Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Jorge - Jose - Barros Caminhos e Descaminhos Da Rev Mex
Jorge - Jose - Barros Caminhos e Descaminhos Da Rev Mex
O labirinto da solidão:
Os caminhos e descaminhos da Revolução Mexicana*
Introdução
Poderá ser truísmo dizer que a libertação e liberdade não são a mesma coisa;
que a libertação pode ser a condição da liberdade, mas que de modo nenhum
conduz automaticamente a ela; que a noção de liberdade implicada na
libertação só poder ser negativa e, portanto, que até a intenção de libertar não
é idêntica ao desejo de liberdade. (ARENDT, 2001:33)
*
Artigo recebido em novembro de 2011 e aprovado para publicação em fevereiro de 2012.
∗∗
Doutorando pelo PPGHC/UFRJ. Professor Substituto de História da América e Contemporânea na UERJ/FFP
56
[O LABIRINTO DA SOLIDÃO: OS CAMINHOS E DESCAMINHOS DA REVOLUÇÃO MEXICANA *
JORGE JOSÉ BARROS DE SOUZA]
O que ligava a Igreja não só a reacionários anacrônicos mas aos fascistas era
um ódio comum pelo Iluminismo do século XVIII, pela Revolução Francesa
e por tudo o que na sua opinião dela derivava: democracia, liberalismo e,
claro, mais marcadamente, o “comunismo ateu”. (HOBSBAWM, 1995:118)
As Revoluções dos séculos XIX e XX, como apontado anteriormente, foram de diversas
naturezas. Cada uma delas, conforme sua necessidade buscou a transformação da sociedade.
Contudo, as do século XX foram bem diferentes entre si e mais ainda das que ocorreram no
século XIX. As do século XX aprofundaram os questionamentos que, evidentemente,
mudaram, diferenciando-se dos ocorridos no século XIX.
As ideologias plantadas no século XIX, isto é, socialismo, liberalismo e nacionalismo,
germinaram, portanto, no século XX. Brotaram no campo social, político, econômico e,
sobretudo, no ideológico. As revoluções do século XX foram mais decisivas e objetivas. Elas
não se prenderam em ondas revolucionárias como as ocorridas no século XIX. Elas
mergulharam num radicalismo. Elas tinham como teoria e prática transformar em todos os
aspectos a sociedade. As revoluções do século XIX ficaram num projeto, num esboço. As do
século XX se concretizaram.
A Revolução Mexicana surgiu neste contexto. Sua natureza, fenômeno ou essência
revolucionária encetou inúmeras interpretações. Sem sombra de dúvida foi a primeira
revolução social a acontecer no século XX, antes mesmo da chamada “Revolução Mundial” –
a Revolução Russa de 1917.
O “eurocentrismo” assaz presente de forma hegemônica no “fazer história”, não deu à
Revolução Mexicana a consideração e o vanguardismo que realmente ela mereceu na
conjuntura dos ciclos revolucionários do século XX.
57
Ano 2, n° 2 | 2012, verão
[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ NUESTRA AMÉRICA] ISSN [2236-4846]
58
[O LABIRINTO DA SOLIDÃO: OS CAMINHOS E DESCAMINHOS DA REVOLUÇÃO MEXICANA *
JORGE JOSÉ BARROS DE SOUZA]
Todavia, a Revolução Mexicana assume uma solidão, a meu ver, numa perspectiva
comparativa com outros momentos revolucionários vivenciados no século XX. No que diz
respeito ao seu caráter social, a Revolução Mexicana, apesar de extremamente popular, não
logrou transformar toda a sociedade como almejava os setores mais pobres. Dentro dos ciclos
revolucionários do século XX e de acordo com os padrões conceituais de revolução, se
compararmos a experiência citada com a Revolução Cubana, poderíamos concluir que a
transformação social ficou comprometida pelos interesses da nova burguesia em ascensão.
