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212 ALVES, M. P. et al.

Revisão DOI: 10.14295/2238-6416.v69i3.341

SORO DE LEITE: TECNOLOGIAS PARA O


PROCESSAMENTO DE COPRODUTOS

Whey: technologies for coproducts production


Maura Pinheiro Alves1, Renam de Oliveira Moreira1, Paulo Henrique Rodrigues Júnior1,
Mayra Carla de Freitas Martins1, Ítalo Tuler Perrone1*, Antônio Fernandes de Carvalho1

RESUMO

O objetivo do presente artigo foi apresentar os princípios da capacidade de


processamento de soro de leite. Para alcançar este objetivo, o artigo aborda sobre as
proteínas do soro de leite, o processo de filtração por membrana e a tecnologia de
secagem por atomização.As principais tecnologias para o uso de soro de leite são
apresentadas: bebidas proteicas de soro de leite, soro de leite em pó, concentrado
de proteína de soro em pó, isolado de proteína de soro em pó e frações de proteínas
de soro de leite em pó.
Palavras-chave: separação por membranas, secagem por atomização;
proteínas do soro.

ABSTRACT

The aim of the present article was to present the principles of whey
processability. In order to reach these objectives, the article presents the whey
proteins, the membrane filtration process and the spray drying technology. The main
technologies for use whey are presented: whey protein beverages, whey powder,
whey protein concentrate powder, whey protein isolate powder and powders of
whey protein fractions.
Keywords: membrane filtration; spray drying; whey proteins.

1 Universidade Federal de Viçosa (UFV), Departamento de Tecnologia de Alimentos (DTA), Campus


Universitário s/n, 36570-900, Viçosa, MG, Brasil. E-mail: italoperrone@ig.com.br
* Autor para correspondência.

Recebido / Received: 02/08/2013


Aprovado / Approved: 05/05/2014

Rev. Inst. Laticínios Cândido Tostes, Juiz de Fora, v. 69, n. 3, p. 212-226, mai/jun, 2014
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INTRODUÇÃO que haja um volume mínimo de matéria-prima


que justifique o investimento. Entretanto,
A produção leiteira e o processamento grande parte do soro de leite gerado no Brasil
de leite e derivados são importantes atividades e no estado de Minas Gerais tem origem nas
do estado de Minas Gerais. Segundo dados do operações de pequenas e médias queijarias,
IBGE, a produção de queijos no Brasil com nas quais se torna difícil o investimento em
Inspeção Federal foi de 896 mil toneladas no tecnologia necessária para o beneficiamento
ano de 2010 (IBGE, 2010a), resultando na deste coproduto. A tendência é a instalação
produção de, aproximadamente, oito bilhões de unidades centrais de processamento, que
de litros de soro de leite. recebam o soro produzido pelas queijarias de
O soro de leite representa de 80 a 90% uma determinada região.
do volume total do leite utilizado durante a O governo tem incentivado o desen­
produção de queijos e contém, aproximada­ volvimento de tecnologias que per­mitam o
mente, 55% dos nutrientes do leite: proteínas aproveitamento do soro de uma forma que seja
solúveis, lactose, vitaminas, minerais e uma viável, tanto do ponto de vista econômico como
quantidade mínima de gordura. O soro tecnológico. Dentre elas, tem se destacado a
pode ser utilizado na sua forma original tecnologia de separação por membranas que
para produção de bebidas lácteas. Porém, apresenta grande potencial por possibilitar que
considerando o seu alto teor de água e a fina­ o processamento do soro resulte em produtos
lidade de agregar valor ao produto e a seus com características tecnológicas adequadas
derivados, o soro pode ser concentrado. O para utilização nos mais diversos tipos de
produto concentrado é classificado, então, aplicações. Essa tecnologia pode permitir
de acordo com o teor de proteína, e po­d e a melhoria da qualidade microbiológica do
ter aplicações diversas, devido a suas carac­ soro de leite e, ainda, a sua concentração.
terísticas nutricionais e tecnológicas, que vão Esse processo proporciona a remoção parcial
do seu uso como ingrediente alimentício à da água com o aumento do teor de sólidos e,
produção de medicamentos. consequentemente, melhora a conservação
O Brasil caracteriza-se como um impor­ do produto. Também garante a otimização da
tador de produtos lácteos. Entretanto, em logística de captação do soro, com redução
2004, as exportações brasileiras de lácteos dos custos de transporte. No entanto, muitas
superaram as importações. Essa situação indústrias ainda consideram o soro como um
durou até 2008, pois no ano de 2009, a ba­ efluente, o qual, quando indevidamente tratado,
lança comercial voltou a apresentar saldo gera um sério problema ambiental devido à
deficitário (MDIC, 2012) devido, principal­ sua elevada carga orgânica. Estes fatores
mente, à importação de proteínas de soro. tornam importante o desenvolvimento de
Apesar do elevado volume de soro de leite alternativas para um adequado aproveitamento
produzido anualmente no Brasil, o país im­ do soro de leite. Isto se deve ao fato de que
porta um alto volume deste coproduto, pois ao mesmo tempo em que a transformação do
seu beneficiamento requer a aplicação de soro em produtos diversos diminui o problema
tecnologias ainda não adaptadas à realidade ambiental, ainda permite o desenvolvimento
nacional. de novos produtos e proporciona aumento
O processo de industrialização do soro, de lucratividade nas indústrias de laticínios.
em geral, requer a utilização de instalações O presente artigo tem como objetivo
industriais com um determinado grau de apresentar os princípios da capacidade de
complexidade, o que demanda um investimento processamento de soro de leite através do
financeiro considerável. Assim, é necessário processo de filtração por membranas e da

