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ANAIS

Vol 5
pesquisa em museologia e
perspectivas disciplinares

GT 14 GT 17

pôsteres

museu do homem do nordeste 16 a 20 de novembro de 2015


2O SEMINÁRIO BRASILEIRO DE MUSEOLOGIA
16 a 20 de novembro de 2015
Museu do Homem do Nordeste
Recife - PE

Realização
Rede de Professores e Pesquisadores do Campo da Museologia
Museu do Homem do Nordeste – Fundação Joaquim Nabuco
Departamento de Antropologia e Museologia – Universidade Federal de Pernambuco

Apoio
Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientíco e Tecnológico – CNPq
Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco – FACEPE

Comissão Organizadora Nacional Equipe de Apoio Administrativo (FUNDAJ)


Prof. Dr. Marcelo Cunha – UFBA (coordenador da Rede) Priscilia Coelho da Silva (secretária)
Profª M.ª Silmara Kuster – UnB (coordenadora da Rede) Itala Serrath de Lira (auxiliar administrativo)
Prof. Dr. Hugo Menezes - UFPA Josineli Maria do Nascimento (auxiliar administrativo)
Profª Mª Vanessa Barrozo - UFRGS Rafaela Carneiro (assistente de produção)
Profª Mª Ana Audebert - UFOP Sarah Moura (assistente de design)
Prof. Me. Pablo Lisboa - UFG Olga Fernandes (turismóloga)
Suzianne França (auxiliar administrativo)
Comissão Organizadora Local Gilvanice Silva (secretária)
Prof. Msc. Henrique de Vasconcelos Cruz – FUNDAJ (Presidente)
Prof. Dr. Maurício Antunes – FUNDAJ Comissão CientíFIca
Profª. M.ª Sílvia Barreto – FUNDAJ Profª Drª Emanuela Sousa Ribeiro – UFPE (Presidente)
Profª. Simone Luizines – FUNDAJ Profª Drª Cristina Bruno - USP
Profª. Elizabeth Dobbin – FUNDAJ Profª Drª Helena Uzeda - UNIRIO/MAST
Profª Drª Emanuela Sousa Ribeiro – UFPE Profª Drª Joseania Freitas - UFBA
Profª Drª Ana Cláudia Rodrigues da Silva – UFPE Profª Drª Áurea da Paz - UFPI
Profª Mª Ana Cláudia Santos – UFPE Profª Drª Vânia Dolores de Oliveira – UFG
Prof. Dr. Francisco Sá Barreto – UFPE Prof. Dr. Clóvis Brito - UFS
Prof. Msc. Wagner Damasceno - UFSC

Programação visual e Diagramação


Manoela Lima

Agradecimentos
Instituto Ricardo Brennand
Laboratório de Tecnologia da Informação da Universidade Federal de Pernambuco
Museu Cais do Sertão
Paço do Frevo
GT 14
Museologia Social e Educação Integral:
aproximações, interlocuções
e experiências

GT 17
educação em museus

Apresentações em pôsteres
Anais do 2o Seminário Brasileiro de Museologia

Apresentação

Temos o prazer de apresentar os Anais do II Seminário Brasileiro de Museo-


logia (II Sebramus), que foi realizado no Museu do Homem do Nordeste, no período
de 16 a 20 de novembro de 2015, e teve como objetivo proporcionar a realização
de discussões acadêmicas na área da Museologia, contribuindo para a divulgação
qualicada da produção cientíca dos professores e pesquisadores da área.
O II Sebramus buscou dar continuidade ao processo de consolidação de
um evento acadêmico nacional para a área da Museologia que não possuía, até o
momento, um evento regular, de âmbito nacional, que permitisse o escoamento da
produção acadêmica da área. Com a expansão dos cursos de graduação em Mu-
seologia e o recente surgimento de novos cursos de pós-graduação em Museologia,
esta é uma demanda urgente e acreditamos que a realização do II Sebramus em
Pernambuco atingiu este objetivo.
A temática central do evento foi “Pesquisa em Museologia e perspectivas dis-
ciplinares”. Pretendeu-se com esta temática discutir a pesquisa em Museologia, seus
aspectos teórico-metodológicos e a prática da pesquisa do campo nas universidades
e instituições de pesquisa brasileiras.
A Museologia, através de suas abordagens teóricas e práticas, estabelece di-
álogos com outras disciplinas acadêmicas desde suas origens. Esses atravessamen-
tos são mais visíveis nos trabalhos realizados nos museus, relativos a Preservação,
Pesquisa e Comunicação, no entanto, cada dia mais se fazem presentes no campo
acadêmico. Assim, discutir a pesquisa a partir das suas inter-relações disciplinares,
certamente contribuiu para a prosperidade do campo.
Os Anais do II Sebramus estão divididos em cinco volumes, que contêm to-
dos os trabalhos que foram efetivamente apresentados durante o evento. Os textos
estão organizados por Grupo de Trabalho (GT) e procuramos organizar os volumes
agrupando GTs com temáticas ans, embora, algumas vezes, por questões logísticas
não tenha sido possível manter tal distribuição.
Ao nal deste trabalho, a Comissão Organizadora do II Sebramus encerra
o (longo) ciclo de organização deste evento com a certeza do dever cumprido e a
disposição de continuar colaborando para a consolidação deste Seminário.

Atividades acadêmicas realizadas

O II Sebramus avançou bastante no sentido de fortalecer o campo de estu-


dos acadêmicos da Museologia. Pudemos perceber o crescimento não apenas do
público participante, mas também da quantidade e qualidade dos trabalhos apre-
sentados e do nível geral das atividades.
O Seminário oportunizou a discussão sobre “Pesquisa em Museologia e pers-
pectivas disciplinares”, através da realização de duas mesas-redondas, 44 sessões
de apresentação de trabalhos acadêmicos, sendo 43 sessões de comunicações orais
(152 trabalhos efetivamente apresentados) e uma sessão de pôsteres (34 trabalhos
efetivamente apresentados).
Nas mesas-redondas procurou-se construir painéis com diferentes realida-
des acerca da pesquisa em Museologia, sendo uma das mesas mais voltada para a
teoria museológica e outra para a metodologia da pesquisa. Foram abordadas as
seguintes temáticas/palestrantes:

Dia 17/11 - Pesquisa em Museologia: questões teórico-metodológicas

Esta mesa discutiu questões teórico-metodológicas da pesquisa em Museologia, en-


fatizando os diálogos da teoria museológica com outras disciplinas como a História,
a Filosoa e as Ciências Sociais.
Profª. Drª. Judite Primo – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias
Profa. Dra. Zita Possamai – UFRGS
Prof. Dr. Bruno Brulon Soares – UNIRIO

Dia 18/11 - Práticas da pesquisa em Museus e Museologia

Esta mesa tratou das práticas de pesquisa em instituições museológicas e do mu-


seu universitário como espaço de pesquisas acadêmicas realizadas pelos Cursos de
Museologia, foi apresentado também um painel sobre a pesquisa em Museologia
atualmente.
Prof. Dr. Marcelo Cunha – UFBA
Profa. Dra. Rosângela Brito – UFPA
Profa. Dra. Camila Moraes – UFG

No que diz respeito à apresentação dos trabalhos resultantes de pesquisa,


nesta edição foi modicada a dinâmica do evento, abrindo-se previamente inscri-
ções para Grupos de Trabalho (GTs) sob a coordenação de dois professores ou pes-
quisadores de instituições diferentes. Foram propostos 24 (vinte e quatro) GTs, que
foram avaliados pela Comissão Cientíca do evento. Assim, as temáticas dos GTs
são resultado das demandas da própria comunidade acadêmica da Museologia.
Foram aprovados 22 (vinte e dois) GTs, sendo que cada GT poderia ter en-
tre cinco e quinze trabalhos na modalidade apresentação oral e cinco trabalhos na
modalidade pôster. Apenas dois GTs não atingiram o número mínimo de trabalhos
e não foram realizados. Assim, o evento contou com 20 (vinte) Grupos de Trabalho,
com apresentadores de trabalho provenientes de diversas regiões do país.
Destacamos que os trabalhos foram submetidos no formato de texto comple-
to. Acreditamos que tal exigência foi importante para garantir a qualidade dos tra-
balhos aceitos e, ao mesmo tempo, a pouca ausência de autores nas apresentações
orais. Dos 191 trabalhos aceitos foram efetivamente apresentados 152, ou seja 80%
(oitenta por cento) do total. Um número expressivo em um período de grande corte
de recursos para nanciamento da participação em eventos acadêmicos.
Quanto aos pôsteres, foram propostos 49 resumos expandidos e foram efe-
tivamente apresentados 34 pôsteres, 70% (setenta por cento) do total.
Ao contrário da edição anterior, neste II Sebramus os graduandos puderam partici-
par academicamente do evento. Notou-se maior ausência de apresentadores de tra-
balho nesta modalidade, provavelmente em virtude dos altos custos de locomoção,
dicilmente suportados por estudantes de graduação. Contudo, foi digna de nota a
grande auência de público na sessão de pôsteres.
Podemos sintetizar o quantitativo de trabalhos efetivamente apresentados
através da seguinte tabela:
Nesta edição destacamos outra atividade acadêmica realizada durante o
evento: as visitas técnicas. Estas foram realizadas no último dia do evento, com
transporte fornecido pela Comissão Organizadora. Efetivamente foi possível ofere-
cer três roteiros de visitação em instituições previamente contatadas para receber os
participantes do evento com visitas a todas as áreas dos museus, inclusive aquelas
de acesso restrito.
Um dos roteiros fez a visitação no Recife, tendo sido recebidos pela equipe
técnica do Instituto Ricardo Brennand, Paço do Frevo e Museu Cais do Sertão. O se-
gundo roteiro fez a visita técnica ao Engenho Massangana (município de Cabo de
Santo Agostinho) e o terceiro roteiro fez visitação na cidade de Caruaru (município
de mesmo nome), incluindo a Feira de Caruaru e a Casa Museu Mestre Vitalino,
sendo recebidos pela família Vitalino.
As visitas técnicas foram muito bem avaliadas pelos participantes e pelas
instituições que receberam os participantes do evento.

Outras atividades

Uma excelente oportunidade para divulgação de trabalhos acadêmicos na


área da Museologia foi a sessão de lançamento de livros, que contou com doze livros
sendo lançados:

Título: Museologia Social e Cultura


Organizadoras: Cêça Guimaraens, Vera Rangel e Márcia Bertotto.

Título: Enxadas de açúcar: Economia e formação social na cção de José Lins do Rego
Autora: Mariana Duarte

Título: Gestão de museus, um desao contemporâneo: diagnóstico museológico e


planejamento (2ª edição)
Autora: Manuelina Maria Duarte Cândido

Título: Orientações para Gestão e Planejamento de Museus


Autora: Manuelina Maria Duarte Cândido

Título: Uma coleção biográca: os Mestres Pastinha, Bimba e Cobrinha Verde no Mu-
seu Afro-Brasileiro da Universidade Federal da Bahia.
Organizadora: Joseania Miranda Freitas

Título: Museus, Biodiversidade e Sustentabilidade Ambiental


Organizadores: Mario Chagas, Denise Studart e Claudia Storino

Título: Museologia Social, Cadernos do CEOM, n. 27, v.41


Organizadores: Mario Chagas e Inês Gouveia

Título: Há uma gota de sangue em cada museu: a ótica museológica de Mario de


Andrade
Autor: Mario Chagas

Título: Água Salobra


Autor: Mario Chagas
Título: O colecionador e o Cristal do Pensamento
Autores: Alec Saramago e Marcelo Cunha

Título: Acessibilidade em Espaços Culturais: Mediação e comunicação sensorial


Autora: Viviane Panelli Sarraf

Título: Nise da Silveira. Caminhos de uma psiquiatra rebelde


Autor: Luis Carlos Mello

Realizou-se também a Assembleia anual da Rede de Professores e Pesquisa-


dores do Campo da Museologia, que teve expressiva presença de novos membros.
Nesta Assembleia decidiu-se manter o evento bianual e a próxima edição do even-
to (em 2017) será realizada pelo curso de Museologia da Universidade Federal do
Pará.

Público atingido

Houve um grande crescimento do público participante desta edição do Se-


bramus. No total foram 295 inscritos, que participaram do evento como ouvintes,
autores ou co-autores de trabalho.
Registrou-se participação de público de todo o Brasil, estando representados
todos os cursos de Museologia existentes no país - graduação (14 no total) e pós-
-graduação (5 no total) -, bem como dos cursos de pós-graduação em Museologia
da Universidade Lusófona de Lisboa. Também houve expressivo público das áreas
ans da Museologia, em especial da História.
As palestras e mesas-redondas foram transmitidas através do sistema de
vídeo conferência da RNP, pela equipe da Massangana Multimídia (FUNDAJ).

Conclusões e prognósticos para o futuro

O II Sebramus foi um evento de sucesso, capaz de congregar especialistas na


temática, agregando pesquisadores experientes, novos pesquisadores, professores e
estudantes.
A grande quantidade e qualidade dos trabalhos propostos, aceitos a apre-
sentados é, certamente, um indício do reconhecimento nacional do evento, que ain-
da está em fase de consolidação.
Para o próximo Seminário espera-se manter a representatividade nacional,
tanto do ponto de vista da quantidade de participantes quando das temáticas pes-
quisadas. Ao mesmo tempo, espera-se ampliar a inserção internacional do evento,
pois percebeu-se que já há possibilidade de realizarmos este tipo de intercâmbio
acadêmico.
Todos os textos passaram pela revisão cega de pares, constituídos pelo Comitê
Cientíco do evento e pelos coordenadores de Grupos de Trabalho.

As opiniões e conceitos emitidos nesta publicação são de inteira responsabilidade de


seus autores, não reetindo necessariamente o pensamento da Rede de Professores e
Pesquisadores do Campo da Museologia.

É permitida a reprodução, desde que citada a fonte e para ns não comerciais.
Museologia Social e

gt 14 • Educação Integral:
aproximações,
interlocuções e experiências

Prof. Me. Alexandre Oliveira Gomes (ufpe) e


Prof. Dr. Mário Chagas (UNIRIO)
O GT possui como fundamentação conceitual um arcabouço teóricometo-
dológico interdisciplinar ancorado na interface entre a Museologia Social e
a Educação Integral. As ações educativas efetuadas por iniciativas de Mu-
seologia Social estabelecem relação direta com as populações locais nas
quais estão inseridas, incluindo as instituições de educação formal. As par-
cerias com instâncias da sociedade civil propiciam a vivência de processos
educativo-museológicos no cotidiano de crianças, jovens, adultos e idosos.
A educação integral fundamenta-se numa perspectiva holística de compre-
ensão do processo formativo do ser humano, enquanto sujeito total, no qual
conhecimentos, culturas, valores, identidades e memórias estão integrados,
e os processos educacionais tem que dar conta de todas estas dimensões na
formação dos indivíduos (Miguel Arroyo).
Um pressuposto fundamental na concepção do GT é a perspectiva de uma
“educação transformadora” de Paulo Freire, ancestral comum dos campos
em diálogo, na qual as relações e ensino-aprendizagem constituem pro-
cessos sociais fundados na dialética relacional das trocas de experiências,
de caráter horizontal e não-hierárquico. Além de questionar os fundamen-
tos autoritários e repressores de uma “educação bancária”, esta perspectiva
qualica o objetivo do GT de constituir um espaço propício a aproximações
e interlocuções entre experiências e práticas de Museologia Social e Edu-
cação Integral, seja no âmbito das políticas públicas, seja das práticas dos
movimentos sociais e populares engajados em processos de transformação
social.
As inúmeras possibilidades de atuação junto ao patrimônio cultural e as
potencialidades para a contribuição na construção social da memória, nas
dinâmicas de salvaguarda e comunicação museológicas e no compartilha-
mento e transmissão de saberes e técnicas, possibilitam perceber as articula-
ções entre os dois campos como importantes e estratégicas para a constru-
ção de uma ampla agenda visando a implementação de políticas públicas
de Museologia Social e Educação Integral especialmente orientadas para
realidade brasileira.
2o Seminário brasileiro de museologia • 10

MUSEU ANTROPOLÓGICO DO CERRADO – MACER: PRESERVANDO E


DIVULGANDO O PATRIMÔNIO CULTURAL DO SUDOESTE GOIANO

Sulivan Charles Barros1

Resumo
O Museu, enquanto instituição social constitui-se como local de contemplação,
de fruição, de entretenimento, de prazer; possui compromissos educacionais,
funções sociais, mas principalmente insere-se no universo do conhecimento.
Nele, a cultura material constitui-se como documento, como registro e suporte
de significações culturais e identitárias e a exposição museográfica como um
discurso ou narrativa que visa a produção de sentidos. A relação existente entre
educação e museologia identifica aspectos referentes ao caráter educativo dos
museus e patrimônio presente nas diferentes funções museológicas
(preservação, pesquisa, comunicação) que qualifica a relação do indivíduo com
o patrimônio preservado, assim como auxiliam no processo de formação da
consciência histórica e noção de temporalidade, diálogo, criticidade,
participação, identidade e diversidade cultural. Neste sentido, o objetivo desta
comunicação é apresentar o Museu Antropológico do Cerrado-MACER, criado
no ano de 2015 como órgão suplementar da Universidade Federal de Goiás-
UFG na cidade de Catalão. Este museu antropológico tem como função tratar
da preservação e divulgação da memória e das práticas culturais do sudoeste
goiano por meio de diferentes perspectivas, seja elas históricas, sociais, políticas
e ambientais.
Palavras-Chave: Museu; Patrimônio; Memória: Sudoeste Goiano.

Abstract
The museum, as a social institution is constituted as a place of contemplation,
enjoyment, entertainment, pleasure; It has educational commitments, social
functions, but mostly is within the knowledge of the universe. In it, the material
culture is constituted as a document, such as logging and support cultural and
identity meanings and the museographic exhibition as a speech or narrative
aimed at the production of meaning. The relationship between education and
museology identifies aspects related to the educational character of museums
and heritage present in different museological functions (preservation, research,
communication) that qualifies the individual's relationship with the heritage
preserved, as well as assist in the historical consciousness of the training process
and the notion of temporality, dialogue, criticism, participation, identity and
cultural diversity. In this sense, the purpose of this communication is to present
the Anthropological Museum of the Cerrado-MACER, created in 2015 as a

1
Professor da Universidade Federal de Goiás – UFG.
2o Seminário brasileiro de museologia • 11

supplementary body of the Federal University of Goiás-UFG in the city of


Catalan. This anthropological museum has the function of dealing with the
preservation and dissemination of memory and southwestern cultural practices
Goias through different perspectives, whether historical, social, political and
environmental.
Keywords: Museum; Heritage; Memory: Southwest of the Goiás.

••••••••••

Introdução

O Museu, enquanto instituição social constitui-se como local de


contemplação, de fruição, de entretenimento, de prazer; possui compromissos
educacionais, funções sociais, mas principalmente insere-se no universo do
conhecimento. Nele, a cultura material constitui-se como documento, como
registro e suporte de significações culturais e identitárias e a exposição
museográfica como um discurso ou narrativa que visa a produção de sentidos.
A relação existente entre educação e museologia identifica aspectos referentes
ao caráter educativo dos museus e patrimônio presente nas diferentes funções
museológicas (preservação, pesquisa, comunicação) que qualifica a relação do
indivíduo com o patrimônio preservado, assim como auxiliam no processo de
formação da consciência histórica e noção de temporalidade, diálogo,
criticidade, participação, identidade e diversidade cultural.
Por outro lado, a museologia é uma disciplina científica que estuda certa
relação entre os seres humanos e seu meio e carrega em sua expressão a
valorização e afirmação de várias formas de identidade e, por conseguinte, tem
uma significação social mais ampla. A museologia estuda também os processos
internos aos museus (isto é, investigação, documentação, registro e exibição de
objetos) seus alcances transcendem os limites físicos dos museus, estuda o lugar
e o papel dos museus na sociedade, suas raízes políticas, sociais e econômicas
assim como seu possível papel no melhoramento da sociedade em que está
inserida.
Uma museologia que se propõe “crítica” defende que o conhecimento
produzido e exposto pelos museus está cultural, social, política e
2o Seminário brasileiro de museologia • 12

economicamente determinado e, por conseguinte reflete um momento específico


da sociedade que o produz. Neste sentido, se desejamos compreender e
administrar tais instituições devemos estar conscientes do marco sócio-político e
econômico em que se desenvolveram/em.
Enquanto os processos que envolvem os objetos nos museus, a
museologia que se propõem “crítica” reforça que dentro dos museus se dá um
processo dual em relação com os objetos que se converterão em “musealia”2.
Primeiro se tem o processo de musealização e logo o de patrimonialização; o
primeiro se inicia quando os objetos são adquiridos pelo museu e se inicia o
processo de documentação, registro, catalogação e investigação. Nesta etapa o
objeto perde seu “valor de uso” e “valor de troca” ao mudar de função quando
é posto dentro do museu em seus espaços e em caminho a adquirir a aura que
o levará a converter-se em “objeto de museu”, isto é, a mostrar-se mediante seu
valor de signo e de símbolo. Quer dizer, fala-se de um “valor signo” quando se
faz referência às conotações, implicações simbólicas que possuem os objetos
enquanto que se fala em “valor símbolo” quando se toma em conta os fatos que
tiveram o objeto como ator ao longo de sua permanência na sociedade. Assim
a musealização implica o reconhecimento da “musealidade” (isto é, o “valor
signo” e o “valor símbolo”) dos objetos da vida cotidiana. O processo mesmo
de aquisição do objeto é produto de uma decisão determinada pelas condições
econômicas, políticas e sociais, neste primeiro passo mostra-se uma decisão
consciente e intencionada por parte do colecionador (isto é, o museu como
instituição).
O objeto musealizado chega a ser patrimônio (isto é, “patrimonializado”
no sentido mais amplo) uma vez que é exibido e usado como meio educativo.
Assim, um objeto torna-se “objeto de museu” pleno ou completo quando
alcança seu máximo potencial como portador de informação e como ferramenta
educativa. Em outras palavras, o processo de musealização ortoga a
potencialidade enquanto a exibição do objeto como parte de um determinado
discurso e estratégia educativa (isto é, patrimonialização) atualiza sua condição
2
O termo “museália” é utilizado para designar “objetos de museu”. O objeto do museu é feito
para ser mostrado, com toda a variedade de conotações que lhe estão intrinsecamente
associadas, uma vez que podemos mostrar para emocionar, distrair ou instruir.
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de patrimônio. Neste sentido a musealização envolve mais que a mera


conservação dos elementos que compõem o objeto ou grupo de objetos e a
análise detalhada do arranjo espacial dos ditos componentes no museu. O
estudo do significado de um objeto está relacionado não somente com seu
estado atual senão também com as condições sócio-econômicas e políticas de
sua produção quer dizer, está em relação direta com o estudo da sintaxe e
retórica do objeto dentro da exibição museística evidenciando sua referência a
objetivos sociais e a uma lógica social e identitária específica.
Sob esta lógica, os museus também podem ser identificados como
instituições da memória e como agentes privilegiados com a dimensão
emancipadora, eles produzem (re)construções visuais, textuais e significativas da
realidade histórico-social dos seres humanos que buscam comunicar uma
mensagem que tem como objetivo o melhoramento da qualidade de vida dos
indivíduos da sociedade. O museu envolve também a dimensão de
comportamento individual e/ou coletivo dos indivíduos frente ao seu patrimônio
histórico/cultural e por outro lado, deve desenvolver mecanismos para que a
partir desta relação o patrimônio seja transformado em herança e esta, por sua
vez, contribua para a necessária construção das identidades (individuais e/ou
coletiva) e pertencimentos.
Neste sentido, a presente pesquisa objetiva explorar todo o potencial que
os artefatos culturais preservados oferecem como recursos educacionais,
desenvolvendo as habilidades de observação, atribuição de sentidos,
contextualização e construção do conhecimento em sua multiplicidade, visando
à ampliação da capacidade crítica dos atores sociais envolvidos. Pois a vista ao
museu se converte em uma “experiência” em termos de aprendizagem e
entretenimento. Inicia-se assim o processo de conversão dos museus enquanto
“espaços mortos” a “promotores de aprendizagem contínua”, “pontos de
encontro” e de reconhecimento identitário das comunidades que os rodeiam.
Tratando-se de museus universitários, não se pode desconhecer que estes
estão inseridos nas lógicas e práticas do campo científico (Bourdieu, 2004),
sendo influenciados pelas práticas de pesquisadores, professores e gestores
deste campo. Efetivamente, há museus universitários de todas as áreas do
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conhecimento, que poderiam estar agrupados em torno de seus similares não


universitários.
Assim podemos pensar nos chamados museus antropológicos,
etnográficos e etnológicos em que, na maior parte das vezes, o fato de ser um
museu universitário é determinante para sua configuração institucional, tanto no
nível da sua missão e objetivos, quanto no nível de suas políticas de gestão
institucional (Ribeiro, 2013).
Segundo Delicado:

Geralmente os museus tutelados por instituições universitárias são


necessariamente dirigidos por docentes ou pesquisadores. Estes cargos são
ocupados por indivíduos com um interesse particular pela museologia ou
divulgação científica ou por docentes do respectivo departamento, escolhidos
em regime de rotatividade ou por responderem a necessidades específicas dos
museus (2008, p.57).

Pensando especificamente em uma coleção etnográfica construída no


âmbito universitário identificamos, potencialmente, características distintas de
outras coleções, construídas fora das universidades. Mudam os sistemas de
classificação dos artefatos, muda a documentação associada, muda o uso,
muda o público alvo, etc. Neste sentido, a presente comunicação apresentar o
Museu Antropológico do Cerrado-MACER, criado no ano de 2015 como órgão
suplementar da Universidade Federal de Goiás-UFG na cidade de Catalão. Este
museu antropológico tem como função tratar da preservação e divulgação da
memória e das práticas culturais do sudoeste goiano por meio de diferentes
perspectivas, seja elas históricas, sociais, políticas e ambientais.

Museu: evolução histórica do conceito

A partir da criação do primeiro museu3 com caráter público, em fins do


século XVIII, se intenta analisar o conceito de museu como uma realidade
dinâmica que se vem desenvolvendo até os dias atuais. Na atualidade, se dá
uma forte crise de identidade dentro da instituição museística, cujas causas

3
A palavra museu tem sua origem no termo latim museum, que por sua vez deriva da palavra
grega mouseion, ou ainda, “casa das musas”. Na mitologia grega, as musas eram filhas de
Zeus e Mnemósine, sendo “deusas que deleitam o coração de Zeus e inspiram os poetas”
(Brandão, 1986, p. 153). Cada musa, ao todo nove, representava um ramo específico da
literatura, da ciência e das artes.
2o Seminário brasileiro de museologia • 15

levam a definir novas políticas culturais que apostam pela proteção,


conservação e defesa do patrimônio quer seja local, regional, nacional e/ou
mundial.
Para entendermos a origem dos museus é necessário vincular a dois fatos
importantes: o Colecionismo e a Ilustração.
O Colecionismo, desenvolvido ao logo de distintas etapas históricas, tem
seus antecedentes em tempos pretéritos. Alguns querem situar sua origem no
momento do saque da Babilônia pelos Elamitas no Antigo Oriente, que
saquearam da cidade os objetos mais valiosos, expondo-os posteriormente
(1176 a.c.).
Na Europa, tal Colecionismo alcança seu auge com as monarquias
absolutas. De fato, paralelamente ao colecionismo “estatal” ou oficial, se
desenvolve o colecionismo privado. Este fenômeno, ainda que generalizado em
toda Europa teve seus melhores expoentes em países com Holanda e Grã
Bretanha Esta tradição europeia vai encontrar eco no outro lado do Atlântico
onde a formação dos primeiros museus americanos será devida ao
colecionismo privado. Evidentemente, esta iniciativa privada permitiu de
maneira positiva o futuro de tais instituições que, ao carecer da tradição cultural
européia e unido ao fato da rápida ascensão como potência economia, foi à
iniciativa privada a promotora de criar este tipo de instituição como forma de
preencher o vazio cultural (Hernández Hernández, 1992).
O segundo fator que impulsionou a criação dos museus é consequência
direta da Ilustração, processo que cuminou com a Revolução Francesa. Neste
momento teve lugar a criação, com caráter público, do Musée du Louvre (1793),
que serviu de modelo aos grandes museus nacionais europeus. Além disso,
antes deste grande acontecimento, se inaugurou em 1683 The Ashmolean
Museum administrado pela Universidade de Oxford. Este teve a particularidade
de que se criou a partir de coleções privadas de áreas bastante diversas: de
história natural, de arqueologia e numimástica, artes etc., com a dupla função
de educar e conservar. Estes museus (e muitos outros que se seguiram a partir
destes) tinham um caráter quase sagrado e eram símbolos da identidade
cultural da nação a que pertenciam.
2o Seminário brasileiro de museologia • 16

Como toda instituição social, os museus estão em constante


transformação. De forma que estes, considerados como “asilos póstumos”,
“mausoléus” ou “santuários”, se vão convertendo em lugares de aprendizagem,
de investigação e fruição, articulado com a indústria do lazer e do turismo
dedicada ao prazer e ao consumo cultural, em que a ação comunicacional tem
uma função fundamental. Estas mudanças que ocorreram de maneira rápida
nos leva a refletir sobre o que deve ser o museu hoje.
As primeiras definições “oficiais” do museu surgem no século XX e
emanam do Comitê Internacional de Museus criado em 1946. Em seus estatutos
de 1947, o artigo 3 reconhece a qualidade do museu a toda instituição
permanente que conserva e apresenta coleções de objetos de caráter cultural ou
científico com fins de estudo, de educação e deleite.
Em versão aprovada pela 20ª Assembléia Geral do ICOM – Conselho
Internacional de Museus em Barcelona, Espanha no dia 6 de julho de 2011 4
volta a dar uma nova definição em seus estatutos. Assim, no título 2, artigo 3,
afirma que museu é uma “instituição permanente, sem fins lucrativos, ao serviço
da sociedade que adquire, conserva comunica e apresenta com fins de estudo,
educação e deleite testemunhos materiais do homem e seu meio” (citado por
Hernández Hérnandez, 1992).
No Brasil, o Estatuto dos Museus – Lei 11.904/2009 considera os museus
como instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam,
interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação,
contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico,
científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a
serviço da sociedade e de seu desenvolvimento. E que tem como princípios
fundamentais:
I – a valorização da dignidade humana;
II – a promoção da dignidade humana;
III- o cumprimento da função social;
IV – a valorização e preservação do patrimônio cultural e ambiental;
V – a universalidade do acesso, o respeito e a valorização à diversidade cultural;
VI – o intercâmbio institucional.

4
Este Código de Ética foi revistro pela 21ª Assembléia Geral realizada em Seul, Coréia do Sul,
em 8 de outubro de 2004.
2o Seminário brasileiro de museologia • 17

Sob esta perspectiva torna-se necessário refletirmos sobre o fato de que o


patrimônio histórico/cultural é não renovável e que as gerações futuras têm o
direito de conhecê-lo. O viés pedagógico deve acompanhar as práticas dos
museus e aquelas vinculadas ao patrimônio. A educação patrimonial deve ser
encarada como uma das funções do museu na medida em que é um
mecanismo fundamental para sanar ou minimizar a falta de conscientização das
comunidades sobre a importância da preservação de seus bens culturais.
A proposta de criação do Museu Antropológico do Cerrado- MACER pela
Universidade Federal de Goiás, na cidade de Catalão, propõe-se a abrigar um
patrimônio material e imaterial (ligados a várias etnias e/ou grupos sociais) da
região do sudoeste de Goiás e que compreende alguns conceitos importantes,
previstos pelo ICOM que ilustram experiências profissionais no universo museal.

O Museu Antropológico do Cerrado-MACER


O Museu Antropológico do Cerrado – MACER é um órgão vinculado ao
Centro Integrado do Cerrado – CIC que é um centro interdisciplinar de
pesquisa, ensino, extensão e cultura da Universidade Federal de Goiás – UFG
da Regional Catalão (RC), subordinado e coordenado pela Unidade Acadêmica
Especial de História e Ciências Sociais com pessoal técnico especializado e
técnico-administrativos próprios. Seu projeto de implementação teve início em
2012 e o convênio entre a SEFAC5 e a UFG/RC foi assinado em abril de 2015
permitindo o início as atividades em local adequado visto que o MACER abriga
o acervo histórico e etnográfico recolhido na região do rio São Marcos onde foi
instalada esta usina hidrelétrica. Segundo Santos; Costa e Barros:

O acervo da primeira coleção etnográfica do MACER decorre das memórias das


comunidades que tiveram que ser deslocadas para outras regiões. Trata-se, portanto, de
uma forma de preservação das práticas culturais, de memória e de agenciamentos
coletivos dos grupos populacionais afastados de sua ambiência tradicional e afetados
por barragens (2015, p. 3).

5
Refere-se à Usina Hidrelétrica Serra do Facão construída no rio São Marcos, no estado de
Goiás, que entrou com a primeira unidade geradora de energia em operação comercial no mês
de julho de 2010 e a segunda em agosto do mesmo ano. Localiza-se entre os municípios de
Catalão e Davinópolis, ambos no Estado de Goiás.
2o Seminário brasileiro de museologia • 18

O MACER tem por objetivo fundamental apoiar e desenvolver a pesquisa


antropológica interdisciplinar, da qual se origina o acervo nele existente e a sua
organização, focalizando o estudo das manifestações culturais da região centro-
oeste do Brasil e, particularmente, do sudoeste goiano.
Da análise da cultura regional decorrem ações de inventário,
documentação, conservação, segurança, preservação, divulgação do
conhecimento científico e comunicação de seu acervo a partir de recursos
expográficos, de ações sócio-educativas e publicações.

Fachada do Centro Integrado do Cerrado-CIC e do Museu Antropológico do Cerrado- MACER,


Catalão/GO
Foto: acervo do autor, 2014.

Ainda permanecem como objetivos do MACER:


o Abrigar a documentação gerada pelo projeto “Caminhos da memória: caminhos
de muitas histórias. Levantamento e registro do Patrimônio Histórico-Cultural dos
municípios atingidos pela UHE Serra do Facão” que consta de: livros, filmes,
fotografias, histórias de vida (cds), cartas, plantas (dentre outros); além de
outros projetos similares.
o Abrigar monografias, dissertações e teses que tratem da história e da memória
regional.
o Permitir a consulta de toda a documentação.
o Estimular a pesquisa na graduação e pós-graduação sobre a história e cultura
regionais.
o Planejar exposições de fotografia, filmes e palestras, semestralmente, versando
sobre os temas expostos na documentação do Centro de Referência, abertas à
comunidade e escolas da região.
o Agilizar o intercâmbio Universidade/Sociedade na proteção dos registros
históricos e culturais, preservando o patrimônio material e imaterial da região.
2o Seminário brasileiro de museologia • 19

o Estabelecer parcerias com instituições científicas voltadas para as dimensões de


ensino, pesquisa e extensão, quer com empresas estatais e privadas que atuam
na área de patrimônio ambiental, destacando-se os aspectos antropológicos,
políticos e sociais específicos do Cerrado brasileiro.
o Desenvolver pesquisas antropológicas e estudos culturais em áreas de
empreendimentos de pequeno, médio e grande porte.
o Executar programas de mitigação de impactos ambientais relativos aos bens
patrimoniais culturais e ambientais.
o Promover treinamento nas áreas interdisciplinares das Ciências Sociais, em
particular à Antropologia, História, Sociologia e Geografia.
o Desenvolver pesquisas etnográficas, etnológicas e antropológicas, visando
divulgação através de publicações, documentários etnográficos, cursos,
palestras e projeções em vídeo.
o Programar mostras temporárias resultantes dos projetos de pesquisa em
andamento.
o Conservar pesquisas, comunicar e exibir, para propósitos de estudo, educação,
ampliação da consciência coletiva e lazer, as evidências materiais da cultura e
do ambiente.
o Colecionar documentos, conservar, exibir e interpretar evidências materiais e
informações associadas para o benefício do público.
o Conservar e apresentar coleções de objetos de caráter cultural ou científico,
para fins de estudo, educação e satisfação.

O Museu Antropológico do Cerrado-MACER e Educação Patrimonial no


Sudoeste Goiano

A noção de educação nos museus tem se alargado com o passar dos


anos, como um reflexo da ampliação do foco de interesse das discussões na
área da museologia, que se expandiu das coleções ao fator humano nas
instituições museológicas. A concepção do museu enquanto instituição
educadora, tendo ou não um setor específico encarregado da ação educativa,
ganha evidência, sobretudo entre os profissionais do meio.
Um museu comprometido com sua sociedade priorizará ações que
instrumentalizam seu público, contribuindo para o seu processo de
desenvolvimento pessoal, por meio de experiências que privilegiem a
aprendizagem. Segundo Figurelli o museu deve proporcionar

aos seus públicos o acesso a uma formação voltada para o contato com os
espaços museológicos, que os estimulem a olhar criticamente, a ler os objetos e
os espaços, a identificar as mensagens subentendidas, a perceber o discurso
oculto na expografia, a criar novos significados, relações, narrativas (2001, p.
119).
2o Seminário brasileiro de museologia • 20

Muito além da visita guiada à exposição, a ação educativa em museus


deve privilegiar a preparação para as “leituras” da exposição, direcionando
suas iniciativas para a formação integral do indivíduo. Assim, a ação educativa
em espaços museais, utilizando-se de textos, atividades, visitas, palestras, etc.,
torna-se capaz de potencializar a construção de conhecimentos do público em
sua multiplicidade desenvolvendo um olhar curioso e investigativo no contato
com a instituição, com os objetos ali guardados e com o patrimônio seja ele
natural, histórico, biológico, cultural, material ou imaterial visando ampliar sua
capacidade crítica e reflexiva. O museu deve ser capaz de instrumentalizar o
indivíduo, qualificando a relação que este estabelece com a sua realidade
mediante iniciativas que potencializem essa interação.
Neste contexto, cabe salientar que a museologia, enquanto saber
acadêmico nos oferece a oportunidade especial de aproximação sistemática
com a sociedade presente, para a necessária e requisitada devolução do
conhecimento, uma vez que vincula suas principais preocupações em dois
níveis, a saber: a) na identificação e análise do comportamento individual é/ou
coletivo dos sujeitos frente ao seu patrimônio e; b) no desenvolvimento de
processos técnicos e científicos para que, a partir dessa relação, o patrimônio
seja transformado em herança e contribua para a construção das identidades.
Pensar o museu no todo, enquanto um processo educativo, e identificar
as possibilidades de aprendizagem presentes nas tarefas cotidianas da
instituição, são o diferencial para o museu que pretende colaborar com a
sociedade na qual está inserido. É preciso compreender que os museus possuem
potencial para oferecer oportunidades educacionais para todos os públicos. É
preciso identificar o caráter educativo presente na ação de pesquisa,
preservação e comunicação.
Atualmente o MACER consta de 4 projetos de pesquisa que envolvem
professores e alunos bolsistas (e também voluntários) dos cursos de história e
ciências sociais da UFG/RC intitulados: a) Saberes, práticas e lugares: as
cidades de Goiás, suas trilhas, seus sujeitos, suas memórias; b) Museu: cultura e
identidade; c) Arqueologia: cultura e reconstituição; d) Antropologia, Imaginário
e Memória.
2o Seminário brasileiro de museologia • 21

E como atividades de ensino existe a possibilidade das atividades de


estágio do bacharelado em história e do bacharelado em ciências sociais serem
realizadas no MACER sob a supervisão de um Professor Responsável, além da
oferta regular de duas disciplinas: Laboratório de Prática de Pesquisa em
Patrimônio Histórico-Cultural (obrigatória para alunos do Bacharelado em
História e optativa para os demais cursos oferecidos pela UFG) e o Laboratório
de Etnografia, Museologia e Arqueologia (obrigatória para alunos do
Bacharelado em Ciências Sociais e optativa para os demais cursos oferecidos
pela instituição).

Considerações Finais

A proposta da criação do Museu Antropológico do Cerrado - MACER


pela Universidade Federal de Goiás da Regional Catalão determina, com suas
múltiplas tarefas, investimentos e estratégias sociais e políticas, o
estabelecimento de uma instituição museal sem fins lucrativos, aberta ao público
acadêmico ou não, e que se destina à coleta, inventário, documentação,
preservação, segurança, exposição, promoção da educação patrimonial e
comunicação de seu acervo.
Um dos princípios fundadores da cultura reside na sua dinâmica e
vitalidade. A suspeição dos registros da cultura ou das expressões culturais
populares assenta-se, portanto, na ideia de que seja considerado inoportuno
defini-la como um conjunto preciso de elementos que se mantêm intactos, uma
vez que seus usos e sentidos incorporam significados ao longo do tempo.
A proteção do patrimônio cultural na região do sudoeste goiano pode
constituir-se de uma condição essencial para a conservação de dados
fundamentais sobre os processos históricos e culturais desta realidade
garantindo, inclusive, a consolidação de sua memória sócio-histórica,
identidade e alteridade, bem como suscitando processos de valoração e
preservação do patrimônio regional enquanto práticas de educação e
cidadania.
2o Seminário brasileiro de museologia • 22

Educar para o patrimônio é, antes de tudo, possibilitar a compreensão da


importância do mesmo com bem público, como parte da história e das
identidades dos indivíduos que compõem uma dada sociedade. Ações
permanentes de difusão do conhecimento etnográfico, histórico, museológico e
arqueológico desta região devem ser identificadas como formas de garantir a
democratização do patrimônio do sudoeste goiano, compreendendo-os como
expressões culturais regionais e frutos das transformações dos seres humanos e
seu tempo.

Referências

BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega – Volume 1. Petrópolis, Vozes,


1996.
BOURDIEU, Pierre. Os Usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do
campo científico. São Paulo, UNESP, 2004.
DELICADO, Ana. Os Museus e a promoção da cultura científica em Portugal.
Sociologia, Problemas e Práticas [online], n. 51, 2006. Disponível em:
<http://www.scielo.
oces.mctes.pt/scielo.php?pid=S087365292006000200004&script=sci_arttex,
Acesso em: 02 mar., 2015.
FIGURELLI, Gabriela Ramos. “Articulações entre educação e museologia e suas
contribuições para o desenvolvimento humano” In. Revista Eletrônica do
Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS
Unirio/MAST – Vol. 4, n. 2, 2001.
HERNÁNDEZ HERNÁNDEZ, Francisca. “Evolución del concepto de museo” In.
Revista General de Información y Documentación, Vol. 2 (1), 85-97, Edit.
Complutense, Madrid, 1992.
JENKINS, Keith. A História Repensada. São Paulo, Contexto, 2001.
Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009. Estatuto dos Museus. Disponível em:
<<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2009/Lei/L11904.htm>>, acesso em: 21/07/2015.
RIBEIRO, Emanuela Sousa. “Museus em Universidades Públicas: entre o campo
científico, o ensino, a pesquisa e a extensão” In. Museologia &
Interdisciplinaridade - Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciência da
Informação da Universidade de Brasília. Vol. II, nº 4, maio/junho de 2013.
SANTOS, Regma Maria dos; COSTA, Ismar; BARROS, Sulivan Charles. CIC –
Centro Integrado do Cerrado: preservando e divulgando a memória regional.
In. Anais do I CONPEEX – Congresso de Pesquisa, Ensino e Extensão da Regional
Catalão- UFG. 2015 (no prelo).
2o Seminário brasileiro de museologia • 23

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA APRENDIZAGEM


SIGNIFICATIVA

Vanda Marinha Silva Gomes1

Áurea da Paz Pinheiro2

Resumo
O presente artigo objetiva refletir de forma mediática sobre a relevância da
Educação Patrimonial nas instituições na cidade de Caxias-MA, para o
reconhecimento e pertencimento do patrimônio nas relações sociais e das ações
educativas que dialogam com as concepções de território, museu, museologia,
história, memória, na perspectiva de definir diretrizes que ressaltam o valor
patrimonial contribuindo com a identificação, valorização de uma história
secular. Metodologicamente o trabalho será desenvolvido através da pesquisa-
ação, tendo como suporte teórico-metodológico os autores Varine (2005),
Poulot (2005), Hernández (2006), Barbosa (2008), dentre outros, caracterizando
contribuições relevantes que impulsione mudanças reflexivas na postura social,
cultural e educativa da comunidade. Tendo ainda, análise das ações educativas
voltadas para a valorização do acervo patrimonial da cidade, contribuindo
assim, para difusão de políticas de afirmação do patrimônio. Posteriormente,
fundamentar-se-á dinâmica documental, oral e visual, perspectivando equalizar
as atitudes inovadoras, proporcionar integração entre o fazer e o refletir, e
transformar isso em algo pertinente e viável para a valorização da identidade
patrimonial da comunidade via interdisciplinaridade, escola, museus e espaços
alternativos. Como escolha para fundamentação e caracterização do
patrimônio, selecionou-se Caxias – MA, cidade que moldou-se ao longo dos
séculos e se projeta na perspectiva de ser reconhecida como patrimônio cultural,
berço de cultura, celeiro de literário, dona de um acervo arquitetônico rico e
variado, recantos naturais deslumbrantes. Portanto, as vias de concretização e
sistematização do reconhecimento, perpassam pela educação patrimonial e
pelas ações discutidas, refletidas nos espaços educativos formais e não-formais
como museus, associações, mostrando, também, as contribuições da arte como
parceira na valorização e construção de identidade e pertencimento de histórias
de vida.

1
Mestranda em Artes, Patrimônio e Museologia da UFPI, Licenciada em Artes Visuais pela
Universidade Federal do Maranhão, Especialista em Educação Infantil, foi monitora e Professora
da Universidade Aberta do Brasil- UFMA, Professora de Arte do Instituto Federal do Maranhão –
IFMA. e do Serviço Social do Comércio – SESC.
2
Doutora em história pela Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Pós-doutora em
Ciências da Arte e do Patrimônio, Especialista em Museologia pela Universidade de Lisboa –
Portugal, professora da Universidade Federal do Piauí.
2o Seminário brasileiro de museologia • 24

Palavras-chave: Patrimônio; Educação Patrimonial; Ações educativas; Museus;


História.

Abstract
This article aims to reflect the way media about the importance of heritage
education institutions in the city of Caxias-Ma, for the recognition and
membership of the equity in social relations and educational activities that
dialogue with the territory of concepts, museum, museology, history, memory,
with a view to set guidelines that highlight the heritage value contributing to the
identification, valuation of a secular history. Methodologically the work will be
developed through action research, with the theoretical and methodological
support the Varine authors (2005), POULOT (2005), Hernández (2006), Barbosa
(2008), among others, featuring outstanding contributions to boost reflective
changes social position, cultural and educational community. Having further
analysis of educational activities aimed at valuation of assets of the city, thus
contributing to spread of heritage assertion policies. Subsequently, support to
dynamic documentary, oral and visual, viewing equalize innovative attitudes,
providing integration between make and reflect, and transform it into something
relevant and feasible for valuing assets identity via interdisciplinary community,
school, museums and alternative spaces. How to choose foundation and
characterization of heritage, was selected Caxias - MA, a city that has shaped up
over the centuries and projects in view of being recognized as cultural heritage,
the cradle of culture, literary barn, owner of an architectural heritage rich and
varied, breathtaking natural places. Therefore, the realization of roads and
systematization of recognition, underlie the heritage education and the actions
discussed, reflected in formal educational spaces and non-formal and museums,
associations, showing also the art of contributions as a partner in the valuation
and construction of identity and belonging of life stories.

Keywords: Heritage; Heritage Education; Educational activities; Museums;


History.

••••••••••

INTRODUÇÃO
É fato notório que o Patrimônio no Brasil nos remete a uma realidade
mais recente, isso se deu a partir de discussões ocorridas nas primeiras décadas
do século passado. Tendo como desdobramento a criação de órgão que
normatizasse essa discussão esclarecendo de forma oficial a sociedade para a
importância do patrimônio tendo em vista a construção de um acervo
2o Seminário brasileiro de museologia • 25

indenitário, de valorização de uma história viva e preservação dele ao longo dos


anos.
Mediante cenário, em 1937, instituiu-se a criação do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, onde foi manifestado em
documento a relevância de iniciativas, projetos, e de ações educativas, que
tivesse em suas premissas o interesse em proteger e preservar o patrimônio.
(IPHAN, 2014, p. 6). A partir de então, surge à necessidade de fundamentação
sistêmica e cria-se uma seção dos museus, com caráter de promover e discutir
ações educativas, assim como: exposições regionais e federais em consonância
com a participação da comunidade local.
No transladar da criação da seção de museus, traz-se à luz, discussões
pertinentes aos diálogos entre o poder público e a comunidade, proporcionando
a essa, um acesso decisório em relação à conscientização e valorização de sua
história, perspectivando dotá-la de conhecimentos específicos relacionados ao
patrimônio cultural, artístico, histórico, material e imaterial. Remetendo-o a
importância de resgatar ou reafirmar a sua história e seu lugar de memória.
Pensando nesse lugar de memória, desnuda-se a cidade de Caxias-MA,
palco de acontecimentos históricos, de riquezas seculares, de paisagens
insinuantes, de belezas naturais. O município com um patrimônio cultural rico e
emblemático, que vive uma dinâmica cultural intensa, mas, carece de reflexão
no que diz respeito a sua história e de seu legado, como uma política que
restaure a construção de identidade local.
Percebe-se que a fragilidade de entendimento do “povo” em não se sentir
parte desse patrimônio se justifica no panorama de não entendê-lo como
herança individual e coletiva, tornando-se um entrave na concepção de
preservá-lo, vivo e sustentável, portanto, as ações educativas e a educação
patrimonial é o viés de reconhecimento, de construção de identidade e
valorização da própria história.
Nesse interim, usar a Educação Patrimonial torna-se, um meio viável no
processo de ensino e aprendizagem da comunidade, objetiva ressignificar ações
de valorização sobre o Patrimônio. Nesse tópico se encontra a fonte primária de
2o Seminário brasileiro de museologia • 26

atuação, além disso, enriquece e fortalece o conhecimento individual e coletivo,


histórico de uma sociedade.
No prisma de um diálogo reflexivo, entre Patrimônio, Educação
Patrimonial, ações afirmativas de valorização de uma identidade histórica,
museu, museologia, território. Faz-se necessário uma fundamentação nas bases
teóricas de Varine (2005), e compreender a dinâmica de museus, ter
entendimento sobre Museu e Museologia na concepção de Poulot (2005). Além
de entender termologia e sua classificação, diante dos estudos de Hernández
(2006), sobre Planejamento teóricos de La museologia, as cartilhas sobre
Educação Patrimonial do IPHAN, Educação Patrimonial, na visão de Florêncio.
Passear nas orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006). Conhecer as
premissas de LEMOS sobre O que é Patrimônio Histórico. E de Almeida (2012),
sobre O Patrimônio edificado do centro histórico de Caxias-MA, que discorre
sobre a cidade pesquisada entre outros que são necessários ao longo da
construção do texto, apoiando-se na dinâmica da cidade, a paisagem natural e
nas relações que implicam na apropriação desse patrimônio, como ferramenta
de reconhecimento de uma história edificada ao longo dos séculos.
Metodologicamente o trabalho será desenvolvido inicialmente por meio
de pesquisa-ação, caracterizada pela colaboração entre integrantes da pesquisa
e a comunidade, visando um caráter participativo e ativo, fundamenta-se
contribuições relevantes que impulsione mudanças reflexivas na postura social. E
ainda, pesquisas bibliográficas e documentais, com objetivo de levantar dados
históricos e econômicos que moldaram a cidade no século XIX, com intuito de
analisar e comparar dados cronológicos e as relações de poder com o contexto
atual.
Em outro momento, analisar as ações educativas voltadas para a
valorização do acervo patrimonial da cidade, contribuindo assim, para difusão
de políticas de afirmação do patrimônio. Posteriormente, analisar a dinâmica
documental, oral e visual, com o propósito maior da pesquisa-ação, equalizar
todas essas atitudes inovadoras, proporcionar integração entre o fazer e o
refletir, e transformar tal pesquisa, em algo pertinente e viável. Tendo como
2o Seminário brasileiro de museologia • 27

fruto desse estudo um aplicativo que possibilite a comunidade passear na sua


história, entre casarões coloniais, paisagens naturais e recantos históricos.

1 CAXIAS–MARANHÃO: RECONHECIMENTO DE SEU PATRIMÔNIO CULTURAL


ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO PATRIMONIAL
Sendo uma das cinco principais cidades do Maranhão, Caxias foi
também palco de combates de alguns movimentos populares que abalaram o
Norte e Nordeste do Brasil no século XIX, a exemplo do movimento denominado
balaiada (movimento inicialmente popular, onde escravos lutaram por melhor
situação de vida) e de possuir um acervo ricamente diversificado de patrimônio
material e imaterial, além de ser berço de poetas como Gonçalves Dias,
Vespasiano Ramos e Coelho Neto.
Vale ressaltar que a cidade de Caxias localiza-se na região do rio
Itapecuru, a 370 km de São Luís, de formação étnico com raízes indígenas
(Timbiras e Gamelas). Surgiu no século XVIII, foi elevada a cidade em 1836,
com o nome de Caxias das Aldeias Altas. Em função da chegada dos
portugueses em 1716, surge uma crescente economia baseada na cultura
algodoeira e logo a crescente urbanização da cidade, com forte influencia da
arquitetura luso brasileira. E que segundo Almeida. Sobre essa prática completa:

Em função da atividade econômica, o núcleo urbano de Caxias vai se


delimitando, à medida que as camadas sociais vão se apropriando
dos bens de produção e, consequentemente, se preocupando em ter
um espaço mais adequado à condição social. Portanto, a edificação
de casas suntuosas, bem como a estrutura funcional da cidade
(iluminação a gás, água e esgoto), espaço de lazer (praças e clubes),
prédios públicos administrativos, foram dando formas à cidade.
(ALMEIDA, 2009, p. 2).

Visto pelas contribuições de seu acervo arquitetônico, cultural e, até


mesmo, natural, Caxias torna-se um local próspero para ações afirmativas de
identidade histórica pela variedade de atrativos encontrados, justificando-se
uma cultura viva que emana do lugar.
Atrelar valores e significados ao patrimônio arquitetônico e cultural em
consonância com o nível de interesse, tornar Caxias uma cidade de visitação, de
redescobertas, e de valorização do patrimônio, incita fomentar conhecimentos
diversos permitindo o conhecimento do significado máximo de Patrimônio
2o Seminário brasileiro de museologia • 28

Cultural, entender as suas facetas e/ou divisão segundo os decretos e leis


estabelecidas pelo órgão que preconiza suas particularidades e especificidades,
o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN, estabelece uma
parceria coerente de viabilidade prática e que na sua essência afirma, que o
conceito é ampliado incluindo as contribuições dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira. Essa mudança incorpora o conceito de
referência cultural e significa uma ampliação importante dos bens passíveis de
reconhecimento.
Mas de fato o que é patrimônio? Para os estudiosos da área “é um
conjunto de bens de valores histórico, artísticos e culturais de povo” e seu
significado mais específico - herança paterna. É algo passado de geração a
geração”. Nas cartas patrimoniais diz: “é o conjunto de bens materiais e/ou
imateriais que contam a história de um povo e sua relação com o meio
ambiente. É o legado que herdamos do passado e que transmitimos a gerações
futuras.” (DECLARAÇÃO de Caracas, 1992).
É importante mencionar que o patrimônio classifica-se em Histórico,
Cultural, Ambiental ou Natural, podendo ser ainda Material e Imaterial,
mediante prerrogativas do IPHAN.
Nesse cenário de reconhecimento ou de pertencimento em relação ao
patrimônio de um povo, afirma-se a educação patrimonial como um viés
possível e construtivo, diante da perspectiva de ressignificar o valor patrimonial.
Todas as ações educativas serão válidas nesse processo mediático, segundo O
Guia Básico de Educação Patrimonial do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN), trabalha com o conceito de Educação Patrimonial
que institui-se como:

Processo permanente e sistêmico de trabalho educacional centrado no


Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e
enriquecimento individual e coletivo. A partir de experiência e do
contato direto com as evidencias e manifestações da cultura, em todos
os seus múltiplos aspectos, sentidos e significados, o trabalho da
Educação Patrimonial busca levar as crianças e adultos a um processo
ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança
cultural, capacitando-os para um melhor usufruto destes bens, e
propiciando a geração e a produção de novos conhecimentos, num
processo contínuo de criação cultural. (HORTA, 2006, p. 6).
2o Seminário brasileiro de museologia • 29

Evidencia-se tal afirmativa, considerando que a Educação patrimonial


perpassa pelas concepções educativas, a escola e museu, também, configuram-
se um espaço de dinâmicas, de planejamentos e execução de trabalhos voltados
para o desenvolvimento social, histórico e reflexivo de uma comunidade, e as
relações estabelecidas nas ações educativas direcionadas ao patrimônio
estimula a agregação de valores de preservação dos patrimônios culturais,
artísticos, ambientais incluindo a diversidade do território. Portanto, faz-se mister
conceituar espaço educativo:

Todo espaço que possibilite e estimule, positivamente o


desenvolvimento e as experiências do viver, do pensar e do agir
consequente [...] o espaço não é educativo por natureza, mas ele pode
tornar-se educativo a partir da apropriação que as pessoas fazem
dele, ou seja, o espaço é potencialmente educativo. (FLORENCIO
apud ALMEIDA, 2014, p. 35).

Percebe-se que a Educação Patrimonial deve ser uma conexão entre


aprendizagem e descobertas significativas para crianças, jovens e adultos, por
possibilitar articulações com a história, com a geografia e com a cultura
local/regional, redimensionando múltiplos olhares e práticas como por exemplo,
a preservação da cultura de um grupo específico num determinado tempo e
espaço por via das histórias orais e ou pelas danças típicas, dentre outros.
Essas descobertas, não se encerram mediante práticas educativas dentro
e fora do contexto escolar, pelo contrário eleva as possibilidades de interesse,
sensibilizando a sociedade local para discussão de políticas públicas voltadas
para a preservação, história e memória coletiva de um povo.
Mediante as ações educativas em relação às práticas de incentivos de
ações direcionadas para o patrimônio de um povo, a educação sistêmica, o
papel da escola torna-se um aliado imprescindível nesse contexto. Mesmo de
forma ainda tímida, ela se insinua diante da precariedade por se discutir as
políticas de atuação em torno dos programas sociais existentes na cidade de
Caxias, acaso do Programa Mais Educação. Programa do Governo Federal que
tem por objetivo constituir como estratégia do Ministério da Educação indução a
ampliação da jornada escolar e a organização curricular na perspectiva da
Educação Integral. Existente no bojo de ações educativas da rede Municipal e
Estadual, por aderirem ao programa, desenvolvem atividades com
2o Seminário brasileiro de museologia • 30

acompanhamento pedagógico nas áreas de educação ambiental, esporte e


lazer atuando há alguns anos, mas sem ações voltadas especificamente para a
preservação patrimonial da cidade. Ficando claro, que ainda não existe
nenhuma ação voltada especificamente para o turismo ou preservação e difusão
do patrimônio.
Em contrapartida, ações significativas de alguns professores e instituições
ligadas a educação e cultura da cidade começam a deslumbrar para uma nova
política de valorização da história e do patrimônio, por exemplo: passeios
turísticos pelo centro histórico da cidade e o Memorial da Balaiada em parceria
com o Serviço Social do Comércio, vem incentivando escolas, e comunidade
local visitar espaços museológicos, incentivando a população a compreender
esses territórios como lugares dinâmicos, interativos e lúdicos.
Entende-se, portanto, que discutir as proposição entre museus e ações
educativas que, também, acontecem em espaços alternativos tem a função de
comunicar, promover e estreitar laços de identidade e cidadania em
consonância com os bens patrimoniais de um povo. Atividades que
aparentemente pode se mostrar tímidas, surte efeitos maravilhosos a ponto de
ressignificar o olhar sobre o patrimônio, dando-lhe um novo valor, em relação a
essa importância, o autor enfatiza: “O que importa é que o patrimônio seja
reconhecido pela comunidade como seu” (VARINE, 2013, p. 39). Criando
possibilidades de apropriação e apoderamento, caracterizando o museu como
espaço democrático, de possibilidades de conhecimento não de um grupo a
mais de uma comunidade.
Nessas circunstâncias, Varine amplia sua concepção classificando os
diversos tipos de museus: o território, museu comunitário, escolar, ecomuseus,
museus parque-temáticos e cada um com sua especificidade. O que mais
chama atenção é a aproximação desses territórios de descobertas possíveis com
o foco de interesse de cada comunidade. Mediante a essa diversidade
museológica e de museu no entendimento do autor como sendo:

A propriedade da comunidade que lhe deu nascimento e que fez viver.


Ele é, enfim, um instrumento dinâmico do desenvolvimento dessa
comunidade, cujo material é o patrimônio no sentido mais amplo, mas
ele não é o único: as ideias, os projetos, as produções ainda não
2o Seminário brasileiro de museologia • 31

incorporadas ao patrimônio fazem parte dos meios de expressão do


museu. (VARINE, 2013, p. 189).

Neste ângulo, percebe-se que trabalhar com museu na escola, na cidade


de Caxias, tornar-se-á possível mediante entrosamento com um público, o
quanto instigante e provocativo será remetê-los a uma dimensão rumo ao
passado, possibilitando entender a sua história e recriar meios de preservar uma
memória respeitando esse acervo no presente.
Mediante uso do museu como suporte educativo em relação às vantagens
de usar o aporte museológico tem suas significações:

Capacitar os professores em relação ao valor patrimonial, levar os


pais a se conscientizarem do papel do patrimônio na educação de
seus filhos, na escola e fora dela. Enfim, habituar as crianças, desde a
primeira infância, a ver em três dimensões, a tocar e a respeitar o
patrimônio, a utilizá-lo como recurso educativo e suporte à
imaginação e à criatividade. (VARINE, 2013, p. 197).

Partindo da ideia de que as atividades educativas voltadas para a


educação patrimonial, promovidas nos espaços de diálogos (museus, becos,
ruas, praças, instituição, clube, etc.), contribui para aprendizagem dotada de
elementos caracterizadores que respeita e dialoga com o simbólico, político e
social, interagindo com o contexto daquele público, que é a comunidade.
Justificando essa contribuição, o autor, corrobora:

El museo parece poder contribuir al surgimento de um interes em el


seno espacio público.(...) como de reflexión coletiva a propósito del
patrimônio, tanto desde el punto de vista de la pertenencia y de la
identidad como experiência de La alteridad. La nueva cultura
museística alimenta, em especial, uma reflexión sobre La memória, su
trabajo, sus ambivalências y sus para-dojas, incluso sobre lós recursos
que oferece frente a la abyección histórica. (POULOT, 2005, p. 6).

Diante da ideia de contribuição, não se pode negar as parcerias e as


contribuições que os museus têm ou poderá ter se usado como um suporte
educativo, dotado de significado e potencializador de práticas inovadoras na
educação de um público específico. Nesse contexto, interroga-se o que é
museu? Segundo a etimologia clássica, a palavra museu remete a lugar das
musas, ou casa das musas, consoante Varine. No sentido mais amplo:

Museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da


sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público e que
promove pesquisas relativas aos testemunhos materiais do homem e
2o Seminário brasileiro de museologia • 32

de seu ambiente, adquire-os, conserva-os, comunica-os para estudo,


educação e prazer. (Conceito de museu do Conselho Internacional dos
Museus – ICOM).

1.1 O papel social do museu e a contribuição da arte


Compreendido como veículo de práticas educativas, o museu recorre às
possibilidades de reafirmar-se com ferramenta de difusão de conhecimentos. A
compreensão do papel social e educativo desses espaços é mediado pelo uso
de suportes artísticos e pela relação prática/interação/espaços museológicos e
obras de arte.
Vale salientar que a relação mediática dos museus e sociedade vem se
fortalecendo a cada ano, visto que tempos atrás, o museu era um lugar de elite,
sem espaço para o debate democrático de inclusão social. O museu tem
passado por um processo de democratização e de apropriação por partes das
diversas comunidades e tem acontecido uma forma direta em pensar a relação
com o público incentivando a interação, desse com espaço museológico e obras
de arte por exemplo.
Sabe-se que a função social dos museus é clara, mais não é uma
atividade simples, primeiramente essa ação tem e deve ser dialógica. O museu
não é um dispositivo de resposta e sim de questionamentos, portanto, a figura
de mediador, que interage entre o acervo e o visitante é essencial. A prática de
educação em museus não é fato novo, o que mudou no decorrer dos anos foi a
maneira de se trabalhar. Tempos atrás, as atividades educativas aconteciam de
forma pacífica, havia palestras sobre a exposição, obras e artistas. Hoje a
dinâmica é muito diferente, o visitante interage com o acervo, opina e dialoga
com o museu.
Hoje, os museus oferecem capacitações para professores e distribui
material de apoio pedagógico, capacitando os educadores para a perspectiva
de dá suporte as suas aulas e/ou assuntos e temas específicos, portanto, torna-
se uma ação mais rica. Prática fundamentada na Metodologia Triangular, que
caracteriza-se em: contextualizar, fruir e produzir arte. Metodologia
desenvolvida pela arte-educadora Ana Mae Barbosa3, que consiste em

3
Ana Mae Barbosa. Arte-educadora brasileira, que fundamentou a metodologia Triangular no
Brasil. método baseado na decodificação, contextualização e fruição em arte.
2o Seminário brasileiro de museologia • 33

oportunizar ao aluno visitas à espaços museológicos, capacita-los de


conhecimentos, levando-os a refletir sobre aquela produção, tendo como
resultado práticas significativas para os alunos. Práticas essas desenvolvidas
dentro de museus, espaços de fruição e integração.
A contribuição significativa à valorização dos espaços museológica na
atualidade, e a inserção da arte, tornaram-se parcerias que evolui de tal forma
que alguns museus vem se atualizando e até, renovando-se em função de novos
conhecimentos relacionados a saberes populares, formais e informais. Outros
buscaram complemento na tecnologia redefinindo as possibilidades de
conhecimentos artísticos e culturais, ampliando o leque de interesse de grupos
que visitam esses espaços e difusão de cultura. Sobre essa argumentação:

Reside em que ofrecen condiciones inéditas de visibilidad y la estúdio,


facilitando lãs comparaciones, la síntesis y la revisón, llegado el caso,
de lós saberes admitidos y lós lugares comunes. El visitante se vê
entonces invitado a compartir lós debates de lós expertos: es la
apreciación favorable de sus pares ló que lós conservadores,
convertidos em comisarios de exposiciones, buscan ante todo cuando
emprenden tales iniciativas. (POULOT apud HASKELL, 2002, p. 21).

Em relação a museu e artes visuais torna-se enriquecedora os aspectos


museológicos, por apresentar-se como experiência estética válida dentro dos
padrões artísticos-culturais. Sobre essa relação, afirma Hernandez:

Por esta razón, cada objeto, dentro del museo, adquire uma
dimensión simbólica que há de ser interpretada según lãs líneas
directrices de la hermenêutica cultural. Toda obra de arte puede ser
considerada como um objeto cultural que e há sido activamente de la
dinâmica del momento histórico en que há sido creada. Esto significa
que la obra expuesta em el museo participa de uma continuidad
histórica y cultural, que viene determinada por el tiempo y El espacio.
Y, al mismo tiempo, se presenta como um objeto que es capaz de
abrir el espíritiu de quien ló centempla a uma experiência mística y
estética que le sobrepasa, más allá de sus propios limites. Y el museo
sigue siendo el espacio más apropriado para la realización de
cualquier experiência estética. (HERNANDEZ, 2006, p. 84).

Sendo a arte uma das diretrizes de produção do conhecimento e vista


como fator de desenvolvimento intelecto- artístico e cultural, a sua inserção na
escola e fora desta faz-se necessária, sobretudo no contexto museológico. No
processo de mediação entre arte e práticas museológicos fator de
desenvolvimento como subsídio de aprendizagem lúdica e necessária na prática
2o Seminário brasileiro de museologia • 34

educacional e na perspectiva de entender o museu em suas facetas multicultural.


