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Universidade Estadual de Alagoas — UNEAL

Campus I — Arapiraca
Curso: História
Disciplina: História Moderna II

O CONCEITO DE REVOLUÇÃO

Texto extraído de:


Silva, Kalina Vanderlei. Dicionário de Conceitos Históricos/Kalina Vanderlei Silva, Maciel
Henrique Silva. 3a ed., 2a reimpressão. - São Paulo: Contexto, 2003.

REVOLUÇÃO

Palavra muito utilizada pela historiografia, revolução é urna das poucas categorias
das Ciências Sociais cujo significado não é controvertido. O problema, quando existe, está
no emprego político do termo, pois revolução é às vezes utilizada com o sentido de golpe
ou reforma. Primeiro, vamos definir uma revolução como um processo de mudança
das estruturas sociais. A palavra surgiu durante o Renascimento corno referência ao
movimento dos corpos celestes, ganhando um significado político apenas no século
xvii, com a Revolução Inglesa. Nesse período, revolução significava retorno à ordem
política anterior que tinha sido alterada por turbulências. Assim, naquele momento, a
Revolução Inglesa não foi entendida como a guerra civil e a ascensão de Cromwell, mas
a volta à monarquia. Somente com a Revolução Francesa o termo ganhou o significado
que tem hoje: o de uma mudança estrutural, convulsiva e insurrecional.
Hector Bruit define urna revolução como =fenômeno político-social de mudança
radical na estrutura social; um confronto entre a classe que detém o poder do Estado e as
classes que se acham excluídas desse poder. Revolução é, assim, um confronto de classes.
O autor apresenta ainda algumas das características mais marcantes de uma revolução:
a rapidez com que as mudanças são processadas durante esse fenômeno e a violência
com que são feitas. Nesse sentido, uma revolução é sempre traumática porque tira a
sociedade de sua inércia, movimentando a estrutura social. Logo, toda revolução é vista
negativamente por seus contemporâneos.
Bruit trabalha com um tipo especifico de revolução, aquela com base social e po-
lítica. Mas o termo pode ser aplicado a diferentes áreas da vida humana: revolução
politiza, revolução cultural, revolução tecnológica. Assim como a contextos históricos,
como Revolução Francesa, Revolução Industrial. Revolução, como categoria de análise,
significa todo e qualquer fenômeno que transforma radicalmente as estruturas de uma
sociedade; quaisquer estruturas, e não apenas estruturas políticas, económicas e sociais.
Na perspectiva política, a historiografia costuma classificar dois tipos principais de
revolução: as revoluções burguesas e as revoluções proletárias. Os principais modelos
são, respectivamente, a Revolução Francesa e a Revolução Russa.
A revolução burguesa, diz Modesto Florenzano, é um conceito adotado para
definir os fenômenos históricos protagonizados pela burguesia ou aqueles dos quais
ela foi beneficiada. Esse conceito está contextualizado no momento histórico do
nascimento do Capitalismo e de transformação da sociedade feudal em sociedade
burguesa, entre 1770 e 1850. Apesar da revolução burguesa clássica ser a Revolução
Francesa, as alterações políticas na Inglaterra entre 1640 e 1660 também são assim
descritas. Florenzano define ainda classe revolucionária: uma classe capaz de pôr
em prática um novo projeto social e de estabelecer uma nova sociedade. Florenzano,
como Bruit, considera que a revolução é um movimento de classe. Assim, para que
haja uma revolução é preciso primeiro que haja um conflito social, uma situação
de crise revolucionária. Sua tese é a de que a burguesia quase nunca foi uma classe
revolucionária, aparecendo quase sempre como reformista, não tendo iniciado nem
a Revolução Inglesa, nem a Francesa, nem liderado os principais momentos dessas
revoluções. Mas, sem dúvida> foi ela quem se beneficiou desses movimentos. Para o
autor, as revoluções burguesas foram mais consequência das forças desencadeadas
pela Revolução Industrial do que dos esforços revolucionários da burguesia.
Talvez a mais influente definição de revolução tenha sido a de KarlivIarxe Friedrich
Engels. Cunhada em meados do século xrx, a ideia de revolução do materialismo
histórico influenciou não apenas os estudiosos, mas também os revolucionários,
impulsionando diversos movimentos políticos, inclusive a Revolução Russa. Marx
e Engels construíram o conceito de revolução pensando na revolução proletária
que deveria acontecer, a seu ver, inevitavelmente no Capitalismo. Para eles, uma das
exigências para a revolução proletária era que antes dela a revolução burguesa fosse
feita. Assim, não definiram só a revolução socialista, mas a revolução burguesa. Para

