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Ano 2, n° 2 | 2012, verão

[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ NUESTRA AMÉRICA] ISSN [2236-4846]

O labirinto da solidão:
Os caminhos e descaminhos da Revolução Mexicana*

Jorge José Barros de Souza∗∗

Introdução

A palavra revolução, segundo os cânones das ciências humanas, é conceituada como a


transformação de toda uma sociedade em todos os âmbitos: do político ao social.
Do ponto de vista histórico, a palavra revolução pode apresentar dois significados. Pode
significar, por exemplo, uma evolução de um sistema de produção, ou seja, uma
transformação. Neste contexto, podemos citar a Revolução Industrial do século XVII, quando
ocorreu um avanço nos sistema de produção de mercadorias com a implantação das máquinas.
Num outro contexto pode significar uma mudança radical como, por exemplo, na
Revolução Francesa. Neste fato histórico ocorreu uma mudança radical no sistema político,
econômico e social da França no século XVIII.
As Revoluções - Francesa e Americana - inauguraram as revoluções da modernidade.
Todas as revoluções que ocorreram dentro desse tempo e espaço denominado de
“contemporaneidade” apresentaram profundas mudanças. Malgrado que, as revoluções
ocorridas nos séculos XIX e XX, em todas as partes do globo terrestre, efetivamente,
apresentaram enormes diferenças e características próprias e singulares.
Hannah Arendt em, Sobre a Revolução (2001), analisa o conceito de revolução
construído a partir de um referencial teórico que se remete aos gregos ou à polis grega. Para a
filósofa, a revolução tem que levar à liberdade:

Poderá ser truísmo dizer que a libertação e liberdade não são a mesma coisa;
que a libertação pode ser a condição da liberdade, mas que de modo nenhum
conduz automaticamente a ela; que a noção de liberdade implicada na
libertação só poder ser negativa e, portanto, que até a intenção de libertar não
é idêntica ao desejo de liberdade. (ARENDT, 2001:33)

*
Artigo recebido em novembro de 2011 e aprovado para publicação em fevereiro de 2012.
∗∗
Doutorando pelo PPGHC/UFRJ. Professor Substituto de História da América e Contemporânea na UERJ/FFP

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JORGE JOSÉ BARROS DE SOUZA]

A palavra liberdade não foi somente o lema das grandes revoluções da


contemporaneidade, mas a grande preocupação. Foi a partir dela que se construiu e
possibilitou grandes conquistas, como os direitos e sua ampliação através das constituições
democráticas.
As revoluções do século XIX e XX, tomando como base o que Hobsbawm apresentou
no livro Era dos Extremos (1995), são reverberações e uma herança do “século das luzes” e
das ondas revolucionárias que a Revolução Francesa encetou:

O que ligava a Igreja não só a reacionários anacrônicos mas aos fascistas era
um ódio comum pelo Iluminismo do século XVIII, pela Revolução Francesa
e por tudo o que na sua opinião dela derivava: democracia, liberalismo e,
claro, mais marcadamente, o “comunismo ateu”. (HOBSBAWM, 1995:118)

As Revoluções dos séculos XIX e XX, como apontado anteriormente, foram de diversas
naturezas. Cada uma delas, conforme sua necessidade buscou a transformação da sociedade.
Contudo, as do século XX foram bem diferentes entre si e mais ainda das que ocorreram no
século XIX. As do século XX aprofundaram os questionamentos que, evidentemente,
mudaram, diferenciando-se dos ocorridos no século XIX.
As ideologias plantadas no século XIX, isto é, socialismo, liberalismo e nacionalismo,
germinaram, portanto, no século XX. Brotaram no campo social, político, econômico e,
sobretudo, no ideológico. As revoluções do século XX foram mais decisivas e objetivas. Elas
não se prenderam em ondas revolucionárias como as ocorridas no século XIX. Elas
mergulharam num radicalismo. Elas tinham como teoria e prática transformar em todos os
aspectos a sociedade. As revoluções do século XIX ficaram num projeto, num esboço. As do
século XX se concretizaram.
A Revolução Mexicana surgiu neste contexto. Sua natureza, fenômeno ou essência
revolucionária encetou inúmeras interpretações. Sem sombra de dúvida foi a primeira
revolução social a acontecer no século XX, antes mesmo da chamada “Revolução Mundial” –
a Revolução Russa de 1917.
O “eurocentrismo” assaz presente de forma hegemônica no “fazer história”, não deu à
Revolução Mexicana a consideração e o vanguardismo que realmente ela mereceu na
conjuntura dos ciclos revolucionários do século XX.