Essa parceria entre esses dois mundos tem como resultado um crescimento
estético por meio da arte.

Assim como na educação, o processo museológico é compreendido


como ação que se transformam que é resultado da ação que se
transforma, que é resultado da ação e da reflexão dos sujeitos sociais,
em determinado contexto, passível de ser repensado, modificado e
adaptado em interação, contribuindo, contribuindo para a construção
e reconstrução do mundo. (BUORO, 2009, p. 67).

Diante das significativas reflexões entre museu e arte, percebe-se que o


resultado é imediato, por haver uma inter-relação na busca de um aprendizado
entre ciência e arte, a partir de uma compreensão de caráter social do museu e
da arte, baseada na mediação cultural, expositiva e dialogada.
Todavia, mesmo diante de toda a articulação de melhoramento das
políticas sociais em torno das ações educativas dos museus, ainda existe a
fragilidade de uma clientela especifica que visite esses espaços periodicamente.
Parece que constantemente, os museus precisam melhorar suas propostas de
ações para atrair públicos para os espaços expositivos, é perceptível que não se
fala especificamente de espaços físicos ou de museus clássicos, comungam-se
museus dinâmicos, vivos e interativos, ou seja, de todos os tipos e/ou de formas
expositivas, mas que atraia expectador sedento de conhecimentos holísticos,
advindos de experiências museológicas.
Na obra “O amor pela arte” Pierre Bourdieu realizou um estudo para
entender a motivação que incentiva as pessoas a frequentarem museus. O
resultado foi revelador ao afirmar “que os museus abrigam objetos preciosos e
ou temáticas significativa para determinados públicos, paradoxalmente,
acessível a todos”. (BOURDIEU, 2000). E ainda, que em alguns casos, a
ausência também se justifica pela falta, de interesse (formação culta) e/ou
também e pela demanda da condição econômica.
Evidenciam-se as pesquisas, que embora alguns espaços sejam públicos,
o visitante ainda detém de um poder econômico melhor que a grande maioria,
essa situação de poder influencia na acessibilidade de muitos.

Considerando que nada é mais acessível do que os museus e que os


obstáculos econômicos – cuja ação é evidente em outras áreas – têm
2o Seminário brasileiro de museologia • 35

pouca importância, parece que há motivos para invocar a


desigualdade natural das “necessidades culturais”. (BOURDIEU, 2000,
p. 69).

Na contramão da adversidade artística, econômica e cultural, o papel do


museu é trabalhar na desmistificação que o museu é um espaço por excelência
de pessoas cultas, no sentido de conhecimentos adquiridos nas academias e
afirmar o poder de transformação de conhecimentos do senso comum advindos
de realidades diversas, e capacitando-os por meio ações educativas e culturais a
perceber que o outro lado da sociedade faz parte do contexto multicultural. E
que o museu e a arte são catalisadores no processo de mediação pluricultural e
histórica de uma comunidade. Sobre a contribuição da Arte na perspectiva
holística, a autora comenta:

Refletir sobre o papel da arte para que haja o resgate da imagem do


ser humano global implica assumir a óptica de novo paradigma da
ciência da contemporaneidade e navegar por conceitos que une arte e
ciência, pois a mesma imaginação criadora que produz ciência produz
arte. (BUORO, 1999, p. 30).

Entretanto, vale ressaltar, que a interação entre arte e museu é válida e


poderão ser inclusas nas ações educativas interdisciplinares que priorize essas
parcerias e contribuições, visando foco de interesse em relação a acessibilidade
aos espaços museológicos.

CONCLUSÃO
Na mudança de postura, frente as ações educativas que relacionam-se
com a educação patrimonial, as práticas educativas fortalecem as reflexões
entorno dos espaços vivos e chama a comunidade para apoderar-se desse
legado, na perspectiva da emancipação cultural. No Brasil, as políticas
relacionadas ao patrimônio deslumbram na perspectiva de transformação, os
mecanismos de preservação e valorização da cultura patrimonial. Em um
recorte, Caxias desperta para discussões que remete principalmente para o uso
do museu com divulgador de potencialidades, artísticas, históricas e culturais,
firmando parcerias com escolas com pretensão de construir novos conceitos
sobre patrimônio, museus, território.
Tendo como pressuposto básico tal desenvolvimento, busca-se subsídios
que torne o cidadão dotado de experiências museológicas, históricas em
2o Seminário brasileiro de museologia • 36

diferentes níveis sociais. Portanto é preciso que a política governamental invista


em cultura, em museus e nas ações sociais, aliada ao conhecimento.

Se o museu não enfrenta o estudo da cultura material com as


exigências construtivas de empreitadas, não adianta falar de
programas educativos. Sem reflexão sobre os objetos, esmigalha-se o
potencial inovador e criativo do museu histórico. Em seu lugar, fica
apenas a repetição de modelos oriundos da “biblioteca-convento” e
da “Disneylândia cultural”. O museu que não tem compromisso
educativo transforma-se em depósito de objetos, ou vitrines de um
shopping Center cultural. (RAMOS, 2004, p. 89).

No entanto, devemos lembrar que o espaço de memória não deve ser


somente uma extensão da escola, pois os espaços museológicos transformam-se
de maneira particular e específica, em relação ao conhecimento construído no
ambiente escolar. Portanto, não se quer particularizar e inverter os papeis e
promover “um enquadramento” do museu, mas possibilitar a multiplicidade de
agentes educativos que poderá ser estímulo no espaço museológico.
Discutir a viabilidade de temas geradores nesse trabalho, permite criar
situações de conforto e promover uma conscientização entre educação
patrimonial, museus, classificação de museus e buscar referencias para o
entendimento dessa dinâmica, pauta-se de elementos caracterizadores de
reflexão e ter uma educação museal, vislumbrar possibilidades dialógica entre
público, educadores, sociedade, paisagem e bens material e imaterial.
Democratizar a aprendizagem e as ações educativas na casa das musas,
é só mais um caminho percorrido na legitimação de um patrimônio, estabelecer
relações entre arte e a cultura visual, também apreendida na cidade,
possibilitará uma aprendizagem mais significativa em relação à tomada de
conscientização na mesma, do território e do entorno.
É importante enfatizar que as dimensões da arte também têm seu papel
social e que o uso dela é imprescindível na socialização e multiplicação de
certos olhares, ela amplia a capacidade de observação, o entendimento
artístico, a materialidade e capacidade de compreensão até, para as questões
sociais. Portanto, entende-se por arte como algo mutável, por dialogar com
diversos seguimentos da sociedade, por acompanhar a evolução do homem ao
longo dos tempos. Isso pode ser melhor enfatizado, por exemplo, na perspectiva
2o Seminário brasileiro de museologia • 37

de entender a dinâmica das paisagens naturais, área não valorizada pelos


arquitetos, geólogos e outros.
Nesse contexto, a inserção de vivencias práticas em diversos campos do
saber, contribuiu para o entendimento de que saberes populares fazem parte
dos saberes científico. Portanto, todos os referencias teóricos usados nesse
processo mediático, serão relevantes para a sistematização da pesquisa, tendo
em vista suas relações com o tema. Os autores são pesquisadores que tratam
sobre Educação Patrimonial, patrimônio cultural, museu, museologia que
dialogam na premissa de construção de normas e condutas que reforce a
importância da preservação da história e cultura através dos monumentos
preservados.
Evidencia-se também é as discussões mais atuais em relação ao
patrimônio imaterial, tão rico e diversificado quanto o material, porém ressalta-
se a importância de pesquisar e difundir o patrimônio imaterial, elencar as suas
características e estruturar uma base singular desse conjunto de saberes.
Participar de um passeio por um centro histórico de uma cidade, por exemplo,
capacita a população, levando-a, refletir sobre suas mudanças sociais, culturais
e até comparar o histórico, dotando aquele público a para entender as
mudanças e as necessidades de preservar ou de reconstruir uma nova memória
daquele povo.

Referências

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lugar de memória: entre a materialidade e a imaterialidade. Dissertação de
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BUORO, Amélia Bueno. O olhar em construção: uma experiência de ensino e


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Secretaria da Educação Básica. Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias.
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2o Seminário brasileiro de museologia • 38

BARBOSA, Ana Mae. Educação em Museus: termos que revelam preconceito.


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LEMOS. C. A.C. O que é patrimônio histórico. São Paulo: Brasiliense, 2004.

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desenvolvimento local. Porto Alegre: Medianiz, 2013.

SITES:

Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=20&sigla=
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Disponível em: <https://museudebenavente.wordpress.com/category/o-que-e-


museu/>. Acesso em: 20 maio 2015.
2o Seminário brasileiro de museologia • 39

OUTRA MUSEOLOGIA, OUTROS SUJEITOS, OUTRAS PEDAGOGIAS

Kelly Amaral Freitas1

Lana Mara Castro2

Resumo
O texto apresenta um recorte da pesquisa de mestrado em desenvolvimento no
Mestrado em Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais sobre o
Museu de Quilombos e Favelas Urbanos (Muquifu), localizado no Aglomerado
Santa Lúcia em Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais. Para fins desse
trabalho, colocaremos em evidencia uma cartografia de instituições museais
voltadas para o desenvolvimento social e cultural de localidades, perspectiva essa
que converge para museologia social e para pedagogias contemporâneas de
educação permanente e integral que buscam, no protagonismos dos sujeitos e na
diversidade cultural, fundamentos para a educação multicultural pela afirmação da
alteridade como princípio educativo. Argumenta-se, ainda, nessa pesquisa que os
processos de patrimonialização e musealização dos bens tangíveis e intangíveis
que vem ocorrendo por meio de ações comunitárias em territórios de favelas e
periferias tem o potencial de tornar visível para a sociedade diferentes grupos e
culturas que foram, por muito tempo, segregados socialmente e do discurso da
história oficial. Nesse sentido, elaboramos um panorama conceitual abordando
museus em contexto de favelas, vilas e/ou aglomerados como espaços propícios
para educação permanente voltada para afirmação identitária construída e
reconstruída em movimentos reflexivos no encontro e reencontro com o outro/os
outros Portanto, compreendemos que os museus são mediadores culturais que
constroem e reconstroem elos entre a vida social e política da localidade com o seu
entorno. Tal como metáforas, os museus produzem e reproduzem representações
do pensamento coletivo e do devir social.

Palavras-chave: Educação pela alteridade, Museologia Social, Muquifu, Vilas do


Santa Lúcia, Favela Morro do Papagaio

Abstract

1
Mestrado em Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais, vinculada a linha de pesquisa
Culturas, memórias e linguagens em processos educativos.
moinhosocial@gmail.com
2
Doutora em Didática da História pela Université Laval/Canadá (1997). Coordenadora do
programa de Pós-graduação Mestrado em Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais.
lanacastrosiman@gmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 40

This paper presents part of the master's research in development in the Masters in
Education of the University of the State of Minas Gerais on the Museum of
Quilombo and Slums Urban (Muquifu) located in Agglomerate Santa Lucia in Belo
Horizonte, capital of Minas Gerais. For purposes of this work, we show a
cartography aimed museum institutions social and cultural, perspective that
converge to social museology and contemporary pedagogies that seek at
permanent and integral, comprehensive education, in the protagonism of subjects
and at actions cultural diversity , grounds for education multicultural through the
affirmation of principle otherness. We argue also which those processes of
musealization and patrimonialization of tangible and intangible assets performed
through community action in slums and suburbs has the potential to become visible
the different social groups, that were excluded socially of discourse of official
history. In this sense, we developed a conceptual overview for addressing the
museums in the context of slums, villages and/or suburbs as favorable spaces for
permanent education and affirmation cultural Therefore, we understand that
museums are cultural mediators to build and rebuild links between life social and
politics at locality. As metaphors, the museums produce and reproduce
representations of collective thought and social.

Keywords: Education for alterity, Social Museology, Muquifu, Agglomerate Saint


Lucia's, Kite Hill

••••••••••

INTRODUÇÃO
No século XXI surgem, no Brasil, museus de favelas e de periferias. Esse
movimento de musealização imbricado na vida comunitária potencializa formas de
pertencimentos reveladoras da diversidade sociocultural e evidencia enfrentamentos
pelo direito à cidade.
Mario Chagas (2006, p.1) argumenta que o crescente número de instituições
museológicas, na perspectiva da Museologia Social no Brasil, significa a
apropriação dessa tecnologia por diferentes grupos étnicos, sociais, religiosos e
familiares com intenção de institucionalizar suas próprias memórias.
Nesse entendimento, como impulso inicial para as reflexões que principiam
essa pesquisa, indagamos como um museu de território, em contexto de favela ou
aglomerado, constituído com preceitos da Nova Museologia, fomentado por uma
2o Seminário brasileiro de museologia • 41

instituição religiosa, pode contribuir para afirmação do caráter educativo da


localidade a partir do patrimônio cultural musealizado? De forma mais geral, como
os museus constituídos no viés da Museologia Social, em contexto de favelas e
periferias, também revelam aspectos da constituição histórica da cidade,
potencializando a sensibilização histórica, a noção de tempo, de pertencimento, de
identidade e da diversidade cultural? Quais ressonâncias culturais são propagadas
a partir do surgimento dessas tipologias de museus nas cidades?
A fim de localizar o território ideal para a realização empírica da pesquisa,
fizemos um levantamento de instituições museais publicizadas nas primeiras
décadas dos anos 2000, que fossem constituídas com referencial teórico e prático
da Museologia Social, localizadas, preferencialmente, no estado de Minas Gerais e
que, por fim, estivessem dispostas a compartilhar fontes escritas e orais. Nessa
busca, foram localizados os seguintes espaços museológicos: Ecomuseu Serra de
Ouro Preto (2008); Ecomuseu do Carste Mocambeiro (2010); Museu de Quilombos
e Favelas Urbanas (2012); Ecomuseu da Serra do Cipó (2012) e o Museu Ponto de
Cultura do Taquaril (2013). Atendendo todos os critérios, selecionamos o Museu de
Quilombos e Favelas Urbanas (Muquifu).
A pesquisa está sendo realizada na perspectiva metodológica qualitativa,
que segundo Uwe Flick (2009) possui relevância para os estudos das relações
sociais, devido à pluralização das esferas da vida e dissolução das velhas
desigualdades sociais dentro da nova diversidade de ambientes, subculturas, estilos
e formas de vida.
Pretendemos com o desenvolvimento e publicação da pesquisa contribuir
para a manutenção, propagação e afirmação das instituições museais na
concepção teórica da Museologia Social, por concordamos que essas
salvaguardam tradições humanas, paisagens culturais e territórios vinculados às
relações sociais de grupos historicamente injustiçados por processos econômicos.

PANORAMA CONCEITUAL: EDUCAÇÃO E MUSEOLOGIA SOCIAL


2o Seminário brasileiro de museologia • 42

Em casa, na rua, na igreja, na escola, na cidade, no bairro, no ônibus, no


museu, de um modo ou de outro, a educação representa tipos de homens e
mulheres, as produções de crenças e ideias que envolvam as trocas de símbolos,
bens e poderes que, em conjunto, constroem modelos societários (BRANDÃO,
1991, p.12).
Assim o conceito de educação não está restrito ao interior das unidades
escolares, fazendo-se presente em nossa vida através de, e por meio de, diferentes
instrumentos. Em nosso cotidiano surgem necessidades de habilidades e saberes
que se colocam para além das demandas do mercado de trabalho, “as diferentes
possibilidades de formação humana, têm criado novas instâncias educativas, que
podem ser a chave para o desenvolvimento de novas mentalidades e uma nova
cultura política” (GENTILI; FRIGOTTO, 2002, p.89).
Na perspectiva de que a condição humana primordial é viver em sociedade
e, portanto requer relacionamento permanente com os outros e consigo mesmo,
educar implica retirar do individuo tudo que o confina nos limites da natureza e dar
a ele outra conformação só possível na vida social. Por isso a educação é um
processo integral de formação humana, pois cada ser humano ao nascer necessita
de condições concretas para poder existir no mundo da cultura (RODRIGUES,
2001, p.19).
Dessa forma, o conceito de educação integral não se restringe à ampliação
do tempo que os estudantes passam na escola ou em as atividades
extracurriculares. Mas sim a uma compreensão do ser humano enquanto ser social
total, holístico e integrado a outras ações educativas, culturais e lúdicas, conforme
nos indica Edgar Morin:

As crenças nos deuses e nas ideias não podem ser reduzidas a ilusões ou
supertições: possuem raízes que mergulham nas profundezas
antropológicas; referem-se ao ser humano em sua natureza. No ser
humano o conhecimento racional-técnico-empírico jamais anulou o
conhecimento simbólico, mítico, mágico ou poético multifacetado do
homem. O destino da educação do futuro será o exame e o estudo da
natureza complexa do humano (MORIN, 2000, p.60).
2o Seminário brasileiro de museologia • 43

Em interface com a cultura, a educação cria possibilidades para a produção


e reprodução de saberes, habilidades e conhecimentos, assim como a cultura
amplia os espaços e contextos das diferentes formas de expressões humanas para
a realização da educação (CAMORS, 2009, p.109). Portanto, cultura e educação
interagem densamente para compor as diferentes cosmogonias das realidades
vividas. Considerando que os museus são instituições legitimadoras da cultura,
concordamos que os mesmos estabelecem, por meio da dialogicidade, espaços-
tempos formativos, potencializando as relações individuais e coletivas com a
memória e o patrimônio. Eles ocupam também o lugar de conformação do
discurso estético, da apreciação e organização da informação imagética
(MENESES, 1994, p.16). Na retrospectiva histórica do surgimento das diferentes
tipologias dos museus brasileiros e do reconhecimento da Educação Básica como
direito subjetivo e universal, podemos afirmar que as classes empobrecidas,
populares e operárias não usufruíam dos espaços museais e educativos, tanto
quanto o fazem contemporaneamente.
Miguel Arroyo (2012, p.25) explica que a segregação histórica de classes
está na conformação de formas culturais de silenciamentos, inexistências e sub-
humanidade dos povos negros, etnias indígenas, herdeiros quilombolas, herdeiros
caboclos, trabalhadores camponeses, favelados e pobres. Esses grupos foram
despojados de suas singulares identidades e de seus lugares na história da
produção cultural e intelectual da humanidade. No Brasil, a empresa colonial, as
experiências de república, de democracia e de cidadania foram marcadas pelo
pensamento abissal, no qual os denominados de marginalizados, excluídos,
desiguais, inconscientes, despolitizados foram, desde o inicio, considerados como
inexistentes, inferiores e pré-humanos. Nesse viés os “outros” são tão diferentes do
“eu”, que se tornam inexistentes e assim sendo, não são passíveis de inclusão.
Conforme cita Boaventura de Souza (2007, p.4):

(...) tudo aquilo que é produzido como inexistente e excluído de forma


radical porque permanece exterior ao universo que a própria concepção
aceite de inclusão considera como sendo o Outro. A característica
2o Seminário brasileiro de museologia • 44

fundamental do pensamento abissal é a impossibilidade da co-presença


dos dois lados da linha (SOUZA, 2007, p.4).

Assim as denúncias levantadas pelos estudos pós-coloniais e pela


perspectiva do pensamento abissal evidenciaram estigmas e preconceitos fixados
na memória coletiva nacional. As classes hegemônicas, por meio das diferentes
estratégias comunicacionais, desde sempre intentaram difundir uma única história
sobre povos e indivíduos de grupos sociais diversos. Fato visível nas primeiras
expografias e políticas de acervos dos museus brasileiros pioneiros, tais como o
Museu Nacional (1808), o Museu Paraense Emílio Goeldi (1866), o Museu Paulista
(1894), Museu Histórico Nacional (1922) e o Museu Mariano Procópio (1922).
Fechados em si mesmos, esses espaços musealizavam os patrimônios das classes
hegemônicas, restringindo as histórias das muitas etnias indígenas (existentes antes
da chegada dos europeus) à submissão do processo de colonização, assim como
limitando a história dos povos africanos escravizados aos instrumentos de torturas e
suplícios (CHAGAS, 1998).
Foi preciso resistir e superar. As lutas políticas culturais da educação, as
políticas públicas voltadas para a efetivação dos direitos constitucionais, assim
como os movimentos sociais e as coletividades, trouxeram para as instituições de
ensino superior e educação básica, assim como, para os museus, os denominados
“outros” do pensamento abissal. Ou seja, os diversos grupos de indivíduos, os
diferentes modos de culturas e consequentemente de educação.
Desse modo quando os outros sujeitos passaram a ser visíveis, presentes e
resistentes, trouxeram saberes, processos outros de aprendizagens, de formação,
humanização e de conscientização. Passaram então a exigir novas pedagogias,
novas escolas, novas universidades, novos museus, novas museologias. Miguel
Arroyo (2012, p.80) aponta que a questão central para a pedagogia
contemporânea é como superar essas formas abissais, subalternizadas de pensar o
povo e como construir um pensamento pedagógico pós-abissais, baseado na
ecologia dos saberes.
2o Seminário brasileiro de museologia • 45

Boaventura de Souza Santos (2002, p. 94) afirma que ao lado da


globalização hegemônica, surgem movimentos de resistências, geralmente
organizados em redes e alianças fronteiriças. Sejam locais ou nacionais,
mobilizam-se contra a exclusão social, a precarização do trabalho, o declínio das
políticas públicas, a destruição do meio ambiente, da biodiversidade, o
desemprego, as violações dos direitos humanos, as pandemias, os ódios
interétnicos produzidos direta ou indiretamente pela globalização neoliberal. No
âmbito dos museus, desde a década de 1970, a Nova Museologia, que atualmente
vem assumindo a nomenclatura de Museologia Social, surgiu como uma rede de
indivíduos e coletivos interessados em expandir a atuação museológica para além
dos edifícios e das representações tridimensionais dos objetos em si. Desta forma,
deslocaram o valor dos objetos para o valor das relações culturais estabelecidas
pelos diferentes sujeitos.
Dessa forma a educação nos museus, constituídos no viés da Museologia
Social “não pode ser reduzida, nem a uma educação extraescolar, nem
complementar, nem prolongada, nem tampouco de adultos ou apenas juvenil,
trata-se de uma nova perspectiva, que leva os educadores a redefinirem toda e
qualquer educação” (FURTER, 1966, p. 136).
Foi preciso democratizar a linguagem museal, para que assim como as
instituições escolares, os museus passassem a ser casas dos sonhos, das
imaginações, dos segredos, das memórias e das histórias dos “outros” sujeitos e do
pluriculturalismo da formação societária brasileira. Concordando com Mario
Chagas e Inês Gouveia (2014, p.17) podemos considerar que no século XXI,
“estamos radicalmente marcando a diferença entre uma museologia de ancoragem
conservadora, burguesa, neoliberal, capitalista e uma museologia de perspectiva
libertária”.
Podemos ressaltar a afirmação de Licinio C. Lima (2005, p.75), quando o
mesmo diz que não parece mais possível continuar a insistir em processos
democráticos elitistas e formalistas, nem simplesmente na ideia de uma cultura
nacional comum e homogênea. Os sujeitos não nascem participativos, tendo
2o Seminário brasileiro de museologia • 46

portando que aprender a participar da polis. É o que se pretende com museus que
representam verdadeiras ações comunitárias em territórios de favelas e periferias.
Como afirmou Margareth Lopes (1991, p.444) a “ação comunitária para a
transformação cultural e social, pelo incentivo à participação ativa e à criatividade
dos usuários”, é uma ideia que se aproxima da educação libertadora de Paulo
Freire.
Assim a educação nos museus está no trabalho com a memória, a
identidade e a produção de saberes e conhecimentos, sempre relacionados com o
acervo em exposição e/ou o território abrangente. Também está nas ressonâncias
do empoderamento das comunidades e dos sujeitos historicamente silenciados e
esquecidos no sistema capitalista.
Nessa perspectiva, a educação em interface com a Museologia Social
assume como função o processo educativo emancipatório e libertador através das
representações, das várias formas de comunicação e dos diversos modos
imaginados de conhecer, por meio da interação do homem com outros homens,
com seu mundo e sua história (REIS; PINHEIROS, 2009, p.45).
Por fim, José Augusto de Paula (PINTO, 2014, p.2), afirma que a tomada de
consciência dos habitantes do território como possuidores de histórias e lembranças
que necessitam ser repassadas às gerações atuais. Os museus em contexto de
favelas, mobilizam múltiplos sentidos educativos, são omnilaterais, favorecem a
troca de conhecimentos por meio de emoções e afetos.

LUGAR DA PESQUISA: MUSEU DE QUILOMBOS E FAVELAS URBANOS


Segundo o geógrafo Yi-fu Tuan (2013, p. 224), “o lugar é uma mistura singular
de vistas, sons e cheiros, uma harmonia ímpar de ritmos naturais e artificiais, como
a hora do sol nascer e se pôr, de trabalhar e brincar”. Nesse sentido Ana Carlos
(2007, p. 17), defende que o lugar é onde o mundo vivido acontece, diz respeito
ao cotidiano, aos modos de vida, aos percursos, ao trabalho, ao lazer. É o espaço
possível de ser sentido, pensado, apropriado e vivido através do corpo. De modo
semelhante, mas não análogo, o conceito de território é compreendido como
2o Seminário brasileiro de museologia • 47

espaço do vivido, seja concreto ou abstrato, multidimensional, podendo ser político,


econômico, histórico e cultural, também pode ser construído e desconstruído por
relações de poder que envolvam diferentes atores que territorializam suas ações
(SANTOS, 1985, p.12). Nessa perspectiva conceitual, o território torna-se
educativo, quando os gestores do território fomentam espaços e tempos formativos,
que interligam os saberes da experiência vivida, com os conhecimentos necessários
para exercer os papeis sociais (CHAUI, 2008, p.75).
Nesse viés conceitual o lugar onde a pesquisa aqui delineada se realiza é o
território do Aglomerado Santa Lúcia, localizado na regional Centro-sul de Belo
Horizonte, capital de Minas Gerais, acessado por meio do Museu dos Quilombos e
Favelas Urbanos que é categorizado como um museu de território, comunitário e
vivo.
No Brasil, a origem e a expansão das favelas como opção habitacional está
imbricada na industrialização brasileira acelerada e tardia, na desigualdade
econômica, sobretudo na mecanização das práticas do trabalho rural que levaram
à expulsão, direta e indireta, de camponeses e agricultores familiares do campo
(QUEIROZ, 1969). Características essas também comuns à constituição histórica da
ocupação do Aglomerado Santa Lúcia que, apesar das primeiras moradias terem
surgidos na década de 1900, foi apenas após 1979 que o governo, em resposta
aos movimentos sociais e associações de moradores, adotou as primeiras políticas
de legalização fundiária e de urbanização das ocupações e favelas de Belo
Horizonte (PEREIRA, 2012, p.54)
O Aglomerado Santa Lúcia também é conhecido como Morro do Papagaio.
No zine “Favela de histórias”, Heloiza da Costa (2005, p. 5) conta que o nome
Morro do Papagaio é citado por moradores mais antigos como uma referência a
brincadeira de empinar pipas e papagaios por crianças e jovens. Em relação à
cidade, o Aglomerado está localizado na regional administrativa Centro-sul, que
abrange bairros considerados nobres e de alto nível socioeconômico.
Atualmente o Aglomerado é constituído por cinco vilas: Estrela, Santa Rita de
Cássia, Barragem Santa Lúcia, Esperança e São Bento. Todas com histórias
2o Seminário brasileiro de museologia • 48

simultâneas, porém diferentes em si, pois ainda que a ocupação do espaço comum
assegure uma identidade compartilhada, cada elemento guarda sua singularidade,
ao mesmo tempo em que fica ligado aos outros por laços de coexistência
(JODELET, 2010, p. 82). No tempo presente as vilas Esperança e São Bento estão
sendo demolidas pelo projeto de reestruturação urbanística Vila Viva, da Prefeitura
de Belo Horizonte cuja meta é substituir as habitações humanas por três novos
parques ambientais. O programa prevê para 40% dos moradores o
reassentamento em apartamentos com 2 ou 3 quartos em uma área próxima ao
Aglomerado e para os 60% restantes, uma indenização por área construída. Os
valores das indenizações não permitem a compra de imóveis na mesma região,
obrigando os moradores a migrar para outros aglomerados, bairros periféricos ou
mesmo cidades do interior do estado.
No Aglomerado Santa Lúcia, as primeiras organizações coletivas estiveram
envolvidas na busca por soluções para as urgências materiais do tempo, tais como,
cita Silvia Lorenso (2010, p.67):
até a década de 1980, a principal linha de atuação das lideranças
comunitárias estava direcionada para as demandas materiais, às coerções
históricas, tais como a implantação de postes de iluminação,
pavimentação de ruas, e becos, construção de creches, escolas, centros de
saúde, postos policiais, instalação de hidrômetros (LORENSO, 2010,
p.67).

Após a década de 1990 as coletividades passaram a reivindicar e agir em


prol da valorização do patrimônio, da memória, da identidade racial e da
promoção dos direitos humanos.
Na revisão bibliográfica sobre o Aglomerado Santa Lúcia é visível o
protagonismo de moradores vinculados e parceiros da Paróquia Nossa Senhora do
Morro. Como, por exemplo, a Juventude Unida do Aglomerado (JUBA) referida
como promotora de várias ações culturais qualificantes do mundo vivido, como: o
“Cortejo da Memória”, “Caminhada da Paz”, “Comissão dos Direitos Humanos”,
“Projeto MorroArte”, “Companhia Teatral Casa do Beco”, “Pré-Vestibular
Comunitário”, “Quilombo Gentileza”, “Formatura no Quilombo de 2009”,
“Associação dos Universitários do Morro”, “Projeto Primeira Dança e Vozibilidades
2o Seminário brasileiro de museologia • 49

dos Tambores”, “Grupos de Capoeiras”, “Projeto Favela Bela”, “Clube de Futebol


da comunidade”, “Chá da Dona Jovem” e outros.
As ressonâncias das ações expandiram os horizontes, a cidade passou a ter
referência sobre o Aglomerado Santa Lúcia a partir do ponto de vista dos próprios
moradores. Do mesmo modo, entidades de outros espaços da cidade transitaram e
estabeleceram parcerias no Aglomerado. O resultado das ações culturais
supracitadas foi materializado em 2012, no primeiro núcleo formador do Muquifu,
o “Memorial do Quilombo do Papagaio”, criado com intuito de abrigar artefatos,
objetos, fotografias e documentos que marcaram e marcam a história do
Aglomerado.
O Padre Mauro Luiz Silva, responsável pela Paróquia Nossa Senhora do
Morro, sempre foi ativo nas ações e movimentos culturais e sociais do Aglomerado.
No mesmo ano que o Memorial foi criado, ele estava concluindo o curso “Historia
da Arte e Preservação do Patrimônio Cultural” na Universidade de Pádua/Itália, e
articulou a doação de um espaço físico da Paróquia Nossa Senhora do Morro para
criação do primeiro museu de favela em Minas Gerais. O Museu de Quilombos e
Favelas Urbanos - Muquifu surgiu como uma resposta aos anseios de uma
comunidade envolvida com o trabalho social, fomentada por uma instituição
católica, que via no Aglomerado a urgência pela memória e por espaços públicos
para representação simbólica do patrimônio material e imaterial dos moradores.
Como propositor central para manutenção e propagação do Muquifu, Padre
Mauro, nasceu em Belo Horizonte e passou sua infância no bairro Vera Cruz, na
regional Zona Leste . Após sua ordenação foi, por cinco anos, vigário da
Santíssima Trindade do bairro Gutierrez, em Belo Horizonte, quando por escolha
individual decidiu viver a experiência de ser padre em uma favela. Doze anos
depois dessa experiência, Padre Mauro diz que o cotidiano de oito anos como
vigário o fez refletir sobre os danos causados pelo modelo social racista. Passou a
observar que até mesmo na própria instituição católica existe segregação,
corroborando com a afirmativa de que “o clero é em grande maioria brancos e
2o Seminário brasileiro de museologia • 50

quase todos os padres negros, que são poucos, são responsáveis por paróquias
das periferias e das favelas” (SILVA, 2011, p.1).
Ainda no preâmbulo de criação do Muquifu, Padre Mauro organizou várias
reuniões com diferentes grupos, instituições e coletividades para fundamentar as
bases conceituais do museu. O trecho de uma das cartas convite expressa bem à
intenção:

é preciso criar o Muquifu para que as próximas gerações possam


encontrar, nos arquivos da memória, os nomes daqueles (as) que
resistiram. Para que, no futuro, possam descobrir que um dia existiu um
Povo Quilombola, que defendeu seus Direitos até o último instante e,
movido pela Fé, nunca perdeu a Esperança...Padre Mauro Luiz da Silva
(SILVA, 2012).

De acordo com Michael Halbwachs (1990, p.25) a memória social é


composta pelas impressões de si e dos outros, separadas e/ou justapostas.
Portanto, a ideia originaria do Muquifu é como a memória social, foi resultado de
uma escolha individual, atravessada pelos anseios de muitos outros.
Sobre a relação da Paróquia Nossa Senhora com o Aglomerado, vale
ressaltar que a mesma é apontada na revisão bibliográfica sobre o Aglomerado
Santa Lúcia como uma conquista das primeiras diretorias das duas associações de
moradores que reivindicaram e apoiaram a criação, em 25 de abril de 1987, da
primeira paróquia formada unicamente por moradores de vilas, favelas e/ou
aglomerados. Joel Santos (2014, p.1) define a Paróquia como uma “organização
eclesial singular, não somente por seu sugestivo nome, como também por seus
limites que não obedecem ao tradicional critério da territorialidade, mas ao de
fronteiras sociais”. Por essa razão a paróquia possui cinco capelas, uma em cada
vila, cada qual com o mesmo grau de hierarquia. O nome Nossa Senhora do
Morro é representado pela imagem de uma mulher negra, simbolizando Maria,
mãe de Jesus, com uma bacia na cabeça e um menino, negro, nos braços (SILVA,
2011, p.1).
Na hierarquia da organização católica, a Paróquia está vinculada à
Arquidiocese de Belo Horizonte, na região Episcopal Nossa Senhora da Piedade
dentro da Forania Nossa Senhora do Carmo. A gestão é realizada pelo padre
2o Seminário brasileiro de museologia • 51

Mauro Luiz da Silva, um vigário paroquial, dois conselheiros de cada comunidade e


membros participantes das obras sociais, das pastorais, da catequese e das
liturgias. No geral, podemos afirmar que a gestão mantém relacionamento
amistoso com as demais religiões do Aglomerado, inclusive estabelece parcerias
ecumênicas, culturais e sociais de interesses da comunidade, tal como as Missas
Congas, organizadas pelo Padre Mauro em parceria com o Congado do
Aglomerado.
A pesquisa da UNESCO “Sociabilidades Subterrâneas em favelas do Rio de
Janeiro” (JOVCHELOVITCH, 2013. p.204) concluiu que a religiosidade e a fé são
centrais na vida das favelas, a crença aparece como meios para sustentar a
socialização e/ou mudar o curso da vida. O que pode ser visualizado na
participação considerável da Juventude Unida do Aglomerado (JUBA) na
Associação de Universitários do Aglomerado (AUA). Nessa perspectiva, a presença
da Igreja Católica em favelas, vilas, periferias e ocupações desobedientes, muitas
vezes, é anterior a existência dos serviços do Estado. Juvenal Gomes (2011, p.35)
menciona que antes da criação da Paróquia, a presença da religião católica foi
marcada pelas figuras da Madre Garcia e da irmã Caram, ambas da Sociedade do
Sagrado Coração de Jesus, que se mobilizaram a favor da construção de
moradias, instalação de energia elétrica e serviços essenciais à dignidade humana.
Atualmente a creche localizada na Rua Principal da Vila Barragem Santa Lúcia, leva
o nome da Madre Garcia como homenagem honorária.
Na história macro da Igreja Católica é possível encontrar eventos de
rupturas ideológicas e teológicas, que ressoam nas ações humanitárias assumidas
pelas organizações católicas locai. João Batista Libânio (2005, p.21) contextualiza
que o “Concilio do Vaticano II”, imprimiu o fim da monarquia absoluta dentro da
igreja, encerrando os princípios promulgados na Contrarreforma do século XVI;
também o encerramento das missas proferidas em latim, permitindo o uso das
línguas maternas; o reconheceu da participação dos leigos; e a permissão para o
sacerdócio executar as missas com o corpo voltado de frente para a cúpula ou para
os fiéis, ou seja, uma igreja mais direcionada para o povo.
2o Seminário brasileiro de museologia • 52

No Brasil, o teólogo Leonardo Boff (2011, p.1) explica que a repercussão do


Concílio do Vaticano II no contexto latino-americano foi a adoção, por alguns
setores católicos, da busca pela libertação dos “pobres materiais, das classes
oprimidas, dos povos desprezados como os indígenas, negros marginalizados,
mulheres submetidas ao machismo, das religiões difamadas e outros portadores de
estigmas sociais”. O autor enfatiza que não é uma opção pelo marxismo, esse
ajudou a mostrar que os pobres são na verdade os oprimidos, ou seja, feitos
pobres por violências, portanto a tendência de renovação católica é uma opção
pelos pobres, que já não mais aceitam viver na indignidade (BOFF, 2008, p.120).
Em 2012 a Comissão Teológica Internacional do Vaticano enfatizou a
importância dos leigos, das mulheres e dos contextos culturais latinos, africanos e
asiáticos para apresentação de novos temas, tais como, paz, justiça, libertação,
ecologia e bioética. Por fim, evidenciou que a partir do diálogo ecumênico, inter-
religioso e intercultural a atual catolicidade tem procurado seguir o caminho aberto
pelo Concílio do Vaticano II, que quis exprimi sua “solidariedade, respeito e amor
para com toda a família humana” (VATICANO, 2012, p.1).
É nessa perspectiva teológica que Padre Mauro declarou: “Agradeço, cada
dia, a São Lutero, por ter nos livrado da maldição de uma igreja monárquica,
impiedosa, cruel, assassina, mentirosa, poderosa” (FEDELI, 2010, p.1). Perseguidor
da igualdade dos direitos e da coexistência das diferenças identitárias, Padre
Mauro, coordena a Paróquia Nossa Senhora do Morro com perspectiva humanista
e libertária. Fiel aos princípios católicos, com sensibilidade, dedicação e empatia é
reconhecido entre os moradores do Aglomerado e de outros territórios da cidade
como um líder alegre, criativo e defensor.
É apoiando-nos no pensamento de Sandra Pesavento (2005, p.1) que
compreendemos o protagonismo do Padre Mauro e dos membros e parceiros da
Paróquia Nossa Senhora do Morro no e pelo Muquifu, “as sensibilidades de ser e
estar no mundo, estão no âmbito da percepção individual atravessada pelas
sensibilidades partilhadas”. Nesse argumento, a perspectiva do patrimônio como
categoria de pensamento, apresentada pelo antropólogo Reginaldo Gonçalves
2o Seminário brasileiro de museologia • 53

(2004, p.30) acrescenta que o individuo não preexiste às formas culturais, mas é
até certo ponto efeito dessas, a cultura, não se impõe de fora sobre os indivíduos,
mas de dentro para fora, sendo uma expressão da criatividade destes.
O Muquifu atua como “campos privilegiados tanto para o exercício de uma
imaginação criadora que leva em conta o poder das imagens, quanto para a
dramaturgia do passado artístico, filosófico, religioso, científico - em uma palavra:
cultural” (CHAGAS, 2011, p7). Com poder de ressonância, evoca forças culturais
complexas e dinâmicas das quais emergiu e das quais pode ser considerado
como uma metáfora ou simples sinédoque (GREENBATH,1991, p.250).
Definido como museu de território, de favela, histórico, artístico e
etnográfico, sua missão/vocação é explicada pelo coordenador e museólogo
Augusto José de Paula como:

recolha e/ou tutela dos bens tangível e intangíveis representativos da


população do Aglomerado Santa Lúcia e de outras favelas e quilombos
urbanos de Belo Horizonte, na busca por representatividade de sua cultura
e diversidade, pesquisando, conservando e comunicando este patrimônio,
como fator essencial na luta por inclusão social, contra o racismo e pelos
direitos básicos da população negra e pobre, garantido-lhe o direito a sua
historia e memória e com consequência o aumento da sua autoestima
(PINTO, 2014, p.8).

A categorização do Muquifu como museu de território respalda na atual


configuração deste espaço, que se encontra em quatro pontos fixos do Aglomerado
e ainda possui um ponto móvel/movente, conforme indicado pela tabela:

Tabela: Museu de território


Aparelho cultural Endereço Vila
Sede Muquifu Beco Santa Inês, 30 Barragem Santa Lúcia
Espaço expositivo Estrela Rua Santo Antônio do Monte Estrela
Loja de artesanatos Muquifu Rua Principal, 321 Barragem Santa Lúcia
Memorial da Esperança Área desapropriada Esperança
Muquifoca Móvel Móvel
Fonte: autoral
2o Seminário brasileiro de museologia • 54

A Sede do Muquifu é o lugar onde tudo começou. Várias das ações culturais
originárias do Memorial do Quilombo do Papagaio aconteceram nesta casa. No
momento, o espaço é dividido com o Centro de Obras sociais da Paróquia Nossa
Senhora do Morro. É usado para aulas de reforço, idiomas, oficinas diversas, ações
culturais e sociais com entidades exógenas. Neste espaço o Muquifu promove(u)
ações museológicas como o “I Fórum de Favelas de Belo Horizonte”, o concurso de
fotografias “Nossa História, Nossa Memória: não tire nada além de fotos”, a
formação “Gastronomia no Morro” e a mostra do “Mapa Gastronômico do
Aglomerado”. Também conserva objetos das primeiras exposições de longa e curta
duração e salvaguarda e empresta livros da Biblioteca Comunitária Doutora Silvia
Lorenso.
O espaço expositivo Estrela, foi lançado durante a 7º Primavera de Museus
em 2014, com a exposição temporária “Na fé da resistência, no axé do nosso
canto!”. O espaço está localizado na Capela Maria Estrela da Manhã, conhecida
com a Capela dos Santos Pretos, onde foi integrado à exposição de longa duração
o acervo sacro com imagens e esculturas das Santas e Santos Pretos, oratórios
barrocos e objetos de devoção e o jardim de flores Wanda da Silva.
A loja de artesanatos do Muquifu foi inaugurada durante a 13º Semana de
Museus em 2015, numa casa doada para a Paróquia por uma antiga moradora da
Vila Barragem Santa Lúcia. A casa foi reformada e uma jovem artesã moradora do
Aglomerado foi contratada com dedicação exclusiva. O objetivo é expor e vender,
em contrato de consignação, produções artesanais e manufaturadas de
moradoras/es do Aglomerado, assim como a promoção de encontros de pequenos
grupos, oficinas, cursos, leituras coletivas, etc.
O Memorial da Esperança foi uma conquista política, articulada pelo
Muquifu e pelo Padre Mauro para preservação, na área de desapropriação da Vila
Esperança, de uma edificação conhecida como “Capelinha” e o “Centro de
Referência da Criança”. Na edificação será criado um memorial com objetos,
relatos e fotografias dos moradores e das casas das Vilas Esperança e São Bento.
Foi acordado com a prefeitura de Belo Horizonte e Governo do Estado que
2o Seminário brasileiro de museologia • 55

anualmente haverá uma celebração na capela e, diante de demandas, o memorial


está no circuito museológico expositivo do Muquifu.
O projeto “Muquifoca” foi uma proposta inspirada nos ideias do museólogo
e poeta Mario Chagas, tendo como objetivo deslocar o sentido de um tradicional
carrinho de pipocas para um museu vivo e movente que, além de todo aparato
para estourar milhos, possui acervo, biblioteca e reserva técnica.
Na cartografia dos espaços e das ações do Muquifu no território, fica
evidente o caráter de “museu fórum” assumido pela museologia, pois além de
manter espaço expositivo de curta e longa duração, o Muquifu organiza oficinas,
debates, fóruns, seminários, palestras, teatros, musicais, leilão, mostras, aulas e
mais. Chamando sempre a coparticipação de moradores vinculados ou não com a
Paróquia.
Na contramão da representação museal e imagética baseada no
colonialismo português e no pensamento abissal, no Muquifu não há objetos de
tortura ou suplícios. As imagens dos homens negros e das mulheres negras, e de
outras formas de existir, estão representadas na diversidade de práticas culturais
vivas, na herança de conhecimentos tradicionais e populares, na luta pelos direitos
culturais, sobretudo na reivindicação do direto à cidade. Como zona de contato
cultural é um museu em processo, um museu-rizoma, que a cada evento e ação
constrói novas parcerias e redes, ganhando visibilidade nas mídias, nos fóruns e
nas universidades; essa expansão e ressonâncias trazem benefícios diretos para o
território, pois aumentam o raio de atuação cultural do museu (CLIFFORD, 1999,
p.233).

MUSEOLOGIA SOCIAL, EDUCAÇÃO E MUQUIFU


Conforme nos recorda Paulo Freire (2000, p. 135) não há anúncio sem
denúncia. Desse modo é anunciando que o Muquifu, a partir do acervo
musealizado em exposição contribuiu para denunciar o processo histórico que
apartou, por muito tempo, o Aglomerado do território da capital Belo Horizonte,
ora por falta de políticas, ora por excesso de violências, ora por preconceitos e
2o Seminário brasileiro de museologia • 56

estigmas. O viés critico dos núcleos expositivos de longa duração evidenciam esse
caráter de anúncio/denúncia:

Tabela: Núcleos expositivos de longa duração

Núcleo expositivo Tipologia de acervo


Doméstica: da escravidão à extinção uma antologia do
Objetos e textos
quarto de empregadas
Pedro Pedreiro tijolo com tijolo num desenho lógico Objetos e fotografias
Memórias reveladas Fotografias e audiovisual
Janelas, histórias e memórias em extinção Fotografias e audiovisual
O meu reino sem folia Objetos e fotografias
Jardim interno do Muquifu Estrela Espécies vegetais
Fotografias, mapas, textos,
Mapa Gastronômico do Morro
espécies vegetais
Muquifoca Objeto suporte

Fonte: autoral

A política de acervo opta por não comprar as peças de acervo e mantém


aberto o recebimento de objetos representativos do patrimônio cultural da
comunidade. No ano de 2015, enquanto o trabalho da museologia está debatendo
formas não canônicas de documentação do acervo, a museóloga Dalva Pereira
explica que:

...os procedimentos a serem adotados devem levar em conta a


participação da comunidade[...]que quem vai determinar o que é o acervo
são os moradores do Aglomerado, pois eles devem ser representados na
Instituição, e a forma como esta memória será guardada será uma
decisão deles. O espaço intramuros onde são realizadas algumas das
exposições, apenas permanecerá sendo utilizado como recurso de
comunicação do acervo, enquanto for do interesse desta comunidade
(PEREIRA, 2015, p. 54).

Sendo assim, podemos aferir que a especificidade da educação


transformadora mobilizada pelo Muquifu, está na comunicação revestida de
criticidade a partir dos conhecimentos produzidos por meio do acervo, do
2o Seminário brasileiro de museologia • 57

patrimônio cultural e do território musealizado, “sua função maior remete à


consciência sobre a materialidade do mundo, necessária para a nossa vida e
reprodução como entes biológicos, psíquicos, sociais, intelectuais, morais” (XAVIER,
2013, p.15).
Podemos citar como exemplo, o percurso ao mundo vivido do Muquifu,
proporcionado aos estudantes do curso de Museologia da Universidade Federal de
Ouro Preto (UFOP), durante a programação da 13º Semana de Museus em 2015.
Na chegada, os estudantes conheceram o Memorial da Esperança e vivenciaram a
instalação “Esperança em ruínas”, com curadoria da museóloga Luciana Horta
(2015, p.1), que nos revela que “onde antes haviam casas e sonhos encontramos
apenas escombros que testemunham a ausência de políticas públicas que
respeitem a memórias dos favelados”. Neste momento tiveram a oportunidade de
conhecer, e conversar com moradoras em processo de reassentamento. Em
seguida conheceram o Espaço Muquifu Estrela, onde experimentaram o sabor da
comida feita pela moradora participante da formação Gastronomia do Morro do
Muquifu; visualizaram os núcleos expositivos de longa duração; participaram da
palestra “Preservação do acervo - fotografia como suporte da memória” com a
professora Gabriela L. Gomes, do curso de Museologia da UFOP; em seguida
vivenciaram a oficina “Conservação de acervo fotográfico”, onde produziram
caixas de papel para armazenamento de fotografias do acervo do Muquifu. Após
essa sucessão de ações as/os estudantes responderam por escrito quais
sentimentos e emoções aprenderam com o Muquifu durante as experiências
daquele dia. A seguir apresentamos algumas destas respostas que consideramos
significativas para a reflexão da educação nos museus no viés da Museologia
Social:

Essa tipologia de museu me traz muitas surpresas, pois me deparo sempre


com circunstancias inusitadas, histórias incríveis e a disposição do espaço
sempre se faz pela sua característica (estudante a).

O muquifu conseguiu realmente me sensibilizar. Ao ver todas as ações,


pôsteres e manifestações, eu vi que pessoas são unidas e conscientes do
2o Seminário brasileiro de museologia • 58

que são. Construir um espaço de memória como este é uma forma de


realmente se impor dentro de uma sociedade tão desigual. (estudante b)

A construção da memória feita com a comunidade nos trás alegria e


contentamento, pois eles não são esquecidos. Os objetos expostos são de
grande sentido e nos trazem varias emoções e podemos sentir todas as
emoções por eles expostas (estudante c).

O impacto é imediato. Assim que chegamos e deparamos com as ruínas


da comunidade, senti um arrepio. Havia uma exposição de brinquedos e
desenhos dos antigos moradores dali e ao fundo, um som eletrônico de
crianças rindo, brincando...ouvir isso e ao mesmo tempo olhar para
aquele espaço destruído e agora inabitável, me fez sentir a dor,
tristeza...enfim o muquifu tem uma importância enorme para todos eles.
Ainda bem que ele existe fiquei muito emocionada (estudante d).

O mais importante quando se trabalha com a comunidade é a


aproximação. Onde o cotidiano e a vida dos moradores são mostrados
com a mesma importância de que qualquer obra de arte de um grande
artista. Somo emergidos numa que nos faz pensar sentir-se pertencentes a
todos esse processo sociocultural (estudante e).

Outro exemplo, considerado ilustrativo da potencialidade da educação


mobilizada pelo Muquifu, é a constante procura do museu por grupos de
estudantes da educação básica e superior. Em destaque a visita, no primeiro
semestre de 2015, de duas turmas do Ensino Fundamental de escolas diferentes.
Uma escola pública situada dentro do Aglomerado e a outra uma escola particular,
com currículo alternativo, situada na mesma regional Centro-sul. Ambas foram ao
Muquifu para coletar mais informações sobre a história do Aglomerado Santa Lúcia
e, posteriormente organizar nas respectivas escolas exposições com os resultados
das investigações. Escolas diferentes, com objetivos iguais, formar gerações futuras
abertas a escutar, a ouvir e a enxergar as diferenças e as igualdades de si e dos
outros, favorecendo assim o fim do perverso pensamento abissal, ainda latente na
sociedade brasileira.
O Muquifu acompanhou o trabalho da escola pública do Aglomerado. No
dia da exposição organizada pelos estudantes e pelas professoras, o “Muquifoca”
foi à escola, levando as pipocas, parte do acervo e alguns livros para empréstimos.
Foi uma relação cíclica, a escola visitou o museu e o museu visitou a escola. O
encontro proporcionou a experiência transformadora, que de certa forma não é
2o Seminário brasileiro de museologia • 59

visível no tempo presente das crianças, mas no devir e no porvir podem ser
definidoras da apropriação dos instrumentos de lutas ideológicas, como
universidades e instituições culturais e artísticas.
Com os dois exemplos supracitados, visualizamos que a educação no viés
da Museologia Social tende a ser critica e criativa, anuncia e denúncia o
“adestramento para a pura adaptação ao mundo do trabalho, ante isso, promove
aprendizagens não miméticas, remete para centralidade do sujeito pedagógico
conceitualizado como cidadão” (LIMA, 2005, p. 75).
O Muquifu contribui para formação do caráter educativo e cultural do
território Aglomerado Santa Lúcia, por proporcionar experiências holísticas
transformadoras, que relacionam todos os seres uns com outros e com o mundo
vivido. Assim, tudo que existe coexiste e, coexistindo subsiste por meio de uma teia
infindável de relações inclusivas que, em constante relação, negam o direito do
mais forte (BOFF, 2008, p.27). Em consonância com essa perspectiva, Padre Mauro
relata “o Muquifu serve para dizer que as memórias dos favelados não são mais ou
menos importantes, mas para dizer que são tão importantes quanto” (2015, p.1).
O desafio posto para as sociedades do século XXI é ampliar os olhares para
lugares que, em tempo passados, foram quilombos de escravos alforriados e
libertos e que, posteriormente, na perspectiva da herança cultural, lugares de
habitação para trabalhadores precariamente remunerados. Os museus de favelas,
de periferias, os ecomuseus ou as tipologias conceituadas como de territórios e de
comunidades urbanas e/ou rurais, contribuem para essa mudança societária, pois
colocam em relevo a perspectiva cultural, da resistência, da criatividade, da
organização e da autonomia daqueles que a cidade ainda precisa aprender a
olhar e entender.

Referências

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2o Seminário brasileiro de museologia • 64

PRÁTICAS SOCIAIS DE INCLUSÃO NO MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES


(MNBA)

Rossano Antenuzzi de Almeida1

Resumo
A proposta desse artigo é apresentar e resgatar a memória de uma prática
social e pedagógica implementada pela Coordenadoria de Educação do Museu
Nacional de Belas Artes (MNBA), na gestão do arte-educador Alcídio Mafra de
Souza (1981-1989), intitulada – Curso de Formação de Guardas e Guias do
MNBA. O Projeto ocorreu nos anos de 1982 e 1983, nas dependências da
própria instituição, a partir de um convênio estabelecido entre o MNBA, a
Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (FUNABEM); também integrou o
convênio a Fundação Estadual de Educação do Menor (FEEM). O projeto
objetivava tornar a instituição mais acolhedora e criar novas perspectivas de
inserção dos menores assistidos por essas instituições no mundo do trabalho. O
curso foi ministrado por servidores lotados na Coordenadoria de Educação e na
Coordenadoria Técnica, de formação multidisciplinar e as aulas abrangeram os
seguintes tópicos: história geral da arte e história da arte no Brasil, questões
relativas a preservação e conservação de bens culturais, educação para o
trabalho e segurança em museus. O curso tinha uma parte teórica e outra
prática, além de visitas a outras instituições museológicas. Também usavam a
própria biblioteca da Instituição para realizarem seus estudos. O artigo foi
baseado na documentação histórica do Setor de Educação do MNBA, na
documentação bibliográfica da biblioteca do museu e nas histórias orais de ex-
integrantes do Projeto.

Palavras-chaves: Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), museologia social,


educação em museus de artes.

Abstract
The purpose of this article is to shown and rescue the memory of a social and
pedagogical practice implemented by Coordination of Education of the National
Museum of Fine Arts (MNBA), art educator management Alcídio Mafra de Souza
(1981-1989) entitled - Course of Guards and Guides of MNBA. The project took
place in 1982 and 1983, on the premises of the institution, from an established
agreement between the MNBA, the National Welfare of Children Foundation
(FUNABEM), also joined the agreement the State Foundation of Lower Education
(FEEM). The project aimed to make the host institution and create new smaller
insertion of prospects assisted by these institutions in the working world. The
course was taught by servers crowded the Coordination of Education and
Coordination Technical, multidisciplinary training and classes covering the

1
Mestre em Educação, Professor do curso de especialização em Educação Museal IBRAM/ISERJ,
Técnico em Educação do MNBA/ IBRAM. E-mail para contato: Rossano.Almeida@museus.gov.br
2o Seminário brasileiro de museologia • 65

following topics: general history of art and art history in Brazil, issues concerning
the preservation and conservation of cultural property, to education work and
security in museums. The course had a theoretical and practical part, in addition
to visits to other museological institutions. Also used the institution's library to do
their own studies. The article was based on the historical documentation of the
MNBA's Education Sector in the scientific literature of the museum library and the
oral histories of former members of the Project.

Keywords: Nacional Museum of Fine Arts (MNBA), Social museology, education


in art’s museum

••••••••••

A INSTITUIÇÃO

O Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) é unidade do Instituto


Brasileiro de Museus (IBRAM), autarquia do Ministério da Cultura e foi criado
pelo Decreto Lei 378, em 13 de janeiro de 1937, para atender ao objetivo de
“[...] recolher, conservar e expor as obras de artes pertencentes ao patrimônio
federal” (BRASIL, 1937).

A constituição do acervo do MNBA teve início com parte da Pinacoteca


trazida pela Corte portuguesa para a Colônia em 1808. Posteriormente, em
1816, foram acrescentadas as 54 telas trazidas por Joaquim Lebreton. Em
1826, esse acervo passou a integrar a Academia Imperial das Belas Artes (AIBA)
e foi ampliado a partir de doações e compras, além dos trabalhos produzidas
pelos seus alunos e professores. O mecenato também foi outra prática
importante de entrada de obras de artes para o acervo da Academia, que
depois passou para a Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) e finalmente,
tornou-se acervo do Museu.
Atualmente, os espaços expositivos com exposições de longa duração/
permanente do MNBA são: As Galerias de Arte Brasileira dos séculos XIX e XX e
as Galerias de Moldagens Greco-Romana, perfazendo um total de
aproximadamente 400 obras.
2o Seminário brasileiro de museologia • 66

A guarda desse acervo artístico confere ao MNBA importância de ser a


Instituição que possui o maior conjunto de obras da expressão artística brasileira
e propicia, ao visitante, uma visão da história da arte brasileira, do período
Colonial (séculos XVII-XVIII) aos dias atuais.

Em 1981, ainda sob a égide do regime ditatorial instaurado pelo golpe


militar de 1964, assumia a direção do Museu Nacional de Belas Artes, o
professor de história da arte e arte-educador o Sr. Alcídio Mafra de Souza. A
gestão do Professor foi de 1981 até 1989. Em 1990, foi substituído pela Sra.
Heloísa Lustosa. Nessa época, o prédio do museu encontrava-se em péssimas
condições estruturais, o que ameaça as coleções e afastava o público. O MNBA
era de fato, um lugar de “coisas velhas”, com aspecto de total abandono. Suas
galerias sombrias e vazias com seu acervo sendo guardado por pouquíssimos
vigilantes, muitos já em vias de se aposentar, sem muita preocupação com a
recepção com o pouco público visitante.

Na gestão do prof. Mafra (1982), era seu entendimento que o MNBA


deveria não só promover atividades artístico-culturais como concertos musicais,
espetáculos de teatro infantil e encontro com intelectuais, dentre outras
atividades, de modo a atender a públicos diferenciados, do pré-escolar ao
adulto, como também ocupar-se da recepção dos públicos visitantes. Nessa
direção, foram implementadas uma série de ações educativas e exposições de
artes voltadas para o público estudantil. Segundo Almeida (2013), pela primeira
vez, foi criada uma Coordenadoria de Educação, subdivida em duas divisões:
Divisão de Animação Cultural e Divisão de Material Didático; para dar suporte
às ações educativas, promovidas pelas citadas divisões, foi criada uma equipe
de guardas e guias para atuarem no atendimento do público escolar e dos
demais segmentos sócias. Anteriormente, em 1975, na gestão da museóloga
Maria Elisa Carrazzoni foi instituída a Divisão de Atividades Pedagógicas,
subdividida em: Seção de Estudos e Pesquisa Pedagógica, Seção de Educação
Artística e seção de Divulgação e Intercâmbio.

Cumpre destacar que no início da gestão do Prof. Alcídio, o país passava


por inúmeras transformações nas áreas social, política, econômica e
2o Seminário brasileiro de museologia • 67

educacional. Os fins dos anos de 1970 e o iníco de 1980 foram bastante


emblemáticos como a revogação do Ato Institucional nº5 (AI5), o retorno dos
exilados e a reorganização dos diferentes segmentos sociais. Toda essa
mudança implementada pelo novo diretor, de certa forma tinha também
reflexos do panorama da museologia internacional no qual destacaríamos a
Mesa de Santiago de 19722, ocorrida na cidade do Chile. A Mesa-Redonda de
Santiago do Chile ocorreu no período de 20 a 31 de maio de 1972 e, segundo
Candido (2003, p.21) dentre as decisões gerais estavam:

a opção pela interdisciplinaridade; os esforços para recuperação e uso


social do patrimônio; a acessibilidade às coleções; a modernização da
museografia; a implantação de avaliações institucionais; o
aperfeiçoamento da formação profissional na A.L.; o destaque, em
todos os aspectos da ação museológica, para a responsabilidade com
a conscientização da sociedade sobre suas problemáticas.

Nesse sentido, a criação dessa equipe de Guardas e Guias foi de extrema


vanguarda para o período e só foi possível, através de um convênio firmado
entre o museu, a Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (FUNABEM)3 e a
Fundação Estadual do Bem Estar do Menor (FEEM)4. O professor Mafra deixou
transparecer inúmeras vezes a sua crença na educação enquanto agente de
transformação social.

Esse grupo foi preparado pela Coordenadoria de Educação, ministrando


aulas teóricas e práticas.
Segundo Amado (1982), uma das coordenadoras do curso,

2
Mesa Redonda de Santiago do Chile, ICOM, 1972. Disponível em
www.revistamuseu.com.br/legislacao/museologia/mesa_chile.htm. Acesso em: 12 de maio de
2015.
3
Instituição pública criada pela Lei nº 4.513, de 01 de dezembro de 1964 como uma entidade
autônoma, administrativa e financeiramente, com jurisdição em todo o território nacional que
objetivava implantar a Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM), realizar estudos sobre
o problema dos menores e planejar soluções; propiciar formação, treinamento e
aperfeiçoamento de técnicos; fornecer assistência, orientar, coordenar e fiscalizar as entidades
(públicas e privadas) que executassem políticas através de convênios e contratos
4
A Lei Federal 4.513 de 01/12/1964 criou a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor -
FUNABEM - em substituição ao Serviço de Assistência ao Menor - SAM. À FUNABEM competia
formular e implantar a Política Nacional do Bem-Estar do Menor em todo o território nacional. A
partir daí, criaram-se as Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor, com responsabilidade de
observarem a política estabelecida e de executarem, nos Estados, as ações pertinentes a essa
política.
2o Seminário brasileiro de museologia • 68

a ideia de colocar os menores como monitores e guias partiu da


necessidade de informar o visitante sobre a arte existe em cada
galeria” Primeiro pensamos em treinar os nossos guardas,
organizando um curso que lhes desse um conhecimento geral das
peças do nosso acervo; porém a guarda tem noção de segurança
geral e não específica de museus. Um outra questão é que a equipe
de guardas é rotatória.
Pensou-se também em estudantes do segundo grau (atual ensino
médio) mas segundo a coordenadora, o investimento teria caráter
rotativo, na medida em que passado algum tempo, esse estudante
seria absorvido pelas preocupações com o vestibular e, mais tarde,
com a profissão.
Nesse sentido, pensou-se em buscar os internos da FUNABEM/ FEEM,
haja visto as dificuldades de mercado para esses menores,
principalmente na área cultural, pois os cursos profissionalizantes
orientam mais para as áreas técnicas, como serralheria e mecânica.

LOGÍSTICA DO CURSO DE GUARDAS E GUIAS DO MNBA

O primeiro curso teve início em 10 de maio e término em 12 de agosto


de 1982, das 9h às 12h30min, perfazendo uma carga horária de 240h com
três meses de aulas teóricas e um mês de estágio nas galerias. Dos 31 menores
inscritos, 15 foram selecionados. A primeira turma formada tinha 14 rapazes e
uma moça.
As aulas foram ministradas por uma equipe multidisciplinar, em parceria
com a Coordenadoria Técnica 5 . Havia socióloga, turismóloga, museólogos e
estagiários da Fundação Movimento Universitário de Desenvolvimento
Econômico e Social (MUDES)6 do curso de História da Arte da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) que estavam lotados na Coordenadoria de

5
Integravam a Coordenadoria Técnica: Seção de Desenho Brasileiro e Estrangeiro, Seção de
Gravura Brasileira e Estrangeira, Seção de Pintura Brasileira e Estrangeira, Seção de Escultura
Brasileira e Estrangeira, Restauro de Pintura e Papel, Reserva Técnica, Biblioteca e Arquivo
Histórico.
6
A Fundação Movimento Universitário de Desenvolvimento Econômico e Social - MUDES é uma
instituição com fins não-econômicos (sem fins lucrativos) e de Utilidade Pública, detentora do
Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, sendo seus Órgãos de Administração
formados por Conselho Curador, Presidente e Conselho Fiscal.
O MUDES, ao longo dos seus 46 anos de existência, vem atuando junto à juventude de baixa
renda, através da execução de programas e projetos de assistência social voltados à promoção
e integração dos jovens, menores ou maiores, no mercado de trabalho. Para tanto, realiza
programas de estágios remunerados em diversas instituições públicas e privadas, o que tem
propiciado o recebimento de bolsas-auxílio, necessárias à continuidade de seus estudos e sua
manutenção, servindo no mais das vezes para custeá-los e atendê-los em suas despesas
pessoais, resultando, consequentemente, na complementação da renda familiar e na
oportunidade de conquista do primeiro emprego.
2o Seminário brasileiro de museologia • 69

Educação e três museólogos da Coordenadoria Técnica, que atuaram em


parceria.
A escolaridade exigida aos candidatos era o primeiro grau completo (atual
ensino fundamental).
O curso tinha um caráter seletivo. Ao final de cada mês, os participantes
eram avaliados e no último mês, houve uma avaliação prática nas galerias do
museu. Havia também um acompanhamento periódico por parte dos servidores
responsáveis por ministrar as aulas.

AS DISCIPLINAS DO CURSO E O CORPO DOCENTE

As disciplinas ministradas pela equipe da Coordenadoria de Educação


foram:

História da Arte no Brasil

História da Arte Geral

Preservação e Conservação de Bens Culturais

Educação para o Trabalho/ Relações Humanas

Noções sobre Segurança nos Museus

E as disciplinas da Coordenadoria Técnica foram :

Técnicas e Processos Artísticos

Aspectos da Segurança dos Museu

Nas aulas de História da Arte e Técnicas e Processos Artísticos, os


participantes tiveram oportunidade de estudar os diferentes estilos artísticos das
pinturas e das esculturas, assim como as biografias dos artistas da história geral
da arte e a história da arte no Brasil, a partir do acervo em exposição. Também
2o Seminário brasileiro de museologia • 70

aprenderam a reconhecer as técnicas artísticas das obras do acervo em


exposição e a materialidade.
Com relação a Preservação e Conservação dos Bens Culturais, discutiu-se
os aspectos gerais sobre cultura, patrimônio, memória, preservação e
conservação, assim como as instituições que preservam esses bens culturais
como museus, arquivos e bibliotecas, assim como as diversas tipologias.
Também foi abordado o histórico do MNBA e a formação da sua coleção. Em
se tratando dos anos de 1980, abordou-se questões relativas ao histórico e
organograma Fundação Pró-Memória7, extinta pelo governo Collor, em 1990.
A disciplina Educação para o Trabalho/ Relações Humanas abordou
aspectos ligados a estrutura e funcionamento do museu/ organograma,
posturas no ambiente de trabalho, abordagem aos visitantes e as principais
características para ser um guarda/monitor de galeria do MNBA.
É bom que se esclareça que o propósito do curso era formar um
vigilante/monitor que pudesse vigiar as obras em exposição e subsidiar os
visitantes com informações introdutórias sobre o acervo exposto ou mesmo
indicar a localização das obras mais procuradas.
Na disciplina Segurança dos Museus, foram abordadas as seguintes
questões: evacuação dos espaços, saídas de emergência, treinamento com
extintores, palestras com soldados do Corpo de Bombeiros. Também tiveram a
oportunidade de visitar o Museu de Arte Moderna (MAM RJ) que havia passado
por um incêncio. Finalizando, foi trabalhado a vigilância às obras em exposição
e discussões acerca das principais formas de segurança. Ainda com relação a
disciplina, foram realizadas visitas técnicas a outras instituições museais como o
Museu Histórico Nacional (MHN), o Museu Imperial (MI) e ao Centro histórico
do município de Paraty.
Nessa primeira turma, participaram das aulas, os seguintes técnicos e
estagiários:

Lucio Wagner Valente, João Henrique Museólogos


Barbosa Leite e Ubiratan José de Freitas (Coordenadoria de Educação)

Criada pela Lei n.º 6.757, de 17 de dezembro de 1979.