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secagem por atomização, abordando sobre as para a indústria de lácteos. Entretanto, com
propriedades das proteínas do soro de leite. as regulamentações ambientais rigorosas
que proíbem o descarte de produtos com
REFERENCIAL TEÓRICO alta demanda biológica de oxigênio, além
das comprovações científicas do alto valor
O estado de Minas Gerais é o maior nutricional dos constituintes do soro e com
produtor de leite do país. Em 2010, produ­ o desenvolvimento de técnicas de fraciona­
ziu 8,38 bilhões de litros de leite, o que mento, esse produto é amplamente requi­
representou 27,3% do total de 30,71 bilhões sitado como precursor de ingredientes ou
de litros produzidos no Brasil (IBGE, como ingrediente na indústria de alimentos
2010b).Grande parte desse volume de leite (GERNIGON et al., 2010).
industrializado no país em estabelecimento O soro de leite apresenta grande im­
sob Serviço de Inspeção Federal é usada portância, tanto em função do elevado volume
na produção de queijos, o que representou produzido, quanto à sua rica composição
aproximadamente, 896 mil toneladas no ano nutricional. Na produção de 1 kg de queijo
de 2010 e consequemente, um alto volume de tem-se uma produção média de 9 litros de
soro (IBGE, 2010a). soro. Esse contém mais da metade dos sólidos
O soro de leite é um coproduto da presentes no leite original, incluindo grande
indústria de laticínios que representa a porção parte da lactose, proteínas do soro (20% da
aquosa do leite que se separa do coágulo proteína total), sais minerais e vitaminas
durante a fabricação de queijo ou da caseína. solúveis (ATRA et al., 2005; BALDASSO et
Apresenta-se como um líquido opaco e de cor al., 2011). Sua composição depende da com­
amarelo-esverdeada (GIRALDO-ZUÑIGA et posição química do leite que varia de acordo
al., 2004; GUIMARÃES et al., 2010). Pode com a alimentação, reprodução, diferença
ser obtido em laboratório ou em indústrias individual de cada animal e do clima.
de pro­cessamento de leite por três operações Além disso, a composição do soro e
prin­c ipais: pela coagulação enzimática, o seu sabor, ligeiramente ácido ou doce,
resul­tando na coagulação das caseínas, ma­ dependem do tipo de coagulação do leite e da
téria-prima para a produção de queijos, e operação de fabricação do queijo. O soro doce
no soro doce; pode ser obtido também pela é obtido por coagulação enzimática do leite,
precipitação ácida no pH isoelétrico das pela adição da enzima conhecida por renina,
caseínas (pI = 4,6), resultando na caseína que tem a propriedade de coagular a caseína.
isoelétrica e no soro ácido; e por último, pela É um soro resultante da produção de queijos,
separação física das micelas de caseína por como por exemplo, o Cheddar ou o Emmental.
microfiltração, em membranas de 0,1 µm, O soro ácido, com pH entre 4,3 a 4,6, é obtido
obtendo-se um concentrado de micelas e as por coagulação ácida do leite para fabricação
proteínas do soro (MORIN et al, 2007). de caseína ou de queijo, como o Cottage.
Devido ao elevado conteúdo de subs­ Segundo Paboeuf et al. (2011), o soro
tâncias orgânicas presentes no soro de leite, doce tem maior teor de lactose comparado
associado principalmente à presença de ao soro ácido, enquanto que esse último
lactose e proteínas, o seu poder poluente é possui maior concentração de sais minerais.
considerado alto, com uma demanda bio­ A concentração de lactose no soro ácido
química de oxigênio (DBO) que varia de 27 é menor do que no soro doce, devido ao
a 60 kg·m-3 (PRAZERES et al., 2012). processo de fermentação, em que uma fração
Este coproduto já foi considerado uma de lactose é transformada em ácido lático
matéria-prima de aproveitamento oneroso durante a coagulação. Por outro lado, o soro