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Sua relevância e complexidade tornam a Revolução Mexicana uma das mais


interessantes dos ciclos revolucionários. Ao fazermos uma análise desta revolução acabamos
entrando num profundo labirinto. Trata-se de um processo que enceta um grande debate.
Devido às inúmeras análises e questionamentos sobre a revolução, há controvérsias e
divergências em relação à cronologia. Eclode em 1910; mas há dúvidas sobre quando termina.
Em relação a este último aspecto, afirmar, contundentemente, quando ela termina é estar se
apropriando do processo revolucionário – tal como fizeram algumas de suas lideranças. Ao
contrário, a Revolução Mexicana é muito confusa e arrevesada, assumindo várias fases e
processos.
Entretanto, é perspícuo até hoje as reverberações de anos de revolução na sociedade
mexicana, sobretudo nos aspectos que ela não conseguiu efetivar uma vitória mais consistente,
como o social. Ainda assim, mesmo trôpega, sua revolução é venerada. Seus líderes e
participantes são disputados pelos grupos sociais. Emiliano Zapata é um exemplo de
simbolismo que se perpetua em segmentos populares, em especial, do campesinato. É o
“bandido” social e revolucionário.
Além disso, no debate historiográfico, discute-se também se ao invés de ser entendida
como “a revolução mexicana”, não teria sido “as revoluções do México”, pra usar os termos
do historiador Américo Nunes. Várias revoluções atestariam, por assim dizer, sua
longevidade, mas, sem sombra de dúvidas, duas verdades são incontestes: foi a primeira
revolução do século XX. Tendo obtido seu centenário no ano de 2010, e, continua seguindo
seu caminho solitariamente, como num “labirinto da solidão”, para lembrar a centenária
Úrsula, personagem encantadora e misteriosa do livro Cem anos de solidão (1967), de Gabriel
Garcia Marquez.
Seu debate político é tão significativo que, em meio ao processo revolucionário, formou
o Partido Revolucionário Institucional/PRI, que se perpetuou durante longos anos no poder até
perder sua primeira eleição presidencial, em 2000.
À guisa de uma interpretação, o PRI poderia assumir o papel que tiveram os
bolcheviques na efetivação da Revolução Russa. O partido representou a institucionalização
do processo revolucionário ao afirmar que a revolução não terminara - mesmo que os
mandatários sempre legitimassem o término da mesma.

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Todavia, a Revolução Mexicana assume uma solidão, a meu ver, numa perspectiva
comparativa com outros momentos revolucionários vivenciados no século XX. No que diz
respeito ao seu caráter social, a Revolução Mexicana, apesar de extremamente popular, não
logrou transformar toda a sociedade como almejava os setores mais pobres. Dentro dos ciclos
revolucionários do século XX e de acordo com os padrões conceituais de revolução, se
compararmos a experiência citada com a Revolução Cubana, poderíamos concluir que a
transformação social ficou comprometida pelos interesses da nova burguesia em ascensão.
Nossa proposta é analisar esse aspecto ao longo deste artigo, sem perder de vista que a
Revolução Mexicana segue na sua solidão. Como diria Octávio Paz (2006): “(...) há um
México enterrado, porém vivo. Melhor dito: há nos mexicanos, homens e mulheres, um
universo de imagens, desejos e impulsos sepultados”.

Os primórdios da Revolução Mexicana – um breve histórico

O Porfiriato ou Porfirismo na história do México foi considerado o período de 30 anos


durante o qual governou o país o general Porfirio Diaz, intermitentemente, desde 1876. Em
maio de 1911, Porfírio Díaz renunciou à presidência por força da Revolução Mexicana
liderada por Francisco Madero, Francisco Villa, Emiliano Zapata, Enrique Flores Magón e
Ricardo Flores Magón. Foi um período de estabilidade e progresso econômico do país, mas
também graves desigualdades sociais, que concluiu com um movimento social que
interrompeu as estruturas sociais e políticas econômicas do México.
Percebendo que o presidente Lerdo de Tejada tentaria a reeleição, Diaz voltou a pegar as
armas. Formado na luta pela Guerra da reforma e contra a intervenção estrangeira, Díaz
gozava de grande prestígio entre os militares e uma reputação nos círculos políticos do país o
que o levou à presidência do México para governar o período 1876-1911, com um breve
interlúdio durante o governo de Manuel González.
Nos 31 anos de Porfiriato ou Porfirismo foram construídos no México mais de 19.000
quilômetros de ferrovias para o investimento estrangeiro, o país estava ligado na rede de
telegráfica, os investimentos de capital foram feitos no exterior e promoveu a indústria. Desde
1893 foram limpas e as finanças, o crédito nacional foi melhorado e não havia muita

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confiança nos estrangeiros, organizou o sistema bancário, que foi derrubado na década de
1940 pelo o governo de Lázaro Cárdenas del Río. Na primeira década do século XX, o
porfiriato entrara na sua fase terminal. O positivismo implantado por ano de ditaduras
beneficiara as oligarquias aliadas a Porfírio Díaz.
Na primeira década do século XX, o porfiriato entrara na sua fase terminal. O
positivismo implantado por ano de ditaduras beneficiara as oligarquias aliadas a Porfírio Díaz.
As disputas do século XIX entre liberais e conservadores, com a vitória dos primeiros,
possibilitaram a entrada do México na modernidade. A herança das revoluções ocorridas na
Europa, na primeira metade do século XIX refletiam a América Latina.
Contudo, o caráter popular ou as demandas das inúmeras comunidades indígenas
ficaram à margem destas disputas. A Constituição de 1857 apresentava os direitos aos
“cidadãos”, remanescentes da antiga elite criolla e deixava de lado a inclusão dos direitos dos
verdadeiros “cidadãos” (a população indígena), remanejados para a periferia desta
modernidade que o Estado Mexicano se inseria. A Constituição nascia como “letra morta”
para os nativos

A igualdade será de hoje em diante a grande lei da república; não haverá


mais mérito que o das virtudes, não manchará o território nacional a
escravidão, opróbio da história humana; o domicílio será sagrado; a
propriedade inviolável; o trabalho e a indústria livres; a manifestação do
pensamento sem mais travas que o respeito à moral, à paz pública e à vida
privada; o trânsito, o movimento sem dificuldades, o comércio, a agricultura
sem obstáculos; os negócios do Estado examinados por todos os cidadãos;
[...] e no México, para a sua glória ante Deus e ante o mundo, será uma
verdade prática a inviolabilidade da vida humana (CONSTITUIÇÃO DE
1857 apud PRADO, 1987, p. 25).

