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॥ श्री पातञ्जलयोगसूत्रािण ॥

Yogasūtra
de Patañjali
Tradução Comentada

por Pedro Kupfer

Yogasūtra de Patañjali o "1 o Comentários de Pedro Kupfer

॥ श्री पातञ्जलयोगसूत्रािण ॥

© Copyright 2004-2018 Pedro Kupfer

1a edição: julho de 2004


2a edição: janeiro de 2007
3a edição: maio de 2013
4a edição: abril de 2018

yoga@yoga.pro.br
www.yoga.pro.br

Dedicado a Ângela Sundarī.

Estes textos são o material de apoio do curso intensivo Aṣṭāṅga Yoga de Patañjali,
ministrado pelo autor. Permitem-se citações de trechos em livros e na mídia desde que
mencionem a fonte. Fica proibida a reprodução ou venda deste material impresso.
Obrigado por respeitar o dharma. Oṁ tat sat.


Yogasūtra de Patañjali o "2 o Comentários de Pedro Kupfer
॥ महिषर् पतञ्जिल प्रणीतं योगदशर्नम् ॥
॥ maharṣi patañjali praṇītaṁ yogadarśanam ॥
॥ Visão Yogika pela Graça do Grande Sábio Patañjali ॥


Versos Selectos 

dos Capítulos I e II

Toda ciência que não se ocupa da Libertação é inútil.


Rājamārtaṇḍa, IV:22
Fora Isso, nada merece ser conhecido.
Svetāśvatara Upaniṣad, I:12



Yogasūtra de Patañjali o "3 o Comentários de Pedro Kupfer
॥ पतञ्जिल धयान श्लोक ॥

Patañjali Dhyāna Śloka
Versos de Invocação a Patañjali 

– atribuídos a Śrī Śaṅkarācārya –

ॐ ॥ योगे न िचत्तस्य पदे न वाचां । 



मलं शरीरस्य च वै द्य के न ॥
योऽपाकरोत्तं प्रवरं मु नीनां । 

पतञ्जिलं प्राञ्जिलरानतोऽिस्म ॥
आबहु पु रु षाकारं । शङ्खचक्रािस धािरणं ॥
सहस्र शीरसं श्वे तं । प्रनमािम पतञ्जिलम् ॥ ॐ ॥

oṁ || yogena cittasya padena vācāṁ |


mālāṁ śarīrasya ca vaidyakena ||

yo’pākarottaṁ pravaraṁ munīnaṁ |
patañjaliṁ prāñjalirānato’smi ||

ābāhupuruṣākaraṁ | 

śaṅkhacakrāsi dhāriṇam |

sahasra śirasaṁ śvetaṁ | 

praṇamami patañjaliṁ || oṁ ||


Oṁ. Yoga para a psiquê, versos para a clareza 



e medicina para a purificação do corpo físico.
Ao mais excelente dos munīs (mestres).

Minha reverência em añjali a Patañjali.

Forma humana até os braços, que seguram a


concha [que representa a palavra], o disco e a
espada [do discernimento], protegido pela
serpente de mil cabeças brancas, Anantaseśa.
A minha saudação (pranam) a Patañjali. Oṁ.


Yogasūtra de Patañjali o "4 o Comentários de Pedro Kupfer
॥ प्रथमोऽध्यायः ॥
॥ prathamo’dhyāyaḥ ॥

Primeiro Capítulo

॥ समािध-पादः ॥
॥ samādhipādaḥ ॥
O Caminho do Samādhi

अथ योगानुशासनम् ॥ १ ॥
atha yogānuśāsanam || 1 ||
Agora, o ensinamento do Yoga.

atha = agora
yoga = jungir, união
anuśāsanam = ensinamento, exposição, instrução
A palavra que abre o livro, atha, significa “agora”. Pode parecer estranho começar um texto
deste porte por um advérbio tão lacônico, mas o que se percebe claramente aqui é que o
Yogasūtra não é um livro para iniciantes. Alguma coisa foi ensinada previamente, e “agora”,
começa o ensinamento do Yoga. O autor começa a exposição do Yoga dizendo, em primeiro
lugar, qual é sua meta. Isso pressupõe que já tenhamos uma visão clara de vários conceitos, pois
não são dadas instruções detalhadas a esse respeito.
Para a correta compreensão dos sūtras é preciso saber ler nas entrelinhas  (em latim,
interleggere), fazer uma leitura inteligente e atenta destes textos para podermos extrair-lhes a
essência. Portanto, cabe começarmos a reflexão sobre este primeiro sūtra citando a
Kaṭhopaniṣad, VI: “Quando os cinco sentidos e a mente estão parados e a própria razão
descansa em silêncio, então começa o caminho supremo. Esta firmeza calma dos sentidos
chama-se Yoga. Mas deve-se estar atento, pois o Yoga vem e vai”.
Esta afirmação, “o Yoga vem e vai”, está totalmente conectada com a primeira palavra do sūtra
em estudo. Poderíamos lê-lo da seguinte forma: “agora, é preciso prestar muita atenção, pois o
ensinamento do Yoga está começando”. Lembremos que os sūtras não são usados apenas como
fórmulas para facilitar a memorização de um texto, mas igualmente como suportes para praticar
meditação. Nesse sentido, esta frase, “o Yoga começa agora”, pode ser utilizada como um
lembrete para ficarmos atentos e cônscios a cada momento.
Se Yoga é ausência de distrações, então, ao lembrarmos disso, e ao repetir mentalmente “o Yoga
começa agora”, estaremos renovando nosso voto de viver de maneira consciente e equânime. É
bem provável que o “ensinamento do Yoga” não se apresente perante nós unicamente na forma
de uma prática formal, mas como experiências cotidianas, nas quais recebemos a oportunidade
de usarmos o pensamento do Yoga aplicado e de exercermos, na vida real, o estado de ausência
de distrações. Oportunidades para aplicarmos o Yoga ao cotidiano surgem a cada momento. Não
as deixemos passar!


Yogasūtra de Patañjali o "5 o Comentários de Pedro Kupfer
योगिश्चत्तवृित्तिनरोधः ॥ २ ॥

yogaścittavṛttinirodhaḥ || 2 ||
Yoga é a cessação da [identificação com] os conteúdos da psiquê.

yoga = Yoga, jungir, união



citta = buddhi + ahaṅkāra + manas; psiquê, complexo ego-mente-intelecto

vṛtti = modificação, pensamento, flutuação 

nirodha = cessação, supressão, contenção, restrição, dissolução

Este sūtra resume-se apenas a quatro palavras alinhadas. Não há preposições, verbos, artigos, ou
qualquer outro “recheio” que possa nos ajudar a compreender melhor esta definição. O autor nos
diz aqui que Yoga é o que é natural para o ser humano. Nada mais, nada menos.

Citta, a psiquê, consiste de três faculdades:



1. buddhi, intelecto,

2. ahaṅkāra, ego, e

3. manas, mente.

A palavra citta, que traduziremos a partir deste momento como psiquê ou psiquismo, deriva do
prefixo cit, que significa estar atento, perceber, ver, brilhar. Embora Patañjali não explique este
termo, sabemos que o que ele define é o complexo ego-mente-personalidade. Este complexo
inclui a razão, também chamada intelecto (buddhi), o ego (ahaṅkāra) e a mente (manas). Citta,
o psiquismo, por sua vez, é alimentado pelas impressões subconscientes (saṁskāra). Assim
sendo, cada vez que mencionarmos o psiquismo ao longo destes comentários, estaremos
apontando simultaneamente para esses três componentes.
Literalmente, a palavra vṛtti quer dizer “circular”, e deriva de vṛtta, que significa “círculo”.
Assim, poderemos facilmente assimilar o conceito de vṛtti, se imaginarmos a atividade
consciente como os círculos concêntricos que se formam na superfície de um lago quando nele
jogamos uma pedra. Diferentemente do que se acredita, vṛtti não é qualquer tipo de agitação
mental ou estado anímico, mas um termo técnico que se aplica unicamente a um grupo de cinco
tipos de “modificações” da psiquê que serão definidos posteriormente, no sexto sūtra deste
capítulo. Essas flutuações são: conhecimento correto, conhecimento errôneo, fantasia, sono e
memória.
Nirodha significa “cessação”, “supressão”. Embora alguns autores prefiram traduzir esta palavra
como “controle”, inclinamo-nos por traduzi-la como “cessação”, pois nirodha consiste mais em
interromper a identificação com os padrões que a psiquê assume do que em reprimir ou
“controlar” pensamentos ou sentimentos.
A palavra “controle” pressupõe a existência de um agente controlador que deveria estar além da
mente e do ego, e que de nenhuma maneira coincide com o que Patañjali irá expor sobre
Puruṣa, o Ser, nos próximos sūtras. A palavra “cessação” parece-nos estar mais perto da
experiência do Yoga e encaixa-se melhor no contexto de sua praxis. Concluindo, lembremos que
a habilidade de interromper a identificação com os pensamentos é necessária para o samādhi, a
profunda meditação.


Yogasūtra de Patañjali o "6 o Comentários de Pedro Kupfer
O samādhi, por sua vez, não é um fim em si mesmo mas uma preparação prévia, chamada
antaḥkarāṇaśuddhi ou purificação psíquica, para mokṣa, a libertação. Para finalizar, é possível
e, aliás, muito construtivo, usar este importante sūtra como objeto de meditação. Para tanto,
sente-se numa postura confortável, feche os olhos e repita mentalmente a definição de Patañjali,
em sânscrito ou português, meditando sobre seu significado e a melhor maneira de aplicá-lo em
sua prática diária.

तदा द्रष्टुः स्वरूपेऽवस्थानम् ॥ ३ ॥


tadā draṣṭuḥ svarūpe’vasthānam ॥ 3 ॥
Então, aquele que vê se estabelece em sua própria natureza.

tadā = então, somente depois



draṣṭuḥ = possesivo de draṣṭṛ, “aquele que vê”, o Ser, a Consciência Testemunha
svarūpa = em sua própria natureza. Literalmente, “sua própria forma”
avasthānam = estabilidade, estado de consciência

O sábio Patañjali nos ensina que o natural (svarūpa) do ser humano é o próprio Yoga. A palavra
svarūpa, que significa literalmente “sua própria forma”, define a volta para casa, o
reconhecimento de si mesmo como alguém livre de limitações. É importante lembrar que Yoga
não é um estado de consciência nem uma experiência mas uma atitude.

Nesse reconhecimento, o yogi repousa em sua própria natureza. A realização advém quando o
yogi deixa de se deixar arrastar pelos vṛttis, movimentos da psiquê. Uma vez que a pessoa se vê
livre dessas flutuações e o apego aos frutos delas, essa identificação. Esse é o objetivo do Yoga,
chamado kaivalya ou libertação, por Patañjali. Como já vimos, essa palavra é a que dá título ao
quarto e ultimo capítulo do Yogasūtra.

O propósito do Yoga é relaxar na possibilidade de ser nós mesmos ou, usando as palavras do
sábio Patañjali, nos estabelecer em svārūpaḥ, a nossa própria natureza.

Neste sūtra, ao mesmo tempo em que o autor explica o que acontece em nirodha, a cessação da
identificação com os pensamentos, também define e limita o propósito do Yoga. Esse propósito,
segundo Patañjali, é assumir o que somos ou, usando suas palavras, “estabelecermo-nos em
nossa própria natureza”. A palavra draṣṭṛ, que significa literalmente “aquele que vê”, aponta
para o Ser, que será chamado Ātma e Puruṣa nos sūtras subsequentes. Para compreender quem
é, o yogi precisa deixar de lado a identificação com os conteúdos mentais, os pares de opostos
como atração e aversão, e os julgamentos limitadores.

Vigília distraída ou vigília lúcida?

Passar da ignorância existencial (avidyā) para aquilo que é o “natural” (svarūpa) é o primeiro
passo. Adquirir a capacidade de permanecer na própria natureza, o segundo. Isso significa
passar da vigília distraída (vyutāna citta) para a vigília lúcida (nirodha citta).

Como exercício preliminar, para compreender como viver essa vigília lúcida, o praticante
explora nas práticas os diferentes graus de meditação e samādhi. Kaivalya significa literalmente
“isolamento”. No entanto, esse termo não se refere a ficar de costas para as realidades da vida,
nem a fugir dos próprois problemas. A palavra isolamento não aponta para uma experiência

Yogasūtra de Patañjali o "7 o Comentários de Pedro Kupfer
nem para um estado de consciência, mas para a capacidade de separar-se dos próprios medos,
crenças, condicionamentos.

Esse é o terceiro e último passo, no qual a identificação com os vṛttis simplesmente desaparece,
ao invés de ficar temporariamente suspensos (nirodha), como nos estágios anteriores. Esse
estágio final da prática é abordado no último capítulo desta obra chamado justamente de
Kaivalya pāda ou “Caminho da Libertação”.

वृित्तसारूप्यिमतरत्र ॥ ४ ॥
vṛttisārūpyamitaratra ॥ 4 ॥
De outra maneira, existe identificação com os vṛttis.

vṛtti = propensões ou movimentos mentais


sārūpyam = identificação, conformidade, concordância, similariedade
itaratra = de outra maneira

Aqui, Patañjali usa a palavra sārupyam, que significa “identificação”, para deixar claro que
nirodhaḥ não é “parar de pensar”, mas interromper a identificação com pensamentos, crenças,
medos, condicionamentos e emoções.

Este sūtra e o anterior formam um par complementar. Enquanto, no terceiro sūtra, explica-se o
que acontece no Yoga, neste quarto descreve-se o que acontece fora desse estado. E o que
acontece fora do Yoga é que a pesso, ao não relaxar em sua própria natureza, fica fora de
sintonia consigo mesma e com o mundo.
A maneira em que este sūtra está construído nos permite perceber que Patañjali aprofunda aqui
a definição de Yoga dada no segundo sūtra. Aqui, ele usa a palavra sārupyam, que significa
“identificacão”, para deixar claro que nirodhaḥ não é “parar de pensar”, mas cessar a
identificação com pensamentos, emoções, crenças, medos e condicionamentos.

Hoje sabemos que existem aspectos da personalidade, como o temperamento, que são mais ou
menos inatos e imutáveis. No entanto, mesmo se não pudermos mudar o nosso temperamento,
podemos sim mudar a maneira em que nos relacionamos com ele. Para isso, é importante
aprendermos a viver conscientemente, em Yoga.

Viver em Yoga significa permanecer livre de distrações. Uma mente livre de distrações nos
ajuda a nos livrar do medo, da raiva e das outras emoções que nos tiram a paz. Ser yogi
significa estar disposto a tornar-se alguém melhor, vencendo as próprias fraquezas.
Yoga é uma arte: a arte da desaprendizagem. O yogi não quer aprender nada novo mas
compreender aquilo que já está aí para ser compreendido: o Ser, o Si Mesmo. Quer, também,
livrar-se do que está sobrando. Quer enxergar para além da identificação com os vṛttis, que nos
impede de enxergar o real. O caminho do Yoga pode ser comparado ao processo que o escultor
faz para chegar à obra de arte: com seu cinzel, ele só retira o que está sobrando para que a
rocha revele a obra de arte que já está potencialmente contida nela.


Yogasūtra de Patañjali o "8 o Comentários de Pedro Kupfer
Esse processo de “tirar o que está sobrando” tem como objetivo neutralizar a identificação com
os vṛttis, fundamental para a compreensão de si mesmo.

Puruṣa, também chamado Ātma aqui no Yogasūtra, é o Ser, ilimitado e invariável. Enquanto
Presença Invariável, o Ser não é afetado pelas dualidades, nem por pensamentos ou emoções.
Ele é o sujeito, intrinsecamente livre, autoevidente e invariável, graças a quem as variedades de
experiências têm lugar. Sendo o sujeito que tudo observa e testemunha, não pode ser por sua
vez objeto de observação.

Essa é a razão pela qual Patañjali também aponta para o Ser através da palavra sākṣi, que
significa testemunha. A confusão começa quando o ego é considerado com se fosse o Ser. Sobre
a identificação entre o Ser e a psiquê diz o Dṛkdṛśyavivekaḥ (17), um importante texto de
Vedānta:

“Devido à superimposição, a pessoa acha ser o experienciador. 



Essa confusão entre sujeito e objeto fica esclarecida 

com a destruição do véu da equivocação”.

Como já vimos anteriormente, a compreensão da diferença entre o Ser e o psiquismo é essencial


no processo do Yoga. Vācaspati Miśra, autor que comentou o Yogasūtra e o Yogabhāśya de
Vyāsa no século IX d.C., explica a aparente atividade de Puruṣa e sua identificação com o
intelecto através da seguinte metáfora:

“Assim como a lua cheia, imóvel e circular no céu parece estar em movimento ao
refletir-se na água corrente, da mesma maneira Puruṣa, sem nenhuma atividade ou
apego de sua parte, parece realizar atividades ou apegar-se [aos objetos] em função
do seu reflexo no intelecto.” (Tattva Vaiśāradi, IV:22).

Nesta analogia, Vācaspati Miśra compara Puruṣa à lua cheia e buddhi, o intelecto, que é o
princípio individual mais refinado, ao reflexo da lua na água em movimento. Embora Puruṣa
aparente ter movimento próprio, ele permanece, de fato, imóvel. A aparente identidade entre o
Ser e a psiquê fica estabelecida em função do poder de ocultação de avidyā, a ignorância. É
essa falsa identidade que produz conteúdos, como “eu sinto tal coisa”, “eu sou tal coisa” ou “eu
faço tal coisa”.

Quem sente, em verdade, não é Puruṣa, mas a mente, cujos pensamentos se refletem no corpo
sob a forma das emoções. Quem acredita ser ou fazer alguma coisa é o ego (ahaṅkāra),
atribuindo o mérito ou a referência a si próprio.
Em suma, este sūtra nos ensina que os vṛttis precisam pacificarse para que o Ser que somos
possa de fato ser conhecido. Isso implica uma transformação sistemática de citta, o complexo
mente-personalidade, que oscila constantemente entre os estados de consciência, vigília, sonho
e sono. Os formatos dos vṛttis que dão corpo à vida psíquica são explicados no próximo sūtra e
nos seguintes. 



Yogasūtra de Patañjali o "9 o Comentários de Pedro Kupfer
॥ िद्वतीयोऽध्यायः ॥
॥ dvitīyo’dhyāyaḥ ॥
Segundo Capítulo

॥ साधन-पादः ॥
॥ sādhanapādaḥ ॥
O Caminho da Prática

तपःस्वाध्यायेश्वरप्रिणधानािन िक्रयायोगः ॥ १ ॥
tapaḥsvādhyāyeśvarapraṇidhānāni kriyāyogaḥ ॥ 1 ॥
Esforço sobre si próprio, auto-estudo 

e entrega a Īśvara [são] o Kriyā Yoga.

tapaḥ = esforço sobre si mesmo


svādhyāya = auto-estudo
īśvarapraṇidhānāni = entrega a Īśvara
kriyāyogaḥ = Yoga da ação

Kriyā = karma = “ação”. Kriyā Yoga = Yoga da ação. Comentário de Vyāsa: “um homem sem
autodisciplina não pode conquistar a perfeição do Yoga. As impurezas mentais que surgem das
armadilhas dos objetos mundanos são prejudiciais para o Yoga. Elas são coloridas pelas vāsanās
(latências subconscientes deixadas pelas ações e aflições) desde a noite das idades, e não é
possível desembaraçar-se delas sem a prática da austeridade [tapas]. É por isso que a
austeridade precisa praticar-se. Foi indicado que o yogi deve seguir um caminho seguro de auto-
purificação, que leva à purificação do pensamento. Svādhyāya é a repetição do mantra sagrado
[a sílaba Oṁ] e o estudo das escrituras que versam sobre mokṣa, a libertação dos
condicionamentos. Īśvara praṇidhāna é a entrega das ações a Īśvara e o abandono da ânsia pelos
frutos das ações (Karma Yoga)”.

समािधभावनाथर्ः क्लेशतनूकरणाथर्श्च ॥ २ ॥
samādhibhāvanārthaḥ kleśatanūkaraṇārthaśca ॥ 2 ॥
[O Kriyā Yoga] serve aos propósitos de 

produzir o samādhi e atenuar os kleśas.

samādhi = experiência meditativa profunda


bhāvana = cultivar, produzir
arthaḥ = serve ao propósito de
kleśa = aflições
tanūkaraṇa = minimizar, atenuar a causa
arthaḥ = com o propósito de
ca = e

Yogasūtra de Patañjali o "10 o Comentários de Pedro Kupfer
अिवद्यािस्मतारागद्वे षािभिनवेशाः क्लेशाः ॥ ३ ॥
avidyāsmitārāgadveṣābhiniveśāḥ kleśāḥ ॥ 3 ॥
Ignorância, egoísmo, apego, aversão e medo da morte são os cinco kleśas.

avidyā = ignorância
asmitā = egoísmo
rāga = apego
dveṣa = aversão
abhiniveśāḥ = sede de viver, medo de morrer
kleśāḥ = aflições

As Aflições

O sofrimento tem três fontes: 



1. as forças da natureza — ādhidaivika

2. os relacionamentos — ādhibhautika

3. os condicionamentos — ādhiātmika
A palavra kleśa significa “sofrimento”, e define os aspectos dolorosos da psiquê, as cinco
misérias existenciais. Comentário de Vyāsa: “as aflições ou misérias são as cinco formas de
conhecimento errôneo. Quando elas se manifestam fortalecem o desequilíbrio dos guṇas,
produzem as mudanças, colocam em movimento o fluxo de causa e efeito e, combinadas,
produzem os frutos das ações”.