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ácido contém maior teor de cálcio e fósforo A principal proteína que contém grupos
que o soro doce, associado à solubilização sulfídricos no leite é a β-Lg, normalmente,
do complexo fosfato de cálcio existente nas esse grupo está presente dentro da molécula.
micelas de caseína, em pH ácido. No soro Na desnaturação por calor em temperatura de
doce, a ação da enzima renina não provoca 75 ºC, por exemplo, o grupo –SH da β-Lg é
a redução do pH, logo os íons de cálcio são exposto, reage com a caseína e provoca efeitos
retidos, associados às caseínas, no queijo. significativos em algumas das propriedades
A composição proteica de ambos os soros físico-químicas tecnologicamente importantes
é semelhante no que se refere à maioria das do leite, como a estabilidade do leite ao calor
proteínas. As proteínas do leite compreendem e a coagulação através da renina (WALSTRA
duas frações principais: as caseínas (80%) e et al., 2006). Devido à abundância desta
as proteínas do soro (20%). proteína no leite bovino, as propriedades dos
A caseína encontra-se organizada no concentrados proteicos de soro de leite bovino
leite sob a forma de micelas esféricas e pode são, na verdade, as propriedades da β-Lg
ser definida como a proteína precipitada pela (YADA, 2004).
acidificação do leite a um valor de pH próximo Em termos quantitativos, a α-La é a
a 4,6, sendo assim insolúvel em seu ponto segunda fração proteica do soro bovino e
isoelétrico (WALSTRA et al., 2006). a principal do leite humano. Ela contém
As proteínas do soro são solúveis em am­ 123 aminoácidos e tem uma massa molar
pla faixa de pH, apresentam estrutura glo­bular de 14,2 kDa, sendo encontrada no soro de
e contêm pontes dissulfeto, que conferem um leite de todos os mamíferos (EDWARDS
determinado grau de estabilidade estrutural et al., 2009). O local de síntese da α-La é a
(AIMUTIS, 2004). As duas principais frações glândula mamária; no leite humano representa
proteicas do soro são β-lactoglobulina 28% do teor total de proteínas (WALSTRA
( β - L g ) e α - la c to a lbum i na (α-L a ) que et al., 2006). A α-La purificada é usada
estão presentes em maior concentração e comercialmente em fórmulas infantis com
constituem, aproximadamente, 70% das base na similaridade de sua composição e
proteínas totais do soro. Além dessas, são estrutura com a principal proteína do leite
encontradas a albumina do soro bovino (BSA), materno (USDEC, 2014).
imunoglobulina (Ig), glicomacropeptídeo A concentração do soro leva à for­
(GMP) e subfrações, que se apresentam mação de produtos proteicos que podem
em pequenas concentrações no leite, como ser utilizados como ingredientes, para
lactoferrina, lisozima, lactoperoxidase, melhorar as propriedades tecno-funcionais
entre outras (HARAGUCHI et al., 2006; dos alimentos (solubilidade, gelificação,
METSÄMUURONEN; NYSTRÖM, 2009). viscosidade, emulsificação, formação de
A β-Lg é a fração mais abundante do soro espuma). Além disso,apresentam grande
de leite da maioria dos mamíferos. Representa, potencial de utilização em alimentos por
aproximadamente, 10% da proteína total do também possuírem componentes aos quais
leite e 50% da proteína do soro, no entanto se atribuem algumas propriedades biológicas
essa fração não está presente no leite humano. importantes como aumento da resposta
A β-Lg contém 162 aminoácidos, uma massa imunológica, anticâncer, proteção contra
molar de 18,3 kDa. Possui diferentes variantes problemas cardiovasculares, entre outras. No
genéticas, sendo as principais a β-Lg A e entanto, apesar dos experimentos preliminares
β-Lg B que diferem por substituições de indicarem a potencialidade dessas ações,
dois aminoácidos, Asp64Gly e Val118Ala, muitas delas necessitam de comprovações
respectivamente (EDWARDS et al., 2009). clínicas conclusivas (BAUMAN et al., 2006).

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O valor biológico das proteínas do soro consideradas proteínas antimicrobianas