Esta Constituição permaneceu até ser promulgada a de 1917, durante os anos


revolucionários. As disputas entre liberais e conservadores também se arrastaram até a
Ditadura de Porfírio Diaz (1884-1911). Até então, num período considerado como o de
“formação dos estados nacionais latino-americanos”, as oligarquias disputavam o poder. Um
período de grande turbulência, marcado principalmente pela desintegração do antigo sistema
colonial espanhol na América e que reverbera até hoje. Trata-se de uma etapa que ainda não se
completou na América Latina.

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O porfiriato introduziu a modernização e a continuidade dos “enclaves” no processo de


implantação do Estado mexicano no século XIX. O positivismo foi capitaneado pelas elites
dominantes para atender às novas necessidades. A vitória foi dos liberais. Porém, os
sacrifícios pesavam em cima das comunidades indígenas e camponesas:

O efeito dessa nova liberalização da terra na organização social e na


economia das comunidades camponesas foi sentido com particular
virulência: o consumo anual per capita de milho, no México, caiu dez
quilogramas entre 1895 e 1910 (de 150 para 140 quilogramas) [...] As
alianças do establishment porfiriano com os fazendeiros e a modernização
agrícola implicava desapropriação, retrocesso e subsistência precária das
aldeias camponesas (CAMÍN, 2000, p. 17)

As comunidades camponesas e indígenas foram desmanteladas e, consequentemente,


marginalizadas para atender as demandas do processo de modernização, introduzidas pelo
regime e seus intelectuais orgânicos - os científicos. O porfiriato era, assim, uma mistura de
repressão à marginalidade social com as garantias ao domínio dos haciendados - a grande
propriedade. A partir disso, as expropriações das comunidades indígenas foram acentuadas.
Podemos resumir esse período em três características: a concentração de terras nas mãos dos
grandes latifundiários; a entrada de capitais estrangeiros que atendia a etapa do capitalismo
monopolista e financeiro do século XIX, denominado de imperialismo ou neocolonialismo,
cujo capital ávido por novos mercados consumidores solapava esperanças e lutas; e, por fim, a
manutenção do México no mercado mundial, que permanecia exportador de matérias-primas,
atendendo as demandas das potências imperialistas em disputa.
Revestido de “um país livre e soberano”, governado por um ditador longevo, que
praticava a intolerância e a repressão, o país se afirmava como o grande intermediário dos
investimentos externos. Porfírio Díaz foi o típico caudilho latino-americano. Em resumo,

este afluxo de capitais estrangeiros ajuda na criação de uma infraestrutura


industrial, ainda que voltada para o exterior. Os financistas e empresários,
promotores desta obra de industrialização, tomam conta das minas fazem
crescer sua produção graças à introdução de técnicas e de máquinas
modernas [...] A política de concessões de minas do governo Díaz favorece
notadamente a indústria norte-americana; ela está em plena expansão desde a
Guerra de Secessão e tem necessidade de matérias-primas. Mas a política de

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Díaz favorece também o afluxo de capitais ingleses e franceses. (NUNES,


1980, p. 40)

Esta é a conjuntura que o México vivenciou até a revolução estourar em 1910. Um


ambiente de formação de novos mercados consumidores, de disputas entre as potências
imperialistas e de afluxo das multinacionais para a América Latina. O México se inseria na
nova etapa do capitalismo monopolista e financeiro.

O início do labirinto da solidão: explode a Revolução Mexicana de 1910

Com a derrubada de Porfírio Diaz, Madero tomou o poder em 1911 e procurou deixar
claro não somente o seu caráter reformista, mas também o estabelecimento e afirmação de
uma oligarquia que depois de muito tempo de disputa pelo poder, assumiria a presidência da
república. Consagrava-se, por pouco tempo, o projeto maderista.
O novo presidente traiu o que foi acordado no Plano de San Luis Potosí que estabelecia,
entre outras coisas, na tentativa de seduzir os camponeses, a restituição das suas terras que
foram apropriadas na Pax Porfirista. A população camponesa, o segmento da sociedade
mexicana mais humilhada por anos de exploração, foi utilizada como massa de manobra por
Madero.
Seu governo, como destaca Lorenzo Meyer e Héctor Aguillar Camín, foi
“extrordinariamente fechado com respeito a reformas sociais e à transformação dos privilégios
hereditários da velha ordem” (MEYER; CAMÍN, 2000, p. 43). Madero escorava-se na antiga
ordem dos resquícios porfiristas.
Com grande capacidade de liderança e inconformado com o sistema ditatorial de Pofírio
Diaz, Emiliano Zapata declarou seu desejo de promover a distribuição das terras de
latifundiários entre a população carente. Após o manifesto de Emiliano Zapata, o governou
mandou prendê-lo. Posto em liberdade, Zapata organizou, sob o lema "Terra e Liberdade", um
grupo de indígenas e camponeses, principalmente do sul do país, e passou a realizar ações de
guerrilha.
Uniu-se a Pancho Villa, ex-domador de cavalos, ex-bandido e guerrilheiro, que liderava
os camponeses do norte com o objetivo de combater o Exército Federal e os grandes