अिवद्या क्षेत्रमुत्तरे षां प्रसुप्ततनुिविच्छन्नोदाराणाम् ॥ ४ ॥


avidyā kṣetramuttareṣāṁ prasuptatanuvicchinnodārāṇām ॥ 4 ॥
A ignorância é a causa dos outros quatro, [estejam] 

em estado latente, atenuado, intermitente ou ativo.

avidyā = ignorância
kṣetram = campo, sementeira, causa
uttareṣāṁ = para os demais, para os outros
prasupta = dormente, latente, em forma de semente
tanu = atenuado, enfraquecido
vicchinnaḥ = intermitente, cortado
udārāṇām = totalmente ativo, manifestado

Comentário de Vyāsa: “no presente contexto, a ignorância é indicada como o caldo de cultivo
onde se manifestam o egoísmo e as outras misérias, em estado latente, intermitente ou ativo.
Destes, qual é o estado latente? É a condição em que um kleśa permanece no subconsciente. Tal
kleśa desperta e se manifesta quando se dirige ao seu objeto. No caso de alguém adquirir o
conhecimento real, as sementes da aflição se anulam e então mesmo se o objeto se apresentar,
elas não brotam nem se tornam ativas. Como poderia uma semente queimada germinar?

Yogasūtra de Patañjali o "11 o Comentários de Pedro Kupfer
“Por esta razão, o yogi que reduziu seus kleśas é chamado mestre na arte da autoconquista e se
considera como estando em seu último corpo [sua última encarnação]. É em tais yogis que as
aflições alcançam o quinto estado, como sementes queimadas. Nesse estado, as sementes das
misérias de fato existem, mas perdem seu poder de produzir ações e não conseguem germinar
mesmo em presença dos objetos que as fariam manifestar-se em condições normais.

“Agora fala-se do enfraquecimento das aflições. Elas se debilitam e subjugam pela


contemplação dos seus opostos. Quando os kleśas são suprimidos temporariamente porém
voltam a manifestar-se, são conhecidos como kleśas intermitentes. Por exemplo, quando a raiva
não se manifesta no momento do apego, ela não está ativa. Novamente, quando o apego se
dirige a um objeto, não pode afirmar-se que ele não exista em relação a outros. (...)
“Nestes casos, o apego está ativo no momento presente em relação a si próprio e pode ativar-se
no futuro em relação aos demais. este último também pode apresentar-se em estado latente,
tênue ou interrompido. Aquele que se manifesta com referência a um objeto é o ativo. Estas
não se classificam como kleśas. Então porque os kleśas se dividem em latentes, atenuados,
intermitentes ou ativos? Esta divisão se baseia nas particularidades dos diferentes estados. As
misérias controlam-se convivendo com seus opostos e se manifestam quando as causas são
favoráveis. Todos os kleśas são variedades da ignorância pois eles estão permeados pelo
equivocação. Quando um objeto está colorido pela ignorância, os outros kleśas se manifestam
naturalmente. As aflições se experienciam em presença da ignorância e se dissipam quando ela
é atenuada.

***
Destas misérias, se descreve aqui a natureza de avidyā a ignorância —

अिनत्याशुिचदुःखानात्मसु िनत्यशुिचसुखात्मख्याितरिवद्या ॥ ५ ॥
anityā-śuci-duḥkhānātmasu nitya-śuci-sukhātma-khyātiravidyā ॥ 5 ॥
Ignorância é tomar o não-eterno, o impuro, o sofrimento e o 

não-Ser como sendo o eterno, o puro, a felicidade e o Ser.

anityā = não-eterno
śuci = impuro
duḥkha = sofrimento
anātmasu = não-Ser
nitya = eterno
śuci = puro
sukha = felicidade
ātma = Ser
khyātir = tomar uma coisa por outra
avidyā = ignorância

Comentário de Vyāsa: “o conhecimento errôneo sobre a dor que se percebe como prazer será
explicado no sūtra II:15: ‘o sábio percebe [por análise e antecipação] os objetos mundanos


Yogasūtra de Patañjali o "12 o Comentários de Pedro Kupfer
como dolorosos porque eles sempre acabam em sofrimento, estando permeados pelos guṇas.’
Ver felicidade na tristeza é ignorância. É igualmente ignorância quando a pessoa considera as
coisas como sendo próprias, quando elas não o são.

“Por exemplo, as pessoas vêm os demais, os objetos, os animais e até mesmo o próprio corpo e
a própria mente, que são a base e o instrumento da experiência, como sendo o Ser, Puruṣa,
quando em realidade estes não o são. Neste sentido, Acārya [Pañcaśikha] disse: “aqueles que
vêm os objetos animados e inanimados como parte de si próprios, regozijando-se na
prosperidade e lamentando-se no sofrimento, estão sendo vítimas da equivocação”.

“Desta maneira, avidyā, a ignorância, tem quatro aspectos. Ela é a fonte da qual emanam as
outras misérias e onde se originam as impressões latentes correspondentes. Deve observar-se
que avidyā, assim como as palavras amitra [“não-amigo”] e agośpāda [“não a pegada de uma
vaca”], tem uma acepção positiva. Assim como a palavra amitra não significa a mera
inexistência de um amigo, mas a realidade de um inimigo, e assim como agośpāda não implica a
ausência da pegada de uma vaca mas um lugar amplo diferente da pegada [i.e., um campo], da
mesma forma avidyā não é o conhecimento correto nem a mera ausência de conhecimento, mas
um conhecimento que é contrário ao conhecimento correto”.

दृग्दशर्नशक्त्योरे कात्मतेवािस्मता ॥ ६ ॥
dṛgdarśanaśaktyorekātmatevāsmitā ॥ 6 ॥
Egoísmo é identificar [erroneamente]

aquele que vê com o instrumento da visão.

dṛg = aquele que vê, sujeito, Ser


darśanaśakti = instrumento de visão, psiquê
ekātmata = identidade, consigo mesmo
eka = uno, um
ātmata = “seridade”, condição de ser
iva = aparente
asmitā = egoísmo, noção equivocada ou falsa de eu, individualidade

Comentário de Vyāsa: “Puruṣa é a Consciência, enquanto que buddhi é o instrumento do


conhecimento. O kleśa conhecido como asmitā, egoísmo, consiste em ver estes dois princípios
como sendo a mesma coisa. [...] Quando a real natureza de ambos é conhecida, [o yogi] é
conduzido à libertação e à Consciência de Si, e então não há [identificação com] experiências
de nenhum tipo. Foi dito [por Acārya Pañcaśikha]: “aquele que fracassa em compreender que
Puruṣa é diferente de buddhi por ser pleno, invariável e transcendente, se ilude vendo o buddhi
como o Eu real”.”

सुखानुशयी रागः ॥ ७ ॥
sukhānuśayī rāgaḥ ॥ 7 ॥
O apego acompanha o prazer.

Yogasūtra de Patañjali o "13 o Comentários de Pedro Kupfer
sukha = prazer
anuśayī = acompanhamento
rāgaḥ = apego

Comentário de Vyāsa: “a ânsia ou sede pelas fontes do prazer (ou pelos meios que conduzem e
ele) que experiencia aquele que sentiu esse prazer (e possui uma inclinação a ele), se chama
rāga ou apego”.

दुःखानुशयी द्वे षः ॥ ८ ॥
duḥkhānuśayī dveṣaḥ ॥ 8 ॥
A aversão acompanha o sofrimento.

duḥkha = sofrimento
anuśayī = acompanha
dveṣaḥ = aversão

Comentário de Vyāsa: “aversão é o sentimento de oposição, rejeição ou propensão contrária à


dor ou os objetos que a provocam, que surge da lembrança da dor antes experimentada”.

स्वरसवाही िवदुषोऽिप तथारूढोऽिभिनवेशः ॥ ९ ॥


svarasavāhī viduṣo’pi tathārūḍho’bhiniveśaḥ ॥ 9 ॥
O apego à vida é um impulso instintivo, 

igualmente forte [no ignorante] e no sábio.

svarasavāhī = impulso natural, instintivo


viduṣaḥ = no sábio
api = também, até mesmo
tatha = da mesma maneira, igualmente
rūḍhaḥ = de forma firme, firmemente estabelecido
abhiniveśaḥ = medo da morte, sede de vida, apego à vida

Comentário de Vyāsa: “Todas as criaturas têm este desejo: não quero morrer; quero viver para
sempre. Aquele que não sentiu antes o medo da morte não pode ter este tipo de desejo. Isto
demonstra a existência dos nascimentos passados. Esta ansiedade aflitiva é espontânea. Está
presente até mesmo nos vermes desde que nascem. O medo da morte não surge da percepção
direta nem da dedução nem do testemunho: ele é anterior a isso tudo”.

“Isto leva à conclusão que esse medo já foi sentido em nascimentos anteriores. Este medo existe
tanto na pessoa simples quanto no sábio cultivado e cheio de conhecimento sobre vidas


Yogasūtra de Patañjali o "14 o Comentários de Pedro Kupfer
pregressas e futuras. O medo existe porque, despido do conhecimento verdadeiro, o idiota e o
sábio têm a mesma vāsanā que surge da experiência do medo da morte”.

ते प्रितप्रसवहेयाः सूक्ष्माः ॥ १० ॥
te pratiprasavaheyāḥ sūkṣmāḥ ॥ 10 ॥
Estes [kleśas] sutis superam-se pela 

oposição [à identificação com os vṛttis].

te = estes
pratiprasava = involução, oposição, recolhimento na causa
heyāḥ = superação, destruição, abandono
sūkṣmāḥ = sutis

Comentário de Vyāsa: “Estes cinco kleśas ficam latentes como sementes ressequidas e
desaparecem da consciência do yogi que, havendo preenchido o propósito da sua existência,
morre. Além disso, permanecendo os kleśas em forma germinal...”

ध्यानहेयास्तद्वृत्तयः ॥ ११ ॥
dhyānaheyāstadvṛttayaḥ ॥ 11 ॥
Essa [identificação com os] vṛttis [vinculados 

aos kleśas] é superada com a meditação.

dhyāna = meditação
heya = superação, abandono, destruição
tat = essa
vṛttayaḥ = pensamentos, vida psíquica

Comentário de Vyāsa: Havendo sido atenuadas pelo Kriyā Yoga, as manifestações densas dos
kleśas são destruídas pela meditação sobre o conhecimento discriminativo até que elas ficam
reduzidas ao estado de sementes ressequidas. Assim como a sujeira mais pesada é removida na
primeira lavagem do tecido e depois as manchas que restam são tiradas com cuidado e esforço,
da mesma forma os kleśas densos são obstáculos fáceis de se transpor, enquanto que os sutis são
mais difíceis de se superar.

क्लेशमूलः कमार्शयो दृष्टादृष्टजन्मवेदनीयः ॥ १२ ॥


kleśamūlaḥ karmāśayo dṛṣṭādṛṣṭajanmavedanīyaḥ ॥ 12 ॥
O reservatório dos karmas que se enraízam nos 

kleśas causa as experiências presentes e futuras.


Yogasūtra de Patañjali o "15 o Comentários de Pedro Kupfer
kleśa = aflição
mūlaḥ = raiz
karmāśayaḥ = reservatório kármico
dṛṣṭa = karmaphala visível, fruto kármico imediato
adṛṣṭa = karmaphala não visível, fruto kármico futuro
janma = nascimento
vedanīyaḥ = a ser experienciado

A Lei do Karma e o Karma Yoga


O termo karma deriva da raiz kṛ, que significa fazer, agir, criar. Karma é ação, dever moral, o
resultado das ações ou a lei de causa e efeito. A lei do karma mostra que ação e reação são dois
aspectos da mesma realidade.

Ao mesmo tempo, a noção de karma não tem nada a ver com fatalismo ou determinismo
(embora o efeito esteja potencialmente contido na sua causa): muito pelo contrário, é uma
realidade que pode ser modificada, uma espécie de destino maleável. Swāmi Vivekānanada
definiu este conceito nos seguintes termos:

“Karma é a eterna afirmação da liberdade humana. Nossos


pensamentos, nossas palavras, nossos atos, são fios de uma rede que
tecemos ao redor de nós mesmos”.

Ou seja, o homem é intrinsecamente livre e responsável por suas ações. O Ṣaṭapaṭha Brahmāṇa,
VI:2.2,27, um dos mais bonitos textos védicos, afirma que “Todos os homens neste mundo
nascem moldados por si mesmos”.

O saṁskāra é feito de:


1. neuroses
2. medos
3. crenças
4. condicionamentos

Estamos criando a nós mesmos a cada instante e podemos, através de um ato de vontade, nos
transformar e, consequentemente, transformar nosso futuro.

Controlar o karma é ser senhor de si próprio. Isso se faz através da prática constante de yama e
niyama. O primeiro passo é tomar consciência
de que ele existe, analisá-lo e estudar como
- criamos nosso próprio destino. Assim
A virtude não irá produzir mokṣa. poderemos evitar as coisas que nos fazem mal e
Ela é uma consequência de mokṣa. atrair as que nos fazem bem.
O efeito não determina a causa. Temos que aprender a reconhecer as nossas
Ele é determinado por ela. tendências, que se pautam pelo saṁskāra, o
- conjunto das latências subconscientes. Isso não
significa apenas ser saudável e feliz, ou ter uma
relação harmônica com as pessoas e o meio em
que se vive. Também, conhecendo nosso karma,

Yogasūtra de Patañjali o "16 o Comentários de Pedro Kupfer
poderemos nos libertar dele, que é em definitiva o objetivo final da prática. O karma, seja
positivo ou negativo, é a causa da nossa interação com o dharma.

Não devemos deixar que as coisas “aconteçam” conosco. Precisamos ser responsáveis por nós
mesmos e não culpar o destino pelas coisas que vivemos. Citemos Vyāsa, comentarista de
Patañjali, que diz, em seu comentário ao sūtra, IV:3:

“As coisas fortuitas não colocam a natureza em movimento. Apenas a


remoção dos obstáculos permite que ela se manifeste, como o
agricultor que remove as barreiras para que as águas possam fluir”.

Removidos os obstáculos, a natureza se revela. Por exemplo, ser virtuoso pela virtude em si,
não traz o samādhi nem faz com que a verdadeira natureza, escondida sob o saṁskāra, se
manifeste.

A virtude por si só não produz crescimento emocional. Aliás, ela é uma consequência da
maturidade emocional. O efeito não determina a causa. É determinado por ela. Por exemplo, o
poder de ouvir é a causa. O que se ouve, o efeito. O ato de ouvir não é a causa material da
audição. O poder de agir em consonância com o dharma e a natureza é a causa. A ação correta,
a consequência.

Rituais coletivos, como o havan, podem sutilizar karmas comuntários. O sādhana pessoal tem
como objetivo sutilizar o karma do praticante. Tomando consciência da nossa verdadeira
natureza, o Universo responderá em consonância. Os objetivos se conseguem afinando-se com a
natureza da natureza. E a natureza da natureza se alcança usando os yamas e niyamas.

Mas aqui temos um paradoxo: o yogi que consegue sutilizar seu karma tem uma única opção:
agir em consonância com o dharma. Sutilizar o karma não significa renunciar às coisas do
mundo, mas ir além dos condicionamentos que nos atam a ele e nos fazem acreditar que a
felicidade depende das coisas que vêm de fora. Para isso, é fundamental entender o Karma
Yoga, atitude na qual compreendemos que nosso privilégio está na escolha das ações e não na
escolha dos seus resultados.

O śāstra que ensina esta forma de Yoga é a Bhagavadgītā, em que Viṣṇu, encarnado como
Kṛṣṇa, ensina o príncipe Arjuna a viver em harmonia com o karma, a lei universal, e o dharma,
a lei humana, tendo como pano de fundo a terrível guerra travada entre duas famílias reais,
primas entre si: os Pāṇḍavas e os Kauravas.

Esse confronto simboliza a dialética da vida. Arjuna se nega a matar pessoas do seu próprio
sangue, refugiando-se numa renúncia mal entendida. Entretanto, é convencido por Kṛṣṇa sobre
a inevitabilidade da ação, pois, desde que o homem está vivo, está sujeito ao karma, sendo-lhe
impossível fugir à ação. Renunciar não significa subtrair-se à vida, isolar-se do mundo e da
sociedade.

Assim, compassivamente, Kṛṣṇa propõe um Yoga em que ação e contemplação estão


intrinsecamente ligadas. O que é necessário fazer é viver a própria vida executando as ações
cabíveis a si mesmo, eliminando o apego aos seus resultados. Numa palavra, Kṛṣṇa traz o Yoga
para a vida secular, para aqueles que não podem renunciar as suas responsabilidades humanas:

“Ó Arjuna, aquele que, mantendo os sentidos sob o controle da faculdade


mental, se empenha desinteressadamente com os órgãos da ação no Yoga da

Yogasūtra de Patañjali o "17 o Comentários de Pedro Kupfer
ação, esse é eminentemente superior. Portanto, realiza a ação a ti prescrita,
pois a ação é superior à inação: mesmo tua vida física não saberia sobreviver
sem ação”.

O que significa ser yogi?


Ser yogi não quer dizer obcecar-se com a técnica, mas esforçar-se para que a perfeição flua
através de todos os atos, mantendo sempre uma atitude positiva e aberta, evitando fechar-se em
fórmulas rígidas. Ou seja, a iluminação está aqui mesmo, e pode conseguir-se lavando a louça
ou fazendo qualquer outra atividade: fazendo o que você tem que fazer! Diz o sábio Vasiṣṭha:
“Toda a Criação é paz, infinita e eterna.
Veja a Consciência Ilimitada em tudo. 

Fique em paz. Yoga é a cessação [do apego]

às experiências. Fique em Yoga.
Faça o que você tem que fazer.
Fique em Yoga e viva”.

Laghu Yoga Vasiṣṭha, CXXXVI:78.

O importante é possuir mais disposição interior para viver e trabalhar, ser mais consciente e
superar-se, mas sem que isto se transforme numa compulsão. A cada dia novas oportunidades
nos são oferecidas para aprender a superar-nos: não as deixemos passar. Convém manter uma
disposição positiva, sem necessariamente ser inofensivo, bonzinho ou indulgente demais. Em
determinadas circunstâncias, uma atitude firme acaba sendo mais sadia ou dando mais resultado
que o excesso de bondade.

Karma é fatalidade?

O salvador desastrado.

Na tradição Śaiva, Garuḍa, o deus-águia, aparece como guardião do deus Shiva. Um antigo
texto chamado Śiva Purāṇa conta que, uma vez, Garuḍa, montando guarda no alto do Monte
Kailaśa, morada de Śiva, reparou num pequeno pássaro que cantava entre as rochas. O poderoso
deus-águia ficou maravilhado pelo contraste entre a majestade da vasta cordilheira do Himalaia
e a delicadeza dessa pequena criatura. Disse para si mesmo: “Que maravilhosa é natureza! A
mesma Consciência que criou as imensas montanhas, fez igualmente este pequeno pássaro, e
ambos são igualmente admiráveis”.
Nesse mesmo momento, Yama, o Senhor da Morte, apareceu na distância, cavalgando seu
búfalo negro. Garuḍa reparou que o deus da Morte, ao se aproximar, olhou com curiosidade
para o pequeno pássaro ao passar, mas continuou andando, pois ia ao encontro de Śiva.
Considerando aquele olhar de Yama como um presságio da morte para o pequeno pássaro,
Garuḍa, cujo coração é cheio de compaixão, decidiu salvá-lo. Pegando com delicadeza o frágil
pássaro entre suas poderosas garras, voou para muito longe, até a beira do rio Ganges. Lá,
encontrou um lugar que lhe pareceu suficientemente seguro, com abundante água, vegetação e


Yogasūtra de Patañjali o "18 o Comentários de Pedro Kupfer
alimento. Deixando o pássaro sobre uma rocha, retornou para seu posto no alto do Monte
Kailaśa.

Quando o Senhor da Morte estava retornando do seu encontro com Śiva, Garuḍa perguntou-lhe:
“Yama, quando você chegou, observei que se deteve para observar aquele pequeno pássaro.
Posso saber porque?” Yama respondeu: “Quando olhei para o pássaro, soube que ele iria
imediatamente encontrar a morte nas mandíbulas de uma serpente píton. Como esse tipo de
serpente não vive aqui, no alto do Monte Kailaśa, achei isso muito curioso”. Novamente,
Garuḍa maravilhou-se, desta vez, pela inevitabilidade do karma.

Definindo o karma.
Lendo esta historinha, podemos pensar que karma seja uma espécie de destino inevitável. No
entanto, a ideia de karma como destino ou fatalidade está longe do que esta palavra sânscrita
realmente significa. Karma quer dizer “ação”, e define não apenas as coisas que fizemos e
fazemos, mas igualmente o princípio de causalidade que rege todas as relações no universo.
Esse conceito abrange absolutamente todos os feitos dos homens e suas consequências ao longo
do tempo, em nível coletivo e individual.

A doutrina do karma é uma das mais profundas contribuições do pensamento oriental à


humanidade nos campos da metafísica, a ética, a espiritualidade e a visão da relação entre o
homem e o universo. Podemos definir o karma como uma lei de responsabilidade pessoal, da
qual ninguém pode fugir, e que funciona por si mesma. A lei do karma nos ensina que qualquer
ação que façamos inevitavelmente produzirá frutos. Dependendo da natureza das nossas ações,
esses frutos serão bons ou não.