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eles, a Revolução Francesa foi o paradigma das revoluções burguesas: um movimento
o social desenvolvido por uma burguesia revolucionária aliada a grupos populares que
derrubou as estruturas feudais. A revolução burguesa abriu espaço para o Capitalismo;
este, por sua vez, levaria à revolução socialista, desencadeada por uma nova classe
revolucionária, o proletariado, agora que a burguesia era a classe dominante. Essa tese
influenciou pensadores durante todo o século xx: de revolucionários corno Leni n a
sociólogos como Florestan Fernandes.
Mas na América Latina, onde o desenvolvimento capitalista se deu de forma
diferente da Europa, é dificil aplicar esses conceitos de revolução burguesa e revolução
proletária. Alguns autores falam de revoluções camponesas, considerando esse termo
mais apropriado para a América Latina. Porém, nessa região, o imperialismo gerou
em especial revoluções caracteristicamente anti-imperialistas no século xx, não
burguesas ou proletárias. Ë Hector Bruit quem, ao se debruçar sobre as revoluções
mexicana, cubana e nicaraguense, defende que as revoluções latino-americanas
tiveram cunho mais nacionalista do que de classes. Mas ele ainda classifica a revolução
mexicana como burguesa e a cubana e a nicaraguense como proletárias, observando
sobretudo o resultado das revoluções. Não podemos esquecer, porém, que enquanto
esses movimentos estiveram ativos, setores da burguesia participaram da revolução
cubana, e os movimentos de massa foram fundamentais no México.
Importante noção atrelada ao conceito de revolução é a de contrarrevolução.
Florestan Fernandes nos diz que uma contrarrevolução é uma realidade histórica
contrária à revolução. É aquilo que impede unia revolução. Atualmente, autores
como Clóvis Rossi chamaram o golpe de 1964 de falsa contrarrevolução. Para esse
autor, os golpes militares na América Latina da segunda metade do século xx foram
fundamentados em uma filosofia que se dizia contrarrevolucionária, pregando a
tomada do poder por grupos de direita que procuravam impedir uma revolução
socialista. E, no entanto, nem no Brasil, nem na Argentina, nem no Uruguai, por
exemplo, havia uma revolução socialista em andamento, e os golpes militares foram
desfechados mesmo apenas contra a democracia.
Durante a própria vigência desses governos militares, os golpes de Estado que
lhes deram origem eram chamados de revoluções. Para Florestan Fernandes, o uso
da palavra revolução como sinônimo de golpe de Estado (principalmente no que
dizia respeito ao governo militar brasileiro e à tomada de poder em 1964) tem um
profundo caráter ideológico. Fernandes concorda que a definição de revolução oferece
pouca controvérsia: revolução é um fenômeno social e p olítico de mudanças rápidas e
drásticas nas estruturas sociais, em que a ordem social vigente é subvertida. Mas o uso
das palavras sempre se remete às relações de dominação assim, empregar revolução
em vez de golpe de Estado para nomear um acontecimento que não transformou as
estruturas sociais é uma forma de escamotear a realidade histórica.