é alto comparado ao de outras proteínas, (YADA, 2004).
por apresentarem em sua composição alto As propriedades tecno-funcionais
conteúdo de aminoácidos essenciais, que são das proteínas do soro são as propriedades
aqueles obtidos somente por meio da alimen­ físico-químicas, que contribuem para obter
tação, devido a incapacidade do organismo uma determinada característica no produto
de sintetizá-los. Além disso, essas proteínas alimentar final em que são inseridas. A grande
contêm uma alta concentração de aminoácidos aplicação destas proteínas em alimentos é
de cadeia ramificada como leucina, isoleucina relatada não por proporcionar apenas uma
e valina (MARSHALL, 2004) e, também, propriedade física particular aos alimentos,
mais aminoácidos contendo enxofre, tais mas também pela reprodutibilidade dessas
como cisteína e metionina quando comparadas propriedades e capacidade de proporcionar
à caseína. Esses aminoácidos sulfurados mais que uma finalidade funcional na aplicação
apresentam importância pela sua capacidade como ingrediente alimentício. As proteínas
de melhorar a função imunológica e seu do soro apresentam propriedades físicas e
estado antioxidante (BAUMAN et al., 2006). tecno-funcionais no seu estado nativo, e
As proteínas do soro apresentam quase todos também após tratamento físico, químico ou
os aminoácidos essenciais em excesso às enzimático, em função das várias estruturas
recomendações nutricionais de consumo, conformacionais que possuem e/ou adquirem.
com exceção dos aminoácidos aromáticos São moléculas estruturalmente ordenadas
(fenilalanina e tirosina) que embora não e qualquer alteração na conformação
estejam presentes em excesso, atendem leva à desnaturação. Algumas causas de
às recomendações para todas as idades desnaturação são temperatura, radiação
(SGARBIERI, 2004). ultravioleta, concentração salina, alterações
A qualidade ou balanço de uma de pH ou ação mecânica. Com a desnaturação,
proteína alimentar além de depender do tipo ocorre modificação da conformação globular
e da quantidade de aminoácidos essenciais das proteínas para a forma linear, com a perda
depende da sua digestibilidade, que representa da estrutura terciária da cadeia peptídica, e a
a medida da eficácia com que pode ser formação de novos enlaces entre moléculas,
utili­z ada pelo organismo. Portanto, além que tornam as proteínas quimicamente mais
da concentração de aminoácidos devemos reativas (WALSTRA et al., 2006).
ter em consideração a sua digestibilidade Os concentrados ou isolados proteicos
biológica. As proteínas do soro apresentam de soro são valiosos como ingredientes
elevada qualidade proteica quando comparada alimentares pela alta solubilidade em ampla
a outras proteínas (YADA, 2004). Assim, faixa de pH. Essa propriedade permite
considerando a elevada quantidade de sua apli­c ação, por exemplo, em bebidas
aminoácidos essenciais e qualidade proteica, para esportistas, com possibilidade de for­
as proteínas do soro podem aumentar o necimento de proteínas em quanti­d ades
valor nutricional dos alimentos usados na similares às contidas em uma refeição diária.
dieta humana. Muitas proteínas do soro são A capacidade de produtos de proteínas do
associadas a funções imunes ou digestivas. soro de absorver água e as característi­c as
Além disso, o soro é uma grande fonte de Ig de gelificação permite sua aplicação como
e BSA e, por isso, oferece proteção contra ingredientes em produtos assados e em
infecções, já que estimula a produção de carne processada. Como emulsificante, os
linfócitos. Proteínas do soro secundárias concentrados proteicos de soro encontram
como a lactoferrina e a lactoperoxidase são ampla aplicação na formulação de molhos

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para saladas, cremes artificiais de café, be­ fracionamento das proteínas com posterior
bidas nutricionais e sopas (USDEC, 2014). secagem (CANCINO, et al., 2006). Produtos
Vários fatores influenciam na com­ derivados do soro, como os concentrados
posição e nas características tecno-funcionais proteicos de soro são também utilizados em
dos produtos obtidos a partir das proteínas produtos extrudados à base de milho, batata
do soro, dentre eles, a fonte do leite, o mé­ e arroz (USDEC, 2014).
todo de produção, o tipo de queijo e o pro­ Alguns produtos derivados de soro
cessamento (REZAEI et al., 2011). Com comercialmente disponíveis são: concentrado
o desenvolvimento de novas tecnologias e proteico de soro (whey protein concentrate –
com um melhor entendimento do soro como WPC) que é o produto obtido pela remoção
matéria-prima que pode conferir à tecnolo­ de constituintes não proteicos do soro de
gia alimentar novas potencialidades, em forma que o produto final seco contenha, em
função das propriedades nutricionais e tecno- geral, entre 35% e 80% de teor proteico e o
funcionais de suas proteínas, este coproduto isolado proteico de soro (whey protein isolate
se tornou muito valorizado pelas indústrias – WPI) que é a forma comercial mais pura das
alimentícias. Dentre as alternativas para sua proteínas do soro e contém entre 80 e 95% de
utilização incluem a fabricação de produ­ proteína (BRANS, 2006). Os concentrados e
tos como ricota e bebida láctea, a produção isolados proteicos têm grande aplicação nas
de soro em pó, bem como a concentração e indústrias alimentícias pela funcionalidade

