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BANCO DE QUESTÕES – PORTUGUÊS 11.

O ANO

Domínio: Educação Literária


Conteúdo: Obras de leitura obrigatória – questionários

Sermão de Santo António, Padre António Vieira

A. Lê, atentamente, o texto a seguir transcrito.

Nesta viagem, de que fiz mençã o, e em todas as que passei a Linha Equinocial 1 , vi
debaixo dela, o que muitas vezes tinha visto, e notado nos homens, e me admirou, que se
houvesse estendido esta ronha e pegado também aos peixes. Pegadores2 se chamam
estes de que agora falo, e com grande propriedade; porque sendo pequenos, nã o só se
chegam a outros maiores; mas de tal sorte se lhes pegam aos costados, que jamais os
desaferram3. De alguns animais de menos força e indú stria 4 se conta, que vã o seguindo
de longe aos Leõ es na caça, para se sustentarem do que a eles sobeja. O mesmo fazem
estes Pegadores, tã o seguros ao perto, como aqueles ao longe; porque o peixe grande
nã o pode dobrar a cabeça, nem voltar a boca sobre os que traz à s costas, e assim lhes
sustenta o peso e mais a fome.
Este modo de vida, mais astuto que generoso, se acaso se passou, e pegou, de um
elemento a outro, sem dú vida que o aprenderam os peixes do alto, depois que os nossos
Portugueses o navegaram; porque nã o parte Vizo-Rei ou Governador para as
Conquistas, que nã o vá rodeado de Pegadores, os quais se arrimam a eles, para que cá
lhe matem a fome, de que lá nã o tinham remédio. Os menos ignorantes desenganados
da experiência, despegam-se, e buscam a vida por outra vida; mas os que se deixam
estar pegados à mercê, e fortuna dos maiores, vem-lhes a suceder no fim o que aos
Pegadores do mar.
Rodeia a Nau o Tubarã o nas calmarias da Linha1 com os seus Pegadores à s costas,
tã o cerzidos5 com a pele, que mais parecem remendos ou manchas naturais, que os
hó spedes, ou companheiros. Lançam-lhe um anzol de cadeia com a raçã o de quatro
Soldados, arremessa-se furiosamente à presa, engole tudo de um bocado, e fica preso.
Corre meia campanha6 a alá -lo acima, bate fortemente o convés com os ú ltimos
arrancos, enfim, Morre o Tubarã o, e morrem com ele os Pegadores. […]
Considerai, Pegadores vivos, como morreram os outros que se pegaram à quele
peixe grande, e porquê. O Tubarã o morreu porque comeu, e eles morreram pelo que nã o
comeram. Pode haver maior ignorâ ncia, que morrer pela fome, e boca alheia? Que
morra o Tubarã o porque comeu, matou a sua gula; mas que morra o Pegador pelo que
nã o comeu: é a maior desgraça que se pode imaginar! Nã o cuidei, que também nos
peixes havia pecado original. Nó s os homens fomos tã o desgraciados7, que outrem
comeu, e nó s o pagamos. Toda a nossa morte teve princípio na gulodice de Adã o e Eva; e
que hajamos de morrer pelo que outrem comeu, grande desgraça! Mas nó s lavamo-nos
desta desgraça com uma pouca de á gua8, e vó s nã o vos podeis lavar da vossa ignorâ ncia
com quanta á gua tem o mar.
Padre Antó nio Vieira, Sermão de Santo António, Porto Editora, 2015

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1. linha equatorial; 2. peixe que possui na cabeça um disco com o qual adere a superfícies lisas, usando
esse processo para percorrer grandes distâ ncias, pendurado em barcos ou em grandes peixes; 3. largam;
4. habilidade; 5. cosidos, colados; 6. tripulaçã o; 7. desgraçados; 8. á gua do batismo que lava o«pecado
original» que resulta da desobediência de Adã o e Eva.

Apresenta, de forma bem estruturada, as respostas aos itens que se seguem.

1. Situa o excerto na estrutura externa e interna do Sermão de Santo António.

2. Nesta passagem do sermã o, o orador elege como tema uma espécie de peixes por ele
observados: os Pegadores.
Expõ e as características que, no primeiro pará grafo, lhe sã o atribuídas.

3. «Este modo de vida, mais astuto que generoso, se acaso se passou, de um elemento a
outro, sem dú vida que o aprenderam os peixes do alto, depois que os nossos
Portugueses o navegaram.»
Interpreta a frase transcrita, mostrando a sua relevâ ncia crítica.

4. Explica a alusã o ao pecado original, no ú ltimo pará grafo, inserindo-a no contexto da


crítica aos peixes / crítica aos homens.

5. Esclarece os objetivos que presidiram à construçã o desta personagem, relacionando-


a com a globalidade do capítulo a que o excerto pertence.

6. No ú ltimo pará grafo, seleciona uma apó strofe, uma antítese e uma metá fora e
comenta a sua expressividade.

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B. Lê, atentamente o texto seguinte.

Com os Voadores tenho também uma palavra, e nã o é pequena a queixa. Dizei-me,


Voadores, nã o vos fez Deus para peixes? Pois porque vos meteis a ser aves? O mar fê-lo
Deus para vó s, e o ar para elas. Contentai-vos com o mar, e com nadar, e nã o queirais
voar, pois sois peixes. Se acaso vos nã o conheceis, olhai para as vossas espinhas, e para
as vossas escamas, e conhecereis que nã o sois ave, senã o peixe, e ainda entre os peixes
nã o dos melhores. Dir-me-eis, Voador, que vos deu Deus maiores barbatanas, que aos
outros de vosso tamanho. Pois porque tivestes maiores barbatanas, por isso haveis de
fazer das barbatanas asas? Mas ainda mal porque tantas vezes vos desengana o vosso
castigo. Quisestes ser melhor que os outros peixes, e por isso sois mais mofino 1 que
todos. Aos outros peixes do alto, mata-os o anzol, ou a fisga; a vó s sem fisga, nem anzol,
mata-vos a vossa presunçã o, e o vosso capricho. Vai o navio navegando, e o Marinheiro
dormindo, e o Voador toca na vela, ou na corda, e cai palpitando. Aos outros peixes
mata-os a fome, e engana-os a isca; ao Voador mata-o a vaidade de voar, e a sua isca é o
vento. Quanto melhor lhe fora mergulhar por baixo da quilha, e viver, que voar por cima
das antenas, e cair morto. Grande ambiçã o é que sendo o mar tã o imenso lhe nã o basta a

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um peixe tã o pequeno todo o mar, e que ira outro elemento mais largo. Mas vede,
peixes, o castigo da ambiçã o. O Voador fê-lo Deus peixe, e ele quis ser ave, e permite o
mesmo Deus que tenha os perigos de ave, e mais os de peixe. Todas as velas para ele sã o
redes como peixe, e todas as cordas, laços como ave. Vê, Voador, como correu pela
posta2 o teu castigo. Pouco há nadavas vivo no mar com as barbatanas, e agora jazes em
um convés amortalhado nas asas. Nã o contente com ser peixe, quiseste ser ave, e já nã o
és ave, nem peixe: nem voar poderá s já , nem nadar. A Natureza deu-te a á gua, tu nã o
quiseste senã o o ar, e eu já te vejo posto ao fogo. Peixes, contente-se cada um com o seu
elemento. Se o Voador nã o quisera passar do segundo ao terceiro, nã o viera a parar no
quarto3. Bem seguro estava ele do fogo, quando nadava na á gua; mas porque quis ser
borboleta das ondas, vieram-se-lhe a queimar as asas.
À vista deste exemplo, Peixes, tomai todos na memó ria esta sentença: quem quer
mais do que lhe convém perde o que quer, e o que tem. Quem pode nadar, e quer voar,
tempo virá em que nã o voe, nem nade. […]
Deram-se à alma de Santo Antó nio duas asas de á guia, que foi aquela duplicada
sabedoria natural e sobrenatural tã o sublime, como sabemos. E ele que fez? Nã o
estendeu as asas para subir, encolheu-as para descer; e tã o encolhidas, que, sendo a
Arca do Testamento, era reputado, como já vos disse, por leigo e sem ciência. Voadores
do mar (nã o falo com os da terra), imitai o vosso santo pregador. Se vos parece que as
vossas barbatanas vos podem servir de asas, nã o as estendais para subir, para que nã o
vos suceda encontrar com alguma vela ou algum costado; encolhei-as para descer, ide-
vos meter no fundo em alguma cova; e se aí estiverdes mais escondidos, estareis mais
seguros.
Padre Antó nio Vieira, Sermão de Santo António, Porto Editora, 2015

1. insignificante. 2. veio depressa (a posta era o mais rá pido meio de locomoçã o). 3. fogo, o quarto
elemento da Natureza.

Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.

1. Situa o excerto na estrutura externa e interna do Sermão.

2. O Voador é o peixe criticado nesta passagem do Sermã o.


2.1 Aponta o defeito que o orador começa por lhe censurar, nas cinco primeiras linhas
do texto.
2.2 Mostra o conselho que paralelamente lhe dá .

3. «Dir-me-eis, Voador, que vos deu Deus maiores barbatanas, que aos outros de vosso
tamanho.» Assim se antecipa o contra-argumento possível do Voador.
3.1 Explicita o modo como o orador desfaz este contra-argumento, apresentando nova
argumentaçã o.

4. Ao longo do texto, o orador desenvolve a crítica inicial, clarificando o seu significado.


4.1 Mostra o que representa, afinal, o vício de voar.

5. No fim, como é habitual neste sermã o, é evocado o exemplo de Santo Antó nio.
Relaciona esta evocaçã o com o assunto do excerto.

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Frei Luís de Sousa, Almeida Garrett

A. Lê, atentamente, o texto a seguir transcrito.

Jorge, Madalena
Madalena (falando ao bastidor) – Vai, ouves, Miranda? Vai e deixa-te lá estar até veres
chegar o bergantim; e quando desembarcarem, vem-me dizer para eu ficar descansada.
(Vem para a cena) Nã o há vento, e o dia está lindo. Ao menos nã o tenho sustos com a
viagem. Mas a volta… quem sabe? O tempo muda tã o depressa…
Jorge – Nã o, hoje nã o tem perigo.
Madalena – Hoje… hoje! Pois hoje é o dia da minha vida que mais tenho receado… que
ainda temo que nã o acabe sem muito grande desgraça… É um dia fatal para mim: faz
hoje anos que… que casei a primeira vez – faz anos que se perdeu el-rei D. Sebastiã o – e
faz anos também que… vi pela primeira vez a Manuel de Sousa.
Jorge – Pois contais essa entre as infelicidades da vossa vida?
Madalena – Conto. Este amor – que hoje está santificado e bendito no Céu, porque
Manuel de Sousa é meu marido começou com um crime, porque eu amei-o assim que o
vi… e quando o vi, hoje, hoje… foi em tal dia como hoje! – D. Joã o de Portugal ainda era
vivo! O pecado estava-me no coraçã o; a boca nã o o disse… os olhos nã o sei o que
fizeram; mas dentro da alma eu já nã o tinha outra imagem senã o a do amante… já nã o
guardava1 a meu marido, a meu bom… a meu generoso marido… senã o a grosseira
fidelidade que uma mulher bem nascida quase que mais deve a si do que ao esposo.
Permitiu Deus… quem sabe se para me tentar?… que naquela funesta batalha de Alcá cer,
entre tantos, ficasse também D. Joã o.
Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa, Porto Editora, 2017

1. sentia por…

Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.