A intenção daquele que age determina o caráter moral da ação e suas consequências. Por
exemplo, ferir alguém sem intenção não gera uma retribuição negativa no futuro. A visão que
surge da lei do karma está baseada na razão e não na fé cega: ela fornece uma explanação
razoável e racional para o sofrimento humano, já que se considera que o karma opera
autonomamente, guidado pelo livre arbítrio de cada um e que, consequentemente, aquilo que
somos hoje é o resultado do que fizemos ontem. Portanto, não há fatalidade ou destino marcado.

Podemos distinguir as seguintes regras na lei do karma:

1. Atos alinhados com o dharma produzem frutos desejáveis. Atos errôneos produzem
resultados errôneos.
2. Ações dhármicas conduzem à felicidade. Ações contra o bem comum levam ao
sofrimento.
3. Quem age em harmonia com o dharma, vive feliz e tranquilo. Quem age
equivocadamente, sofre e faz sofrer.
4. Os resultados das ações são sempre limitados. Portanto, os karmas se esgotam, cedo ou
tarde.
5. Cada um constrói sua própria vida e seu próprio destino.
6. Aquele que realiza uma ação colhe inevitavelmente seus resultados.


Yogasūtra de Patañjali o "19 o Comentários de Pedro Kupfer
Liberdade, ação e consequência.

A lei do karma nos ensina que somos dotados de livre arbítrio e que cada um é responsável por
seus próprios atos, e arquiteto do seu próprio destino. Precisamos aprender a usar a nossa
liberdade em consonância com o bem comum, de maneira que possamos evitar machucar, ferir
ou fazer sofrer os demais seres vivos: homens, animais e plantas.

Um antigo texto védico chamado Ṣaṭapatha Brahmāṇa (VI:2:2:27), afirma que “todos os
humanos nascem neste mundo, moldados por si mesmos”. Isso significa que cada um traça seu
próprio destino. As ações passadas podem condicionar o presente, mas nunca determinar o
futuro de maneira fixa ou inamovível.

Aceitar com gratidão os resultados das nossas ações, quaisquer eles forem, é a essência do
Karma Yoga, o Yoga da ação consciente. Podemos escolher o que fazemos, mas não temos
escolha sobre os resultados das nossas ações, pois elas já aconteceram. Isso é regulado pela lei
do karma. Não existem nem julgamento, nem juiz. Somente leis imutáveis.

Podemos usar nossa liberdade para definir o que fazemos, mas não temos escolha nem liberdade
em relação aos resultados das nossas ações. Porém, o grande problema é que não sabemos disso,
e ficamos o tempo todo tentando manipular os resultados. Ficamos constantemente tentando
mudar aquilo que não pode ser mudado. Isso é uma fonte de infelicidade e sofrimento contínuo
e nasce, em última análise, da incapacidade de perceber que existe uma limitação em nossos
poderes, e uma diferença entre o que pode e o que não pode ser mudado.

Um mundo para chamar de seu?


É preciso compreender que não estamos no controle de nada: não acrescentamos nem um só
grão de areia às praias, não contribuímos com uma só gota de água à imensidade dos oceanos,
nem sequer construímos nosso próprio corpo. Essas realidades foram recebidas por nós, seres
vivos, junto com o presente da vida. Constatando isto, compreendemos que:

1. não controlamos a natureza,


2. não controlamos o que os demais fazem, e
3. não controlamos nossas próprias emoções.

Podemos aprender, sim, a administrar as emoções, mas não as controlamos. Não podemos nadar
contra a corrente. Precisamos aprender a relaxar, respirar e ir com o fluxo. O mesmo vale em
relação à maneira mais saudável de lidar com nossas emoções. Compreendendo isto, e honrando
a fonte do oceano das emoções, poderemos eliminar as resistências internas e fontes de conflito,
compreendendo que há coisas que precisamos aceitar como são por não podermos mudá-las (os
resultados das ações), e que há coisas que podemos sim modificar (a escolha das ações que
estamos fazendo agora).

Quando compreendemos que as leis da natureza regulam os resultados das ações, relaxamos, e
vemos tudo como expressão da graça da criação. Assim aprendemos a aceitar em paz e com
gratidão o que estiver fluindo em nossa direção, relaxamos e aceitamos tudo o que vem e vai,
tudo o que ganhamos ou perdemos. Nunca cresceremos interiormente se não soubermos aceitar,
se não pararmos de nos defender ou atacar, se não pararmos de ver o mundo como um lugar
hostil.

Yogasūtra de Patañjali o "20 o Comentários de Pedro Kupfer
Aceitação é a chave.

A atitude de aceitação grata é o que abre o coração. Deveríamos aprender a aceitar, e esquecer
crenças e padrões mecânicos como “eu deveria ter feito isto”, “estou arrependido”, etc. Ao
invés disso, poderíamos pensar “isto é o que eu fiz ou disse, e foi o melhor que podia fazer ou
dizer, dadas as circunstâncias”, ou “sou totalmente perfeito dentro da minha imperfeição”.

Ao mesmo tempo, precisamos ter certeza de não estarmos fugindo às nossas responsabilidades,
nem escapando das funções que devemos desempenhar, pois tanto as responsabilidades quanto
as funções nos ajudam a crescer. Somente poderemos ser felizes ao aceitarmos as coisas como
são, e aceitarmos a realidade como ela é. Assim, poderemos viver uma vida feliz e livre de
conflitos, agindo de modo consciente, em harmonia com os valores universais e compreendendo
as leis naturais, que regem toda a existência.

सित मूले तिद्वपाको जात्यायुभोर्गाः ॥ १३ ॥


sati mūle tadvipāko jātyāyurbhogāḥ ॥ 13 ॥
[Enquanto] a raiz dessa [aflição] estiver presente, 

irá produzir nascimento, vida e experiências.

sati = estando presente


mūle = na raiz
tat = dessa
vipākaḥ = produção, frutificação
jāti = nascimento
āyuḥ = duração de uma vida
bhogāḥ = desfrute, experiências

Comentário de Vyāsa: “O karmāśaya, o reservatório dos karmas, começa a frutificar quando as


raízes dos kleśas estão presentes. Entretanto, ele não frutifica quando essas raízes são
desenterradas. Assim como o arroz sem descascar e sem preparar pode germinar mas não
consegue faze-lo quando é descascado e torrado, da mesma forma o karmāśaya, quando está
baseado nos kleśas, é capaz de produzir consequências mas não produz nenhum efeito quando
esses kleśas são removidos ou queimados através da adquisição do conhecimento verdadeiro.
As consequências do karmāśaya são de três tipos: nascimentos futuros, duração das existências
e experiências de dor ou prazer.

“A este respeito deve considerar-se: se uma ação é responsável por um nascimento ou ela
provoca múltiplos nascimentos. O segundo ponto é se muitas ações provocam muitos
nascimentos ou apenas um só. Uma simples ação nunca pode ser a causa de um nascimento,
pois, nesse caso, não havendo regularidade na sucessão de fruições das ações presentes e de
inúmeras ações acumuladas no karmāśaya desde o início —algumas das quais permanecerão
latentes — as pessoas perderiam a fé nas ações. Esta postura é insustentável.


Yogasūtra de Patañjali o "21 o Comentários de Pedro Kupfer
“Uma simples ação não pode provocar múltiplos nascimentos, pois nesse caso, se uma dentre as
muitas ações provocasse múltiplas existências, então as ações restantes não teriam tempo de dar
seus próprios frutos. Este ponto de vista, portanto, também é insustentável. Muitas ações não
podem ser responsáveis por muitos nascimentos, porque múltiplos nascimentos não podem
acontecer simultaneamente. E se se afirmar que eles acontecem gradualmente, a mesma
dificuldade surge. Por estas razões, o acúmulo das diversas latências das ações, sejam elas
dignas de mérito ou demérito, sejam feitas entre o nascimento e a morte, em estado dominante
ou subordinado, é posto em ação através da morte e acumulado em um esforço que
simultaneamente produz a morte e causa um único nascimento futuro.

“Esse nascimento, por sua vez, cria a extensão de uma vida a partir do karmāśaya acumulado e
durante essa expansão as experiências se sentem como resultado desse karmāśaya. Sendo o
karmāśaya a causa do nascimento, da duração da existência e das experiências afetivas, ele é
chamado trivipāka ou que possui ‘três consequências’. Pela mesma razão, o karmāśaya foi
chamado ekabhāvika, ou ‘reunido em uma só vida’.

“Quando o karmāśaya se torna ativo na existência presente e é responsável unicamente pela


experiência afetiva se diz que ele é de ‘consequência simples’. Quando ele é responsável pela
duração de existência e pelas experiências dessa existência, ele é chamado de ‘dupla
consequência’ — como no caso de Nandīśvara e Nahuśa (de dupla e de simples consequência
respectivamente). A mente que se nutre desde tempos imemoriais nas latências dos kleśas e nas
ações é como uma pintura intrincada ou como uma rede de pesca cheia de nós. É por isso que as
vāsanās derivam de muitos nascimentos prévios, enquanto que o karmāśaya deriva somente de
um nascimento ou de uma vida. Estas impressões latentes subconscientes, que dão lugar à
memória, são conhecidas coma vāsanās e não têm início.

“O karmāśaya, que é a ação acumulada de uma vida apenas, pode ter dois tipos de realização:
certa e incerta. A regra que diz que ele é ativo em apenas uma vida é totalmente aplicável ao
karmāśaya de realização certa, enquanto que o de realização incerta, que pode dar frutos em
alguma vida futura, pode não restringir-se a ser ativo em uma vida só. Isto é porque para ser
operativo em uma vida futura, o karmāśaya de realização incerta tem três tipos de resultado: em
primeiro lugar, o karmāśaya que não frutificou pode destruir-se através da expiação antes de
ficar ativo. Em segundo lugar, ele pode misturar-se com o karmāśaya dominante como um
elemento subordinado. Em terceiro lugar, ele pode ser eclipsado pelo karmāśaya dominante e
ficar em estado latente por longo tempo. Destes, o primeiro é ilustrado pela extinção nesta vida
de feitos ruins através de realização de atos pios. A este respeito foi dito:

“Saiba que a ação pode ser de dois tipos, dos quais uma série de feitos
corretos anula uma série de ações errôneas. Consequentemente, tome a
decisão de fazer a coisa certa. Essas ações meritórias devem fazer-se
nesta vida, como disseram os sábios”.

“Foi dito que a morte é a causa geral da manifestação do karmāśaya ilimitado que se manifesta
na vida futura. Mas essa regra nem sempre é aplicável, pois a morte nem sempre é a causa da
manifestação completa do karmāśaya limitado que manifesta na vida futura. Os karmas que se
manifestam em vidas futuras e que ainda não estão maduros o suficiente como para
produzir frutos, podem destruir-se. Ou eles podem misturar-se ou ficar ofuscados e não


Yogasūtra de Patañjali o "22 o Comentários de Pedro Kupfer
amadurecer por longos períodos, até que ações favoráveis à sua manifestação os façam
manifestar-se.

“Desde que o tempo, o lugar e a causa de tal manifestação não podem ser determinados, a
direção do karma é considerada incerta e imperceptível. Porém, em tal caso, sendo esta uma
exceção, a regra geral não é quebrada. Consequentemente, foi dito que o karmāśaya é
unigenital, ou que produz apenas um nascimento”.

ते ह्लादपिरतापफलाः पुण्यापुण्यहेतुत्वात् ॥ १४ ॥
te hlādaparitāpaphalāḥ puṇyāpuṇyahetutvāt ॥ 14 ॥
O fruto deles será alegria ou sofrimento, conforme 

sua causa seja uma ação meritória ou não.

te = deles [do nascimento, da vida e das experiências mencionados no sūtra anterior]


hlāda = prazer, desfrute
paritāpa = aflição, sofrimento
phalāḥ = fruto
puṇya = mérito
apuṇya = demérito
hetutvāt = tendo como causa

Comentário de Vyāsa:

A forma em que o nascimento acontece, a extensão da vida e suas experiências, produzem


felicidade se estiverem baseadas na virtude ou sofrimento se forem causadas pelo erro. Assim
como a miséria é indesejável para as pessoas normais, da mesma forma, para a mente do yogi,
o desfrute dos objetos prazerosos é indesejável, pois ela pode igualmente envolver dor.

Os Mecanismos do Karma

Patañjali descreve o mecanismo da lei do karma nos sūtras 12 e 13 do presente capítulo. Nestes
dois sūtras, ele ensina que as tendências latentes foram criadas pelas nossas ações e
pensamentos passados, e que estas, por sua vez, definem nosso presente e nosso futuro.

Já no sūtra 14, o sábio afirma que essas experiências, prazerosas ou dolorosas, são resultantes
de mérito e demérito (pūṇya e pāpa), respectivamente: “O fruto [das ações] será alegria ou
sofrimento, conforme sua causa seja a virtude ou o erro”. Em seguida, no seguinte sūtra, ele diz
que “tudo provoca sofrimento para aquele que vê. Mudanças, ansiedade, tendências e conflitos
estão permeados pelos guṇas e vṛttis e sempre acabam em sofrimento”.

Tudo é fonte de sofrimento para aquele que discernea, pois até mesmo o desfrute do prazer é
fonte de dor futura, já que produz apego aos objetos de prazer. E, no sūtra 16, arremata: “
sofrimento que ainda não surgiu deve ser evitado.”


Yogasūtra de Patañjali o "23 o Comentários de Pedro Kupfer
No último capítulo (IV:7), Patañjali afirma que “para o yogi, as ações não são nem negras nem
brancas, [nem desejáveis nem indesejáveis, enquanto que], para  as outras pessoas, elas são de
três tipos [i.e., positivas, negativas e neutras].

Existem portanto três tipos de karma: 



1) o karma que já foi criado e se manifesta nesta existência, chamado prārabdha karma; 

2) o karma que está ‘amadurecendo’, como uma semente germinando, ou seja, que ainda não se
manifestou, chamado sañcita karma e 

3) o karma que estamos criando neste momento presente, chamado kriyāmana karma.

Estes três tipos de karma se explicam na tradição do Yoga com o exemplo do arqueiro:

1) ele pega uma flecha da aljava, 



2) mira um pássaro, enquanto tensiona o arco e 

3) solta a flecha.

Imediatamente se arrepende, mas já é tarde e não pode voltar atrás: o pássaro morre. Este é o
prārabdha karma. As flechas na aljava do arqueiro são seu sañcita karma ou reservatório
kârmico: ele pode escolher se irá tirar uma flecha da aljava ou não, e em que direção irá aponta-
la. A flecha que ele segura no arco, pronta para ser disparada, é o kriyāmana karma ou karma
atual.
Com o sañcita e o kriyāmana karma podemos exercer o livre arbítrio. Podemos, como diz
Patañjali, evitar o sofrimento que ainda não apareceu.
Em relação ao karma que já se colocou em movimento, prārabdha, embora seja inexorável, se
podem mitigar seus efeitos através de práticas de meditação e mentalização, ou de tarefas que
coloquem o foco da pessoa fora do seu ego, como a ação social ou o trabalho pelo bem comum.

Quer aliviar o seu karma?


Vai precisar de quatro coisas:

1. prática de yamas e niyamas
2. atitude de Karma Yoga
3. prática de desapego

4. meditação e mantras

पिरणामतापसंस्कारदुःखैगुर्णवृित्तिवरोधाच्च 

दुःखमेव सवर्ं िववेिकनः ॥ १५ ॥
pariṇāmatāpasaṁskāraduḥkhairguṇavṛttivirodhācca 

duḥkhameva sarvaṁ vivekinaḥ ॥ 15 ॥
Tudo é sofrimento para aquele que discerne: devir, 

ansiedade e condicionamentos [nascem] pela oposição 

dos guṇas e vṛttis e sempre acabam em sofrimento.

pariṇāma = mudança, devir, evolução


tāpa = ansiedade, angústia, aflição
saṁskāra = condicionamentos, impressões subconscientes

Yogasūtra de Patañjali o "24 o Comentários de Pedro Kupfer
duḥkha = sofrimento
guṇa = qualidades da natureza
vṛtti = pensamentos, conteúdos psíquicos
virodhāt = pela oposição, pela dança constante das qualidades da natureza
ca = e

duḥkham = sofrimento
eva = é somente
sarvaṁ = tudo
vivekinaḥ = aquele que discerne

Comentário de Vyāsa:

“A experiência da felicidade se deve ao apego aos objetos animados e inanimados. Deste


sentimento de felicidade surge o karmāśaya, depósito kármico, baseado no apego. Da mesma
forma, os objetos que provocam sofrimento são evitados por todos e as pessoas são
assombradas por eles.

“Portanto, no desfrute dos objetos, o karmāśaya corporal baseado na aversão também se forma.
O desfrute dos objetos tem sido, consequentemente, chamado ignorância. Em outras palavras,
quando, através da gratificação da sede de desfrute, os sentidos se aquietam e não correm atrás
dos objetos — isso é felicidade, enquanto que a inquietação devida à sede de desfrute é
infelicidade. A prática do desfrute dos sentidos não conduz à renúncia, pois o desfrute
fortalece o apego e a habilidade dos sentidos. É por isso que o desfrute não é o meio para
atingir a plenitude.

“Aquele que busca a felicidade afunda na miséria através do desfrute dos objetos e a ânsia que
eles provocam. Isto é similar ao sofrimento da pessoa que, despreparada para suportar a
mordida de um escorpião, leva uma mordida de uma serpente [o que é ainda pior]. Estas
experiências adversas, que terminam em miséria ainda quando forem prazerosas no presente,
produzem apenas infelicidade no yogi [as coisas que produzem infelicidade a longo prazo para
o não yogi são consideradas como infelicidade pelo sábio, ainda quando produzam prazer
sensorial momentâneo].

“O que é a miséria aflitiva? Todos são atingidos pela dor quando perseguem objetos animados
ou inanimados com aversão. Isto gera o karmāśaya da aversão. Novamente, quando para
superar esta miséria existencial as pessoas procuram o prazer dos sentidos, a mente e as
palavras, eles estão facilitando ou provocando a dor nos outros, o que resulta no acúmulo de
piedade e impiedade. Este karmāśaya é o resultado da cobiça e da infautação. É chamado
miséria aflitiva.

“O que é a dor do saṁskāra? As experiências dolorosas ou prazerosas fazem surgir latências


correspondentes. Portanto, da experiência do prazer e a dor resultantes do karma, novos
karmāśayas frescos se acumulam [através de suas vāsanās correspondentes]. Desta forma, a
eterna correnteza da miséria produz dor apenas ao yogi, porque a mente do sábio é tão sensível
como a superfície do olho.


Yogasūtra de Patañjali o "25 o Comentários de Pedro Kupfer
“Assim como o toque de um cabelo de milho machuca apenas o olho e nenhuma outra parte do
corpo, da mesma forma estas misérias [devidas à natureza instável das coisas] afligem somente
o yogi que é tão sensível quanto o olho, e a mais ninguém. Os outros, sob a influência da
ignorância, eternamente matizada pelas vāsanās e sujeitos as noções enganosas de ‘eu’ e ‘meu’,
que precisam ser abandonadas para obter o conhecimento correto do Ser, sofrem a miséria
causada por seus próprios atos.

“Eles ficam, saindo da infelicidade e mergulhando nela, saindo e mergulhando nela sem parar,
com o resultado que nascem outra vez e outra vez e são esmagados pela tríplice miséria
existencial, produzida por causas interiores e exteriores. O yogi, entretanto, vendo a si próprio
e aos outros sendo arrastados pela eterna correnteza da aflição, se refugia no conhecimento
para eliminar todas as misérias.

“Também por conta da oposição mútua das modificações dos guṇas, tudo provoca dor para o
sábio. “As fases de buddhi em forma de sattva, rajas e tamas, interagindo entre elas, dão lugar à
experiência da paz, da intensidade ou da insensibilidade. Os produtos dos guṇas estão em
estado fluido, sempre em movimento, e por isso a mente é chamada aquela que muda rápido”.

Quando qualquer uma das formas de buddhi [mérito e demérito, compreensão correta e errada,
apego e desapego, supremacia e seu oposto] e seus estados [tranqūilidade, infelicidade e
estupor] ficam mais intensos, eles se opõem aos mais fracos, enquanto que as formas e estados
enfraquecidos colaboram com os mais fortes.’ Então, a interação dos guṇas produz
experiências de prazer, dor e estupor. Todas as experiências possuem os aspectos dos guṇas
sattva, rajas e tamas, mas suas características essenciais, sáttvico, rajásico e tamásico são
causadas pela preponderância de um ou outro deles. Por esta razão, porque nada pode ser
puramente sáttvico ou produzir prazer apenas, tudo, até o prazer mundano, está cheio de dor
para o sábio.

A ignorância é a raiz do predomínio da miséria e da aflição, enquanto que o conhecimento


verdadeiro é a causa da dissipação da ignorância. Assim como a ciência médica tem quatro
divisões: doença, causa da doença, restabelecimento e terapia — da mesma forma esta visão
tem quatro partes: ciclo de nascimentos, sua causa, a libertação e os meios para atingí-la.
Destes quatro, o ciclo de nascimentos deve ser descartado. A confusão entre Puruṣa e Pradhāna
[Prakṛti] é a causa daquilo que deve ser descartado. A perpétua cessação desta associação é a
libertação. O conhecimento real é o meio para a libertação. Destes, a natureza real de Puruṣa,
que testemunha a libertação, não pode nem ser descartada nem alcançada, pois isto implicaria
sua eliminação no primeiro caso e sua causação no segundo. Rejeitando ambos pontos de vista
errôneos, chegamos à visão da eterna imutabilidade, que é o conhecimento verdadeiro.