Tabela 1 – Exemplos de propriedades tecno-funcionais conferidas a alimentos por concentrados


proteicos de soro

Propriedade Setor Percentual


Aplicações
funcional alimentar de proteína
Chocolates, Marshmallow,
Viscosidade Sobremesas 35
Nougat, Barras de cereais, Glacê.
Bebidas fortificadas com proteínas,
Solubilidade, Bebidas isotônicas, Piña Colada,
estabilidade Bebidas 35 Bebidas gaseificadas, Chás
coloidal gaseificados, Bebidas para crianças,
Sucos, Iogurtes, Bebidas
substituintes de refeições.
Sopas, Sopas com baixo teor ou zero gordura,
Emulsificação 85
alimentos infantis Molhos para saladas, Queijos fundidos.
Formação Glacê, Creme de leite UHT,
Confeitaria 35
de espuma Chantilly, Chocolates aerados.
Gelificação Produtos lácteos 65 Iogurte, FrozenYogurt, Sorvete.
Brownie, Bolo, Cookies, Pães, Muffins,
Elasticidade Panificação 65
Massa para pizza, Biscoitos, Waffles.
Absorção de água Salsicha, Bife de hambúrguer,
Produtos de carne 85
e gordura Presunto, Nuggets e embutidos.
Fonte: Adaptado de USDEC, 2014

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que podem conferir aos alimentos. A Tabela a vácuo e a secagem em spray dryer são
1 resume algumas aplicações industriais dos utilizadas para obtenção de soro em pó,
concentrados proteicos de soro. concentrados e isolados proteicos de soro.
O uso de proteínas do soro como in­ O soro de leite é geralmente concentrado
gredientes em alimentos funcionais está por evaporação a vácuo antes da secagem
aumentando extensivamente, conforme tem em spray dryer, possibilitando a concentra­-
aumentado a capacidade tecnológica das ção do soro a teores de sólidos láticos en­tre
indústrias para produzir WPC e WPI. Entre 52% m/m e 60% m/m, com um custo ener­
as técnicas utilizadas para a recuperação gético por quilograma de água evaporada até
das proteínas do soro podemos citar a tec­ vinte vezes inferior ao processo de retirada
nologia de separação por membranas, em de água em spray dryer (CARIĆ et al., 2009;
especial a ultrafiltração, que é utilizada para SCHUCK et al., 2010).
recuperar as proteínas solúveis do soro. Os A concentração do leite ou soro de
componentes de baixa massa molar como leite por evaporação a vácuo geralmente é
lactose, sais e água permeiam através da aplicada para elaborar produtos concentrados
membrana de ultrafiltração, a qual retém como leite evaporado e leite condensado. É
as moléculas de proteína. Muitas vezes a também aplicada como etapa intermediária
ultrafiltração é operada no modo de diafil­ para produção de produtos lácteos em pó,
tração e permite uma maior remoção de sais já que a remoção da água por evaporação a
e lactose. O material retido na diafiltração vácuo requer menor energia do que por se­
é seco em spray dryer. As proteínas de soro cagem; e para produzir lactose a partir de
obtidas por separação de membrana possuem recristalização do soro (WALSTRA et al.,
boas propriedades tecno-funcionais como 2006). A operação de secagem em spray
solubilidade, capacidade de formar espuma, dryer associada à tecnologia de separação
gel e emulsão (CROGUENNEC et al., 2006). por membranas permite a produção de pós
Outros produtos obtidos a partir do soro lácteos com diferentes propriedades físico-
de leite são: a proteína de soro hidrolisada, químicas, bioquímicas e graus de pureza,
que é obtida pela hidrólise das moléculas de além de variadas propriedades funcionais
proteínas durante seu processamento com a (NARONG; JAMES, 2008; BALDASSO et
formação de segmentos proteicos menores; al., 2011). A primeira patente que descreve
concentrados de soro com teor de lactose re­ a operação de secagem em spray dryer ou
duzido, que são produtos especiais com teor secagem por atomização, data de 1872,
de lactose inferior a 1% e também o soro realizada por Percy nos Estados Unidos, que
com teor de minerais reduzidos (produto foi considerado o inventor desta tecnologia
obtido pela remoção seletiva de uma parte de secagem. Estudos posteriores formaram
dos minerais do soro através dos processos de a base para o desenvolvimento do primeiro
troca iônica, eletrodiálise ou outras técnicas equipamento spray dryer industrial, em
de separação por membranas) (CORREIA 1905 (CARIĆ et al., 2009). A secagem por
et al., 2011). atomização consiste na remoção de parte da
Considerando as diversas aplicações água do produto, permitindo armazenamento
do soro de leite obtido durante a produção e conservação por mais tempo. Essa técnica
de queijos, são necessárias alternativas tec­ reduz os custos logísticos, e frequentemente é
nológicas para o seu adequado aproveitamen­ a mais utilizada para desidratação de produtos
to. Operações unitárias como a tecnologia lácteos. Também é considerada a operação
de separação por membrana, a evaporação mais importante para conservação de lácteos,