1. Situa o excerto na estrutura interna da obra.

2. Especifica o estado anímico de D. Madalena ao longo deste diá logo.

3. Relaciona o seu estado de espírito com a referência obsessiva da personagem ao


«hoje».

4. Explica a relaçã o afetiva que a personagem feminina estabeleceu com os seus dois
maridos.

5. Identifica o papel desempenhado por Frei Jorge neste diá logo e especifica as outras
funçõ es que lhe sã o atribuídas ao longo da peça.

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B. Lê o excerto a seguir transcrito.

Romeiro – Basta: vai dizer-lhe que o peregrino era um impostor, que desapareceu, que
ninguém mais houve novas dele; que tudo isto foi vil e grosseiro imbuste de inimigos
de... dos inimigos desse homem que ela ama... E que sossegue, que seja feliz. Telmo,
adeus!
Telmo – E eu hei de mentir, senhor, eu hei de renegar de vó s, como um vilã o que nã o
sou?
Romeiro – Há s de, porque eu mando.
Telmo (com grande ansiedade) – Senhor, senhor, nã o tenteis a fidelidade do vosso
servo! É que vó s nã o sabeis... D. Joã o, meu senhor, meu amo, meu filho, vó s nã o sabeis...
Romeiro – O quê?
Telmo – Que há aqui um anjo... uma outra filha minha, senhor, que eu também criei...
Romeiro – E a quem já queres mais que a mim, dize a verdade.
Telmo – Nã o mo pergunteis.
Romeiro – Nem é preciso. Assim devia ser. Também tu! Tiraram-me tudo. (Pausa) E
têm um filho, eles?... Eu nã o... E mais, imagino... Oh! Passaram hoje pior noite do que eu!
Que lho leve Deus em conta e lhes perdoe como eu perdoei já . Telmo, vai fazer o que
mandei.
Telmo – Meu Deus, meu Deus, que hei de eu fazer?
Romeiro – O que te ordena teu amo. Telmo, dá -me um abraço. (Abraçam-se) Adeus,
adeus, até...
Telmo – (com ansiedade crescente) Até quando, senhor?
Romeiro – Até ao dia de juízo.
Telmo – Pois vó s?
Romeiro – Eu... Vai, saberá s de mim quando for tempo. Agora é preciso remediar o mal
feito. Fui imprudente, fui injusto, fui duro e cruel. E para quê? D. Joã o de Portugal
morreu no dia em que sua mulher disse que ele morrera. Sua mulher honrada e
virtuosa, sua mulher que ele amava... – oh, Telmo, Telmo, com que amor a amava eu! –
Sua mulher que ele já nã o pode amar sem desonra e vergonha!... Na hora em que ela
acreditou na minha morte, nessa hora morri. Com a mã o que deu a outro riscou-me do
mundo dos vivos. D. Joã o de Portugal nã o há de desonrar a sua viú va. Nã o, vai; dito por
ti terá dobrada força: dize-lhe que falaste com o romeiro, que o examinaste, que o
convenceste de falso e impostor... dize o que quiseres, mas salva-a a ela da vergonha e
ao meu nome da afronta. De mim já nã o há senã o esse nome, ainda honrado; a memó ria
dele que fique sem mancha. Está em tuas mã os, Telmo, entrego-te mais que a minha
vida. Queres faltar-me agora?
Telmo – Nã o, meu senhor, a resoluçã o é nobre e digna de vó s; mas pode ela aproveitar
ainda?
Romeiro – Porque nã o?
Telmo – Eu sei! Talvez...
Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa, Porto Editora, 2017

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Apresenta, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1. Situa o excerto nas estruturas interna e externa da obra e justifica a tua resposta.

2. Explicita as características, ao nível do cará ter, evidenciadas pelo Romeiro ao longo


do diá logo.

3. Indica as mudanças do estado de espírito da personagem Telmo, transcrevendo as


falas mais ilustrativas.

4. Exemplifica e interpreta o recurso à exclamaçã o, à repetiçã o e à frase suspensa.

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Viagens na Minha Terra, Almeida Garrett

A. Lê o texto a seguir transcrito.


Sobre uma espécie de banco rú stico de verdura, tapeçado de gramas 1 e de macela
brava, Joaninha, meio recostada, meio deitada, dormia profundamente.
A luz baça do crepú sculo, coada ainda pelos ramos das á rvores, iluminava
tibiamente as expressivas feiçõ es da donzela; e as formas graciosas do seu corpo se
desenhavam mole e voluptuosamente no fundo vaporoso e vago das exalaçõ es da terra,
com uma incerteza e indecisã o de contorno que redobrava o encanto do quadro, e
permite à imaginaçã o exaltada percorrer toda a escala de harmonia das graças femininas.
[…]
Neste momento agora, e ao entrar na pequena espessura daquelas á rvores,
animava-o [a Carlos] uma viva e inquieta expressã o de interesse – quebrado contudo,
suscitado, e, para assim dizer, sofreado de um temor oculto, de um pensamento
reservado e doloroso que lhe ia e vinha ressumbrando na face, como a antiga e
desbotada cor de um estofo que se tingiu de novo – que é outro agora, mas que nã o
deixou de ser inteiramente o que era...
Alegra-se assim um triste dia de novembro com o raio de sol transiente e
inesperado que lhe rompeu a cerraçã o num canto do céu...
Tal era, e tal estava diante de Joaninha adormecida, o que não direi mancebo porque o
não parecia – o homem singular a quem o nome, a histó ria e as circunstâncias da donzela
pareciam ter feito tamanha impressão.
– «Joaninha!» – murmurou ele apenas a viu à luz ainda bastante do crepú sculo,
«Joaninha!» disse outra vez, contendo a violência da exclamaçã o: «É ela sem dú vida. Mas
que diferente!... quem tal diria! Que graça! que gentileza! Será possível que a criança que
há dois anos?...»
Dizendo isto, por um movimento quase involuntário lhe tomou a mão adormecida e a
levou aos lábios.
Joaninha estremeceu e acordou.
– «Carlos, Carlos!» balbuciou ela, com os olhos ainda meio fechados, «Carlos, meu
primo... meu irmã o! Era falso, dize: era falso? Foi um sonho, nã o foi, meu Carlos?»...
E progressivamente abria os olhos mais e mais até se lhe espantarem e os cravar
nele arregalados de pasmo e de alegria.
– «Foi, foi» continuou ela «foi sonho, foi um sonho mau que tive. Tu nã o morreste...
Fala à tua irmã , à tua Joana: dize-lhe que está s vivo, que nã o és a sombra dele... Nã o és,
nã o, que eu sinto a tua mã o quente na minha que queima, sinto-a estremecer como a
minha... Carlos! meu Carlos! dize, fala-me: tu está s vivo e sã o? E és... és o meu Carlos? Tu
pró prio, nã o é já o sonho, és tu?»...
– «Pois tu sonhavas? tu, Joana, tu sonhavas comigo?»
– «Sonhava como sonho sempre que durmo... e o mais do tempo que estou
acordada... sonhava com aquilo em que só penso... em ti.» – «Joana!... prima... minha
irmã !»
E caiu nos braços dela; e abraçaram-se num longo, longo abraço – com um longo,
interminá vel beijo... longo, longo e interminá vel como um primeiro beijo de amantes...

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O abraço desfez-se, e o beijo terminou enfim, porque os reflexos do céu na terra
sã o limitados e imperfeitos como as incompletas existências que a habitam...
Senã o... invejariam os anjos a vida da terra.
Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra, Porto Editora, 2017

1. relva; 2. reprimido; 3. transparecendo; 4. passageiro.

Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.

1. Situa o excerto na estrutura interna da obra.

2. Caracteriza o quadro constituído pela Natureza retratada e pela personagem que nela
se enquadra: Joaninha.

3. Descreve as reaçõ es emocionais de Carlos perante a figura feminina observada no seu


sono.

4. Comenta o (re)encontro de Carlos e Joaninha, enquanto expressã o de um modo de


sentir româ ntico.

5. Interpreta o comentá rio do narrador nos dois ú ltimos pará grafos do texto.

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B. Lê o excerto a seguir transcrito.

Eu amo a charneca.
E nã o sou romanesco. Româ ntico, Deus me livre de o ser – ao menos, o que na
algaravia de hoje se entende por essa palavra.
Ora a charneca dentre Cartaxo e Santarém, à quela hora que a passá mos, começava
a ter esse tom, e a achar-lhe eu esse encanto indefinível.
Sentia-me disposto a fazer versos... a quê? Nã o sei.
Felizmente que nã o estava só ; e escapei de mais essa caturrice. Mas foi como se os
fizesse, os versos, como se os estivesse fazendo, porque me deixei cair num verdadeiro
estado poético de distraçã o, de mudez – cessou-me a vida toda de relaçã o, e nã o sentia
existir senã o por dentro.
De repente acordou-me do letargo uma voz que bradou: – «Foi aqui!... aqui é que
foi, nã o há dú vida.»
– «A ú ltima revista do imperador.»
– «A ú ltima revista! Como assim a ú ltima revista! Quando? Pois?...»
Entã o caí completamente em mim, e recordei-me, com amargura e desconsolaçã o,
dos tremendos sacrifícios a que foi condenada esta geraçã o, Deus sabe para quê – Deus
sabe se para expiar as faltas de nossos passados, se para comprar a felicidade de nossos
vindouros...

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O certo é que ali com efeito passara o imperador D. Pedro a sua ú ltima revista ao
exército liberal. Foi depois da batalha de Almoster, uma das mais lidadas e das mais
ensanguentadas daquela triste guerra.
Toda a guerra civil é triste.
E é difícil dizer para quem mais triste, se para o vencedor ou para o vencido.
Ponham de parte questõ es individuais, e examinem de boa-fé: verã o que, na
totalidade de cada façã o em que a Naçã o se dividiu, os ganhos, se os houve para quem
venceu, nã o balançam os padecimentos, os sacrifícios do passado, e menos que tudo, a
responsabilidade pelo futuro... […]
Porque será que aqui nã o sinto senã o tristeza?
Porque lutas fratricidas nã o podem inspirar outro sentimento e porque...
Eu moía comigo só estas amargas reflexõ es, e toda a beleza da charneca
desapareceu diante de mim.
Nesta desagradá vel disposiçã o de â nimo chegá mos à ponte da Asseca.

Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra, Porto Editora, 2017

Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.

1. Mostra que o texto é um exemplo da deambulaçã o geográ fica e sentimental,


transmitida numa escrita digressiva conforme ao estilo de Viagens na Minha Terra.