Resumo da ópera:

1. causa dos nascimentos

2. nascimentos 

3. meio para mokṣa

4. mokṣa.

E por isso que este śāstra foi descrito como tendo quatro partes, das quais —


Yogasūtra de Patañjali o "26 o Comentários de Pedro Kupfer
हेयं दुःखमनागतम् ॥ १६ ॥
heyaṁ duḥkhamanāgatam ॥ 16 ॥
O sofrimento que ainda não surgiu deve ser evitado.

heyaṁ = algo a ser evitado, deixado de lado


duḥkha = sofrimento
manāgatam = futuro, que ainda não aconteceu

Comentário de Vyāsa:

O sofrimento passado não pode se evitado porque sua experiência já aconteceu. O sofrimento
presente está acontecendo agora e não pode ser abandonado no próximo instante. Portanto, o
sofrimento que não foi ainda experienciado, que perturba o yogi [...] é o único que pode [e
deve] ser evitado.

***
Por essa razão, a causa daquilo que foi mencionado como evitável é descrita agora.

द्रष्टृदृश्ययोः संयोगो हेयहेतुः ॥ १७ ॥


draṣṭṛdṛśyayoḥ saṁyogo heyahetuḥ ॥ 17 ॥
A união daquele que vê com o objeto que é visto é a causa 

daquilo que precisa ser evitado [sofrimento, identificação, angústia].

draṣṭṛ = o sujeito, aquele que vê


dṛśyayoḥ = o objeto, aquilo que é visto
saṁyogaḥ = união
heya = algo a ser evitado, descartado
hetuḥ = causa

Comentário de Vyāsa: “O observador é Puruṣa, quem reflete é o buddhi. Tudo o que o buddhi
experiencia são os objetos [que se podem conhecer]. Como um imã, os objetos de experiência
agem sobre aquilo que está próximo deles. Devido à sua característica de serem conhecíveis,
eles se tornam domínio de Puruṣa, cuja natureza é Plena Consciência. Tornando-se o buddhi
objeto da experiência ou da ação, ele se percebe [erroneamente] como algo mais, como o
próprio Puruṣa e, embora seja independente em si mesmo, ele se torna dependente funcionando
como o objeto de outro [o Puruṣa]. Esta aliança eterna entre a Consciência e o objeto é a causa
do evitável [dor, sofrimento ou miséria].

“É por isso que foi dito [por Acārya Pañcaśikha]: “abandonando a causa da correlação com
buddhi, a solução definitiva contra a aflição faz efeito”, porque se percebe que a causa evitável
do problema pode ser remediada. Por exemplo, sendo a sola do pé susceptível de sofrer feridas
de espinho, o potencial de ferir do espinho pode evitar-se deixando de colocar o pé sobre ele


Yogasūtra de Patañjali o "27 o Comentários de Pedro Kupfer
ou usando um sapato. Aquele que sabe disto pode evitar o problema dos espinhos adotando a
solução. Mas como? Através da habilidade de conhecer a natureza dele.

“Na busca do autoconhecimento, também o guṇa aflitivo, rajas, pode perturbar o equilíbrio de
sattva. Porque? Porque a aflição deve operar sobre uma entidade passível de mudança. Sendo
sattva passível de sofrer mudanças, ele pode ser perturbado, enquanto que o Ser que está além
da ação e da mutabilidade não pode ser afetado. Desde que os objetos apresentados pelo
intelecto são percebidos por Puruṣa, quando estes estão contaminados pela dor, Puruṣa também
aparenta estar ciente da sua natureza dolorosa”.

Puruṣa = draṣṭṛ = sakṣi. Sakṣi só observa. O ego se identifica com os estímulos sensoriais e com
os movimentos da mente. Sakṣi observa.
***
A natureza dos objetos se descreve agora —

प्रकाशिक्रयािस्थितशीलं भूतेिन्द्रयात्मकं भोगापवगार्थर्ं दृश्यम् ॥ १८ ॥


prakāśakriyāsthitiśīlaṁ bhūtendriyātmakaṁ bhogāpavargārthaṁ dṛśyam ॥ 18 ॥
O perceptível [os objetos] possui os atributos de harmonia, movimento 

e estabilidade. Tem a natureza dos elementos e dos órgãos [dos sentidos 

e das ações e] como propósitos a experiência e a liberdade.

prakāśa = luz, iluminação, harmonia, sattva


kriyā = atividade, ação, rajas
sthiti = firmeza, quietude, tamas
śīlaṁ = que possui atributos [luz, atividade, firmeza]
bhūtaḥ = os cinco elementos: terra, água, fogo, ar e espaço
indriya = os cinco órgãos dos sentidos e os cinco órgãos das ações
ātmakaṁ = consistente de
bhoga = experiência, desfrute, satisfação
apavarga = liberação, emancipação
arthaṁ = com o propósito de
dṛśyam = aquilo que é visto, os objetos

Prakṛti, a natureza, existe para que jīvātma, o indivíduo, possa libertar-se da ignorância.
Comentário de Vyāsa: “Clareza [elucidação] é a característica de sattva, mutabilidade a de
rajas e estabilidade a de tamas. Estes três guṇas são diferentes, embora estejam mutuamente
relacionados e, através da sua interação, cooperem para produzir as formas manifestadas.

“Embora organicamente interrelacionadas, suas propriedades não se misturam. Mas quando um


dos guṇas produz efeitos de natureza homogênea, os outros dois não preponderantes operam
como causas associadas e estão sempre prontos para produzir resultados de natureza
homogênea em seus estados predominantes, enquanto que quando qualquer um deles é não
preponderante, sua presença pode deduzir-se como subsidiaria ao dominante.


Yogasūtra de Patañjali o "28 o Comentários de Pedro Kupfer
“Devido a sua natureza ser o objeto de Puruṣa, e em virtude da sua habilidade em produzir
formas, os guṇas agem por proximidade, como um imã. Eles, na ausência de uma causa
apropriada, acompanham a liderança daquele preponderante. Estes guṇas são conhecidos como
pradhāna. São chamados objetos ou ‘conhecíveis’, existem na forma dos elementos e assumem
a forma da terra e os outros elementos sutis e densos.

“Ao mesmo tempo, existem na forma dos órgãos dos sentidos e se transformam na audição e os
outros sentidos, sutis ou densos. Estes objetos não operam sem um propósito definido. Pelo
contrário, eles agem onde for preciso para servir ao Puruṣa e seu objetivo.

“Em consequência, os objetos se colocam em movimento unicamente com o propósito de


facilitar a experiência e a emancipação do Puruṣa. Destas duas, a compreensão do que é
essencialmente benéfico e o que é daninho através da identificação do Ser com o objeto visto é
a experiência, enquanto que compreender a verdadeira natureza do Puruṣa é a emancipação.
Não há mais nenhuma forma de conhecimento além destas duas.

“É por isso que foi dito: “embora os três guṇas sejam responsáveis por todas as ações e
mutações, a pessoa sem discriminação vê como naturais todas as experiências que são
apresentadas pelo intelecto ao quarto princípio [Puruṣa], que é realmente inativo, diferente do
buddhi apesar das aparências e que é apenas a testemunha de suas modificações. As pessoas
que se iludem desta forma não suspeitam da existência da Consciência, que está além dos
condicionamentos [e das experiências do ego].”

“Esta experiência e emancipação, sendo criações do intelecto e pertencendo unicamente a ele,


como podem ser atribuídas a Puruṣa? Assim como a vitória e a derrota dos guerreiros é
atribuída ao comandante que os treinou, da mesma forma a escravidão e a emancipação,
estando presentes em buddhi, são adjudicadas ao Puruṣa, que as experiencia.

“A não conclusão dos dois objetivos do Ser acima descritos significa a escravidão do buddhi,
enquanto que a sua conclusão significa a libertação. Então a percepção, retenção, lembrança,
eliminação, concepção e determinação, embora estejam presentes no intelecto, se consideram
presentes em Puruṣa, pois ele está percebendo-os e experienciando-os”.

िवशेषािवशेषिलङ्गमात्रािलङ्गािन गुणपवार्िण ॥ १९ ॥
viśeṣāviśeṣaliṅgamātrāliṅgāni guṇaparvāṇi ॥ 19 ॥
As expressões dos guṇas são o peculiar, o 

universal, o diferenciado e o indiferenciado.

viśeṣa = peculiar, que tem características


āviśeṣa = universal, que não tem características
liṅgamātra = diferenciado
aliṅgāni = indiferenciado
guṇaparvāṇi = expressões dos guṇas, características da natureza

Comentário de Vyāsa:

Yogasūtra de Patañjali o "29 o Comentários de Pedro Kupfer
Destes, espaço, ar, fogo, água e terra são os elementos. Eles são as variedades diversificadas
dos tanmātras imutáveis: as formas sutis do som, da temperatura, da luz, do gosto e do olfato
respectivamente.

Da mesma forma os cinco jñānendriyas [órgãos dos sentidos]: audição, tato, visão, paladar,
olfato; os cinco karmendriyas [órgãos de ação]: voz, mãos, pés, órgãos excretores e órgãos
reprodutores e a mente ou o décimo primeiro sentido, que funciona como um órgão da
percepção e da ação, são as diferentes mudanças do ego instável. Estes são os dezesseis
produtos diversificados dos guṇas.

Os imutáveis são seis em número: os cinco tanmātras, as formas sutis do som, da visão, do
tato, do gosto e do olfato, que têm respectivamente uma, duas, três, quatro e cinco
características, enquanto que o sexto é o ego. Estes seis são as seis manifestações não
diversificadas do puro sentido do Eu, que é unicamente a Consciência como Existência, Mahat.

***

Uma vez descritos os objetos, enuncia-se este sūtra para determinar a real natureza de draṣta, o
observador [Puruṣa].

द्रष्टा दृिशमात्रः शुद्धोऽिप प्रत्ययानुपश्यः ॥ २० ॥


draṣṭā dṛśimātraḥ śuddho’pi pratyayānupaśyaḥ ॥ 20 ॥
Aquele que vê é unicamente Consciência. 

Embora puro, é testemunha dos pensamentos.

draṣṭā = aquele que vê


dṛśimātraḥ = unicamente Consciência, que o poder de ver
śuddhaḥ = puro
api = embora, apesar de
pratyaya = conteúdo, pensamento
anupaśyaḥ = testemunha

Comentário de Vyāsa:

A expressão ‘conhecedor absoluto’ significa percepção incondicional. Este Puruṣa reflete o


buddhi. Não é nem parecido nem diferente de buddhi. Não é parecido porque um objeto de
conhecimento pode ser conhecido ou desconhecido para buddhi. Consequentemente, ele é
mutável. Os objetos de conhecimento, como uma vaca [objetos animados] ou um jarro [objetos
inanimados], embora existam separadamente, conhecem-se quando colorem o buddhi, e
tornam-se desconhecidos quando não o fazem. Este caráter de conhecer alguns objetos e não
conhecer outros indica a natureza mutável de buddhi. [...] Além disso, sendo o buddhi a
faculdade de conhecer os objetos, ele está formado pelos três guṇas [...]. Puruṣa é a testemunha
dos guṇas. Por estas razões, ele não é buddhi. Ele seria então diferente? Tampouco seria
inteiramente diferente, pois apesar de ser puro em si mesmo, ele vê e ilumina as cognições de
buddhi e então acaba aparecendo como unido ao intelecto, apesar de ser diferente dele.


Yogasūtra de Patañjali o "30 o Comentários de Pedro Kupfer
तदथर् एव दृश्यस्यात्मा ॥ २१ ॥
tadartha eva dṛśyasyātmā ॥ 21 ॥
O perceptível existe somente para ser percebido por Ātma.

tadartha = servir a um propósito, existir para


eva = somente
dṛśyasya = para ser percebido por
ātmā = Ser, Consciência

A cama existe porque alguém dorme nela. A lei do karma diz que não existe efeito sem causa.
Puruṣa é a causa. Prakṛti, o efeito. Comentário de Vyāsa: “[Todos] os objetos possuem a
propriedade de ser experienciados por Puruṣa; é por isso que ser o alvo dele é a essência real
dos objetos”.

***

कृताथर्ं प्रित नष्टमप्यनष्टं तदन्यसाधारणत्वात् ॥ २२ ॥


kṛtārthaṁ prati naṣṭamapyanaṣṭaṁ tadanyasādhāraṇatvāt ॥ 22 ॥
Embora cesse de existir para aquele cujo propósito supremo foi cumprido, 

esse [mundo] continua a existir para os demais, por ser comum a todos.

kṛtārthaṁ = aquele cujo propósito foi cumprido


prati = para aquele
naṣṭam = dissolução, cessação
apyanaṣṭaṁ = não dissolução, não cessação
tat = esse
anya = para outrem, para os demais
sādhāraṇatvāt = sendo comum a todos

स्वस्वािमशक्त्योः स्वरूपोपलिब्धहेतुः संयोगः ॥ २३ ॥


svasvāmiśaktyoḥ svarūpopalabdhihetuḥ saṁyogaḥ ॥ 23 ॥
A união sujeito-objeto é a causa 

da natureza [da ignorância].

svasvāmiśaktyoḥ = entre sujeito e objeto


svarūpopalabdhi = determinação da natureza
hetuḥ = causa, aquilo que provoca
saṁyogaḥ = união


Yogasūtra de Patañjali o "31 o Comentários de Pedro Kupfer
Saṁyogaḥ, a união sujeito-objeto, é uma ilusão, um erro fundamental. Essa forma de ignorância
é a causa das diferentes experiências, de prazer ou sofrimento. Sobre isso, continua o próximo
sūtra:

तस्य हेतुरिवद्या ॥ २४ ॥
tasya heturavidyā ॥ 24 ॥
A ignorância é a causa [da falsa conexão sujeito-objeto].

tasya = dessa
hetuḥ = causa
avidyā = ignorância

तदभावात् संयोगाभावो हानं तद्दश


ृ ेः कैवल्यम् ॥ २५ ॥
tadabhāvāt saṁyogābhāvo hānaṁ taddṛśeḥ kaivalyam ॥ 25 ॥
Na ausência [da ignorância], há ausência de conexão. 

Essa supressão é a libertação daquele que vê.

tat = sua, essa


abhāvāt = por causa da ausência, devido ao desaparecimento
saṁyogaḥ = união
abhāvaḥ = ausência, dissolução
hānaṁ = remoção, cessação, supressão
tat = essa
dṛśeḥ = do observador, daquele que vê
kaivalyam = libertação

िववेकख्याितरिवप्लवा हानोपायः ॥ २६ ॥
vivekakhyātiraviplavā hānopāyaḥ ॥ 26 ॥
A percepção do real de maneira contínua 

é o meio para a destruição [da ignorância].

vivekakhyātiḥ = discernimento correto, percepção do real


aviplavā = ininterrompidamente, de maneira contínua, sem obstruções
hānaḥ = destruição, remoção
upāyaḥ = meio, método

तस्य सप्तधा प्रान्तभूिमः प्रज्ञा ॥ २७ ॥


tasya saptadhā prāntabhūmiḥ prajñā ॥ 27 ॥
O conhecimento daquele [que discerne] tem sete tipos de extensão suprema.


Yogasūtra de Patañjali o "32 o Comentários de Pedro Kupfer
tasya = para a pessoa

saptadhā = de sete tipos

prānta = suprema, máxima, final

bhūmiḥ = extensão, elevação

prajñā = conhecimento intuitivo

Saṁyogaḥ, a união sujeito-objeto, é uma ilusão, um erro fundamental. Essa forma de ignorância
é a causa das diferentes experiências, de prazer ou sofrimento. Sobre isso, continua o próximo
sūtra: Esses sete tipos de cognição são os seguintes:

1. Jijñāsā, o Desejo de Conhecer,

2. Jihāsā, o Desejo de Abandonar,


3. Pretsā, o Desejo de Alcançar,

4. Cikīrṣa, o Desejo de Agir,

5. Śokaḥ, o Sofrimento,

6. Bhayaḥ, o Medo, e

7. Vikalpaḥ, a Ilusão.

Os quatro primeiros são inclinações naturais da pessoa comprometida na busca do


autoconhecimento. Os três últimos são obstáculos que devem ser superados.

योगाङ्गानुष्ठानादशुिद्धक्षये ज्ञानदीिप्तरा िववेकख्यातेः ॥ २८ ॥


yogāṅgānuṣṭhānādaśuddhikṣaye jñānadīptirā vivekakhyāteḥ ॥ 28 ॥
Pela prática constante dos aṅgas do Yoga as impurezas 

são destruídas e ilumina-se o discernimento.

yogāṅga = os membros ou etapas do Yoga


ānuṣṭhānād = pela prática continuada, constante
aśuddhikṣaye = com a eliminação das impurezas
jñāna = conhecimento
dīptirā = radiância, resplendor, iluminação
viveka = discernimento
khyāteḥ = correta cognição

यमिनयमासनप्राणायामप्रत्याहारधारणाध्यानसमाधयोऽष्टावङ्गािन ॥ २९ ॥
yama-niyamāsana-prāṇāyāma-pratyāhāra-

dhāraṇā-dhyāna-samādhayo’ṣṭāvaṅgāni ॥ 29 ॥
Yama, niyama, āsana, prāṇāyāma, pratyāhāra, 

dhāraṇā, dhyāna e samādhi são as oito partes.


Yogasūtra de Patañjali o "33 o Comentários de Pedro Kupfer
yama = proscrições
niyama = prescrições
āsana = posturas
prāṇāyāma = respiratórios
pratyāhāra = abstração sensorial
dhāraṇā = concentração
dhyāna = meditação
samādhi = absorção
aṣṭāvaṅgāni = são os oito passos ou partes

अिहंसासत्यास्तेयब्रह्मचयार्पिरग्रहा यमाः ॥ ३० ॥
ahiṁsāsatyāsteyabrahmacaryāparigrahā yamāḥ ॥ 30 ॥
Não-violência, veracidade, honestidade, 

continência e não-possessividade, são as proscrições.

Os Oito Membros do Yoga

ahiṁsā = não-violência
satya = veracidade
asteya = honestidade
brahmacarya = coerência relacional, voto de autoconhecimento
aparigrahā = nao-possessividade
yamāḥ = controle, comando sobre os órgãos de ação


Yogasūtra de Patañjali o "34 o Comentários de Pedro Kupfer
Yamas e Niyamas

O dharma é a ciência ou o caminho da virtude e da justiça. É o sistema que formula linhas-guia


para nos ajudar a decidir entre o certo e o errado a cada momento. Uma vida de virtude é um
dos aspectos vitais do caminho do Yoga, que cultiva valores como compaixão (karuṇa), devoção
(bhakti), retidão (dharma), caridade (dāna) e outros.

Dharma significa:
1. ética
2. virtude
3. filosofia
4. religião
5. retidão
6. justiça
7. lei
8. verdade
9. sua própria missão
10. fazer a coisa certa

Geralmente pensamos que dharma seja algum tipo de código moral, um grupo de mandamentos
ou proibições que nos obriga a andar na linha e que somente lembramos ou invocamos quando
nos convém. Porém, os fatos são outros. Nas últimas décadas, nossa civilização parece haver
perdido a bússola ética. Nossos líderes políticos ou espirituais pairam no vazio moral,
preocupados apenas com estatísticas, roubalheira desenfreada e corrupção em todas suas
manifestações. O poeta irlandês W. B Yeats (1865-1939) falou bastante tempo atrás desses
nossos líderes nestes termos:
“Os melhores não possuem convicção nenhuma;
Os piores estão cheios de intensidade passional”.

Essa crise de valores se estende à totalidade da população mundial, que acaba se espelhando nas
lideranças. Você só precisa abrir o jornal de hoje para ver a escalada de desfaçatez e corrupção
que rolam soltas. A incoerência entre palavras e ações pode ser vista em qualquer lugar.
Lembre que estamos na kali yuga. Porém, é bom lembrar igualmente que as nossas ações forjam
o nosso caráter e que tudo o que fizermos determinará os nossos karmas futuros.
Portanto, o Yoga propõe uma vida de virtude. Mas quem precisa dela? A palavra virtude vem do
latim, virtues, que deriva da mesma raiz que a palavra viril. Então, a pessoa viril, o homem de
verdade, não é aquele capaz de bater nos demais, mas o que possui mais auto-controle.
Etimologicamente, a palavra virtuoso designa a pessoa forte, poderosa, independente.
Resumindo, as virtudes são qualidades do caráter que nos ajudam a ter uma vida feliz e
vigorosa.

A jornada para a liberdade não pode fazer-se carregando correntes. 



Precisamos abandonar os condicionamentos para andar felizes.

