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YOGA TIBETANO

Segredos do Antigo Tibet


Yoga Tibetano: 2
Segredos do Antigo Tibet

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
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YURI F. LEVY

YOGA TIBETANO
Segredos do Antigo Tibet

1ª Edição

Campinas

2015

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
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Segredos do Antigo Tibet

Yoga Tibetano: Segredos do Antigo Tibet

Copyright © 2015 Yuri Ferraz Levy

Diagramação e capa: Yuri F. Levy

1ª edição 2015

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
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Dedico a uma Força Maior que reside na consciência


por trás dos olhos que pairam sobre estas palavras.

Dedico também ao povo tibetano. Com a divulgação deste


material, minha intenção é que sintam que seu país foi libertado
um pouco mais. Sua cultura não se perdeu. Se as terras
tibetanas ainda estão sob domínio chinês, com a perpetuação de
sua cultura e sabedoria o Tibet ganha e ganhará terras nos
corações de muitas pessoas. E, assim, existirá não apenas em
uma restrita dimensão física/ geográfica, mas em uma dimensão
de amor no mundo todo. O Tibet é livre; principalmente livre
naqueles que se libertam por meio de seu legado.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos aqueles que, de alguma maneira,


contribuíram com seu apoio, ajuda, inspiração, incentivo,
reconhecimento e companheirismo durante a elaboração
deste livro. Em especial:

Claudia Ugarte
Narita Miki
Peggy Yu

Li Mu Bai
Lincon Felipe L. Silva
Marcel Fajionato
Noedir Borelli
Sathya Sai Baba

E, sobretudo, aos Professores!

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Dorje Legpa, proteja este livro.


Vajradhara, o abençoe.

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Sumário
PREFÁCIO ................................................................................................... 11
INTRODUÇÃO ༀ .................................................................................. 15

CONTEXTO GERAL .................................................................................... 24


O GURU RINPOCHE ....................................................................................... 49
OUTRAS FIGURAS PROEMINENTES ..................................................................... 56
MAIS ALGUMAS PEÇAS... ................................................................................ 72
FEITICEIROS, SIDDHIS E MÉDIUNS ..................................................................... 82
YOGA TIBETANO: CONTINUA SENDO YOGA? ༀ ............................... 97

YOGA ༀ .................................................................................... 110

OBSTÁCULOS À COMPREENSÃO... ................................................................... 135


YAMA ༀ.................................................................................... 168

NIYAMA ༀ ................................................................................... 200

ĀSANA ༀ................................................................................... 252

PRĀNĀYĀMA ༀ ................................................................................ 305

PRATYĀHĀRA ༀ ................................................................................ 343

DHĀRANĀ ༀ............................................................................... 359

DHYĀNA ༀ................................................................................... 386

SAMĀDHI ༀ .................................................................................. 423

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 458


GLOSSÁRIO DO YOGUE TIBETANO .............................................................. 474
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ༀ............................................................ 509

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PREFÁCIO

Lembro-me do fascínio que as histórias de yogues


vivendo isolados em meditação me causavam quando muito
jovem. Meu primeiro contato com o universo do Yoga foi aos
14 anos. De um dia para o outro, meu mundo mudou
completamente. Ávido pela “iluminação”, queria imitar aqueles
sábios do Himalaia e me retirar para grutas e florestas,
meditando, estudando e praticando até alcançar a Libertação.
Recusei todas as propostas de adentrar em um ensino formal de
Yoga. Algo me dizia que o que tínhamos no Ocidente, na grande
maioria dos casos, não era o mesmo que os mestres viviam e
praticavam em suas terras natais.

Para minha sorte, eu morava em uma casa defronte a um


bosque. Após “encharcar-me” de leituras de filosofia oriental,
me retirava para a floresta a fim de praticar minhas
“austeridades”. Passava horas meditando. Não raro, só abria os
olhos quando já era noite, e tinha que arrumar um jeito de sair
do meio do mato sem machucar-me.

Outras vezes, as formigas faziam de meu corpo uma


montanha de escalada e ali se estabeleciam. Eu, imóvel. “Não
sou o corpo” – tentava me convencer -, então não podia me
incomodar. Se eu me incomodasse, significava tão-somente que
eu ainda não havia transcendido a mera consciência corporal.
Hoje eu simplesmente as tiraria de lado, sem me afetar ou me
diminuir por isso, mas aqueles eram tempos em que

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determinação e disciplina me falavam alto. Ou simplesmente


entusiasmo juvenil. Era um idealista. E queria realizar meus
ideais.

Corri alguns riscos. Mas a ‘iluminação’ era mais urgente


do que a morte. Assim pensava. É lógico que, olhando para isso
de hoje, não recomendaria esse proceder a ninguém. Não é mais
necessário esse tipo de conduta para se tornar yogue. Os tempos
são outros, o contexto é outro. Mas meu entusiasmo juvenil
queria fazer “à moda antiga”. E aquilo me soava muito natural,
muito mais “Yoga” do que as performances ao estilo fitness das
academias.

Aprendi razoavelmente para aquele período. Não tudo o


que eu queria, mas o possível. Fanatismo ou determinação, não
sei. Repito que não recomendo isso a ninguém. Mas não deixo
de ser grato à minha índole entusiástica e eremita. Alcancei
benefícios que não achava ser, ao menos, merecedor.

Estudando, praticando diariamente, e conhecendo


professores (tive a bênção de conhecer alguns Swamis
pessoalmente e outros mestres, o que me ajudou muito, embora
não tenha estudado formalmente com nenhum deles), avancei.
Ainda que não iluminado, o Yoga era luz própria.

Segui meu caminho solitário. Solitário?

Com 22 anos, um amigo me pediu para ensinar a ele o


que eu havia aprendido nos últimos anos. Assenti, felicíssimo,
querendo compartilhar. Outros amigos se juntaram ao círculo.

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Foi nesse período que algo curioso ocorreu. Tive a graça


de conhecer, em um evento não-ordinário, alguns professores
tibetanos desencarnados, que advertiram mais ou menos nesses
termos: “O que você quer ensinar é diferente - sabemos que não
quer passar um Yoga superficial, mas transmitir, praticar e
estudar coletivamente um caminho que conduz o ser humano
diretamente para a luz infinita do seu ser. Seu ideal é bom. Mas
daquilo que foi divulgado até hoje, e que você tem
conhecimento, será difícil. Não é o suficiente. Porque, ainda que
você tenha pesquisado o Yoga nas suas mais autênticas origens
e ensinamentos, as coisas mais importantes não foram
publicadas nem divulgadas. O que irá te ajudar a alcançar êxito,
nesses tempos em que vive, e diante do público que se depara, é
o Yoga Tibetano, somado, é claro, com seus conhecimentos
sobre o Yoga indiano. Você precisa de uma técnica eficaz para
ensinar, as pessoas precisam de uma técnica que as leve à
experiência iluminativa dentro do seu próprio dia-a-dia e nós
precisamos preservar a cultura tibetana, a qual somos gratos.
Iremos, pois, te ajudar. Você iniciará agora o seu estudo,
pesquisa e prática da sabedoria yogue do Tibet. Esforce-se que
lhe ajudaremos com o que for possível”.

Somei mais de cem páginas de anotação de suas


instruções em uma única semana. Talvez eu publique esse
material algum dia, é meu sonho. Mas aguardo autorização para
isso1. Muitos de seus dados encontrei, posteriormente, quando
fiz minha pesquisa – com esforço próprio - de pós-graduação
1
Esta presente pesquisa não teve intervenção e auxílio diretos desses yogis.

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sobre Yoga Tibetano, checando as informações de antigas


escrituras, tradições e ensinamentos. Instigantes ou não, de uma
coisa eu sabia: Esses mestres não eram fajutos. Sabiam do que
estavam falando. Suas técnicas eram eficazes e embasadas. E eu
me esforcei para aprender o máximo, como continuo fazendo até
hoje, e me aprofundar, por mim mesmo, no estudo e na prática.

Descobri que não havia um “Yoga Tibetano”, mas sim


tradições e ensinamentos yogues do Tibet. Não um bloco
conciso, mas uma riqueza plural. Mas também realizei que, após
uma compreensão que supera as definições e os conceitos, Yoga
deixa de ser um conceito entregue às palavras; era a Consciência
por trás de todo verbo, a Realidade por trás do silêncio, um
estado que, tocando o Absoluto, não poderia ser sintetizado ou
algemado por qualquer cultura, pessoa ou tradição. Yoga virou
um Todo. E as formas desse Todo se expressar, naturalmente
muitas, me chamou a partir de sua coloração elaborada no
planalto tibetano. Agora quero partilhar essa bênção prática.

Cá estamos. Este é o resultado de um trabalhoso estudo.


Desejo poder inspirar o leitor. Instigá-lo. Para que ele descubra
uma ferramenta a mais nesse universo mágico do
autodescobrimento!

Paz,

Yuri F. Levy

Campinas, 09 de Fevereiro de 2015.

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INTRODUÇÃO ༀ

"Tudo o que vive trabalha pela proteção, perpetuação e expansão


da consciência. Esse é todo o sentido e propósito do mundo. Essa é
a verdadeira essência do Yoga - sempre elevando o nível de
consciência, descobrindo novas dimensões, com suas
propriedades, qualidades e poderes. Nesse sentido, o universo
inteiro torna-se uma escola de Yoga".

- Sri Nisargadatta Maharaj

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UM PANORAMA INICIAL...

Iniciemos com um fato: Sabe-se que, como doutrina


formalmente codificada, o Yoga consolidou-se por meio do
trabalho do sábio Patañjali, o seu codificador oficial.

Antes dele, o Yoga se apresentava em forma de


rudimentos doutrinários espalhados pela cultura sânscrita,
escrituras (Vedas) e sábios. Patañjali foi quem transmutou a
forma esparsa e fragmentada da tradição oral e rudimentar
e consolidou a doutrina do Yoga em um corpo organizado,
o que fica explícito em sua obra máxima, o Yoga Sutras.

Mas pouco se sabe sobre Patañajali. Acredita-se que


o Yoga Sutras deve ter sido composto em algum momento
entre o período que vai de 324 a.C. (entrada de Alexandre,
o Grande, na Índia) e séc. IV d.C. (Império Gupta).

A própria história de Patañjali parece ser um pouco


confusa, cujos fatos históricos encontram-se diluídos em

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meio ao universo mítico da cultura indiana, que recorre ao


mito como instrumento especial de entendimento: o
conhecimento que fala, acima de tudo, ao coração, à
subjetividade.

Há basicamente três obras associadas ao nome


Patañjali, embora não haja um consenso a respeito de
possuírem o mesmo autor. Além do Yoga Sutras, um
tratado da gramática sânscrita de Panini e um tratado de
medicina.

Como sua história mescla-se muito ao caráter mítico


de representação simbólica, algumas escolas acreditam
mesmo que Patañjali seja um personagem fictício, talvez a
representação de um arquétipo do “Yogue Perfeito” que,
porventura, tenha sido manifestado por algum grande
sujeito do passado – o verdadeiro autor do Yoga Sutras,
talvez.

Sua lenda conta o seguinte:

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Na região noroeste da Índia antiga (o que hoje


corresponde ao Afeganistão) havia uma grande yoguine
(mulher yogue), de aproximadamente 80 anos, chamada
Gonika.

Querendo muito ter um filho para poder transmitir-


lhe o Yoga, Gonika rezou ao deus Brāhma (aspecto criador
do Absoluto), para ver se Ele a poderia auxiliar com uma
graça especial.

Enquanto isso, em outro canto do universo, o deus


Vishnu (aspecto preservador do Absoluto), em sua forma
Nārāyaṇa, estava sonhando com o universo e
resplandecendo em seu próprio poder, deitado sobre
Ananta, uma enorme serpente. De repente, Ananta notou
uma estranha agitação, e percebeu que a causa de sua
inquietação se devia à dança (Tāndava) do deus Shiva
(aspecto destruidor do Absoluto), dança essa oriunda da...
prática de Yoga de Shiva!

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Interessada, Ananta ofereceu-se para aprender o


Yoga. Mas seu pedido foi negado, sob a alegação de que “o
Yoga é apenas para seres humanos”.

Vendo isso, Brāhma teve uma ideia: resolveu juntar


as duas intenções – o pedido de Gonika com o desejo de
Ananta. Assim, fez Ananta encarnar como um menino de
dezesseis anos, sobre as mãos juntas de Gonika, em postura
de prece.

PATAÑJALI = PAT (cair, despejar); AÑJALI


(Añjali mudrā, a postura de súplica/oração feita com as
mãos).

A representação mítica de Patañjali o simboliza


como serpente da cintura para baixo (enrolada em três
voltas) e tendo quatro braços (duas mãos em postura de
prece enquanto as duas outras seguram objetos: a direita
um disco e a esquerda uma concha). Por trás de sua cabeça,

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ergue-se uma serpente de sete cabeças, saindo do eixo


cérebro-espinal.

Contudo, antes de nossa percepção ocidental encarar


tudo como fruto de fantasia ficcional da mitologia hindu,
devemos nos atentar para um fato muito importante: cada
elemento de um mito indiano possui um significado tanto
explícito, quanto implícito e, até mesmo, oculto. Cada
símbolo é um texto completo em si mesmo, uma
informação profunda condensada em forma de imagem.
Atuam como as parábolas de Jesus: a mensagem chega a
todos por ter um caráter atrativo em sua composição, mas,
por não ser direta, possibilita a cada um uma interpretação
particular de acordo com seu grau de desenvolvimento
espiritual.

Dessa forma, pode-se dizer profundas verdades sem


afastar aqueles que ainda não as podem compreender
totalmente. Uma pessoa irá ouvir algo da mitologia hindu e
imaginará deuses em fluxo perpétuo de ação no panteão
cultural, verá Vishnu, Brāhma e Shiva, por exemplo, como

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entidades distintas, como tantas outras, a quem o devoto


pode recorrer em momentos de súplica. Outros, porém,
verão Vishnu, Brāhma e Shiva não como componentes de
um sistema politeísta, mas como representações simbólicas,
arquetípicas e imagéticas Daquele que não é passível de
cognição mental, o Absoluto. Assim sendo, cada elemento
dessa trindade hindu aqui mencionada (Trimurthi) não é
um deus separado dos outros, mas “informação” simbólica,
representações cognoscíveis do Imanente e Transcendente
incognoscível, ou seja, são apenas a representação de
aspectos de um mesmo Deus Uno.

Isto também se aplica ao caráter mitológico que


permeia toda a história de Patañjali, envolvendo-o em uma
bruma de encantos e mistério, da qual pouco podemos
extrair de seu real sentido histórico. Mas nesse contexto,
conforme nos ensina os mestres indianos, isso pouco
importa: não importa o ego, a data de nascimento ou de
morte de um corpo, se tinha barba ou não, se era homem ou
mulher. Importa, antes de tudo, o que aquele indivíduo

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representa, interiormente, esotericamente, simbolicamente,


espiritualmente. Dessa forma, a maneira mais acessível que
o contexto hindu escolheu para representar esse Homem
Interno, no caso de Patañjali, está transcrito nesses traços
míticos particulares. Não que isso anule a possibilidade
dele realmente ter existido. Cabe a cada interessado o
afinco intelectual e espiritual para perscrutar seus mistérios
e descobrir o que se buscava dizer com cada elemento da
representação. Conforme podemos notar, não é algo que
pode ser transmitido de pessoa para pessoa, oralmente, mas
apenas sentido com o coração, compreendido em um nível
supra-mental, para além do intelecto: no campo da
experiência e da consciência puras.

E qual o motivo de iniciarmos este trabalho sobre o


Yoga Tibetano falando sobre a figura de Patañjali,
fortemente associada ao Yoga Indiano?

Como codificador, Patañjali – seja ele quem for –


teve um importantíssimo papel na história da consolidação
do Yoga. É a referencia principal e básica.

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Assim sendo, talvez a melhor maneira de se avaliar


qualquer outro segmento, que se ramificou a partir deste
eixo central, seja recorrermos aos próprios Sutras de
Patañjali e vermos como seus pressupostos se desdobraram
em um contexto distinto; o que se preservou do original,
quais as mudanças, qual a carga de influência cultural e
religiosa sobre o texto original, origem do fundamento das
práticas, etc.

Dessa forma, pretende-se, com este trabalho,


investigar os principais elementos que compõem um vasto
universo que são as práticas yogues tibetanas. Como
paralelo de análise – e também como instrumento norteador
da pesquisa – recorreremos ao Yoga Sutras, de modo que
possamos formular um entendimento um pouco mais nítido
a respeito de como o Yoga se desenvolveu em esferas
budistas (e o quê se entende por “Yoga” lá), como no caso
do Tibet, através de um paralelo entre as características dos
dois sistemas – o indiano e o tibetano – para facilitar o
nosso estudo.

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CONTEXTO GERAL

Nesta parte, irei dispôr ao leitor diversas frentes de


informação, como a jogar sobre uma mesa várias peças de
um quebra-cabeça. Assim vejo o Yoga Tibetano: não como
um bloco concreto e individual. Mas sim como um cenário
rico e diverso. Dessa forma, aqui irão as peças. Não se
preocupe se, de início, as informações parecerem
espalhadas e difusas: ao final esperamos, com elas, montar
uma paisagem completa.

Quando falamos em Yoga Tibetano, logo nos vem a


dúvida sobre suas características e/ou diferenças em
comparação ao clássico sistema indiano, codificado por
Patañjali, cujos rudimentos literários remetem aos Vedas.

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De fato, há paralelos no tocante a origem do sistema


tibetano. Talvez não necessariamente com Patañjali
propriamente dito, mas com sucessores que ajudaram a
difundir a doutrina do Yoga na Índia. Entre eles, os Nathas,
movimento tântrico que teve como um de seus expoentes o
notável Gorakhnath, alegado discípulo de
Matsyendranatha.

Precisamos nos ater a um dado importante: os


mestres indianos tiveram fundamental influência, assim
como suas doutrinas, em significativa parcela da sabedoria
tibetana. No Tibet, por exemplo, há uma tradição de 84
mahāsiddhas (84 importantes mestres realizados,
amplamente reconhecidos pelo seu trabalho e legado
espiritual). Dentro desse conjunto, encontramos
personagens como o próprio Gorakhnath. Além dele, outro
mestre indiano, discutido mais à frente neste livro, Tilopa,
aparece de forma honrosa. Tilopa era um mestre do
movimento tântrico indiano, cujos ensinamentos também
tiveram grande força e influência no Tibet, quando para lá

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foram levados pelo tradutor Marpa Lotsawa. Marpa, por


sua vez, foi mestre do grande Milarepa, o mais famoso
yogue tibetano de todos os tempos.

Dessa forma, embora não possamos definir a


precisão exata de todas as influências indianas no Tibet (e
quais exatamente – em sua totalidade - foram, pois
existiram várias e diferentes frentes de influência), sabemos
que ela é real e que possui grande importância, inclusive
para seus desdobramentos no que poderíamos chamar de
Yoga Tibetano.

Com base nas referências de Chögyal Namkhai


Norbu, um dos maiores expoentes de uma importante
linhagem do Yoga Tibetano no ocidente, o professor e
pesquisador Marco Alejandro Chaoul traça a seguinte
observação quando fala de Trul Khor (movimentos
mágicos), um dos aspectos do Yoga Tibetano:

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In fact, Norbu makes a distinction


between Patañjali’s system of yoga and what he
(i.e., Norbu) calls the use of the kundalini in
yoga, which we can comfortably say, after
reading Eliade and White, comes from
Gorakhnath’s tradition. Norbu clearly associates
magical movement more with the latter. (…) On
the other hand, magical movement is more like
the hatha yoga of Gorakhnath; it is a tantric path
that involves the body with a more active
engagement, utilizing the potency of the triad of
body, energy (in this case as breath) and mind.
(2006, p.p. 52-3)2.

Obviamente, dizer que determinado sistema “é mais


parecido”3 não equivale a dizer, enfaticamente, que é

2
“De fato, Norbu faz uma distinção entre o sistema de Patañjali de Yoga e o
que ele (ou seja, Norbu) chama o uso da kundalini no Yoga, o que podemos
confortavelmente dizer, depois de ler Eliade e White, vem da tradição de
Gorakhnath. Norbu associa claramente os movimentos mágicos mais com o
último. (...) Por outro lado, os movimentos mágicos são mais parecidos com
o Hatha Yoga de Gorakhnath; é um caminho tântrico que envolve o corpo
com um envolvimento mais ativo, utilizando a potência da tríade corpo,
energia (neste caso, como a respiração) e mente”. (Livre Tradução).

3
Vale aqui uma ressalva quanto à informação contida na citação acima. O
nome Hatha Yoga foi dado posteriormente, por situações históricas
específicas, o que não significa que os próprios Nathas cunharam esse termo
para designar um “estilo de Yoga” especial e diferente do de Patañjali,
elaborado com base em suas próprias particularidades. Verificamos que, com

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
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idêntico, o mesmo. Parece-nos, como observamos na fala


do texto, que se trata de um padrão de referência para
comparação, muito mais do que uma alegação nitidamente
histórica, o que nos abre um leque muito extenso de
possibilidades e ramificações para sondarmos as origens
históricas das diversas frentes que constituem,
genericamente, aquilo que chamamos de Yoga Tibetano.

Mas comecemos com as informações que temos.


Vamos partir do referido Yantra Yoga, o ramo do Yoga
Tibetano divulgado por Norbu.

O próprio Chögyal Namkhai Norbu esclarece, em


um de seus livros, as características principais deste Yoga
Tibetano, acima mencionado, e chamado por ele de Yantra
Yoga (uma equivalente sânscrita, elaborada por Norbu, para
o nome tibetano Trul Khor, conforme veremos mais para

base no Siddha Siddhanta Paddhati, um dos textos-base dos Nathas, o Yoga


praticado por eles era exatamente o de Patañjali, apenas com uma leve
influência, um “colorido”, da filosofia tântrica.

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frente). No excerto abaixo, um trecho do prefácio do livro


de Norbu, assinado por Adriano Clemente:

Yantra Yoga is a system of practice that includes


physical movements, breathing exercises and
methods of concentration. It can be considered
the equivalent of Hathayoga within the Buddhist
tradition. (NORBU, 2008, p. 1)4.

Mas como esclarece o autor, não há apenas um


método de “Yantra”5 (2008, p.9), considerando o próprio
“Yantra Yoga” apenas como uma de várias vertentes que
poderíamos elencar dentro do contexto do “Yoga
Tibetano”.

4
“Yantra Yoga é um sistema de práticas que inclui movimentos físicos,
exercícios respiratórios e métodos de concentricão. Pode ser considerado o
equivalente ao Hatha Yoga, só que com tradição budista”. (Livre Tradução).
5
Não confundir o sentido de “Yantra” aqui com o empregado pelas correntes
indianas, que denota o uso de símbolos geométricos para a prática de
exercícios mágicos, meditativos e de concentração.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 30
Segredos do Antigo Tibet

Figura 1. Vajradhara e os 84 mahasiddhas6.

Outras metodologias também se desenvolveram no


Tibet. Há, por exemplo, os conhecidos “Seis Yogas de

6
Imagem de Domínio Público.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 31
Segredos do Antigo Tibet

Naropa” (Naro Chödrug), já divulgados aqui no ocidente.


Sobre eles, Norbu diz: “The Kagyüpa School primarily uses
the practice of the Six Yogas of Naropa as taught in the
Cakrasamvara tradition”. (2008,p. 9)7.

E acrescenta, ainda explanando acerca das demais


linhas tibetanas:

In the Nyingmapa School, one of the


Yantra systems that has spread in recent times is
linked to the Longchen Nyingthig cycle of
Jigmed Lingpa (1730-1798). As all of these
tantric cycles had been kept secret from
noninitiates, the Yantras connected within them,
intended primarily for the development of the
practice of Tummo related to the completion
stage or Dzogrim, were also kept secret.
(NORBU, 2008, p.p. 9-10)8.

7
“A Escola Kagyüpa usa principalmente a prática dos Seis Yogas de Naropa,
como ensinado na tradição Cakrasamvara”. (Livre Tradução).
“Kargyüpa” é uma escola de budismo tibetano, conforme veremos.
8
“Na Escola Nyingmapa, um dos sistemas de Yantra que se espalhou nos
últimos tempos está ligado ao ciclo Longchen Nyingthig de Jigmed Lingpa
(1730-1798). Como todos esses ciclos tântricos haviam sido mantidos em

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 32
Segredos do Antigo Tibet

Antes de prosseguirmos, cabe aqui um breve


parênteses para orientar um pouco mais a citação acima, e
esclarecer alguns aspectos a respeito das influência do
pensamento tibetano em seu modo de entender e praticar o
que eles chamam de Yoga.

A se saber, não poderíamos dizer que existe apenas


uma doutrina religiosa estanque denominada “budismo
tibetano” (também chamado de “Budismo Vajrayana9”,
“Budismo Tantrayana” ou Lamaísmo).

Ou, melhor dizendo: Nem todas as linhas que


compõem o Budismo Tibetano são idênticas. Essa é apenas
uma referência genérica. A raiz é a mesma, mas os galhos
são diversos. Dentro desse referencial principal, muitas
linhagens têm origem e, a partir de suas próprias

segredo para os não-iniciados, os Yantras conectados dentro deles, destinados


principalmente para o desenvolvimento da prática de Tummo relacionado ao
estágio de conclusão ou Dzogrim, também foram mantidos em segredo”.
(Livre Tradução).
9
Considerado uma extensão do Budismo Mahayana.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 33
Segredos do Antigo Tibet

particularidades, desenvolvem lateralidades de pensamento


bem características.

Não é nosso objetivo aqui delimitar os pormenores


de cada uma dessas “escolas” de budismo tibetano, mas
para enriquecer o caráter desta pesquisa, e evitar futuras
confusões, iremos citar aqui o nome das principais
vertentes (escolas). São elas: Nyingma, Gelug (da qual o
Dalai Lama faz parte), Kagyu e Sakya.

Ampliando brevemente as características desse


cenário, podemos salientar que:

Por todo o Tibete, estendendo-se até o


Nepal, o Butão, o Sikkim, a Cachemir e partes da
Mongólia, são três as principais Escolas da
Filosofia budista: (1) a Madhyamika, ou
"Caminho do Meio", conhecida pelos tibetanos
como Üma-pa (Dbus-ma-pa), originária da Índia,
sob Nagarjuna, durante o século II d.C.; (2) a
Mahamudra, ou "Grande Símbolo" (tib. Phyag-
Ch'en); (3) a Adi-Yoga, também conhecida como
a "Grande Perfeição" (tib. Dzogs-Ch'en). Os
adeptos da primeira são os Ge-lug-pas, os
"Seguidores da Ordem Virtuosa", conhecidos
popularmente como Bonés Amarelos. Essa

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Yoga Tibetano: 34
Segredos do Antigo Tibet

Escola, fundada no Tibete no começo do século


XV pelo Reformador Tsong-khapa ("Nativo do
País da Cebola"), da Província de Amdo,
Nordeste do Tibete, nas fronteiras da China, que
nasceu em 1358 e morreu em 1417, originou-se
da seita dos Kah-dampas ("Os Regidos pelos
Preceitos") e é, hoje, a Igreja Regular do
Budismo setentrional, exercendo, através de seu
líder espiritual, o Dalai-Lama, o Deus-rei do
Tibete, tanto o poder temporal como o espiritual.
(EVANS-WENTZ, 1985, p. 3).

Mas sabemos, também, que o cenário religioso que


se configura no Tibet não está sob a égide única de uma
linha particular, sendo que outros segmentos se destacam
em meio a esse rico panorama religioso.

Temos, ainda, que:

Os adeptos da Escola Mahamudra são os


Kargyütpas, os "Seguidores da
Sucessão Apostólica" (ou "Seguidores das
Ordens Sucessivas"), da qual Milarepa é o maior
dos Apóstolos tibetanos. (...).
Os seguidores da "Grande Perfeição", ou
Escola Adi-Yoga, são os Ning-mapas, os
"Antigos", conhecidos popularmente como

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Yoga Tibetano: 35
Segredos do Antigo Tibet

Bonés Vermelhos, os adeptos da Igreja Não-


reformada, fundada pelo filósofo indiano Padma
Sambhava, no ano 749 d.C. Padma Sambhava,
mais conhecido pelos tibetanos como Guru
Rinpoche ("O Precioso Guru"), ou como Padma
Jungne (sânsc. Padma-Janma, "O Nascido do
Lótus"), foi um famoso professor de Ciências
Ocultas na Grande Universidade budista de
Nalanda, à epoca, a Oxford da Índia. O rei
tibetano, Ti-song De-tsen, ao saber da fama do
Guru, convidou-o para ir ao Tibete. O Guru
aceitou o convite real e, ao chegar, no ano de
747, a Sam-yé, localizada cerca de cinqüenta
milhas a sudoeste de Lhasa, onde posteriormente
fundou um mosteiro, introduziu entre os
tibetanos os aspectos tântricos e mantrayânicos
do Budismo mahayana. (idem, 1985, p. 4).

Segundo o autor (1985), outra escola também se


destacava nessa configuração principal, seguida de uma das
tradições-base da cultura tibetana, o Bön, o qual iremos
falar mais para frente.

Uma quarta Escola, a Sa-kya-pa


(derivada de Sa-skya, que significa "Terra
Fulva", por causa da cor da terra no sítio de seu
primeiro monastério no Tibete Ocidental), tendo
iniciado como uma seita reformada, alcançou
considerável importância, mas atualmente pouco

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Segredos do Antigo Tibet

difere da antiga seita do Boné


vermelho. Além dessas três Escolas principais e
de várias seitas delas deriva-das, há também as
ordens monásticas sobreviventes da primitiva
religião pré-Budista do Tibete, chamada Bon (ou
Pon), que, com sua doutrina do renascimento,
forneceu um solo favorável para a propagação da
semente do Budismo. (p. 5).

Um destaque especial, que se faz saltar aos olhos


nessa análise, é relativo à filosofia tântrica, conforme
vemos no contexto de Padmasambhava, o Guru Rinpoche.

Tudo isso vai compondo as peças necessárias para


compreendermos, aos poucos, o que a cultura espiritual do
Tibet entendeu e adotou por Yoga.

A própria palavra Tantra, quando a vemos


empregada no contexto tibetano, como no caso de
“Tantrayana” ou “Budismo Tântrico”, tem uma conotação
relativamente diferente à que se atribui a ela em contexto
indiano. Em linhas gerais, constata-se que:

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Segredos do Antigo Tibet

O termo sânscrito tantra é aplicado


àqueles ensinamentos avançados de Buddha
Shakyamuni/Vajradhara por meio dos quais a
plena iluminação do estado de Buddha, a meta
última de todos caminhos budistas, pode ser
alcançada no menor tempo possível. (YESHE,
2009, p.26).

Conforme vemos, o termo Tantra é aqui utilizado,


dentro do cabedal filosófico do budismo, para designar os
ensinamentos do senhor Buddha. Na Índia, por incrível que
pareça, o contexto tântrico, de início, envolvia a
preservação de segredos de família no que concerne ao
conhecimento espiritual – o que depois se extendeu por
vasta linhagem de sabedoria, e no ocidente a deturpação
convencional enfatizou a palavra “Tantra” como sinônimo
de sexualidade exótica, o que é uma procedência
equivocada de interpretação e historicamente incorreta.

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Yoga Tibetano: 38
Segredos do Antigo Tibet

Mas para o nosso interesse, analisando o caso do


Tibet, Tantra é uma porção esotérica, por assim dizer, dos
ensinamentos de Buddha. Os sutras revelam ensinamentos
mais abertos e gerais, enquanto a parte tântrica cuida
daqueles conhecimentos mais cuidadosos e reservados –
que não podem ser expostos à grande massa pelo simples
fato de exigirem certa acuidade interior para serem
compreendidos. Mas são ensinamentos ligados diretamente
à figura de Buddha.

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Segredos do Antigo Tibet

Figura 2. Vajradhara

É nesse ponto, justamente, que o próprio budismo


tântrico, como também é conhecido, erige suas
particularidades.

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Yoga Tibetano: 40
Segredos do Antigo Tibet

O Senhor Buddha ensinou o caminho


para a iluminação em muitos níveis diferentes, de
acordo com a variedade de necessidades e
capacidades dos seres sencientes. Para transmitir
seus ensinamentos mais avançados, conhecidos
como Tantrayana ou Vajrayana, ele se
manifestou em seu aspecto esotérico de
Vajradhara. O Tantrayana é o veículo mais
rápido para a iluminação plena. (YESHE, 2009,
p.40).

Aprofundando-nos um pouco mais nessa


perspectiva, observamos que:

De acordo com os ensinamentos gerais


do Senhor Buddha, conhecidos como Sutrayana,
o desejo é a causa dos problemas dos seres
humanos, de modo que deve ser evitado. De
acordo com o Tantrayana, porém, esse mesmo
desejo pode ser usado no caminho para a
iluminação. Com base na firme renúncia, na
grande compaixão de bodhichitta e na visão
correta da vacuidade, praticantes tântricos usam
a energia de seu próprio prazer como um recurso
e, na concentração profunda da meditação
samadhi, unificam-no com a sabedoria que
realiza a vacuidade. Isso por fim dá origem à

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Yoga Tibetano: 41
Segredos do Antigo Tibet

grande sabedoria bem-aventurada nascida


simultaneamente, que por sua vez leva à
iluminação. (idem, 2009, p. 40).

Uma das premissas tântricas, nesse contexto, é que


nada deve ser reprimido ou condenado, mas perfeitamente
aceito e naturalmente compreendido, para que, através de
uma abordagem adequada, possa ser transformado,
transmutado (como diriam os alquimistas) ou sublimado
(como teria preferido Sigmund Freud).

No tantra lidamos com prazer, não com


dor. A pessoa qualificada a praticar o tantra é
capaz de lidar com o prazer, de experimentar o
prazer sem perder o controle, de utilizá-lo. Essa é
a característica essencial da personalidade
tântrica. O tantra não funciona para pessoas
miseráveis, pois elas não têm nenhum recurso de
prazer para utilizar.

Na prática tântrica, trabalhamos com a


energia de nosso corpo humano. Esse recurso é
composto de seis fatores: os quatro elementos

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Yoga Tibetano: 42
Segredos do Antigo Tibet

(terra, água, fogo e ar), os canais de nosso


sistema nervoso sutil e as gotas de kundalini
bem-aventurada que existem dentro dos canais 10.
O corpo humano é a mina de ouro do tantra, é
seu bem mais precioso. (idem ibidem, 2009, p.
40).

Mas, para isso, há toda uma prática direcionada,


ancorada na tradição, para que o processo seja
meticulosamente efetivado pelo praticante, a fim de que
esse chegue ao êxito, e não à própria perdição consumido
por seus impulsos.

Além disso, o próprio bom-senso já nos adverte


acerca da necessidade da presença de um tutor qualificado
para orientar o processo com segurança e, também,
consciência. É o que nos explica Lama Yeshe:

O que precisamos é de um método hábil


para controlar essa energia poderosa, de modo
que não apenas possamos obter cada vez mais
satisfação em nossa vida cotidiana, como, enfim,

10
“Uma lista alternativa dos seis fatores é osso, tutano e sêmen, recebidos
do pai, e carne, sangue e pele, recebidos da mãe”. (Nota do autor).

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Yoga Tibetano: 43
Segredos do Antigo Tibet

obter a satisfação total da iluminação plena.


(YESHE, 2009, p. 40).

Mas apesar das escolas budistas e do pensamento


tântrico, também se deve entender que, por trás dessas
tradições, há outra linha gerando sua influência, conforme
foi brevemente mencionado anteriormente. Trata-se da
tradição Bön.

Quando o Budismo se tornou a religião


dominante no Tibete, as antigas crenças e
práticas pré-budistas não foram erradicadas sem
mais nem menos. O Budismo tibetano integrou
muitos aspectos associados à religião nativa,
chamada Bon e, do mesmo modo, Bon
incorporou elementos derivados da doutrina e
das tradições tibetanas. Assim, nem sempre é
fácil distinguir as práticas e formas externas dos
mosteiros da religião Bon de seus equivalentes
budistas. A iconografia dessa religião também é
um amálgama de elementos budistas e pré-
budistas, sendo difícil distinguir o que pertence a
cada tradição. (PEACOCK, 2005, p. 80)

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Segredos do Antigo Tibet

Sobre a tradição Bön, Tenzin Wangyal Rinpoche


(2010), um lama (sânscrito: guru) da tradição Bön, que se
dedica à prática e transmissão dessa escola de pensamento
nos EUA, diz, no glossário de uma de suas obras:

Bön (tibetano: bon). Bön é a tradição


espiritual nativa do Tibete que é anterior ao
Budismo na Índia. Embora os estudiosos
discordem sobre a sua origem, a tradição alega
possuir uma linhagem ininterrupta de dezessete
mil anos. Semelhante às seitas do Budismo
Tibetano, particularmente à Nyingma, o Bön se
distingue por uma iconografia distinta, uma
tradição xamanista e uma linhagem separada que
remonta ao Buda Shenrab Miwoche e não ao
Buda Shakyamuni.

Os nove veículos do Bön contêm


ensinamentos sobre questões práticas, como
gramática, astrologia, medicina, predição,
pacificação de espíritos e assim por diante.
Contêm também ensinamentos de lógica,
epistemologia, metafísica, os diferentes níveis de
tantra e linhagens completas da Grande Perfeição
(Dzogchen). (p. 229).

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Segredos do Antigo Tibet

Rinpoche (2010) já nos dá, ao fim de sua explanação


a respeito do Bön, outro elemento importante na tradição
espiritual tibetana, que também merece nota aqui nesta
porção inicial deste livro.

Figura 3. Shenrab Miwoche (Tonpa Shenrab Mivoche). Imagem


cedida pelo Lishu Institute.

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Segredos do Antigo Tibet

Trata-se do Dzogchen, uma linha central de


ensinamentos, tanto no Bön quanto na escola Nyingma.

A respeito do Dzogchen, Rinpoche (2010) nos


informa:

Dzogchen (tibetano: rdzogs chen). A


“grande perfeição” ou “grande completude.” O
Dzogchen é considerado a prática e o
ensinamento mais elevados, tanto no Bön, como
na escola Nyingma do Budismo Tibetano. Seu
princípio fundamental é que a realidade –
inclusive o indivíduo – já é completa e perfeita,
que nada precisa ser transformado (como no
tantra) ou renunciado (como no sutra), mas
apenas reconhecido pelo que realmente é. A
prática essencial do Dzogchen é a
“autoliberação:” permitir que tudo que surge na
experiência exista exatamente como é, sem
nenhuma elaboração da mente conceitual, sem
apego nem aversão. (p. 230)

Disso se pode tirar uma equilibrada análise sobre o


panorama do pensamento tibetano, entendendo sua

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Yoga Tibetano: 47
Segredos do Antigo Tibet

complexidade, particularidades e riqueza. Nota-se que


estamos diante de uma amálgama muito opulenta de
tradições a entrecruzar-se no contexto do Tibet; em outras
palavras, ao analisar esse contexto específico nos
deparamos com um rico berço cultural.

E não terminamos o traçado deste contexto inicial


por aqui. Há outras informações que necessitam de nossa
atenção, por sua rica recorrência no cenário yogue do Tibet.

༈ སེམས་ཀི་རང་བཞིན་ཡེ་ནས་བུད་སེ༔
སེམས་ལ་སེ་འགག་མེད་པ་ནམ་མཁའ་འདྲ༔
ཆོས་ཀུན་མཉམ་ཉིད་ཡང་དག་དོན་རོགས་ནས༔
དེ་ཉིད་མ་བཙལ་བཞག་ན་སོམ་པ་ཡིན༔

Figura 4. Exemplo dos ensinamentos de Garab Dorje, importante mestre


Dzogchen. O texto, em tibetano, diz: “A natureza da mente é e sempre foi
Buddha./ Ela não tem nem nascimento, nem cessação, como o espaço. /
Quando você realiza o real significado da igual natureza de todas as coisas,/
Permanecer nesse estado sem buscar mais nada é meditação”.

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Segredos do Antigo Tibet

Figura 5. Garab Dorje. Foi o primeiro mestre encarnado a difundir


os ensinamentos Dzogchen.

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Segredos do Antigo Tibet

~*~

O GURU RINPOCHE

Um personagem importante para nosso interesse de


estudo da tradição tibetana, que já mencionamos en passant
anteriormente, digno de nota neste texto, fundamental para
se compreender um pouco mais do Budismo Tibetano, é
Padmasambhava, o Guru Rinpoche.

Surgido, segundo alega a tradição, aproximadamente


no século VII/VIII d.C., Padmasambhava (também
chamado de Pema Jungne), ou o “nascido do lótus”, é
reconhecido como o “Buddha Tibetano”, responsável pelo
Budismo tântrico praticado naquela região. Como sua
história está envolta por lendas nascidas do misticismo
(como Patañjali), pouco se sabe, com precisão,
historicamente, sobre os detalhes da vida desse grande
vulto da tradição tibetana.

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Yoga Tibetano: 50
Segredos do Antigo Tibet

Muitos afirmam, inclusive, que o próprio Buddha


Shakyamuni havia predito a vinda de Padmasambhava:

Quando o Buda estava para falecer, em


Kushinagara, e os Seus discípulos choravam, Ele
lhes disse: “Sendo o mundo transitório e a morte
inevitável para todas as coisas vivas, chegou o
tempo da Minha partida. Mas não choreis, pois
doze anos após a minha partida, de uma flor-de-
lótus, no Lago Dhanakosha, no canto noroeste do
país de Urgyán, nascerá aquele que será mais
sábio e mais poderoso espiritualmente do que Eu
mesmo. Ele se chamará Padma-Sambhava e a
Doutrina Esotérica será estabelecida por Ele.”
(EVAN-WENTZ, s/d , p. 75).

A história, até onde se sabe, inicia-se com um rei


chamado Trisong Detsen (756-797 d.C.), que, durante seu
reinado, ofereceu um patrocínio explicito ao Budismo por
parte do Tibet:

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Yoga Tibetano: 51
Segredos do Antigo Tibet

Segundo a tradição, Trisong Detsen


convidou duas das mais veneradas figuras
fundadoras do Budismo tibetano, Shantarakshita
e Padmasambhava, para que viessem da Índia
para ensinar o Dharma. De acordo com a lenda,
os ensinamentos de Shantarakshita encolerizaram
tanto as divindades Bon, que controlavam o
Tibete, que seu território foi assolado por uma
série de catástrofes – fome, enchentes e
terremotos. Forçado a voltar para a Índia,
Shantarakshita profetizou a chegada de
Padmasambhava, um professor com o poder e a
capacidade de subjugar os demônios hostis do
Tibete. (PEACOCK, 2005, p. 22)

Apesar dos relatos ligados ao imaginário mitológico/


ou realidade metafísica – muito importantes para se
compreender muitas culturas orientais – parece haver uma
base histórica que fundamenta esse processo relatado
acima.

Como a religião Bön era, desde tempos muito


recuados, predominante na cultura tibetana, muitos
impasses foram originados quando o Budismo começou a
tentar ser inserido na região. Possivelmente, considera-se

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Segredos do Antigo Tibet

essa uma das principais causas do afastamento de


Shantarakshita.

Historicamente, a hierarquia Bon viu a


chegada do Budismo como uma ameaça
crescente ao seu poder e aos seus privilégios, e
procurou limitar sua influência, senão erradicá-la
completamente. A disputa entre os pró-budistas e
as facções da religião Bon levou a confrontos
violentos, fazendo com que Shantarakshita fosse
obrigado a deixar o país, retornando somente
muitos anos mais tarde. (PEACOCK, 2005, p.p.
22-23).

Posteriormente, então, como assegurava a suposta


profecia de Shantarakshita, Padmasambhava foi ao Tibet.
Ao contrário de seu antecessor, o Guru Rinpoche logrou
êxito em sua missão de levar o Budismo para aquelas terras
e, por fim, se consagrou como o grande patrono daquela
tradição em terras tibetanas.

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Segredos do Antigo Tibet

Mas também, conforme podemos notar, sua história


é cercada por figuras de metáforas mitológicas e
simbolismos diversos – senão relatos metafísicos.

Do que se tem informação,

Acredita-se que Padmasambhava fosse


originário de Uddiyana, uma área que
corresponde mais ou menos ao vale Swat, do
atual Paquistão. Também ele foi chamado ao
Tibete por Trisong Detsen, mas conta-se que,
quando estava próximo à fronteira, os deuses
Bon tentaram impedi-lo de entrar no país com
raios, granizo, tempestades de neve e ventos,
terminando por bloquear um desfiladeiro para
deter o seu avanço. Em resposta a isso,
Padmasambhava simplesmente sentou-se em
meditação e, pelo poder desse ato, transformou
os demônios em Dharmapalas, “protetores do
Dharma” (...). E prosseguiu, até subjugar e
converter as forças demoníacas e hostis de todas
as partes do Tibete. (idem, 2005, p. 23).

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Segredos do Antigo Tibet

Contudo, sua influência continua, até os dias de


hoje, notoriamente marcante no cenário das tradições
tibetanas.

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Segredos do Antigo Tibet

Figura 6. Guru Rinpoche ou Padmasambhava, conhecido como o


“Buddha Tibetano”. Imagem cedida a Domínio Público pelo Los Angeles
County Museum of Art.

Ainda assim, precisamos de mais informações, mais


“cores” em nossa “palheta” para que, da combinação entre
elas, possamos compor a “pintura” de um cenário mais bem

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Yoga Tibetano: 56
Segredos do Antigo Tibet

detalhado para entendermos o contexto histórico do


surgimento do Yoga Tibetano.

Vamos dar prosseguimento...

~*~

OUTRAS FIGURAS PROEMINENTES

Conforme o leitor já deve ter percebido até aqui, há


muita informação para traçarmos um entendimento
imediato. Há muita informação, mas nem todas elas
dialogam entre si ou com as afirmativas históricas
registradas. Vejamos: algumas informações a respeito da
real origem de alguns métodos parecem nebulosas, com
referência ao próprio Gautama Buddha, que teria vivido
entre, aproximadamente, 563 a.C. a 483 a.C.

Lembremo-nos que não estamos querendo apenas


traçar um histórico do budismo tibetano; Estamos querendo

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 57
Segredos do Antigo Tibet

ir além, perscrutando os mistérios do Yoga Tibetano.


Apesar do Yoga Tibetano ter um contexto e embasamento
budistas, não é a religião budista em si.

Para isso, certos embates de informações históricas e


tradicionais precisam ser colocados para termos uma ideía
do cenário como um todo. É tentarmos criar uma
mentalidade próxima a de alguém dentro do contexto
tibetano, a fim de compreendermos relativamente o geral
para caminharmos, aos poucos, ao relativamente específico.

As próximas peças que compõem o nosso quebra-


cabeça ilustram um cenário muito importante: Os Seis
Yogas de Naropa.

As Seis Yogas de Naropa não foram


descobertas por Naropa. Elas têm origem nos
ensinamentos do Senhor Buddha e acabaram
sendo transmitidas a Tilopa, o grande yogue
indiano do século XI, que as transmitiu a seu
discípulo Naropa. Elas foram então passadas
adiante para muitos mestres tibetanos, inclusive

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 58
Segredos do Antigo Tibet

Marpa e Milarepa, sendo que alguns deles


registraram suas experiências como comentários
sobre as Seis Yogas. (YESHE, 2009, p.45).

Isso, de fato, é um problema histórico. Pois se


pegarmos, por exemplo, a existência de um indivíduo
chamado Tilopa (uma das fontes tântricas indiana a
influenciar a filosofia tibetana – e mestre de Naropa),
veremos que ele teria vivido apenas vários séculos depois
do Buddha histórico. Como poderiam, então, ter a origem
no próprio Buddha, como alega Yeshe? Guarde essa
informação. Vamos juntar mais “peças”. Antes de tudo,
talvez isso esteja nos questionando sobre o quê,
exatamente, está se chamando de Yoga nesse contexto.
Esse problema parece ter uma solução quando
investigamos um pouco mais a fundo:

Em tibetano, as Seis Yogas de Naropa


são chamadas de Na-ro chö druk. Na-ro refere-se
a Naropa, chö, que significa dharma, pode se

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 59
Segredos do Antigo Tibet

referir a doutrina ou fenômenos e druk significa


seis. Algumas pessoas traduziram Na-ro chö
druk como “As Seis Doutrinas de Naropa”,
outras como “As Seis Yogas de Naropa”.
Embora a expressão “Seis Doutrinas” esteja
literalmente correta, penso que dá a impressão de
que os ensinamentos são puramente filosóficos
ou teológicos. Não são. São algo muito prático,
algo para ser efetivado agora. Creio que “As Seis
Yogas de Naropa” transmite o significado
correto, a sensação correta. Penso que Naropa
ficaria infeliz se usássemos a expressão “As Seis
Doutrinas de Naropa”. (YESHE, 2009, p. 47).

Um olhar superficial, talvez, pudesse enxergar


apenas mais confusão nas linhas acima, com alguma
discrepância histórica e semântica11. Contudo, essas
particularidades encontradas no contexto do Yoga Tibetano
apenas nos apontam para uma rica tradição, cuja filosofia
(de origem budista e não hindu como na Índia) carece ser
melhor estudada e apresentada para o público ocidental.

11
A equivalente tibetana para a palavra sânscrita Yoga é Naljor (rnal-byor),
cujo significado não é exatamente o mesmo que possui a raiz da palavra
sânscrita Yoga. Naljor pode ser traduzido como “tranquilidade mental
completa que revela a natureza plena/ veículo para autoconhecimento”.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 60
Segredos do Antigo Tibet

Mas calma, junte essas “peças” e as deixe na mesa.


Já vamos dar sentido a elas e formar uma paisagem mais
nítida.

Especialmente no caso de Naropa, parece haver


outra informação relevante aqui. Sabe-se que a tradição de
Naropa iniciou-se com o mestre tântrico indiano Tilopa. A
linhagem Kargyütpa, donde figuras como Tilopa e Naropa
são ícones consagrados, pode nos dar um indício de como
as influências indianas (ao menos algumas delas) chegaram
até o Tibet, configurando, assim, algumas práticas yogues,
e o que, mais precisamente, Lama Yeshe (2009) parece
querer dizer remontando a origem dos Seis Yogas de
Naropa ao próprio Buddha.

Em teoria, como alguém que viveu mais de 1000


anos depois de Buddha poderia receber instrução dele?
Espiritualmente.

Analisemos as informações de que dispomos:


Tilopa, que se diz ter vivido, aproximadamente, de 988

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 61
Segredos do Antigo Tibet

d.C. até 1069 d.C., era considerado um “mestre tântrico”


indiano. Acredita-se que tenha recebido ensinamentos de
Adi-Buddha (conhecido como Dorje-Chang pelos
Kargyütpas), uma entidade celestial supra-humana, através
de meios supranormais (telepáticos) (EVANS-WENTZ,
1993). A esse conjunto de ensinamentos, deu-se o nome de
Mahamudra (tibetano: Ch’ag-ch’en, contração de Phyag-
rgya-ch’en-po), que significa “Grande Símbolo”.

Os ensinamentos do Mahamudra passaram de


Tilopa para Naropa. Eles puderam chegar finalmente ao
Tibet, e lá se desenvolver, quando Marpa – conhecido
como “o tradutor” – obteve instruções direto da fonte
indiana e as levou para a Terra das Encostas Nevadas
(apelido geralmente atribuído ao Tibet), proporcionando a
tradução de ensinamentos importantes para a linguagem
tibetana (EVANS-WENTZ, 1993).

Marpa, por sua vez, foi o preceptor do famoso


Milarepa, o grande yogue tibetano.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 62
Segredos do Antigo Tibet

Sobre Marpa, é dito que:

“Diz-se que Marpa, o primeiro dos gurus tibetanos da


Linhagem, passou dezoito anos como shishya12 na Índia e
consultou cerca de cem filósofos indianos eruditos”. (EVANS-
WENTZ, 1993, p.123).

Isso mostra o grande teor de conteúdo filosófico de


paragens indianas confluindo para o Tibet, o que,
certamente, teria influenciado muito a visão do Yoga que
se formaria em terras tibetanas.

Particularmente sobre os ensinamentos do


Mahamudra, podemos ainda constatar:

O Grande Símbolo, conhecido em


tibetano como Ch’ag-Ch’en, termo equivalente
ao sânscrito Maha-mudra (“Grande Mudra”, ou
“Grande Atitude”, “Grande Símbolo”), é o guia
escrito do método de consecução, por meio da
Ioga, da concentração mental, ou da fixação da
mente em uma só coisa (sânscrito, ekagrata), que
traz percepção mística à natureza real da

12
Palavra sânscrita para designar discípulo. (Nota nossa).

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Yoga Tibetano: 63
Segredos do Antigo Tibet

existência. Também é chamado “O Caminho do


Meio” (tibetano, Umai-Lam), dado que evita os
dois extremos que o Buda opõe em todos os seus
ensinamentos, o extremo da mortificação
ascética do corpo, por um lado, e o da
mundaneidade ou licenciosidade, por outro.
(EVANS-WENTZ, 1993, p.p. 121-122).

E continua explicando:

Seguindo os ensinamentos iogues


contidos em The Epitome of the Great Symbol, o
devoto se põe conscientemente no Caminho cujo
Objetivo é o Nirvana – Emancipação da servidão
da Roda da Natureza, da roda interminável de
mortes e renascimentos.

Esses ensinamentos, (...), influenciaram


de uma maneira ou de outra o Budismo tibetano.
Seu caráter fundamentalmente iogue está,
todavia, intocado, como poderia mostrar uma
comparação com sistemas similares de Ioga que
ainda estão sendo ensinados na Índia. (idem,
1993, p.p. 121-122).

O fato é que, se Naropa foi discípulo de Tilopa, e


esse último recebeu os ensinamentos diretamente da fonte

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Segredos do Antigo Tibet

espiritual do Adi-Buddha13, faz sentido a informação de


que os Seis Yogas de Naropa teriam uma ligação direta
com o próprio Buddha. É uma hipótese para se enxergar o
assunto. Adi-Buddha, o Buddha Primordial, não é o mesmo
que Gautama Buddha, mas ambos representam a mesma
natureza, a mesma energia, a mesma consciência: a do
Iluminado (significado da palavra sânscrita Buddha).

Figura 7. Tilopa – O grande mestre tântrico indiano.

13
Não significa que Tilopa também não havia aprendido com outros sábios
da época.

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Yoga Tibetano: 65
Segredos do Antigo Tibet

Ficou um pouco mais fácil agora, não?

O que acontece, entretanto, é que o rastreio exato


das origens daquilo que denominamos, genericamente,
como Yoga Tibetano é algo deveras abstruso para ser
abarcado em uma análise mais breve. A influência da
Tradição Oral (CHAOUL, 2006) também pode ser um
problema, porque nem tudo está ou foi registrado. E,
daquilo que foi registrado, não temos acesso ao conjunto
completo. Muita informação permanece em sigilo, sem
falar nos demais registros destruídos a partir da época da
invasão chinesa ao Tibet (1950-1951).

Sabemos que existe um objetivo – análogo, em


essência, ao do Yoga Indiano -, sabemos que existem
práticas, sabemos que os praticantes tibetanos se referem a
elas como Yoga. Mas nem tudo é tão claro quanto
gostaríamos, em uma análise mais abrangente. Muitas
vezes, também é difícil de definir aonde começa o que eles
chamam de Yoga e o que é apenas uma manifestação mais

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Segredos do Antigo Tibet

prática do budismo (ou até mesmo filosófica). Porque,


muitas vezes, o budismo é encarado como possuidor de
aspectos yogues. Para Evans-Wentz (1993), por exemplo, o
budismo é essencialmente yogue – quando se entende,
realmente, qual é o objetivo do Yoga.

Contudo, à princípio, quando falamos das escolas do


budismo tibetano, são escolas de budismo, não
necessariamente vinculadas a algum tipo de Yoga.

Mas em alguns casos, também o são. O importante


aqui é entendermos que apesar de o Yoga Tibetano estar
intimamente enraizado no bojo da espiritualidade budista, o
Yoga pode acontecer sem ser como uma manifestação
direta de práticas exclusivamente religiosas (no sentido
institucional e cultural do termo).

Isto é, não precisa depender de mosteiros para


existir; há a linhagem, mas o compromisso do yogue é,
acima de tudo, com seu próprio autoconhecimento, não
com dogmatismos. A tradição pode auxiliar nesse

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Yoga Tibetano: 67
Segredos do Antigo Tibet

conhecimento, mas o yogue não é um prisioneiro dela. Ela


é a ponte, não a travessia, não a outra margem (Pāramitā).

Por isso, ser monge tibetano não é sinônimo de ser


yogue; e ser yogue não é sinônimo de ser monge. Podem o
ser ao mesmo tempo, mas não se trata de uma necessidade.
O yogue pode estar no mosteiro, com parceiros de
ordenação, mas também pode estar sozinho numa caverna.
Pode estar com o mestre e condiscípulos em meio a uma
selva, ou anônimo no quarto de sua casa.

Considerando-se o caráter pragmático que, não raro,


essas práticas adotam, percebe-se que, muitas vezes, é
relevante para os adeptos e iniciados o atingimento da meta
maior da Iluminação/Liberação, seja essa chamada de
Moksha ou Nirvana, não importando sempre as
delimitações culturais ou técnicas que seus saberes
prescrevem. Porque o processo yogue leva o seu praticante
além dos processos relativos – como padrões culturais,
religiosos, sociais, etc. para um conhecimento de ordem
mais plena e direta. As representações religiosas e culturais

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Segredos do Antigo Tibet

são apenas artifícios simbólicos para se tentar transmitir, à


posteridade, algo dessa sabedoria mais profunda. Mas não
são a própria sabedoria em si. Ela é interna. E aflora de
dentro, não a partir de murais, textos ou iconografias – que
apenas podem indicar algumas “setas” de orientação no
caminho. O Yoga é o processo de caminhar e de atingir o
objetivo; a tradição são as placas na estrada e os mapas
passados de geração em geração. Talvez seja por isso que
o material que encontramos sobre “Yoga Tibetano” é
muito diverso – pois, em muitos casos, trata-se de
“tradições diferentes”, ou “placas diferentes” para um
mesmo caminho. Mas não nos deixemos enganar: o
objetivo deste livro é, acima de tudo, o caminho, a
caminhada, o caminhante e o Objetivo. Não apenas um
aspecto restrito à relatividade do conhecimento humano e
suas também limitadas formas de representação e
transmissão.

Entendemos que o yogue que habita a ermida possui


tradições as quais visa preservar, mas também tentamos

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Yoga Tibetano: 69
Segredos do Antigo Tibet

olhar para o yogue solitário, anônimo, vivendo em algum


reduto do Himalaia, onde há fluxo de conhecimento
espiritual tanto do Tibet quanto da Índia, levando em conta
que, às vezes, esse yogue não é um erudito na tradição
religiosa, mas alguém cuja simplicidade se manifesta na
sinceridade em percorrer o Caminho da Iluminação e, a
partir daí, ainda que sem a formalidade sistemática de
tradições religiosas locais, se torna um autêntico iluminado.
A pergunta é: Quantos mestres autênticos já não surgiram
desse contexto, e hoje os olhamos como referência?

No conceito de yogue particularmente adotado neste


trabalho, talvez o segundo yogue (o eremita, não o monge)
seja até mesmo mais interessante de ser analisado – sem
descartar o primeiro -, porque simpatiza de forma mais
integral com o conceito de yogue que nos parece mais
pertinente – o buscador, o místico, aquele com reverência à
vida, um espiritualista legítimo, um autorrealizado ou

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Segredos do Antigo Tibet

aquele que tenta alcançar esse estado14. Não


necessariamente um erudito memorizador de prescrições

14
Embora seja uma escritura tradicionalmente Indiana, vemos na Bhagavad-
Gita o ideal de yogue que nos orienta a essa visão: “O verdadeiro yogi,
deixando os objetos exteriores influenciar só o seu exterior e não a sua alma,
abre as vistas interiores à Luz Eterna e une a sua respiração externa com a
interna, em ritmo e harmonia. Todos os seus sentidos obedecem à vontade
Espiritual, todo o seu pensar tem as raízes em Deus; nada para si deseja,
nada receia; a ele não tem acesso nem ódio nem ira: a sua salvação está
realizada. Ele Me conhece como Sou, sabe que Me agrada o domínio de si
mesmo, reconhece-Me como Senhor do Universo, e amante de todas as
almas, e une-se comigo. Pois Eu sou o amparo de todos os que em Mim se
refugiam”. (Bhagavad-Gita, V:27-29);

“Quando o homem está livre do apego aos frutos das ações, e à ação mesma,
e aos objetos do mundo dos sentidos, então atingiu o mais alto grau da Reta
Ação, e tornou-se um yogi perfeito”. (Bhagavad-Gita, VI:4);

“O sábio yogi contenta-se com a ciência e com o conhecimento da


Humanidade Divina; ele dá igual apreço a um pedaço de barro como ao
ouro ou a uma pedra preciosa. É afável para com todos, com igual amor e
fraternidade a todos trata, sejam amigos ou inimigos, parentes ou não,
compatriotas ou estrangeiros, santos ou pecadores, bons ou maus. O yogi
senta-se num lugar isolado e entrega-se à meditação e a profundos
pensamentos. Dominando a mente e o corpo pelo Eu Real, é livre de opiniões
e de expectativas egoístas”. (Bhagavad-Gita, VI:8-10);

“A ciência yogi, que destrói o sofrimento, é realizável para os que observam


moderação e temperança em comida e recreio, em ação e descanso; para
aqueles que, fugindo do mal do excesso em ação, não caem no mal oposto do
excesso em repressão”. (Bhagavad-Gita, VI:17);

“A mente do yogi se deleita na contemplação do Eu Real e acha no seu


interior o contentamento e a felicidade. Cheio de indizíveis delícias,
inerentes às esferas espirituais que se estendem além dos sentidos, o yogi

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Yoga Tibetano: 71
Segredos do Antigo Tibet

religiosas. Por isso fazemos questão de analisarmos o


contexto geral do Yoga no Tibet, tentando entender sua
complexidade e diferentes formas de manifestação. É
entender a cultura, o contexto, tentar sentir (ainda que de
maneira limitada) o panorama que o tibetano comum (mas
interessado no Yoga) tinha à sua volta.