2. Explicita o papel inspirador assumido pela Natureza.

3. Explicita a reflexã o crítica desencadeada pela evocaçã o do companheiro de viagem.

4. Aponta exemplos de coloquialidade e de ironia (dois exemplos para cada um).

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A Abóbada, Alexandre Herculano

A. Lê o texto a seguir apresentado.


– De merencó rio1 humor estais hoje – disse o prior, sorrindo. – Não só eu vos amo e
venero: el-rei mefala sempre de vó s em suas cartas. Não sois cavaleiro de sua casa? E a
avultada tença que vos concedeu em paga da obra que traçastes e dirigistes, enquanto
Deus vos concedeu vista, não prova que não foi ingrato?
– Cavaleiro!? – bradou o velho. – Com sangue comprei essa honra! Comigo trago a
escritura. – Aqui, mestre Afonso, puxando com a mã o trémula as atacas do gibã o2,
abriu-o e mostrou duas largas cicatrizes no peito. – Em Aljubarrota foi escrito o
documento à ponta de lança por mã o castelhana: a essa mã o devo meu foro, que nã o ao
Mestre de Avis. Já lá vã o quinze anos! Entã o ainda estes olhos viam claro, e ainda para
este braço a acha de armas3 era brinco. El-rei nã o foi ingrato, dizeis vó s, venerá vel prior,
porque me concedeu uma tença!? Que a guarde em seu tesouro; porque ainda à s portas
dos mosteiros e dos castelos dos nobres se reparte pã o por cegos e por aleijados.
Proferindo estas palavras, o velho nã o pô de continuar: a voz tinha-lhe ficado presa
na garganta, e dos olhos embaciados caíam-lhe pelas faces encovadas duas lá grimas
como punhos. A Frei Lourenço também se arrasaram os olhos de á gua.
– Sois letrado, reverendo padre: deveis ter visto algum traslado4 da Divina Comédia do
florentino Dante.
– Li já , e mais de uma vez – respondeu o prior.
– Pois sabei, reverendo padre – prosseguiu o arquiteto, atalhando o ímpeto erudito
do prior –, que este mosteiro que se ergue diante de nó s era a minha Divina Comédia, o
câ ntico da minha alma: concebi-o eu; viveu comigo largos anos, em sonhos e em vigília:
cada coluna, cada mainel5, cada fresta, cada arco era uma pá gina de cançã o imensa; mas
cançã o que cumpria se escrevesse em má rmore, porque só o má rmore era digno dela. Os
milhares de lavores que tracei em meu desenho eram milhares de versos; e porque ceguei
arrancaram-me das mãos o livro, e nas pá ginas em branco mandaram escrever um
estrangeiro!
Acerca de mestre Ouguet, nã o serei eu quem negue suas boas manhas e ciência de
edificar: mas que ponha ele por obra suas traças, e deixem-me a mim dar vulto à s
minhas. E demais: para entender o pensamento do Mosteiro de Santa Maria da Vitó ria,
cumpre ser português; cumpre ter vivido com a revoluçã o que pô s no trono o Mestre de
Avis; ter tumultuado com o povo defronte dos paços da adú ltera6: ter pelejado nos
muros de Lisboa; ter vencido em Aljubarrota. Nã o é este edifício obra de reis, ainda que
por um rei me fosse encomendado seu desenho e edificaçã o, mas nacional, mas popular,
mas da gente portuguesa, que disse «nã o seremos servos do estrangeiro» e que provou
seu dito.
Alexandre Herculano, A Abóbada, Porto Editora, 2014

1. melancó lico; 2. cordõ es, tipo atacadores, que fecham o gibã o (espécie de casaco curto, semelhante ao
colete); 3. arma antiga, com forma de machado; 4. có pia do original; 5. barra vertical que divide o vã o das
janelas em duas partes (construçõ es gó ticas); 6. D. Leonor de Teles, mulher de D. Fernando (ver crise de
sucessã o de 1383-85).

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Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.

1. Explicita, fundamentando, a relaçã o afetiva entre os dois protagonistas deste excerto


de A Abóbada.

2. Na perspetiva de Frei Lourenço, Afonso Domingues devia estar grato a D. Joã o I, por
este o ter feito cavaleiro da casa real. Especifica se o velho cego partilha desta opiniã o e
justifica a tua resposta.

3. Expõ e o que representa, para o arquiteto Afonso Domingues, a conceçã o e construçã o


do mosteiro de Santa Maria da Vitó ria.

4. Seleciona e comenta a expressividade de dois recursos estilísticos utilizados no


pará grafo 6.

5. Interpreta o ú ltimo argumento de Afonso Domingues para defender a opiniã o de que


é preciso ser português para desenhar e edificar o mosteiro de Santa Maria da Vitó ria.

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B. Lê, atentamente, o texto a seguir transcrito.

No terceiro dia à tarde, el-rei, que tinha passado o tempo em aparelhar-se para a
guerra com atos de piedade, desceu à crasta, acompanhado de Frei Lourenço e de outros
frades, e, chegando à porta do Capítulo, viu Martim Vasques e Ana Margarida junto à
pedra fria de Afonso Domingues, e este, pá lido e com as pá lpebras cerradas, encostado
nos braços deles.
O mancebo e a velha choravam e soluçavam, sem dizerem palavra.
– Que temos de novo? – perguntou el-rei, chegando à porta e vendo aqueles dois
estafermos. – Completam-se ora os três dias de voto: ainda mestre Afonso teimará em
estar aqui mais tempo?
– Nã o senhor – respondeu Martim Vasques, com palavras mal articuladas –, nã o
estará aqui mais tempo; porque o seu corpo é herança da terra; a sua alma repousa com
Deus.
– Morto!? – bradaram a uma voz el-rei e Frei Lourenço, e correram para o cadá ver
do arquiteto, olhando, todavia, primeiro para a abó bada com um gesto de receio.
– Nada temais, senhores – disse Martim Vasques. – As ú ltimas palavras do mestre
foram estas: «A abó bada nã o caiu... a abó bada nã o cairá !»
O arquiteto, gasto da velhice, nã o pô de resistir ao jejum absoluto a que se
condenara. No momento em que, ajudado por Martim Vasques e Ana Margarida, se quis
erguer, pendeu moribundo nos braços deles, e aquele génio de luz mergulhou-se nas
trevas do passado.
El-rei derramou algumas lá grimas sobre os restos do bom cavaleiro, e Frei
Lourenço rezou em voz baixa uma oraçã o fervente pela alma generosa que, até ao
ú ltimo arranco, escrevera sobre o má rmore o hino dos valentes de Aljubarrota.
Alexandre Herculano, A Abóbada, Porto Editora, 2014

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Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.

1. Situa o excerto na estrutura interna da narrativa.

2. «Completam-se ora os três dias de voto: ainda mestre Afonso teimará em estar aqui
mais tempo?» O rei parece surpreendido com o que vê ao chegar à porta do Capítulo.
Explica esta reaçã o da personagem.

3. Expõ e o que receava o rei e Frei Lourenço ao entrar na Sala do Capítulo e o que os
levou a fazê-lo com maior tranquilidade.

4. Velhice, cansaço, ansiedade, fraqueza, satisfaçã o – tudo isto se conjugou para a morte
de D. Afonso Domingues.
Tendo em conta o que conheces da personagem, comenta esta afirmaçã o.

5. Identifica e explica a expressividade do recurso utilizado nas ú ltimas linhas.

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Amor de perdição, Camilo Castelo Branco

A. Lê o texto a seguir apresentado.


– Adeus, adeus – disse Teresa, sobressaltada. – Tome lá esta lembrança como prova de
minha gratidão.
E tirou do dedo um anel de ouro, que ofereceu a Mariana.
– Nã o aceito, minha senhora.
– Porque nã o aceita?
– Porque nã o fiz algum favor a Vossa Excelência. A receber alguma paga há de ser
de quem cá me mandou. Fique com Deus, minha senhora, e oxalá que seja feliz. […]
Mariana, durante a veloz caminhada, foi repetindo o recado da fidalga; e, se alguma
vez se distraía deste exercício de memó ria, era para pensar nas feiçõ es da amada do seu
hó spede, e dizer, como em segredo, ao seu coraçã o: «Nã o lhe bastava ser fidalga e rica: é,
além de tudo, linda como nunca vi outra!» E o coraçã o da pobre moça, avergando ao que
a consciência lhe ia dizendo, chorava.
Simã o, de uma fresta do postigo do seu quarto, espreitava ao longo do caminho, ou
escutava a estropeada da cavalgadura.
Ao descobrir Mariana, desceu ao quinteiro, desprezando cautelas e esquecido já do
ferimento, cuja crise de perigo piorara naquele dia, que era o oitavo depois do tiro.
A filha do ferrador deu o recado, e sem alteraçã o de palavra. Simã o escutara-a
placidamente até ao ponto em que lhe ela disse que o primo Baltasar a acompanhava ao
Porto.
– O primo Baltasar!... – murmurou ele com um sorriso sinistro – Sempre este primo
Baltasar cavando a sua sepultura e a minha!...
– A sua, fidalgo! – exclamou Joã o da Cruz; – morra ele, que o levem trinta milhõ es
de diabos! Mas Vossa Senhoria há de viver enquanto eu for Joã o. Deixe-a ir para o Porto,
que nã o tem perigo no convento. D’ hora a hora Deus melhora. O senhor doutor vai para
Coimbra, está por lá algum tempo, e à s duas por três, quando o velho mal se precatar, a
fidalguinha engrampa-o1, e é sua tã o certo como esta luz que nos alumia.
– Eu hei de vê-la antes de partir para Coimbra – disse Simã o.
– Olhe que ela recomendou-me muito que nã o fosse lá – acudiu Mariana.
– Por causa do primo? – tornou o académico ironicamente.
– Acho que sim, e por talvez não servir de nada lá ir Vossa Senhoria – respondeu
timidamente a moça.
– Lá se quer – bradou mestre Joã o – a mulher vai-se-lhe tirar ao caminho. Nã o tem
mais que dizer.
– Meu pai, nã o meta este senhor em maiores trabalhos! – disse Mariana.
– Nã o tem dú vida menina – atalhou Simã o; – eu é que nã o quero meter ninguém em
trabalhos. Com a minha desgraça, por maior que ela seja, hei de eu lutar sozinho.

Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição, Porto Editora, 2018

1. engana-o, ludibria-o.

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Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.

1. Explicita o significado da oferta e da recusa iniciais.

2. O excerto contém elementos reveladores da relaçã o entre algumas das personagens


de Amor de Perdição.
Caracteriza, fundamentando a resposta no fragmento transcrito, a relaçã o entre Simã o e
os restantes intervenientes: Teresa, Mariana e Joã o da Cruz.

3. Mostra como as falas de Joã o da Cruz contribuem para o retrato social e psicoló gico
da personagem.

4. Releva marcas da posiçã o subjetiva do narrador, face a algumas das personagens.

5. Indica em que medida o comportamento de Simã o está de acordo com o modelo do


heró i româ ntico.