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pois possibilita a produção de leite ou soro produto formada durante a atomização e o ar


em pó a partir do leite ou soro, com perdas quente de secagem; a secagem e por último,
nutricionais mínimas (SCHUCK, 2002). a etapa de separação do pó produzido. A
O princípio da secagem de um líquido etapa de atomização é de grande importân­
em spray dryer consiste em pulverizar o cia na operação de secagem, na qual ocorre
produto no interior de uma câmara de se­ a formação de gotículas a partir de um lí­
cagem, na forma de pequenas gotículas, em quido, aumentando a área de troca entre o
uma corrente de ar quente para obtenção de produto e o ar quente (CAL; SOLLOHUB,
um pó (CARIĆ et al., 2009). Quando um pro­ 2010). As principais funções da atomiza­ção
duto é colocado em uma corrente de ar com são produ­zir gotículas do produto com gran­
baixa umidade relativa (pressão de 1554 Pa) de relação superfície-massa, que resulta em
e temperatura elevada (em média 200 ºC), elevada taxa de evaporação e produz partículas
espontaneamente é formada uma diferença de com tamanho, densidade e forma desejadas
temperatura e pressão parcial da água entre o (SCHUCK, 2009). Segundo Schuck (2009),
alimento e o ar, consequentemente, ocorrerá esta etapa de atomização é diretamente res­
uma transferência de energia na forma de calor ponsável por algumas vantagens apresentadas
do ar para o produto e uma transferência de na secagem em spray dryer: o curto tempo de
água do produto para o ar como mostrado na secagem das gotículas do produto e de retenção
Figura 1 (SCHUCK et al., 2010). As pequenas das partículas em um ambiente com alta
gotículas formadas e a grande área superficial temperatura e, além disso, a produção do pó
das mesmas levam a uma rápida evaporação desejado, a partir de um determinado líquido,
da água, a uma temperatura relativamente com grande estabilidade de armazenamento
baixa, o que minimiza os danos térmicos ao e transporte.
pro­duto (SCHUCK, 2002). A secagem por atomização pode ser
Segundo Patel et al. (2009), a secagem reali­zada em um único estágio ou em múlti­
por atomização envolve algumas etapas plos estágios. Na secagem em um único
principais: a concentração do produto antes estágio, a evaporação da água do produto
da etapa de secagem; a atomização, que cria até alcançar o teor de umidade final acontece
condições ótimas para evaporação da água apenas na câmara de secagem. O tempo de
do produto; o contato entre a gotícula do processamento nesta câmara de secagem é

Figura 1 – Princípio de secagem por atomização (Schuck, 2010)

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muito curto, em média, de 20 a 60 segundos. do rendimento térmico, a temperatura de


Desta forma, não existe um tempo de entrada deste sistema pode ser mais elevada,
residência suficiente para obter um verdadeiro sendo que, ao contrário, a temperatura de
equilíbrio entre a umidade do produto e do ar. saída é mais baixa.
Assim, a temperatura do ar de saída é maior A tecnologia de separação por membra­
e a eficiência térmica é reduzida (CARIĆ et na tem encontrado muitas aplicações, tanto nas
al., 2009; SCHUCK, 2009). indústrias químicas e farmacêuticas e na área
Um avanço significativo foi alcançado médica, como nas indústrias agroalimentares,
com a secagem em dois estágios, em que podendo ser usada para garantir desde a pota­
o processamento do produto é realizado bilidade da água a partir da água do mar, até
em um período de tempo maior, até alguns o fracionamento, concentração e purificação
minutos, promovendo portanto um maior de soluções (BRANS et al., 2004; HABERT
equilíbrio termodinâmico. Isso envolve uma et al., 2006).
considerável redução na temperatura do ar de Dentre as indústrias alimentícias, a in­
saída (para aumentar o conteúdo de umidade dústria de laticínios apresentou maior intro­
do pó) e também um aumento na temperatura dução das tecnologias de membrana, tais
do ar de entrada e da taxa de fluxo do pó, como microfiltração (MF), ultrafiltração
sem o risco de desnaturação térmica devido (UF), nanofiltração (NF) e osmose reversa
ao aumento do conteúdo de umidade do (OR) (CARVALHO; MAUBOIS, 2010). O
pó durante este primeiro estágio (proteção proces­samento de soro de leite representa um
térmica) (SCHUCK, 2009). Para obtenção dos primeiros campos de aplicação desta tec-
de um teor de umidade residual requerida, a nologia na indústria de lácteos (BALDASSO,
secagem final ocorre em um leito fluidizado 2008). O mecanismo de separação ocorre
externo vibrante, onde a temperatura de devido à influência de alguns parâmetros,
tratamento é menor que na secagem em um como: composição da membrana, configura­
único estágio, contribuindo para melhor ção do equipamento, superfície da membrana,
qualidade do pó. classificação da membrana (MF, UF, NF e
A secagem em unidades com mais de OR), temperatura, pressão e condição de
um estágio nos mostra como reduzir os cus­ escoamento do fluido (HABERT et al., 2006).
tos de secagem e melhorar o desempenho As operações de separação com mem­branas
das unidades: transferindo a maior parte da podem ser classificadas quanto ao tipo de
secagem da fase de “atomização” para a fase membrana utilizada na separação, quanto ao
de “fluidização” (SCHUCK, 2002). Segundo princípio de operação, quanto aos fenômenos
Schuck (2009), o sistema de secagem em três envolvidos ou com base na força motriz
estágios é o maior progresso realizado na promotora da separação (HABERT et al.,
área de secagem por atomização, dominando 2006). As operações que têm a diferença de
atualmente a indústria de produtos lácteos em pressão como força motriz, são muito uti­
pó. Esse sistema combina todas as vantagens lizadas para concentração, fracionamento e
estendidas da secagem em dois estágios, usa purificação de soluções diluídas. Em função
a secagem por atomização em um primeiro da natureza e do tipo de soluto e da presença
estágio, a secagem em um leito fluidizado ou não de partículas em suspensão, membra­
estático como um segundo estágio e a secagem nas com diferentes tamanhos e distribuição
em um leito fluidizado externo vibratório como de poros, ou mesmo densas, são utiliza­
terceiro estágio. Para as unidades de seca­ das caracterizando as operações conheci-­
gem de três estágios, aproxima-se o meio do das como MF, UF, NF e OI (OLIVEIRA et al.,
equilíbrio termodinâmico. Devido à melhora 2006). Essas quatro operações são as mais