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proprietários, conquistando vilas e cidades. O primeiro efeito da revolução mexicana, que se


iniciou em 1910 foi a derrubada do governo ditatorial de Díaz e a ascensão de Francisco
Madero.
Emiliano Zapata propôs o Plano de Ayala, que além da reforma agrária queria a
derrubada do governo de Madero. Porém, quando Vitoriano Huerta assassinou Madero, em
1913, Zapata se recusou a unir-se ao seu governo. Huerta acabou abandonando o país,
deixando o poder em 1914 para Venustiano Carranza, líder do movimento constitucionalista.
O Plano de Ayala de 25 de novembro de 1911 denunciava e acusava o líder de “traidor da
pátria”. O documento zapatista se posicionava como antimaderista.
Os que esperavam as transformações sociais na onda revolucionária de 1910 se
decepcionaram. Emiliano Zapata, por exemplo, lutava pela reforma agrária e esta acabou
esquecida nas ações reformistas de Madero. Este último abandonara as propostas
“revolucionárias” e as aldeias zapatistas sofreram com a repressão militar incitada por suas
ações.
Mesmo sob condições adversas, a resistência zapatista materializada em lutas e revoltas
se estendeu ao longo do governo maderista. O México mergulhava numa turbulenta guerra
civil. A revolução apresentava uma crise de identidade brutal.
Após a queda de Madero através de um golpe, Victoriano Huerta (fevereiro de 1913 a
julho de 1914) assumiria o governo, considerado inconstitucional. Por essa razão, teve que
enfrentar a resistência dos zapatistas, além das forças constitucionalistas que julgavam o golpe
ilegal. Apesar disso, a restauração porfirista foi efetivada pelo novo mandatário, materializado
na sua postura como arauto da contrarrevolução.
Por outro lado, as frentes em oposição a Huerta – a resistência de Venustiano Carranza e
a do camponês defendida por Zapata e Pancho Villa - apresentavam projetos revolucionários
opostos.
O Plano de Guadalupe de 1913, criado por Carranza em sua fazenda que inspirou o
nome do plano, difundia um manifesto proclamando a resistência ao governo de Huerta.
Outrossim, desconhecia os três poderes da República, nomeando-se Primer Jefe da revolução
e comprometendo-se a convocar eleições gerai. O Plano também não incorporava nenhuma
demanda social. Nem mencionava a reforma agrária, reivindicação histórica de Zapata e

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Pancho Villa. Ao mesmo tempo, era uma forma de ganhar tempo para restaurar a legalidade
constitucional violada pelo golpe que derrubara Madero.
Após a renúncia de Huerta, Carranza assume o poder. A revolução iniciada em 1910 se
dilacerava ainda mais. A dificuldade de aceitar as demandas anunciadas pelo campesinato se
repetia nesse governo. Grande parte do establishment que se formou durante a revolução
negava-se a atender as demandas populares. Seu projeto social era burguês.
A oposição à Carranza crescia e se estendia desde o campesinato aos sindicatos
operários. O então presidente, preocupado com os rumos do seu governo, promulga a
Constituição de 1917. Esta última perdura até hoje no México e incorpora algumas
reivindicações das camadas populares.
A Constituição de 1917 caracteriza-se como moderna e liberal, uma síntese da tradição
liberal: instituiu o ensino laico, a jornada de oito horas de trabalho, a regulamentação da
expropriação de terras não cultivadas, o direito de greve, o descanso semanal, o salário
mínimo, a organização sindical; bem como definia o subsolo pertence à nação. Tratava-se de
uma grande novidade na América Latina, terreno assaz ambicionado pelos países capitalistas
por ser fornecedora de petróleo e minérios. A Revolução Mexicana, através da Constituição de
1917, consolidara um modelo de Estado planejador e promotor da divisão da riqueza a toda
nação.
Contudo, no mandato de 1917 a 1920, Carranza colocara em prática um governo
extremamente repressivo e elitista. Apesar dos direitos estabelecidos pela nova constituição, o
governante não atendeu de fato as demandas do campesinato, devolveu as terras aos antigos
donos (os latifundiários), reprimiu greves e perseguiu sindicatos e os camponeses rebeldes.
Em abril de 1919, Emiliano Zapata foi assassinado depois de uma cilada armada por Carranza.
Todas essas medidas acabaram por enfraquecer o governo. Álvaro Obregón
apresentava-se como candidato a presidente com o interesse de ganhar as eleições e
“estabilizar” a revolução. Para tanto, aliou-se aos zapatistas, numa postura clara de jogada
política. Em tese, o uso da fortuna, nos termos de Maquiavel.
Com a vitória de Obregón e o assassinato de Carranza, a revolução entrou numa nova
fase – a das instituições. Classicamente, ela é dividida em quatro fases. O que também se
caracteriza como uma apropriação do processo revolucionário, pois os mandatários se

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definiam ora como revolucionários, ora como estabilizadores ou finalizadores do processo


revolucionário.
Esse período divide- se em quatro fases: a primeira fase que vai de 1910 a 1911,
caracterizada como a luta contra o Porfiriato; a segunda de 1911 a 1913, do frágil governo de
Madero; e a terceira, a da Revolução Constitucionalista, de 1913 a 1914, e dos desmandos de
Huerta; e a quarta da fase que vai de 1914 a 1917, denominada de revolução social. Nesta
última, Carranza e Obregón tiveram que enfrentar os exércitos populares de Villa e Zapata.
Contudo, numa crítica a esta periodização que, impositivamente, terminaria com
Obregón, a Revolução Mexicana entra numa nova fase de lutas: a da institucionalização e do
personalismo, nos anos 20.