~*~

permanence firme na contemplação da Verdade”. (Bhagavad-Gita, VI:20-


21);

“Como vês, yogi é aquele que procura a Verdade e, confiando na Justiça da


Lei Absoluta, sempre faz o melhor que pode. É maior do que um asceta ou
fanático que procura obter mérito, impondo-se penas e martírios voluntarios
a si mesmo. É superior aos eruditos e aos que praticam boas obras com
desejo de recompensa. Se, pois, ó Arjuna! Também um yogi, cheio de fé e
bondade! De todos os yogis, Eu prefiro, porém, aquele que Me adora com fé
e a Mim dedica o interior da sua alma; aquele cujo coração transborda Meu
Amor e cuja mente sempre sente a minha presença e, com ela, a Paz
Suprema”. (Bhagavad-Gita, VI: 46-47).

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Segredos do Antigo Tibet

MAIS ALGUMAS PEÇAS...

Bem, até aqui já podemos dizer que traçamos certo


amontoado de peças similares e podemos começar a montar
o nosso quebra-cabeça.

Errado.

O que estamos querendo desmistificar aqui é a ideia


de que Yoga Tibetano é algo rígido e delimitado, como se
pudéssemos começar este livro dizendo assim: “O Yoga
tibetano é X. Vamos falar de X e ensinar X para vocês”.
Mas não é.

Podemos até ter a “tradição X”, mas este trabalho


não é uma campanha publicitária em prol da linhagem “X”
ou “Y”.

Assim como Milarepa, enfrentando inúmeras


dificuldades e limitações impostas por seu guru Marpa, mas
que no fim foram essenciais para ele atingir a iluminação
búdica, continuaremos “garimpando” o vasto terreno dos

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Yoga Tibetano: 73
Segredos do Antigo Tibet

yogues tibetanos, antes que possamos, modestamente, dizer


que temos um ligeiro entendimento do assunto.

Escolas famosas de Yoga existiram por todo o Tibet.


Outras muitas, secretas. Mas cada uma contribuindo com
sua particularidade; cada uma delas tentando, através do
simbolismo de suas tradições, orientadas pelo seio do
Budismo, levar seus adeptos às praias sagradas da
iluminação.

O estudo de algumas delas nos ajuda a traçar este tão


vasto panorama que visamos erigir.

O trecho abaixo é uma preciosa contribuição do Dr.


Pasang Yonten Arya, diretor do Tibetan Medicine
Education Center:

There are two popular yoga schools in


Tibet. They are Zhalu and Drigung Phowa
chenmo monasteries. They select the right
participants and give rLung yoga training for
twelve years. The training starts every monkey
year (after 12 years) and finishes in the next

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Yoga Tibetano: 74
Segredos do Antigo Tibet

monkey year. The rLung practitioner (yogi) uses


special colors of clothes to improve the power of
the Tummo fire15. The yogi should follow strict
discipline and order according to the tradition.
Every winter of the 12th year or monkey year,
during the coldest season in Tibet, all the trainees
should demonstrate their technique and power of
the rLung/wind meditation exercises. The
practitioner, with lotus posture, jumps up from
inside of the training room and goes out through
the roof of the house from a half-foot square
open window without losing the posture. The
trainees also should melt the iced Yak leather by
Tummo heat power. After the demonstration, the
practitioner should make a great journey in
certain areas of Tibet by wind power (which
gives extremely fast walking) and should return
to the base in due time. The successful
practitioner will receive the title of master in
Tibetan yoga, rLung-gompa, by the monastery.
There are also many religious yoga practitioners
who are not monks or nuns but laypeople from
different Dharma schools. They generally
practice secretly in their room, on mountains or
in the forest without speculation or dualistic
expectations. Their goal is to achieve the final
realization of the mind as Buddha state. (ARYA,

15
Prática yogue tibetana, Tummo é a Doutrina do Calor Psíquico, como a
chama Evans-Wentz (1993). Uma antiga prática que é amplamente
conhecida/mencionada no contexto do Yoga Tibetano. Mais para frente,
neste trabalho, falaremos mais a respeito dela. (Nota nossa).

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Segredos do Antigo Tibet

2009, p. 2)16.

Como vemos, há muita informação a ser considerada


em torno do Yoga Tibetano. Desde linhagens mais
famosas, como o caso do Yantra Yoga divulgado por

16
“Há duas escolas de yoga populares no Tibet. São elas os mosteiros Zhalu
e Drigung Phowa chenmo. Eles selecionam os participantes corretos e dão
formação rLung yoga por doze anos. O treinamento começa a cada ano do
macaco (após 12 anos) e termina somente no próximo ano do macaco. O
praticante de rLung (iogue) usa cores especiais de roupas para melhorar o
poder de fogo do Tummo. O iogue deve seguir uma rigorosa disciplina, de
acordo com a tradição. Todo inverno do 12 º ano, ou ano do macaco, durante
a estação mais fria no Tibet, todos os formandos devem demonstrar a sua
técnica e o poder dos exercícios de meditação rLung. O praticante, com a
postura de lótus, salta para além de dentro da sala de treinamento e sai
através do telhado da casa por meio de uma janela quadrada aberta a meio-pé,
sem perder a postura. Os praticantes também devem derreter o couro de iaque
congelado, por meio do poder térmico gerado pela técnica do Tummo. Após a
demonstração, o praticante deve fazer uma grande jornada até certas áreas do
Tibet usando a energia-de-vento/lung (que concede a habilidade de andar em
velocidade muito alta) e deve retornar para a base no tempo devido. O
estudante bem sucedido receberá o título de mestre em yoga tibetano, rLung-
gompa, pelo mosteiro. Há também muitos praticantes de yoga religiosos que
não são monges ou monjas, mas leigos de diferentes escolas de Dharma. Eles
geralmente praticam secretamente em seu quarto, na montanha ou na floresta,
sem especulação ou expectativas dualistas. Seu objetivo é conseguir a
realização final da mente como o estado de Buddha”. (Livre Tradução).

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Yoga Tibetano: 76
Segredos do Antigo Tibet

Namkhai Norbu, como linhagens mais reservadas e, até


mesmo, secretas, como é o caso mais recente que estamos
discutindo aqui – e também enfatizado pelo comentário do
Dr. Pasang Yonten Arya -, considerando os yogues mais
reservados, que abdicam da formalidade exterior de se
afiliar a linhas dogmáticas de pensamento e, de forma
anônima, mantém o vigor de sua busca através da prática
diária e reservada. Deparando-nos com essa vastidão de
informações, pode parecer um tanto difícil dizer o que é o
Yoga Tibetano.

Nesse caso, a única forma de estabelecermos uma


relação coerente, entre os elementos que se erigem diante
desse cenário, seria considerarmos a ciência yogue em sua
base conceitual mais límpida, para além das
sistematizações secundárias que, apesar de apontarem para
uma finalidade em comum, constituem apenas meios
hábeis para a obtenção desse objetivo.

Alhures, alguns diriam que o que define o Yoga


seria justamente o conjunto elencado desses “meios”,

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Yoga Tibetano: 77
Segredos do Antigo Tibet

ligados, consequentemente, à finalidade maior perscrutada


por todas as práticas yogues.

Nada obstante, constatamos que, nesse cenário, de


certa rigidez “dogmática” ao se olhar para o Yoga, de
forma não menos ortodoxa, quase impossível se nos torna
uma análise mais refinada do sistema tibetano. Se assim o
fizéssemos, sumariamente teríamos que descartar a
caracterização yogue de muitas práticas aqui estudadas
(pois muitas delas não se associariam à visão estigmatizada
que fizemos da palavra “Yoga” aqui no Ocidente e
fortemente vinculada apenas às doutrinas indianas ou
sistemas rigidamente “específicos”), o que nos colocaria
frente a uma falha de incongruência histórica, pois que
essas práticas existem, são reconhecidas há centenas de
anos e são configuradas, conceitualmente, como Yoga.

Não apenas conceitualmente, mas para os


entendedores das finalidades mais profundas de toda e
qualquer prática yogue, ficará claro que suas finalidades

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Yoga Tibetano: 78
Segredos do Antigo Tibet

estão plenamente alinhadas às prescrições e anseios dos


grandes yogues e mestres da história.

O que se pode fazer, contudo, é justamente lançar


um olhar mais penetrante ante os escopos mais essenciais –
e menos relativos – que perpassam o universo do Yoga.

É olhar para sua doutrina e lançar o questionamento:


O quê é? Qual sua finalidade? O Yoga Tibetano se ajusta a
isso?

Nisso, talvez, encontremos algum norteador para


nossas análises.

Vejamos uma consideração mais abrangente deste


ponto:

Para os Grandes Rishis, que iluminaram a


escuridão da mente sangsárica com a luz dos
Upanishads, ou para Patanjali, não menos do que
para os budistas de todas as Escolas, o propósito
essencial da Ioga é vencer a Ignorância tornando-
a subjugada pela obtenção da união com o
Conhecimento. É nesse sentido que a Liberação

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 79
Segredos do Antigo Tibet

da Ignorância é tanto uma doutrina do Vedanta


quanto do Budismo. E, em nossa opinião, é a
mesma se chamamos essa Liberação de Mukti ou
Nirvana. De fato, a doutrina-raiz de todos os
credos principais de nossa humanidade comum é
a Luz, que existe no homem, a Luz que brilha na
Escuridão e a Luz que, em virtude de métodos
que chamamos iogues, eventualmente vence a
Escuridão, de maneira que só resta a Luz.
(EVANS-WENTZ, 1993, p. 67).

Assim, também verificamos a necessidade de um


olhar antropologicamente refinado ao se tratar do Yoga
tibetano, reconhecendo a sua apropriação por parte de um
contexto específico que, de forma ou outra, impregnou na
parte mais absoluta do Yoga as suas relatividades étnico-
religiosa-culturais mais presentes sem, contudo, deslustrar-
lhe o fulgor mais íntimo, mantendo esse lume aceso no
ideal de atingimento mais elevado que as concepções
essencialmente yogues visam buscar.

É fácil de se entender que, diante de toda busca


yogue legítima, um certo corpo de práticas se estabelece
diante de preceitos básicos de conduta, tanto interior quanto

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Yoga Tibetano: 80
Segredos do Antigo Tibet

exterior. Apesar de explicarmos com mais detalhes esses


pontos nos capítulos que se seguem, é importante
entendermos que, embora separados por contextos
culturais, ou regionais, ou religiosos específicos, a maior
parte dos sistemas yogues se firmam em torno de um corpo
prático que visa trabalhar o homem holístico.

Os exercícios, dos mais externos (isto é, que


trabalham com o corpo físico) até os mais sutis e internos
(mentais, energéticos) são sempre orientados de modo a
desenvolver o homem por completo. Entende-se que o ser
espiritual, como foco de consciência do Absoluto a
manifestar-se na relatividade, não é apenas um princípio
abstrato e inacessível às experiências que o cercam. Assim,
trabalhar o corpo físico e mantê-lo saudável e bem
aprumado, cuidar das emoções, da conduta ética do
praticante, do sistema energético que diz respeito aos
corpos sutis do ser humano, manter o devido equilíbrio
mental, assim como desenvolver um estilo de vida

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 81
Segredos do Antigo Tibet

harmonioso e saudável são preocupações que, de um modo


ou de outro, irão permear as práticas existentes.

Os grandes mestres e adeptos – sejam eles do Tibet


ou da Índia – saberão da importância desse enfoque global
sobre as diversas dimensões que compõem seus discípulos,
e sempre apresentarão exercícios, em uma via bem
pragmática (e conceitualmente consistente) para beneficiar-
lhes o desenvolvimento.

É justamente a partir desse entendimento que


iniciaremos, a partir do capítulo que se segue, um
entendimento mais maduro e, finalmente, conciso a
respeito do que se chama de Yoga Tibetano.

Antes, porém, veremos como algumas


particularidades fundamentais do Yoga Tibetano se
estabelecem a partir desses princípios acima mencionados.
É o que abordaremos no item “Feiticeiros, Siddhis e
Médiuns”.

~*~

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Yoga Tibetano: 82
Segredos do Antigo Tibet

FEITICEIROS, SIDDHIS E MÉDIUNS

Uma curiosidade muito interessante de ser


observada no contexto tibetano é a proeminência do
Conhecimento Oculto presente na região.

Como uma sociedade formada a partir de interesses


espirituais, toda a busca daquela civilização entrecruzou-se,
invariavelmente, com o avanço inevitável da pesquisa e do
conhecimento acerca do mundo metafísico. Anos de
dedicação, e todo o apoio cultural do contexto, serviram
para os tibetanos adquirirem inolvidável profundidade em
sua ciência espiritual.

O mundo sutil, ou invisível, constituía-se para este


povo singular tão natural quanto o mundo físico.

Não raro, um praticante tibetano sabia como lidar


com mecanismos e leis invisíveis para influênciar e até
mesmo controlar o mundo visível, denso, físico.

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Yoga Tibetano: 83
Segredos do Antigo Tibet

Na literatura, exemplos notáveis de informações


concernentes a essa realidade podem ser encontradas, na
forma de registros muito particulares.

Quando Paramahansa Yogananda estava escrevendo


sua famosa Aubiografia de um Iogue, em um capítulo
intitulado “Um ‘Santo dos Perfumes’ Exibe Seus
Prodígios”, descreveu um paranormal hindu capaz de
materializar, à vontade, qualquer espécie de perfume.
Conversando com um discípulo desse mestre:

(...) Este me informou que Gandha


Baba, cujo nome próprio era Vishuddhananda,
aprendera muitos incríveis segredos iogues de
um mestre no Tibete. Asseguraram-me que o
iogue tibetano atingira a idade superior a mil
anos. (YOGANANDA, 2001, p. 53).

Quando Swami Rama compôs sua belíssima e


universal obra Vivendo com os Mestres do Himalaia,
narrou uma visita sua ao Tibet, em que ia procurar seu

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Segredos do Antigo Tibet

grão-mestre (mestre de seu mestre), que havia se


estabelecido em terras tibetanas (1995, p.p. 372-383).

Chegando lá, presenciou diversos fenômenos


maravilhosos e paranormais produzidos pelo venerado
mestre.

Seu corpo começou a ficar nebuloso, e


essa nebulosidade semelhante à sombra de uma
forma humana, principiou a mover-se na nossa
direção. Dali a poucos segundos porém, a
sombra desapareceu. (...) Volvidos alguns
minutos (...).

(...) logo a seguir, da forma nebulosa,


meu grão-mestre voltou ao corpo visível. Essa
pasmosa e inacreditável experiência era uma
confirmação. Ele fez nova demonstração desse
kriya17 e de maneira semelhante. Talvez nunca
chegue o dia em que poderei falar sobre isso ao
mundo. Eu gostaria de fazê-lo, pois sinto que o
mundo deve saber da existência desses sábios e
que os pesquisadores devem começar
investigando os citados sinais secretos. Milagres
como este mostram que o ser humano tem
capacidades dessa natureza e no terceiro capítulo
das Sutras da Ioga, Patanjali, o codificador da
ciência iogue, explica todos os sidis. Não
professo nem afirmo que tais sidis sejam

17
Processo ou atingimento. (Nota do Autor).

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Yoga Tibetano: 85
Segredos do Antigo Tibet

essenciais à auto-iluminação, mas quero dizer


que o potencial humano é imenso e, assim como
os cientistas físicos estão explorando o mundo
exterior, assim os iogues autênticos não devem
deixar de explorar as capacidades e potenciais
interiores. (RAMA, 1995, p.p. 379-380).

Um dos episódios relatados se refere à necessidade


súbita que Swami Rama teve de anotar em seu diário
alguns preciosos ensinamentos passados pelo seu grão-
mestre. Notando a ausência do caderno, comunicou ao
Paramguru (na verdade, apenas pensou – o mestre leu seu
pensamento) que ele estava sem o seu diário (havia deixado
na Índia), e que não havia como tomar nota das instruções.
No mesmo instante, o grão-mestre se ofereceu para trazer,
instantaneamente, o diário junto com alguns lápis.
Assentindo o Swami, em um único momento o velho
mestre fez aparecer em frente ao Swami o referido diário e
mais um punhado de lápis.

Um dia, depois de dois meses e meio de


estudos, eu estava sentado à entrada da caverna,
pensando no diário em que costumava registrar

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Yoga Tibetano: 86
Segredos do Antigo Tibet

minhas experiências. Um pensamento acudiu-me


à mente: “Eu queria ter meu diário aqui para
anotar algumas observações.”

Meu grão-mestre sorriu e fez-me sinal


para aproximar-se. E disse:

- Posso conseguir-te o teu diário. Estás


precisando dele?

Tal possibilidade já não constituía


grande milagre para mim, pois eu experimentara
essas coisas antes.

Repliquei em tom casual:

- Sim, e alguns lápis também.

Eu deixara meu diário num sanatório


chamado Bhawali, perto das colinas de Nanital,
no norte da Índia. De repente, três lápis e meu
diário, que era volumoso, pois continha 475
páginas, surgiram diante de mim. Fiquei
satisfeito, embora não especialmente surpreso.
(idem, 1995, p.p. – 381-382).

Habilidades paranormais como este aporte ou


mesmo levitação e materialização são atribuídos a adeptos
yogues por várias fontes. Os tibetanos também são
singularmente conhecidos por demonstrarem conhecimento
dessas habilidades.

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Yoga Tibetano: 87
Segredos do Antigo Tibet

No contexto do livro de Swami Rama, contudo, é


dito que seu grão-mestre era oriundo da Índia, mas que nos
parece sugestivo o fato dele ter sido atraído a terras
tibetanas, parece. “(...) Tenho aqui alunos adiantados, já preparados,

que praticam sob a minha orientação. (...)”. (RAMA, 1995, p. 380).

É fato que tais habilidades, ou siddhis, são


adquiridos naturalmente ao longo do desenvolvimento do
yogue, e se manifestam de forma espontânea para alguns
mestres e praticantes. Na verdade, não são um objetivo
natural do Yoga, mas apenas uma consequência natural.
Há, ao contrário, outros indivíduos, de índole magista, que
optam por estudar e desenvolver com um enfoque
específico tais habilidades, muitas vezes como uma
finalidade em si (o que os mestres do Yoga não
recomendam).

Mas que como finalidade em si ou consequência tais


poderes existem, eles existem (como alegam incontáveis
registros) – isso é inegável no universo do Yoga, embora,
muitas vezes, para “não criar desconfiança”, tais

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Yoga Tibetano: 88
Segredos do Antigo Tibet

manifestações ficam mantidas em segredo do público geral.


Há os embustes de toda sorte, é claro. Fraudes sempre
existiram, quando aproveitadores extremamente limitados
ao ego tentam tirar proveito da crendice popular. Mas, às
escusas do interesse de causar espetáculos e fanatismo,
grandes adeptos mantêm até hoje uso notável de certas
habilidades que, inerentes em todos, são desenvolvidas por
meio de treinamento interior apenas em alguns.

Aliás, isso está tão impregnado na cultura tibetana


que o próprio Milarepa, o mais notável dentre os yogues
tibetanos, antes de seguir o Caminho da Iluminação, foi
enviado para um eremitério de ensino de magia nas
montanhas, a fim de aprender o que chamavam de Arte
Negra com um Lama feiticeiro (EVANS-WENTZ, 1985).

Há muitas lendas tibetanas sobre “yogues voadores”


do passado. Praticantes que conseguiam vencer a
resistência da gravidade por meio de técnicas específicas e
causavam espanto e admiração nas pessoas com sua
levitação.

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Yoga Tibetano: 89
Segredos do Antigo Tibet

O trato com o mundo oculto, ou os planos


extrafísicos, também sempre esteve presente entre os
místicos tibetanos. (Não queremos criar uma visão
romanceada e fanática, mas é necessário compreender que
esses elementos sempre estiveram presentes – e que o
sobrenatural pode ser apenas um natural que ainda
desconhecemos).

Para iniciar um shiṣḥya ou discípulo, o


guru primeiro precisa preparar-se, normalmente
durante um curso de exercícios rituais por vários
dias, por meio do qual os gurus, invocando as
ondas de dons da ordem divina de gurus,
estabelecem comunicação direta com o plano
espiritual no qual os gurus divinos existem. Se o
guru humano for dotado de poderes síddhicos,
acredita-se que essa comunicação seja tão real
como a comunicação sem fio ou telepática entre
dois seres humanos no plano terreno. (EVANS-
WENTZ, 2013. p. 169).

Rituais específicos são realizados para o intercâmbio


com o plano espiritual. As divindades – ou entidades
espirituais – tibetanas se manifestam regularmente, direta

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Yoga Tibetano: 90
Segredos do Antigo Tibet

ou indiretamente, compondo uma relação única com os


praticantes, adeptos e yogues. Não da forma como acontece
em centros espíritas, por exemplo. O intercâmbio é tido em
maior naturalidade, porém, como no caso dos oráculos,
cerimonial respeito. A presença de seres de outras
dimensões – como os dakas e as dakinis18, por exemplo,
assim como a tutela dos mestres desencarnados – entrelaça-
se à prática de muitos yogues.

Alguns praticantes, cautelosos, dirão que são


“apenas manifestações simbólicas de aspectos mentais do
adepto, sem existência exterior real”. Mas melindres à
parte, esse contato, existente em praticamente todas as
culturas, também está presente no cenário das tradições
tibetanas. Afinal,

Mediunidade é a natural aptidão para


intermediar os Espíritos.

18
“Dançarinas celestiais”. Classe de seres espirituais importantes na tradição
tibetana. O gênero masculino é conhecido como dakas.

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Yoga Tibetano: 91
Segredos do Antigo Tibet

É, pois, uma faculdade inerente a todo


ser humano.

O ser humano é um ser mediúnico,


encarnado ou desencarnado. (ZIMMERMANN,
2011. p. 53).

Caso famoso é o oráculo oficial do Estado Tibetano,


fundamental em momentos críticos de relações internas e
exteriores (PEACOCK, 2005) – como no caso da fuga do
Dalai Lama diante da invasão chinesa. O grande chefe
político-religioso do Tibet, o Dalai Lama, sempre teve à
disposição um oráculo oficial - ou seja, um médium - para
consultar as divindades da Tradição em momentos
específicos (HARRER, 1999). Nesse contexto, o Dalai
Lama costuma recorrer ao Oráculo de Nechung, em que se
manifesta Dorje Shugden, um dos guardiões espirituais do
Dalai Lama. No caso, os oráculos são conhecidos como
kuten, que, literalmente, significa “base física”. Ou seja, o
canal por onde as entidades espirituais podem se
manifestar.

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Yoga Tibetano: 92
Segredos do Antigo Tibet

Rinpoche (2005), nos dá diversos exemplos de


relação entre praticantes tibetanos de várias doutrinas
(Tantra, Dzogchen e Xamanismo) com espíritos
elementais, entidades kármicas ou familiares e divindades,
explicando os fundamentos de tal relação e como utilizá-la
de forma a assegurar um desenvolvimento positivo ao
praticante.

Nada obstante, o mais interessante nesse contexto é


a ênfase que W. Y. Evans-Wentz nos dá sobre essa
perspectiva. Na tradução que fez de diversos textos
tibetanos, com a ajuda do louvável Lama Kazi Dawa-
Samdup, é mencionado que considerável parte dos escritos
e ensinamentos teve origem do que chamaram de “Ondas
de Dádivas”. Em outras palavras, é a transmissão telepática
de um mestre desencarnado – um ser extrafísico –
diretamente para mestres encarnados da linhagem na Terra.

Os Ensinamentos Sistemáticos, ou
Metódicos, são aqueles formulados nos textos a

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Yoga Tibetano: 93
Segredos do Antigo Tibet

serem estudados pelo discípulo sob a orientação


pessoal do guru. Os Ensinamentos Sussurrados
ao Ouvido, ou seja, Esotéricos, jamais chegam a
ser publicados em toda a sua integridade. Por
intermédio do que o nosso texto denomina “dom
das vibrações”, ou “emanações psíquicas”, ou
seja, a telepatia, os ensinamentos secretos são
transmitidos pelos Divinos Gurus, no Reino dos
Céus, diretamente aos gurus humanos da
Sucessão encarnada na Terra (...). Os gurus
humanos, por sua vez, transmitem estes
ensinamentos secretos a discípulos especialmente
selecionados. (EVANS-WENTZ, 1993, p.p. 173-
174).

Essa informação evoca ainda mais o caráter plural


dos ensinamentos tibetanos; contudo, sempre convergindo
para o grande objetivo da Libertação. Mas é inegável a
existência de muitos meios, principalmente quando se
estabelece tal fluxo de conúbio com realidades
extradimensionais e seus habitantes.

Este item é importante para nós não pelo seu caráter


“maravilhoso”, mas pelo seu significado no panorama
yogue tibetano. Se pudéssemos olhar bem de longe e eleger
alguns pontos fundamentais de sustentação para essa vasta

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Yoga Tibetano: 94
Segredos do Antigo Tibet

tradição do Tibet, poderíamos ver as influências indianas


(Budismo, Tantrismo), as influências da tradição ancestral
da religião Bön e os ensinamentos passados diretamente de
esferas superiores a praticantes adiantados. Mas o yogue
que recebe as “Ondas de Dádivas”, conforme as chamou
Evans-Wentz, não pode ser considerado um médium no
sentido de oráculo, de kuten, pois sua função não é
canalizar forças espirituais, mas sim trabalhar junto com
elas. Ele não é um canal delas, é um discípulo, um
aprendiz. O brocardo já adverte: “Quando o discípulo está
pronto, o mestre aparece”. E ele pode aparecer em
qualquer lugar, sob qualquer forma e meio.

Isso acrescenta ao nosso conhecimento o como a


sabedoria e as tradições yogues do Tibet foram formadas
com o passar do tempo.

Assim, destacamos aqui este também importante


caráter da espiritualidade tibetana, podendo dizer, sem
receios, que muitos aspectos do Yoga Tibetano são
oriundos de realidades paralelas à dimensão do plano

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Yoga Tibetano: 95
Segredos do Antigo Tibet

físico, o que torna sua expressão muito mais rica e


profunda do que havíamos visto até aqui.

Infelizmente, em nosso mundo ainda há muito


preconceito e falta de entendimento acerca das diferentes e
paralelas dimensões de realidade da vida. Dessa forma, fica
relativamente difícil tocar nesses assuntos de forma mais
aberta, pois podem ser confundidos com crendice e
superstição. Mas para o yogue nada disso é superstição.
Não é imaginação. São realidades naturais, com as quais
ele pode interagir e acaba, uma hora ou outra, se deparando
ao longo de sua prática. É dispensável, mas é bem-vindo.
Unido à totalidade da vida, acessa o yogue os portais donde
todas as nuances da existência se manifestam e, assim, o
invisível passa, para ele, a ter uma consistência tão nítida e
real – ou mais – quanto à realidade puramente material.

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Segredos do Antigo Tibet

Figura 8. Ling-tsang Gyalpo – Um prodigioso mestre Ngakpa da tradição


Nyingma. Conhecido por sua grande bondade e manifestação de siddhis
ligados ao domínio da Phurba (adaga ritual). Foto de Ernst Krause,
disponibilizada pelo German Federal Archieve.

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Segredos do Antigo Tibet

YOGA TIBETANO:
CONTINUA SENDO
YOGA? ༀ

“Quem quer que tenha vivido de acordo com esta lei da disciplina,
em bondade e pureza, porá um fim à sua tristeza se tiver
transcendido as mortes e os nascimentos (...). Aquele que se livrou
dos grilhões das paixões, que se desfez do corpo e obteve a
Sabedoria e foi para além do reino da ilusão – brilha em
esplendor, como o Sol”.

Udánavarga – escritura canônica tibetana.

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Yoga Tibetano: 98
Segredos do Antigo Tibet

Vimos até aqui como a essência do Yoga, analisada


do ponto de vista do Yoga Tibetano, parece sobressair a
despeito de qualquer interpretação diferenciada do ponto de
vista mais técnico e superficial das práticas.

Alguns, entretanto, poderiam alegar ser esse um


discurso com apologia – e justificativa – ao bordão “os fins
justificam os meios”.

Contudo, tecendo uma análise cuidadosa a respeito


do universo yogue, percebemos que não se trata desse caso.
Simplesmente porque o objetivo perscrutado pelo yogue
não é um objetivo relativo ou de características relativas –
como um título de doutorado, por exemplo (que vale no
mundo acadêmico, mas não vale para obter um desconto
em uma feira pública) -, mas de característica absoluta,
uma vez que seu ideal repousa na conquista da mais
legítima liberdade e plenitude interiores, que acompanham
o indivíduo por onde quer que ele vá.

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Yoga Tibetano: 99
Segredos do Antigo Tibet

Nesse caso, embora a sistematização de um percurso


seja sempre algo muito fundamental em qualquer doutrina
humana, vemos que, em casos como o Yoga, a sua
finalidade é tão imensurável que parece transcender as
formalidades impostas pelas estruturações legitimamente
humanas, como se pairasse acima delas – para além dos
livros, das “autoridades” ou dos “credenciados”.

Ainda mais porque se trata de uma conquista de


ordem subjetiva e particular, e sabemos que o que funciona
para uma pessoa, pode não funcionar para outrem. E vice-
versa. Ou o que fala a uma cultura precisa sofrer
modificações para que possa ser entendida no contexto de
outra. É apenas uma questão de meios; de canais.

No contexto e vida de Milarepa, por exemplo, o


grande yogue tibetano19, encontra-se sinais de compreensão
desse fato, conforme podemos constatar a seguir:

19
Uma espécie de “Paulo de Tarso” do Tibet – viveu uma vida de
incongruências morais até um período de arrependimento, que culminou em
uma conseguinte busca espiritual, intensa e sincera, que o projetou no cenário

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Yoga Tibetano: 100
Segredos do Antigo Tibet

Na Biografia de Milarepa mostra-se que o


caminho yóguico para a ascendência está acima
das fórmulas atinentes à salvação cunhadas
intelectualmente e está sempre aberto à
humanidade toda, independentemente do credo
religioso. (EVANS-WENTZ, 1985, p.VIII).

Por “credo religioso”, contudo, podemos entender a


amalgama cultural de determinada região manifestada por
uma (ou mais) tradição(ões) espiritual(ais) específica(s).
Grande semelhança é possível ser notada com o sistema
yogue. Dessa forma, se o processo yogue ganha um
“contorno” budista, jainista ou hindu, olhamos para esse
fato apenas como uma manifestação legítima de caráter
sócio-antropológico, como apropriação cultural de uma
doutrina estrangeira, por parte daqueles que empregam tal
acolhimento. Lembrando: Yoga não é classificado como
religião.

espiritual local (e mundial, posteriormente) como grande iluminado.


Considerado, de longe, o mais importante yogue tibetano.

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Yoga Tibetano: 101
Segredos do Antigo Tibet

Mas pode auxiliar grandemente no processo


religioso autêntico.

Não obstante, percebemos que apesar de os “meios


relativos” serem sensivelmente diferentes – seguindo as
influências de contextos e tradições particulares – a
“finalidade Absoluta”, tão cantada e anunciada pelos sábios
yogues, permanece incorrupta, pois independe das
segregações humanas de pensamento para sua auto-
efulgência.

Para Swami Vivekananda,

O objetivo de toda ciência é descobrir a


Unidade, o Uno, do qual o múltiplo provém, o
Uno que se manifesta como muitos. Raja-Yoga
determina-se iniciar partindo do mundo interno,
estudando a natureza interna, e através dela,
controlar tudo – tanto interno como externo. É
tentativa muito antiga. A Índia tem sido a sua
mantenedora especial, mas também houve
tentativas feitas por outras nações.
(VIVEKANANDA, 1967, p.42).

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Yoga Tibetano: 102
Segredos do Antigo Tibet

De outro modo, podemos esmiuçar o tema da


seguinte forma, à guisa de ilustração: Imaginemos um
treino de Kung-Fu, em que a corrida é um aspecto essencial
do aquecimento. Não importa se a corrida é realizada em
círculo, em sentido diagonal, em sentido vertical ou
horizontal segundo o ponto de vista de um determinado
observador. O importante é haver a corrida para a
consolidação do treino. Ou, se não houver espaço, algo que
simule a corrida. Se ainda essa última alternativa não for
possível, precisa-se de exercícios que estimulem e
desenvolvam os mesmos músculos que a corrida
desenvolveria. Precisa-se de exercícios que causem o
mesmo bem-estar que a corrida poderia proporcionar. Se a
finalidade é uma, precisa-se buscar meios eficientes de
preservá-la, ainda que alguns deles estejam
impossibilitados de serem contemplados na ocasião. Outros
poderão existir.

Da mesma forma, vemos interpretações hindus e


budistas para exercícios respiratórios, mas ambas estarão

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 103
Segredos do Antigo Tibet

estritamente focadas nos mesmos benefícios e finalidades,


ainda que a forma de se abordar a prática seja ligeiramente
diferente. O intento é sempre um, da mesma forma que
carro é sempre carro e serve para conduzir pessoas de um
lugar para o outro, seja um Corola ou um Volkswagen.

O hindu e o budista, tradicionalmente, empregam


esforços significativos para atingir um patamar de
iluminação interior que os satisfaça perante o drama
existencial, Samsāra, Jagat, Maya, etc., tirando-os da linha
de passagem da grande alternância de prazeres e dores,
renascimentos e remortes, e lançando-os para o patamar da
plenitude no Eterno. Não apenas em um âmbito filosófico
de especulação, mas buscam nas práticas da ciência yogue
os métodos devidamente embasados para transpor esse
passo de ignorância e ascender à autoconsciência em seu
sentido mais fulgurante e pleno.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 104
Segredos do Antigo Tibet

Figura 9. Estátua representando uma yoguine tibetana. Ao contrário


de outras tradições ao redor do mundo, a mulher possui importante papel no
cenário do Yoga Tibetano. Há muitas proeminentes praticantes.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 105
Segredos do Antigo Tibet

Mestres yogues de todas as partes, considerando a


sua subjetividade de interpretação, enfatizam certos
aspectos da prática e, porventura, podem até fazer
alterações em outros, de modo a auxiliar o
desenvolvimento particular de certo estudante. Além do
mais, há a adaptação do baldrame técnico a fim de que esse
se adapte às necessidades de crença e cultura de certo
discípulo, beneficiando-lhe o processo de aprendizagem a
partir da aproximação do conteúdo ao seu próprio universo
particular20.

Sobre a vida de um grande yogue do século


retrasado, Lahiri Mahasaya, lemos o seguinte sobre essa
questão, ilustrando o comportamento de um autêntico
mestre:

20
Exemplo: Se um aluno meu, recém chegado ao Yoga, é cristão e vou dar
um exercício de Guru Yoga, por exemplo, em que pediria para os praticantes
concentrarem-se na presença e figura de seu mestre particular, junto com
algumas visualizações específicas, não pediria para ele pensar em Buddha.
Pediria para ele pensar em Jesus, ainda que, ao mesmo tempo, pedisse para
um aluno pensar em Gautama Buddha e outro em Shiva.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 106
Segredos do Antigo Tibet

Uma característica significativa da vida


de Lahiri Mahasaya foi sua dádiva de iniciar em
Kriya os devotos de todos os credos. Não apenas
hindus, mas muçulmanos e cristãos contavam-se
entre seus discípulos mais destacados. Monistas
e dualistas, adeptos de vários credos ou sem
credo estabelecido, eram imparcialmente
recebidos e instruídos pelo guru universal. Um
de seus chelas21 mais adiantados foi Abdul
Gufoor Khan, muçulmano. Lahiri Mahasaya,
pertencente à casta mais elevada, a dos
brâmanes, fez corajosos esforços para dissolver o
rígido preconceito de castas de sua época.
Pessoas de todos os tipos encontravam abrigo
sob as asas onipresentes do mestre. Como todos
os outros profetas inspirados por Deus, Lahiri
Mahasaya deu novas esperanças aos párias e aos
oprimidos da sociedade. (YOGANANDA, 2001,
p.p. 354-355).

Como podemos compreender, a partir de uma


análise do ponto de vista pedagógico, um ensinamento,
para ser bem absorvido, encontra meios diferentes para
chegar a níveis de compreensão, formação e cultura
diferentes. A não ser que o professor considere esse
ensinamento uma finalidade em si, e não um meio para
21
Outra palavra sânscrita para designar “discípulo”.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 107
Segredos do Antigo Tibet

proporcionar ao aluno ou discípulo a finalidade maior e


imperecível de seu próprio crescimento.

Nesse sentido, as diferenças que apartam o Yoga


budista do Yoga hindu perpassam o universo da forma,
muito mais do que o do conteúdo. A forma de transmissão,
a maneira de assimilação, a adaptação cultural, etc.,
divergem em termos de superfície, porém, sendo a senda
yogue uma trilha de profundidade, notamos que as
distinções abrangem uma porção mui diminuta do universo
do Yoga, como uma crisálida que alterna de coloração em
distinção a outra espécie de pupa, muito embora ambas
serão responsáveis por metamorfosear a lagarta em
borboleta.

Filosoficamente, esse entrave é muito menos


pertinente do que no seu caráter técnico, e é onde
encontramos o amparo dos pesquisadores do
desenvolvimento do pensamento humano, como o
antropólogo americano Walter Yeeling Evans-Wentz, que
passou vários anos vivendo entre os yogues da Índia e do

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 108
Segredos do Antigo Tibet

Tibet, assimilando-lhes o modo de vida e sorvendo-lhes a


filosofia, para que pudesse concluir seus diários de estudo –
tanto do ponto de vista da antropologia, quanto da
espiritualidade.

Diz ele, em seu A Ioga Tibetana e as Doutrinas


Secretas:

Embora, como dissemos, o Budismo


seja fundamentalmente iogue, não há
necessidade alguma de se fazer uma distinção
entre os sistemas budista e hindu e outros
sistemas de Ioga. Para o ocultista, todavia, as
diferenças são muito mais uma questão de
termos e de técnica do que de essência.
(EVANS-WENTZ, 1993, p.66).

Talvez esse argumento não inspire alguém formado


exclusivamente nos termos técnicos do Yoga, como um
papel de instrutor(a) dessa ou daquela “linha”, defensor
desta ou daquela ramificação, para ensinar este ou aquele
exercício como se o universo do Yoga se resumisse a

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 109
Segredos do Antigo Tibet

colocar os pés atrás da cabeça, oxigenar o sangue com


respirações ritmadas ou ter todos os nomes dos āsanas
(posturas) na ponta da língua.

Mas não se trata de uma disputa de convencimento e


aceitação. Como trabalho de pesquisa, cabe-nos a
responsabilidade de colhermos fatos empíricos passíveis de
processamento teórico e, conforme validam os fatos, o
Yoga parece ter se esquivado de monopólios particulares
atinentes a pontos de vista ou opiniões, sejam de eruditos
(pundits), “diplomados” ou qualquer outra “autoridade”,
porque, pelo que pudemos (e poderemos) constatar, Yoga
não é uma ciência de rótulo, mas de conteúdo, de vivência
e, sobretudo, de essência.

Entendido esse ponto, podemos passar para os


demais.

Falaremos agora sobre o que é o Yoga.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 110
Segredos do Antigo Tibet

YOGA ༀ

“Nada de teus esforços se perde neste caminho; já a menor porção


desta ciência e prática nos livra de grande medo e perigo”.

Bhagavad-Gita II:40.

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Yoga Tibetano: 111
Segredos do Antigo Tibet

Neste ponto de nosso trabalho, cabe-nos a obrigação


de tecer uma explanação mais minuciosa acerca das ideias
embasadoras do Yoga, a fim de separar aquilo que é
entusiasmo e modismo – traçando no inconsciente coletivo,
muitas vezes, uma visão deturpada da real doutrina do
Yoga – e fazer volver à superfície os legítimos postulados
que fundamentam filosofia e prática do universo yogue.

Patañjali, o sábio codificador da doutrina do Yoga,


expôs em forma de Sutras todo o baldrame essencial
daquilo que considerava a base da ciência yogue22. Os
Sutras, por sua vez, qual sutura cuidadosamente tecida e
interligada a seus diversos segmentos, dificilmente
poderiam ser compreendidos de forma isolada, sem a sua
contextualização com todo o panorama que o texto nos
traz.

22
Grande parte dos estudiosos definem Yoga como a doutrina codificada por
Patañjali, proveniente de rudimentos ancestrais da cultura sânscrita e védica
(como no Shvetashvatara Upanishad, por exemplo), e continuada por linhas
que buscavam se aproximar ao máximo dos ensinamentos originais.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 112
Segredos do Antigo Tibet

Nada obstante, é notório o fato de que muitos


estudiosos se utilizam dos primeiros sutras para tecer uma
explanação, mais ou menos fundamentada, a respeito das
ideias de Patañjali. Para muitos, ali está uma síntese sucinta
de todo o corpo doutrinário do Yoga.

Na primeira seção do Yoga Sutras, intitulada


Samādhipāda, Patañjali inicia o seu texto da seguinte
forma:

Traduzindo-se para o português23, teríamos: “Eis os


postulados mais elevados do Yoga. O yoga é o

23
Tradução do professor Carlos Eduardo Barbosa.

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Yoga Tibetano: 113
Segredos do Antigo Tibet

recolhimento [nirodha] dos meios de expressão [vrttis] da


mente [citta]; Então ‘aquele que vê’ [drastr, o percebedor]
se manifesta em sua natureza mais autêntica”.

Essencialmente, a própria palavra Yoga contém, em


sua semântica, um bom direcionamento conceitual acerca
de seus postulados mais fundamentais.

Em uma primeira análise, é muito comum vermos a


palavra Yoga traduzida com um sentido de “união”,
conforme podemos notar abaixo:

A palavra “ioga” deriva da raiz sânscrita


“yuj”, que significa “jungir”, “atar”, “reunir”,
“ligar”, “dirigir e concentrar a atenção sobre”,
“usar e aplicar”. Significa também “união” ou
“comunhão” (...)

A ioga é um dos seis sistemas ortodoxos


da filosofia hindu. Foi coligida, coordenada e
sistematizada por Patañjali em sua obra clássica,
os Ioga sutras, que consistem em cento e oitenta
e cinco lacônicos aforismos. No pensamento
hindu, tudo é permeado pelo Espírito Universal
Supremo (Paramatma, ou Deus) do qual o

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Yoga Tibetano: 114
Segredos do Antigo Tibet

espírito humano individual (jivatma) é parte. O


sistema é chamado de ioga porque ensina os
meios pelos quais o jivatma pode ser unido, ou
ficar em comunhão com Paramatma, garantindo
desse modo a libertação (moksa). (IYENGAR, p.
17, 2006).

Contudo, além desse sentido comumente adotado e


amplamente utilizado, permeando esse ideário-base de
“união”, a palavra Yoga também é destinada à referência ao
uso/método/meio de algo (ex.: mantra Yoga – “uso do
mantra”; mudrā Yoga – “uso dos mudrās”, etc.).

E, para além desses, há ainda outra conotação, talvez


menos divulgada – mas largamente explanadora – do
significado englobado pela palavra sânscrita Yoga:
“Adequar-se”, “ajustar-se”.

Esse sentido, para nós, em uma análise mais


acadêmica, possui um precioso significado. “Adequar-se” a
quê? “Ajustar-se” a quê?

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 115
Segredos do Antigo Tibet

Adequar-se e/ou ajustar-se à nossa natureza


fundamental, real, absoluta – e não relativa. O que isso
implica e qual o motivo dessa visão ser importante?

Notoriamente, um largo espectro da filosofia oriental


– conforme divulgado por doutrinas e sistemas filosóficos
como o Advaita Vedānta, o Dzogchen, o Taoismo, o Zen,
etc. – se baseia em uma visão não-dualista da vida e da
existência.

Grosso modo: não estamos separados dos outros


seres, nem da natureza nem da Realidade Absoluta ou Deus
– o que existe é uma ignorância (avidyā), uma ilusão
(maya), que nos impede de termos consciência disso, dessa
união, dessa unidade. Enquanto mantemos a noção de
“separatividade”, sofremos e somos amordaçados por
sofrimentos autoengendrados.

Ou seja, enquanto um sentido de “união” satisfaria


uma mentalidade programada no modelo ocidental,
predominantemente judaico-cristão, em que um conceito de

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 116
Segredos do Antigo Tibet

Deus criador é visto como uma entidade separada,


inacessível e distante, o mesmo sentido não teria muito
fundamento para uma linha-de-análise não-dualista, pois
que essa adota (em muitas de suas visões) uma noção
fundamental de que “não há nada separado”, nada que não
seja permeado pelo Espírito Universal e, em última análise,
“Sarvam Brāhman Idam” – “Tudo isto é Brāhman, o Ser
Supremo” - e, portanto, não há nada o que unir: a
necessidade é de despertar, “abrir os olhos”, para a
realidade imanente que há em nós, que se revela na medida
em que galgamos os patamares de nosso aspecto mais
transcendente. Já deixamos advertido, contudo, que o
tibetano não irá utilizar esse conceito de “Deus” ou
“Espírito Universal”. Irá partir de um conceito mais
“impessoal”, falando de uma realidade suprema cuja
vastidão é uma inseparatividade de consciência,
luminosidade e vazio (RINPOCHE, 2005). Mas como o
conceito de Deus do yogue indiano não corresponde à
imagem do velhinho com barba branca, ditador do
Universo, mas se aproxima dessa vastidão de consciêna

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Yoga Tibetano: 117
Segredos do Antigo Tibet

absoluta supra-universal, perfeita e, em essência, sem


atributos vinculados a conceitos dualistas, cremos que, em
caráter de experiência, sejam conceitos que, sondando-os
acima das diferenças culturais e de terminologia, se referem
a uma realidade análoga.

É lógico que essa noção de “união” é muito


acolhedora para nossa mente conceitual, e faz com que o
significado dessa aparentemente “abstrusa” noção
filosófica seja mais facilmente assimilado e a ideia
compreendida.

É mais fácil imaginar que duas coisas estão para se


unir, uma maior e outra menor, do que supor que a menor
seja nada menos do que a maior manifestando a sua
essência em forma de existência, inclusive, através da
menor.

Mas essa gradação conceitual também está presente


na filosofia indiana, da noção da dualidade à unidade.
Existem, por exemplo, três aspectos do Vedānta:

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Yoga Tibetano: 118
Segredos do Antigo Tibet

Dualista (dwaita): “Eu e Deus somos diferentes”.


Dualista-qualificado (visishtadvaita) : “Sou filho de Deus;
somos diferentes, mas há um profundo elo a conectar-nos”.
E, finalmente, o não-dualista (adwaita): “Eu e o Pai somos
UM”.

Na verdade, esses três conceitos não devem ser


encarados como digladiantes entre si. São apenas fases de
compreensão de um mesmo conceito. Níveis de
consciência orientadores de facetas do entendimento da
Realidade. Não se pode saltar presunçosamente para o não-
dualismo puro sem, antes, ter desenvolvido algo das noções
anteriores.

Sobre o assunto, diz Sathya Sai Baba:

“Quando Jesus nasceu, três reis árabes foram vê-lO.


Eles estavam extremamente contentes em ver o bebê recém-
nascido. Ao retornar, o primeiro rei disse à Mãe Maria: ‘Mãe, a
senhora concebeu uma criança que ama a Deus.’ O segundo rei
disse: ‘Mãe, a senhora concebeu uma criança que será amada

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 119
Segredos do Antigo Tibet

por Deus.’ O terceiro rei disse: ‘Mãe Maria, sua criança não é
diferente de Deus – ambos são um e o mesmo.’ Uma vez que
entendamos o significado intrínseco dessas três declarações,
nós conheceremos a Verdade. Aquele que ama a Deus é o
Mensageiro de Deus; aquele a quem Deus ama é o Filho de
Deus; aquele que entende o princípio da unidade se torna uno
com Deus. Adore a Jesus seguindo Seus ideais. Jesus indicou
três etapas: a primeira é: ‘Eu sou o Mensageiro de Deus’ - Ele
queria propagar a mensagem de Deus; a segunda é: ‘Eu sou o
Filho de Deus’ - o filho tem direito aos bens do pai. Quais são
os bens de Deus? Verdade, amor, tolerância, paz e retidão são
os bens de Deus. Assim, o homem tem que se esforçar por
adquirir essas qualidades. Ele tem que praticar, ter a
experiência e propagar essas virtudes. Somente então o homem
merece ser chamado Filho de Deus; a terceira é: ‘Eu e Meu Pai
somos um’ - esta etapa é alcançada quando o princípio da
unidade é percebido”.

Dentro desse contexto, ao traduzir Yoga por


“ajustar-se” ou “adequar-se” dá-se uma conotação mais
“não-dualista” (monista) ao termo, embora as outras
interpretações também não estejam erradas. Mas ao olhar
para o Yoga com a interpretação não-dualista, percebe-se
que não há a necessidade de buscar-se nada que esteja

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Segredos do Antigo Tibet

“fora” ou “distante”; a necessidade real é a de adequar-se à


nossa verdadeira natureza porque, atingindo isso,
perceberemos nossa unidade com o Todo. E veremos que
sempre estivemos “unidos”, jamais dissociados do que quer
que seja. Superaremos Abhasa-Avaranam – a superposição
do individual sobre o universal, e então despertaremos para
a nossa unidade com o Absoluto.

“O todo está na parte, e a parte está no todo” – eis o


que nos diz o paradigma holístico em nossos dias.

No Yoga Sutras de Patañjali,

“O percebedor é a própria medida da percepção.


Embora puro, apreende apenas suas próprias convicções”.
(II:20).

Quando o percebedor identifica-se com o pequeno e


limitado ego, cria uma cisão na sua visão dos fatos,
tornando sua própria medida diminuta, já que assim o é sua

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Yoga Tibetano: 121
Segredos do Antigo Tibet

percepção. Porém, quando o indivíduo mergulha na


percepção da totalidade, sua “medida” se torna a mesma do
Infinito, e ali ele nota sua unidade com Deus, ou a palavra
que queira usar para se referir ao Absoluto. Suas
convicções mutáveis dão lugar à verdade imutável, porque
ele mesmo se vê como manifestação dessa última.

Mas quando a consciência humana ainda permanece


em um padrão fragmentário e dissociativo (isto é,
considerando-se separada do grande Todo), a tarefa do
Yoga é de “unir”, não no sentido de que algo esteja
verdadeiramente separado, mas no sentido de criar essa
consciência de união, dissipando a de separação e
fragmentação.

Um exemplo, à título de ilustração: Imaginemos um


recém-nascido que, ainda no hospital, tem suas pálpebras
cerradas e presas com uma fita adesiva.

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Yoga Tibetano: 122
Segredos do Antigo Tibet

Ele possui a faculdade da visão, mas seus olhos


estão, agora, sendo mantidos fechados. Conforme os anos
vão passando, e a criança crescendo, ela começa a se sentir
incomodada com aquela situação, ainda que ninguém tenha
dito a ela o que se passa.

Aos poucos, a qualidade da fita adesiva começa a


diminuir, e leves lampejos de luz são percebidos pelo
indivíduo, o que instiga sua curiosidade. Com o passar dos
anos, já com uma grande convivência com o mundo à sua
volta, ele percebe, através do tato, que nem todas as
pessoas mantêm as pálpebras fechadas como ele. Então
começa a questionar-se...

Finalmente, nota que a fita pode ser retirada.


Cauteloso, e sem saber como proceder, aos poucos logra
afrouxar sua venda, desistindo da ideia, em seguida, com
medo do ofuscamento que uma fímbria de luz possa causar
ao lhe tocar as órbitas oculares.

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Yoga Tibetano: 123
Segredos do Antigo Tibet

Mas, aos poucos, com grande insistência, vai se


acostumando vagarosamente com a luz. Sua
fotossensibilidade diminui. Até que finalmente chega um
dia em que ele toma coragem, desfaz-se da vendagem e
abre os olhos, deparando-se, face-a-face, com um mundo
novo e estonteante.

A pergunta é: a realidade com a qual ele se depara é


uma potencialidade (ou seja, não existe de começo, precisa
ser desenvolvida) ou a potencialidade se resume em “abrir
os olhos” e, ao final do processo, deparar-se com algo que
sempre esteve ali, apesar dele não ter consciência disso
antes?

Alguns filósofos espiritualistas diriam que Deus (ou


chispa/consciência divina) é uma potencialidade dentro de
nós. Os yogues vão dizer que Deus é uma realidade dentro
de nós. Deus não é “em potencial” dentro de ninguém: Ele
apenas é. A potencialidade está em acordar para ver esse
fato. O processo de acordar, os meios para que isso ocorra e
o despertar em si configuram o que é Yoga.

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Segredos do Antigo Tibet

Os hindus falam em Atma. Atma seria o Eu Real, o


aspecto imanente de Brahman em cada ser. O Deus
Interior. Mas vemos em algumas tradições budistas a
ênfase no conceito e anatma, ou não-eu. Alguns diriam que
esse é um princípio de negação ao Atma hindu. Penso,
particularmente, que não. Porque o Atma hindu não implica
e nunca implicou em um “eu” conforme entendemos essa
palavra. É um “não-eu” por excelência. Porque o Atma é
essência, é Brahman, é Absoluto. Não há separação entre
ambos, não há dois, há Um. O “eu” é existência,
relatividade. Então, de certa forma, o próprio conceito de
Atma já possui, intrínseco em si, essa noção de não-eu. Não
há um “eu” como personalidade individualizada e separada
de tudo. Há um “Eu” que, não sendo nada, é tudo. E, sendo
tudo, não é nada. Nem mesmo um “eu”. Porque algo só
pode existir ou não existir – como uma coisa conceitual e
própria - no campo da relatividade, da dualidade. O Atma
não existe, ele É. Nesse contexto, essência é diferente de
existência (relativa, sujeita a leis e mudanças).

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Yoga Tibetano: 125
Segredos do Antigo Tibet

Enquanto estive em Gantoque, aboletei-


me num mosteiro que ainda existe na região
nordeste da cidade. Ali visitei um lama, homem
notável, autêntico iogue budista e douto
sanscrítico, que vivera por muitos anos em
Bodhigaya, na Índia. Os letrados do budismo
costumam criticar Shankara24, exatamente como
os swamis da ordem de Shankaracharya criticam
o budismo. Mas este sábio homem, reportando-se
a inúmeros textos, expôs-me uma síntese do
budismo e do sistema advaita de Shankara. Disse
ele:

- Não há diferença entre esses sistemas


de filosofia no que tange à Realidade Suprema.
Existem diferenças verbais, mas nenhuma
experiencial. Lança de ti todas as influências
sectárias e atinge o mais alto estado de
consciência, ou nirvana. (RAMA, 1995, p.p. 382-
383).

Para os expoentes do pensamento não-dualista, a


Realidade não precisa da demarcação da visão particular de
ninguém para existir em sua fulgurância original. Nossa

24
Shankara foi um grande filósofo iogue e um dinâmico jovem avatar
(encarnação de Deus), que sistematizou e organizou o sistema advaita (não-
dualista), muito embora o codificador do sistema tenha sido Gaudapada
Acharya. (Nota do Autor).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 126
Segredos do Antigo Tibet

percepção fragmentada é que limita a visão acerca de sua


natureza, levando-nos a diversos enganos sucessivos.

Mas não há a necessidade, para o pensamento não-


dualista, de se alcançar algo que está afastado de nós.
Simbolicamente falando, a luz, as cores e as formas já
existem dispostas à nossa frente. Estamos imersos nisso. A
faculdade da visão nos é inerente. Mas talvez os aspectos
de nossa criação (nossa cultura, programação mental, nível
evolutivo e consciencial, etc.) nos tenham preservado os
olhos fechados, até o ponto em que isso nos exaure e
passamos a querer buscar “algo a mais”.

É nesse ponto que muitos dos sábios orientais, de


diversas culturas e segmentos, vão reverter todos os seus
esforços para expressar e ensinar o processo de libertação
da “fita adesiva” que mantém nossos olhos fechados. Os
autênticos mestres não são teóricos com informação de
segunda mão. Sua experiência é autêntica. Antes de
ensinar, eles também abriram os olhos.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 127
Segredos do Antigo Tibet

Em resumo, trazemos abaixo algumas máximas


desses notáveis filósofos, para se expor tal linha de
pensamento com mais autoridade:

“Não continue buscando a verdade, simplesmente


deixe para lá as suas opiniões. Para a mente em harmonia
com o Tao, todo egoísmo desaparece. Sem nenhum traço
de dúvida, você pode confiar no Universo completamente.
Tudo de uma vez, você está livre com nada para segurar.
Tudo está vazio, brilhante, perfeito em seu próprio Ser. No
mundo das coisas como elas são, não há eu, nem não-eu.
Se você quiser descrever a sua essência, o melhor que pode
dizer é ‘não-dois’. Neste ‘não-dois’ nada é separado, e
nada no mundo é excluído. Os iluminados de todos os
tempos e lugares entram nesta verdade. Nela não há ganho
ou perda, um instante é 10 mil anos. Não há aqui; Não há
ali; Infinidade está direto diante de seus olhos. O pequeno
é tão grande quanto o vasto, quando os limites objetivos
desaparecem; O vasto é tão pequeno quanto o minúsculo,
quando você não tem limites externos. Ser é um aspecto do
não-ser; Não-ser não é diferente de ser. Até você entender
esta verdade, você não vai ver nada claramente”. (Seng
T’san);

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 128
Segredos do Antigo Tibet

“Não há nenhum estado que não seja este estado de


Grande Presença”. (Seng T’san);

“Se você não consegue encontrar a Verdade


exatamente onde você está, aonde você espera encontrá-
la?”. (Dogen);

“A meditação não é um caminho para a iluminação,


nem é um método para alcançar alguma coisa. É a própria
paz. É a atualização da sabedoria; a verdade definitiva da
unicidade de todas as coisas”. (Dogen);

“Vivemos na ilusão e na aparência das coisas. Há


uma realidade; Nós somos essa realidade. Quando você
entende isso, você vê que você é nada, e sendo nada, você é
tudo. Isso é tudo”. (Kalu Rinpoche);

“O estado que você quer alcançar é um conceito


mental que duela com o ser. Você nunca pode alcançá-lo
porque é um conceito abstrato de quem eu quero ser, não
percebendo que você já é ele agora. Então, o estado sem-

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 129
Segredos do Antigo Tibet

ego nada tem a ver com o futuro. Você não pode torná-lo
uma meta. (...) Meta implica futuro. Porque o verdadeiro
ponto de entrada para o estado de sem-ego (ou
iluminação) é o momento presente. Se você torná-lo uma
meta que quer alcançar, você perde o ponto de entrada”.
(Eckhart Tolle);

“Grande conhecimento vê tudo em um. Pequeno


conhecimento se divide em muitos”. (Zhuang Zi);

“Brahman é a única verdade, o mundo é uma ilusão,


e em última análise não há diferença entre Brahman e o
‘Eu’ individual”. (Shankara).

Com relação a este último postulado, presente no


Prakarana Gramthas (tratados filosóficos de Shankara),
notamos a base essencial do pensamento vedantino não-
dualista (adwaita).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 130
Segredos do Antigo Tibet

O Vedānta é uma das seis escolas ou “pontos-de-


vista” da filosofia hindu, ou dārśanas (दर्शनस ्, "visões"),

em que constam: Vedānta, Sāmkhya, Yoga, Vaisheshika,


Nyāya e Mīmāmsā.

Apesar da filosofia indiana conter uma variedade


muito complexa de ideias e conceitos, muitas das premissas
teóricas se tornam “afluentes”, por assim dizer, do Yoga
(principalmente com o passar do tempo, em que o “caldo
cultural” da Índia vai oferecendo miríades variadas de
influência ao pensamento dos yogues), já que este último se
encarrega de uma investigação bastante prática da
Realidade, propondo ao praticante um contato direto - e
não restrito ao conceitual - com aquilo que, nas outras
escolas, era somente (ou amplamente) abstração teórica.

A visão vedantina não-dualista, de mestres como


Shankara, por exemplo, está intimamente impregnada na
concepção filosófica de muitos yogues.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 131
Segredos do Antigo Tibet

Para ilustrar, à caráter sintético, a vastidão da


filosofia Vedānta (anta – “final”, refere-se à parte final dos
Vedas, conhecida como Upanishads), pequenas frases
aforísticas, de profundo significado, são expostas ao
estudante do Vedānta, como resumo do vasto cabedal
teórico englobado por essa invulgar filosofia. São os
chamados Mahavakyas, cujos principais são:

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Yoga Tibetano: 132
Segredos do Antigo Tibet

Geralmente, para a escola Vedānta, interessa a


realização do estado em que se percebe a unidade e
identificação da realidade individual com o Princípio
Universal. Para os sábios dessa linha, Ātma (o nosso Eu
mais profundo) é apenas o aspecto imanente de Brāhman (o
Si-mesmo universal, a Realidade Absoluta).

Em outras palavras, “Ātma e Brāhman são Um só”.

Atingir o estado de consciência em que essa verdade


pode ser vivenciada diretamente é o grande summum
bonum do vedantino. E do yogue também – pois é o
resultado do Samādhi (estado de supraconsciência obtido
em meditação profunda) e o avistar dos portões de Moksha
(libertação)/ Mukti (soltura).