Nossa proposta é analisar esse aspecto ao longo deste artigo, sem perder de vista que a
Revolução Mexicana segue na sua solidão. Como diria Octávio Paz (2006): “(...) há um
México enterrado, porém vivo. Melhor dito: há nos mexicanos, homens e mulheres, um
universo de imagens, desejos e impulsos sepultados”.
59
Ano 2, n° 2 | 2012, verão
[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ NUESTRA AMÉRICA] ISSN [2236-4846]
confiança nos estrangeiros, organizou o sistema bancário, que foi derrubado na década de
1940 pelo o governo de Lázaro Cárdenas del Río. Na primeira década do século XX, o
porfiriato entrara na sua fase terminal. O positivismo implantado por ano de ditaduras
beneficiara as oligarquias aliadas a Porfírio Díaz.
Na primeira década do século XX, o porfiriato entrara na sua fase terminal. O
positivismo implantado por ano de ditaduras beneficiara as oligarquias aliadas a Porfírio Díaz.
As disputas do século XIX entre liberais e conservadores, com a vitória dos primeiros,
possibilitaram a entrada do México na modernidade. A herança das revoluções ocorridas na
Europa, na primeira metade do século XIX refletiam a América Latina.
Contudo, o caráter popular ou as demandas das inúmeras comunidades indígenas
ficaram à margem destas disputas. A Constituição de 1857 apresentava os direitos aos
“cidadãos”, remanescentes da antiga elite criolla e deixava de lado a inclusão dos direitos dos
verdadeiros “cidadãos” (a população indígena), remanejados para a periferia desta
modernidade que o Estado Mexicano se inseria. A Constituição nascia como “letra morta”
para os nativos
60
[O LABIRINTO DA SOLIDÃO: OS CAMINHOS E DESCAMINHOS DA REVOLUÇÃO MEXICANA *
JORGE JOSÉ BARROS DE SOUZA]
61
Ano 2, n° 2 | 2012, verão
[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ NUESTRA AMÉRICA] ISSN [2236-4846]
Com a derrubada de Porfírio Diaz, Madero tomou o poder em 1911 e procurou deixar
claro não somente o seu caráter reformista, mas também o estabelecimento e afirmação de
uma oligarquia que depois de muito tempo de disputa pelo poder, assumiria a presidência da
república. Consagrava-se, por pouco tempo, o projeto maderista.
O novo presidente traiu o que foi acordado no Plano de San Luis Potosí que estabelecia,
entre outras coisas, na tentativa de seduzir os camponeses, a restituição das suas terras que
foram apropriadas na Pax Porfirista. A população camponesa, o segmento da sociedade
mexicana mais humilhada por anos de exploração, foi utilizada como massa de manobra por
Madero.
Seu governo, como destaca Lorenzo Meyer e Héctor Aguillar Camín, foi
“extrordinariamente fechado com respeito a reformas sociais e à transformação dos privilégios
hereditários da velha ordem” (MEYER; CAMÍN, 2000, p. 43). Madero escorava-se na antiga
ordem dos resquícios porfiristas.
Com grande capacidade de liderança e inconformado com o sistema ditatorial de Pofírio
Diaz, Emiliano Zapata declarou seu desejo de promover a distribuição das terras de
latifundiários entre a população carente. Após o manifesto de Emiliano Zapata, o governou
mandou prendê-lo. Posto em liberdade, Zapata organizou, sob o lema "Terra e Liberdade", um
grupo de indígenas e camponeses, principalmente do sul do país, e passou a realizar ações de
guerrilha.
Uniu-se a Pancho Villa, ex-domador de cavalos, ex-bandido e guerrilheiro, que liderava
os camponeses do norte com o objetivo de combater o Exército Federal e os grandes
62
[O LABIRINTO DA SOLIDÃO: OS CAMINHOS E DESCAMINHOS DA REVOLUÇÃO MEXICANA *
JORGE JOSÉ BARROS DE SOUZA]
63
Ano 2, n° 2 | 2012, verão
[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ NUESTRA AMÉRICA] ISSN [2236-4846]
Pancho Villa. Ao mesmo tempo, era uma forma de ganhar tempo para restaurar a legalidade
constitucional violada pelo golpe que derrubara Madero.