B. Lê, atentamente, o texto apresentado a seguir.

Ao cabo de dezanove meses de cá rcere, Simã o Botelho almejava um raio de sol,


uma lufada de ar nã o coada pelos ferros, o pavimento do céu, que o da abó boda do seu
cubículo pesava-lhe sobre o peito.
 nsia de viver era a sua; nã o era já a â nsia de amar.
Seis meses de sobressaltos diante da forca deviam distender-lhe as fibras do
coraçã o; e o coraçã o para o amor quer-se forte e tenso, de uma certa rijeza, que se ganha
com o bom sangue, com os anseios das esperanças, e com as alegrias que o enchem e
reforçam para os reveses.
Caiu a forca pavorosa aos olhos de Simã o; mas os pulsos ficaram em ferros, o
pulmã o ao ar mortal das cadeias, o espírito entanguido na glacial estupidez de umas
paredes salitrosas, e dum pavimento que ressoa os derradeiros passos do ú ltimo
padecente, e dum teto que filtra a morte a gotas de á gua.
O que é o coraçã o, o coraçã o dos dezoito anos, o coraçã o sem remorsos, o espírito
anelante de gló rias, ao cabo de dezoito meses de estagnaçã o da vida?
O coraçã o é a víscera, ferida de paralisia, a primeira que falece sufocada pela
rebeliõ es da alma que se identifica à natureza, e a quer, e se devora na â nsia dela, e se
estorce nas agonias da amputaçã o, para os quais a saudade da ventura extinta é um
cautério em brasa; e o amor, que leva ao abismo pelo caminho da sonhada felicidade,
nã o é sequer um refrigério. […]
Os dez anos de ferros em que lhe quiseram minorar a pena, eram-lhe mais
horrorosos que o patíbulo. E aceitá -los-ia, porventura, se amasse o céu, onde Teresa
bebia o ar, que nos pulmõ es se lhe formava em peçonha? Creio: - antes a masmorra,
onde pode ouvir-se o som abafado de uma voz amiga; antes os paroxismos de dez anos
sobre as lajes hú midas de uma enxovia, se, na hora extrema, a ú ltima faísca da paixã o, ao

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bruxulear para morrer, nos alumia o caminho do céu por onde o anjo do amor desditoso
se levantou a dar conta de si a Deus, e a pedir a alma do que ficou.

Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição, Porto Editora, 2018

Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.

1. O texto tem como questã o central a decisã o que Simã o Botelho teve de tomar. Indica
de que decisã o se trata.

2. O aprisionamento é descrito em traços breves, mas muito expressivos.


2.1 Refere como é caracterizada, no excerto, a experiência de privaçã o de liberdade.
2.2 Mostra como a descriçã o reflete a projeçã o do narrador na personagem.

3. «Â nsia de viver era a sua; nã o era já â nsia de amar.» Justifica, de acordo com o texto, a
aparente desistência do amor.

4. O desfecho da novela, porém, reafirma a intensidade do amor-paixã o vivido pelo


protagonista. Recorda os elementos mais significativos desta reafirmaçã o.

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Os Maias, Eça de Queirós

A. Lê, atentamente, o texto a seguir transcrito.

E os dois amigos atravessaram o peristilo. Ainda lá se conservavam os bancos


feudais de carvalho lavrado, solenes como coros de catedral. Em cima, porém, a
antecâ mara entristecia, toda despida, sem um mó vel, sem um estofo, mostrando a cal
lascada dos muros. Tapeçarias orientais que pendiam como numa tenda, pratos
mouriscos de reflexos de cobre, a está tua da «Friorenta» rindo e arrepiando-se, na sua
nudez de má rmore, ao meter o pezinho na á gua – tudo ornava agora os aposentos de
Carlos em Paris: e outros caixõ es apinhavam-se a um canto, prontos a embarcar,
levando as melhores faianças da Toca. Depois, no amplo corredor, sem tapete, os seus
passos soaram como num claustro abandonado. Nos quadros devotos, de um tom mais
negro, destacava aqui e além, sob a luz escassa, um ombro descarnado de eremita, a
mancha lívida de uma caveira. Uma friagem regelava. Ega levantara a gola do paletó .
No salã o nobre os mó veis de brocado, cor de musgo, estavam embrulhados em
lençó is de algodã o, como amortalhados, exalando um cheiro de mú mia a terebintina e
câ nfora. E no chão, na tela de Constable, encostada à parede, a condessa de Runa,
erguendo o seu vestido escarlate de caçadora inglesa, parecia ir dar um passo, sair do
caixilho dourado, para partir também, consumar a dispersã o da sua raça... [...]
Ega apressou aquela peregrinaçã o, que lhe estragava a alegria do dia.
– Vamos ao terraço! Dá -se um olhar ao jardim, e abalamos!
Mas deviam atravessar ainda a memó ria mais triste, o escritó rio de Afonso da Maia.
A fechadura estava perra. No esforço de abrir, a mã o de Carlos tremia. E Ega, comovido
também, revia toda a sala tal como outrora, com os seus candeeiros Carcel dando um
tom cor-de-rosa, o lume crepitando, o «Reverendo Bonifá cio» sobre a pele de urso, e
Afonso na sua velha poltrona, de casaco de veludo, sacudindo a cinza do cachimbo
contra a palma da mã o. A porta cedeu: e toda a emoçã o de repente findou, na grotesca,
absurda surpresa de romperem ambos a espirrar, desesperadamente, sufocados pelo
cheiro acre de um pó vago que lhes picava os olhos, os estonteava. […]
Carlos, por fim, conseguiu abrir largamente as duas portadas de uma janela. No
terraço morria um resto de sol. E, revivendo um pouco ao ar puro, ali ficaram de pé,
calados, limpando os olhos, sacudidos ainda por um ou outro espirro retardado. [...]
Ega sentara-se também no parapeito, ambos se esqueceram num silêncio. Em baixo o
jardim, bem areado, limpo e frio na sua nudez de inverno, tinha a melancolia de um retiro
esquecido, que já ninguém ama: uma ferrugem verde, de humidade, cobria os grossos
membros da Vénus Citereia; o cipreste e o cedro envelheciam juntos, como dois amigos
num ermo: e mais lento corria o prantozinho da cascata, esfiado saudosamente, gota a
gota, na bacia de mármore. Depois ao fundo, encaixilhada como uma tela marinha nas
cantarias dos dois altos prédios, a curta paisagem do Ramalhete, um pedaço de Tejo e
monte, tomava naquele fim de tarde um tom mais pensativo e triste: na tira de rio um
paquete fechado, preparado para a vaga, ia descendo, desaparecendo logo, como já
devorado pelo mar incerto; no alto da colina o moinho parara, transido na larga friagem do
ar; e nas janelas das casas, à beira da água, um raio de sol morria, lentamente sumido,

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esvaído na primeira cinza do crepú sculo, como um resto de esperança numa face que se
anuvia.
Eça de Queiró s, Os Maias, Porto Editora, 2018

Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.

1. Releva a importâ ncia do excerto transcrito, na estrutura interna da obra.

2. O espaço é percecionado por Carlos e Ega. Exemplifica a expressã o de sensaçõ es


diversas, relevando o seu papel na caracterizaçã o do ambiente descrito.

3. Dos recursos expressivos usados, destacam-se a comparaçã o e a personificaçã o.


Aponta e interpreta o seu emprego, no segundo e no ú ltimo pará grafo do texto.

4. Os espaços físicos, n’Os Maias, raramente sã o apenas cená rios em que a açã o
acontece.
Realça o valor simbó lico do Ramalhete, tal como é apresentado no fragmento transcrito,
fundamentando a resposta.



B. Lê, atentamente, o texto a seguir transcrito.

Ega voltou a falar dos inundados do Ribatejo e do sarau literá rio e artístico que em
benefício deles se «ia cometer» no salã o da Trindade... Era uma vasta solenidade oficial.
Tenores do parlamento, rouxinó is da literatura, pianistas ornados com o há bito de S.
Tiago, todo o pessoal canoro e sentimental do constitucionalismo ia entrar em fogo. Os
reis assistiam, já se teciam grinaldas de camélias para pendurar na sala. Ele, apesar de
demagogo, fora convidado para ler um episó dio das Memórias dum Átomo: recusara-se,
por modéstia, por nã o encontrar nas Memórias nada tã o suficientemente palerma que
agradasse à capital. Mas lembrara o Cruges; e o maestro ia ribombar ou arrulhar uma
das suas Meditaçõ es. Além disso havia uma poesia social pelo Alencar. Enfim, tudo
prenunciava uma imensa orgia...
– E a Sr.ª D. Maria, acrescentou ele, devia ir!... É sumamente pitoresco. Tinha V. Ex.ª
ocasiã o de ver todo o Portugal româ ntico e liberal, à la besogne, engravatado de branco,
dando tudo que tem na alma!
– Com efeito devias ir, disse Carlos, rindo. Demais a mais se o Cruges toca, se o
Alencar recita, é uma festa nossa...
– Pois está claro! gritou Ega, procurando o monó culo, já excitado. Há duas coisas
que é necessá rio ver em Lisboa... Uma procissã o do Senhor dos Passos e um sarau
poético!
Rolavam entã o pelo largo do Pelourinho. Carlos gritou ao cocheiro que parasse no
começo da rua do Alecrim: eles apeavam-se e tomavam de lá o Americano para o
Ramalhete.

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Mas a tipoia estacou antes da calçada, rente ao passeio, em frente duma loja de
alfaiate. E nesse instante achava-se aí parado, calçando as suas luvas pretas, um velho
alto, de longas barbas de apó stolo, todo vestido de luto. Ao ver Maria, que se inclinara à
portinhola, o homem pareceu assombrado; depois, com uma leve cor na face larga e
pá lida, fitou gravemente o chapéu, um imenso chapéu de abas recurvas, à moda de
1830, carregado de crepe.
– Quem é? perguntou Carlos.
– É o tio do Dâ maso, o Guimarã es, disse Maria, que corara também.
Eça de Queiró s, Os Maias, Porto Editora, 2018

Apresenta as respostas de forma bem estruturada.

1. Situa o excerto na intriga romanesca do romance.

2. Explica de que modo o aparecimento do Guimarã es relaciona a intriga principal com a


intriga secundá ria.

3. A descriçã o do tio do Dâ maso contribui fortemente para que este aparecimento


constitua um indício de um desfecho trá gico. Justifica esta afirmaçã o.

4. Indica a relaçã o entre o excerto e a crítica de costumes.

5. Ega anuncia o grande acontecimento que iria realizar-se na Trindade.


5.1 Delimita o uso do discurso indireto livre, na reproduçã o das palavras da
personagem.
5.2 Revela o efeito expressivo deste modo de reproduçã o do discurso no contexto em
que surge.
5.3 Exemplifica e interpreta, em todo o primeiro pará grafo, os recursos expressivos
mais relevantes para a imagem caricatural do sarau que se anuncia.

6. «Demais a mais se o Cruges toca, se o Alencar recita, é uma festa nossa.» Refere-te à
representatividade, ao nível da crítica de costumes, das personagens aludidas por
Carlos.

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Sonetos de Antero de Quental

A. Lê, atentamente, o soneto apresentado a seguir.

Ideal

Aquela que eu adoro nã o é feita


De lírios nem de rosas purpurinas ,
Nã o tem as formas lâ nguidas, divinas,
Da antiga Vénus de cintura estreita...

Nã o é a Circe, cuja mã o suspeita


Compõ e filtros mortais entre ruínas,
Nem a Amazonas , que se agarra à s crinas
Dum corcel e combate satisfeita...

A mim mesmo pergunto, e nã o atino


Com o nome que dê a essa visã o,
Que ora amostra ora esconde o meu destino...

É como uma miragem que entrevejo,


Ideal, que nasceu na solidã o,
Nuvem, sonho impalpá vel do Desejo...
Antero de Quental, Sonetos Completos, Porto Editora, 2016

Apresenta as respostas de forma bem estruturada.

1. Explicita o modo como, nas duas primeiras estrofes, o sujeito poético caracteriza, aos
níveis físico e psicoló gico, o ser designado por «Aquela que eu adoro» (v. 1).
1.1 Mostra as implicaçõ es do processo usado na concretizaçã o dessa caracterizaçã o.

