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Contra As Eleições
Contra As Eleições
A obra do belga David van Reybrouck foi traduzida para inglês — “Against
Elections”.
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Uma votação a uma volta, por maioria simples (isto é,
por um voto se ganha e por um voto se perde), tirou o Reino
Unido da União Europeia (UE) numa quinta-feira de
junho. No dia seguinte — “o Dia da Independência” para os
impulsionadores do Brexit — 48,1% dos britânicos acordaram
para a realidade de que iriam deixar de ser membros da UE,
vencidos numa consulta popular em que ambos os lados
recorreram à desinformação e a táticas do medo. “Foi um
ponto de viragem na História das democracias ocidentais.
Nunca o destino de um país — de um continente inteiro, na
verdade — foi decidido por tal golpe de machado, desferido por
cidadãos desencantados e mal informados”, lamentou David
van Reybrouck.
Gosta-se da democracia,
mas desconfia-se dela
A democracia é uma boa forma de governar?
Sim, concordaram quase 92% dos inquiridos num estudo
internacional que ouviu mais de 73 mil pessoas em 57 países
(o World Values Survey). “A percentagem de população global
que tem uma atitude positiva em relação ao conceito de
democracia nunca foi tão grande como é hoje”, escreve David
van Reybrouck logo no início do livro, lembrando que no final
da Segunda Guerra Mundial havia apenas 12 democracias no
mundo, com o resto a dividir-se entre governos fascistas,
comunistas e colonialistas. “Nunca houve tantas democracias
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no mundo e nunca houve tantos apoiantes desta forma de
governo”, diz Van Reybrouck.
David Van Reybrouck alerta que algo está mal com este quadro
e que, a prazo, a coisa tem tudo para correr mal. Vejamos o
caso do referendo britânico: “Pedimos às pessoas que nos
digam o que pensam sem que se tenha assegurado que elas
pensaram alguma coisa sobre o assunto — ainda que tenham
sido bombardeadas com variadíssimas formas de manipulação
nos meses anteriores à votação”.
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Vote por isto. Ou vote por aquilo. Já está? OK, agora
vamos contar-vos, a uns e aos outros, e tirar todo o
tipo de conclusões imagináveis: votou assim por isto;
votou assado por aquilo; votou assim mas só o fez porque
achou que o outro lado ia ganhar facilmente; votou assado mas
arrependeu-se na manhã seguinte; votou assim porque está
zangado; votou assim porque vive em dificuldades; votou
assado porque é um idiota; votou assim porque é contra a
globalização, contra os imigrantes, contra o establishment,
contra que chova ao fim de semana. A manipulação não
termina no dia do voto.
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vistas como sinónimos. Alguém nos convenceu de que
a única forma de escolher um representante é através
de um voto inserido numa urna”. Será mesmo assim?
Não conseguiremos pensar numa alternativa melhor?
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Desde o momento em que os apoiantes das Revoluções
Americana e Francesa propuseram as eleições como uma
forma de aferir a vontade do povo, muito mudou: na
altura não havia partidos políticos, entretanto foi
introduzido o sufrágio universal, a sociedade civil
organizada tornou-se mais sofisticada, o espaço público foi
inundado por meios de comunicação social de índole
comercial e, mais recentemente, as redes sociais “vieram
dar voz aos clamores das pessoas” — sendo estas redes tudo
menos sociais, já que Facebook e Twitter são tão ou mais
comerciais do que a CNN e a Fox, “com a diferença que os
donos das primeiras querem que veja e ouça e os donos das
segundas querem que escreva e partilhe”.
As redes sociais são tudo menos sociais, diz o autor belga. São tão ou mais
comerciais do que a CNN e a Fox, com a diferença de que os donos das últimas
querem que se sente, ouça e veja e os donos das primeiras querem que escreva
e partilhe. (Foto: Justin Sullivan/Getty Images)
A política é demasiado
importante para ser deixada aos
políticos
Against Elections lê-se numa penada, mas o diagnóstico é bem
suportado por pesquisa e pontos de vista invulgares. Mas
David Van Reybrouck não se fica pelo diagnóstico, por
relembrar a História e por alertar para os riscos no horizonte:
o belga deixa algumas propostas para promover a eficácia e a
(verdadeira) legitimidade dos cargos públicos. Porque o
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problema não está na democracia, está nas eleições —
a certa altura foram elas que tornaram a democracia possível
mas hoje são um obstáculo.