Qualquer outra leitura deste termo, como considerar alguém fraco por ser bom ou virtuoso, e
uma degradação do conceito de virtude e um sinal da perversão de valores que se consideram


Yogasūtra de Patañjali o "35 o Comentários de Pedro Kupfer
desejáveis, que estamos vivendo nos dias de hoje. Isso tudo acontece por conta de avidyā, a
ignorância. O remédio prescrito por Patañjali para curar essa doença que é a ignorância e
vairāgya, o desapego. Porém, cultivar o desapego pode parecer fora de moda neste presente que
estamos vivendo, onde aprendemos que morreremos se não mantivermos tudo aquilo pelo qual
nos ensinaram a lutar. Assim, vivemos a vida dentro desta equação:

ignorância => senso de permanência => apego =>



ignorância => senso de permanência => apego => …

Vamos então entrar no assunto que nos ocupa. Em sânscrito, dharma significa ‘suporte’, ‘aquilo
que mantém unido’ ou ainda, ‘aquilo que aglutina’. Se existe uma coisa que apóia, que mantém
unidas as pessoas, isso é o dharma. O dharma é uma doutrina prática. É a lei inerente à
natureza de todos os fenômenos existentes. Não é apenas um conjunto de crenças separadas da
vida diária, senão um conjunto de princípios para viver uma vida harmoniosa e benéfica. Então,
voltamos à pergunta: quem precisa do dharma? Do ponto de vista da filosofia hindu, tudo o que
podemos querer fazer nesta vida ficará necessariamente dentro de um dos quatro puruṣarthas,
os propósitos humanos:

1. artha (prosperidade – o que pode conflitar com o ideal cristão da pobreza)


2. kāma (prazer – não existe pecado ao sul do Ganges!)
3. dharma (virtude – fazer a coisa certa faz parte também)
4. mokṣa (libertação – esta é a mais importante para o yogi)

O dharma é a lei ou a ordem cósmica. Noutro sentido, é a virtude, concebida como um dos
objetivos acima citados. É compreendida como manifestação ou reflexo da lei divina. Enquanto
as palavras Yoga e religião significam “unir”, dharma significa manter unido. O dharma é o que
mantém o homem alinhado com sua lei interior, que o conduz da ignorância à verdade.

Dharma significa “manter unido”: o dharma é aquilo que mantém o homem alinhado com
sua lei interior, que o conduz da ignorância para a verdade.
Embora a leitura das escrituras não conduza por si só à iluminação, os ensinamentos nelas
contidos provêm uma base e um caminho para viver a espiritualidade. Apesar de ser a mais
antiga religião, a verdade vislumbrada pelos ṛṣis, os sábios védicos, prova que a Verdade Eterna
presente na tradição védica transcende o tempo e as barreiras culturais.

Dharma na Prática

Existe um dharma universal, que é a noção mais conhecida e usada do dharma, e um dharma
pessoal. Nesse último sentido, nas palavras de Aurobindo, dharma é “A lei fundamental da
nossa natureza, que secretamente condiciona toda nossa existência. É aquilo a que
essencialmente nos mantemos fiéis. O princípio que mantém unidas nossas atividades interiores
e exteriores”.

Sādhana é um termo da arte do arco.



Significa “ir direto ao alvo”.


Yogasūtra de Patañjali o "36 o Comentários de Pedro Kupfer
Yama significa controle ou domínio. É o pontapé inicial. Os yamas são as cinco proscrições:
não usar nenhum tipo de violência (ahimsā); falar a verdade (satya); ser honesto (asteya); ser
coerente em sua vida relacional e sexual (brahmacarya); e não se apegar (aparigraha). Esses
refreamentos pretendem purificar o yogi, aniquilar a subjetividade advinda do egocentrismo e
prepará-lo para os estágios seguintes. Desempenham o controle dos impulsos naturais, que se
manifestam através dos cinco órgãos de ação (karmendriyas): braços, pernas, boca, órgãos
sexuais e excretores.

Niyama, as prescrições psicofísicas, compreendem cinco disciplinas: a purificação (śauchaṅ); o


contentamento (santośa); a austeridade ou o esforço sobre si próprio (tapas); o estudo das
escrituras do Yoga e de si próprio (svādhyāya); e a consagração a Īśvara (Īśvara praṇidhāna).
Estas atitudes cumprem a função de domínio sobre os cinco órgãos da percepção
(jñānendriyas): olhos, ouvidos, nariz, língua e pele. Esse controle dos sentidos aponta à
organização da vida pessoal do praticante.

Poucos professores ou escolas de Yoga hoje em dia, e ainda menos no Ocidente, dedicam-se a
ensinar os yamas e niyamas. Uma pequena reflexão sobre eles revela sua importância na
manutenção da “ecologia” social e individual. Através da prática destes preceitos se estabelece
uma convivência pacífica, harmoniosa e feliz na sociedade. É por essa razão que Patañjali os
chama sarvabhauma, supremos ou universais, pois eles valem para todas as pessoas e em todas
as circunstâncias. Já ouve quem dizesse que a ética tem uma função meramente utilitária: ela
existiria apenas para facilitar a preservação da nossa espécie. Porém, os fatos são diferentes:
uma vida com valores pode dar um sentido mais profundo e significativo a cada momento.

O Código do Yoga
Yamas, Recomendações
ahimsā não-violência
satya veracidade
asteya honestidade
brahmacarya autocontrole
aparigraha não-possessividade
Niyamas, Abstenções
śauchaṅ pureza
santoṣa contentamento
tapas disciplina
svādhyāya auto-estudo
Īśvara praṇidhāna entrega a Īśvara

Diz-se que o Yoga torna o indivíduo egoísta e apolítico. Mas, o que verdadeiramente acontece, é
que ele desprograma os condicionamentos resultantes das ideologias, as tradições ou os valores
impostos pela sociedade. Ensina o indivíduo a ser ele mesmo e dá uma liberdade que está além
dos preconceitos e formas de comportamento estabelecidas pela sociedade. Paradoxalmente,

Yogasūtra de Patañjali o "37 o Comentários de Pedro Kupfer
desenvolve ao mesmo tempo uma consciência de solidariedade com a sociedade em que o
indivíduo percebe o planeta e a raça humana como uma unidade. É uma verdadeira revolução
interior.

O Yoga não é moralista nem moralizante

Cada parte do Yoga tem um propósito definido. Esses dois primeiros passos não são específicos
dele, mas configuram uma base de purificação mental, psíquica e física que resultará
indispensável nas etapas posteriores. O Yoga não é moralista nem moralizante: estas prescrições
possuem uma função utilitária. Embora elas possam funcionar como códigos para facilitar a
convivência social, somente se praticam em função do objetivo final. A única causa do
comportamento do yogi é o esforço sobre si próprio necessário para viver os yamas e niyamas, e
o resultado desse esforço: a liberdade.

A primeira palavra que aparece no Yogasūtra é atha, que significa agora. Agora é a continuação
de algo já foi ensinado antes. Isto, porque o Yoga não é para iniciantes. Por isso que existem os
yamas e niyamas. Você não conseguiria, e praticamente ninguém, seguí-los à risca. Mas mesmo
assim pode usar o Yoga.

Como colocar realmente os yamas e niyamas em prática? Talvez você possa concordar comigo
em que discorrer sobre a ética é teoricamente muito interessante, mas impossível de aplicar-se
na prática por seres humanos normais, porque os yamas e niyamas são para santos, mas o Yoga é
para gente como nós.

Em verdade, você não precisa seguir todos os yamas e niyamas ao mesmo tempo. Escolha
apenas um, e mantenha-o a qualquer preço. Os outros virão sozinhos. Faça pequenos votos
limitados, para poder observar-se e perceber suas reações a cada um deles. Lembre que sopa
quente se come pelas bordas.

जाितदेशकालसमयानविच्छन्नाः सावर्भौमा महाव्रतम् ॥ ३१ ॥


jātideśakālasamayānavacchinnāḥ sārvabhaumā mahāvratam ॥ 31 ॥
Estas independem de classe, lugar, tempo ou situação e,

sendo universais, constituem um grande voto.

jāti = nascimento, posição social


deśa = lugar
kāla = tempo, época
samaya = circunstância, situação
anavacchinnāḥ = não limitado por, independente de
sārvabhaumā = universal, para todos
mahāvratam = grande voto

शौचसन्तोषतपःस्वाध्यायेश्वरप्रिणधानािन िनयमाः ॥ ३२ ॥
śaucasantoṣatapaḥsvādhyāyeśvarapraṇidhānāni niyamāḥ ॥ 32 ॥
Purificação, contentamento, esforço sobre si próprio, auto-estudo

e entrega a Īśvara são os cinco niyamas, as prescrições.

Yogasūtra de Patañjali o "38 o Comentários de Pedro Kupfer
śauca = purificação
santoṣa = contentamento, calma
tapaḥ = esforço sobre si próprio, austeridade
svādhyāya = auto-estudo, compreensão de si mesmo
īśvarapraṇidhānāni = entrega a Īśvara
niyamāḥ = regra, restrição, controle sobre os órgãos dos sentidos

Yama significa “controle”, proscrição, e são coisas que deixamos de fazer em prol do bem
comum e de uma coexistência harmoniosa com o mundo e a sociedade; já niyama quer dizer
“regra”, “restrição”, prescrição, e são atitudes que assumimos para regular os nossos órgãos
sensoriais e a nossa vida pessoal

िवतकर्बाधने प्रितपक्षभावनम् ॥ ३३ ॥
vitarkabādhane pratipakṣabhāvanam ॥ 33 ॥
Quando surgirem pensamentos indesejáveis, podem 

neutralizar-se convivendo-se com seus opostos.

vitarkā = conteúdos indesejáveis ou questionáveis


bādhane = no surgimento de
pratipakṣa = oposto
bhāvanam = conteúdo, pensamento, atitude

Quando você tiver alguma dificuldade com alguém, ofereça flores para essa pessoa por 31 dias.
Esta é uma prática de pratipakṣabhāvanam muito recomendada pelo nosso mestre, Swāmi
Dayānanda.

िवतकार् िहंसादयः कृतकािरतानुमोिदता लोभक्रोधमोहपूवर्का


मृदम
ु ध्यािधमात्रा दुःखाज्ञानानन्तफला इित प्रितपक्षभावनम् ॥ ३४ ॥
vitarkā hiṁsādayaḥ kṛtakāritānumoditā lobhakrodhamohapūrvakā
mṛdumadhyādhimātrā duḥkhājñānānantaphalā iti pratipakṣabhāvanam ॥ 34 ॥
Conteúdos indesejáveis do tipo da agressão, feitos pela pessoa, 

em nome dela ou por outros com ela quem consente, são causados por 

cobiça, raiva ou inconsciência. Sendo frutos da ignorância, apresentam-se 

em grau suave, médio ou intenso e sempre acabam em sofrimento infinito. 

[Por essa razão faz-se necessário] refletir-se sobre seus opostos.

vitarkā = conteúdos indesejáveis ou questionáveis


hiṁsādayaḥ = violência e demais atitudes equivocadas
kṛta = cometidos pela própria pessoa
kārita = feitos pelos demais
anumoditā = consentidos, aprovados

Yogasūtra de Patañjali o "39 o Comentários de Pedro Kupfer
lobha = desejo desmedido, ambição
krodha = raiva
moha = ilusão, distração
pūrvakā = precedido por
mṛdu = suave
madhya = médio
ādhimātrā = forte, extremo
duḥkha = sofrimento
ajñāna = ignorância
ānanta = infinito
phalā = fruto
iti = fim, término
pratipakṣa = oposto
bhāvanam = conteúdo, pensamento, atitude

अिहंसाप्रितष्ठायां तत्सिन्नधौ वैरत्यागः ॥ ३५ ॥


ahiṁsāpratiṣṭhāyāṁ tatsannidhau vairatyāgaḥ ॥ 35 ॥
[Quando] a não-violência [em pensamentos, palavras ou ações] estabiliza-se 

firmemente [no yogi], as atitudes hostis cessam em sua presença.


ahiṁsā = não-violência 

pratiṣṭhāyāṁ = estabiliza-se firmemente

tatsannidhau = na presença de uma pessoa 

vairatyāgaḥ = cessação ou abandono da hostilidade

Reflexões Sobre Ahiṁsā



अिहं सा परमॊ धमर् स् तदािहं सा परॊ थमः ।
अिहं सा परमं थानम् अिहं सा परमस् तपः ।।
अिहं सा परमॊ यज्ञस् तदािहस्मा परं बलम् ।
अिहं सा परमं िमत्रम् अिहं सा परमं सु ख म् ।

अिहं सा परमं सत्यम् अिहं सा परमं शरुतम् ।।

ahiṁsā paramo dharmas | tathāhiṁsā paro damaḥ |


ahiṁsā paramaṁ dānam | ahiṁsā paramas tapaḥ |
ahiṁsā paramo yajñas | tadhāhiṁsā paraṁ balam |
ahiṁsā paramaṁ mitram | ahiṁsā paramaṁ sukham |
ahiṁsā paramaṁ satyam | ahiṁsā paramaṁ śrutam ||

Abster-se da crueldade é o Dharma mais elevado.


Abster-se da crueldade é o mais elevado autocontrole.
Abster-se da crueldade é o mais elevado presente.
Abster-se de crueldade é a mais elevada austeridade.

Yogasūtra de Patañjali o "40 o Comentários de Pedro Kupfer
Abster-se de crueldade é o mais elevado sacrifício.
Abster-se de crueldade é o mais elevado poder.
Abster-se de crueldade é o mais elevado amigo.
Abster-se de crueldade é a mais elevada felicidade.
Abster-se de crueldade é a mais elevada verdade.
Abster-se de crueldade é a mais elevada revelação.
Mahabhārata, XIII:117.37-39

Ahiṁsā, como sabemos, é a não-violência, alicerce e primeira das práticas da ética do Yoga. O
Yoga começa (ou deveria começar) na não-violência. Ela é a condição fundamental para que o
resto das práticas éticas do Yoga funcione: veracidade, honestidade, não-posessividade, etc.
Essas práticas da ética, por sua vez, fazem que todas as outras técnicas, āsanas, prāṇāyāma,
concentração e meditação, produzam resultados. Portanto, podemos dizer que, sem uma prática
sólida de não-violência não poderá haver progresso nem realização no Yoga.
Existem duas dimensões diferentes na prática da não-violência, que estão intrinsecamente
ligadas: uma pessoal e uma social. A primeira tem a ver com a forma como a gente se relaciona
consigo mesmo e com sua prática pessoal de Yoga. A segunda tem a ver com a maneira em que
vivemos a vida em sociedade, com nossa família, nossos amigos, vizinhos ou colegas de
trabalho.

A segunda dimensão da não-violência, a social, depende diretamente da primeira, assim como a


unha está ligada à carne. Se os praticantes de Yoga ficarem conscientes o tempo todo da ahiṁsā,
haverá uma transformação profunda na sociedade. Imagine uma sociedade brasileira sem
violência! Imagine uma sociedade brasileira sem exército! Quanta paz e quantas coisas úteis
poderiamos fazer com o dinheiro que o estado destina a comprar armamento e manter o aparato
de guerra?

A Índia, como país, está atravessando imensas dificuldades, porém pode nos ensinar com o
exemplo da não-violência: é o país mais tranquilo do mundo para se viajar, apesar de seu
território ser três vezes menor que o do Brasil e sua população ser quase sete vezes maior.
Śānti, a paz social, impera por lá (muito embora não possamos dizer o mesmo em relação à paz
política ou à religiosa).
Aqui no Brasil, temos a sensação, devido a escalada de violência, que o espaço nas grandes
cidades acabou, que a violência tomou conta das áreas que antes eram de todos nós. Acredito
que isso esteja vinculado com a forma em que o indivíduo percebe a si próprio na sociedade,
com a educação e os valores que recebemos quando crescemos.
Pessoalmente, apanhei muito quando criança. Meus pais se comunicavam comigo e meus irmãos
através do castigo físico. Diziam-se muitas coisas através da violência, física ou verbal.
Violência física é uma das piores coisas que você pode usar contra uma criança. Entre nós,
irmãos, não era diferente. Ainda tenho as cicatrizes nos punhos das marcas das nossas brigas.

Como os relacionamentos na família aconteciam através da violência, isso deixou impregnada


na memória subconsciente das crianças (meus quatro irmãos e eu), a crença de que a violência
faz parte de toda relação. Ao banalizar a violência, ela embrutece e cega o indivíduo, que passa
a agir de forma torpe e brutal.


Yogasūtra de Patañjali o "41 o Comentários de Pedro Kupfer
Muitos anos depois, ao iniciar no caminho do Yoga e descobrir que existia algo chamado não-
violência, achei esse negócio chato e desnecessário. Não havia entendido. Hoje, quase 25 anos
depois, percebo como preciso ainda atualizar a não-violência dentro de mim para apagar esses
vāsanās, essas impressões subconscientes que estão obstaculizando meu crescimento.

Isso criou uma série de dificuldades nos meus relacionamentos, mas percebo que a
transformação profunda é possível. Se não houver uma mudança genuína e profunda em meu
interior, acabarei por passar essa crença (“a violência faz parte dos relacionamentos”) para
meus filhos e para as pessoas com as quais me relaciono, alimentando ainda mais o círculo
vicioso.

Quem conhece hoje essa senhora aprazível que é minha mãe, não consegue imaginar como ela
era antigamente. Sua especialidade era o arremesso de tamanco. Quando começei a praticar
Yoga, e ela percebeu as primeiras mudanças de hábitos e atitudes, a transformação que estava se
gestando dentro de mim, começou igualmente a praticar e se transformar.

Hoje em dia, minha família passou por um processo de purificação no qual o Yoga teve um
papel essencial. Todos meus irmãos, em maior ou menor grau, praticaram a se beneficiaram
com o Yoga e isso nos ajudou a reconstruir os relacionamentos e cicatrizar as feridas.

Desse exemplo, podemos inferir que, se quisermos uma sociedade mais justa e pacífica, e uma
vida pessoal mais plena e feliz, precisaremos necessariamente usar a não-violência.

Śānti, a paz, é a antítese e o antídoto contra a violência. Paz é a condição essencial para uma
vida feliz. Nós estamos sempre correndo atrás da felicidade, achando que ela depende de
conseguirmos e mantermos as coisas pelas quais nos ensinaram a lutar. Estamos sempre
correndo atrás do amor, da saúde e do dinheiro, mas esquecemos completamente que, se não
tivermos paz para desfrutarmos das coisas que realizamos, não haverá felicidade possível nesta
vida.

A violência é um dos mecanismos que nos amarra na ignorância, que nos mantêm afastados de
nossa própria natureza, que é plenitude e felicidade. Não estou escrevendo estas palavras
bonitas porque tenha conseguido superar e controlar a minha raiva ou porque tenha conseguido
realizar alguma coisa nesse plano, mas porque eu mesmo estou precisando ouvi-las. Para
concluir, vou parafrasear Confúcio:

Se a não-violência se estabelecer no indivíduo, haverá paz na família.


Havendo paz na família, haverá harmonia na sociedade.
Havendo harmonia na sociedade, haverá justiça na nação.
Havendo justiça na nação, haverá paz e felicidade na terra.

सत्यप्रितष्ठायां िक्रयाफलाश्रयत्वम् ॥ ३६ ॥
satyapratiṣṭhāyāṁ kriyāphalāśrayatvam ॥ 36 ॥
[Quando] a veracidade estabiliza-se firmemente [no yogi], 

suas palavras produzem ações em consonância com a verdade.

satya = veracidade

Yogasūtra de Patañjali o "42 o Comentários de Pedro Kupfer
pratiṣṭhāyāṁ = estabiliza-se firmemente
kriyāphala = produzem ações
aśrayatvam = em consonância com a verdade

अस्तेयप्रितष्ठायां सवर्रत्नोपस्थानम् ॥ ३७ ॥
asteyapratiṣṭhāyāṁ sarvaratnopasthānam ॥ 37 ॥
[Quando] a honestidade estabiliza-se firmemente, 

todas as riquezas fluem em direção [ao yogi].

asteya = honestidade, não-roubo


pratiṣṭhāyāṁ = estabiliza-se firmemente
sarvaratnaḥ = todos os tesouros, todas as riquezas
upasthānam = surgem, fluem para

ब्रह्मचयर्प्रितष्ठायां वीयर्लाभः ॥ ३८ ॥
brahmacaryapratiṣṭhāyāṁ vīryalābhaḥ ॥ 38 ॥
[Quando] o brahmacarya estabiliza-se firmemente

[no yogi, ele adquire] grande força.

brahmacarya = “aquele que está perto do Ser”, “servidor do Ser”, coerência relacional
pratiṣṭhāyāṁ = estabiliza-se firmemente
vīryalābhaḥ = grande força

Brahmacarya é celibato?

A palavra brahmacarya pode ser traduzida literalmente como “aquele que está perto do Ser”.
Brahman, como o amigo leitor já sabe, é o Ser. Acārya é uma palavra sânscrita que se usa para
designar alguém que “está perto”, ou que “conhece as regras”. Traduz-se habitualmente como
servidor ou instrutor. Combinando ambas, temos o vocábulo brahmacarya. Brahmacarya é um
dos dez pilares do código de conduta do Yoga. Talvez seja o mais incompreendido e que se
presta a mais interpretações e distorções. Arrisco-me aqui a dar uma contribuição para,
eventualmente, enriquecer a discussão sobre este assunto, que é tão interessante quanto
obscuro.

Sendo o Yoga uma escola de vida que lida com todos os aspectos da existência humana, a
sexualidade não poderia fica de fora. À guisa de definição, podemos dizer que brahmacarya é o
preceito que nos ajuda a viver a sexualidade, seja cultivando-a de maneira compassiva, seja
transcendendo-a e renunciando totalmente a ela. Porém, antes de entrarmos diretamente nesse
assunto, vamos contextualizar o termo em seu lugar de origem: a cultura da Índia.


Yogasūtra de Patañjali o "43 o Comentários de Pedro Kupfer
O brahmacarya na cultura indiana.

