbaro esse de
querer agradar ao arquiteto em lhe destruindo a obra.
Página 448 – O olho do homem só aprende as coisas sob as formas de que tem noção.
Página 450 – Não há em todo o sistema planetário, e nos outros corpos celestes, maiores
trepidações, ascensões, recuos e êxtases do que inventaram os filósofos para o nosso
misérrimo corpo humano.
Página 451 – Assim como diz Demócrito: “investigamos os céus e não olhamos para os
nossos pés”. Somos feitos de tal maneira que o conhecimento do que se situa ao nosso
alcance está na realidade tão longe e confuso quanto os próprios astros.
Página 451 – E embora não o explicando, ninguém o põe em dúvida, porque a opinião
dos homens a respeito resulta do que acreditavam os antigos, crenças a que damos
crédito como se se integrassem na religião e nas leis. Aceitamos de bom grado o que
comumente é por todos admitido. Acolhemos essa verdade com seu aparato de
argumentos e provas, como algo sólido, inabalável, inexaminável. Cada qual fortalece e
consolida a crença aceita com seus próprios argumentos, com a sua própria inteligência,
instrumento dócil, maleável e acomodatício. E, assim, enche-se o mundo de mentiras e
estultícias.
Página 453 – Ora, não pode haver entre os homens senão os princípios que Deus lhe
revelou; fora dessa revelação o princípio, o meio e o fim de todas as coisas não passam
de sonho e fumaça.
Página 455 – [...] não há inteligência humana, por brilhante que seja, que por vezes não
cochile.
Página 456 – Quem, com competência, andasse a compulsar todas as asneiras que
emanam da sabedoria humana, assombraria os outros. Eu mesmo, apresentando
algumas, a título de amostra, faço obra mais útil do que dissertando a respeito. Podemos
julgar por elas em que estima devemos ter o homem, seu bom senso e sua razão, desde
que, mesmo nos personagens que tão alto elevaram a inteligência humana, se encontram
defeitos tão visíveis e grosseiros.
Página 457 - Esforçam-se os filósofos para que seu modo de ver nem sempre apareça
com nitidez; escondem-no sob as folhagens que lhes oferecem a fábula e a poesia, ou
sob outra máscara qualquer, pois nossa imperfeição faz que a carne crua nem sempre
convenha a nosso estômago e se deva deixa-la alterar-se, corromper-se. Assim agem;
obscurecem por vezes suas opiniões e seus juízos, falsificam-nos para coloca-los ao
alcance de todos. Não querem pronunciar-se acerca da ignorância e da fragilidade da
razão humana para não fazer medo às crianças, mas as revelam suficientemente sob a
aparência de sua ciência confusa e contraditória.
Página 462 – Pode o homem deduzir [...] que deve ao acaso a verdade que por si mesmo
descobre, pois mesmo nos momentos em que a tem carece de meios para aprendê-la e
conservá-la.
Página 463 – (Discorrendo acerca da Torre de Babel) – Que significa a diversidade das
línguas que falavam os operários e fez abortar a empresa, senão o infinito e perpétuo
conflito de opiniões e raciocínios, inseparável da vã ciência humana?
Página 465 – A inteligência humana perde-se ao querer tudo sondar e controlar a fundo.
Páginas 467/468 – Epicuro dizia, das leis, que mesmo as piores nos são tão necessárias
que sem elas os homens se devorariam entre si. E Platão confirma que sem leis
viveríamos como bichos. Nosso espírito é um instrumento descontrolado, perigoso e
temerário; é difícil usá-lo com ordem e medida. [...] É o espírito poderosa adaga, mesmo
para quem o possui, se dele não utiliza com oportunidade e prudência.
Página 469 – Mas não é fácil assinar limites ao espírito; ele é curioso e ávido, e
considera não dever deter-se a cinquenta passos em lugar de mil, porquanto a
experiência lhe mostrou que se um malogra outro vence; que o que era desconhecido em
dado século, conhecido se tornou no século seguinte; que as artes e as ciências não se
moldam de uma só vez, mas se constituem aos poucos e tomam forma em sendo sem
cessar manuseadas e polidas.
Página 469 – É por acaso que temos alguma noção da verdade, e como é igualmente por
acaso que o erro penetra nossa alma, não somos capazes de distinguir o certo do errado,
nem escolher entre um e outro.
Página 471 – [...] ainda que o destino nos leve a mudar quinhentas vezes de idéia, a
última, a atual será a verdadeira, a infalível. Por esta sacrificaremos nossos bens, a
honra, a vida, a salvação.
Página 472 – [...] mal se depara uma hora na vida em que nosso juízo é normal. A tal
ponto está nosso corpo sujeito a constantes mudanças, e é movido por tantas molas, que
na opinião dos médicos muito dificilmente ocorre não haver nenhuma em mau estado.