2. Interpreta o significado da substituiçã o da expressã o «Aquela que eu adoro» (v.1) por


«essa visã o» (v. 10), no que diz respeito ao sentir do sujeito poético.

3. Interpreta a comparaçã o e as metá foras usadas no ú ltimo terceto, relacionando o seu


uso com o conteú do das estrofes anteriores.

4. Relaciona o poema com o seu título, enquadrando-o na obra de Antero, no que diz
respeito à temá tica da busca de um Ideal.



B. Lê, atentamente, o texto a seguir transcrito.

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Mã e – que adormente este viver dorido.
E me vele esta noite de tal frio,
E com as mã os piedosas ate o fio
Do meu pobre existir, meio partido...

Que me leve consigo, adormecido,


Ao passar pelo sítio mais sombrio...
Me banhe e lave a alma lá no rio
Da clara luz do seu olhar querido...

Eu dava o meu orgulho de homem – dava


Minha estéril ciência, sem receio,
E em débil criancinha me tornava.

Descuidada, feliz, dó cil também,


Se eu pudesse dormir sobre o teu seio,
Se tu fosses, querida, a minha mã e!
Antero de Quental, Sonetos Completos, Porto Editora, 2016

Apresenta as respostas de forma bem estruturada.

1. Explicita a caracterizaçã o que, na primeira quadra, o sujeito poético faz da sua


existência. Apoia a tua resposta com elementos do texto.

2. Esclarece e interpreta o desejo que o sujeito poético exprime nas duas quadras.
2.1 Indica e comenta as formas verbais mais expressivas na formulaçã o desse desejo.

3. Interpreta a expressã o «dava / Minha estéril ciência, sem receio» relacionando-a com
os versos anteriores e com os dois seguintes.

4. Explica o sentido dos dois ú ltimos versos, relevando o valor das oraçõ es condicionais.

5. Analisa a estrutura formal do poema.

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O sentimento dum Ocidental, Cesário Verde

A. Lê, atentamente, o excerto apresentado a seguir.

De verão
I
No campo; eu acho nele a musa que me anima:
A claridade, a robustez, a açã o.
Esta manhã , saí com minha prima,
Em quem eu noto a mais sincera estima
E a mais completa e séria educaçã o.

II
Criança encantadora! Eu mal esboço o quadro
Da lírica excursã o, de intimidade,
Nã o pinto a velha ermida com seu adro;
Sei só desenho de compasso e esquadro,
Respiro indú stria, paz, salubridade.

III
Andam cantando aos bois; vamos cortando as leiras1;
E tu dizias: «Fumas? E as fagulhas?
Apaga o teu cachimbo junto à s eiras2;
Colhe-me uns brincos rubros nas gingeiras!
Quanto me alegra a calma das debulhas3!»

IV
E perguntavas sobre os ú ltimos inventos
Agrícolas. Que aldeias tã o lavadas!
Bons ares! Boa luz! Bons alimentos!
Olha: os saloios vivos, corpulentos,
Como nos fazem grandes barretadas4!

V
Voltemos. Na ribeira abundam as ramagens
Dos olivais escuros. Onde irá s?
Regressam rebanhos das pastagens;
Ondeiam milhos, nuvens e miragens,
E, silencioso, eu fico para trá s.

VI
Numa colina azul brilha um lugar caiado.
Belo! E arrimada ao cabo da sombrinha,
Com teu chapéu de palha, desabado,
Tu continuas na azinhaga; ao lado

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Verdeja, vicejante, a nossa vinha.
[………………………………………………..]

X
Exó tica! E cheguei-me ao pé de ti. Que vejo!
No atalho enxuto, e branco das espigas,
Caídas das carradas no salmejo5.
Esguio e a negrejar em um cortejo,
Destaca-se um carreiro de formigas.

XI
Elas, em sociedade, espertas, diligentes.
Na natureza trémula de sede,
Arrastam bichos, uvas e sementes
E atulham, por instinto, previdentes,
Seus antros6 quase ocultos na parede.

XII
E eu desatei a rir como qualquer macaco!
«Tu nã o as esmagares contra o solo!»
E ria-me, eu ocioso, inú til, fraco,
Eu de jasmim na casa do casaco7
E de ó culo deitado a tiracolo!

XIII
«As ladras da colheita! Eu, se trouxesse agora
Um sublimado corrosivo, uns pó s
De solimã o8, eu, sem maior demora,
Envenená -las-ia! Tu, por ora,
Preferes o româ ntico ao feroz.

XIV
Que compaixã o! Julgava até que matarias
Esses insetos importunos! Basta.
Merecem-te espantosas simpatias?
Eu felicito suas senhorias,
Que honraste com um pulo de ginasta!»

XV
E enfim calei-me. Os teus cabelos muito loiros Luziam, com doçura, honestamente;
De longe o trigo em monte, e os calcadoiros9, Lembravam-me fusõ es de imensos
oiros,
E o mar um prado verde e florescente.
Cesá rio Verde, Cânticos de Realismo e Outros Poemas, INCM, 2015

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1. rego feito na terra pelo arado; 2. terreiro, por vezes de pedra, onde se descascam e secam os cereais; 3.
trabalho agrícola que consiste em tirar os grã os de cereal da espiga; 4. saudaçã o, tirando o chapéu em
sinal de respeito; 5. açã o de carregar os cereais para a eira; 6. esconderijos; 7. de flor de jasmim na lapela;
8. veneno; 9. eiras cobertas de cereal.

Apresenta as respostas de forma bem estruturada.

1. «No campo; eu acho nele a musa que me anima:/A claridade, a robustez, a açã o.» (vv.
1 e 2)
Confirma, com elementos do texto, cada uma das três características que o sujeito
poético encontra no campo por ele percorrido.

2. Explica de que forma, na sua deambulaçã o, o sujeito poético reage à realidade


observada, revelando o seu modo de ser urbano e prá tico.

3. Comenta a estrofe II, referindo e interpretando dois recursos expressivos nela


presentes.

4. Caracteriza a personagem feminina que acompanha o sujeito no seu passeio pelo


campo e que é por ele observada, tal como a Natureza.



B. Lê, atentamente, o texto a seguir transcrito.

A débil

Eu que sou feio, só lido, leal,


A ti, que és bela, frá gil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.

Sentado à mesa de um café devasso,


Ao avistar-te, há pouco fraca e loura,
Nesta babel tã o velha e corruptora,
Tive tençõ es de oferecer-te o braço.

E, quando socorrestes um miserá vel,


Eu, que bebia cá lices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, saudá vel.

«Ela aí vem!» disse eu para os demais;


E pus me a olhar, vexado e suspirando,
O teu corpo que pulsa, alegre e brando,
Na frescura dos linhos matinais.

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Via-te pela porta envidraçada;
E invejava, – talvez que nã o o suspeites! –
Esse vestido simples, sem enfeites,
Nessa cintura tenra, imaculada.

Ia passando, a quatro, o patriarca.


Triste, eu deixei o botequim, à pressa;
Uma turba1 ruidosa, negra, espessa,
Voltava das exéquias2 d'um monarca.

Adorá vel! Tu, muito natural,


Seguias a pensar no teu bordado;
Avultava, num largo arborizado,
Uma está tua de rei num pedestal.

Sorriam, nos seus trens, os titulares;


E ao claro sol, guardava-te, no entanto,
A tua boa mã e, que te ama tanto
Que nã o te morrerá sem te casares!

Soberbo dia! Impunha-me respeito


A limpidez do teu semblante grego;
E uma família, um ninho de sossego,
Desejava beijar o teu peito.

Com elegâ ncia e sem ostentaçã o,


Atravessavas branca, esbelta e fina,
Uma chusma3 de padres de batina,
E de altos funcioná rios da naçã o.

«Mas se a atropela o povo turbulento!


Se fosse, por acaso, ali pisada!»
De repente, parastes embaraçada
Ao pé de um numeroso ajuntamento,

E eu, que urdia4 estes frá geis esbocetos5,


Julguei ver, com a vista de poeta,
Um pombinha tímida e quieta
Num bando ameaçador de corvos pretos.

E foi, entã o que eu, homem varonil,


Quis dedicar-te a minha pobre vida,
A ti, que és ténue, dó cil, recolhida,
Eu, que sou há bil, prá tico, viril.
Cesá rio Verde, Cânticos de Realismo e Outros Poemas, INCM, 2015

1. multidã o. 2. cerimó nias. 3. grupo numeroso. 4. elaborava. 5. esboços de versos.

Português 11.º ano | Banco de questõ es | © Raiz Editora 24


Apresenta as respostas de forma bem estruturada.

1. Faz o levantamento das palavras e expressõ es que contribuam para a caracterizaçã o


da mulher retratada neste poema, organizando-as nos seguintes campos lexicais: beleza,
fragilidade, simplicidade, pureza, bondade, alegria.

2. Mostra como se autocaracteriza o sujeito poético.

3. Caracteriza o espaço físico e social – «Babel tã o velha e corruptora» –, interpretando


essa caracterizaçã o ao nível do contexto histó rico.

4. Explica o modo como o sujeito poético vê, na mulher observada, a possibilidade de


redençã o.

5. Aponta e interpreta dois exemplos de utilizaçã o da metá fora.

6. Faz a aná lise da estrutura formal do poema.

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SOLUÇÕES
Sermão de Santo António, Padre António Vieira
A.
1. O excerto situa-se na segunda parte da Exposiçã o do Sermão, no capítulo V, correspondente aos vícios
dos peixes em particular, neste caso, o vício do Pegador.
2. Os Pegadores sã o peixes pequenos que se agarram aos peixes maiores e nunca mais os largam. Desta
forma se alimentam à custa dos grandes, que nã o conseguem livrar-se dos pequenos que os parasitam.
3. O orador coloca a hipó tese de o modo de vida parasita dos Pegadores ter passado do elemento terra
para o elemento á gua, e a certeza de que tal aconteceu por responsabilidade dos Portugueses que o
ensinaram aos peixes quando navegavam. Assim explica a passagem do parasitismo da terra para o mar,
ideia colocada já no primeiro pará grafo (ll. 1-3). Esta explicaçã o tem uma forte carga de crítica social, na
medida em que a crítica aos homens é aqui feita diretamente e nã o apenas através dos peixes, como
acontece na globalidade do sermã o.
4. A propó sito da morte do Tubarã o que arrasta a morte de todos os pequenos peixes a ele colados, o
orador alude, por analogia, ao pecado original. Assim, refere que tal como os homens nascem com o
pecado de Adã o que, ao comer a maçã, condenou a Humanidade a morrer, também os peixes pequenos
sã o condenados a morrer com a morte do Tubarã o que comeu o isco. Esta alusã o aproxima os peixes dos
homens, tornando clara a alegoria presente em todo o Sermão de Santo António: os peixes representam os
homens, logo, as críticas a eles dirigidas sã o dirigidas aos homens.
5. Este excerto pertence ao capítulo V do Sermão de Santo António, a parte correspondente à s repreensõ es
aos peixes em particular, isto é, o capítulo em que o orador apresenta quatro exemplos de peixes que
representam, alegoricamente, alguns dos piores vícios humanos. Assim, o Pegador representa um tipo
humano: o oportunista que vive à custa dos outros.
6. Apó strofe: «Considerai, Pegadores vivos.» O orador dirige-se, agora diretamente, aos Pegadores, com
pedagogia, sublinhando o seu estado de «vivos» que é posto em causa por andarem colados a outros,
arriscando-se a morrer com eles.
Antítese: «O Tubarã o morreu porque comeu, e eles morreram pelo que nã o comeram.» O orador sublinha,
assim, o absurdo do destino dos Pegadores, que morrem numa situaçã o contrastiva com a do Tubarã o:
enquanto este comeu, aqueles nã o comeram.
Metá fora: «Mas nó s lavamo-nos desta desgraça com uma pouca de á gua, e vó s nã o vos podeis lavar da
vossa ignorâ ncia com quanta á gua tem o mar.» Na sequência da alusã o ao pecado original, o orador refere
a purificaçã o pelo batismo, banho simbó lico aqui referido pelo metafó rico verbo «lavar».