Existem várias maneiras diferentes de definirmos este termo. No contexto da cultura hindu, ele
designa os primeiros anos de vida de um humano. A vida humana é dividida em quatro etapas:
estudo, casamento, aposentadoria e renúncia. Idealmente, uma vida humana tem para os hindus
100 anos. Desses 100 anos, os primeiros 20 ou 25 seriam dedicados à formação e ao estudo.
Brahmacarya é a palavra usada para designar a primeira dessas quatro fases da vida, na qual o
jovem (menino ou menina) está concentrado e dedicado ao estudo e à preparação necessária
para conviver na sociedade, absorvendo de seus mestres os valores universais e ensinamentos
sobre o dharma.

As outras três etapas chamam-se respectivamente gṛhasta, quando o jovem casa, constitui uma
família e trabalha na sociedade; vaṇapraṣṭa, quando, uma vez aposentado, o casal se retira para
uma vida mais simples, na floresta (a palavra significa justamente “vida na floresta”), e
saṅnyasa, quando a pessoa renuncia à sociedade e se dedica única e exclusivamente ao
autoconhecimento e a libertação. Tem algumas pessoas que, recebendo o chamado pela
libertação desde cedo, pulam as duas etapas intermediarias, passando da fase de estudo e
preparação para a busca da libertação. Essas pessoas, obviamente, não casam nem fazem os
demais rituais de passagem destinados aos demais integrantes da sociedade hindu.

Na primeira fase da vida, o menino ou menina não tem idade para se casar ou pensar em
namorar. O foco e a energia ficam na preparação para o convívio social, que consiste em
aprender sobre si mesmo ou si mesma. É por isso que na sociedade hindu, tradicionalmente,
esses primeiros anos de vida excluem todas as formas de sexualidade. Simplesmente, a criança é
criança e deve ser tratada como tal. O final dessa fase de formação e estudos coincide
frequentemente com o início da adolescência.

Brahmacarya como castidade.

Por extensão, dado que estudantes não casam, a palavra brahmacarya passou a designar o voto
de castidade ou celibato. É com esse significado que esta palavra entra no Yoga. Geralmente, a
palavra brahmacarya aparece por primeira vez para os praticantes através da leitura do
Yogasūtra, texto seminal do sábio Patañjali, que teria vivido na época de Buda e Cristo e que,
de tão famoso e relevante, é considerado uma espécie de Bíblia do Yoga. Nesse texto,
brahmacarya é o quarto dos cinco preceitos de conduta chamados yamas.
Porém, traduzirmos brahmacarya simplesmente como castidade, não coincide com a realidade
em que vivemos. É necessário eventualmente resignificar essa palavra, uma vez que, se
fossemos admitir que o Yoga de Patañjali é unicamente para celibatários, nem a filosofia de
vida nem as práticas seriam para pessoas como nós, vivendo nesta sociedade trepidante.
Pessoalmente, não conheço celibatários fora da vida monástica. Se a abstinência sexual fosse
condição indispensável para se dedicar seriamente ao Yoga, acredito que a imensa maioria de
nós, praticantes, teria que deixar o Yoga de lado.

Interpretando brahmacarya como celibato, há pessoas que se opõem frontalmente à atividade


sexual com finalidade de se obter prazer. Isto porque, equivocadamente, elas associam prazer
com perdição, culpa, pecado ou algo intrinsecamente ruim. Na nossa modesta opinião, negar a
validade do prazer é tão equivocado quanto achar que é possível ser feliz satisfazendo os

Yogasūtra de Patañjali o "44 o Comentários de Pedro Kupfer
próprios desejos. Outros praticantes colocam a abstinência sexual como a solução ideal para
evitar perder os fluidos vitais e consequentemente a energia necessária para realizar a tarefa da
libertação.

Naturalmente, todos os humanos buscamos o prazer e tentamos nos manter afastados da dor.
Não deveríamos cultivar nenhum tipo de remorso ou culpa por termos prazer, desde que isso
não fira nem machuque os demais seres. Assumir o contrário se a pessoa não está preparada
para renunciar à própria sexualidade, seria ir contra a própria natureza humana. Portanto, talvez
a melhor interpretação do termo brahmacarya, desde a óptica dos humanos vivendo em
sociedade do século XXI, fosse fidelidade conjugal, coerência relacional e moderação.

Há alternativas?

No Yoga, assim como em muitas outras escolas de vida, considera-se a sexualidade uma força
muito poderosa e preciosa. Esta força precisa ser bem administrada e direcionada, e deveria ser
usada em função do bem supremo: moksha, a libertação. Trocando em miúdos, isso significa
que não deveríamos excluir a sexualidade do caminho de autoconhecimento, nem deveríamos
separar o autoconhecimento de todos os aspectos de nossa vida, incluindo-se obviamente a
afetividade e a vida sexual.

Para realizar essa integração entre liberdade e energia sexual, existem dois caminhos possíveis:
o da abstinência pura e simples, e o da integração construtiva entre a sexualidade e o objetivo
do Yoga. Existem diversos e belos exemplos de pessoas santas em todas as culturas, que
optaram por não se relacionar afetiva ou sexualmente com seus pares. Não obstante, por conta
da força do impulso sexual, a tarefa da abstinência pode ser revelar fora do alcance da maioria
dos humanos. É olhando para essas pessoas (dentre as quais me incluo) que devemos
reinterpretar a palavra brahmacarya, à luz da situação e das condições em que vivemos
atualmente na nossa sociedade.

Para aqueles que consideram que não precisam assumir um voto de castidade, existe uma outra
forma de interpretar o principio de brahmacarya. Poderíamos, nesse sentido, traduzir este termo
como coerência relacional ou ainda, monogamia. De uma maneira mais ampla ainda, podemos
definir brahmacarya como moderação, conduta virtuosa ou refreamento dos desejos. Neste
último sentido, transcendendo a dimensão da sexualidade há ainda uma leitura do termo que
inclui a frugalidade alimentar e uma dieta vegetariana, em que a prioridade na escolha dos
alimentos vai para aqueles produzidos localmente, com o mínimo impacto ambiental.

O brahmacarya à luz do código de conduta de Patañjali.

O pilar central do código ético do Yoga é ahimsa, a não-violência. Todos os demais elementos
da conduta do yogi estão em função da não-violência: dela surgem e a ela voltam. Se formos
considerar brahmacarya uma das expressões da não-violência, isso implica duas dimensões: na
primeira, não devemos ferir ninguém num relacionamento afetivo; a segunda, não devemos nos
forçar ou exigir de nós mesmos algo que está além da nossa capacidade. Não machucar os
demais é prioridade absoluta na vida de Yoga. Por outro lado, evitar machucar a si mesmo não é
menos importante.


Yogasūtra de Patañjali o "45 o Comentários de Pedro Kupfer
Infelizmente, há distorções grandes em ambos os sentidos: praticantes que reprimem as
emoções e a pulsação sexual, ao invés de as sublimar, e falsos mestres que, alegando a
necessidade de “transmutar a energia sexual”, ou arvorando-se em terapeutas, abusam
descaradamente da posição de poder em que se encontram. No caso do praticante que interpreta
brahmacarya como abstinência sexual forçada, ele recolhe o fruto do seu próprio despreparo na
forma de frustração e sofrimento. No caso da pessoa que consciente ou inconscientemente olha
para os outros como fontes de satisfação dos seus próprios apetites, ela recolhe o sofrimento
dos demais, bem como a própria frustração. Estas formas de conduta são adharmikas, contrárias
à justiça divina, à justiça social, ao bom-senso, à harmonia e ao bem comum.

Trate os demais como você gosta de ser tratado.

A frase deste sub-título é uma maneira interessante de definirmos brahmacarya. Ninguém, nem
dentro nem fora do Yoga, ninguém gosta de ser ferido ou se sentir usado. Portanto, ninguém
deveria dirigir atitudes desse tipo aos demais, seja num relacionamento afetivo, seja em
qualquer outro tipo de relacionamento. Essa é a base do convívio harmonioso na sociedade,
daquilo que se entende como dharma.

Até aí, o amigo leitor pode concordar, mas fica uma pergunta no ar: como agir? Talvez o
segredo seja agir sem reagir. Evitar o primeiro impulso é a maneira mais sábia de driblar
situações que possam produzir desconforto ou machucar aos demais ou a si mesmo. Isso não
vale apenas nos relacionamentos afetivos, mas em todo tipo de situação. Assim, por exemplo, se
você sentir que um desejo surge e começa a se manifestar, mas conseguir respirar em silêncio,
observando-o na distância até ele se enfraquecer, é bem provável que possa evitar as ações e
reações que aconteceriam se você se deixasse arrastar por ele.

अपिरग्रहस्थैयेर् जन्मकथंतासम्बोधः ॥ ३९ ॥
aparigrahasthairye janmakathaṁtāsambodhaḥ ॥ 39 ॥
[Quando] a convicção de possuir apenas o justo e necessário estabiliza-se 

firmemente [no yogi, ele ] compreende a razão da existência.

aparigraha = não-possessividade
sthairye = firmeza, estabilidade
janma = nascimento, vida
kathaṁtā = como e donde
sambodhaḥ = completo conhecimento [sobre um tema]

Ambição: Ter ou Ser?


Se Você É Só Quando Tem, 

Quando Não Tem, Você Não É


Yogasūtra de Patañjali o "46 o Comentários de Pedro Kupfer
शौचात् स्वाङ्गजुगुप्सा परै रसंसगर्ः ॥ ४० ॥
śaucāt svāṅgajugupsā parairasaṁsargaḥ ॥ 40 ॥
Da pureza surge a neutralidade em relação ao 

próprio corpo e o desapego em relação aos demais.

śaucāt = da pureza
svāṅga = seu próprio corpo
jugupsā = distanciamento, neutralidade
paraiḥ = em relação a outrem
asaṁsargaḥ = desapego, não-associação, ausência de contato

सत्त्वशुिद्धसौमनस्यैकाग्र्येिन्द्रयजयात्मदशर्न-योग्यत्वािन च ॥ ४१ ॥
sattvaśuddhisaumanasyaikāgryendriyajayātmadarśanayogyatvāni ca ॥ 41 ॥
Da purificação [surgem igualmente] harmonia, clareza mental

foco, controle sensorial e aptidão para o autoconhecimento.

sattva = harmonia, satisfação, contentamento


śuddhi = purificação
saumanasya = clareza mental
ekāgra = foco
indriya = sensorial
jaya = vitória, conquista
ātma darśana = visão, apreciação ou compreensão Ser, autoconhecimento
yogyatvāni = aptidão, qualificação
ca = e

सन्तोषादनुत्तमसुखलाभः ॥ ४२ ॥
santoṣādanuttamasukhalābhaḥ ॥ 42 ॥

Do contentamento surge incomparável, intensa alegria.

santoṣa = contentamento

anuttamaḥ = incomparável

sukha = alegria

lābhaḥ = intensa


Yogasūtra de Patañjali o "47 o Comentários de Pedro Kupfer
Kṣāṅti, Cultivando Aceitação e Contentamento
por Swāmi Dayānanada Saraswati
A palavra sânscrita kṣāṅti frequentemente é traduzida como "tolerância" ou "capacidade de
suportar". Mas essas duas expressões portuguesas trazem um sabor negativo de "sofrimento
resignado", quando, ao contrário, kṣāṅti é uma atitude positiva - não uma resignação dolorosa.
Uma tradução melhor seria "acomodação".

A atitude de kṣāṅti significa que eu, alegremente, calmamente, aceito aquele comportamento e
aquelas situações que não posso mudar. Desisto da expectativa ou exigência pela mudança de
outra pessoa ou situação, de forma a se moldar ao que penso ser agradável para mim. Eu me
acomodo às situações e às outras pessoas alegremente.

Todos os relacionamentos requerem acomodação

Esse valor deve ser construído a partir da compreensão da natureza das pessoas e dos
relacionamentos entre elas. Nunca encontrei numa pessoa todas as qualidades de que gosto ou
todas de que não gosto. Qualquer pessoa será uma mistura de coisas que acho interessante e
outras que considero desinteressantes. Similarmente, eu terei o mesmo impacto nos outros.
Ninguém vai me achar totalmente agradável.

Quando reconheço esses fatos, vejo que todos os relacionamentos requerem alguma
acomodação da minha parte. Não estarei disposto, ou talvez não serei capaz de mudar ou
satisfazer todas as expectativas que o outro tem de mim; tampouco os outros estarão dispostos
ou serão capazes de mudar e satisfazer todos os meus critérios em relação a eles. Nunca
encontrarei um relacionamento que não requeira acomodação.
Em especial, os relacionamentos que envolvem coisas que fortemente desgosto em alguém
requerem acomodação da minha parte. Se eu for capaz de modificar a pessoa, ou se puder
colocar uma distância entre mim e ela, sem faltar ao meu dever, tudo estará bem. Mas se não
puder fazer isso, simplesmente devo me acomodar alegremente.

Ou seja, devo tomar a pessoa como ela é. Não posso esperar que o mundo ou as pessoas
mudem. Simplesmente não é possível compelir as pessoas a mudar para satisfazer minha
expectativa de como elas deveriam ser. Algumas vezes alguém pode mudar um pouco por mim
ou pode tentar mudar, mas não posso contar com isso. Geralmente, quando quero uma mudança
nos outros, eles também desejam uma mudança em mim. Teremos, então, um impasse.

Para kṣāṅti, diminua as expectativas

Quando examinar meus processos mentais, provavelmente verificarei que, para minha surpresa,
eu ofereço kṣāṅti mais prontamente para um tolo insuportável do que para meu melhor amigo.
Isso porque não espero algo sábio ou inteligente de um tolo; mas espero que meu amigo viva de
acordo com certos padrões que considero adequados.

Um tolo incorrigível não consegue me desapontar, mas outros, por uma razão ou outra, em
algum momento, conseguem. Não deveria ser assim. Minhas expectativas deveriam colocar
todos na mesma categoria do tolo incorrigível. Ninguém deveria ser capaz de me desapontar,

Yogasūtra de Patañjali o "48 o Comentários de Pedro Kupfer
mas somente capaz de me surpreender. E minha atitude deve ser a de estar preparado para
acomodar todas as surpresas possíveis.

Devo acomodar as pessoas como acomodo objetos inertes, isto é, devo tomá-las como são. Eu
não gosto de ser queimado pelo Sol, porém não peço ao Sol que pare de brilhar. Aprecio a
bênção mista de um Sol quente brilhando e entendo que, sendo uma bênção mista ou não, não
posso desligá-lo. Não peço às abelhas que não tenham ferrão, tampouco odeio as abelhas se,
estando no caminho delas, recebo uma picada.

Continuo apreciando a função da abelha e aproveito o mel. Porém, considero ser muito mais
difícil ter para com as pessoas a atitude que tenho com os insetos e objetos inertes. Posso me
relacionar adequadamente com um objeto inerte ou uma criatura selvagem porque não espero
qualquer mudança deles. Mas espero que as pessoas possam mudar para se tornarem mais
agradáveis para mim. Mantenho minha mente agitada com exigências contínuas por mudanças
de forma que os outros em minha vida sejam mais de acordo com as minhas preferências.

De fato, nem os humanos podem ser capazes de mudança. Frequentemente não conseguem
mudar ou por falta de força de vontade ou por falta de vontade. Quando alguém não consegue
mudar ainda que deseje mudar é porque não possui força de vontade. Nada mais há a fazer, a
não ser acomodar essa pessoa. Quando uma pessoa não muda porque não deseja tentar a
mudança, podemos tentar convencê-la a ter a vontade de se beneficiar de uma mudança. Se não
for possível convencê-la, então acomode-a. O que mais se pode fazer?! De qualquer maneira, o
mundo é amplo. A variedade torna-o mais interessante. Há espaço suficiente para acomodar a
todos.
Responda à pessoa, não à ação

Para descobrir dentro de mim um valor pela acomodação, eu deveria olhar para a pessoa por
trás da ação. Geralmente, é quando estou respondendo ao comportamento da pessoa, à sua ação,
que acho difícil ser acomodativo. Quando tento entender a causa por detrás da ação, me coloco
numa posição de responder à pessoa e não à ação, e então minha resposta para essa pessoa pode
ser uma resposta acomodativa.

Tento ver o que existe por detrás do súbito ataque de raiva ou da explosão de ciúmes ou da
conduta dominadora e respondo à pessoa, e não às ações. Se não consigo ver o que há por detrás
das ações, ainda assim, tenho em mente o fato de que muitas razões desconhecidas por mim
armam o palco para qualquer ação por parte da outra pessoa. Com essa disposição de espírito
achei natural ser acomodativo.

Numa situação onde minha interação é para com a pessoa em vez de para com a conduta,
conseguirei me manter calmo. De fato, a dissolução de qualquer discussão entre pessoas é quase
sempre o resultado de uma apreciação mútua feita pelas pessoas em vez de uma nova atitude
quanto à conduta irrefletida.

Reações mecânicas impedem a acomodação. Para ser livre ao interagir com uma pessoa, devo
ser livre de reações mecânicas. Tenho que escolher minhas atitudes e fazer as ações
deliberadamente. Uma reação é um tipo de conduta mecânica e não-deliberada. É uma resposta
condicionada extraída de experiências anteriores, sem autorização prévia da minha vontade. Na
verdade, é uma resposta que não foi avaliada conforme a estrutura de valores que estou
tentando assimilar, mas que somente ocorreu.

Yogasūtra de Patañjali o "49 o Comentários de Pedro Kupfer
Algumas vezes a minha reação pode ser uma ação ou atitude que, mais tarde, após reflexão, eu
aprovaria. Outras vezes minhas reações podem ser completamente contrárias às atitudes e ações
que eu gostaria de manter ou fazer. Reações podem ir contra toda a minha sabedoria, estudo e
experiência anterior. Esses fatores são relegados e a reação ocorre. O que aprendi anteriormente
torna-se sem valor para mim.

Posso ter lido todas as escrituras do mundo, posso ser um ótimo estudante de sistemas éticos,
posso ser um profissional diplomado em dar conselhos aos outros, mas quando acontece a
reação, essa será exatamente tão mecânica como a de qualquer outro. Sabedoria, aprendizado e
experiência não me servirão de nada.

Portanto, até que meus valores éticos se tornem completamente assimilados, estabelecendo uma
base a partir da qual atitudes e ações corretas surjam espontaneamente, devo, através da
atenção, evitar reações e, ao invés disso, deliberadamente e refletidamente escolher minhas
ações e atitudes. Quando evito reações, estou livre para escolher minhas ações e atitudes, posso
ser acomodativo em meus pensamentos, palavras e ações.

Kṣāṅti e ahiṁsā: qualidades de um santo

Acomodação é uma qualidade bela e santificada. Dentre todas as qualidades, ahiṁsā e kṣāṅti
constituem as qualidades de um santo. As qualificações mínimas para um santo são essas duas
qualidades. Não é preciso ter sabedoria nem é necessário o aprendizado das escrituras para ser
um santo, mas a pessoa deve ter esses dois valores. Um santo é uma pessoa que nunca fere
conscientemente outra pessoa pela palavra, ação ou pensamento, e que aceita as pessoas - boas
ou ruins - exatamente como elas são; que tem uma infinita capacidade de acomodar, perdoar e
ser compassivo. Essas qualidades (acomodação, perdão, compaixão...) estão incluídas na
qualidade chamada kṣāṅti.

Um santo sempre é dotado de kṣāṅti - uma capacidade infinita para a compaixão. Ele responde à
pessoa, não à ação. Ele vê a ação errada como um erro originário de um conflito interno e é
compassivo para com a pessoa que o comete. Uma atitude de kṣāṅti, acomodação, expande o
coração. Esse se torna tão amplo que aceita todas as pessoas e circunstâncias exatamente como
elas são, sem desejos ou cobranças de que sejam diferentes. Isso é kṣāṅti.

