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Psicanálise IV – Professor Pedro Ambra – Psicologia - PUC/SP

REAVALIAÇÃO LACAN por Maria Victoria Abdalla (RA00209263) em 27/11/2020

“A demanda de sarar, a demanda de interpretação, do que fazer, enfim, todas as demandas deste tipo, que s ão

demandas de alguma coisa, referem-se estruturalmente à demanda intransitiva, que no fundo é uma demanda

de amor.” - Antonio Quinet em A Descoberta do Inconsciente - Do desejo ao sintoma, capítulo Desejo e Demanda.

A demanda. Se olharmos a tradução da palavra demandé do francês para o português, temos:

solicitação, pedido, pergunta. Se olharmos a tradução de demandare do latim para o português, temos:

‘dar completamente na mão de’. Mas o que é mesmo uma demanda ?

Utilizando a interpretação de Antonio Quinet acerca do tema dilacerado por Lacan, a demanda

se estrutura no sujeito como um pedido, entregue a um Grande Outro (completo), de restituição de um

estado anterior ao da significação da necessidade (sendo a necessidade o estado no qual há um objeto

satisfatório – ex: fome/leite, dor/evacuação). Se na demanda ocorre a solicitação de um estado anterior

ao da necessidade, ela ocorre no grito, no chamado, naquilo ainda amorfo e não significável. Ela está no

campo da busca pelo Outro; ela é um apelo ao Outro - ao provedor, àquele que traz o objeto que satisfaz

a necessidade- e que na maioria dos casos é a mãe. Para melhor decorrer sobre a demanda, tomemos

esta carta:

Nela há um aspecto muito claro sobre a demanda: O último verso, que está abaixo de todos os versos,

abaixo de uma linha pontilhada, é: mamãe é mamãe. Essa frase exprime a fórmula estruturante da

demanda, de que mamãe é mamãe – nada lhe falta, pois ela é total e completa. Logo, esta carta –

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lembrando que cartas são escritas para alguém – é em si uma demanda, é um pedido de amor, é o

registro do receio de um assujeito (ou seja, um sujeito acéfalo, um não sujeito, um sujeito ainda

indistinto do Outro, indistinto da mãe) em relação à perda da posição imaginária que ocupa no Outro. E

é nesta exigência de amor que, a partir do questionamento Che voui? (ou o que você quer?), o assujeito

abre espaço para o desejo (que é o vetor que se desloca de um significante para outro, e que está

sempre negativo, pois ele se formula na subtração da necessidade pela demanda ; (d=N-D)). Nos

intervalos (ou nas lacunas, na ausência) entre os código (ou as palavras) presentes na mensagem da

mãe, a demanda (ou pedido de amor) do sujeito jorra por meio do engodo que chamamos de sintoma.

Assim, temos:

(MM: mensagem da mãe; MF: mensagem do filho)

Temos em preto, acima a mensagem da mãe (do Outro) e abaixo a mensagem do filho (assujeito) –

ligados por uma seta rosa, que é a exigência de amor. Em vermelho está o código (ou a cadeia de

significantes/ as palavras) da mãe. Em grafite, as lacunas (o significante que falta do Outro (da mãe)),

e abaixo, na mensagem do filho, o código do filho (o significado do Outro (da mãe)) interpretado pelo

filho . A exigência de amor do filho (a demanda) induz ele a preencher a falta materna através da

solicitação de sua completude, de sua totalização. Esta solicitação abre nele o plano do imaginário, onde

ele significa o Outro (s(A)) respondendo a pergunta Che voui? (S(Ⱥ)) e gestando seu próprio sintoma;

sua construção imaginária (a) - como já havia discursado Freud na conferência O Sentido dos Sintomas:

o sintoma surge da interrupção de uma ação inconsciente . Vale lembrar que a resposta do assujeito,

representada pelos traços à grafite, só foi elaborada devido a existência do mecanismo da transferência

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entre o assujeito e o Outro – espaço este que pode ser resgatado posteriormente na análise, ou até em

grupos totalitários.

Levando em conta esta cerca virgem, pela qual envolvo o conceito de demanda, gostaria agora

de umedecê-la com a coreografia Kontakthof (ou Quadra de Contato) de uma dançarina chamada Pina

Bausch:

(Link: www.youtube.com/watch?v=dPjX2DEO5iQ&list=PLNbbh5VAsefvztn05WJQ5--_Mws6EYDgi&index=141&ab_channel=theatrotv)

A cena apresenta um corpo feminino vulnerável, com os músculos desvetorizados - ao mesmo tempo,

este corpo está rodeado de corpos masculinos que coçam o corpo corruto e adelgaçado. A representação

dessas carícias (uma coçada na cabeça, uma coçada na bochecha, coçada no nariz, nos braços, uma

ajeitada no cabelo) nada mais é que a exteriorização de um conjunto de gestos já introjetados na

linguagem (corporal) feminina. Levando em conta que a demanda é a solicitação do assujeito de

preencher a falta materna através da solicitação de sua completude, de sua totalização, podemos inferir

nesta Quadra de Contatos a muitas vezes sintomática estruturação da mensagem feminina (a), que

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busca em “seduzir o corpo masculino” (ou o pai) a resposta (s(A)) da ausência na cadeia de

significantes da mensagem materna (S(Ⱥ)). Este “seduzir o corpo masculino” seria interromper

processos inconscientes em busca do amor materno, amor do Outro totalitário, deslocando então esses

processos inconscientes às coceiras no corpo (ajeitando o cabelo, coçando o nariz, a bochecha e os

braços).

BIBLIOGRAFIA

QUINET, ANTONIO. 2000. A Descoberta do Inconsciente - Do desejo ao sintoma, capítulo Desejo e

Demanda.

LACAN, JACQUES. 1954-1955. O Seminário – Livro 2: O Eu na Teoria de Freud e na técnica da

Psicanálise.

BAUSCH, PINA. 1978. Kontakthof.

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