B.
1. O excerto situa-se no capítulo V, na segunda parte da Exposiçã o do Sermão, correspondente aos vícios
dos peixes em particular, neste caso, o vício do Voador.
2.1 Ao Voador começa por ser apontado o vício de querer ser ave, voando, nã o se contentando com nadar.
2.2 Ao mesmo tempo que o critica, o orador aconselha o Voador a olhar para a sua condiçã o de peixe e
contentar-se com o mar que Deus lhe destinou para nadar, largando o há bito de voar.
3. A possível contra-argumentaçã o do Voador (Deus deu-lhe barbatanas maiores do que as dos outros
peixes do seu tamanho) é antecipada pelo orador, que apresenta, de imediato, nova argumentaçã o:
mesmo sendo maiores, as barbatanas nã o sã o asas, e ao ser levado pela ambiçã o de andar pelos ares, o
Voador é apanhado pelas velas ou pelas cordas dos navios e acaba por morrer.
4.1 Representa a ambiçã o (provocada pela vaidade de ser mais do que os outros).
5. Santo Antó nio é evocado como contraponto do vício que o orador acabou de criticar através da figura
do Voador. Segundo o texto, o Santo, que tinha as asas da Sabedoria natural e sobrenatural, nã o as
aproveitou para subir acima dos outros homens, pelo contrá rio, fez-se simples, a ponto de ser
considerado ignorante. Santo Antó nio é, assim, uma vez mais, apontado como exemplo, agora de
simplicidade.

Português 11.º ano | Banco de questõ es | © Raiz Editora 26


Frei Luís de Sousa, Almeida Garrett
A.
1. O excerto insere-se no desenvolvimento da peça. Os medos e, consequentemente, o sofrimento de D.
Madalena acentuam-se, pois aproxima-se o momento do reconhecimento que vai desencadear a
catá strofe.
2. D. Madalena está agitada e preocupada com a ida dos familiares e, sobretudo da filha, para Lisboa. Essa
preocupaçã o acentua-se pelo facto de ocorrer naquele dia. Um dia que, para ela, é fatídico, um dia que lhe
causa pâ nico.
3. D. Madalena repete, obsessivamente, «hoje», porque, para ela, é o dia de todas as desgraças. Muito
supersticiosa, D. Madalena convence-se de que nesse dia alguma coisa terrífica irá acontecer. Esse medo
advém-lhe de ser um dia em que ocorreram muitos factos determinantes para a sua vida. Faz anos que se
casou pela primeira vez, faz anos que se deu o desastre de Alcá cer Quibir e faz anos que conheceu Manuel
de Sousa Coutinho, por quem logo se apaixonou, embora ainda fosse casada com D. Joã o de Portugal.
4. D. Madalena tinha uma grande admiraçã o e um grande respeito pelo seu primeiro marido, D. Joã o de
Portugal, com quem casara ainda adolescente. Estes sentimentos levavam-na a sentir-se ainda mais
culpada. Nã o dera a D. Joã o o amor que ele merecia, apenas fidelidade. Mas por Manuel de Sousa Coutinho
sentia um amor tã o intenso, que a simples ideia de o perder a fazia viver em constante sobressalto.
5. Neste diá logo Frei Jorge tem, quase exclusivamente, o papel de ouvinte. Limita-se a ouvir o lamento, o
desabafo angustiado da cunhada. Ao longo da peça, Frei Jorge é muitas vezes aquele que tranquiliza, que
tem uma palavra de conforto, que apela ao bom senso ou à resignaçã o, o que acontece, por exemplo, no
final da peça, quando os protagonistas têm momentos de fraqueza e desorientaçã o perante o destino
trá gico de que foram vítimas.

B.
1. Este excerto localiza-se no ato III, numa fase adiantada da açã o, depois do Reconhecimento, em que
surge ainda uma hipotética possibilidade de mudar o rumo dos acontecimentos: encontramo-nos,
portanto, na segunda parte da peça, ou seja, no «Conflito»
2. A personagem revela grande humanidade, nobreza de cará ter e firmeza. Estas características sã o
evidenciadas pela compreensã o das vacilaçõ es de Telmo: «Assim devia de ser», pela capacidade de ter em
conta o sofrimento dos que o fizeram sofrer; «Oh! Passaram hoje pior noite do que eu!», pelo
arrependimento e firme intençã o de remediar o mal que causou; «Fui imprudente, fui injusto, fui duro e
cruel (...) salva-a a ela da vergonha e ao meu nome da afronta.»
3. Telmo, o velho escudeiro, revela vá rias mudanças ao nível do seu estado de espírito: da rejeiçã o – «E eu
hei de mentir, senhor, hei de renegar de vó s, como um vilã o que nã o sou?» – passa à hesitaçã o – «Meu
Deus, meu Deus, que hei de eu fazer?» – e, por fim, à aceitaçã o – «Nã o, meu senhor, a resoluçã o é digna de
vó s, mas pode ela aproveitar ainda?»
4. A conjugaçã o do recurso à exclamaçã o – «Também tu!» –, à repetiçã o – «Oh, Telmo, Telmo, com que
amor a amava eu!» – e à frase suspensa – «Eu sei! Talvez...» – sublinha a forte tensã o emocional vivida por
ambas as personagens, a complexidade da decisã o que estã o a discutir e a importâ ncia das revelaçõ es que
entretanto se processam.

Viagens na minha Terra, Almeida Garrett


A.
1. O excerto, pertencente ao capítulo XX de Viagens da Minha Terra, faz parte na novela (habitualmente
designada por novela da «Menina dos Rouxinó is» ou de «Carlos e Joaninha») e corresponde ao momento
em que, de regresso ao Vale de Santarém como combatente liberal, Carlos reencontra a sua prima
Joaninha pela primeira vez.
2. O espaço campestre agradavelmente descrito é o de um lugar rodeado de á rvores frondosas
(«cerraçã o») que parecem proteger «uma espécie de banco rú stico de verdura» alcatifado de relva e
macela brava. Os raios solares de um crepú sculo de novembro lançam sobre o lugar uma luz
naturalmente baça, ténue, que se torna quase irreal e espiritual («o raio do sol transiente e inesperado
que lhe rompeu a cerraçã o num canto do céu»). Sobre o banco de verdura dorme Joaninha, iluminada pela
luz coada, de forma que as suas feiçõ es, graciosidade e sensualidade sejam suficientemente sugeridas,
mas nã o totalmente reveladas. Na verdade, é como se a Natureza e Joaninha se fundissem num todo

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harmonioso e insepará vel («com uma incerteza e indecisã o de contorno que redobrava o encanto do
quadro, e permite à imaginaçã o exaltada percorrer toda a escala de harmonia das graças femininas»).
3. Carlos chegou ao lugar animado por «uma viva e inquieta expressã o de interesse» refreado por algum
receio talvez do encontro com o passado. Mas ao chegar junto de Joaninha adormecida, a sua reaçã o foi de
profunda surpresa e encantamento, que o leva a, irresistivelmente, pegar na mã o da jovem e beijá -la.
4. O (re)encontro de Carlos e Joaninha caracteriza-se por uma mistura de emoçõ es e sentimentos:
surpresa, alegria, comoçã o extrema, atraçã o irresistível. Quer um quer outro exprimem,
espontaneamente, os seus sentimentos ainda confusos pela surpresa. Esta espontaneidade e naturalidade,
bem como a intensidade com que vivenciam o encontro, é bem o retrato de um modo de sentir româ ntico.
5. O narrador, à semelhança daquilo que acontece ao longo da obra, assume aqui o papel de comentador.
Tece consideraçõ es sobre a impossibilidade de eternizaçã o do estado de jú bilo do amor, afirmando, com
alguma ironia, que se o jú bilo amoroso durasse para sempre, os anjos deixariam o céu e viriam habitar a
terra (para viverem o amor, está implícito).

B.
1. Na sua deambulaçã o de Lisboa a Santarém, o narrador, ao chegar à charneca ribatejana, começa por
exprimir a sua emoçã o e passa depois à reflexã o suscitada por um breve diá logo. O excerto é, de facto,
exemplar do estilo digressivo de Viagens na Minha Terra.
2. A Natureza, aqui materializada na charneca, é verdadeiramente inspiradora, cria no narrador um
sentimento estético que o leva a desejar fazer poesia.
3. A partir da referência que o companheiro de viagem faz à passagem de D. Pedro, o líder dos liberais, o
narrador inicia uma reflexã o melancó lica e triste sobre a guerra civil, os danos que causou e os benefícios
que dela se retiraram. É uma reflexã o crítica, desde logo de pendor filosó fico (contra a guerra em geral e a
guerra civil em particular), ao mesmo tempo que reflete sobre a situaçã o concreta do país que dela
resultou (que o narrador ajudou a construir e que tanto se afastou dos ideais do Liberalismo).
4. Coloquialidade:
«Na ligaçã o com o leitor: Deus me livre de o ser − ao menos, o que na algaravia de hoje se entende por
essa palavra»
«Sentia-me disposto a fazer versos... a quê? Nã o sei.»
«O breve diá logo com o companheiro de viagem»
Ironia:
«Româ ntico, Deus me livre de o ser»
«e escapei de mais essa caturrice.»