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Soro de leite: tecnologias para o processamento de coprodutos 221

utilizadas nas indústrias de laticínios retidos, o que permite a permeação de íons


(CARVALHO; MAUBOIS, 2010) e utilizam monovalentes solúveis e água (CARVALHO;
da microfiltração à osmose inversa, meios MAUBOIS, 2010). Já as membranas usadas
filtrantes com poros cada vez menores e com na OR retêm solutos de tamanhos inferiores a
isso, pressões cada vez maiores (HABERT 1 nm e possuem uma massa molar de corte de
et al., 2006). A tecnologia de membranas é aproximadamente 100 Da, sendo densas, ou
uma escolha adequada para o fracionamento seja, sem poros. A operação envolve pressões,
de componentes do leite, pois muitos deles em média, cinco a dez vezes superiores às
podem ser separados por diferença de tamanho utilizadas na ultrafiltração, sendo empregada
(BRANS et al., 2004). em indústrias de laticínios para concentrar o
A MF, assim como as outras opera­ leite ou soro de leite por eliminação de água
ções, permite a concentração diferencial no e sais minerais (HABERT et al., 2006). Essa
líquido retido pela membrana (retentado) que tecnologia de separação por membranas é
contém componentes com tamanho maior amplamente utilizada nas indústrias alimen-
que o diâmetro dos poros da membrana tícias em substituição as técnicas convencio­
(CARVALHO; MAUBOIS, 2010). A operação nais de concentração, separação e clarificação
utiliza membranas porosas com diâmetro (BALDASSO, 2008). Isso acontece devido
médio de poros na faixa de 0,1 a 10 µm, a algumas vantagens apresentadas por esta
sendo indicado para retenção de materiais em tecnologia, tais como: economia de ener­
suspensão e emulsões. A MF do leite permite gia, visto que a maioria das operações de
a retenção de células somáticas, glóbulos de separação por membrana acontece sem que
gordura, bactérias e micelas de caseína. As ocorra mudança de fase; alta seletividade;
pressões empregadas como força motriz são simplicidade de operação e escalonamen­to,
pequenas e dificilmente ultrapassam 3 bar, já por se tratarem de sistemas modulares. Esta
que utilizam membranas com poros maiores tecnologia também cobre um amplo espectro
(HABERT et al., 2006). de tamanho, que varia ao longo de várias
A UF é utilizada para a retenção de ma­ ordens de magnitude, desde íons a partículas,
cromoléculas e colóides presentes em uma partículas, como os glóbulos de gordura
solução. As membranas utilizadas apresentam ou células bacterianas. Permite a separa­ção
poros de diâmetro na faixa entre 0,01 e 0,1 µm. de compostos termolábeis, já que uti­l iza
Como os poros das membranas de UF são temperaturas relativamente baixas, o que
menores, é necessária uma maior força motriz reduz as modificações sensoriais e nutri­
para obtenção de fluxos permeados elevados. cionais, resultando em produtos de maior
Por isso, as diferenças de pressão através qualidade (HABERT et al., 2006; GOULAS;
da membrana variam na faixa de 2 a 10 bar GRANDISON, 2008; SAXENA et al., 2009).
(HABERT et al., 2006). As membranas co­ Segundo Brans et al. (2004), a MF
merciais de UF são especificadas através da sua reduz a concentração de bactérias e esporos
massa molar de corte (MMC), que é definida bacterianos no leite, aumentando a vida útil do
como a massa molar para a qual a membrana produto, sem afetar o seu sabor. Além disso,
apresenta retenção igual ou maior a 90%, cuja pode promover a separação dos glóbulos
unidade mais utilizada é o Dalton (Da). de gordura do leite que possuem diâmetro
A NF também é uma operação que entre 0,1 e 15 µm. Com o uso de membranas
possui gradiente de pressão como força motriz cerâmicas com poro de tamanho 1,4 µm pode
e utiliza membranas com poros de tamanho se alcançar um fator de redução decimal de
médio de 1 nm. Nesta operação, a lactose bactéria e esporos acima de 3,5. Este tipo de
e todos os outros componentes do leite são tratamento pode ser usado para eliminação