7
2o Seminário brasileiro de museologia • 71

Ariadne Barbosa de Souza Mota (in Museólogos


memoriam) e Pedro Martins Caldas Xexéo (Coordenadoria Técnica)

Turismóloga
Elizabete da Silva Santana
(Coordenadoria de Educação)

Socióloga
Yara de Senna Amado
(Coordenadoria de Educação)

Amandio Miguel dos Santos Estagiários da FUNDAÇÂO MUDES curso


Rossano Antenuzzi de Almeida de História da Arte da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Primeira turma de guardas e guias do MNBA (foto: Raul Lima)

Ao longo do curso, os alunos ganharam uma bolsa de ajuda de custo.


Após o período de estágio, foram contratados com salários de 75 por cento do
mínimo para os de 15 a 17 anos e com o mínimo integral para os maiores de
18 anos.
No ano de 1983, foi realizado um segundo curso, uma vez que a
primeira turma não atingiu o número desejado que seriam de 30. A segunda
turma teve início em 21 de fevereiro com término em 30 de julho. A
programação da segunda turma seguiu as mesmas diretrizes da primeira.
Participaram da segunda turma os seguintes técnicos:
2o Seminário brasileiro de museologia • 72

Amandio Miguel dos Santos Historiadores da Arte


Rossano Antenuzzi de Almeida (Coordenadoria de Educação)

Turismóloga
Elizabete Santana Caldas
(Coordenadoria de Educação)

Gilson Cruz de Oliveira (in memoriam) Museólogo


(Coordenadoria Técnica)

Yara de Senna Amado Socióloga


(Coordenadoria de Educação)

A DIPLOMAÇÃO

A diplomação da primeira turma dos novos guardas e guias foi realizada


no Salão Nobre do Museu, no dia 15 de setembro e, estiveram presentes o
Secretário de Cultura do MEC, Dr. Marcos Vinicius Villaça, o Juiz de Menores da
cidade do Rio de Janeiro, Sr. Antonio Campos Neto, o Sub-secretário do IPHAN,
Dr. Irapoan Cavalcanti de Lyra e de representantes da FUNABEM e da FEEM,
além dos familiares, professores, funcionários do museu e demais convidados.
Segundo o professor Mafra (1982),

O curso era o primeiro passo. Nosso objetivo é dar uma perspectiva


de trabalho a jovens carentes, mas de grande potencial, e que já
provaram estar perfeitamente integrados as suas atividades. E o mais
importante, fazê-los sentir-se gente. Ao mesmo tempo, ofereceremos
no museu maior assistência aos visitantes.

Para o juiz Antonio Campos Neto, a importância do aproveitamento


desses jovens é evidente, pois ajuda e dá o exemplo às empresas para a
conscientização de que hoje estudar na FUNABEM é motivo de orgulho.
Finalizando, a diretora do Centro de Aprendizagem e Trabalho da
FUNABEM Elcy Ioschpe destacou a validade da iniciativa do MNBA de treinar
menores para funções de confiança e responsabilidade, preparando-os para
uma profissão específica e já empregando-os.
2o Seminário brasileiro de museologia • 73

TECENDO CONSIDERAÇÕES

O curso de Guardas e Guias implementado pela equipe da


Coordenadoria de Educação do MNBA, foi pioneiro dentro da área dos museus
até a presente data, uma vez que não só qualificou a mão de obra, como
também empregou-os, ampliando horizontes de vida e expandido
oportunidades de mercado de trabalho.
Nenhuma instituição museológica na época interessou-se em ampliar
seus quadros, seguindo o exemplo do MNBA.
Tomo a liberdade de como testemunha ocular dos fatos na década de
1980, ingressei no MNBA como estagiário da FUNDAÇÃO MUDES em 1982 e
também integrei a equipe de professores, de dar minha contribuição.
Nossos esforços foram para que os integrantes do curso cumprissem não
só o papel de vigilantes das obras nas galerias, como também fornecessem,
informações básicas aos visitantes como localização e autoria das obras ícones
do acervo como A Primeira Missa no Brasil, A Batalha dos Guararapes, o
Autorretrato de Tarsila do Amaral, dentre outras em exposição. Eles não
desempenharam o papel de mediadores ou guias de museus, nesse primeiro
momento.
Havia também uma preocupação básica não só do diretor do museu, o
prof. Mafra como também da equipe da Coordenadoria de Educação em
acolher o visitante, deixando claro que ele era muito bem vindo e que
estávamos ali para ajudá-lo na sua incursão pelas galerias do museu. Com o
decorrer do tempo, os integrantes da coordenadoria de educação, perceberam
a potencialidade de alguns se tornarem mediadores de galerias e foram
investidos treinamento no sentido de passarem a receber grupos de escolares.
Lamentavelmente o primeiro governo eleito pelo voto popular, após anos
de uma ditadura militar, foi extremamente nefasto para o funcionalismo público
como um todo e em especial para a área da Cultura. Foi o governo que ficou
conhecido como a “Caça aos Marajás”, ou seja, a proposta do Governo Collor
era, dentre outras, demitir 100 mil funcionários, visando moralizar a
administração pública. No setor da Cultura, extinguiu a Fundação Pró-Memória,
2o Seminário brasileiro de museologia • 74

o Instituto do Patrimônio Histórico e Artísitico Nacional (IPHAN) no qual o museu


estava inserido e a Fundação Nacional de Arte (FUNARTE). Foram anos
sombrios para os servidores públicos.
Com uma nova direção em curso, a partir de 1991, além de novos
interesses profissionais dos integrantes, uma vez que uma parcela continuou
seus estudos até a universidade, parte desse grupo migrou para outras áreas do
museu e/ ou outras unidades museológicas, o que consequentemente extinguiu
a equipe. É fato notório também que não houve interesse da nova direção em
dar continuidade ao processo para formação de novas equipes.
Trabalho em uma instituição museológica há 33 anos e sei o quanto é
difícil e complicado a área de segurança e receptivo dos museus.
Atualmente o Museu Nacional de Belas Artes encontra-se com uma
equipe de vigilantes que apresenta toda a sorte de problemas possíveis. Cumpre
destacar a postura dos vigilantes que encontram-se nas salas de exposições. Na
maioria das vezes estão falando ao celular, consultando e-mails ou em rodas de
conversas com outros vigilantes dentro da própria galeria, não se importando
em nada com o visitante.
O atual Setor de Educação tem sido procurado por demais setores do
museu para juntos, implementarmos cursos de qualificação.
Porém, todos nós que trabalhamos em museus sabemos o quanto é
extremamente difícil e complicado realizar qualquer ação de qualificação ou
mesmo de sensibilização, uma vez que, a maioria desses grupos não tem
interesse e segundo, as equipes são rotativas. Os vigilantes não são treinados
para trabalharem em instituições culturais.
Lamentavelmente uma grande idéia que foi sepultada.
Finalizando, com relação ao grupo original de Guardas e Guias do
MNBA, temos atualmente, no setor de educação um servidor que atualmente
está finalizando seu mestrado e é também professor concursado da rede
estadual de ensino.
Também temos notícias de outro integrante desse grupo, que já desligou-
se do museu, formado em Turismo e atualmente é guia internacional de grupos
de italianos na cidade do Rio de Janeiro.
2o Seminário brasileiro de museologia • 75

A experiência comprovou na prática, dentro desse universo museológico,


que a educação promove a transformação da realidade social.

Referências

ALMEIDA. R. A. A Contribuição da seção educativa do Museu Nacional de Belas


Artes (MNBA) para o ensino escolar da arte. 2013. 105f. Dissertação (Mestrado
em Educação). Políticas Públicas e Gestão. Universidade Estácio de Sá, Rio de
Janeiro.

AMADO, Y. MNBA tem novos guias: depoimento. [21 de outubro de 1982]. Rio
de Janeiro: Perspectiva Universitária.

Arquivo Histórico do Setor de Educação do Museu Nacional de Belas Artes.

Boletim do Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro: Museu Nacional de


Belas Artes. 1982-1988. Quadrimestral.

BRASIL. Lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937. Dá nova organização ao


Ministério da Educação e Saúde Pública. Rio de Janeiro, 13 de janeiro de 1937.

CANDIDO, M. M. D. ONDAS DO PENSAMENTO MUSEOLÓGICO BRASILEIRO.


Cadernos de Sociomuseologia. Disponível em:
<www4.unirio.br/museologia/textos/ondas_do_pensamento_brasileiro.pdf>.
Acesso em: 10 de março de 2015.

Fundação para Infância e Adolescência. Disponível em:


<http://www.fia.rj.gov.br/historia.htm>. Acesso em: 12 de julho de 2015.

Fundação Mudes. Disponível em: <http://www.mudes.org.br>. Acesso em: 12


de maio de 2015.

IOSCHPE, E. Alunos da Funabem e da Feem são guias de museu: depoimento


[16 de setembro de 1982]. Rio de Janeiro: O Globo.

NETO, A. C. Alunos da Funabem e da Feem são guias de museu: depoimento


[16 de setembro de 1982]. Rio de Janeiro: O Globo.

SOUZA, A. M. de. Alunos da Funabem e da Feem são guias de museu:


depoimento [16 de setembro de 1982]. Rio de Janeiro: O Globo.
2o Seminário brasileiro de museologia • 76

EDUCAÇÃO MUSEAL: CARTOGRAFIAS, TRILHAS E MARCOS – INVESTIGAÇÃO


SOBRE FUNDAMENTOS DO CAMPO NA PERSPECTIVA DA
SOCIOMUSEOLOGIA

Juliana Maria de Siqueira1

Resumo
A investigação que ora se apresenta parte do pressuposto de que a Educação
Museal vem-se estabelecendo, nos últimos anos, no Brasil, como um campo de
conhecimento, intervenção social e políticas públicas. Esta comunicação
apresenta uma breve cartografia do entendimento da função educativa, propõe
a identificação de marcos significativos das práticas e políticas públicas do setor
e indica algumas das principais trilhas conceituais por meio das quais a
pedagogia museal vem sendo compreendida no Brasil. A partir desses
movimentos, propõe que a Educação Museal não pode ser compreendida
segundo uma abordagem fragmentada e disciplinar, mas, na perspectiva da
Sociomuseologia, configura-se como um campo transversal complexo cuja
especificidade reside na indissociabilidade entre os processos educativos e
museológicos compartilhados com a comunidade, com vistas à apropriação dos
meios de produção e gestão de seu patrimônio integral. Pelo exame de suas
dimensões comunicativas e informacionais dialógicas, espera-se sistematizar
fundamentos epistemológicos que expliquem como os processos de museologia
social acionam a apropriação cultural, a participação política e o protagonismo
social. Além disso, a partir do cruzamento entre os campos da Sociomuseologia,
da Comunicação e da Ciência da Informação, pretende-se deduzir princípios
metodológicos que orientem a produção de práticas museológicas centradas
nos sujeitos que significam e agem sobre o patrimônio.

Palavras-chave: Educação Museal; Sociomuseologia; Transversalidade;


Comunicação; Informação.

Abstract: This investigation assumes that Museum Education has been


established, in the last years in Brazil, as a field of knowledge, social action and
public policies. This communication presents a brief cartography of how
educative function has been understood. It also proposes the identification of
significant frameworks for sectorial practices and public policies. Finally, it
indicates some of the main conceptual trails whereby museum pedagogy has
been formulated in Brazil. After these movements, it proposes that Museum
Education can’t be understood according to a fragmented, disciplinary view, but,
under the perspective of Sociomuseology, it may be configured as a complex,

1
Doutoranda em Museologia, bolsista apoiada pelo Programa de Doutoramento da
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, orientada pela Profa. Dra. Judite Primo,
Especialista Cultural em Educação Museal, Secretaria Municipal de Cultura de Campinas, E-mail
para contato: ju.de.siqueira@gmail.com.
2o Seminário brasileiro de museologia • 77

transversal field whose specificity lies in the inseparability of the educative and
museological processes, when shared with the communities, towards the
appropriation of the means of production and management of its integral
heritage. By the analysis of its dialogic communicational and informational
dimensions, it will be possible to systematize some of epistemological basis which
can explain how the processes of social museology drive to cultural
appropriation, political participation and social leadership. Besides, by the
crossing between the fields of Sociomuseology, Communication and Information
Sciences, it is intended to deduce some methodological principles that guide the
creation of museological practices centered in the people that give meaning to
heritage and act on it.

Keywords: Museum Education; Sociomuseology; Transversality; Communication;


Information.

••••••••••

EDUCAÇÃO MUSEAL E SUAS VIAS DE ABORDAGEM

A função educativa do museu, isto é, o que lhe compete como instituição,


encontra-se amplamente reconhecida. Na maioria dos museus, ela se realiza
por meio de sua ação educativa e tem-se fundamentado em princípios teórico-
metodológicos da Educação, da Museologia e das disciplinas afins. Esses
conceitos, articulados, compõem o que Denise Studart (2004) denominou as
faces do triângulo equilátero da pedagogia museal. Pereira (2010) distingue,
ainda, a dimensão educativa, que se refere ao caráter das ações educativas que
se realizam nos museus. Atualmente, no Brasil, a Educação Musel vem-se
constituindo como um novo campo de conhecimento, intervenção social e
políticas públicas (MARTINS, 2011, p. 356), a partir do estabelecimento e da
consolidação da Política Nacional de Museus.

Esta comunicação apresenta bases epistemológicas de uma investigação


cujo objetivo é analisar as possibilidades de compreensão da Educação Museal,
a partir da Sociomuseologia, como campo transversal complexo, cuja
especificidade reside na indissociabilidade entre os processos educativos e
museológicos compartilhados com a comunidade, tendo em vista a apropriação
2o Seminário brasileiro de museologia • 78

dos meios de produção e gestão de seu patrimônio integral. O exame de suas


dimensões comunicativas e informacionais dialógicas permitirá sistematizar
fundamentos teóricos que relacionam os processos de museologia social à
apropriação cultural, à participação política e ao protagonismo social. Além
disso, o cruzamento entre os campos da Sociomuseologia, da Comunicação e
da Ciência da Informação possibilitará estabelecer parâmetros metodológicos
para orientar a análise e produção de práticas educativas centradas nos
sujeitos.

MUSEUS E EDUCAÇÃO NO BRASIL: BOSQUEJO DE UMA CARTOGRAFIA

No Brasil, as relações entre museus e educação sempre foram intensas


(CHAGAS, 2013). Desde a criação do Museu Real, hoje Nacional, por D. João
VI, em 1818, até a segunda metade do século XIX, essas instituições eram ponto
de apoio para formação de cientistas e produção científica, na ausência de
universidades. Seu primeiro público compunha-se de pesquisadores, viajantes e
estudiosos, e sua finalidade era o desenvolvimento das ciências naturais, da
indústria, das artes e do comércio. Koptcke, Lopes e Pereira (2007),
debruçando-se sobre os arquivos desse museu, encontraram vestígios de sua
colaboração com a Instrução Elementar. Sem possuir caráter científico até o
final do século XIX (JULIÃO, 2006, p. 21), os museus tiveram atuação modesta e
parecem ter funcionado como laboratório ou biblioteca de objetos que
apoiavam/ ilustravam práticas do ensino formal. Essa concepção do museu-
escola estava em sintonia com a tendência de vulgarização do ensino de história
natural em vigor no hemisfério norte. Entre os fins do século XIX e as primeiras
décadas do século XX, os principais museus brasileiros (dentre os quais o
Nacional, o Paulista e o Paraense Emílio Goeldi) alinhavam-se ao modelo
etnográfico-enciclopédico, sustentado pelas teorias do evolucionismo social e
biológico e voltando-se para os diversos aspectos do saber e do país (JULIÃO,
2006). Essa tradição é rompida em 1922, com a criação do Museu Histórico
Nacional (MHN), quando o foco dos museus se volta para a formulação de uma
representação da nacionalidade destinada a educar o povo: “Tratava-se de
ensinar a população a conhecer fatos e personagens do passado, de modo a
2o Seminário brasileiro de museologia • 79

incentivar o culto à tradição e a formação cívica, vistos como fatores de coesão


e progresso da nação” (JULIÃO, 2006, p. 22). Com a criação do seu curso de
museologia, nas duas décadas seguintes, essa concepção do MHN influenciou
ideologicamente inúmeras instituições espalhadas por todo o país.

Em 1931, a divulgação da Carta de Atenas adverte as autoridades


brasileiras sobre a necessidade da criação de mecanismos legais para a
proteção dos monumentos históricos e artísticos nacionais. Diante da
preocupação com a perda e depredação do patrimônio, a ação educativa –
dirigida aos jovens – passa a ser vista como instrumento de conservação. De
acordo com Santos Júnior (2005), a Carta influencia a Constituição de 1934,
que no artigo 148 do Capítulo III – Da Educação e da Cultura, determinava a
União, Estados e Municípios a competência de “favorecer e animar o
desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da cultura em geral,
proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do País”.

Deflagra-se, assim, o processo de institucionalização da política de


proteção ao patrimônio cultural brasileiro, prenunciada com a Inspetoria de
Monumentos (1923) e com o Serviço de Proteção aos Monumentos Históricos e
Obras de Arte (1934) e consolidada com a criação do Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), em 1937. Nessa instituição, o grupo
liderado por Rodrigo Melo Franco de Andrade assumiu a hegemonia, opondo-
se à visão nostálgica e romantizada predominante no MHN. Buscava-se não
apenas a restauração do passado, mas sua releitura, pois entendia-se o
nacional como projeto em construção, e não um dado pronto a ser
reverenciado e reproduzido no presente (JULIÃO, 2006). Apesar de deslocar o
MHN do posto de referência, o SPHAN não rompeu totalmente com suas
concepções educativas conservadoras, que assim permaneceram até o final dos
anos 1970.

No pós-guerra, com a criação da ONU e da Unesco, os profissionais de


museus passaram a contar com uma instância internacional de diálogo, o
ICOM. Em 1958, ele realiza, no Rio de Janeiro, o Seminário Regional sobre a
Função Educativa dos Museus. Hernan Crespo Toral (1995) aponta as
2o Seminário brasileiro de museologia • 80

conclusões e recomendações que na época representavam avanços: 1) o


desenclausuramento do museu com programas didáticos para a educação
formal, uso do rádio, do cinema e da TV; 2) visão do museu como meio de
comunicação atrativo e ativo sobre os problemas da sociedade; 3) uso da
exposição “polivalente” (destinada a todos os níveis intelectuais de visitantes)
como meio para apresentar os objetos, portadores de uma mensagem a ser
apreendida harmoniosamente pelo público (ARAÚJO e BRUNO, 1995, p. 13);
4) desempenho da função de educação formal, ilustrando e objetivando os
conceitos abstratos ensinados; 5) designação dos serviços educativos ao
pedagogo do museu ou ao conservador. Aqui, é importante sublinhar a
emergência do entendimento do museu como meio de comunicação e o
processo educativo como um fenômeno eminentemente comunicativo – ainda
que, seguindo as concepções da época, isso significasse a transmissão eficaz e
livre de ruídos de um sentido fixo e inerente ao objeto museal, considerado
como mensagem, a um receptor passivo.

Cerca de uma década mais tarde, uma revolução se anuncia quando, em


sua Conferência Geral, realizada na França, em 1971, o ICOM revê a definição
de museu, passando a considerar sua dimensão política. Tratava-se de uma
resposta aos questionamentos, dirigidos aos museus pelos vários segmentos em
luta pela democratização e justiça social. As multidões oprimidas (países
descolonizados da África, movimentos negros, trabalhistas, feministas e demais
“minorias” em defesa de seus direitos) manifestavam descrença nas instituições
educativas e culturais, desmascaradas em seu conservadorismo elitista.
Buscando renovar-se, estas cunharam o conceito de “extensão cultural”, por
meio da qual tentavam se adaptar e desenvolver atividades para atender a um
público cada vez mais diversificado, saindo de suas sedes e alcançando escolas,
sindicatos, fábricas e periferias urbanas (JULIÃO, 2005, p. 27).

No ano seguinte, a Mesa-redonda promovida pela Unesco em Santiago


do Chile representou um marco no pensamento museológico latino-americano,
que deixou de lados posições prescritivas dos especialistas europeus e norte-
americanos em favor de uma teoria atenta aos desafios do continente. A
2o Seminário brasileiro de museologia • 81

Declaração de 1972 introduziu o conceito de museu integral e abriu novas


possibilidades para a prática museal. Noções consagradas como o
colecionismo, o museu entre quatro paredes e o patrimônio oficial, identificado
com o histórico e o artístico, foram postas em xeque, tornando visível a imensa
gama de bens culturais até então deixados de fora do campo da preservação.
Voltando-se para os problemas concretos da comunidade, o museu se converteu
em instrumento dinâmico de libertação das forças criativas, de desenvolvimento
e mudança social, aberto à participação comunitária em todas as suas
instâncias. Consequentemente o museólogo assumiu responsabilidade política,
elaborando métodos e técnicas de trabalho. A função educativa era entendida
como a tarefa – dentro e fora do museu – de ampliar a acessibilidade às
coleções e promover a formação permanente de professores e comunidades,
conscientizando-os e buscando soluções por meio de seu engajamento na ação.
A Declaração inovou, ainda, ao propor a adoção de paradigmas
epistemológicos da interdisciplinaridade e da complexidade como forma de
enfrentamento aos desafios globais.

Segundo Varine (1995), a despeito da riqueza dessas proposições,


poucas foram implementadas efetivamente, sobretudo nos grandes museus,
refratários às mudanças: a tendência continuou sendo a de imitar os estilos
vigentes no mundo industrializado. O pensamento de Santiago pareceu
soterrado ao longo dos anos 80, deixando como herdeiros os ecomuseus,
surgidos em Portugal, França, Canadá, Suécia e Noruega. Na América Latina, a
museologia comunitária iria florescer com força no México e no Brasil (PRIOSTI
e PRIOSTI, 2013). Varine aponta também desdobramentos como o surgimento
de museologias nacionais aculturadas e grupos regionais de jovens museólogos
e a multiplicação de museus locais de iniciativa comunitária, respeitando a
identidade e os projetos de um território e sua população.

A reunião do ICOM em Quebec, em 1984, permitiu desocultar e


reconhecer uma infinidade de experiências e agentes que haviam surgido ao
longo da década, gerando uma realidade museológica profundamente
alterada. A Declaração ali assinada legitimou o Movimento Internacional da
2o Seminário brasileiro de museologia • 82

Nova Museologia (MINOM) como corrente alternativa e contra-hegemônica,


instituída simultaneamente em vários países, por meio de práticas tão diversas
como os ecomuseus, os museus comunitários e os museus de vizinhança. Essa
museologia definia o museu como ação e a exposição, como um processo de
formação permanente. A comunidade perdeu seu lugar de público e tornou-se
colaboradora, utilizadora ou criadora do museu. A ação educativa, aqui, visava
à apropriação pela população dos métodos e das funções museais.

Em 1992, a visão lançada em Santiago ganhou novo vigor através do


encontro e da Declaração de Caracas. Se os profissionais ali reunidos
renovavam os compromissos sociais e políticos assumidos duas décadas antes,
os conceitos então formulados recebiam atualizações. Horta (1995) destaca
entre os pontos importantes dessa revisão o trato da função educativa dos
museus. Se anteriormente ela se configurava como interventora e catequética
(destinada a levar conscientização às pessoas), agora, abria espaço à
percepção da população como cogestora dos bens patrimoniais, com visão e
interesses próprios. O papel pedagógico cedia lugar ao compromisso com a
comunidade na parceria pelo seu desenvolvimento. A noção de museu integral
foi substituída pela ideia da sua integração à vida social. Além disso, o museu,
como meio de comunicação, revelava-se mediador da relação território-
patrimônio-sociedade e do diálogo entre as forças sociais. Araújo e Bruno
(1995, p. 39) sintetizam a chave para decifrar essa nova função educativa: “os
museus não são somente fontes de informação ou instrumentos de educação,
mas espaços e meios de comunicação que servem ao estabelecimento da
interação da comunidade com o processo e com os produtos culturais”.

Foi também na década de 1990 que outra tendência começou a se


esboçar, delineando um confronto ideológico em relação à Nova Museologia: a
visão do museu como parte da indústria do entretenimento, submetido à lógica
do mercado e à estética do espetáculo. O cenário onde essa concepção se nutre
é o da globalização e do neoliberalismo, em avançam sobre diversas áreas com
vistas à exploração econômica e à formação de mercados consumidores, ao
mesmo tempo em que impõe às instituições culturais públicas regimes de corte
2o Seminário brasileiro de museologia • 83

de custos e de profunda reestruturação (CABRAL, 2001). Sua face mais visível


são as megaexposições internacionais. Viabilizadas por meio de vultosos
patrocínios e maciça divulgação na mídia, são destinadas a atrair milhares de
visitantes. Embora a promoção da ação educativa não seja incompatível tais
empreendimentos, a perspectiva quantitativa tende a colocar-se à frente das
preocupações dos organizadores. Outra consequência desse processo é a forma
como os museus vêm conjugando as dimensões de lazer e educação: por vezes,
adquirem uma face híbrida que mescla o parque de diversão e o shopping
center e põe em segundo plano a apropriação meticulosa do conhecimento
(CABRAL, 2001). Diante da escassez de financiamentos públicos para ações
culturais dos museus, a decisão sobre a linha educativa a ser seguida tem sido
transferida para a iniciativa privada, responsável pela escolha dos projetos a
patrocinar.

Contemporaneamente, novos desafios se apresentam à tarefa de


compreender a função educativa dos museus. Eles dizem respeito ao câmbio
nas concepções de conhecimento, comunicação e informação e à mudança de
paradigma trazida pela pós-modernidade: “os museus são confrontados com a
necessidade de repensar seu papel e, em última análise, a própria identidade e
sua relevância como espaços de construção de conhecimento” (SILVA, 2009).

AÇÕES EDUCATIVAS NOS MUSEUS BRASILEIROS: MARCOS DO CAMPO DE


INTERVENÇÃO SOCIAL

Em 2006, CABRAL (2007) realizou um levantamento junto a 92 dos


quase dois mil museus brasileiros então existentes – hoje são mais de três mil – e
constatou que 82% promoviam algum tipo de atividade educativa, a maioria,
visitas de escolares e do público em geral. Grande parte dessas instituições
estava localizada nas capitais dos estados e menos de 60% realizavam
avaliações sobre suas ações. Segundo dados do Cadastro Nacional de Museus
(IBRAM, 2011), apenas 48,1% possuem setor educativo constituído; 80,6%
promovem visitas guiadas, sendo 76,4% com agendamento, e 50,2% realizam
atividades sistemáticas com a comunidade. Embora ofereçam indícios sobre as
2o Seminário brasileiro de museologia • 84

ações empreendidas, as pesquisas não fornecem dados qualitativos sobre como


se desempenham, qual o seu caráter e seus fundamentos.

Mesmo hoje, investigações dessa natureza apresentam escopos limitados


tanto em relação à abrangência geográfica quanto em relação às tipologias de
museus. E, embora sejam numerosos os relatos e análises de casos de
excelência, ainda não é possível traçar um panorama compreensivo das ações
educativas no Brasil. Vários pesquisadores buscaram decifrar as dificuldades
envolvidas nessa tarefa. Barbosa e Coutinho (2009, p. 14) e Leite (2005, p. 36)
citam a incipiência dos serviços educativos e seu usual desprestígio nas
instituições; o fato de que apenas recentemente o âmbito da recepção tem
demonstrado reconhecer a necessidade desse trabalho e de seu profissional; a
falta de formação específica para mediadores e o preconceito em relação a
esses profissionais, por parte de curadores, críticos e historiadores; e a carência
de publicações especializadas, aliada à insuficiente avaliação, sistematização e
comunicação das práticas. O isolamento dos profissionais é outra possível
explicação (MUSEU IMPERIAL, 2010). Esse quadro tem merecido atenção de
profissionais e pesquisadores, que se mobilizam para estruturar o setor, por
meio do registro e divulgação das práticas, da constituição de redes, da
formação de educadores e do estabelecimento de políticas públicas.

No âmbito da sistematização das práticas, por muitos anos, a


participação dos educadores de museus brasileiros no Comitê para Educação e
Ação Cultural (CECA) do ICOM, tem contribuído para o desenvolvimento do
setor. Quanto à articulação de profissionais, pesquisadores e estudantes, uma
das iniciativas relevantes foi a criação da Rede de Educadores em Museus, REM,
no Rio de Janeiro, em 2003, sob o estímulo do IBRAM. A REM deu origem a
redes independentes em diversas regiões do país: Distrito Federal, Ceará,
Pernambuco e Região Metropolitana de Belo Horizonte – 2008, Mato Grosso e
Paraíba – 2009, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Goiás – 2010, Bahia –
2011 e, mais recentemente, São Paulo – 2014. Seu papel tem sido o de
organizar profissionais e promover intercâmbio de experiências, formação
2o Seminário brasileiro de museologia • 85

continuada, mapeamento de ações, discussão de políticas públicas e


desenvolvimento de pesquisas e parcerias com universidades.

Em relação ao mapeamento do setor e às políticas públicas, têm sido


decisivos os encontros nacionais promovidos pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, IPHAN, e, posteriormente, pelo IBRAM. O primeiro
Encontro Nacional de Educação Patrimonial no Brasil ocorreu em 2005, em São
Cristóvão, SE. De acordo com LIMA (2008), o evento proporcionou uma síntese
do processo de desenvolvimento de ações educativas, necessária ao desenho de
uma política institucional. Outro momento importante, segundo a autora, foi a
realização do I Fórum Latino-Americano de Educação Patrimonial, pelo
Laboratório de Educação Patrimonial e Arqueologia da Universidade Federal de
Pelotas e o Instituto de Memória e Patrimônio, durante a Semana Nacional de
Museus de 2008. Naquele momento, o quadro mostrou-se preocupante,
fazendo-se urgente avaliar os objetivos e pressupostos das atividades educativas
com o patrimônio em curso no Brasil e rever as teorias e metodologias para
fundamentar e qualificar as práticas (LIMA, 2008, p. 152).

Em 2010, o Departamento de Processos Museais do IBRAM e o Museu


Imperial promoveram o I Encontro de Educadores dos Museus do IBRAM. Tendo
como referências a Política Nacional e o Estatuto dos Museus, os profissionais
reunidos em Petrópolis, RJ, apresentaram e discutiram ações empreendidas nas
instituições, com vistas a constituir uma política de Estado para a educação em
museus (MUSEU IMPERIAL, 2010). Na ocasião, produziu-se Carta de Petrópolis,
documento com subsídios para a construção de uma Política Nacional de
Educação Museal. Na declaração, registra-se a necessidade de definir as teorias
educacionais e correntes pedagógicas e explicitar as concepções de Museu,
Museologia e Educação postas em prática no desenvolvimento das ações
educativas. Defende-se o seu inventário, documentação e sistematização, bem
como a qualificação profissional e a ampliação da comunicação em encontros
periódicos, eventos, boletins, publicações, redes e blogs (IBRAM, 2010).

Como desdobramento desse esforço, em 2011, o IBRAM anunciou as


bases para a elaboração do Programa Nacional de Educação Museal, PNEM,
2o Seminário brasileiro de museologia • 86

convocando os interessados para participar do processo. Em novembro de


2012, o Instituto lançou uma plataforma web para consulta pública sobre as
diretrizes do PNEM, organizando debates em nove eixos temáticos. Até abril de
2013, quando se encerraram as contribuições, 708 usuários haviam opinado
nos fóruns virtuais. As proposições foram, então, sistematizadas pelos
coordenadores de cada eixo e reunidas numa publicação preliminar (IBRAM,
2013). Na fase atual, o documento, debatido em reuniões regionais e estaduais,
deve ser consolidado pela Coordenadoria de Museologia Social e Educação do
Departamento de Processos Museais do IBRAM.

No campo da formação profissional, em 2014, foi lançada a primeira


oferta de curso de pós-graduação lato sensu em Educação Museal. Os
realizadores são os Museus Castro Maya e o Museu da República, pertencentes
ao IBRAM, e o Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro, vinculado à
Fundação de Apoio à Escola Técnica. Além dos principais conceitos da área,
serão discutidas a consolidação do campo, suas perspectivas de pesquisa e as
políticas públicas brasileiras para o setor. É legítimo supor que a oferta de
cursos voltados à Educação Museal, em todos os níveis, irá multiplicar-se nos
próximos anos.

TRILHAS DA EDUCAÇÃO MUSEAL: PRINCIPAIS ABORDAGENS TEÓRICAS


BRASILEIRAS

Não nos cabe esgotar a gama de referências teóricas que têm sido
empregadas para fundamentar as ações educativas dos museus brasileiros.
Apenas apontaremos três das principais abordagens sistematizadas no País,
que, com um enfoque disciplinar, mas não exclusivo do ambiente museal ou do
processo museológico, orientam trabalhos educativos segundo as tipologias
institucionais majoritárias: história/ humanidades, artes e ciências. Trata-se da
Educação Patrimonial, da Arte/Educação e da Divulgação da Ciência.

A Educação Patrimonial

Chagas (2013) afirma que não há um marco zero para a educação


patrimonial no País, pois se trata de um campo e uma prática educativa não
2o Seminário brasileiro de museologia • 87

estritamente ligados a uma metodologia específica, a um autor, data ou lugar.


Entretanto, como sistematização teórica e metodológica, a Educação Patrimonial
proposta por Maria de Lourdes Horta, a partir do Museu Imperial, constitui a
primeira iniciativa que alcançou ampla divulgação nacional por meio do I
Seminário sobre o Uso Educacional de Museus e Monumentos, realizado em
Petrópolis, em 1983 (HORTA, 2003), e tornou-se referência para o
desenvolvimento de experiências nos diferentes contextos do Brasil. Se
estudiosos do campo referem-se à mesma como matriz das ações
empreendidas nos museus nacionais, talvez se deva mais à ação reguladora e
diretiva do IPHAN, por meio da Coordenação de Intercâmbio do Deprom. Em
1997, portanto quase 15 anos após o lançamento da proposta de Horta, o
referido órgão convidou seus técnicos para discutir assuntos relativos à
Educação Patrimonial (EP) e apresentar recomendações. Examinando os
apontamentos publicados pelo IPHAN (FERREIRA et alii, 1997), é possível
reconhecer uma tendência à centralização de ações em torno das formulações
de Horta, incluindo a implementação de um programa em todas as unidades do
IPHAN, a elaboração de um guia básico para orientar as ações no âmbito das
unidades e a difusão das ações já implantadas.

O Guia Básico de Educação Patrimonial que o documento menciona foi


elaborado por Horta, Grunberg e Monteiro, sendo publicado pelo IPHAN em
1999. Sua fundamentação era, ainda, a proposta de 1983, na qual a EP é
entendida como um “processo permanente e sistemático de trabalho
educacional centrado no Patrimônio Cultural, como instrumento de afirmação
da cidadania” (FERREIRA et alii, 1997). Seu objetivo é o envolvimento e
responsabilização da comunidade na gestão do patrimônio, promovendo a
apropriação de bens e valores que o constituem. Pretende-se uma alfabetização
cultural que capacite o indivíduo para a leitura e compreensão de seu universo
sociocultural e um instrumento de diálogo entre sociedade e órgãos públicos
responsáveis pela identificação, proteção e promoção do patrimônio.

Conceitualmente, a principal referência da EP é a Heritage education


inglesa, que se baseia no uso da cultura material e do ambiente construído para
2o Seminário brasileiro de museologia • 88

o ensino da história e da cultura (MORAES E SILVA e SALES, 2009). Outra fonte


declarada é a pedagogia freireana, que propõe a “leitura do mundo” como
ponto de partida para a autoafirmação e o empoderamento dos sujeitos.
Podemos, ainda, reconhecer a influência da Nova Museologia, no ponto em
que a EP se define como instrumento de desenvolvimento individual e coletivo.
Há que se avaliar, contudo, como se conjugam, em termos teóricos, a proposta
de uma heritage education, cuja centralidade está no objeto, considerado fonte
de informação e significados a serem investigados por crianças e adultos, e a
abordagem de Paulo Freire, entendida como relação entre sujeitos,
mediatizados pelo mundo. Além disso, propõe-se uma metodologia na qual fica
patente uma concepção informacional matemática do processo comunicativo,
entendendo-se a produção de sentidos como identificação de significados
preexistentes e contidos nos objetos, reduzindo a linguagem à dimensão veicular
e representativa e o conhecimento a uma perspectiva transmissiva. Supõe-se que
produção e gestão do patrimônio é matéria de especialistas e sua apropriação,
reprodução de valores e ideias. A formação de educadores para a EP é um
treinamento prescritivo e heterônomo para a multiplicação de um método já
dado. Quanto à dimensão educacional, a EP assume a perspectiva da
escolarização baseada em conteúdos programáticos, tomando a mediação
como tradução de sentidos para diferentes linguagens.

Importa identificar os fundamentos epistemológicos da EP e


interrogarmos a que servem, ainda que não se descartem suas contribuições,
sobretudo nos desdobramentos e recriações em campos como a educação
ambiental, em sítios históricos e arqueológicos e até mesmo em processos de
licenciamento ambiental. É possível que, na prática, muitas adaptações tenham
sido implementadas, sendo necessário empreender investigações para verificar
essa hipótese. Cynthia Haigert, ao descrever o estado da arte sobre EP, afirma
que ela se restringe a projetos isolados e experiências piloto pouco
aprofundadas, caracterizando as iniciativas como segmentadas, aleatórias e
descontínuas (HAIGERT, 2003).

A abordagem triangular da arte/educação como mediação cultural e social


2o Seminário brasileiro de museologia • 89

A partir da ação dos museus de arte, um outro campo ou perspectiva da


educação museal vem se desenvolvendo desde meados do século passado: a
arte/educação. De acordo com Barbosa (2009), ela remonta a 1948, quando,
sob influência do modernismo, surgem no Brasil ateliês livres e atividades de
animação cultural. Tais experiências seguiam uma concepção segundo a qual o
aprendizado da arte se dá pela livre expressão do indivíduo. Numa miragem
idealista, acreditava-se que qualquer pessoa podia tornar-se artista
espontaneamente, pela experimentação.

No país, os primeiros serviços educativos em museus destinados à leitura


e fruição da arte surgiram em 1950, com Ecyla Castanheira e Sígrid Porto, no
Rio de Janeiro. Merecem destaque os departamentos educativos do Museu Lasar
Segall e do MAC-USP, no final da década de 1980, dirigidos para a formação
de professores de arte. Ateliês para crianças e adolescentes promoviam uma
educação para linguagens específicas como gravura e design.

Em 1983 surge a sistematização inicial de uma proposta que, mais tarde,


se consolidou como metodologia e, atualmente, apresenta-se como Abordagem
Triangular (AT). A partir de experiências ensaiadas no Festival de Campos do
Jordão (SP) pela equipe do MAC-USP, cunhou-se uma concepção que toma o
aprendizado da arte a partir de três eixos de ação: o fazer artístico, a leitura ou
apreciação da obra de arte e a contextualização da imagem pela história da
arte. Como demonstrou Oliveira (2009), o ponto de partida da AT foram as
proposições norte-americana e inglesa, formuladas entre as décadas de 1950 e
1980, baseadas na análise dos princípios e métodos aplicados em escolas de
reconhecida qualidade no ensino artístico.

O desenvolvimento da AT deu-se por ações experimentais e teorizações,


segundo critérios científicos, em parceria entre o MAC-USP e a rede pública de
ensino em São Paulo e Porto Alegre. Seu dinamismo se deve ao esforço de
Barbosa para divulgar, estimular o surgimento de novas experiências e analisar
os desdobramentos das práticas, incorporando os resultados obtidos pelos
inúmeros arte/educadores que empregam essa abordagem às revisões e
inovações na sua teoria. A AT modificou o ensino de arte nas escolas
2o Seminário brasileiro de museologia • 90

fundamentais e médias do Brasil ao preconizar a importância do conhecimento


e da interpretação da arte tanto quanto a prática com os meios artísticos. Nas
instituições museais, contudo, sua influência nem sempre se fez sentir
diretamente. Nessa concepção, os museus tornam-se lugares privilegiados para
o conhecimento e a educação museal não se resume a um departamento que
lida com o público, cursos e guias de exposição, mas perpassa a curadoria e o
design das mostras. Sua postura traduz um deslocamento da centralidade do
processo educativo das obras e seu produtor em direção à recepção pelo
apreciador, agente da experiência estética e da interpretação. Para Barbosa
(2009), atualmente, uma nova área se consolida no Brasil: a da mediação
cultural e social. Ela parte do princípio da indissociabilidade entre a arte e o
despertar da consciência e da identidade cultural dos educandos. A noção de
que a mediação cultural é também social traduz a compreensão de que arte e
cultura potencializam a reconstrução social.

A divulgação da ciência

Finalmente, uma terceira vertente emerge da experiência dos museus e


centros de ciência: a divulgação científica. De acordo com Massarani (2008),
essa divulgação surge no Brasil a partir da iniciativa de cientistas que se
engajam na atividade como tarefa secundária, configurando movimentos na
segunda metade do século XIX e início do XX. Contudo, somente nos anos 1990
a área adquiriu impulso, com a criação de instituições, de variados portes,
concentradas nas principais cidades das regiões Sul e Sudeste. Desde os anos
2000 o investimento governamental no setor vem crescendo e o governo federal
tenta esboçar, por meio do Ministério da Ciência e Tecnologia, uma política de
popularização da ciência (MARANDINO, 2008). A iniciativa privada passou a
ter interesse na atividade, criando empresas produtoras de megaexposições que
conjugam função educativa e negócio lucrativo (RODRIGO, 2008). Atualmente,
a divulgação científica busca lançar bases para consolidar-se como campo
específico, e o surgimento do divulgador da ciência profissional e do
pesquisador na área da divulgação científica são claros sinais desse processo
(MASSARANI, 2008). No entanto, Van Praet (2005) adverte que isso, muitas
2o Seminário brasileiro de museologia • 91

vezes, enseja conflitos com a comunidade científica estabelecida e, portanto,


ainda não se pode tratar a divulgação como terreno autônomo. Dada a
incipiência do campo no Brasil, seus investigadores apontam a necessidade de
desenvolver fundamentos teóricos e metodológicos para as práticas de
divulgação.

Dos gabinetes de curiosidades aos museus do século XVIII, a concepção


enciclopédica do conhecimento valorizava a exaustividade do saber e das
coleções museológicas, colocando reais obstáculos à divulgação científica. No
fim do século XIX, o ideal da exaustividade cede lugar à seleção de objetos
segundo temas, organizados em exposições para comunicar-se com os visitantes
(VAN PRAET et alii, 2005). A origem dos museus e centros de ciência também
está relacionada à intenção de musealizar descobertas científicas e tecnológicas
e, desde cedo, a atividade educativa esteve ligada à exploração manual de
objetos (modelo hands-on). Esse entendimento perdurou por muito tempo e foi
traduzido nas formas dos museus exploratórios, comuns na década de 1960.
Outra face da educação museal tradicional eram os modelos deficitários de
comunicação pública da ciência. Van Praet (2005) reconhece sua origem na
preocupação das mídias para colocarem a ciência e a técnica ao alcance dos
cidadãos, a partir dos anos 1950. Naquele momento, surge a ideia do
mediador como categoria de profissionais destinados a otimizar a comunicação
entre especialistas e grande público, desempenhando papel de tradução.
Marandino (2008) explica que esses esquemas partiam da oposição entre o
público, visto como leigo, e o cientista/ divulgador, tomado como detentor do
conhecimento. Além de assumir o processo comunicativo como unidirecional,
consideravam que, na divulgação científica, os mediadores necessariamente
incorriam em distorções e simplificações (déficits) para que se fizessem
compreender. Tal postura implica uma hierarquia epistemológica de poder
(LOPES, 1997). Marandino admite que esse modelo ainda orienta as ações
educativas de muitas instituições e a própria retórica governamental.

Contemporaneamente, centros e museus de ciência e tecnologia são


vistos como “espaços dinâmicos de comunicação e educação que permitem
2o Seminário brasileiro de museologia • 92

acesso a um público diversificado” (KNOBEL e MURRIELLO, 2008). As


exposições são consideradas apenas um dos elementos da política cultural da
instituição, conjugadas a outras atividades de mediação, com leituras públicas e
visitas às reservas técnicas (VAN PRAET, 2005). Com isso, os museus tendem a
se tornar cada vez mais interativos, adotando, ainda, projetos itinerantes que se
deslocam até as escolas (RODRIGO, 2008). Consente-se que os museus e suas
exposições destinam-se a tornar visíveis e a demonstrar as ideias e conceitos
científicos, fazendo uso de estratégias museográficas, agora centradas não mais
nos objetos, e sim nos temas a comunicar. O modelo comunicacional
subentendido nas propostas (minds-on) é aquele que busca a dialogia e o
engajamento intelectual do educando.

A divulgação da ciência também é cada vez mais compreendida como


mediação social, na medida em que a promoção de experiências educativas em
espaços não-formais contribui para a formação de cidadãos. Ela capacitaria os
sujeitos a participarem do debate sobre o papel da ciência na sociedade, não
podendo ser reduzida à dimensão de espetáculo (RODRIGO, 2008). Há
também uma tendência a fazer com que os museus funcionem como espaços
públicos e democráticos de debate da atualidade científica e tecnológica e de
promoção da cultura científica (KNOBEL e MURRIELLO, 2008).

A EDUCAÇÃO MUSEAL COMO CAMPO TRANSVERSAL

Luciana Conrado Martins (2011, p. 356) defende que um novo campo de


estudos e intervenções sociais, a Educação Museal, vem emergindo e se
consolidando. Observa-se que as discussões sobre as ações educativas em
museus – que, inicialmente, se dispersavam por uma miríade de terrenos, como
a Educação Patrimonial, a Arte/Educação e a Divulgação da Ciência – aos
poucos vêm encontrando seu próprio espaço, na medida em que as pesquisas,
o exercício profissional e as políticas públicas para o setor delimitam sua
natureza e especificidades. Ademais, as diretrizes e os compromissos
estabelecidos na Política Nacional e no Estatuto de Museus – no sentido de
estruturar e fortalecer os serviços educacionais, promover a formação específica
de profissionais, fomentar a reflexão crítica e a sistematização de práticas e
2o Seminário brasileiro de museologia • 93

conhecimentos, e favorecer a comunicação de experiências e produções


acadêmicas – vieram configurar algumas das condições necessárias para o
estabelecimento de um campo, que antes não se mostravam viáveis.

Em termos teóricos, sua tese de doutorado (MARTINS, 2011), orientada


por Martha Marandino, foi a primeira investigação no Brasil a interrogar-se
sobre a especificidade da constituição da educação museal. A fim de verificar a
hipótese de que ela possui características que a singularizam e se mantêm à
revelia das diferentes tipologias institucionais, a autora examinou as práticas e
concepções de três museus de arte, de ciências humanas e de ciência e
tecnologia: respectivamente, a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Museu de
Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo – MAE-USP e o Museu
de Astronomia e Ciências Afins, MAST no Rio de Janeiro. Martins apontou que a
inserção institucional da educação museal ainda é alvo de controvérsias,
existindo uma luta por espaços de poder com as diferentes funções museais.
Empregando o conceito de dispositivo pedagógico, cunhado por Bernstein, ela
identificou os campos recontextualizadores dos processos sociais constitutivos da
educação museal – os agentes responsáveis pelas políticas públicas, as agências
de fomento e financiamento, os próprios educadores e o tempo, o espaço e o
objeto/discurso específico da prática educativa, constantemente negociados com
o público. A autora concluiu que “não existe uma educação em museus”, mas
“processos sociais nos quais as instituições museais se encontram inseridos [sic]
e que determinam um funcionamento específico para essa educação”
(MARTINS, 2011, p. 363).

Esse trabalho constitui, inegavelmente, uma referência fundamental para


o campo da educação museal e tem, entre outros, o mérito de lançar luz sobre
os processos sociais envolvidos na sua determinação. A partir dele, alguns
questionamentos e novas vias de investigação podem ser suscitados. O primeiro
diz respeito ao fato de que o estudo focalizou instituições muito bem
estruturadas e com importantes acervos que, em certa medida, são o ponto de
partida para as ações preservacionistas – com exceção do MAST, que elege
temáticas científicas para o trabalho educativo. Esse, aliás, é o único dos casos
2o Seminário brasileiro de museologia • 94

relatados em que os educadores podem propor uma exposição em sua


totalidade – no MAE-USP, eles são integrados nos processos de concepção e, na
Pinacoteca, isso ocorre apenas excepcionalmente (MARTINS, 2011, p. 362).
Pode-se afirmar, então, que, nas situações analisadas, a educação integra o
processo comunicativo que encerra a cadeia operatória da museologia
(CÂNDIDO, 2003, p. 174), isto é, estabelece um elo entre as ações de
salvaguarda, desempenhadas pelos especialistas, e o público. O que ocorre,
então, quando o museu é um “conceito” ou um processo, e quando o ponto de
partida da comunicação não são acervos existentes em uma instituição, mas “o
universo inteiro” ou, em outros termos, as “referências patrimoniais” de uma
comunidade (CÂNDIDO, 2003, pp. 176-197)?

O segundo questionamento, decorrente do anterior, é que a investigação


omitiu a voz do público, não alçado à condição de coautor desse processo. A
dialogia educativa restringiu-se a aspectos de mediação, como a consideração
de características demográficas, socioculturais, de tempo e espaço, pelos
educadores ao proporem suas ações. E se o processo educativo for distendido
de forma que corresponda ao próprio processo museológico, compartilhado
com a comunidade? O que ocorre se a dialogia for, então, compreendida como
cocriação e protagonismo do público, como efetiva “participação comunitária
no fazer o museu e no mantê-lo”, tal como proposto por Rússio (CÂNDIDO,
2003, p. 195)? Seria possível ir além de identificar fatores sociais determinantes
– melhor: condicionantes – da educação museal e apreender também suas
dimensões de significação e legitimação, que abririam espaço ao entendimento
da capacidade de agenciamento dos sujeitos envolvidos e de transformação
estrutural?

Um terceiro questionamento diz respeito à abordagem disciplinar da


pesquisa. Ao observar a educação museal sob a perspectiva da Educação, a
autora pôde apreendê-la como um processo socialmente determinado, mas
perdeu de vista sua especificidade, concluindo pela não existência de uma
educação em museus. Ora, ao se propor o entendimento desse processo a
partir de práticas participativas concretas, não seria forçoso reconhecer a
2o Seminário brasileiro de museologia • 95

imbricação entre o museológico e o educativo, recuperando, então, a sua


natureza específica? A leitura transdisciplinar poderia, assim, permitir a
compreensão da educação museal, para além do dispositivo pedagógico, como
dispositivo cultural?

Essas questões levaram a situar a presente investigação sobre a Educação


Museal na área da Sociomuseologia (MOUTINHO, 1993 e 2007), pela
necessidade de tomar a realidade museológica na complexidade de suas
formas e na multiplicidade de contextos sociais, por sua capacidade de abarcar
a participação ativa das comunidades no trabalho com o patrimônio e pela
possibilidade de, com ela, assumir um olhar transversal. Silva (2009, pp. 121-
122) já defendia a emergência e consolidação da educação museal como
campo de estudos transversal e fundamental, formulador de conceitos e
instrumentos metodológicos adequados ao contexto de uma sociedade da
informação e do conhecimento. Essa é, justamente, a perspectiva que
adotamos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS

Na perspectiva da Sociomuseologia, a Educação Museal, como área de


estudos e intervenção, se endereça aos problemas relativos à constituição da
memória e do patrimônio como herança que favoreça o desenvolvimento
humano e social em um contexto atual cada vez mais complexo. Sendo assim, a
tarefa de erigir suas bases conceituais apela à suspensão do instinto
conservativo (BACHELARD, 1996, p. 19), que não apenas busca respostas nas
disciplinas já instituídas, mas o faz a partir da demarcação de fronteiras, da
especialização e da fragmentação do saber (MORIN, 2005). Essa mirada
parcial, embora preserve ainda sua utilidade, jamais permitiria configurar a
Educação Museal como um campo, conformando não mais que um tipo
particular de processos – educativos ou museológicos –, cujo potencial de
contribuições estaria confinado ao escopo das problemáticas pedagógicas ou
museográficas. Contudo, o desafio aqui não é o de estabelecer limites ou
especificidades, mas o de conquistar um novo olhar. Como um terreno científico
contemporâneo, a Educação Museal deve voltar-se ao emaranhado de relações
2o Seminário brasileiro de museologia • 96

que mobiliza entre diferentes ramos do saber. Sua construção exige recorrer ao
instinto formativo, capaz de identificar as estruturas transdisciplinares presentes
nos seus fenômenos concretos e formular questionamentos pertinentes que
ultrapassem as disciplinas anteriores.

Abre-se, então, a possibilidade de se estruturar um quadro de


conhecimento multidimensional e transversal, a partir da atuação crítico-
colaborativa de seus diferentes estudiosos. Essa tessitura, que parte de uma
atitude orientada para a análise de casos particulares, funcionaria de modo
similar ao que Carlo Ginzburg nomeou paradigma indiciário ou semiótico, por
meio do qual pistas, sintomas e indícios permitem reconstruir um saber: “um
modelo epistemológico comum, articulado em disciplinas diferentes, muitas
vezes ligadas entre si pelo empréstimo de métodos ou termos-chave”
(GINZBURG, 1989, p. 170). Tal projeto não é isento de dificuldades. Como
adverte Edgar Morin (2005, p. 49), o maior problema é encontrar o caminho
onde se conjugam ciências que possuem linguagens e conceitos próprios, que
não se intercambiam automaticamente.

Antes de tudo, será necessário reconhecer, nos processos envolvidos na


Educação Museal, a imbricação entre o educativo e o museológico, sem a
predominância de um aspecto sobre o outro – nem se trata de educar para o
patrimônio/ a memória, nem de subordinar estes àquela, instrumentalizando-
os, mas de se interrogar sobre as intencionalidades e os devires envolvidos na
sua experiência. Dessa asserção advêm duas consequências. A primeira, que a
Educação Museal se organiza como campo de pesquisa aplicada e
essencialmente qualitativa, onde as questões são formuladas em um contexto
social, e as situações e casos são seus objetos de análise por excelência. A
segunda, que a sua compreensão não pode prescindir dos sujeitos que nela se
constituem, sendo impossível abordá-la puramente como tratamento,
transmissão ou disponibilização de informações. Ao contrário, ela deve valorizar
o conhecimento-emancipação, em que o saber, solidário, se conquista contra a
“incapacidade de conceber o outro a não ser como objeto” (SANTOS, 2007, p.
81). Se a Educação Museal tem como horizonte o desenvolvimento humano e
2o Seminário brasileiro de museologia • 97

social, seu estudo tem na comunidade o seu campo privilegiado e abarca,


necessariamente, a subjetividade como mediação e transcendência (DELEUZE,
2001). Interessa-lhe, então, compreender como, daquilo que o afeta no dado, o
sujeito reflete e se recria, o que ele crê e o que inventa.

Na presente investigação, optamos por iniciar essa trama a partir das


Ciências da Informação e da Comunicação, tomadas em seus paradigmas
sociais e dialogais. Em primeiro lugar, essa escolha se justifica pela centralidade
que os processos comunicativos e informacionais assumem na
contemporaneidade, interferindo em todos os âmbitos da vida social (UNESCO,
2013). Os meios e tecnologias de comunicação e informação encontram-se
largamente disseminados e, por meio deles, não apenas se ampliam a
produção e a circulação de informações, como também se alteram
qualitativamente as formas de existência, sensibilidade, percepção, aprendizado
e participação dos indivíduos (Cf. MARTÍN-BARBERO, 1996; OROZCO GÓMEZ,
1997; LAZARTE, 2000). Nesse quadro, marcado por desigualdades no acesso e
uso dos recursos-chave, os processos educativos, tornados contínuos pela
distensão dos tempos e espaços em que se realizam, assumem uma dimensão
estratégica na promoção do interesse humano (GADOTTI, 2000). Faz-se
relevante, portanto, operacionalizar o cruzamento entre esses campos para
melhor compreender as mútuas implicações entre o cenário traçado e a
educação museal.

Em segundo lugar, a opção se fundamenta no reconhecimento das


inter-relações que, historicamente, desenvolveram os campos da Museologia, da
Comunicação e da Informação, favorecendo o trânsito entre linguagens e
conceitos a que aludiu Morin (2005). Com respeito à aproximação entre a
Museologia e a Comunicação, movimentos de convergência podem ser
encontrados desde o Seminário Regional sobre a Função Educativa dos Museus,
promovido pelo ICOM em 1958, no Rio de Janeiro. Toral (1995) relata que,
dentre as conclusões sistematizadas, figurava a concepção do museu como um
meio de comunicação atrativo, sendo a exposição seu veículo específico e os
objetos musealizados, os portadores de uma mensagem a ser apreendida pelo
2o Seminário brasileiro de museologia • 98

público, receptor até então passivo. Depreende-se, evidentemente, a


abordagem informacional transmissivista da comunicação, mas aos poucos ela
cede lugar ao paradigma interacional e dialógico. Horta (1995) e Bruno e
Araujo (1995) observam que os profissionais reunidos no seminário A missão do
museu na América Latina hoje: novos desafios”, ocorrido em Caracas, em
1992, reafirmaram o entendimento do museu como meio de comunicação.
Desta vez, visto como espaço de interação, seu papel era o de mediador da
relação território-patrimônio-sociedade e de promotor do diálogo entre as
diferentes forças sociais. No campo da teoria museológica, Cândido (2003)
demonstra como os diversos estudiosos integram, sob perspectivas variadas, a
comunicação na cadeia operatória da museologia, incluindo Van Mensch, Mário
Chagas, Maria Cristina Bruno e Maria Célia Santos.

Já quanto à Ciência da Informação, encontramos nos trabalhos de


Araújo (2010 e 2011) um esforço para realizar a integração epistemológica da
Museologia, da Biblioteconomia e da Arquivologia nesse campo, a partir do
conceito original de informação, que remete à ação humana sobre o mundo e
sua correspondente apreensão simbólica. Refazendo o percurso histórico dessas
áreas, o autor identifica uma variedade de perspectivas que levam à superação
do seu paradigma custodial e tecnicista, em favor de uma abordagem que
valoriza aspectos como o uso, os significados, o contexto e os atores dos
processos informacionais. O enfoque sobre os sujeitos emerge no início do
século XX e gradativamente muda a visão do usuário ou visitante como alvo das
ações institucionais para construtor ativo de significados e interpretações,
desenvolvendo estratégias de apropriação conforme suas necessidades
informacionais. Contemporaneamente, os estudos nesses campos se voltam
para as formas de interação e mediação entre as instituições e o público, que
passam a enfatizar o caráter dialógico e participativo dos processos de
informação, em lugar da transmissão ou difusão de conhecimentos. Nessa
vertente, Araújo identifica a Nova Museologia. É precisamente nessa abordagem
social que reconhecemos as condições epistemológicas para por em diálogo os
campos da Ciência da Informação e da Museologia, atendendo aos propósitos
desta investigação.
2o Seminário brasileiro de museologia • 99

Portanto, mostra-se viável a construção de uma teia conceitual para


apreender a Educação Museal desde a articulação entre a Sociomuseologia e as
Ciências da Informação e da Comunicação. Esse empreendimento possibilitará
traduzir uma determinada compreensão da dimensão educativa do museu em
metodologias, técnicas, ações, práticas e produtos. Além disso, ao explicitarmos
os seus pressupostos teóricos e metodológicos e acompanharmos o
desenvolvimento de processos concretos, será possível compreender criticamente
os seus desdobramentos, permitindo a produção de parâmetros para a criação
e avaliação de processos de educação museal.

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2o Seminário brasileiro de museologia • 104

MUSEOLOGIA SOCIAL E EDUCAÇÃO: RELATO DE EXPERIÊNCIAS DE


EXTENSÃO MUSEOLÓGICA NO MUSEU AFRO-BRASILEIRO DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DA BAHIA

Maria das Graças de Souza Teixeira

Resumo
O presente artigo apresenta, de forma analítica, importantes experiências no
âmbito da Museologia Social, através do relato de atividades realizadas no
período de 2011 a 2015, no Museu Afro Brasileiro/UFBA, que primam pelo
exercício do diálogo, através da “escuta sensível”. Utilizando como fio condutor
o tema extensão museológica, o texto está organizado em duas partes. Na
primeira, tendo como argumento teórico as discussões sobre as interfaces entre
a Museologia Social e a Educação, são apresentadas as experiências com
exposições temporárias. Na segunda destaca-se o trabalho, cotidiano e
sistemático, de atendimento ao público, através da mediação, preocupada em
atender às especificidades e perfis dos diversos grupos, culminando com a
apresentação dos programas educativos que envolvem instituições de ensino,
comunidade local, movimentos sociais e grupos culturais e religiosos de diversas
matrizes.

Palavras–chave: Museologia Social; Extensão Museológica; Exposições


temporárias; Processos Educativos.

Abstract
This article presents, analytically, important experiences in Social Museology,
through the activities report carried out in the period from 2011 to 2015 in Afro
Brasilian Museum/UFBA, which stand out for their exercise of dialogue through
the “sensible listening”. Using as a guide the theme museum extension, the text is
organized into two parts. In the first, with the theoretical argument the
discussions on the interfaces between the Social Museology and Education, the
experiences are presented with temporary exhibitions. The second highlights the
work routine and systematic, Customer Service, through mediation, anxious to
meet the specific needs and profiles of various groups, culminating in the
presentation of educational programs involving educational institutions, local
community, social movements and cultural and religious groups from various
matrices.
Keywords: Social Museology; Museology extension; Temporary exhibitions;
Educational processes.

••••••••••


Pós-Doutora em Sociomuseologia, professora do Departamento de Museologia da
Universidade Federal da Bahia, E-mail para contato: mgteixeir@hotmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 105

INTRODUÇÃO

O museu é uma instituição que atua em três campos que estão em


constante processo: preservação, pesquisa e comunicação. Portanto, não se
limita às atividades de conservação dos objetos e da exposição destes de forma
espetacularizada, num cenário de luz e cor, no qual, muitas vezes, a informação
e o próprio objeto ficam ofuscados por tais elementos, dificultando o acesso e a
apropriação do conhecimento.

Uma vez que o museu é um prestador de serviço à sociedade deve estar


atento às demandas da mesma. Para tanto, seus profissionais, são em grande
parte, responsáveis pelo seu fazer diário. Neste contexto, “[...] a instituição
museu não é algo dado, estático, mas o resultado das ações humanas que o
constrói e/ou reconstrói a cada momento, assim, o fazer museológico é uma
prática social, e o museu parte do patrimônio cultural, no qual se inserem as
exposições museológicas” (SANTOS, 2008, p. 53).

Nesta perspectiva, o presente artigo discute a função social do museu a


partir da concepção da Museologia Social e sua interface com a Educação. Esta
interface possibilita o exercício de práticas que revelam o papel social do museu,
assim como a produção de reflexões sobre estas práticas. Assim, o objetivo
deste texto é apresentar, de forma analítica, como o Museu Afro Brasileiro da
Universidade Federal da Bahia, MAFRO/UFBA, tem proporcionado ao seu
público, interno e externo, a vivência de processos educativos museológicos, a
partir do diálogo com a sociedade, aqui representada pelas instituições de
ensino e pelos movimentos sociais e grupos religiosos de diversas matrizes.

Para melhor compreensão organizamos o texto em duas seções. Na


primeira, discutimos a interface entre a Museologia Social e a Educação,
utilizando como fio condutor o tema da exposição como extensão museológica,
apresentando as exposições temporárias do Museu, no período de 2011 a
2015, que culminaram na exposição “O MAFRO pela vida, contra o ‘Genocídio’
da Juventude Negra”, que foi planejada como uma resposta ao grave fato
acontecido na cidade, em janeiro de 2015, a “chacina da Vila Moisés –
Cabula”, quando 12 jovens negros foram mortos. A segunda seção destaca o
2o Seminário brasileiro de museologia • 106

trabalho cotidiano e sistemático, de atendimento ao público, através de uma


mediação qualificada, preocupada em atender às especificidades e perfis dos
diversos grupos. Deste contato mais próximo com os seus públicos surgem
oportunidades de “escuta sensível” das demandas. Finalizando, são
apresentados os programas educativos que envolvem instituições de ensino,
comunidade local, movimentos sociais e grupos culturais e grupos religiosos de
diversas matrizes.

MUSEOLOGIA SOCIAL E EDUCAÇÃO

A expressão “Museologia Social” foi utilizada pela primeira vez em 1993,


pelo museólogo Mário Canova Moutinho. Segundo o autor este conceito traduz
uma parte considerável do esforço de adequação das estruturas museológicas
às reais condições da sociedade contemporânea, trata-se de uma nova
denominação para inaugurar novos pensares acerca da Museologia.
Pensamentos que vinham se delineando nos documentos da “Declaração da
Mesa Redonda de Santiago do Chile” (1972) e na “Declaração de Caracas”, em
1992, dentre outros. Estes documentos apresentam o alargamento do conceito
de museu e de patrimônio que, tem nos sujeitos sociais os principais atores para
a construção dos processos museológicos dentro e fora dos museus.

Assim, o museu é feito por pessoas e para pessoas, independente da sua


tipologia e/ou da natureza de suas coleções. O fazer museológico diário é
realizado por atores sociais que refletem o perfil da instituição de forma a
contribuir para a construção de uma sociedade mais digna para todos os
cidadãos. Portanto, os trabalhadores de museus estão na categoria de
trabalhador social, defendida por Paulo Freire: “[...] o trabalhador social não
pode ser um homem neutro frente ao mundo, um homem neutro frente à
desumanização ou humanização, frente à permanência do que já não
representa os caminhos do humano ou a mudança destes caminhos” (FREIRE,
1979, p. 49).

Portanto, trabalhar em museus, para além de cuidar de objetos com o


fito de preservá-los e expô-los, implica em estar comprometido com as questões
sociais, pois o trabalhador de museus está a serviço do outro, sem esquecer que
2o Seminário brasileiro de museologia • 107

para “o outro” ele é também “outro”, e sendo assim, ao empreender ações deve
estar atento às armadilhas das naturalizações impostas pelas normalizações
históricas estabelecidas.

Neste contexto, a interface entre a Museologia Social e a Educação na


perspectiva aqui apresentada, se efetiva como uma possibilidade para
aproximação e interlocução entre a instituição museológica e a comunidade
local. Assim, a partir da extensão museológica, o museu institucionaliza seus
processos educativos, assumindo posição frente aos problemas sociais que
afetam a vida, não apenas do seu público, mas também dos seus profissionais.
Logo, a partir das ações educativas e culturais, o museu tem contribuído para
“[...] a redução das injustiças e desigualdades sociais; [...] fortalecimento da
dignidade e da coesão social; utilização do poder da memória, do patrimônio e
do museu a favor das comunidades populares, dos povos indígenas e
quilombolas, dos movimentos sociais [...]” (CHAGAS; GOUVEIA, 2015, p. 17) –
como preconizam os autores.

A exposição como extensão museológica

A exposição pode ser compreendida como um canal que veicula a


informação gerada no interior do museu, sendo, portanto, o veículo de
comunicação e interação entre o público e a instituição. No caso do Museu Afro
Brasileiro da UFBA, as exposições temporárias – aquelas que, geralmente, dão
destaque ao acervo ou a uma determinada temática - têm sido priorizadas para
atender às demandas sociais do seu público mais específico. Planejadas a partir
dos diálogos que o Museu estabelece com os sujeitos e movimentos sociais, têm
resultado em parcerias nas quais as temáticas e problemáticas sociais
encontram, nas narrativas expográficas, um espaço para expressão de discursos
consonantes com as falas dos sujeitos e movimentos sociais.