A Abóbada, Alexandre Herculano


A.
1. Ambos revelam respeito, admiraçã o e mesmo amizade, um pelo outro. Frei Lourenço admira a obra do
arquiteto e este a cultura do prior. Afonso Domingues, o velho arquiteto, com toda a sinceridade, desabafa
as suas má goas. Expõ e os seus sentimentos mais íntimos a um amigo que, embora nã o esteja totalmente
de acordo com ele, se comove com o sofrimento que as suas palavras traduzem.
2. Afonso Domingues nã o só nã o partilha desta opiniã o como se revolta contra ela. Para o velho cego esta
honraria concedida pelo rei nã o foi uma dá diva, mas o reconhecimento do seu empenho, da sua
tenacidade enquanto soldado a defender o seu rei e a sua pá tria. Para o comprovar, mostra as cicatrizes
que lhe ficaram no peito desde a batalha de Aljubarrota. Metaforicamente, apresenta essas cicatrizes
como o documento «de compra» do título que lhe foi atribuído e nã o oferecido por amizade ou
compaixã o.
3. O mosteiro de Santa Maria da Vitó ria é um marco histó rico da vitó ria dos portugueses sobre os
castelhanos, na célebre e decisiva batalha de Aljubarrota. A sua conceçã o e edificaçã o foram entregues,
por D. Joã o I, ao arquiteto Afonso Domingues. Para este, o monumento passou a ser a obra da sua vida.
Pensou e desenhou cada um dos pormenores que iriam dar forma ao edifício. É significativo que ele o
apelide de câ ntico, pá ginas sucessivas de uma cançã o escrita em má rmore. Na conceçã o do mosteiro há
mú sica, há poesia, há arte esculpida. E seguir a sua construçã o era ver a concretizaçã o material do sonho.
4. «cada coluna, cada mainel, cada fresta, cada arco era uma pá gina de cançã o imensa»
«Os milhares de lavores que tracei em meu desenho eram milhares de versos»

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Cada uma destas metáforas evidencia o espírito artístico de Afonso Domingues. O monumento nã o era
apenas uma obra arquitetó nica, era toda a sua sensibilidade artística desenhada num papel para ser
talhada em má rmore.
5. Na perspetiva de Afonso Domingues, só pode erguer, condignamente, o mosteiro de Santa Maria da
Vitó ria quem entende a sua representatividade. Para tal impõ e-se ser português, ter apoiado o Mestre de
Avis, eleito pelo povo para seu rei, ter participado em todo o percurso de luta pela independência de
Portugal e, naturalmente, ter participado na batalha de Aljubarrota. É à vitó ria nesta batalha que se presta
homenagem com este monumento, que guardará a memó ria de uma pá gina da Histó ria de Portugal. Para
Afonso Domingues só um português poderá dar «vida» ao mosteiro.

B.
1. Desenlace da narrativa.
2. Afonso Domingues fizera dois votos quando se comprometera a reerguer a abó boda da Sala do
Capítulo. O primeiro era que a obra estaria pronta em quatro meses; o segundo, que nã o sairia de baixo da
abó bada durante os três dias seguintes ao retirar das vigas, tá buas…, tudo o que sustentava o teto da sala
capitular. Os dois prazos foram cumpridos. Por isso o rei nã o percebia por que razã o o velho continuava
no mesmo sítio, sem dar mostras de querer sair dali.
3. Receavam que a abó bada caísse, como já acontecera com a anterior. Entraram a medo, chocados com a
notícia da morte do arquiteto, entraram mais seguros depois de ouvirem, por Martim Vasques, as ú ltimas
palavras de Afonso Domingues.
4. Afonso Domingues estava velho e cego. O esforço que fizera para acompanhar durante quatro meses a
reconstruçã o da abó bada deve tê-lo levado a um cansaço extremo. A ansiedade provocada pela
expectativa de sucesso de uma obra difícil e sem precedentes em Portugal era um estado emocional
inevitá vel. O jejum a que se forçara, durante os ú ltimos três dias, passados sentado numa pedra fria
colocada debaixo da abó bada, tiraram ao velho arquiteto a pouca força física que ainda lhe restava. A
satisfaçã o do dever cumprido, do sonho realizado, da gló ria e imortalidade conseguidas, tudo isto foi
demais para o fragilizado artista.
5. A metá fora das linhas 20-21 associa a memó ria dos guerreiros de Aljubarrota à arte que os imortaliza.
O mosteiro da Batalha é uma cançã o de louvor, mú sica gravada na pedra, o sonho de um guerreiro artista,
tornado realidade.

Amor de perdição, Camilo Castelo Branco


A.
1. A oferta de um anel de ouro mostra a generosidade de Teresa, mas, acima de tudo, a enorme
importâ ncia que aquela oportunidade de comunicar com Simã o tinha para ela.
Mariana, por seu lado, manifesta um misto de dignidade e orgulho, ao rejeitar o pagamento de um gesto
que fizera por amor, feito pela mulher que, intimamente, sentia como rival.
2. O amor de Simã o por Teresa está bem patente na ansiedade com que este espera as notícias que
Mariana lhe trará , bem como na firme decisã o de a ver antes da partida para Coimbra.
Igualmente explícito se encontra o amor de Mariana por Simã o, que o narrador denuncia através do
ciú me por Teresa, ao mesmo tempo que sublinha o cuidado que a infeliz mensageira teve para nã o
esquecer uma só palavra do recado que levava.
É manifesta também a lealdade em que se baseia a relaçã o entre Joã o da Cruz e o protagonista.
3. O estatuto social do ferrador é ilustrado pelo uso de expressõ es populares, de que sã o exemplo: «que o
levem trinta milhõ es de diabos», «D' hora a hora Deus melhora.», «à s duas por três, quando o velho mal se
precatar, a fidalguinha engrampa-o, e é sua tã o certo como esta luz que nos alumia».
Do ponto de vista psicoló gico, o espírito prá tico de Joã o da Cruz, nada propenso a sentimentalismos,
transparece no conselho que dá a Simã o. No entanto, perante a insistência deste, a coragem e a lealdade
determinam a oferta de ir tirar a mulher ao caminho.
4. No texto presente, o narrador mostra sobretudo compreensã o e compaixã o por Mariana, ao evidenciar,
simultaneamente, a preocupaçã o dela em decorar, palavra a palavra, a mensagem de Teresa, a pressa em
chegar a casa, o ciú me despertado pela beleza da amada de Simã o, o sofrimento que a afligia.
5. O comportamento de Simã o é ditado pelo sentimento: ignorando precauçõ es ou a dor física, vai ao
encontro de Mariana, na â nsia de saber notícias da sua amada. Vive um amor proibido, estando disposto a
«lutar sozinho» por ele, enfrentando todos os obstá culos para o defender.

Português 11.º ano | Banco de questõ es | © Raiz Editora 29


B.
1. Simã o tinha de optar entre o degredo e dez anos de prisã o, em Portugal.
2.1 O aprisionamento é a privaçã o do sol, o ar respirado por entre grades (1.º pará grafo); os pulsos
paralisados, o espírito enfraquecido, marcas de morte e de doença no ar, nas paredes, no chã o, no teto (3.º
pará grafo).
2.2 Esta era a experiência que o autor estava a viver, quando escreveu a obra, e para ela queria chamar a
atençã o dos leitores. Ao falar do tio, é de si que fala.
3. O amor alimenta-se de esperança e de alegria, das quais Simã o se encontra inteiramente privado. O
coraçã o «dos dezoito anos» nã o sobrevive à paralisia, é-lhe vital a liberdade da Natureza; a recordaçã o da
felicidade ainda torna mais intenso o sofrimento.
4. O final demonstra que a «â nsia de amar» nã o fora preterida pela «â nsia de viver», que a perspetiva da
liberdade, ainda que no degredo, nã o foi suficiente para lhe prolongar a vida – Simã o morre por amor,
depois de se ter despedido de Teresa.

Os Maias, Eça de Queirós


A.
1. O excerto insere-se no Epílogo do romance: passados 10 anos sobre a descoberta da sua relaçã o
incestuosa, sobre a morte do avô , da sua partida para o estrangeiro, Carlos da Maia revisita Lisboa e o
Ramalhete, acompanhado pelo grande amigo, Joã o da Ega.
O protagonista confronta-se com a memó ria dos acontecimentos mais marcantes da sua vida, de um
tempo irremediavelmente perdido, ao rever a sua casa de Lisboa.
2. Sensaçõ es visuais: «tom negro», «luz escassa», «mancha lívida», «névoa», «lençó is brancos como
mortalhas», «sudá rios», «ferrugem verde», «um raio de sol morria, lentamente sumido, esvaído na
primeira cinza do crepú sculo».
Sensaçõ es auditivas: «som de passos de claustro», «prantozinho da cascata»; «(esquecidos num) silêncio».
Sensaçõ es olfativas: «cheiro a mú mia, a terebentina e câ nfora».
Sensaçõ es tá teis: «riagem que enregelava», «larga friagem do ar».
As sensaçõ es expressas conjugam-se na criaçã o de um ambiente triste, melancó lico, com diversas
sugestõ es de abandono e de morte.
3. Comparaçã o: «como amortalhados», «parecia ir dar um passo (para partir também, consumar a
dispersã o da sua raça)», «o cipreste e o cedro envelheciam juntos, como dois amigos num ermo», «um
paquete fechado, preparado para a vaga, ia descendo, desaparecendo logo, como já devorado pelo mar
incerto», «um raio de sol morria, lentamente sumido, esvaído na primeira cinza do crepú sculo, como um
resto de esperança numa face que se anuvia».
Personificaçã o: «mais lento corria o prantozinho da cascata, esfiado saudosamente, gota a gota, na bacia
de má rmore».
Refletindo as emoçõ es de Carlos e Ega, estes recursos expressivos, usados na descriçã o do espaço
percecionado (quer no interior da casa, quer no terraço) sublinham igualmente o ambiente de desolaçã o,
decadência e morte.
4. Nã o é difícil lermos o percurso da família Maia nas alteraçõ es sofridas pelo Ramalhete, cuja histó ria,
recorde-se, inicia o romance. Muito tempo desabitada, a casa renasce quando o jovem e enérgico Carlos,
cheio de projetos, vem viver para Lisboa. Naquela década de 70, a revitalizaçã o do Ramalhete, de acordo
com o projeto de um arquiteto inglês, representa claramente um período da vida nacional e uma geraçã o
desejosa de progresso e de abertura à modernidade europeia.
Em pouco tempo, os projetos esfumam-se, a destruiçã o atinge a família, o portã o do Ramalhete volta a
encerrar-se. Ao mesmo tempo, esfumam-se igualmente as ilusõ es de alteraçõ es de fundo no país.
Passados dez anos, o abandono da casa é já ruína, simbolicamente, a ruína da família (bem explícita na
descriçã o do retrato da condessa Runa) e a ruína do país.

B.
1. O excerto corresponde a um momento da intriga principal, logo apó s a publicaçã o da carta de Dâ maso
na Corneta do Diabo, o que levou Ega a chamar Carlos a Lisboa.
2. Guimarã es representa o surgimento do passado e da histó ria familiar desconhecida pelos
protagonistas.

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3. O negro da roupa e das luvas, as «longas barbas de apó stolo», a «face pá lida», o chapéu «à moda de
1830, carregado de crepe», que tirou «assombrado» e «gravemente», tudo se conjuga para o cará ter de
mau pressá gio deste inesperado encontro.
4. A crítica de costumes está presente através do modo como Ega anuncia o sarau literá rio da Trindade.
5.1 O discurso indireto livre encontra-se desde «Era uma vasta solenidade oficial.» até «tudo prenunciava
uma imensa orgia» (ll. 2 a 10).
5.2 O discurso indireto livre mantém a vivacidade do discurso oral e a ironia corrosiva de Ega; ao mesmo
tempo, esbatendo as fronteiras com o discurso do narrador, torna-o «cú mplice» da perspetiva da
personagem.
5.3 Ironia: «que, em benefício deles, se ia “cometer”» (criada pelo paradoxo); «era uma vasta solenidade
oficial» (criada pelo adjetivo); «recusara-se, por modéstia, por nã o encontrar […] nada tã o
suficientemente palerma que agradasse» (incoerência entre as duas razõ es apresentadas).
Metá fora: «tenores do Parlamento, rouxinó is da literatura […] todo o pessoal canoro e sentimental do
constitucionalismo «ia entrar em fogo».
Antítese (de metá foras): «o maestro ia arrulhar ou ribombar».
Galicismo: «à la besogne».
Entre outros, estes recursos concorrem para o mesmo fim − a ridicularizaçã o de um acontecimento, pelo
vazio de ideias que se antecipa, substituídas pela retó rica sentimental e pela solenidade das
indumentá rias.
6. Cruges representa o artista «com uma pontinha de génio», segundo Ega, votado ao fracasso por uma
sociedade culturalmente atrasada.
Alencar é o poeta ultrarromâ ntico, o inimigo do Realismo, nostá lgico e arrebatado. Depois de ter dedicado
ao amor grande parte dos seus versos, virava-se agora para uma poesia de teor mais social, aspirando a
uma Repú blica fraterna e de abundâ ncia universal.