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dos problemas como o estufamento tardio pré-concentrar o leite foi uma ideia muito
em queijos duros (DIAS, 2011). A MF tam- atrativa e tem sido continuamente explorada
bém pode ser utilizada na indústria de para produção de uma grande variedade de
laticínios para remoção de gordura do soro queijos com diferentes variações tecnológicas
de leite e tratamento de salmouras (CORREIA (HENNING et al., 2006). Ribeiro et al. (2009)
et al., 2011). Rektor;Vatai (2004) utilizaram desenvolveram um queijo tipo Minas Frescal
operações de separação por membranas para probiótico a partir de retentados de UF de
processamento de soro obtido da produção de leite, com grande potencial como alimento
queijo tipo mussarela. Esses autores usaram probiótico. Segundo os autores, a produção do
MF para reduzir o número de bactérias do queijo por meio do uso de retentados da UF de
ácido láctico e de outros microrganismos leite resulta em maior rendimento e confere
presentes no soro. Os autores constataram à massa textura mais sólida e fechada, além
99,99% de retenção dos microrganismos pela de maior vida útil e padronização do sabor. A
membrana, resultado que permitiu afirmar que UF permite também fracionamento de proteí­
a MF é eficiente para melhoria da qualidade nas com tamanho muito semelhante, como
microbiológica do soro de leite. Cianci et demonstrado por Cheang; Zydney (2004).
al. (2005); Castro et al. (2007) também de­ Esses pesquisadores analisaram a utilização
monstraram que é possível a aplicação das de um sistema de filtração tangencial de dois
membranas de MF na indústria de alimentos estágios para purificação de α- La e β-Lg a
para clarificação de suco. A UF pode ser partir de isolado proteico de soro. A NF é
utilizada na indústria de laticínios para con­ frequentemente utilizada para a concentração
centração de proteínas do soro de leite, para e desmineralização parcial do permeado da
obtenção de WPC e WPI e de algumas frações ultrafiltração de leite ou soro de leite (ATRA
concentradas, como α-La e β-Lg (POULIOT, et al., 2005; SUÁREZ et al., 2006).
2008). Além disso, essa operação pode ser De acordo com Martinez-Ferez et al.
aplicada na fabricação de queijos, para pré- (2006), a NF pode ser usada para a produção
concentração do leite, o que permite aumentar de derivados de lactose, como os oligossacarí­
o rendimento na produção pela incorporação deos do leite de cabra. Um concentrado com
de proteínas do soro e outros componentes mais de 80% em oligossacarídeos pode ser
do leite na matriz do produto (MISTRY; obtido por meio da filtração tangencial, com
MAUBOIS, 2004; CARVALHO; MAUBOIS, dois estágios com membranas cerâmicas de
2010). Esse processo foi proposto por UF e NF. Estes oligossacarídeos podem ser
Maubois et al. (1969) e leva à concentração uilizados em formulações de produtos para
diferencial dos principais elementos do leite, crianças a fim de diminuir a propensão a
matéria graxa e proteínas. A técnica tem doenças.
como principal característica o uso direto A OR é utilizada na dessalinização, no
do retentado obtido pela UF do leite na reuso e no tratamento de águas (CORREIA
fabricação de queijos, dispensando a etapa et al., 2011) Além disso, é possível a utili­
de dessoragem e o trabalho da massa nos zação desta operação para concentração
tanques de fabricação, sendo uma alternativa de suco anteriormente clarificado por MF
para a produção de queijos. O processo foi (CIANCI et al., 2005).
patenteado e ficou conhecido mundialmente A Figura 2 ilustra as principais tecno­
como MMV, iniciais dos sobrenomes de seus logias empregadas na produção de lácteos
idealizadores, Maubois, Mocquot e Vassal. desidratados, no qual se destaca algumas
A possibilidade de utilização da UF para tecnologias de membranas.

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Soro de leite: tecnologias para o processamento de coprodutos 223

CONSIDERAÇÕES FINAIS para as be­bidas energéticas proteicas, os con­


centrados proteicos, os isolados proteicos e
A utilização de soro na indústria de também a obtenção das frações proteicas do
laticínios torna-se possível por meio da soro isoladas.
aplicação de diferentes tecnologias de sepa­
ração por membranas e da secagem por REFERÊNCIAS
atomização. Essas técnicas permitem a ob­
tenção de pro­d utos lácteos diferenciados AIMUTIS, W. R. Bioactive properties
com elevado valor de mercado, com destaque of milk proteins with particular focus on

Figura 2 – “Cracking” do leite (Schuck, 2002)

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