Para Patañjali, o Samādhi poderia ser descrito como:

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Yoga Tibetano: 133
Segredos do Antigo Tibet

“Samādhi é perceber-se como a própria medida do


objeto, esvaziando-se de sua própria forma”. (Yoga Sutras,
III:3)

Se o objeto é Deus, o Absoluto, o yogue perceber-se


como a própria medida desse Objeto, esvaziando-se de sua
própria forma (consciência de personalidade
individualizada); é verificar que somente o Objeto existe,
por detrás das cortinas da ilusão.

Em resumo, citando outro pensamento:

“As bolhas também são água; então, também toda a multiplicidade de nomes
e formas, todo este mundo criado, são o mesmo Brahmam. Esta é a
convicção firme do Jnani [sábio]? Não – é sua própria experiência”.
(BABA, 2008, p. 16).

Para o mestre Zen, que se estabelece em Satori (a


versão japonesa para Samādhi), descobre nesse estado que:
“não há nada que você seja; e não há nada que você possa
deixar de ser”.

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Yoga Tibetano: 134
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Nas palavras do Swami Sivananda, grande líder


espiritual da Índia que viveu de 1887 d.C. a 1963 d.C.:

“Vi a Deus em meu próprio Ser. Negando os nomes


e formas, o que permanece é existência-conhecimento-bem
aventurança absolutas (Sat-Chit-Ananda) e nada mais.
Contemplo-O em todas as partes, não existem véus. Sou
uno, não há dualidade. Vivendo em meu próprio ser, minha
felicidade está além de qualquer descrição. O mundo dos
sonhos desapareceu. Existo apenas”.

Figura 10. Ensō, por Bankei Yitaku – Símbolo japonês do Zen para
representar o estado de iluminação.

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Yoga Tibetano: 135
Segredos do Antigo Tibet

~*~

OBSTÁCULOS À COMPREENSÃO...

O problema aqui é que, ao se deparar com esse tipo


de elucubração, a mentalidade não acostumada a esse tipo
de filosofia poderá estranhar. E acusar o adepto dela de
presunção, ao tentar, de certa forma, “igualar-se a Deus”.

Mas não é o caso.

Para se penetrar nessa linha de raciocínio, deve-se,


antes de tudo, ter uma noção mais ampla acerca dos
componentes que, embora sinérgicos, integram a
globalidade da natureza humana. No campo da psicologia,
por exemplo, uma breve familiarização com termos como
ego e Self já seria de grande serventia à compreensão
daquilo que algumas filosofias orientais estão falando.

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Yoga Tibetano: 136
Segredos do Antigo Tibet

De uma maneira muito breve, o ego seria a nossa


personalidade, nossa autoimagem, nossa porção mais
superficial – apesar de ser a que mais profundamente nos
identificamos por meio da focalização de nossa consciência
através da mente. Todos os nossos gostos e desgostos, a
identificação com nossa forma, nosso nome, características
e particularidades estão presentes ali.

(...) para manter processos instintivos e


intelectuais, o ego necessita de um mecanismo
ativo e eficaz. São as emoções e os pensamentos
discursivos que, desordenados e em constante
movimento, alimentam e sustentam a história e a
novela do ego, justificam, plenamente, as
percepções instintivas, geram reações egóicas,
protegem, entretêm; alimentam e inflam, por
meio da identificação com os conceitos e
emoções suscitados e, até mesmo retardam ou
obstruem a evolução do ser.

O indivíduo não percebe mais a


realidade tal como é, mas sim o reflexo das
próprias projeções, ilusórias e distorcidas da
realidade. Há uma negação da pulsão de
transcendência, a qual está submersa pelo ego
utilitário e manipulador. A dualidade é a

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Yoga Tibetano: 137
Segredos do Antigo Tibet

realidade do indivíduo na qual predomina o jogo


da competição e do poder entre a pulsão de vida
e de morte dentro e fora dele, na relação consigo
próprio e com o outro. (SALDANHA, 2008, p.
170).

E a autora acrescenta, ainda, que:

A auto-imagem, como subproduto do


ego, é uma força adicional e pode ocorrer a
maciça identificação do ego com uma emoção,
que se estrutura, solidifica a auto-imagem e
começa a agir, simultaneamente, como uma
entidade autônoma.

Ao mesmo tempo que a auto-imagem se


alimenta da energia provinda do ego, este vai
também se impregnando da auto-imagem. (idem,
2008, p. 170).

Contudo, em linguagem psicológica, não somos o


nosso ego. Bem, pelo menos, não restritamente ele.

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Yoga Tibetano: 138
Segredos do Antigo Tibet

Há outro campo, mais profundo e – em grande parte


– inimaginável à maioria das pessoas (apesar de ser
acessível), pois é incompreensível à consciência ordinária
de apego à noção de individualidade separada (ego). Trata-
se do Self, ou si-mesmo, como Carl Gustav Jung preferiu
chamar.

Para muitos sábios da humanidade, no desvelar


desse Self, tornando-o consciente à criatura humana,
repousava toda grandiosidade em potencial que se poderia
obter em vida.

Conhece-te a ti mesmo. Este foi o


conselho dado através das idades por filósofos
inteiramente cientes de que nosso self é o que
organiza o mundo e lhe dá significado, e
compreender o self juntamente com a natureza
era o objetivo abrangente a que visavam. A
aceitação do realismo materialista pela ciência
moderna mudou tudo isso. Em vez de unidade
com a natureza, a consciência afastou-se dela,
dando origem a uma psicologia separada da
física. (GOSWAMI, 1998, p.31).

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Yoga Tibetano: 139
Segredos do Antigo Tibet

Citando a experiência de místicos e mestres do


mundo inteiro, Pierre Weil (1993) nos apresenta, em sua
Antologia do Êxtase, diversas análises psicológicas (a partir
do campo da psicologia transpessoal) acerca desse assunto,
mostrando que essa “realização do Self” é possível e algo
universal, passível de ser acessada por pessoas de todas as
culturas e credos ao redor do mundo.

O que é o Self? É o si-mesmo, o Eu Real, nossa


realidade mais profunda. Para os esotéricos, é o nosso Eu
Superior, a divindade em nós, ou a nossa identidade mais
profunda, que é una à Identidade Cósmica.

É difícil tratar o assunto em um contexto


civilizatório como o nosso, em que as pessoas estão, e são,
constantemente encorajadas a identificar-se com o ego e a
desprezar assuntos relativos ao autoconhecimento e à
espiritualidade.

Mas, nesse contexto, poderíamos ilustrar o conceito


segundo as palavras abaixo:

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Yoga Tibetano: 140
Segredos do Antigo Tibet

- A separação é apenas uma ilusão. Você


parece estar separado de mim e das outras
pessoas porque seu ego adota a perspectiva de
que estamos todos isolados e sozinhos. Mas eu
lhe garanto que se você pusesse seu ego de lado,
você nos veria circundados por um campo
infinito de luz, que é a consciência. Cada
pensamento seu nasce num vasto oceano de luz e
a ele retorna, junto com cada célula do seu corpo.
Esse campo de consciência está em toda parte,
uma ponte invisível para tudo o mais que existe.

“Portanto, não existe nada em você que


não seja parte de todas as outras pessoas – exceto
na visão do ego. Seu trabalho é transcender o ego
e mergulhar no oceano universal de
consciência.” (CHOPRA, 2005, p. 56).

O próprio Freud25 chega a se referir àquilo que


chamou de “experiência oceânica”, relacionando essa ideia
com um conceito de sentimento de “unidade” apresentado a
ele por um amigo seu:

Trata-se de um sentimento que ele

25
Sigmund Freud, O Mal-Estar na Civilização in: Freud, coleção Os
Pensadores, Abril Cultural, São Paulo, 1978, pp. 131-132, 137-138.

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Yoga Tibetano: 141
Segredos do Antigo Tibet

gostaria de designar como uma sensação de


“eternidade”, um sentimento de algo ilimitado,
sem fronteiras - “oceânico”, por assim dizer.
Esse sentimento, acrescenta, configura um fato
puramente subjetivo, não um artigo de fé; (...).

As opiniões expressas por esse amigo


que tanto respeito, e que outrora já louvara a
magia da ilusão num poema, causaram-me não
pequena dificuldade. Não consigo descobrir em
mim esse sentimento “oceânico”. Não é fácil
lidar cientificamente com sentimentos. Pode-se
tentar descrever os seus sinais fisiológicos. Onde
isso não é possível – e temo que também o
sentimento oceânico desafie esse tipo de
caracterização –, nada resta senão cair no
conteúdo ideacional que, de forma mais
imediata, está associado ao sentimento. (FREUD
apud WEIL, 1993, p.p. 33-34).

Doravante, quando lemos algum autor ou yogue se


referindo ao Yoga como um processo de se estabelecer em
nossa natureza verdadeira, ou de União com Deus,
acabamos sem referências conceituais – pelo nosso
processo cultural de interpretar filosófica e espiritualmente
o mundo – para entendermos com um pouco mais de
exatidão o que se está falando. É mais fácil – ou soa mais

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Yoga Tibetano: 142
Segredos do Antigo Tibet

“admissível” – quando vemos um Freud falando sobre um


tema que, de certa forma, lembra algo das experiências
interiores e unitivas dos yogues.

O grande problema, é claro, está em nossa deficiente


programação mental, como modo sócio-cultural de inserir
nos indivíduos determinado cabedal de informações de
modo que, reunidas e intercambiadas com seu contexto,
possam construir a formação do caráter humano de acordo
não com o bem-estar proporcionado pelo desenvolvimento
pleno do indivíduo, mas como um subproduto produtivo
para o meio em que se encontra, mas ordinariamente tão
confuso e doente como o próprio contexto.

Em sociedades em que as questões espiritual e da


transcendência humana são deixadas de lado, legadas
apenas ao autoritarismo dos dogmas sectários de sistemas
religiosos antiquados e decadentes, onde a fé-cega impera
em detrimento do livre-pensamento, dificilmente, sem uma
ajuda exterior, um indivíduo se verá livre da
“programação” cultural-ideológica que o acorrenta a uma

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Yoga Tibetano: 143
Segredos do Antigo Tibet

ilusão reduzida de si mesmo e poderá, então, livre de todas


as amarras, ascender a uma visão de vida mais libertadora e
plena.

É muito difícil, em uma sociedade doente, a


compreensão do que é a cura.

Certa vez, pergutaram para o mestre espiritual Osho


se um Buddha estaria destinado a ser incompreendido. A
resposta foi categórica:

“Sim.

É absolutamente inevitável.

Não pode ser de outra maneira.

Um Buddha está destinado a ser incompreendido.

Se um Buddha não é incompreendido, entao ele não é um


Buddha de verdade.

Por que é assim?

Porque o Buddha vive em um estado além da mente, e nós


vivemos na mente.

Traduzir algo do além [da mente] para a mente é a coisa mais

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Yoga Tibetano: 144
Segredos do Antigo Tibet

impossível do mundo.

Não pode ser feito, embora todo Buddha tenha tentado fazê-lo.

Isto também é inevitável. nenhum Buddha pode evitá-lo.

O Buddha tem que dizer o que não se diz, ele tem que
expresser o inexprimível, ele tem que definir o indefinível.

Ele tem que fazer este ato absurdo, porque no momento em que
ele alcança o além da mente nasce uma grande compaixão.

Ele pode ver pessoas tropeçando na escuridão, ele pode ver


pessoas sofrendo sem necessidade - criando seus próprios
pesadelos, criando seus próprios infernos e afundando-se em
seus próprios infernos criados.

Como ele pode evitar não sentir compaixão?

E no momento em que nasce a compaixão ele quer comunicar-


lhes que "Isso é o seu própio fazer." Que, "Você pode sair
disso, há uma maneira fora disso, há um estado mais além
disso; a vida não é o que você pensa que é."

Seu pensamento sobre a vida é apenas o pensamento de um


cego sobre a luz.

O homem cego pode seguir pensando sobre a luz, mas ele


nunca será capaz de chegar a uma conclusão verdadeira.

Suas conclusões podem ser muito lógicas, mas ainda assim,


elas perderão a experiência.

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Yoga Tibetano: 145
Segredos do Antigo Tibet

A luz é uma experência.

Você não necessita lógica para isso, o que você necessita são
olhos.

Buddha tem olhos.

E olhos são alcançados apenas quando você tiver ido além da


mente, quando você se tornar uma testemunha da mente;
quando você chegar a um estado mais além da psicologia:
quando você souber que você não é os seus pensamentos, nem
o seu corpo; quando souber que você é apenas o conhecer - a
energia que reflete, a energia que é capaz de ver - que você é
pura visão.

Uma vez Buddha foi questionado: "Quem és tu?"

Ele era um homem tão lindo e a irmandade de buda estava


reunida tão devotada a ele, que muitas vezes lhe era
questionado:

"Quem és tu?"

Ele parecia um imperador ou um deus que veio dos céus, e ele


viveu como um mendigo.

Muitas e muitas vezes ele era questionado:

"Quem és tu?"

E o homem que estava perguntando era um grande erudito.

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Yoga Tibetano: 146
Segredos do Antigo Tibet

Ele dizia: "És tu do mundo dos deuses?

És tu um deus?"

Buddha disse, "Não."

"Então és tu um gandharva?"

Gandharvas eram os músicos dos deuses.

Buddha tinha uma tal música ao seu redor - a música do


silêncio, o som do não-som, o aplauso com uma só mão - que
era natural perguntarem-lhe: "És tu um gandharva, um músico
celestial?"

Buddha disse: "Não."

E o homem continuava perguntando.

Há muitas categorias, na mitologia hindu, de deuses para os


homens.

Então, finalmente ele pergunta:

"És tu um grande rei, um chakravartin, aquele que comanda


todo o mundo?"

E Buddha disse, "Não."

Chateado, o erudito perguntou,

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Yoga Tibetano: 147
Segredos do Antigo Tibet

"És tu um homem ou nem mesmo isso?"

Buddha disse:

"Não fique chateado, mas o que eu posso fazer?

Eu tenho que dizer a verdade tal como ela é.

Eu não sou nem mesmo um homem."

Agora o erudito está totalmente irado, furioso.

Ele diz: "Então és tu um animal?"

Buddha disse: " Não - nem um animal, nem uma árvore, nem
uma pedra."

"Então quem és tu?" - O homem perguntou.

Buddha disse, "Eu sou a consciência, apenas a pura


consciência, apenas um espelho refletindo tudo aquilo que é."

Quando chega este momento ocorre uma grande compaixão.

Buddha disse que aqueles que sabem estão destinados a sentir


compaixão por aqueles que não sabem.

Eles começam tentando ajudar.

E a primeira coisa que tem que ser feita é comunicar às


pessoas que estão cegas que os olhos são possíveis, que elas
não estão totalmente cegas, mas apenas estão mantendo seus

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Yoga Tibetano: 148
Segredos do Antigo Tibet

olhos fechados.

Você pode abrir seus olhos.

Você não nasceu cego, apenas lhe foi ensinado a permanecer


cego.

A sua sociedade lhe ensina a ser cego”.

O excerto acima nos mostra a cautela que temos que


ter para analisarmos a temática da iluminação sem nos
perder. Para não confundirmos “eu” com “Eu”. Ego com
Self. Mente com Consciência. Porque, conforme ilustra
Osho, a forma como estamos programados a pensar, o
modo como a nossa sociedade nos acostumou a pensar, nos
impõe diversos entraves quando estamos nos deparando
com essa temática pela primeira vez. Nossos olhos estão
fechados. É preciso uma nova perspectiva de compreensão,
mais libertária e madura. É necessário desfazer a
programação. É preciso esvaziar a xícara antes de colocar
mais chá.

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Yoga Tibetano: 149
Segredos do Antigo Tibet

Da mesma forma que o conceito do Self, ou do “Eu


Verdadeiro”, precisa ser esmiuçado para que não se
confunda o nosso “Eu” com o nosso “ego”, o próprio
conceito de Deus precisa ser esclarecido, para criarmos
uma aproximação àquilo que o yogue está dizendo.

Talvez, quando um ocidental pensa em “Deus” não


esteja se referindo, conceitualmente, e necessariamente, ao
mesmo conceito filosófico que um indiano ou um tibetano,
por exemplo, o fazem quando evocam essa imagem –
quando o fazem (um tibetano dificilmente irá empregar
esse conceito).

O Deus do yogue não é um senhor barbado sentado


em um trono no auto dos céus ou, como dizia o grande
yogue Swami Sri Yukteswar Giri, em algum canto
“antisséptico” do Universo.

Não existe, para esse pensamento, o tirano


“mandachuva” do Cosmos, como uma personalidade

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Yoga Tibetano: 150
Segredos do Antigo Tibet

separada, distante e idealizada, que se entretém ao ficar


observando nossos acertos e condenando os nossos erros.

O yogue, se afastando do arquétipo antropomórfico


que, muitas vezes, utilizamos para basear nossa
conceituação acerca de um Deus-criador, busca encontrar
esse Deus dentro dele mesmo. Dentro e em todas as partes.
A distância se dilui, o “véu” cai e a ilusão se dissipa.

“Jesus lhes disse: Quando da dualidade fizerem a


unidade; quando tornarem o interior como o exterior, o exterior
como o interior, e o de cima como o de baixo; quando fizerem
do macho e da fêmea um só, de modo que o macho não seja
mais macho, e a fêmea não seja mais fêmea – então entrarão no
Reino”. (Evangelho de Tomé).

Nesse estado, cessando todas as dualidades, o yogue


alcança a realização do Absoluto em si mesmo, unindo o
observador, o processo de observação e o próprio Objeto
observado em uma inefável unidade.

Patañjali ressalta esse ponto em seus Sutras, no


capítulo II, versículo 17:

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 151
Segredos do Antigo Tibet

“A identificação entre o que percebe e a coisa


percebível é a razão dessa dor poder ser evitada”.
(Quando o autor está se referindo ao sofrimento [duhkam] e
a cessação do mesmo).

Por mais que o indiano, assim como o tibetano,


utilizem diversas imagens e símbolos para criar as mais
variadas referências conceituais acerca do Absoluto, no
íntimo é entendido que essa Realidade Absoluta é uma só,
embora representada – e manifestada – na grande
multiplicidade aparente que convence nossos sentidos (de
maneira ilusória) de que há algo além do Uno-sem-Um-
Segundo.

Para o yogue, apesar dele não conceber Deus como


tendo forma ou atributos em Sua essência, a realidade
divina poder ser exposta, “didaticamente”, através das
seguintes características:

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 152
Segredos do Antigo Tibet

Ele é Premabijam Chit (Amor Onisciente – Amor


como Consciência), Purushotama (Supremo Ser), Achintya
rupam (forma inconcebível, inimaginável), Alakshya
(Incompreensível), Nirguna Nirkara (sem atributo e sem
forma), Anorniyam (mais sutil que o sutil), Sarveswara
(Senhor de Tudo, Causa Primordial).

Traçando um paralelo com outras culturas, é o OIW


dos celtas, o que “tudo o que teria podido ser, mas não
será jamais; tudo o que teria podido ser, e que,
efetivamente foi; tudo o que teria podido ser e que é
efetivamente”, aquele que está além do manifesto, aquilo
que, segundo a teologia druídica é o Keugant, o “grande
círculo do vazio/ infinito, cujo centro está em todas as
partes e a circunferência em parte alguma”.

Talvez fique mais fácil, para nós outros,


entendermos isso a partir de um paralelo com o pensamento
cristão.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 153
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Utilizando-nos do Evangelho Gnóstico de Tomé, por


exemplo, vemos Jesus declarando:

“Jesus disse: Se aqueles que vos guiam disserem


'Olhem, o reino está no céu', então os pássaros do céu vos
precederão; se vos disserem que está no mar, então os
peixes vos precederão. Pois bem, saibam que o reino está
dentro de vós, e também está em vosso exterior. Quando
conseguirdes conhecer a vós mesmos, então, sereis
conhecidos e compreendereis que sois filhos do Pai vivo.
Mas, se não vos conhecerdes, vivereis na pobreza e sereis
essa pobreza". (Versículo 3).

De modo semelhante, na Bhagavad Gita, a


enaltecida Escritura dos hindus, vemos Krishna
(representante do Verbo Divino) esclarecendo Arjuna
(representação do princípio humano) que:

“Os iluminados e os yogues o vêem e o conhecem.


Mediante frequente meditação, alcançam a percepção dele

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 154
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em si mesmos; mas aqueles cujas mentes estão


obscurecidas, não o percebem, ainda que o procurem”.
(XV:11);

“Eu resido nos corações e nas mentes do homens


(...)”. (XV: 15);

“Os que em Mim se refugiam e a Mim pertencem,


repousando em Mim como a criança no seio da mãe,
esforçam-se por se libertar dos vínculos da mortalidade e
reconhecem-Me como Brama, como o Eu Real, o Infinito,
O Eterno, o Absoluto”. (VII:29);

“Depois de muitas vidas, em que acumulou


sabedoria, vem o Sábio a Mim e, realizando a sua União
comigo, compreende que o homem perfeito é idêntico ao
universo. Poucos há que chegaram a este grau de
adiantamento”. (VII:19).

Como cristãos e hinduístas, os budistas, dos quais


fazem parte os tibetanos, também encontram em sua
filosofia conceitos similares. Um exemplo:

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 155
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“Todos os seres são Buddhas, mas isto é oculto por


máculas adventícias. Quando as máculas são removidas,
seu estado búdico é revelado”. (Hevajra Tantra).

Enquanto imaginamos que somos essa personalidade


separada, de fato nos sentiremos, de forma bem legítima,
apartados, desvinculados e distantes de tudo e de todos.
Jamais, nesse contexto, poderíamos entender que “somos
Buddha”, conforme a escritura afirma, ou que Deus está em
nós, como diria Krishna ou Cristo.

Mas como, para a doutrina yogue (no caso, indiana –


embora a tibetana apresente as mesmas ideias, com
revestimentos diferenciados), não há separação entre nós
(Ātman) e a Realidade Absoluta (Paramātmān) – Deus –,
consequentemente estamos ligados a tudo; não estamos
separados de nada.

Através de nossa visão limitada, caímos no engodo


de acreditar que só existe uma maneira de se viver a vida,
aquela que é “convencional” (leia-se: fadada ao

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 156
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“automatismo existencial”, e isso é avidyā, ignorância,


embuste de Maya, a ilusão).

Através do sugestionamento alheio e da influência


da cultura, da sociedade e do mundo, imaginamos que
somos menos do que aquilo que realmente representa a
nossa Natureza Verdadeira (o Ātma)26.

Supomos que não somos capazes (de seja lá o que


for – mas, no caso, de realizarmos o nosso Eu Real, de
atingirmos Ātmasākshātkāra [autorrealização]) e
acreditamos nisso (que não temos capacidade para
ascendermos acima das ilusões autoimpostas).

Imaginamos que o impossível existe e é regra, e a


isso nos submetemos.

Imaginamos que estamos afastados, apartados e


distantes de toda a Realidade que nos envolve, nos acerca

26
“Seu objetivo é [encontrar] a natureza real [ātman] do percebível”. (Yoga
Sutras, II:21).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 157
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e, inclusive, nos constitui (abhāsa-avaranam superposição


do individual sobre o Universal).

Imaginamos que nossos problemas são maiores do


que nós, e com isso traçamos a nossa própria sentença de
condenação.

Imaginamos que nossa Felicidade Autêntica


(Ananda) não tem importância e que ela está fora do nosso
alcance, fora de nossa alçada (e que somente os prazeres
transitórios são capazes de nos darem satisfação) – fora de
nós mesmos. Neti, neti! (Isto não, Isto não - diriam os
sábios da Índia).

Imaginamos que somos os personagens (deha – o


corpo), e esquecemos que somos os atores (dehi – o
Habitante Real).

O yogue verdadeiro, para conseguir dar um


significado concreto para o conceito da autorrealização,
geralmente encontra-se ciente desses preceitos filosóficos
tão bem explicados e divulgados na cultura sânscrita.

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Yoga Tibetano: 158
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Para ele, por meio de nossa imaginação que, muitas


vezes, deturpa o brilho da Realidade, passamos a focar
exclusivamente na agitação (Ksubdha), no ódio (krodha),
nas aflições existenciais (kleshas), na ganância (lobha) etc.,
e deixamos de lado o Amor (Prema), a gratidão que nos
prostra frente ao divino (Puja – que também pode ser o
nome de um ritual de adoração), a calma (Santham -
equanimidade), a compaixão (Daya), o contentamento
(Santosha), entre outros.

Imaginamos que somos o ego (essa identificação se


chama, em sânscrito, ahamkara) e olvidamos o cântico de
nossa Realidade Profunda (Ātma Jyoti – a Luz do Eu Real).
Para o yogue, penetrar nessa esfera do Eu Real é resolver o
problema da vida, descobrindo que, em realidade, a vida
nunca foi concebida para ser um problema.

“A vida não é uma pergunta a ser respondida; é um


mistério a ser celebrado”. (Osho).

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Yoga Tibetano: 159
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Imaginamos que somos o corpo (dehabhranthi – a


consciência de identificação com o corpo), a mente
(manas) e essa personalidade transitória (jiva [no sentido
de personalidade egóica, separada], vinculada a
asmita/ahamkara - egoísmo), e a eles nos apegamos.

Acreditamos em tantas coisas tidas como “falsas”


pelos yogues, oriundas da transitoriedade do mundo
material (Bhuloka [nosso plano físico], Apara-prakrithi [o
Universo material], Sthuladristi [criação densa]), e
passamos a imaginar que as coisas espirituais é que são
fruto de nossa imaginação.

Muitos, inclusive, acabam imaginando que somente


a dor é soberana, e esquecem de acreditar na esperança de
um futuro melhor, ou, ainda, de um agora melhor, porque a
autorrealização do yogue autêntico não se encontra na
abstração de um futuro incerto, mas nos portais do aqui e
do agora.

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Yoga Tibetano: 160
Segredos do Antigo Tibet

O problema é que imaginamos que não podemos


acessá-la... Mas temos, de acordo com os yogues, que
desenvolver as tendências mentais corretas para a
inquirição acerca do transcendente (Purva samskaras), daí
seremos capazes de atingir Yoga Yuktha, a mente ligada,
estabelecida, na União com essa Realidade, com Uttama-
Brāhman (Realidade Absoluta, Ser Supremo).
No contexto tibetano, similarmente, devido a
profundidade de alcance de sua filosofia, notamos traços
muito parecidos, apenas com terminologias distintas,
correspondentes à sua própria tradição cultural.

Contudo, no arcabouço vasto dessa vertente de


pensamento filosófico, aquilo que é contemplado pelas
escolas indianas encontram, para o estudioso cauteloso,
paralelos notáveis.

Utilizando suas próprias palavras, o yogue tibetano


(rnal ‘byor pa – leia-se naljor pa)27, seguindo o caminho

27
A versão feminina, ou seja, yoguine, é chamada em tibetano de “rnal ‘byor
ma” (leia-se naljor ma).

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Yoga Tibetano: 161
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do Dharma (tibetano: chos), busca sair da roda dualística


de Samsāra (tibetano: ‘khor ba), através do atingimento do
Nirvana (pali: Nibbana), transcendendo a consciência
básica e ordinária do indivíduo (Kunzhi namshe – kun gzhi
rnam shes), o grande condicionamento básico em que se
reúnem todos os traços kármicos da pessoa, penetrando
conscientemente naquilo que a tradição Bön do Tibet
chama de Kunzhi (kun gzhi), aquilo que, nas palavras de
RINPOCHE (2010), é descrito, em conceito, como:

“a unidade de vacuidade e claridade, da absoluta indeterminância


aberta da realidade primordial e da incessante exibição de aparência
e consciência. O kunzhi é a base ou fundamento do ser”. (p. 231).

É atingir as esferas do reino do Dharmakāya


(tibetano: chos sku - o corpo da verdade), a natureza
absoluta do Buddha, o estado de iluminação plena,
incondicional e não-dual; é o vazio (shūnya) como
plenitude indistinta, livre de conceituações ou
características, uno com a existência de tudo o que existe e,

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Yoga Tibetano: 162
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não obstante, existente para além de tudo o que existe no


plano do manifesto.

Figura 11. Nos ensinamentos Dzogchen, Samantabhadra é


considerado o Buddha Primordial, um Buddha Dharmakāya. Nesta
representação, em união (yab yum) com sua consorte Samantabhadri,
representa o repouso das dualidades na sua integração na Unidade. As

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Yoga Tibetano: 163
Segredos do Antigo Tibet

polaridades se fundem na consciência integral e primordial. Apesar de a


figura conter seres em forma humanoide em comunhão, nesse caso a
representação é apenas simbólica, indicando o estado de alguém que já não
tem mais uma forma. É consciência Pura. Está além da forma. Além do
tempo. Além do espaço. Além da ignorância. Além da ilusão. Habita, agora,
a dimensão da Verdade Absoluta.

Carl Gustav Jung, referindo-se ao Bardo Thödol – O


Livro Tibetano dos Mortos – assim escreve sobre esse
estado:

Eis aqui o que encontramos expresso


sem arrogância e em linguagem cortês: “Escuta,
nobre (fulano). Experimenta agora a irradiação
da clara luz da verdade pura. Toma
conhecimento dela. Teu intelecto atual, ó nobre,
que é vazio por sua própria natureza e não se
destina a coisa de espécie alguma, como as
qualidades ou as cores, as quais também são
naturalmente vazias, é a verdadeira realidade, o
bem universal. Teu próprio intelecto, que agora é
vazio, mas que não se deve considerar como o
vazio do nada, e sim como intelecto em si,
desimpedido, luminoso, estimulante e feliz, é a
verdadeira consciência, o Buda sumamente
bom”.

Este conhecimento é o estado do


Dharma-Kâya [corpo da Lei] da iluminação total,
ou, expresso em nossa linguagem: a consciência
como manifestação sensível e inteligível da alma
é a causa primeira de todos enunciados
metafísicos. O “vazio” é o estágio que antecede

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Yoga Tibetano: 164
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qualquer enunciado, qualquer “afirmação”. A


série das diversas manifestações ainda jaz latente
no fundo da alma. (JUNG, 1986, p.39).

Para ilustrar um pouco mais esse estado, o autor


recorre à seguinte citação do Texto, enfatizando seu
conteúdo:

“Tua própria consciência – prossegue o texto –


luminosa, vazia, inseparável do grande corpo irradiante, não
tem nascimento nem morte; é a luz imutável – Buda Amitâbha”.
(idem, 1986, p. 39).

O yogue tibetano entende que, para realizar em si


esse estado de consciência plenamente desperto e uno,
precisa despojar-se de ma-rigpa (ou seja, ignorância), a
mesma ideia do yogue indiano quando esse intenciona
elevar-se acima de avidyā, que possui o mesmo significado.
Rigpa, ou vidya, – o exato oposto - é o conhecimento
verdadeiro; não meramente a erudição livresca ou a
acuidade cognitiva, mas o conhecimento legítimo, que
liberta; ter consciência da própria natureza, a gnose daquilo
que se é. Em outras palavras, é satisfazer aquilo que

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Yoga Tibetano: 165
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impressionou Sócrates no frontispício do pórtico de Delfos


- “γνωθι σεαυτόν” (gnôthi seautón – “Homem, conhece-te
a ti mesmo”).

Dessa forma, segundo os tibetanos, libertando-se dos


grilhões dos “três venenos” (raiva, aversão/apego e
ignorância), pode o indivíduo ascender à realidade da Clara
Luz, o Absoluto Numinoso inerente a toda realidade
universal e subjacente a toda realidade supra-causal.

No Yoga Sutras, Patañjali assim define (II:28-29):

“28. Com a destruição da impureza pela prática gradual


dos componentes do Yoga, a luz do conhecimento
[jñana] ilumina o discernimento [viveka].

29. Normas de convivência [yama], normas de


autoaperfeiçoamento [niyama], posturas de assentamento
[āsanas], práticas de controle das forças sutis [prānāyāma],
recolhimento [pratyāhāra], concentração [dhāranā], meditação

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Yoga Tibetano: 166
Segredos do Antigo Tibet

[dhyāna] e superação de si mesmo [samādhi] são as oito partes


[āngas] do Yoga”.

Patañjali, conforme podemos ver no trecho acima,


não apenas esposa o mesmo ideal como também
define/estabelece oito passos, ou āngas, do Yoga.

Esses são os famosos “oito passos de Patañjali”, a


estrutura básica do Yoga estabelecida por ordem de
ascendência. Seriam os principais meios pelos quais o
Grande Objetivo pode ser atingido. De certa forma, é o que
caracteriza o Yoga como um sistema de práticas, além de
sua porção filosófica.

Para entendermos ainda mais a relação das práticas


tibetanas com o Yoga indiano, já que a noção filosófica já
ficou brevemente ilustrada aqui, nos próximos capítulos
iremos pegar cada um desses āngas e verificarmos qual
paralelo se estabelece entre cada um deles e o sistema
yogue do Tibet.

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Yoga Tibetano: 167
Segredos do Antigo Tibet

Como o Yoga, classicamente, se estrutura sobre esse


curso embasador, ficará mais fácil, por meio dele, assim,
traçarmos uma relação precisa entre esses dois sistemas,
aprofundando o olhar com a devida compreensão.

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Yoga Tibetano: 168
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YAMA ༀ

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Yoga Tibetano: 169
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Patañjali, como todos os grandes codificadores de


nobres doutrinas, soube estruturar o Yoga sustendo-o em
bases firmes, que vão desde normas para conduta pessoal
até instruções pormenorizadas acerca da aquisição de
estados interiores cada vez mais elevados, em termos de
níveis de consciência que se ampliam.

Contudo, não obstante lançar olhares para tais níveis


cogitados apenas no contexto de uma análise
psicológica/filosófica mais profunda, Patañjali não
descartou os termos mais imediatos e objetivos da prática.

Como toda grande estrutura doutrinária, os objetivos


mais supremos a que se perscruta não devem ser
superestimados em detrimento dos primeiros degraus
estipulados à ascensão gradativa na senda.

Dessa forma, o codificador do sistema yogue foi


extremamente cauteloso ao edificar uma estrutura sólida
em sua doutrina, de modo a oferecer um caminho seguro

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 170
Segredos do Antigo Tibet

para aqueles que intencionam trilhar seu percurso. Diante


disso, os primeiros passos, por assim dizer, tornam-se tão
importantes quanto os mais avançados, uma vez que os
passos elementares se configuram imprescindíveis para o
atingimento dos mais derradeiros. Uns não existem sem os
outros.

Querer atingir a estabilização no Samādhi, por


exemplo, não dispensa as observâncias mínimas de conduta
que remetem o indivíduo ao seu próprio equilíbrio interior.
Os objetivos primevos estão intimamente relacionados ao
sucesso que se logra em relação aos mais avançados. O
passo inicial é o que dá condições para chegar-se ao
objetivo.

Tendo isso em mente, sabiamente Patañjali, em seus


“oito passos” do caminho do Yoga, estipulou baldrames de
conduta para os candidatos à realização interior. Uma série
de cinco proscrições e cinco prescrições compõem sua
preocupação – tão bem como orientação – inicial aos
estudantes.

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Yoga Tibetano: 171
Segredos do Antigo Tibet

Neste capítulo, falaremos das cinco proscrições,


entendidas em um conjunto denominado Yama, com o
objetivo de compararmos essa mesma estrutura de ideias
com aqueles pressupostos equivalentes estipulados pelas
doutrinas yogues do Tibet.

Yoga Sutras, capítulo II, versículos 30 e 31. Ali se


localizam as explicações de Patañjali sobre o tema.

Diz ele:

“30. Yama é a não-agressão [ahinsā], a autenticidade


[satyā], o não roubar [āsteya], a prática de uma vida
espiritualmente regrada [brāhmacārya] e o não cobiçar
[āparigrahā].

31. Essas normas não estão restritas a casta, lugar, tempo

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Yoga Tibetano: 172
Segredos do Antigo Tibet

e circunstâncias, e são chamadas de “o grande voto”, que serve


para o mundo todo”.

Como vemos, estruturam-se em um pilar quíntuplo


as veredas iniciais do processo yogue.

Não-agressão/não-violência, autenticidade/veracidade,
não-roubar, vida espiritualmente regrada/equilibrada e a
não-cobiça constituem a síntese elementar, para Patañjali,
que permeia toda a base das normas de convivência para o
yoguin.

São pontos básicos de adequação do indivíduo em


relação ao meio em que ele vive (considerando-se que ele é
integrante ativo desse meio) e, por conseguinte, é uma
forma de adequação a si mesmo, em uma postura de
equilíbrio perante a vida.

Considerar o indivíduo como não-dissociado do que


quer que seja, já nos revela que Patañjali estava preocupado
em mostrar que, ao adequar-se ao meio (o que não implica

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Yoga Tibetano: 173
Segredos do Antigo Tibet

seguir qualquer automatismo social de forma inconsciente,


porque nem tudo o que é considerado “normal” é sábio, ou,
antes de tudo, razoavelmente saudável para o indivíduo) o
sujeito dá o primeiro passo para harmonizar-se consigo
mesmo, porque sua harmonia interior reflete na harmonia
perante o meio. E vice-versa.

Por sua vez, o Yoga tibetano também lança


preocupação sobre essas questões de conduta,
comportamento, etc.

Vemos no próprio budismo, por exemplo, a essência


dessas orientações. Uma vez que essa doutrina permeia
todo o contexto do Yoga tibetano, seria prudente
observarmos um pouco o contexto filosófico budista.

Sabe-se que após o príncipe Sidharta Gautama


atingir a iluminação e passar a ser conhecido como “o
Buddha” (o Iluminado), ele fez quatro constatações básicas,
as quais passou para a posteridade, por meio de de seus
discípulos, como “as Quatro Nobres Verdades”.

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Yoga Tibetano: 174
Segredos do Antigo Tibet

São elas, em resumo:

1) O Sofrimento existe.
2) Desejo e ignorância são os fundamentos do
sofrimento.
3) Existe um meio para sair dessa roda de
sofrimento.
4) O caminho óctuplo (ou Via de oito ramos),
conduz à Libertação do sofrimento:
- Crenças retas (isentas de ilusão,
superstição, etc.);
- Vontade reta (determinação, alvo elevado);
- Palavra reta (verídica, benévola, fiel);
- Ação reta (conduta benevolente, pacífica,
honesta, pura);
- Meios de existência retos (que não causem
prejuízo nem aos outros, nem a si mesmo);
- Esforço reto (autodomínio, disciplina,
educação);

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Yoga Tibetano: 175
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- Atenção reta (vigilância, sem dispersões);


- Meditação reta.

Ao analisar-se esse conjunto de diretrizes budistas,


uma ligeira semelhança de intenção já nos remete às
diretrizes yogues de Patañjali. Em outras palavras, o adepto
do budismo está tão preocupado com um meio de vida
saudável, uma conduta harmoniosa e uma forma de viver
que o direcione a Verdade, quanto a forma que o hindu
está.

Aliás, esse parece ser um ponto em comum entre as


grandes religiões do mundo.

No entanto, em relação à abordagem, falta


especificidade para afirmarmos ser a prescrição de conduta
budista suficiente para igualar-se às condutas yogues
presentes na Índia, já que Patañjali é específico em suas
recomendações, e isso nos exige cuidado para não
tomarmos o “parecido” pelo “igual”.

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Yoga Tibetano: 176
Segredos do Antigo Tibet

De imediato, surge-nos uma necessidade de


penetrarmos nos auspícios mais particulares do mundo
yogue tibetano para verificarmos se há algum outro
material que oriente os adeptos a moldar sua conduta de
vida de forma, minimamente, paralela aos pressupostos de
Patañjali.

Obviamente, como estamos tratando de uma cultura


espiritual muito vasta, não nos cabe neste presente trabalho
fazer uma varredura completa dos ensinamentos perdidos e
presentes em toda cultura tibetana, a fim de elencarmos os
pormenores dos paradigmas yogues que possuem para a
conduta humana.

No entanto, podemos analisar alguns textos mais


específicos, que tradicionalmente sabe-se circular entre os
yogues tibetanos, a fim de analisarmos esse caráter de
prescrições e proscrições.

Um bom documento para fundamentarmos aqui


nosso estudo, é aquele conhecido como O caminho

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 177
Segredos do Antigo Tibet

supremo, o rosário das pedras preciosas (EVANS-


WENTZ, 1993).

No corpo de seu texto, encontra-se uma série de


prescrições e proscrições, a fim de orientar o adepto,
seguramente, em princípios filosóficos de alto valor
espiritual. Apesar de não ser o mesmo que as orientações
de Patañjali, podemos notar nesse manuscrito tibetano
fundamentos mui similares aos do codificador indiano.

Sobre o manuscrito de O caminho supremo, o


rosário das pedras preciosas, ou simplesmente O rosário
precioso, lemos:

Nosso manuscrito de O rosário precioso


foi copiado pelo tradutor, de um manuscrito de
propriedade de um ioguim errante que passou
por Gangtok, no Sikkim, há alguns anos, e
aceitou, por alguns dias, a hospitalidade do
Tradutor.
Seguindo o costume tradicional, que se
originou quando a escrita e a impressão eram
menos comuns do que hoje, ainda há muitos
ioguins que memorizam O rosário precioso.
Então, se, por sua vez, eles se tornam gurus,

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 178
Segredos do Antigo Tibet

transmitem-no oralmente, ou pelo menos o


expõem de memória. Além disso, cada um deles
faz sua própria cópia manuscrita desses
ensinamentos altamente valorizados, seja a partir
da transmissão oral, ou, como é hoje mais usual,
a partir do manuscrito do guru, para que eles não
sejam esquecidos ou perdidos. E, como o
hóspede ioguim do Tradutor, qualquer kargyütpa
sempre empresta, de bom grado, sua cópia de O
rosário precioso para um leigo piedoso ou
discípulo (como aconteceu com o Tradutor) para
estudo e transcrição. (EVANS-WENTZ, 1993, p.
81).

Neste capítulo, organizaremos a transcrição dos


trechos do referido texto com relação aos aspectos
filosóficos, de conduta, relativos à ideia de proscrição (ou
seja, aquilo que se deve evitar).

Veremos um texto bastante completo e substancioso,


orientando os pormenores do caminho iniciático do yogue
tibetano. Sem sombra de dúvidas, deve haver outros textos
e outras formas de se estudar o assunto no Tibet. Contudo,
em nosso trabalho, nos concentraremos sobre esse em

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 179
Segredos do Antigo Tibet

específico, pois verificamos nele um caráter de síntese


muito precioso dessas ideias.

Todos os trechos transcritos abaixo foram retirados


da vasta obra do antropólogo norte americano W. Y.
Evans-Wentz (1993), considerado à sua época uma das
maiores autoridades ocidentais em assuntos de
espiritualidade tibetana. Ele, juntamente com Lama Kazi
Dawa-Samdup, foram os responsáveis pela tradução desses
textos antigos e sua divulgação no ocidente. A eles somos
profundamente gratos.

A transcrição integral do texto citado encontra-se em


A Ioga Tibetana e as Doutrinas Secretas, do mencionado
autor (1993).

Para relacionarmos os itens subsequentes aos


elementos do Yama postulados por Patañjali, verificando
assim sua semelhança, adotaremos alguns símbolos de
referência com os quais marcaremos os textos a seguir.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 180
Segredos do Antigo Tibet

Toda sentença que traga algo de proximidade


relativa, segundo nossa visão e interpretação
particulares, ou nos remeta, de alguma forma, ao conceito
de ahinsā (não-violência) assinalaremos com um Ȁ ao
final, sathyā (autenticidade/verdade) com Š, āsteya (não
roubar) com ƴ, brāhmachārya ß (vida regrada e
equilibrada) e āparigraha ɧ (não cobiçar).

Vamos ao texto:

I. AS DEZ CAUSAS DE ARREPENDIMENTO

O devoto que procura a Liberação e a Onisciência do


Estado de Buda deve, em primeiro lugar, meditar
sobre essas dez coisas que são causas de
arrependimento:
(1) Tendo obtido o corpo humano, difícil de obter, livre e
bem-dotado, desperdiçar a vida seria uma causa de
arrependimento. ß
(2) Tendo obtido esse corpo puro e difícil de obter, livre e
bem-dotado, morrer um homem ímpio e mundano
seria uma causa de arrependimento.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 181
Segredos do Antigo Tibet

(3) Dado que esta vida humana no Kali-yuga [ou Era das
Trevas] é tão breve e tão incerta, gastá-la com
objetivos e alvos mundanos seria uma causa de
arrependimento. ß ɧ
(4) Tendo a mente a mesma natureza do Dharma-Kaya,
mergulhá-la no pântano das ilusões do mundo seria
uma causa de arrependimento. ß ɧ ƴ
(5) Dado que o guru é o guia do Caminho, separar-se
dele antes da obtenção da iluminação seria uma
causa de arrependimento.
(6) Dado que a fé e os votos religiosos são o vaso que
leva à Emancipação, estilhaçá-lo pela força das
paixões incontroladas seria uma causa de
arrependimento. ß
(7) Dado que a Sabedoria Perfeita mora no homem por
graça do guru, dissipá-la na jângal da mundanidade
seria uma causa de arrependimento. ß ɧ
(8) Vender mercadoria da Sublime Doutrina dos Sábios
seria uma causa de arrependimento. ɧ
(9) Dado que todos os seres são nossos parentes
próximos, sentir aversão por eles ou os abandonar
seria uma causa de arrependimento. Ȁ

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 182
Segredos do Antigo Tibet

(10) Dado que a aurora da juventude é o período de


desenvolvimento do corpo, da fala e da mente,
desperdiçá-la numa indiferença vulgar seria uma
causa de arrependimento. ß Š
Essas são As Dez Causas de Arrependimento.

(...)
IV. AS DEZ COISAS QUE SE DEVE EVITAR

(1) Evitar um guru cujo coração deseja conseguir fama e


bens mundanos. ɧ
(2) Evitar amigos e seguidores que são prejudiciais à tua
paz de espírito e ao teu crescimento espiritual. ß
(3) Evitar eremitérios e lugares de moradia onde existam
pessoas que te aborreçam e distraiam.
(4) Evitar ganhar tua subsistência por meio de trapaça e
roubo. ƴ
(5) Evitar as ações que danifiquem tua mente e impeçam
teu desenvolvimento espiritual. Ȁ ß ƴ ɧ Š
(6) Evitar os atos impensados e de leviandade que
diminuam a estima que outros sintam por ti. Ȁ ß ƴ ɧ Š
(7) Evitar condutas e ações inúteis. Ȁ ß ƴ ɧ Š

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 183
Segredos do Antigo Tibet

(8) Evitar esconder tuas próprias faltas e falar em voz


alta sobre as dos outros. Š Ȁ
(9) Evitar alimentos e hábitos que desagradem tua saúde.
ß
(10) Evitar os apegos inspirados pela avareza. ɧ
Estas são As Dez Coisas que se Deve Evitar.

(...)
X. OS DEZ ERROS

(1) A fraqueza da fé, combinada com a força do


intelecto, pode levar ao erro da tagarelice.
(2) A força da fé, combinada com a fraqueza do
intelecto, pode levar ao erro do dogmatismo de mente
estreita.
(3) Grande zelo sem instrução religiosa adequada
pode levar ao erro de ir a extremos errôneos [ou
seguir caminhos enganosos]. ß
(4) Meditação sem preparação suficiente, depois de
ter ouvido e ponderado a Doutrina, pode levar ao
erro de se perder nas trevas da inconsciência.
(5) Sem conhecimento prático e adequado da
Doutrina, pode-se cair no erro da presunção

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 184
Segredos do Antigo Tibet

religiosa. ɧ - *[cobiçar o “verniz” intelectual da


erudição religiosa]
(6) A menos que a mente seja treinada para a
compaixão altruísta e infinita, pode-se cair no erro de
procurar a liberação apenas para si mesmo. ß
(7) A menos que a mente seja disciplinada pelo
conhecimento de sua própria natureza imaterial,
pode-se cair no erro de se desviar de todas as
atividades ao longo do caminho da mundanidade. ß
(8) A menos que todas as ambições mundanas sejam
erradicadas, pode-se cair no erro de se permitir ser
dominado pelos motivos mundanos. ß ɧ
(9) Permitindo que os admiradores crédulos e
vulgares se reúnam ao teu redor, há muita
probabilidade de caíres no erro de te inchares com o
orgulho mundano. ɧ
(10) Exaltando o conhecimento oculto e os poderes de
alguém, pode-se cair no erro de exibir
orgulhosamente uma proficiência nos ritos mundanos.
ɧ
Estes são os Dez Erros.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 185
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XI. AS DEZ SEMELHANÇAS QUE INDUZEM AO


ERRO

(1) O desejo pode ser confundido com a fé.


(2) O apego pode ser confundido com a benevolência e a
compaixão.
(3) A cessação dos processos de pensamento pode ser
confundida com o repouso da mente infinita, que é o
objetivo verdadeiro.
(4) As percepções dos sentidos [ou fenômenos] podem ser
confundidas com revelações [ou vislumbres] da
Realidade.
(5) Um mero vislumbre da Realidade pode ser
confundido com a compreensão completa.
(6) Os que professam a religião da boca para fora, mas
não a praticam, podem ser confundidos com devotos
verdadeiros. Š
(7) Escravos da paixão podem ser confundidos com
mestres de Ioga que se liberaram de todas as leis
convencionais.
(8) Ações cumpridas no interesse próprio podem ser
confundidas com ações altruístas.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 186
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(9) Métodos enganosos podem ser confundidos com


métodos prudentes.
(10) Charlatães podem ser confundidos com
Sábios.
Estas são As Dez Semelhanças que Induzem ao Erro.

(...)
XIII. AS TREZE FALHAS GRAVES

(1) Se, depois de ter nascido com forma humana, não se


presta atenção à Doutrina Sagrada, é-se como o
homem que voltou de mãos vazias de uma terra rica
em pedras preciosas; e isto é uma falha grave.
(2) Se, depois de ter passado a porta da Ordem Sagrada,
volta-se à vida de chefe de família, é-se como a
mariposa que mergulha na chama de uma lâmpada; e
isso é uma falha grave.
(3) Morar com um sábio e permanecer na ignorância é
ser como um homem que morre de sede às margens de
um lago.
(4) Conhecer os preceitos morais e não os aplicar à cura
das paixões obscurecedoras é ser como um homem

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 187
Segredos do Antigo Tibet

doente que carrega um saco de remédios que nunca


usou; e isso é uma falha grave. ß
(5) Pregar a religião e não praticar é ser como um
papagaio dizendo uma prece; e isso é uma falha
grave. Š
(6) Dar como esmolas caridosas as coisas obtidas por
roubo, saque ou fraude é como um raio na superfície
da água; e isso é uma falha grave. ƴ
(7) Oferecer às divindades carne obtida pela morte de
seres animados é como oferecer à mãe a carne de seu
próprio filho; e isso é uma falha grave. Ȁ
(8) Exercitar a paciência para fins meramente egoístas, e
não praticar o bem em relação aos outros, é ser como
um gato que exercita sua paciência para matar um
rato; e isso é uma falha grave. ɧ
(9) Cumprir ações meritórias apenas para conseguir
fama e louvação neste mundo é como barganhar a
pedra mística que atende os desejos pela pele de um
bode; e isso é uma falha grave. ɧ
(10) Se, após ouvir muita coisa da Doutrina, nossa
natureza ainda não estiver afinada com ela, ela é
como um médico que sofre de um mal crônico; e isso

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 188
Segredos do Antigo Tibet

é uma falha grave. Š [não ser verdadeiro/autêntico


consigo mesmo]
(11) Ser destro dos preceitos, mas ignorante das
experiências espirituais que provêm da aplicação
deles, é ser como um homem rico que perdeu a chave
de seu tesouro; e isso é uma falha grave.
(12) Esperar explicar aos outros doutrinas que
não se domina completamente é ser como um cego
que conduz outro cego; e isso é uma falha grave. Š
(13) Considerar que as experiências que resultam
do primeiro estágio de meditação são as do estágio
final é ser como um homem que confunde latão com
ouro; e isso é uma falha grave.
Estas são As Treze Falhas Graves.

XIV. AS QUINZE FRAQUEZAS

(1) Um devoto religioso demonstra fraqueza se permite


que sua mente seja obcecada pelos pensamentos
mundanos enquanto vive em solidão. ß ɧ

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 189
Segredos do Antigo Tibet

(2) Um devoto religioso que é chefe de mosteiro


demonstra fraqueza se procura seus próprios
interesses [e não os da irmandade]. ɧ
(3) Um devoto religioso demonstra fraqueza se for
cuidadoso na observância da disciplina moral e não
possuir uma moral sólida. Š
(4) Demonstra fraqueza quem penetra no Caminho
Correto para aderir aos sentimentos mundanos de
atração e repulsão. ß ɧ
(5) Demonstra fraqueza quem renuncia à mundanidade e
ingressa na Ordem Sagrada apenas para conseguir
mérito. ɧ
(6) Demonstra fraqueza quem consegue um vislumbre da
Realidade e não consegue perseverar no Sadhana [ou
meditação iogue] até a Iluminação Completa.
(7) Demonstra fraqueza quem é um devoto religioso que
penetra no Caminho e não é capaz de o trilhar.
(8) Demonstra fraqueza quem não possui nenhuma outra
ocupação senão a de devoção religiosa e é incapaz de
erradicar de si as ações indignas. ß
(9) Demonstra fraqueza quem escolheu a carreira
religiosa e hesita em fazer o retiro quando sabe muito

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 190
Segredos do Antigo Tibet

bem que o alimento e tudo o mais de que precisa será


fornecido sem que seja necessário pedir.
(10) Um devoto religioso que exibe poderes
ocultos quando pratica exorcismo ou afasta doenças
demonstra fraqueza. ɧ
(11) Um devoto religioso demonstra fraqueza se
barganha verdades por alimento ou dinheiro. ɧ
(12) Quem se dedica à vida religiosa demonstra
fraqueza se louva astutamente a si mesmo enquanto
desmerece os outros.
(13) Um homem de religião que prega
sublimemente para os outros e não vive sublimemente
demonstra fraqueza. Š
(14) Quem professa religião e é incapaz de viver
em solidão em sua própria companhia e não sabe
como ser agradável na companhia de outros
demonstra fraqueza.
(15) O devoto religioso demonstra fraqueza se não
for indiferente ao conforto e ao desconforto.
Estas são As Quinze Fraquezas.

(...)
XVIII. AS DEZ PERTURBAÇÕES AUTO-IMPOSTAS

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 191
Segredos do Antigo Tibet

(1) Ingressar na condição de chefe de família sem meios


de sustento produz perturbação auto-imposta como
um idiota que come acônito.
(2) Viver uma vida completamente dedicada ao mal e
desconsiderar a Doutrina produz perturbação auto-
imposta como uma pessoa insana que se atira a um
precipício. Ȁ ƴ
(3) Viver hipocritamente produz perturbação auto-
imposta como uma pessoa que coloca veneno em sua
própria comida. Š
(4) Ser falto de estabilidade da mente e tentar agir como
chefe de mosteiro produz perturbação auto-imposa
como uma velha fraca que tenta cuidar de um
rebanho. Š
(5) Devotar-se completamente às ambições egoístas e
não se esforçar pelo bem dos outros produz
perturbação auto-imposta como um cego que se
permite se perder num deserto. ɧ
(6) Empreender tarefas difíceis e não possuir habilidade
para as levar a cabo produz perturbação auto-
imposta como um homem sem força que tenta
carregar um fardo bastante pesado.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 192
Segredos do Antigo Tibet

(7) Transgredir as ordens do Buda ou do guru sagrado


por orgulho e presunção produz perturbação auto-
imposta como um rei que segue uma política
pervertida.
(8) Perder tempo vagando por cidades e aldeias em vez
de dedicá-lo à meditação produz perturbação auto-
imposta como um cervo que desce para o vale em vez
de ficar nos abrigos verdes das montanhas.
(9) Absorver-se antes na busca de coisas mundanas do
que na alimentação do crescimento da Divina
Sabedoria produz perturbação auto-imposta como
uma águia que quebrou a asa. ß ɧ
(10) Malversar vergonhosamente as oferendas que
foram dedicadas ao guru ou à Trindade produz
perturbação auto-imposta como uma criança que
engole carvões em brasa. ƴ
Estas são As Dez Perturbações Auto-Impostas.

(...)
XXI. OS DEZ ERROS GRAVES

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 193
Segredos do Antigo Tibet

(1) É um erro grave um devoto religioso seguir um


charlatão hipócrita em vez de um guru que pratica
sinceramente a Doutrina.
(2) É um erro grave um devoto religioso se aplicar a vãs
ciências mundanas em vez de procurar os
ensinamentos secretos seletos dos Grandes Sábios.
(3) É um erro grave um devoto religioso fazer planos de
longo alcance, tais como estabelecer uma residência
permanente [neste mundo], em vez de viver como se
cada dia fosse o último.
(4) É um grave erro um devoto religioso pregar a
Doutrina à multidão [sem ter compreendido
anteriormente que ela é verdadeira], em vez de
meditar sobre ela [e testar sua veracidade] na
solidão.
(5) É um erro grave um devoto religioso ser como um
avarento e acumular riquezas em vez de as dedicar à
religião e à caridade. ɧ
(6) É um erro grave um devoto religioso abrir caminho –
pelo corpo, pela fala e pela mente – à vergonha da
libertinagem em vez de observar cuidadosamente os
votos [de pureza e castidade]. ß

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 194
Segredos do Antigo Tibet

(7) É um erro grave um devoto religioso passar a vida


entre esperanças e temores mundanos em vez de
conseguir a compreensão da Realidade.
(8) É um erro grave um devoto religioso tentar reformar
os outros em vez de reformar a si mesmo.
(9) É um erro grave um devoto religioso se esforçar por
obter poderes mundanos em vez de cultivar seus
próprios poderes espirituais inatos. ɧ
(10) É um erro grave um devoto religioso ser
frívolo e indiferente em vez de perseverar, quando
todas as circunstâncias favoráveis ao progresso
espiritual se fizerem presentes.
Estes são Os Dez Erros Graves.

Dos trechos expostos acima, conjuntamente com as


referências aos elementos dos Yamas de Patañjali, que
destacamos segundo nossa observação particular, podemos
notar certa semelhança de princípios/preocupações entre os

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 195
Segredos do Antigo Tibet

preceitos budistas e os hindus acerca dos meios de


observância pessoal frente o caminho do Yoga28.

Deixamos em evidência, contudo, de que se trata de


textos símiles, mas não iguais, e que uns não podem ser
trocados pelos outros e vice-versa. Não são, exatamente, os
mesmos preceitos, mas em ambos os casos, evidencia-se

28
É importante observar que os princípios elencados pelo texto
correspondem a um contexto específico, e nem todos são tranquilamente
adaptáveis ao mundo de hoje. Deixamos essa informação clara ao leitor que
se entusiasme e queira seguir, por conta própria, os ensinamentos aqui
contidos. Muito estudo, análise e ponderação devem preceder qualquer
iniciativa prática. O texto divulga, em geral, uma sabedoria atemporal, mas
alguns detalhes evocam conceitos que dificilmente seriam coerentes se
aplicados, literalmente, em nossos dias. Vale lembrar que todo ensinamento
humano está, ainda mais quando institucionalizado com o tempo, adaptado
às relatividades da vida humana, ainda que o próprio ensinamento vise
elevar o homem para além dessa relatividade.
Destacamos isso porque muitos dos ensinamentos contidos nesses textos
falam diretamente a praticantes que, à época, adotavam um estilo de vida
eremita, totalmente dedicado às questões religiosas, em um contexto social
que dava suporte cultural a esse tipo de conduta. Vale destacar que o bom-
senso é a melhor maneira de adaptarmos as instruções ao nosso atual período
de vida, quer gostemos dele ou não: muitos de nós precisamos trabalhar,
sustentar família, pagar contas, contribuir com a sociedade, tudo isso faz
parte do dharma desse momento em que vivemos. Não dá para todos aqueles
que buscam o caminho espiritual fugirem para grutas remotas. A vida em
sociedade pode ser difícil e caótica, mas também ensina. E exige de nós a
participação ativa para sua transformação e regeneração. Não estamos aonde
estamos à tôa.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 196
Segredos do Antigo Tibet

uma preocupação clara e cuidadosa para com os elementos


norteadores do comportamento individual.

Cabe, de nossa parte, contudo, estabelecer esse


paralelo analítico entre os elementos dessas duas linhas de
abordagem do Yoga – o indiano e o tibetano.

Decerto, os princípios de conduta enumerados pelos


yogues tibetanos não estarão restritos apenas aos trechos
destacados, nem mesmo ao texto particular que escolhemos
analisar aqui. Certamente, outros textos, outras abordagens
e outras observâncias devem ser encontradas em meio ao
universo do Yoga budista. Não estamos querendo, em
hipótese alguma, restringir seu vasto panorama à redutiva
análise que aqui visamos traçar, limitada pelas dimensões
enxutas deste trabalho. Por certo, em um estudo mais
aprofundado e mais extenso, poderíamos verificar, fixando
nossa sondagem em pertinências mais específicas sobre o
tema, semelhanças mais pontuais, mas nesta presente obra
nos limitaremos a traçar esse breve paralelo destacado
acima.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 197
Segredos do Antigo Tibet

Não se deve confundir o texto de Patañjali com O


caminho supremo, o rosário das pedras preciosas, mesmo
porque são textos distintos, de contextos igualmente
diferentes e culturas diferentes, conforme já destacamos.
Nada obstante, verificamos que os princípios englobados
por Ahinsā, Sathya, Āsteya, Brāhmachārya e Āparigraha
não estão limitados apenas ao universo do Yoga indiano.
Muito menos ao universo do Yoga como uma disciplina
formal. Explicitamente, talvez, sim (em termos de
nomenclatura). Mas, em caráter de essência, seus
postulados também são, de uma forma ou de outra, mais ou
menos semelhantes àqueles abarcados pela filosofia
esotérica das práticas tibetanas – e de todas as grandes
tradições espiritualistas do mundo. De algum modo, talvez,
essa proximidade de conceitos – apesar da diferença na
forma como esses conceitos são apresentados - aproxime
esses dois “estilos”, evidenciando a finalidade em conjunto
a que ambos se destinam.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 198
Segredos do Antigo Tibet

Interessante notar, assim, a afinidade de princípios


no campo das proscrições pessoais de conduta. Ao que tudo
indica, os dois sistemas de Yoga se preocupam em advertir
o praticante quanto aos excessos de uma vida desregrada, à
falta de compaixão ressaltando a importância da não-
violência, a necessidade de
veracidade/autenticidade/fidelidade (a si mesmo, aos outros
e ao Caminho), o não-cobiçar, seja esse cobiçar relativo a
bens materiais, intelectuais, de status ou qualquer outro que
destaque e eleve a presunção do ego humano, obstruindo o
percurso da Senda trilhada, entre outros – “outros” esses
que parecem derivar, de uma forma mais ou menos direta,
desses princípios básicos, tão bem destacados na síntese
precisa estabelecida por Patañjali em seu Yoga Sutras.