Nesta perspectiva, no período de 2011 a 2015 foram realizadas


exposições temporárias que visaram responder às demandas, nem sempre
explícitas, mas percebidas pelos profissionais e estudantes do Museu. Em 2011
“A infância nas mãos”– retratou os brinquedos artesanais do norte do país –
colocando em diálogo, através de fotos e narrativa textual, a realidade das
2o Seminário brasileiro de museologia • 108

crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social nos arredores do


Museu.

Em 2012, a exposição temporária “ÍPÉLÉ Awó: a cor no Candomblé


Nagô”– apresentou os resultados de pesquisa acadêmica da estudante de Belas
Artes, Aislane Nobre1 sobre a paleta cromática utilizada no Candomblé Nagô,
através da técnica do esgrafito. Também em 2012, como resultado de pesquisa
de Mestrado de Marcos Rodrigues2, foi apresentada ao público a exposição “Os
Terreiros de Praia Grande em Ilha de Maré: imagens de campo”.

Em 2013 duas exposições temporárias ocuparam duas salas do museu.


No dia 21 de janeiro, dia nacional de combate à intolerância religiosa, foi
inaugurada: “Exu: outras faces”,apresentando esta divindade em outras
perspectivas, contribuindo assim, para uma reflexão sobre a desconstrução de
sua imagem diabolizada, construída e estigmatizada pelo cristianismo. Esta
exposição foi planejada para ficar em cartaz de janeiro a abril de 2013, mas
devido às solicitações, via “escuta sensível”, continua em cartaz, com a previsão
de ser desmontada após o dia 21 de janeiro de 2016, quando completará 3
anos.

Em 09 de setembro de 2013 foi inaugurada a primeira exposição


internacional, “Kiebé-Kiebé: dança iniciática do Congo Brazzaville”, contando
com a participação de uma comitiva daquele país formada por chefes de
estados, agentes culturais, ministro da cultura e iniciados na referida dança,
além de autoridades brasileiras, representantes dos governos, federal, estadual
e municipal e do próprio Embaixador do Brasil no Congo Brazzaville, somado
aos membros da Reitoria da Universidade Federal da Bahia. Vale salientar que
foi produzido um catálogo, com a versão do original em português.

O ano de 2014 foi aberto com a exposição “O Ciclo do Tempo:


Imortalidade e Ancestralidade”, idealizada pela instituição Brahma Kumaris,
com o propósito de divulgar os conceitos filosóficos da ancestralidade indiana.
Com este projeto o Museu procurou demonstrar ao público aspectos da

1
Também mediadora do museu.
2
Realizada no Programa de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos da Faculdade de
Filosofia e Ciencias Humanas – FFCH da Universidade Federal da Bahia.
2o Seminário brasileiro de museologia • 109

diversidade cultural, presentes na sociedade, entendendo como sua função


estabelecer o diálogo entre as diversas formas de pensar, investindo assim no
combate à intolerância religiosa. Com o projeto expográfico de autoria do
artista visual Ray Viana, utilizando diversas linguagens artísticas.

Abrindo o segundo semestre de 2014, foi inaugurada a exposição “O


Patrimônio: laços ancestrais para unidade dos povos da diáspora África-Bahia-
Brasil”– o projeto expositivo foi resultado da parceria entre o Governo do
Senegal, através do África 900, o MAFRO/UFBA e a Prefeitura de São Francisco
do Conde-Ba. A exposição estava atrelada a uma feira de objetos artesanais,
confeccionados em madeira, couro e tecidos, por um grupo de artesãos,
reconhecidos dentro e fora do continente africano.

A exposição “Arte e Estética no Afródromo” fez parte da 1ª edição do


Programa Agosto da Consciência. Com esta exposição o museu abriu espaço
para que a Liga dos Blocos Afro e Afoxés, apresentasse a sua proposta estética
para o carnaval de Salvador-Ba. O Afródromo um termo criado por Carlinhos
Brown e Alberto Pitta para designar o espaço do carnaval negro da cidade. Para
o Museu esta exposição significou um momento de celebração com a
comunidade negra da Bahia.

A última exposição de 2014, “Pau-ferro, uma estética tridimensional”,


destacou a produção do artista visual Sérgio Soarez. Tendo como tema a força
ancestral, suas obras foram confeccionadas com a técnica da assamblagem,
que mescla objetos em madeira e ferro, elementos simbólicos da religiosidade
de matriz africana.

O projeto expográfico: O MAFRO pela vida, contra o “genocídio” da Juventude


Negra

O Museu Afro-Brasileiro/UFBA, como espaço identitário das populações


negras, desenvolve suas atividades para cumprir sua missão, a partir de sua
maior ferramenta que é a escuta, baseada no conceito de “escuta sensível”,
defendido por René Barbier (1997). O museu, através da mediação qualificada
ouve as diversas vozes e, de acordo com seu plano de ação, atende às
solicitações. Assim, atender às demandas dos movimentos sociais ligados ao
2o Seminário brasileiro de museologia • 110

movimento negro é parte de sua meta. Nesta perspectiva, a exposição


inaugurada em 8 de maio de 2015:“O MAFRO pela vida contra o “Genocídio”
da Juventude Negra” – se constituiu em uma iniciativa importante para o Museu
se firmar como fórum de discussão, na medida em que se posiciona contra as
várias formas de violência, aqui denominadas de “genocídio”– que atinge as
pessoas negras no Brasil. Como as demais exposições citadas, esta não estava
presa aos objetos que formam as coleções do museu, ela surgiu da demanda
da realidade social, pensada para provocar reflexões sobre o patrimônio maior,
a vida humana.

Vida que tem sido ceifada a olhos vistos, nas cidades brasileiras,
principalmente, nos espaços periféricos, nos quais a violência se materializa
com maior freqüência. O recorte temático da exposição visou colocar em
discussão a violência que atinge as pessoas negras, em particular os jovens.
Homens, mulheres e crianças também têm suas vidas diminuídas pela ausência
de políticas públicas e pelo “abandono” do Estado, no que diz respeito à
garantia dos direitos sociais, sobretudo, ao atendimento às necessidades básicas
do ser humano. Segundo dados do Mapa da Violência 2014 (WAISELFISZ,
2014), o país registrou, entre 2002 e 2012, o número de quase 30 mil de
homicídios de jovens por ano, dessas mortes quase 80% das vítimas eram
negras. Assim, o museu exercendo seu papel social como Museu Universitário,
bem como espaço identitário e de interlocução para as populações afro-
brasileiras reconhece a importância de discutir esta problemática junto à
sociedade, poder público e movimentos sociais, sendo este último aqui
representado pela Campanha Reaja3 e pela Anistia Internacional.

O diálogo com a Reaja foi fundamental para o direcionamento do


projeto expositivo, sendo possível realizar uma exposição com uma narrativa
contundente contra a violência, como ilustram as imagens abaixo:

3
A Campanha Reaja ou será mort@ é uma articulação de movimentos e comunidades de
negros e negras da capital e do interior do estado da Bahia. Nacionalmente se articula com
organizações que lutam contra a brutalidade policial, pela causa antiprisional e pela reparação
aos familiares de vítimas do Estado (execuções sumárias e extrajudiciais) e dos esquadrões da
morte, milícias e grupos de extermínio. Mais informações em: <http://kilombagem.org/nota-
publica-de-apoio-a-campanha-reaja-ou-sera-morto-reaja-ou-sera-morta-e-repudio-as-acoes-
da-rondesp-no-bairro-cabula-salvador-bahia/>
2o Seminário brasileiro de museologia • 111

Imagem 1 - Foto institucional. Imagem 2 - Foto institucional.

Neste sentido, a exposição foi pensada para instigar, para alfinetar a


“falsa bolha” de conforto em que parte da sociedade construiu para se proteger
das desigualdades e mazelas que ela própria produz. Assim, o museu não
emudece, ele rompe o conforto causado pelo silêncio diante da violência que
atinge a juventude negra. Dito isto, nos reportamos às palavras de Paulo Freire,
quando afirma que: “Existir humanamente é pronunciar o mundo, é modificá-lo.
O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos
pronunciantes, a exigir deles um novo pronunciar” (FREIRE, 1987, p.78 – grifos
do autor).

Denunciar, alertar, defender direitos e tomar posição contra ações


violentas que ceifam vidas é também função social do museu. Nesta
perspectiva, o Museu idealizou e realizou esta exposição, com o objetivo de não
estar alheio, abrindo seu espaço para discussão sobre estas questões no âmbito
da Universidade, junto à sociedade. O conteúdo da exposição buscou
sensibilizar as pessoas que ainda não foram tocadas por esta problemática, pois
grande parte da sociedade ainda percebe a violência como algo muito distante
de si e dos seus.

Ao assumir o posicionamento frente à violência, foram ouvidos os mais


diversificados discursos, de apoio e de dúvidas quanto ao tratamento da
temática, sobretudo, entre os profissionais do museu, a exemplo da questão:-
2o Seminário brasileiro de museologia • 112

esse é assunto pra museu? À qual respondemos com outra pergunta: - como
não, se o museu trata da vida? Acreditamos que o trabalho no âmbito do
museu é para que o objeto não seja inerte, para que tenha vida e sentido para
a vida dos sujeitos sociais. Por trás ou à frente deste ato está uma pessoa, um
ser humano e é por ele que o trabalho no museu deve ser pensado.

Neste sentido, nosso posicionamento dialoga com o pensamento de


Azevedo, Catão e Pires (2009, p. 8):

[...] os museus podem e devem erigir, divulgar e dar voz a outras


memórias. Inscrevendo num passado outras vozes, personagens e
representações de um momento histórico particular, desenhando outra
narrativa, que não pretende se impor como única, mas como uma
possibilidade de percepção daquele momento, diferentemente da
estratégia estabelecida pela memória nacional e oficial que pretende
dar coesão e estabilidade para o grupo, a nação, numa única voz.

Ressaltamos que museu não é apenas o lugar de guarda de registros de


memória, da exposição destes registros, de lazer, de entretenimento, mas é
também lugar de poder e conflito, de resistência, é, sobretudo, o lugar do
reencontro de histórias de testemunhos. E, se é um lugar de reencontro é
também o lugar para se pensar a vida em contraposição à morte. Assim, o
último painel da exposição apresentou, como destacam as imagens abaixo,
uma mensagem de esperança, em forma de questionamento que, de forma
interativa foi sendo respondido pelo público: - E agora? - Ainda acredito num
futuro livre e com direitos a...

Imagem 3 – foto institucional. Imagem 4 – foto institucional


2o Seminário brasileiro de museologia • 113

Imagem 5 – foto institucional Imagem 6 –

foto institucional Imagem 7 – foto institucional

Neste espaço da exposição havia material para que o público pudesse


responder à questão, deixando registradas as suas impressões, amarradas no
gradil que divide o espaço da sala expositiva. Transcreveremos aqui alguns
registros:

 O museu pediu mais paz e mais amor, parabéns!


 Paz pela vida!
 As pessoas não deveriam julgar os outros pela sua cor.
 + Amor-Violência, +Vida – MORTE!
 Orgulho de ser negro!
 Vidas estão sendo roubadas e nada acontece, só a dor!

Desse modo, os profissionais do Museu Afro Brasileiro da Universidade


Federal da Bahia, junto à equipe de estudantes e demais colaboradores (as),
têm buscado trilhar os caminhos da Museologia Social, na medida em que o
fazer museológico se constrói na aproximação e interlocução com a
comunidade, ou seja, as atividades estão voltadas para atender às demandas
dos movimentos sociais e, sobretudo, aquelas ligadas ao movimento negro. O
museu está atento a sua função maior que é a de contribuir para o
desenvolvimento social.

As exposições aqui analisadas são fruto de um trabalho de pesquisa


coletivo, envolvendo diversos profissionais, seja a partir das suas coleções ou de
temáticas que surgem da demanda social. A atuação dos profissionais na
construção das exposições é de grande importância, pois a narrativa deve está
pautada num discurso coerente com a filosofia do museu e com o que ele se
propõe a fazer – seja na conservação, documentação ou no setor educativo. Os
2o Seminário brasileiro de museologia • 114

profissionais fazem a mediação entre o museu e a sociedade, eles são os porta-


vozes, aqueles que vão construir a narrativa da exposição. Chamamos atenção
para este aspecto porque, muitas vezes, as exposições enunciam determinadas
problemáticas que não são tratadas na narrativa, o que dificulta o diálogo com
o público.

De acordo com Mário Chagas (1998), a comunicação só se efetiva


quando o código utilizado pelo emissor é decodificado pelo receptor, após
passar pelo canal, superando a contaminação e o ruído. Contudo, a exposição
é passível a diversas interpretações, considerando as particularidades culturais e
cognitivas dos expectadores, o que propicia diferentes formas de apropriação
do conhecimento. Não raro, perante as expectativas e subjetividades dos
visitantes, o contato com o conteúdo da exposição gera conflitos e divergências
entre pontos de vista, sendo necessário aos mediadores saber conduzir a
discussão estabelecendo negociações, respeitando seu ponto de vista, ainda que
defenda o posicionamento da instituição diante da situação.

Os processos educativos como extensão museológica

Entendemos que o museu deva operar na perspectiva de uma


comunicação aliada à educação ou, dito de outra forma, aliada aos processos
educativos museológicos. Para tanto, as ações educativas realizadas no Museu
Afro Brasileiro da UFBA, aqui analisadas, tiveram como ponto de partida as
demandas sociais, identificadas na “escuta sensível”e culminaram em uma série
de atividades de extensão museológica.

O Museu trabalha com dois processos educativos museológicos, o


primeiro está relacionado ao atendimento em geral, a grupos de turistas, aos
visitantes ocasionais (individual ou em grupo), às instituições de ensino (com e
sem agendamento). Para este tipo de atendimento, existe uma preparação de
estudantes principalmente dos cursos de Museologia, Artes e História da UFBA
(matriculados em disciplinas técnicas, bolsistas e voluntários), que passam por
uma vivência laboratorial para que possam desenvolver as ações educativas e
culturais, assim como conhecer os conteúdos das exposições.
2o Seminário brasileiro de museologia • 115

Como resultado desta preparação da equipe é possível estabelecer e


fortalecer diálogos com as instituições educacionais para conhecer os objetivos
da visita e qual(is) trabalho(s) que já são desenvolvidos sobre as temáticas
abordadas no Museu. Este diálogo visa contribuir, de forma mais efetiva, para
que os objetivos propostos para a visita sejam alcançados, na medida em que
durante a mediação serão utilizadas estratégias metodológicas e recursos
adequados à temática em estudo e ao perfil dos públicos.

Cabe destacar que as ações educativas não se limitam às visitas guiadas


ou ao contato com as coleções em exposição. O trabalho é realizado na
perspectiva da mediação “trata-se, então, de uma estratégia de comunicação
com caráter educativo, que mobiliza as técnicas diversas em torno das coleções
expostas, para fornecer aos visitantes os meios de melhor compreender certas
dimensões das coleções e de compartilhar as apropriações feitas” (DESVALLÉES
e MAIRESSE, 2013, p. 53). Neste sentido, além da visita guiada, o público
visitante também pode usufruir de outras atividades complementares às
exposições, como aquelas previstas do Programa Educativo e Cultural.

No segundo processo educativo museológico, denominado Programas


Educativos e Culturais, acontecem ações explícitas de formação, através de
cursos, seminários, rodas de diálogos, palestras, conferências e demais eventos,
nos quais se preconiza o estabelecimento e reforço de novos e antigos laços.

O MAFRO/UFBA realizou três Programas Educativos e Culturais entre


2011 e 2015, com interlocução com a comunidade:

1. O Programa “O MAFRO e Você” foi idealizado por Marcos Rodrigues,


colaborador do Museu, foi elaborado para discutir temáticas
relacionadas às culturas africana e afro brasileira, durante o mês de
novembro, em formato de painéis. A primeira edição foi realizada em
2011 com a temática Filosofia Africana.

2. A partir de 2014 teve início o programa “Linguagens Pretas”– série de


encontros mensais, intitulados “Encontros pela ancestralidade”, nos quais
são selecionadas temáticas que poderão ser trabalhadas no museu,
2o Seminário brasileiro de museologia • 116

através da apresentação e discussão de experiências sobre o preconceito


racial e a intolerância religiosa.

3. O terceiro programa “Agosto da consciência” – foi planejado para


acontecer no mês de agosto, tendo iniciado em 2014, quando o
Programa apoiou a realização da II Macha Internacional da Reaja,
apresentando como intervenção reflexiva a mesa redonda: “Requiem aos
meninos negros”. Esta edição apresentou também a exposição Arte e
Estética no Afródromo. A segunda edição, programada para 2015, não
aconteceu devida à greve das Universidades Federais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O exercício de apresentar as experiências de extensão museológica do


Museu Afro Brasileiro da UFBA fez desencadear um processo de análise crítica,
no qual o museu é compreendido como “[...] lugar da prática de uma
etnografia de si mesmo”, como definem Freitas e Cunha (2014, p. 192). Ao
praticar a “etnografia de si” o museu também leva seu público a esta mesma
experiência de compreensão de si mesmo. Ao oportunizar a abertura de
discussões de temas, muitas vezes considerados tabus, como a intolerância
religiosa e a violência contra jovens negros, a equipe multidisciplinar de
estudantes, profissionais do museu e os sujeitos sociais, que são sensivelmente
escutados, produziram este conjunto de ações, que demonstram, na prática, as
interfaces entre Educação e Museologia Social.

Como protagonista social, o Museu, no seu fazer diário prioriza a


participação social dos vários sujeitos. Participação compreendida na
perspectiva de Elenaldo Celso Teixeira (2001, p. 22):

A participação é concebida aqui não apenas como a partilha de


decisão, mas, também, na sua dimensão de expressão, de anseios,
aspirações, necessidades, pela qual se constroem identidades e
fortalece o sentimento de pertencimento e auto-estima, [...] A
participação não é um mero ato de vontade dos atores; depende da
existência e funcionamento de instrumentos e de condições subjetivas e
objetivas para que eles possam ser utilizados [...]
2o Seminário brasileiro de museologia • 117

A partir desta concepção de participação, que possibilita o exercício do


protagonismo, foram analisados os processos de extensão museológicos aqui
apresentados, que destacaram a função social do museu, ao optar pela defesa
da vida, pela denúncia e pela luta para garantia de direitos. Cuidar do
patrimônio com o viés de defesa da vida de forma ampla é uma escolha e,
neste caso particular, significa cuidar dos suportes e registros de memórias é
também mover-se em prol da vida. Participação pressupõe ação partilhada e
compartilhada entre sujeitos que experienciam o mundo, provocando
mudanças, buscando melhorá-lo. Estes processos se dão em articulação com os
dois outros pilares do fazer universitário: docência e pesquisa. O relato destas
experiências é uma forma de reconhecer e divulgar o trabalho da equipe
multidisciplinar que dinamizou ações que colocaram em evidência sujeitos e
problemáticas sociais de forma a protagonizar vidas.

Referências

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em 30 de maio de 2015.

AZEVEDO, Flávia Lemos Mota de; CATÃO, Leandro Pena e PIRES, João Ricardo
Ferreira. (Orgs.). Cultura, patrimônio e memória: o museu como local de
cidadania, identidade e desenvolvimento social. In: CIDADANIA, MEMORIA E
PATRIMÔNIO: as dimensões do museu no cenário atual. Belo Horizonte,
2009.p.5-16.

BARBIER, René. L'approchetransversale, l'écoute sensible en sciences humaines.


Paris: Anthropos, C. Exploration Interculturelle, 1997.

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guisa de apresentação). In: Revista Cadernos do CEOM. V. 28, n. 42. Chapecó:
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2o Seminário brasileiro de museologia • 118

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Editores Bruno Brulon Soares e Marília Xavier Cury - Tradução e comentários.
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do Estado de São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 2013.

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__________.Pedagogia do Oprimido.17ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.


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WAISELFISZ, Julio Jacobo. Os Jovens do Brasil. Mapa da violência 2014. Rio de


Janeiro: CEBELA-FLACSO, 2014.
2o Seminário brasileiro de museologia • 119

MUSEOLOGIA SOCIAL, EDUCAÇÃO INTEGRAL E POLÍTICAS PÚBLICAS:


COMENTÁRIOS SOBRE A IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO
MUSEUS COMUNITÁRIOS E PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO (MEC) DA
FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO/MUSEU DO HOMEM DO NORDESTE

Alexandre Oliveira Gomes1

Resumo
Este artigo sintetiza as atividades e reflexões oriundas da atuação enquanto
consultor responsável pela implementação do “Programa de Integração Museus
Comunitários e Programa Mais Educação (Ministério da Educação/MEC)”, que
ocorreu através de um convênio celebrado entre a Fundação Joaquim
Nabuco/Museu do Homem do Nordeste (FUNDAJ/Muhne) e a Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO),
acontecendo em quatro etapas, durante os meses de outubro de 2014 e maio
de 2015. As atividades realizadas fomentaram a integração entre iniciativas
museológicas e museus comunitárias e as políticas indutoras da Educação
Integral no Brasil, fortalecendo a capacidade institucional da FUNDAJ no
desenvolvimento de pesquisas na área de avaliação, planejamento e proposição
de políticas públicas integradas no âmbito do MEC e de outros setores
governamentais. Como um artigo que condensa um volumoso conjunto de
dados e informações, pontuamos a perspectiva teórico-metodológica adotada,
sistematizamos as diferentes etapas da pesquisa, historiando as atividades e os
principais resultados alcançados e apresentando, em linhas gerais, o
instrumental metodológico elaborado. Apontamos ainda possibilidades de
diálogos interinstitucionais e com marcos legais e gestores de políticas públicas,
apresentando recomendações estratégicas visando a consolidação do Programa
de Integração Museus Comunitários e Programa MAIS Educação (MEC), através
do desenvolvimento de um conjunto articulado de atividades envolvendo Estado
e sociedade civil que viabilize as parcerias entre iniciativas museológicas/museus
comunitários e escolas públicas através de atividades educacionais vinculadas às
políticas indutoras da educação integral do Governo Federal no Brasil.

Palavras-chave: Museologia Social; Educação Integral; políticas públicas;


Fundação Joaquim Nabuco; Museu do Homem do Nordeste.

Abstract: This article synthesize the activities and reflections resulting from the
actuation as a consultant responsible for implementing the "Integration Program
Community Museums and More Education Program (Ministry of Education /
MEC)”, which occurred through an agreement celebrated between Joaquim

1
Historiador (UFC). Mestre e doutorando em Antropologia (UFPE). Professor da Licenciatura
Intercultural Indígena da UFPE e da Especialização em História e Cultura dos Povos Indígenas da
UFRPE. Email para contato: amanayparangaba@yahoo.com.br .
2o Seminário brasileiro de museologia • 120

Nabuco Foundation/Museum of the Northeast Man (FUNDAJ/MUHNE) and the


United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO), that
happened in four stages during the months of October 2014 and May 2015.
The activities promoted the integration between museological initiatives and
community museums and inducing policies of Integral Education in Brazil,
strengthening the institutional capacity of FUNDAJ in development of research in
the evaluation area, planning and proposition of integrated public policies in
ambit of MEC and other government sectors. As an article that condenses a
massive set of data and information, we aim to point the theoretical and
methodological perspective adopted, systematizing the different stages of the
research, tracing a history of activities and the main results achieved and
presenting an overview of the methodological tools developed. Also mention
possibilities of inter-institutional dialogues and legal frameworks and managers
of public policies, presenting strategic recommendations for the consolidation of
Integration Program Community Museums and MORE Education Program
(MEC), through developing a coordinated set of activities involving government
and civil society that enables partnerships between museological initiatives /
community museums and public schools through educational activities linked to
inducing policies of the integral education of the federal government in Brazil.

Key-words: Social Museology; Integral Education; Public Policy; Joaquim Nabuco


Foundation; Museum of the Northeast Man.

••••••••••

Considerações iniciais
O Programa MAIS Educação, instituído pela Portaria Interministerial n.º
17/2007, integra as ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE),
como parte das estratégias do Governo Federal para implementar a ampliação
da jornada escolar e a organização curricular na perspectiva da Educação
Integral. A educação integral fundamenta-se numa perspectiva holística de
compreensão do processo formativo do ser humano, enquanto sujeito total, no
qual conhecimentos, culturas, valores, identidades e memórias estão integrados,
e os processos educacionais tem que dar conta destas múltiplas dimensões na
formação dos indivíduos (Miguel Arroyo). O Programa MAIS EDUCAÇÃO visa

(...) evidenciar uma educação que busque superar o processo de


escolarização tão centrado na figura da escola. A escola, de fato, é o
lugar de aprendizagem legítimo dos saberes curriculares e oficiais na
sociedade, mas não devemos tomá-la como única instância educativa.
Deste modo, integrar diferentes saberes, espaços educativos, pessoas
2o Seminário brasileiro de museologia • 121

da comunidade, conhecimentos... é tentar construir uma educação


que pressupõe uma relação da aprendizagem para a vida, uma
aprendizagem significativa e cidadã (Cartilha Programa MAIS
Educação – Passo-a-passo) (BRASIL, p. 5).

As ações educativas efetuadas por iniciativas museológicas e museus


comunitários estabelecem relação direta com as populações locais nas quais
estão inseridas, incluindo as instituições de educação formal que existem nas
localidades onde atuam. As parcerias com instâncias da sociedade civil propicia
o exercício e a vivência de processos educativos no cotidiano de crianças,
jovens, adultos e idosos, de modo não-formal ou, mesmo, informal. As
inúmeras possibilidades de promoção do patrimônio cultural local e,
consequentemente, as potencialidades destas iniciativas museológicas atuarem
na construção social da memória e nas dinâmicas de salvaguarda,
compartilhamento e transmissão de saberes e técnicas, possibilita percebê-las
como importantes parceiras na construção de uma ampla agenda de políticas
públicas de educação integral no Brasil.

Um dos principais resultados desta pesquisa foi a elaboração de um


conjunto de recomendações visando a consolidação do Programa de Integração
Museus Comunitários e Programa MAIS Educação (MEC) e a sistematização de
um instrumental metodológico que viabiliza a associação entre as atividades de
educação integral de escolas públicas e as ações educativas de iniciativas
museológicas e museus comunitários. Contei com a fundamental assistência de
pesquisa da museóloga Jéssica Silva. Na FUNDAJ, esta consultoria foi alocada
na Coordenação-Geral do Museu do Homem do Nordeste (Muhne), dirigido
pelo sociólogo Maurício Antunes, desenvolvida sob a supervisão da servidora
Sílvia Barreto e da historiadora Carolina Ruoso, com o apoio do museólogo
Henrique Cruz. A aproximação com o Comitê Territorial de Educação Integral
de Pernambuco, vinculado ao Programa MAIS Educação/MEC, coordenado pela
historiadora Glauce Gouveia e pela jornalista Vânia Fortunato, foi fundamental
no desenvolvimento das atividades e pesquisas efetuadas.

Alguns dados quantitativos/qualitativos e indicadores serão apresentados,


com a finalidade de sistematizar o processo de construção do instrumental
2o Seminário brasileiro de museologia • 122

metodológico que foi aprimorado para a consolidação das atividades deste


Programa de Integração. Os documentos técnicos produzidos, que
correspondem às diferentes etapas da pesquisa, consistiram em um diagnóstico
das práticas educativas em iniciativas museológicas e museus comunitários da
região Nordeste, incluindo a análise dos processos de mediação desenvolvidos
por seus integrantes; e na concepção teórico-metodológica de uma proposta
técnico-formativa, incluindo as etapas de desenvolvimento do processo e a
análise das ações realizadas. Este processo de formação foi realizado em duas
etapas, consistindo no planejamento e realização do workshop Ação educativa
em museus comunitários e Programa Mais Educação (MEC): intercâmbio de
experiências e parcerias para a educação integral, que teve por objetivo
fortalecer e aperfeiçoar o trabalho dos integrantes de escolas públicas e
representantes de iniciativas museológicas e museus comunitários, que
passaram a compor o Grupo de Trabalho Museus Comunitários da FUNDAJ (GT
MC/FUNDAJ).

Este texto é uma adaptação dos documentos técnicos apresentados à


FUNDAJ e a UNESCO, com base na pesquisa sobre processos educativos entre
museus comunitários e escolas públicas que desenvolvem atividades vinculadas
aos programas indutores das políticas públicas de educação integral na região
Nordeste do Brasil, em especial, ao Programa MAIS Educação (MEC) e ao
Programa MAIS Cultura nas Escolas (MEC e Ministério da Cultura/MinC). Foram
desenvolvidos estudos e atividades práticas, coordenadas pela FUNDAJ,
envolvendo representantes de escolas públicas, organizadores de museus
comunitários e gestores de educação e cultura, que resultaram na elaboração
de propostas e recomendações visando a constituição de estratégias para a
articulação entre políticas públicas museológicas e educacionais que integrem
projetos e programas interministeriais.

1. Uma visão geral sobre a implementação do Programa de Integração


Museus Comunitários e Programa Mais Educação da FUNDAJ/Muhne (MEC)

Durante o processo de implantação deste Programa de Integração, foram


realizadas atividades teóricas e práticas de pesquisa, formação técnica, trocas
2o Seminário brasileiro de museologia • 123

de experiências, aproximação entre iniciativas afins (escolas públicas e museus


comunitários) e articulação entre setores governamentais de diferentes níveis,
que garantiram a constituição de mecanismos e estratégias que associam
projetos, programas e políticas públicas museológicas e de educação integral,
em âmbito do MEC e do MinC. Retomaremos, em linhas gerais, algumas das
principais ações efetuadas no âmbito da pesquisa, destacando aspectos centrais
e informações coligidas, assim como produtos, articulações políticas e processos
locais. Destacamos a seguir cinco pontos que perpassaram as diferentes etapas
da pesquisa:

a) Identificação e mapeamento de iniciativas museológicas e museus


comunitários na região Nordeste do Brasil

A primeira etapa da pesquisa foi realizada entre outubro e novembro de


2014. Consistiu na identificação, mapeamento e diagnóstico de ações, práticas
e processos educativos desenvolvidos por iniciativas museológicas e museus
comunitários nos nove estados da região Nordeste (AL, BA, CE, MA, PB, PE, PI,
RN e SE). Foram identificadas 96 iniciativas e obtivemos um retorno do
instrumental utilizado (a Ficha de identificação de práticas educativas em museus
comunitários) de 51 destas experiências, cerca de 53% do total contatado. As
experiências museológicas foram classificadas em dois grandes grupos, com
base nos seguintes critérios: a) Existência de setores educativos e relação com os
programas de educação integral do Governo Federal; b) Vinculação territorial,
social e/ou étnica. Identificamos uma diversidade de processos museológicos,
categorizados em onze tipologias2. As iniciativas museológicas selecionadas, em
sua grande parte, estão associadas a processos organizativos da sociedade civil
que, embora possuam um caráter multifacetário de difícil classificação,
assemelham-se quanto à natureza administrativa e à atuação com memória e
patrimônio à nível local com populações específicas.

2
As onze categorias propostas foram: Universitários, Memoriais, Rurais, Arqueológicos,
Indígenas, Quilombolas, Terreiros, Processos museológicos próximos às escolas, Urbanos, Artes,
Ecomuseus. É importante salientar que um critério importante nesta caracterização diz respeito à
auto-identificação das iniciativas; e que as categorias não são excludentes entre si, mas
interpenetram-se mutuamente, portanto, uma mesma experiência pode estar categorizada em
várias tipologias, dentre as propostas.
2o Seminário brasileiro de museologia • 124

Nesta etapa da pesquisa, o descompasso gerado na auto-identificação


de muitas iniciativas gerou a problematização do significado da categoria
“museus comunitários”. Inicialmente, foi realizado um levantamento de
publicações e cadastros existentes sobre instituições e processos museológicos
no Brasil, a partir de instâncias de organização da sociedade civil e do Estado.
Nestes levantamentos prévios, selecionamos iniciativas que possuíam um perfil
adequado à concepção proposta de “museus comunitários”. Inexistem, nas
bases de dados consultadas, categorias de classificação baseadas em tipologia
de museus. As categorias privilegiadas eram, além da localização territorial (por
estado), na maior parte das vezes, os tipos de acervos predominantes, o que é
pouco eficiente para um conhecimento da ação educativa, dos modelos de
gestão e formatos de atuação das instituições museológicas3.

Se, por um lado, os campos informacionais dos mapeamentos pré-


existentes - como natureza administrativa - davam-nos pistas para identificar
potenciais iniciativas com perfis compatíveis a um mapeamento de ações
educativas em museus comunitários; por outro, tais aspectos não perfaziam o
que estávamos considerando “museus comunitários”. Deste modo, ocorreu uma
ampliação da abrangência das instituições identificadas, de “museus
comunitários” para “iniciativas museológicas e museus comunitários”. Isso se
justificou pelo fato de que parte das instituições contatadas, mesmo possuindo
uma ação museológica, um formato administrativo e/ou um modelo de gestão
que poderíamos aproximar de nossa concepção de museus comunitários, não
se identificavam com tal categoria de identificação, embora realizassem
interessantes trabalhos educativos de base local, o foco principal do
mapeamento. Por conta disso, dentre outros fatores, a terminologia “iniciativas
museológicas”, cujo alcance dos trabalhos atingiam algum tipo de base

3
Dentre estas fontes, destacamos: o Guia dos Museus Brasileiros (2011), a publicação Museus
em Números (2011, em dois volumes), o cadastro de iniciativas do Programa Pontos de
Memória/IBRAM (oriundo das iniciativas proponentes de projetos nos editais de 2011 e 2012,
além de contatos espontâneos), o cadastro disponível no site da Associação Brasileira de
Ecomuseus e Museus Comunitários (ABREMC), o cadastro da Rede Cearense de Museus
Comunitários (RCMC), o Cadastro da Diretoria de Museus do Instituto do Patrimônio Artístico e
Cultural (DIMUS/IPAC), da Bahia; o levantamento realizado pelo Grupo de Trabalho
Mapeamento das ações de museologia social em Pernambuco, em junho de 2012, coordenado
por mim no âmbito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); os cadastros da Rede de
Museus e Pontos de Memória do Sul da Bahia e da Rede de Memoriais de Terreiros da Bahia.
2o Seminário brasileiro de museologia • 125

comunitária/população local, foram contempladas na fase inicial da pesquisa


sem prejuízo da finalidade do mapeamento, pelo contrário: ao alargarmos seu
escopo, enriquecemos tanto o campo de abrangência da pesquisa quanto a
diversidade de situações educativas identificadas. Através dessa adaptação
tipológica, adequamos nossas conceituações à realidade museológica
apresentada no mapeamento, feito através do contato direto com gestores e
responsáveis pelas iniciativas museológicas e museus comunitários.

Embora haja um acúmulo bibliográfico considerável em torno da noção


de museu comunitário no Brasil e em outros lugares do mundo, o objetivo do
mapeamento não era realizar uma discussão conceitual, mas traçar um
panorama das ações educativas desenvolvidas por iniciativas museológicas de
base local (comunitária), com o intuito de investigar as possibilidades de
integração e proposição de mecanismos que favoreçam o diálogo entre as
políticas museológicas e educacionais, através da identificação de possibilidades
de parceria entre as ações educativas destes museus com as políticas de
educação integral. Segundo o texto de apresentação da pesquisa, baseado na
conceituação proposta no Termo de Referência da consultoria,

Consideramos museus comunitários uma diversidade de


experiências e processos museológicos que utilizam a memória social
e o patrimônio cultural como ferramentas para impulsionar o
desenvolvimento local, cuja gestão é realizada através de instâncias
participativas no seio de suas populações. Incluímos nesta noção eco-
museus, museus indígenas, museus comunitários, museus de território,
museus de terreiros etc., que assemelham-se quanto aos trabalhos
com memória/patrimônio e atuação à nível comunitário, sejam em
bairros, localidades, sítios rurais, distritos, entre povos e etnias, ou que
utilizem quaisquer outras designações (geográficas, étnicas, sociais
etc.) que caracterizam uma determinada população local.

Na medida em que as fichas foram sendo devolvidas, percebemos as


experiências museológicas que mais se aproximavam da noção de museus
comunitários adotada. A partir daí, as iniciativas foram quantificadas,
catalogadas, analisadas, classificadas e georeferenciados cartograficamente,
através da elaboração de um conjunto de mapas ao longo da pesquisa. Destas
iniciativas museológicas e museus comunitários, vinte experiências foram
selecionadas para a composição do GT MC/FUNDAJ. Esta seleção foi feita a
2o Seminário brasileiro de museologia • 126

partir da análise da relevância das ações educativas desenvolvidas, de acordo


com a disponibilidade e interesse de seus participantes e de critérios
fundamentados na diversidade étnica, social e regional. Estas iniciativas,
vinculadas a entidades da sociedade civil e a redes de memória, museologia
social e patrimônio, foram escolhidas porque possuem ricas experiências
museológicas comunitárias, o que lhes possibilita contribuir para que esta
instância funcione como um canal eficaz de interlocução permanente entre a
FUNDAJ/MEC e a sociedade civil, no que se refere à proposição e execução
participativa de políticas museológicas e educacionais4.

b) O workshop Ação Educativa em museus comunitários e Programa Mais


Educação (MEC): intercâmbio de experiências e parcerias para a educação
integral

4
O GT MC/FUNDAJ é composto pelas seguintes entidades da sociedade civil: Associação
Beneficente Cultural Oyá Ní do Ile Asé Oya Ní (Alagoinhas/BA); Memorial Kisimbiê
(Salvador/BA); Casa de Cultura, Esporte e Cidadania d. Joana (Água Fria/BA); Museu do
Homem Americano/Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM) (São Raimundo
Nonato/PI); Memorial Severina Paraíso/Memorial da Nação Xambá (Olinda/PE); Museu-vivo da
cana-de-açúcar (Nazarezinho/PB); Museu Indígena Jenipapo-Kanindé (Aquiraz/CE); Instituto
Tribos Jovens/Museu Virtual Muka Mukaú (Porto Seguro/BA); Associação de Cultura Popular
Mestre Pedro Teixeira de Chã-Preta (ASCUMPET) (Chã-Preta/AL); Associação Cultural
Maracrioula (São Luís/MA); Museu do Cangaço/Fundação Cabras de Lampião (Serra
Talhada/PE); Associação Companhia Terramar/Conexão Felipe Camarão (Natal/RN);
Laboratório de Intervenções Artísticas/Canto das Memórias Mestre Zé Negão (Camaragibe/PE);
Memorial do Quilombo do Sítio do Meio/Grupo de Mulheres Mãe Suzana do Sítio do Meio
(Santa Rita/MA); Centro de Documentação e Comunicação Popular/Museu Nísia Floresta
(Natal/RN); Memorial do Quilombo Outeiro (Monção/MA); Ecomuseu Natural do Mangue da
Sabiaguaba (ECOMUNAN) (Fortaleza/CE); Museu Kapinawá (Buíque/PE); Museu dos
Kanindé/Associação Indígena Kanindé de Aratuba (Aratuba/CE); Projeto Sócio Ambiental
Carrapato Cultural (Crato/CE); Redes de museologia social, memória e patrimônio: Rede
Potiguar de Pontos de Memória e Museus Comunitários (Natal/RN); Rede de Museus e
Memoriais de Terreiros de Candomblé da Bahia (Salvador/BA); Rede Cearense de Museus
Comunitários (Fortaleza/CE); Rede de Educadores de Museus do Maranhão (São Luís/MA); Rede
de Memória e Museus Indígenas. Escolas públicas vinculadas aos programas de educação
integral: Escola Municipal Djalma Maranhão (Natal/RN); Escola Municipal Professora Amélia
Vasconcelos (Chã Preta/AL); Escola dos Rodoviários (Alagoinhas/BA); Escola Municipal Nossa
Senhora da Conceição (Água Fria/BA); Escola Indígena Manoel Francisco dos Santos
(Aratuba/CE); Instituições, órgãos e setores públicos: Programa Nacional de Educação
Museal/Instituto Brasileiro de Museus (Brasília/DF); Coordenação de Museologia Social e
Educação/Departamento de Processos Museais/Instituto Brasileiro de Museus
(COMUSE/DPMUS/IBRAM) (Brasília/DF); Departamento de Processos Museais/Instituto Brasileiro
de Museus (DPMUS/IBRAM) (Brasília/DF); Coordenação Geral de Sistema de Informação Museal
do Instituto Brasileiro de Museus (CGSIM/IBRAM) (Brasília/DF); Comitê Territorial de Educação
Integral de Pernambuco/Programa Mais Educação/MEC (Recife/PE); Coordenação Geral de
Educação Integral (MEC) (Brasília/DF); Programa Mais Cultura nas Escolas (MinC e MEC)
(Brasília/DF); Departamento de Projetos Educacionais/Secretária de Educação (Camaragibe/PE);
Coordenação de Patrimônio Histórico-Cultural/Secretaria de Cultura do Estado do Ceará
(Fortaleza/CE).
2o Seminário brasileiro de museologia • 127

O workshop Ação Educativa em museus comunitários e Programa Mais


Educação (MEC): intercâmbio de experiências e parcerias para a educação
integral, aconteceu em duas etapas (16 a 19 de dezembro de 2014 e 7 a 10 de
abril de 2015), na sede da FUNDAJ, no bairro de Casa Forte, em Recife/PE. A
proposta de formação, assim como o direcionamento geral para as atividades
realizadas no âmbito da consultoria, possuíram como fundamentação um
arcabouço teórico-metodológico interdisciplinar, com forte aporte da
Museologia Social, da Antropologia e da Educação Popular, diferentes áreas
que forneceram pressupostos fundamentais para a formulação, o planejamento
e a execução do workshop.

Um pressuposto fundamental em nossa concepção teórico-metodológica


é a perspectiva de Educação de Paulo Freire, na qual as relações de ensino-
aprendizagem constituem processos fundados nas trocas de experiências, nas
quais quem aprende, ensina, e quem ensina, aprende com o educando ao
ensinar. Ou seja, somos todos mestres e aprendizes, educandos e educadores
ao mesmo tempo. É justamente este caráter relacional e dialético da concepção
pedagógica freiriana, na perspectiva da transformação das realidades, que
consideramos com o objetivo de superar o que ele denominou em suas obras de
“educação bancária”: a perspectiva educacional como um processo unilateral
de transmissão dos conhecimentos. Além de questionar os fundamentos
autoritários, repressores e hierárquicos desta concepção de educação, a
perspectiva freiriana fundamentou a opção metodológica de elaborar a
proposta de formação como parte de intensas trocas de experiências e práticas,
voltados a processos nos quais somos todos construtores de saberes
apreendidos coletivamente (FREIRE, 1987, 2000, 2001 e 2011). Os
participantes, mestres e mestras entre suas comunidades, ensinaram e
aprenderam uns com os outros; a ementa, os materiais didáticos, o
planejamento, as mesas temáticas e as sessões de trocas de experiências, enfim,
a concepção metodológica do workhop foi voltada a estimular estes processos
criativos.
2o Seminário brasileiro de museologia • 128

É importante frisar, também, que estamos tratando da formação de


organizadores de iniciativas educacionais, de caráter museológico diversificado,
que assemelham-se ao que vem sendo chamado na realidade brasileira de
processos educacionais não-formais. Nenhum dos participantes do workshop
possuía formação em Museologia. Isso é notável do que podemos considerar
um verdadeiro vácuo existente entre a Museologia, como disciplina aplicada
alicerçada na relação entre teoria e prática, e a realidade cotidiana de grande
parte dos museus comunitários no Brasil. Conceituamos a educação formal
enquanto aquela que é obtida através de instituições educacionais reconhecidas
pelo MEC e comprovada através de certificados e diplomas. Segundo Moacir
Gadotti, a educação não-formal diferencia-se profundamente da educação
formal por ser mais difusa e descentralizada; menos hierárquica e burocrática;
seus processos possuem local, duração e dinâmicas variáveis e, de certo modo,
imprevisíveis; possuem um caráter mais participativo, colaborativo e coletivista,
estando fortemente associada à ideia de cultura, tanto no sentido de
aprendizagem/transmissão quanto de socialização permanente de saberes. Se
por educação informal compreendemos um processo livre e espontâneo de
transmissão de saberes, que ocorre nos diversos espaços de convivência social
(família, amigos, trabalho, festas, celebrações, rituais etc.), que é empírico,
casual, permanente e não organizado sistematicamente, os processos
museológicos poderiam ser caracterizados como processos de educação não-
formal (GADOTTI, 2005).

Em linhas gerais, o amplo universo da educação não-formal pode ser


compreendido como os diversificados processos educacionais que se
desenvolvem “fora da escola”, constituindo atividades muitas vezes vinculadas a
organizações civis e/ou não-governamentais, movimentos comunitários e/ou
artísticos, processos em que há uma grande proximidade com as áreas de artes
e cultura. A Lei Nº-9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, é o principal marco legal que normatiza a abertura de
caminhos institucionais para o reconhecimento da importância dos processos
educativos informais e não-formais. Logo em seu Artigo 1º-, estabelece uma
ampla concepção de educação, que “(...) abrange os processos formativos que
2o Seminário brasileiro de museologia • 129

se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas


instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e nas manifestações culturais” (BRASIL, 1996).

Com esta aproximação teórico-metodológica, tencionamos estimular uma


interlocução entre educação integral, processos museológicos comunitários e
processos de educação não-formal e informal. Nos direcionados, portanto, a
outro diálogo que constitui um eixo conceitual fundamental: a Museologia
Social. Diversos termos foram utilizados, em diferentes países, em referência às
modificações no universo dos museus e da disciplina Museologia no cenário
contemporâneo da segunda metade do século XX. A concordância, à revelia da
diversidade dos contextos nacionais e, mesmo, continentais, se dá em torno do
reconhecimento da emergência de novas experiências museais espalhadas em
todo mundo, que questionavam, através de suas práticas, os modos de atuação,
a formação e a função dos museus nas sociedades. Embora o colecionismo
possa ser identificado entre diversas civilizações e em várias épocas na história
da humanidade, o museu moderno surge como uma instituição ocidental e
colonialista, cuja existência estava vinculada à supremacia de valores e visões de
mundo eurocêntricas e hierárquicas. Um templo suntuoso em que os
“vencedores” – os Estados-Nação europeus e capitalistas - guardavam seus
objetos-relíquias, que sacralizavam seus atos, seja na perspectiva apologética
do “trunfo de guerra” contra inimigos ou, mesmo, na superioridade da
perspectiva evolucionista classificando os “povos primitivos”, como nos primeiros
museus etnográficos (STOCKING JR., 1985). No entanto, as novas experiências
colocavam em questão, forte e crescentemente, essa concepção de museus e,
consequentemente, para o quê e a quem serviam.

Algumas dessas experiências tornaram-se paradigmáticas dessa


renovação, e certos momentos foram canonizados como marcos em relação à
emergência de um novo período para o mundo dos museus. Independente do
que significavam estas novas experiências em torno da instituição museu, alvo
de polêmicos e acalorados debates até hoje, era necessário buscar novos
paradigmas que pudessem compreender o que estava acontecendo. Esse
2o Seminário brasileiro de museologia • 130

processo levou a um revisionismo em torno da Museologia e ao surgimento de


diversas respostas disciplinares, elaboradas nos vários contextos nacionais onde
estas experiências brotaram. À primeira vista, o termo “Nova Museologia”
englobou várias destas tendências de renovação das práticas museológicas e
dos significados das instituições museais. Na França, ocorreu o surgimento dos
chamados “ecomuseus” (VARINE, 2012); em Portugal, o estabelecimento de
uma “sociomuseologia” (MOUTINHO, 1993); no México, de uma “museologia
comunitária” (LUGO, 2009); e, no Brasil – de crescente uso na linguagem dos
movimentos sociais e na terminologia das políticas públicas - de uma
“Museologia Social” (CHAGAS E GOUVEIA, 2014). Um importante mo(vi)mento
catalisador, à nível internacional, foi a criação do Movimento Internacional por
uma Nova Museologia (MINOM), que ocorreu durante a conferência do
International Council of Museums (ICOM), em 1984, em Quebéc (Canadá).

Há de se diferenciar museu, como instituição ou processo, de


Museologia, como disciplina aplicada. Embora falar das transformações
contemporâneas da Museologia como campo disciplinar seja indissociável de
refletir sobre as experiências contemporâneas no campo museal. As
transformações da Museologia das últimas décadas estão vinculadas fortemente
a esforços por teorização frente às transformações concretas dos museus no
mundo e, institucionalmente, às atividades e reflexões efetuadas pelos
integrantes do ICOFOM (International Committe for Museology), criado em
1977, no âmbito do ICOM.

Ao redimensionar o objeto de estudo e pesquisa da Museologia5, a


Museologia Social, como a consideramos, constrói um conhecimento crítico,
hermenêutico e compreensivo sobre processos sociais de apropriação da
ferramenta/ideia/noção de museus e sobre procedimentos relativos aos
processos de musealização (salvaguarda/comunicação/pesquisa), entre grupos
sociais diversos, como indígenas, movimentos urbanos e rurais, camponeses,

5
Cristina Bruno conceitua a Museologia como uma disciplina aplicada que estuda a relação do
homem com o patrimônio (BRUNO, 2006). A perspectiva atual dos estudos em Museologia
exige um diálogo interdisciplinar aplicado a um vasto campo de atividades práticas, que
envolvem diretamente questões relativas ao patrimônio cultural, à gestão de bens culturais e à
aplicação de ferramentas de administração da memória.
2o Seminário brasileiro de museologia • 131

quilombolas, afro-religiosos, comunidades periféricas etc. Nesse sentido, para


além de atuarem junto a estes processos, os praticantes de uma Museologia
Social devem analisá-los criticamente, e nesse sentido, é necessário o exercício
da objetificação e do distanciamento (na medida em que são processos em que,
muitas vezes, eles próprios fazem parte), embasado em procedimentos
metodológicos e de um aparato conceitual de áreas afins.

A Museologia Social, como a compreendemos e praticamos, possui um


caráter interdisciplinar e estabelece uma importante interação entre as
dimensões práticas (na direção da pesquisa-ação e da observação participante
etnográfica), políticas (buscando o fortalecimento dos processos, em tom
colaborativo e participativo) e conceituais (ao refinar e ampliar seu aporte
analítico, através de ricos diálogos disciplinares) das Ciências Humanas e
Sociais, direcionando-se ao estudo e intervenção na realidade através dos
processos museológicos, buscando superar o mero tecnicismo de uma
museologia normativa (embora não o desconsiderando), e transitando desde
espaços institucionais oficiais (vinculados ao poder público) e/ou tradicionais
(baseados em modelos enciclopédicos/tipológicos/elitistas), tanto quanto entre
as lutas sociais e processos de mobilização aos quais estão vinculados muitos
processos museológicos contemporâneos. Entendemos a Museologia Social
como abordagem teórica, prática de transformação e viés analítico para a
compreensão dos processos museológicos frente aos problemas no mundo,
portanto, em consonância com os pressupostos da pedagogia freiriana e com o
princípio metodológico relativista da Antropologia moderna.

É importante buscar apreender e valorizar as diversificadas noções de


patrimônio que possuem os diferentes grupos sociais, através do entendimento
dos sentidos que as coletividades atribuem às suas realizações que, por sua vez,
dão origem a diversificados formatos de musealização6, modelos de

6
Processos museológicos ou processos de musealização, ocorrem “(...) a partir de uma seleção
e atribuição de sentidos feita dentro de um universo patrimonial amplo, resultando em um
recorte formado por um conjunto de indicadores da memória ou referências patrimoniais (...)
essas referências ingressam em uma cadeia operatória que corresponde ao universo de
aplicação da Museologia – museografia. Preservação, portanto, é tomada como equivalente a
processo de musealização, e é realizada pela aplicação de uma cadeia operatória formada por
2o Seminário brasileiro de museologia • 132

classificação/exposição e práticas de colecionamento. Nesta perspectiva, a


Antropologia fornece subsídios teórico-metodológicos fundamentais para a
compreensão das dinâmicas e transformações socioculturais nas quais se
concretizam as diferentes experiências e processos educativo-museológicos. Por
se tratar de uma área de conhecimento historicamente relacionada ao universo
dos museus e, principalmente, por ter como objeto de estudo a alteridade nas
relações sociais, a perspectiva micro-analítica da etnografia proporciona um
importante modo de compreensão dos contextos em que as experiências
individuais e coletivas são efetuadas. Em se tratando da formação para a ação
educativa em museus, a Antropologia tem uma grande contribuição conceitual,
na medida em que a análise etnográfica de processos museológicos, através do
trabalho de campo utilizando a observação participante, pode ser articulada à
compreensão dos significados para seus organizadores e para os que deles
participam. Além do mais, tratamos de grupos sociais nos quais as dimensões
da diferença étnica, religiosa e social, entre outras, possuem elevada
importância para a constituição de suas identificações sociais, temas clássicos
nos estudos antropológicos e sobre os quais seu aporte teórico acumula
considerável amadurecimento.

Estes pressupostos conceituais guiaram, de maneira geral, a realização


das atividades práticas e de pesquisa no âmbito desta consultoria. O
planejamento do workshop ocorreu através da elaboração da ementa de um
curso de formação concebido de forma conexa ao seu caráter de propiciar a
troca de experiências, a formação técnica e a proposição de subsídios que
avancem na sugestão de mecanismos de fomento a aproximação entre as
práticas educativas dos museus comunitários e a realidade escolar. O primeiro
encontro reuniu um grupo composto por cerca de trinta pessoas, entre gestores
e educadores das iniciativas museológicas e museus comunitários da região
Nordeste, representantes do MinC (Instituto Brasileiro de Museus/IBRAM) e do
MEC (Programa MAIS Educação e integrantes da equipe técnica do
Muhne/FUNDAJ). A segunda etapa da pesquisa consistiu, portanto, na análise

procedimentos técnico-científicos de salvaguarda (documentação e conservação de acervos) e de


comunicação patrimoniais (exposição e ação educativo-cultural)” (Cândido, 2013, p.154).
2o Seminário brasileiro de museologia • 133

das atividades realizadas visando a organização da primeira etapa do


workshop. No segundo workshop, que reuniu cerca de sessenta pessoas, os
participantes reuniram-se a gestores públicos de Educação e Cultura e
professores de escolas públicas que desenvolvem atividades vinculadas aos
programas de educação integral. Estas duas etapas aprofundaram um diálogo
propositivo a partir do confronto entre demandas e problemáticas locais com
questões estruturais e legais, tendo em vista a sistematização de mecanismos e
estratégias para a implementação de parcerias, projetos e políticas que
associem os processos museológicos comunitários às políticas de educação
integral no Brasil.

A sistematização das principais dificuldades enfatizadas, no que se refere


à parceria entre museus comunitários e escolas públicas, evidenciou
problemáticas que foram organizadas em termos de “formação técnica” e
“parcerias”. Um dos grandes desafios refere-se à criação de mecanismos que
efetivem a participação de experiências de museologia social e das redes de
memória nas atividades dos programas de educação integral nas escolas
brasileiras. A terceira etapa da pesquisa consistiu na análise do processo de
articulação local e de realização da segunda etapa do workshop, com ênfase na
sistematização de recomendações propositivas que visavam sugerir mecanismos
e estratégias para a aproximação e parceria entre museus comunitários e
escolas públicas, através dos programas de educação integral7.

c) Criação do Grupo de Trabalho Museus Comunitários da Fundação


Joaquim Nabuco

A ampliação do foco da identificação e mapeamento alargou nosso


horizonte empírico da ação educativa de “museus comunitários” para a de
“iniciativas museológicas e museus comunitários”, os quais podemos considerar
como iniciativas culturais, em uma perspectiva mais ampla. O GT MC/FUNDAJ

7
Quantitativa e qualitativamente, nestas duas etapas ocorreram: duas conferências; 12 sessões
de trocas de experiências, totalizando 28 apresentações orais de integrantes do GT
MC/FUNDAJ; 5 mesas técnicas, totalizando 12 apresentações orais dos representantes
institucionais; 3 reuniões de articulação interinstitucional; 6 sessões de diálogo sobre o
documento final; e a elaboração da CARTA DO RECIFE (2015).
2o Seminário brasileiro de museologia • 134

é formado por 20 iniciativas selecionadas num universo de 51 (que enviaram as


fichas de identificação) e, mais amplamente, de 96 (identificadas e contatadas),
no Nordeste do Brasil. É composto por experiências de museologia social e
educação integral, reunindo representantes de iniciativas museológicas e
museus comunitários, de redes de memória, museologia social e patrimônio, de
escolas públicas e gestores públicos vinculados ao Estado em três níveis. Um dos
estímulos iniciais para a sua criação foi a elaboração do documento final do
workshop, cuja segunda etapa foi o momento de sua formalização, no âmbito
da FUNDAJ. Foi criado com o objetivo de atuar como um canal de interlocução
entre Estado e sociedade civil no planejamento colaborativo de ações, projetos e
programas interinstitucionais, que viabilizem diversas formas de parcerias entre
atividades de Museologia Social e Educação Integral.

d) Parcerias com o IBRAM e o assento do MEC no Conselho de Gestão


Participativa/Compartilhada do Programa Pontos de Memória

O IBRAM foi um dos órgãos governamentais cujos contatos se


estreitaram, o que resultou na participação de gestores desta autarquia nas
atividades oriundas da implementação do Programa de Integração. Um dos
primeiros resultados deste diálogo institucional foi a participação, na condição
de consultor e junto com a servidora Sílvia Barreto, no VI Fórum Nacional de
Museus, realizado em Belém/PA, em novembro de 2014. Na oportunidade,
ocorria a culminância de um processo dialógico entre IBRAM e iniciativas
museológicas e redes de memória e museologia social participantes do
Programa Pontos de Memória, no que se refere à criação de mecanismos de
gestão compartilhada entre Estado e sociedade civil deste Programa8. O diálogo
para a construção de políticas museológicas participativas teve um marco no V
Fórum Nacional de Museus (2012, em Petrópolis/RJ), quando foi criada a
Comissão para a elaboração de mecanismos para a gestão

8
Segundo consta no site do IBRAM, “O Programa Pontos de Memória tem como objetivo apoiar
ações e iniciativas de reconhecimento e valorização da memória social. (...) Os Pontos de
Memória valorizam o protagonismo comunitário e concebem o museu como instrumento de
mudança social e desenvolvimento sustentável”. Disponível via:
https://www.museus.gov.br/acessoainformacao/acoes-e-programas/pontos-de-
memoria/programapontos-de-memoria/ . Acessado em: 06/05/2015.
2o Seminário brasileiro de museologia • 135

compartilhada/participativa do Programa Pontos de Memória (COGEPACO),


reunindo representantes de instituições e redes de memória, patrimônio e
museologia social brasileiras. A COGEPACO se reuniu periodicamente nos dois
anos seguintes visando elaborar mecanismos para a implementação da gestão
compartilhada. Durante o ano de 2014, foram realizadas consultas, nos
estados, às iniciativas museológicas comunitárias contempladas nos editais
Prêmio Pontos de Memória (2011 e 2012), acerca de proposições à minuta de
portaria que visa instituir o Conselho de Gestão Compartilhada e Participativa
do Programa Pontos de Memória. Dialogando com este processo, um dos
primeiros resultados da consultoria foi a proposição do MEC como uma das
instâncias do Estado com assento permanente neste Conselho Gestor, proposta
que foi ratificada durante a IV Teia da Memória, realizada durante o VI Fórum
Nacional de Museus9.

Os contatos amadureceram as possibilidades de contribuição dos


servidores do IBRAM nas ações planejadas para a implementação do Programa
de Integração. Esta parceria entre MEC e MinC pode ser estabelecida através de
uma agenda de trabalho comum entre FUNDAJ e IBRAM, fundamental na
elaboração e na execução conjunta de políticas públicas educacionais e
museológicas. Algumas possibilidades de viabilizarmos esta parceria referem-se
ao diálogo na efetivação das diretrizes da Política Nacional de Museus (PNM),
no desenvolvimento de ações junto às iniciativas participantes do Programa
Pontos de Memória e contribuindo para a execução das diretrizes, estratégias e
metas do Plano Nacional Setorial de Museus (PNSM) – em especial no eixo
setorial Museus Comunitários. Todas estas interfaces relacionam-se com as
ações do Programa de Integração e constituem instrumentos estratégicos para a
integração de políticas educacionais e museológicas federais.

Através da aproximação com a Coordenação de Museologia Social e


Educação do Departamento de Processos Museais (COMUSE/DPMUS), e com a
Coordenação Geral de Sistemas de Informação Museal (CGSIM); foi
consolidado um canal de interlocução entre IBRAM e FUNDAJ que é crucial na

9
A portaria que institui o Conselho de Gestão Participativa e Compartilhada do Programa
Pontos de Memória encontra-se em trâmite jurídico no IBRAM.
2o Seminário brasileiro de museologia • 136

consolidação do Programa de Integração e nas atividades propostas como parte


do instrumental metodológico concebido para a integração entre museus
comunitários e escolas públicas, através dos programas de educação integral.

e) Elaboração da CARTA DO RECIFE – Recomendações para a integração


entre museus comunitários e educação integral e integrada

Ao final do segundo workshop, foi finalizado o primeiro documento


coletivo construído pelo GT MC/FUNDAJ, intitulado CARTA DO RECIFE –
Recomendações para a integração entre museus comunitários e educação
integral e integrada. Foi elaborado com o objetivo de sistematizar
recomendações visando a integração das ações educacionais de iniciativas
museológicas/museus comunitários e escolas públicas, através das políticas de
educação integral no Brasil. Estas recomendações foram agrupadas em três
tópicos: Redes de memória, patrimônio e museologia social e a política de
educação integral; Formação e pesquisa e Espaços para a educação integral.

2. Apontamentos sobre o instrumental metodológico desenvolvido para


promover a integração entre museus comunitários e escolas públicas através
dos programas de educação integral

Feita esta sistematização geral da fundamentação teórico-metodológica,


das várias etapas da pesquisa e das atividades associadas, apresentaremos
brevemente o instrumental metodológico concebido para integrar as atividades
educativas das iniciativas museológicas e museus comunitários com as políticas
públicas indutoras da educação integral.

Ainda no contexto da primeira etapa do workshop, fomos percebendo


dois procedimentos importantes para o instrumental metodológico que foi sendo
aprimorado: um modo de efetuar a articulação local entre museus comunitários
e escolas públicas; e a importância do cruzamento dos eixos temáticos e macro-
campos dos programas de educação integral frente às áreas de atuação e às
linguagens artísticas utilizadas pelas iniciativas museológicas comunitárias. Os
parâmetros comparativos entre museus e escolas também são parâmetros para
a sua aproximação: partem do cruzamento das áreas temáticas das ações das
2o Seminário brasileiro de museologia • 137

iniciativas museológicas comunitárias com os eixos (no caso do Programa MAIS


Cultura nas Escolas) e macro-campos (no caso do Programa MAIS Educação)
dos programas de educação integral10. Chamamos de “cruzamento”, neste
caso, o ato de comparar e aproximar estes eixos temáticos e macro-campos das
áreas de atuação dos museus comunitários, na perspectiva do estabelecimento
de um diálogo e, consequentemente, no fomento às parcerias.

As inúmeras parcerias já feitas, em torno da Educação Integral, por parte


de algumas escolas e museus comunitários do GT MC/FUNDAJ, ao serem
compartilhadas, funcionaram como inspiração para as iniciativas que ainda não
haviam feito articulações semelhantes, ilustrando as possibilidades de
interlocução. A opção de convidar para o workshop representantes de museus
comunitários e escolas que possuíam diferentes relações com os programas de
educação integral surtiu o efeito desejado, na medida em que a troca de
experiências resultou na percepção das potencialidades das parcerias possíveis.
Como as iniciativas museológicas comunitárias do GT MC/FUNDAJ
desenvolvem atividades em inúmeras áreas temáticas e utilizam-se de diversas
linguagens artísticas, as possibilidades multiplicam-se frente ao cruzamento de
suas ações perante aos macro-campos e eixos dos programas de educação
integral11.

É preciso se conhecer para poder dialogar e, consequentemente, firmar


parcerias. Muitas vezes, os gestores e professores desconhecem grupos, mestres
e iniciativas do próprio bairro onde se encontra a escola. Do mesmo modo,
estas iniciativas, muitas vezes, não sabem quase nada da realidade escolar e
das atividades de educação integral, por conta de diversos fatores e

10
Nestes casos, nos referimos aos macro-campos do Programa MAIS Educação, que são: meio-
ambiente, esporte e lazer, direitos humanos, arte e cultura, acompanhamento pedagógico,
inclusão digital, saúde e alimentação; e aos eixos temáticos estabelecidos pelo Programa Mais
Cultura nas Escolas, que são: Criação, Circulação e Difusão da Produção Artística; Cultura Afro-
brasileira; Promoção Cultural e Pedagógica em Espaços Culturais; Educação Patrimonial;
Tradição oral; Cultura Digital e Comunicação; Educação Museal; Culturas Indígenas; e
Residências Artísticas para Pesquisa e Experimentação nas Escolas.
11
Algumas das áreas e linguagens que as iniciativas integrantes do GT MC/FUNDAJ atuam,
são: fotografia, terreiros, afoxé, diversidade cultural e religiosa, cultura indígena e afro-
brasileira, teatro, arqueologia, territórios, rurais, música, cultura popular, dança, teatro, gênero,
oralidade, quilombolas, produção artística e cultural, teatro de bonecos, capoeira, entre outras,
e muitas destas acontecem integradas umas às outras.
2o Seminário brasileiro de museologia • 138

dificuldades. Para superar este desconhecimento mútuo e propiciar uma


aproximação, podemos recorrer a um instrumento – os mapeamentos culturais
(pré-existentes ou por elaborar) – e a uma estratégia – a organização de “rodas
de conversa/diálogo”, inspiradas nos círculos de cultura freireanos12. Passamos
a efetuar, pontualmente, considerações sobre algumas etapas fundamentais do
instrumental metodológico proposto para a integração entre museus
comunitários e escolas, através dos programas de educação integral.

a) 1º- momento: superando o desconhecimento

Em um primeiro momento, na perspectiva da escola, é preciso acessar os


mapeamentos culturais pré-existentes, que apresentem as iniciativas
museológicas comunitárias, as atividades que realizam e as possibilidades de
atuarem em cooperação nas ações de educação integral. Já na ótica das
iniciativas museológicas comunitárias, é necessário acessar as bases de dados
sobre as ações de educação integral desenvolvidas por escolas públicas
vinculadas aos programas de educação integral. Um conhecimento maior sobre
quais escolas, numa dada região ou município, realizam atividades de
educação integral que convergem com as áreas temáticas e/ou linguagens
artísticas com as quais estas iniciativas já trabalham, podem ser informações
estratégicas na constituição das parcerias. Conhecer que atividades são
desenvolvidas em eixos como: Educação Patrimonial, Educação Museal, Cultura
Afro-brasileira, Culturas Indígenas (no caso do Programa MAIS Cultura nas
Escolas); e macro-campos como: meio-ambiente, esporte e lazer, direitos
humanos, arte e cultura (no caso do Programa MAIS Educação); constituem
dados cruciais para estimular a interação entre os organizadores das iniciativas

12
Francisco Weffort, em sua clássica apresentação do livro Educação como Prática da Liberdade,
de Paulo Freire, afirma, sobre a relação da pedagogia deste educador e sua noção de círculos
de cultura, que “A visão da liberdade tem nesta pedagogia uma posição de relevo. É a matriz
que atribui sentido a uma prática educativa que só pode alcançar efetividade e eficácia na
medida da participação livre e crítica dos educandos. É um dos princípios essenciais para a
estruturação do círculo de cultura, unidade de ensino que substitui a ‘escola’, autoritária por
estrutura e tradição. Busca-se no círculo de cultura, peça fundamental no movimento de
educação popular, reunir um coordenador a algumas dezenas de homens do povo no trabalho
comum pela conquista da linguagem. O coordenador, (...), sabe que não exerce funções de
‘professor’ e que o diálogo é condição essencial de sua tarefa, ‘a de coordenar, jamais influir ou
impor’ (WEFFORT, 2000, p.13).
2o Seminário brasileiro de museologia • 139

museológicas comunitárias e os gestores escolares, através da aproximação de


demandas presentes na realidade escolar às áreas de atuação destes museus13.

b) 2º- momento: conhecendo o “outro” – a importância das “rodas de


conversa/diálogo” como espaços para trocas de saberes e conhecimentos

Superado o desconhecimento inicial, é preciso planejar momentos de


encontros para a descoberta do “outro” (seja este o museu ou a escola) e das
possibilidades de parcerias educativas. Estes encontros podem ocorrer de
diversos modos e reunir diferentes agentes e coletividades envolvidas na ação
museológica e nas atividades de educação integral. O importante é propiciar a
construção de espaços que funcionem como fóruns de discussão que fomentem
a troca de saberes entre representantes de museus comunitários e de escolas,
aproximando o “chão da escola” das experiências educativas de museus
comunitários. Este contato evidenciará a descoberta das possibilidades de
parceria educativa.