A Revolução Mexicana mergulhada nela mesma - no labirinto da solidão

A primeira revolução do século XX apresentou lutas e características singulares. Uma


das principais é a sua singularidade no que diz respeito ao caloroso debate historiográfico, à
longevidade do processo, às apropriações nas disputas por hegemonia e à pluralidade de atores
sociais envolvidos. Apesar de ter se moldado dentro de um padrão imposto pela burguesia, as
lutas eram fragmentadas e plurais.
Quando Carranza enviou à Assembleia Constituinte um projeto que se limitava a
reformar a Constituição de 1857, saiu vitorioso o que tratava das questões sociais, apresentado
e consagrado na Constituição de 1917 que reconhecia, entre outros, o direito das comunidades
campesinas terem suas demandas atendidas quando solicitassem terras para produzir, a defesa
do uso social da terra, a apropriação nacional dos recursos do subsolo e a instituição do ensino
laico. Logo, portanto a ideia de reformar a Constituição de 1857, sugerida por Carranza, não
se enquadrava às novas exigências e demandas sociais.
Dentro dos padrões de uma democracia liberal, a nova Constituição foi considerada uma
das mais progressitas. Porém, na prática, o lado social foi deixado de lado. Nesse momento,
não foram os setores populares da revolução que assumiram o governo. As velhas elites
oligárquicas do campo foram substituídas pelas novas elites burguesas em ascensão. A enorme

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massa popular foi dragada pelas forças revolucionárias burguesas que acabaram por imprimir
sua hegemonia ao processo.
O Estado Mexicano que nasceu da revolução estava longe de realizar as utopias
democráticas tão sonhadas e desejadas pelas camadas populares, por suas lideranças e pela
intelectualidade progressista. O povo se destacava apenas nas manifestações culturais, como
no muralismo mexicano de Diego Rivera, que o retratava como verdadeiro herói. Lembranças,
portanto, retratadas em imagens, nada mais.
Comparada com outras grandes revoluções do século XX – a Russa, a Chinesa e a
Cubana – que apresentam características socialistas ou de cunho nacional-popular, o México
caminhou no seu labirinto da solidão. Não transformou de baixo para cima. Repetiu um
processo moribundo que se arrastava desde o século XIX - de exploração das camadas
populares, que não cessou após anos de revolução.
Inovou, sem dúvida. Avançou. Entretanto, não permitiu às classes subalternas a
conquista da hegemonia. Para ficarmos nos exemplos revolucionários da América Latina,
como a experiência Cubana e a Sandinista, estas puderam aprofundar o debate das questões
sociais e buscaram atender os anseios populares. A Revolução Sandinista, logo após o seu
triunfo, promoveu a reforma agrária nos seguintes termos:

O segundo pilar em que se apoia a reforma agrária é o movimento


cooperativo. A finalidade principal deste movimento é incorporar milhares
de camponeses individualizados e dispersos pelo país a um processo
associativo, camponeses estes que muitas vezes ainda estão em uma fase de
transição entre o capitalismo e formas anteriores ao capitalismo. Cabe
organizar estes camponeses, inseri-los num processo de trabalho coletivo e
ensinar-lhes técnicas modernas (BORNSTEIN, 1982, p. 68).

Já a Revolução Cubana cumpria sua tarefa de atender as demandas sociais dos setores
das camadas populares, direcionado suas conquistas a esta classe:

As leis de reforma agrária, as expropriações, as nacionalizações de empresas


norte-americanas, a lei de redução dos aluguéis em 50%, a estabilidade no
emprego para os assalariados agrícolas, a campanha de alfabetização, a
redução dos preços dos livros escolares em 25%, das tarifas de eletricidade
em 30%, a redução dos preços dos remédios, o estímulo ao desenvolvimento
popular e da autogestão dos trabalhadores foram medidas que demonstravam

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o caminho a ser seguido pela revolução, o caminho do antiimperialismo e da


luta anticapitalista. (MIZUKAMI, 1998, p. 71)

Portanto, o que se percebe no México é que a proposta de aprofundar a questão social a