Mas no quesito fidelidade a esses mesmos ideais,


conforme brevemente pudemos observar, sejam eles
expressos da forma que forem, o Yoga Tibetano não se
encontra omisso e se estrutura de uma forma fidedigna a
esse contíguo conceitual.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 199
Segredos do Antigo Tibet

Figura 12. Siddhārta Gautama, o Buddha Shakyamuni. Ilustração


tibetana.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 200
Segredos do Antigo Tibet

NIYAMA ༀ

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 201
Segredos do Antigo Tibet

Entramos, agora, nas definições estabelecidas por


Patañjali quanto às prescrições (aquilo que se deve fazer)
para uma prática yogue segura e disciplinada.

Vemos que, além das proscrições (os “evite”/ “não


faça”), o codificador da doutrina do Yoga também teve a
sensibilidade de evocar, em seu trabalho, a menção a esses
ulteriores itens de conduta, orientando, amiúde, os
ensinamentos yogues de um ponto de vista prático bem
estruturado.

Isso implica que, além dos itens do Yama –


elencados e discutidos no capítulo anterior – Patañjali
também se preocupou em configurar um esquema
orientador do comportamento humano no tocante àquilo
que se deve/é recomendado fazer por parte do(a)
yoguin/yoguine sinceros.

Nesses itens, discutidos neste presente capítulo,


vemos uma postura conscienciosa do codificador para
proporcionar uma melhor predisposição física-mental-

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 202
Segredos do Antigo Tibet

espiritual no praticante, a fim de que esse encabece de


forma mais plena os ensinamentos adquiridos e, desse
modo, transfira para sua prática um teor técnico seguro e
preciso.

Os Niyamas tratam-se, a priori, de normas de


autoaperfeiçoamento.

E, entre essas normas, Patañjali busca uma síntese


muito concisa, principalmente ao elencar aquilo que
considera fundamental – sem ser enfadonho ou piegas na
tentativa de elencar inúmeros preceitos normativos – ao
praticante observar em sua própria conduta, colocando em
prática no seu dia-a-dia, mostrando que o Yoga está além
de uma sessão formalizada de exercícios abstrusos aos
olhos curiosos.

Antes de tudo, antes mesmo das práticas tidas


(exteriormente) preponderantemente como mais “yogues” –
prānāyāma, āsana, dhyāna, etc. – Patañjali expõe a
necessidade dessas diretrizes de regramento da vida

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 203
Segredos do Antigo Tibet

pessoal, mostrando que a disciplina é companheira do


praticante dedicado, e que na conduta quotidiana se
encontra um dos principais recursos para o auto-
burilamento no processo yogue.

No Yoga Sutras, vemos um pilar quíntuplo,


semelhante à estrutura dos Yamas, para estabelecer esse
embasamento comportamental dos Niyamas.

Extraindo-se do texto, ao capítulo segundo, temos os


seguintes versículos:

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 204
Segredos do Antigo Tibet

Sobre esses itens, Patañjali desenvolve as seguintes


especificações, na ordem em que aparecem no texto
original:

40. Da limpeza [Çauca] vem a indiferença ao próprio corpo e


o desinteresse por se misturar aos demais.
(...)

42. Do contentamento vem a obtenção da mais elevada


felicidade [bem-estar].

43. Tapas traz a destruição das impurezas, o que leva à


perfeição dos sentidos do corpo [kāya].

44. A busca do saber interior [svādhyāya], orientada pela


presença divina, traz a integração mais elevada
[samprayoga].

45. Da entrega ao Īçvara, a perfeição no samadhi.

Nós podemos ver, nos itens citados acima,


possivelmente uma das preocupações pioneiras na
abordagem holística do ser humano, considerando-o como
um todo indissociável. Em breves cinco itens, Patañjali

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 205
Segredos do Antigo Tibet

consegue elencar simples orientações práticas para a


manutenção do equilíbrio humano em sua excelência, ao
trabalhar o indivíduo de forma sinérgica: Dimensão
corporal/física, dimensão emocional, dimensão mental e
dimensão espiritual.

Isso nos leva a crer que, além da inegável maestria


em poder de síntese, Patañjali também explorava conceitos
da sabedoria humana de forma muito pertinente, levando
para a prática prescrita por ele elementos de inegável
importância.

Agora nos cabe verificar o que o Yoga Tibetano –


em sua igualmente inegável profundidade – tem a ofertar
aos seus adeptos em termos de prescrições práticas ao
autoaprimoramento humano, como pré-requisito essencial à
senda yogue.

De modo semelhante ao nosso procedimento no


capítulo anterior, nosso intento aqui não será abranger uma
vasta investigação acerca de todos os paroxismos textuais e

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 206
Segredos do Antigo Tibet

canônicos dos sábios tibetanos, mas, dentro de nossas


próprias limitações, nos ateremos a uma análise menos
abrangente, no entanto bem fundamentada, tomando como
base o texto tibetano O caminho supremo, o rosário das
pedras preciosas, traduzido pelo trabalho gentil do Lama
Kazi Dawa-Samdup e posteriormente publicado no mundo
ocidental por W. Y. Evans-Wentz (1993).

Lembramos, no entanto, que essa iniciativa não se


reveste de análise superficial, mas de uma atenta
observação paralelística entre pensamentos semelhantes, de
povos distintos. Recorrer ao texto tibetano é uma forma de
nos aproximarmos do pensamento que circulava (e circula)
entre os membros dos movimentos yogues oriundos do
Tibet, uma vez que os seus textos, por vastos e complexos
que são, dificilmente seriam passíveis de uma análise
integral em um trabalho como este. Porém, o texto
escolhido para nosso atual estudo já nos proporciona
subsídios para uma análise substanciosa, uma vez que, na
síntese alí contida, já podemos observar ramificações do

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 207
Segredos do Antigo Tibet

pensamento tibetano que se alinham com as propostas de


Patañjali aqui investigadas.

Notamos, dessa forma, a semelhante via de


expressão dessas duas culturas distintas, quando o assunto
se iguala em conteúdo e intento entre esses dois povos.

Da mesma forma como verificamos a preocupação


dos yogues tibetanos com relação às prescrições técnicas,
filosóficas e espirituais, expostas e devidamente analisadas
no capítulo anterior, neste presente trecho do livro
constataremos a relevância que se dava, no contexto do
Yoga Tibetano, às prescrições de conduta para o
autoaperfeiçoamento, elemento esse, presente no Yoga, tão
destacado pelo próprio Patañjali, à sua moda, nos Sutras do
Yoga.

Tendo essa justificativa em mente, passaremos para


a análise dos trechos relevantes para nosso estudo,
extraídos do texto supracitado.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 208
Segredos do Antigo Tibet

À caráter de comparação técnica, utilizaremos


alguns sinais gráficos para demarcar certos elementos de
semelhança entre o texto tibetano e a doutrina original de
Patañjali tal qual ela se encontra em seu Yoga Sutras.

Como convenção para finalidades comparativas,


utilizaremos os seguintes símbolos para referência de
estudo: Saucha (ȿ), Santosha (:D), Tapas (Ψ), Svādhyāya
(ϓ), Īshwara pranidhana (ॐ).

Vejamos o texto tibetano (EVANS-WENTZ, 1993,


pp. 90-107):

(...)
II. AS DEZ CONDIÇÕES

(1) Tendo avaliado as próprias capacidades, deve-se exigir uma


linha segura de ação. ϓ Ψ
(2) Levar adiante as ordens de um preceptor religioso exige
confiança e diligência. ϓ Ψ ॐ

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 209
Segredos do Antigo Tibet

(3) Para evitar qualquer erro na escolha de um guru, exige-se


que o discípulo conheça suas próprias faltas e virtudes. ϓ
(4) Acuidade de intelecto e fé constante são exigidas para a
afinidade com a mente do preceptor espiritual. ϓ ॐ
(5) Vigilância incessante e alerta mental, aliados à humildade,
são exigidos para manter o corpo, a fala e a mente não
tocados pelo mal. ϓ
(6) Couraça espiritual e força de intelecto são exigidas para o
cumprimento dos votos feitos de coração. ϓ Ψ
(7) A liberdade habitual em relação ao desejo e ao apego é
necessária para se ver livre da escravidão. Ψ
(8) Para se conseguir o Mérito Duplo, nascido das ações e dos
motivos corretos, e a dedicação altruísta e seus resultados é
preciso um esforço incessante. Ψ
(9) A mente, imbuída de amor e compaixão nos pensamentos e
nos atos, deve ser dirigida para o serviço de todos os seres
sencientes. :D Ψ
(10) Por meio da audição, da compreensão e da sabedoria
é que se entende a natureza de todas as coisas, de maneira a
não cair no erro de ver como coisas reais a matéria e os
fenômenos.ϓ
Estas são As Dez Condições.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 210
Segredos do Antigo Tibet

III. AS DEZ COISAS QUE SE DEVE FAZER

(1) Ligar-se a um preceptor religioso dotado de poder espiritual


e conhecimento completo. ॐ [acima de tudo, o verdadeiro

preceptor, segundo o Yoga, é o Ishwara Interno].

(2) Procurar uma solidão agradável dotada de influências


psíquicas, tal como um eremitério.:D ȿ [entendemos como
saucha não apenas a limpeza/pureza do corpo denso, mas
tudo aquilo que corrobora uma atmosfera saudável e
impoluta para o praticante].
(3) Procurar amigos que tenham crenças e hábitos iguais aos
teus e em que tu possas confiar. :D
(4) Lembrar da existência dos demônios da gulodice e comer
apenas o suficiente durante o período de retiro. Ψ
(5) Estudar os ensinamentos dos Grandes Sábios de todas as
seitas, com imparcialidade.
(6) Estudar as ciências benéficas da Medicina e da Astrologia e a
profunda arte dos augúrios.
(7) Adotar um regime e um estilo de vida que te mantenha com
boa saúde. :D Ψ
(8) Adotar práticas devocionais que te conduzam ao
desenvolvimento espiritual. :D Ψ ॐ

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 211
Segredos do Antigo Tibet

(9) Reter os discípulos que possuem uma fé firme e o espírito


manso e que pareçam ser favorecidos pelo karma em sua
busca da Divina Sabedoria.
(10) Manter constantemente a consciência alerta no caminhar,
no sentar, no comer e no dormir. ϓ
Estas são As Dez Coisas que se Deve Fazer.

(...)
VII. AS DEZ COISAS QUE SE DEVE PRATICAR

(1) Deve-se adquirir conhecimento prático do Caminho


trilhando-o, e não fazer como a multidão [que professa,
mas não pratica a religião]. Ψ ϓ ॐ
(2) Abandonando o próprio país e morando em terras
estranhas, adquire-se conhecimento do não-apego.
(3) Tendo escolhido um preceptor religioso, separa-te do
egoísmo e segue implicitamente os ensinamentos dele. ϓ

(4) Tendo adquirido a disciplina mental ao ouvir os
ensinamentos religiosos e meditar sobre eles, não exaltes
tua consecução, mas aplica-te à consecução da Verdade.
Ψ

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 212
Segredos do Antigo Tibet

(5) Tendo o conhecimento espiritual brotado em ti, não o


negligencies por preguiça, mas cultiva-o com vigilância
incessante. Ψ ϓ
(6) Tendo experimentado a iluminação espiritual, comunga
com ela em solidão, renunciando às atividades mundanas
da multidão. ॐΨ
(7) Tendo adquirido o conhecimento prático das coisas
espirituais e feito a Grande Renúncia, não permitas que o
corpo, a fala ou a mente se desgovernem, mas observa os
três votos de pobreza, castidade e obediência. Ψ
(8) Tendo resolvido atingir o Objetivo Supremo, abandona o
egoísmo e te dedica a servir os outros. Ψ [sacrifício em
sentido de “sacro-ofício”]
(9) Tendo penetrado no Caminho místico tantraiânico, não
permitas que o corpo, a fala ou a mente permaneçam
insatisfeitos, mas pratica a mandala tríplice. :D ђ
(10) Durante a juventude, não frequentes os que não te
guiem espiritualmente, mas adquire conhecimento
prático, diligentemente, aos pés de um guru erudito e
piedoso. ॐ
Estas são As Dez Coisas que se Deve Praticar.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 213
Segredos do Antigo Tibet

VIII. AS DEZ COISAS EM QUE SE DEVE PERSEVERAR

(1) Os noviços devem perseverar no ouvir com atenção


os ensinamentos religiosos e no meditar sobre eles.
(2) Tendo tido experiência espiritual, persevera na
meditação e na concentração mental. ϓ ॐ
(3) Persevera na solidão até que a mente se tenha
disciplinado de modo iogue. Ψ
(4) Se os processos de pensamento forem difíceis de se
controlar, persevera em teus esforços para os
dominar. ϓ
(5) Quando a indolência for grande, persevera em teus
esforços de revigorar o intelecto [ou de controlar a
mente]. ϓ
(6) Persevera na meditação até que tenhas atingido a
imperturbável tranquilidade mental do Samādhi. ϓ

(7) Tendo atingido esse estado de Samādhi, persevera no
prolongamento de sua duração e no causar sua
recorrência. ॐ
(8) Se os infortúnios te assaltarem, persevera na paciência
do corpo, da fala e da mente.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 214
Segredos do Antigo Tibet

(9) Se houver grande apego, desejo ardente ou fraqueza


mental, persevera num esforço de erradicação de tudo
isso assim que eles se manifestarem. Ψ ϓ
(10) Se a benevolência e a piedade forem fracas em ti,
persevera em dirigir a mente para a Perfeição. ॐ
Estas são As Dez Coisas em que se Deve Perseverar.

IX. OS DEZ INCENTIVOS

(1) Refletindo sobre a dificuldade de obter um corpo humano


bem-dotado e livre, que tu possas ser incitado a adotar a
carreira religiosa.
(2) Refletindo sobre a morte e a impermanência da vida, que
tu possas ser incitado a viver piamente.
(3) Refletindo sobre a natureza irrevogável dos resultados
que invariavelmente surgem das ações, que tu possas ser
incitado a evitar a impiedade e o mal.
(4) Refletindo sobre os males da vida na roda das
existências sucessivas, que tu possas ser incitado a
procurar a Emancipação. ϓ ॐ

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 215
Segredos do Antigo Tibet

(5) Refletindo sobre as misérias de que sofrem todos os seres


sencientes, que tu possas ser incitado a atingir a
liberação delas por meio da iluminação da mente.
(6) Refletindo sobre a perversidade e a natureza ilusória da
mente de todos os seres sencientes, que tu possas ser
incitado a ouvir com atenção a Doutrina e a meditar
sobre ela.
(7) Refletindo sobre a dificuldade da erradicação de
conceitos errôneos, que tu possas ser incitado à
meditação constante [que os vence]. Ψ ϓ ॐ
(8) Refletindo sobre a predominância das propensões
malévolas neste Kali-yuga [ou Era das Trevas], que tu
possas ser incitado a procurar o antídoto para elas [na
Doutrina].
(9) Refletindo sobre a multiplicidade dos infortúnios nesta
Era das Trevas, que tu possas ser incitado à
perseverança [na busca da Emancipação].
(10) Refletindo sobre a inutilidade da fragmentação
despropositada da vida, que tu possas ser incitado à
diligência [no trilhar o Caminho].
Estes são Os Dez Incentivos.

(...)

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 216
Segredos do Antigo Tibet

XV. AS DOZE COISAS INDISPENSÁVEIS

(1) É indispensável possuir um intelecto dotado do poder de


compreensão e aplicação da Doutrina às necessidades
de outrem.
(2) No começo mesmo [da carreira religiosa], é
indispensavelmente necessário possuir a mais profunda
aversão à interminável sequência de mortes e
nascimentos repetidos.
(3) Um guru capaz de te guiar no Caminho da Emancipação
também é indispensável.
(4) Diligência combinada com fortaleza e invulnerabilidade
à tentação são indispensáveis.
(5) Perseverança incessante no neutralizar os resultados das
más ações, pela prática de bons atos, e no cumprimento
do voto tríplice, para manter a castidade do corpo,
pureza da mente e controle da fala são indispensáveis.:D
ȿ ђ Ψ ϓ [entendemos que contentamento – santosha – é
um dos propiciadores da pureza da mente, que a
castidade, em um sentido amplo e não restritamente de
castração sexual, mas de canalização das próprias
energias, também auxilia no controle e purificação do
corpo – saucha].

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 217
Segredos do Antigo Tibet

(6) Uma filosofia abrangente o suficiente para abarcar todo


o conhecimento é indispensável.
(7) Um sistema de meditação que produza o poder de
concentrar a mente em qualquer coisa é indispensável.
(8) Uma arte de viver que capacite a utilizar a atividade [do
corpo, da fala e da mente] como uma ajuda no Caminho
é indispensável. ȿ ђ Ψ
(9) Um método de praticar os ensinamentos seletos que os
tornará mais do que meras palavras é indispensável. Ψ
(10) Instruções especiais [dadas por um guru sábio] que
capacitem a evitar caminhos, tentações, armadilhas e
perigos enganosos são indispensáveis.
(11) Fé indômita combinada com serenidade suprema de
espírito é indispensável na hora da morte. ॐ

(12) Como resultado de ter aplicado na prática os


ensinamentos seletos, a consecução dos poderes
espirituais capazes de transmutar o corpo, a fala e a
mente em suas essências divinas é indispensável.
Estas são As Doze Coisas Indispensáveis.

(...)
XX. AS DEZ MELHORES COISAS

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 218
Segredos do Antigo Tibet

(1) Para alguém de pouco intelecto, o melhor é ter fé na lei


da causa e do efeito.
(2) Para alguém de intelecto comum, o melhor é reconhecer,
dentro e fora de si, a atuação da lei dos opostos.
(3) Para alguém de intelecto superior, o melhor é possuir
uma compreensão ampla da inseparabilidade do
conhecedor, do objeto de conhecimento e do ato de
conhecer. ॐ
(4) Para alguém de pouco intelecto, a melhor meditação é a
concentração absoluta da mente num único objeto.
(5) Para alguém de intelecto comum, a melhor meditação é a
concentração ininterrupta da mente nos dois conceitos
dualistas [dos fenômenos e dos númenos, da consciência e
da mente].
(6) Para alguém de intelecto superior, a melhor meditação é
permanecer em repouso mental, a mente vazia de todos os
processos-pensamentos, sabendo que o meditador, o
objeto de meditação e o ato de meditar constituem uma
unidade inseparável. ॐ
(7) Para alguém de pouco intelecto, a melhor prática
religiosa é viver em conformidade estrita com a lei da
causa e do efeito.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 219
Segredos do Antigo Tibet

(8) Para alguém de intelecto comum, a melhor prática


religiosa é considerar que todas as coisas objetivas são
imagens vistas num sonho ou produzidas por mágica.
(9) Para alguém de intelecto superior, a melhor prática
religiosa é abster-se de todos os desejos e ações
mundanas [considerando que todas as coisas sangsáricas
são não-existentes].
(10) Para todos os três graus de intelecto, a melhor
indicação de progresso espiritual é a diminuição gradual
das paixões obscurecedoras e do egoísmo.
Estas são As Dez Melhores Coisas.

(...)
XXII. AS DEZ COISAS NECESSÁRIAS

(1) No começo mesmo [da carreira religiosa], deve-se ter


uma aversão profunda pela sucessão contínua de mortes e
nascimentos [a que estão sujeitos os que não conseguiram
a Iluminação].
(2) A próxima coisa necessária é uma perseverança tão
grande, que não se deve arrepender de perder a vida [na
busca da Iluminação], como a do lavrador que ara seus

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 220
Segredos do Antigo Tibet

campos e não se arrepende do seu trabalho mesmo que


morra no dia seguinte.
(3) A terceira coisa necessária é o contentamento do espírito,
como o de um homem que realizou uma grande façanha
de longo alcance.:D ђ
(4) Depois, deve-se compreender que, como um homem ferido
perigosamente por uma flecha, não há um momento a
perder.
(5) É preciso habilidade de fixar a mente num único
pensamento, como uma mãe que perdeu seu único filho.
(6) Outra coisa necessária é compreender que não é preciso
fazer nada, como um pastor que teve seu rebanho
roubado por inimigos e que nada pode fazer para o
recobrar.
(7) Um requisito primário é ansiar pela Doutrina, como um
homem faminto anseia por boa comida.
(8) É preciso confiar na habilidade mental das pessoas, como
um homem forte confia em sua habilidade física quando
precisa manter consigo uma pedra preciosa que
encontrou.
(9) Deve-se expor a falácia do dualismo, como se desvenda a
falsidade de um mentiroso.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 221
Segredos do Antigo Tibet

(10) Deve-se confiar na Ipseidade [como sendo o Único


Refúgio], como uma gaivota exausta pela viagem confia
no mastro do barco em que está pousada. ॐ
Estas são As Dez Coisas Necessárias.

(...)
XXIV. AS DEZ COISAS MAIS PRECIOSAS

(1) Uma vida humana livre e bem-dotada é mais preciosa do


que miríades de vidas não-humanas em qualquer um dos
seis estados de existência.
(2) Um sábio é mais precioso do que multidões de pessoas
irreligiosas e de mente estreita.
(3) Uma verdade esotérica é mais preciosa do que inúmeras
doutrinas exotéricas.
(4) Um vislumbre momentâneo da Divina Sabedoria, nascida
da meditação, é mais precioso do que uma montanha de
conhecimentos derivados do apenas ouvir ensinamentos
religiosos e meditar sobre eles.
(5) A menor porção de mérito dedicado ao bem dos outros é
mais preciosa do que qualquer porção de mérito devotado
ao próprio bem.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 222
Segredos do Antigo Tibet

(6) Experimentar apenas momentaneamente o Samādhi,


quando todos os processos-pensamentos estão em
repouso, é mais precioso do que experimentar
ininterruptamente o Samādhi quando os processos de
pensamento ainda estão presentes. ॐ
(7) Desfrutar um único momento da bem-aventurança do
Nirvana é mais precioso do que desfrutar qualquer
porção de bem-aventurança sensual.
(8) A mínima boa ação feita altruisticamente é mais preciosa
do que inúmeras boas ações feitas egoisticamente.
(9) A renúncia a todas as coisas mundanas [lar, família,
amigos, propriedades, fama, duração da vida, e até
mesmo saúde] é mais preciosa do que dar em caridade a
riqueza mundana inconcebivelmente vasta.
(10) Uma vida gasta na busca da Iluminação é mais
preciosa do que todas as vidas de um aeon gastas em
buscas mundanas.
Estas são As Dez Coisas Mais Preciosas.

Não é difícil de notar a semelhança de preocupação


comportamental entre os dois sistemas de Yoga. Como

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 223
Segredos do Antigo Tibet

notamos nos excertos acima, a cultura espiritual tibetana,


que perpassa o panorama do Yoga nesse contexto, é vasta
em seus desdobramentos comportamentais, no sentido de
orientar a vida do praticante para que ele tenha bom êxito
no caminho yogue.

Algo curioso de se notar, nessa lista de preceitos


prescritivos, é que, em muitos deles, a prescrição está
envolvendo uma proscrição. Ou seja, aconselha-se que se
evite algo. Pede-se uma atitude ativa para se rechaçar certas
coisas.

Ainda assim, percebemos o caráter pormenorizado


de que se reveste o texto, sendo ele um verdadeiro manual,
bastante abrangente, de orientações práticas.

Não se trata, necessariamente, conforme nos


sugerem alguns trechos, de normas castradoras e
repressivas.

Por exemplo, o item 6 do texto VII diz o seguinte:


“Tendo experimentado a iluminação espiritual, comunga

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 224
Segredos do Antigo Tibet

com ela em solidão, renunciando às atividades mundanas


da multidão”.

À primeira vista, o conteúdo desse enunciado parece


nos remeter aos antigos costumes monásticos vigorados em
diversas tradições religiosas, em que se orienta o neófito a
buscar uma vida de isolamento, castidade e renúncia.

Na verdade, contudo, estudando-se o texto um tanto


mais, percebemos que essa sentença não possui caráter
determinista. Trata-se, tão-somente, de uma etapa
necessária à aprendizagem. E isso fica evidente no seguinte
texto (EVANS-WENTZ, 1993, p.p. 107-108):

(...)
XXV. AS DEZ COISAS IGUAIS

(1) Para quem é sinceramente devotado à vida


religiosa, dá no mesmo abster-se das atividades
mundanas ou não.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 225
Segredos do Antigo Tibet

(2) Para quem compreendeu a natureza


transcendental da mente, dá no mesmo meditar ou
não.
(3) Para quem está livre do apego aos faustos
mundanos, dá no mesmo praticar ascetismo ou
não.
(4) Para quem compreendeu a Realidade, dá no
mesmo morar numa colina isolada ou vaguear
daqui para ali [como um bhikshu].
(5) Para quem conquistou a mestria de sua mente, dá
no mesmo partilhar ou não dos prazeres do
mundo.
(6) Para quem é dotado da integralidade da
compaixão, dá no mesmo partilhar ou não dos
prazeres do mundo.
(7) Para quem a humildade e a fé [em relação ao seu
guru] são inabaláveis, dá no mesmo morar com o
guru ou não.
(8) Para quem entende completamente os
ensinamentos que recebeu, dá no mesmo se
encontrar com os azares da boa ou da má sorte.
(9) Para quem desistiu da vida mundana e se lançou à
prática das Verdades Espirituais, dá no mesmo

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Yoga Tibetano: 226
Segredos do Antigo Tibet

observar os códigos convencionais de conduta ou


não.
(10) Para quem conquistou a Sublime Sabedoria,
dá no mesmo ser capaz de exercer poderes
miraculosos ou não.
Estas são As Dez Coisas Iguais.

Interessante notar, em um texto como esse que


expusemos acima, uma particularidade muito preciosa da
abordagem tibetana não apenas do Yoga, mas do ascetismo
e da religiosidade de forma geral.

Acostumamos a ver, em todo o orbe terrestre,


inúmeras tradições espiritualistas que, de uma forma mais
ou menos acentuada, acabam direcionando os seus adeptos
para a renúncia daquilo que chamam de “coisas
mundanas”.

Muitos comportamentos fanáticos e extremistas


podem nascer dessa disposição, caso não seja estritamente
orientada por um preceptor consciente e cauteloso.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 227
Segredos do Antigo Tibet

É inerente notarmos, no próprio cerne da cultura


espiritualista tibetana, uma inclinação ao ascetismo e ao
ideal de vida eremita.

Não se deve esquecer, no entanto, que o eremita,


por sua vez, encara com profunda compaixão os
seus irmãos que estão mergulhados no mundo; e,
enquanto estes batalham pelas ninharias
mundanas, ele reza em sua intenção, suplicando
que sua Ignorância (Avidya) possa ser dissipada
e seus pés possam trilhar o Caminho da Grande
Libertação. Cheio de piedade, ele contempla a
raça humana com os olhos da percepção
espiritual, tal como o fez o Buddha Gautama, e
observa a humanidade agrilhoada como escravos
acorrentados por seus próprios hábitos — muitos
dos quais são, de fato, indefensáveis. Ele vê seus
semelhantes levados por seu Karma, resultado de
suas ações anteriores, à roda dos Doze Nidanas,
as causas mutuamente interdependentes da
existência sangsárica, e impelidos a renascer
interminavelmente, para recair, a cada vez,
vitimados pela dor, pela velhice, pela
enfermidade e pela morte. E contempla a
chegada da hora em que será autorizado a sair e
guiá-los à Liberdade. (EVANS-WENTZ, 1985,
p.12).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 228
Segredos do Antigo Tibet

Vemos, contudo, por trás dos véus imaturos do


preconceito e da análise superficial, a relatividade da
validade de certas posturas exteriores perante o mundo que
nos cerca.

Os yogues avançados continuam trabalhando, ainda


que diante da imposição de uma distância física. Vejamos
outro exemplo. Quando swami Rama foi visitar seu grão-
mestre no Tibet, encontro relatado em seu Vivendo com os
Mestres do Himalaia, ouviu o seguinte ensinamento:

- Os sábios, iogues e mestres espirituais


servem o mundo aprofundando-se até à fonte
central do amor e expressando esse amor aos
alunos sem usar nenhum dos métodos de
comunicação até agora conhecidos do homem
moderno. Esta, a mais perfeita de todas as
comunicações, torna-se muito ativa no silêncio
profundo e ajuda o aluno a dar cabo de todos os
medos, dúvidas e problemas. Qualquer desejo
altruísta experimentado pelo mestre durante esse
tempo é satisfeito. (...). (RAMA, 1995, p. 380).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 229
Segredos do Antigo Tibet

Muitos ocidentais, ao verem um modo eremita de


vida, seja de um místico tibetano ou de um padre africano,
praguejariam afirmando ser essa uma postura alienada e
alienadora.

Mas temos que levar em conta que, de modo


semelhante, um ermitão que não se afastou do mundo por
fuga ou por conflitos interiores, olha para o modo caótico
com o qual nós criamos nossas grandes cidades, e vê um
ninho fecundo para doenças como o stress, síndrome do
pânico e a ansiedade, em que as pessoas agem como robôs
programados em busca de dinheiro, status e fama, muitas
vezes vivendo uma vida que não faz sentido para elas...
Talvez ele olhe para a opulência superficial de uma
sociedade também superficial e veja que, por trás de seus
costumes tidos como “refinados”, encontra-se uma
verdadeira guarida da depressão. Talvez, ainda, esse
eremita olhe para a turbulência criada em nossos sistemas
sociais e se pergunte: “Por que eles estão fugindo? Por que
eles estão fugindo da vida e de si mesmos?”. Enquanto

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 230
Segredos do Antigo Tibet

isso, somos nós, os “civilizados”, que nos indagamos o


motivo pelo qual o eremita está “fugindo”. Como vemos, é
tudo relativo, opiniões subordinadas a pontos de vistas
individuais e reducionistas.

Mas, no geral, notamos que há uma justificativa por


trás do comportamento do yogue que escolheu, por um
momento, afastar-se do convívio social mais apinhado.

Além de seu relativo valor para a sociedade, o


yogi ensina que todos os estágios da atividade
humana, sendo kármicos, encontram em si
mesmos a sua justificativa, pois, para ele, o
mundo é uma vasta Escola de muitas gradações,
estando alguns pupilos no jardim de infância, a
maioria no ensino médio e uns poucos aptos a
ingressar na Universidade, cuja matrícula
consiste na bem-sucedida renúncia ao mundo. Os
que superaram os desejos da vida mundana são
para ele mais importantes à sociedade do que os
que ainda estão apaixonados pelo mundo.
(EVANS-WENTZ, 1985, p.12).

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Yoga Tibetano: 231
Segredos do Antigo Tibet

São importantes para a sociedade, contudo, não por


causa da renúncia em si, como se fosse tomada por
finalidade, mas por essa ser um meio viável para o adepto
desalienar-se do sistema em que se encontra inserido, com
sua programação mental voltada apenas para os valores
muitas vezes superficiais de uma sociedade que ainda se
encontra em densa letargia existencial.

É o Mito da Caverna de Platão, como aquele que sai


das trevas e do claustro para descobrir que há um mundo
inundado de luz para fora de seu aprisionamento. Mas, para
descobrir, precisou deixar a caverna. E somente assim ele
se torna útil àqueles que ainda se encontram no interior da
caverna, uma vez que sua consciência é a única ali capaz de
orientá-los acerca de sua estupidez.

Os seres humanos mergulhados na Ilusão


oriunda da Ignorância, a Caverna Platônica das
Sombras, e que não se esforçam para conhecer a
si mesmos, foram comparados pelo yogi a um
peixe num lago, o qual, satisfeito com o lago e

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Yoga Tibetano: 232
Segredos do Antigo Tibet

com a vida de peixe, não tem nenhum desejo de


deixar o mundo da água e viver no ar; ou a um
cervo numa floresta que prefere continuar a ser
um cervo, embora lhe ofereçam a chance de se
transformar num homem.

Deve-se ter igualmente presente, ao se


julgar um yogi, que ele afirma ter comprovado,
pelo menos para si mesmo, por métodos tão
cuidadosos e científicos em seu próprio reino
como os conhecidos nos laboratórios do
Ocidente no reino da ciência física, que os ideais
mundanos não passam de ideais de uma ordem
social imatura, de raças que se encontram ainda
nos graus inferiores e médios da Escola do
Mundo. Se lhe dão crédito ou não, sua convicção
permanece inalterada. Enquanto, como ele pode
assinalar, há cinco séculos, os europeus
acreditavam que o mundo era chato, ele era na
realidade esférico; e hoje, da mesma forma, a
aceitação ou a rejeição de sua concepção da vida
humana não é capaz de alterar o que quer que ela
seja. (EVANS-WENTZ, 1985, p.13).

Contudo, da mesma forma que o yogue, renunciando


à superficialidade e banalidade das coisas, descobre o
caráter imaturo de nossos padrões sociais, ele não “sai do
mundo” porque “o mundo é pecaminoso”. O homem que

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Yoga Tibetano: 233
Segredos do Antigo Tibet

está preso na caverna não sai da caverna porque ela é “má”.


Ele simplesmente deixa a caverna porque percebe que há
outras coisas para além dela. Ele necessita, instintivamente,
da luz solar. A sua curiosidade, aguçada, o força a explorar.
Depois de sair e ver uma nova realidade, nada o impede de
voltar para a caverna caso não tenha outro lugar para
dormir.

E é aí que entra a validade da abordagem tibetana.

Não se toma o meio pela finalidade.

Apesar de notarmos, em muitos dos enunciados de O


Rosário Precioso, determinadas apologias ao
comportamento ascético, podemos observar, no último
excerto extraído do original, que o ascetismo não é visto
pelos yogues tibetanos como uma finalidade em si, mas
apenas como um meio para atingir uma finalidade maior.

A impressão que se tem, ao ler esse texto, é que a


aparente renúncia inicial não é com a finalidade de alienar
o praticante do mundo e dele desvirtuá-lo, afastando-o de

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Yoga Tibetano: 234
Segredos do Antigo Tibet

maneira contumaz, mas apenas uma medida inicial,


cautelosa, para desviar o foco de atenção do praticante, a
fim de que ele possa desfrutar de uma ampla imersão em
sua rotina de estudo, meditação e autoconhecimento.

Talvez, por saberem do natural comodismo humano,


quando o indivíduo se encontra ancorado em sua própria
“zona de conforto”, sabiam os mestres tibetanos que, desse
patamar, é difícil para o indivíduo deixar seu apego pelas
transitoriedades que envolvem seu ego e, de uma maneira
mais geral, o apego e a identificação com o seu próprio
ego.

Dessa forma, o ascetismo inicial, com suas naturais


austeridades, poderia ser colocado como método de
“rompimento” para com essa resistência inicial e
automatista do comportamento humano, a fim de projetar o
adepto a uma senda mais íntegra e menos obstruída pelos
desvios da própria personalidade. Essa “quebra” inicial
poderia vir, pela nossa interpretação, como um modo de
fazer o praticante interromper o oceânico fluxo de suas

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Yoga Tibetano: 235
Segredos do Antigo Tibet

energias para o “mundo exterior” e reverter esse fluxo,


através da prática, ao “mundo interior” e, daí, haurir de
dentro de si mesmo os recursos preciosos para sua própria
autoiluminação.

O que pode justificar esse ponto seria a nossa


propensa influência pelos estímulos sensórios e, por
conseguinte, a irresistível atração pelos fenômenos
chamados de samsáricos, tidos, em última análise, por
transitórios e superficiais – encadeadores de sofrimento.

Contudo, o mestre parece tomar o cuidado para não


fazer da renúncia a meta da vida yogue.

Já falamos aqui que uma das maiores finalidades do


Yoga é Moksha, a Libertação (de Samsāra, de Maya
[ilusão], de Avidyā [ignorância existencial], Asmita
[egoísmo], do sofrimento, etc.).

E se a libertação é legítima, ela não pode ser


condicionada a este ou àquele padrão de comportamento

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Yoga Tibetano: 236
Segredos do Antigo Tibet

exterior, uma vez que se assim o for, não será liberdade,


pois estará “presa” a fatores x ou y.

Quem diz que só pode ser livre no topo de uma


montanha, não pode ser livre, pois está preso à condição de
permanecer no topo da montanha para se sentir livre.

O bom senso nos adverte que se o indivíduo for


realmente livre, tiver atingido legitimamente Moksha e
ainda permanecer no corpo físico, ele será livre sozinho no
topo de uma montanha, no eremitério ao lado do seu guru
ou no apartamento junto de sua família.

Se alguém disser que só há liberdade no topo de uma


montanha, liberdade não pode ser, porque haverá implícita
uma condição propícia para se atingir tal estado (ou seja, é
algo condicional, não pleno e incondicional, como nosso
bom senso diz que a liberdade deveria ser); ou seja, a
pessoa continua presa. Continua presa àquela situação para
se sentir “livre”. Porque se sair da montanha solitária, não
estará mais livre, não se sentirá mais livre. E se isso

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Yoga Tibetano: 237
Segredos do Antigo Tibet

acontecer, é porque nunca esteve, realmente, livre. Sua


falsa sensação de “liberdade” é extremamente
condicionada, e se liberdade, em sentido filosófico, for a
abrangência do incondicional na sua essência, não pode
haver verdadeira liberdade se a pessoa estiver presa a este
ou aquele ditame, a este ou àquele meio de comportamento
exterior.

Porque, no final das contas, de um modo de vista


puramente yogue, liberdade e renúncia são aspectos
internos do ser, não condicionalidades exteriores e,
portanto, igualmente falsas e transitórias. Uma liberdade
“condicional” é uma “liberdade” tecida com os próprios
linhos de Maya. Uma liberdade ilusória.

É nesse aspecto de análise que entendemos, assim, o


trecho “As Dez Coisas Iguais”: Como uma cautela muito
precisa do erudito tibetano, de modo a propor o ascetismo
não como meta de vida, mas apenas como um dos
instrumentos possíveis para a autotransformação. Como
uma espécie de “faculdade”. Mas assim como é em uma

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Yoga Tibetano: 238
Segredos do Antigo Tibet

faculdade, em que o estudante fica longe dos pais, vivendo


em uma república, conclui seus estudos e depois retorna,
para reverter sua formação em trabalho em prol do bem
comum, assim o yogue tibetano também o faz – em muitos
casos.

Até mesmo nos mundialmente conhecidos “retiros


tibetanos”, em que o aspirante deve permanecer no claustro
de uma caverna – ou, mais modernamente, retiro
devidamente apropriado (com cabanas, etc.) – durante 3
anos, 3 meses, 3 semanas e 3 dias, há uma volta depois de
concluída a prática. Retorna-se “ao mundo”. Apesar de
assustar o número, é, inclusive, um período de duração
inferior ao de uma graduação acadêmica, que
tradicionalmente tem duração mínima de quatro anos em
nossas universidades.

Mas, conforme dissemos, após o período do retiro, o


adepto volta “ao mundo”.

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Yoga Tibetano: 239
Segredos do Antigo Tibet

Talvez seu objetivo, com essa medida aparentemente


“radical”, seja justamente reverter sua energia para dentro
de si e para o autoconhecimento e, a partir daí, descobrir
sua conexão com todas as coisas, verificar que “dentro” e
“fora”, “interior” e “exterior”, são apenas termos da mente
conceitual e que, em essência, não existem. Não existe
qualquer separação.

Se ele descobre Brāhman ou Dharmakāya dentro de


si, também o descobre em todas as coisas à sua volta,
porque a ilusão dualista da separação foi consumida no
fogo sagrado de sua iluminação interior.

Até mesmo o senhor Buddha, embora poucos


abordem esse lado da história, voltou ao palácio, de onde
saiu, após ter atingido a iluminação. E pôde, inclusive,
cuidar de seu filho Rahula. Não viveu pelo resto da
eternidade debaixo de uma árvore, como, possivelmente,
muitos devem imaginar até hoje.

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Yoga Tibetano: 240
Segredos do Antigo Tibet

Numa crítica ao comportamente estritamente


ascético, Osho diz: “Para tentar evitar a dor, muitos
abdicam ao prazer. Para tentar evitar a morte, muitos
abdicam à vida”.

A renúncia empregada pelos sábios não é para


afastar, mas para aproximar, independente do sentido
paradoxal que isso possa ter. Não é uma simples negação
da vida, declarando a irrealidade de tudo o que existe. Um
grande sábio do passado, Mahasiddha Saraha, teve a
ocasião de dizer: “Pessoas que pensam que as coisas são
reais, são tão estúpidas quanto uma vaca. Pessoas que
pensam que as coisas não são reais, são ainda mais
estúpidas”.

Ainda que diante desse aparente paradoxo, o yogue


não é um fugitivo da vida; é seu amante mais precioso. Mas
sabe que, para seu amor se tornar real, é necessário
explorar, à fundo, a Fonte desse amor dentro de si. Por isso
ele se “retira” e se volta “para dentro”, sendo que,
culturalmente, muitas vezes isso acaba implicando em

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Yoga Tibetano: 241
Segredos do Antigo Tibet

permanecer afastado do convívio social por um


determinado tempo. Mas o resultado posterior, quando
“interior” e “exterior” se dissolverem na unidade da
realidade Absoluta, irá igualar o yogue à postura adotada,
em vida, pelo avatar indiano Sri Krishna. Sobre ele,

"Krishna é a única pessoa, em toda a história da consciência


humana, que é tremendamente apaixonada pela vida, com a
poesia da vida, com a música da vida, com a dança da vida. Ele
não é de todo negativo da vida, ele é muito afirmativo e ele
aceita a vida como ela é; ele não coloca Deus e o mundo como
opostos.

Deus não está separado do mundo, Deus está no mundo ... Deus
é o mundo! Assim, o mundo tem que ser vivido e amado.

Assim, a flauta de Krishna tornou-se o símbolo de sua


filosofia - de sua canção, de sua música, de sua dança, do seu
amor". (Osho).

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Yoga Tibetano: 242
Segredos do Antigo Tibet

Figura 13. Avatar indiano Sri Krishna, tocando sua flauta. Pintura
do autor.

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Yoga Tibetano: 243
Segredos do Antigo Tibet

Não é uma negação da vida; muito pelo contrário, é


apenas um meio, entre muitos, de se conhecer a si mesmo
para, assim, integrar-se de forma mais plena à vida.

Em verdade, entende-se que mesmo que a pessoa


comum viva “no mundo”, é ela que ainda está separada
dele. E o está porque está separada de si mesma. É
superficial sua comunhão com o mundo e com as pessoas à
sua volta, ou, ao menos, poderia ser mais profunda. Pode
parecer estranho, mas com um pouco de reflexão essa
verdade será facilmente assimilada: O yogue é o único que
pode estar verdadeiramente unido ao mundo.

Porque transcendeu os limites ilusórios da aparência,


descartando o sentimento de dualidade e imergindo na
unidade. Gozando da vida una, reconhece a si mesmo em
cada átomo à sua volta, em cada sorriso e em cada olhar.
Vendo a Realidade Suprema em si mesmo, A vê em toda
parte; além e acima de atributos relativos, desperta para
Sua presença onipresente. E celebra. Não foge, porque não

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 244
Segredos do Antigo Tibet

há para onde fugir, não há do que fugir... Ele é presença


pura. No céu ou na terra, o princípio é um só, e o mesmo.

A aparente “separação” inicial a que o yogue se


submete, assim, não se justifica como eterna, uma vez que,
reconhecendo a mesma Essência em si e no outro, caberá
ao yogue desenvolvido o impulso espontâneo de ajudar no
progresso mútuo. O primeiro impulso de quem sai da
caverna, ao retornar, é comunicar aos seus semelhantes que
existe luz, quer eles acreditem ou não. O que importa é que
ele viu e sabe como conduzir os demais para verem por si
próprios. Assim sendo, o yogue tem a possibilidade de um
altruísmo realmente poderoso. Se ele se afasta do mundo, é,
em demais análises, para aprender a servir melhor. Se não
sabe que é esse o seu objetivo, pelo menos tende a
descobrí-lo em meio ao avanço de suas práticas:

Em nenhum lugar, no curso de suas pesquisas


entre os santos vivos do Himalaia e do
Hindustão, o escritor encontrou um genuíno yogi
cujo ideal não fosse uma preparação altruísta

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 245
Segredos do Antigo Tibet

para o serviço da Raça. Um deles, embora fosse


um brâmane por nascimento, havia abandonado
todas as distinções de casta e credo e,
considerando todos os homens como seus
irmãos, aguardava ansiosamente — embora
devesse aguardar ainda muitas existências — o
tempo em que estaria pronto para retornar ao
mundo e proclamar a Verdade Realizável. Para
ele, a Renúncia deve preceder a Conquista da
Vida, tal como Jesus igualmente proclamou ao
rico jovem mundano que Lhe perguntou qual era
o caminho da Salvação; e a Verdade Realizada
deve preceder a tarefa de ensinar e guiar uma
humanidade sem luzes. Se o próprio Mestre não
viu a Luz, como pode ele proclamá-la aos
outros? Assim, o objetivo superior de todo yogi
sincero, seja ele hindu, budista, jainista, taoísta,
sufi ou gnóstico cristão, é, em primeiro lugar,
habilitar-se a ser um Mestre Universal e, em
seguida, retornar à sociedade humana e pôr em
prática o seu Voto. (EVANS-WENTZ, 1985,
p.14).

O mestre retira o discípulo do mundo para fazê-lo se


dar conta da Essência comum que habita nele e em todas as
coisas e pessoas. Tira-o da distração incessante. Ali ele
adentra o Infinito de si mesmo. Somente assim,
reconhecendo essa Ipseidade, esse Absoluto, em si, pode

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Yoga Tibetano: 246
Segredos do Antigo Tibet

reconhecê-lo nos outros e em tudo à sua volta. Assim


sendo, o mundo não será mais uma ameaça, à guisa de
“armadilha”, para ele. Dessa forma ele estará realmente
conectado com o mundo e com as pessoas, em um sentido
mais profundo, ainda que opte por continuar vivendo em
retiro. Isso, afinal, pouco importa para ele. É uma mera
questão de contexto. Ele saberá acessar a pessoa mais
longínqua de onde está, porque tempo e espaço não se
impõem diante da consciência ilimitada da Unidade.

Como de poderosas estações radiodifusoras,


dinamicamente carregadas com forças mentais,
os Iluminados irradiam sobre a Terra a
Espiritualidade Vital, que é a única capaz de
possibilitar a evolução humana; assim como o
Sol sustém o homem físico, Eles sustêm o
homem psíquico e possibilitam à humanidade a
fuga da Rede da Existência Sangsárica.
Vinculados como estão, na Cadeia do Ser, à
Humanidade da Terra e aos Iluminados situados
além da Natureza, Eles desempenham entre os
homens uma função muito mais importante do
que a de todos os reis e soberanos. Essa é, em
resumo, a crença de que partilha finalmente o
yogi desenvolvido. O próprio Tradutor a

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 247
Segredos do Antigo Tibet

sustenta, pois, quando era ainda um jovem no


Butão, renunciou à vida mundana e ingressou no
eremitério de seu Guru, o falecido Guru eremita
Norbu, nas proximidades de Buxuadar, e jamais
teria retornado ao mundo se seu pai, que contava
então uma avançada idade e precisava de sua
ajuda, não lhe tivesse pedido para voltar, casar-se
e constituir família. (EVANS-WENTZ, 1985,
p.14).

Talvez seja mais fácil para um monge continuar


levar sua vida, em anonimato, em um mosteiro. Talvez seja
mais conveniente a um professor nato voltar à sociedade e
ensinar alguma coisa para quem tiver interesse. Ou, ainda,
possa ser mais recomendável ao chefe de família, que
deixou o lar para retirar-se em meditação, retornar à casa e
reassumir suas responsabilidades. Pouco importa o
contexto específico de cada um, quando a liberdade interna
já foi alcançada. Não há nada a temer, e nenhum padrão de
vida, pertinente às particularidades de cada um, a se
repudiar.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 248
Segredos do Antigo Tibet

Ele pode voltar a “dormir na caverna”, porque já se


libertou da ilusão fustigante que dizia que toda a realidade,
inclusive a sua, se resumia ao breu do confinamento.

Com relação a isso, há um famoso poema chinês que


diz o seguinte:

青原惟信禪師曾對門人說:

老僧三十年前未曾參禪時,見山是山,見水是水。

後來參禪悟道,見山不是山,見水不是水。

而今個休歇處,依然見山是山,見水是水。

“Mestre Zen Qingyuan Weixin uma vez falou para seus


discípulos:

Trinta anos atrás quando eu ainda não praticava o Zen


(meditação), a montanha era a montanha, a água era a água.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 249
Segredos do Antigo Tibet

Depois, pratiquei o Zen e compreendi o Tao, a montanha não


era mais a montanha, a água não era mais a água.

Hoje, descanso, a montanha continua a ser montanha, a água


continua ser a água”.29

Vemos, com isso, a distinção fundamental entre


meio e finalidade nas práticas espirituais, principalmente
naquelas concernentes ao nosso presente estudo.

Percebe-se que há uma inegável exigência de


disciplina, primariamente – e não menos importante –
exigida pelos Yamas e Niyamas do sistema indiano de
Patañjali, mas também empregadas, de uma forma
paralelamente similar, pelos sistemas tibetanos de Yoga.

A disciplina comportamental vem sempre colocada


como necessidade primeira, a ser observada cautelosamente
pelo praticante. É como a base de uma sólida estrutura.

29
Tradução: Peggy Yu.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 250
Segredos do Antigo Tibet

Porque, inevitavelmente, apesar do Yoga buscar a essência


do indivíduo, na vida o ser humano manifesta sua essência
em forma de existência através do comportamento e das
relações. Não tem como fugir. E fuga significa apenas
conflito.

Disciplina é algo a ser levado à sério no Yoga. É o


que os textos nos mostram, colocando essas orientações em
destaque.

Contudo, são apenas uma forma inteligente para


alcançarmos um padrão de vida mais inteligente ainda. Por
excelência, livre. Por excelência, Feliz.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 251
Segredos do Antigo Tibet

Figura 14. “A Roda de Samsāra” – Iconografia budista.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 252
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ĀSANA ༀ

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 253
Segredos do Antigo Tibet

Talvez um dos tópicos do Yoga que, atualmente, dê


mais espaço para divergências conceituais por parte dos
estudiosos do assunto seja relativo às “posturas” físicas do
Yoga.

E isso decorre do fato de que a apelativa “indústria


do bem-estar”, abusou dessa bandeira do Yoga para
espalhar sua propaganda e adquirir adeptos que não
estavam familiarizados com essa doutrina indiana.

Infelizmente, em muitos casos, de doutrina pouco


restou.

A proposta do bem-estar é ótima. Contribui para um


mundo mais saudável e feliz. Mas, no caso da divulgação
do Yoga, o bem-estar físico ganhou uma predominância
que, muitas vezes, soterrou a seiva mais cristalina da
filosofia do Yoga.

Isso porque, na indústria ocidental, onde o Yoga


acabou, em muitos casos, sendo comercializado como um
mero produto para atender a finalidades imediatistas, é

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 254
Segredos do Antigo Tibet

difícil de se fazer propaganda daquilo que nossos olhos não


podem ver.

Em outras palavras, é difícil vender “filosofia de


vida”.

“Libertação” soaria demasiado exótico para


conseguir convencer o público.

Brincando com o assunto, o Lama Mingyar Dondup,


preceptor do famoso Lobsang Rampa, disse o seguinte, em
termo xistoso: "(…) O Homem Ocidental só sabe fazer
duas perguntas: você pode provar? e… o que ganho com
isso?".

E, muito embora a Psicologia Transpessoal já fale


abertamente dos estados de supraconsciência
(SALDANHA, 2008), o conceito de Samādhi não teria
forças para cativar as pessoas de imediato, mobilizando sua
atenção.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 255
Segredos do Antigo Tibet

Por que? Porque não se vê. E vivemos imersos em


uma sociedade de aparências. De superficialidade. Além
disso, atualmente, uma sociedade deprimida e doente. Mas
como é uma sociedade de aparências, também quer
aparentar estar bem.

Nisso entra o apelativo enfoque na parte física do


Yoga. Porque ela é visível. É aparente. Imediata, frente aos
anseios de uma sociedade também imediatista.

Embora toda tessitura de análises e críticas que


poderíamos formular acerca de uma abordagem mais
ocidentalizada da divulgação do Yoga, não temos o intuito,
neste trabalho, de nos deter demoradamente nessa análise.
A questão que isso evoca, porém, é de suma importância
para nosso estudo.

Isso porque, teoricamente falando, quando se


“vende” Yoga como mero exercício físico, não se está
sequer vendendo “Yoga”. O problema não é o “vender”, o
problema é a caricatura deturpada que criou-se sobre a

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 256
Segredos do Antigo Tibet

insígnia do Yoga para poder comercializá-lo. É claro que


chamar a atenção das pessoas para a parte mais visível do
Yoga pode ser uma estratégia para fazer surgir,
gradualmente, um interesse pela parte mais profunda. É
natural. É a “isca”. Mas...

Inicialmente, o termo Āsana tinha um único sentido:


“assentar-se”.

A manta que os yogues utilizavam para sentar


quando em meditação também era designada pelo nome
sânscrito “āsana”.

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Yoga Tibetano: 257
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Figura 15. Um yogue sentado em āsana.

Além do sentido puramente exotérico (exterior) do


termo, havia, ainda, um sentido esotérico (interno), mais
amplo e profundo. O “assentar-se” era relativo ao mundo

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interior do homem, não ao seu exterior. É assentar-se


dentro de si, onde reside Brāhman. É estar estabilizado em
sua própria natureza, em quietude contemplativa. Há um
ditado que afirma: “Brāhman encontra-se dentro do
coração”. Citando as escrituras, temos:

"Dentro do coração, em uma pequena cavidade, repousa


o universo. Um fogo arde aí, irradiando em todas as direções".
(Mahanarayana Upanishad, XI: 9-10).

Há, inclusive, uma antiga iconografia indiana


mostrando um centro energético (chakra) na região
cardíaca onde era representado um assento. No livro Laya
Yoga, de autoria de Shyam Sundar Goswami (1999), consta
uma profunda elucidação a respeito de um centro
energético (chakra) na região cardíaca (no livro, chamado
de Hrit Chakram), descrito com base em um manuscrito

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Yoga Tibetano: 259
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intitulado Amarasangraha – que, por sua vez, cita um texto


de nome Mridanitantra - que traz a seguinte informação:

O lótus de oito pétalas que está dentro do


anahatam, é de cor dourada, e ali está a árvore
celestial dos desejos (kalpataru) em vermelho
brilhante no pericarpo, e na base da árvore está
um assento cravejado de pedras preciosas. (p.
214).

Figura 16. Hrit Padma, localizado na região cardíaca. Reprodução


do livro Laya Yoga, de Shyam Sundar Goswami.

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Segredos do Antigo Tibet

Anahatam, ou chakra cardíaco, é considerado o


centro cerebrospinal do coração, responsável pela difusão
energética de frequências relacionadas ao campo afetivo-
emotivo do ser humano. Popularmente, diz-se que é o
chakra relacionado à amorosidade humana.

Há, ainda, logo abaixo do Anahata, um chakra


secreto, conhecido como Hrit Chakra. É desse chakra que
a iconografia acima pretende traçar uma ilustração
simbólica. Conhecido, também, como “o lótus secundário
do coração”,

O Segundo lótus, representado


imediatamente abaixo do maior, é também uma
característica especial deste chakra. Utiliza-se
como lugar de meditação com a forma do
instrutor ou do aspecto da Divindade que o

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Segredos do Antigo Tibet

adorador invoca ou se lhe assinala como objeto


de meditação. (LEADBEATER, 1995, p. 127).30

Simbolicamente, contudo, é uma forma de falar que


o amor está localizado naquela região. No “coração”. E,
como diria Tolstói, em um livro de mesmo nome: “Onde
existe amor, Deus aí está”.

30
Existe uma técnica muito conhecida no mundo dos yogues tibetanos
chamada de “Guru Yoga” (Lama’I Naljor). Muito semelhante a esse
princípio demonstrado na citação acima, visa-se alcançar um sentido de
identificação e unidade com o mestre espiritual (guru/lama) por meio de
exercícios internos de visualização que, em vários aspectos, lembram práticas
indianas.

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Yoga Tibetano: 262
Segredos do Antigo Tibet

Figura 17. Esquema ilustrando a posição aproximada desses dois


centros energéticos (chakra/ khor lo) em relação à coluna vertebral.

Contudo, nós sabemos que, com o passar do tempo,


a palavra sanscrítica āsana não ficou restrita apenas ao seu
sentido filosófico, esotérico. Ao invés de apenas “assenter-
se dentro de si mesmo”, a conotação se expandiu, inclusive

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Yoga Tibetano: 263
Segredos do Antigo Tibet

com o auxílio de obras posteriors ao Yoga Sutras de


Patañjali.

Aliás, no próprio Yoga Sutras não há descrições


pormenorizadas de posturas físicas conforme as
entendemos em nossos dias. Lá consta, somente:

“46. Firme e confortável é a postura [āsana]”.

Talvez isso impressione muitos praticantes


acostumados a ver o Yoga apenas como uma profusão de
exercícios corporais exóticos, beirando o contorcionismo.

Patañjali não ensina nenhuma postura em seu


tratado. Isso deve ficar claro.

No entanto, como sendo uma abordagem


inerentemente sinérgica do ser humano, verificamos que

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Yoga Tibetano: 264
Segredos do Antigo Tibet

houve, posteriormente a Patañjali, muita interpretação


desse “assentar-se” relacionando-o a posturas físicas.

Porque, de fato, para o yogue consciente, não há


rupturas dualísticas entre os componentes que constituem a
globalidade do ser humano. Ou seja, apesar de alguns
acharem que somente o espiritual é importante, o yogue é
levado a perceber a igual relevância do corpo físico,
inclusive em seu processo espiritual. Do denso ao sutil, a
abordagem holística do Yoga trata o ser humano em sua
inteireza. Sabe que desordem mental afeta o corpo físico,
que um corpo debilitado afeta a mente, que seu espírito é
diretamente influenciado por todas as “camadas” (koshas)
que o revestem (ou o impedem de ser contemplado em sua
limpidez), e que não pode desconsiderá-las de modo a
causar uma negligência, porque a plenitude que almeja o
coloca em harmonia com tudo que o cerca, e se ele estiver
em um corpo físico, logo essa harmonia também incluirá o
seu corpo. A mente. As emoções. Etc.

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Yoga Tibetano: 265
Segredos do Antigo Tibet

Isso nos mostra uma visão de espiritualidade tão


madura que, para brilhar em seu fulgor, não precisa
descartar nenhum aspecto da existência. Por isso dizemos,
enfaticamente, que o Yoga é uma metodologia integral de
educação do ser humano.

Algumas referências, tais como Gheranda-Samhita e


Hathayoga-Pradipika, indicam o que hoje conhecemos
como Hatha Yoga (com ênfase em exercícios físicos) como
um degrau preparatório, de purificação do corpo e sua
consequente preparação, para o treino profundo em Raja
Yoga, em que o praticante pode aprofundar-se nos estados
mais elevados de meditação até atingir a Realidade
Absoluta.

Os níveis físico e comportamental, por exemplo, não


são considerados “menos espirituais” do que os aspectos do
ser que o conectam com realidades superiores, por assim
dizer. Nenhuma dimensão é descartada, porque
“espiritualidade” passa a ter, nesse contexto, um
significado muito mais amplo e profundo do que o normal.

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Yoga Tibetano: 266
Segredos do Antigo Tibet

Abrangente. Tudo é uma experiência espiritual. Não há


dissociação. Tomar chá com um amigo é tão sagrado
quanto rezar. Cuidar do corpo é igualmente espiritual se
comparado a cuidar da mente com a meditação. Claro, isso
tudo depende da posição de nossa mente em relação a isso,
em relação a tudo o que fazemos, com uma postura interior
adequada, mas o Yoga está preocupado em criar uma noção
que permita ao indivíduo contemplar em seu dia-a-dia essa
“inteireza” no sentido espiritual de sua existência.

O yogue consciente sabe que, apesar de buscar ir


além de Maya, o Yoga não é uma proposta de negação da
vida. É uma proposta de afirmação. E isso visa alcançar a
plenitude em todos os mínimos aspectos que constitui a
existência. Por isso, todos os aspecto da vida, dos mais
banais aos tidos por mais “sagrados” são e devem ser
integrados em uma única experiência de êxtase e encanto.
É vibrar em uníssono com a proposta e fundamento da
vida, sem opor-se a nada que lhe seja, por excelência,
objeto de sagrada expressão.

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Segredos do Antigo Tibet

Pierre Teilhard de Chardin teve o brilhantismo de


dizer, referindo-se à experiência na Terra: “Nada aqui
embaixo é profano para aqueles que sabem ver. Pelo
contrário, tudo é sagrado”.