Esta estratégia de ação veio sendo experimentada durante a pesquisa em


dois municípios: Camaragibe/PE e Alagoinhas/BA. O caráter das parcerias
propiciadas por estas “rodas de diálogo” varia conforme os agentes em
interação, assim como estas articulações possuem diferentes alcances. Para
cada uma destas parcerias, existem processos dialógicos distintos e com
resultados que atingem diferentes escalas geográficas e administrativas.
Elaboramos algumas tipologias de contato, com o objetivo de compreender,
sistematizar e planejar os diferentes formatos que estes encontros podem ter e
os variados resultados obtidos através deles, com foco na viabilidade do
processo de integração. Foram:

i) Parcerias diretas entre museus comunitários e escolas14;

13
Os inventários e mapeamentos participativos podem ser desenvolvidos pelas escolas em
parceria com as iniciativas museológicas comunitárias, visando este maior conhecimento da
realidade local, em conexão com os eixos temáticos Promoção Cultural e Pedagógica em
Espaços Culturais, Educação Patrimonial e Educação Museal (no caso do Programa MAIS
Cultura nas Escolas), e ao macro-campo Arte e Cultura (no caso do Programa MAIS Educação).
14
Este foi o formato da roda de diálogo proposta pela organizadora da Associação Beneficente
Cultural Oyá Ní, Ana Rita Araújo, com a diretora da Escola dos Rodoviários, profa. Maria da
Conceição de Carvalho. Parte do contato direto entre os organizadores de museus comunitários
2o Seminário brasileiro de museologia • 140

ii) Parcerias entre museus comunitários e secretarias e/ou comitês


territoriais de educação integral15;

iii) Parcerias entre redes de museologia social, patrimônio e memória e


escolas públicas16;

iv) Parcerias entre redes de museologia social, patrimônio e memória e


secretarias e/ou comitês territoriais de educação integral17.

com os gestores/professores de escolas públicas (e vice-versa), com o objetivo de elaborar


projetos educativos comuns. O contato resultou na participação da profa. Maria da Conceição
na segunda etapa do workshop. Com o fortalecimento da possibilidade de firmar a parceria
com a Escola dos Rodoviários, ambas combinaram outro encontro, que caracteriza justamente a
segunda tipologia de contato e de diálogo proposta.
15
A partir de então, Ana Rita e a profa. Conceição marcaram uma conversa com a profa.
Zenaide, diretora de outro colégio, Magalhães Neto, e com Marli Monteiro, diretora do Núcleo
Regional 18 – que abrange o município de Alagoinhas – da Secretaria Estadual de Educação do
Estado da Bahia. Em abril de 2015, estavam planejando ações concomitantes de parceria do
Oyá Ní com três escolas, com atividades nas áreas de dança, artesanato, capoeira e percussão
afro-brasileira. Há de se diferenciar as rodas de diálogo e parcerias, sejam elas feitas junto às
secretarias municipais, sejam feitas junto aos comitês territoriais de educação integral. Estes
comitês, responsáveis pela execução e avaliação das políticas públicas de educação integral,
funcionam de modo colegiado, se estruturando de forma diferente em cada estado. Algumas
vezes, não estão nem mesmo localizados em secretarias estaduais, como é o caso do comitê do
estado de Pernambuco, que funciona na sede da FUNDAJ. O que assemelha estas parcerias é o
diálogo que possibilita o estabelecimento de vários contatos ao mesmo tempo, seja de uma só
iniciativa junto a várias escolas (caso do Oyá Ní), sejam várias iniciativas que dialogam com
uma ou várias escolas, através das secretarias ou dos comitês territoriais. As parcerias variam
conforme a jurisdição do ente público e da instância da sociedade civil em diálogo.
Consideramos um dos mais bem sucedidos exemplos das potencialidades destas rodas de
diálogo, os contatos efetuados pelos integrantes do Laboratório de Intervenção Artística/LAIA
com o Departamento de Projetos Educacionais (DPE) da Secretária de Educação de Camaragibe,
instância responsável pela execução da política de educação integral no município. Participaram
de uma roda de conversa, no dia 1º- de abril de 2015, servidores do Muhne, integrantes da
LAIA e servidores do DPE de Camaragibe, para conversar sobre as propostas do Programa de
Integração e as possibilidades de parcerias, através dos programas de educação integral.
16
As duas primeiras tipologias resultaram na organização de rodas de diálogo envolvendo uma
só iniciativa museológica comunitária, seja em contato com uma escola ou com uma instância
mais ampla de articulação (secretarias e comitês). As duas outras possibilidades partem da
articulação efetuada junto a coletividades de iniciativas museológicas comunitárias – as redes de
memória, museologia social e patrimônio – com outras instâncias administrativas vinculadas ao
Estado, sejam conjuntos de escolas, secretarias ou comitês territoriais de educação integral. É
possível planejar a construção de amplos espaços dialógicos e do estabelecimento de várias
parcerias concomitantes, em uma vasta área territorial. Nestas situações, a atuação da FUNDAJ
como órgão mediador é fundamental. Um dos aspectos que difere a articulação de redes com
escolas da articulação de redes com secretarias e/ou comitês, pode ser a abrangência das
parcerias firmadas.
17
Estas parcerias entre coletividades de diferentes instâncias, neste caso, as redes de memória
junto às secretarias locais e/ou comitês territoriais de educação integral, podem resultar em
parcerias ainda mais amplas. Isso porque se o diálogo ocorrer direto com os comitês, estes
abrangem todo um estado, e no caso destas iniciativas museológicas comunitárias também
estarem espalhadas neste território (no caso das redes estaduais), a parceria pode resultar no
2o Seminário brasileiro de museologia • 141

Em relação a estes diálogos e aproximações, a função da FUNDAJ se


relaciona à mediação entre os diferentes parceiros institucionais e da sociedade
civil, na formação direcionada à qualificação dos projetos educativos oriundos
destas parcerias e à publicação de materiais instrucionais, orientadores e de
divulgação. O importante, nestes casos, é adaptar o instrumental metodológico
à cada situação, diretamente relacionada aos agentes e coletividades em
interação.

Esboçamos, em linhas gerais, algumas possibilidades de realização desta


aproximação, a partir do diálogo entre diferentes atores sociais/coletividades,
que podem resultar em parcerias de diferentes abrangências, mas todas
semelhantes quanto à finalidade do diálogo: promover a integração entre as
ações educativas de museus comunitários e escolas públicas através dos
programas de educação integral.

c) 3º- momento: elaboração dos projetos/ações educativas e culturais


que promovam a integração entre museus comunitários e escolas públicas

Como visto, um instrumento (os mapeamentos) e uma estratégia (a


realização das rodas de conversa) são meios eficazes para romper o
desconhecimento mútuo entre escolas públicas e museus comunitários e, ao
aproximá-los, facilitar um processo dialógico voltado à descoberta das
possibilidades de parcerias. O processo de elaboração da proposta conjunta é o
desenrolar necessário para um processo exitoso de integração. Para isto, é
importante planejar a qualificação destas ações de educação museológica e
integral, a partir da formação técnica dos responsáveis pela elaboração e
execução destas atividades. Assim, as necessidades de criação de processos
formativos, direcionados aos gestores escolares e integrantes de museus
comunitários, é mais uma das ações necessárias à consolidação do Programa

estabelecimento de projetos concomitantes entre diferentes parceiros. Se envolvermos nesta rede


de diálogo outros atores e/ou coletividades – sejam instâncias vinculadas ao estado ou à
sociedade civil, as possibilidades das parcerias aumentam. É possível pensar noutras tipologias,
principalmente se envolvermos outros atores e coletividades (como os Ministérios, por exemplo),
e estas classificações também expressam o nível em que o contato está sendo efetuado (local,
estadual, regional).
2o Seminário brasileiro de museologia • 142

de Integração, área na qual a FUNDAJ pode desempenhar um papel


estratégico, tendo em vista seu perfil de instituição de pesquisa e educacional.

As categorias e tipologias propostas para compreender e planejar o


contato e a realização das rodas de diálogo partem da percepção das possíveis
interações entre determinados atores sociais e coletividades vinculadas ao
Estado e à sociedade civil, referentes à gestão escolar – em várias esferas – e a
organização das iniciativas museológicas – desde o nível local (o museu
comunitário), até coletivos mais amplos (como as redes).

Esses processos locais evidenciaram formatos de parceria e modos de


atuação institucional e dos integrantes do GT MC/FUNDAJ que delineia funções
diferentes e complementares na integração proposta. As iniciativas
museológicas desempenham o papel de articuladoras locais das rodas de
conversa com parceiros institucionais estratégicos, enquanto a FUNDAJ atua na
formação técnica e no apoio interinstitucional para qualificar o contato destas
com outros entes públicos e da sociedade civil. Além disso, a FUNDAJ pode
atuar no fortalecimento desses processos, através da publicação de conteúdos
orientadores e de divulgação, organização de formações e compartilhamento
deste instrumental metodológico.

3. Diálogos interinstitucionais, marcos legais e recomendações visando a


consolidação do Programa de Integração Museus Comunitários e Programa
Mais Educação (MEC)

Faremos a seguir apontamentos sobre as interlocuções institucionais


suscitadas, sugerindo possíveis diálogos entre marcos legais e gestores
estratégicos para a integração na execução de políticas públicas de educação
integral e museologia social. Por fim, serão descritas as recomendações visando
a consolidação do Programa de Integração, no âmbito da FUNDAJ.

3.1 Diálogos interinstitucionais e marcos legais: possíveis interlocuções

Os contatos interinstitucionais culminaram com a realização, na segunda


etapa do workshop, da reunião de um Grupo de Trabalho envolvendo
representantes de setores estratégicos do MinC, MEC, FUNDAJ e IBRAM, para
2o Seminário brasileiro de museologia • 143

dialogar sobre as parcerias visando a integração entre políticas públicas


museológicas e educacionais e a possibilidade do estabelecimento de termos de
cooperação técnica. O diálogo partiu da seguinte pergunta-geradora: Como
fortalecer as ações museológicas e educativas dos museus comunitários para
ampliar sua participação na execução das políticas de educação integral com as
escolas brasileiras? Na atuação institucional por meio de uma agenda conjunta,
cada setor das políticas públicas tem sua especificidade, com seus integrantes
agindo através de projetos e/ou programas integrados. A questão-chave é
definir quais são as atribuições de cada setor institucional. Em relação à função
da FUNDAJ nesse processo, foram definidos dois papéis: um relacionado ao
seu papel de órgão executor de políticas educacionais, culturais e museológicas,
através do desenvolvimento de ações de formação, pesquisa e salvaguarda; e
outro relacionado ao seu papel de órgão articulador e mediador das relações
interinstitucionais e entre Estado e sociedade civil, visando a constituição de
instrumentos e processos que propiciem o diálogo participativo, a proposição de
subsídios e a realização de atividades para a implementação de mecanismos
que associem as ações educativas de museus comunitários às políticas de
educação integral.

Os tópicos para o diálogo foram divididos em termos de Pesquisa;


Comunicação; Fomento e financiamento; Acervos museológicos, patrimônios e
memórias; e para cada um deles foram elencadas possíveis ações e parcerias.
Não vem ao caso descrever em pormenores o conteúdo desta reunião,
entretanto, apontaremos algumas possibilidades que perpassam a consolidação
do Programa de Integração e, mais amplamente, a execução integrada de
políticas educacionais e museológicas.

Em vistas da quantidade e da diversidade de iniciativas museológicas em


território nacional e da abrangência geográfica dos programas de educação
integral no sistema escolar, a parceria entre MEC/FUNDAJ, MinC/IBRAM,
museus comunitários e escolas públicas, pode revolucionar o quadro atual dos
programas de educação integral e da Política Nacional de Museus (esta última
no que refere, especialmente, ao Eixo Setorial “Museus comunitários e
2o Seminário brasileiro de museologia • 144

ecomuseus”, do Plano Nacional Setorial de Museus/PNSM). Justamente por


conta disso, é estratégico o estabelecimento de uma agenda comum entre o
Programa Pontos de Memória e o Programa de Integração Museus
Comunitários e Programa MAIS Educação (MEC), viabilizada institucionalmente
através da assinatura de instrumento apropriado para o convênio entre setores
do governo federal. Esta parceria pode potencializar não apenas uma
capilarização regional das ações do Programa de Integração, mas pode
também servir com um projeto-piloto para uma ampliação nacional.

O estabelecimento de um canal de diálogo direto com as escolas que


optaram pelo eixo “Educação Patrimonial” é um caminho viável, na medida em
que as ações educativas dos museus comunitários se encaixam perfeitamente
neste eixo. Conforme dados do próprio IBRAM, a maioria das iniciativas
museológicas contempladas com recursos financeiros no Programa Pontos de
Memória estão no Nordeste, e doze destas compõem o GT MC/FUNDAJ. Uma
articulação regional entre FUNDAJ e IBRAM (que pode, inclusive, servir de
projeto-piloto para uma integração entre os dois programas) pode acontecer em
torno de um cruzamento de informações que confronte a localização das
iniciativas museológicas que são Pontos de Memória com as das escolas que
realizam atividades de educação integral no Nordeste, com o objetivo de
aproximá-las. É possível organizar fóruns de diálogo nos estados/municípios,
reunindo iniciativas museológicas comunitárias que são Pontos de Memória e as
escolas públicas que desenvolvem atividades de educação integral, para
intercâmbio e troca de experiências visando a elaboração de projetos e ações
conjuntas.

Pode ser efetuada uma profícua aproximação entre iniciativas


museológicas e escolares contempladas por dois programas governamentais
que ainda não se articulam em suas atividades. Se afunilarmos este
conhecimento para um amplo levantamento, de âmbito nacional, que cruze os
dados das escolas que realizam atividades de educação integral nos eixos de
Educação Museal e Educação Patrimonial, por exemplo, com as iniciativas
museológicas comunitárias contempladas pelo Programa Pontos de Memória,
2o Seminário brasileiro de museologia • 145

teríamos informações estratégicas para a consolidação do Programa de


Integração, através da parceria interministerial entre MEC e MinC.

É necessário planejar a qualificação dos comitês territoriais de educação


integral, instância estratégica para qualquer articulação com a política nacional
de educação integral. A pesquisa produziu uma série de dados e informações
que podem gerar subsídios para inúmeras ações futuras. O amadurecimento de
linhas de pesquisa que tratem da relação entre Museologia Social e Educação
Integral qualifica o diálogo entre políticas públicas, reunindo à avaliação da sua
execução os estudos provenientes de diversas áreas do conhecimento18.

Esta foi a primeira reunião envolvendo setores estratégicos do MEC e


MinC em torno das políticas educacionais e museológicas, e apontou
importantes pontos de intersecção e interlocução entre as instâncias envolvidas.
É necessário que esse diálogo interinstitucional seja permanente, e que as
instituições conectem seus planos de atividades, projetos e programas, em torno
de objetivos e metas comuns19.

Um bom exemplo acerca das possibilidades de interlocução entre as


áreas temáticas e de linguagens artísticas das iniciativas museológicas
comunitárias, com os eixos e macro-campos do Programa Mais Educação e com
marcos legais existentes, tem como protagonistas os museus e processos
museológicos de populações indígenas, afro-religiosas (candomblé, umbanda
etc.) e afro-brasileiras (quilombolas e outras).

Uma das propostas da CARTA DO RECIFE associa um marco legal já


existente (a Lei 11.645/200820), à implantação de projetos vinculados aos eixos

18
Foi justamente nesta perspectiva que surgiu a proposta do Grupo de Trabalho “Museologia
Social e Educação Integral: aproximações, interlocuções e experiências”, para discutir o tema no
II SEBRAMUS.
19
Um dos principais desdobramentos desta reunião foi a proposição de um convênio entre
MinC e FUNDAJ, que vem sendo elaborado técnica e burocraticamente, no desenvolvimento de
processos de formação, pesquisa, difusão e inovação tecnológica para promoção de políticas
públicas de educação integral no âmbito da interface entre educação e cultura nos territórios
brasileiros.
20
Lei 11.645/2008 - Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei
no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e
Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
2o Seminário brasileiro de museologia • 146

e macro-campos dos programas de educação integral (principalmente os


referentes às culturas indígenas e afro-brasileiras) e às ações educativas dos
museus indígenas, dos museus e memoriais de terreiros e de quilombolas.
Consideramos este tipo de cruzamento especialmente significativo para inspirar
outras possíveis conexões, em uma perspectiva mais ampla, tanto em termos de
alcance (áreas em intersecção) quanto de marcos legais e gestores possíveis de
envolvimento, já que as políticas indutoras da educação integral foram
planejadas para serem executadas pelos esforços de inúmeros ministérios
conjuntamente (Esportes, Cultura, Desenvolvimento Social e Combate a Fome,
Ciência e Tecnologia, Educação e Meio Ambiente).

Nos referimos à articulação entre os marcos legais, as áreas temáticas de


ação educativa dos museus comunitários e os eixos e/ou macro-campos dos
programas de educação integral, como caminho para concretizar as parcerias
entre museus comunitários e escolas públicas. Estas parcerias podem estar
associadas à execução integrada de políticas públicas de áreas que estão
desarticuladas em sua implementação. Podemos efetuar parcerias para o
desenvolvimento de projetos que dialogam diretamente com os marcos gestores
e legais relacionados ao meio ambiente, às populações tradicionais, ao
patrimônio imaterial, aos esportes, entre outras. Muitas das áreas temáticas de
ação educativa das iniciativas museológicas comunitárias (como diversidade
cultural, meio ambiente, culturas indígenas e afro-brasileiras, esporte, dança,
teatro, cultura popular, entre outras), se encaixam e coadunam com a execução
de diversos eixos e macrocampos dos programas de educação integral. Para
todas estas áreas existem políticas públicas, marcos legais e gestores que
balizam programas, projetos e ações que podem ser conectados através do
Programa de Integração21.

Várias são as possibilidades de interlocução, tendo em vista o diálogo


entre museus comunitários, escolas públicas, políticas de educação integral e
marcos legais e gestores existentes. Tal qual a interlocução proposta com a Lei

21
Eis alguns outros marcos legais que podem ser articulados: Constituição Federal de 1988; Lei
9.394/96; Decreto-lei 3551/2000; Lei 9.985/2000; Decreto 6.040/2007; Lei 11.904/2009,
entre vários outros.
2o Seminário brasileiro de museologia • 147

11.645/08, inúmeros outros marcos possibilitam uma intersecção com a área


de educação e, em especial, com a interface entre educação integral e
museologia social, como campos de conhecimento, atuação profissional e áreas
estratégicas para o planejamento, a avaliação, a criação e execução de políticas
públicas.

3.2 Recomendações: diretriz, estratégias e ações

A sistematização dos elementos orientadores das recomendações finais


da consultoria nos direcionou à definição de uma diretriz geral e de uma
recomendação estratégica, das quais se desdobram as proposições visando a
consolidação do Programa de Integração. Esta diretriz geral se refere às
necessidades de aperfeiçoamento técnico e de aproximação entre atores e entes
públicos e da sociedade civil (professores, coordenadores, técnicos, diretores,
secretarias de educação/cultura, gestores federais, estaduais e municipais,
integrantes de museus comunitários, redes de memória, museologia social e
patrimônio, entre outros) para o planejamento e a execução integrada dos
programas/políticas públicas de educação e cultura, no âmbito da memória, do
patrimônio cultural e da educação museal e integral. Já a recomendação
estratégica refere-se à conexão entre os macro-campos e eixos dos programas
de educação integral às áreas temáticas de atuação das iniciativas
museológicas, incluindo um diálogo entre os marcos legais existentes, o
Programa Mais Educação e a ação educativa dos museus comunitários.

Estas estratégias referem-se ao desenvolvimento de ações que promovam


o diálogo entre representantes de iniciativas museológicas e museus
comunitários e escolas, à nível local, estadual e regional, através da
organização de oficinas, workshops, cursos, fóruns, conselhos, comissões de
gestão compartilhada, grupos de trabalho e estudo etc. Estas atividades podem
envolver as redes de museologia social, memória e patrimônio (onde houver), a
coordenação e os integrantes dos comitês territoriais de educação integral,
gestores, diretores e técnicos de escolas e secretarias de educação e cultura
locais.
2o Seminário brasileiro de museologia • 148

Dois conjuntos de recomendações foram elaborados visando a


consolidação do Programa de Integração. O primeiro, a CARTA DO RECIFE -
Recomendações para a integração entre museus comunitários e educação
integral e integrada, elaborada coletivamente por mais de cinquenta pessoas
durante as duas etapas do workshop, constitui um documento de caráter técnico
e político que visa recomendar ações que contribuam para a implementação de
mecanismos concretos para a integração das ações educativas de museus
comunitários às políticas de educação integral.

O segundo conjunto de recomendações possui um perfil técnico,


consistindo da proposição de atividades específicas para a FUNDAJ realizar,
apontando caminhos no desenvolvimento de ações viáveis e nas possibilidades
de interlocução e, enfim, definindo um perfil institucional para a sua atuação na
coordenação deste Programa de Integração. Definir claramente a função da
FUNDAJ neste processo é fundamental para sua consolidação, na medida em
que este pode ser um programa estratégico para a execução do seu novo Plano
de Desenvolvimento Institucional (PDI), que prima por atuar na interface entre
Cultura e Educação, seja na execução, na pesquisa e/ou na avaliação de
políticas públicas.

Este conjunto de recomendações, fundamentado pela pesquisa, foi


fomentado pelo diálogo participativo e interinstitucional junto à equipe técnica
do Muhne, com os integrantes do GT MC/FUNDAJ, gestores públicos e
escolares e demais partícipes das atividades. Estas recomendações partem da
identificação de problemáticas e demandas locais, no que se refere ao diálogo
entre museus comunitários e escolas públicas, e do perfil institucional e das
potencialidades apresentadas pela FUNDAJ e pelo Muhne. Organizamos as
recomendações em cinco tópicos, orientados pela diretriz e pelas estratégias
referidas anteriormente:

a) Redes de memória, patrimônio e museologia social

Consideramos as redes de memória, patrimônio e museologia social


enquanto parceiras estratégicas para a execução da integração entre as ações
2o Seminário brasileiro de museologia • 149

educativas de museus comunitários e as políticas de educação integral.


Atualmente, existem no Brasil onze redes temáticas e territoriais. Destas, cinco
participam do GT MC/FUNDAJ. São elas: a Rede Cearense de Museus
Comunitários (CE), a Rede de Museus e Memoriais de Terreiros de Candomblé
da Bahia (BA), a Rede Potiguar de Pontos de Memória e Museus Comunitários
(RN), a Rede de Memória e Museus Indígenas (PE e CE) e a Rede de Educadores
de Museus do Maranhão (MA)22. O processo de organização destas redes
territoriais e temáticas no Brasil começou apenas em 201123, consistindo em um
fenômeno social e modelo organizacional recentes, o que inviabiliza, até
mesmo, à avaliação de seu impacto na execução e planejamento de políticas
públicas24.

b) Formação e pesquisa

A FUNDAJ possui um perfil institucional que a qualifica a assumir uma


função crucial no desenvolvimento de ações de formação e pesquisa referentes
à consolidação do Programa de Integração. É necessário continuar o
mapeamento de ações educativas em museus comunitários e conhecer melhor o
universo das ações educativas integrais das escolas públicas. A instituição possui
um vigoroso núcleo de formação, podendo assumir a realização de cursos
direcionados para a qualificação de integrantes de iniciativas museológicas
comunitárias e gestores de educação, em diferentes níveis (técnicos, de
extensão, à distância etc.). As demandas partem da formação de gestores e

22
À nível nacional, temos ainda: a Rede São Paulo de Memória e Museologia Social (SP), a Rede
de Museologia Social do Rio de Janeiro (RJ), a Rede de Pontos de Memória e Iniciativas de
Memória e Museologia Social do Rio Grande do Sul (RS), a Rede de Pontos de Memória do Pará
(PA), a Rede de Museus e Pontos de Memória do Sul da Bahia (BA) e a Rede Nacional LGBT de
Memória e Museologia Social (GO).
23
Enfatizamos o atual processo de organização de uma Rede Nordeste de Museologia Social,
que teve nos workshops momentos estratégicos na aproximação de atores e coletividades que
vem efetuando este diálogo.
24
As recomendações trataram: da articulação de fóruns reunindo as secretarias estaduais e
municipais, os comitês territoriais de educação integral, os museus comunitários e as redes de
museologia social, para a execução de projetos-piloto estaduais do Programa de Integração; da
formalização de parcerias, através de termos de compromisso e/ou cooperação técnica, com as
redes participantes do GT MC/FUNDAJ, visando a capilarização das ações do Programa de
Integração, nos seus respectivos estados; da criação de um fórum permanente envolvendo as
redes temáticas de museus indígenas, afro-religiosos e afro-brasileiros junto às secretárias
estaduais e municipais e aos comitês territoriais de educação integral, para a promoção de
ações e projetos que contribuam na implementação da Lei 11.645/08, através de eixos e
macro-campos específicos dos programas de educação integral.
2o Seminário brasileiro de museologia • 150

demais profissionais envolvidos na execução das políticas de educação integral


para a percepção dos museus comunitários como parceiros importantes na
execução destas atividades. As equipes dos museus comunitários também
demandam por qualificação nas áreas de educação em museus e de políticas
públicas educacionais. É necessário fomentar a qualificação do fazer educativo
dos museus comunitários em suas parcerias com as escolas públicas através das
atividades de educação integral25.

c) Comunicação

As ações de comunicação referem-se à publicação de conteúdos


instrucionais que orientem os caminhos para a construção da parceria entre
museus comunitários e escolas públicas através dos programas de educação
integral; e à criação de meios de comunicação, divulgação e conhecimento
mútuo, de formato ágil e de fácil acesso. Estas publicações serão direcionadas
aos representantes de museus comunitários e redes de memória, professores,
trabalhadores de escolas, secretarias estaduais e municipais de educação e
cultura, integrantes e coordenadores de comitês territoriais de educação integral
e gestores públicos dos três níveis de governo26.

d) Parcerias

A proposta de efetuar parcerias formalmente com as redes de


museologia social, patrimônio e memória encontra-se no item a). Aqui, optamos

25
As recomendações trataram: da criação de cursos de formação direcionados para gestores e
membros de conselhos e colegiados, visando a qualificação destes agentes públicos para
reconhecimento e a valorização das práticas educativas dos museus comunitários na
consolidação dos programas educação integração; da criação de cursos de formação
direcionados para integrantes de museus comunitários, visando a qualificação de suas práticas
educativas e o estabelecimento de parcerias e projetos com escolas públicas através das políticas
de educação integral; da proposição de um grupo de trabalho sobre Museologia Social e
Educação Integral no II SEBRAMUS e da criação de uma linha de pesquisa sobre esta interface
na FUNDAJ; da continuidade do mapeamento de ações educativas em museus comunitários no
Nordeste, ampliando o foco para englobar as atividades de educação integral de escolas
públicas da região.
26
As recomendações trataram: da publicação de um livro dedicado à descrição e divulgação do
Programa de Integração; da publicação de um manual orientador para a integração entre
escolas e museus comunitários através dos programas de educação integral, contendo um
dossiê sobre as ações educativas de museus comunitários; da criação de uma plataforma virtual
colaborativa georeferenciada, contendo um mapeamento de práticas educativas museológicas;
da edição de um vídeo-documentário sobre as iniciativas museológicas comunitárias e o
processo de implementação do Programa de Integração.
2o Seminário brasileiro de museologia • 151

por elencar as propostas à nível federal. É preciso uma aproximação entre


gestores do MEC e do MinC, formalizada através de termos de parceria,
cooperação técnica ou instrumento similar apropriado, entre outras formas de
convênio interinstitucional, na perspectiva de fazer dialogar os marcos legais
existentes e as políticas públicas de educação integral e museologia social27.

e) Projetos-piloto locais e estaduais

Uma das possibilidades de consolidação das atividades deste Programa


de Integração reside na capilarização, à níveis local e estadual, de ações afins
às desenvolvidas nas diferentes etapas da pesquisa (identificação/mapeamento
e encontros para formação, intercâmbio e articulação de ações). Essa
capilarização pode ocorrer de múltiplas formas. Uma delas é a realização de
mapeamentos de ações educativas, tanto de museus comunitários quanto de
escolas; podem ser organizados momentos para o compartilhamento de
experiências, que sejam também formativos – tanto para a educação integral
(em relação aos museus comunitários), quanto para a museologia social (em
relação aos gestores escolares e aos demais partícipes dos processos
educacionais integrais nas escolas). Atividades como formações técnicas e a
organização de “rodas de diálogo” são imprescindíveis, pois estão voltadas a
propiciar a percepção das possibilidades de integração entre os representantes
de museus comunitários, escolas públicas e gestores de educação e cultura. Isso
pode ser viabilizado, à nível local, através da organização de “rodas de
diálogo” e/ou “conversa”; à nível estadual, os comitês territoriais de educação
integral, que já funcionam em um sistema colegiado com encontros periódicos
com os responsáveis locais pelas atividades de educação integral, podem se
reunir com as redes de memória e museologia social (onde houver) e/ou com as

27
As recomendações trataram: do estabelecimento de um Termo de Cooperação Técnica entre a
MEC/FUNDAJ e o MinC/IBRAM, visando à execução integrada de políticas de educação integral
e museologia social, em especial, o Programa Pontos de Memória e o Programa de Integração;
do estabelecimento de parcerias com órgãos e setores estratégicos do MEC e do MinC para a
elaboração conjunta de editais voltados ao fomento e financiamento de projetos educativos na
interface entre museologia social e educação integral.
2o Seminário brasileiro de museologia • 152

iniciativas museológicas comunitárias, o que pode significar a realização de


importantes encontros de função articuladora28.

Considerações finais

As questões tratadas neste artigo constituem um primeiro exercício


analítico a posteriori sobre as atividades de pesquisa desenvolvidas no âmbito
desta consultoria vinculada à UNESCO e à FUNDAJ, consistindo também como
uma avaliação crítica do processo de implementação do Programa de
Integração Museus Comunitários e Programa MAIS Educação (MEC).

A FUNDAJ vivencia um momento de redefinição de seu perfil


institucional, na medida em que elabora seu novo Plano de Desenvolvimento
Institucional (PDI), que traz como pressuposto a integração entre Cultura e
Educação. Durante a implementação deste Programa de Integração, conseguiu
instituir-se como uma referência na mediação de um amplo diálogo
interinstitucional, de alcance nacional. Provocou e geriu o contato entre
comunidades locais, gestores públicos estaduais e municipais, museus
comunitários, redes de memória, patrimônio e museologia social, escolas
públicas e gestores que planejam e executam as políticas federais de educação
integral e museologia social. Resta saber como a instituição reagirá, frente ao
diálogo desencadeado e perante às demandas e expectativas construídas junto
a diversificados entes do Estado e da sociedade civil.

O texto desenvolveu aproximações e interlocuções entre experiências de


Museologia Social e Educação Integral, pontuando possiblidades de diálogo
destas áreas no âmbito das políticas públicas e nas práticas de movimentos
sociais e populares, aos quais se vinculam as iniciativas museológicas
comunitárias que formaram o GT MC/FUNDAJ. Por mais relevante que seja, a
reflexão sobre a interlocução entre Museologia Social e Educação Integral
constitui um tema pouquíssimo estudado. Apesar da atenção que vêm

28
As recomendações trataram: da realização de dois projetos-piloto de capilarização do
processo de execução do Programa de Integração, nos municípios de Camaragibe (PE) e
Alagoinhas (BA), envolvendo respectivamente o LAIA, a Associação Beneficente Oyá Ní e outros
parceiros locais, junto à escolas públicas, secretarias de educação e cultura e comitês territoriais
de educação integração destes estados.
2o Seminário brasileiro de museologia • 153

recebendo no cenário dos movimentos sociais e das políticas de educação e


cultura, estes campos carecem de espaços propícios à interação entre os
agentes sociais e institucionais que os praticam.

Um pressuposto fundamental destas atividades é a perspectiva de uma


“educação transformadora” de Paulo Freire - ancestral comum dos campos da
Museologia Social e da Educação Integral - na qual as relações de ensino-
aprendizagem constituem processos sociais fundados na dialética relacional das
trocas de experiências, de caráter horizontal e não-hierárquico. Ainda que se
possa constatar a ausência de estudos aprofundados sobre esta interface, esse
vácuo não tem correspondência à realidade das várias iniciativas desenvolvidas
nas escolas e nos processos museológicos comunitários que, deste modo,
demonstram a potência desta interação e sua capacidade de fortalecer e
estimular iniciativas participativas de memória e patrimônio no processo de
implementação de uma escola de tempo integral.

A criação de canais de participação da sociedade civil organizada e suas


demandas juntos às esferas do poder público, fortalece um diálogo propositivo
visando compartilhar a avaliação, a elaboração, a execução e o aprimoramento
das políticas públicas, em um exercício de cidadania plena e democracia direta.
Este foi o principal objetivo das ações desenvolvidas no âmbito desta
consultoria.

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registro do patrimônio cultural imaterial e a Polítca Nacional de Patrimônio
Imaterial

Lei 9.985, de 18 de julho de 2000 - institui o Sistema Nacional de Unidades de


Conservação da Natureza (SNUC)

Decreto-Lei 3551, de 4 de agosto de 2000 - Institui o Registro de Bens


Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências

Decreto 6.040, de 7 de fevereiro de 2007 - que institui a Política Nacional de


Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais e, em
anexo, traz o Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e
Comunidades Tradicionais (PNPCT)

Portaria Interministerial n.º 17, de 24 de abril de 2007 - Institui o Programa


Mais Educação, que visa fomentar a educação integral de crianças,
adolescentes e jovens, por meio do apoio a atividades sócio-educativas no
contraturno escolar

Lei 11.645, de 10 de março de 2008 - Altera a Lei no 9.394, de 20 de


dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003,
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no
currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e
Cultura Afro-Brasileira e Indígena”

Lei 11.904, de 14 de janeiro de 2009, que estabelece diretrizes para a área de


museus através da instituição do Estatuto de Museus
2o Seminário brasileiro de museologia • 156

MAR, ILHA E MUITO MAIS...


REPERTÓRIOS CULTURAIS NO ARQUIPÉLAGO FERNANDO DE NORONHA

Míriam Cazzetta1

Resumo
O processo museológico do imaginário infantil sobre o patrimônio insular foi
desenvolvido no período de 2010-2012, com vistas ao fortalecimento do capital
social da comunidade escolar. Trabalho como esse expõe a necessidade de
considerar as especificidades do mundo infantil declarado pelas próprias
crianças. A abordagem educacional de ensino infantil de Reggio Emilia,
baseada na relação de reciprocidade por meio de encontros entre crianças e
adultos em espaços de interesse cultural, norteou a documentação pedagógica.
Os resultados apresentados estão relacionados às atividades lúdico
pedagógicas desenvolvidas nos sítios arqueológicos, edifícios históricos e
museus ao longo do ano de 2010, período no qual cerca de 200 alunos na
idade entre 6 a 13 anos foram estimulados a documentar a cultura marítima
insular.

Palavra-chaves: :Imaginário Infantil;Cultura Marítima Insular;Arquipélago


Fernando de Noronha.

Abstract
The museological process of child's imagination on the island heritage was
developed for the 2010-2012 period, with a view to strengthening the social
capital of the school community. Work like this exposes the need to consider the
specifics of children's world declared by the children themselves. The educational
approach to children's education Reggio Emilia, based on the reciprocal
relationship through meetings between children and adults in places of cultural
interest, guided the pedagogical documentation. The results presented are
related to educational play activities developed in archaeological sites, historical
buildings and museums throughout the year 2010, during which about 200
students aged 6-13 years were encouraged to document the insular maritime
culture.

Keywords: Child's Imagination; Insular Maritime Culture; Archipelago Fernando


de Noronha.

1
Mestre em Arqueologia, Colaboradora do Laboratório de Arqueologia de Ambientes Aquáticos
da Universidade Federal de Sergipe. E-mail para contato: cazzettam@hotmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 157

INTRODUÇÃO

A ilha é um lugar para desenhar! As representações que expõe a relação


dos marítimos com o mundo da terra tendem a valorizar o caráter marítimo.
Cenas como a pesca e a biodiversidade marinha, a navegação e os tipos de
embarcações, e os caminhos que conduzem as fortificações são repertórios que
auxiliam no entendimento sobre como as pessoas interagem e se apropriam dos
espaços “molhados”. Para analisar o “fenômeno insular”, pondera Antônio
Carlos Diegues, “[...] é necessário lançar mão de um estudo interdisciplinar,
pois este não está apenas no âmbito da geografia ou da sociologia, também
está na antropologia e na psicologia” (DIEGUES, 1999, p.50). Três são as
noções básicas: a insularidade, a ilheidade, e a maritimidade.
Segundo Joel Bonnemaison (1991), a noção de insularidade refere-se a
um objeto espacial. A ilha possui uma forma geográfica que foi gerada por
uma descontinuidade física resultando no isolamento da terra ou continentes.
Ela pode ser medida pelos indicadores de tamanho, distância, compacidade;
assim como, pelos atributos físicos, critérios socioeconômicos resultantes do
isolamento, dentre outros. Nessa perspectiva, a insularidade refere-se à
identidade cultural do ilhéu diferenciada do continental, resultante das práticas
econômicas e sociais em um espaço limitado, cercado pelo oceano.
Abraham Moles (1982), psicólogo do espaço, definiu o termo
nissonologie (ciência das ilhas) e d’îléité (ilheidade). Segundo o autor, algumas
ilhas são mais ilhas do que outras: há uma escala d’ileíte que define uma
ordem de insularidade. O tamanho da ilha tem um papel, mas não
exclusivamente. A análise de Moles, mais psicológica do que geográfica, expõe
a questão sobre a abordagem comparativa de insularidade e ileíte.O autor
propõe uma análise psicológica para observar a interação estabelecida entre o
comportamento das pessoas e o contexto ambiental: nesse caso, o espaço
insular em que se encontram localizados. Essa análise fenomenológica do
comportamento é, por um lado, uma espécie de psicanálise do espaço. Moles
(1982) sugere que a forma geográfica particular do mundo em que vivemos
implica necessariamente em um impacto a respeito da nossa percepção sobre
2o Seminário brasileiro de museologia • 158

ele, e que existem estruturas no espaço topológico que são avaliadas


positivamente ou negativamente.
Conforme Diegues (1999, p. 51), a ilheidade é um neologismo de
origem francesa utilizada para designar as representações simbólicas e
imagens decorrentes da insularidade e que se expressam por mitos fundadores
das sociedades insulares e lendas que explicam formas de conduta e
comportamento. Os arqueólogos Arie Boomert e Alistair Bright (2007), por sua
vez, consideram que as possibilidades interpretativas sobre esses ambientes, se
ampliam ao se estabelecer uma arqueologia de identidade marítima, ou seja,
quando se busca compreender a interação entre grupos de pessoas para o
desenvolvimento cultural tanto na Ilha ou Arquipélago como na porção costeira
do Continente, enquanto ambientes marítimos em que as sociedades humanas
estão unidas pelo mar, tanto no sentido econômico, mas também social,
político e religioso.
Na gestão (2007-2012) do Gabinete de Arqueologia do Distrito Estadual
de Fernando de Noronha, a educação pelo e para o patrimônio assumiu o
desafio de incrementar o uso de equipamentos turístico-culturais para ações
pedagógicas no campo da educação patrimonial. Das experiências vivenciadas
percebi mudanças no meu modo de pensar e agir. As crianças me revelaram
uma face da cultura local até então desconhecida, invisível. Aprendi com eles
que existem culturas infantis e que esses repertórios culturais, encarnados de
maritimidade compõem a cultura de Fernando de Noronha.
Até então, as experiências no campo da educação patrimonial ao longo
do período 2000-2007, e a reflexão sobre os resultados alcançados e as
dificuldades encontradas havia me conduzido para a vontade de construção do
Projeto de Educação Patrimonial da Escola Arquipélago em conjunto com o
corpo docente e os representantes dos museus locais (CAZZETTA, 2008). A
Escola de Referência Arquipélago Fernando de Noronha faz parte da GERE
Recife Norte da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco e funciona
nos três turnos, atendendo população residente no ensino fundamental, médio
supletivo e aluno especial. Possui cerca de 570 alunos matriculados, o que
representa 98% de jovens que estão em processo de formação escolar, e uma
2o Seminário brasileiro de museologia • 159

parcela significativa da população que se estima seja de 3.200 moradores,


segundo dados do IBGE.
A partir de 2009, o Gabinete de Arqueologia passou a incrementar sua
tarefa de sensibilização de moradores, visitantes e gestores públicos acerca da
extensão do conceito de patrimônio que permeia a prática da arqueologia
pública. Nessa perspectiva, propus e defendi na I Conferência Distrital de
Educação a proposta de formação (inicial e continuada) e habilitação de
professores e demais profissionais para educação patrimonial e áreas afins,
propiciando a elaboração e desenvolvimento de propostas pedagógicas e
materiais didático-pedagógicos coerentes com a realidade marítima insular e
projetos de sustentabilidade.
O desenvolvimento de ações de valorização cultural e científica quer
através da dinamização de espaços museológicos já existentes, quer através da
valorização de outros componentes históricos, arqueológicos e ambientais, por
meio do tema transversal Arqueologia Insular foi ressaltada. Bem como,
possíveis iniciativas conjuntas na área de capacitação profissionalizante de
jovens e adultos em arqueologia e patrimônio; e, turismo cultural e científico.
Visando estimular a interface da educação ambiental e patrimonial com a
arqueologia insular e história local, argumentei da necessidade de assegurar o
conhecimento sobre as concepções de desenvolvimento sustentável que
permeiam as políticas ambientais implantadas no Arquipélago de Fernando de
Noronha ao longo do processo de formulação e implementação de políticas
ambientais no Brasil (regulatórias, estruturadoras e as indutoras de
comportamento), de forma a inserir outras abordagens na interpretação da
história recente do Arquipélago.
Para tal, destaquei a necessidade de retomar e criar linhas de pesquisa
que promovam a interdisciplinaridade das áreas de conhecimento afins ao
campo do patrimônio cultural e ambiental, com o objetivo de conhecer as
características do universo patrimonial do território insular; e consolidar bases
de pesquisa com vistas à produção de conhecimento sobre a cultura local.
2o Seminário brasileiro de museologia • 160

Foi nesse contexto que o Projeto de Educação Patrimonial da Escola


Arquipélago: a musealização do imaginário infantil sobre o patrimônio insular,
passou a fazer parte do Programa de Educação Patrimonial do Gabinete de
Arqueologia no âmbito da educação formal, adotando como missão a
construção de um processo museal para o ensino fundamental, com vistas à
consolidação do capital social da comunidade escolar.
Partindo da hipótese de que os habitantes de Fernando de Noronha, em
particular as crianças, estão em contato direto com a paisagem marítima e que
esta não é percebida como um elemento exterior, muito pelo contrário, que ela
está incorporada (encarnada, corporificada) na cultura e no cotidiano; a

identificação das perspectivas das crianças acerca do mesmo, implica


reconhecer a agência da criança nas relações sociais das quais ela participa, e,
portanto, construtora da própria cultura.

ABORDAGEM APLICADA

Compreendendo que o desenvolvimento de um processo museal que


reconhece a natureza do público a que se destina, procura adequar à estratégia
de ação, busquei incorporar à proposta, as Orientações Teóricas Metodológicas
concebidas a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental (BRASIL, 1997). Para desencadear o processo, a proposta foi
apoiada, preliminarmente, em três bases mestras de planejamento:

Ø Respeito ao mundo simbólico infantil;

Ø Definição de uma metodologia de trabalho com a participação da


comunidade escolar e instituições com processos museais existentes e em
construção;

Ø Consolidação do eixo do processo museológico a partir da ideia de


“vivências culturais”, experimentadas e documentadas nas ações
pedagógicas.

Considerando que o sujeito do processo museológico detém um


repertório de sinais, imagens e símbolos que são elaborações pessoais, mas
2o Seminário brasileiro de museologia • 161

também indicadores da dimensão cultural do grupo a que pertencem: alunos do


ensino fundamental em estado de formação integral para a diversidade; o
reconhecimento da cultura infantil do desenho foi uma das estratégias
adotadas. Diante da abrangência das culturas infantis, Neusa Gusmão (1999)
chama a atenção que na cultura infantil do desenho, o importante é que ela
seja resultado de uma situação excepcional, um índice pessoal que é desvelado
no evento de encontro do objeto-paisagem-pessoa. Logo, para provocar no
público alvo da ação sentimentos de surpresa e curiosidade, o processo
desenvolvido no ano de 2010/2011 se deu em quatro etapas: visita aos museus
na Semana Nacional dos Museus; produção de material de apoio à sala de
aula; produção textual de gêneros literários ilustrados, protagonizados em
Fernando de Noronha; visita ao canteiro de escavação arqueológica na Vila dos
Remédios.
Frequentar espaços públicos detentores de informações, em grupo da
mesma faixa etária, é um convite à descoberta do mundo e a construção dessas
novas impressões e imagens sobre o ambiente de seu entorno. Para além da
dimensão cognitiva, a dimensão corporal, emocional, cultural, imaginativa, que
envolvem as interações entre o grupo com os adultos, dos adultos com as
crianças e das crianças entre elas mesmas, promovem experiências plurais
compartilhadas que propiciam a condução de um processo comunicacional rico
de significados. Nesse sentido, considerei os parâmetros da Pedagogia da
Escuta formulada pelo educador italiano Loris Malaguzzi (EDWARDS; GANDINI,
2002) e da Documentação Pedagógica promovida pela abordagem Reggio
Emilia para a educação infantil (RINALDI, 1999) na condução do processo
museológico.
Compreender a lógica da aprendizagem da criança por meio da escuta
recíproca na relação ensino-aprendizagem, e pela participação interativa na
rede de comunicação e encontros que são promovidos, sugere a necessidade de
flexibilidade e reflexão constante considerando às recriações durante o processo
de interpretação dos significados. De acordo com essa abordagem, se protege
a originalidade e a subjetividade diante das possibilidades que são oferecidas
2o Seminário brasileiro de museologia • 162

como situações especiais que demandam trabalho cooperativo de criação


(RINALDI, 1999, p.114). Fazendo uso da observação, a dinâmica da
documentação pedagógica é produzida durante os encontros e organizada de
acordo com a sequência de fotografias de uma determinada situação. Nesse
processo também são apreendidas as falas das crianças, e a escrita
interpretativa do mediador. A exposição e apreciação coletiva da documentação
auxiliam no processo de ressignificação do que foi realizado e produzido.
No que concerne à efetivação da proposta de coesão, considerei que
esse e os demais processos museais existentes no Arquipélago de Fernando de
Noronha deveriam estar em estreita sintonia com as especificidades do
ambiente marítimo e insular, e atuar em função das suas necessidades, com o
objetivo de contribuir para a solução de uma determinada problemática
percebida na dinâmica sociocultural. Portanto, visava desempenhar as três
funções fundamentais da Museologia, quais sejam, educativa, científica e social,
em concordância com o Projeto Político Pedagógico da Escola Arquipélago que
se encontrava em construção.

ETAPAS DO PROCESSO

1ª etapa: Visita aos museus na Semana Nacional dos Museus

O objetivo da primeira etapa foi o de sensibilizar e motivar os alunos


para a temática musealização dos acervos naturais e culturais, levando-os a
partilhar conhecimentos, emoções e valores que estimulam uma aproximação
crítica e criativa à cultura preservacionista contemporânea, e potenciando a
fruição dos espaços museais como pontos de trocas culturais.
Nessa etapa da ação museológica, 200 alunos visitaram um sítio
arqueológico e três projetos museais constituídos na Ilha principal, e nessa
oportunidade desenvolveram atividades lúdicas e de aprendizagem. A saber:
2o Seminário brasileiro de museologia • 163

Ø Observação, contemplação e apreciação da museografia aplicada nos


projetos museais do Museu da Energia da CELPE, Museu Aberto das
Tartarugas Marinhas e Museu dos Tubarões, com a identificação dos
objetos, sua função e significado, e desenvolvimento da percepção visual
e simbólica;

Ø Registro do que foi percebido, após observação acurada e análise crítica,


a fim de desenvolver a memória, pensamento lógico, intuitivo e
operacional;

Ø Percepção espacial do entorno dos museus, com a finalidade de ampliar


os horizontes, e se predispor à apropriação e valorização do existente.

Nesse processo de facilitação se estabeleceu a troca entre o maravilhoso


e o instrutivo, e se promoveu a abordagem para a identificação e valorização
dos componentes do patrimônio cultural e natural insular por meio de técnicas
de percepção que tornam mais viável a detecção dos estímulos presentes no
ambiente visitado.

Fig.1: Alunos do 2° Ano em visita ao Memorial da Energia da CELPE. Momento de indagação sobre o
conteúdo expositivo na roda de conversa.
2o Seminário brasileiro de museologia • 164

Fig.2: Alunos do 1° Ano Museu Aberto das Tartarugas diante das réplicas de tartarugas recém-saídas de
um ninho na praia.

Fig.3: Representação do Museu Aberto das Tartarugas Marinhas aluno do 4º ano (de 9 a 12 anos).

Fig.4: Alunos do 5° Ano (de 10 a 13 anos)recebendo noções básicos sobre a direção do vento e o uso da
“biruta” e da bússola
2o Seminário brasileiro de museologia • 165

Fig.5: Identificação de tijolos holandeses na alvenaria de pedra portuguesa do século XVIII na Fortaleza
Nossa Senhora dos Remédios.

Fig.6: “[...] Campo Arqueológico de Fernando de Noronha. Sem museu minha vida é um tédio. Eu não
consigo viver sem os museus!![...]” (Ila, 9 anos)
2o Seminário brasileiro de museologia • 166

2ª etapa: Produção de material de apoio à sala de aula

Nessa etapa o eixo norteador das ações empreendidas foi o de criar uma
identidade visual da proposta de iniciação científica para o patrimônio, por
meio de uma mascote. Essa é a protagonista das histórias criadas, que aborda
questões sociais como resgate de valores, e o cuidado com o meio ambiente e
com o outro.
A ilustração da mascote Mabunina elaborada pelo ilustrador Pedro Ponzo
foi apresentada aos alunos das séries iniciais por meio de uma apresentação
em power point dos registros fotográficos colhidos durante as visitas aos
museus, e as imagens de desenhos produzidos pelos alunos após a atividade de
campo que retratam nuances desse percurso. Com essa ferramenta se desejou
rememorar a experiência vivida coletivamente e destacar alguns aspectos do
circuito expositivo para, em seguida, e a convite da mascote Mabunina,instigar
os alunos a participarem como colaboradores da montagem da exposição
Lembranças e Descobertas.
Ao todo foram produzidos seis (06) power point de caráter lúdico e
educativo, para distribuição gratuita aos alunos e professores participantes do
projeto. Com essa ação, se previu a disseminação de conceitos e atitudes para
outros públicos e gerações além do infantil, composto pelos membros da família
e amigos.
Para auxiliar nesse processo de rememoração e promover a participação
em outras experiências expositivas, os alunos do 1º Ano do ensino médio de
tempo integral colaboraram enquanto monitores. Previamente, lhes foi narrada
à experiência vivenciada com os alunos das séries iniciais por ocasião da
celebração da VIII Semana Nacional dos Museus. Na sequência, lhes foi
apresentado o material confeccionado em power point com as fotos da visita
aos museus de uma das turmas, e exposto os objetivos que o projeto didático
Monitoria para Montagem da Exposição Lembranças e Descobertas,
especialmente elaborado para a disciplina de História da Cultura
Pernambucana do 1º ano do ensino médio,visou alcançar.
2o Seminário brasileiro de museologia • 167

Nessa oportunidade, foi ressaltado para os alunos do ensino médio que


a postura aluno-professor passaria a assumir uma nova face, a de aluno
monitor e a de professor orientador. Nesse contexto, coube ao monitor agir
como um mediador, e dessa forma descobrir a lógica do pensar do público alvo
da exposição a ser montada. Como primeiro passo, foi necessário conhecer o
público alvo da exposição: os alunos das séries iniciais. A estratégia utilizada foi
a de dividirem-se em duplas para cada qual assumir a monitoria de uma das
nove turmas do ensino fundamental I.

Na sequência, os alunos monitores foram convocados para colaborarem


na coleta de dados para adequação do produto de rememoração elaborado (a
apresentação em power point sobre a visita aos museus), ao nível cognitivo de
cada turma. A oportunidade escolhida para essa apreensão de dados foi
durante os encontros de construção conjunta com os pequenos alunos do ensino
fundamental, ocorridos no período de 31 de agosto a 09 de setembro de 2010.

A sequência didática adotada objetivou a leitura dos “balões” por parte


das monitoras, cada uma adotando um protagonista da história. Fiquei
responsável pelo papel de narradora enquanto uma das professoras era a
protagonista da vez no processo de leitura dos “balões”. Coube a uma das
monitoras o registro das observações externadas pelo público em geral, ora
para expressar dúvida ou esclarecimento sobre alguma situação que fora vivida
e naquele momento projetada; ou ainda, sentimentos que os envolviam durante
a projeção. Para completar o registro, as monitoras se revezaram para fazer uso
da máquina digital de fotografia.

Na busca de dados sobre o público alvo e a receptividade do mesmo


para com a proposta de construção de uma história em quadrinho no power
point sobre a visita aos museus, foram definidas as habilidades do ensino
aprendizagem para subsidiar o processo de avaliação.

No âmbito dos comportamentos observados, as atitudes relativas à


atenção durante a aula e o interesse pela atividade foram nitidamente
constatadas como positivas, demonstrando que os alunos do fundamental I
compreenderam que aquele momento era de construção de algo que os
2o Seminário brasileiro de museologia • 168

agrada, não havendo ansiedade em obter o produto final e sim de colaborar. A


auto avaliação realizada pelas monitoras destacaram a dificuldade em interagir
como contadoras de histórias para os pequenos, mas demonstraram interesse
em criar outras formas de atuação.

Fig.7: A personagem Mabunina se apresentando no início do texto “História e histórias de


Fernando de Noronha”.

Fig.8: A personagem Mabunina como protagonista em uma história acerca das formas planas,
conteúdo matemático.
2o Seminário brasileiro de museologia • 169

Essa etapa constou de três momentos para o seu desenvolvimento:


decomposição dos desenhos elaborados pelos alunos, produção textual de
histórias protagonizadas em Fernando de Noronha, e confecção de historietas
no power point em formato de histórias legendadas visando publicação futura
em formato brochura. Essa produção se deu em diferentes gêneros literários,
adotando noções chaves (reconhecimento, valorização, registro e preservação),
conceitos (cultura, identidade, valor história, memória, patrimônio), cenários e
componentes pictóricos infantis previamente arranjados em função das
habilidades definidas na Matriz de Habilidades (BARONI, sd) do ensino
fundamental I e nas orientações da Secretaria Estadual de Educação, de acordo
com as Orientações Teóricas Metodológicas.
No encontro inicial para desenrolar a ação foi utilizado, como dinâmica
em sala de aula, um baú para provocar curiosidade e promover a participação
entre alunos. Essa foi à faísca que mobilizou o interesse; e, por meio de objetos,
textos, e figuras diversas, provocou indagações sobre um tema específico,
previamente pensado para ser trabalhado em aula. Só então se pôde esboçar
um plano de produção textual para valorizar os atributos naturais e culturais
característicos do ambiente insular de Fernando de Noronha, respeitando as
especificidades de cada faixa etária, sem simplificar as noções básicas e os
conceitos definidos previamente, e as expectativas e interesses dos alunos. Para
auxiliar na avaliação da etapa, foram elencadas as habilidades a serem
trabalhadas em cada série.

4ª etapa: Visita ao Canteiro de Escavação Arqueológica na Vila dos Remédios.

Ao trabalhar com a noção de Campo Arqueológico como ambiente-lugar


das ações pedagógicas do processo museológico do imaginário infantil sobre o
patrimônio insular, buscou-se levar as pessoas e grupos que visitaram o canteiro
de escavação arqueológica a usufruir de uma experiência diferente do seu
ambiente de aprendizagem habitual. As indagações surgidas em campo foram
muitas e suscitaram oportunidades de troca e conhecimento de conteúdos
escolares diversos, mas sob uma abordagem diferente, onde os alunos foram
protagonistas do processo de aprendizagem.
2o Seminário brasileiro de museologia • 170

Os propósitos foram muitos. Inicialmente, incentivar o aluno visitante a


envolver-se ativamente num canteiro de obras, conhecendo as ferramentas e os
equipamentos necessários para a segurança do trabalhador numa obra de
engenharia e arqueologia. Noções de segurança no trabalho podem ser
retrabalhadas em sala de aula voltadas para o contexto escolar e familiar.
A postura de um aluno visitante em uma obra com escavação
arqueológica também foi explorada. Além do uso de capacete, os alunos
seguiram em grupos previamente divididos por um circuito de visitação
orientado pelo mediador: eu, a arqueóloga. No sítio arqueológico do antigo
Armazém de Cereais, eles foram conduzidos a entrarem pelo local original da
porta e a se aproximarem do local da antiga janela para dela, observar a rua e
exercitar a observação do entorno. Percebi que assim, uma criança que visita a
escavação arqueológica tem um entendimento dos vestígios expostos distinto
daquele percebido no museu edifício, pois o processo expositivo está em
andamento, o que exige do mediador sensibilidade para dialogar e orientar o
circuito de visitação a partir do ponto de vista da criança em processo de
descoberta sensorial.
As indagações não cessaram, ao contrário, aumentaram na mesma
proporção em que ampliava a percepção do existente. E pela rememoração de
falas assimiladas em casa, constatações foram enunciadas. Conclui que os
sentimentos aflorados quando relativizados vão se constituir em novos
elementos: vestígios do passado que são objetos de aula no presente e na
sequência dos fatos, passarão a serem imagens cristalizadas pelo
desenho-registro que começará a existir como um novo objeto de musealização.
São todos produtos da criação de um determinado tempo e espaço, e esse
mecanismo de produção imaginativa e criadora quando esclarecido ao aluno
em sala de aula, após a visita a escavação arqueológica, propiciou ao professor
o estabelecimento de relações das produções (fazeres) e suas elaborações
(modos de fazer) com o existente.
Durante a visita conduzi os alunos a descobrir sobre as diferentes
profissões dos trabalhadores envolvidos numa escavação arqueológica, o
2o Seminário brasileiro de museologia • 171

porquê de o arqueólogo registrar tudo que encontra e o que busca responder


em uma pesquisa. As tarefas, passo a passo, para se fazer uma escavação
foram esclarecidas. Sugeri às crianças a oportunidade de compreender as
etapas de uma pesquisa científica pela experiência vivida, exercitando as
percepções pessoais e preparando-os para participarem da ambiência cultural
em que vivem.
Através da simulação de uma escavação arqueológica, os alunos do 4º
ano se viram prontos para iniciarem uma pesquisa arqueológica sobre os
brinquedos e brincadeiras das crianças antigamente, e como se vestiam. Os
objetos coletados foram classificados e os dados obtidos levaram a novas
perguntas: De que eram aqueles objetos? Para que serviam? Como eram
usados? Como viviam seus donos? Quem os fez? Quando foi feito? Por que
eles estão ali? Ficou compreendido que, pesquisar o máximo de informações
sobre os objetos e sobre a sociedade que os utilizou é uma das etapas do
trabalho do arqueólogo.
Novas buscas em campo revelaram outras construções antigas, como o
portão do antigo jardim de aclimatação, a ponte em arco de pedra da estrada
antiga do porto e a Fortaleza Nossa Senhora dos Remédios. Aos poucos a
distribuição espacial dos edifícios antigos passou a fazer sentido.
Em 2011, retomei as visitas ao canteiro de escavações arqueológicas e os
alunos recém-ingressos no ensino fundamental I participaram da sua primeira
aula de campo; divididos em grupos: o círculo, o quadrado, o triângulo, e o
retângulo. A retomada das noções básicas sobre as figuras planas foi aplicada.
Juntos, identificamos na escavação e no entorno, formas geradas nas figuras
planas: círculo no óculo da Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, quadrado
nas janelas dos prédios e retângulo nas portas. Como diz Vygotsky: “[...] a
criança se conscientiza das diferenças mais cedo do que das semelhanças, não
porque as diferenças levam a um mau funcionamento, mas porque a percepção
da semelhança exige uma estrutura de generalização e de conceitualização
mais avançada do que a consciência da dessemelhança. ” (VYGOTSKY, 1987,
p.76). Daí a importância do exercício constante da observação seguido da
2o Seminário brasileiro de museologia • 172

identificação para ajudar os alunos a perceber as qualidades formais e a


apreender o conjunto dos elementos materiais que fazem parte do cotidiano
local.
Com o uso de um flipchart e cadeirinhas plásticas dispostas na área de
escavação do antigo Armazém de Cereais, as situações reais e significativas da
pesquisa serviram de estímulo para a identificação do número de portas e
janelas do antigo Armazém a partir da visualização das fotografias antigas e na
constatação das evidências em campo. Por meio de uma tabela,
estabeleceram-se correlações entre data da foto (ano) e número de portas e
janelas existentes em cada período até o prédio atingir o estado de ruína e, no
momento atual, ser objeto de pesquisa arqueológica. O aspecto priorizado
inicialmente foi criar uma situação de aprendizagem que proporcionasse ao
aluno aplicar habilidades em situação de resolução de problema em que
reconheça e utilize o sistema decimal num cálculo oral, e avance no seu nível
cognitivo de observação e apreensão da mudança:transformação do objeto de
análise, no tempo histórico.
O entendimento das grandezas (área e perímetro) aplicado no momento
da abertura de um corte arqueológico, ou ainda o volume de sedimentos
extraídos que formam um “monte” de terra é complexo num primeiro momento.
A conformação de uma trincheira ou corte visualizado na escavação e a
identificação das arestas e da base por meio de marcos de madeira
previamente pintados de branco e preto a cada 10 centímetros, auxilia o aluno
na compreensão sobre as dimensões do corte. Para reforçar o que foi
demonstrado, nova situação foi provocada diante das bases de uma estrutura
retangular localizada no bastião do Reduto Sant´Ana. Com o corpo posicionado
nas quatro extremidades, e com um dos braços estendidos para frente e outro
estendido para a lateral, formamos a configuração do que teria existido quando
as paredes da estrutura ainda estavam erguidas.
O que desejei incentivar nessa prática foi à aplicação em campo do
conteúdo trabalhado em sala de aula, e este associado a novas atividades
2o Seminário brasileiro de museologia • 173

como a arqueologia, a restauração, e a pesquisa em laboratório sobre a cultura


material. Afinal, a arqueologia e a matemática aparecem em toda parte!

Fig.9:Como se faz um corte retangular para escavação arqueológica?

Fig.10:Elaboração de uma tabela no flipchart com o número de vãos da antiga construção.

Fig.11:Registro de aluna do 1º ano após a visita ao canteiro de escavação arqueológica na Vila dos
Remédios, em dezembro de 2010
2o Seminário brasileiro de museologia • 174

Fig.12: Momento de subjetividade: Como seria a configuração das paredes da ruína descoberta? –Da
forma de um retângulo.

AVALIAÇÃO DAS ATIVIDADES

O processo museológico construído ao longo do ano letivo de

2010/2011, contou com a participação de cerca de 200 alunos do ensino

fundamental, 17 alunos do ensino médio (1º ano), 10 professoras polivalentes,

2 professores do ensino médio, 2 coordenadores pedagógicos e 4 técnicos da

Biblioteca Escolar. Além da comunidade escolar da Escola de Referência

Arquipélago, foi parceiro deste processo a equipe do Museu Aberto das

Tartarugas Marinhas, do Museu da Energia da CELPE e do Museu dos

Tubarões. Como resultado, percebi que é possível o estabelecimento de um

arranjo interinstitucional coeso com os equipamentos culturais locais, sobretudo

com a equipe do Museu Aberto das Tartarugas Marinhas e do Museu dos

Tubarões. Quiçá no futuro próximo esta forma de organização para a gestão

do patrimônio insular permitirá que uma comissão composta por representantes

de cada instituição integrante, façam a articulação entre as unidades culturais

envolvidas proporcionando, dentre outros benefícios, o desenvolvimento de

programas culturais e educativos dos museus, bibliotecas e trilhas junto à

comunidade.

Em que pese à importância do Projeto de Educação Patrimonial da


Escola Arquipélago no processo de construção da educação pelo e para o
2o Seminário brasileiro de museologia • 175

patrimônio como direito à memória, em sintonia com os marcos legais e


ordenamentos jurídicos (Constituição Federal de 1988, PNE/2001, LDB/1996,
dentre outros), percebi que a Escola de Referência Arquipélago carecia da firme
adesão do Estado e da sociedade civil e política no debate a cerca da
concepção, organização e implementação de um projeto pedagógico voltado à
interpretação do patrimônio insular entendendo este, como constituído de
elementos naturais e culturais que se interligam e, por conseguinte, que
necessitam de uma gestão integrada e não segmentada.
A existência de (des) harmonias no desenvolvimento da proposta com
uma parcela da gestão pública local foi sentida, sobretudo no âmbito da coesão
de esforços para o bem comum. Nem sempre os processos que promovem a
integração institucional são fáceis, pelo contrário, muitas e diversas variáveis
interferem para esta articulação: os limites da ação preservacionista e o seu
papel na dinâmica do desenvolvimento local, confrontações de ordem política,
(in) flexibilidade, vários pontos de vista, diferentes expectativas, interesses
diversos, entre outros. Contudo, o incremento desta experiência piloto e a
avaliação do trabalho que vai sendo feito através de estudos de caso tende a
minimizar as dificuldades. Dentre as dificuldades observadas algumas estão
vinculadas ao aprendizado e a operacionalidade das ações.
Quanto à cultura infantil do desenho, a necessidade de considerar as

especificidades do mundo infantil declarado pelas próprias crianças se fez

presente. Garantidos os seus direitos, as crianças passam a compreender,

contemplar, observar, criticar, transformar, expressando-se por meio de diversas

linguagens artísticas as emoções mais profundas. O essencial para o êxito desta

iniciativa está na participação da comunidade escolar em um processo ativo de

conhecimento, apropriação e valorização dos repertórios culturais de forma a

contribuir para a formação de cidadãos conscientes de suas relações

socioculturais, éticas e estéticas com as suas referências culturais, e da

importância de sua preservação como garantia do direito à memória individual

e social.
2o Seminário brasileiro de museologia • 176

Tabela 1: Avaliação da aplicação das atividades.

Aprendizado Operacionalidade das Ações

Criar e gerar documentação digital dos Adquirir equipamento de informática, mobiliário de


desenhos, textos e objetos criados pelos apoio e constituir um espaço próprio para as
alunos. atividades de educação patrimonial.

Gerar ambientes de acolhimento nos espaços Adquirir mobiliário apropriado ao público infantil e
onde as atividades serão empreendidas. climatizar ambiente.

Estabelecer as relações das produções Adquirir material para projetos expográficos voltados
(fazeres) e suas elaborações (modos de fazer) ao público infantil.
para reforçar a produção imaginativa e
criadora dos alunos.