Sonetos de Antero de Quental


A.
1. Nas duas quadras, o sujeito poético caracteriza «Aquela que [ele adora], através de um conjunto de
construçõ es negativas, quer ao nível físico, na 1.ª quadra («nã o é feita / De lírios nem de rosas purpurinas,
/ Nã o tem as formas lâ nguidas, divinas, / Da antiga Vénus de cintura estreita»), quer ao nível psicoló gico,
na 2.ª quadra (Nã o é a Circe (…) Nem a Amazonas).
1.1 O processo utilizado de caracterizaçã o através de construçõ es negativas anula a realidade palpá vel da
figura, que surge como alguém que nã o é definível, logo, nã o é materializá vel.
2. A impossibilidade de definir «aquela» conduz o sujeito poético à interrogaçã o inquieta sobre o nome a
atribuir-lhe e a assumir tratar-se de uma visão (v. 11), reafirmando, desta forma, a sua irrealidade. Além
disso, essa «visã o», ora revela, ora esconde o destino do sujeito e, por isso, ela é fonte de instabilidade e
insegurança, estados emocionais sugestivamente intensificados pelo uso das reticências.
3. A comparaçã o «É como uma miragem» é reveladora da natureza irreal da entidade adorada que, por
isso mesmo, apenas pode ser um vislumbre ao nível do sonho que é, aliá s, uma das metá foras usadas no
ú ltimo verso, a par de uma outra, nuvem, também ela indiciadora de irrealidade mutá vel, inalcançá vel,
transitó ria. Acresce notar que este sonho é fruto do Desejo do sujeito poético e nã o da existência concreta
do objeto adorado («Aquela que eu adoro»).
4. Uma das linhas de sentido recorrentes na poesia de Antero de Quental é, justamente, a busca de um
Ideal que pode assumir diferentes configuraçõ es: a Liberdade, a Fraternidade universal, a Razã o, o Amor.
Neste sentido, poderemos interpretar este soneto como uma configuraçã o do Amor enquanto Ideal, tema
que, muito ajustadamente, está explícito no título.

B.
1. Uma vida atormentada, dominada pela angú stia existencial («este viver dorido», «esta noite de tal
frio»), pela sensaçã o de desagregaçã o psíquica («meu pobre existir, meio partido»).
2. O sujeito poético deseja ser protegido, consolado e acarinhado por uma figura materna, uma Mã e, que
adormeça a sua dor, vele o seu sono, o prenda à vida, acompanhe a sua dolorosa caminhada, ilumine, com
a sua presença, a escuridã o da existência tã o angustiada.
2.1 Formas verbais: «adormente», «vele», «ate», «me leve», «me banhe», «lave».

Português 11.º ano | Banco de questõ es | © Raiz Editora 31


Sã o formas verbais do presente do conjuntivo, que exprimem, precisamente, o desejo já identificado na
questã o anterior.
3. A angú stia do sujeito é tã o intensa e o desejo de proteçã o tã o premente, que ele abdicaria da sua
racionalidade e do seu saber − afinal inú teis para a felicidade − em troca da felicidade, mesmo que para
isso se transformasse em alguém ingénuo, despreocupado e obediente como uma criança.
4. Percebemos, nestes ú ltimos versos, que a Mãe desejada é, afinal, a destinatá ria do poema, ao mesmo
tempo que sabemos tratar-se da mulher amada. Poderemos, pois, inferir que aquilo que o sujeito procura
no Amor (e na amada) é a paz, a serena felicidade, o fim da angú stia e que essa procura é frustrada, uma
vez que o seu êxito depende de duas condiçõ es nã o satisfeitas: a amada nã o é a Mã e e, por isso, nã o
poderá dar-lhe a paz interior.
5. Soneto – duas quadras e dois tercetos de versos decassilá bicos, com o esquema rimá tico abba / abba /
cdc / ede: rima emparelhada, interpolada e cruzada.

O sentimento dum Ocidental, Cesário Verde


A.
1. A claridade, a robustez e a açã o sã o as características que o sujeito poé tico aponta no início do
texto e que confirma ao longo da sua deambulaçã o campestre.
Claridade: «Que aldeias tã o lavadas!» (v. 17); «Boa luz!»; «Bons alimentos!» (v. 18); «Numa colina
azul brilha um lugar caiado» (v. 26); «No atalho enxuto, e branco das espigas» (v. 32); «O trigo em
monte, e os calcadoiros, / Lembravam-me fusõ es de imensos oiros, / E o mar um prado verde e
florescente.» (ll. 58-60)
Robustez: «Bons ares!» (v. 18); «os saloios vivos, corpulentos» (v. 19); «Verdeja, vicejante, a nossa
vinha.» (v. 30);
Açã o: «Andam cantando aos bois» (v. 11); «Regressam rebanhos das pastagens» (v. 23); «a calma das
debulhas» (v. 15)
2. Toda a atmosfera descrita, «o quadro / da lírica excursã o, de intimidade», «Belo!», é propícia ao
â nimo («eu acho nele a musa que me anima», v. 1), à alegria (Quanto me alegra a calma das
debulhas!», v. 15), à contemplaçã o («silencioso, eu fico para trá s», v. 25). A inspiraçã o e o bem-estar
que o campo lhe provoca nã o impedem o sujeito poético de tomar consciê ncia da sua condiçã o
urbana e estranha à Natureza («eu ocioso, inú til, fraco, / Eu de jasmim na casa do casaco / E de ó culo
deitado a tiracolo!», vv. 44-45), antes acentua nele uma certa sensaçã o de inutilidade e desajuste.
3. A afirmaçã o «Nã o pinto a velha ermida com seu adro» remete para a recusa de uma poesia
meramente realista, transmissora fiel daquilo que é visto e observado. Por outro lado, a declaraçã o
«Sei só desenho de compasso e esquadro» remete para uma poesia atenta à forma, transmissora do
real transfigurado. Essa transfiguraçã o do real está patente em vá rias passagens do poema, por
exemplo, na estrofe V, referindo as sombras das oliveiras como ramagens impressas nas á guas, o
vento a transformar os campos com movimentos ondulantes e as nuvens em miragens. També m na
estrofe XV, da visã o do cabelo loiro da prima passa para o dourado dos campos de trigo,
transfigurados em «fusõ es de imensos oiros» e para o prado verde, transfigurado em mar.
4. O sujeito poé tico caminha acompanhado pela prima que, ao contrá rio dele, está em perfeita
sintonia com a Natureza. Ele refere-se-lhe com afeto elogioso (est. 1 e 2: «Em quem eu noto a mais
sincera estima / E a mais completa e sé ria educaçã o»; «Criança encantadora»), sublinha a sua
preocupaçã o com o campo (est. III, vv. 2 e 3), a sua curiosidade (est. IV, vv. 1 e 2), a vivacidade (est. V,
VI, XIV: «Onde irá s?», «Tu continuas na azinhaga», «um pulo de ginasta»), a compaixã o româ ntica
pelas formigas. Finalmente, o sujeito poético nã o é alheio à beleza e doçura da sua companheira
cujos «cabelos muito loiros / Luziam, com doçura, honestamente» (est. XV).

B.
1. A caracterizaçã o organiza-se, de facto, em torno dos campos lexicais de:
− beleza: «bela»; «esbelta e fina»; «loura»; «branca»;
− fragilidade: «frá gil»; «assustada»; «fraca»; «Uma pombinha tímida e quieta»; «ténue»; «dó cil»;
«recolhida»;
− simplicidade: «Esse vestido simples, sem enfeite»; «Adorá vel! Tu, muito natural / Seguias a pensar no
teu bordado»; «Com elegâ ncia e sem ostentaçã o»;

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− pureza/brancura: «recatada», «branca»; «Numa existência honesta, de cristal»; «Na frescura dos linhos
matinais»; «Nessa cintura tenra, imaculada»; «A limpidez do teu semblante grego»; «guardava-te, no
entanto, / A tua boa mã e»;
− bondade: «quando socorreste um miserá vel»;
− alegria/vida: «teu corpo que pulsa alegre e brando».
2. A autocaracterizaçã o do sujeito poético contrasta fortemente com a da mulher, e organiza-se em torno
das seguintes características:
− fealdade: «Eu, que sou feio»;
− decadência: «Sentado à mesa de um café devasso»; «Eu que bebia cá lices de absinto»;
− tristeza/doença: «triste eu saí / Doía-me a cabeça»;
− força: «só lido»; «homem varonil», «há bil»; «prá tico», «viril».
Além destes, outros elementos individualizadores, de sinal positivo, surgem na sua autocaracterizaçã o,
como a lealdade e a condiçã o de poeta.
3. O espaço físico é caracterizado negativamente, através do ponto de vista do poeta que observa
sobretudo a geografia humana e social: a aristocracia («exéquias dum monarca», «está tua de rei»,
«titulares», «altos funcioná rios») e o clero («patriarca», «chusma de padres de batina»). Observa também
a cidade na sua turbulência ameaçadora e corruptora e na sua miséria: «café devasso», «nesta Babel tã o
velha e corruptora», «turba ruidosa», «Mas se a atropela o povo turbulento!», «numeroso ajuntamento»,
«bando ameaçador de corvos pretos», «um miserá vel».
4. O sujeito poético, «sentado à mesa de um café devasso», está completamente integrado na cidade-Babel
corruptora, mas ao olhar a mulher que passa, sente crescer nele um desejo de transformaçã o. É o que
acontece quando a bondade da mulher que socorre um pobre o leva a desistir, vexado, de beber mais
absinto (lembremos que esta é uma bebida emblemá tica da boémia do século XIX), porque ela o torna
«prestante, bom, saudá vel». É também o que acontece quando o poeta contempla com «inveja» e, por isso,
com desejo de a ela se igualar, a simplicidade e pureza da mulher, quando tem vontade de a proteger e,
finalmente, quando deseja, através dela, «uma família, um ninho de sossego» e afirma a intençã o de lhe
dedicar a vida, «numa existência honesta, de cristal».
5. «Babel tã o velha e corruptora»: associaçã o da cidade ao mito de Babel, representaçã o da ambiçã o de
subir mais alto e consequente confusã o e incapacidade de entendimento entre os homens.
«Uma pombinha tímida e quieta»; «Num bando ameaçador de corvos pretos»: as metá foras referidas
remetem para a ideia de pureza, beleza e fragilidade da mulher, em contraste com a ameaça negra da
multidã o urbana.
6. Poema de estrutura muito regular, constituído por 13 quadras de versos decassilábicos que
apresentam rima emparelhada e interpolada segundo o esquema abba.

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