Após a renúncia de Huerta, Carranza assume o poder. A revolução iniciada em 1910 se
dilacerava ainda mais. A dificuldade de aceitar as demandas anunciadas pelo campesinato se
repetia nesse governo. Grande parte do establishment que se formou durante a revolução
negava-se a atender as demandas populares. Seu projeto social era burguês.
A oposição à Carranza crescia e se estendia desde o campesinato aos sindicatos
operários. O então presidente, preocupado com os rumos do seu governo, promulga a
Constituição de 1917. Esta última perdura até hoje no México e incorpora algumas
reivindicações das camadas populares.
A Constituição de 1917 caracteriza-se como moderna e liberal, uma síntese da tradição
liberal: instituiu o ensino laico, a jornada de oito horas de trabalho, a regulamentação da
expropriação de terras não cultivadas, o direito de greve, o descanso semanal, o salário
mínimo, a organização sindical; bem como definia o subsolo pertence à nação. Tratava-se de
uma grande novidade na América Latina, terreno assaz ambicionado pelos países capitalistas
por ser fornecedora de petróleo e minérios. A Revolução Mexicana, através da Constituição de
1917, consolidara um modelo de Estado planejador e promotor da divisão da riqueza a toda
nação.
Contudo, no mandato de 1917 a 1920, Carranza colocara em prática um governo
extremamente repressivo e elitista. Apesar dos direitos estabelecidos pela nova constituição, o
governante não atendeu de fato as demandas do campesinato, devolveu as terras aos antigos
donos (os latifundiários), reprimiu greves e perseguiu sindicatos e os camponeses rebeldes.
Em abril de 1919, Emiliano Zapata foi assassinado depois de uma cilada armada por Carranza.
Todas essas medidas acabaram por enfraquecer o governo. Álvaro Obregón
apresentava-se como candidato a presidente com o interesse de ganhar as eleições e
“estabilizar” a revolução. Para tanto, aliou-se aos zapatistas, numa postura clara de jogada
política. Em tese, o uso da fortuna, nos termos de Maquiavel.
Com a vitória de Obregón e o assassinato de Carranza, a revolução entrou numa nova
fase – a das instituições. Classicamente, ela é dividida em quatro fases. O que também se
caracteriza como uma apropriação do processo revolucionário, pois os mandatários se
64
[O LABIRINTO DA SOLIDÃO: OS CAMINHOS E DESCAMINHOS DA REVOLUÇÃO MEXICANA *
JORGE JOSÉ BARROS DE SOUZA]
65
Ano 2, n° 2 | 2012, verão
[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ NUESTRA AMÉRICA] ISSN [2236-4846]
massa popular foi dragada pelas forças revolucionárias burguesas que acabaram por imprimir
sua hegemonia ao processo.
O Estado Mexicano que nasceu da revolução estava longe de realizar as utopias
democráticas tão sonhadas e desejadas pelas camadas populares, por suas lideranças e pela
intelectualidade progressista. O povo se destacava apenas nas manifestações culturais, como
no muralismo mexicano de Diego Rivera, que o retratava como verdadeiro herói. Lembranças,
portanto, retratadas em imagens, nada mais.
Comparada com outras grandes revoluções do século XX – a Russa, a Chinesa e a
Cubana – que apresentam características socialistas ou de cunho nacional-popular, o México
caminhou no seu labirinto da solidão. Não transformou de baixo para cima. Repetiu um
processo moribundo que se arrastava desde o século XIX - de exploração das camadas
populares, que não cessou após anos de revolução.
Inovou, sem dúvida. Avançou. Entretanto, não permitiu às classes subalternas a
conquista da hegemonia. Para ficarmos nos exemplos revolucionários da América Latina,
como a experiência Cubana e a Sandinista, estas puderam aprofundar o debate das questões
sociais e buscaram atender os anseios populares. A Revolução Sandinista, logo após o seu
triunfo, promoveu a reforma agrária nos seguintes termos:
Já a Revolução Cubana cumpria sua tarefa de atender as demandas sociais dos setores
das camadas populares, direcionado suas conquistas a esta classe:
66
[O LABIRINTO DA SOLIDÃO: OS CAMINHOS E DESCAMINHOS DA REVOLUÇÃO MEXICANA *
JORGE JOSÉ BARROS DE SOUZA]
1
Marcos Kaplan faz essa discussão no livro Formação do Estado Nacional (1974).