Apreender testemunhos dos participantes Adquirir equipamento de vídeo e fotografia digital


durante a vivência nos sítios históricos, para o projeto; e qualificar alunos monitores para seu
museus e trilhas. uso.

Estabelecer regras para serem cumpridas em Garantir recursos financeiros para alunos monitores,
cada etapa do projeto: tentar persistir quando professores orientadores, oficineiros e demais
surgirem dificuldades, não abandonar o profissionais envolvidos para a plena realização das
projeto, tentar verbalizar o incômodo, aprender etapas: coordenador pedagógico, psicólogo, arte
a viver no coletivo. ducador.

Trabalhar conteúdos sobre embalagens Criar um kit-lanche para atividades de campo com
descartáveis e sua reutilização, e sobre o alimentos saudáveis e embalagens ecologicamente
desperdício e o consumo de forma informal corretas. E um kit de primeiros socorros.
durante o momento do lanche.assim como
práticas de segurança.

Realizar uma dinâmica em grupo para se Adquirir materiais de apoio para relaxamento e
restabelecerem no retorno do recreio, na saída alongamento.
e chegada de campo.

Realizar atividades de dramatização das Adquirir e confeccionar vestimentas, acessórios e


temáticas trabalhadas. cenários para contextos históricos diversos.

Garantir o êxito das atividades de campo Criar, produzir e adquirir material de apoio
considerando as habilidades do ensino pedagógico aos trabalhos de campo e
aprendizagem para cada série/ano. laboratório:diário de campo, tarjetas, mapas, cartela
sobre as plantas, animais e edifícios históricos da
ilha, escala métrica, bússola, escala do tempo, rosa
dos ventos, réplicas, maquetes,maletas
pedagógicas, banners,marcos de madeiras pintados
2o Seminário brasileiro de museologia • 177

Trabalhar principalmente os descritores que os Produzir e publicar material paradidático em conjunto


alunos encontram dificuldades durante as com os professores e adquirir livros/videos de apoio
atividades pedagógicas pelo patrimônio. para a biblioteca escolar.

Conhecer os conteúdos ensinados em cada Despender um tempo previamente junto ao grupo de


classe para o êxito da elaboração de um vídeo monitores para melhor planejar e ensaiar a atuação
sobre as vivências experimentadas, de caráter de cada membro durante o encontro.
lúdico e didático.

Publicizar o processo desenvolvido visando a Estabelecer ações de letramento digital para alunos,
participação de novos agentes por meio do monitores, e demais participantes do projeto, com
portal destinado ao monitoramento posterior oficinas de conteúdo afins as ações do
participativo. projeto.

Referências

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-Série Inicial à 4ª Série. Instituto Ayrton Senna, s/d.

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2o Seminário brasileiro de museologia • 178

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2o Seminário brasileiro de museologia • 179

MUSEOLOGIA SOCIAL: INTERFACES ENTRE EDUCAÇÃO INTEGRAL,


EDUCAÇÃO MUSEAL E FORMA ESCOLAR.

Manuela Dias Melo1

Resumo
O conceito de Museologia Social, se coloca como alternativa, para cobrir os
novos tipos de representações das formas de fazer museus. Assim, os espaços
museais passam a funcionar como dispositivos de reconstrução contemporânea
de experiência democrática; fundamentada, em uma perspectiva de Educação
Integral. Desse modo, a Educação Museal torna-se um importante dispositivo
comunicacional. No entanto, no âmbito das políticas públicas, ou dos
movimentos sociais, a compreensão de Educação Museal, parece estar distante
de uma visão de educação integral, com o predomínio de uma forma escolar;
fenômeno que caracteriza um processo de escolarização de outros
espaços/relações, e provoca um borramento das fronteiras entre educação e
escolarização, com prejuízo à primeira. Esse estudo, pretende refletir sobre as
possibilidades da educação museal construir narrativas que se diferenciem da
proposta pela educação escolar, considerando, a aproximação, direta, entre as
ações educativas efetuadas por iniciativas de Museologia Social, com as
instituições de educação formal. A pesquisa terá um aporte teórico/
bibliográfico.

Palavras-chave: Museologia Social; Educação Integral; Educação Museal;


Educação Formal; Forma Escolar.

Abstract
The concept of Social Museology, arises as an alternative to cover new types of
representations of ways of doing museums. Thus, the museological spaces will
function as contemporary reconstruction device democratic experience; based on
a perspective of Integral Education. Thus, Education museum becomes an
important communication device. However, in the context of public policies or
social movements, the understanding of museum education, seems to be far
from a vision of integral education, with the predominance of a school form;
phenomenon featuring a schooling process of other spaces / relationships, and
causes a blurring of the boundaries between education and schooling at a loss at
first. This study aims to reflect on the possibilities of museum education construct
narratives that differentiate the proposal for school education, considering the
approach, directly between the educational activities carried out by initiatives of

1
Pedagoga, com especialização em Psicopedagogia, mestrado em educação, graduanda de
Museologia Universidade Federal de Pernambuco
2o Seminário brasileiro de museologia • 180

Social Museology, with formal educational institutions. The research will have a
theoretical / bibliographic contribution.

Key-words: Social museology; Integral education; Museum education; Formal


education; School Form

••••••••••

Educação, Museus e Museologia Social: Breve Contexto Histórico

Na Declaração do Rio de Janeiro (1958), documento, realizado pelo


Seminário Regional da UNESCO, a definição de museu já contém como uma
das suas funções, a missão educativa, e a exposição como a principal forma de
comunicação. O responsável pelo trabalho educativo em museus é o
“pedagogo do museu” ou um “serviço pedagógico, cujo chefe é ajudado por
pedagogos especializados ou não, nas diversas atividades didáticas: visitas
guiadas e outras atividades internas ou externas2”. Sobre a relação entre museu
e educação, o documento diz:

O Museu pode trazer muitos benefícios à educação. Esta importância


não deixa de crescer. Trata-se de dar à função educativa toda a
importância que merece, sem diminuir o nível da instituição, nem
colocar em perigo o cumprimento de outras finalidades não menos
essenciais: conservação física, investigação científica, deleite, etc
(ARAÚJO; BRUNO, 1995, p. 11 apud BERTELLI, 2010, 23).

A publicação do folheto intitulado “O museu Ideal”, também em 1958,


de Regina Real3, reforça a visão da Declaração do Rio, de uma concepção de
museu centrada no objeto, com a função de ilustrar os conteúdos abstratos do
ensino escolar. O folheto apresenta o trabalho educativo como um “serviço

2
Declaração do Rio de Janeiro de 1958 In: Legislação de Museus, IBRAM, 2012, p. 90.

3
Museóloga, formada pelo Curso de Museus do Museu Histórico Nacional, membro do
International Council of Museums (ICOM).
2o Seminário brasileiro de museologia • 181

complementar” dos museus, e indica que o trabalho do educativo deveria ser


feito por conservadores ou naturalistas especializados em pedagogia, com o
objetivo de: a) organizar cursos e conferências; b) orientar visitas guiadas; c) dar
atenção especial aos escolares; d) preparar gráficos, selecionar material técnico
ou reproduções para escolas e instituições congêneres. Regina aposta em uma
colaboração entre Museologia e Pedagogia. As primeiras experiências
educativas, no campo museal brasileiro, de maneira institucionalizada, estão
relacionadas a concepções pedagógicas.
A reunião de 1958 no Rio, com a finalidade de discutir a função educativa
dos museus, é considerada um marco importante no processo de transformação
das instituições museológicas na América Latina. Mas segundo Triquet (2000) é
a partir dos anos 1970, que se intensificam as problematizações sobre o eixo
educativo, em pesquisas em museus. É o encontro da Mesa-Redonda de
Santiago do Chile, ICOM, (1972), que demarca um lugar de maior
representabilidade do museu. Quando é questionado seu lugar social, e é
lançada às bases para o movimento em prol da Nova Museologia, e os
Princípios de Base do Museu Integral: “o museu integral proposto na ocasião
levava em consideração a totalidade dos problemas da sociedade, pois os
museus passam a ser compreendidos como ação e como instrumentos
dinâmicos de mudança social”. (BERTELLI, 2010, p.73).
A mesa de Santiago teve a influência do pensamento de Paulo Freire, o
educador foi convidado para comparecer ao evento, mas não pôde estar
presente. No entanto, alguns dos temas abordados na Declaração podem ser
filiados as concepções que Freire defendia como importante no cenário
educacional, como: uma educação politizada; a busca de uma liberdade, que
da voz aos “oprimidos”; a oposição entre Extensão e Comunicação, para Freire
o ato da extensão não produz conhecimento, a comunicação, em contrapartida,
seria um lugar propicio para a aprendizagem, porque permite confrontos. Paulo
Freire define o conhecimento como uma tarefa de sujeitos, não de objetos, para
Freire:
2o Seminário brasileiro de museologia • 182

Conhecer, na dimensão humana, que aqui nos interessa, qualquer


que seja o nível em que se dê, não é o ato através do qual um sujeito
transformado em objeto, recebe, dócil e passivamente, os conteúdos
que outro lhe dá ou impõe. O conhecimento pelo contrário, exige uma
presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer sua ação
tranformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante.
Implica em invenção e reinvenção. Reclama a reflexão crítica de cada
um sobre o ato mesmo de conhecer, pelo qual se reconhece
conhecendo, e ao reconhecer-se assim, percebe o “como” de seu
conhecer e os condicionamentos que está submetido seu ato. (FREIRE,
1983, P. 27)

Ainda, sobre as reformulações a respeito do papel social dos museus, A


Declaração de Québec, 1984, inaugura uma preocupação específica e
sistemática a respeito da Nova Museologia, e estabelece as diretrizes deste
movimento, retomando questões da Mesa de Santiago. Para Mario Canova
Moutinho (1995), a Declaração de Quebec confrontou a comunidade museal
com práticas que revelavam uma museologia ativa e aberta ao diálogo. O
documento da Declaração de Quebec afirma a função social dos museus e o
caráter global de suas intervenções. De acordo com a Declaração:

A Museologia deve procurar, num mundo contemporâneo que tenta


integrar todos os meios de desenvolvimento, estender suas atribuições
e funções tradicionais de identificação, de conservação e de educação,
a práticas mais vastas que estes objetivos, para melhor inserir sua
ação naquelas ligadas ao meio humano e físico. (ARAÚJO; BRUNO,
1995, p. 30 apud BERTELLI, 2010, 24).

E a Declaração de Caracas, 1992, reforça o museu como um espaço


comunicacional. O documento de Caracas traz como função museológica
fundamental o processo de comunicação que orienta as atividades específicas
do museu, como a coleção, conservação e exibição do patrimônio cultural e
natural. Mais do que fontes de informação ou instrumentos de educação, os
museus são “espaços e meios de comunicação que servem ao estabelecimento
da interação da comunidade com o processo e com os produtos culturais”
(HORTA, 1995, p.39 apud BERTELLI, 2010, p.73). Maria de Lourdes Parreiras
Horta analisa sua relação com os demais encontros sobre museus desde o
Seminário de 1958 no Rio de Janeiro. Para ela, em 1992 os museus “procuram
‘se situar’, descobrir o seu espaço no território social em que estão inseridos, e
enfrentam as dificuldades deste processo” (HORTA, 1995, p. 34).
2o Seminário brasileiro de museologia • 183

O monólogo transforma-se em diálogo, a função pedagógica


(afirmada em 1958 no Rio de Janeiro) transforma-se em ‘missão
comprometida’, não mais com a sociedade, em termos vagos, mas
com a comunidade em que estão inseridos, ou em que buscam inserir-
se para ter alguma razão de existir (HORTA, 1995, p.34 apud
BERTELLI, 2010, 25).

A noção de museu como instrumento de desenvolvimento social; e o


surgimento de museus locais, de iniciativa comunitária, desconhecidos antes de
1972. È a noção da função social do museu, que traz a responsabilidade
política para o esses espaços. De acordo Hugues de Varine, (1995) que esteve
presente na Mesa-Redonda de Santiago, essa revisão de estatutos e a afirmação
da importância do meio ambiente na vocação dos museus, proporcionou o
surgimento da dimensão “política” no conceito de museu. Sobre a relevância da
mesa de Santiago Bertelli (2010) coloca:

Este encontro propôs mudanças substanciais como a revisão dos


estatutos e da definição dos museus; propôs maior ênfase na
cooperação internacional entre os museus; afirmou a importância do
meio ambiente na vocação dos museus. No entanto, a identificação
da dimensão política no conceito dos museus e o questionamento
sobre qual seja o papel do museu na sociedade, nortearam e deram o
tom para a mesa de Santiago do Chile no ano seguinte. Com a
diferença de ter sido realizada em país da América do Sul, no idioma
oficial espanhol e juntando museólogos e especialistas das Américas,
a mesa redonda, trouxe para o universo dos museus a preocupação
com o rumo dos museus no mundo e tentou sintetizar na noção de
museu integral todo o potencial político e social dos museus frente a
demandas sociais. (BERTELLI, 2010, p.73).

Essas modificações iniciadas na maneira de compreender o papel social


dos museus é uma condição essencial para a tentativa de integração dos
mesmos à sociedade. Essas Declarações tornaram-se norteadores das práticas
do universo museal brasileiro. E consideram que os museus podem e devem
desempenhar um papel importante na educação da comunidade. Mas foi a
partir da década de 80, que, o tema da educação veio a ser colocado, como
uma alternativa determinante no processo de preservação de bens culturais,
através de ações educativas, um referencial neste processo foi o encontro
técnico coordenado por Maria de Lourdes Horta, com a participação de
especialistas do English Heritage, da Inglaterra, realizado em 1983 pelo Museu
2o Seminário brasileiro de museologia • 184

Imperial, em Petrópolis. O primeiro programa institucionalizado e estruturado


em âmbito nacional nesta área, envolvendo escolas, cultura popular e
patrimônio foi o Projeto Interação, criado pelo Governo Federal, dentro do III
Plano Setorial para a Educação, Cultura e Desporto (1980 -1985), ele pretendia
a interação entre a educação e os contextos culturais populares4.
A década de 1980 é marcada por grandes lutas em prol de uma educação
libertadora, crítica e autônoma, em contraste a educação “bancária”,
transmissiva, que dominava a escola no Brasil. Esse período marca o
questionamento ao processo de “escolarização” do museu. A Nova Museologia
buscava espaço entre as práticas e a legitimação legal, essa corrente
posicionava-se exatamente contra as práticas tradicionais, questionava-se os
métodos, os referenciais teóricos, os conteúdos trabalhados nas ações
educativas, consideradas: descritivas, transmissivas, e atreladas ao currículo
escolar.
O Programa Nacional de Museus, instalado, em 1983, visava à
revitalização dos museus brasileiros, através do desenvolvimento de projetos
inspirados no Movimento Internacional da Nova Museologia (MINOM), que se
organizou na década de 1980. Mas as discussões sobre políticas
governamentais em museus se intensificaram nos anos 2000. Esse período,
comparado a outros, foi o mais consolidou políticas, leis e programas para a
área museal, inaugurando uma verdadeira institucionalização da questão das
políticas públicas em museus no Brasil.
O contexto atual é marcado por emergência pelo reconhecimento, de
novas identidades, que escapam, em grande medida, ao alcance das
ferramentas de análise social oferecidas pelas perspectivas tradicionais. Os
museus comunitário, de tipologia virtual ou física, como por exemplo: os museus
Indígenas, Ecomuseus, Quilombolas, os movimentos de causas LGBT, entre
outros. Essas novas constituições de museus se colocam como narrativas

4
A proposta consistia em propiciar às comunidades uma forma de participar dos processos
educacionais, de maneira que a apreensão de outros conteúdos culturais se fizesse a partir dos
valores próprios da comunidade, e a escola deveria refletir o contexto no qual estava inserida,
utilizando a própria realidade na construção dos currículos, que deveriam utilizar teatro, dança
cinema, música, artes plásticas, fotografia, desportos, museus e casas históricas, na geração de
situações de aprendizagem. (HORTA, 1983, p. 34)
2o Seminário brasileiro de museologia • 185

antagonísticas, enquanto alternativas ao que já está instituído, e faz parte do


sistema hegemônico de significação. Esses eventos tornam a noção de educação
museal mais complexa, e se faz necessário, novas problematizações.

Interfaces entre Educação Integral, Educação Museal e Forma Escolar:


O conhecimento produzido a partir da experiência escolar tornou possível
um tipo de “pedagogização” das relações sociais, uma forma escolar de
conceber os processos de aprendizagem, que se refere a uma tentativa de
tornar as ações e os sujeitos mais previsíveis, disciplinados (FOUCAULT, 1999).
Um modo de conhecimento “apartado da vida”, que pressupõe a exterioridade
do primeiro em relação à segunda. Uma maneira específica de relação com o
conhecimento, que não se pode confundir com a noção de educação no sentido
mais amplo. Na análise de Rui Canário:

A forma escola representa uma nova maneira de conceber a


aprendizagem, em ruptura com os processos de continuidade com a
experiência e de imersão social que prevaleciam anteriormente. Esta
modalidade de aprendizagem, baseada na revelação, na
cumulatividade e na exterioridade, possui autonomia própria e pode,
portanto, existir independentemente da organização e da instituição
escolar, como acontece nos nossos dias. É neste sentido que podemos
falar de uma escolarização das atividades educativas não escolares.
(CANÁRIO, 2005, p. 62).

Para Vincent; Lahire & Thin (2001, p. 15) a invenção da forma escolar se
realiza através da produção das disciplinas escolares. E essas são criadas e
institucionalizadas por meio dos currículos. Assim, falar de forma escolar como
forma de relações sociais é relaciona - lá a uma estrutura curricular. A forma
escolar é, portanto, unidade de uma configuração histórica particular, surgida
em determinadas formações sociais: "precisamos reafirmar que a forma escolar
não é estritamente confundida com a instituição escolar, nem limitada por ela,
mas é transversal em relação a diversas instituições e grupos sociais" (VINCENT;
LAHIRE & THIN, 2001, p. 46). Na análise de Flávio Brayner (2001):
O problema é com uma determinada forma, a “forma escolar”,
surgida por volta do século XVI, se impõe como um modelo
hegemônico e superior a todos os outros, um modelo que, claro, nós
achamos “natural” e universal, com sua pedagogia, seus horários,
disciplinas, manuais, espaços, etc. Modelo que se estendeu até o limite
2o Seminário brasileiro de museologia • 186

extremo da pedagogização da maioria de nossas relações sociais


(BRAYNER, 2001, p.02).

Nesse sentido, existe, portanto, uma forma escolar que não se restringe
apenas à escola, uma forma escolar que ultrapassou as paredes da escola e se
expandiu, suscitando uma sociedade “escolarizada”, gerando muitas
questões/problemáticas. Essa forma escolar para Rui Canário estabelece um
formato escolar de conceber os processos de aprendizagem. Essa nova maneira
de “construir” relações sociais, promovida pela forma escolar, afeta outros
espaços. "estabelece relações entre a forma escolar e outras formas sociais,
principalmente, políticas". (VINCENT; LAHIRE & THIN, 2001, p. 16-17). Um dos
desafios, para esse estudo, é pensar o impacto de uma forma escolar de
socialização no cenário contemporâneo. De modo mais específico, como essa
hegemonia da forma escolar afeta um espaço social como o museu.
Independente da tipologia.
Maria Célia Santos (2001), em seu texto “Museu e Educação: conceitos e
métodos” Aponta que os conteúdos transmitidos pelas escolas, ao longo dos
anos, têm privilegiado padrões de cultura importados, aplicados, sem a devida
redução social, em currículos com conteúdos impostos de cima para baixo,
dissociados da realidade dos alunos. Em nossa sociedade, prevalece à idéia da
educação escolar como “fonte de salvação”, passamos a maior parte de nossas
vidas na escola, precisamos o tempo todo de orientação, nosso projeto é muito
mais escolar do que educativo, educamos para processos seletivos, para
vestibulares, para o trabalho, não para a vida.
Para Rui Canário, a aprendizagem é um processo difuso, não formal, que
é coincidente com um sistema largo e multiforme de socialização. “Decorre
daqui que a aprendizagem ocorre em todos os cenários, o que significa que a
maior parte dos contextos educativos não são contextos escolares” (CANÁRIO,
2005, p.70). Mas no cenário atual, existe uma supervalorização do que é
aprendido nos espaços formais, no caso específico, a educação formal escolar,
em detrimento a outros espaços e maneiras de construir conhecimento.
Inclusive, a classificação das diferentes tipologias de educação, entre formal,
2o Seminário brasileiro de museologia • 187

não formal e informal, em nossa leitura apresenta certa fragilidade em seus


limites de diferenciação. Sabe-se que existe um nível de hierarquização, que não
só diferencia, mas desqualifica.

Uma característica da escolarização das atividades educativas não


escolares que demonstra sua hegemonia é a hiper valorização da educação
formal em detrimento a outras maneiras de educação. As atividades e
experiências não-escolares são colocadas como instâncias menores de
aprendizagem, ou não são consideradas importantes na construção do
conhecimento e na formação pessoal. Osmar Fávero (1980) observa que as
distinções entre educação formal e não formal, e mais recentemente informal5,
são insuficientes para explicar as diferentes formas de educação, e que essa
falta de consenso se deve basicamente à semelhança nos objetivos e
compromissos com os indivíduos. É importante sinalizar, antecipadamente, que
essa classificação, parece já estar naturalizada.
Segundo M. Lucia Bianconi e Francisco Caruso (2005), no artigo,
“Educação não-formal. Ciência e Cultura”, não existe um fechamento sobre os
limites das diferentes modalidades educacionais, que para eles podem ser
classificadas, de uma maneira geral, como:
[...] educação formal, educação não-formal e educação informal. A
educação formal pode ser resumida como aquela que está presente
no ensino escolar institucionalizado, cronologicamente gradual e
hierarquicamente estruturado, e a informal como aquela na qual
qualquer pessoa adquire e acumula conhecimentos, através de
experiência diária em casa, no trabalho e no lazer. A educação não-
formal, porém, define-se como qualquer tentativa educacional
organizada e sistemática que, normalmente, se realiza fora dos
quadros do sistema formal de ensino Posto que espaço formal de
Educação é um espaço escolar, é possível inferir que espaço não-
formal é qualquer espaço diferente da escola onde pode ocorrer uma
ação educativa. Embora pareça simples, essa definição é difícil porque

5
Museus são espaços com múltiplas dimensões, a educação museal é caracterizada como não
formal, mas os limites entre as concepções entre formal, não formal e informal tem aspectos
tênues. Não queremos dizer com isso, que escolas e museus, ou outros espaços educativos são
iguais, mas nos referimos ao modo de construir conhecimento. As diferenciações de
categorização não deveriam ser hierarquizadas. A educação que ocorre nos museus pode ser
sistematizada, através de atividades educativas intencionais, com metodologias e análises
específicas, esses dados encaixam-se na definição de educação formal.
2o Seminário brasileiro de museologia • 188

há infinitos lugares não-escolares. Qualquer lugar é espaço não-


formal de Educação? Há espaços não-formais e informais de
Educação? O que define cada um? Da mesma forma que a discussão
sobre as conceituações de Educação formal, Educação não-formal e
Educação informal estão em aberto. (BIANCONI, CARUSO, 2005, p.
18)

Existe uma centralidade atribuída à educação formal, e uma


desvalorização do que não é aprendido no espaço escolar. Assim, o que se
aprende no museu, só é considerado “válido”, importante, quando é legitimado,
tem utilidade para o que está em sala de aula. Com isso, os museus continuam
tutelados pela forma escolar. Como chama atenção Ulpiano Meneses:

Compreender que o museu e o discurso museológico são


conhecimento e por isso são uma construção, constitui o primeiro
passo para que seja realizada a crítica e, a partir dela, se desenvolva
a aprendizagem. Nesta perspectiva, o museu não é entendido como
suporte para um outro tipo educacional, como a escola, por exemplo,
mas desenvolve um programa educativo próprio. Daí o porquê dos
núcleos de educação dos museus, que têm como atividade-fim mediar
a relação entre o visitante e a exposição. O tratamento recebido pelo
objeto em exposição no museu (a seleção mental, ordenamento,
registro, interpretação e síntese cognitiva na apresentação visual)
imprime à instituição o caráter pedagógico (MENESES, 1994, p.56).

Acreditamos que aproximar as ações educativas dos museus de uma


pratica educativa escolarizada, distancia a educação museal de expor/construir
suas especificidades. Nesse contexto, não estamos afirmando que as instituições
formais de educação não podem utilizar as visitas aos museus como suporte a
algum conteúdo programático de seu currículo, transformando posteriormente a
experiência construída no museu em conteúdos e debates. Estamos colocando
em questão a problemática desses espaços só serem utilizados com essa
finalidade, como uma extensão do espaço escolar, pois a impressão que fica, é
que essa é a única dimensão possível para esses espaços, não havendo assim
uma proposta de educação estética que prepara para a fruição desses
equipamentos, aumentando as possibilidades de situações prazerosas de
construção de conhecimentos e aprendizagens.
Para Edgar Morin o conhecimento, pode ser legitimamente concebido
como produto de interações bio-antropo-socioculturais. Assim, existe um tronco
2o Seminário brasileiro de museologia • 189

comum indistinto entre conhecimento, cultura e sociedade. As práticas sociais


expressam ou comunicam um significado e, nesse sentido, são práticas de
significação. Edgar Morin (2002) faz uma tríade da relação
indivíduo/espécie/sociedade, tendo como produto a cultura, formando uma
inter-relação. “Cada um desses termos é ao mesmo tempo meio e fim: é a
cultura e a sociedade que garantem a realização dos indivíduos, e são as
interações entre indivíduos que permitem a perpetuação da cultura e a auto-
organização da sociedade” Morin (2002, p.54). De acordo com Morin:

O conhecimento está na cultura e a cultura está no conhecimento. Um


ato cognitivo individual é, ipso facto, um fenômeno cultural e todo
elemento do complexo cultural coletivo atualiza-se em um ato
cognitivo individual (...) os indivíduos só podem formar e desenvolver o
seu conhecimento no seio da cultura, a qual só ganha vida a partir
das inter- retroações cognitivas entre os indivíduos: as interações
cognitivas dos indivíduos regenera a cultura que as regenera. (MORIN,
2005, p.24).

A compreensão de Educação Integral, filiada tão fortemente a educação


formal, assemelha-se ao conceito de Educação Permanente, que surgiu a partir
de década de 1960, sob influência da Unesco, e reforça a ideia de ações
complementares ao ensino formal. A noção de Educação Integral, apesar de
propor uma formação mais humana e holística, não está descolada dos limites
e problemáticas da educação escolar. Mas essas relações não estão fixadas de
maneira instransponível.
Nossa reflexão, parte do pressuposto que existe um potencial educativo
nos museus, de qualquer tipologia, mas que essa dimensão para ser educativa,
não precisa ou deva se assemelhar à escolar. Assim, a Educação Integral
assumiria outras características, não apenas de complementar a educação
formal. A Museologia6 enquanto um modelo de construção de conhecimentos

6
A Museologia pode, assim, ser definida como o conjunto de tentativas de teorização ou de
reflexão crítica sobre o campo museal, ou ainda como a ética ou a filosofia do museal.
(Conceitos Chave da Museologia, 2013).
.143).
2o Seminário brasileiro de museologia • 190

do campo7 gera uma pergunta crucial nessa reflexão: seria o pedagógico o


melhor lugar de fala para o museu? Assim como Kramer acreditamos que:

(...) para ser educativa, a arte precisa ser arte e não arte educativa; do
mesmo modo, para ser educativo, o museu precisa ser espaço de
cultura e não um museu educativo. È na sua precípua ação cultural
que se apresenta possibilidades de ser educativo. O museu não é
lugar de se ensinar a cultura, mas, sim, lugar de cultura. (KRAMER,
1998, p. 20 apud LEITE, 2005, p. 36)

Nos projetos de colaboração entre as escolas e os museus, diante da


cultura escolar de privilegiar a avaliação de performance dos alunos, os museus
minimizam seus objetivos de sensibilização e prazer. O processo de
“escolarização do museu” se refere a um critica feita a forma de conceber o
museu como uma continuação do espaço educacional escolar. Nesse sentido:

Um dos riscos que se corre nessas atividades é o de “escolarizar” os


museus, impregnando-os com métodos e finalidades escolares,
confundindo-os e “reduzindo-os a instituições que são usadas apenas
para ilustração dos conhecimentos ministrados pela escola” (ANGELI,
1993, p. 47 apud LEITE, 2005, p. 36)

Maria Margaret Lopes (1991) aborda essa questão da escolarização, no


texto “A favor da desescolarização dos museus. Educação e Sociedade”, a
autora traz algumas implicações que o termo escolarização pode trazer para o
museu. Para Lopes o termo escolarização ganhou uma conotação pejorativa,
devido à forma como a escola, extremamente influenciada por um modelo
tradicional e tecnicista, estava sendo questionada, com seus métodos e
pressupostos distantes da realidade do aluno e de seu entorno. Essa não é uma
realidade distante do contexto atual.
Museus e escolas são importantes dispositivos de manutenção da
memória, alvo de muitas demandas e disputas de significações. Ao propor um
estudo sobre a dimensão educativa desses espaços, direta ou indiretamente
estamos propondo uma reflexão crítica sobre os desafios políticos de analisar a

7
Um espaço social conceituado como campo se apresenta à apreensão sincrônica como um
espaço estruturado de posições “cujas propriedades dependem das posições nestes espaços,
podendo ser analisadas independentemente das características de seus ocupantes (em parte
determinadas por elas)” Bourdieu (1983).
2o Seminário brasileiro de museologia • 191

educação no nosso tempo. Nilson Alves de Moraes em sua análise sobre as


relações de poder e os museus, coloca que “o Museu ganha forma, modelo
discursivo próprio e se insere num mundo em que as disputas que orientam as
políticas sociais influenciam seu cotidiano” (2010, p. 16). Para Moraes:

O Museu é uma intervenção racional, arbitrária e estratégica. O


Museu também conhece uma profunda transição. O Museu é
responsável pela formulação de valores e sentidos sobre algo, alguém,
algum processo. Segundo Scheiner (1994), o Museu é resultado direto
de uma produção, seleção articulação, veiculação e ressignificação de
processos selecionados de lembranças e esquecimentos dos sujeitos,
grupos sociais, instituições e projetos sociais. Pelo que é veiculado no
museu, os atores, os grupos sociais, as instituições e os projetos sociais
falam, expressam identidades, diferenças, redes que os articulam,
alianças e estratégias de suas ações e discursos. O Museu oferece
visibilidade para situações e contextos que não são necessariamente
explícitos. (MORAES, 2010, p. 17)

Considerações Finais

O social é marcado por uma descontinuidade entre a sociedade como um


todo e o pluralismo dos agentes sociais. De acordo com Sá Barreto: “assim, em
espaços pós-coloniais – e podemos, nesse sentido, tomar o caso brasileiro como
exemplo-, há enormes discrepâncias entre a apresentação do memorável
institucionalizado e a compreensão popular de seus significados.” (SÁ BARRETO,
2011). È importante considerar, nesse sentido, o fato de que o julgamento
estético é estruturado em uma lógica de dominação de classes.
Para Jacques Rancière: “o cidadão, segundo Aristóteles, é aquele que toma
parte no ato de governar e de ser governado. Mas uma outra forma de partilhar
precede esta tomar parte: a que determina quem vai tomar parte”. (RANCIÈRE,
2010, p 13). Em sua análise, sobre a aquisição dos diferentes tipos de capital,
Pierre Bourdieu (1989) coloca que, quanto mais ou menos “capital” for
mobilizado, serão estabelecidos diferentes graus de apropriação desse “capital”.
Para Bourdieu “o volume do capital que um agente individual possui depende
então da extensão da rede de relações que ele pode efetivamente mobilizar e
2o Seminário brasileiro de museologia • 192

do volume de capital (econômico, cultural e simbólico) que é posse exclusiva de


cada um daqueles a quem está ligado”. (BOURDIEU, 1989, p. 67).
Os museus em sua concepção inicial foram espaços voltados à aquisição
de um capital cultural restrito, freqüentar museus explicitava um acumulo de
experiência sensível, simbolizava um gosto estético diferenciado, por isso
mesmo, elitizado. Pois a partilha do sensível é feita por quem faz os recortes, e
esses não são feitos com neutralidade: “um animal que fala é segundo
Aristóteles, um animal político. No entanto, embora o escravo compreenda a
linguagem, ele não a possui. Os artesão, diz-nos platão, não se podem ocupar
de assuntos comuns, porque não têm tempo para se consagrar a outra coisa
que não seja o seu próprio trabalho”. (RANCIÈRE, 2010, p 13).

A partilha do sensível dá a ver quem pode tomar no comum em


função daquilo que faz, do tempo e do espaço em que essa atividade
se exerce. Ter esta ou aquela ocupação define assim a competência ou
a incompetência relativamente ao comum. (RANCIÈRE, 2010, p 14)

A apropriação diferenciada de capital é uma das maneiras de marcar


desigualdades sociais. Apesar da abertura dos museus ao grande público e da
tentativa de educar a partir dos museus, esses espaços mais tradicionais
preservam um afastamento da população. As múltiplas questões que sublinham
o cenário museal brasileiro estão intimamente relacionadas configurações do
social, que não é marcado por uma linearidade, mas pela emergência de
contradições. As novas apropriações do fazer museu disputam sentidos no
campo museal. De acordo com Bruno: “refletir sobre os museus e suas distintas
inserções sociais significa, ainda tocar nas questões que são esquecidas, no
imenso universo dos valores que são excluídos, na partilha dos sentidos e
significados e na eficácia da amnésia cultural (2006, p.17).
As narrativas produzidas em diferentes espaços negociam sua existência,
sentidos e transformações na lógica das lutas e hegemonias. “intervenções
produzidas por sujeitos cuja identidade também não é dada a priori por
nenhuma estrutura. Num tal quadro, a discussão sobre hegemonia é, portanto,
também uma discussão sobre a constituição do sujeito e de sua agência”
2o Seminário brasileiro de museologia • 193

(MACEDO, 2008, p. 41). No caso dos modelos liberais formais de democracia,


nas sociedades capitalistas contemporâneas, o efeito político da escola é feito
pelo viés da subjetivação, através de uma noção de indivíduo
“desterritorializado”. Nesse contexto, o sentido político da hegemonia da forma
escolar, está ligado à instituição escolar enquanto um dispositivo de subjetivação
que funciona como uma "máquina de cidadãos" – como chama atenção
Canário (2005), isso, em articulação com outras formas, como coloca Vicent,
Lahire e Thin (2001).
Para Boaventura de Souza Santos, as identificações “são dominadas pela
obsessão da diferença e pela hierarquia das distinções” (BOAVENTURA, 1993,
p. 31). O autor chama atenção para as “referências hegemônicas” que
legitimam a posição de “outro”, criando, simultaneamente, uma relação de
carência/subordinação. Pois quem pergunta pela identidade questiona essas
referências hegemônicas. A instituição escolar ajuda a criar essas distinções. A
subjetividade, do outro é negada, por não pertencer a uma subjetividade
hegemônica, sendo produzida assim uma “administração do diferente”.
O papel social dos museus é educativo. Com isso, o tema da educação
museal mostra-se propício a novos olhares e discussões. Ao refletir sobre as
possibilidades da educação museal construir narrativas que se diferenciem da
proposta pela educação escolar, acreditamos que a maioria dos discursos,
reforçarem a ideia do museu como complementar da educação formal. No
entanto, paralelamente, eles abrem algumas fissuras, para uma concepção
mais integral de educação, com isso, aproximam a educação não formal e
informal. Essa noção de educação promove o museu como espaço educativo,
com caráter próprio e diferenciado da escola, organizado como sistema aberto
de educação. O que amplia os elementos para compreensão dos museus como
espaços de aprendizagem e representação do social; e as possibilidades dos
mesmos, atuarem enquanto dispositivos de re-construção da experiência
democrática, no cenário contemporâneo, como uma nova política de
representação identitária da Museologia Social.
2o Seminário brasileiro de museologia • 194

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gt 17 • Educação em Museus

Profa.ª me. mariana ratts (museu do homem do


nordeste) e Profa. me.ª Eliene Magalhães
(Museu da Imagem e do Som do Ceará)

A educação em museus tem como característica um trabalho de perspecti-


va interdisciplinar, laboratorial, com ausência de um currículo padronizado,
onde a produção de conhecimento é empírica. A transmissão de conheci-
mento, a xação dos tempos, sequencialidades e outras etapas referentes à
funcionalidade do sistema de ensino formal acontecem no museu com uma
organização própria, independente dos direcionamentos ditos ociais.

Entretanto, há aspectos teóricos e metodológicos norteadores de suas prá-


ticas educativas, os quais vêm sendo evidenciadas e se consolidando à me-
dida que o campo vem se articulando politicamente.

Este Grupo de Trabalho contempla discussões sobre práticas educativas


em museus, as bases conceituais e metodológicas no desenvolvimento das
ações e de políticas educacionais em museus, tendo em vista as concepções
de Museu, Museologia e Educação seguidas.
2o Seminário brasileiro de museologia • 197

REFLEXÃO E DESDOBRAMENTOS: A FORMAÇÃO DOS EDUCADORES DA


GALERIA JANETE COSTA PARA A EXPOSIÇÃO “ARCAICO CONTEMPORÂNEO -
50 ANOS DE PINTURA”

Luana da Silva Rito1

Rafaela Carneiro da Silva2

Resumo
Nesta pesquisa abordaremos a formação dos mediadores da Galeria Janete
Costa para a exposição “Arcaico Contemporâneo – 50 anos de pintura”, que
apresentou parte da produção do artista Urian Agria de Souza e esteve aberta
ao público de 12 de março de 2014 a 27 de abril do mesmo ano. Trazemos a
reflexão sobre a formação dos educadores para a exposição, seus
desdobramentos, a partir das relações desenvolvidas entre o artista, os
mediadores e o público, durante o período em que estiveram imersos no
universo da produção artística de Urian. Para apoiar-nos neste trabalho
trazemos as contribuições de Barbosa (1984) (2008), Coutinho (2009),
Honorato (2013) que tratam tanto da Mediação Cultural, como da formação
dos mediadores para as exposições de arte.

Palavras-chave: Mediação Cultural; Formação dos Mediadores; Setor Educativo


de Museus e Galerias.

Abstract
In this research we’ll cover the training of mediators Janete Costa Gallery for the
exhibition "Archaic Contemporary - 50 years of painting", who presented part of
the production of the artist Urian Agria de Souza and was open to the public
from March 12, 2014 to April 27 the same year. We bring reflection on the
training of mediators for the exhibition, its consequences, from the relations
developed between the artist, the mediators and the public during the period
they were immersed in the world of artistic production Urian. To support us in
this work bring the contributions of Barbosa (1984) (2008), Coutinho (2009),
Honorato (2013) that address both the Cultural Mediation as the training of
mediators for art exhibitions.

Keywords: Cultural Mediation; Training of mediators; Education Sector Museums


and Galleries.
1
Licenciada em Artes Visuais com ênfase em Digitais (UFRPE), graduanda Bacharelado em
Museologia (UFPE), Educadora do Museu do Homem do Nordeste. E-mail:
luanarito@gmail.com
2
Licenciada em Artes Plásticas (UFPE), Assistente de Produção do Museu do Homem do
Nordeste. E-mail: rafaelacarneiro28@gmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 198

INTRODUÇÃO

Para que uma exposição das mais diversas linguagens artísticas aconteça
é necessário um período de pré-produção, também é necessário outro período
onde a produção é efetivamente realizada - vinda desde a curadoria à
montagem do projeto expográfico - e em algum ponto culmina no
planejamento das ações educativas. Por vezes, o educativo, embora visto como
o cartão de visita da instituição é deixado à margem ou por último nessas fases
de produção. Porém, são os mediadores que vão passar a maior parte do
tempo na exposição, durante o período que ela estiver aberta ao público.
O planejamento das ações educativas deve perpassar do período da
concepção ao período de montagem da exposição. Estas ações se fundam e
estruturam-se com a participação efetiva da equipe de mediadores neste
processo. Quanto a isso, Ana Mae (2008, p. 98) corrobora que: “Hoje, a
aspiração dos arte/educadores é influir positivamente no desenvolvimento
cultural dos estudantes por meio do conhecimento de arte que inclui a
potencialização da recepção crítica e a produção.”.
Por outro lado, o processo de formação dos educadores para as
exposições parece ser interrompido com o final das mesmas, trazendo-nos à
tona refletir sobre o que fica para o educador após a desmontagem e
readequação do espaço expositivo? Será que tal formação acaba ali? E foi
numa discussão levantada a partir dessas inquietações que parte do Educativo
da Galeria Janete Costa passou a conjecturar possibilidades de produções
acadêmicas acerca das experiências vivenciadas dentro da instituição no
período entre exposições.
Porém, nem sempre houve a preocupação de se planejar ações para
recepcionar o público nos espaços expositivos. Sabendo que atualmente, em
algumas instituições culturais, nem mesmo há um setor educativo. E por isso, foi
fundamental o apoio da gestão do espaço quanto à iniciativa dos educadores
em suas ações. Segundo Barbosa (2008, p. 103), “[...] No Brasil antes do lema
de “prioridade social”, muitos museus recusavam-se a sistematizar um setor
educativo.” Ainda para Barbosa (2008, p. 104), “os curadores, até então deuses
2o Seminário brasileiro de museologia • 199

dos museus, começaram a cortejar os setores educativos para fazer projetos


conjuntos e, assim, aproveitar as gordas verbas para educação”.
Diante de um convite para mediar uma mostra de arte e tecnologia, a
equipe de educadores viu-se com apenas três dias para conhecer as produções
artísticas e se preparar para recepcionar os visitantes. Hoje vejo que esse
formato de mediação não é efetivo, neste momento estávamos apenas
reproduzindo um discurso curatorial, “um discurso diretivo, informativo e
reprodutor (COUTINHO, 2007, p. 56)”. Além de claramente não se tratar de
uma ação educativa, e sim, de uma reprodução mecânica e submissa onde
muitas vezes o educador sequer compreende o que está sendo reproduzido,
uma vez que não houve tempo suficiente para aprofundar as pesquisas
necessárias para a elaboração de uma mediação com êxito.
O termo mediação cultural ainda é pouco compreendido mesmo pelos
atuantes da área. Conforme Coutinho (2007, p. 56),

[...] A orientação da mediação cultural é fundada sobre a vontade de


restituir ao público e de compartilhar com eles um patrimônio cultural
comum, ou seja, artístico, arquitetônico, histórico etc. Fundada
também no desejo de acesso à cultura por todos. Nesse sentido, a
visita tem um fim essencialmente educativo, para aprender a ler e
apreciar as obras, a compreender a história ou a conhecer seu próprio
patrimônio. Ela também pode ser orientada para experiência estética,
visando aí a um enriquecimento cultural, pessoal, que ajuda a
constituir um indivíduo cultivado. (COUTINHO, 2007, p. 56)

A partir disso, iniciei as pesquisas sobre mediação cultural em paralelo à


reunião de material disponível da exposição “Arcaico Contemporâneo – 50
anos de pintura” do artista Urian Agria de Souza, o qual contribuiu de modo
significativo para a pesquisa.
As conversas desenvolvidas pelos educadores após a mostra do Urian
fomentaram um levantamento de inquietações acerca do que poderia
reaproveitar do que foi vivenciado dentro do universo do Urian, como
poderíamos aplicar as experiências vivenciadas na Galeria Janete Costa durante
o nosso estágio e fora da instituição, em nossa vida acadêmica e pessoal.
Através do acesso ao material didático existente na Galeria Janete Costa,
pudemos reunir bibliografia para iniciar esta pesquisa. Após a leitura de alguns
textos sobre mediação, relatos de experiência, começamos então a esboçar
2o Seminário brasileiro de museologia • 200

aquilo de fato culminaria no trabalho de conclusão de curso. A sala de leitura


da galeria encontra-se em processo de formação, entretanto, já possui um
pequeno acervo onde é possível ampliar os estudos sobre mediação cultural e
exposições e é disponível para uso dos educadores da instituição.
Para realizar esta pesquisa, utilizamos levantamento de dados e
bibliografia, como por exemplo, os catálogos da exposição em questão.
Durante o desenvolvimento deste trabalho tivemos acesso aos questionários
respondidos pelo público visitante que foram aplicados durante a exposição
“Arcaico Contemporâneo – 50 anos de pintura”, o livro de registros, entrevista
com o coordenador do Educativo da Galeria Janete Costa e diversas fotos
foram disponibilizadas - tanto pelos próprios educadores como pela gestão da
galeria – para compor o trabalho.
Segundo Oliveira (2008, p. 62), esse tipo de levantamento de dados para
análise caracteriza uma pesquisa quantitativa, uma vez que se constitui em
quantificar os dados obtidos através das informações coletadas por intermédio
de entrevistas, questionários, observações e técnicas de estatísticas.
Por outro lado, esta pesquisa também se mostra qualitativa, uma vez que
nos questionários e na entrevista continham questões abertas que possibilitaram
aprofundar o conhecimento e reflexões sobre os resultados obtidos. Segundo
Oliveira (2008, p. 86), “a entrevista é um excelente instrumento de pesquisa por
permitir a interação entre pesquisador(a) e entrevistado(a) e a obtenção de
descrições detalhadas sobre o que está pesquisando.”.

ARCAICO CONTEMPORÂNEO

Após um hiato de 18 anos sem expor na cidade do Recife e juntamente com


o intuito de comemorar seus 50 anos de trabalho, o artista Urian Agria de
Souza apresenta a sua individual “Arcaico Contemporâneo – 50 anos de
pintura” na Galeria Janete Costa, situada no Parque Dona Lindu, bairro de Boa
Viagem. A mostra esteve aberta ao público do dia 12 de março de 2014 a 27
de abril do mesmo ano, ocupando o térreo da galeria, uma área de 962,10 m².
A mostra de curadoria de Piedade Grinberg, foi composta por desenhos,
telas e peças de pintura acrílica, além de contar com a exibição de um
2o Seminário brasileiro de museologia • 201

documentário sobre a vida e obra de Urian – que também contribuiu na escolha


das obras expostas. A produção geral foi assinada pela Aurora 21 Projeto e
Produção Cultural. Já o projeto expográfico e a montagem ficou por conta da
empresa Art.Monta, do designer e montador Eduardo Souza. A mostra foi
patrocinada pela Tupan e Setta Combustíveis e contou com recursos financeiros
da Lei de Incentivo a Cultura. Além disso, recebeu apoio das seguintes
instituições: Prefeitura do Recife, PUC-RIO, Solar Grandjean Montigny e da
Gráfica FacForm.
Durante o tempo de exposição da “Arcaico Contemporâneo” a Galeria
Janete Costa recebeu em torno de três mil visitantes espontâneos, dos mais
diversos estados brasileiros e 10 visitas agendadas por escolas, organizações
não governamentais e universidades. Nos finais de semana eram oferecidas
oficinas de desenho e figuração ministradas pelo Educativo da Galeria e até
mesmo pelo próprio artista, que esteve presente todas as quartas-feiras,
sábados e domingos.

O EDUCATIVO GALERIANO3

O setor educativo da Galeria Janete Costa é formado por uma equipe de


oito estagiários contratados pela Prefeitura da Cidade do Recife que junto ao
Coordenador Carlito Person realizam desde o atendimento ao público, através
de mediações culturais, a aplicações de oficinas e produção de material
educativo.
A Galeria Janete Costa recebe estudantes universitários a partir do
terceiro período da graduação e permanece com os mesmos até dois anos,
tempo máximo permitido conforme a Lei de Estágio nº 11.788/2008. A
premissa básica das contratações dos educadores parte da pretensão de formar
um educativo plural, um time de estagiários graduandos de áreas diversas
vinculados a cursos de ensino superior e de diferentes instituições, que possuam
interesse nas mais diversas linguagens dentro da Arte Contemporânea –
temática que norteia a galeria – e em mediação cultural. Quanto mais

3
Por se tratar de uma galeria, os educadores do espaço resolveram se apropriar do termo
“galeriano” a fim de identificar a equipe.
2o Seminário brasileiro de museologia • 202

diversificado o Educativo, mais versátil ele se torna e desenvolve a capacidade


de produzir diferentes olhares partindo de um mesmo viés.
Além do Carlito Person, a galeria conta com a Coordenadora de
Produção Carol Chaves Madureira e é dirigida por Joana D’Arc Lima; a gestão
trabalha visando maior participação dos estagiários nos diferentes setores da
instituição, inclusive costuma apoiar iniciativas de projetos culturais criados pelos
próprios educadores.
Devido às trocas de sugestões vindas pelo grupo, as discussões acerca de
novos projetos encabeçados pelos mesmos a fim de expandir as ações
educativas dentro da galeria tornaram-se mais frequente. As ações continuaram
após a renovação da equipe no segundo semestre de 2014, onde em outubro
foram apresentadas à gestão possíveis intervenções a serem realizadas no
espaço interno e externo da instituição. Desses projetos alguns se encontram
em fase de gestação, outros como o “Coletive-se”4 já fazem parte da
programação mensal da galeria.

FORMAÇÕES PARA OS EDUCADORES

É importante ressaltar a importância que as instituições culturais


contribuírem para a formação acadêmica e profissional dos seus funcionários.
Reuniões que promovam não só a discussão do ambiente de trabalho, mas que
formem e fortaleçam o intelecto daqueles que diariamente estão a contribuir
para o seu funcionamento, como sugere Coutinho (2009, p. 10).
Neste ponto, vamos atentar à capacitação dos educadores. São eles,
também chamados de Mediadores, que serão o cartão de visita do espaço
expositivo. A Galeria Janete Costa costuma promover encontros de formação
para seus estagiários não apenas dentro da instituição, mas também em
parceria com outros educativos e até mesmo chega a abrir tais atividades para
o público em geral.
Segundo Cayo Honorato (p. 02, 2013) não é interessante discutir apenas
sobre as obras, artista e exposição; e sim, incentivar capacitações que visem

4
“Coletive-se” é um programa, realizado pelos educadores da Galeria Janete Costa, que tem
como objetivo reunir grupos e pessoas que realizam estudos diversos sobre a arte, de modo que
eles possam colocar em prática suas ideias.
2o Seminário brasileiro de museologia • 203

desenvolver também outras competências, outros saberes nos educadores. E


sendo o Educativo Galeriano um educativo - grupo ou equipe - formado por
profissionais de diferentes áreas, esse momento de formação torna-se um
momento de troca, construção de ideias e aprendizados diversos.
Um procedimento comumente exercitado dentro do Educativo da Galeria
Janete Costa é o de um educador mais experiente mediar outro educador
recém-chegado a fim de ampliar reflexões acerca das mostras. Coutinho (2008,
p. 9) nomeia de “processo de aprendizagem prático por acompanhamento”.
Quando esse acompanhamento é entendido como uma possibilidade de
formação “pode ser um momento de troca entre todos os agentes envolvidos.”.

[...] Ao engajar os educadores no processo de formação além de


estimular seu comprometimento com o trabalho e com o próprio
processo de formação, reforçam-se as complementaridades das
formações iniciais em direção a um processo interdisciplinar de
formação. (COUTINHO, p. 11, 2008).

Outra ação comum proposta pelo coordenador do Educativo, Carlito


Person, é que cada educador traga para os demais uma atividade de formação,
podendo ser tanto ligada à exposição que estiver aberta ao público no
momento, como trazer um pouco de projetos de trabalho paralelos, atividades
relacionadas ao seu curso de graduação ou experiências pessoais.

PLANEJAMENTO DE AÇÕES EDUCATIVAS PARA A EXPOSIÇÃO “ARCAICO


CONTEMPORÂNEO”

As semanas que antecederam a abertura da exposição “Arcaico


Contemporâneo” serviram para preparar o educativo e planejar as estratégias e
caminhos possíveis para a mediação dentro da mostra.
Os educadores puderam presenciar a montagem e trocar ideias com
Eduardo Souza e a Art. Monta, os responsáveis pelo projeto expográfico;
puderam conversar com o Urian e fazer uma visitação à mostra mediado pelo
próprio artista; além dos dias de intensas pesquisas e discussões na pretensão
de elaborar um projeto de mediação para a exposição.
2o Seminário brasileiro de museologia • 204

É importante enfatizar que esse projeto educativo não se tratava de um


guia obrigatório que deveria ser utilizado nas mediações a fim de guiar as
visitas, e sim, norteamentos e inquietações que os educadores poderiam trazer
para o público e desenvolvê-las de acordo com o visitante e a abordagem
escolhida pelo próprio educador. Não era um guia de como satisfazer o público
visitante da exposição ou do espaço, mas caminhos que pudessem inquietá-lo,
estimulá-lo a refletir sobre suas origens, seu repertório como pessoa.
A ideia central dos encontros do planejamento do projeto educativo para
“Arcaico Contemporâneo” é semelhante a uma proposição feita por Jorge
Menna Barreto, em seu texto “A sobrevivência do espanto” (2014), onde ele
propõe ações que reverberem na saída de um público participador da obra, e
não apenas um espectador da exposição; diferente de modelos de mediação
onde o educador se restringe a reproduzir um discurso pautado em curiosidades
do artista e das obras. Coutinho (2009, p. 172) comenta esse tipo de mediação
unilateral da seguinte forma:

Esse modelo de mediação, se assim se pode qualificar como tal ação,


pressupõe um discurso unilateral e legitimador que afirma e confirma
o lugar da obra e de seu autor – o artista – no mundo da arte [...] Esse
dispositivo de comunicação unilateral é uma herança dos sistemas
elitistas excludentes, que desconsideram uma possível autonomia de
observação dos sujeitos que se veem diante das obras obrigados a
seguir com o olhar as indicações do guia (COUTINHO, 2009, p. 172).

Além de pensar nesse projeto para a mediação dos visitantes, os


educadores puderam junto ao artista elaborar uma oficina de desenho que foi
aplicada com os alunos das escolas visitantes e com o público espontâneo nos
finais de semana.

INTER-RELAÇÕES DESENVOLVIDAS ENTRE EDUCADORES, PÚBLICO E ARTISTA

As ações educativas realizadas dentro de uma instituição cultural dão-se


principalmente através da mediação cultural. O educador assume o papel de
mediador e torna-se aquele que irá fomentar os diálogos entre arte e público, é
a ponte entre a instituição e o público, é aquele que irá construir junto ao
visitante uma experiência estética e crítica acerca do que está sendo exposto.
2o Seminário brasileiro de museologia • 205

Cabe ao mediador trazer para a visita uma mediação crítica, um discurso


onde é possível dar autonomia de interpretação ao visitante, não esquecendo
que cada sujeito possui uma carga de repertório pessoal que influencia
diretamente na recepção da obra. O mediador precisa trazer à tona questões
que possam ampliar as reflexões do visitante, assim como diz Coutinho (p.177,
2009):

[...] as questões propostas pelo mediador devem procurar fazer que os


intérpretes possam testar suas hipóteses e confrontar seus pontos de
vista, garantindo espaço de expressão de suas ideias e confirmando
sua capacidade e sua autonomia interpretativa (COUTINHO, 2009, p.
177).

Tais questões não devem servir com o intuito de chegarmos a uma


resposta fechada ao final da conversa, pelo contrário, conduzir a visita ao ponto
do visitante sair do espaço expositivo com as inquietações à flor da pele, ou até
mesmo insatisfeito com o que viu e ouviu, ativará o desejo de querer saber
mais, aguçará seu senso crítico e o fará buscar por respostas para suas reflexões
seja com outras pessoas, na internet, outro educador e até fazê-lo visitar
novamente a exposição a fim de digerir a experiência anterior “insatisfeita”
transformando-o então num visitante “participador da obra”, como aponta
Barreto (s.p. 2014).
Durante a exposição “Arcaico Contemporâneo – 50 anos de pintura” o
público se fez presente e participador da obra, conforme questionários
respondidos houve uma aceitação positiva da mostra e os visitantes que
frequentaram a Galeria Janete Costa aos finais de semana ainda puderam
participar de oficinas de desenho junto aos educadores do espaço e o artista,
Urian Agria de Souza.
É importante lembrar o planejamento que foi feito pelo Educativo para a
realização das atividades propostas com o público e por meio de capacitações
que giraram em torno de três fases principais: a ampliação de repertório
cultural, a fase de proposição de ideias e a fase de prática para construção das
ações educativas.
A fase de ampliação de repertório cultural dá-se nas discussões póstumas
às leituras propostas pela gestão ou pelo próprio educativo, além da
2o Seminário brasileiro de museologia • 206

possibilidade de apreciação de obras referências na Arte Moderna e


Contemporânea. A fase de proposição de ideias é um momento de construção
colaborativa; cada educador tem a oportunidade de contribuir com suas
subjetividades e habilidades para a criação dos projetos educativos de cada
mostra. E por fim, a fase prática das ações é consequente do encontro entre
educativo e público. Sem esse contato não é possível gerar a mediação, nem
tampouco abrir possibilidades de diálogos e construção de novos percursos.
Os momentos citados acima são mencionados pelo coordenador do
Educativo da Galeria Janete Costa, Carlito Person, em entrevista cedida para o
desenvolvimento deste trabalho. É possível perceber o reflexo de um
planejamento bem elaborado através da resposta do público quando
questionado sobre o posicionamento dos educadores.
Através das respostas dos questionários (Imagem 1) aplicados no público,
puderam-se observar os visitantes mencionando os educadores como
profissionais solícitos e simpáticos, e que conseguiram com êxito desenvolver um
diálogo junto ao visitante sem imposição de valores. Embora, alguns tenham
preferido visitar sem o acompanhamento de um educador a fim de interpretar a
próprio modo sem interferência externa.
Quando o artista torna-se presente durante todo o tempo de exposição
aberta ao público, é ainda mais forte a possiblidade de estreitar os laços entre o
Educativo e o artista, pois, é na convivência que a experiência se fará presente.
Como afirma Barbosa (p. 160, 1984), “todo grande artista é
intrinsecamente um educador”, e foi assim que Urian se mostrou diante do
Educativo Galeriano, um grande educador. Urian esteve presente nos encontros
de planejamento das ações educativas para a exposição, contou sua história,
falou de suas técnicas, seu processo criativo e deu total liberdade ao educativo
para criar seus projetos de oficinas e propostas para a mediação diante dos
mais diversos públicos.
O intuito de Urian foi formar um Educativo autônomo durante sua
exposição. Para isso estimulou, junto à gestão da Galeria Janete Costa, os
educadores a fim de torna-los educadores propositores. Mas que sujeito é este?
Que educador é este propositor? Lima (p.76, 2009) aponta as seguintes
2o Seminário brasileiro de museologia • 207

atuações comuns a esse sujeito propositor, são elas: “[...] sujeito ou ação que
desorganiza, embaralha, altera realidades diferentes – de questões provocativas
entre o trabalho do artista e o público.”. Era esse educador que Urian queria
trabalhando na “Arcaico Contemporâneo – 50 anos de pintura”.
Além de estar presente na produção, o artista acompanhou a exposição
junto ao público. Urian esteve na galeria todas as quartas e aos finais de
semana, acompanhando as visitas e também dialogando com os educadores a
fim de ampliar o repertório cultural de ambas as partes. Os laços estabelecidos
entre o artista e o Educativo foram estreitos, ao ponto dos educadores sentirem
falta da presença dos artistas em outros momentos, durante as suas exposições.
Este detalhe suscitou o levantamento de discussões em torno de questionamento
que giraram em torno de proposições como: por que é tão importante a
presença do artista no espaço expositivo? Ou como indaga Cayo Honorato
(2014, p.4), “De que modo educar se torna ou continua sendo uma prática
artística?”. De artista, Urian tornou-se um amigo “parceiro” de todos os
educadores, e das conversas sobre Arte até futebol, a galeria tornou-se o ponto
de encontro entre todos os envolvidos.

Imagem 1: Questionário aplicado ao público visitante da mostra “Arcaico Contemporâneo –


50 anos de pintura” do artista Urian Agria de Souza, 2014.
2o Seminário brasileiro de museologia • 208

E não podemos deixar de mencionar que essa relação desenvolvida entre


os Educadores x Público e Educadores x Urian, fortaleceu o Educativo a ponto de
educadores, por exemplo, aplicarem novamente semelhantes abordagens à
visitantes em outras exposições. Passaram a conceber o planejamento das ações
educativas de modo colaborativo em projetos pós-mostra. Ou seja, aquilo que
foi construído durante a “Arcaico Contemporâneo – 50 anos de pintura”
reverberou nos mediadores a ponto de fazê-los utilizar as experiências
vivenciadas e absolvidas em outras atividades.
Comumente, os artistas acompanham a produção da exposição, os
processos de montagem e após a vernissage, poucos ficam para acompanhar a
exposição junto ao público.
Urian, como já foi mencionado acima, esteve presente e próximo do educativo
durante todo o tempo de exposição aberta ao público. Ele buscava a resposta
dos visitantes sobre a mostra ali, face a face. Em alguns casos, não se
identificava como o artista em primeiro momento, em outros já era facilmente
reconhecido – uma vez que a mostra exibia um documentário com Urian
narrando sua trajetória como ser humano pertencente ao universo e como
artista – pelos espectadores minutos depois de iniciar a visita.
Lima (2009, p. 67) comenta esta interação entre artista e público, esse
encontro ímpar onde o visitante tem a possibilidade de dialogar diretamente
com o artista, é um momento onde ambos permitem-se “ampliarem seu
repertório através do diálogo e da troca”. Além de receber o visitante
espontâneo, todas as visitas agendadas puderam contar com a presença do
Urian e em algumas delas, foi o próprio quem aplicou a Oficina de Desenho,
como quando a Galeria Janete Costa recebeu os jovens da Biblioteca
Comunitária Caranguejo Tabaiares.
Ainda analisando os questionários respondidos por visitantes da
exposição, foi possível perceber que o uso de cores suaves nas obras trouxe uma
resposta do público – quase que unânime – de refletir nas percepções do
espectador. A sensação de bem-estar, nostalgia e ligação com a natureza foram
as respostas mais citadas quando o questionário perguntava sobre as sensações
consequentes da experiência estética visual dentro da mostra. Assim como
2o Seminário brasileiro de museologia • 209

também foi muito relatado a possibilidade de sentir a tranquilidade do artista


através de suas pinceladas.
Sem dúvidas, a presença de Urian na instituição estreitou os laços não
apenas com os educadores, mas também, com o seu público e refletindo na
avaliação positiva da exposição realizada pelos visitantes: 96% do público
saíram satisfeitos da Galeria após visita à exposição “Arcaico Contemporâneo –
50 anos de pintura”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através da produção deste trabalho foi possível refletir sobre a formação


dos educadores da Galeria Janete Costa partindo das experiências vivenciadas
durante a exposição “Arcaico Contemporâneo – 50 anos de pintura” do artista
Urian Agria de Souza.
Dentro da pesquisa pudemos perceber as relações desenvolvidas entre o
Educativo e artista o que de fato pode ficar para os educadores após o término
das exposições. Uma vez que não só as relações construídas estiveram em
evidência, mas também os conhecimentos compartilhados entre os envolvidos,
que puderam ampliar seu repertório devido às experiências vivenciadas dentro
da instituição.
Com uso dos questionários conseguimos identificar algumas falhas em
relação à estrutura do mesmo, que por ser constituído em sua maioria por
questões abertas, tornou-se cansativo para o público que se disponibilizou a
responder; consequentemente, foi comum analisar questionários e perceber até
50% das perguntas não respondidas. Oliveira (p. 83, 2008) aconselha que não
seja prudente a aplicação de questionários muito extensos, uma vez que pode
cansar o informante. Outro ponto importante é que o questionário não foi
formulado por um educador, possivelmente se um educador tivesse formulado
as questões referentes ao educativo e suas ações fossem mais bem pontuadas,
não restringindo para informações sobre infraestrutura da instituição e da
mostra, e que poderiam ajudar na avaliação das atividades propostas.
As formações, a interação com o público, o artista e entre os próprios
mediadores trouxeram grande contribuição para a equipe da Galeria Janete
2o Seminário brasileiro de museologia • 210

Costa. As experiências ali vivenciadas trouxeram tantas inquietações que


refletiram num posicionamento propositor por parte do Educativo, a ponto de
numa discussão sobre a formação dos educadores, os próprios tiveram a
oportunidade de sugerir - alguns até mesmo a executar – ações educativas para
o grupo e também para o público.
O apoio da gestão da instituição em projetos oriundos do Educativo traz
segurança e autonomia para o grupo, o que facilita o desenvolvimento do
trabalho. Sem deixar de lado, a pré-disposição dos coordenadores em auxiliar
nesse processo criativo, o que acarreta em maiores trocas e também construções
de novos conhecimentos.
Seria interessante que fosse realizado um estudo de público da Galeria
Janete Costa, uma vez que a mesma se localiza dentro de um parque e em
frente à praia, essas duas últimas muitas vezes são a prioridade de quem passa
pelo local. E diferente de outras instituições que recebem muitos grupos
escolares agendados, apesar de ter agendamentos, 80% dos visitantes são parte
de um público espontâneo. E que novas experiências dentro do Educativo
Galeriano possam ser narradas e analisadas em formatos acadêmicos ou até
mesmo informais com o intuito de perpetuar as vivências educativas.
No mais, foi de grande importância para nossa formação pessoal,
acadêmica e profissional termos participado como educadoras na mostra do
Urian, assim como ter passado dezoito meses dentro da instituição podendo
colocar em prática o que aprendi em diferentes ações dentro e fora da galeria.

Referências

BARBOSA, Ana Mae. A arte-educação precisa dos artistas. In: Arteeducação:


conflitos/acertos. São Paulo: Max Limonad, 1984, p. 156-163.
BARBOSA, Ana Mae. Dilemas da Arte/Educação como mediação cultural em
namoro com as novas tecnologias contemporâneas. In: BARBOSA, Ana Mae,
Arte/Educação Contemporânea: consonâncias internacionais. São Paulo:
Coretz, 2008.
BARRETO, J.M.M.. A sobrevivência do espanto. Texto incluído no capítulo
‘Bastará que os educadores se interroguem’, do catálogo da 31ª Bienal de São
Paulo. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo. 2014 (Texto para exposição –
Catálogo).
2o Seminário brasileiro de museologia • 211

PREFEITURA DA CIDADE DO RECIFE. Catálogo Arcaico Contemporâneo - 50


anos de pintura: Urian Agria de Souza. Recife, 2014.
COUTINHO, Rejane Galvão. (2008). Entre o encontro e a provocação: a ação
mediadora. In Egas, O., Martins, M.C..e Schultze, A.M.. (org.) (2007). Mediando
[con]tatos com arte e cultura. Universidade Estadual Paulista – Instituto de Artes.
Pós-graduação. São Paulo, v.1, nº1.
COUTINHO, Rejane Galvão. (2009). Estratégias de mediação e abordagem
triangular. In Barbosa, A. e Coutinho, R. (org.) (2009). Arte/Educação como
mediação cultural e social. Editora UNESP, S. Paulo.
COUTINHO, Rejane Galvão. (2009). Questões sobre a formação de
mediadores culturais. Disponível em: <
http://www.anpap.org.br/anais/2009/pdf/ceav/rejane_galvao_coutinho.pdf >
Acesso em 06 de abril de 2015.
HONORATO, Cayo. A formação de mediadores e um currículo de mediação.
In: 22º Encontro Nacional da ANPAP, 2013. Belém. Ecossistemas estéticos.
Belém: PPGARTES/UFPE, 2013. P. 1050-1061.
HONORATO, Cayo. A formação do artista-educador, aproximadamente. In: VII
Seminário Nacional de Pesquisa em Arte e Cultura Visual, 2014, Goiânia. Anais
do VII Seminário Nacional de Pesquisa em Arte e Cultura Visual. Goiânia:
FAV/UFG, 2014. p. 522-532.
LIMA, Joana D’arc de Sousa. Experiências educativas com a produção
contemporânea em Salões de Artes Plásticas de Pernambuco: Diálogos
potencializados na relação Escola/Museu e Escola/ Arte Contemporânea. In:
PINHEIRO, Anderson (org). Diálogos entre Arte e Público: caderno de textos.
Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, v.2, 2009.
OLIVEIRA, Maria Marly de. Como fazer pesquisa qualitativa. 2ª edição.
Petrópolis - RJ: Vozes, 2008.
BIBLIOTECA COMUNITÁRIA CARANGUEJO TABAIARES. Crianças da BCCT
prestigiam os 50 anos de pintura do Artista Urian Agria de Souza. 2014.
Disponível em:<
http://bibliotecacomunitariact.blogspot.com.br/2014/03/criancas-da-bcct-
prestigiam-50-anos-de.html > Acesso em 22 de março de 2015 >.
PALÁCIO DO PLANALTO PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei Nº 11.788, de 25
de setembro de 2008. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11788.htm >
Acesso em 06 de abril de 2015.