Por isso, não é nossa intenção aqui condenar o


trabalho com o corpo físico adotado hoje em dia pelo Yoga.
Também é importante. Mas vamos entender, ao certo,
como isso se construiu ao longo da história, para entender,
assim, sua real relevância.

Para isso, precisamos entender um contexto. Não sei


o quanto é claro para o leitor a dimensão que o Yoga tinha
(e que persiste até hoje) na Índia. O yoguin indiano não
dizia: “Ah, estou matriculado em uma escola de Yoga.
Agora vou praticar todas as terças e quintas à noite”. Não.
Lá, muitas vezes, a prática era levada às últimas
consequências, até o ponto em que o indivíduo literalmente
abandonava tudo para sair, como andarilho sem destino e
sem nenhum bem material, para o mundo dedicando-se

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Yoga Tibetano: 268
Segredos do Antigo Tibet

fervorosamente às suas práticas (RAMA, 1995;


YOGANANDA, 2001).

Muitos se retiravam para locais isolados e de difícil


acesso. Isso incluía refugiar-se em grutas nas montanhas ou
cabanas nas florestas. A prática da meditação era intensa. A
vida se tornava uma prática de Yoga (na verdade, até para
nós que não estamos em uma caverna, Yoga passa a ser um
estilo de vida, não apenas uma prática formal e isolada).
Não é difícil, diante dessa situação, imaginarmos as
implicações que isso teria ao yoguin. O corpo, parado em
meditação, não aguenta muito tempo imóvel em uma única
posição. Talvez um grande mestre sim, mas isso é exceção.

Inevitavelmente, o praticante se daria conta de que


uma rotina de vida específica seria necessária para
beneficiar e tornar sua aspiração prática possível. Ou seja,
“se eu ficar parado aqui o dia inteiro, provavelmente não
me restarão muitos dias mais para conseguir ficar
meditando. Posso morrer. Se quero que meu corpo me

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Yoga Tibetano: 269
Segredos do Antigo Tibet

ajude a ficar sentado por longas horas em meditação, devo


ajudar meu corpo também”.

Assim, Yoga não poderia ser exclusivamente


permanecer sentado por horas. Quem permanece sentado,
em um primeiro momento? O corpo. O corpo é o
instrumento do yoguin. Então surgia a noção de que esse
também precisaria ser cuidado perante o processo
espiritual.

É lógico que houve muitos casos. Muitos yogues


simplesmente ignoraram o corpo físico até o limite das
possibilidades, e fizeram disso um meio para suas práticas.
Ok. Tudo bem. Cada um com sua cabeça e juízo. Mas é
inevitável deduzir que muitos yoguins perceberam que,
para se atingir uma vida equilibrada, também deve-se olhar
para a vida – como um todo – com responsável equilíbrio.
Isso implica em trabalhar corpo, mente e espírito. Aliás,
significa compreender que por trás da multiplicidade
impera a unidade; inclusive perante sua própria natureza:
apesar de manifestar-se pluralmente (mente, corpo,

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Yoga Tibetano: 270
Segredos do Antigo Tibet

espírito), tudo isso compõem a expressão de uma única


unidade, uma única realidade, maior e superior.

Aí, um yogue desenvolve certas técnicas que


beneficiam o corpo físico. Outro descobre determinados
exercícios, de determinada tradição, que promovem as
mesmas consequências de bem-estar e força físicos. Com a
tradição oral e transmissão escrita, esses exercícios –
originais ou aperfeiçoados com o passar do tempo – vão
sendo divulgados e incorporados às práticas dos yogues,
pelo seu simples conteúdo de eficiência. Isso é inevitável.
Quando o Yoga é adotado como estilo de vida, essas
preocupações se tornam fundamentais. Não há como evitar.

Já dissemos que o Yoga é uma abordagem


psicossomática, e entendemos isso a partir do estudo de
diversos outros textos relacionados à doutrina do Yoga.
Obviamente, com o passar dos anos e com a consequente
difusão do Yoga no mundo ocidental, as posturas originais
acabaram servindo para inspirar a “criação”, por parte de
alguns indivíduos, de muitas outras posturas, que sequer

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Segredos do Antigo Tibet

têm algo a ver com os tratados iniciais. Uma imensa


variação resultou daí. Contudo, não é porque o indivíduo
executa, com maestria, 200 posturas corporais que ele é um
grande yoguin.

Para se ter noção da deturpação que começou a


haver com relação aos āsanas, vamos elencar, na tabela
abaixo, os textos e Escrituras hindus que, de fato,
mencionavam algo sobre posturas físicas, quantas posturas
mencionavam e quando foram escritos. Veremos, com
bastante clareza, que algo difere de nossos atuais sistemas,
que, muitas vezes, divulgam centenas de posturas físicas
com o clamor de deterem “o verdadeiro Yoga”:

TEXTO/ESCRITURA DATAÇÃO QUANTOS


(aprox.) NOMES DE
POSTURAS
DESCREVE
Comentários de Vyasa ao 450 d.C. – 750 11
Yoga Sutras d.C

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Yoga Tibetano: 272
Segredos do Antigo Tibet

Hatha Yoga Pradipika 1350 d.C. 15


Varaha Upanishat 1500 d.C. 11
Shandilya Upanishat 1500 d.C. 8
Hatha Ratnavalli 1550 d.C. 84
Rudrayamala Uttaratantra 1575 d.C. 57
Trishikhibrahmanopanishat 1600 d.C. 17
Gheranda Samhita 1650 d.C. 32

Tabela 1. Relação dos āsanas como posturas corporais ao


longo do tempo31 32.

31
Muitas dessas posturas, ao longo do tempo, vieram de outras artes
corporais indianas, como o Vyayama (prática ginasta terapêutica e
preventiva, tonificadora e profundamente benéfica para trabalhar todo o
corpo, composta de inteligentes exercícios físicos) e o Mallakhamb (conjunto
de exercícios realizados pelo ginasta/acrobata em um poste de madeira).
Muitas “posturas” que hoje conhecemos do Yoga vêm dessas e de outras
fontes, “anexadas” a práticas yogues ao longo do tempo e tomadas, por
muitos, como indistintamente ligadas à essência do Yoga, o que não é
verdade. Contudo, à parte deste conjunto de obras históricas, nada impede
que outras tradições e linhages ligadas, de alguma forma, aos rudimentos
yogues pré-codificação, não tenham desenvolvido algo no sentido de técnicas
e exercícios corporais muito mesmo antes disso. Mas, segundo o contexto
geral do Yoga, a partir do Yoga Sutras, o surgimento das abordagens físicas
segue a sequência histórica dos dados apresentados.
32
Os dados dessa tabela me foram gentilmente apresentados pelo professor
Carlos Eduardo G. Barbosa, querido professor meu na pós-graduação que fiz
de especialização na Cultura do Yoga. Embora ele não tenha uma relação
direta com a escrita deste livro, sou muito grato a ele por todos os
ensinamentos de Cultura Sânscrita e Sutras de Patañjali.

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Yoga Tibetano: 273
Segredos do Antigo Tibet

O “verdadeiro Yoga” (embora esse termo seja


tendencioso e meramente expeculativo – mas fazendo uma
brincadeira com diversas metodologias atuais que
proclamam sua incorruptividade genuína), conforme
podemos notar a partir da análise das escrituras indianas,
dispensa exibicionismos e contorções exóticas – apesar de
haver certa orientação para as posturas físicas.

Acontece, contudo, que o Yoga, por excelência e


antes de qualquer coisa, ocorre no interior do indivíduo,
isto é, se, ao menos, ele se der ao trabalho de ali se colocar.
Ali assentar-se. As posturas físicas vêm como
consequência, como auxiliares no processo. Jamais como
uma finalidade em si, como se vende hoje em dia.

Mas, novamente, chamamos a atenção para este


ponto, a fim de não causarmos polêmicas infundamentadas:
Também não se pode dispensar toda a importância que a
abordagem física do Yoga tem, dizendo simplesmente que
“Yoga não é isso”. Mesmo porque, como uma abordagem

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Yoga Tibetano: 274
Segredos do Antigo Tibet

integrativa, o Yoga não visa dispensar uma dimensão do


ser humano para trabalhar apenas outra. Mas, ao
contrário, através de uma dimensão – seja ela grosseira ou
sutil – sabe o yogue afetar (e como afetar) um aspecto
correspondente de uma dimensão paralela de sua própria
globalidade. Em outras palavras, trabalhar o espiritual
não parece significar, para os mestres yogues, ignorar
totalmente o material. Trabalhar o mental idem. Porque,
conforme o próprio Patañjali parece assentir, nenhum
aspecto da vida humana está descartado desse processo de
autoaprimoramento. Caso contrário, o Yoga Sutras
simplesmente poderia não se ater às normas de conduta e,
simplesmente, aconselhar o afastamento do indivíduo do
convívio social, para consumir-se em contemplação
isolada.

Em outras palavras, eu diria que se eu desse uma


aula de Yoga que não tivesse exercícios físicos não deixaria
de ser aula de Yoga. Mas é provável que toda aula tivesse
ao menos algum exercício físico.

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Yoga Tibetano: 275
Segredos do Antigo Tibet

À favor ou não, temos que admitir que a questão dos


āsanas, vistos como posturas físicas, têm alguma
importância no contexto do Yoga.

E parece que a abordagem tibetana do Yoga parece


concordar. E é a isso que nos deteremos a partir de agora.
Porque o yogue tibetano também se deparava com essa
questão de trabalhar-se integralmente na senda que conduz
ao autoaprimoramento.

Vemos em Yeshe (2009), uma justificativa muito


sucinta a respeito da importância do exercício físico do
ponto de vista tibetano. Diz o Lama:

Algumas pessoas pensam


equivocadamente que é mais importante meditar
e cuidar da mente e que o corpo não é muito
importante. No tantra, porém, o corpo é tão
importante quanto a mente porque ele tem o
recurso da energia kundalini e essa kundalini-
urânio pode ser aproveitada para produzir
realizações poderosas. É por isso que temos um
voto tântrico de não criticar ou negligenciar o
corpo. O tantra diz que devemos cuidar do corpo,

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Yoga Tibetano: 276
Segredos do Antigo Tibet

mantendo-o saudável e dando-lhe bom alimento,


porque é preciso ter uma grande energia. (...)
Respeite seu corpo. Não pense que ele é apenas
uma fonte de problemas. As dificuldades vêm da
mente, não do corpo. (p. 106)

Em razão disso, a filosofia yogue tibetana não visa


suprimir a abordagem física, conforme podemos constatar
em alguns textos.

Há, contudo, uma variada gama de métodos na


linhagem tibetana que diz respeito ao trabalho yogue com o
corpo físico. Analisaremos alguns deles.

O próprio Lama Yeshe defende em seu livro uma


dessas abordagens, chamadas, segundo o autor, de “As Seis
Rodas Mágicas”, conforme veremos:

Estes exercícios são chamados de As


Seis Rodas Mágicas, mas prefiro chama-los de
hatha yoga. Lama Tsongkhapa afirma que
existem muitos tipos de exercícios de hatha yoga
associados às Seis Yogas de Naropa, mas que os

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Yoga Tibetano: 277
Segredos do Antigo Tibet

seis recomendados por Pagmo Drupa são


suficientes. Esses exercícios nos ajudam a obter
melhores resultados com a meditação da chama
interior. (YESHE, 2009, p. 104).

À mesma página, o autor cita o nome de alguns


desses exercícios que, embora não os exploremos mais
abertamente aqui, ficarão elencados os seus nomes.
Segundo o autor (2009, p. 104) sua nomenclatura
designativa é (algumas vezes simbólica):

- Respiração do vaso;

- Girar como uma roda;

- Curvar o corpo como um gancho;

- O mudra de “união vajra”;

- Jogar-se no ar e cair;

- Endireitar a coluna como uma flecha no estilo de um


cachorro e vomitar;

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 278
Segredos do Antigo Tibet

- Sacudir o corpo inteiro e alongar o corpo e as juntas


para permitir o fluxo suave do sangue pelas artérias.

E, falando sobre a meditação da chama interior


(Tummo/ gtum-mo), muito utilizada pelos tibetanos que
seguem os Seis Yogas de Naropa, o mesmo autor explica as
finalidades dos exercícios:

“Para sermos bem-sucedidos na meditação da chama interior,


precisamos limpar nosso sistema nervoso. Esses exercícios fazem isso
ao remover à força os bloqueios de energia no corpo”. (YESHE,
2009, p.p. 104-105).

Contudo, ao atermos nosso olhar com um pouco


mais de profundidade nas tradições yogues tibetanas,
verificamos o quão vastas são suas abordagens análogas às
práticas dos āsanas indianos, muitas vezes relacionados ao
Hatha Yoga.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 279
Segredos do Antigo Tibet

Uma das proeminentes abordagens que ganharam


respeito do publico ocidental foi a chamada Yantra Yoga.

Yantra Yoga, for centuries a closely


guarded secret reserved for advanced yogic
practitioners, was first introduced to the West in
the 1970s by one of the foremost Dzogchen
masters of our time, Chögyal Namkhai Norbu.
He received these teachings in Tibet at a young
age from his uncle Togden Ugyen Tendzin
(1888-1962) and received further clarification
from other contemporary masters. (ANDRICO;
NORBU, 2013, p. xiii)33.

Seu grande divulgador no ocidente, Chögyal


Namkhai Norbu, trouxe à tona um rico sistema de Yoga,
que apresentava elementos muito semelhantes à popular

33
“Yantra Yoga, durante séculos um segredo bem guardado reservado apenas a
praticantes avançados de Yoga, foi introduzido pela primeira vez no Ocidente na
década de 1970 por um dos mais importantes mestres Dzogchen do nosso tempo,
Chögyal Namkhai Norbu. Ele recebeu os ensinamentos no Tibet, ainda jovem, de seu
tio Togden Ugyen Tendzin (1888-1962) e recebeu, posteriormente, mais
esclarecimentos de outros mestres contemporâneos”. (Livre Tradução).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 280
Segredos do Antigo Tibet

Hatha Yoga (conforme sua exposição contemporânea), mas


com particularidades muito curiosas.

Os āsanas, por exemplo, conforme veremos nas


informações textuais, não são executados em modo de
permanência nas posturas, mas sempre atrelados ao
movimento e respiração. Não são posturas extáticas; são,
em sua maioria, as mesmas posturas conhecidas pelos
yogues indianos, mas seu modo de execução apresenta
diferenças significativas. Postura, movimento e respiração
são coordenados mutuamente, realizando entre esses
elementos um élan de harmonia.

Falando sobre o texto-base desse método de Yoga,


Chögyal Namkhai Norbu e um de seus mais antigos
instrutores formados, Fabio Andrico, esclarecem:

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 281
Segredos do Antigo Tibet

“(…) It includes a brief description of seventy-five positions similar


to those of Hatha Yoga in form, but different in the coordination of movement
and breathing”. (ANDRICO; NORBU, 2013, p. xii) 34.

Contudo, um dos cuidados que se deve ter aqui é


com relação ao nome: Yantra Yoga. Nas tradições hindus, a
palavra sânscrita Yantra serve para designar, de forma
geral, as composições geométricas utilizadas em
determinados exercícios de concentração. Mas não é com
esse mesmo significado que o termo é empregado no
contexto dessa abordagem tibetana.

Esclarecem os autores citados acima:

Another etymological clue about the


underlying principle of this practice is supplied
by the Sanskrit term yantra. It literally means
“instrument” or “machine”, but commonly refers
to a geometric figure whose shape is considered
a suitable instrument or medium to provoque a

34
“(…) Inclui uma breve descrição de setenta e cinco posições semelhantes
às de Hatha Yoga na forma, mas diferentes na coordenação do movimento e
respiração”. (Livre Tradução)

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 282
Segredos do Antigo Tibet

meditative experience. In the context of Yantra


Yoga, it mainly refers to the movement of the
body; Yantra Yoga is a vehicle that uses
movement to deepen our knowledge of our real
nature. In fact, while the Sanskrit term yoga
means “union,” the Tibetan translation of the
term, naljor, more specifically refers to
possessing the real knowledge of our
spontaneously natural condition and being
concretely in that knowledge. (idem, 2013, p.
xiii)35.

Trata-se, portanto, de uma abordagem técnica


aparentemente derivada de antigos princípios yogues
indianos, mas com características bem particulares. A
própria derivação do nome Yantra vem do sânscrito da
Índia, mas com conotação diferente, conforme pudemos
observar, no contexto em que é utilizado.

35
“Outra pista etimológica sobre o princípio subjacente a esta prática é
fornecida pelo termo sânscrito yantra. Significa literalmente "instrumento"
ou ‘máquina’, mas geralmente se refere a uma figura geométrica, cuja forma
é considerada um instrumento ou meio adequado na busca de uma
experiência meditativa. No contexto do Yantra Yoga, refere-se,
principalmente, ao movimento do corpo; Yantra Yoga é um veículo que usa o
movimento para aprofundar o conhecimento de nossa natureza real. De fato,
enquanto o termo sânscrito yoga significa ‘união’, a tradução tibetana do
termo, Naljor, refere-se mais especificamente a possuir o conhecimento real
da nossa condição espontaneamente natural e ser estável/concreto nesse
conhecimento”. (Livre Tradução).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 283
Segredos do Antigo Tibet

Figura 18. “Sri Yantra”. Representação de forma geométrica


associada ao termo “yantra”, conforme utilizado na Índia. Costumam ser
figuras geométricas utilizadas para finalidades de concentração ou para
atingir estados meditativos ou, até mesmo, consequências de práticas
magistas.

Uma das informações que nos permite auferir sua


relação com fontes indianas está na descrição que os

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 284
Segredos do Antigo Tibet

autores fazem do modo como essas técnicas vieram ao


mundo, associando-as à figura de Padmasambhava, já
estudado em nosso trabalho anteriormente.

Como sabemos, através de registros históricos e


estudos – inclusive aqui incluídos – a figura quase
mitológica de Padmasambhava não nasceu em solo
tibetano. Sobre sua relação com Yantra Yoga, podemos
verificar no seguinte trecho:

Yantra Yoga is a highly evolved method


of movement and breathing that has been
preserved in its original and unadulterated form
since the eight century, when it was first brought
to Tibet by Padmasambhava, the great and
legendary master who introduced Buddhism to
that vast and remote kingdom. He is said to have
received the instructions from the mahasiddha
Humkara, a guru he had encountered in Nepal
during his extensive travels from the land of
Oddiyana throughout the Himalayan region.
Later, when Padmasambhava went to Tibet, he
transmitted the principles of Yantra Yoga to the
scholar, master, and translator Vairochana, who
in turn recorded the oral instructions in a text
called Nyida Khajor in Tibetan, The Union of the

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 285
Segredos do Antigo Tibet

Sun and Moon. (ANDRICO; NORBU, 2013,


p.xii)36.

Em resumo, considerando suas técnicas e


finalidades, e todo o seu corpo de propósitos práticos,
podemos buscar nos autores mencionados um resumo
básico do que se constitui essa abordagem do Yoga.
Dizemos resumo porque, no caráter que se reveste este
nosso presente estudo, não nos cabe elaborar um manual
sobre qualquer um desses “estilos” estudados, cabendo aos
interessados procurarem professores devidamente
qualificados para fazerem seu estudo.

Mas, de forma sintética, pode-se classificar essa


metodologia da seguinte forma:

36
“Yantra Yoga é um método altamente evoluído de movimento e respiração
que foi preservado em sua forma original e não adulterado desde o século
oitavo, quando foi levado para o Tibet por Padmasambhava, o grande e
lendário mestre que introduziu o budismo naquele vasto e remoto reino. Ele
disse ter recebido as instruções de mahasiddha Humkara, um guru que havia
encontrado no Nepal durante suas longas viagens da terra de Oddiyana a
toda a região do Himalaia. Mais tarde, quando Padmasambhava foi para o
Tibet, ele transmitiu os princípios do Yantra Yoga ao estudioso, mestre, e
tradutor Vairochana, que, por sua vez, registrou as instruções orais em um
texto chamado Nyida Khajor em tibetano, a união do Sol e da Lua”. (Livre
Tradução).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 286
Segredos do Antigo Tibet

In the practise of Yantra Yoga we use


body, voice and mind. With the body we perform
movements and assume various poses; with the
voice or energy we apply breathing techniques
called prānāyāmas; with the mind we
concentrate on or visualize something in order to
go beyond discursive thought and judgment. In
this way, working with body, voice, and mind
together we have the possibility to achieve real
knowledge – the understanding of our primordial
state. This is the true meaning of the word yoga
in the term Yantra Yoga (NORBU, 2008, p.
11)37.

Para nossa finalidade neste capítulo, nos interessa


falar de Yantra Yoga porque é uma frente tibetana do Yoga
em que os āsanas são considerados com grande relevância

37
“Na prática de Yantra Yoga usamos corpo, voz e mente. Com o corpo
executamos movimentos que assumem diversas posturas; com a voz ou a
energia nós aplicamos técnicas de respiração chamadas prānāyāmas; com a
mente nós nos concentramos ou visualizamos algo a fim de irmos além do
pensamento discursivo e do julgamento. Desta forma, trabalhando com o
corpo, a voz e a mente juntos temos a possibilidade de alcançarmos o
verdadeiro conhecimento - a compreensão do nosso estado primordial. Este
é o verdadeiro significado da palavra yoga no termo Yantra Yoga”. (Livre
Tradução).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 287
Segredos do Antigo Tibet

– ainda que seguindo as particularidades específicas dessa


abordagem.

Contudo, não apenas Yantra Yoga trabalha a questão


das posturas corporais nas tradições yogues tibetanas.

Temos, por exemplo, outra abordagem relativamente


divulgada aqui no mundo ocidental. É a chamada Kum Nye.

Não é considerada, particularmente, um “estilo de


Yoga” independente, mas um conjunto de técnicas
preparatórias e de suporte ao Yoga tibetano. Ou ao próprio
Yoga indiano, inclusive, porque não é restritiva ou taxativa.
Em suas técnicas, os movimentos e as posturas corporais
representam um grande foco do trabalho individual.

Tarthang Tulku, um dos principais expositores


mundiais desse conjunto de técnicas, em seu livro
intitulado Kum Nye: Preparação Profunda para o Yoga
Tibetano, esclarece:

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 288
Segredos do Antigo Tibet

O valor único do sistema de


Relaxamento Kum Nye está no fato de abordar
holisticamente o corpo e a mente, integrando e
equilibrando o físico e o psicológico para gerar
saúde. O Kum Nye cura o corpo e a mente,
reunindo as suas energias para que funcionem de
modo calmo e suave. Como conduz à integração
do corpo e da mente em todos os exercícios, esse
relaxamento tem uma qualidade vital e duradoura
maior do que a sensação de bem-estar vivenciada
em exercícios físicos comuns, ou até em
disciplinas como o yoga. (2012, p. XIII).

Como percebemos, não se trata, diretamente, de um


sistema de Yoga, mas, conforme já falamos, de um suporte
terapêutico e disciplinar de apoio ao Yoga, apesar de o
próprio Tarthang Tulku dizer que seu conjunto de
exercícios, por si só, já pode promover benefícios de bem-
estar comparáveis ao do Yoga (tradicional).

Interessa-nos falar de Kum Nye aqui por ele


representar, em seu conjunto, uma variada gama de
exercícios físicos que, para o observador incauto, poderiam
passar pelos convencionais āsanas yogues. O que se sabe,
contudo, é que antes de uma prática específica de Yoga,

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 289
Segredos do Antigo Tibet

Kum Nye é uma prática holística baseada, inclusive, nas


tradições antigas da medicina tibetana.

Conforme vemos,

A tradição escrita do Kum Nye está


contida nos textos médicos tibetanos, bem como
nos antigos textos Vinaya do Budismo, que
focalizam o viver de acordo com leis físicas e
universais e incluem extensas descrições de
práticas de cura. O Kum Nye (pronuncia-se Kum
Niê) é parte, portanto, da linhagem de teorias e
práticas espirituais e médicas que ligam a
medicina tibetana às medicinas indiana e
chinesa. Essa linhagem deu origem a muitas
disciplinas, incluindo o yoga e a acupuntura, e
está nas raízes de outras mais recentes que tratam
do corpo e da mente. (TULKU, 2012, p. XIV).

Bem, de nossa parte, não temos dados históricos e


textuais para afirmarmos a ligação, na origem, desse
sistema com o surgimento do Yoga, mas, naquilo que nos
compete analisar nesta presente obra, destacamos a
validade desses métodos “paralelos” que orbitam ao redor
do mundo yogue. Há muitos outros, naturalmente, mas

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 290
Segredos do Antigo Tibet

elencamos este em específico para enriquecermos de


informação este capítulo.

Com relação às suas técnicas, que é o que nos


interessa aqui, podemos observar uma preocupação
semelhante ao Yoga indiano para com o indivíduo como
um todo. Em relação aos āsanas, movimentos e posturas
corporais também são adotados:

“No Kum Nye há várias técnicas, incluindo a quietude e o movimento, para


estimular o fluxo de sentimento e energia que integra o corpo e a mente.
Começamos desenvolvendo a quietude do corpo, da respiração e da mente ”.
(idem, 2012, p. 7).

Apesar de sistemas como o Kum Nye não serem


classificados como metodologia de Yoga, ainda há outras
vertentes, para além do Yantra Yoga, por exemplo, que são
considerados, pelos tibetanos, como legitimamente yogues.
Além de legitimamente yogues, nos oferecem elementos
paralelos aos que modernamente associamos à palavra
sânscrita āsana.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 291
Segredos do Antigo Tibet

Talvez o que chame mais nossa atenção, para fechar


este capítulo, seja o Trul Khor (‘phrul ‘khor), conhecido
como “os Movimentos Mágicos” (CHAOUL, 2006), que
são antigas práticas yogues associadas, muitas vezes, à
tradição Bön.

Magical movement is a distinctive


Tibetan practice of physical yoga in which breath
and concentration of the mind are integrated as
crucial components in conjunction with
particular body movements. Although magical
movement is found in all five Tibetan spiritual
traditions, it is most prevalent in the Kagyu (bka’
brgyud), Nyingma (rnying ma) and Bön38.

38
Tsongkhapa (Tsong kha pa), the founder of the Gelug (dge lugs) tradition,
wrote an important commentary on the famous Naro’I chos drug “Six
Doctrines or Yogas of Naropa” from the Kagyu tradition, which includes
magical movements as part of the yoga of inner heat or gtum mo.
Tsongkhapa`s commentary is called A Book of Three Inspirations: A Treatise
on the Stages of Training in the Profund Path of Naro`s Six Dharmas (Zab
lam na ro’I chos drug gi sgo nas ‘khrid pa’i rim pa yid ches gsum ldan zhes
bya ba), and according to Glenn Mullin, who has done extensive work on the
Six Yogas of Naropa tradition, the Gelug school “received its transmitions of
the Six Yogas primarily from the Zhalu (Sakya [sa skya]) school” (Readings
on the Six Yogas of Naropa, Tr., ed., and introduced by, Glenn H. Mullin,
Ithaca, NY: Snow Lion Publication, 1997, p. 14). This leads me to believe
that most of the magical movement texts within the Modernists (gsar ma)
schools, namely Kagyu, Sakya (Sa skya) and Gelugpa, are derived from the

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 292
Segredos do Antigo Tibet

Despite some claims in favor of roots in Indian


esoteric Buddhism, its history is yet to be
written39. Contemporary Tibetan religious

Six Yogas. At this point, this remains as a mere assumption on my part that
needs further investigation. (Nota do Autor).
Livre Tradução: “Tsongkhapa (Tsong kha pa), o fundador da tradição
Gelug (dge lugs), escreveu um importante comentário sobre a famosa
Naro'I chos drug "Seis Doutrinas ou Yogas de Naropa" da tradição
Kagyu, que inclui Movimentos Mágicos como parte do yoga do calor
interno ou gTum mo. O comentário de Tsongkhapa é chamado de O Livro
das Três Inspirações: Um Tratado sobre os estágios do treinamento no
Caminho Profundo nos seis Dharmas de Naropa (Zab lam na ro’I chos
drug gi sgo nas ‘khrid pa’i rim pa yid ches gsum ldan zhes bya ba), e de
acordo com Glenn Mullin, que tem feito um trabalho extenso sobre a
tradição dos Seis Yogas de Naropa, a escola Gelug ‘recebeu suas
transmissões dos Seis Yogas principalmente da escola Zhalu (Sakya [sa
skya])’ (Readings on the Six Yogas of Naropa, Tr., ed., e introduzida por,
Glenn H. Mullin, Ithaca, NY: Snow Lion Publication, 1997, p. 14). Isso me
leva a crer que a maioria dos textos de circulação sobre os Movimentos
Mágicos dentro das escolas modernistas (gsar ma), nomeadamente Kagyu,
Sakya (Sa skya) e Gelugpa, são derivados dos Seis Yogas. Neste ponto, este
permanece como uma mera suposição de minha parte que precisa ser
investigada”.
39
There seems to be a general tendency in the academic study of Tibetan
Buddhism to see India as the sole authority in Tibet. This probably arose
from the famous ‘encounter’ known as the ‘Council of Lhasa’ or Samye
(bSam yas) debate which purportedly took place between the Sino-Tibetan
Buddhist tradition-represented primarily by the ch’an monk Hvasang
Mahāyāna (in Chinese Ho-shang Mo-ho-yan)-, and the Indo-Tibetan
counterpart-represented mainly by Kamalasīla, a scholar from the Indian
University of Nālanda. Most known accounts concur that the Tibetan King
Tritson Deutsen (Khri srong lde brstan), who appears as the organizer and
arbiter of this encounter, decided in favor of the Indo-Tibetan party {For
more in-depth studies of this debate see Paul Demiéville, Le Concile de
Lhasa (Paris: Presses Universitaires de France, 1952), Luis O. Gómez,
“Indian Materials on the Doctrine Of Sudden Enlightenment,” pp. 393-434,

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Yoga Tibetano: 293
Segredos do Antigo Tibet

and David S. Ruegg, Buddha-nature, Mind and the Problem of Gradualism


in a Comparative Perspective (Cambridge: University of London Press,
1989), among others}.
Scholars such as Dan Martin and Toni Huber have pointed out how this bias
also affects the relationship between Bön and Buddhism. As Toni Huber
states, “Indic doctrinal explanations for what Tibetans do and say has drawn
the analytical focus away from a closer investigation of the assumed emic
categories” (Toni Huber, “Putting the gnas back into gnas-skor: Rethinking
Tibetan Buddhist Pilgrimage Practice,” The Tibet Journal, XIX, 2, 1994, p.
24. See also Dan Martin, “The Emergence of Bon and the Tibetan Polemical
Tradition.” Ph. D. Dissertation, Bloomington: Indiana University, 1991 and;
as well as my own follow upon their steps in Chaoul, M.A., “Tracing the
origins of chö (gcod) in the Bön tradition: a dialogic approach cutting
through sectarian boundaries,” M.A. Thesis, Charlottesville, V A: University
of Virginia, 1999).
I would like to call attention to the need for more research in regards to the
Chinese influence in Tibetan practices and schools of thought. Samten
Karmay, in The Great Perfection: A Philosophical and Meditative Teaching
of Tibetan Buddhism (Leiden and New York: E. J. Brill, 1988), touches upon
this question regarding the origins of the Dzogchen (Rdzogs chen) school.
However, he does not reach any definite resolution on the Chinese influence,
or lack of it, in Dzogchen. (Nota do Autor).
Livre Tradução: “Parece haver uma tendência geral no estudo acadêmico
do budismo tibetano para ver a Índia como a autoridade exclusiva no Tibet.
Isso provavelmente surgiu do famoso "encontro" conhecido como o
"Concílio de Lhasa" ou Samye (bSam yas) debate que teve lugar entre a
tradição supostamente sino-tibetana budista representada pelo monge
Ch'an Hvasang Mahāyāna (em chinês Ho-shang Mo-ho-yan) -, e a
contrapartida indo-tibetana representada por Kamalasīla, um estudioso da
Universidade indiana de Nālanda. Os relatos mais conhecidos concordam
que o rei tibetano Tritson Deutsen (Khri srong brstan lde), que aparece
como o organizador e árbitro do encontro, decidiu em favor do partido
Indo-Tibetano {Para mais estudos aprofundados deste debate ver Paul
Demiéville , Le Concile de Lhasa (Paris: Presses Universitaires de France,
1952)., Luis O. Gómez, "Indian Materials on the Doctrine Of Sudden
Enlightenment", pp 393-434, e David S. Ruegg, Buddha-nature, Mind

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Yoga Tibetano: 294
Segredos do Antigo Tibet

leaders and scholars describe magical movement


practices as dating back to at least the eighth
century40. In fact, they claim that different kinds

and the Problem of Gradualism in a Comparative Perspective


(Cambridge: University of London Press, 1989), entre outros}.
Estudiosos como Dan Martin e Toni Huber têm apontado como esse viés
também afeta a relação entre o Bön e o Budismo. Como Toni Huber
afirma, "explicações doutrinárias indianas para que os tibetanos fazem e
dizem atraiu o foco analítico longe de um estudo de uma investigação
mais apurada das assumidas categorias emic" (Toni Huber, "Putting the
gnas back into gnas-skor: Rethinking Tibetan Buddhist Pilgrimage
Practice,” The Tibet Journal, XIX, 2, 1994, p 24. Veja também Dan
Martin,. “The Emergence of Bon and the Tibetan Polemical Tradition” Ph.
D. Dissertação, Bloomington: Indiana University, 1991 e; assim como meu
próprio comentário sobre seus passos em Chaoul, MA, "Tracing the
origins of chö (gcod) in the Bön tradition: a dialogic approach cutting
through sectarian boundaries", tese de mestrado, Charlottesville, VA:
University of Virginia, 1999).
Gostaria de chamar a atenção para a necessidade de mais pesquisas no que
diz respeito à influência chinesa em práticas tibetanas e escolas de
pensamento. Samten Karmay, em The Great Perfection: A Philosophical
and Meditative Teaching of Tibetan Buddhism (Leiden and New York:
EJ Brill, 1988), aborda esta questão a respeito das origens da escola
Dzogchen (rDzogs chen). No entanto, ele não chega a qualquer resolução
definitiva sobre a influência chinesa, ou a falta dela, no Dzogchen.
40
Norbu states that “the great acarya Vairocana (8 th century) …developed
this tradition of Trulkhor Nyida Khajor or Yantra, known as the Unification
of Sun and Moon” (Namkhai Norbu, Yantra Yoga, p.11). The extant Tibetan
text contains the root text by Vairocana and a commentary by Namkhai
Norbu Rinpoche himself (Be to tsa na and Nam mkha’I nor bu, ‘Phrul ‘khor
nyi zla kha sbyor gyi rtsa ‘grel, Cheng-tu: mi rigs dpe skrun khang, 1993,
hereafter Sun and Moon). (Nota do Autor).
Livre Tradução: “Norbu afirma que ‘o grande Acharya Vairocana (século
VIII) ...desenvolveu esta tradição de Trulkhor Nyida Khajor ou Yantra,
conhecida como a União do Sol e da Lua’ (Namkhai Norbu, Yantra Yoga,
p.11). O texto tibetano existente contém o texto raiz escrito por Vairocana e

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 295
Segredos do Antigo Tibet

of magical movement were practiced much


earlier than that and preserved only as an oral
tradition. Certainly by the eleventh century,
many Tibetan texts point to the existence of the
practice of magical movement, especially within
the traditions mentioned above. Although more
research is needed to discover precisely how this
practice was articulated originally and how it
changed over time, it is clear that its roots were
well established in Tibetan religious traditions
over a thousand years ago, as the texts studied
here will attest. (CHAOUL, 2006, p.p. 1- 3)41.

comentado pelo próprio Namkhai Norbu Rinpoche (tsa na e Nam mkha’I


nor bu, ‘Phrul ‘khor nyi zla kha sbyor gyi rtsa ‘grel, Cheng-tu: mi rigs
dpe skrun khang, 1993, designado por Sol e Lua).
41
“Movimentos mágicos são uma distinta prática tibetana de yoga físico em
que respiração e concentração da mente são integrados como componentes
cruciais em conjunto com movimentos específicos do corpo. Embora os
Movimentos Mágicos sejam encontrados em todas as cinco tradições
espirituais tibetanas, é mais prevalente na Kagyu (brgyud ' bka), Nyingma
(ma rnying) e Bön. Apesar de algumas reivindicações em favor de raízes no
Budismo esotérico indiano, sua história ainda está para ser escrita. Líderes
religiosos tibetanos contemporâneos e estudiosos descrevem práticas dos
Movimentos Mágicos remontando-os pelo menos ao século VIII. Na verdade,
eles afirmam que diferentes tipos de Movimentos Mágicos eram praticados
muito antes disso e preservados apenas como uma tradição oral. Certamente
por volta do século XI, muitos textos tibetanos apontam para a existência da
prática dos Movimentos Mágicos, especialmente dentro das tradições
mencionadas acima. Apesar de mais pesquisas serem necessárias para
descobrir exatamente como essa prática foi articulada originalmente e como
isso mudou ao longo do tempo, está claro que suas raízes estavam bem
estabelecidas nas tradições religiosas tibetanas há mais de mil anos atrás, o
que os textos aqui estudados irão atestar”. (Livre Tradução).

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Yoga Tibetano: 296
Segredos do Antigo Tibet

Interessante notar que, ainda na pesquisa de Chaoul


(2006), há uma associação do Yantra Yoga apresentado por
Norbu (2008) com o próprio Trul Khor (ou Tsa Lung Trul
Khor) mencionado na pesquisa. De fato, Chaoul (2006, p.1)
chega mesmo a associar o termo “Yantra Yoga” como a
opção sânscrita adotada por Norbu para substituir o termo
Trul Khor. Apesar dessa associação, pudemos verificar, por
meio de nossa investigação, sensíveis diferenças entre uma
abordagem e outra no seu campo prático, embora
permaneçam finalidades semelhantes.

Outro autor, ademais, que nos dá preciosas


contribuições sobre a questão dos exercícios físicos no
Yoga Tibetano é Evans-Wentz (1993). Ele apresenta, em
sua obra A Ioga Tibetana e as Doutrinas Secretas, a
tradução de um manuscrito secreto, chamado em tibetano
de Rdo-rje lüs kyi hkhrül-hkhor bde-chen nye-lam las yan-
lag lngasbyong sogs rtsa-tshig-gi gzhyung-hgah bzhugs-so
(pronuncia-se: Do-rje lü kyi htül-khor de-chen nye-lam lay
yan-lag nga-jong so tsa-tshi-gi zhyung-ga zhū-so). A

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 297
Segredos do Antigo Tibet

tradução, apresentada pelo autor, seria: “Aqui Abrangem-se


Algumas das Práticas Gerais das Palavras-raízes do
Treinamento dos Cinco Membros, do Caminho Estreito à
Grande Bem-aventurança: os Exercícios Físicos para (ou
para se adquirir) um Corpo de Vajra (isto é, um Corpo
Perfeito/ Corpo Diamantino)”.

De forma mais simplificada, o título do texto


fundamental é apresentado como simplesmente: “Os Seis
Exercícios Físicos Fundamentais de Naropa”.

Iremos transcrever aqui, para um melhor estudo, um


trecho do texto traduzido, para se observar o caráter
impresso no exercício físico em conjunto com a prática
espiritual. Segue-se como Evans-Wentz nos apresenta
(1993, p.p. 203-204):

[Os Seis Exercícios Físicos Fundamentais de Naropa]

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 298
Segredos do Antigo Tibet

Namo Maha-Mudraya!42

Os Seis Exercícios Físicos Fundamentais de Naropa


são os que se seguem:
(1) Pousa os punhos sobre os joelhos, com os pés na
postura de Boddhisattva [ou de Buda]; então, roda a
cintura, da direita para a esquerda e da esquerda para a
direita. Este exercício elimina as perturbações da região do
umbigo e desata [isto é, possibilita o saudável
funcionamento de] o nervo nodoso [ou o centro nervoso] do
umbigo. (2) A seguir [na mesma postura] gira o pescoço em
círculo várias vezes e depois dobra-o para a frente e para
trás. Assim, os nervos nodosos do alto da cabeça e da
garganta serão desatados. (3) [Com as mãos abertas e suas
palmas viradas para baixo, por sobre os joelhos dobrados,
e o corpo observando em tudo o mais a postura do primeiro
exercício], dobra a parte superior do corpo da direita para
a esquerda e da esquerda para a direita, alternadamente.
As doenças da parte superior do corpo são por esse meio

42
Esta saudação, ou reverencia, a Mahā-mudrā, ou o “Grande Símbolo”,
indica que os Seis Exercícios, assim como as Seis Doutrinas, são parte dos
ensinamentos da Escola do Grande Símbolo. (Nota do Autor).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 299
Segredos do Antigo Tibet

eliminadas, e seus nervos nodosos desatados. (4) A


contração e distensão dos membros [isto é, os braços e as
mãos, as pernas e os pés], que eliminam as doenças dos
membros e libera [ou desata] os nervos nodosos, devem ser
executadas primeiramente pelas duas mãos e os dois
braços. Então, apoiando as duas mãos no chão [ou na
almofada de meditação] às suas costas, pousa as nádegas
no chão [ou na almofada de meditação] e, esticando as
pernas, sacode vigorosamente os pés no ar. (5) Dando um
salto e deixando cair o corpo [na postura de pernas
cruzadas, as mãos descansando sobre os joelhos, ergue-se
o corpo e deixa-se que ele caia com força sobre a almofada
de meditação] os nervos nodosos de todo o corpo serão
desatados. E a cada salto, torce o corpo para a direita e
para a esquerda; e, com as mãos descansando de encontro
aos joelhos, sacode [ou estremece] o corpo vigorosamente.
(6) Sacode [ou estremece] o corpo [caído para a frente,
com as mãos apoiadas sobre a almofada de meditação,
sustentando o corpo]. Então, profere Uh, esfregando e

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 300
Segredos do Antigo Tibet

massageando todo o corpo. Assim, todos os nervos se


relaxarão, voltando cada um à sua posição43.

Esses exercícios, acima citados, demonstram a


importância que os yogues tibetanos davam (e dão) ao
trabalho com o corpo físico como contribuição a um
desenvolvimento espiritual integral. Em outras palavras, o
corpo não era descartado em detrimento do espírito. Essas
duas dimensões se ajudavam mutuamente.

De qualquer forma, podemos registrar, com esse


material colhido, a contrapartida do contexto yóguico
tibetano em resposta aos āsanas do universo indiano. Em
outros dizeres, com essa reduzida análise, elencando apenas
os elementos gerais, pudemos observar como os yogues
tibetanos lidam com a questão do trabalho com o corpo – já
que estamos admitindo, para esta análise, a perspectiva de
āsanas como, também, trabalho com o corpo físico.

43
Alguns desses movimentos são parte das técnicas de Tsa-Lung, que iremos
ver com mais atenção no próximo capítulo.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 301
Segredos do Antigo Tibet

Interessante também mencionar que, durante


algumas práticas físicas ou energéticas, os yogues tibetanos
são orientados a visualizar seus corpos como corpos de
divindades (YESHE, 2009) ou como compondo uma
mandala (CHAOUL, 2006), com seus vários canais
energéticos (que veremos mais para frente), centros de
energia, essências-da-mente, etc., tornando, assim, o
indivíduo cônscio a respeito da complexa teia de elementos
que compõem sua globalidade, a fim de perceber que a
mesma complexidade presente na estrutura do Universo
está contida em si mesmo – e a mandala consegue
simbolizar isso.

Para terminar ilustrando, amiúde, ainda mais o tema,


iremos anexar ao final deste capítulo algumas
demonstrações, através de conteúdo imagético, que
servirão para dar uma noção ao leitor da semelhança
existente entre as abordagens tibetanas e indianas no
quesito “trabalho com o corpo”.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 302
Segredos do Antigo Tibet

São imagens que ilustram a execução de técnicas


corporais tanto no Yantra Yoga quanto no Kum Nye.
Lembrando que o objetivo desse material não é servir de
guia para o leitor (sendo necessário, para isso, encontrar um
instrutor apropriado), mas para demonstrar como a
preocupação tibetana, por meio de seus exercícios (no caso
de algumas linhagens), está sintonizada com as práticas
indianas. Isso ficará ainda mais evidente para quem já tiver
algum conhecimento básico de qualquer linha do Yoga
indiano.

Ressaltamos, contudo, por se tratar de uma pesquisa,


que as imagens aqui colocadas têm apenas intenções
pautadas em finalidades de estudo.

Com base nos estudos em Yantra Yoga (NORBU,


2008), apresentamos a seguinte ilustração de exercícios,
lembrando que, segundo a explicação do autor, os
exercícios físicos não devem ser feitos de maneira estática,
e devem seguir ritmo e movimento específicos, além de um
trabalho conjunto com a respiração, omitido destes

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 303
Segredos do Antigo Tibet

exemplos pelos motivos acima citados. Isto não é um


manual, é uma pesquisa.

Figura 19. “The Sneaking Lotus”, conforme chamada por Norbu


(2008), sequência de Yantra Yoga, que combina movimento com respiração.

A seguir, igualmente como modo de ilustração com


finalidades de entendimento, veremos uma postura
utilizada no sistema Kum Nye (TULKU, 2012) com
finalidade de abrir (promover maior atividade) o centro
(chakra/khor lo) do coração, melhorar a respiração e
massagear os músculos internos. Interessante notar
finalidades e postura semelhantes às trabalhadas nos āsanas

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 304
Segredos do Antigo Tibet

do Yoga indiano, principalmente ao que se refere hoje


como Hatha Yoga.

Figura 20. “Abrindo o coração”, exercício de Kum Nye, de acordo


com Tulku (2012).

Figura 21. Demonstração dos “Seis Exercícios Físicos


Fundamentais de Naropa”. Alguns desses movimentos são os mesmos das
técnicas de Tsa-Lung, abordado mais adiante.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 305
Segredos do Antigo Tibet

PRĀNĀYĀMA ༀ

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 306
Segredos do Antigo Tibet

Um tema bastante interessante para a nossa análise,


o Prānāyāma é um tópico do Yoga que, assim como o
āsana, requer um olhar um pouco mais aprofundado para
entendermos sua funcionalidade e finalidade.

Embora muitos associem, diretamente, prānāyāma


com exercícios respiratórios, não necessariamente um é
sinônimo d`outro.

Prāna, do sânscrito, significa “aquilo que flui”,


vitalidade, energia vital, similar ao conceito chinês do Ch`i.
Neste contexto, yama dá o sentido de “segurar à rédeas”,
“controlar”. Ou seja, prānāyāma seria literalmente:
“Segurar as rédeas daquilo que flui”.

No Yoga Sutras, vemos prānāyāma como: “práticas


de controle das forças sutis” (II: 29).

Segundo Patañjali, e a própria etimologia da palavra,


é o controle do prāna.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 307
Segredos do Antigo Tibet

Contudo, entende-se, entre os esclarecidos, que não


apenas a respiração é um meio de controle do prāna. Na
verdade, nem mesmo a respiração, mas a mente. A
respiração, segundo a tradição yogue (vide Yoga Sutras
I:33-34), controla a mente, e a mente controla o prāna.
Nesse caso, admite-se que a energia vital, ou como se
queira denominar, é suscetível à ação psíquica.

Pode parecer fora de alcance à racionalidade mais


criteriosa, mas não é difícil de observar como nossos
pensamentos constantemente dirigem fluxos de energia em
nosso corpo.

Como exemplo, peguemos o calor. Todos sabem que


calor é uma forma de energia. É energia térmica. Quando
uma pessoa excita-se sexualmente, ao ver passar à sua
frente outra pessoa que lhe pareça atraente, ou que
literalmente a seduza, sua região genital enche-se de calor.
Nesse caso, enche-se pela visão. Na verdade, o estímulo
visual provoca uma sensação em sua mente, através de
estímulos específicos na área cerebral e, a partir desse

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 308
Segredos do Antigo Tibet

estímulo mental, energia, em forma de calor, é


imediatamente levada para as gônadas.

Trata-se de um exemplo deveras banal, mas


suficiente para convencer o mais leigo no assunto de que a
nossa mente, de alguma forma, em alguma instância,
consegue influenciar no fluxo e direcionamento de certas
energias. No caso, o calor. Não queremos, com esse
exemplo, definir quais os tipos de energia que são
“maleáveis” à ação mental, pois isso cabe à ciência
perscrutar através de seus próprios mecanismos, mas
podemos verificar, com exemplos muito simples, como
essa relação energia-pensamento acontece.

Para uma melhor compreensão, energia, nesse caso,


não precisa corresponder à imagem “hollywoodiana”
concedida ao termo, ou seja, como fogos etéreos e
coloridos emanados do corpo. Não necessariamente.
Talvez a partir de um ponto de observação de outra
dimensão da realidade (ou planos extrafísicos), essa
semelhança proceda, mas deixemos isso de lado por agora,

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 309
Segredos do Antigo Tibet

concentrando-nos apenas nas possibilidades que nossos


sentidos “densos” têm em relação à apreensão dessa
realidade.

Independente da nossa compreensão do assunto,


mais ou menos profunda, temos o prānāyāma como o
controle consciente desse prāna, dessa energia vital. Os
yogues adiantados conhecem os mecanismos específicos
para controlá-la.

No Yoga tibetano, a palavra correspondente para


prāna é lung (rlung, literalmente, “vento”).

Nesse contexto, os tibetanos desenvolveram diversas


técnicas, muitas secretas e outras, no entanto, conhecidas,
de se obter esse controle do prāna ou do lung.

Na própria abordagem do Trul Khor, analisada


rapidamente no capítulo anterior, temos a prática do que se
denomina Tsa Lung.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 310
Segredos do Antigo Tibet

Para os yogues tibetanos, assim como para os


indianos, mente e prāna, ou lung, estão intimamente
ligados:

Na sociedade de hoje, nós elevamos o


status da nossa mente conceitual e procuramos
mudanças através do nosso intelecto. Mas, o
modo como experimentamos a mente em si
mesma é um produto do vento, ou lung (O “u” se
pronuncia como “oo” na palavra look). Em
outras culturas orientais, lung é conhecido como
prana, qi, ou ch`i. A capacidade da mente, tanto
para a sutileza e claridade, quanto para a
confusão e turbulência, depende totalmente do
lung. Nas tradições de sabedoria da Índia e do
Tibete, há um vasto conhecimento sobre o lung
que ainda não se estabeleceu completamente no
Ocidente. Como podemos ter acesso a este
vento? Não é através da mente conceptual, e sim
através da consciência direta, não conceptual.
Nós acessamos o vento, conectando-nos
diretamente com nosso corpo, fala e mente –
conhecidos como as três portas, tanto no Bön
quanto no Budismo. (RINPOCHE, 2013, p. x).

Através desse raciocínio, desenvolveu-se uma série


de técnicas, utilizando mecanismos de controle do lung ou

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 311
Segredos do Antigo Tibet

prāna, para buscar-se a interferência e controle no


equilíbrio mental, já que as antigas ciências yogues – tanto
do Tibet quanto da Índia – relacionavam a atividade mental
ao fluxo e qualidade do lung ou prāna em nosso sistema
sutil.

O Tsa Lung, mencionado acima, constituiu uma das


grandes frentes de trabalho nessa área. Muitas vezes, os
Movimentos Mágicos, ou Trul Khor, eram denominados
pelo nome de Tsa Lung Trul Khor (rtsa rlung ‘phrul ‘khor).

In the Tibetan yogic tradition, there are


certain practices that work specifically with the
energetic or subtle body and are in fact called
“channels and vital breath currents” or
“channels-breaths” practices (rtsa rlung).
Channels-breaths are sometimes taught as a
practice in itself but are often included within
magical movement, in which case they are called
“magical movement [of/with] channels-breaths”
(rtsa rlung ‘phrul ‘khor). (CHAOUL, 2006, p.
22)44.

44
Na tradição yogue tibetana, há certas práticas que trabalham
especificamente com o corpo energético ou sutil, que na verdade são
denominados de "canais e correntes vitais de respiração" ou práticas de

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 312
Segredos do Antigo Tibet

Enquanto a palavra tibetana lung é uma equivalente


ao sânscrito prāna, tsa é a versão tibetana para a palavra
sânscrita nādi.

De modo geral, tsa ou nādi são palavras utilizadas


para se referir aos canais de energia de nosso corpo sutil, os
dutos, semelhantes às veias, por onde o prāna se distribui e
flui pelo nosso corpo sutil ou energético.

Sobre esses canais, sabemos:

Das correntes que fluem pelo interior e


em torno da coluna vertebral de todo ser
humano, diz Blavatsky na Doutrina Secreta:
A Escola transinmalaica situa a
sushumna, o principal dos três nadis, no canal
medular da coluna vertebral, e o ida e o pingala
são simplesmente os sustenidos de bemóis do Fá
da natureza humana, os quais, quando pulsam

"canais-respirações" (rtsa rLung). Canais-respirações são por vezes


ensinados como uma prática em si, mas muitas vezes são incluídos dentro
dos Movimentos Mágicos, caso em que eles são chamados de "Movimentos
Mágicos [de / com] Canais e Respirações" (rtsa rlung 'Phrul ‘khor). (Livre
Tradução).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 313
Segredos do Antigo Tibet

devidamente, despertam as sentinelas de ambos


os lados, o manas espiritual e o físico kama, e
subjuga a natureza inferior por meio da superior.
O puro akasha passa pelo sushumna
acima e seus dois aspectos fluem por ida e
pingala. Estes são os três ares vitais
simbolizados no cordão bramânico, e regidos
pela vontade. (...) De sushumna, ida e pingala se
origina uma circulação que do canal central se
distribui por todo o corpo. (...) (LEADBEATER,
1995, p.p. 52-53).

Segundo várias tradições orientais, esses três canais


principais, donde percorre grande fluxo de energia pelo
nosso corpo sutil, repercutindo em seu correspondente
físico, é o tripé de dutos por onde se ramificam inúmeros
outros canais, espalhados por toda a extensão corporal,
distribuindo-se em variadas espessuras, de calibre mais fino
ao mais grosso, irrigando todo o organismo com a energia
vital, prāna ou lung.

Therefore, rtsa, depending on the


context, is translated as “veins”, “arteries”,
“nerves,” and so forth. In the channels-breaths
practices, rtsa refers to those channels that carry

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 314
Segredos do Antigo Tibet

rlung. “Vital breath currents” refers to rlung as qi


in Chinese and prāna in Sanskrit, rather than
feng and vayu respectively, which may take on
the meaning of external “air” or “wind”. In the
channels-breaths practices, rlung does not refer
to that external wind but rather to internal subtler
aspects of it, such as normal breath and vital
breath currents that run within the body trough
the circulatory channels. Therefore, it is still
related to the aspect of “wind”, but the emphasis
is on “breath,” more specifically on the subtler
breaths that I am calling here “vital breath
currents.” (CHAOUL, 2006, p. 23)45.

Grande parte da medicina oriental, como hoje em dia


já é de ciência geral, baseia-se no conhecimento detalhado
da distribuição de energia pelo corpo, seus dutos, canais,
meridianos, centros e pontos. Intervindo na distribuição

45
“Portanto, rtsa, dependendo do contexto, é traduzido como ‘veias’,
‘artérias’, ‘nervos’, e assim por diante. Nas práticas de Canais-Respirações,
rtsa refere-se aos canais que transportam rlung. ‘Correntes de sopro vital’
refere-se ao rlung como o qi chinês e o prāna do sânscrito, em oposição a
feng e vayu, respectivamente, que podem assumir o significado de ‘ar’
externo ou ‘vento’. Nas práticas de Canais-Respirações, rlung não se refere
àquele vento externo, mas sim ao seus aspectos mais sutis e internos, em
como a respiração regular e as correntes de respiração vital fluem dentro do
corpo através de canais circulatórios. Portanto, ainda estão relacionadas
com o aspecto de ‘vento’, mas a ênfase está na ‘respiração’, mais
especificamente nas respirações mais sutis que estou chamando aqui
‘correntes vitais de respiração’”. (Livre Tradução).

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Yoga Tibetano: 315
Segredos do Antigo Tibet

energética no corpo sutil, melhorando o seu fluxo e


desobstruindo os canais de impedimentos energéticos, todo
o trabalho visa o reequilíbrio geral da pessoa, do nível
denso ao mais sutil – e do mais sutil ao denso.

Para os trabalhos yogues, contudo, considera-se, em


geral, esses três canais principais, conhecidos na Índia
como Sushumna, Ida e Pingala.

Não nos cabe aqui um aprofundamento teórico nas


características e influências específicas de cada um desses
canais, deixando isso para o estudo yogue, em caráter de
aprofundamento, de cada interessado. Porém, uma breve
análise desse quadro se faz imprescindível neste trabalho.

Vemos os canais descritos de formas ligeiramente


diferentes de escola para escola. Contudo, segundo
Rinpoche (2013), no homem o canal central (sushumna)
possui o diâmetro aproximado de um dedo polegar, e sua
cor deve ser visualizada como azul radiante, como num céu
ensolarado de outono (embora outras escolas orientem que

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 316
Segredos do Antigo Tibet

sua parede interior deva ser vista na cor avermelhada) . É o


canal da iluminação (byang chub), de onde se busca
remover as obstruções causadas pela dúvida, ilusão e
ignorância. Tanto no homem quanto para a mulher, esse
canal possui as mesmas características, e localiza-se,
conforme o nome sugere, verticalmente no centro do eixo
cérebro-espinhal. Vemo-lo denominado, no contexto
tibetano, como Tsa-Uma (rtsa bdu ma), “canal central”, ou
kun ‘dar ma , o “canal todo abrangente” (CHAOUL, 2006).

No homem, o canal lateral do lado direito é


conhecido como Tsa-Kyangma (rtsa rkyang ma), deve ser
visualizado na cor branca, tendo o diâmetro semelhante ao
do dedo mínimo. É o canal que representa a polaridade
masculina, os meios hábeis (thabs). Nos exercícios
respiratórios de Tsa Lung, por exemplo, a assepsia
energética desse canal, através de determinados exercícios
respiratórios, remove traços energéticos relacionados à
raiva (RINPOCHE, 2013).

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Yoga Tibetano: 317
Segredos do Antigo Tibet

Por uma questão de inversão de polaridade, na


mulher esse canal está localizado no lado oposto, ou seja,
lado esquerdo ao canal central.

No homem, o canal lateral do lado esquerdo é


conhecido como Tsa-Roma (rtsa ro ma), deve ser
visualizado na cor vermelha, tendo o diâmetro semelhante
ao do dedo mínimo. É o canal que representa a polaridade
feminina, e está relacionado aos traços psíquicos referentes
à sabedoria (shes rab). Nos exercícios respiratórios de Tsa-
Lung, por exemplo, a remoção dos obstáculos energéticos e
obstruções presentes ao longo deste canal, através dos
exercícios respiratórios específicos, promove um controle
dos aspectos psíquicos relacionados ao apego
(RINPOCHE, 2013).

Na mulher, contudo, por uma questão de inversão de


polaridade energética, esse canal é descrito como estando
ao lado direito do canal central.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 318
Segredos do Antigo Tibet

É importante destacar, contudo, que esses canais não


são considerados de particularidades opostas, mas sim
complementares (CHAOUL, 2006).

Outro detalhe importante a ser destacado: Enquanto


averiguávamos os detalhes teóricos sobre os três canais (ou
Tsas) na versão tibetana, verificamos certas divergências
nas descrições. Alguns descrevem que, no homem, o canal
direito é branco e o esquerdo é vermelho. Outros, que, no
homem, o canal direito é vermelho e o esquerdo é branco
(vale o inverso para as mulheres). Yeshe (2009), por
exemplo, diz: “O canal central é azul do lado de fora,
semelhante à cor de Heruka, e vermelho por dentro. O canal
direito é vermelho e o esquerdo é branco” (p.111). Ao nos
depararmos com tal descompasso entre as informações
colhidas, entramos em contato, via e-mail, com diversos
centros e institutos de medicina, tradições e práticas
tibetanas (ao todo, dezenove), a fim de buscarmos algum
esclarecimento para essa questão. Novamente, alguns
referenciavam o canal direito no homem como branco e,

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 319
Segredos do Antigo Tibet

outros, como vermelho. A dúvida foi mantida até que, por


fim, chegou-nos um e-mail, cuja fonte manteremos
anonimato por respeito à privacidade, dizendo que às vezes
essa discrepância ocorre por conta das convenções adotadas
em diferentes escolas ou linhas de pensamento dentro das
práticas tibetanas. Foi-nos aconselhado optar por uma
versão e basear nossas práticas apenas nela, para não haver
confusão. Lembrando, então, que as cores utilizadas nas
visualizações de exercícios espirituais podem ser mais
simbólicas, para evocar determinada qualidade psíquica
que se quer trabalhar naquela região, entendemos que, de
acordo com as intenções relativas a cada linha de
pensamento, as cores poderiam mudar ou estarem
invertidas. Isso não significa que os canais mudem ou não
existam; a questão é como cada escola decide trabalhar
com eles, o que acaba fazendo sua abordagem ser um
pouco diferente de lugar para lugar/ tradição para tradição.

Outro problema que encontramos é com relação à


nomenclatura. Durante a nossa pesquisa, hora víamos o

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 320
Segredos do Antigo Tibet

canal Tsa-Kyangma associado à versão indiana Pingala,


hora à Ida. O mesmo aconteceu com Tsa-Roma. Dessa
forma, a versão final que resolvemos colocar aqui está
relacionada aos autores que optamos por trabalhar, estando
as informações devidamente referenciadas.