67
Ano 2, n° 2 | 2012, verão
[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ NUESTRA AMÉRICA] ISSN [2236-4846]
foram os seguintes: Emilio Portes Gil (1928-1930), nomeado pelo Congresso para substituir o
presidente eleito Álvaro Obregón, que foi assassinado antes da posse; Pascual Ortiz Rubio
(1930-1932), eleito para completar o período; Abelardo L. Rodríguez (1932-1934), substituto
Ortiz Rubio, que renunciou. A influência do ex-presidente chegou ao fim quando Lázaro
Cárdenas del Río o expulsou para fora do país em 1936 depois de ser eleito presidente
em 1934.
O Maximato era aceito por todos e nesse sentido todos eram callistas.
Nenhuma das facções podia obter o triunfo sem o apoio de Calles, e, afinal
de contas, a posição adotada por ele definia todas as contendas e
controvérsias. Assim, todos eram callistas, inclusive os derrotados por
Calles, porque em Calles residia a possibilidade de continuar na vida política.
(VILLA, 1993, p. 54)
68
[O LABIRINTO DA SOLIDÃO: OS CAMINHOS E DESCAMINHOS DA REVOLUÇÃO MEXICANA *
JORGE JOSÉ BARROS DE SOUZA]
para o debate político daquele momento: a reforma agrária, os sindicatos, a educação, a saúde,
a legislação social e trabalhista.
O novo líder se afastava do jogo em que as classe populares eram postas como “massa
de manobra” e dava autonomia à classe operária: “Cárdenas modificava uma velha tradição
dentro das fileiras revolucionárias, que consistia em ver os trabalhadores como massa
manipulável, pela sua própria desorganização incapaz de atuar por si mesma.” (PRADO,
1981, p. 29)
Madero havia representado a vitória de uma nova oligarquia, sobre a velha porfirista.
Antinomias, certamente. Em seu governo, apesar de levantar a bandeira da revolução e
afirmar que havia cumprido os objetivos democráticos, deixou à margem outros setores
revolucionários, como os representados por Zapata e Pancho Villa. Era uma cisão no
processo. Além disso, legitimou a vitória do caráter reformista, se apresentando como
revolucionário, e passou a perseguir o campesinato.
Zapata e Pancho Villa quando lançaram o Plano Ayala, em novembro de 1911,
levantaram a bandeira da reforma agrária, deixada de lado no programa político de Madero. O
clamor desses líderes, especialmente do primeiro, não era somente em defesa do campesinato,
mas buscavam apropriarem-se do processo revolucionário que não se cumprira e de denunciar
o governo de Madero como reformista e de natureza oligárquica.
Todos os governantes que se seguiram ao processo revolucionário estourado em 1910
até Cárdenas - com exceção do presidente Huerta, por ter sido considerado o “usurpador” da
ordem constitucional -, se utilizariam da apropriação do processo para se legitimar como “os
verdadeiros revolucionários”.
O maximato da era Plutarco Elias Calles a que nos referimos, criou sucessores
comprometidos com a necessidade de consolidar a revolução. Calles institucionalizou um
partido revolucionário, o PNR, e o controlaria mesmo quando não ocupava mais a presidência.
Depois de anos desse regime, Lázaro Cárdenas rompeu com seu líder máximo Calles. Esse
momento representa o fim de uma fase da revolução e o início de uma nova, a do cardenismo.
Quando Calles foi expulso do país, Lázaro Cárdenas, no mesmo dia, 10 de abril de
1936, resgatava em homenagem o líder indígena Emiliano Zapata: “cooptando post-mortem
os heróis revolucionários camponeses no panteão oficial” (PRADO, 1993, p. 64).