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Também precisamos distinguir revolução de revolta. As revoltas são manifestações
populares de insatisfação, em geral de caráter mais efêmero, um protesto contra os
aumentos de preços, por exemplo. São muitas vezes espontâneas e sem organização
sistemática e, de modo diferente das revoluções, não chegam a alterar as estrumras sociais.
Se a historiografia trabalha de forma mais prolífica com o conceito político de
revolução, o que inclui as mudanças econômicas e sociais além de culturais, existe
todo um campo de estudo para as mudanças da técnica, o campo das revoluções
tecnológicas. Teóricos como Mandei definiram a revolução tecnológica como o
processo de mudanças radicais e qualitativas na base técnica sobre a qual se assenta
o sistema produtivo de uma sociedade. Os autores divergem sobre quantas e quais
foram as revoluções tecnológicas ao longo da história, mas quase todos concordam
com pelo menos uma, a Revolução Industrial. O conceito de Revolução Industrial,
inclusive, é questionável, pois para muitos é uma simples evolução da técnica. Para
aqueles como Francisco Iglési as que aceitam a definição de revolução, esse fenômeno
dos séculos xvi e xix é uma revolução em especial porque passa da manufatura
para a maquinofatura, ou seja, se até então os homens utilizavam ferramentas para
auxiliar a força humana, agora usavam a força da natureza nas máquinas. Também
substituíam a descoberta de técnicas, o que seria puro acaso, pela invenção, típica dos
estados mais "avançados" da civilização. Também Eric H obsbawm fala de Revolução
Industrial como o processo em que o poder produtivo humano teria alcançado
níveis totalmente novos. Segundo ele, existiu uma Era das revoluções, o período entre
1789 e 1848, ou seja, entre a Revolução Francesa e a Revolução de 1848, momento de
desenvolvimento da Revolução Industrial e de muitas transformações da vida social
da Europa ocidental. Na verdade, ele fala de uma grande revolução que teria tomado
todo esse período e que teria mudado o rumo da história humana, com a ascensão da
indústria capitalista e da sociedade burguesa.
Alguns autores datam o surgimento da noção revolução na história. É o caso de
Henri Mendras, que, estudando as sociedades camponesas, afirma que a revolução
como fenômeno só surgiu em 1789, e antes disso as sociedades camponesas nunca
haviam feito uma revolução. Revoltas, levantes e sedições sim, mas revolução nunca.
Para Mendras, na Revolução Francesa, pela primeira vez, os camponeses se uniram
a outros grupos, estes urbanos, e tiveram facções dirigentes capazes de empreender
uma transformação radical no sistema de poder vigente.
Essas considerações nos levam a observar que todos esses autores usam o mesmo
conceito de revolução, o de transformação radical nas estruturas sociais. Se não há
dissenso sobre a ideia de revolução, devemos nos preocupar com a utilização da
palavra. Toda palavra tem seu significado e sua função específica na sociedade; assim,
toda palavra tem um uso político. Por isso devemos ser precisos com os conceitos e

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falar de golpe de Estado quando houver um e de revolução quando for o caso.
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O emprego de um conceito por outro — corno nesse caso citado — nunca é sem
consequências. Urna revolução é uma alteração profunda na sociedade, e quando
afirmamos que o golpe de Estado de 1964 foi uma revolução, estamos defendendo
que ele trouxe alterações sociais profundas, fato que não aconteceu.

VER TAMBÉM

Burguesia; Ditadura; Estado; Golpe de Estado; Ideologia; Marxismo; Massa/


Multidão/Povo; Revolução Francesa; Revolução Industrial; Tecnologia; Violência.
SUGESTÕES DE LEITURA

BRUIT, Flector. Revoluções H América Latina. São Paulo: Atual, 1988.


FARIA, Ricardo Mou ra. As revoiuções o SéC1A10 XX. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2002.
FER,N DE5) Florestar. O que é revolução. São Paulo: Brasiliense ) 1984.
FLORENZANO, Modesto. As revoluções burguesas. São Paulo: Brasiliense, 1998.
GRESRAN, Jorge. Revolução Francesa e Iluminismo. São Paulo: Contexto, 2003.
HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções: 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
IGISsiAs, Francisco. A revolução industrial. São Paulo: Brasiliense, 1981.
MARQUES, Adhernar; BERIJ UI, Flávio; FARIA, Ricardo. História contemporânea
através de textos. 10. ed. São Paulo: Contexto, 2003.
MÊNDRAs, Henri. Sociedades camponesas. Rio de Janeiro; Zahar, 1978.
PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (orgs.). História da cidadania, São Paulo:
Contexto, 2003.
(orgs.). Faces do f São Paulo: Contexto, 2004.
Rossi, Clóvis. A contra.rrcvoiução na América Latina. São Paulo: Atual, 1994.

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