Na tradição tibetana, os nomes correspondentes (aos


sânscritos) para designar esses três canais principais, acima
mencionados, segundo correlação descrita por Chaoul
(2006), e a nomenclatura sugerida pelo Tibetan Medicine
Education center (TME), é:

Sânscrito Tibetano
Sushumna Nādi Tsa-Uma
Ida Nādi Tsa-Roma
Pingala Nādi Tsa-Kyangma

Tabela 2. Relação dos canais de energia.

De acordo com o nosso referencial teórico


(RINPOCHE, 2013), esse sistema, de forma simplificada,

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 321
Segredos do Antigo Tibet

poderia ser representado da seguinte forma, conforme


representação nossa:

Figura 21. Representação simplificada dos canais de energia.

O canal central, Tsa-Uma (Sushumna Nādi),


representado como uma extensão linear que se estende a
partir da base da coluna torna-se ligeiramente dilatada à
medida em que se aproxima do topo da cabeça, na região

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 322
Segredos do Antigo Tibet

em que estaria localizado o Sahasrāra Chakra, conhecido,


também, como chakra coronário (coronário, também
conhecido em tibetano como “o centro energético da
grande bem-aventurança” – bde chen ‘khor lo) .

Algumas referencias, porém, designam o início


desse canal quatro dedos de distância abaixo do umbigo,
onde os dois canais laterais, Tsa-Roma e Tsa-Kyangma se
juntariam ao canal central:

(...) Todos os três canais curvam-se para


cima até a coroa e depois correm corpo abaixo
bem em frente à coluna, até a extremidade do
chakra secreto da ponta. São como a viga central
que sustenta um telhado.
Contudo, de acordo com o comentário,
quando fazemos a meditação da chama interior,
visualizamos os três canais terminando cerca de
quatro dedos abaixo do umbigo, que é o ponto
para onde levamos os ares para dentro do canal
central durante a meditação. (...) (YESHE, 2009,
p. 111).

Segundo a tradição, enquanto Tsa-Uma abre-se em


direção ao topo da cabeça, na fontanela, Tsa-Roma e Tsa-

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 323
Segredos do Antigo Tibet

Kyangma fazem uma curva atrás dos olhos e conectam-se


às nossas narinas (RINPOCHE, 2013). Seria dessa forma
que, de alguma maneira, nossa respiração teria influência
no funcionamento – regular ou irregular – desse sutil
sistema (não que o prāna venha, necessariamente, pela
respiração, mas, conhecendo esses detalhes, podemos
utilizar a respiração consciente como veículo para o prāna
ser absorvido). Da mesma forma, cada canal lateral,
correspondendo a uma narina específica, teria funções
distintas, ou, ainda, qualidades diferenciadas de lung que
circulariam pela região. A partir disso, racional e
emocional, sistemas simpático e parassimpático, “solar” e
“lunar”, e demais referências de polaridades, seriam
designações familiares aos yogues que estudam o assunto a
fundo, sabendo com qual narina trabalhar a fim de
equilibrar no indivíduo uma característica particular através
da regularização do prāna ou lung.

Contudo, da maneira como estão dispostos os canais


na ilustração da figura 21 representam apenas uma forma

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 324
Segredos do Antigo Tibet

simplificada de dispor o assunto. Geralmente, os yogues


tibetanos adotam essa representação para facilitar a
visualização, sem nenhum prejuízo para a condução do
fluxo de lung na região. Na verdade, especula-se, no meio
yogue, a real disposição desses canais, em especial os
laterais, que, segundo algumas vertentes, estariam dispostos
em forma helicoidal ou entrecruzada ao longo de sushumna
nādi/ Tsa-Uma. No ponto desses entrecruzamentos
estariam os pontos correspondentes aos chakras (Tib.:
Khor lo). Mas, conforme dissemos, de forma a simplificar a
visualização para as práticas, geralmente a representação
dos canais em paralelo é amplamente adotada pelos yogues
tibetanos.

Ainda assim, conforme podemos verificar, os


tibetanos possuíam um mapeamento mais detalhado dessa
estrutura sutil, como vemos representado na figura abaixo:

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 325
Segredos do Antigo Tibet

Figura 22. Desenho do autor, com base em uma antiga


representação tibetana dos canais de energia.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 326
Segredos do Antigo Tibet

Independente da representação gráfica, vemos uma


acentuada ênfase por parte dos yogues tibetanos em
explorar e dominar o fluxo de lung/prāna por meio de seus
exercícios. E, assim como os indianos, não apenas com um
trabalho exclusivamente físico, automático, mas um
trabalho sinérgico com a atividade mental, donde surge o
ditado: “Onde a mente está, ali o prāna está. Tal como é o
prāna, é a mente”. E os tibetanos parecem deter o mesmo
conhecimento, conforme vemos no trabalho de Chaoul
(2006):

The mind rides on the vital breath


currents, like a rider on a horse, and the two
travel together through the pathways of the
channels. As the breath circulating in the
channels becomes more balanced, the channels
turn increasingly pliable, allowing the vital
breath currents to find their own comfortably
smooth rhythm. When the breath rhythm is
smooth, like a wave, the mind riding on it has a
smoother ride, which reduces the tendency
toward agitation. With the help of movements
that guide the mind and vital breath currents into
different areas, the practice brings the possibility

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 327
Segredos do Antigo Tibet

of healing or harmonizing body, energy, and


mind, or the body-energy-mind system. This is a
goal of yogic practices and also a model of good
health that is in line with the concept of health or
well being in Tibetan medicine.
In the Bön tradition, the principal text
used for the channels-breaths practice is the
Mother Tantra (Ma rgyud), especially the
chapter on the “Luminous Sphere of the
Elements” (‘Byung bai thig le). (p.p. 24-25)46.

O próprio Milarepa foi um dos proeminentes yogues


tibetanos a utilizar a analogia do “cavaleiro da mente
cavalgando o cavalo do vento [lung]”. Em uma de suas
famosas canções, exposta em Milarepa: História de um
Yogue Tibetano (EVANS-WENTZ, 1985), lemos:

46
“A mente cavalga sobre as correntes vitais de respiração, como um
cavaleiro em um cavalo, e os dois viajam juntos pelas vias dos canais.
Quando a respiração circulando nos canais torna-se mais equilibrada, os
canais se tornam cada vez mais flexíveis, permitindo que as correntes vitais
de respiração possam encontrar o seu próprio ritmo confortavelmente suave.
Quando o ritmo da respiração é suave, como uma onda, a mente montada
nela tem uma condução mais suave, o que reduz a tendência para a agitação.
Com a ajuda de movimentos que orientam a mente e as correntes vitais de
respiração em diferentes áreas, a prática traz a possibilidade de cura ou de
harmonização do corpo, energia e mente, ou o sistema corpo-mente-energia.
Este é um objetivo de práticas de yoga e também um modelo de boa saúde
que está alinhado com o conceito de saúde e bem-estar na medicina tibetana.
Na tradição Bön, o principal texto utilizado para a prática de Canais-
Respirações é o Tantra Mãe (Ma rgyud), especialmente o capítulo sobre "As
Esferas Luminosas dos Elementos". (Livre Tradução).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 328
Segredos do Antigo Tibet

" `Curvo-me aos Pés de meu Gracioso Pai, Marpa!

" 'No interior do templo do Monte Bodhi, meu corpo,


No interior de meu peito, onde está o Altar,
No interior da câmara superior e triangular dentro de meu coração,
O Cavalo da Mente, movendo-se como o vento, salta.

"Que Laço pode ser usado para prender esse Cavalo?


E em que Poste deve Ele ser amarrado?
Que Comida se lhe deve dar quando faminto?
Que Bebida se lhe deve dar quando sedento?
Em que Estábulo se deve colocá-lo quando enregelado?

"Para prender o Cavalo, utilizai, como Laço, a Unidade de Propósito;


Deve-se amarrá-Lo, quando agarrado, ao Poste da Meditação;
Deve-se alimentá-Lo, quando faminto, com os Ensinamentos do Guru;
Deve-se dar-lhe de beber, quando sedento, do Fluxo da Consciência;
Deve-se recolhê-lo, quando enregelado, ao Estábulo da Vacuidade.
Como sela, utilizai a Vontade; como Brida, o Intelecto;
Prendei Nele, como Cilhas e Rabichos, a Fixidez Imóvel;
Passai-lhe, como Cabresto e Focinheira, os Ares Vitais.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 329
Segredos do Antigo Tibet

"Seu cavaleiro é o Jovem de Intelecto [a Agúda Vigilância]:


O Elmo que ele porta é o Altruísmo Mahayanico;
Sua Cota de Malha é o Saber, o Pensamento e a Contemplação;
Em suas costas carrega a Concha da Paciência;
Segura nas mãos a longa Lança da Aspiração;
E em seu flanco empunha a Espada, a Inteligência;
O polido Bambu da Mente [ou Causa] Universal,
Endireitado pela ausência de raiva ou ira,

Farpado com os Tufos das Quatro [Virtudes] Ilimitadas,


Pontilhado com a aguda Cabeça da Flecha do Intelecto,
E armado no flexível Arco da Sabedoria Espiritual,
E aí fixado, na Abertura do Sábio Caminho e do Método Correto,
Ele se lança à plena compreensão da Comunhão Total;
E assim arremessadas, as flechas caem sobre todas as Nações.
Elas atingem os Piedosos,
E matam o Duende do Egoísmo.
E assim são dominados os Inimigos e as Más Paixões,
E assim são protegidos os vossos Parentes.

"Esse Cavalo corre pela Extensa Planície da Felicidade;


Seu Objetivo é a obtenção do Estado de todos os Conquistadores.
Seus traseiros deixam para trás o apego à vida sangsárica;

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 330
Segredos do Antigo Tibet

Sua dianteira busca o lugar seguro da Libertação.

"Correndo tal carreira, sou conduzido ao Budado;


Julgai se isto é igual à vossa concepção de Felicidade:
Eu não desejo a Felicidade do mundo'”.

Não só Milarepa, mas toda a tradição dos yogues


tibetanos parece conferir importante papel a esse estudo do
sistema sutil de energia e sua relação com o funcionamento
mental.

E não só a cultura dos yogues tibetanos, mas a dos


indianos também.

Além disso, as especificações técnicas a respeito do


prāna/lung é semelhante nas duas culturas. Por exemplo,
na tradição indiana há cinco principais vayus prânicos
(LEADBEATER, 1995), ou “tipos de prāna”, de acordo
com a função que exerce no corpo. Desse modo, segundo a
escritura Gheranda Samhita, temos que:

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 331
Segredos do Antigo Tibet

“O prāna atua sempre no coração, o apāna, na


esfera do ânus; o samāna, na região do umbigo; o udāna,
na garganta; e o viāna penetra todo o corpo”.

No Yoga Tibetano, esse mesmo conhecimento está


presente. Segundo Norbu (2008, p. 369), o nome tibetano
relativo ao prāna é srog `dzin; udāna é chamado de gyen
rgyu; o ar vyāna é conhecido como khyab byed; samāna é
me mnyam e apāna é conhecido por thur sel.

Dessa forma, podemos elaborar a seguinte tabela,


para facilitar nossa comparação e estudo:

Nome Nome Tradução Região


Sânscrito: Tibetano segundo em que
(NORBU, Rinpoche atua:
2008): (2013):
Prāna Srog `dzin Vento da Coração
Força Vital
Udāna Gyen rgyu Vento do Garganta

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 332
Segredos do Antigo Tibet

Movimento-
Ascendente
Vyāna Khyab Vento Todo o
byed Difuso corpo
Samāna Me Vento Como Umbigo
mnyam o Fogo

Apāna Thur sel Vento do Ânus


Movimento
Descendente
Tabela 3. Relação dos ares vitais.

Além dessa classificação, notamos que o


conhecimento provindo da tradição Bön nos oferece mais
algumas especificações a respeito do prāna/lung,
estendendo um pouco a classificação.

Trata-se de uma classificação sobre os lungs que


atuam a nível mental, influenciando o nosso psiquismo e
suas qualidades.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 333
Segredos do Antigo Tibet

É o que vemos na obra de Rinpoche (2013, p.p. 90-


91)47:

1. O lung do espaço da natureza bön: reside na


natureza essencial.
2. O lung da bem-aventurança da sabedoria
primordial: desperta a sabedoria.
3. O lung da consciência inata auto-surgida:
repousa espontaneamente na natureza da mente.
4. O lung do cavalo da mente: provoca o
movimento de pensamentos.
5. O lung da força do karma: determina a direção
de qualquer transição.
6. O lung das aflições mentais grosseiras: causa a
expressão das emoções negativas (os cinco
venenos: raiva, cobiça, ignorância, inveja e
orgulho).
7. O lung que perturba os humores do corpo: causa
doença através do desequilíbrio das emoções
negativas.
8. O lung do poder da existência: constrói seres e
seus ambientes.
9. O lung destruidor da era: causa ações de
destruição dos seres e de seus ambientes.

47
“A lista dos nove lung descreve padrões de vento e mostra a possibilidade
de romper com determinados padrões, seja na sua vida individual, seja num
grupo mais amplo ou padrões de vida coletivos”. (RINOCHE, 2013, p. 90)

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Yoga Tibetano: 334
Segredos do Antigo Tibet

Talvez tenha sido desse anseio profundo pela


investigação do funcionamento da parte sutil do ser
humano que diversas técnicas, hoje muito famosas, tiveram
sua origem.

Um dos exemplos mais notáveis, que se constitui de


grande importância sua citação aqui, é a chamada Doutrina
do Calor Psíquico (EVANS-WENTZ, 1993), largamente
conhecida pelo seu nome tibetano Tummo (gtum-mo).

Essa é uma técnica que não pode ser restringida


unicamente ao Prānāyāma, porque envolve Dhāranā, leva
a Dhyāna e, em estágios mais elevados, ao próprio
Samādhi (Dhāranā, Dhyāna e Samādhi são assuntos de
nossos próximos capítulos). Mas, por envolver um
mecanismo diretamente relacionado ao direcionamento do
lung, nos reportaremos ao Tummo neste capítulo.

Talvez muitos já viram, em alguma reportagem ou


documentário, monges tibetanos, em meditação, secando
toalhas úmidas apenas com o calor gerado pelos seus

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 335
Segredos do Antigo Tibet

corpos – fazendo, assim, toda umidade evaporar. Ou ainda,


já tenham visto esses mesmos indivíduos meditando, sem
nenhuma proteção mais sofisticada, nas gélidas montanhas
do Himalaia. Apesar disso, parece que o frio não é páreo
para o seu poderio psíquico.

Figura 23. Yogue praticando Tummo, ou prática do calor psíquico.


Imagem contida no Mural de Lukhang.

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Yoga Tibetano: 336
Segredos do Antigo Tibet

Na verdade, a produção de calor corporal é apenas


uma consequência natural de um trabalho interno muito
mais sofisticado, visando resultados muito mais profundos
e elevados. Quando começamos a olhar para a
fundamentação da técnica que compõe o Tummo, podem
aparecer diversas semelhanças com um processo de
Prānāyāma. E, de fato, é o que parece ser. Porque há um
intenso trabalho com o lung, ou prāna, envolvendo técnicas
respiratórias, processos de mentalização e conhecimento
dos canais e centros energéticos. É um trabalho direto com
essa dimensão sutil.

Para os tibetanos, a relevância do Tummo é lendária.


Dizem até que essa técnica teve um papel fundamental no
processo de iluminação de Milarepa (YESHE, 2009).

E esse tópico merece especial menção neste estudo


justamente por essa sua relevância dentro da cultura
espiritual tibetana e, além disso, pela sua relativa fama em
meios, inclusive, não-budistas.

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Yoga Tibetano: 337
Segredos do Antigo Tibet

Como disse antes, a chama interior é a


raiz do sucesso em todas as práticas do estágio
de completude. É o método perfeito para
despertar nossa consciência muito sutil, cuja
função é compreender a totalidade da sabedoria
da não dualidade. Essa experiência do estágio de
completude da grande sabedoria bem-aventurada
nascida simultaneamente é o resultado último da
meditação da chama interior. (YESHE, 2009, p.
132).

E continua o autor,

Lama Dje Tsongkhapa diz: “Praticando


a chama interior, você consegue levar facilmente
as energias de vento para dentro do canal central
e desenvolve facilmente as quatro alegrias. A
partir dessa experiência, você pode então meditar
sobre a clara luz e o corpo ilusório”. Ele
continua: “Todos os métodos para levar as
energias de vento para dentro do canal central e
para energizar esses quatro estados de bem-
aventurança estão baseados na meditação da
chama interior”. A grande sabedoria mahamudra
simultaneamente nascida provém das quatro
alegrias. Estas, por sua vez, provêm da
meditação da chama interior, que depende da

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 338
Segredos do Antigo Tibet

entrada dos ares no canal central. Sem esses


auspiciosos métodos tântricos, a iluminação não
seria efetivada. (idem, 2009, p. 132).

É interessante notar os aspectos que nos levam a


abordar o Tummo dentro deste capítulo sobre o Prānāyāma.
Recordando que Prānāyāma é o controle do prāna, e, no
contexto do Yoga, todo esforço é conduzido com a
premissa de que “Yoga é a supressão das agitações na
substância mental; assim, ‘aquele que vê’ se manifesta em
sua natureza mais autêntica” (Yoga Sutras, I: 2-3),
notamos no Tummo todas as características fundamentais
que o enquadram dentro dessa lógica elementar. Grosso
modo, trata-se de um trabalho realizado pelo controle do
prāna que visa, justamente, essa finalidade exposta por
Patañjali e ilustrada por Lama Yeshe na citação acima. Isso
nos mostra, mais uma vez, a proximidade entre
fundamentos que norteiam o Yoga Tibetano e aqueles que
orientam o Yoga Indiano.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 339
Segredos do Antigo Tibet

Com relação aos exercícios respiratórios mais


propriamente ditos, notamos sua grande presença no meio
yogue tibetano, com as características básicas que possuem
em sua versão indiana. Sequências com tempo determinado
de inspiração, retenção, exalação e retenção com pulmões e
barriga vazios também são presentes nas orientações, e, em
casos como o Yantra Yoga, muitas vezes essas sequências
estão relacionadas ao movimento corporal com exercícios
físicos (NORBU, 2008).

Uma técnica bastante presente em diversas tradições


tibetanas é a denominada “As 9 respirações de
purificação”. Trata-se de um trabalho preliminar de
equilíbrio das forças energéticas e desobstrução dos canais
(tsas) (RINPOCHE, 2005, 2010). Nesse caso, observamos
quatro etapas importantes no processo de desenvolvimento
do exercício: inalação, re-inalação (após o ar da inalação já
ter se acomodado após a inspiração, absorve-se uma porção

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 340
Segredos do Antigo Tibet

a mais de oxigênio), retenção e exalação48. É uma técnica


que, com uma analise mais superficial, lembraria bastante a
respiração polarizada/alternada presente em várias
tradições do Yoga indiano.

É nítida, em casos como esse, a percepção de que,


embora os exercícios sejam diferentes em suas abordagens
e técnicas, o fundamento e a meta permanecem muito
próximos. Senão os mesmos. De fato, a impressão que nos

48
Essa técnica dá para sugerir ao leitor(a). É simples e profundamente
efetiva. Varia um pouco de tradição para tradição, mas podemos passar aqui
essa prática de modo bem suscinto: Em ambas as mãos, toque a ponta do
polegar na base do dedo anelar. Permança com as mãos assim. A partir de
agora, o que o homem fizer de um lado, a mulher o fará do outro. Homens -
sem desconectar a ponta do polegar à base do anelar, feche a narina direita
com a ponta do indicador (ou anelar) e inspire pela narina esquerda.
Visualize uma luz curativa entrando e percorrendo todo o canal lateral que se
liga a essa narina. Para expirar, feche agora a narina esquerda (do mesmo
modo que procedeu com a narina direita) e exale o ar retido pela narina
direita. A energia que penetrou pelo canal esquerdo, limpa e desobstrui o
direito, saindo pelo nariz e promovendo a limpeza do canal direito de
energias associadas à raiva. Proceda dessa forma 3 vezes. Depois, inverta o
lado. Três vezes soltando pela narina esquerda, liberando o canal esquerdo de
energias relacionadas ao apego. Por fim, inspire com ambas as narinas. A
energia penetra pelos canais laterais e, a aproximadamente 4 dedos abaixo do
umbigo, penetram no canal central e, junto com a expiração(por ambas as
narinas também), purifica e desobstrui o canal, saindo pelo topo da cabeça,
na fontanela. Proceda 3 vezes nessa última etapa também. Dessa vez, o canal
é purificado de qualquer traço energético relacionado à ilusão ou ignorância.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 341
Segredos do Antigo Tibet

dá é que são abordagens paralelas concorrendo para uma


mesma meta. São como as duas cordas laterais que
sustentam uma ponte; uma de cada lado, paralelas, mas
ambas levando para o mesmo lugar; a ponte é a mesma.
Talvez uma corda seja de um material, e a outra de outro,
mas a função que realizam é uma só. Como no caso dos
Yogas Indiano e Tibetano, a aparência exterior, vez ou
outra, assume formas distintas, mas a essência dos
ensinamentos e, inclusive, suas bases técnicas
fundamentais, permanecem acentuadamente próximas – e
não seria arriscado dizer “as mesmas”.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 342
Segredos do Antigo Tibet

Figura 24. O autor em bum pa chen བུམ་པ་ཅན་ (sânsc.: Kumbhaka),


praticando em região de florestas. Bum pa chen, em tibetano, refere-se à
retenção do fôlego inalado durante exercício respiratório. Os tibetanos,
geralmente, mantêm os braços esticados como na foto durante esses
exercícios, a fim de manterem a espinha ereta e permitirem que os ares vitais
penetrem mais facilmente no Tsa-Uma.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 343
Segredos do Antigo Tibet

PRATYĀHĀRA ༀ

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 344
Segredos do Antigo Tibet

Finalmente adentramos nas paragens dos āngas (ou


passos) mais introspectivos da prática do Yoga, de acordo
com as orientações básicas sugeridas por Patañjali.
Agora a energia pode se voltar totalmente para a
investigação interna. As normas de conduta, para com o
ambiente, os outros e para consigo mesmo, através das
prescrições e proscrições yogues dos Yamas e Niyamas, o
aprumar da postura, tanto interna quanto externa do Āsana,
e o controle das correntes de prāna que se entrelaçam com
a corrente vital dos pensamentos, formando uma dança
constante, através do Prānāyāma, deixaram o adepto do
Yoga preparado para a grande viagem rumo ao centro de si
– e, poderíamos acrescentar, sem pestanejarmos, ao centro
do próprio Universo, à Realidade Absoluta.
A energia que, antes, estava totalmente focada,
projetada e estagnada no mundo exterior através das
intérminas distrações e automatismos existenciais do ser
humano, agora pode ser recolhida e redirecionada. Não em
caráter de exclusividade, pois a sensatez nos aconselha que

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Yoga Tibetano: 345
Segredos do Antigo Tibet

em tudo deve haver um um senso equilíbrio, mas agora os


passos iniciais da prática já auxiliaram o yoguin a acender a
luz interior com o combustível que, até então, estava sob
monopólio da investigação externa.
No Yoga Sutras, lemos:

“54. Na ausência de contato com seus objetos, os sentidos buscam a


natureza de citta, o que é pratyāhāra [recolhimento]. [Os sentidos se
voltam para dentro, em direção à sua natureza autêntica]

55. Daí se obtém a completa subjugação dos sentidos [indriyāni]”.

Ou seja, Pratyāhāra é abstrair-se das influência


externas, através do recolhimento da atenção para o interior
do ser, e não mais distrair-se com os objetos perceptíveis
aos sentidos.

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Yoga Tibetano: 346
Segredos do Antigo Tibet

Os conceitos de Pratyāhāra, Dhāranā, Dhyāna e


Samādhi sempre estiveram, de uma forma ou de outra,
presentes nas grandes tradições espirituais e de sabedoria
da humanidade. Com outros nomes. Com outras
“roupagens”. Mas atendendo às mesmas necessidades e
buscando os mesmos objetivos.
Desde o deslumbramento de Sócrates ao pórtico de
Delfos, diante do “Homem, conhece-te a ti mesmo”, a
busca pelo verdadeiro Self, o Si-mesmo insofismável, vem
se constituindo a busca legítima de místicos, artistas,
cientistas, espiritualistas, religiosos, psicólogos e yogues ao
redor do mundo desde há muito tempo.
Onde há um ser humano, há o intento dessa busca –
seja ela levada a cabo ou não. Revestida com esse ou
aquele conceito. Relacionada a esta ou àquela linha de
pensamento. De forma aberta ou mesclada a outras
investigações.
Porque é a busca do homem por si mesmo.
Pratyāhāra trata-se, no contexto do Yoga, de uma
investigação dessa dimensão progressivamente

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Yoga Tibetano: 347
Segredos do Antigo Tibet

introspectiva do ser humano rumo à Fonte de seu próprio


ser, após ter havido o adequado preparo inicial (não dá para
“voltar-se para dentro” com o corpo doendo, os
pensamentos agitados, uma conduta desregrada e a energia
mórbida).
Pratyāhāra, segundo nos expõe Patañjali e outros
grandes sábios do contexto yogue, é o recolhimento. O
recolhimento para dentro de si.

Pratiahara. Se a razão de um homem


sucumbe ao impulso de seus sentidos, ele está
perdido. Por outro lado, havendo controle rítmico
da respiração, os sentidos, em vez de correrem
atrás de objetos externos de desejo, voltam-se
para o interior do homem, e ele fica livre de sua
tirania. Este é o quinto estágio da ioga; a
pratiahara, onde os sentidos são controlados.
(IYENGAR, 2006, p. 48).

Em outras palavras, é preservar a mente da


influência externa advinda da percepção sensória. Isso a
obriga a concentrar-se em si mesma, pois não há nada mais
exigindo sua atenção que não o seu próprio funcionamento
e atividade.

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Yoga Tibetano: 348
Segredos do Antigo Tibet

Ao estudarmos os textos clássicos do universo


yogue, passando pelos Vedas, os Upanishads (final dos
vedas), e outros textos relacionados ao contexto da
espiritualidade indiana – Bhagavad-Gita, Avadhuta-Gita,
Viveka-Chudamani, etc., perceberemos que, considerados
formalmente yogues ou não, esses textos trazem sempre a
temática do recolhimento dos sentidos. Do olvidar o mundo
exterior e trazer a atenção exclusivamente para dentro.
Na verdade, no contexto de uma prática bem
orientada, vemos que esse “recolhimento” está presente, em
constante desenvolvimento, mesmo a partir de Yama.
Diante da orientação de Yama e Niyama (grosso
modo: não-violência, verdade, não-roubar,
equilíbrio/controle sensual, desapego, pureza,
contentamento, disciplina/austeridade, estudo-de-si e
entrega ao Iswara), o praticante já está empregando a
disciplina do “recolhimento” ao não ser vítima das
influências externas, dos apelos dos sentidos, das normoses
sociais e culturais, ou seja, antes de proceder como as
outras pessoas, ele recolhe-se para dentro de si e se

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Yoga Tibetano: 349
Segredos do Antigo Tibet

pergunta: “Isso que irei fazer desvia-me do caminho do


equilíbrio, da saúde e da paz?”. Ou seja, a razão subjuga as
influências do meio e o sujeito se torna autoconsciente.
Maduro. Como Paulo fazia ao dizer: “Tudo me é lícito, mas
nem tudo me convém” (I Cor 6,12). Isso, por si só, já
demonstra um início gradual de Pratyāhāra – a mente é
soberana dos sentidos e suas influências, não o contrário.
Da mesma forma, quando a prática de āsana é
consciente, o recolhimento já está sendo estabelecido:
Quando deixa de ser apenas uma prática estética,
meramente exterior e para fins físicos imediatistas, e passa
a ser um “assentar-se” dentro de si mesmo, ainda que o
indivíduo esteja “com os pés atrás da cabeça”, mas
trazendo à tona o valor psicológico que cada postura e
exercício evocam e visam despertar. Isso, de alguma forma,
já nos parece a presença de Pratyāhāra se fazendo sentir.
Com Prānāyāma, a mesma coisa. Quando a atenção
está focada no controle da força vital, e sua relação com a
mente, o yogue ou yoguine demonstra aptidão nesse

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Yoga Tibetano: 350
Segredos do Antigo Tibet

“recolhimento”, pois só assim o Prānāyāma consegue êxito


e obtém-se maestria sobre ele.
Pratyāhāra, por fim, é apenas o culminar natural
desse percurso sistemático. Tudo, em Patañjali, é natural e
concorre para o passo seguinte, pois cada passo (ānga) se
faz presente, de alguma forma ou de outra, naquele que o
sucede.
Dessa forma, podemos observar que Dhāranā e
Dhyāna são o desenvolvimento de Pratyāhāra, e Samādhi
seu coroamento.
Nos textos tibetanos, contudo, esse caráter de
“recolhimento” está tão impregnado, tão implícito, como
condição sine qua non para o avanço no Caminho, que é
difícil elencarmos este ou aquele trecho a fim de
argumentarmos que ali se está falando de algo como o
Pratyāhāra. Porque quase toda a filosofia budista que
permeia a mentalidade do Yoga Tibetano traz esse apelo
em si, o recolhimento, a aquietação. E isso se deve,
fundamentalmente, à história do grande ícone do Budismo:
Sidharta Gautama, o Buddha Sakyamuni.

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Yoga Tibetano: 351
Segredos do Antigo Tibet

Buddha atingiu a iluminação através de um processo


de recolhimento interior. Em verdade, foi a meditação o
processo utilizado, mas, sabiamente, quando Patañjali
descreve os āngas do Yoga, ele sabe que a meditação
(Dhyāna) não ocorre por si mesma sem prévia disciplina,
por isso, não é um passo isolado e único. É necessário
“fisgar” a mente até que ela, repentinamente, “escorregue”
de forma espontânea para o estado meditativo legítimo. Por
isso, colocou duas etapas específicas anteriores:
Pratyāhāra e Dhāranā. Em outros termos, o recolhimento
da influência da percepção dos sentidos e a concentração.
O próximo passo, tanto naturalmente quanto
metodicamente, é a meditação. Patañjali sabia que a
meditação não pode ser “forçada”. Ela deve brotar
espontânea. E apontar para Pratyāhāra e Dhāranā é a
maneira como ele pôde apresentar a meditação dentro desse
caminho de espontaneidade, passo-a-passo, de confluência
sem resistência; como um escorregador em que uma
criança deseja escorregar, Patañjali coloca Pratyāhāra e
Dhāranā como a estrutura e os degraus da escada para

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Yoga Tibetano: 352
Segredos do Antigo Tibet

levar a criança ao topo do brinquedo. Chegando lá, a


gravidade fará o resto. E, com relação à meditação, o
processo é semelhante, conforme asseguram os mestres.
A meditação precisa acontecer por si só. É onde o
silêncio interno aflora com naturalidade: não há hipótese de
enxerto, a semente deve ser cultivada desde o claustro da
terra. À guisa de alegoria, podemos identificar os
precedentes āngas expostos por Patañjali como água,
adubo e condições climáticas específicas para o
desabrochar dessa flor.
Não apenas para a meditação, Pratyāhāra permite
ao yogue ou yoguine permanecer em paz em meio à
balbúrdia da agitação alheia, muito útil, a bem se ver, em
um mundo muitas vezes conturbado como o nosso.
Contudo, conforme dissemos, no ambiente budista a
prática está tão orientada para essa busca interna que
“recolher-se da influência dos sentidos” soa quase como
redundância.
A busca que se visa empreender já considera esse
“recolhimento” das influências sensórias como um ponto

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Yoga Tibetano: 353
Segredos do Antigo Tibet

de entrada (e algo elementar) para a jornada interior rumo à


Realidade Absoluta.
Olhar para a mente, nesse contexto, é premissa
fundamental para iniciar-se uma busca mais profunda da
existência, conforme elencam os ensinamentos. Entender a
mente (olhando-se para ela), para superar a noção de
personalidade separada e o egoísmo, assim como obter
juízo verdadeiro acerca de todos os fenômenos, é
preocupação muito antiga no meio budista.

Da mesma maneira, embora a Mente


seja uma, Ela se manifesta nas muitas mentes. O
Macrocosmo não é separável do Microcosmo;
nem o Um nem os Muitos podem ter qualquer
existência real separados uns dos outros. Sendo o
aspecto individualizado, ou pessoal, que a mente
microcósmica (ou consciência) assume em seus
próprios olhos, o ego, ou eu, ou alma, é ilusório;
o percebedor de fenômenos não-iluminado, ou
não-despertado espiritualmente, que depende,
para seu caráter pessoal ilusório, de seu sentido
de separação e da interminável corrente de
impressões sensoriais derivadas de seu contato
com formas e com o universo externo. Assim, os
fenômenos dão existência relativa ao ego, bem
como ao mundo, que o ego percebe

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Yoga Tibetano: 354
Segredos do Antigo Tibet

erroneamente como algo que está fora ou


separado dele. (EVANS-WENTZ, 1993, p. 50).

E, como se anseia alcançar o estado além-ego e


transcender a experiência mundana, em comunhão com a
Eterna Fonte dos fenômenos, com o Númeno, o Imanifesto,
o Absoluto, esse “recolhimento” está sempre presente
como idéia inerente.

Talvez, o exemplo máximo da aplicação prática


dessa noção, por parte dos tibetanos, se manifeste em suas
práticas de retiro.

A prática é razoavelmente famosa, tendo se


destacado no rol das “excentricidades orientais que
chamam a atenção dos ocidentais”. Não era um retiro de
final de semana. O mais famoso é o retiro de 3 anos, 3
meses e 3 dias. Alguns chegavam a durar 12 anos. Ou mais.

Talvez tenha sido essa entusiasmante fama que


tenha levado o famoso psicólogo Pierre Weil a

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Yoga Tibetano: 355
Segredos do Antigo Tibet

experimentar, por ele mesmo, um desses retiros (WEIL,


2005).

Fomos informados do ritmo diário que


seria seguido, sem interrupção, durante os três
anos. Na parte da manhã, a gente se levantava às
4 horas e meditava até às 7 horas. Depois do
banho, todo mundo se encontrava no templo para
os rituais e celebrações matinais. (...)

Depois do templo, íamos tomar café da


manhã, às 8 horas. Das 9 horas até o meio-dia,
cada um de nós se retirava para o seu barracão a
fim de fazer as suas práticas meditativas, até que
o sino nos chamasse para o almoço na cozinha.
(p.p. 75-76).

Enquanto muitos pensariam, aliviados, que as


práticas se encerravam por aí e que, à tarde, haveria
“descanso”, a história era bem diferente:

(...)

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Yoga Tibetano: 356
Segredos do Antigo Tibet

Depois do almoço e de um curto


intervalo, às 2 horas, o tempo era reservado para
os ensinamentos até às 3 horas. Logo em seguida
voltávamos para os nossos bangalôs para meditar
até às 6 horas. Nessa hora, o sino tocava
novamente para a gente praticar orações e rituais
no templo. De lá, íamos direto para a cozinha
jantar e, das 7h30 às 9 horas, nova sessão de
meditação. Às 9 horas da noite, só nos restava
entregar-nos aos braços de Morfeu. No dia
seguinte, começava tudo de novo. (idem, 2005,
p. 76).

Os yogues, em muitos casos, eram levados a


isoladas cavernas, cabanas ou celas de meditação, para
passarem ali, sem contato com o mundo externo – ou seja,
reduzindo ao máximo a influência dos sentidos – por um
período de vários anos.

Obviamente, o retiro que Pierre Weil encontrou


não era em uma caverna nos confins do Himalaia, mas em

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Yoga Tibetano: 357
Segredos do Antigo Tibet

um centro de retiro, com acomodação e alguns pequenos


confortos, além de relativa convivência.

Mas, ainda assim, esse é um modo dos praticantes


tibetanos revelarem o caráter totalmente pragmático que
eles dão à sua filosofia. É necessário praticar. E, para
praticar, tem que haver o recolhimento. E eles levam isso
muito a sério.

Lembro de Kyabje Trijang Rinpoche,


Tutor Júnior de Sua Santidade o Dalai Lama,
dizer em seus ensinamentos que, quando chega a
hora de praticar, muitos intelectuais têm de
procurar mendigos na rua em busca de
conselhos. (...)

Existem muitos monges levando vidas


ascéticas em Dharamsala na Índia, onde vive Sua
Santidade o Dalai Lama. Embora talvez não
sejam muito cultos, passam muitos anos
meditando e fazendo retiro em pequenas cabanas
nas encostas das montanhas. Por outro lado,
existem outros monges muito cultos que não
querem viver vidas ascéticas. Aqueles que vivem
em retiro na montanha realmente tentam
experimentar o Dharma e acho que são bem-
sucedidos. Eles provam o chocolate, enquanto os

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Yoga Tibetano: 358
Segredos do Antigo Tibet

eruditos famosos deixam-no passar. No fim, não


importa quem você é; se quer experimentar algo,
tem de ir ao local onde possa experimentar.
(YESHE, 2009, p.p. 53-54).

E talvez seja esse pragmatismo da mentalidade


yogue tibetana que absorve, em si, o conceito de
Pratyāhāra não como mera especulação técnica/teórica,
mas como um elemento indispensável e inseparável da
prática. De fato, nos textos que utilizamos nesta pesquisa,
não se vê o emprego da palavra sânscrita Pratyāhāra, mas
durante o tempo todo os textos nos remetem de forma
muito cristalina a essa ideia e sua inseparabilidade da
espiritualidade tibetana, na qual o Yoga Tibetano finca suas
raízes.

Sobre este assunto, não nos resta mais o que falar


de modo específico. Ou melhor, ele se torna específico
quando o conceito trabalhado neste capítulo se mescla aos
assuntos dos próximos. Por isso, vamos a eles para
entendermos esse canário de modo mais abrangente.

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Yoga Tibetano: 359
Segredos do Antigo Tibet

DHĀRANĀ ༀ

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Yoga Tibetano: 360
Segredos do Antigo Tibet

O próximo passo (ānga) descrito por Patañjali é


Dhāranā. Derivada da raiz sânscrita dhri, a palavra
Dhāranā significa retenção, concentração. É o concentrar
unidirecionado da mente em um determinado ponto. É o
estabelecimento em um foco por parte daquela que está tão
acostumada a vagar de pensamento em pensamento que é
chamada pelos indianos de “macaco louco” – sempre
pulando de galho em galho, de desejo em desejo, de
pensamento em pensamento: A mente.

Como a etapa precedente foi o recolhimento, ou


seja, a abstração da influência sensória, agora Patañjali nos
mostra que a mente (manas) necessita de um objeto sobre o
qual possa se ancorar, de modo a não vagar dispersa.

Isso mostra que ele sabia que não adianta apenas


recolher-se da influência dos sentidos. Se fosse só isso,
qualquer indivíduo que fosse cego e surdo, ao mesmo
tempo, seria um grande yogue. Mas Patañjali percebeu que

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Yoga Tibetano: 361
Segredos do Antigo Tibet

a mente continua a vagar ainda que privada da influência


físico-sensória.

É necessário uma “isca”. Algo que possa fisgar a


mente e lançá-la diretamente a um estado de contemplação.
Ela precisa de um foco, e Patañjali soube atentar a essa
questão. Em linguagem filosófica, poderíamos dizer que ele
viu a necessidade de fixar a mente em um único ponto
central, como portal para que o praticante pudesse adentrar,
conforme a poética linguagem druídica ilustraria, naquele
Grande Círculo do Vazio, cujo “ponto central está em todas
as partes e a circunferência em parte alguma”.

No Yoga Sutras, lemos a seguinte passagem, ao


segundo capítulo:

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 362
Segredos do Antigo Tibet

“20. O percebedor é a própria medida da percepção. Embora puro,


apreende apenas suas próprias convicções”.

O trecho acima nos revela o caráter subjetivo do


observador impregnado naquilo que, por ele, é observado.
Dessa forma, revela-se o caráter de projeção do próprio
psiquismo do individuo sobre aquilo que “ele vê”. Os
grandes yogues, mestres do presente e do passado,
souberam tirar proveito desse axioma psicológico e
fundamentaram na ciência da concentração alguns
importantes mecanismos para o praticante imergir, cada
vez mais, na experiência do autoconhecimento.

Como o percebedor é a própria medida da


percepção, conforme enfatiza Patañjali, é através da
focalização sistemática e contínua em um único objeto ou
ponto de concentração que o indivíduo pode perceber-se a
si mesmo naquilo que ele enxerga e, daí, penetrar em um
campo de grande intimidade com seu próprio Self. Além do
mais, a própria mente, se estabilizando em um único foco,
acaba por esvanecer seu caráter de agitação, cedo ou tarde,

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Yoga Tibetano: 363
Segredos do Antigo Tibet

e acaba “cedendo as rédeas”, “saindo do controle”, e


“liberando” o praticante, cada vez mais, para os domínios
de Dhyāna (meditação).

É, por excelência, um mecanismo para trazer a


mente para o “aqui e agora”.

Dharana. Quando o corpo foi temperado


pelas asanas, quando a mente foi refinada pelo
fogo do pranaiama e quando os sentidos foram
controlados por pratiahara, o sadhaka atinge o
sexto estágio, chamado dharana. Aqui ele está
concentrado totalmente num só ponto ou numa
tarefa na qual está completamente absorvido. A
mente precisa ser imobilizada para atingir esse
estado de absorção completa. (IYENGAR, 2006,
p. 51).

Interessante notar essa ênfase dada à absorção no


momento presente, no “aqui e agora”, como ponto de
entrada para uma compreensão mais profunda de si mesmo
e despertar para o Self.

Em uma fala sobre a iluminação, ou a conquista do


estado sem-ego, o espiritualista alemão Eckhart Tolle

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Yoga Tibetano: 364
Segredos do Antigo Tibet

enfatizou que, conforme já citado ao início do livro: “O


estado que você quer alcançar é um conceito mental que
duela com o ser. Você nunca pode alcançá-lo porque é um
conceito abstrato de quem eu quero ser, não percebendo
que você já é ele agora. Então, o estado sem-ego nada tem
a ver com o futuro. Você não pode torná-lo uma meta. (...)
Meta implica futuro. Porque o verdadeiro ponto de entrada
para o estado de sem-ego (ou iluminação) é o momento
presente. Se você torná-lo uma meta que quer alcançar,
você perde o ponto de entrada”.

Diante desse imperativo, parece-nos que Dhārana, a


absorção focal da mente em um único ponto, estabilizando
as ondas de agitação da substância mental, cortando as
ilusões de passado e futuro, predispõe o yoguin aos
estágios mais avançados do Yoga, o portal de contato com
o Ātma, a percepção da unidade do próprio Self com o Si-
Mesmo Universal, a Realidade Absoluta.

No contexto do Yoga Tibetano, verificamos que esse


recurso é utilizado, sem reservas, de maneira muito vasta,

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Yoga Tibetano: 365
Segredos do Antigo Tibet

dinâmica e criativa. Empregando imagens mentais,


visualizações poderosas, e acuradíssimas técnicas de
concentração, os yogues e yoguines tibetanos parecem ter
um especial apreço em dominar a arte da concentração.

Nas obras estudadas para este trabalho, sempre


pudemos nos deparar com menções a exercícios de
visualização cujo escopo era atingir uma maior acuidade de
concentração que, por sua vez, possibilitaria ao yoguin
imergir cada vez mais nos estados meditativos-
contemplativos.

Rinpoche (2010), Evans-Wentz (1993) e Yeshe


(2009), principalmente, enfatizam exercícios cuja meta é
estabilizar a mente em um único ponto. Não
necessariamente como uma finalidade em si, mas como
uma preparação para se atingir conquistas yogues mais
elevadas.

Em especial, destacamos aqui a obra A Ioga


Tibetana e as Doutrinas Secretas, do emérito pesquisador

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Yoga Tibetano: 366
Segredos do Antigo Tibet

W. Y. Evans-Wentz.

Nesse título, conforme já dissemos, o autor reúne


diversos textos originais utilizados pelos grandes yogues
tibetanos e, com a ajuda do Lama Kazi Dawa-Samdup,
disponibiliza aos leitores cópias traduzidas de inúmeras
técnicas cujo caráter nos remete ao objetivo do Dhāranā
descrito por Patañjali.

Comecemos a analisar alguns excertos. O autor nos


disponibiliza a tradução, do tibetano, de um valioso texto
intitulado “O Caminho Nirvânico: A Ioga do Grande
Símbolo” (EVANS-WENTZ, 1993, p.p. 126-159). Após as
instruções preliminares e as iniciais, nos deparamos com a
segunda parte do texto, chamada de “O Assunto Essencial”.
Neste ponto, comunica-se que haverá uma divisão em duas
partes do restante do texto: as Práticas Ordinárias e as
Práticas Extraordinárias.

No que concerne às Práticas Ordinárias, nos


deparamos com a seção “A Primeira das Práticas

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Yoga Tibetano: 367
Segredos do Antigo Tibet

Ordinárias: A Ioga do Unidirecionamento”. É nesse trecho,


em especial, que encontramos um material que, em seus
pressupostos e orientações práticas, verifica-se intensa
semelhança com os princípios do Dhāranā indiano.

Para uma análise mais aclarada, iremos realizar a


citação de alguns importantes trechos (EVANS-WENTZ,
1993, p.p. 132-133):

[A PRIMEIRA DAS PRÁTICAS ORDINÁRIAS:

A IOGA DO UNIDIRECIONAMENTO]

(23) A primeira dessas duas partes, a saber:


Buscar a Experiência do Estado de Repouso, que é o
objetivo da meditação, por meio da prática da Ioga do
Unidirecionamento, pode ser praticada com ou sem
objeto [no qual se concentrar]. Se se usar um objeto,
pode ser um objeto dotado ou não de respiração.

[A UTILIZAÇÃO DE UM OBJETO NÃO-

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Yoga Tibetano: 368
Segredos do Antigo Tibet

RESPIRANTE]

(24) Duas classes de objetos não respirantes


estão prescritas: Objetos Ordinários, como uma bolinha
ou um pedacinho de madeira49; Objetos Sagrados, como
[simbolizações] da forma do corpo, da fala [ou palavra]
e da mente [ou pensamento] do Buda.

[A Concentração Numa Bolinha ou Num


Pedacinho de Madeira]

(25) Segue-se o método de usar os objetos da


primeira classe, a saber: um objeto ordinário, tal como
uma bolinha ou um pedacinho de madeira.

(26) Coloca uma bolinha, ou um pedacinho de


madeira50, na tua frente à guisa de um objeto sobre o

49
“A bola pode ser feita de qualquer substância – madeira, osso, metal,
argila, vidro ou cristal; e o pedaço de madeira pode ser de qualquer formato”.
(Nota do Autor).
50
“Com muita frequência se trata de um bastão comum, plantado no chão da
caverna ou do lugar de meditação por uma de suas pontas”. (Nota do Autor).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 369
Segredos do Antigo Tibet

qual concentrarás teu pensamento. Não permitas que o


“Conhecedor”51 se disperse ou tente se identificar com o
objeto; mas fixa teu olhar atento unidirecionalmente no
objeto.

(27) Medita sobre teu guru como se ele estivesse


[sentado] na coroa da tua cabeça52. Olha para ele como
se ele fosse, na verdade, o Buda. Peça a ele, utilizando a
Prece Manam-Khama.53 [E acrescenta o seguinte pedido

51
“Text.: Shes-pa (pronunciado She-pa): ‘Mente’, ‘Conhecedor’, isto é, a
mente em suas funções conhecedoras ou cognitivas”. (Nota do Autor).
52
“Na coroa da cabeça, exatamente na junção dos ossos parietais do cérebro,
está a ‘Abertura de Brahma’ (sânscrito, Brahmarandhra), de onde, segundo
os ensinamentos iogues, o princípio-consciência normalmente sai do corpo,
ou permanentemente por ocasião da morte, ou temporariamente em transe
samádhico. A visualização do guru sentado sobre a coroa da cabeça, então,
possui significância esotérica para o ioguim”. (…) (Nota do Autor).
53
“Text.: Ma-nam-mkhah-ma (pronunciado Ma-nam-kha-ma). Há aí uma
referência ao fato de as mães serem tão infinitas em número quanto os céus.
As mães são assim consideradas por causa da crença de que todo ser
senciente foi uma mãe em algum tempo no curso dos inumeráveis ciclos de
renascimento e remortes. (…) A prece:
‘Nós, Mães, que igualamos em infinidade de número os céus, em
infinidade de extensão todos os seres sencientes,
Procuramos refúgio no Guru, o Buda como Dharma-Kāya;
Procuramos refúgio no Guru, como Sambhoga-Kāya;
Procuramos refúgio no Guru, o gracioso Nirmāna-Kāya;
Procuramos refúgio no Buda, o Precioso.
Que a mente de todos os seres sencientes se volte para a Doutrina,
E que a carreira religiosa de cada um deles seja coroada de êxito;

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 370
Segredos do Antigo Tibet

à tua prece]: “Concede-me Tuas ‘ondas de dádivas’,


para que eu possa conseguir o mais elevado benefício do
Grande Símbolo.”54

(28) Depois, tendo orado pelas “ondas de


dádivas” que conferem o benefício, absorve-a em ti.
Pensa que tua mente está ligada à Mente Divina
[dos Gurus].55 E permanece nesse estado de re-
conciliação [mental] o maior tempo possível.

(29) Reporta ao guru [a intervalos

Possam os erros do Caminho serem dissipados,


E os próprios erros serem transmutados em Sabedoria.’
Os “Três Corpos Divinos” constituem três estágios na evolução
espiritual do estado humano para o estado divino”. (…) (Nota do Autor).
54
“As ‘ondas de dádivas’ são ondas de energia psíquica, que estimulam o
desenvolvimento espiritual e auxiliam enormemente o aspirante a buscar a
Iluminação Nirvânica, a dádiva mais superior das práticas iogues do Grande
Símbolo. Essas ‘ondas de dádivas’ são enviadas telepaticamente pelos gurus,
alguns dos quais estão na Terra, outros nos reinos super-humanos. É a
outorga dessas ‘ondas de dádivas’, também conhecida como ‘outorga de
poder’, que constitui a verdadeira iniciação espiritual”. (Nota do Autor).
55
“O discípulo deve atingir uma re-conciliação, tanto com seu guru humano
quanto, por intermédio dele, com os gurus super-humanos da sucessão
apostólica, para trilhar o Caminho com segurança e êxito. A mente humana
deve ser purificada com a Espiritualidade dos Mestres e estar misticamente
unida à Todo-mente, ou Todo-consciência, para atingir o Grande Objetivo”.
(Nota do Autor).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 371
Segredos do Antigo Tibet

regulares] quaisquer experiências por que tua


mente passe e continua meditando.

(30) Se fores oprimido [pela sonolência],


fixa o olhar, meditando num lugar de onde se pode
ver uma vasta parte do país. Se a mente ficar
preguiçosa, faze uso também deste método [para
revigorar] e disciplina-a com uma concentração
imperturbada.56 Se a mente estiver inquieta [ou
errante], senta-te dentro do eremitério, abaixa o
olhar e faze do relaxamento [corporal e mental] o
objetivo principal [do momento].

Nesse breve excerto já podemos notar a importância


que se dá ao unidirecionamento da mente no trabalho
yogue dos tibetanos. Desde a disposição de um simples
objeto como uma bolinha ou um pedaço de madeira à

56
“Meditação prolongada pode causar cansaço do corpo e da mente, levando
à preguiça e à indolência. Como distração, e para vencer esses obstáculos, o
ioguim aqui é orientado para ir para um lugar, como o topo isolado de uma
colina, onde, olhando para toda a paisagem, o olhar se fixa e a mente se
refresca, de maneira que ele pode continuar meditando”. (Nota do Autor).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 372
Segredos do Antigo Tibet

frente do praticante, até recursos mais sofisticados,


ampliando ainda mais a dimensão dos objetos de
concentração, passando-os para uma esfera transcendente,
como no caso de visualizações espirituais, jaculatórias e
preces.

Um ponto interessante a destacar aqui é que,


conforme pudemos observar no estudo dos textos e das
práticas, o Yoga Tibetano não parece um trabalho solitário.
Talvez o seja, mas apenas de um ponto de vista material.
Podemos verificar que a prática está sempre em orientação
e comunhão com realidades extrafísicas e seres espirituais.
Ou, ainda, orientada à distância, via telepatia, por algum
guru que se encontra em outro lugar na superfície da Terra,
conforme podemos destacar na nota explicativa do senhor
Evans-Wentz.

Nas técnicas tibetanas do Yoga do sonho e do sono


(RINPOCHE, 2010), por exemplo, constantemente
verificamos uma orientação para a evocação do auxílio de
seres como dakas e dakinis (seres espirituais, masculinos e

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 373
Segredos do Antigo Tibet

femininos, respectivamente), para auxiliarem o


yoguin/yoguine em sua prática. Algumas vezes, a
impressão é que se trata apenas da visualização e evocação
de um arquétipo específico, de caráter simbólico, mas,
noutras, a impressão é de que a relação para com essas
imagens transcende apenas o campo do imaginativo.

É um assunto um tanto delicado de se tratar já que o


Yoga, no ocidente, muitas vezes, para sobreviver, acabou
perdendo seu caráter místico e espiritual. Mas, ao lermos
histórias de grandes yogues e místicos do oriente, como em
Autobiografia de um Iogue, de Paramahansa Yogananda,
ou Vivendo com os Mestres do Himalaia, de Swami Rama,
por exemplo, notamos que essa prática de orientação à
distância e de intervenção de seres de outros planos são de
conhecimento de yogues que fizeram de sua prática o seu
modo de vida. Aliás, trata-se de um conhecimento muito
comum e natural para eles. É um recurso que, embora
distante dos olhos do grande público, é constantemente
utilizado por aqueles que dele têm profundo conhecimento.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 374
Segredos do Antigo Tibet

O próximo exemplo de técnicas de concentração,


dando continuidade ao texto que estávamos citando, já
eleva a dimensão das práticas para um nível mais espiritual,
embora sem esse caráter de orientação extra-física.

Vejamos, juntos (EVANS-WENTZ, 1993, p.p. 133-


134):

[A Concentração Sobre a Forma Corpórea: a


Fala e a Mente do Buda]

(31) As representações empregadas na segunda


classe de objetos não-respirantes, a saber, simbolizações
da forma corpórea, da fala e da mente do Buda: para a
forma corpórea, uma imagem [do Buda]; para a fala,
sílabas; para a mente, algo como a forma de semente [ou
de um ponto]57.

(32) Ao fazer uso do primeiro desses objetos, a


forma corpórea, deve-se possuir uma imagem metálica
[ou de outro material] ou uma pintura [do Buda]. Ou [se

57
“Text.: thiglē (pronunciado tiglē); sânscrito, bijā: ‘semente, ponto’ ou
‘gota’”. (Nota do Autor).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 375
Segredos do Antigo Tibet

pode utilizar] uma visualização da forma corpórea do


Buda, de amarelo a ouro queimado, enfeitada com todos
os sinais e graças [da perfeição espiritual], aureolada de
radiância e vestida com as três vestes da Ordem, e se
pensar que ela esteja sempre na tua frente.

(33) Ao fazer uso do segundo desses objetos, uma


sílaba, como símbolo do princípio da fala [do Buda],
visualiza em tua frente uma imagem de um disco lunar do
tamanho de uma unha e sobre ela a sílaba HŪM,
finamente desenhada como um fio de cabelo58.

(34) Ao fazer uso do terceiro desses objetos, algo

58
“O disco lunar simboliza a dispersão gradual da escuridão da Ignorância
(Avidyā), como o disco da Lua crescente dispersa gradualmente a escuridão
da noite. Comumente, o HŪM ཧཱུྃ
simboliza o princípio-mente, mas aqui ele

representa o princípio-fala, que usualmente é AH ཨ porque esse exercício de


visualização é apenas elementar. (…) HŪM significa ‘Ele é’ ou ‘Ele existe’.
Aqui, como em muitas outras instâncias de nossos textos onde se prescrevem
visualizações silábicas, o estudioso ocidental cujo objetivo é a aplicação
prática desses ensinamentos iogues, sob orientação sábia, pode empregar
antes as formas transliteradas do que as formas tibetanas originais.
Concentração mental apropriada é a coisa essencial; e isso pode ser atingido,
com resultados corretos, com o emprego, de acordo com as instruções, de
qualquer uma das duas formas de sílabas. É importante, todavia,
correlacionar com as formas transliteradas seus valores fonéticos corretos
como sons mântricos”. (Nota do Autor).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 376
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em forma de semente, como símbolo da mente [do Buda],


visualiza uma semente, de forma oval, do tamanho de
uma ervilha, emitindo raios de luz, e maravilhosa de se
possuir, e concentra-te mentalmente sobre ela59.

Vemos, também, a ênfase que se dá ao uso das


sílabas sagradas tibetanas, pequenas fórmulas mântricas,
cuja vibração sonora (verbalizada ou apenas projetada
mentalmente) confere ao meditador um profundo auxílio
em seu processo de concentração. Conforme veremos mais
abaixo, de acordo com algumas citações aqui elencadas,
algumas sílabas tibetanas têm maior relevância no uso de
métodos de concentração. O próprio Om (ॐ), muito

utilizado, em vasta proporção, no contexto do Yoga hindu,

59
“Diz-se que essa semente (bīja) tem seu protótipo tibetano nas
excrescências em forma de pérola encontradas nas cinzas da pira funerária
após a cremação de um Grande Ioguim. (Ver O livro tibetano dos mortos,
págs. 102-03). São consideradas a prova material de que se manifestou na
forma carnal a Força Divina da Mente Bódhica, ou do Dharma-Kāya,
refletida em dois reflexos, o Sambhoga-Kāya e o Nirmāna-Kāya. Da mesma
maneira, a visualização deve ser feita como se glorificada por uma radiância
divina”. (Nota do Autor).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 377
Segredos do Antigo Tibet

reaparece no contexto budista, como modo de concentrar a


mente e expandir a consciência rumo ao Infinito de si
mesma. Om é a vibração primordial universal, o Logos,
pelo qual o Imanifetso expressou sua Essência em forma de
existência.

Apesar do mesmo som e mesmo princípio filosófico,


o Om tibetano é grafado de forma ligeiramente diferenciada
de seu desenho indiano (devanāgarī).

Conforme podemos verificar na ilustração abaixo:

Figura 24. Om (Aum) em representação indiana e, ao lado direito, o


Om (Aum) em sua representação tibetana60.

60
Tanto na Índia quanto no Tibet, essas não são as formas exclusivas de se
escrever o “Om”, já que não há um único alfabeto utilizado por esses povos.
Na Índia, por exemplo, temos a forma tamil, telugu, a forma jainista, etc.
Contudo, adotamos aqui as formas mais populares.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 378
Segredos do Antigo Tibet

Nos exercícios que se seguem, a ênfase no uso


dessas fórmulas mântricas continua a ser intensificada, de
forma a amplificar, de igual modo, a própria concentração.

De forma mais especial, junto com o Om, outras


duas sílabas tibetanas aparecem com considerável
frequência nos exercícios de mantra e visualização.

São elas o AH tibetano e o Hung (HŪM)61:

Figura 25. As sílabas tibetanas “Om”, “Ah” e “Hung”.

61
Em tradições como o Dzogchen, há outra sílaba de grande importância,
que é o A ( ཨ). Segundo Rinpoche (2005), “O A representa a base pura de
toda experiência, o vazio e a luminosidade inseparáveis”. (p.112).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 379
Segredos do Antigo Tibet

Nos exercícios que veremos abaixo, extraídos da


obra de Evans-Wentz (1993, p.p. 134-137), essas fórmulas
serão bastante exploradas pelo yoguin ou yoguine.

Seguem eles:

[O USO DE OBJETOS RESPIRANTES]

(35) No segundo método [de conseguir


concentração mental], com o uso de objetos respirantes,
empregam-se a Recitação Dorje62 e a “Forma de
Pote”.63

(36) O primeiro procedimento, ao empregar a


Recitação Dorje, consiste em:

Enquanto manténs a tranquilidade corporal e

62
“Text.: Rdo-rje-hi-bzlas-pa (pronunciado Do-rje-yi-day-pa); sânscrito,
Vajra Japa: ‘Recitação Dorje (ou Mística)’, que é uma contagem inaudível
das respirações, como as orientações que seguem deixarão claro”. (Nota do
Autor).
63
“Text.: Bum-chan, com referência à prática iogue tibetana de obrigar o
abdomen a tomar a forma de um pote de barro (…)”. (Nota do Autor).

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Yoga Tibetano: 380
Segredos do Antigo Tibet

mental, concentra a mente em cada inalação e exalação


do ar até à exclusão total de tudo mais. Conta [em voz
baixa] uma a uma até 21.600 respirações. Isso te
capacita a conseguir perícia no conhecimento do número
de exalações e inalações [diárias]64.

(37) Depois, toma nota de quando a respiração


começa [quantos segundos após a exalação] e de que
maneira o ar entra. E considera se o ar entra em mais de
uma parte do corpo.

(38) Em virtude dessas práticas, a mente segue a


entrada e a saída do ar [e, como a respiração, torna-se
rítmica]. Assim, se fica bem familiarizado com a

64
“Os tibetanos que moram nas serranias do Tibete, de 12.000 a 15.000 pés
acima do nível do mar, possuem uma capacidade pulmonar muito maior que
a do europeu comum. Como o ar dessas altitudes elevadas contém
proporcionalmente menos oxigênio do que o ar das altitudes baixas, esses
tibetanos inalam um volume de ar maior do que o que inalamos para absorver
oxigênio suficiente. A natureza os ajustou ao seu ambiente. Deve-se fazer um
teste para determinar se o número de suas respirações num determinado
período de tempo é normalmente maior ou menor do que o nosso. De
qualquer maneira, os gurus tibetanos afirmam, como os gurus hindus, que sob
condições normais seriam feitas cerca de 21.600 respirações (considerando-
se como respiração o conjunto de uma inalação e uma expiração) por dia de
24 horas, 900 por hora e 15 por minuto. A intenção de contar as respirações é
tornar a respiração regular e rítmica, para harmonizar o corpo de forma
iogue”. (Nota do Autor).