69
Ano 2, n° 2 | 2012, verão
[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ NUESTRA AMÉRICA] ISSN [2236-4846]
Contudo, ainda assim, uma das grandes injustiças da Revolução Mexicana foi o não
reconhecimento do papel do campesinato nas fileiras revolucionárias e, consequentemente, de
suas lideranças como o próprio Zapata. O campesinato foi o que mais denunciou os rumos
tomados pela revolução, bem como foi a classe que mais impulsionou o processo. Suas
demandas foram apropriadas nos discursos dos ditos “revolucionários” da classe burguesa,
porém, com o objetivo subjacente de esvaziar o conteúdo de uma reforma agrária justa,
igualitária e ampla.
O campesinato e o líder Zapata formavam, no Sul do México, uma frente popular de
suma importância para encetar o espírito revolucionário.
A luta do campesinato se remetia ao século XIX. Uma luta antiga e que encontrava na
revolução esperanças de melhorias de vida, que se realizariam com a reforma agrária.
Outra característica presente na revolução é a longevidade. Foram longos anos, com
altos e baixos, avanços e retrocessos. Suas reverberações repercutem até os dias atuais.
Quando estourou, a Revolução Mexicana não foi vista somente como um momento de
felicidade por ter rompido com os anos da ditadura porfirista, mas também de esperanças de
transformação que as camadas populares ansiavam.
A Constituição de 1917 permitiu o avanço em muitos aspectos sociais. Contudo, as
disputas pelo poder deixaram o campo social minado e esgotado de possibilidades. A questão
agrária foi a mais atingida. As comunidades indígenas foram as mais violadas. Sem contar o
não reconhecimento de sua participação no processo por parte de algumas autoridades.
As reverberações desse não reconhecimento por parte do Estado Mexicano culminaram
no renascimento do movimento zapatista, em Chiapas, em 1994. E, mais recentemente, nas
70
[O LABIRINTO DA SOLIDÃO: OS CAMINHOS E DESCAMINHOS DA REVOLUÇÃO MEXICANA *
JORGE JOSÉ BARROS DE SOUZA]
eleições de 1997, para a Prefeitura da Cidade do México, na qual o PRI, depois de mais de
setenta anos no poder, perdeu sua hegemonia. Em 2000, essa derrota se repetiria no plano
Federal, com a vitória de Vicente Fox, pelo Partido Ação Nacional, o PAN. Em 2006, a
possibilidade de Obrador, o candidato da esquerda, vencer as eleições ficaram muito
próximas. Até hoje existem dúvidas sobre vitória de seu adversário, Calderón. De toda
maneira, a hegemonia do PRI foi finalmente rompida.
Atualmente, os sujeitos históricos se movem em uma nova direção, recriando suas
forças e expectativas. A nova configuração política é uma resposta ao esgotamento da
institucionalização da revolução. O México contemporâneo precisa encontrar novos caminhos.
O tempo é de se repensar. O PRI unicamente, não atende mais às expectativas da população
mexicana, o que ficou evidente nos últimos pleitos.
O país desperta. Em 1° de janeiro 1994, quando entrou em vigor o Tratado de Livre-
Comércio da América do Norte com os Estados Unidos e o Canadá, o NAFTA, eclodia o
movimento indígena em Chiapas através do Exército Zapatista de Libertação Nacional
(EZLN), uma reatualização da luta indígena do início do século.
Essas reverberações também refletem na intelectualidade mexicana que, questiona, nos
últimos anos, as mazelas da sociedade mexicana a partir da ótica da revolução. O escritor
Carlos Fuentes, por exemplo, em seu livro Os anos com Laura Díaz (2000) mostra os
dilaceramentos sociais do século XX e o impacto da revolução em seu país.
Em outro livro, A fronteira de cristal, Fuentes ressalta a força da vida mexicana que
parece sobreviver a todas as agressões da injustiça, corrupção e mau governo. Além de
apresentar os males e percalços que os mexicanos passam devido à proximidade com os
Estados Unidos: discriminação, exploração, brutalidade sexual, entre outros.