कायेिन्द्रयिसिद्धरशुिद्धक्षयात् तपसः ॥ ४३ ॥
kāyendriyasiddhiraśuddhikṣayāt tapasaḥ ॥ 43 ॥
Do esforço sobre si mesmo, uma vez destruídas as impurezas, 

surge a perfeição dos órgãos dos sentidos e do corpo.

kāya = corpo
indriya = órgãos dos sentidos
siddhi = perfeição
aśuddhi = impurezas, imperfeições
kṣayāt = destruição, eliminação
tapasaḥ = austeridade, esforço sobre si mesmo

Yogasūtra de Patañjali o "50 o Comentários de Pedro Kupfer
स्वाध्यायाद् इष्टदेवतासम्प्रयोगः ॥ ४४ ॥
svādhyāyād iṣṭa-devatā-samprayogaḥ ॥ 44 ॥
Do auto-estudo resulta a união com o iṣṭadevata.

svādhyāyād = auto-estudo, compreensão de si mesmo


iṣṭadevatā = forma do Ilimitado significativa para a pessoa
samprayogaḥ = união

समािधिसिद्धरीश्वरप्रिणधानात् ॥ ४५ ॥
samādhi-siddhirīśvara-praṇidhānāt ॥ 45 ॥
Da entrega a Īśvara surge a perfeição do samādhi.

samādhi = absorção
siddhiḥ = perfeição
īśvara = o Ilimitado, na forma da Criação
praṇidhānāt = entrega

िस्थरसुखम् आसनम् ॥ ४६ ॥
sthirasukham āsanam ॥ 46 ॥
O āsana é firme e agradável.

sthira = firme
sukham = confortável, agradável
āsanam = postura do corpo


Yogasūtra de Patañjali o "51 o Comentários de Pedro Kupfer
प्रयत्नशैिथल्यानन्तसमापित्तभ्याम् ॥ ४७ ॥
prayatnaśaithilyānantasamāpattibhyām ॥ 47 ॥
[O āsana] transcende-se ao relaxar no esforço e meditar no Ilimitado.

prayatna = grande tensão, esforço


śaithilya = relaxar, descontrair, abandonar
ananta = ilimitado, infinito
samāpattibhyām = meditação sobre

ततो द्वन्द्वानिभघातः ॥ ४८ ॥
tato dvandvānabhighātaḥ ॥ 48 ॥
Assim supera-se o desconforto das dualidades.

tataḥ = assim
dvandva = dualidades
anabhighātaḥ = supera-se o desconforto

तिस्मन्सित श्वासप्रश्वासयोगर्ितिवच्छे दः प्राणायामः ॥ ४९ ॥


tasminsati śvāsapraśvāsayorgativicchedaḥ prāṇāyāmaḥ ॥ 49 ॥
Quando ela [i.e., a conquista do āsana] é alcançada, [pode ser praticado o] 

prāṇāyāma, que consiste na regulação dos movimentos da inspiração e da expiração.

tasmin = quando ela, sobre essa [conquista do āsana]


sati = é alcançada
śvāsa = inspiração
praśvāsa = expiração
gati = dos movimentos
vicchedaḥ =
prāṇāyāmaḥ = prática de disciplinas e exercícios respiratórios que visa a expandir a vitalidade e
facilitar o processo de purificação psíquica, antaḥkaraṇaśuddhi

बाह्याभ्यन्तरस्तम्भवृित्तदेर्शकालसंख्यािभः 

पिरदृष्टो दीघर्सूक्ष्मः ॥ ५० ॥
bāhyābhyantarastambhavṛttirdeśakālasaṅkhyābhiḥ 

paridṛṣṭo dīrghasūkṣmaḥ ॥ 50 ॥
[O prāṇāyāma] tem flutuações externas, internas ou retenção [do prāṇa]. 

É regulado por lugar, tempo e número [e] é prolongado e sutil.


Yogasūtra de Patañjali o "52 o Comentários de Pedro Kupfer
bāhya = externo
abhyantara = interno
stambha = suspensão, retenção, restrição
vṛtti = operação, atividade
deśa = lugar
kāla = tempo
saṅkhya = número, contagem de
abhiḥ = por

paridṛṣṭaḥ = regulado
dīrgha = prolongado
sūkṣmaḥ = sutil

A palavra bāhya significa “externo”; ābāhya quer dizer “interno”. Estes dois termos referem-se
às retenções, que são feita com os pulmões cheios e vazios. O prāṇāyāma deve ser praticado em
função da época, o lugar e a quantidade de ciclos adequada para cada pessoa.

A palavra deśa, que significa literalmente, “terra”, refere-se tanto ao lugar onde se pratica o
prāṇāyāma, quanto à projeção do ar, ou seja, ao lugar onde o ar, ou o prāṇa, chegam na
inspiração e na expiração.

Kāla, que significa “tempo”, também tem duas acepções neste sūtra: por um lado designa a
estação do ano em que se pratica. Estações diferentes pedem prāṇāyāmas diferentes. Por outro
lado, kāla refere-se também ao tempo de duração de cada prática.

Saṅkhya quer dizer “número”, e faz alusão ao número de ciclos respiratórios que cada prāṇāyāma
dura. Dīrghasūkṣmaḥ, o último composto do sūtra, quer dizer “longo e sutil”. Essa técnica, que
tem como propósito outorgar o comando sobre os pensamentos, torna-se com a prática cada vez
mais ampla e sutil.

बाह्याभ्यन्तरिवषयाक्षेपी चतुथर्ः ॥ ५१ ॥
bāhyābhyantaraviṣayākṣepī caturthaḥ ॥ 51 ॥
O quarto tipo [de prāṇāyāma, i.e., kaivalya kūmbhaka] 

transcende as esferas externa e interna.

bāhya = externo
abhyantara = interno
viṣaya = esferas, ordens
akṣepī = ultrapassar, transcender
caturthaḥ = quarto

ततः क्षीयते प्रकाशावरणम् ॥ ५२ ॥


tataḥ kṣīyate prakāśāvaraṇam ॥ 52 ॥
Assim, dissipa-se o véu que encobre a luz do conhecimento…

Yogasūtra de Patañjali o "53 o Comentários de Pedro Kupfer
tataḥ = assim
kṣīyate = destrói-se, dissipa-se
prakāśa = luz do conhecimento
avaraṇam = véu, cobertura

धारणासु च योग्यता मनसः ॥ ५३ ॥


dhāraṇāsu ca yogyatā manasaḥ ॥ 53 ॥
...e a mente torna-se apta para a concentração.

dhāraṇāsu = para a concentração


ca = e
yogyatā = preparação, aptidão
manasaḥ = mente

स्विवषयासम्प्रयोगे िचत्तस्वरूपानुकार इवेिन्द्रयाणां प्रत्याहारः ॥ ५४ ॥


svaviṣayāsamprayoge cittasvarūpānukāra ivendriyāṇāṁ pratyāhāraḥ ॥ 54 ॥
Na abstração sensorial, os sentidos, retraindo-se

dos objetos, refletem a natureza da psiquê.

sva = si mesmos
viṣaya = objetos
asamprayogaḥ = não entram em contato, retraem-se
citta = psiquê
svarūpa = sua própria natureza
anukāraḥ = imita, lembra, reflete
iva = como se
indriyāṇāṁ = dos órgãos dos sentidos
pratyāhāraḥ = abstração

Pratyāhāra: dominando o que nos domina


Além de ser o ensinamento que revela que somos a felicidade que buscamos, o Yoga pode ser
considerado igualmente um conjunto de ferramentas para o crescimento interior. Nesse
contexto, o Aṣṭāṅga Yoga ou Yoga de Patañjali se apresenta como um processo que consta de
oito estágios, cada um com um propósito bem definido.

Desses oito estágios do Yoga, talvez o menos conhecido seja o pratyāhāra. Você saberia definir
o pratyāhāra? Você já fez alguma aula de pratyāhāra? Já leu algum livro de pratyāhāra?
Poderia mencionar alguma técnica de pratyāhāra importante? Você faz pratyāhāra?


Yogasūtra de Patañjali o "54 o Comentários de Pedro Kupfer
Se a gente não entender o pratyāhāra, não poderá progredir no sādhana, pois você sabe que
cada uma das técnicas do Yoga precisa dominar-se para poder transcender-se. Noutras palavras,
sem pratyāhāra não pode haver Yoga.
Pratyāhāra é a faculdade de libertar a psiquê da tirania 

que os objetos externos exercem sobre ela.
Como quinto estágio do Yoga de Patañjali, o pratyāhāra ocupa um lugar central. Ele é a chave
para a relação entre o aspecto externo (bahiraṅga) do Yoga (yama, niyama, āsana e prāṇāyāma)
e o interno (antaraṅga: dhāraṇā, dhyāna e samādhi). O pratyāhāra é a dieta sensorial que nos
ensina a mover-nos entre essas duas esferas, pois é impossível ir diretamente da experiência do
āsana para a da meditação. Isso significaria ser capaz de saltar do corpo para a mente,
esquecendo o que tem no meio. Para fazer essa transição, a respiração e os sentidos, que ligam
o corpo e a mente, primeiramente precisam ser devidamente desenvolvidos e controlados.
Aí é onde começa a trabalhar o prāṇāyāma. Com o prāṇāyāma controlamos as energias e os
impulsos vitais, e com o pratyāhāra ganhamos controle sobre os sentidos. Esses dois pontos são
essenciais para que a prática seja bem sucedida.

O que é o pratyāhāra?
O termo pratyāhāra está formado por duas palavras sânscritas: prati e ahāra. Ahāra significa
“alimento”. Prati é uma preposição que significa contra ou fora. Pratyāhāra então significa
“controle do alimento”, ou ter controle sobre as influências externas. No Mahabhārata
compara-se o praticante de Yoga em pratyāhāra a uma tartaruga:
“Assim como a tartaruga recolhe seus membros sob a
carapaça, da mesma forma o yogi retrai os sentidos da
influência dos objetos externos”.
Normalmente traduz-se pratyāhāra como retração ou controle dos sentidos, mas não é somente
isso. Pratyāhāra é a faculdade de libertar a psiquê (citta) das influências que os objetos
externos exercem sobre ela.
Tipos de Alimento, Ahāra
1) alimento físico: nutre o corpo físico
2) impressões e sensações: nutrem a mente
3) relacionamentos: nutrem o coração
Existem três tipos de ahāra – alimento: 1. o alimento físico, que nutre o corpo e se forma pelas
combinações dos cinco elementos, e que nutre o corpo físico, 2. as impressões e sensações que
entram através dos sentidos: tato, visão, audição, etc., e que nutrem a mente, e 3. os
relacionamentos que temos com os demais: esposo/a, namorado/a, família, amigos, etc., com
quem nos relacionamos através do anāhata cakra e que nutrem o nosso coração.
O pratyāhāra é duplo. Implica: 1. evitar as coisas ruins, alimento ruim, impressões ruins,
relacionamentos que nos façam mal e 2. abrir-se para as coisas boas, alimento saudável,
impressões boas, relacionamentos e associações que nos fazem bem.
É impossível controlar as impressões mentais e os conteúdos do pensamento sem ter uma dieta
correta e relacionamentos que sejam para o bem. Porém, a importância do pratyāhāra está no


Yogasūtra de Patañjali o "55 o Comentários de Pedro Kupfer
controle das impressões sensoriais, que permite que a mente se volte para o interior. Ao
recolher a psiquê das impressões negativas, o pratyāhāra nos fortalece, da mesma forma que um
corpo saudável rejeita toxinas e agentes patógenos. Se você for incomodado pelo barulho à sua
volta, provavelmente você está precisando de mais pratyāhāra. Sem isso, não há como meditar.

Há quatro formas básicas de pratyāhāra, que possuem métodos específicos:


controle da energia – prāṇa pratyāhāra,
controle dos sentidos – indriya pratyāhāra,
controle das ações – karma pratyāhāra,
controle da mente – mano pratyāhāra

1) Controle da energia – prāṇa pratyāhāra


O controle dos sentidos inclui o controle da energia vital, o prāṇa, pois os sentidos vão atrás
dele. Se a nossa energia não estiver fortalecida, não poderemos controlar os sentidos. Se a
vitalidade estiver desequilibrada, os sentidos também ficarão.
instintos => sentidos => prāṇa => mente

O prāṇāyāma é a preparação para o pratyāhāra. O elo entre e prāṇāyāma e pratyāhāra é o prāṇa


vidyā, a técnica de manipulação da energia que foi expandida dentro do corpo através dos
respiratórios e precisa trabalhar-se.

O melhor método de prāṇa pratyāhāra é uma prática que consiste em visualizar o processo da
morte, em que o prāṇa abandona o corpo, fechando os sentidos. O grande santo do início do
século XX, Rāmana Mahaṛṣi atingiu mokṣa fazendo isso, aos 17 anos de idade. Deitado em sua
cama, repentinamente sentiu medo de morrer. Depois, visualizou seu corpo sem vida e teve a
certeza de que ele não era o corpo. Assim, recolheu o prāṇa na mente (lembre que onde vai o
pensamento, vai o prāṇa), e da mente levou-o para o cakra do coração e posteriormente ao
cakra coronário, atingido assim o samādhi. Sem uma prática intensa de pratyāhāra, isso não
teria sido possível.

2) Controle dos sentidos – indriya pratyāhāra


É a parte mais importante do pratyāhāra, embora isso não seja exatamente o que os meios de
comunicação e a sociedade de consumo esperam de você. Neste presente tecnocrático estamos
constantemente submetidos a um bombardeio de imagens e sons: rádio, televisão, cinema,
jornais, revistas, computadores e publicidade de todo tipo. A sociedade de consumo funciona
através do estímulo dos sentidos do ser humano. Por isso, para não virarmos fashion victims,
devemos ficar atentos.

Deixando de buscar felicidade nas experiências, 



nos abrimos para a possibilidade da liberdade real
O detalhe é que os sentidos, assim como as crianças pequenas, têm lá seus caprichos, que são
determinados pelos instintos. Se não tivermos algum grau de controle sobre os sentidos, eles
sempre indicarão à mente o que ela deve fazer. Se a gente não conseguir domina-los, seremos
escravos deles para sempre. Ou seja que, ou você domina seus instintos, ou será sempre
escravizado por eles.


Yogasūtra de Patañjali o "56 o Comentários de Pedro Kupfer
Estamos tão acostumados à atividade sensorial que não conseguimos manter o mínimo controle
sobre a mente. Ficamos na roda vida do cotidiano e esquecemos os objetivos essenciais.
O conhecido provérbio, “o espírito quer mas a carne é fraca”, aplica-se àqueles que não
conseguem controlar os sentidos. O indriya pratyāhāra nos dá as ferramentas para fortalecer o
espírito e reduzir a sua dependência do corpo físico. O fortalecimento do espírito não significa
repressão mas coordenação e motivação. Resumindo, podemos dizer que o indriya pratyāhāra é
um tipo de reeducação sensorial.

Somos cuidadosos em relação àquilo que comemos e às pessoas com que nos relacionamos, mas
nem sempre conseguimos ter o mesmo cuidado em relação ao que entra em nossas mentes
através dos sentidos. Aceitamos passivamente as impressões sensoriais que os meios de
comunicação nos enviam.
Essas impressões nos atropelam e acabam por alimentar o nosso pensamento, em uma espécie
de escapismo através do qual convidamos para entrar (através da televisão, dos vídeo games e
filmes, por exemplo) em nossas casas e em nossas vidas toda sorte de monstros e aberrações
que jamais aceitaríamos na vida “real”.
Você acha que isso não tem nenhum efeito sobre a sua mente apenas por não ser “real”? Sabia
que foram feitas pesquisas em que ficou constatado que os filmes de terror fazem com que você
esqueça mais facilmente as publicidades que a televisão lhe obriga a assistir nos intervalos? As
emoções fortes que produz um filme de terror ou um videogame violento, por exemplo,
entorpecem a mente. E uma mente torpe age de modo descuidado, insensível e até mesmo
violento.
As impressões sensoriais são o alimento da mente. O substrato do nosso campo mental está
formado basicamente por impressões sensoriais. Podemos perceber isso quando observamos que
a mente se dirige sozinha à lembrança de uma música que ouvimos ou de um filme que
assistimos.

Assim como o junk food faz mal para o corpo, da mesma forma os pensamentos junk poluem a
mente. O que é junk food? Comida com muito sal, muito açúcar e muito tempero, sem contar os
produtos químicos, conservantes e agrotóxicos. Esse excesso de tempero se deve a que, por ser
um alimento super refinado e industrializado, não contém prāṇa. Não tem vida: é, em suma, um
alimento morto.
Da mesma forma, os pensamentos junk que alimentam (e poluem!) a mente quando estamos
assistindo um filme, por exemplo, precisam conter impressões fortes – sexo e violência são
exemplos típicos – para nos fazer pensar que eles são reais e nos fazer esquecer que são apenas
imagens projetadas numa tela.
Não podemos subestimar o papel que tem as impressões sensoriais em nossa formação. Elas
constroem e alimentam o subconsciente, e fortalecem as latências mentais, os vṛttis. Tentar
meditar sem controlar previamente essas latências e suas causas será uma batalha perdida antes
mesmo de iniciá-la.

Defendendo-nos do ataque dos alienígenas sensoriais


Porém, felizmente, não estamos desarmados perante a voragem das impressões sensoriais. O
pratyāhāra pode nos dar ferramentas muito eficientes para lidar da maneira adequada com esses

Yogasūtra de Patañjali o "57 o Comentários de Pedro Kupfer
fatores de invasão sensorial. O meio mais direto de controlar nossas impressões é simplesmente
fecharmos as portas dos sentidos e permanecermos durante algum tempo desligados das
“tomadas” sensoriais. Uma técnica bem eficiente nesse sentido é o yoni mudrā, do qual
falaremos logo mais.

Assim como o corpo se beneficia com o jejum, cortando o alimento durante um tempo, da
mesma forma a mente se beneficia enormemente de um pequeno jejum sensorial. Este jejum
sensorial é super simples: pode fazer-se indo para o alto de uma montanha ou, melhor ainda,
sentando-se para meditar com os olhos fechados.
O yoni mudrā é uma das mais importantes técnicas de pratyāhāra para fechar as portas dos
sentidos. Consiste em bloquear os órgãos dos sentidos na cabeça: olhos, ouvidos, narinas e boca
com os dedos, permitindo que a atenção e a energia se voltem para o interior. É desejável fazer
esta técnica por curtos períodos, quando o corpo está energizado, como, por exemplo, logo após
o prāṇāyāma.

Outro método bem legal de retração dos sentidos é manter os órgãos dos sentidos abertos, mas
recolher a atenção deles. Assim, as impressões podem parar de agir sobre nós, mesmo que os
nossos sentidos estejam “ligados”. O método mais comum para fazer isto é śambhavī mudrā.
Śambhavī mudrā consiste em sentar com os olhos abertos, mas dirigindo a atenção para o
interior. Esse redirecionamento para o interior pode fazer-se mais facilmente com o sentido da
audição, como nos primeiros estágios do antar mouna.

Outra forma de limpar a mente e controlar os sentidos é colocar a atenção em uma fonte de
impressões uniforme, como olhar diretamente para o céu, para o oceano ou para a chama de
uma vela durante um tempo.

Assim como o sistema digestivo pode entrar em curto-circuito se você mantiver hábitos
alimentares irregulares, a habilidade para digerir impressões sensoriais pode entrar em pane por
causa do excesso de impressões.

E assim como a cura para o sistema digestivo pode passar por uma monodieta, a cura para a
indigestão sensorial pode ser prestar atenção unicamente a um tipo de alimento sensorial: um
mantra, um som, etc.

Criando impressões mentais positivas


Outra maneira de controlar os sentidos é criar impressões positivas ou substituir as negativas
por positivas, no processo que já estudamos, chamado por Patañjali pratipakṣa bhavana. Há
várias maneiras de fazer-se isto. Podemos por exemplo: meditar sobre aspectos da natureza,
como uma flor, uma montanha, o mar, etc., visitar templos e lugares sagrados, que são depósitos
de impressões positivas, ou usar incenso, sentar frente ao fogo, despertar o lado devocional,
manter um altar com imagens sagradas em nossa casa, ativar o anāhata cakra, fazer mantra, etc.

Criando impressões interiores

Outra técnica de recolhimento dos sentidos consiste em focalizar a mente em impressões


interiores, já que as visualizações são práticas de pratyāhāra. Assim a mente se liberta da
tirania que os objetos exercem sobre ela através dos sentidos. Podemos criar impressões


Yogasūtra de Patañjali o "58 o Comentários de Pedro Kupfer
interiores usando a imaginação, ou podemos contatar as percepções sutis, que vêm à tona
quando os sentidos ficam quietos.
A visualização é a forma mais simples de criar impressões interiores afirmativas. A maior parte
das meditações do Yoga começa com algum tipo de visualização. Elas são formas de
pratyāhāra, pois limpam o campo mental das impressões exteriores e criam uma impressão
positiva que serve como ponto de partida para a meditação.
Visualizações preliminares são úteis em qualquer tipo de meditação e também deveriam ser
integradas à nossa prática diária. Um exemplo: a visualização da árvore ou da rocha que
fazemos diariamente no kaya sthairyam.

3) Controle da ação – karma pratyāhāra


Para complicar ainda mais as coisas, além dos órgãos dos sentidos, como os olhos ou ouvidos,
temos ainda órgãos motores (chamados karmendriyas, em sânscrito), como a língua e as mãos.
Não podemos controlar os órgãos dos sentidos sem controlar os órgãos da ação, que nos
vinculam diretamente com o mundo exterior. Os impulsos que entram através dos sentidos
expressam-se pelos órgãos da ação e isso nos leva a mais envolvimento sensorial. Quando a
equação o-sutil-controla-o-denso é invertida, acontecem doenças psicossomáticas, como
bulimia ou anorexia.
Como o desejo é interminável, a felicidade consiste não em ter o que queremos, mas em não
desejar nada que venha do mundo exterior. Isto é essencial para entendermos a busca da
felicidade. Nós já somos aquilo que estamos buscando. Não adianta procurar dentro. Não
adianta procurar fora. Não adianta procurar. Apenas dar-se conta do que está aí para ser
percebido.
Assim como conseguir filtrar o que entra pelos sentidos nos dá domínio sobre os órgãos
sensoriais, da mesma forma a ação correta e o trabalho correto nos dão controle sobre os órgãos
motores. Isto implica o Karma Yoga, fazer as ações necessárias na vida sem esperar nenhum
benefício pessoal em troca.
O karma pratyāhāra pode fazer-se entregando nossos atos como uma forma de serviço aos
demais, ou a Puruṣa. Como disse Kṛṣṇa na Bhagavadgītā: “realiza a ação a ti devida. Lembra
que tens direito de escolher as ações, mas não tens direito de escolher seus frutos”. Isso
significa que nós precisamos agir criteriosamente, aceitando os resultados das ações que
fizermos.

Isto é um tipo de pratyāhāra. Inclui igualmente a prática de austeridade, tapas, que leva ao
controle dos órgãos motores. Por exemplo, o āsana pode ser usado para controlar os pés e as
mãos, o que é absolutamente essencial se formos sentar por longos períodos.