fim de corrigir as desigualdades que remontavam ao velho império colonial espanhol e de
“formar”1 o Estado Nacional falhou em sua trajetória.
A fase que se seguiu após o período da revolução social, denominado de
institucionalização, foi considerada por analistas como Villa, como um triunfo. Contudo, há
controvérsias, uma vez que, nos anos seguintes, o país mergulhou numa fase de violência, de
disputas com os Estados Unidos em razão da exploração do petróleo, de rebeliões militares e
até de uma revolta religiosa, a dos cristeros; a luta entre a Igreja Católica e o Estado no
México foi a causa de um conflito armado que ficou conhecido como a Guerra Cristera
(também conhecida como Guerra dos Cristeros ou Cristiada) e que se desenrolou entre 1926
e 1929. Tratou-se de um levantamento popular contra as provisões anticlericais da
Constituição Mexicana de 1917.
Quando Lázaro Cárdenas chegou à presidência em 1934, representou o ápice das
realizações dos objetivos da Revolução que se arrastava por décadas. Mais uma vez, as
mudanças ocorriam de cima para baixo, verticalmente. Enquanto na Revolução Cubana, as
transformações sociais eram vistas como um processo longo e permanente, na Mexicana, a
tarefa de resolvê-las, foi delegada à Constituição de 1917 e às instituições burguesas.
O personalismo foi também um elemento profundamente marcante na Revolução
Mexicana especialmente nos períodos em que Plutarco Elias Calles e Lázaro Cárdenas
estiveram no poder.
Em relação ao governo Calles, o “maximato” ou “chefe máximo revolução”
personalizava ou projetava as ações e imposições do mesmo por um período. O Maximato foi
um período de desenvolvimento histórico e político no México que ocorreu entre 1928 a 1934.
Este período deve seu nome a Plutarco Elías Calles, que era conhecido como El jefe máximo
de la Revolución. Elias Calles foi presidente somente no período de 1924 a 1928, mas nos seis
anos seguintes, foi sucedido por três presidentes, todos subordinados a um maior ou menor
grau de interesses e políticas do ex-presidente. Os presidentes e seus respectivos mandatos

1
Marcos Kaplan faz essa discussão no livro Formação do Estado Nacional (1974).

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foram os seguintes: Emilio Portes Gil (1928-1930), nomeado pelo Congresso para substituir o
presidente eleito Álvaro Obregón, que foi assassinado antes da posse; Pascual Ortiz Rubio
(1930-1932), eleito para completar o período; Abelardo L. Rodríguez (1932-1934), substituto
Ortiz Rubio, que renunciou. A influência do ex-presidente chegou ao fim quando Lázaro
Cárdenas del Río o expulsou para fora do país em 1936 depois de ser eleito presidente
em 1934.

O Maximato era aceito por todos e nesse sentido todos eram callistas.
Nenhuma das facções podia obter o triunfo sem o apoio de Calles, e, afinal
de contas, a posição adotada por ele definia todas as contendas e
controvérsias. Assim, todos eram callistas, inclusive os derrotados por
Calles, porque em Calles residia a possibilidade de continuar na vida política.
(VILLA, 1993, p. 54)

Porém, o maximato homiziava as contradições sociais e homogeneizava o aparato


político:

O período presidencial de Calles foi marcado ainda pela continuidade da


tensão com as companhias petrolíferas e pela não resolução das questões
relacionadas aos artigos constitucionais. Essa situação expôs dois problemas
do país no período: a ausência de um mecanismo institucional para a escolha
dos candidatos presidenciais oficiais e a utilização dessas crises por setores
do Exército para tentar impor nomes e influenciar nas escolhas políticas.
(BARBOSA, 2010:102)

Plutarco Elias Calles foi o fundador do Partido Nacional Revolucionário/PNR, precursor


do atual Partido Revolucionário Institucional/PRI. O partido controlaria o presidente eleito.
Também, de forma duvidosa, venceu todas as eleições até os anos 90.
Outro exemplo do personalismo presente na Revolução Mexicana foi o Cardenismo. A
riqueza da revolução foi tão grande que o Cardenismo se desdobrou em outro fenômeno
denominado de “populismo mexicano”. Não discutiremos, neste artigo, o fenômeno dito
populista, ressaltaremos apenas os avanços ocorridos no período em que Cárdenas foi o
presidente para ilustrar o que viemos discutindo.
O mandato de Cárdenas buscou um novo pacto entre o Estado e as classes populares.
Voltava à pauta política, numa nova fase da revolução, as questões sociais assaz essenciais

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para o debate político daquele momento: a reforma agrária, os sindicatos, a educação, a saúde,
a legislação social e trabalhista.
O novo líder se afastava do jogo em que as classe populares eram postas como “massa
de manobra” e dava autonomia à classe operária: “Cárdenas modificava uma velha tradição
dentro das fileiras revolucionárias, que consistia em ver os trabalhadores como massa
manipulável, pela sua própria desorganização incapaz de atuar por si mesma.” (PRADO,
1981, p. 29)
Madero havia representado a vitória de uma nova oligarquia, sobre a velha porfirista.
Antinomias, certamente. Em seu governo, apesar de levantar a bandeira da revolução e
afirmar que havia cumprido os objetivos democráticos, deixou à margem outros setores
revolucionários, como os representados por Zapata e Pancho Villa. Era uma cisão no
processo. Além disso, legitimou a vitória do caráter reformista, se apresentando como
revolucionário, e passou a perseguir o campesinato.
Zapata e Pancho Villa quando lançaram o Plano Ayala, em novembro de 1911,
levantaram a bandeira da reforma agrária, deixada de lado no programa político de Madero. O
clamor desses líderes, especialmente do primeiro, não era somente em defesa do campesinato,
mas buscavam apropriarem-se do processo revolucionário que não se cumprira e de denunciar
o governo de Madero como reformista e de natureza oligárquica.
Todos os governantes que se seguiram ao processo revolucionário estourado em 1910
até Cárdenas - com exceção do presidente Huerta, por ter sido considerado o “usurpador” da
ordem constitucional -, se utilizariam da apropriação do processo para se legitimar como “os
verdadeiros revolucionários”.
O maximato da era Plutarco Elias Calles a que nos referimos, criou sucessores
comprometidos com a necessidade de consolidar a revolução. Calles institucionalizou um
partido revolucionário, o PNR, e o controlaria mesmo quando não ocupava mais a presidência.
Depois de anos desse regime, Lázaro Cárdenas rompeu com seu líder máximo Calles. Esse
momento representa o fim de uma fase da revolução e o início de uma nova, a do cardenismo.
Quando Calles foi expulso do país, Lázaro Cárdenas, no mesmo dia, 10 de abril de
1936, resgatava em homenagem o líder indígena Emiliano Zapata: “cooptando post-mortem
os heróis revolucionários camponeses no panteão oficial” (PRADO, 1993, p. 64).