Octávio Paz, autor que escreveu o livro O labirinto da solidão, título que me apropriei
para escrever este artigo, afirma que: “o mexicano não é uma essência, mas sim uma história”
(PAZ, 1984).
Em suma, aí estão alguns dos caminhos e descaminhos da centenária Revolução
Mexicana: início, fases, reflexões, reverberações, longevidade, institucionalizações,
personalismo, apropriações, indicações, denúncias e novas proposições.
71
Ano 2, n° 2 | 2012, verão
[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ NUESTRA AMÉRICA] ISSN [2236-4846]
Conclusão
72
[O LABIRINTO DA SOLIDÃO: OS CAMINHOS E DESCAMINHOS DA REVOLUÇÃO MEXICANA *
JORGE JOSÉ BARROS DE SOUZA]
torno de um bilhão de pesos, além dos mais 300 milhões de pesos em juros
vencidos; um excedente de receita que chagava a três milhões de pesos por
ano; um exército de quase 100 mil homens, que exigia 62 por cento do
orçamento; confederações nacionais de comerciantes e industriais; uma
confederação nacional em disputas com os sindicatos ferroviários do país e
os novos movimentos sindicalistas; e uma classe camponesa em sua grande
maioria ainda sem terra, que continuava a exigir suas próprias terras
(HOMACK, 2002, p. 190).
Entretanto, sem dúvidas, a Revolução Mexicana produziu uma das lideranças populares
mais representativas do continente americano: Emiliano Zapata. Como “marginalizado”, este
último poderia seguir por dois caminhos: se tornar um criminoso ou um revolucionário. Optou
pelo segundo, porém, não lhe faltaram acusações de ser um “bandido” ou um fora da lei. Sua
representação reverbera no México atual. Marcos Zapata resgatou em Chiapas a autonomia
zapatista. Seu exército armado não se utilizou do mesmo tipo de rebeldia do exército zapatista
dos tempos da revolução, mas alcançou uma grande repercussão midiática. Trata-se de uma
alternativa, nos tempos atuais, de construção de uma outra modernidade possível. Numa
perspectiva comparada, Emiliano Zapata fora um homem do seu tempo, das suas razões, ícone
e único:
O movimento de Zapata foi inteiramente regional, seu líder foi morto em 1919, suas
forças militares não tinham grande peso. No entanto, foi esse movimento que injetou
o elemento de reforma agrária na Revolução Mexicana. Os salteadores produziram
um caudillo em potencial e uma lenda – a do único líder mexicano que tentou invadir
a terra dos gringos no século XX. O movimento camponês de Morelos produziu uma
revolução social, umas das três que merecem este nome na história da América
Latina.
Já Marcos Zapata representa uma liderança moderna que emerge no momento que é
assinado o Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio), entre Estados Unidos,
México e Canadá, e que novas demandas se manifestam de Chiapas exigindo autonomia e
ampliação dos direitos indígenas. Homens em tempos diferentes, mas de lutas que são o
reflexo das mesmas contradições históricas.
Em suma, o México tornou-se emblemático de uma experiência na qual a reforma
agrária, se tomada como mera distribuição de terras, não resolve as questões sociais, pois, ao
fim, não atende as demandas históricas da população.
73
Ano 2, n° 2 | 2012, verão
[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ NUESTRA AMÉRICA] ISSN [2236-4846]
Hoje, pouco depois de seu centenário, a Revolução Mexicana segue num labirinto da
solidão, sem a repercussão equivalente a das outras revoluções que ocorreram na América
Latina. Que nos próximos anos, essa, que foi a pioneira do século XX, possa ser resgatada e
colocada em seu devido lugar junto aos panteões dos grandes processos latino-americanos.
Bibliografia
74
[O LABIRINTO DA SOLIDÃO: OS CAMINHOS E DESCAMINHOS DA REVOLUÇÃO MEXICANA *
JORGE JOSÉ BARROS DE SOUZA]
75