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Yoga Tibetano: 381
Segredos do Antigo Tibet

natureza do processo de respiração.65

(39) Então, mantendo a mente concentrada no


processo de respiração, observa como o ar passa da
ponta do nariz [pelas aberturas das narinas] até o centro
dos pulmões, como ele se origina [ou começa] e quanto
tempo dura [antes de o ar ser exalado]. 66

(40) Por meio desta prática, pode-se conhecer,


justamente como são, as cores, a duração e o período de
retenção de cada respiração.67

(41) Depois, observando a condição dos cinco


elementos fundamentais [no corpo, a saber, terra, água,
fogo, ar e éter], cada um de per si, separado de qualquer
outro, o aumento ou o decréscimo do número de

65
“Não se exige do discípulo tibetano que ele tenha um entendimento muito
claro de como se desenrola o processo de respiração; daí ele ter de o
analisar”. (Nota do Autor).
66
“É bom o estudioso lembrar que, segundo a Ioga, a parte de ar inalado que
dá vida não é principalmente o oxigênio, que é absorvido pelo sangue pelo
funcionamento dos pulmões, mas o prāna, ao qual nos referimos acima como
sendo essencial a todas as atividades psicofísicas do corpo”. (Nota do Autor).
67
“Dado que o ar enchente da inalação é puro e transparente, diz-se que sua
cor é pura; dado que o ar vazante da exalação é impuro e não transparente,
diz-se que sua cor é impura”. (Nota do Autor).

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Yoga Tibetano: 382
Segredos do Antigo Tibet

inalações e exalações deve ser notado. 68

(42) Depois, visualizando-se cada expiração


como a sílaba AŪM [ou ŌM], de cor branca, e cada
inspiração, como a sílaba HŪM, de cor azul, e o período
de retenção [da respiração] como a sílaba AH, de cor
vermelha, pode-se conhecer [intuitivamente, ou sem
processo mental] o tempo requerido por cada parte do
processo de respiração.69

68
“A reflexão ordinária levará ao reconhecimento do papel dos cinco
elementos na constituição e no funcionamento dos vários órgãos corporais e
nas manifestações e focalizações das forças prânicas e vitais do corpo. Os
constituintes puramente físicos representam o elemento terra; os fluidos
corporais, o elemento água; o calor animal, o elemento fogo; as partes
gasosas, o elemento ar; e a vitalidade psíquica (ou prânica) mais sutil, o
elemento éter.
Nessa prática, o ioguim deve estar vividamente cônscio da circulação do
sangue e do prāna, do funcionamento de cada órgão corporal e do
surgimento e desaparecimento de cada pensamento. Mesmo a partir das
práticas elementares, que até aqui foram expostas, o leitor ocidental
reconhecerá que a Ioga é uma ciência que requer, para sua mestria, não só
grandeza de mente e de espírito, mas também um conhecimento profundo do
corpo, de modo que todas as partes e funções do organismo humano possam
ser sabiamente controladas e corretamente utilizadas”. (Nota do Autor).
69
“Assim como o coração ou os pulmões funcionam sem esforço consciente,
também a ritmização iogue da respiração deve prosseguir automaticamente.
(…) Aqui AŪM ༀ
é o símbolo do Poder Espiritual do Buda. Sua brancura
simboliza pureza. Assim, sendo transmutada no som místico AŪM e
purificada, a expiração é enviada ao mundo carregada psiquicamente de

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Yoga Tibetano: 383
Segredos do Antigo Tibet

(...)

[Concentração sem Utilização de Objetos]

(45) Ao empregar o segundo método de


concentração da mente, a saber, aquele em que não se
usam objetos, há três processos: o corte instantâneo de
um pensamento pela raiz no momento mesmo, como um
raio, em que ele surge; deixar sem forma qualquer
conceito ou idéia que apareçam; e a arte de deixar a
mente assumir sua condição natural [de repouso
absoluto, não tocado pelo processo perturbador do

influências voltadas para a compaixão e para o bem. Da mesma maneira,


como acreditam os tibetanos, as doenças são curadas e o karma maléfico é
absorvido pela respiração do ar exalado por um Grande Ioguim. O HŪM , ཧཱུྃ
símbolo da incorporação da força-vida dos Seres Divinos, como os Budas e
os Bodhisattvas, deve ser visualizado como sendo a vida-força do Buda
Gautama. Quando a inspiração, transmutada na sílaba HŪM, termina, e
durante o período de retenção, o HŪM deve ser transformado na sílaba AH
ཨ, símbolo do princípio-fala do Buda, o Som Divino Universal ou Vibração.
Então, seja o que for que o ioguim diga, a quem quer que o ouça, traz o
benefício espiritual e o poder da verdade. O azul do HŪM, como o azul da
expansão infinita do céu, simboliza constância e eternidade; e o vermelho do
AH, Amor Divino”. (Nota do Autor).

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Yoga Tibetano: 384
Segredos do Antigo Tibet

pensamento].70

Como pudemos ver, nessa breve exposição de


alguns simples exercícios utilizados pelos yogues/yoguines
tibetanos, a presença da concentração, em paralelo com a
abordagem indiana do Yoga, está presente como um dos
elementos fundamentais e mais pertinentes da prática.

De elaborações técnicas complexas ou simples, esses


elementos do treino psicológico yogue se mostram
abrangentes no contexto tibetano. Contudo, não vemos, nos
textos apresentados, nenhuma menção devidamente
explícita ao termo sânscrito Dhāranā. Porém, ao yogue ou
yoguine experiente, a formatação desses exercícios vão se
apresentar de forma claramente em consonância com os
princípios indianos, ainda que apareçam em formas
diferentes (ou simplesmente palavras). Mas a finalidade
70
“Em resumo, esses três processos são: paralisação instantânea do
pensamento; permissão para que as idéias vagueiem à vontade,
irrestritamente; permissão para que a mente descanse, em tranqüilidade
perfeita”. (Nota do Autor).

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Yoga Tibetano: 385
Segredos do Antigo Tibet

parece evidentemente a mesma: conduzir a mente do yogue


ou da yoguine ao repouso unidirecionado em um único
ponto, abrindo as portas internas para o tópico de nosso
próximo capítulo: Dhyāna - A meditação.

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Yoga Tibetano: 386
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DHYĀNA ༀ

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Yoga Tibetano: 387
Segredos do Antigo Tibet

Entramos em um tema vital para a doutrina do


Yoga. Dhyāna, de forma direta, significa meditação.

Recorrendo ao Yoga Sutras de Patañjali (III:1-2):

“1. Concentração [Dhāranā] é a fixação de citta em um objeto.

2. Meditação [Dhyānam] é a continuidade da cognição nesse único objeto”.

Citando Ramana Maharishi, Sathya Sai Baba teve a


ocasião de dizer:

“Alguém perguntou a Ramana Maharishi: ‘Por


quanto tempo devo engajar-me em dhyana? (meditação)?
’O Maharishi respondeu: ‘Até chegar a perder toda

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 388
Segredos do Antigo Tibet

percepção da experiência de dhyana’. (…) Em real


meditação, logo você supera a noção ‘eu estou
praticando dhyana’”.

Em comparação entre os trechos citados, podemos


extrair sugestivas informações:

De acordo com a explanação de Patañjali, em seu


Yoga Sutras, percebemos que Dhyāna é colocada como
fase subsequente a Dhāranā, como sendo um
aprofundamento da experiência de concentração, não mais
de forma “forçada”, mantida rija pela disciplina de
unidirecionamento.

Agora a concentração surge em sua espontaneidade,


é a absorção do indivíduo no ponto único que sintetiza todo
o seu interior.

A experiência cognitiva “eu estou meditando”


cessa, pois essa seria apenas mais uma onda de
instabilidade no oceano psíquico. O mar começa a

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 389
Segredos do Antigo Tibet

repousar, e seu movimento é ritmado e harmonioso. Não há


o rimbombar de ondas estourando em espumas nas rochas.

É a “continuidade da cognição nesse único objeto


” como consequência, não mais como intenção. Se é que
ainda podemos chamar de “cognição” neste nível. Em
Dhāranā, a continuidade é mantida pela intenção, pela
firme e incessante intenção. Em Dhyāna, porém, a intenção
já frutificou, e a consequência natural dela é o estado
natural de Dhyāna. É o culminar da concentração,
desembocando na total absorção na experiência, que até a
consciência de se estar a realizá-la é despojada. E a
meditação acontece por ela mesma. E o indivíduo encontra-
se, agora, em comunhão com o próprio silêncio de seu
vazio interior – vazio esse apenas de instabilidades porque,
ao invés de ser expressão de niilismo, esse vazio é
plenitude.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 390
Segredos do Antigo Tibet

Dhyana. Tal como a água assume a


forma do recipiente que a contém, a mente,
quando contempla um objeto, adquire a forma
desse objeto. A mente que pensa na divindade
que a tudo penetra, e a quem venera, é
basicamente transformada, através da devoção
constante, na imagem dessa divindade.

Quando o óleo é vertido de um vaso


para outro, pode-se observar seu fluxo firme e
constante. Quando o fluxo da concentração é
ininterrupto, ocorre o estado de dhyana
(meditação). Como o filamento numa lâmpada
elétrica brilha e ilumina quando há uma corrente
regular e ininterrupta de eletricidade, a mente do
iogue será iluminada pelo dhyana. Seu corpo,
respiração, sentidos, mente, razão e ego estão
todos integrados no objeto de sua contemplação
– o Espírito Universal. Ele permanece num
estado de consciência que não tem qualificação
possível. Não há outro sentimento, exceto a
Suprema Beatitude. Como um raio de luz, o
iogue vê a LUZ que brilha além da terra e do
céu. Vê a luz que brilha em seu próprio coração.
Torna-se uma luz para si e para os outros.
(IYENGAR, 2006, p.p. 54-55).

Há, contudo, formas distintas agregadas ao conceito


“meditação”.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 391
Segredos do Antigo Tibet

Hoje em dia, com a popularização da denominada


“indústria esotérica”, muitos outros conceitos relacionados
ao termo “meditação” têm sido divulgados. Contudo,
poucos deles, em verdade, se associam diretamente ao que
Patañjali buscava dizer, ou àquilo que os yogues
divulgavam e praticavam (e ainda o fazem).

Essa absorção profunda no unidirecionamento


mental é coisa profunda e exige treino. Geralmente, um
inconveniente para uma sociedade que preza pela zona de
conforto e superficialidade – quer tudo pronto, logo! Então,
vemos “atalhos”, pequenos “disfarces”, bem intencionados,
travestidos de meditação. Mas nem todos são Dhyāna.

Muitos deles, inclusive, se forem usados como


finalidade e não como meio podem acabar atrapalhando o
percurso ao verdadeiro Dhyāna. Um exemplo: visualizar-se
ao lado de um rio sereno, com pássaros e grama verde ao
redor pode ser uma experiência psíquica muito agradável. É
uma técnica de relaxamento muito positiva. Pode, inclusive
– se bem orientada – converter-se em Dhāranā e, daí,

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Yoga Tibetano: 392
Segredos do Antigo Tibet

Dhyāna. Contudo, apesar de propiciar uma autêntica


experiência de tranquilização mental, Dhyāna não é
imaginar-se ao lado de um córrego com pássaros cantando.
Isso é visualização e relaxamento.

Sim, isso até pode conduzir o praticante ao estado de


Dhyāna, mas, se for tomado como um fim em si mesmo, e
o indivíduo apegar-se a tal formatação dessa experiência,
Dhyāna não poderá haver.

Como em Dhāranā, essas técnicas servem como


boas “iscas” para “seduzir” a mente e direcioná-la,
paulatinamente, a um estado de quietude e lucidez,
tranquilidade e expressão serena.

Como em Dhāranā, são bons “escorregadores”, mas


o praticante precisa escorregar para poder experimentar o
“frio na barriga”, não adianta ficar contemplando o
brinquedo à distância. E a meditação é justamente esse
“escorregar”. Primeiro sobe-se a escada, depois se
escorrega. Para subir há esforço; para descer, a experiência

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 393
Segredos do Antigo Tibet

cuida dela própria. Em Dhāranā há esse “esforço”, esse


“subir as escadas do escorregador”, mas quando surge
Dhyāna – e ela surge de si mesma, espontânea – não há
mais esforço algum. A experiência cuida de si mesma.

É uma experiência autêntica, não é uma projeção de


nossa imaginação. A meditação não é imaginada, ela é
vivida. É um estalar de dedos, um momento não-calculado
e fugaz em que, de repente, da entrega total, da criação das
condições específicas, mas com total desapego ao
resultado, o indivíduo “escorrega” para esse vasto estado
interior, em que não admite nem mesmo a conceituação
mental de estar experimentando essa experiência. E é aí
que, livre de toda ânsia e conceitos, a imaginação cede
lugar à realidade.

A experiência torna-se autêntica. Como andar de


tirolesa: Enquanto se está subindo à plataforma, a mente
conceitual cria muitas especulações a respeito da
experiência de descer a tirolesa, e pode, inclusive,
intensificar a tal ponto essa conceituação em nossa

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Yoga Tibetano: 394
Segredos do Antigo Tibet

imaginação que o corpo começa a responder


fisiologicamente a isso: suor nas palmas, taquicardia,
pernas tremendo... Mas a experiência não existe ainda.
Contudo, ao subir ao topo da plataforma, e o instrutor lhe
equipar com a cadeirinha e o mosquetão, prendendo você
ao cabo principal, você começa a perceber que a
experiência vai além do esboço mental. E agora não há
mais controle... De repente, você está descendo à toda
velocidade, a adrenalina à mil, o vento no rosto. Não há
tempo para pensar: a experiência é intensa demais para ser
calada pelo tagarelar da mente. É a intensidade da
experiência que cala o tagarelar da mente. E quando você
finalmente aterrissa ao solo, é que se dá conta de que “não
houve espaço para a mente”. E isso se assemelha muito à
fala de Ramana Maharishi: Quando você está tão absorto
na experiência e pela experiência que sequer o pensamento
conceitual de estar realizando-a é existente. Você só se dá
conta depois. Porque onde há profundidade, a
superficialidade da mente não consegue tocar com sua
agitação habitual.

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Yoga Tibetano: 395
Segredos do Antigo Tibet

Mas a experiência da tirolesa é a experiência da


tirolesa, e a experiência da meditação é a experiência da
meditação.

Nada obstante, verifica-se que todo o Yoga Tibetano


está, de uma forma ou de outra, orientado para exercícios
cuja finalidade é levar a mente a atingir, naturalmente, o
estado meditativo.

Já que a meditação possui uma importante função no


mundo budista, a grande maioria das práticas possui o
escopo de proporcionar meios hábeis para que a meditação
surja como experiência autêntica e espontânea.

Dessa forma, apesar de se saber que visualização,


relaxamento e meditação são coisas distintas, o Yoga
budista em geral acaba utilizando diversos recursos como
preliminares sofisticadas para o processo meditativo.

É como se a mente, o sistema sutil (energético) e o


próprio espírito do ser humano constituíssem uma “barra de

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Yoga Tibetano: 396
Segredos do Antigo Tibet

ferro”. O objetivo seria, desse mesmo modo figurado, tirar


a ferrugem para que o “imã” da consciência búdica pudesse
atrair essa barra para si. Parece-nos que a ideia é justamente
essa: a barra de ferro já se encontra lá – e o imã também. O
processo pelo qual um atrai o outro, de igual modo,
também está presente e obedece a leis que asseguram a
natureza de sua manifestação. Só falta, diante disso,
contudo, que a barra de ferro seja purificada de suas
máculas, o que nos lembra o seguinte trecho deste texto
budista:

“Todos os seres são Buddhas, mas isto é oculto por


máculas adventícias.

Quando as máculas são removidas, seu estado búdico é


revelado”.

(Hevajra Tantra)

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Yoga Tibetano: 397
Segredos do Antigo Tibet

O próprio Tsa Lung se apresenta como um rico


sistema de “remoção de máculas”. E é isso mesmo:
Promove uma limpeza à nível energético na pessoa,
considerando que o nível energético está em íntimo
funcionamento conjunto com o nosso sistema psíquico;
dessa forma, um influencia o outro e, através da purificação
de um se obtém, por conseguinte, o equilíbrio do outro e
vice-versa.

E não só o Tsa Lung. Os exercícios físicos, a ética de


conduta, os exercícios de concentração, tudo parece estar
voltado para a culminância final nesse estado de meditação.
O objetivo da conquista do estado meditativo, como um
desejo mental, é deixado de lado (porque, segundo a
própria tradição budista, o desejo constitui um dos
principais fatores a nos afastar da iluminação, ainda que
seja o desejo constante da própria iluminação – o que nos
diz, inconscientemente, que estamos separados dela71),

71
Há a intenção clara da meta a que estão perseguindo, disso não há dúvida.
A sutileza aqui é que eles não transformam isso em um desejo inquietante.
Eles mantêm a noção como firme intenção, mas tentam abstrair-se do desejo

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Yoga Tibetano: 398
Segredos do Antigo Tibet

porém todas as condições para que ele aconteça são


criadas: não se caça o animal – oferta-se o alimento
necessário para que, quando ele se sentir confiante, se
aproxime com naturalidade. E é assim que a mente é
gentilmente domada: sem oposição, sem temor, sem
violência. O “macaco louco”, conforme nos aponta a
metáfora, não é caçado, mas sim domesticado suavemente.
E torna-se dócil. Dócil, converte-se em um companheiro.
Um precioso ajudante de seu amo.

No vasto estudo condensado no livro Psicologia e


Religião Oriental, o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung nos

que isso gera no campo mental. O desejo cria a ilusão de que eles estão
separados da natureza búdica, o que não é verdade. Não há distância, não há
separação. O que eles buscam não está “fora”, então não há nada a ser
“conquistado”, por assim dizer. Todo treinamento deve eliminar essa ânsia,
de modo que o praticante possa perceber, em seu aqui e agora, o Buddha que
já existe ali. Por isso é uma realização, não uma perseguição. Como ele já
existe ali, não precisa ser buscado, mas precisa, sim, haver a criação de
condições favoráveis que permitam ele ser realizado, manifestado livremente,
de si mesmo, pelo yogue e como o próprio yogue. A busca, assim como todas
as técnicas, está no sentido de proporcionar essas “condições”, a fim de que,
uma hora ou outra, o indivíduo desperte para esse Estado-de-Buda que
fulgura, para além de tempo e espaço, em seu interior. Em seu interior e em
todas as coisas. Como é onipresente, não precisa ser perseguido. Mas como
está oculto diante dos véus da ignorância (āvidya), precisa ser desvelado
pelos métodos corretos.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 399
Segredos do Antigo Tibet

apresenta alguns exemplos de como o Yoga budista utiliza


esses mecanismos técnicos para acalmar a mente a ponto de
sua imersão em Dhyāna. Não podemos afirmar, contudo,
que o seguinte texto seja um texto tibetano, mas como faz
referência ao Yoga Budista, nos interessa para este estudo
já que, por excelência, o Yoga Tibetano é um Yoga
Budista. Veremos, a seguir, exemplos que utilizam
elementos daquilo que hoje conhecemos por imaginação
ativa:

No presente estudo eu me proponho a


comentar um texto da ioga que nos oferece uma
visão profunda da ioga. Trata-se de um texto
budista pouco conhecido, transmitido em língua
chinesa, que é a tradução de um original
sânscrito. Data do ano 424 dC. Intitula-se
Amitâyur-dhyâna-sûtra, isto é: Tratado da
Meditação de Amitâbha. Este sûtra [tratado] á
altamente apreciado sobretudo no Japão e
pertence ao âmbito do chamado budismo teísta
que conserva a doutrina do Âdhibuddha ou
Mahâbuddha, o Buda original, do qual provêm
as cinco dhyâni de Buda, ou as dhyâni de
Bodhisattva. Uma destas cinco dhyani é
Âmitabha, “o Buda do sol poente da luz

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 400
Segredos do Antigo Tibet

incomensurável”, o Senhor de Sukhâvati, a terra


da felicidade. É o protetor do período atual do
mundo, da mesma forma que Çâkyamuni, o
Buda histórico, é o seu mestre. (...)
O texto em questão começa com uma
narrativa de enquadramento cujo conteúdo não
nos interessa aqui. Um príncipe herdeiro atenta
contra a vida de seus pais. A rainha pede socorro
a Buda, em sua aflição, suplicando que lhe
mande os seus dois discípulos Maudgalyâyana e
Ânanda. Buda atende a seu desejo e os dois lhe
aparecem imediatamente. O próprio Çâkyamuni,
isto é, Buda, também aparece diante dela e lhe
mostra, na visão, os dez mundos e a manda
escolher aquele no qual ela deseja renascer. Ela
escolhe o reino terreno de Amitâbha. Buda
ensina-lhe então a ioga que a deve preparar para
o reino de Amitâbha. Depois de várias
prescrições de ordem moral, ele lhe comunica o
seguinte: (...) (JUNG, 1986, p.p. 84-85).

Jung sempre foi muito atento ao caráter psicológico


dessas imagens da religiosidade oriental, e soube selecionar
textos de precioso caráter psicológico. Suas imagens
arquetípicas, simbolismos e sabedoria pareceram chamar a
atenção do autor, que continua, citando o texto
mencionado:

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 401
Segredos do Antigo Tibet

“Tu e todos os seres (isto é, os que têm


a mesma intenção) deveis procurar a percepção
do reino terreno, concentrando os pensamentos.
Talvez me perguntes como se pode conseguir
esta percepção. Vou explicar-te a maneira. Todos
os seres, desde que não sejam cegos de nascença,
têm o sentido da visão e podem ver o sol poente.
Deves colocar-te na posição correta e dirigir o
olhar para o poente. Prepara então teus
pensamentos para a meditação, concentrando-te
sobre o sol. Fixa tua consciência firmemente no
sol, de modo a teres uma percepção dele, sem a
mínima perturbação, concentrada exclusivamente
nele. Olha firmemente para ele, no momento em
que vai pôr-se, quando parece um tambor
dependurado. Depois de teres visto o sol desta
maneira, conserva esta imagem fixa e clara,
estejas ou não de olhos fechados. Esta é a
chamada percepção do sol e é a primeira
meditação”.

Já vimos que o sol poente é uma


alegoria de Amitâbha, o dispensador da
imortalidade. (...) (idem, 1986, p. 85)

Aqui, neste presente momento do texto Amitâyur-


dhyâna-sûtra, verificamos o forte caráter das visualizações

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 402
Segredos do Antigo Tibet

prescritas. É interessante analisar o fato de que a


visualização do Buddha Amitābha é voltada sempre para o
interior do indivíduo. Ou seja, por mais que o exercício
comece com a contemplação do sol, essa visão é,
paulatinamente, introjetada e fixada no íntimo do sujeito.
Dá-se a mesma impressão do assunto discutido no capítulo
anterior, quando falamos de Dhāranā: iniciar-se com a
concentração para, enfim, desembocar no oceano de
Dhyāna. Tal qual uma metáfora a apontar – sem a
utilização dos mecanismos da mente conceitual, mas
apenas pelo teor simbólico e arquetípico das imagens – que
Buddha está dentro do próprio yogue/yoguine. A imagem,
nesse caso, fala diretamente ao inconsciente e, absorvida
pela vastidão do mesmo, começa a ganhar força de
influência e expressão perante a mente consciente, o que se
assemelha a uma semente benéfica plantada no recôndito
mais profundo do psiquismo a fim de que floresça, com a
prática e o tempo, em todas as esferas da globalidade
mental. O resultado, que não outro, é a meditação
profunda, em sua mais autêntica expressão.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 403
Segredos do Antigo Tibet

(...) O texto continua:

“Em seguida procurarás ter a percepção


da água. Fixa o teu olhar na água pura e clara e
mantém esse olhar claro e imutável dentro de ti.
Não permitas que teus pensamentos se dissipem
e se percam”.

Como já indiquei, Amitâbha é também


o dispensador da água da imortalidade.

“Depois de teres visto a água desta


maneira, procurarás ter a percepção do gelo. Vê-
lo-ás luminoso e transparente. Também
imaginarás a aparição do lápis-lazúli (lazurita).
Depois que o conseguires, verás o chão como se
fosse substituído de lápis-lazúli transparente e
luminoso tanto por dentro como por fora.
Debaixo deste chão de lápis-lazúli verás o
estandarte de ouro ornado de sete jóias, isto é, de
diamantes e de outras (pedras preciosas) que
sustentam o solo. Este estandarte se estende nas
oito direções da rosa-dos-ventos, ocupando,
assim, inteiramente os oito ângulos dos alicerces.
Cada lado das oito mencionadas direções é
constituído de 100 jóias, cada uma das quais tem
1.000 raios e cada raio 84.000 cores que,
refletindo-se no chão de lápis-lazúli, têm o
aspecto de um bilhão de sóis, e dificilmente se
pode vê-los separados uns dos outros. Na
superfície do solo de lápis-lazúli estendem-se

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Yoga Tibetano: 404
Segredos do Antigo Tibet

cabos de ouro, ligados entre si em forma de cruz,


e suas partes são constituídas de fios ornados,
cada um, de sete jóias, e cada uma destas partes é
clara e distinta. (idem ibidem, 1986, p.p. 85-86).

Mais uma vez, verificamos a construção de imagens


mentais no processo de introspecção descrito. E, conforme
vamos prosseguindo, elas vão se tornando cada vez mais
complexas, como se quisessem levar, através do
simbolismo, do arquétipo e do sentimento de Sagrado, o
indivíduo até o mais profundo da sua mente, ao mesmo
tempo em que amplia seus horizontes de autopercepção.

Devemos lembrar que, neste contexto dos grandes


yogues, as imagens mentais não são meramente produtos
da imaginação. Sâo coisas. As formas astrais são plasmadas
por ideoplastia no ambiente, ao mesmo tempo em que sua
realidade vibratória superior se concecta, imediatamente,
ao objeto idealizado correspondente, criando, assim, uma
ponte no espaço-tempo para trazer até o yogue a presença
da realidade firmemente mentalizada por ele. Seus

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 405
Segredos do Antigo Tibet

benefícios práticos são igualmente reais. Apenas os grandes


yogues obtém maestria nessa ciência oculta e sutil.

A seguir, o texto continua dizendo:

Quando tiveres realizado esta


percepção, meditarás sucessivamente sobre cada
uma de suas partes constitutivas. E farás com que
as imagens apareçam o mais claramente possível,
de modo que nunca se dissipem nem se percam,
estejas ou não de olhos abertos. À parte o tempo
em que estiveres dormindo, deverás conservar
estas imagens sempre diante de teus olhos
interiores. Não há dúvida de que aquele que tiver
alcançado este estado do qual estamos falando
viverá na terra de suprema felicidade
(Sukhâvati). Quem, entretanto, alcançar o estado
de samâdhi, estará capacitado a ver essa terra
clara e distintamente. Este estado não pode ser
explicado de modo perfeito. É a percepção da
terra e é a terceira meditação”.

Samâdhi é a “absorção total”, isto é, o


estado em que todas as conexões cósmicas foram
absorvidas no interior do indivíduo. O samâdhi é
a oitava das oito sendas. (JUNG, 1986, p. 86).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 406
Segredos do Antigo Tibet

Neste ponto o texto toca no conceito de Samādhi.


Contudo, nos absteremos de examinar com mais
profundidade esse assunto aqui, já que ele será o tópico
central do próximo capítulo.

Prossegue a leitura:

Depois disto vem a meditação sobre as


árvores das jóias do país de Amitâbha, à qual se
segue a meditação sobre a água.

“No país da suprema felicidade a água


está distribuída em oito lagos. A água de cada
um destes lagos é constituída de sete jóias suaves
e flexíveis. A fonte que as alimenta provém do
rei das jóias (Cintamani, a ‘Pérola dos
Desejos’)... No centro de cada lago há 60
milhões de flores de loto, cada uma das quais
constituída de sete jóias. Todas as flores são
perfeitamente redondas e exatamente do mesmo
tamanho. A água que circula entre as flores
produz sons melodiosos e agradáveis, que
expressam todas as virtudes perfeitas, bem como
o sofrimento, a não-existência, a transitoriedade
das coisas e o não-ego. Estes sons expressam
também o louvor dos sinais da perfeição e dos
sinais interiores da excelência de todos os budas.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 407
Segredos do Antigo Tibet

Do rei das jóias (Cintâmani) partem raios de


extrema beleza cujo brilho se transforma em
pássaros que possuem as cores de 100 jóias e
emitem sons maviosos de louvor à memória de
Buda e também à memória da comunidade por
ele formada. Esta é a percepção da água das oito
boas qualidades, e também a quinta meditação”.
(idem, 1986, p. 86).

Depois, o teor do exercício se amplia e se aprofunda


ainda mais, como uma grande aproximação, simbólica, do
Buddha Interno através da contemplação centrada no
Buddha Externo. Mas, conforme dissemos no caso do
relaxamento com o riacho, esse processo de absorção e
visualização ainda não é Dhyāna totalmente. Aqui o leitor
deve atentar para o que está acontecendo nas “entrelinhas”
– quanto maior é o aprofundamento da mente em algo que
simbolize seu aspecto mais puro e radiante, e maior a
concentração, com mais facilidade ela “escorregará”,
naturalmente, para o pleno estado de meditação, para
Dhyāna. Ali as imagens cessarão, mas o conteúdo firmado

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 408
Segredos do Antigo Tibet

pelas imagens se manifestará como a natureza essencial da


própria mente e, nela, o praticante se absorverá.

Buda instrui a rainha a respeito da


meditação do próprio Amitâbha, da seguinte
maneira: “Procura ter a percepção de uma flor de
loto no país das sete jóias”. A flor possui
84.00072 pétalas; cada folha possui 84.000
nervuras e cada nervura 84.000 raios, “cada um
dos quais pode ser visto com clareza”.

“Depois disto deves ter a percepção do


próprio Buda. Perguntas de que modo? Cada
Buda Tathâgata (o perfeito) é alguém cujo corpo
aeriforme é o princípio da natureza
(Dharmadhâtu-Kâya, dhâtu = elemento),
constituído de tal modo, que pode penetrar na
consciência de todos os seres. Por isso, desde o
momento em que tiveres a percepção de Buda,
tua consciência possuirá verdadeiramente esses
sinais da perfeição, bem como os 80 sinais
inferiores das excelências que percebes em Buda.
(idem ibidem, 1986, p. 87).

72
Nos textos antigos budistas, sempre que se queria referir a um número
muito grande de alguma coisa, quase imensurável, geralmente se utilizava o
número 84.000. (Nota nossa).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 409
Segredos do Antigo Tibet

Para encerrar, vemos que o texto se preocupa em


deslocar o objeto de referência para dentro da própria
consciência da praticante, colocando Buddha como sua
própria consciência.

Por fim, tua consciência se transformará


em Buda, ou melhor, tua consciência será o
próprio Buda. O oceano do conhecimento
verdadeiro e universal de todos os budas tem sua
origem na nossa própria consciência e no nosso
próprio pensamento. Por isso deves voltar teu
pensamento com toda a atenção para uma
cuidadosa meditação sobre esse Buda Tathâgata,
o Arhat, isto é, o Santo e perfeito Iluminado. Se
queres ter a percepção de sua imagem, estejas de
olhos abertos ou fechados. Fita-o atentamente
como um ídolo de ouro do jâmbûnada (seiva que
escorre da árvore do jambo) que está sentado
sobre a flor de loto. (idem ibidem, 1986, p. 87).

A seguir, verificamos a nitidez que se intenciona


conceder às imagens. E isso, para os yogues, se dá pela
intensificação da concentração. A esse ponto da
visualização, a mente já está bastante capacitada a

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 410
Segredos do Antigo Tibet

estabelecer, com afinco, uma consistência mais abundante


ao conteúdo que se origina dentro dela.

Quando tiveres visto a figura sentada na


flor, tua visão espiritual se tornará clara e estarás
capacitada para perceber, com toda nitidez, a
beleza do país de Buda. Ao veres estas coisas,
faze com que elas se tornem bem claras e firmes
para ti, tão claras como a palma de tuas mãos.

“Ao passares por esta experiência, verás


também todos os budas dos dez mundos. Afirma-
se que aqueles que praticaram esta meditação
viram o corpo de todos os budas. Por haverem
meditado sobre o corpo de Buda, tiveram
também a percepção do espírito de Buda. Trata-
se da grande compaixão, conhecida como
espírito de Buda. Graças a esta compaixão
universal, o contemplativo tem a percepção de
todos os seres. Aqueles que praticarem esta
meditação, renascerão depois da morte, em um
outro país, na presença de Buda, e alcançarão o
espírito de renúncia, graças ao qual enfrentarão
todas as consequências que virão depois disto. É
por isso que todos aqueles que possuem a
sabedoria deveriam concentrar seu pensamento
em uma cuidadosa meditação sobre Buda
Amitâyus”. (JUNG, 1986, p. 87).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 411
Segredos do Antigo Tibet

Neste ponto é interessante interromper nossa leitura


para uma observação peculiarmente significativa. Trata-se
do termo compaixão utilizado no texto. No texto e em todo
o contexto budista. Vale lembrar aqui que essa compaixão
refere-se ao amor puro, universal e desinteressado, que se
manifesta sem cobranças ou ansiedade, que não se
confunde com paixão, apego, desejo ou carência. É o amor
em sua manifestação menos poluída pelas ilusões do ego.

E o texto, para nosso estudo, se encerra assim:

Diz-se que aqueles que praticam esta


meditação não viverão mais em um estado
embrionário, mas terão acesso a essas “regiões
maravilhosas e magníficas dos budas”.

“Quando tiveres atingido esta


percepção, deverás imaginar-te a ti mesma
renascendo no mundo da suprema felicidade, a
região do Oriente, e sentada de pernas cruzadas
na flor de loto. Em seguida, imaginarás que esta
flor te contém dentro de si e logo depois se
abrindo. Quando a flor volta a se abrir, teu corpo
estará envolvido por 500 raios coloridos. Teus

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 412
Segredos do Antigo Tibet

olhos serão abertos e verás os budas e os


bodhisattvas enchendo todo o céu. Escutarás o
rumor das águas e das árvores, o canto dos
pássaros e a voz dos muitos budas”. (...) (idem,
1986, p. 88).

A partir daí, as orientações alegadas a Buddha


estariam concentradas nas últimas etapas deste exercício e
suas consequências. Mais alguns trechos de texto se
alongam a partir desses que escolhemos para aqui
analisarmos. Contudo, o essencial para nosso estudo está
contido nesses trechos acima.

Após a análise desse material, Jung (1986) demora-


se, com peculiar clareza, na interpretação psicológica do
processo da meditação prescrita e analisa seus efeitos sobre
o psiquismo.

Porém, vale reafirmar, para não nos perdermos, que


o yogue tibetano é muito pragmático. Com alguma
orientação prescrita para visualização/concentração ou não,
ele estará sentado praticando sua meditação. Ainda que não

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 413
Segredos do Antigo Tibet

saiba para onde ir em sua prática, estará de olhos fechados


tentando descobrir (dificilmente ele não saberá para onde
ir). A meditação é seu ponto central, seu portal de entrada
para Buddha. Para Buddha em si mesmo. Por isso, essas
visualizações não assumem um caráter homogêneo entre os
yogues tibetanos. Justamente pelo caráter pragmático,
parece-nos, pelo que pudemos ver até aqui, que cada escola
orientará de uma forma, cada guru (lama) prescreverá de
acordo com suas inclinações, sem que um dogmatismo
ortodoxo oriente as práticas. Talvez isso seja o mérito do
pragmatismo: eles querem algo que funcione, porque estão
comprometidos com a meta. Não se demoram muito em
disparates técnicos/teóricos. Lógico que não negligenciam
os detalhes e são bem cautelosos, mas também não
parecem perder tempo com questiúnculas cujo caráter não
possui robustez para afetar, significativamente, o curso de
sua prática.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 414
Segredos do Antigo Tibet

Figura 26. Shyama Charan Lahiri. Grande yogue indiano, sentado em


meditação nas dependências de sua casa em Benares, Índia.

Com relação às técnicas, até aqui, cada referência pareceu


oferecer diversas abordagens acerca de um mesmo ideal –
todas demonstram a presença de um único escopo, mas
também apontam a diversidade dos meios para se alcança-
lo. Muitas visualizações, muitas deidades, rituais, práticas,
etc. estão presentes no contexto do Budismo Tibetano.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 415
Segredos do Antigo Tibet

Mas também isso não significa que o yogue tibetano


precisa, necessariamente, de infinitas visualizações. São
elas apenas suportes, apoios. Lembremos, antes de tudo,
que o yogue tibetano não é necessariamente sinônimo de
monge budista tibetano. São coisas distintas. Um monge
pode ser um yogue, mas os yogues, de uma maneira geral,
tanto na índia como no Tibet, se destacam por sua postura
de liberdade, são místicos, muitas vezes livres pensadores,
que seguem seu próprio caminho. Não são muito afeitos à
ideia de se prenderem a nada, inclusive a crenças
preestabelecidas. Lógico que seguem alguma
diretriz/doutrina/ordem, mas, provavelmente, esse
segmento, talvez de forma paradoxal, talvez de forma
sábia, provavelmente irá recomendar esse amor à Verdade
acima de tudo. Existem Ordens de yogues tibetanos, mas se
analisarmos uma das mais conhecidas, os Ngakpas, à título
de curiosidade, verificamos a seguinte descrição73:

73
Retirada do site: http://www.ngakpasociety.org, Acessado em 14 de Junho
de 2014.
“Essa é a Senda dos Ngakpas – o yogue ou a yoguine, homem ou mulher, que

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 416
Segredos do Antigo Tibet

“This is the way of the Ngakpa—the yogi or yogini, man or woman,


who lives fully in both the material world and the world of spirit. For
a thousand years these brave spiritual warriors strode directly into
life, either as solitary wanderers or integrating their spiritual wisdom
with the activity of the community”.

As tradições budistas, inclusive, alegam que o


próprio Buddha Shakyamuni, o Buddha histórico, teria,
entre as suas mais destacáveis máximas, o seguinte
pensamento:

"Não acredite em algo simplesmente porque ouviu.


Não acredite em algo simplesmente porque todos falam a
respeito. Não acredite em algo simplesmente porque está
escrito em seus livros religiosos. Não acredite em algo só
porque seus professores e mestres dizem que é verdade.
Não acredite em tradições só porque foram passadas de
geração em geração. Mas depois de muita análise e
observação, se você vê que algo concorda com a razão, e

vive de maneira plena tanto a vida material quanto a espiritual. Por milhares
de anos, esses bravos guerreiros espirituais caminharam diretamente para a
vida, seja como andarilhos solitários, ou integrando a sua sabedoria
espiritual com as atividades da comunidade”. (Livre Tradução)

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 417
Segredos do Antigo Tibet

que conduz ao bem e beneficio de todos, aceite-o e viva-o."


(Buddha).

Os yogues e yoguines, por excelência, são amantes


da Verdade e, por ela, estão dispostos a abrir mão de suas
próprias versões acerca dessa Verdade porque entendem
que, no fim, são apenas versões. Eles não querem o
espelho, o reflexo; eles querem a fonte da imagem. É
lógico que nem sempre é assim, mas a intenção deveria ser.
Qual seu meio de obter isso? Meditação profunda. Todos
os Buscadores bem-sucedidos passaram com êxito por esse
caminho.

Qual técnica usada? Meditação não é técnica. É um


estado de ser. As técnicas utilizadas para induzir tal estado
são muitas, mas são apenas a soleira da porta de entrada de
Dhyāna. No Yoga budista – assim como na tradição Bön -,
há uma variação muito grande dessas soleiras. A porta
sempre conduz ao mesmo lugar, mas cada adorno serve
para um praticante, uma ordem, uma escola. Uma vasta
profusão cultural, atinente ao campo da espiritualidade, que

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 418
Segredos do Antigo Tibet

faz do Yoga Tibetano um grande epicentro de técnicas


profundas para a meditação.

É difícil de falar especificamente de meditação. Não


digo no caráter técnico, biológico, etc. Mas da experiência.
Pois é a experiência do silêncio profundo; como esse
silêncio pode ser traduzido em palavras sem que perca sua
essência? Como definir a quietude perfeita com a agitação
da mente conceitual? Não se define. Meditação se vive.
Experimenta-se. Absorve-se.

Mas as técnicas para se chegar até esse pórtico


donde verbete algum ressoa, são as mais variadas segundo
todos os textos consultados.

Visualizar-se como divindade (YESHE, 2009), Guru


Yoga (RINPOCHE, 2005), identificar-se como
Vajrayogini, Heruka, Vajrasattva, Samantabhadra, Kuzang
Gyalwa Dupa, Shenla Odkar, etc., absorver-se num ponto
único, Tummo (EVANS-WENTZ, 1993), cortar os
pensamentos pela raiz, unificar-se a fórmulas mântricas,

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 419
Segredos do Antigo Tibet

levar o lung ao canal central, etc., etc. e etc. Se fôssemos


enumerar todas as abordagens, de todas as tradições,
precisaríamos de um livro só para isso.

Assim, fica difícil de definir uma linha específica de


técnicas meditativas. Algumas se destacaram no ocidente.
Mas é algo difícil de generalizar, porque nem sempre
aquilo que agrada ao mecanismo de funcionamento de um
psiquismo agrada, da mesma forma, o mecanismo de outro.
Ou nem mesmo ao “mecanismo do psiquismo”, mas o
próprio gosto pessoal de cada um. Para alguns, serve muito
bem “observe seus pensamentos sem se apegar a eles, seja
apenas a testemunha”, mas, para outros, isso pode parecer
demasiado enfadonho! Da mesma forma, outros preferem
se concentrar na respiração. Outros, ainda, se demorar na
contemplação interna de uma forma da Divindade,
iṣṭadevatā ou yidam. Alguns se absorvem nos mais
diversos simbolismos de ordem imagética e, com isso,
encontram seu próprio portal de acesso à Dhyāna. Todos,
contudo, pela via – formal ou informalmente – de Dhāranā.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 420
Segredos do Antigo Tibet

E no vasto manancial das técnicas, o Yoga Tibetano agrada


a todos. Pois reconhece e se preocupa em dispor diversos
meios para que cada um chegue ao seu silêncio interior
pela via que lhe for mais condizente. Por isso é muito
vasto, embora seu objetivo não seja agradar a egos.

Porque é necessário concentração antes de Dhyāna.


Pelo menos até o indivíduo se estabilizar em Dhyāna e
conseguir acessá-la a qualquer hora, tornando-a uma
postura natural em seu dia-a-dia, sem a necessidade de
estar sentado e de olhos fechados para isso (porque, talvez,
sua mente já esteja temperada na forja da concentração
contemplativa – o Samādhi já foi realizado e se estende, em
seus efeitos no dia-a-dia, sem a necessidade de uma
ostentação exterior).

E, como se observa, isso também se reflete no


comportamento dos yogues tibetanos, pois entendem que
existem tantas formas de se levar a mente a Dhyāna quanto
existem meditadores. Muitos textos, muitas fórmulas,
prescrições... Às vezes, nenhuma. Basta o aquietar-se. Cada

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 421
Segredos do Antigo Tibet

yogue, como epicentro fundamental de sua própria


realização e verdade, pode acabar adotando um método
para atingir seu objetivo, mas uma coisa é certa: sempre
acabam fazendo como Patañjali descreve – “Meditação
[Dhyānam] é a continuidade da cognição nesse único
objeto”. O estado mental em que a continuidade é
espontânea e natural – se torna uma própria manifestação
da mente na não-mente.

Evans-Wentz (1993), ao descrever Dhyāna, diz em


seu livro A Ioga Tibetana e as Doutrinas Secretas:

A Dhyāna-Yoga é aquela parte da Ioga


que depende da meditação (sânscrito, Dhyāna)
que leva ao controle da mente. Como tal, está
isolada, não estando relacionada exclusivamente
a nenhuma das iogas, mas é uma prática
essencial em todas elas. A mestria da Dhyāna-
Yoga é um dos fundamentos principais para o
êxito na mais elevada de todas as iogas, que é o
Samādhi-Yoga. (p. 61).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 422
Segredos do Antigo Tibet

Como dito, a meditação é mãe de todas as práticas,


em que todas as anteriores encontram a sua utilidade, mas
que, por si mesma, não se restringe a técnica alguma. Ou
pode associar-se a muitas. Mas esse é um caminho do Yoga
em que adentramos naquilo que não pode ser prescrito e
descrito, detalhadamente, pela mente conceitual. Porque é o
campo do Yoga em que começamos a ir para um estado
além da mente. Além do ego. E isso culmina no oitavo
ānga: O Samādhi.

E é justamente no assunto do Samādhi que iremos


pousar nosso estudo agora.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 423
Segredos do Antigo Tibet

SAMĀDHI ༀ

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 424
Segredos do Antigo Tibet

Finalmente, chegamos no caminho que trata de um


dos pontos culminantes do Yoga: O Samādhi.

Talvez esse seja o tópico mais carregado de um sério


risco à linguagem verbal, pois se trata, antes de tudo, de um
atrevimento relativamente ousado tentar descrever em
palavras aquilo que, por excelência e natureza, as
transcende. Já experimentamos essa limitação no capítulo
anterior, e o desafio será maior neste. Contudo, não
recuaremos: buscaremos a especificidade do conceito.

Talvez, para alguns, um verdadeiro incômodo tentar


descrever o indescritível. O incômodo de arriscar o
impossível – traduzir à nível mental aquilo que é
experiência supra-mental.

Mas, para tentarmos aclarar um pouco o assunto,


enquadrando-o em termos didáticos para a conclusão desta
obra, vamos começar com Patañjali, já que este vem sendo
o norte deste trabalho.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 425
Segredos do Antigo Tibet

No capítulo terceiro de seu Yoga Sutras, intitulado


Vibhūtipāda, ao versículo 3, lemos:

“3. Samādhi é perceber-se como a própria medida do objeto,


esvaziando-se de sua própria forma”.

É verdade que toda a obra de Patañjali está, de certa


forma, amplamente impregnada pela presença do conceito
do Samādhi, ainda que de forma indireta. Aliás, todos os
passos por ele elencados e cuidadosamente discutidos estão
dispostos de modo a criar uma estrutura rígida para dar
apoio à experiência do Samādhi.

Mas, ainda assim, como explicar o Samādhi?

Talvez as formas de expressão que não se vergam


aos limites lineares do racionalismo convencional, tal como

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 426
Segredos do Antigo Tibet

a poesia e a arte, possam driblar o cerceamento da mente e


tentar esboçar aquilo que, após profundo processo de
Dhyāna, se encontra dentro de si, considerando esse “si”
não mais como uma personalidade separada, um sentido de
“eu” subordinado à autoimagem limitadora; mas como um
estado de Si-Mesmo unificado com a Realidade Supra-
Universal.

Talvez tenha sido o grande monista Ādi


Śaṅkarācārya, em linguagem poética, um dos grandes
luminares responsáveis por tentar traduzir o Samādhi em
palavras.

Em seu cântico Ātmaṣaṭkam, o grande expositor do


Adwaita Vedānta diz:

Na puṇyaṃ na pāpaṃ na saukhyaṃ na dukhyaṃ


Na mantro na tīrthaṃ na vedā na yajña
Ahaṃ bhojanaṃ naiva bhojyaṃ na bhoktā
Cidānandarūpaḥ śivo'ham śivo'ham

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 427
Segredos do Antigo Tibet

“Não sou virtude, nem vício, nem alegria nem sofrimento;


Nem os mantras, nem os lugares sagrados; nem as
escrituras, nem os rituais;
Não sou o prazer, nem o que produz o prazer, nem aquele
que o desfruta.
Na forma de consciência e bem-aventurança , eu sou Ele,
eu sou Ele”.

Considerando o fenômeno através da análise


científica, e não apenas cultural, verificamos que o estado
de consciência a que corresponde o Samādhi possui
extensão universalista; isto é, como experiência mística
interior, não está fadada ou agrilhoada a esta ou àquela
escola de pensamento – embora os nomes e conceitos
variem de cultura para cultura.

Representando aquilo que a Psicologia Transpessoal


denominaria de supraconsciência, esse estado está longe de

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 428
Segredos do Antigo Tibet

ser apenas uma abstração imaginativa dos yogues. Como


evento psicológico catalogado, veremos a mesma
experiência descrita por pessoas do mundo inteiro, com
diversos nomes diferentes: Samādhi, Nirvana, Satori,
União Mística, União Divina, Sétima Morada (Tereza
D`Ávila), Experiência Oceânica (Sigmund Freud),
Experiência Culminante (Abraham Maslow).

Talvez, antes mesmo de adentrarmos as dimensões


de interpretação tibetanas para o assunto, nos caiba a tarefa
de analisa-lo com critério científico.

Dentro do campo da Psicologia Transpessoal, Pierre


Weil, em seu Antologia do Êxtase, nos confere as seguintes
palavras:

Ao longo das últimas décadas que precede


o final do século XX, podemos notar um
interesse crescente, tanto por parte dos cientistas
– mais particularmente os psicólogos e
antropólogos – quanto das pessoas em geral por
um tipo de experiência humana classificada pelos

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 429
Segredos do Antigo Tibet

termos mais diversos, como por exemplo: êxtase


místico, iluminação, nirvana, samádi, satori,
reino dos céus, reino do Pai, sétimo céu, debekut,
experiência transcendental, me tendia,
Consciência cósmica.

Cada cultura, cada civilização, antiga ou


atual, a menciona. É evidente que hoje assistimos
a um recrudescimento de sua manifestação, em
especial nos Estados Unidos e, mais
recentemente, na Europa. Tudo indica que ela
não é apenas o apanágio de santos ou de místicos
como Buda, Krishna, Moisés, Elias, Cristo ou
Siméon Ben Yochai, mas que acontece ou se
expressa entre indivíduos contemporâneos que
não são especialmente religiosos; os testemunhos
reunidos neste volume evidenciam esse aspecto.
(WEIL, 1993, s/n.)

E, ao que podemos observar, não apenas esse estado


de consciência se apresenta em diversos lugares e épocas
como, também, possui traços legitimamente particulares.

Como experiência legitimamente humana, o


Samādhi, ou Supraconsciência, é um dos perscrutos da
senda yogue. É onde o rio de Dhyāna encontra a foz que
leva suas águas a unirem-se ao Mar.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 430
Segredos do Antigo Tibet

É onde o indivíduo supera a limitação mental e vai


além da mente, além do ego, e experimenta a si mesmo
como Uno à Realidade Absoluta. De alguma forma, o
próprio Jesus nos faz pensar no tema quando diz: “Eu e o
Pai somos Um” (João 10:30).

Descrito, pelos acadêmicos, vez ou outra, como


Consciência Cósmica, o evento já possui alguns de seus
traços de manifestação catalogados pelo crivo científico:

- Estado de consciência cósmica ou plena


consciência – as experiências são descritas com o
caráter de inefabilidade, caráter paradoxal,
desaparecimento da dimensão tempo-espaço, não
projeção da mente sobre os objetos, superação da
dualidade sujeito-objeto (unidade) ou estado não-
dual, vivência de uma luz radiante que impregna
o espaço, experiência energética de iluminação
interior, vivência da vacuidade plena, vivência de
amor indescritível, sentimento de viver a
realidade como ela é, desaparecimento do medo
da morte; vivência da eternidade, descoberta do
verdadeiro sentido da vida e sentido do sagrado.
(Weil apud Saldanha, 2008, p.176).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 431
Segredos do Antigo Tibet

Considerando esses traços concordantes


fundamentais, os yogues indianos dividiram a experiência
do Samādhi em duas categorias principais, para mapear
suas manifestações (BABA, 2008):

Savikalpa Samādhi – Contato sujeito-Objeto: Nesse


estado, o sādhaka (praticante espiritual) entra em contato
com a Realidade Última, compreendendo-a através da
percepção supra-mental.

Nirvikalpa Samādhi – União sujeito-Objeto: Neste


estado, não há apenas o contato com a Realidade Última.
Sādhaka e Realidade Última unem-se em uma coisa só,
cessando todo sentimento de dualidade e dissolvendo a
ilusão de personalidade separada. O Sādhaka encontra seu
verdadeiro Eu, e realiza que ele é idêntico ao Eu-Absoluto
Universal. A dualidade Númeno e Fenômeno, Absoluto e
relativo, deixa de existir.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 432
Segredos do Antigo Tibet

E ali vale o aforisma Zen: “Quando você percebe


que não há nada que você seja. E nada que você não seja”.

Consciência pura. Realidade pura.

O próprio Evans-Wentz evoca essa condição de


supremo êxtase do Samādhi quando o descreve em seu A
Ioga Tibetana e as Doutrinas Secretas:

Na “união”, por meio do Estado Quieto


(sânscrito, Samādhi), o ioguim transcende a
personalidade e sua consciência microcósmica,
quebra seus grilhões e se reúne à Todo-
Consciência Macrocósmica. Isto, o Objetivo da
Ioga, é na verdade a transmutação da natureza
humana limitada em natureza divina ilimitada, a
combinação ou “união” do eu inferior com o Eu
Único, da gota com o Oceano. Esse resultado
supremo, que os ocultistas europeus
denominaram Iluminação e os budistas
chamaram Nirvana, pode ser atingido, segundo
nossos textos e mestres tibetanos nos asseguram,
por todos aqueles que trilharem o caminho do
Grande Símbolo (...). (EVANS-WENTZ, 1993,
p. 62).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 433
Segredos do Antigo Tibet

Apesar do termo budista equivalente “Nirvana”,


vemos outras formas de referência a essa condição extática
por parte dos yogues/yoguines tibetanos.

Percebe-se, também, que a filosofia tibetana, de um


modo geral, compreende esse estado de consciência e os
fatores a ele associados. É o que podemos ver com a
explicação de Tenzin Wangyal Rinpoche:

A realidade fundamental da mente é


consciência pura, não dual: rigpa. Sua essência é
uma só com a essência de tudo o que existe. Na
prática, não deve ser confundida nem mesmo
com o mais sutil, mais quieto e mais expandido
dos estados da mente em movimento. Sem
recolhimento, a natureza da mente se manifesta
como a mente em movimento, mas quando
conhecida diretamente é tanto o caminho para a
liberação quanto a liberação em si.

Os ensinamentos Dzogchen
frequentemente usam um espelho para
simbolizar rigpa. Um espelho reflete todas as
coisas sem escolha, preferencia ou julgamento.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 434
Segredos do Antigo Tibet

Ele reflete o belo e o feio, o grande e o pequeno,


o virtuoso e o não-virtuoso. Não há limites ou
restrições para o que pode ser refletido e, mesmo
assim, o espelho permanece sem manchas e não
é afetado pelo que quer que por ele seja refletido.
Ele também nunca para de refletir. (RINPOCHE,
2010, p. 205).

Mais para frente, o autor faz uso de ensinamentos


espirituais tibetanos para explicar um pouco mais o tema.
Conforme podemos ver, a explicação está em total sintonia
com aquilo que vimos, anteriormente, como explicação do
estado de Samādhi:

O Tantra Mãe refere-se à natureza da


mente como “mente primordial”. Ela é como o
oceano, enquanto a mente ordinária é como os
rios, lagos e riachos que compartilham da
natureza do oceano e retornam a ele, mas que
existem temporariamente como corpos de água
aparentemente separados. A mente em
movimento é também comparada a bolhas no
oceano da mente primordial que se formam e se
dissolvem constantemente, dependendo da força

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 435
Segredos do Antigo Tibet

dos ventos kármicos. Mas a natureza do oceano


não muda. (Idem, 2010, p. 206).

Talvez um caso de especial interesse para nós, aqui,


é o da vida e testemunho de Jetsun Milarepa, o grande
yogue tibetano.

Figura 27. Milarepa – o grande yogue tibetano.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 436
Segredos do Antigo Tibet

Sobre sua vida, muitas passagens preciosas há para


nos esclarecer neste livro, acerca dos mais diversos
assuntos. Inclusive sobre o Samādhi.

Felizmente, contamos com material literário


disponível, em língua portuguesa, a respeito da vida e
ensinamentos de Milarepa. Um dos que se destacam é a
obra Milarepa – História de um Yogi Tibetano, do senhor
W. Y. Evans-Wentz.

Em um dos trechos de sua biografia traduzida, a


partir do livro publicado pelo senhor Evans-Wentz, narra-
se um trecho em que se descreve o achado de um
manuscrito, atribuído aos bens de Milarepa, encontrado
após a morte do mesmo. Neste texto, lemos as seguintes
palavras (EVANS-WENTZ, 1985, p.p. 228-229):

O alimento que eu, o Yogi, como,

Enquanto permaneço no Samadhi,

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 437
Segredos do Antigo Tibet

Possui uma dádiva de dupla virtude;

E aqueles que têm a sorte de prová-lo

Fecham firmemente a porta do renascimento no Preta-Loka.

"Uma tira deste tecido de algodão branco7475,

Vestida sobre o corpo ou sobre o pescoço,

Enquanto se medita sobre o Ardor Vital,

Fechará as portas dos Infernos de calor e de frio.

"E os que comem desta comida de graça

Estão salvos dos Três Mundos Inferiores.

"Os que estabeleceram vínculos religiosos comigo

Não renascerão nos estados inferiores,

E ganharão, passo a passo, o objetivo no Caminho do Bodhi.

"Aqueles que apenas ouviram o meu nome,


74
O traje de algodão branco, com que se vestem os yogis Kargyütpas,
simboliza o Intelecto Espiritual. (Nota do Autor).
75
Vários yogues tibetanos levam o termo “repa” junto ao nome. Isso é uma
referência, geralmente, a yogues que utilizam o Tummo em suas práticas.
Como o calor gerado os protege das gélidas regiões em que vivem, podem se
vestir apenas com um simples manto branco de algodão. “Repa” significa,
literalmente, “aquele que veste algodão”. Portanto, Milarepa é “Mila, aquele
que veste algodão”. (Nota nossa).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 438
Segredos do Antigo Tibet

E que por isso se voltaram para a fé,


Durante sete existências recordarão seus nomes e castas anteriores.

"Para mim, Milarepa, o Enérgico,


O universo se transmudou em ouro;


Nenhuma necessidade tenho de guardar ouro em pacotes ou bolsas.

"Ordeno a meus filhos espirituais e a meus seguidores que sigam


meus preceitos;

E assim obterão os mesmos resultados,

Favorecidos por seus bens e objetivos".

É interessante notar, contudo, que o assunto do Samādhi


não nos possibilita uma clara descrição, conforme já havíamos
esboçado ao início deste capítulo – por isso aqueles que o
experimentaram recorrem a formas de expressão figuradas,
como a poesia. Da mesma forma, a maneira como é abordado
pelas doutrinas orientais possui diversos matizes teóricos a
orientar o percurso do yogue até a foz do êxtase iluminativo.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 439
Segredos do Antigo Tibet

Mas podemos comparar a descrição poética deste


grande yogue tibetano com a descrição por parte de um
grande yogue indiano. Assim, veremos que os caráteres
intrínseco e inefável da experiência permanecem os
mesmos.

O poema abaixo é de Paramahansa Yogananda, um


notabilíssimo yogue indiano, e se intitula “Samadhi”.

Samadhi

Da luz e da penumbra retirado o véu,


Removida então a névoa do sofrimento,
Mandado embora todo prazer fugaz,
Também se dissolvem as miragens fúteis.
O amor, o ódio, a saúde, a doença, a vida e a morte,
Somem todas as falsas sombras do dualismo.
Ondas de riso, rochedos de sarcasmo, abismos de melancolia,
Derretem no oceano imenso da felicidade.
A tempestade de maya esmorece
Ao toque da vara mágica da intuição.
O universo, sonha esquecido, espreita bem no fundo,

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 440
Segredos do Antigo Tibet

Pronto para invadir minha há pouco desperta memória divina.


Vivo agora sem a sombra cósmica,
Arrancada de mim que ela foi,
Como o mar que existe sem as ondas,
Mas as ondas não vivem sem o mar.
Sonhos, vigílias, sono profundo de turia,
Presente, passado, futuro, nada mais é meu,
Mas sim o presente eterno, onde o eu flui por toda parte.
Planetas, estrelas, poeira de estrelas, terra,
Erupções vulcânicas e cataclismos do juízo final,
A velha fornalha da criação,
Glaciares de silentes raios-x, queimando fluxos de elétrons,
Pensamentos humanos do passado, do presente e do porvir.
Toda folha de grama, eu mesmo e a humanidade,
Cada partícula da poeira universal,
Raiva, ambição, bondade, maldade, salvação, desejo,
Tudo eu engulo e tudo transformo
Num vasto oceano de sangue do meu próprio e único Ser!
Alegria ardente, inspirada na meditação,
Cegos meus olhos lacrimosos
Queimo em meio a chamas de bem aventurança,
Minhas lágrimas, meu esqueleto, meu todo consumidos.
Vós sois eu, eu sou Vós.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 441
Segredos do Antigo Tibet

Conhecimento, conhecedor, tudo apenas Um!


Tranquila vibração inquebrantável, eternamente viva, renovada!
Saboreada além da imaginação e da esperança, deleite do samadhi!
Jamais um estado inconsciente
Ou clorofórmio mental sem retorno voluntário,
O samadhi só prolonga em mim a consciência
Para além dos limites da morte
Até as fronteiras mais distantes da eternidade
De onde eu, o oceano cósmico, observo o pequeno ego flutuando em
Mim.
O pardal, cada grão de areia, não se moverão sem Meu olhar.
Todo o espaço flutua como um iceberg no mar da Minha mente.
Recipiente Imenso, eu mesmo, de toda coisa criada.
É através da mais querida, profunda e ansiada meditação recebida de
um guru
Que chega esse samadhi divino.
Ouve-se o vago murmúrio de átomos.
A terra escura, vales, montanhas - veja! - liquefeitos!
Mares ondulantes se transformam em vapor de nebulosas!
Om explode em vapores, seus véus abrindo, magníficos,
Oceanos se levantam emitindo elétrons,
Até que soa afinal o tambor cósmico,
Mudando as densas luzes em raios permanentes

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 442
Segredos do Antigo Tibet

De impregnada bem aventurança.