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Contudo, ainda assim, uma das grandes injustiças da Revolução Mexicana foi o não
reconhecimento do papel do campesinato nas fileiras revolucionárias e, consequentemente, de
suas lideranças como o próprio Zapata. O campesinato foi o que mais denunciou os rumos
tomados pela revolução, bem como foi a classe que mais impulsionou o processo. Suas
demandas foram apropriadas nos discursos dos ditos “revolucionários” da classe burguesa,
porém, com o objetivo subjacente de esvaziar o conteúdo de uma reforma agrária justa,
igualitária e ampla.
O campesinato e o líder Zapata formavam, no Sul do México, uma frente popular de
suma importância para encetar o espírito revolucionário.

O fato de Zapata assumir a liderança do exército zapatista representou não


apenas uma mudança de perfil, mas uma revolução na organização das forças
camponesas. Torres Burgos fora designado por Madero para liderar a revolta
do sul, ou seja, esse personagem era o porta-voz das posições do maderismo.
Zapata, ao contrário, foi eleito de acordo com o antigo costume dos povos e
comunidades indígenas: pela eleição dos representantes mais respeitados
dessas comunidades – em sua maioria pessoas idosas – com base no
prestígio, respeito e qualidade ética que a pessoas despertava junto ao grupo.
Nesse sentido, o exército zapatista era verdadeiramente popular e
democrático (BUSTOS, 2008, p. 88).

A luta do campesinato se remetia ao século XIX. Uma luta antiga e que encontrava na
revolução esperanças de melhorias de vida, que se realizariam com a reforma agrária.
Outra característica presente na revolução é a longevidade. Foram longos anos, com
altos e baixos, avanços e retrocessos. Suas reverberações repercutem até os dias atuais.
Quando estourou, a Revolução Mexicana não foi vista somente como um momento de
felicidade por ter rompido com os anos da ditadura porfirista, mas também de esperanças de
transformação que as camadas populares ansiavam.
A Constituição de 1917 permitiu o avanço em muitos aspectos sociais. Contudo, as
disputas pelo poder deixaram o campo social minado e esgotado de possibilidades. A questão
agrária foi a mais atingida. As comunidades indígenas foram as mais violadas. Sem contar o
não reconhecimento de sua participação no processo por parte de algumas autoridades.
As reverberações desse não reconhecimento por parte do Estado Mexicano culminaram
no renascimento do movimento zapatista, em Chiapas, em 1994. E, mais recentemente, nas

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eleições de 1997, para a Prefeitura da Cidade do México, na qual o PRI, depois de mais de
setenta anos no poder, perdeu sua hegemonia. Em 2000, essa derrota se repetiria no plano
Federal, com a vitória de Vicente Fox, pelo Partido Ação Nacional, o PAN. Em 2006, a
possibilidade de Obrador, o candidato da esquerda, vencer as eleições ficaram muito
próximas. Até hoje existem dúvidas sobre vitória de seu adversário, Calderón. De toda
maneira, a hegemonia do PRI foi finalmente rompida.
Atualmente, os sujeitos históricos se movem em uma nova direção, recriando suas
forças e expectativas. A nova configuração política é uma resposta ao esgotamento da
institucionalização da revolução. O México contemporâneo precisa encontrar novos caminhos.
O tempo é de se repensar. O PRI unicamente, não atende mais às expectativas da população
mexicana, o que ficou evidente nos últimos pleitos.
O país desperta. Em 1° de janeiro 1994, quando entrou em vigor o Tratado de Livre-
Comércio da América do Norte com os Estados Unidos e o Canadá, o NAFTA, eclodia o
movimento indígena em Chiapas através do Exército Zapatista de Libertação Nacional
(EZLN), uma reatualização da luta indígena do início do século.
Essas reverberações também refletem na intelectualidade mexicana que, questiona, nos
últimos anos, as mazelas da sociedade mexicana a partir da ótica da revolução. O escritor
Carlos Fuentes, por exemplo, em seu livro Os anos com Laura Díaz (2000) mostra os
dilaceramentos sociais do século XX e o impacto da revolução em seu país.
Em outro livro, A fronteira de cristal, Fuentes ressalta a força da vida mexicana que
parece sobreviver a todas as agressões da injustiça, corrupção e mau governo. Além de
apresentar os males e percalços que os mexicanos passam devido à proximidade com os
Estados Unidos: discriminação, exploração, brutalidade sexual, entre outros.
Octávio Paz, autor que escreveu o livro O labirinto da solidão, título que me apropriei
para escrever este artigo, afirma que: “o mexicano não é uma essência, mas sim uma história”
(PAZ, 1984).
Em suma, aí estão alguns dos caminhos e descaminhos da centenária Revolução
Mexicana: início, fases, reflexões, reverberações, longevidade, institucionalizações,
personalismo, apropriações, indicações, denúncias e novas proposições.