4) Controle da mente – mano pratyāhāra


A mente é responsável pela coordenação dos órgãos dos sentidos e os órgãos motores,
associando por exemplo a movimentação do olhar com o movimento da mão quando pegamos
um copo na mesa. A atenção da mente é limitada e seletiva: prestamos atenção a uma coisa de
cada vez. Numa rua, um menino estará atento às lojas de brinquedos, uma senhora às promoções


Yogasūtra de Patañjali o "59 o Comentários de Pedro Kupfer
do supermercado, um taxista à numeração das casas, etc. Ao prestar atenção a alguma coisa,
naturalmente deixamos de perceber outras.
Assim como acontece com os animais selvagens, a energia e os sentidos podem facilmente
dominar uma mente fraca. Por isso é conveniente começar a fazer pratyāhāra antes de meditar.
Patañjali diz no Yogasūtra: “quando os sentidos não estiverem mais coincidindo com seus
objetos, mas refletindo a natureza da consciência, isso é pratyāhāra.” Isso é mano pratyāhāra.
Vyāsa, o comentarista de Patañjali, compara a mente com uma abelha rainha, e os sentidos com
as abelhas operárias. Para onde a mente for, os sentidos seguem atrás. Então, mano pratyāhāra é
menos sobre controlar os sentidos e mais sobre controlar o próprio pensamento.

O pratyāhāra e os outros estágios do Yoga


O pratyāhāra está relacionado a todos os outros estágios do Yoga de Patañjali. Todos os aṅgas,
dos yamas e niyamas ao samādhi, contêm algum aspecto do pratyāhāra. Por exemplo, nos
āsanas de meditação, os órgãos sensoriais e motores ficam sob controle. O prāṇāyāma inclui
também a retração dos sentidos, que se faz através da respiração. A não violência e o
contentamento, para citar apenas dois aspectos da ética do Yoga, nos ajudam a controlar os
sentidos.
Resumindo, o pratyāhāra nos dá o alicerce para as práticas mais elevadas. É a base para que a
meditação funcione. Faz-se após o prāṇāyāma, a expansão da energia vital, vinculando o prāṇa
com a mente e levando-nos além da experiência do corpo.
O pratyāhāra também se vincula com dhāraṇā, a concentração. No pratyāhāra recolhemos a
atenção das distrações do ambiente. No dhāraṇā focalizamos a atenção num objeto só, como um
mantra. Assim, pratyāhāra e dhāraṇā são dois aspectos da mesma função: o aspecto de desligar-
se das coisas de fora e o de voltar-se para as coisas de dentro.
Muitas pessoas, após anos e anos de praticar Yoga ou meditação, ficam com a sensação de que
não conseguiram o que esperavam dela. Tentar meditar sem haver alcançado algum grau de
pratyāhāra é como tentar encher de água uma peneira. Não importa quanta água (ou força de
vontade na meditação) você colocar na peneira, ela ficará sempre vazia.

Os sentidos funcionam como os buracos da peneira. Se eles não forem fechados, o fruto da
meditação sempre estará escapando das nossas mãos. Se você alternar períodos de boas
meditações com momentos em que vai para o outro extremo, é bem provável que você esteja
precisando fazer pratyāhāra.

O pratyāhāra oferece muitos métodos para preparar a mente para a meditação. Também nos
ajuda a evitar os apelos do ambiente. O pratyāhāra é um maravilhoso instrumento para tomar
controle da própria existência e abrir-nos para nosso ser interior. Não podemos esquecer de
inclui-lo em nossa prática.

ततः परमा वश्यतेिन्द्रयाणाम् ॥ ५५ ॥


tataḥ paramā vaśyatendriyāṇām ॥ 55 ॥
Isso traz controle total dos sentidos.


Yogasūtra de Patañjali o "60 o Comentários de Pedro Kupfer
tataḥ = disso, isso
paramā = total, supremo, perfeito
vaśyata = mestria, controle
indriyāṇām = dos órgãos dos sentidos

***

॥ इित पतञ्जिल-िवरिचते योग-सूत्रे िद्वतीयः साधन-पादः ॥


॥ iti patañjaliviracite yogasūtre dvitīyaḥ sādhanapādaḥ ॥
Aqui conclui-se o Sādhana Pāda, segundo capítulo do Yogasūtra de Patañjali.

॥ तृतीयोऽध्यायः ॥
॥ tṛtīyo’dhyāyaḥ ॥
Terceiro Capítulo

॥ िवभूित-पादः ॥
॥ vibhūtipādaḥ ॥
O Caminho das Manifestações

देशबन्धिश्चत्तस्य धारणा ॥ १ ॥
deśabandhaścittasya dhāraṇā ॥ 1 ॥
Concentração é [fixar] citta 

numa área fechada.

deśabandhaḥ = espaço fechado


cittasya = psiquê
dhāraṇā = concentração

तत्र प्रत्ययैकतानता ध्यानम् ॥ २ ॥


tatra pratyayaikatānatā dhyānam ॥ 2 ॥
Nesse [foco], o fluxo ininterrompido 

do pensamento é a meditação.

tatra = nesse [foco]


pratyaya = fluxo de pensamentos, cognições
ekatānatā = ininterrompido, de maneira contínua
dhyānam = meditação


Yogasūtra de Patañjali o "61 o Comentários de Pedro Kupfer
Compreendendo a Meditação

por Swāmi Dayānanada Saraswati


Hoje em dia, quando se diz que vai chover no final de semana, as pessoas dizem: “Oh! Más
notícias”. Porém, se as chuvas não vierem nunca, você não terá um mau final de semana: terá
um mau ano, sem água na torneira. Isso é um condicionamento. É assim que olhamos as coisas.

Se isso sou eu, eu sou um idiota. As nuvens são nuvens, o que há de errado com elas? Cada uma
delas está fazendo seu papel. As leis meteorológicas funcionam: se a atmosfera estiver
preparada, a chuva ocorrerá. Se você quer evitar a chuva, faça alguma coisa: pulverize alguma
coisa nas nuvens que as faça desaparecer. Mas do que serve ficar reclamando?

Se você acha que isso é uma coisa pequena, as coisas pequenas é que nos fazem. A vida é uma
sequência de coisas pequenas. Coisas grandes só raramente ocorrem. E quando elas ocorrem,
você não está lá! Nós somos condicionados e reagimos às situações como autômatos. As
pessoas dos meios de comunicação também são autômatos. E eles dizem exatamente como
devemos proceder.

Meditação é somente você ser a pessoa que você é. Você é dotado de um corpo, de sentidos e de
uma mente, que tem memórias, emoções e conhecimentos, e é consciente de todos eles. Você é
uma pessoa. Uma pessoa se torna uma personalidade por causa dos medos, ansiedades e muitos
outros problemas.

Raiva, inveja, insegurança, tudo isso faz de uma pessoa uma personalidade. Tudo isso é criado
por você mesmo. Na meditação você reduz todas as situações a simples fatos. Quando você
aceita as situações, elas se tornam simples fatos para você. Quando rejeita as situações, você se
torna uma personalidade. O fato é que você é uma pessoa com um corpo, sentidos, uma mente e
fora, como objeto de seus sentidos, está o mundo.

Quando você apenas vê fatos, você é uma pessoa que não exige nem necessita de coisa alguma.
Quando você é uma pessoa que exige ou necessita de alguma coisa, nesse momento está
interagindo com o mundo. Quando apenas aprecia o mundo, você é somente você mesmo, e o
mundo é como ele é. Você não está exercendo papéis.

O problema é que cada papel acumula resíduos. Portanto, você tem que neutralizar e remover
esses resíduos, para você ser o que é e as coisas serem o que elas são. No processo da
meditação os resíduos devidos aos papéis são neutralizados. Meditação é ser independente de
papéis. Esse estado de não fazer papéis não é desconhecido para você.
Quando olha para as estrelas de noite no céu, que tipo de pessoa você é? É uma pessoa que
exige alguma coisa? É uma pessoa com raiva? “Que céu inútil!”. Você diz isso? Você é uma
pessoa que quer que o céu seja diferente? Se for, seu problema é mais sério do que eu possa
resolver (eu aceito minhas limitações...). Se o céu e as estrelas não evocam em você uma pessoa
exigente, então você descobre que é uma pessoa não exigente e apreciativa.

Você pode ser essa pessoa em relação a qualquer situação, porque qualquer situação é um fato
tanto quanto o céu e as estrelas o são. Da mesma forma como você vê o céu e as estrelas, deve
ver as nuvens e a chuva, os vales e as montanhas, os rios e os riachos, os lagos e as lagoas, uma
árvore, um inseto ou uma flor.


Yogasūtra de Patañjali o "62 o Comentários de Pedro Kupfer
Isso deve ser uma atitude muito natural de sua parte. Se você aprecia essa bela pessoa, que é
não exigente e apreciativa, você deve ser essa mesma pessoa em relação às pessoas e às coisas
que lhe incomodam. Isso é meditação. Isso põe as coisas como elas são e você como você é.
Vamos fazer isso agora.

Meditação conduzida por Swāmi Dayānanada Saraswati

Oṁ. Sente de forma relaxada. O relaxamento não é uma coisa física. Você não faz nada para
relaxar. As pessoas ficam tensas para relaxar, mas relaxar é somente uma atitude. Você tem um
encontro com você mesmo. Não necessita de um amigo. Não necessita de nenhuma fachada, de
nenhum fingimento, e muito menos de nenhuma tensão. Você vai ser apenas você mesmo. Você
não é nem marido nem esposa, nem mãe nem pai, nem doutor nem filho, nem tio nem primo,
nem vizinho nem amigo, nem empregado nem empregador...

Você é somente uma pessoa. Você não é nem pobre nem rico, nem velho nem moço, você é
somente uma pessoa. E, portanto, apenas relaxe. Assim como você está, sem nenhuma mudança
de sua parte, você pode descobrir a você mesmo como uma pessoa que é livre, que é simples e
que não é uma personalidade.

Visualize mentalmente o céu, à noite, limpo, claro, e as estrelas. Ao ver o céu e as estrelas, você
se vê em relação a eles como uma pessoa que não está exigindo nada. Você não deseja que o
céu seja diferente, ou que as estrelas sejam diferentes. Veja você mesmo como é, o que você é.
Não vê que é uma pessoa simples, consciente e apreciativa...

Isso é o que você é. Você pode ser essa pessoa em relação a qualquer situação. Se essa pessoa
deseja, ela é criativa. Se essa pessoa delibera, questiona, o questionamento em si é fascinante. É
essa pessoa que se torna amorosa em relação a alguém. Se esse alguém merece compaixão, o
amor se torna compaixão, porque essa pessoa não está condicionada por gostos e aversões. Essa
é uma pessoa simples, amorosa, que se torna compassiva, compreensiva, prestativa, generosa, e
naturalmente de acordo com a situação.

Em meditação, tudo o que você faz é reduzir os fatos aos fatos. Você é uma pessoa consciente,
apreciativa em relação ao céu e às estrelas. Da mesma forma pense no Sol, seja um Sol quente
ou um Sol poente. Você não tem reclamação a fazer pelo que ele é. Seja o Sol de verão, seja o
de inverno, aceite o Sol como ele é. Se não suportar o calor, vá para um lugar fresco, mas aceite
o Sol como ele é. Da mesma forma em relação aos vários planetas, você não tem reclamação a
fazer. Júpiter, Mercúrio, Marte, Vênus, Saturno... Tome esses planetas como eles são.

Visualize um grupo de nuvens. Você é apenas uma pessoa que aprecia o fato de que há nuvens.
Agora está chovendo. Aceite a chuva como ela ocorre. Olhe para a Terra. O fato de ser um
globo não incomoda você. Por ela estar inclinada a mover-se ao redor do Sol, você não tem
reclamação a fazer. Por ter oceanos e continentes, por ter montanhas e vales, por ter rios e
riachos, por ter lagos e lagoas e por ter florestas e desertos, você não tem reclamação a fazer.

Na Terra existem plantas, árvores e trepadeiras, flores e frutos, hortaliças e legumes. Alguns
você pode gostar, outros não. Veja aqueles de que não gosta como simples vegetais. Aquelas
frutas de que você não gosta, tome-as como simples frutas. Se você tem uma casa com um
gramado, a grama é o que você deseja, e as outras plantas você chama de ervas daninhas. Você


Yogasūtra de Patañjali o "63 o Comentários de Pedro Kupfer
tem raiva delas. Mas não, não são ervas daninhas. São apenas plantas. Se você criasse capim, a
grama seria erva daninha. Se você quiser, pode removê-las, mas que não haja raiva de sua parte.
Tome-as como elas são.

Da mesma forma em relação aos animais. Os animais selvagens e domésticos, os carnívoros e


os herbívoros, as diversas variedades de animais, incluindo os insetos, tome-os todos como eles
são. Se você despreza algum deles, se você não gosta de algum deles, traga esse animal à sua
mente. Olhe para ele. Tome-o como ele é. Você não pode ter raiva de um mosquito ou mosca.
Eles são como são. São feitos para agir como agem. Faça o que deve ser feito para evitá-los,
para mantê-los longe, e até mesmo para eliminá-los, se são prejudiciais à sua saúde, mas não
tenha raiva. Tome-os como eles são.
Da mesma forma, olhe para a humanidade. Que variedade de seres humanos nós vemos! Há
diferentes raças: a mongólica, a negra, a branca, a mestiça, como temos aqui... Cada raça tem
traços peculiares. Tome-as todas como elas são. Olhe as maneiras de vestir-se e os modos de
vida, as comidas e os hábitos de comer, as formas de música e de dança, as várias línguas e
dialetos, as diferentes religiões e seus conceitos de Deus, as formas de oração e culto, mesmo
as cerimônias estranhas, e tome-as todas como elas são.

Se você quiser, se estiver convencido de que elas podem ser melhoradas de alguma forma, então
faça o que deve ser feito, mas tome-as todas como elas são. Elimine totalmente de sua cabeça as
zombarias étnicas. Olhe para o seu próprio país e as diferentes pessoas. Tome-as todas como
elas são. Os brancos, os mulatos, os negros... Tome-os todos como eles são. Se você pode ajudar
uma determinada comunidade, faça o que puder para ajudar para melhorar sua saúde e bem-
estar, mas tome-os como eles são. Tome as pessoas como elas são.

Se você não gosta ou despreza alguém pela sua cor, etc., traga essa pessoa à sua mente. Veja
essa pessoa como ela é, sem desprezo, sem desgosto, e apenas aprecie a pessoa como ela é.
Você tem que se descondicionar. Tem que ser uma pessoa, não uma personalidade. Você não é
uma personalidade, é uma pessoa.

O governo, tome-o como ele é. Não tenha raiva pela sua política. Se quiser, tente modificar o
governo. Não tem nenhum sentido reclamar consigo mesmo e não fazer nada. As pessoas que
comandam o governo também são como você. Elas fazem o que podem. Se forem incapazes...
bem, são incapazes. Se você é capaz, faça alguma coisa. Se você acha que alguma política
melhor pode ser iniciada, faça o que puder. Pelo menos escreva uma carta para o seu jornal.
Tudo o que eu digo é: aja! Faça o que puder! Mas não deixe que os políticos criem em você uma
reação de raiva, frustração ou desespero.

As pessoas com quem você trabalha, tome-as todas elas como são. Se há uma pessoa ou pessoas
que lhe perturbam, que lhe fazem ficar com raiva... Bem, tome essas pessoas como elas são. Se
você não é compreendido por elas ou não as compreende, tente fazer-se entender ou tente
compreendê-las. Lembre-se de que cada um tem uma mente, e cada um segue os ditames de sua
mente. Você pode reprogramar a pessoa, pode mudar a pessoa, mas você pode não ter a
habilidade para fazer isso. Portanto, tome as pessoas como elas são e faça o que puder. Cada
um tem suas limitações, cada um tem suas virtudes. Se acha que é impossível trabalhar nesse
lugar, procure outro emprego, mas aceite as pessoas como elas são.


Yogasūtra de Patañjali o "64 o Comentários de Pedro Kupfer
Olhe para seus pais. Seu pai, aceite essa pessoa como ela é. Sua mãe, aceite essa pessoa como
ela é. Suas limitações, suas virtudes, tome-as todas como elas são. Por trás de suas exigências
existe sempre um amor. Um amor que deseja, que deseja que você seja grande, que seja alguma
coisa. Eles têm um ideal de você: que você seja grande à sua própria imagem. Bem, eles são
humanos. Portanto, aprecie o amor que eles lhe têm. Você descobrirá que não tem nada contra
eles, mas é grato a eles. Pelo menos há pessoas na vida que se preocupam com o seu bem-estar.
Tome-os como eles são. Se pode comunicar-se com eles, comunique-se. Se quiser que haja
alguma mudança em seus valores, por favor tente mudá-los, mas tome-os como eles são.

Olhe para seu parceiro da sua vida, tome essa pessoa como ela é. Sua aparência, sua
capacidade, suas habilidades, suas emoções, seu conhecimento, sua história... Tome essa pessoa
como ela é. Aqui está uma pessoa com quem você partilha sua vida. Não é importante que você
a tome como ela é? Pode haver uma vida feliz se a pessoa não é tomada como ela é? Quando
você exige, você não compreende. Quando rejeita, também não compreende.

Tome a pessoa como ela é, e descobrirá que você tem todo o amor para compreender. Nessa
aceitação você descobrirá que tem uma atmosfera de amor na qual todas as mudanças, e
mudanças miraculosas, são possíveis. Seus filhos, olhe para eles como pessoas independentes.
Eles não são como suas mãos e pernas. Não são parte de você. Cada um é uma pessoa
independente, com corpo, mente e alma. Portanto, olhe para eles como pessoas independentes
que estão crescendo sob seu amor, cuidado e orientação. Tome-os como eles são e faça o que
deve ser feito.

Tome o seu físico como ele é. A altura do corpo, não há nada de errado nela. O peso do corpo,
não há nada de errado nele. Se você quer reduzí-lo, faça alguma coisa para isso, mas aceite o
corpo como ele é. A cor do corpo, homem ou mulher, jovem ou velho, tome o corpo como ele é.
Não existe o que pode ser chamado de corpo bonito ou feio. Existe apenas um corpo vivo ou um
corpo morto. E você tem um corpo vivo. Se ele não é saudável, faça-o saudável. Faça o que
puder, mas não existe um corpo feio. Aceite isso. Aceite o corpo como ele é. Fique feliz, por ter
um corpo vivo.

Aceite a mente. Seus humores, suas mudanças, suas raivas, invejas e ciúmes... apenas aceite a
mente como ela é. Seu conhecimento, suas limitações... aceite-as. Aprenda. Continue
aprendendo. Suas memórias, tome-as como elas são. Que não haja nenhuma memória passada
que lhe incomode. Traga todas as memórias desagradáveis, uma depois da outra, e olhe-as de
frente. Então, aceite sua ignorância e continue aprendendo. Você é consciente da ignorância,
das lembranças, do conhecimento, da mente e de seus condicionamentos, dos sentidos, do
corpo, do mundo...

Essas palavras são o mundo para você agora. Você está frente ao mundo das palavras. Essas
palavras são ouvidas em você, Consciência. Essas palavras não perturbam você, Consciência.
Você não vê que é uma pessoa simples e consciente, ou uma pessoa que é simplesmente
Consciência. Livre da culpa é você, Consciência. Livre de mágoa é você, Consciência. Você
consegue enxergar-se apenas como uma pessoa, como Pena Consciência?

Você consegue perceber que a Consciência e o silêncio são idênticos? Percebe que as palavras
que ouve agora não perturbam a Consciência, e muito menos o silêncio? Você é, na verdade, o
silêncio. Esteja a mente pensando ou não, você é silêncio. Isso é diferente de um silêncio que é


Yogasūtra de Patañjali o "65 o Comentários de Pedro Kupfer
uma trégua entre duas agitações. Você é silêncio porque é Consciência. Oṁ... Oṁ... Oṁ...
Quando escuta esse som você é Consciência, silêncio. Quando não escuta esse som, você é
Consciência, silêncio. Oṁ... Oṁ... Oṁ...

Esta meditação na vida diária. Todos os dias, antes de ir para a cama, faça essa meditação. Ela
neutralizará os problemas do dia. Também poderá começar o dia com ela, se tiver tempo. Mas
tenha certeza de terminar o dia com essa meditação. Dessa forma, não haverá resíduos. Os
problemas do dia serão neutralizados antes de você ir para a cama. Você irá para a cama como
uma pessoa, não como uma personalidade. Levantar-se-á como uma pessoa, não uma
personalidade.

तदेवाथर्मात्रिनभार्सं स्वरूपशून्यिमव समािधः ॥ ३ ॥


tadevārthamātranirbhāsaṁ svarūpaśūnyamiva samādhiḥ ॥ 3 ॥
Quando aquela mesma [psiquê] contempla unicamente o objeto 

de meditação, como que vazia de [outros] pensamentos, há samādhi.

tat = essa, aquela


eva = mesma
artha = objeto
mātra = somente, unicamente
nirbhāsaṁ = brilha
svarūpa = na sua própria forma
śūnyam = vazia
iva = como se, como que
samādhiḥ = profunda absorção

तज्जयात्प्रज्ञालोकः ॥ ५ ॥
tajjayātprajñālokaḥ ॥ 5 ॥
Pelo domínio desse [saṁyama], brilha a luz da sabedoria.

tajjayāt = mestria dessa, domínio desse


prajñālokaḥ = clareza mental, luz da sabedoria

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