Da alegria venho, da alegria vivo, em sagrada alegria me transformo.
Oceano da mente, da criação bebo as ondas todas.
Quatro véus da luz sólida, vaporosa, líquida e luminosa,
Flutuantes, graciosos.
Eu mesmo, em tudo, mergulho no Grande Eu Mesmo.
Finda para sempre, sombra incerta e vacilante da memória perecível,
Imaculado é o céu da minha mente, abaixo, a frente, ao alto.
Eternidade e eu somos um raio só.
Um pequeno borbulho de risada,
E o próprio Mar da Alegria agora eu sou.

Chamado de Samādhi ou Nirvana, a experiência


além-da-mente, além-do-ego e além-da-relatividade, que os
yogues atingem após profundo Dhyāna, permanece a
mesma.

Embora a presença de dúvidas sobre as diferenças


entre Nirvana e Samādhi, a psicologia, algumas vezes,
pareceu situá-los como semelhantes, parecendo concordar
que se tratam apenas de diferenças nominais (vide

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 443
Segredos do Antigo Tibet

Antologia do Êxtase). Para o investigador que se dedica


apenas à superfície do estudo teórico, podem parecer
designações diferentes para estados igualmente diferentes,
mas para aqueles que se absorvem e se ancoram na
experiência, onde todo nome e forma passam a ser
irrisórios, a essência da experiência é a mesma.

Vemos, por exemplo, outra denominação para a


auferida busca: muitos yogues tibetanos falam em Shūnyatā
(vacuidade) (EVANS-WENTZ, 1985). À princípio, para o
leitor ocidental, pode parecer tratar-se de um conceito
niilista que abarca a natureza do vazio. Contudo, tudo
indica se tratar apenas de uma denominação diferente para
se referir a um estado próximo ou semelhante ou mesmo
igual à supraconsciência, uma vez que ela “esvazia” a
mente de suas agitações, dúvidas e conceitos, e lança a
consciência a um mundo onde as dualidades, configuradas
pela aparente multiplicidade de nomes e formas, são
automaticamente extintas. Nesse estágio, passa o yogue a
contemplar o estado natural da Realidade Absoluta, do

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 444
Segredos do Antigo Tibet

Dharma-Kaya, de Parabrahman, da Clara Luz, do Espírito


Supremo, do Absoluto, da Ipseidade, da Causa Incausada,
de Deus – ou simplesmente da oniabarcante presença de
claridade, consciência e vacuidade. E, ali, descobrindo essa
Grandeza Incomensurável, esse conceito mais cristalino
daquilo que poderíamos chamar, aqui, de Deus, através da
descoberta desse Deus que ultrapassa os limites franzinos
das conceituações dogmáticas, encontra a essência de si
mesmo.

“O objetivo da prática oriental é idêntico ao da mística ocidental: desloca-se


o centro de gravidade do ego para o si-mesmo, do homem para Deus; o que
quer dizer que o eu desaparece no si-mesmo, e o homem em Deus”.

(JUNG, 1986, p. 104).

Contudo, a própria Psicologia Transpessoal utiliza o


termo “vácuo” para designar um estado de consciência
diferenciado. Nessa abordagem, vemos, contudo,
“superconsciente” e “vácuo”, como sendo categorizados de
forma sutilmente diferente. E a justificativa é bastante
razoável, favorável ao nosso entendimento. De acordo com

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 445
Segredos do Antigo Tibet

a cartografia da consciência estipulada por essa força da


Psicologia, temos o seguinte mapeamento (SALDANHA,
2008, p.p. 180):

Estabelecendo o nosso foco na especificidade das


duas últimas categoria, superconsciente e vácuo,
encontramos as seguintes definições:

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
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Segredos do Antigo Tibet

- Superconsciente ou Supraconsciente –
ocorre profundo êxtase existencial. Há uma
percepção ampla da realidade, sentimentos de
compaixão, de eqüanimidade. É um nível
diferenciado da consciência, o indivíduo tem
uma apreensão intuitiva do fenômeno da unidade
e da relação homem-cosmo. É um nível sempre
disponível, no entanto é acessado somente se
estivermos receptivos a ele.

Roberto Assagioli afirma que precisamos


educar nossa consciência de vigília, eliminar os
pensamentos desnecessários, esvaziar o lixo
mental para que esse nível superior possa se
manifestar (Assagioli, 1993, p. 53). Para este
autor, é a região onde os impulsos criativos têm
origem e do qual advêm intuições e inspirações
superiores, artísticas, filosóficas ou científicas.
Nas experiências deste nível há um sentido de
profundidade, interiorização, elevação e
despertar. Promove a sensação legítima de
renovação, liberação, auto-suficiência e plenitude
(p. 53). (SALDANHA, 2008, p. 183).

Após essa descrição, a autora passa a descrever,


tecnicamente, o estado de vacuidade. Vejamos:

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
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Segredos do Antigo Tibet

- Vácuo – estado além de qualquer


conteúdo – corresponde ao nirvana na Filosofia
budista. É um estado de puro ser. A consciência
funde-se à mente universal e não há palavras que
possam expressar esse momento. Segundo Grof
(1988), o vácuo é experienciado como subjacente
a toda criação, além do tempo e do espaço, além
do bem e do mal. (idem, 2008, p. 184).

Contudo, a autora acrescenta:

Na prática não existe uma delimitação


tão rígida entre esses diferentes níveis de
consciência. Muitas vezes interpenetram-se ou
são experienciados em frações de segundos,
indicando que o consciente e o inconsciente são
dimensões de uma mesma e única realidade.
(idem ibidem, 2008, p. 184).

Honestamente, a impressão particular que temos é


que, segundo as descrições acima, o denominado
Superconsciente bate com as descrições do Savikalpa

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 448
Segredos do Antigo Tibet

Samādhi, enquanto a descrição do “vácuo” nos remete ao


Nirvikalpa Samādhi. Dentro dessa dialética, poderíamos
ainda observar que, em alguns casos, dependendo da ótica
do argumentador, Nirvana e Samādhi podem ser
referências à mesma experiência. Dependendo do caráter,
ou “grau” da experiência samádhica, ainda resta traços da
dualidade, o que poderia, nesse caso, diferenciá-lo do
Nirvana, mas apenas por uma mera questão de
nomenclatura e grau. Porque o Samādhi perfeito, segundo a
descrição dos yogues, está precisamente de acordo com os
relatos das experiências budistas do Nirvana.

O problema aqui é que como não temos como


conjecturar mentalmente as características do Samādhi em
um relato preciso – justamente por se tratar de uma
experiência além-da-mente – presumimos que alguns
praticantes possam atingir profundidades em Dhyāna e
achar, a partir daí, que atingiram o Samādhi sem tê-lo feito
realmente. Daí descrevem suas próprias experiências como
relato autêntico do Samādhi, mas esse é um ponto em que

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 449
Segredos do Antigo Tibet

devemos tomar cuidado. Porque, através desses incautos


discursos, podemos diminuir a imagem de algo que, por
natureza, transcende qualquer dimensão.

Figura 28. Namkha Gyaltsen, grande yogue tibetano e mahasiddha,


praticante da tradição Yungdrung Bön. Aqui, vemos o grande mestre absorto
em profundo estado meditativo, em grande expansão de consciência, e, pelos

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 450
Segredos do Antigo Tibet

sinais exibidos, demonstra estar no mesmo estado que os hindus chamariam


de Samādhi. No entanto, para a tradição yogue tibetana, Namkha Gyaltsen
está reluzindo no “Estado Natural da Mente”, chamado, em tibetano, de gnas
lugs – a condição natural fundamental, consciência pura, consciência
búddhica76.

76
Foto disponibilizada publicamente pela comunidade Naldjor do facebook.
https://www.facebook.com/pages/Naldjor/280100425371178, acessado em
18 de Dezembro de 2014. Sobre sua origem, o único comentário é que “This
foto was given to a friend when he personally met Namkha Gyaltsen in
Eastern Tibet”. (“Esta foto foi dada a um amigo quando pessoalmente
conheceu Namkha Gyaltsen no Tibet oriental” – Livre tradução). Texto
publicado pelo administrador da comunidade. A inscrição na parte de baixo
da foto diz: “Naldjorpa Ti'gerd Pe'manusch” – possivelmente uma referência
ao proprietário deste exemplar em particular. Nenhuma outra fonte ou
referência a essa imagem foi encontrada na internet.

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Yoga Tibetano: 451
Segredos do Antigo Tibet

Figura 29. Sri Yukteswar, grande yogue indiano, em profundo Samādhi77.

Conforme percebemos, os yogues tibetanos têm a


noção desse grande “Porto-de-Chegada” denominado,
pelos yogues indianos, de Samādhi. Vimos que, algumas

77
Foto disponibilizada por EVANS-WENTZ (1993).

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Yoga Tibetano: 452
Segredos do Antigo Tibet

vezes, esse mesmo nome é adotado pelos praticantes


tibetanos. Um sinônimo, em tibetano, para Samādhi é Ting
nge ‘dzin, mas o termo não é preciso, pois se refere,
genericamente, aos diversos estados profundos de
consciência que alguém pode chegar por meio da
meditação. Outro termo em tibetano é Lhag-tong, que é
uma referência à supraconsciência. Gnas lugs, ou “estado
natural”78 (da mente) é também uma referência possível.
Mas talvez as expressões Nirvana e Śūnyatā sejam
correntemente mais adotadas no universo budista, apesar de
serem termos em sânscrito, não em tibetano.

Percebe-se o intento de atingir tal estado, mas, ao


mesmo tempo, vemos apenas descrições figuradas,
simbólicas ou poetizadas a respeito do Samādhi. É tudo
muito alegórico. E, realmente, é a forma como pode ser

78
Outra expressão que pode ser utilizada é Sems nyid ngo sprod pa. O verbo
ngo sprod pa significa “desnudar”/ “revelar a natureza”. Sems nyid é relativo
a “natureza da mente”, “grande vacuidade” ou algo parecido com “natureza
espiritual pura”.

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Yoga Tibetano: 453
Segredos do Antigo Tibet

evocado para uma exposição intelectual – a linearidade


parece estreita demais para abarcá-lo.

Dessa forma, este não é um capítulo em que


fórmulas ou técnicas podem ser expostas. As técnicas,
analisando-se a rigor, terminam em Dhāranā. Depois disso,
em Dhyāna e Samādhi, o nosso esforço é em entender o
conceito, se é que esses estados podem ser traduzidos em
estreitos e limitados conceitos. Aqui, só a experiência. Não
há um conjunto de “técnicas secretas” capazes de
subordinar o Samādhi a acontecer. Apenas o
aprofundamento no processo meditativo, junto com a
prática sincera, pode garantir o triunfo. Samādhi não é uma
“técnica” de Yoga. Não é algo que acontece de uma forma
para o tibetano e de outra para o indiano. Trata-se de algo
para além das divisões e categorizações exteriores. É uma
experiência de caráter universal. E, de acordo com o forte
caráter pragmático do Yoga Tibetano, notamos que seus
adeptos, falando ou não do assunto, descrevendo com essa
ou aquela palavra, independente de todas essas coisas, se

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 454
Segredos do Antigo Tibet

lançam de maneira muito determinada a atingir esse estado


de consciência.

Sabemos que Samādhi não é o “objetivo final”. Este


é Moksha (libertação). Mas o Samādhi tem papel
fundamental aí. Sabendo, então, que a meta principal do
praticante budista é libertar-se da roda de Samsāra, ou seja,
a Libertação, não estariam esses dois grandes veículos de
potencialmente-iluminados, o veículo do Yoga Indiano e o
do Yoga Tibetano, realizando um trabalho conjunto,
paralelo, rumando para a mesma direção, não obstante as
diferenças dos traços culturais?

O “primo” do Budismo Tibetano, a filosofia Zen,


enfoca essa questão da “iluminação” de uma forma
bastante interessante e concisa. Diz Carl Gustav Jung ao
utilizar uma descrição de origem Zen-Budista:

Contentar-me-ei com estes poucos


exemplos que ilustram suficientemente a

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 455
Segredos do Antigo Tibet

opacidade da experiência vital do satori. Mesmo


que citássemos muitos outros exemplos,
acharíamos extremamente difícil saber como se
chega a esta iluminação e em que ela consiste.
Ou, em outras palavras, saber o que nos ilumina
e a respeito de que somos iluminados. Kaiten
Nukariya, professor do Colégio budista Tō-Shū
de Tóquio, nos diz, falando da iluminação: “Uma
vez libertados da falsa concepção de si-mesmo,
temos de despertar nossa mais íntima e pura
sabedoria divina, chamada pelos mestres do Zen
a mente de Buda (Mind of Buddha) ou Bodhi (o
conhecimento pelo qual o indivíduo experimenta
a iluminação) ou Prajnā (suprema sabedoria). É a
luz divina, o céu interior, a chave de todos os
tesouros do espírito, o ponto central do
pensamento e da consciência, a fonte de onde
brotam a força e o poder, a sede da bondade, da
justiça, da compaixão e da medida de todas as
coisas. Quando este conhecimento interior é
plenamente despertado, estamos aptos para
compreender que cada um de nós se identifica
em espírito, essência e natureza com a vida
universal ou Buda; (...) (JUNG, 1986, p.p. 62-
63).

Talvez nos caiba encerrar este capítulo deixando as


palavras do próprio Buddha, em alegoria ao estado-de-ser
que se alcança quando, peregrinando pela Senda, se depara

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
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Segredos do Antigo Tibet

com essa experiência de iluminação proporcionada pelo


autêntico Samādhi.

“Cheio de luz e alegria, o seguidor aproxima-se ao


coração da calma; tendo transcendido o tempo, encontrará
a eternidade, a jóia suprema da iluminação”. (Buddha in
Dhammapada).

“Não está preso ao mundo dos homens, nem ao


mundo dos deuses. Está livre de tudo o que existe na
criação”. (Buddha in Dhammapada).

E é dessa forma que vemos, com clareza de análise,


o ponto-de-fecho nesse percurso multicultural que envolve
duas formas de se abordar Yoga, compreendendo, contudo,
que o Yoga transcende qualquer forma, pois que verte e diz
respeito, tão-somente, à dimensão sem forma que visa
conduzir o/a yogue/yoguine rumo ao Infinito de si
mesmo(a).

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 457
Segredos do Antigo Tibet

Conforme verificamos, do Yama ao Samādhi, o


Yoga Tibetano oferece suas contrapartidas consoantes,
tanto em teoria como em prática, ao Yoga Indiano,
principalmente no que diz respeito aos postulados de
Patañjali. Pode não ser a mesma coisa; ao mesmo tempo
que o é. Existe, afinal, essa relatividade quando todas as
diferenças são extintas no Samādhi/Nirvana?

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
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CONSIDERAÇÕES
FINAIS

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Yoga Tibetano: 459
Segredos do Antigo Tibet

Talvez uma das formas mais honestas e especiais de


se encerrar um livro como este seja justamente tentar
descrever o olhar do pesquisador, que permeou todo o
trabalho. Sim, tecnicamente o pesquisador deve isentar-se
ao máximo, mas como indivíduo humano, até mesmo na
isenção de si mesmo o seu olhar é direcionado por este ou
aquele brilho que mais lhe chama a atenção, lhe chama o
interesse e lhe cria o entusiasmo de estudar e,
posteriormente, expor os frutos de seu trabalho.

Talvez o leitor deva ter percebido que não houve a


demora nesta ou naquela linha específica de Yoga
Tibetano, como se este livro fosse um manual publicitário
deste ou daquele “estilo”, mas um esboço geral do cenário
traçado pelas pegadas dessa vastidão de riquezas
espirituais.

O motivo disso é que a pesquisa buscou lançar-se


para além do Yoga esquematizado e delimitado por
bandeiras particulares; não foi uma busca pelo praticante
que, em meio às suas atividades, clama orgulhoso possuir a

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
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Segredos do Antigo Tibet

herança de uma pretença “tradição verdadeira”, assumindo


ter a “pureza” de alguma “linhagem”. Ao contrário, o olhar
deste trabalho busca aquele yogue que, humildemente,
procura a pureza do seu próprio universo interno, não em
dogmas, segregações ou linhagens da Terra. É aquele livre-
pensador que, questionando tudo para poder questionar a si
mesmo, busca sua linhagem celeste.

É o místico por excelência, o eremita, eremita de si


mesmo, que ousa romper sua própria zona de conforto e
desatar os cordames agrilhoadores de seu próprio ego. Ele
se apoia na tradição, sim, porque não é um rebelde sem
causa, mas a utiliza como uma ponte, a qual servirá para
fazer uma auspiciosa travessia. Mas não se algema à ponte.
Às pontes.

Recordo-me, com isso, dos grandes iniciados dos


Himalaias. Homens e mulheres que deixaram tudo para trás
a fim de viverem uma vida totalmente dedicada à busca
espiritual. Como caminhantes da alvorada – alvorada de
seu próprio Sol interior – saiam à busca daquilo que a vida

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 461
Segredos do Antigo Tibet

lhes poderia oferecer, em termos de conhecimento, de


modo a auxiliar-lhes o progresso. Os amantes da Verdade,
de seu próprio modo, a qualquer momento estão prontos
para agregarem novos conhecimentos e até mesmo, se for o
caso, renunciar às suas antigas convicções para aprenderem
algo mais precioso, que os leve à gema inefável de sua
própria realidade fundamental, que é una à Realidade
Fundamental do Universo.

Talvez os yogues do Himalaia tenham vindo em


minha mente justamente por estarem transitando por uma
zona de confluência muito rica de conhecimento espiritual.
Tibet, Índia, Nepal, Butão... Tudo se aglomera nas
cercanias dessa rica região. Não eram apenas buscadores
hindus a peregrinarem por essa vasta localidade. Daí, pode-
se imaginar um “Yoga Himalaico”, onde a diversidade e
encontro de muitos conhecimentos eram acrescidos à
prática individual de cada yogue ou yoguine. Recordo-me
de um relato muito precioso de Swami Rama, em seu
Vivendo com os Mestres do Himalaia. Em determinado

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 462
Segredos do Antigo Tibet

trecho de seu livro, o Swami narra uma aventura que teve


até chegar ao seu grão-mestre (mestre do mestre), que
estava abrigado em terras Tibetanas. O seu próprio mestre
já era um indivíduo singularmente notável, sujeito ímpar e
habilidoso, o que cativa muito mais a atenção do leitor
quando se trata do relato do encontro com seu grão-mestre.

Após atravessar a Índia e chegar ao Tibet,


finalmente acaba encontrando o grande sábio. Em meio à
exibição quase “corriqueira” de capacidades paranormais e
extra-físicas – que é relativamente comum a yogues e
yoguines adiantados, apesar dos fenômenos, em si, não
apontarem nenhum fator de santidade por parte daqueles
que os dominam79 - vemos um mestre indiano ensinando a

79
Poderes esses (genericamente chamados de siddhis) que, quando
dominados pelos yogues, também costumam ficar ocultos aos olhos do
grande público, evitando aglomeração incauta para fins imediatistas e de pura
curiosidade. O sábio tem conhecimento que tais assuntos devem permanecer
afastados do interesse de grandes massas, por exigir certa maturidade e
consciência ao se lidar com o tema, cuja ausência pode levar à banalização e
mal uso de tais capacidades, sem falar no interesse comum por se tentar
fraudar um fenômeno autêntico, o que acaba desmerecendo a existência de
fenômenos realmente genuínos que sempre foram de conhecimento geral e
domínio de muitos yogues ao longo dos tempos.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 463
Segredos do Antigo Tibet

discípulos tibetanos, o que sugere um grande “caldo


cultural”, em termos de espiritualidade, em movimento
nesse tipo de contexto.

Isso nos faz pensar na troca que pode haver entre


yogues de ambas – ou mais – origens, cuja circulação do
conhecimento acaba beneficiando e elevando a prática
individual de cada um: vale lembrar que um yogue
verdadeiro não se considera restrito a esta ou àquela
nacionalidade: ele é um cidadão planetário, em busca de
sua cidadania cósmica. Por isso a nossa intenção é que este
material não seja apenas de interesse daquele que se diz
“yogue tibetano” ou “yogue indiano”. E sim daquele que,
simplesmente, diz-se um “yogue”, ou, melhor ainda, um
“yoguin” (ou seja, aquele que trilha o caminho do Yoga,
porque, tecnicamente, “yogue” é aquele que já percorreu a
senda e encontrou seu destino nas profundezas do Si-
mesmo).

Apesar de apresentarmos informações pontuais, para


fomentar nosso caráter de estudo, este trabalho também se

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Yoga Tibetano: 464
Segredos do Antigo Tibet

destina a inspirar, de alguma forma, a prática de pessoas


das mais diversas denominações ou “linhagens”. Ou de
linhagem nenhuma.

Por isso, nosso olhar tentou rastrear os mais diversos


traços que estão presentes nesse contexto. Mais uma vez,
nossa busca não foi por aqueles que exibem uma faustosa
biblioteca e, no auge da erudição exibida por seu ego,
declara: “Eu sei”. Mas daqueles que, diminuindo o ego para
realizarem-se em unidade com o Self Absoluto declaram,
de experiência própria: “Eu Sou”.

E quando se busca ser, qualquer informação ou


caminho relevante pode ser considerado. Teilhard de
Chardin já dizia que “tudo o que eleva, converge”.
Portanto, surge daí uma necessidade de se adentrar nas
brumas misteriosas do Yoga Tibetano – não
exclusivamente o pertencente a esta ou aquela “tradição
pura”, ou a este mosteiro específico, ou daquele mestre
proeminente. É o Yoga que, sim, também olha para esses
cenários por eles fazerem parte de um contexto muito

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 465
Segredos do Antigo Tibet

maior, mas que também não desconsidera o iletrado sincero


que, no silêncio de sua cabana, dá sequência às suas
simples, porém profundas, práticas.

Desse jeito, não vimos a necessidade de, neste


presente trabalho, lançarmos um aprofundamento mais
incisivo em uma abordagem específica que se ramifica
desta grande Fonte chamada de Yoga Tibetano. Ainda
porque é árdua tarefa tentar adentrar significativamente em
tão profundas e densas tradições, a não ser que a pessoa
seja um iniciado-ordenado. Mas para o ordenado, para quê
divulgar as informações? Sabe que quem se interessar
também pode ingressar à Ordem. Mas não é essa a nossa
intenção. Não é estimular o leitor a afiliar-se a esta ou
àquela linhagem. É estimulá-lo a, no contexto rotineiro de
sua vida, ver que é possível trilhar esse caminho de
iluminação sem retirar-se às ermidas ou mosteiros. É
mostrar que quem paga contas, vive nas cidades e possui
uma família não está excluído e/ou impossibilitado de ser
um Buddha, ainda que seu contexto sócio-cultural pareça

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 466
Segredos do Antigo Tibet

dizer o contrário. Os yogues tibetanos, muitos deles, viviam


em suas comunidades/cidades com as suas famílias
também. Porque os yogues tibetanos trazidos à luz neste
livro não estão aqui para ensinar, mas para inspirar.

Por isso não pode ser um manual. Lembro-me de um


dos livros mais marcantes da minha vida: Autobiografia de
um Iogue. O tempo todo Paramahansa Yogananda, o autor,
falava em Kriya Yoga, o método utilizado por sua tradição
para se alcançar a realização do Self. Contudo, incômodo e
curiosidade se digladiavam o tempo todo dentro de mim.
Porque embora ele fizesse uma forte divulgação do Kriya
Yoga, não falava nada de específico sobre esse método, no
sentido de partilhar/divulgar/ensinar alguma técnica ao
leitor. Graças a Deus. Porque foi o que me impulsionou a
levantar e ir procurar. Caso contrário, se ele explicitasse
todas as técnicas ali naquele livro, meu intelecto se daria
por satisfeito só pelo fato de minha mente conceitual ter
apreendido aquele conteúdo. E o deixaria de lado depois.
Aposto que, após praticar uma, duas, três vezes, eu não

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 467
Segredos do Antigo Tibet

daria prosseguimento. Mas Yogananda estava ali para fazer


algo além de ensinar. Ensina-se à mente. Ele estava ali para
inspirar. A inspiração fala à alma.

Quanto às técnicas que aprendi em livros – inclusive


do Yoga Tibetano –, exclusivamente de modo intelectual,
não dei prosseguimento. Mas aquelas que aprendi movido à
inspiração, levantando e indo conhecer pessoas, lugares,
mestres (encarnados, e principalmente os desencarnados,
espirituais), assistir palestras, buscar por informações onde
fosse possível, retirando-me à natureza para praticar,
repetir, silenciar, aprofundar, essas permanecem vigorosas
e estão comigo até hoje. Não são apenas informações. São
agentes práticos de transformação.

Este é o objetivo deste livro. Não pense que é coisa


da minha cabeça. Os mestres yogues faziam isso (não sou
mestre yogue, mas não me arrisco a fazer diferente). Não
“despejavam” técnicas nos estudantes. Davam inspiração,
proteção e orientação, mas faziam os alunos varrerem o
chão, se exercitarem, cozinharem, esperarem, cruzarem

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Segredos do Antigo Tibet

longas distâncias para conhecerem outros mestres,


meditarem sozinhos para, depois de provada a sinceridade,
passar-lhes algo. Só depois. Vide, por exemplo, a vida de
Milarepa em sua biografia que perceberá o quanto austero
quanto a isso era o seu guru Marpa.

Nesse sentido, aquele que se sentir atraído, ou,


ainda, inspirado por esse contexto místico e mágico
abordado neste livro, terá onde buscar. E sua busca o
efetivará como um verdadeiro praticante. Porque é essa a
mensagem dos mestres: ir atrás. Envolver-se. Lembra-se de
Jesus com o homem rico? Os mestres tibetanos estão
abertos a difundir a sua luz por onde quer que ela seja
necessária e buscada. Porque agora que o Tibet foi tomado
pela China, a luz do “Teto do Mundo” foi orientada a se
espalhar pelo planeta, não ficando apenas restrita a um
único lugar. Esse é o seu objetivo agora. Nem mesmo a
invasão chinesa foi em vão. Urge, agora, que os
ensinamentos desses grandes arautos da luz cheguem

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Segredos do Antigo Tibet

naqueles corações ressequidos ou já preparados para essa


sementeira.

Aqui lançamos um “olhar básico”. É uma introdução


ao Caminho. Se o coração vibrar ao ver essa apresentação,
certamente o buscador saberá, agora, aonde ir para obter
informações mais aprofundadas. Saberá o quê procurar.

Já sabemos o que fala o Yoga para além dos


modismos. Sabemos de seu treinamento interior.

Como vimos, o universo do Yoga Tibetano possui


uma equivalente equitativamente eficiente para cada passo
abordado por Patañjali na sua estrutura de Codificação do
Yoga na Índia. Espero ter passado a visão da essência
dessas práticas para que fique claro ao leitor o conjunto de
seus embasamentos e o que se busca atingir por cada meio.

Meu compromisso é com o Yoga estilo de vida, não


com o Yoga “prática semanal”. São duas coisas bem
diferentes. E, para fazer juz ao meu interesse, foi colocado

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Yoga Tibetano: 470
Segredos do Antigo Tibet

neste livro os pontos e informações imprescindíveis para se


entender o Yoga Tibetano a partir dessa perspectiva.

É sair da forma industrialmente comercializada,


mostrando um Yoga diferente daquele que reluz nas
vitrines. É mostrar o Yoga que, independente da
nacionalidade, reluz em total sinceridade dentro de cada
um. E chama a todos. Agora.

Lembramos da Bhagavad-Gita, em que Sri Krishna


fala sobre Dharma/Yoga:

“Nada de teus esforços se perde neste caminho; já a


menor porção desta ciência e prática nos livra de grande medo
e perigo.

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Yoga Tibetano: 471
Segredos do Antigo Tibet

Neste ramo de ciência, há um só objeto em que a mente


pode concentrar-se com segurança, muito ao contrário de
outros campos de esforço mental, cheios de múltiplos ramos,
numerosos caminhos e divergentes fins.

Muitos há que, saciando-se com as letras (ou com o


sentido exterior, superficial) das Sagradas Escrituras e
doutrinas, e não podendo perceber o seu verdadeiro sentido
interior, acham grande deleite em controvérsias técnicas a
respeito do texto, em definições monstruosas e abstrusas
interpretações.

Os corações desses homens estão cheios de desejos e


esperanças pessoais; o seu mais alto ideal é um céu, onde
acham todos os objetos de seus prazeres, a satisfação do seu
sensualismo, e não se elevam à altura de onde se percebe a
união de todos os seres. Usam palavras floreadas, inventam
várias cerimônias e falam muito dos prêmios que esperam
aqueles que as observam, e dos castigos em que caem os que
são de outras opiniões.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
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Segredos do Antigo Tibet

Fica, porém, sabendo que laboram em erro; é-lhes


desconhecido o uso da Razão concentrada, e estranhas lhes são
as alturas da consciência espiritual”. (II: 40-44).

Levando essa premissa filosófica em consideração,


limitamos o nosso ideal a esta apresentação concisa do
Yoga Tibetano, tentando resgatar seus traços através de
uma abordagem para o público ocidental. Também como
uma maneira de preservar essa rica tradição, ameaçada por
questões históricas como todos sabem.

E esperamos que, dessa maneira, possamos despertar


o interesse e o estudo por essa rica tradição yogue, também
de modo a incentivar mais pesquisas que abranjam essa
área, a fim de que o conhecimento não se perca com o
tempo e que a humanidade não fique órfã de tão raro
conteúdo.

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Segredos do Antigo Tibet

Shubham80!

80
Expressão sânscrita que possui o significado de “bom”/ “bondade”,
equivale a um amém ou benção de despedida, desejando prosperidade e
felicidade.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 474
Segredos do Antigo Tibet

GLOSSÁRIO DO
YOGUE TIBETANO

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Yoga Tibetano: 475
Segredos do Antigo Tibet

Obs.: A maioria dos termos e palavras deste Glossário está em


tibetano. Os termos em outras línguas (como o Sânscrito) virão
especificados.

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 476
Segredos do Antigo Tibet

A – Importante sílaba tibetana, cuja vibração


representa a base mais pura de toda experiência, o
oniabarcante vazio luminoso. Também sílaba mântrica do
elemento espaço/éter.

Adi-Buddha (sânsc.) – Buddha primordial. Ver


Dang-po'i sangs-rgyas.

Arhat (sânsc.) – Ver Drachompa.

Ati-Yoga (sânsc.) – Yoga primordial, Dzogchen.

Avidya (sânsc.) – Ver Ma-rigpa.

Bardo – “Estado Intermediário”, entre a morte e um


novo renascimento. Também um dos seis itens dos Yogas
de Naropa. A equivalente em sânscrito é Antarabhava.

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Yoga Tibetano: 477
Segredos do Antigo Tibet

Bardo Thodol – O Livro Tibetano dos Mortos. Um


tratado para se atingir a Liberação no estado intermediário
(após a morte/erraticidade).

Bön – Tradição espiritual nativa do Tibet. Anterior


ao budismo indiano e tibetano.

Bodhisattva (sânsc.) – Ver Byang chub sems dpa’.

Bodhicitta (sânsc.) – Ver Byang chub sems.

Bon nyid ‘khor lo – Chakra cardíaco, “centro/roda


da verdadeira natureza”.

Bum pa chen – O mesmo que o sânscrito


Kumbhaka. Retenção do fôlego inalado.

Bde chen ‘khor lo – Chakra coronário, “centro/roda


do grande êxtase”.

Bde skyong ‘khor lo – Chakra básico, ou secreto.


“Centro/roda sustentador do êxtase”.

Buddha (sânsc.) – “Iluminado”. Ver Sangye.

Byang Sems – O mesmo que o sânscrito


Bodhichitta. Mente desperta. Ou uma referência a uma
mente cheia de compaixão que almeja atingir a iluminação
para ajudar todos os seres.

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Yoga Tibetano: 478
Segredos do Antigo Tibet

Byang Chub – Iluminação, despertar da consciência.


O mesmo que o sânscrito Bodhi.

Byang Chub Sems Dpa’ – O mesmo que


Bodhisattva do sânscrito. Ser iluminado de grande
compaixão, que utiliza sua própria iluminação para trazer à
luz os demais seres.

Byang chub sems – O mesmo que o sânscrito


Bodhicitta. Atitude iluminada da mente.

Byor mngon sum tshad ma – Percepção direta


yogue.

Chakra (sânsc.) – Centro de força. Ver ‘Khor lo.

Chagya – O mesmo que o sânscrito Mudra.


Símbolo, gesto simbólico.

Chagya Ch’em-po – versão tibetana para o sânscrito


Mahamudra. A Doutrina do Grande Símbolo.

Chöd – Literalmente, “cortar”, “eliminar”. Uma


prática para remover o sentido de apego e identificação à

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Yoga Tibetano: 479
Segredos do Antigo Tibet

personalidade, ao corpo, ao ego. Trabalha com evocações


de seres extrafísicos, em que o praticante, em um ato
simbólico, entrega a si mesmo como oferenda.

Chos – Dharma. Em sânscrito, Dharma é,


literalmente, “aquilo que sustenta”. Pode ser o que sustenta
um país, um clã (kulam-dharma) ou o que sustenta o
propósito de vida de uma pessoa no mundo (swa-dharma),
sua “lenda pessoal”, como diriam os alquimistas. Também
tem o sentido de “lei”, “religião”, “ensinamento”. Em
nosso contexto, é tanto os ensinamentos do caminho búdico
quanto o próprio Caminho.

Chos-drug – “Seis Doutrinas” ou “Seis Yogas”, uma


referência aos seis Yogas de Naropa.

Chos sku – O mesmo que o sânscrito Dharmakaya.


“Corpo da Verdade”, “Corpo do Dharma”. Realidade de
consciência e existência em que o ser não se vê mais
limitado pela relatividade e aprisionado por um conceito e
uma identificação de nome/forma. É a consciência pura
reluzindo em seu esplendor.

Chos skyong – Dharmapala em sânscrito. São os


protetores do Dharma, entidades guardiãs que protegem
tanto os ensinamentos quanto aqueles que os praticam.

Chörten – Estupa, relicário para guardar restos


mortais de uma pessoa importante dentro do budismo.

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Segredos do Antigo Tibet

Representação arquitetônica do Cosmos e do corpo de


Buddha.

Dakini (sânsc.) – “Dançarina celestial”. Ver


Khandroma.

Dalai Lama – “Oceano de Sabedoria”, ou


“Professor Oceânico”. Título honorífico do líder da escola
tibetana Gelug. Comandante-chefe político do Tibet.

Dam tshig – O mesmo que o sânscrito Samaya.


Voto ou compromisso assumido pelo praticante tântrico em
relação a normas de comportamento e ações.

Dang-po'i sangs-rgyas – O mesmo que o sânscrito


Adi-Buddha. O Buddha primordial.

Do – O mesmo que Sutra. Discurso de Buddha.


Ensinamentos exotéricos do Budismo.

Dorje – O mesmo que o sânscrito Vajra.


Literalmente, diamante/adamantino/diamantino. Símbolo

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Segredos do Antigo Tibet

do vazio indestrutível e plenamente radiante. Também um


objeto-ritual muito utilizado na tradição Vajrayana.

Dorje Chang – O mesmo que o sânscrito


Vajradhara. O Buddha da mente pura, símbolo do aspecto
Sambhogakaya da natureza búdica.

Dorje Chö – O mesmo que o sânscrito


Vajradharma. Ensinamentos do Budismo Vajrayana.
Também o Buddha da fala pura.

Dorje Sempa – O mesmo que o sânscrito


Vajrasattva. Buddha da pureza, ligado à purificação.

Dükyi Khorlo – O mesmo que o sânscrito


Kalachakra. “Roda do Tempo”. Um complexo e conhecido
Tantra do budismo tibetano.

Dga’ spro – Felicidade, alegria.

Dhammapada (páli) – Parte do Khuddaka-Nikaya,


texto com importantes ensinamentos budistas.

Dharma (sânsc.) – Ver Chos.

Dharmakaya (sânsc.) – Ver Chos sku.

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Segredos do Antigo Tibet

Dharmapala (sânsc.) – Ver Chos skyong.

Dhyana (sânsc.) – Meditação. Ver Samten.

Dhyani-Buddha (sânsc.) – Literalmente, “Buddha


da meditação”. Mais especificamente, o termo se refere aos
cinco Buddhas transcendentes que representam aspectos da
mente iluminada. São eles: Akshobhya, Vairochana,
Amitabha, Amoghasiddhi e Ratnasambhava.

Dkon mchog – Literalmente “raro e mais elevado


em perfeição”. Uma referência à Consciência Absoluta
Universal.

Dpal ‘byor – Literalmente “glória+saúde”.


Abundância. Riqueza. Saúde. Esplendor material e
mundano (não em um sentido pejorativo, mas positivo).

Drachompa – O mesmo que o sânscrito Arhat.


Refere-se a um ser perfeito (ou perto disso – graças aos
ensinamentos ou ajuda de um Buddha), que atingiu o
Nirvana e transcendeu o Samsara.

Drilbu – Instrumento que representa a sabedoria. O


mesmo que o sânscrito Gantha. O sino tibetano.

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Segredos do Antigo Tibet

Dzogchen – Literalmente, “Grande Perfeição”.


Considerado o principal e mais elevado ensinamento tanto
no Bön quanto na escola Nyingma.

Gampopa – Um dos mais proeminentes discípulos


de Milarepa. Fundador da escola Kagyü.

Gedün – O Mesmo que o sânscrito Sangha.


Comunidade espiritual, agremiação religiosa. Em um
sentido mais profundo, a própria egrégora de determinado
segmento espiritualista, unindo seus membros.

Gelug (-pa) - Escola do budismo tibetano fundada


pelo Lama Je Tsongkhapa.

Gompa – Monastério.

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Segredos do Antigo Tibet

Guru (sânsc.) – Mestre. Preceptor. Ver Lama.

Guru Rinpoche – O mesmo que Padmasambhava.


O precioso mestre a trazer o Budismo para o Tibet.
Considerado uma emanação de Amitabha, o “Buddha da
Luz Infinita”.

Gong-ter – “Tesouro da mente”. Na cultura tibetana,


há uma tradição de terma, isto é, tesouros (objetos, textos,
ensinamentos) sagrados escondidos, deixados por grandes
mestres para serem descobertos na posteridade, quando o
mundo estiver pronto para receber tais tesouros. Os seus
descobridores são conhecidos por tertöns. Podem ser
objetos físicos, encontrados em lugares físicos. Gong-ter
refere-se a tesouros mentais, encontrados em uma realidade
mais sutil (sonhos, visões, estados profundos de
consciência, etc).
Gdon – Espírito perturbador, obsessor.
Gnas lugs – Estado natural (da mente).
Gyen rgyu – O mesmo que o sânscrito Udana.
“Vento do movimento ascendente”.
Gyulü – “Corpo ilusório”, uma das práticas dos seis
Yogas de Naropa.

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Segredos do Antigo Tibet

Gyü – O mesmo que o sânscrito Tantra. Conjunto


esotérico da doutrina Budista, para transformação da
mente, trabalho e transmutação das energias do corpo,
desenvolvimento pessoal e autoiluminação.

Hinayana (sânsc.) – “Pequeno Veículo”. Utilizado,


no passado, por membros do Budismo Mahayana com
sentido pejorativo para denegrir a escola Sarvastivada e
suas dissidentes (como Vaibhashika e Sautrantika). No
Budismo Vajrayana do Tibet, “Pequeno Veículo” é uma
referência à primeira etapa no caminho espiritual.

Ishta-Devata (sânsc.) – Ver Yidam.

Ja-lüs – “Corpo de Arco-Íris”. Um dos sinais da

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Yoga Tibetano: 486
Segredos do Antigo Tibet

plena realização. Um mestre altamente realizado nos


ensinamentos ao desencarnar dissolve o seu corpo físico
em luz (o desmaterializa), sobrando apenas unhas e
cabelos, segundo a tradição.

Jampa – Maitreya, Buddha do futuro.

Jampel – Manjushri, o Bodhisatva da sabedoria.

Je Rinpoche – Uma referência a Je Tsongkhapa,


importante mestre tibetano, fundador da escola Gelug.

Kadampa – Antiga escola budista, fundada pelo


monge indiano Atisha, precursora da escola Gelug.

Kagyü (-pa) – Escola do budismo tibetano, fundada


por Gampopa, centrada nos ensinamentos Mahamudra.

Karma (sânsc.) – “Ação”. Ver Las.

Karmapa – Líder da escola tibetana Karma Kagyü.

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Yoga Tibetano: 487
Segredos do Antigo Tibet

Karmamudra (sânsc.) – Prática Vajrayana que usa o


sexo como meio para transformação.

Khatvanga (sânsc.) – Tridente/cajado mágico.


Artefato de uso mágico-ritual, oculto-sutil.

Könchogsum – O mesmo que o sânscrito Triratna.


Três jóias ou três refúgios tradicionais do Budismo:
Buddha, Dharma e Sangha.
Kun Byams – Amor Universal.
Kun byed rgyal po – Energia criativa universal,
princípio supremo, Aquele que torna tudo possível, Senhor
de todas as coisas, majestosa energia criativa oniabarcante
e onipresente.
Kun gzhi – Conceito profundo da tradição Bön. A
base absoluta e fundamental do ser (e de tudo o que existe),
o princípio universal de claridade e vacuidade; realidade
primordial, a Essência Una que se manifesta na multiforme
expressão da existência.
Kun gzhi nam she – Essência-base do indivíduo. O
que o Kun gzhi é para o universo todo, o Kun gzhi nam she
é para o indivíduo todo como um universo em si.
Kuten – Literalmente, “base física”. Pessoa pela

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Yoga Tibetano: 488
Segredos do Antigo Tibet

qual forças espirituais são canalizadas e se manifestam.


Medianeiros. Oráculos. Médiuns.
Kham – Sílaba mântrica do elemento terra.
Khandroma – O mesmo que o sânscrito Dakini. São
as “dançarinas celestiais”, entidades espirituais femininas
protetoras e portadoras de ensinamentos.

‘Khor lo – O mesmo que o sânscrito chakra. Mais


especificamente, refere-se aos centros cérebro-espinais, os
vórtices energéticos do ser humano.

‘Khor ba – O mesmo que o sânscrito Samsara. A


roda da existência, dos renascimentos e remortes, da qual o
budista visa transcender e se libertar através do Nirvana ou
Iluminação.

Khyab byed – O mesmo que o sânscrito Vyana.


“Vento difuso”.

Klu – O mesmo que o sânscrito Naga. Seres


espirituais, associados ao elemento água, metade
humanoides, metade serpentes.

Kyil ‘khor – Mandala. Representação geométrica da


consciência iluminada.

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Yoga Tibetano: 489
Segredos do Antigo Tibet

La – Alma. Princípio básico de bondade da condição


humana.

Lama – Literalmente, “nada mais elevado”. É o


mestre espiritual, o preceptor, o guru.

Lama’I Naljor – Guru Yoga, uma profunda prática


tibetana de comunhão psíquica com o Mestre espiritual.

Lamdre – “Caminho e fruto”. Um dos principais


ensinamentos da escola Sakya.

Lamrim – “Estágios do Caminho”. Um dos


principais ensinamentos da escola Gelug.

Las – O mesmo que o sânscrito Karma. Representa


o princípio de ação e reação presente no Universo.

Lokapala (sânsc.) – “Protetor do mundo”. Classe de


entidades protetoras e de guardiões.

Longs spyod ‘khor lo – Chakra laríngeo.


“Centro/roda do contentamento/gozo/experiência).

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Yoga Tibetano: 490
Segredos do Antigo Tibet

Longs sku – O mesmo que o sânscrito


Sambhogakaya. “Corpo de alegria”. Exemplo: Para um ser
que tenha atingido a realidade Dharmakaya (sem nome,
sem forma, plenitude absoluta) encarnar em missão em um
planeta, por exemplo, faz com que seja necessário
“densificar-se”, através dos diversos níveis e dimensões de
realidade, até adquirir uma forma e poder atuar no mundo
da relatividade/dualidade. Como Dharmakaya, ele não tem
corpo, sem-forma. O primeiro estado em que ele condensa-
se em forma e adquire um “corpo” (embora muito sutil e
diferente do que estamos acostumados) é chamado de
Sambhogakaya, um corpo de felicidade e êxtase, todo
luminoso, que atua e pode ser visto nas esferas espirituais
superiores. Um corpo de luz. Ainda assim, esse corpo não é
suficiente para trazer o ser a uma experiência na matéria,
como seria o caso da Terra. Então, ele precisa se tornar
ainda mais denso e limitado. Desse corpo de luz e êxtase,
passa ele para o corpo de emanação (Nirmanakaya),
densificando-se ainda mais, em que finalmente pode
assumir uma forma visível e adaptada (embora limitada)
para se manifestar nos planos mais densos, inclusive
encarnar.

Lhag-tong – Supraconsciência.

Lhundrup – Perfeição ou presença espontânea.

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Yoga Tibetano: 491
Segredos do Antigo Tibet

Segundo os ensinamentos Dzogchen, o termo refere-se à


espontânea e incessante manifestação dos fenômenos.

Lung – O mesmo que prana em sânscrito.


Literalmente “vento”, é a palavra que designa a energia
vital conhecida em outras culturas também como ch’i e ki.

Mahayana (sânsc.) – “Grande Veículo”. Uma das


principais linhas do Budismo.

Mam (Mang) – Sílaba mântrica do elemento água.

Mandala (sânsc.) – Ver Kyil ‘khor.

Mantra (sânsc.) – Ver Ngag.

Mantrayana (sânsc.) – “Caminho do Mantra”,


sinônimo de Vajrayana.

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Yoga Tibetano: 492
Segredos do Antigo Tibet

Mara (sânsc.) – Demônio que tentou Buddha


(Gautama) antes de sua iluminação. Representa um aspecto
psicológico da tentatção, ignorância e apego.

Marpa Lotsawa – Grande mestre instrutor de


Milarepa e discípulo direto de Naropa. Seu trabalho de
tradução foi importantíssimo para trazer às terras do Tibet
grande parte da sabedoria indiana.

Maya (sânsc.) – Ilusão, aparência. Na doutrina do


Yoga, o “véu” sustentado pela ignorância que impede o ser
de ver a Realidade Pura, tal como ela é.

Madhyamika (sânsc.) – Filosofia do “Caminho do


Meio” do Budismo Mahayana.

Mahamudra (sânsc.) – Ver Chagya Ch’em-po.

Ma-rigpa – O mesmo que o sânscrito avidya.


Ignorância existencial.

Mahasiddha (sânsc.) – “Grande ser perfeito”.


Refere-se a grandes mestres e adeptos, possuidores de
poderes sobrenaturais (siddhis).

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Yoga Tibetano: 493
Segredos do Antigo Tibet

Me mnyam – O mesmo que o sânscrito Samana.


“Vento como o fogo”.

Mengyi Lama – O mesmo que o sânscrito


Bhaishajyaguru. O Buddha da Medicina.

Milam – Yoga dos sonhos, uma das práticas dos


Seis Yogas de Naropa.

Milarepa – Discípulo de Marpa e instrutor de


Gampopa. Milarepa, o poeta, é considerado um dos
maiores yogues do Tibet. Sua figura histórica é lendária,
exemplo de dedicação, superação e iluminação.

Mi Rtag Pa – Impermanência.

Mudra (sânsc.) – Ver Chagya.

Mthu stobs – Poder divino/sobrenatural. Força e


poder advindos de uma Fonte Superior.

Mya ngan las ‘das pa (lê-se Nyangenledepa)–


Nirvana. Iluminação espiritual. Transcendência do
Samsara.

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Segredos do Antigo Tibet

Nadi (sânsc.) – Canal por onde a energia flui. Ver


Tsa.

Naga (sânsc.) – Ver Klu.

Nagarjuna – Conhecido em tibetano como Ludrub,


foi um grande mestre indiano (séc. II-III), fundador da
filosofia Madhyamika.

Nalanda – Legendária universidade budista indiana.


Importantíssimo centro de estudo espiritual do passado.

Naljor – O equivalente em tibetano para a palavra


Yoga. “Naljor” tem o significado de um estado mental
(considerando intrinsecamente os meios para atingir tal
estado) claro e desperto, para o indivíduo descobrir,
realizar e se estabelecer em sua real natureza, em união
com tudo o que existe, estabelecendo-se numa consciência
absoluta e não-dual – condição de nosso estado verdadeiro.

Naljor pa – O mesmo que o sânscrito yoguin.

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Yoga Tibetano: 495
Segredos do Antigo Tibet

Praticante masculino de Naljor/Yoga.

Naljor ma – O mesmo que o sânscrito yoguine.


Praticante feminina de Naljor/Yoga.

Naro Chödrug – Seis Yogas de Naropa. Contém os


ensinamentos e as práticas de: Calor psíco-físico (Tummo),
Corpo ilusório (Gyulü), sonho lúcido (Milam), Clara Luz
(Ösel), Estado intermediário (Bardo) e Transferência de
consciência (Pho wa).

Naropa – Importante discípulo de Tilopa e mestre


de Marpa. Grande mahasiddha, fundador dos ensinamentos
chamados de Os Seis Yogas de Naropa.

Ngakpa – Importante ordem não-monástica de


yogues e yoguines tibetanos. Praticantes mântricos.
Conhecidos como “aqueles que vestem branco e deixam o
cabelo crescer”.

Ngöndro – “Preliminar”. Referência às práticas


preliminares de diferentes níveis de ensinamentos.

Nirmanakaya (sânsc.) – Ver Sprul sku.

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Yoga Tibetano: 496
Segredos do Antigo Tibet

Nirvana (sânsc.) – Iluminação. Ver Mya ngan las


‘das pa.

Nyon sgrib – Aflições e obstruções emocionais.

Nyingma (-pa) – “Escola dos Antigos”, ramo do


Budismo Tibetano (Vajrayana) surgido a partir dos
ensinamentos de Padmasambhava.

‘Od – Luz, no sentido espiritual.

‘Og-min – Céu do Adi-Buddha, isto é, uma


elevadíssima dimensão extrafísica governada pelo Buddha
primordial.

Orgyen – O mesmo que o sânscrito Oddyana. Terra


com importância fundamental para a origem e
disseminação do budismo Vajrayana. Localizada no vale
do Swat, atualmente entre o Afeganistão e o Paquistão.

Ösel – Clara Luz. Uma das práticas fundamentais


dos Seis Yogas de Naropa. Refere-se também a um estado

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Segredos do Antigo Tibet

de não-dualidade e plenitude absoluta.

Pema – O mesmo que o sânscrito Padma. Lótus.

Padmasambhava (sânsc.) – Guru Rinpoche. Ver


Pemajungne.

Pemajungne – Padmasambhava, o Guru Rinpoche.


Mestre responsável por introduzir o Budismo no Tibet.

Panchen Lama – Título honorífico concedido pelo


quinto Dalai Lama ao abade do mosteiro Tashilhunpo.

Pho wa – Transferência da consciência, uma das


práticas dos Seis Yogas de Naropa.

Phurba – Adaga ritual, um artefato mágico que


representa a eliminação do apego ao eu. Também serve
para diversas finalidades ocultas, de natureza
energética/sutil e de transmutação. Um objeto de poder.

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Yoga Tibetano: 498
Segredos do Antigo Tibet

Prana (sânsc.) – Energia vital. Ver Lung.

Quatro Nobres Verdades - Ensinamentos básicos do


Budismo: As verdades do 1) sofrimento (Duhkha); 2) causa
(Samudaya); 3) cessação (Nirodha) e 4) Caminho
(Margha).

Ram – Sílaba mântrica do elemento fogo.

Rigpa – O mesmo que o sânscrito Vidya. Uma


percepção direta da Realidade, o conhecimento do si-
mesmo, estado desperto. “Consciência”, “saber”. A
compreensão que liberta.

Rinpoche – “Precioso”. Título honorífico utilizado


no Tibet para se referir a um lama ou professor respeitado.

Rushen – Refere-se às práticas Dzogchen


preliminares para separar, na percepção do indivíduo, a

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Yoga Tibetano: 499
Segredos do Antigo Tibet

natureza da mente e a mente conceitual comum.


Rtsa ba’i nyom mongs gsum – Os três venenos:
Raiva, apego e ignorância. Ou ignorância, aversão e desejo.

Samaya (sânsc.) – Ver Dam tshig.

Sangyenyid – Natureza búdica.

Sadhana (sânsc.) – Disciplina espiritual, ascesse. No


contexto das práticas tibetanas, geralmente está ligado a um
texto que descreve e orienta práticas espirituais.

Sakya (-pa) – Escola do Budismo Tibetano, focada


nos ensinamentos Lamdre, “O Caminho e seu Fruto”.

Samten – Meditação. Concentração, absorção


meditativa.

Samadhi (sânsc.) – Estado de supraconsciência


meditativa. Ver Ting nge ‘dzin.

Samantabhadra (sânsc.) – Em tibetano,

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Yoga Tibetano: 500
Segredos do Antigo Tibet

Küntuzangpo. Na escola Nyingma, o Buddha Primordial


(Adi-Buddha), representação do estado Dharmakaya.

Sambhogakaya (sânsc.) – Ver Longs sku. Corpo de


alegria, êxtase, felicidade.

Samsara (sânsc.) – Roda da existência no plano da


relatividade e dualidade. Ver ‘Khor ba.

Samyak-Sambuddha (sânsc.) – “Completamente


iluminado”.

Sangha – Comunidade, agremiação ou egrégora


religiosa/espiritual. Ver Gedün.

Sangye – A palavra tibetana para Buddha. O


“Iluminado”.

Sem – Mente conceitual.

Sems nyid ngo sprod pa – Revelar a natureza


mental/espiritual pura. Atingir o Estado Natural da mente.

Sipe ‘khor lo – A Roda da Vida. Representação


iconográfica dos seis reinos ou domínios do Samsara.

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Yoga Tibetano: 501
Segredos do Antigo Tibet

Siddhi (sânsc.) – Poderes e capacidades


paranormais.

Sok – Força, vitalidade. Força vital naturalmente


advinda da natureza inata.

Sutra (sânsc.) – Ver Do.

Shakyamuni (sânsc.) – O Buddha histórico,


Siddharta Gautama.

Shambala (sânsc.) – Reino espiritual, no plano


astral, que diz-se estar localizado próximo ao Tibet (às suas
regiões extrafísicas).

She-pa – “Mente”, “conhecedor”.

Sherab – Sabedoria.

Shenrab Miwoche – Considerado o Buddha


Nirmanakaya que fundou a religião Bön. Os registros o
situam há 17 mil anos atrás.

Shunya (sânsc.) – Vazio. Vacuidade. Não é um


vazio de niilismo, mas de plenitude. O mesmo que o
tibetano Tongpa.

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Shunyata (sânsc.) – Vacuidade. Ver Stong pa nyid.

Sku – Corpo. Termo utilizado para designar os


diferentes corpos que revestem o ser espiritual.

Skyil krung – Postura de meditação com as pernas


cruzadas. Também conhecida como g.yung drung ou
postura dorje (vajra em sânscrito). Geralmente, é uma
referência à postura do lótus completo (padmasana em
sânscrito) ou do meio-lótus (ardha-padmasana).

Stong pa nyid – O mesmo que o sânscrito Shunyata.


Um estado de iluminação, descrito como vacuidade,
abertura, um estado de expansão infinita e plena, além do
continuum espaço x tempo.

Sprul sku – O mesmo que o sânscrito Nirmanakaya,


corpo de emanação do Dharmakaya (Chos sku).

Sprul pa’i ‘khor lo – Chakra do umbigo.


“Centro/roda da manifestação energética”.

Srog – Vida. Vida física/biológica ou relativo às


forças vitais que mantém a vida.

Srog ‘dzin – O mesmo que o sânscrito prana (no

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Yoga Tibetano: 503
Segredos do Antigo Tibet

sentido de umas das 5 qualidades de prana [prana, apana,


samana,udana e vyana]); vento da força vital.

Tapihritsa – Apesar de ser considerado um


personagem histórico, Tapihritsa é também uma
representação simbólica da unidade ou da consciência de
todos os mestres, ou, ainda, Buddha em sua realidade
Dharmakaya, com seu corpo nu, alvo e alabastrino,
desprovido de ornamentos (representação da mente no
estado natural) e, em sua radiância, personificando a
realidade iluminada.

Tantra (sânsc.) – Ver Gyü.

Terma – Tesouro escondido (texto, ensinamento,


objeto) para ser descoberto por um Tertön no tempo
apropriado.

Tertön – O descobridor de termas (tesouros


espirituais).

Thangka – Pintura budista no estilo tibetano.

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Segredos do Antigo Tibet

Representação iconográfica da tradição budista.

Tilopa – Grande mestre tântrico indiano, que


transmitiu os ensinos Mahamudra ao seu discípulo Naropa.

Ting nge ‘dzin – O mesmo que o sânscrito Samadhi.


Representa um estado de supraconsciência alcançado em
meditação profunda.

Tongpa – O mesmo que o sânscrito Shunya. É o


vazio, vacuidade. Na verdade, não é um vazio de conceito
niilista, mas de Ipseidade, um estado Absoluto e não-dual
da natureza.

Tülku – Erudito reconhecido como reencarnação de


um Lama falecido.

Tummo – Yoga do calor psíquico ou da chama


interior, um dos Seis Yogas de Naropa.

Tiglé – “Gota”, “ponto seminal” ou esfera luminosa


que representa determinado atributo de consciência, muitas
vezes utilizada como visualização nas práticas.

Tiglé Nyag Chik – Esfera luminosa sem bordas ou


limitações, representação da realidade absoluta e não-dual.

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Segredos do Antigo Tibet

Thur sel – O mesmo que o sânscrito Apana. “Vento


do movimento descendente”.

Tsawesum – Os três refúgios da tradição Vajrayana:


o guru (mestre), deva/yidam (divindade meditacional,
guia/protetor espiritual) e dakini (dançarina celeste).

Trengwa – O mesmo que o sânscrito Mala. Rosário


para orações ou mantras. Geralmente, com 108 contas.

Trikaya (sânsc.) – Os três corpos do ser búdico, ou


estágios pelo qual ele se manifesta, da não-forma até a
forma: Corpo do Dharma (Dharmakaya), Corpo de Puro
Êxtase (Sambhogakaya) e Corpo de Emanação
(Nirmanakaya).

Trul Khor – “Movimentos Mágicos”. Práticas


yogues tibetanas que trabalham postura, movimento,
respiração e meditação.

Tsa – O mesmo que o sânscrito Nadi. Canais de


energia. Dutos por onde a energia flui no corpo sutil.

Tsa Lung – Prática yogue tibetana que trabalha,


principalmente, com o sistema sutil, como os canais (tsa) e
a energia vital (lung).

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Yoga Tibetano: 506
Segredos do Antigo Tibet

Tsongkhapa – Também conhecido como Je


Tsongkhapa ou Je Rinpoche, grande mestre tibetano,
fundador da escola Gelugpa.

Vajra (sânsc.) – Diamante. Ver Dorje.

Vajradhara (sânsc.) – Ver Dorjechang.

Vajradharma (sânsc.) – Ver Dorjechö.

Vajrasattva (sânsc.) – Ver Dorje Sempa.

Vajrayana (sânsc.) – O mesmo que o tibetano


Dorjetepa (Rdo rje theg pa). “Veículo do diamante”.
Baseado nos ensinamentos do Tantra, é a forma esotérica
do Budismo. Sinônimo de Budismo Tibetano, Trantrayana
e Mantrayana.

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Segredos do Antigo Tibet

Yab-Yum – “Pai-Mãe” (União). Representação


simbólica do conceito do repouso das polaridades na
unidade. A inseparabilidade dos meios hábeis (upaya,
relacionados ao aspecto masculino) e da sabedoria (prajna,
relacionada ao aspecto feminino).

Yam (yang) – Sílaba mântrica do elemento ar.

Yashodhara – A esposa de Siddhartha Gautama, o


Buddha.

Yeshe – A sabedoria primordial, estado mental


atemporal e desperto.

Yeshe Tsogyal – Principal discípula e consorte de


Padmasambhava.

Yidam – O mesmo que o sânscrito Ishta-devata.


Divindade/entidade/mestre tutelar e meditacional (cuja
imagem é utilizada nas visualizações durante a prática).

Yoga (Sânsc.) – “União”. Metodologia ancestral,


cujos rudimentos literários remontam à antiga literatura e

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Yoga Tibetano: 508
Segredos do Antigo Tibet

cultura védicas, e codificação por parte de Patañjali. Ver


Naljor.

Zhiné – “Residir na calma”. Prática contemplativa


para adquirir-se estabilidade mental.

Zhang Zhung Nyan Gyud – Um dos principais


ciclos de ensinamento Dzogchen na tradição Bön do Tibet.

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Yoga Tibetano: 509
Segredos do Antigo Tibet

REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS ༀ

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༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།
Yoga Tibetano: 514
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Yoga Tibetano: 515
Segredos do Antigo Tibet

༄ཨོཾ་ཨཱཿ་ཧཱུྂ་བཛྲ་གུ་རུ་པེ་མ་ཐོ་ཐྲ་གྟསལ་བཛྲ་ས་མ་ཡ་ཇཱཿ་སིད་ི ཕ་ལ་ཧཱུྂ་ཨཱཿ།

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