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Conclusão

O México é um exemplo do que ocorre na América Latina contemporânea, isto é, a


questão da formação do Estado Nacional que ainda está por se completar. Um problema que
está colocado devido a permanente busca pela soberania popular e pela unidade do povo
latino-americano.
Da mesma forma, a Venezuela, o Equador e a Bolívia apresentam fortes movimentos
sociais que vêm reivindicando lutas que remontam a problemas do século XIX e XX. Nestes
séculos, não foi possível conquistar os espaços para consolidar as grandes demandas da
população mais pobre.
O México é parte desse contexto. A sua revolução, pioneira do século XX, não permitiu
que o povo liderasse o processo. Não ocorreu a hegemonia das classes subalternas. Resultou
em um reformismo, revestido de revolução. Foi um movimento policlassista que consolidou
um novo “pacto social” entre a burguesia industrial nascente, as classes médias rurais, o
campesinato e o operariado. Porém, os interesses destes dois últimos ficaram a reboque dos da
primeira.
Nos aspectos teóricos, as interpretações foram várias: a revolução não é nem burguesa,
nem socialista. Para Arnaldo Cordova (1973), a Revolução Mexicana foi populista, uma
síntese do regime oligárquico e do avanço socialista. Assumiria feições do liberalismo burguês
(rotatividade do poder, eleições periódicas, legislativo etc.) convivendo com outro programa
que atenderia as demandas do campesinato, liderado por Zapata. Portanto, seria fruto de uma
dupla revolução: a das elites sufocadas por Porfírio Diaz e a das massas camponesas de
sangue indígena.
Foi, por fim, uma revolução que criou uma vanguarda partidária e revolucionária, o PRI,
e fez emergir uma nova burguesia que tentou acelerar o desenvolvimento do capitalismo, mas
que, ao mesmo tempo, levou o país a um quadro de estagnação socioeconômica.

Historicamente, nada houve de definitivo em seus principais resultados


econômicos e sociais: as mesmas grandes companhias existiam como antes,
mais algumas novas dependentes mais do que nunca dos mercados e bancos
norte-americanos; uma população que a guerra, a emigração e a gripe haviam
reduzido de 15 milhões para cerca de 14,7 milhões; uma dívida externa em

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torno de um bilhão de pesos, além dos mais 300 milhões de pesos em juros
vencidos; um excedente de receita que chagava a três milhões de pesos por
ano; um exército de quase 100 mil homens, que exigia 62 por cento do
orçamento; confederações nacionais de comerciantes e industriais; uma
confederação nacional em disputas com os sindicatos ferroviários do país e
os novos movimentos sindicalistas; e uma classe camponesa em sua grande
maioria ainda sem terra, que continuava a exigir suas próprias terras
(HOMACK, 2002, p. 190).

Entretanto, sem dúvidas, a Revolução Mexicana produziu uma das lideranças populares
mais representativas do continente americano: Emiliano Zapata. Como “marginalizado”, este
último poderia seguir por dois caminhos: se tornar um criminoso ou um revolucionário. Optou
pelo segundo, porém, não lhe faltaram acusações de ser um “bandido” ou um fora da lei. Sua
representação reverbera no México atual. Marcos Zapata resgatou em Chiapas a autonomia
zapatista. Seu exército armado não se utilizou do mesmo tipo de rebeldia do exército zapatista
dos tempos da revolução, mas alcançou uma grande repercussão midiática. Trata-se de uma
alternativa, nos tempos atuais, de construção de uma outra modernidade possível. Numa
perspectiva comparada, Emiliano Zapata fora um homem do seu tempo, das suas razões, ícone
e único:

O movimento de Zapata foi inteiramente regional, seu líder foi morto em 1919, suas
forças militares não tinham grande peso. No entanto, foi esse movimento que injetou
o elemento de reforma agrária na Revolução Mexicana. Os salteadores produziram
um caudillo em potencial e uma lenda – a do único líder mexicano que tentou invadir
a terra dos gringos no século XX. O movimento camponês de Morelos produziu uma
revolução social, umas das três que merecem este nome na história da América
Latina.

Já Marcos Zapata representa uma liderança moderna que emerge no momento que é
assinado o Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio), entre Estados Unidos,
México e Canadá, e que novas demandas se manifestam de Chiapas exigindo autonomia e
ampliação dos direitos indígenas. Homens em tempos diferentes, mas de lutas que são o
reflexo das mesmas contradições históricas.
Em suma, o México tornou-se emblemático de uma experiência na qual a reforma
agrária, se tomada como mera distribuição de terras, não resolve as questões sociais, pois, ao
fim, não atende as demandas históricas da população.

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Hoje, pouco depois de seu centenário, a Revolução Mexicana segue num labirinto da
solidão, sem a repercussão equivalente a das outras revoluções que ocorreram na América
Latina. Que nos próximos anos, essa, que foi a pioneira do século XX, possa ser resgatada e
colocada em seu devido lugar junto aos panteões dos grandes processos latino-americanos.

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