APÊNDICE

ENTREVISTA
Carlito Person – Coordenador do Educativo da Galeria Janete Costa
2o Seminário brasileiro de museologia • 212

Entrevistador: Qual sua formação acadêmica e há quanto tempo exerce a


função de Coordenador de Educativo na Galeria?
Carlito Person: Sou graduado em Educação Artística/Artes plásticas UFPE
(2008). Pós-graduação em Design de moda pela Faculdade Boa Viagem -FBV/
IED- Instituto Europeu de Design (2012). Exerço esta função há 2 anos e 6
meses.

Entrevistador: Quem e quantas pessoas formam o Educativo atual?


Carlito Person: O educativo é constituído por 8 educadores de áreas variadas.

Entrevistador: Quais os critérios considerados para contratação dos educadores?


Carlito Person: Estar cursando licenciatura ou bacharelado na área de humanas,
entre o terceiro e o quinto período. Ser comunicativo (a) e propositivo (a). Ter
interesse em cultura contemporânea.

Entrevistador: Qual a relação dos educadores com a galeria, funcionários


efetivos, terceirizados ou estagiários?
Carlito Person: Os educadores são parte fundamental no quadro da Galeria,
pois eles são a ponte entre as exposições, a instituição e o publico. O educativo
é responsável, juntamente com as coordenações, de criar e proposições para a
interação do publico com as exposições. Essas ações contribuem para o
entendimento das obras expostas. Contribuem para o entendimento das
diversas linguagens que constroem a arte atualmente e para a compreensão do
papel do equipamento, Galeria Janete Costa, dentro do contexto do Parque
Dona Lindu.

Entrevistador: Quais as vantagens de ter um grupo de Educadores estudantes de


diferentes cursos?
Carlito Person: A grande vantagem é ter acesso a diferentes olhares na
construção de um projeto educativo. Esses olhares vêm a partir das bagagens
teóricas ligadas a cada curso, de suas habilidades individuais somadas as
habilidades do grupo. Essa diversidade gera a possibilidade do encontro, pois
os diferentes conhecimentos são somados para a realização de processos que
são coletivos. Desta maneira, a partir da coordenação das diversidades,
construímos as propostas do educativo.

Entrevistador: E durante a exposição “Arcaico Contemporâneo”, como era o


Corpo Educativo?
Carlito Person: Era composto por quatros estudantes de Artes Visuais, um
estudante de Comunicação com habilitação em Rádio, TV e Internet, uma
estudante de Expressão Gráfica, uma de Artes Visuais ênfase em Digitais e um
de História.

Entrevistador: Os educadores recebem alguma capacitação durante o estágio


na Galeria?
Carlito Person: Sim. As formações giram em torno de três eixos.
 Ampliação do repertório de arte e cultura, moderna e
contemporânea. Isso ocorre a partir da leitura e conversa sobre
2o Seminário brasileiro de museologia • 213

textos base. A partir da apreciação de obras que são referências


da arte moderna e contemporânea ou ligadas a obra exposta.
 Construção e proposição. Nesta etapa, munidos dos conteúdos, a
equipe inicia a construção de forma coletiva do projeto educativo
da exposição. Cada membro com suas habilidades e
subjetividades, contribui para a criação de atividade praticas.
Criação de percursos de mediação e produção de materiais
complementares, fanzines e ligados às mídias sociais.
 Prática para construção de expertise. A partir da construção deste
percurso a equipe parte para o contato com o publico. Esse
contato e fundamental, primordial, pois sem publico não existe
mediação. O contato com o visitante exerce uma função
catalisadora, pois a partir deste contato tudo que estava posto
antes, com relação aos percursos de mediação, pode ser
modificado.

Entrevistador: Para a exposição “Arcaico Contemporâneo” o Educativo


participou de alguma atividade de formação e/ou planejamento de ações
educativas com o público?
Carlito Person: Sim. O processo ocorreu com base no item anterior.

Entrevistador: A gestão da Galeria apoia projetos propostos pelos educadores?


Que importância tem um educador propositor dentro da instituição cultural?
Carlito Person: Sim. A gestão da Galeria apoia as iniciativas dos estagiários. O
estagio é estância preparatória para a vida profissional. Nesse sentido todos da
equipe são contratados por suas habilidades, com a intenção que as mesmas
contribuam para construção de um projeto geral. O estagiário é um profissional
em construção e a experiência com o estágio é fundamental para a ampliação
das qualidades deste indivíduo. O educador com o perfil propositivo deve ser
orientado para que essa qualidade - às vezes inerente, às vezes estimulada, seja
utilizada em favor da instituição e em favor de seu crescimento. Um profissional
propositor é essencial, pois ele aponta caminhos e encontra soluções pertinentes
a seu fazer, que a priori, não são percebidas pelos demais.

Entrevistador: Após a exposição “Arcaico Contemporâneo”, outras capacitações


foram realizadas para os educadores que fomentaram a criação de novos
projetos. Como anda o desenvolvimento desses projetos?
Carlito Person: Os projetos vêm sendo fomentados levando em consideração
seus custos, pertinência da ação em relação ao perfil da galeria e seu público.
Nos últimos tempos, devido a cortes no orçamento, estamos priorizando os
projetos com menor custo de execução.
2o Seminário brasileiro de museologia • 214

MUSEU, EDUCAÇÃO E HISTÓRIA: AÇÕES EDUCATIVAS NA SALA “ARTES DA


ESCRITA” DO MUSEU DO CEARÁ.

Gilberto Gilvan Souza Oliveira1

Resumo
Múltiplas são as relações que podemos estabelecer com a escrita. Elas
perpassam o âmbito privado/individual e ao mesmo tempo o público/coletivo.
Nesse sentido, ler e escrever são verbos que, à primeira vista nos remetem a um
grupo específico: ao grupo social letrado. Porém, é preciso atentar ao fato de
que a leitura não se restringe apenas ao mundo letrado. Ela também faz parte
da tradição oral, que por sua vez dá aos escritos sentidos e significados
variados. Estes sentidos e significados são atribuídos pelos sujeitos sociais.
Sendo assim, podemos auferir que os escritos possuem diversos espaços de
circulação e que, além disso, eles podem propelir ideias, estabelecerem regras e
normas de convívio social, ou podem ser utilizados como contramão de
determinados códigos que são impostos. A sala “Artes da Escrita”, que compõe
a exposição de longa duração “Ceará: uma história no plural” do Museu do
Ceará é um convite para refletir sobre a relação dos sujeitos com as práticas de
escrita, de leitura, com os suportes de escrita e com os impressos. Contudo, o
presente trabalho busca trazer ao “público leitor” algumas experiências
educativas durante as mediações para os visitantes, sejam eles grupos escolares
com objetivos específicos e pré-estabelecidos antes da visita, ou visitantes
avulsos que ao passarem na rua despertam a curiosidade de conhecer as
exposições do museu. Por fim, cabe ressaltar que as mediações foram
realizadas utilizando-se da Metodologia do Objeto Gerador.

Palavras-chave: Museu do Ceará; Artes da Escrita; Ação educativa.

Abstract
Multiple are the relationships we can establish writing. They permeate he private
sector/single while the public/collective. In they permeate he private verbs that, at
first sight lead us to specific group: the literate society group. Owever, it is
necessaru to pay attention to the fact that reading is not only restricted to the
leterate world. It is also part of the spoken tradition, which in urn gives written
directions and different meangs. These senses and meanings are assigned by
society subjects. Thus, we can derive that the writings have several circulation
spaces and, in addition, they an propel ideas, establish rule and norms of society
life, or can be used as against certain codes that are imposed. The room, “Art of

1
Mestrando em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Federal do Ceará. Membro do grupo de estudos “História e Documentos: reflexões sobre fontes
históricas”. E-mail para contato: gilbertopjmp@gmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 215

Writing”, which comprises the long-term exhibition “Ceará: the history in the
many” of Museum Ceará is an invitation to reflect on the relationship of
indiduals woth writing practices of reading, ehit the media written and printed.
However, thes paper seeks to bring the “reading public” some educational
experiences during the mediations for visitors, whether they be school groups eith
specific objectives and pre-arrenged before the visit, or loose visitors as theu
passed on the street arouse curiosity to know museum exhibtions them. Finally, it
is noteworthy that the mediations were performed using the Object Generator
Methodoly.

Key-words: Ceará Museum; Arts writing; Educational activity.

••••••••••

O presente estudo tem como objetivo apresentar algumas reflexões que


foram tecidas ao longo do estágio que realizei como educador no Núcleo
Educativo do Museu do Ceará, em especial, procura-se relatar as experiências
que marcaram as atividades desenvolvidas na sala de exposição Artes da
Escrita. A priori, é importante ressaltar que as mediações realizadas foram
destinados a grupos escolares com objetivos específicos e pré-estabelecidos
antes da visita e para visitantes avulsos que ao passarem na rua resolveram, por
curiosidade, conhecer as exposições do museu. Porém, antes de expor nossas
experiências, acreditamos que é necessário apresentar a exposição da qual
estamos nos referindo e explicar a proposta pedagógica que foi utilizada
durante as mediações.
A sala Artes da Escrita constitui uma das sete salas que formam a
exposição permanente Ceará: história no plural do Museu do Ceará. Por se
tratar de uma exposição temática, cada sala possui como eixo uma
problemática, um questionamento central que gera as diversas reflexões que
podem ser fomentadas a partir dos objetos expostos. Nesse sentido, a referida
sala tem como problema central a discussão em torno da “força da escrita” por
2o Seminário brasileiro de museologia • 216

meio de “fragmentos do passado que testemunham a determinação de homens


e mulheres”2.
Quanto à proposta pedagógica, fizemos uso da Metodologia do Objeto
Gerador que fora elaborada pelo professor Régis Lopes Ramos. Trata-se de uma
proposta educativa que visa gerar nos visitantes reflexões a partir da relação do
sujeito com os objetos. Usando as próprias palavras de Ramos, “o objeto
gerador não é um método e sim um parâmetro hermenêutico para a construção
criativa de práticas educativas que possibilitem novas leituras da nossa própria
historicidade”3.
Nesse sentido, um dos pontos fundamentais desse recurso pedagógico é
que o educador museal e o visitante devem estar atentos aos objetos expostos e
à história que cada objeto traz consigo e o que podemos dizer sobre eles. Por
exemplo, a primeira vista podemos dizer que uma cadeira serve para sentar, se
for de madeira é possível que ela tenha sido feita por um artesão, etc. (história
do objeto). A partir dessas e de outras constatações preliminares é possível
lançar outras questões. Pensar como e de qual material as cadeiras hoje são
produzidas, qual nossa relação com esse tipo de objeto, que significados
atribuímos a ele (história a partir do objeto), ou seja, quando um objeto é
exposto no museu, ele perde seu valor de uso. Sua função passa a estar
relacionada com as possíveis reflexões dos visitantes acerca das relações
estabelecidas entre o passado e o presente, possibilitando ao público a “leitura
dos objetos”4.
Para tanto, é preciso estar claro para o mediador que a elaboração das
indagações a serem propostas deve partir “do presente vivido, não há meios de
construir reflexões sobre o passado"5 sem levar em consideração as possíveis
experiências do público que está visitando. Sem essa sensibilidade, não será
possível alcançar os objetivos traçados pelo educador.
Em relação à metodologia utilizada para a elaboração desse texto,
optamos por dividir as discussões em três blocos temáticos e, ao mesmo tempo,

2
CATÁLOGO DO MUSEU DO CEARÁ, 2012:114.
3
RAMOS, 2004:18.
4
RAMOS, 2004.
5
Ibdem, 2004:7.
2o Seminário brasileiro de museologia • 217

apresentar referências a vários objetos que compõem o circuito expositivo da


sala. No primeiro bloco, abordaremos algumas possibilidades das funções do
ato de escrever e, ainda, discutiremos suscintamente o que vem a ser o exercício
da escrita e da leitura. No segundo tópico, analisaremos a relação do corpo
com o hábito de escrever e como a escrita exige posturas do corpo e esse se
molda aos objetos para o ato do registro escrito. Por último, iremos refletir sobre
as relações entre a palavra escrita e a palavra falada, ou seja, traremos à tona
que a leitura pode ser a codificação de símbolos e signos e, ao mesmo tempo, a
narrativa do que está à nossa volta, pode ser a interpretação do mundo não
impresso, porém vivido.
Ao usar tal recurso não pretendemos amarrar os discursos e as reflexões
que podem ser estabelecidas entre os objetos e a problemática central da sala,
nem tão pouco indicar um roteiro de visitação, embora as reflexões aqui
apresentadas estabeleçam relações com o tema da sala e possam, porventura,
ser um caminho para elencar algumas discussões em visitas. Nosso objetivo é
trazer à tona algumas experiências obtidas ao longo do estágio no Núcleo
Educativo do Museu do Ceará.
Como dissemos no resumo desse trabalho, múltiplas são as relações que
temos com a escrita. Elas perpassam o âmbito privado/individual e ao mesmo
tempo o público/coletivo. Nesse sentido, ler e escrever são verbos que nos
remetem ao um grupo específico: ao grupo social letrado. Porém, é preciso
atentar ao fato de que a leitura não se restringe apenas ao mundo letrado.
Contudo, a sala de exposição Artes da Escrita é um convite para refletirmos
sobre a relação dos sujeitos com as práticas de escrita, de leitura, com os
saberes e com os impressos ao longo do tempo.

(ARTE)MANHAS DA ESCRITA
“Ler seria, pois, não escrever de novo o livro, mas fazer
com que o livro se escreva ou seja escrito”
Maurice Blanchot.
2o Seminário brasileiro de museologia • 218

Poderíamos ampliar essa consideração de Blanchot (2011) e dizer que ler


também significa ver e ouvir o outro e a si mesmo. Partindo desse pressuposto,
parte da escrita no Ceará no final do século XIX possui como principal aspecto a
marca da denúncia – como, por exemplo, a escrita sobre a seca de Rodolfo
Teófilo – , das lutas, e ao mesmo tempo, da exclusão social, ou seja, ela é para
ser lida, vista e ouvida.
Para que haja leitura é preciso que exista a escrita. Tratando acerca do
ato de escrever, compreende-se que esse tem um caráter singular e plural.
Singular, por ser composto de rastros, pegadas deixadas por um sujeito que
escreve a partir de suas experiências, de seus desejos, suas paixões e de suas
angústias. Ela é plural por se tratar de um ato social e político. Porque o escritor
se porta como sujeito de seu tempo e a escrita reflete o momento de sua
vivência com a coletividade.
No Ceará, na segunda metade do século XIX, o tom plural da escrita
evidenciava-se nos romances. Esses procuravam consolidar as ideias
nacionalistas/regionalistas. Além disso, serviam como portadores da voz de
milhares de analfabetos que reivindicavam seus direitos individuais ou coletivos,
sem eliminar o caráter personalista e o anseio de posteridade e reconhecimento
de seus pares por parte de quem escrevia. Os romances, em certos casos,
promoviam os movimentos de luta pelo fim do regime escravocrata, pela
implantação da república e serviam para diversos outros fins. Mas, é preciso
ressaltar que a literatura não é o real, mas a representação de uma realidade.
Como o mercado editorial aos moldes de hoje, no Brasil, só veio se
formar na década de 1930, era muito difícil a publicação de livros. Por esse
motivo, no Ceará, assim como em todo o país, foram os folhetins e jornais das
agremiações literárias o principal meio de difusão da escrita. Porém, embora
houvesse um forte momento de escrita, no Ceará dos oitocentos, havia uma

ilha de letrados num mar de analfabetos, garantindo uma coesão


ideológica [...], fator essencial na formação da elite política. [...] em
1872, 88,48% da população era analfabeta (85,84% deduzindo a
população menor de 5 anos de idade). Das províncias era a menor
taxa de alfabetização. Em 1875, o Ceará era a oitava província em
numero absoluto de escolas, possuindo menos da metade das de
2o Seminário brasileiro de museologia • 219

Pernambuco e quase igualando-se as províncias do Pará e


Alagoas, com 265 e 236 escolas respectivamente 6.

Figura 1: Bandeira da padaria Espiritual

Fonte: Museu do Ceará. São Paulo: Banco Safra, 2012.

Diante desse quadro, alguns questionamentos surgem: Como escrever


para uma massa de não leitores? Quem teria acesso a essas leituras? É a partir
desses questionamentos que, na maioria das vezes, partimos para refletir sobre
a ação das agremiações literárias no Ceará. A foto dos sócios e a bandeira da
Padaria Espiritual7 se tornam nossos objetos de partida.
A partir da bandeira colocamos em questão a função da escrita. Nesse
caso, uma escrita que buscava a valorização do local, do estabelecimento de
uma identidade regional para compor uma identidade nacional. Pensamos
sobre essa questão a partir dos nomes que eram adotados pelos participantes
da agremiação, afinal, em suas reuniões, eles utilizavam nomes que faziam
referência à fauna e a flora local.
Outra questão que é posta refere-se ao jornal publicado por essa
agremiação. O Pão era a forma utilizada pelos padeiros para divulgarem as
suas ideias como, por exemplo, as críticas ao afrancesamento da cidade de

6
LEAL, 2002:24.
7
Agremiação literária que surgiu em Fortaleza no final do século XIX e que se reunia no Café
Java localizado na Praça do Ferreira, cuja marca principal era realizar, por meio de publicações
impressas, uma crítica aos hábitos fortalezenses na Fortaleza Belle Epóque. Os padeiros eram os
sócios que se reuniam para discutirem o que seria publicado (as fornadas) no jornal O Pão.
2o Seminário brasileiro de museologia • 220

Fortaleza. Para relacionar presente e passado, questionamos junto aos visitantes


sobre quais recursos textuais que hoje servem como ferramenta para críticas. A
maioria das respostas trazem como exemplo as charges. Além desse gênero
textual, discutimos também como as redes sociais e os blogs contribuem ou não
para a formação de uma consciência política e de reivindicações.
Como o espaço museal também é lugar da imaginação, gostaríamos de
citar a experiência vivida por Núbia Agustinha Carvalho Santos: no processo de
realização das atividades para elaboração de sua dissertação de mestrado,
durante uma visita realizada ao museu com crianças da educação infantil uma
das delas disse que o estandarte da Padaria Espiritual era um tapete voador 8.
Ou seja, a criança atribuiu uma nova função ao objeto a partir de sua
experiência.
Digo isso porque essa analogia comumente é realizada pelas crianças da
educação infantil e das séries iniciais do Ensino Fundamental I. Diante do
exposto, percebemos como os objetos no espaço do museu ganham novas
significações, uma reconfiguração de sentidos a partir do olhar de quem vê, no
caso citado, a partir do olhar da criança. E, além disso, para trazer à tona a
multiplicidade de diálogos que podem ser travados a partir de um único objeto.

FORMA, DISCIPLINA, FORMA: OBJETOS PARA ESTUDAR

Figura 2: Carteira escolar que pertenceu a Escola Normal de Fortaleza.

Fonte: Museu do Ceará. São Paulo: Banco Safra, 2012.

8
SANTOS, 2010:102.
2o Seminário brasileiro de museologia • 221

O processo de leitura e de escrita está intrinsicamente relacionado com a


adaptação do corpo. As bibliotecas, as salas de aula e a nossa casa exigem
posturas corporais diferentes. Há pessoas que estudam ouvindo música, outras
preferem o silêncio. Alguns indivíduos gostam de ler ou de escrever em mesas,
na cama, na rede, no chão, ou seja, em lugares diversos e de formas múltiplas.
Nesse tópico do texto pretendemos apresentar como os objetos indicam formas,
nos aprisionam em fôrmas e exigem regimes disciplinares para estudarmos
dependendo do lugar e do suporte que utilizamos.
Ao entrar na sala Artes da Escrita o visitante se vê diante de carteiras
escolares que pertenceram a Escola Normal de Fortaleza. Ela é o exemplo mais
explícito do que estamos propondo nessa parte do texto. Conforme observamos
na imagem ao lado, a carteira exige uma postura para sentar-se. Afinal, por se
tratar de uma cadeira que não possui quatro pés nos condiciona a fazer poucos
movimentos bruscos, pois caso venhamos a nos mexer rapidamente corremos o
risco de perder o equilíbrio e cair.
A mesinha também é um sinal que revela o poder simbólico da
professora sobre a classe. Mesmo distante é possível identificar os materiais
escolares que estão sendo usados pelo educando e quais impressos ele está
fazendo a leitura. Há com essas relações de forças (objeto/corpo) o olhar
vigilante da professora perante a classe. Além disso, a distância entre a carteira
e a mesinha exige movimentos precisos e uma posição “ideal” para os braços e
mãos.
Na maioria das vezes iniciamos a mediação lançando as seguintes
indagações: quem sentava nessas carteiras? Quem tinha acesso à educação no
período em que esse tipo de carteira era usado? Em contraposição às primeiras
questões propostas, questionamos: quem tem acesso ao processo educacional
hoje? Como são as classes escolares, tendo em vista que durante muito tempo
existia escola para meninos e meninas? Além disso, é possível refletirmos sobre
as cotas para negros e pobres, haja vista que, durante um longo período,
pobres e negros não podiam frequentar os estabelecimentos de ensino.
A partir das carteiras escolares refletimos também sobre a participação
da mulher no processo educacional. Colocamos em questão o ensino
2o Seminário brasileiro de museologia • 222

diferenciado de acordo com o gênero, ou seja, salas exclusivas para homens e


para mulheres. Realidade ainda existente no nosso país. Elencamos o exercício
das professoras utilizando como referência as experiências de Francisca Clotilde
que, além de ter sido professora da Escola Normal de Fortaleza, no campo
intelectual foi poeta, jornalista e romancista. Em 1901, publicou seu primeiro e
único romance: A Divorciada.
Segundo Otácilio Colares, Francisca Clotilde foi
Mulher de idéias avançadas, muito escreveu e muito ensinou,
vivendo como viveu uma época, no Ceará, de grande ebulição
intelectual, que no campo propriamente dito das letras, quer no da
política, uma e outra não podendo, a bem dizer, estar isoladas,
provado que, entre 1880 e 1889, na quase totalidade, eram
abolicionistas e republicanos os escritores válidos da terra
alencariana9.

Para propor uma reflexão sobre as mudanças e permanências colocamos


em pauta a discussão em torno das instituições escolares do século XIX e início
do século XX, na qual as mulheres aprendiam a ser donas de casa, técnicas de
costurar e cozinhar. Outro ponto suscitado nas mediações é sobre as leituras.
Conforme vários estudos apontam10, durante muito tempo acreditava-se
que as mulheres deveriam ler somente os romances e as sessões dos jornais
referentes à moda, à culinária e à publicidade de utensílios domésticos. Porém,
vale ressaltar que não eram todas as mulheres que se submetiam e aceitavam o
sistema educacional da sociedade machista e patriarcal do século XIX. Muitas
delas tinham seu posicionamento e o desejo de romper com determinados
padrões.

9
COLARES,1996:18.
10
A título de exemplo citamos a dissertação de mestrado “Um lugar para o tempo dos letrados:
leituras, leitores e a Biblioteca Provincial do Ceará na segunda metade do século XIX” de José
Umberto Carneiro Filho, defendida no programa de pós-graduação em História da
Universidade Federal do Ceará em 2014, e a obra “História do ensino no Ceará” de Plácido
Aderaldo Castelo.
2o Seminário brasileiro de museologia • 223

Outros objetos que possuem destaque são escrivaninhas devido ao


tamanho e à posição em que estão expostas na sala Artes da escrita. Porém, a
maioria dos visitantes, num primeiro olhar, acreditam que as escrivaninhas são
pianos.

Figura 3: Escrivaninha e cadeira que pertenceram ao farmacêutico Rodolfo Teófilo.

Fonte: Museu do Ceará. São Paulo: Banco Safra, 2012.

Em relação à problematização desses objetos, geralmente questionamos


como ele estão diretamente relacionados à figura do intelectual e que eles
podem revelar o lugar social de escrita de um determinado sujeito. Perceber de
qual local ele fala. Por exemplo, a partir da escrivaninha do farmacêutico
Rodolfo Teófilo podemos refletir sobre seu papel como professor, seu estilo
literário, sobre sua literatura que era tida como denúncia e apregoavam suas
ideias políticas, mas que ao mesmo tempo desejava entrar para o cânone
literário da escrita literária, entre outras questões.
Cabe destacar que nossos problemas são previamente elaborados
tomando o cuidado para que eles sejam verosímeis até mesmo para os
visitantes que não conhecem os escritores11, proporcionando o entendimento do
que estamos propondo. A partir das escrivaninhas, refletimos também sobre o
papel da escrita para a História do Ceará e como elas indicam hábitos de

11
Na sala estão expostas as escrivaninhas de Tomás Pompeu Sobrinho e Rodolfo Teófilo.
2o Seminário brasileiro de museologia • 224

leitura, performances de escrita e a própria organização dos dispositivos de


leitura.
Uma das visitas que foi extremamente significante foi à comparação feita
por uma aluna de ensino médio da rede pública de ensino. Fui questionado
para que serviam as divisórias das escrivaninhas e respondi que possivelmente
elas eram utilizadas para guardar cartas, livros, manuscritos, etc. Logo após a
aluna disse a seguinte frase: “Professor, parece com o e-mail”. A partir dessa
proposição começamos a analisar e percebemos que ela estava corretíssima,
afinal, os e-mails também possuem suas divisórias: caixa de entrada, de saída,
de enviados, rascunhos... Daí por diante incorporei essa reflexão em minhas
mediações.

Figura 4: Rede de dormir que pertenceu a Capistrano de Abreu.

Fonte: Museu do Ceará. São Paulo: Banco Safra, 2012.

Há quem goste de escrever e ler em outros lugares, a exemplo de


Capistrano de Abreu que tinha o hábito de estudar e dormir na rede. Este objeto
na exposição sempre causa espanto nos visitantes. É comum ouvir o seguinte
questionamento: “o que tem haver uma rede nessa sala?” É nesse momento que
entra a ação do educador.
Como a rede está em frente às escrivaninhas, torna-se interessante iniciar
o processo de mediação tentando identificar, junto ao visitante, que relações
existem entre os dois objetos. É importante ressaltar que o educador não deve
2o Seminário brasileiro de museologia • 225

apenas lançar questões, em alguns casos é preciso expor informações. Sendo


assim, é interessante apresentar quem foi Capistrano de Abreu para que se
possa compreender melhor a relação desse sujeito com a rede.
Outra analogia que realizamos é entre o romance Iracema de José de
Alencar e o hábito de estudo de Capistrano de Abreu. Afinal, Alencar indicou
aos leitores que seu romance deveria ser lido deitado em uma rede. Possuindo
essa analogia como fio condutor podemos ainda pensar sobre outras
performances de leitura. Nesse caso, estamos nos referindo à leitura do livro
impresso e do digital. É engraçado que o debate se estende quando a mediação
é feita para um grupo grande, pois eles ficam discutindo as vantagens e
desvantagens entre esses dois tipos de livros (o impresso e o digital).
Sobre as vantagens e desvantagens da leitura de um livro no kobo,
tablete, computador ou Ipads, Umberto Eco afirma que “em diversos domínios,
o livro eletrônico proporcionará um conforto extraordinário”, mas devemos levar
em conta as limitações de ambas às tipologias, “a propósito, o computador
depende da eletricidade e não pode ser lido numa banheira, tampouco deitado
na cama. Logo o livro se apresenta como uma ferramenta mais flexível”12.
Ao mesmo tempo, pode-se colocar em questão: aparelhos tecnológicos
substituem livros impressos? Roger Chartier e Umberto Eco13 já responderam
muitas vezes esta pergunta e, ambos dizem que não. Para eles, são
performances de leituras diferenciadas, há pessoas que, mesmo que leiam o
livro em versão digital, continuarão preferindo o livro impresso e vice-versa.
Afinal, os usos e costumes dos sujeitos sociais coexistem.
Diante do exposto, percebemos que desde as carteiras escolares da
Escola Normal de Fortaleza, passando pelas escrivaninhas, pela rede, pelos
livros impressos e digitais exigem uma adaptação e uma relação com o corpo.
Que os objetos modificam o leitor, assim como, o leitor modifica os objetos,

12
ECO, 2010:16.
13
Sobre as diferenças entre o livro digital e impresso, as relações que os indivíduos estabelecem
com os mesmos e se a versão digital substituirá a impressa, ver: CHARTIER, Roger. A aventura
do Livro: do leitor ao navegador. Trad. Reginaldo de Morais. São Paulo: UNESP/Imprensa
Oficial do Estado, 1999. 2ª reimpressão. & CARRIÈRE, Jean-Claude; ECO, Umberto. Não
contém o fim do livro. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Record, 2010.
2o Seminário brasileiro de museologia • 226

pois a leitura é atribuição de sentidos, signos e significados lançados sob o


escrito e seu suporte.

A PALAVRA ESCRITA E A PALAVRA FALADA


As máquinas de escrever que estão expostas na sala Artes da Escrita
também compõem o rol de reflexões. Elas fazem o visitante questionar-se sobre
as relações do homem com as formas de escrita e, além disso, como eles
constroem os objetos e como os objetos constroem o homem, pois eles “são
criadores e criaturas do ser humano em sua historicidade”14.

Figura 5: Máquinas de escrever portátil Gundka.

Fonte: Museu do Ceará. São Paulo: Banco Safra, 2012.

Eles podem, ainda, trazer o viés discursivo da relação do homem com as


máquinas e as novas tecnologias, o que poderíamos classificar como relações
de alteridade. Por exemplo, o uso dos celulares que mudaram e mudam a
escrita constantemente, proporcionando outras performances ou, ainda, as
mensagens instantâneas trocadas via torpedo ou por aplicativos como o
WhatsApp são exemplos dessa mudança e, de certa forma, elas nos
condicionam a vivermos em um mundo de siglas. Final de semana virou fds,
verdade passou a ser vdd, abraço – abs, você - vc, também – tbm, os vários
porquês – pq, beijos – bjs, entre outras.

14
RAMOS, 2004:14.
2o Seminário brasileiro de museologia • 227

Ao mesmo tempo, se relacionarmos os aparelhos eletrônicos que


possuem aplicativos cujas funções permitem o ato de escrever e ler com a
carteira escolar, a escrivaninha e a rede que utilizamos como objetos geradores
no tópico anterior, pode-se auferir que eles possuem funções díspares, embora
ambos sejam lugares de escrita e de leitura.
No caso da carteira escolar, da escrivaninha e da rede, esses objetos
indicam um lugar específico para o ato da escrita e da leitura: a sala de aula, o
quarto ou a biblioteca, o alpendre. Já os aparelhos eletrônicos estabelecem um
não lugar, ou seja, não existe um local especifico para a realização dessas
tarefas. Elas podem ser realizadas no ônibus, na rua, no quarto, na sala, enfim,
onde tiver energia e/ou que a bateria dos aparelhos tenha carga.
Outro objeto de peculiar expressividade para se discutir as relações dos
sujeitos sociais com a escrita são as carteiras escolares que citamos no tópico
anterior. Dado que a carteira escolar da imagem que utilizamos como
referência nesse texto possui um lugar específico para colocar o tinteiro, ou seja,
o objeto em si nos conduz a levantar a hipótese de que os sujeitos que
utilizaram aquelas carteiras escreviam com uma pena.
Figura 6: Cartas e espátula de abrir cartas.

Fonte: Museu do Ceará. São Paulo: Banco Safra, 2012.

Em contraponto à escrita técnica da máquina de escrever, tem-se as


cartas do jurista Clóvis Beviláqua destinadas aos alunos da Faculdade de Direito
do Ceará, junto com sua espátula, que tem por objetivo abrir as cartas. Sendo
assim, nota-se uma contraposição entre uma escrita técnica/reguladora e uma
2o Seminário brasileiro de museologia • 228

escrita livre/desregulada produzida a mão. A primeira relacionada ao papel e à


pena, e a segunda relacionada ao papel e à máquina.
Esses dois objetos expostos (as máquinas de escrever e a carta escrita à
mão) nos permitem refletir como a escrita carrega as marcas de quem escreve.
Nesse caso, na maioria das vezes levamos os visitantes a lançar o olhar de
maneira que se perceba como fica mais evidente na carta escrita à mão as
marcas de disputas, sentimentos, decepções, alegrias, incertezas. Por exemplo,
uma carta com uma letra arredondada, sem rabiscos, com detalhes, nos
transmite um exercício de escrita calmo, caprichado, bem elaborado. Ao
contrário, uma carta com erros, riscos, letras incompreensíveis indicam pressa,
rapidez.
Um exemplo que sempre usamos é a distancia entre o corpo de quem
escreve e o suporte da escrita. Uma carta datilografada exige uma distância do
papel, afinal, ele está preso à máquina. A carta escrita à mão exige uma
proximidade, permitindo, caso o autor esteja emocionado, cair lágrimas na
folha e deixando, portanto, as marcas de suas emoções visíveis ao leitor. É
interessante a reação dos visitantes quando eles começam a pensar sobre tais
aspectos, pois o olhar se conflui com os pensamentos gerando alguns segundos
de silêncio.
Outra questão que suscitamos durante a visita é a relação com o tempo.
A comunicação via carta exige paciência e espera. É preciso escrever a carta,
depositar no serviço postal, esperar o carteiro tocar a campainha, abrir o
envelope e em seguida realizar a leitura. Diferente, por exemplo, de uma
conversa via Skype que você pode digitar a mensagem e em fração de
segundos ela estará na tela da pessoa com a qual estamos conversando e, se
preferirmos, podemos realizar uma chamada de vídeo, eliminando, contudo, o
ato de escrever.
Para promover a tensão hermenêutica entre os objetos, perguntamos
como eram as formas de comunicação há uma década e como hoje
estabelecemos as conversas, fazemos novas amizades. Como de costume, eles
falam que sentavam nas calçadas, nos terreiros e passavam horas a fio
conversando, paquerando, ouvindo musicas, brincando, ao contrário de hoje
2o Seminário brasileiro de museologia • 229

que as relações interpessoais estão cada vez mais instantâneas e voláteis, que
receber uma carta é algo muito raro.
Expõem-se ainda que a comunicação via carta foi substituída por
computadores, tabletes, Ipads, smartphones que nos dão a falsa impressão de
estarmos cada vez mais próximos das pessoas, ou seja, vivemos em um novo
regime sensorial. Deixamos de ter apenas uma experiência sensória corporal e
passamos a viver, além desta, uma experiência sensória virtual. Se antes era
necessário utilizar o tato, o olfato e a visão (corporal), hoje, comumente, em
nosso dia-a-dia só necessitamos ativar a visão (virtual).
Cabe destacar que, embora exista a possibilidade de receber uma
mensagem em frações de segundos, estabelecer uma comunicação com
imagem e áudio, ao mesmo tempo as ferramentas tecnológicas distanciam os
sujeitos (no sentido físico), mudam as relações com o corpo, com o olhar, com o
afeto e os sentimentos se tornam mecanizados, virtualizados e expressos em
emotions. Em síntese, são outras relações que estabelecemos, sendo uma
presencial/corporal e outra virtual. Porém, a primeira não substitui a segunda,
nem a segunda é igual à primeira.
Diante das diversas possibilidades de mediações que podem ser
realizadas a partir desses dois objetos, acreditamos que uma questão é da mais
primordial importância: abordar como a tecnologia, a aceleração do tempo e o
crescimento exacerbado da sociedade de consumo afetam as relações sociais
entre os sujeitos. Como o corpo e o olhar adaptam-se as exigências das novas
tecnologias.
Até aqui falamos apenas da palavra escrita. Agora iremos discutir sobre a
palavra falada. Erroneamente acreditamos que a leitura é uma prática realizada
somente pelos letrados. Segundo Pierre Bordieu, é necessário sermos sensíveis
quanto à análise da circulação textos e dos impressos,
Pois face ao livro, devemos saber que existem leituras diversas,
portanto competências diferentes, instrumentos desigualmente
distribuídos, segundo o texto, segundo a idade, segundo
essencialmente a relação com sistema escolar, a partir do
momento em que o sistema escolar existe15.

15
BORDIEU, 1996:237.
2o Seminário brasileiro de museologia • 230

Embasados no pensamento de Pierre Bordieu e na metodologia do objeto


gerador procuramos suscitar nos visitantes a seguinte indagação: será que são
apenas os letrados que possuem acesso aos conteúdos dos livros? Fomentar
essa questão e causar um estranhamento nos ajuda a compreender que a
relação dos sujeitos com a circulação dos livros não se dá apenas no âmbito
dos letrados. Nesse contexto, os cordéis são de fundamental importância para
estabelecermos um novo olhar em torno da relação dos sujeitos sociais com a
escrita e a leitura.
Quando se trata de uma cultura do impresso e do escrito no âmbito do
cordel, devemos compreender que há, muito mais, um processo de oralidade
do que de decodificação de sentenças formadas por um conjunto complexo de
palavras, distribuídos numa ordem formalmente gramatical.
Figura 7: Folhetos de cordel Figura 8: Chapéu e óculos de Patativa do Assaré.

Fonte: As figuras 7 e 8 estão disponíveis em: Museu do Ceará. São Paulo: Banco Safra, 2012.

Cordéis são produzidos para serem memorizados e declamados. Seu


processo de leitura se dá por meio de leitura pública e o acesso a eles é
financeiramente viável se levarmos em consideração o custo de produção. Para
pensar as apropriações e usos dos cordéis, durante a mediação partimos da
experiência de Patativa do Assaré.
Fomentar questões a partir dos óculos de alguém que enxerga o mundo
com os sentidos (com o tato e o olfato) é compreender que a leitura não se trata
apenas do aprendizado nos bancos escolares. Ler é uma experiência corpórea e
sensível.
2o Seminário brasileiro de museologia • 231

Regis Lopes no texto Museu, ensino de história e sociedade de consumo,


publicado pela primeira vez em 2001 na Revista Trajetos16 e depois em 2004,
na coleção Cadernos Paulo Freire17, colocou uma questão interessante em
relação aos desafios que, nós educadores, possuímos em relação à aplicação
da pedagogia de Paulo Freire. Segundo ele, nossa dificuldade “é trabalhar com
a seguinte questão: antes de ler palavras, temos leituras do mundo, e quando
lemos palavras acontecem novas leituras do mundo”18.
Se passarmos a levar em consideração que existem leituras e não apenas
codificação de uma série de conceitos que seguem uma ordem sintaxe, lógica e
que são visíveis a partir dos rastros de tinta num papel, possivelmente
superaríamos o desafio lançado por Régis Lopes. É preciso que sejamos
sensíveis, assim como foi Paulo Freire, e atentarmos ao fato de que a leitura é a
interpretação do mundo como Patativa do Assaré fez durante sua vida. Que não
necessitamos de olhos de ver para ler, mas sim de imaginação, de atribuir
sentidos ao vivido, ao imaginado, ao possível, aquilo que experimentamos e
que a vida real nos nega.
Sobre isso, quero contar uma situação que para muitos pode parecer
anedótica. No museu, quando o educador não está mediando, é comum
observar os visitantes que preferem conhecer as exposições sozinhos. Essa
atividade se dá como medida de conservação e proteção do acervo exposto e
para que, caso algum visitante necessite de ajuda, estejamos próximos para
conversarmos sobre eventuais dúvidas. Em um desses dias observei um visitante
que conversava compulsivamente com os óculos e o chapéu de Patativa do
Assaré. A título de exemplo, vou expor parte do diálogo:
- Você é o Patativa, neh?
- É, sou.
-Você escrevia poema, fazia rima, num era?
-Sim.
-Pois é eu também sou poeta. Escrevo poesia.

16
Revista do departamento de História da Universidade Federal do Ceará.
17
Projeto de publicação de textos referentes a museu e educação museal. Essa coleção, assim
como, a coleção Outras Histórias e Outras Historinhas faz parte do projeto pedagógico do
Museu do Ceará.
18
RAMOS, 2004:13.
2o Seminário brasileiro de museologia • 232

Narrei essa ocasião para atentarmos a outro aspecto da visita a um


museu: ela também deve ser divertida. Não podemos ser monogâmicos ao
ponto de tornarmos a visita somente reflexiva, contemplativa ou divertida. É
preciso saber dosar. Pois, embora o Museu do Ceará seja o espaço do fórum,
assim como tanto outros museus, é preciso dar espaço para que o visitante
contemple os objetos, se divirta, que ele possa rir, às vezes chorar (como
acontece comumente com as pessoas idosas), refletir, questionar. O que não
podemos é fazer dos objetos expostos provas, relíquias.
Diante do que aqui expomos é possível considerar que dar voz aos
objetos e proporcionar um diálogo entre os visitantes possibilita a compreensão
do universo do tempo presente e do tempo passado. Porém, há de se ter um
cuidado durante o diálogo. O papel do educador/mediador é de fundamental
importância nesse processo. As perguntas devem ser adequadas, atentando-se a
linguagem e ao cotidiano dos visitantes. É preciso saber o tempo da palavra
escrita e da palavra falada, o tempo da tensão, do conflito, da pilhéria, do
humor... É preciso relacionar o sujeito com a escrita do tempo e com o tempo
da escrita.

Referências

BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.


CATÁLOGO MUSEU DO CEARÁ. São Paulo: Banco Safra, 2012.
CARRIÈRE, Jean-Claude; ECO, Umberto. Não contém o fim do livro. Trad.
André Telles. Rio de Janeiro: Record, 2010.
Catálogo Museu do Ceará. São Paulo: Banco Safra, 2012.
COLARES, Otacílio. A Divorciada, de Francisca Clotilde - um romance ousado e
esquecido. In: CLOTILDE, Francisca. A Divorciada. Ceará: Editora Terra
Bárbara. 2ª Edição. 1996.
LEAL, Almir. Universo Letrado em Fortaleza na década de 1870. In: NEVES,
Frederico de Castro; SOUZA, Simone. Intelectuais. Fortaleza: Edições Demócrito
Rocha, 2002.
2o Seminário brasileiro de museologia • 233

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de Leitura. São Paulo: Edições Liberdade, 1996.
RAMOS, Francisco Régis Lopes. Museu, ensino de história e sociedade de
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Ceará, 2004.
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Dissertação de mestrado apesentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação Brasileira da Faculdade de Educação da Universidade Federal do
Ceará, 2010.
2o Seminário brasileiro de museologia • 234

A MEDIAÇÃO CULTURAL NAS VISITAS DO PROJETO 40 MUSEUS EM 40


SEMANAS

Priscila Leonel1

Resumo
Este estudo parte da experiência em um projeto chamado 40 museus em 40
semanas, que possibilitou visitar 40 instituições museais da cidade de São Paulo.
As visitas eram sempre agendadas com o educativo dos museus e os grupos se
formavam a cada semana, através de convites abertos, feitos pelas redes
sociais. Neste artigo trago narrativas de duas visitas, a fim de trazer elementos
para pensar ações referentes a mediação cultural partindo da experiência
vivida. Enquanto idealizadora e participante do projeto, estive no lugar de
público, e deste lugar posso apresentar observações, refletindo sobre as práticas
educativas em museus, a fim de apresentar elementos para melhor
compreensão e problematização das experiências relatadas e analisadas.

Palavras-chave:
Educação em museus, público de museus, educador, visita a museus

Abstract
This study, emerge from the experience in a project called 40 museums in 40
weeks, which made possible to visit forty museum institutions in São Paulo. The
visits were always booked with the educational body of museums and groups
were formed every week through open calls, made through social networks. In
this article I’ll bring the narratives of two visits, in order to evoke, from the lived
experience, elements to think about actions for cultural mediation. As founder
and project participant, I assumed the visitor´s role, and from this place, had the
opportunity to weave comments for reflections directed to the educational
practices in museums and hoping to provide live elements for a better
understanding and inquiry of the reported and analyzed visits.

Key-words: Education in museums, public museums, educator , visiting museums

••••••••••

1
Mestranda em Arte-Educação na UNESP, professora de Comunicação Museológica No curso
de Museologia na ETEC Parque da Juventude. E-mail para contato: prilepemeluna@gmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 235

Museus são produtos culturais, o que os distancia de qualquer ideal


universalista ou de neutralidade. Assim, entender como são formulados
e como são construídas as narrativas expositivas e educativas faz parte
dos fundamentos da educação em qualquer museu. (MENESES, 2000,
p. 94-95)

Parte da compreensão do processo da recepção em museus está em conhecer


o trabalho interno destas instituições, mas a outra parte está em olhar para
público a fim de observar como as práticas museológicas têm interagido com a
sociedade. Para falar sobre isso, este artigo apresenta parte da pesquisa de
mestrado que desenvolvo na linha de Processos artísticos, experiências
educacionais e mediação cultural, no Instituto de Artes da UNESP e tem como
ponto de partida o projeto 40 Museus em 40 Semanas.
Fui idealizadora e conduzi este projeto, que teve como objetivo principal,
semanalmente convidar pessoas para realizar visitas em grupo a estas
instituições culturais da cidade de São Paulo. Teve início em janeiro de 2013 e
término em maio de 2014, baseado principalmente em visitações agendadas
com o núcleo educativo dos museus. As visitas eram totalmente gratuitas
obrigatóriamente nos finais de semana.
Neste estudo realizo um trabalho de análises de narrativas de memórias,
construídas com anotações de campo e fotografias, através deste processo eu
realimento e recupero estas experiências, perpassando algumas das formas, de
mediação cultural, experimentadas. Estas narrativas, feitas por mim enquanto
observadora e participante das visitas, permitiram-me observar melhor os
visitantes e sua aproximação dos educadores. Observar a prática da mediação
cultural, a partir da visão de público, na percepção e relação com os espaços
me trouxe um resgate de experiências pessoais, de reencontro com a cidade e
seu patrimônio, suas histórias e memórias. Partilhei as descobertas e reflexões
com os grupos naqueles momentos, assim como percebia nos participantes suas
motivações e interesses específicos. Estes relatos podem contribuir para entender
ou levantar questões dos museus e da museologia, agregando experiências, ao
processo de desenvolvimento dos estudos desta ciência e da prática educativa
em museus.
2o Seminário brasileiro de museologia • 236

Dentro desta análise, tornar-se profícuo perpassar aspectos técnicos dos


museus, como a questões da gestão museológica, por exemplo, desenvolvendo
um olhar para aspectos mais formais das instituições, a fim de compreender
como se dão os processos que originam o que chegará ao público nas visitas,
como as do projeto 40 museus em 40 semanas. Cabe ressaltar que nesta
verificação descobri que os museus visitados são geridos por diferentes órgãos
que determinam parte de suas diretrizes educativas, por exemplo, metas para
números de atendimentos ou orientação para funcionamento dos programas
educativos. Permitindo uma melhor compreensão das relações que influem
diretamente no trabalho do educador, e consequentemente, impactaram as
visitas do projeto. Torna-se oportuno fazer uma alusão ao Centro de Referência
de Educação em museus, promovido pela Secretaria de Cultura do Estado de
São Paulo, este Centro tem como objetivo gerar melhores práticas para os
educativos de museus da Secretaria de Cultura, através da troca de experiências
e um levantamento sobre as estruturas, projetos e programas, conhecendo
melhor qual a proposta educativa de cada instituição a fim de elaborar
conceitos unificados, estabelecendo indicadores e criando parâmetros comuns.
O Centro de Referência de Educação (SANTANA, 2014) possui quatro Grupos
de Trabalho que foram reestruturados a partir de janeiro de 2013 e que
contribuem para elaboração de políticas para os museus e seus núcleos
educativos, congregando a participação de vinte e cinco profissionais entre
coordenadores e educadores das equipes dos núcleos educativos dos museus e
da Secretaria de Cultura2.

2
Endereço eletrônico do Site da Secretaria de Cultura -
http://www.cultura.sp.gov.br/portal/site/SEC/menuitem.426e45d805808ce06dd32b43a8638ca
0/?vgnextoid=cacd97c51f155410VgnVCM1000008936c80aRCRD&vgnextchannel=cacd97c51
f155410VgnVCM1000008936c80aRCRD
2o Seminário brasileiro de museologia • 237

Imagem I: Site da Secretaria de Cultura – visita agosto/2015

Para percorrer esta variedade de museus, listo as instituições que foram


visitadas para que seja possível observar as tipologias perpassadas durante as
visitas do projeto, por ordem de visitação:

1. Memorial da Resistência 14. Museu Casa Fundação Ema


2. Museu Afro Brasil Klabin
3. Pavilhão das Culturas Brasileiras 15. Museu da Cidade-Casa Sítio da
4. Centro de Documentação e Ressaca
Memória do Samba 16. Museu do Objeto Brasileiro
5. Museu do Futebol 17. Acervo Palácio dos Bandeirantes
6. Museu Casa Guilherme de 18. Museu da Cidade – Gabinete do
Almeida Desenho
7. Museu da Casa Brasileira 19. Sala São Paulo (visita histórica)
8. Museu Histórico da Imigração 20. Museu da Lasar Segall
Japonesa 21. Museu da Energia
9. Museu de Arte Sacra 22. Museu do Transporte Público
10. Museu Paulista 23. Museu da Imagem e do Som
11. Museu de Arte Contemporânea 24. Museu do Bombeiro
12. Museu da Cidade-Solar da 25. Museu Vicente de Azevedo
Marquesa 26. Instituto Tomie Ohtake
13. Museu de Arte Brasileira da 27. Museu da Língua Portuguesa
FAAP 28. Paço das Artes
2o Seminário brasileiro de museologia • 238

29. Museu do Perfume 35. Museu de Arte Moderna


30. Museu Brasileiro da Escultura 36. Museu Anchieta
31. Memorial da América Latina 37. Museu Casa Maria Luísa e
32. Estação Pinacoteca Oscar Americano
33. Museu da Cidade-Oca 38. Museu do Tribunal de Justiça
34. Museu Florestal Museu Octávio 39. Museus do Instituto Butantã
Vecchi 40.Pinacoteca

Ao pensar na diversidade de acervos e como abordá-los, também se faz


importante uma reflexão sobre as várias expressões culturais que se apresentam
na cidade, assim como, seus desdobramentos em modelos práticos definidores
de como as comunidades guardam, cuidam, expõe e dialogam com suas
memórias e seu patrimônio dentro deste mesmo espaço. E dentro dessa
perspectiva, aparece um museu que pode ser

Livre, plural, passionário e contraditório, infinito em sua potencia [sic],


pode aparecer sob distintas formas, representar todos os modelos
culturais e todos os sistemas de pensamento – de acordo com os
valores e representações das diferentes sociedades, no tempo e no
espaço (SCHEINER, 2001, p. 217).

Observando a lista acima, é possível fazer um desenho dos espaços de


memória da cidade e também dimensionar um pouco dos interesses impressos
nestas escolhas, é também passível de se observar que houve algum critério na
escolha de espaços relacionados, mesmo que de forma inconsciente. Dentre os
museus listados acima, onze são geridos pela Secretaria de Cultura de São
Paulo: a Pinacoteca, o Paço das Artes, o Museu da Língua Portuguesa, a Estação
Pinacoteca, o Memorial da Resistência, o Museu Afro Brasil, o Museu do Futebol,
o Museu Casa Guilherme de Almeida, o Museu da Casa Brasileira, o Museu de
Arte Sacra e o Museu da Imagem e do Som. Isso pode revelar uma
aproximação na forma de museologia apresentada pelos mesmos, visto que são
regidos pelo mesma instituição governamental. Há instituições geridas por
outros órgãos, como o Tribunal de Justiça, a Secretaria do Estado e? do Meio
Ambiente, a Fundação Patrimônio Histórico da Energia de São Paulo, o IBRAM e
a Secretaria municipal de Cultura de São Paulo, há também instituições
particulares que regulam sua própria gestão.
2o Seminário brasileiro de museologia • 239

Ao mesmo tempo saliento que existem muitas variáveis que podem influenciar
uma visita, além de diretrizes dos programas educativos, afinal, somada a
relação com os educadores, a percepção da visita também é influenciada pelo
ambiente e pelas interações intra e extra grupo. Apolline (2012, p.34) nomeia
de climatosofía, configurações referentes ao clima da instituição, que
influenciam na percepção do momento, sendo distintas para cada pessoa, pois
segundo a autora, a aprendizagem é uma coisa que só acontece como parte de
um processo que envolve o espaço e as relações que se estabelecem ali. Sendo
assim, é preciso admitir a existência de um conjunto de variáveis que vão atuar
no processo de visitação, considero fundamental me debruçar sobre elas
separadamente para melhor compreender o fenômeno vivenciado no projeto,
mas por hora concentrar-me-ei nas influencias dos programas educativos,
tentando entender o papel do mediador na recepção e mediação do patrimônio
artístico e cultural.

Este projeto me possibilitou acompanhar muitos educadores e um pouquinho


de seu trabalho, lembrando sempre que meu foco estava no que esperava ser
uma boa visita para os participantes. Percebi que ao convidar as pessoas para
esta atividade, acabava assumindo um pouco da responsabilidade do sucesso
da visita (mesmo sem saber ao certo quais os elementos deveriam compor uma
boa visita) e desejando que ela fosse perfeita. Contemplava as abordagens e
tentava entender o que dava certo e o que parecia dar errado e essas
observações atentas me geravam muitas questões sobre como apresentar a
multiplicidade daqueles acervos de forma cativante, haveria uma fórmula?

A partir das falas dos participantes fui escrevendo minhas anotações e


relendo-as, vejo que havia algo de especial no papel do educador, foi quando
comecei a pensar neste tema. Assim, o projeto permitiu observar vivências
reais, com grupos que se formavam na hora, normalmente por pessoas
desconhecidas entre si e vindas de todas as regiões da cidade, com profissões
diversas, revelando características do que acontece na visita espontânea aos
museus. Segundo Rejane Coutinho (2009a, p. 171), é necessário compreender
o contexto no qual se inserem as ações educativas para pensar estratégias que
2o Seminário brasileiro de museologia • 240

efetivamente aproximem a sociedade, seus bens culturais e patrimoniais. Nesta


perspectiva percebo que narrar minha experiência, em um projeto no qual
acompanhei cada visita e mantive conversas com os todos participantes, tanto
em as visitas, na saída dos museus como através das redes sociais, foi também
uma forma de pesquisa de público, pois ouvia as falas e observava as atitudes e
os comportamentos dos participantes, sendo cúmplice do processo de visitação
e sendo confidente de indignações ou descobertas maravilhadas. Nesta
perspectiva, segundo Almeida (2005, p.37) é preciso, cada vez mais, conhecer
as motivações, expectativas e percepções do público para encontrar mais
possibilidades de aproximação, pois a discussão sobre o papel que os
educativos desenvolvem está imbricada no papel da instituição museológica na
sociedade.

Para melhor falar de experiência em museus e sua conjugação com as ações


educativas, gostaria de retomar uma visão bastante importante por sua
colocação preciosa, já em 1946, quando José Valadares3 publicou seu livro
“Museu para o Povo”, no qual já trazia comentários e pontuava várias
atividades que, segundo ele, deveriam fazer parte da função educativa de um
museu, a fim de melhor receber o público, mas que não aconteceram na maior
parte dos museus brasileiros durante muitos anos. Ao observar as atividades
educativas dos museus da Secretaria de Cultura de São Paulo, apresentadas na
Imagem I, é possível perceber que estas instituições têm preparado atividades
neste sentido apontado por Valadares. Apresento essa referência com intuito
cativar um pensamento crítico sobre as narrativas apresentadas na sequência, e
considero importante apontar dois momentos históricos internacionais que
tiveram grande repercussão no cenário da educação em museus no Brasil,
sendo eles o Seminário Regional da UNESCO sobre a Função Educativa dos
Museus, em 1958, permitindo um salto ao começar a valorizar esta temática e a
Mesa Redonda de Santiago do Chile, em 1972, quando se começou a falar em
ações para abertura dos museus para o público, com intuito social, dito isto, é

3
Diretor do Museu do Estado da Bahia entre 1930 e 1959. Em 1943 recebeu o apoio do
governo do Estado e a Faculdade de Filosofia para que, com uma bolsa da Fundação
Rockfeller, realizasse cursos e estágios em museus norte-americanos e sul-americanos.
2o Seminário brasileiro de museologia • 241

fundamental ressaltar, que durante o projeto vi muitos educativos de museus


tentando entender seu papel e repensar questões da sociedade e outros ainda
criando muitas barreiras entre o público e o acervo da instituição.

O projeto 40 museus em 40 semanas

O projeto começou com o intuito de fomentar diálogos e discussões sobre os


museus, com participantes que se interessassem espontaneamente pelas visitas,
assim, no início do projeto houve uma busca em agrupar os museus por
temáticas, a fim de aprofundar discussões sobre as formas de mediação dos
temas apresentadas pelas instituições. Com o passar do tempo fui percebendo
que as pessoas que partilhavam comigo das visitas cultivavam suas próprias
buscas e que a experiência de cada uma delas era diferente da minha. Os
grupos apresentavam em suas falas a idéia de ter um momento de lazer
desvinculado das preocupações cotidianas, ou preocupações sociais, educativas
ou museológicas, para eles o projeto era uma possibilidade de fazer algo
diferente e conhecer lugares, histórias e pessoas.
Neste artigo busco atentar para formas e programas educativos encontrados e
retomar mais detalhadamente duas visitas, a visita à Pinacoteca do Estado e à
Estação Pinacoteca, abrindo espaço para reler anotações, rever fotos e
realimentar lembranças. Faz-se importante pontuar que as duas instituições
foram, propositalmente, escolhidas para o relato por serem geridas pela
Secretaria de Cultura, investigando se entre os formatos de mediação cultural
apresentados existe uma raiz comum em seus programas educativos. Nas
visitas do projeto 40 museus em 40 semanas o próprio grupo de participantes do
projeto começou a tecer suas considerações sobre o que percebiam dos museus
e dos educadores, falavam sobre isso nas conversas logo após as visita, que
normalmente aconteciam num café, próximo à instituição. Abaixo trago a fala
de uma participante durante visita:

“Nossa, a presença do educador faz toda diferença, neh? Já tinha


vindo nesse museu antes e não tinha gostado, tive muita dificuldade de
relacionar as coisas, tinha achado uma bagunça, hoje foi tão
diferente”.
2o Seminário brasileiro de museologia • 242

Ouvir reclamações, descrições e análises subjetivas, fazia parte do dia a dia


deste projeto e costurei minhas narrativas a partir destes enredos, apresentando,
portanto, descrições desta experiência a partir das minhas sensações e de
observação dos demais participantes, nesta relação com as instituições que
eram totalmente novas para nós.

Compor um projeto com tantos museus era ao mesmo tempo uma forma de
apresentar esses espaços para outras pessoas e também de encontrar elementos
desconhecidos que pudessem contribuir na minha construção de identidade.

Narrativas das visitas


Trago os relatos destas duas visitas, por serem bastante ricos para explorar e
analisar as potencialidades do educativo, assim como para observar momentos
em que os participantes se distraem, se soltam e se mostram, possibilitando
reconhecer variáveis como motivação, atenção e climatosofia. Todos estes
vetores contribuindo para ampliar a compreensão da experiência no museu, a
partir do contato com o prédio, com as obras, com o educador e com o grupo.

Visita à Pinacoteca

Chego a Pinacoteca e fico do lado de fora do portão, esperando os


participantes, pois, como sempre, eu nunca sei ao certo quantas pessoas virão.
Alguns amigos vão chegando, mas estou muito ansiosa, por ser a última visita,
pois tenho uma grande expectativa de que dê tudo certo. Fico andando de um
lado para o outro, tiro fotos das pessoas conversando ao sol de outono, felizes e
sorrindo, mas não consigo me entregar ao deleite, estou muito ansiosa. Os
participantes vão chegando aos poucos, quase todos chegam acompanhados. E
vão parando por ali, ao avistarem o grupo vão se aproximando. Muitos já se
conhecem por terem se encontrado em alguma visita passada e outras vão se
conhecendo, se apresentando. A visita estava marcada para as 14 horas, mas
como algumas pessoas haviam avisado, pelo Facebook, que viriam ao museu, eu
peço, na portaria para que a educadora aguarde mais alguns minutos. Quando
são 14 horas e 10 minutos a educadora aparece e pergunta se podemos
começar a visita, neste momento já estamos em 24 pessoas e considero que
esperar mais pode ser muito enfadonho para o grupo, então digo que podemos
começar.
2o Seminário brasileiro de museologia • 243

Foto na Pinacoteca – por Priscila Leonel

A educadora convida a todos para guardarem suas bolsas e fazer uma


roda na porta do museu, antes mesmo de adentrar o prédio. Ela
pergunta sobre o projeto e diz que está muito feliz de participar de uma
data tão importante, pois já tinha ouvido comentários sobre o projeto
“40 museus em 40 semanas” e diz que gostaria de ter participado de
alguma visita anterior, porém estava sempre trabalhando nestes dias. A
roda é muito grande e do lado de fora há muito barulho, a educadora
então convida o grupo para entrar no museu e continuar a conversa lá
dentro. A educadora pergunta quem está no projeto há bastante tempo
e depois faz referências ao que as pessoas pensam sobre museu.
Um, dos participantes estava com muita cara de entediado, mas por
algum motivo resolveu fazer uma pergunta para educadora. Fez uma
pergunta específica sobre aquele museu. Ela foi muito receptiva e
depois disso percebi que ele parecia mais motivado do que antes. Dois
dos participantes que haviam levado crianças se afastam um pouco do
grupo e se dedicam a mostrar esculturas para as crianças. Uma
participante, menina de doze anos, sobrinha de uma moça que
acompanhava sempre o grupo, pergunta o que é Pinacoteca e a
educadora responde muito educada. Neste momento um dos
participantes me chama perto de uma obra e pede par que tirar uma
foto dele, outros participantes se aproximam da obra e outros começam
a circular pela sala, em um processo natural e a educadora deixa que
as pessoas fiquem a vontade no espaço por uns dez minutos e depois
convida o grupo a se reunir novamente e discutir o que viram, quando
alguém responde, ela diz: “Ah, legal!” e continua um discurso sobre a
formação do acervo. Um dos participantes comenta que as obras na
Pinacoteca parecem bem mais conservadas do que em muitos museus
que fomos antes, a educadora diz que deve ser por conta do
departamento de conservação que o museu possui. As pessoas
2o Seminário brasileiro de museologia • 244

começam a fazer várias perguntas técnicas (como questões de


curadoria, por exemplo) e a educadora responde prontamente a tudo.
Um dos participantes chega do meu lado e diz que a educadora
explicava muito bem, que ele já havia lido o texto curatorial na parede,
mas quis perguntar para ela, só para ouvir sua explicação que era
muito completa e interessante. Ele disse que ela dominava muito o
assunto e não falava correndo e nem desesperada.
Uma das participantes fala que as obras do Almeida Junior trazem
representações de como vivia o povo brasileiro, como um registro
antropológico e que ela não conseguia ver isso na arte contemporânea
em outros museus que visitamos. A educadora comenta sobre o fogão à
lenha, representado na obra, e quem já havia usado um daqueles e
todo mundo ri, pela alusão à idade.
Logo depois, a educadora diz ao grupo que a visita terminou e se
alguém ainda gostaria de fazer alguma pergunta. Algumas pessoas
estão já se dispersando e eu ainda corro atrás de algumas para dar um
último abraço. Levo alguns amigos até a porta e volto para me despedir
dos outros. É um momento difícil, pois é hora, também, de finalizar o
projeto.

Visita à Estação Pinacoteca

Algumas pessoas vão chegando e se unindo ao grupo, são amigos de


longa data ou pessoas que eu só conhecia de eventos em museus. Um
ou outro participante avisa que está esperando mais alguém e uma das
pessoas ali convida o grupo para tomar um café enquanto espero os
demais chegarem. Eles vão e eu fico na porta aguardando. Quando
todos estão prontos chamo a educadora que já nos aguardava e a
visita começa. A mesma participante que havia convidado os demais
para um café parece não dar muita atenção na fala da educadora, fica
olhando para os lados. Os outros parecem muito atentos, percebo pelo
olhar faminto e satisfeito com que recebem todo palavrado ininterrupto
da educadora. No começo da visita não havia muita interação, nem
espaço para os visitantes, estes eram apenas ouvintes, mas pareciam
gostar dessa posição. Ela pareceu fazer isso até se sentir confiante, via
em seus olhos que busca em meu olhar uma aprovação, fez isso
diversas vezes. E então começou a fazer algumas perguntas ao grupo,
gerando conversas, pois os participantes estavam muito envolvidos. A
participante que olhava para os lados continua dispersa e outra
participante parece se preocupar mais com a leitura dos textos de
parede do que com as conversas do grupo. Neste momento chegam
mais duas pessoas, sendo que uma delas é uma educadora que havia
nos recebido no “Pavilhão das culturas brasileiras”, ela chega muito
animada e já se une ao grupo.
Neste momento estamos em quatorze pessoas, é um grupo grande, as
conversas são poucas, mas as risadas são muitas. A educadora passa
bastante tempo na frente de uma só obra, tentando levantar questões
sobre ela, era uma obra da Tarsila do Amaral, o grupo participa neste
momento, mas um casal vai para o fundo e começam a conversar. A
educadora traz na bolsinha uma obra impressa para comparar, como o
quadro, é uma reprodução pequena e ao mostrar para o grupo, todos
se aproximam e neste momento consigo ter maior dimensão sobre a
atenção do grupo. A participante que sempre olhava para os lados faz
uma intervenção em uma fala da educadora, discordando da mesma,
2o Seminário brasileiro de museologia • 245

essa fala é bem cumprida, como um discurso. E o grupo fica em


silencio, e não consigo saber ao certo o que o silencio significa, se é
concordando ou desaprovando a fala da colega. Depois disso a
educadora convida os participantes a mudarem de obra e vamos
observar uma escultura. Neste momento os visitantes parecem muito
tímidos em dar opinião. Uma das participantes faz uma alusão ao
quadro do Portinari, levantando uma questão sobre escravidão, isso
acalora a discussão e todos começam a participar novamente e neste
momento a educadora tira uma reprodução do quadro de Portinari da
bolsinha e ninguém parecia acreditar que aquilo era possível, começam
a gargalhar, por tamanha coincidência.

Foto na Estação Pinacoteca – por Priscila Leonel

Neste momento eu percebo que uma das integrantes, que havia


chegado depois, havia deixado o grupo e está realizando uma visita
sozinha na exposição.
A educadora continua falando muito, trazendo muito conteúdo, mas o
grupo ouve atento, não participando muito, nem trazem experiências
pessoais. As falas são sempre trazendo citações teóricas sobre o
assunto. Percebo que outras pessoas vão deixando o grupo para ver
outras obras sozinhas. Um dos participantes estava muito atento até
então, começa a espreguiçar e depois fica com os braços cruzados. A
educadora não estimula muitas conversas que os participantes
travavam e deixa que eles se percam do grupo. De alguma forma a
educadora é muito simpática, mas não consegue deixar o grupo
inteiramente à vontade.

Conclusão
Os dois relatos acima são parte da história do projeto 40 museus em 40
semanas, que através de visitas possibilitou ter algumas referências das
mediações culturais estabelecidos nestas instituições. Pensar a Educação em
museus a partir do projeto 40 museus em 40 semanas é uma forma de percorrer
2o Seminário brasileiro de museologia • 246

experiências práticas da ação educativa museal e trazer uma reflexão sobre


elas.
Poderia apontar que entre os principais elementos para socialização do grupo e
melhor participação durante toda visita era quando o educador levava em conta
os interesses apresentados pelas pessoas, as melhores visitas ocorreram quando
o educador se preocupava em fazer o acolhimento do grupo e perguntava sobre
o projeto, sobre as visitas que já haviam sido feitas e sobre motivações pessoais
dos integrantes, tentando se aproximar das pessoas.
O educador da Pinacoteca que ouvia cada integrante e sua razão para estar
naquele museu, participando do projeto, conseguiu logo no começo uma
cumplicidade do grupo, percebi que os olhares ficaram muito atentos a tudo
que o educador convidasse. Outro aspecto, que se mostrou um diferenciador
em muitas visitas, e também se repetiu na Pinacoteca, foi quando o educador
deixava os participantes explorarem o espaço expositivo por conta própria, no
seu tempo, seguindo seus interesses, ao invés de buscar dirigir o grupo.
Apesar do começo da visita à Estação Pinacoteca ter sido com pouca
participação do grupo e nenhuma pergunta pessoal pela educadora, os
participantes não pareciam sentir falta desta ação, estavam muito envolvidos
com a fala da educadora, prestavam muita atenção ao relato que a mesma
desenvolvia, assim podemos assumir que um dos pontos importantes para as
visitas é a contextualização das obras, pois muitos visitantes esperam encontrar
este elemento, em especial.
Na Estação Pinacoteca, a educadora só deixou os educadores livres para visitar
os espaços sozinhos, no final, talvez como uma estratégia para manter o grupo
unido e isso realmente aconteceu com a maioria, mas mesmo assim, alguns
participantes se permitiram deixar o grupo e sentiram-se livres para retornar e
discutir as temáticas com os demais naturalmente.
Esta mediação se destaca, junto a outras do projeto, pela presença de material
de apoio que a educadora carregava na bolsinha, estilo pochete, as pessoas
pareciam gostar muito de tocar em reproduções de obras ou de discutir com
mais elementos além do acervo. A maioria delas parecia estar muito surpresa
com a existência daquele material, que suscitou uma metodologia bem
2o Seminário brasileiro de museologia • 247

interessante. Outra relação de diferença metodológica entre as duas mediações


relatadas é a de que na Estação Pinacoteca, a educadora só começou a fazer
perguntas trazendo os participantes para a conversa depois de algum tempo,
dando espaço para que eles se sentissem à vontade no espaço e no grupo, foi
possível perceber que a seguir, ao convidar os visitantes a falar, estes
responderam prontamente, como se já houvesse um canal aberto entre eles, e
em outras visitas, onde esse tempo não foi cultivado, percebia os participantes
muito tímidos no começo e suas respostas tendiam a ser menos carregadas de
pessoalidade.
Verificando a existência de uma metodologia que se repetisse entre as formas de
recepção encontradas nas visitas relatadas, assumo que não poderia dizer isso,
pois não havia uma sequência de ações coincidentes, mesmo que em
diversidade de ordem, ficava latente no processo a personalidade do educador.
Cabe trazer uma citação bastante antiga que me provoca a reflexão sobre ações
educativas em nossos museus, Foundoukidis4 (1938, p 21) salienta que “há uma
inconveniência de se formularem regras para museus, embora existam questões
que não podem ser deixadas à improvisação”, com isso podemos pensar em
diversos aspectos do museu inclusive na ação educativa, pois enquanto público,
percebi que precisava sentir a segurança de que o mediador sabe o que está
fazendo, mas ao mesmo tempo necessitava de espaço para fruição, reflexão e
construção de minhas próprias ideias sobre o que via.

Durante as sequências de visitas, fui aprendendo que a personalidade do grupo


se modificava cada vez que havia um novo integrante, e como os grupos se
reconfiguravam a cada visita, isso exigia de mim novas forma de conversa,
postura e aproximação, desvelando que isso também deveria demandar dos
educadores uma sensibilidade na observação atenta dos integrantes.

Assim torna-se difícil fazer uma comparação sobre as ações, o que não é o meu
intuito, pois não é preciso qualificar ou quantificar as mediações culturais, mas
observá-las atentamente e, partindo deste leque de experiências, valorizar e

4
Foundoukidis foi chefe e redação da Revista mouseion e diretor do Office Internacional des
Museés
2o Seminário brasileiro de museologia • 248

explorar estas ações que deram certo, que ganharam o grupo, desenvolvendo a
temática de forma criativa ilustrando o contexto e animando possibilidades. A
partir dessas observações atentas, como as que foram narradas neste artigo,
teremos elementos para aprimorar essa prática de mediação que, apesar da
presença massiva nos museus brasileiros, ainda vem ganhando forma e se
estruturando.

Referências

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Valadares ‘um homem de museu’. III ENECULT – Encontro de Estudos
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2o Seminário brasileiro de museologia • 250

POSSIBILIDADES EDUCATIVAS NO MUSEU DE ARTES E OFÍCIOS

Jezulino Lucio Mendes Braga1

Resumo
Esse texto apresenta dados de pesquisa sobre o uso pedagógico do Museu de
Artes e Ofícios em Belo Horizonte. Centra a discussão a relação entre o setor
educativo do museu e os professores que fazem uso frequente da exposição
para ensinar história. Analisa os materiais pedagógicos e atividades ofertadas
pelo setor educativo na aproximação com os docentes e afirma a
potencialidade educativa da exposição museal para o ensino e aprendizagem
de história. Afirma a importância dos museus nos processos formativos que
incluem docentes, discentes e educadores de museus.

Palavras chaves: Museu- Setor Educativo-ensino de história.

Abstract
This paper presents data from a research about the pedagogical use of the Artes
e Ofícios Museum of Belo Horizonte. We focused the analysis in the relationship
between educative sector of the museum and the teachers who frequently use the
exhibitions for teaching history. It also analyses the pedagogical materials and
activities provided by the educative sector for teachers and study the educative
potentiality of the museum’s exhibitions for teaching history. Finally, it supports
the importance of the museums for the formation of teachers, students and
museum educators.

Key words: Museum-Educative Sector-Teaching History

Introdução

Este texto apresenta as possibilidades educativas do Museu de Artes e


Ofícios por meio da análise do Guia do Educador elaborado pelo setor
educativo e de uma pesquisa feita com professores que fazem uso frequente do
museu. Essa pesquisa faz parte da minha tese de doutorado intitulada
Professores de História em Cenários de Experiência, na qual investiguei os usos e

1
Professor de Prática de Ensino de História, Coordenador de Pesquisa da Universidade do
Estado de Minas Gerais-UEMG-Campanha, luciohistoria@hotmail.com.
2o Seminário brasileiro de museologia • 251

estratégias de ensino de história neste museu e os significados que os


professores dão às suas experiências no contato com a exposição (BRAGA,
2014).
Apresento dados coletados na primeira etapa da pesquisa feita a partir
de questionário enviado aos professores que responderam positivamente ao
convite do setor educativo do MAO. O setor educativo se disponibilizou a
relacionar todos os professores de história que visitaram o museu nos últimos
dois anos e enviar um convite por meio eletrônico para participação na
pesquisa. O setor educativo do MAO consultou 115 professores sobre interesse
e disponibilidade em participar da pesquisa. Obtiveram 45 retornos sendo que
6 deles foram negativos. Enviamos questionários para 39 professores na
primeira etapa da pesquisa e obtivemos 26 retornos.
Aos professores que aceitaram participar da pesquisa foi enviado um
questionário elaborado pelo autor da tese e validado por um grupo de
pesquisadores do LABEPH (Laboratório de Estudos e Pesquisa em Ensino de
História). O questionário foi inserido em um programa desenvolvido
especialmente para a pesquisa e disponibilizado no site
http://www.jezulinolucio.com.br/. Esse programa permitiu que os dados fossem
consolidados de forma mais rápida minimizando algumas perdas eventuais
quando os questionários são aplicados em papel. Somente o pesquisador teve
acesso à configuração do sistema, assumindo o controle sobre os questionários
e convites enviados para participação na pesquisa.
O Museu de Artes e Ofícios foi inaugurado no dia 14 de dezembro de
2005 e aberto ao público no dia 10 de janeiro de 2006. O projeto estava
sendo gestado desde 2000 pelo Instituto Flávio Gutierrez (IFG) em parceria com
a CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos). A empresária mineira e
presidente do IFG Ângela Gutierrez colecionou durante algum tempo objetos
representativos da fase manufatureira da indústria mineira, além de utensílios
da cozinha, móveis e outros objetos que foram recolhidos no interior de Minas
Gerais. Tais objetos são classificados como acervo representativo do trabalho
pré-industrial do Brasil dentro da proposta de apresentar os ofícios como arte.
2o Seminário brasileiro de museologia • 252

O museu foi instalado nos prédios da Estação Central e Oeste de Minas


localizados na conhecida Praça da Estação, cujo nome oficial é Praça Rui
Barbosa. O local é de fácil acesso, atendido por várias linhas de ônibus e pelo
metrô de Belo Horizonte. Um dos responsáveis pelo projeto de criação do
Museu o museólogo Pierre Catel (2005) afirma que:
Nosso objetivo era ter um público bem popular, uma vez que íamos
trabalhar num terreno para difundir um conhecimento popular, e era
preciso restituir uma identidade, um interesse ao trabalho manual e ao
trabalho técnico. Aliás, era preciso se situar num lugar onde o público
já estivesse antes. Foi por isso que pensamos na possibilidade de fazer
esse museu numa estação de metrô. Agora, se vamos falar em
percentagem, não serei capaz de dar percentagens, mas, digamos,
podemos pensar em um milhão de usuários do metrô. É evidente que
aqueles que queremos atingir é o público da periferia urbana, que
não tem, forçosamente, muitos espaços culturais à disposição. São
pessoas que, nós sabemos, estão cansadas à noite, quando voltam do
trabalho. Se queremos que eles venham ao museu por um tempo, é
preciso atraí-los, mas não com grandes teorias. Em compensação,
sabemos que é um espaço facilmente acessível para eles, porque há o
metrô (CATEL apud KOPTCKE, 2005, p. 326).

De acordo com Catel (2005), milhões de trabalhadores transitam pela


praça todos os dias e essa é uma das justificativas para instalação do museu
naqueles prédios uma vez que o projeto museal é destinado a narrar a história
dos ofícios. Segundo o museólogo, é preciso atrair esse contingente de pessoas
a partir de uma relação empática onde as teorias venham apenas como
acessórias. Além desses dois prédios existem os galpões ferroviários na Rua
Aarão Reis e o prédio da Estação Ferroviária do Trem da Vale do Rio Doce que
compõem o conjunto arquitetônico do início do século XX.
Desde sua inauguração o MAO é amplamente frequentado e constitui um
importante aparelho cultural da cidade de Belo Horizonte. Possuir setor
educativo que realiza atividades em parceria com as escolas, investe em
formação continuada e produz materiais didáticos que auxiliam o uso
pedagógico da exposição.

O Museu de Artes e Ofícios e a Educação

Os museus são ambientes de formação, tanto para educadores que


atuam diretamente na instituição museal, quanto para professores que dele
fazem uso educativo. De acordo com Pereira & Siman:
2o Seminário brasileiro de museologia • 253

O exercício do fazer educativo em museus é visto como oportunidade


formativa porque rica de experiências, contatos e trocas que
proporcionam quando aproveitados-situações novas, enriquecedoras
e reinventivas. Ao aprender na prática, com a prática e pela
experiência, o educador em museus poderá tornar sua ação
profissional um exercício de aprendizagem, que, uma vez iniciado,
não se completa e não se finda, residindo nessa processualidade,
especialmente, sua maior riqueza (SIMAN & PEREIRA, 2009, p. 4).

Assim, podemos questionar em que medida as equipes educativas dos


museus têm convidado o professor ao diálogo, ou quais sensibilidades, valores,
crenças éticas, estéticas e políticas são partilhadas no encontro dos professores
com as equipes dos setores educativos dos museus. E na escola, que trocas
ocorrem entre professores aprendentes nos museus e seus colegas de profissão?
Estas discussões tornaram-se pertinentes no Brasil a partir da década de
1950, quando a educação passou a integrar as funções dos museus, como um
campo fundamental na relação que estabelecem com a sociedade. Para Knauss
(2011), na década de 50 a educação nos museus deixa de ser tratada em
termos genéricos e passa a ser discutida em sua relação com as escolas. O
autor fez um levantamento sobre as discussões que estavam sendo feitas nos
Anais do Museu Histórico Nacional e outros artigos que defendiam até mesmo a
criação de serviços educativos independentes dos serviços técnicos dos museus.
O autor ainda aponta como marco nesse processo a realização do Seminário
do ICOM, acontecido no Rio de Janeiro em 1958 (KNAUSS, 2011)
O modelo de museu proposto na criação do Museu Histórico Nacional
(MHN) em 1922 tinha o público escolar como referente, antecipando o debate
sobre a aproximação dos museus e escolas (KNAUSS, 2011). Na década de
1940, o então diretor do museu, o Gustavo Barroso, propunha uma reforma no
Curso de Museus criado 10 anos antes, principalmente no que se referia à
função educativa das coleções. Já é conhecido pela bibliografia o entusiasmo de
Barroso ao patrimônio cultural, principalmente pela via saudosista, na
recuperação de um passado glorioso e na tentativa de despertar nas gerações o
amor à pátria.
Em 1947, Barroso publicou a Introdução à técnica de museus, cujo foco
principal é a organização e a preservação das coleções, sem aprofundar no
sentido educativo dos museus. Entretanto, pesquisando os Anais do Museu,
2o Seminário brasileiro de museologia • 254

Knauss (2011) encontrou artigo em que Nair Moraes de Carvalho, professora


do curso de museus do MHN, elabora, por meio de outras referências, modelos
para a visitação escolar que se daria de formas variadas como:
(...) visitas escolares dirigidas eram caracterizadas como as que se
realizam durante o horário de aula, com programa preestabelecido de
antemão e com preleção dos conservadores do museu. Por sua vez, as
visitas escolares livres eram as que se realizadas por grupos de
estudantes indicados, fora do horário de aula e sem serem
necessariamente acompanhados, propondo-se um tema para estudo
ou inquérito. As visitas escolares combinadas, porém, compunham-se
de uma parte dirigida e outra parte livre, combinado assim os outros
dois tipos. (KNAUSS, 2011, p. 586)

Observa-se que já neste período existe uma preocupação com visitas


livres, nas quais seria proposto um tema para estudo a partir dos conteúdos
escolares. É claro que a preocupação era com a História da Pátria, através de
uma narrativa baseada em eventos políticos e heróis nacionais. Nesse caso, o
papel dos museus seria o de auxiliar a escola no desenvolvimento de uma
educação para a consciência patriótica.
Foi a partir dos anos de 1980, com a influência dos debates sobre a
nova museologia, que as instituições montaram equipes específicas para
atender a demandas vindas das escolas, formularam materiais de orientação
para os professores e promoveram cursos e seminários atendendo a essa
camada profissional como o realizado no Museu Imperial, dedicado a discutir o
tema geral Uso Educacional dos Museus e Monumentos. É nesse encontro que é
cunhada a expressão educação patrimonial e lançada as bases para uma
metodologia que pensa a educação nas relações subjetivas com o patrimônio.
No entanto, ainda existe um grande número de museus que não
possuem os chamados “setores educativos” devido à falta de investimentos
públicos ou até mesmopor optarem por uma relação direta entre o público
escolar e as exposições propostas em suas galerias2.
Para Santos, todas as ações museológicas devem ser pensadas como
ações educativas, ainda que o museu não tenha um setor específico que cuide
dessas atividades, uma vez que “sem essa concepção, não passarão de técnicas
que se esgotam em si mesmas e não terão muito a contribuir para os projetos

2
Dados levantados pelo IBRAM indicam que 51,9% dos museus brasileiros não possuem serviço
educativo mas 80,6 % oferecem como opção a visita guiada. IBRAM. Museus em Números.
Brasília: Instituto Brasileiro de Museus, 2011, online.
2o Seminário brasileiro de museologia • 255

educativos que venham a ser desenvolvidos pelos museus, tornando a instituição


um grande depósito para guarda de objetos” (SANTOS apud IBRAM, 2011, p.
119)
O Museu de Artes e Ofícios iniciou suas atividades educativas no ano de
sua inauguração3. Entre 2004 e 2007 foi desenvolvido no museu um conjunto
de ações educativas que ficaram conhecidas como Fio da Meada. De acordo
com Miriam Hermeto e Gabriela de Oliveira (2009), o planejamento e a
execução das ações educativas incentivavam o visitante a encontrar o fio da
meada do saber fazer dos sujeitos em diferentes temporalidades. O programa
tomava como pressupostos epistemológicos:
(...)1) o processo de aprendizagem é individual e depende das
condições do sujeito; 2) a educação é mediada formal ou informal-
pode dar ao sujeito mais condições de aprender o objeto e construir
conhecimento sobre ele. A partir destes pilares, o Fio da Meada
buscava contemplar as características dos diferentes sujeitos que
frequentavam o Museu, do ponto de vista cognitivo, social e
emocional. Tomava os educadores do museu como mediadores do
processo de ensino-aprendizagem, valorizando o desenvolvimento de
atividades que promoveriam a inclusão e a participação de diferentes
sujeitos e segmentos sociais, criando condições para que o espaço
museal fosse utilizado na construção de conhecimento, de
desenvolvimento e da aprendizagem do ser humano em sua
dimensão cultural, histórica e social (HERMETO & OLIVEIRA, 2009, p.
94-95).

No programa Fio da Meada o objeto não é o foco central no processo de


aprendizagem, mas o sujeito, uma vez que na mediação estão envolvidos além
de objetivos cognitivos, fatores afetivos e emocionais. As visitas orientadas
abriam espaço para fruição livre. As escolas eram recebidas pelos educadores
mediante agendamento que dependia da participação dos professores em
seminários de capacitação. Os educadores conduziam a visita explorando os
ofícios a partir de questões problema, dialogando e potencializando o senso
crítico dos estudantes. No pós-visita era feita uma reflexão para verificar se os
objetivos trabalhados foram alcançados:

3
O Museu de Artes e Ofícios foi inaugurado no dia 14 de dezembro de 2005 e aberto ao
público no dia 10 de janeiro de 2006. O projeto estava sendo gestado desde 2000 pelo Instituto
Flávio Gutierrez (IFG) em parceria com a CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos). A
empresária mineira e presidente do IFG Ângela Gutierrez colecionou durante algum tempo
objetos representativos da fase manufatureira da indústria mineira, além de utensílios da
cozinha, móveis e outros objetos que foram recolhidos no interior de Minas Gerais. Tais objetos
são classificados como acervo representativo do trabalho pré-industrial do Brasil dentro da
proposta de apresentar os ofícios como arte.
2o Seminário brasileiro de museologia • 256

(...) a ação educativa pretendia promover a criação de vínculos


afetivos entre os diversos sujeitos visitantes e os objetos que fazem
parte do espaço museal. Antes da visita, propriamente dita, às
exposições, os educadores do museu dialogavam com os grupos de
visitantes, provocando-os, por meio de questionamentos e narração
de histórias, a olhar para os objetos não apenas como peças de
museu, mas como peças vivas que compõe o cotidiano

(HERMETO & OLIVEIRA, 2009, p. 96).

O projeto Fio da Meada previa também interações com professores na


realização de seminários e cursos de formação, com o objetivo de refletir sobre
as ações pedagógicas que poderiam ser desenvolvidas no museu.
Em 2008 foi implantado o projeto Trilhas e Trilhos que tinha como
objetivo promover a mediação entre o acervo do MAO e o público. Segundo a
coordenadora do setor, Naila Mourthé, esse projeto fortaleceu a ação educativa
do MAO ao oferecer atividades complementares e diferenciadas, além de
ampliar a capacidade de atendimento a grupos de estudantes. A proposta foi
intitulada Trilhas e Trilhos porque:

(...) é uma remição ao trem, ao tema que envolve a Praça da Estação.


Só que o trilho a gente sabe exatamente onde vai dar, e no setor
educativo, a gente entende que nós fazemos propostas, mas onde nós
vamos chegar, talvez a gente percorra outros caminhos. (MOURTHÉ,
apud BARBOSA, 2010)

A proposta do setor educativo é fazer a mediação com o público, ainda


que esse não seja exclusivamente o escolar. Segundo a coordenadora, não se
trata apenas de uma visita guiada ou orientada, mas de perceber as interações
possíveis entre o público e o museu. Portanto, a metodologia é aberta à
participação dos professores e demais visitantes que contribuem no resultado
final.
Para apresentar os projetos do setor educativo e servir como material de
apoio aos professores que fazem uso pedagógico do museu foi elaborado um
Guia do Educador. Trata-se de um encarte que, além de apresentar o serviço
educativo, faz sugestões de atividades para realizar antes, durante ou depois da
visita. Inclui cinco propostas de uso educativo do museu que podem atender
crianças, públicos diversos, adolescentes e jovens de uma forma geral.
2o Seminário brasileiro de museologia • 257

Figura 1 – Guia do Educador (1)

Fonte: Museu de Artes e Ofícios, 2008.

Esse guia tem um caráter permanente, mas os encartes existentes na


capa e contracapa são acrescentados anualmente. Os encartes são de fotos
com algumas informações de ofícios apresentados na exposição do MAO e
outros encartes com atividades didáticas ligadas a estes ofícios. A cada ano os
encartes são mudados com o acréscimo de outros ofícios, o que permite que o
professor tenha mais informações e outras propostas de atividades.
2o Seminário brasileiro de museologia • 258

Figura 2 – Guia do Educador (2)

Fonte: Museu de Artes e Ofícios, 2008

Os encartes são modificados com sugestões de atividades desenvolvidas


pelos docentes no MAO. São atividades do Socializando Práticas Educativas,
além daquelas desenvolvidas na exposição do museu. A proposta desse
material é deixar opções para a intervenção do professor que faz uso educativo
do museu.
2o Seminário brasileiro de museologia • 259

Figura 3 – Guia do Educador (3)

Fonte: Museu de Artes e Ofícios, 2008


2o Seminário brasileiro de museologia • 260

Figura 1– Guia do Educador (4)

Fonte: Museu de Artes e Ofícios, 2008

Outro espaço formativo oferecido pelo MAO é o Ampliando Horizontes,


que tem como objetivo discutir temas que possibilitem ao professor ressignificar
suas práticas docentes no uso pedagógico dos museus. O serviço educativo
propõe um tema geral a cada semestre e convida pesquisadores, especialistas,
portadores de experiências significativas em projetos que envolvam o museu,
música, teatro, literatura, pintura ou outra área pertinente. De acordo com Naila
Mourthé “(...) este é um espaço para a discussão de temas mais amplos, mas
sem dúvida alguma vão dar muitos subsídios para os professores atuarem em
sala de aula nas discussões antes, durante ou depois das visitas” (MOURTHÉ
apud BARBOSA, 2010).
O Ampliando Horizontes é uma atividade formativa para professores e
para equipe de educadores de museu e ao mesmo tempo é uma abertura para
questões debatidas na contemporaneidade como racismo, direitos humanos,
meio ambiente, economia, arte, entre outros temas. Essa abertura possibilita ao
2o Seminário brasileiro de museologia • 261

museu o estabelecimento de parcerias com a comunidade, rompendo a ideia de


um espaço fechado que encapsula o tempo, avançando para concepção de um
museu que democratize a experiência e o conhecimento humano. Um museu
que se realiza pelo compromisso social, no sentido de incorporar questões do
presente no diálogo com sua exposição.
Outro projeto desenvolvido pelo setor educativo é o Socializando Práticas
Educativas que tem como principal objetivo valorizar as práticas docentes no uso
pedagógico do Museu. No início de cada ano é divulgado um edital que
convida os professores a redigirem uma atividade desenvolvida no antes,
durante ou depois da visita ao MAO. No site do museu a orientação é de que os
professores:
(...) interessados em participar devem enviar uma descrição, em linhas
gerais, da proposta de trabalho, do segmento envolvido, dos objetivos
propostos, do desenvolvimento da atividade e dos resultados obtidos.
Vale ressaltar, que um parecer pessoal pode ser muito significativo
para sensibilização de outros educadores para o aproveitamento e a
recriação das práticas. (Museu de Artes e Ofícios, online)

Ao final de cada semestre algumas práticas são selecionadas e o


professor é novamente convidado a socializá-las em uma mesa redonda que
acontece no hall de entrada do museu. É um momento em que as práticas são
partilhadas com outros professores que podem, a partir da experiência
desenvolvida, ressignificar suas ações pedagógicas no uso do museu. As
práticas são também divulgadas no site do Museu e no Guia do Educador do
próximo ano.

Outra ação educativa do MAO é O Passe Livre do Educador, que oferece


gratuidade ao professor em visitas ao museu. Para garantir esse direito é
necessário que o professor participe do Momento do Educador, que é uma
forma do setor educativo estabelecer relações com a escola. O professor entra
em contato com o setor educativo por meio do telefone e é convidado a
participar do Momento do Educador, que consiste em um espaço formativo para
o uso pedagógico do Museu onde são apresentados o
Guia do Educador e entregue o seu Passe Livre.

Ações educativas vêm sendo desenvolvidas em parcerias com instituições


de ensino e pesquisa como a criação do CD Tematizando Artes e Ofícios feito
2o Seminário brasileiro de museologia • 262

em parceria com o LABEPH/UFMG, a PUC-MG (CEFOR) e a UEMG4. O CD é


composto por textos, poemas e sugestões de atividades para o cenário do
couro. É um instrumento pedagógico voltado a professores de diferentes áreas
do conhecimento. Serve para o uso dos museus que privilegiam a educação
pela memória e a história em um recorte temático, estimulando o professor a
fazer escolhas na visita aos museus, superando a angústia por uma visita total
que comporte todos os sentidos despertados ali.
Também para superar a angústia pela visita total, o setor educativo do
MAO sugere ao professor 7 trilhas que podem ser um caminho para os
professores para que usem de forma mais instrumental a visita ao museu. Não
se trata de um instrumental que desconsidera as dimensões sensíveis na
educação e deixa de privilegiar o modo subjetivo de fruição dos estudantes.
Consideramos apenas que o professor define objetivos prévios na visita
educativa e que, desse modo, particulariza a relação com a exposição.
As trilhas são uma possibilidade de “objetivar” a visita ao MAO,
provocando o debate sobre conteúdos escolares específicos. Segundo Naila
Mourthé, as trilhas provocam conteúdos interdisciplinares sem privilegiar apenas
a área de humanas e sociais, mas possibilitando o uso pedagógico do museu
pelas diversas disciplinas escolares dispostas nos currículos, além de propor a
transversalidade em temas de interesse de professores e estudantes. O professor
é convidado a pensar em outras possibilidades para além daquelas contidas
nos conteúdos escolares, mesmo porque não teria como o MAO disponibilizar
educadores especializados nas diferentes disciplinas escolares. São propostas no
Guia do Educador:
Trilha da energia

O que é energia? Venha brincar com os diversos significados desta


palavra. Aqui o visitante irá conhecer as engenhocas que substituíam a
força do homem antes da energia elétrica. Depois deste passeio, o
acionar do interruptor da luz será percebido de forma diferente.

Trilha do comércio

4
Este CD-ROOM foi idealizado pela equipe do Projeto Tematizando os Ofícios – caixa virtual de
história – o Museu de Artes e Ofícios em visitas escolares, e pelos sub-projetos Memória dos
Ofícios e Educação para o patrimônio, que reuniu pesquisadores da Universidade Federal de
Minas Gerais, da Universidade Estadual de Minas Gerais, da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais e do Setor Educativo do Museu de Artes e Ofícios.importantes para a construção
do nosso estilo de ser e viver em uma sociedade consumista.
2o Seminário brasileiro de museologia • 263

O que significa ter? Qual é a função do comércio? Quais são as


conexões entre o ontem e o hoje? Quais são as transformações
sofridas pelos atos de vender e comprar? Conhecendo a história rude,
mas cheia de poesia e aventuras, de tropeiros, canoeiros, ambulantes
e mascates, o visitante encontra mais subsídios para refletir sobre
estas e outras perguntas tão

Trilha do gesto

São mãos hábeis que alimentam e aquecem nosso corpo e nossa


alma. Esta trilha é um convite para se conhecer a variedade, a
destreza do gestual das atividades realizadas na cozinha, a vida dos
quintais das casas, o trabalho de quem nos veste, o carinho de quem
planta, colhe, corta, torce, carda, tece, coze... Mais que alimentar e
vestir são gestos que nos aninham, que nos acolhem.

Trilha das artes

O que é arte? Qual é a função da arte? Será arte o que se manifesta


em cada ferramenta? Em cada utensílio? Ou será mera construção do
observador? Venha com seu grupo se fazer esta e outras perguntas na
Trilha das Artes. Pode ser que algumas respostas sejam elaboradas,
ou quem sabe mais perguntas. A mediação desta trilha não pretende
responder tais questionamentos, pretende sim viajar junto com os
visitantes no maravilhoso mundo do trabalho, observando como o
homem, em seus fazeres cotidianos para viver e sobreviver, vai
transformando os materiais que utiliza.

Trilha da Mineração

Procura, fura, bateia, bate, derrete, forma, molda, usa… Percorra o


caminho das minas e se encante com um mundo de descobertas que
outrora preencheram, com sonhos e expectativas, os corações de
grandes homens. Nesta trilha seguiremos os passos da lida sofrida
típica das regiões de extração de minérios e metais preciosos, riquezas
tão profusas que ainda hoje representam um importante pilar
econômico das Minas Gerais. Encontraremos em nossa jornada as
origens dos valores e costumes tradicionais do povo mineiro.

Trilha Afro-brasileira

Qual é a importância do trabalho e da cultura negra para o


desenvolvimento da sociedade brasileira? Que contribuições
intelectuais e culturais, relacionadas ao saber fazer dos negros foram
demandadas e incorporadas pela sociedade pré-industrial brasileira?
Nesta trilha, longe de se almejar o esgotamento destas questões,
pretende-se enfatizar os diversos ofícios que se estabeleceram no
período em questão, e que cuja mão de obra era predominantemente
negra, escravizada ou não, delineando-se um panorama sobre sua
centralidade no mundo do trabalho, suas técnicas aprimoradas por
anos de experiência e prática, ressaltando as contribuições que
ultrapassam a ideia da força bruta e do vigor físico.

Trilha História do Trabalho

Outra possibilidade é conhecer os Trilhos da História do Trabalho,


percurso com duração aproximada de duas horas, no qual os ofícios
2o Seminário brasileiro de museologia • 264

que compõem o acervo do Museu são apresentados. É importante


considerar que o MAO conta com informações complementares em
equipamentos multimídia e backlights. Ou seja, cabe ao educador
propor o percurso que mais lhe interessa, assegurando-se de que
outros encontros serão necessários para descobrir novas surpresas e
encantos deste espaço, pois cada visita ao Museu guarda grandes
novidades. (Guia do Educador, Museu de Artes e Ofícios, online).

Ao optar por uma das trilhas, o professor planeja sua visita ao MAO e
pode romper com a lógica da visita clássica aos museus, que se davam em um
curto períodode tempo, na qual os estudantes eram conduzidos pela exposição
transcrevendo tudo que encontravam pela frente. Podem propor problemas
historicamente fundamentados e, dessa forma, potencializar os conteúdos
curriculares por meio de uma narrativa visual da história.
A criação de programas de atendimento especializado aos docentes em
setores educativos dos museus pode favorecer não somente a que os
professores se qualifiquem para esta relação e usufruto educativo, mas que os
museus, como instituições mutáveis, também possam mapear as expectativas e
impressões dos professores, alterando seus projetos de recepção de públicos
escolares. Chamamos de atendimento especializado aos serviços, atividades e
programas permanentes criados no museu que favorecem vínculos mais efetivos
com a sociedade e dos professores com os museus, com alteração de hábitos
culturais e amadurecimento de propostas de visitação escolar.
Com a criação desses programas, o fazer educativo nos museus passa a
ser visto como oportunidade formativa, uma vez que é rico em experiências,
contatos e trocas. Professores e educadores de museus aprendem com a prática
e a experiência que são reavaliadas e reposicionadas no processo educativo.
Assim, atividades nos museus, que são desenvolvidas com os professores,
podem contribuir para novas experiências educativas com os estudantes nas
escolas. A atividade docente é, antes de tudo, baseada em interações entre
seres humanos: dos professores com os estudantes, seus colegas de profissão e,
também, com as equipes educativas dos museus (PEREIRA & SIMAN, 2009).

O Uso Educativo do Museu de Artes e Ofícios

Optamos por realizar nossa pesquisa com professores de história


frequentes ao Museu de Artes e Ofícios. Consideramos como professores
2o Seminário brasileiro de museologia • 265

frequentes aqueles que visitaram o museu por mais de duas vezes no último
ano. Essa escolha se justifica pelos objetivos da pesquisa relacionados às
experiências docentes nos museus. O MAO foi escolhido por se tratar
tipologicamente de um museu de história e receber número significativo de
professores desta área durante todo o ano, além de possuir setor educativo.
Devemos também considerar que a escolha se deu em função de relações de
pesquisa previamente estabelecidas entre o MAO e pesquisadores da UFMG,
PUC-MG e UEMG na realização do projeto Tematizando Artes e Ofícios e
Memórias do Ofício e Educação para o Patrimônio5.
A maior parte dos professores entrevistados na pesquisa incorpora os
museus em sua prática e considera que essas instituições reúnem condições
favoráveis para o ensino de história:
(...) as visitações (não apenas em museus) conferem significado aos
temas trabalhados em sala e permitem que os sujeitos sintam-se
construtores e participantes da história. As visitações a museus
provocam outros sentidos e permitem ao estudante visualizar outras
versões da história que não estão nos livros didáticos. (Professor
Bento- grifo nosso)

O ambiente do museu desperta a curiosidade dos estudantes, o


acervo transporta o visitante no tempo, as orientações dos guias
(quando bem preparados) ampliam as possibilidades de exploração
pedagógica da visita. (Professor Mário)

O contato visual com o museu, com objetos históricos, com a


problemática do monumento como sendo monumento histórico.
(Professora Hilda)

O aluno consegue apropriar-se do conteúdo pois tem contato com o


“concreto” indo além da teoria escutada em sala de aula. (Professora
Hannah)

Desse grupo de professores de história que responderam ao questionário


da primeira etapa da nossa pesquisa, 69% realizam visitas regulares com
estudantes a museus e, inclusive, foram mais de duas vezes ao MAO no ano de
2012, como podemos observar no Gráfico 1.

5
Tematizando os Ofícios, Projeto desenvolvido pela UFMG no Museu de Artes e Ofícios, entre
2010 e 2013, em parceria com pesquisadores da PUC Minas e da UEMG, e sob a coordenação
de Júnia Sales Pereira, com apoio da FAPEMIG, PUC Minas e CAPES, integrando os subprojetos
Educação para o patrimônio, coordenado por Carla Ferretti, e Memórias dos Ofícios,
coordenado por Lana Mara de Castro Siman
2o Seminário brasileiro de museologia • 266

Gráfico 1 - Docentes que declaram visitar regularmente museus

Fonte: Dados do questionário respondido por 26 professores na primeira etapa da pesquisa.

Pelo Gráfico 2 percebemos que a maior parte dos professores faz o


agendamento por meio do setor educativo, uma das formas de sistematizar a
visita e conhecer previamente o que o museu pode oferecer.

Gráfico 2 - Agendamento de visitas por meio do serviço educativo

Fonte: Dados do questionário respondido por 26 professores na primeira etapa da pesquisa.

Ao contatarem o setor educativo do MAO, esses professores são


convidados a participar do Momento do Educador, quando têm a oportunidade
de conhecer as ações desenvolvidas pelo Museu e recebem o Guia do
Educador. Com esta ação o setor educativo pretende estabelecer parcerias com
2o Seminário brasileiro de museologia • 267

os docentes, na melhoria dos serviços educativos, e repensar as ações


oferecidas para as escolas:

O acervo do MAO possui um amplo acervo que permite diversas


possibilidades de interpretação a partir da sua exploração. Para que
todo este potencial seja desenvolvido, foi criado o Momento do
Educador, um espaço de interação e diálogo entre os educadores
interessados e a equipe do MAO. Nesta ocasião, são apresentadas as
ações educativas promovidas pelo Setor Educativo, é realizada uma
atividade detonadora de reflexões sobre o Museu, seguida de uma
visita técnica a um dos ofícios. Busca-se assim o aprimoramento
destas propostas educativas através da constante interação entre os
educadores e o museu, estabelecendo uma parceria cada vez mais
sólida. Concluindo esta atividade cada educador recebe o Passe Livre
do Educador (Museu de Artes e Ofícios, online)

O Momento do Educador acontece na última semana do mês e na


primeira segunda-feira como requisito parcial para o agendamento de visitas
orientadas ao MAO. Dos 26 professores da primeira etapa da pesquisa, 58%
participaram do Momento do Educador antes da realização da visita.

Gráfico 3 - Participação no Momento do Educador do MAO

Fonte: Dados do questionário respondido por 26 professores na primeira etapa da pesquisa.

O tempo desta ação é limitado a uma hora e, geralmente, ocorre em


horário noturno e, por isso, muitos docentes não conseguem participar do que
poderia constituir-se em espaço para a troca de experiências com os
educadores de museus. A condição docente interdita participação neste
processo, pois os professores raramente conseguem a liberação de atividades
para participar de formação que não seja ligada a uma política de Estado.
2o Seminário brasileiro de museologia • 268

Como podemos observar no gráfico 04, 42% dos professores possuem o


Guia do Educador e fazem uso do material para preparar sua visita ao MAO. O
instrumento é um norteador e sugere algumas atividades que podem ser
desenvolvidas no museu. Por meio deste guia, os professores que optam por
uma das trilhas são recebidos por um educador que apresenta a exposição do
museu:

As aulas prontas me deram ideias para adaptá-las a realidade das


minhas turmas. A intenção era falar sobre os ofícios e depois
compará-los aos atuais. (Professora Laura)

Leio, mas sempre preparo a parte. (Professora Lucimar)

O material do MAO é ótimo para sensibilização do grupo.


(Professora Tereza)

Usei, e em todas as outras visitas irei usar e explorá-lo mais.


(Professora Fran)

Gráfico 4 - Em relação ao Guia do Educador.

Fonte: Dados do questionário respondido por 26 professores na primeira etapa da pesquisa.

Segundo alguns professores entrevistados na primeira etapa da pesquisa,


o Guia do Educador é um material para sensibilização dos estudantes no
momento que antecede as visitas, além de um excelente material para orientar a
preparação de aulas desenvolvidas na escola e os conteúdos provocados pela
exposição do MAO, após a visita. Além do Guia, ao participarem do Momento
do Educador os professores recebem o Passe Livre do Educador, que possibilita o
2o Seminário brasileiro de museologia • 269

acesso ao Museu, para que possam planejar atividades que serão realizadas
com os estudantes durante a visita6.
Pereira & Carvalho (2010) afirmam que não há visibilidade plena nos
museus e sim a possibilidade de aprendizado da cultura e a sensibilização
histórica por meio do projeto museal. Em processo, o museu é forjado a partir
de seleções arbitradas de coleções produzindo visibilidade e invisibilidade.
Desta forma é preciso romper com:

(...) as ilusões implicadas na suposição da visita total, a pretensão de


apreensão plena de significados históricos ou da aprendizagem da
história como sucessão cadenciada, organizada e previsível dos
tempos. Trata-se de uma aprendizagem de uso do museu para além
da notícia da história dos objetos que ele guarda, convidando ao
exercício de reflexão sobre a históriado museu e do seu papel social,
enfatizando suas armadilhas de concepção e exposição museológica,
inclusive, considerando seu jogo político no plano da cultura (PEREIRA
& CARVALHO, 2010, p. 390-391).

O uso do Guia e a possibilidade de ir ao museu em qualquer horário


pode dar maior objetividade à visita de caráter pedagógico, contando, é claro,
com o imprevisto em uma situação relacional envolvendo professores,
estudantes e educadores dos museus. De posse do Guia do Educador, os
professores podem selecionar uma trilha ou optar por outra forma de visita mais
livre a partir de um problema relacionado ao conteúdo disciplinar. Podem
também conhecer um pouco da história do MAO, sua função social, as
atividades de pesquisa e difusão realizadas pela instituição, dos usos que tinham
o prédio antes de abrigar a exposição e utilizar as proposições de atividades. E
essa construção pode, também, ser feita por meio da rede mundial de
computadores com uma visita virtual. Segundo os docentes entrevistados as
atividades prévias mais comuns são:

Leitura de textos sobre o próprio Museu, catálogo e acervo.


Organização do roteiro com objetivos da visita e instrumentos de
registro durante e após a visita. (Professora Adélia)

6
O agendamento de visitas orientadas ao MAO é realizado com 1 mês de antecedência de
duas formas: no "Momento do Educador" encontro realizado com professores na última semana
do mês e na primeira segunda-feira de cada mês, para o mês seguinte. O professor que
comparece ao encontro tem a possibilidade de agendar visitas e as vagas remanescentes do
encontro, ficam disponíveis para agendamento na primeira segunda-feira. Museu de Artes e
Ofícios, 2014, online.
2o Seminário brasileiro de museologia • 270

Estudamos o que são ofícios, como são praticados e como eram


praticados, quais ofícios foram extintos e substituídos pela
industrialização e modernização, qual a importância dos ofícios.
(Professora Patrícia)

O professor se sentirá mais a vontade para acompanhar os alunos


pois já terá conhecido o acervo e refletir sobre o aprendizado dos
alunos no sentido de relacionar a matéria dada em sala com o
conteúdo a ser trabalhado no museu. (Professora Mayza)

As atividades relatadas são feitas no pré-visita ainda nas escolas para


aproximar os estudantes do universo museal, destacando a importância da visita
e propondo relações com os conteúdos escolares. Esse tempo auxilia na
compreensão de que é possível fazer opções por objetos e cenários no
levantamento de problemas e questões de natureza histórica rompendo com a
ideia da visita total.

Ao que parece, a primeira aproximação dos docentes com o museu


acontece de maneira instrumental, ou seja, com finalidades de exploração
pedagógica e histórica dos temas que são desenvolvidos em sala de aula a
partir do currículo. Esta aproximação instrumental não significa que as
dimensões éticas, estéticas e políticas estão desconsideradas. A ideia de um
museu em processo que convida à experiência e que nos encarna, rompe com a
objetividade pretendida no momento em que o professor planeja a visita.
A visita é experiencial e, portanto, plena de sentidos que extrapolam o
projeto inicial do docente. Como disse o professor Bento, o MAO é o lugar do
inesperado e por meio do encontro dos discentes com objetos que fazem parte
de sua história de vida são tecidas narrativas inéditas, em diálogo com a
proposta dos educadores de museu.

Considerações finais

Os museus inscrevem-se nos circuitos culturais e sensíveis da sociedade e


convidam a uma aprendizagem da cultura de maneira dinâmica e pluralista.
Com sua narrativa arbitrária, podem ser locais privilegiados de aprendizagem
histórica. De acordo com Junia Sales Pereira, os museus estão inseridos

(...) nos circuitos culturais e sensíveis da sociedade, compreendidos


como gestos arbitrários que essa mesma sociedade realiza e,
portanto, como instituições produtoras de percepções sobre a história,
2o Seminário brasileiro de museologia • 271

sobre os objetos, também sobre as impermanências dos rastros


(PEREIRA, 2007, p. 2).

Nos museus, os professores de história têm material necessário para a


reflexão sobre os gestos de salvaguarda e esquecimento, em uma narrativa
visual constituída por cenários previamente elaborados para provocar nossos
sentidos. A curadoria elabora argumentos apresentados e subvertidos pelos
sujeitos que visitam o museu. Como andarilhos, os sujeitos propõem outras
narrativas provocadas pela memória e pela partilha com outros estudantes no
momento da visita (PEREIRA, 2007).
Os professores entrevistados na primeira etapa dessa pesquisa tiveram
experiências significativas em museus quando eram estudantes na educação
básica ou quando estavam na graduação. Essa experiência sensível aproximou
os docentes do universo dos museus, estimulando o seu uso educativo quando
atuam como professores na educação básica.
Fazem uso frequente da exposição do MAO para ensinar história e o
museu por meio de seu setor educativo potencializa esse uso com ações
voltadas para o professor e produção de materiais didáticos. O guia do
educador é um matéria aberto e possibilita a intervenção do professor de
acordo com seus objetivos na visita ao museu.
As trilhas propostas rompem com a ideia de que seja preciso ver toda
exposição em uma única visita. As trilhas potencializam debates mais singulares,
com problemas levantados a partir dos conteúdos curriculares. Assim, a
aproximação entre setores educativos e expectativas dos professores podem
fazer com que os museus deixem de ser uma caixa monumento para uso
sensível, reflexivo e crítico.
2o Seminário brasileiro de museologia • 272

Referências

BARBOSA, Neilia Marcelina. Olhares sobre a prática docente no uso do Arte de


Ofícios. Relatório final de pesquisa de iniciação científica/CNPQ. 2010.

BRAGA, Jezulino Lúcio Mendes. Professores de História em Cenários de


Experiência. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação da UFMG. Belo
Horizonte, 2014.

CATEL, Pierre. Museu de Artes e Ofícios de Belo Horizonte: afinal como nascem
os museus? [2005]. História, ciências e saúde. Rio de Janeiro: Manguinhos,
Suplemento, v.12, p.323-38, 2005. Entrevista concedida a Luciana Sepúlveda
Koptcke.

HERMETO, Miriam; OLIVEIRA, Gabriela. D. Ação educativa em museus.


Produção de conhecimento e formação para a cidadania? In: AZEVEDO, Flavia
L. M.; CATÃO, Leandro. P.; PIRES, João Ricardo F. (Org.). Cidadania, Memória
e Patrimônio: As dimensões do museu no cenário atual. Belo Horizonte:
Crisálida, 2009.

INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS. Museus em números. Brasília: IBRAM,


2011. Disponível em <http://www.museus.gov.br/publicacoes-e-
documentos/museus-em-numeros/>. Acesso em 20 de ago. de 2010.

KNAUSS, Paulo. A presença de estudantes: o encontro de museus e escolas no


Brasil a partir da década de 50 do século XX. Varia História, Belo Horizonte, v.
27, n. 46, p. 581-597, jul./dez., 2011.

PEREIRA, Junia Sales. Escola e Museu: diálogos e práticas. Belo Horizonte:


Secretaria de Estado da Cultura/Superintendência de Museus/CEFOR-PUC-
Minas, 2007. PEREIRA, Junia Sales; SIMAN, L. M. C. Andarilhagens em chão de
ladrilhos. In: FONSECA, Selva Guimarães. (Org.). Ensinar e aprender História -
formação, saberes e práticas educativas. Campinas: Átomo & Alínea, 2009.

PEREIRA, Junia Sales; CARVALHO, Marcus Vinicius Corrêa. Sentidos dos tempos
na relação museu/escola. Cadernos Cedes, Campinas, v. 30, n. 82, p. 383-
396, set./dez., 2010.
2o Seminário brasileiro de museologia • 273

A MEDIAÇÃO EM PROCESSO NO MArquE: ESTRUTURANDO RELAÇÕES ENTRE


UMA EXPOSIÇÃO DE ARQUEOLOGIA E O PÚBLICO ESCOLAR

Flora Bazzo Schmidt1

Resumo
O trabalho busca registrar os embasamentos teóricos e as proposições
pedagógicas adotadas pelo Museu de Arqueologia e Etnologia Professor
Oswaldo Rodrigues no sentido de efetivar a mediação do discurso expositivo da
exposição de curta duração “Arqueologia em Questão: Percorrendo o Litoral
Catarinense” para o público escolar da Educação Básica, desde a Educação
Infantil até o Ensino Médio. Para tanto, inicia contextualizando o Museu e a
referida exposição, aborda aspectos da perspectiva sócio-interacionista e da
relação Museu – Escola, e, enfim, apresenta o trabalho efetivamente realizado
junto aos grupos, que é compreendido como processo pois está em constante
movimento de avaliação e (re)planejamento.

Palavras chave: educação em museus; educação não-formal; arqueologia.

Abstract
The purpose of this paper is to present the theorical basis and the educational
propositions chosen by the Museum of Archeology and Ethnology “Professor
Oswaldo Rodrigues Cabral” in order to permit access to the knowledge stated in
short term exhibit “Arqueologia em Questão: Percorrendo o Litoral Catarinense”
for students from kindergarden to high school. To reach this purpose its structure
includes information about the Social Development Theory and about the
relation between Museums and schools, and finally, the presentation of the work
that has been done with students groups. This work is considered a process, as it
is constantly evaluated and (re)planned.

Key-words: museum education; non-formal learning; archeology.

••••••••••

1
Pedagoga do Museu de Arqueologia e Etnologia Professor Oswaldo Rodrigues Cabral
(MArquE/UFSC). Contato: flora.b.s@ufsc.br ; flora.marque@gmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 274

INTRODUÇÃO

Este trabalho busca ser um espaço de registro das ações empreendidas


pelo Museu de Arqueologia e Etnologia Professor Oswaldo Rodrigues Cabral, da
Universidade Federal de Santa Catarina (MArquE/UFSC), no sentido de tecer
aproximações entre o público escolar e discurso expositivo da exposição
Arqueologia em Questão: Percorrendo o Litoral Catarinense. Tal registro parece-
nos salutar, primeiramente, por permitir aos envolvidos um “espaço para
pensar” em meio ao cotidiano de proposições pedagógicas empreendidas junto
aos grupos escolares: espaço para um olhar reflexivo para a prática, que
permite avaliar quais os caminhos percorridos e vislumbrar caminhos a
percorrer. Em segundo lugar, porque registrar o trabalho pedagógico realizado
pelo Museu sob uma perspectiva qualitativa, e não meramente em número de
visitantes acolhidos, nos parece ser uma forma de contribuir para a memória da
relação da instituição com seus públicos. Por fim – e este é o motivo que
impulsionou a escrita deste trabalho para o II Seminário Brasileiro de
Museologia – por acreditarmos que este registro permite que a prática seja
estudada, revisitada, criticada, reinventada, também pelo olhar daqueles que
não estiveram diretamente envolvidos no processo.
Parece-nos fundamental, portanto, iniciar realizando uma breve
contextualização da instituição na qual o trabalho pedagógico que ora
apresentamos se insere.
O MArquE é um órgão suplementar da Universidade Federal de Santa
Catarina, localizado no Campus Reitor David Ferreira Lima, em Florianópolis.
Tem origem no Instituto de Antropologia criado por esta Universidade no ano de
1968, tendo passado a se constituir como Museu no ano de 1978 (GUIMARÃES,
2014). Seu acervo é de natureza etnológica e arqueológica. A relação educativa
do Museu de Arqueologia e Etnologia Professor Oswaldo Rodrigues Cabral com
seus públicos é percebida nos registros que testemunham sua história, seja por
sua relação com o ensino formal em nível superior, notadamente em sua
origem, seja, em um momento mais atual, pela sua relação junto aos públicos
visitantes de suas exposições. Ao traçar o percurso do MArquE, Viviane
Wermelinger Guimarães pontua que o Museu “iniciou a partir da década de
2o Seminário brasileiro de museologia • 275

1980 uma aproximação com o público por meio dos processos expositivos”
(2014, p. 13). Os registros a que tivemos acesso no Centro de Documentação
da instituição indicam uma quantidade massiva de agendamentos para visitas2
à exposição permanente do então Museu Universitário Professor Oswaldo
Rodrigues Cabral no período que antecedeu o início da reformulação dos
espaços expositivos, em 2003. Pelas fotografias da época, podemos vislumbrar
também uma variedade de outras ações educativas propostas à comunidade.
Infelizmente, não foram encontrados registros escritos que narrem do ponto de
vista da equipe da época as opções e proposições; os registros citam apenas a
data da visita, o nome da instituição de origem e a quantidade de visitantes no
grupo. Percebemos a predominância, desde então, de grupos oriundos de
instituições de educação formal.
No período entre 2003 e 2012, o MArquE passou por uma grande
reformulação em sua estrutura física com vistas a constituir um espaço
adequado para as ações de comunicação do acervo, tendo sido desmontada
sua exposição permanente e, portanto, descontinuado o trabalho sistemático
com o público junto a ela. De acordo com Guimarães, neste ínterim “o museu
continua com ações de pesquisa, conservação, restauração e documentação do
acervo. (...) A equipe do Museu realiza também algumas exposições em outros
espaços da Universidade e outras instituições culturais” (2014, p. 29).
O Pavilhão de Exposições Silvio Coelho dos Santos foi inaugurado em
maio de 2012, com a exposição Ticuna em Dois Tempos. Nesta, o trabalho junto
aos grupos agendados, assim como o próprio agendamento, foi assumido pela
Divisão de Museologia, sendo realizadas visitas mediadas pelas servidoras e
estagiárias desta Divisão.
No mês de julho de 2012, uma pedagoga passa a compor o quadro do
Museu, sendo inicialmente alocada na Divisão de Pesquisa. Neste período,
empreende revisão bibliográfica e redige alguns documentos de

2
O termo “visita” foi aqui utilizado sem qualquer adjetivação (guiada, mediada, etc.) por ser
esta a forma como os registros da época se referem a estas ações junto aos grupos. Hoje,
utilizamos no MArquE o termo “visita mediada”, quando a visita agendada conta com a
presença de um sujeito mais experiente ligado ao Museu que a conduz.
2o Seminário brasileiro de museologia • 276

fundamentação para as ações educativas no MArquE. A Divisão de Museologia


segue responsável pelas mediações na exposição Ticuna.
Com o fechamento desta exposição, o Museu passa por uma série de
reestruturações e segue um período sem qualquer exposição institucional aberta
(neste ínterim, recebeu exposições visitantes). Não houve, no referido período,
um trabalho pedagógico sistemático no MArquE, mas sim uma série de ações
educativas pontuais, planejadas e realizadas em parceria entre a pedagoga e os
demais servidores, para buscar contemplar as expectativas das pessoas –
principalmente docentes – que buscavam o Museu para agendar visitas. Como
exemplos podemos citar palestras, empréstimo de reproduções, visitas mediadas
à Reserva Técnica, oficinas de escavação arqueológica.
Em maio de 2014 o MArquE abre uma grande exposição institucional de
curta duração: Arqueologia em Questão: Percorrendo o Litoral Catarinense. A
partir de julho deste ano a pedagoga, agora lotada na Divisão de Museologia,
assume os agendamentos e as mediações e realiza um trabalho pedagógico
sistemático no Museu, que será relatado a seguir.

AS OPÇÕES TEÓRICAS DO MARQUE NO CAMPO DA EDUCAÇÃO


Acreditamos ser essencial, para abordar as proposições pedagógicas
realizadas no contexto da exposição Arqueologia em Questão, explicitar a opção
teórica da área da educação que vem sendo estudada e adotada no
desenvolvimento destas ações, assim como algumas concepções do campo mais
específico da educação em museus. Concordamos com Martha Marandino
quando afirma que “os setores educativos dos museus devem não só planejar
bem suas práticas, mas concebê-las a partir de opções educacionais claras”
(MARANDINO, 2009, p.34), almejando que os profissionais e estagiários
(estudantes em formação) envolvidos possam ter subsídios para fazer suas
intervenções de forma consciente e intencional.
Inicialmente, parece-nos importante evidenciar que temos optado pelos
termos “pedagógico” e “proposições pedagógicas” no lugar de “educativo” e
“ações educativas”. Esta opção se deve à compreensão de que o Museu é, por
definição, um espaço educativo, e todas as relações travadas dentro deste
espaço são educativas. O termo “pedagógico” parece-nos mais adequado para
2o Seminário brasileiro de museologia • 277

marcar a especificidade das ações sistematizadas que são empreendidas junto


ao público, pois remete à caracterização destes momentos como proposições
planejadas com uma duração específica e tendo em conta objetivos,
metodologias, faixa etária e tipologia do público-alvo. Este termo dá relevo à
intencionalidade do trabalho, que para nós é uma característica primordial do
trabalho de educação em museus.
No que tange às perspectivas de compreensão do desenvolvimento
humano e da aprendizagem, o MArquE fundamenta seu trabalho na corrente
Sóciointeracionista. Esta corrente teórica, de base marxista, se alicerça no
pressuposto de que o desenvolvimento dos sujeitos é preponderantemente
fundamentado no social, em sua interação com o mundo na sua situação social
de desenvolvimento. Dessa forma, tal teoria se opõe a uma lógica naturalista,
que compreende o sujeito como um “indivíduo isolado, para o qual a sociedade
é apenas um peculiar ´meio em que se habita´” (ELKONIN apud PASQUALINI,
2009, p. 32). Tal oposição não significa, porém, uma negação da importância
do biológico. Nas palavras de MELLO (2007, p. 88),

o que a natureza lhe provê [ao sujeito] no nascimento é condição


necessária, mas não basta para mover seu desenvolvimento. É preciso
se apropriar da experiência humana criada e acumulada ao longo da
história da sociedade.
A mediação surge então como conceito fundante desta abordagem
teórica, pois a apropriação do mundo e das próprias qualidades humanas se dá
por meio da interação com sujeitos mais experientes.
As aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões humanas não
são simplesmente dadas aos homens nos fenômenos objetivos da
cultura material e espiritual que os encarnam, mas estão aí postas.
Para se apropriar destes resultados, para fazer deles as suas aptidões,
“os órgãos de sua individualidade”, a criança, o ser humano, deve
entrar em relação com os fenômenos do mundo circundante através
doutros homens, isto é, num processo de comunicação com eles.
(LEONTIEV apud MELLO, 2007, p.88. Grifos no original)

Nesta perspectiva, o desenvolvimento é portanto inicialmente


interpsíquico, e em momento posterior intrapsíquico; ou seja, primeiro no nível
social e em seguida no individual. A interação é portanto defendida como
crucial. De acordo com Mello,
2o Seminário brasileiro de museologia • 278

cada geração nasce num mundo pleno de objetos criados pelas


gerações precedentes, e nesses objetos estão acumuladas as
qualidades humanas histórica e socialmente criadas e desenvolvidas.
Para se apropriar dessas qualidades humanas acumuladas nos objetos
da cultura humana (...) é preciso que as novas gerações se apropriem
desses objetos de cultura.(...) Essa utilização adequada dos objetos de
cultura exige que a relação das novas gerações com a cultura material
seja mediada – de modo intencional e, em determinadas situações,
também espontâneo – por pessoas mais experientes. (MELLO, 2007,
p. 87).

Dessa forma, é a aprendizagem que precede o desenvolvimento, e não o


oposto: é a apropriação da cultura, mediada por sujeitos mais experientes, a
propulsora do desenvolvimento. FINO (2001) destaca a afirmação de Vygotsky,
no livro Mind in Society, desta “assintonia entre o processo de desenvolvimento e
o processo de aprendizagem, que o precede”.
O relevo dado à mediação não significa, em absoluto, um olhar
pejorativo para os sujeitos em constituição, no sentido de vê-los como
incapazes, frágeis ou em falta. Ao contrário, a teoria nos informa que desde o
nascimento a criança se desenvolve, sendo desde muito pequena “capaz de
explorar os espaços e os objetos ao seu redor, de estabelecer relações com as
pessoas” (MELLO, 2007, p. 90). Cabe a nós, enquanto sujeitos mais
experientes, reconhecer o desenvolvimento real dos sujeitos, os conhecimentos
que já estão consolidados, não para nos atermos a ele, mas para buscar
proporcionar a cada um “apoio e recursos, de modo que ele seja capaz de
aplicar um nível de conhecimento mais elevado do que lhe seria possível sem
ajuda” (FINO, 2001, p. 279), ou seja, para permitir que acesse conhecimentos
de forma mais complexa, aprofundada ou abstrata do que poderia, em seu
desenvolvimento atual, atingir sozinho. Isto relaciona-se a um conceito
fundamental, que é o de Zona de Desenvolvimento Proximal, relativa ao
potencial do aprendiz, e, de acordo com Fino (id.), decorrente justamente da
supracitada assintonia entre a aprendizagem e o desenvolvimento.
Entendemos que o trabalho pedagógico nos Museus se torna tanto mais
desafiador quando buscamos estrutura-lo desta forma, pelo fato de a maioria
das proposições serem de curto prazo, geralmente contatos pontuais entre os
mediadores e os sujeitos, que, em geral, compõem grandes grupos. Como
proporcionar o acesso à gama de conhecimentos presente no discurso
2o Seminário brasileiro de museologia • 279

expositivo de forma que seja acessível e ao mesmo tempo ultrapasse o


desenvolvimento real dos sujeitos com os quais temos contato? Como perceber,
em um contexto tão pontual e coletivo, as possibilidades reais de efetivar a
mediação pretendida?
Inicialmente, destacamos que temos encontrado no diálogo com os
visitantes os caminhos para cada mediação. Existem roteiros previamente
estabelecidos e estudados, mas tem sido um aprendizado cotidiano buscar
respeitar ritmos e necessidades, acolher dúvidas e colocações e, a partir destes
elementos, perceber as possibilidades de mediação entre o discurso expositivo e
cada grupo de visitantes. Além do preparo dos mediadores e da disponibilidade
para o diálogo, temos percebido como fundamental uma ampla flexibilização
do tempo, de forma que nossas visitas mediadas têm durado entre 45 e 120
minutos. Tal flexibilização requer, é claro, uma organização na instituição que
priorize a qualidade sobre a quantidade de mediações, mas também a
negociação junto às instituições de educação formal de origem destes visitantes,
no sentido de aventar a viabilidade desta organização também para aquelas
instituições.
Outro elemento importante no intento de empreender nosso trabalho
pedagógico neste sentido é o conhecimento acerca da periodização do
desenvolvimento presente nos trabalhos de Leontiev e Elkonin a partir de
formulações iniciais deixadas por Vygotsky. A periodização nos apresenta
atividades principais para cada etapa do desenvolvimento3 – que não são
necessariamente aquelas que ocupam mais tempo do sujeito naquele estágio,
mas aquelas propulsoras do desenvolvimento, aquelas que norteiam sua
relação com o mundo. Pasqualini (2009) refere a importância teórico-prática
conferida por Elkonin a tal periodização, “na medida em que que elucida a
questão da sensibilidade de determinados períodos de desenvolvimento a
determinados tipos de influência educativa” (PASQUALINI, 2009, P. 32). Assim,
mesmo a relação de cada sujeito no mundo sendo única e irrepetível, ligada às

3
Importante destacar que, em consonância com os princípios da teoria, os autores esclarecem
que não buscam formular uma sucessão universal de etapas, que estas são dependentes do
contexto sócio-históricas em que se produz a vida e o desenvolvimento dos sujeitos. Aquelas
indicadas por eles nos fornecem porém, em nossa opinião, base importante para compreender
o desenvolvimento dos sujeitos de nosso contexto.
2o Seminário brasileiro de museologia • 280

suas condições concretas de vida e ao lugar que ocupa nas relações sociais,
podemos planejar nossa prática a partir de alguns referenciais do que é
esperado em cada etapa, no sentido de pensar as proposições de acordo com
as atividades que suscitam maior envolvimento e desenvolvimento.
A palavra envolvimento foi propositalmente eleita para intermediar
atividade e desenvolvimento na última frase, objetivando dar relevo à
indivisibilidade entre o afetivo e o cognitivo e realçar a importância de
pensarmos no afeto, no sentido da constituição de uma relação positiva com o
Museu, em um país em que a visita a espaços culturais ainda se constitui como
uma prática pouco recorrente para imensa maioria da população4. Na
concepção de Vygotsky, afeto e intelecto devem ser concebidos como unidade,
não oposição, por serem estreitamente vinculados entre si, inseparáveis.
(PASQUALINI, 2009). Assim, se existe a preocupação com a ampliação de
repertórios, a constituição de um olhar atento e crítico e a apropriação de
conhecimentos presentes no discurso expositivo, nossa intencionalidade primeira
ao planejar ações destinadas a visitantes de qualquer etapa do desenvolvimento
é a de buscar estruturar momentos prazerosos, ao mesmo tempo que
significativos, nos quais os visitantes sintam-se afetivamente envolvidos com o
Museu. Acreditamos que pequenas atitudes podem ajudar na constituição
deste vínculo e do sentimento de pertença, como as que elencaremos a seguir.
Nomear os visitantes durante o diálogo com eles, o que viabilizamos por meio
do uso de crachás, é a primeira delas.
O respeito aos saberes e pré-concepções trazidos pelos visitantes também
nos parece fundamental, não no sentido necessariamente da validação destes,
mas no sentido de um diálogo respeitoso com estes, que possa inclusive admitir
que existem diversas formas de explicar a realidade – e que as formas
defendidas nos discursos do Museu são aquelas validada pelas ciências que
compõem sua tipologia.

4
Apenas como referência, uma vez que as visitas a exposições relacionadas com a tipologia de
nosso museu não aparecem como categoria, podemos citar dados da pesquisa acerca dos
hábitos culturais dos brasileiros realizada pela Federação do Comércio do Rio de Janeiro em
2015. Nesta, 55% dos brasileiros referiram não ter feito nenhuma atividade cultural em 2014, e
92,5% referiram que não faz parte de seu costume ir a exposições de arte.
2o Seminário brasileiro de museologia • 281

Por fim, dentre estas pequenas atitudes destacamos ainda a de explicitar,


em linguagem acessível e sempre que propício, os motivos que justificam as
regras e interditos em relação aos objetos e ao espaço do Museu – o uso de
flash, o toque, a entrada de volumes, etc. – assim como o funcionamento da
instituição museal para além do que está aparente no contexto da exposição –
os profissionais, os espaços de guarda, os processos de curadoria, etc.
Vale destacar que, se a linguagem é entendida como primordial nos
processos de mediação, a interação social não se define apenas pela
comunicação, “mas também pelo ambiente em que a comunicação ocorre, de
modo que o aprendiz interage também com os problemas, os assuntos, as
estratégias, as informações e os valores de um sistema que o inclui” (FINO,
2001, p. 279). No caso das exposições, perceber nosso lugar de mediadores é
também reconhecer e valorizar a especificidade do lugar de nossa fala, no
sentido de equacioná-la com o que consideramos como o cerne do trabalho
educativo no Museu: a possibilidade do enfrentamento dos objetos, da
observação de suas características, da vivência deste espaço planejado em
termos de expografia e discurso, com suas cores, seus sons, suas vitrines, suas
múltiplas possibilidades de sentires e sentidos.

ARQUEOLOGIA EM QUESTÃO: PERCORRENDO O LITORAL CATARINENSE

Imagem 1: marca da exposição


2o Seminário brasileiro de museologia • 282

Com curadoria da atual arqueóloga da instituição, Luciane Zanenga


Scherer, a exposição Arqueologia em Questão: Percorrendo o Litoral Catarinense
é uma ação de comunicação das pesquisas arqueológicas realizadas pelo
MArquE em sua trajetória. A curadora refere-se à exposição, em seu texto de
abertura, como uma homenagem a todos os arqueólogos que atuaram na
instituição e contribuíram a escrever a história da Arqueologia em Santa
Catarina (SCHERER, 2014). O discurso expositivo é composto por sete módulos,
sendo o primeiro dedicado ao ofício do arqueólogo, os quatro seguintes
dedicados a grupos humanos que habitaram o litoral catarinense – aqueles que
aqui viveram no período colonial; os índios Guarani; as populações Jê; e os
primeiros habitantes, que deixaram como testemunho os sambaquis – e, por
fim, um módulo dedicado às inscrições rupestres e um módulo às oficinas líticas.
A escolha do litoral, de acordo com a curadora, “não é casual. Foi neste
ambiente que as pesquisas arqueológicas se desenvolveram mais intensamente,
produziram maior quantidade de dados e geraram uma diversidade de acervo”
(SCHERER, 2014, n.p.).
Estão expostos artefatos produzido em diversas matérias primas, como
pedra, argila, osso, dente, concha, vidro e metal, que “remetem à vida
cotidiana, aos aspectos socioculturais e econômicos das diversas populações
humanas que se instalaram na paisagem litorânea” (id.) desde há seis mil anos
até o século XIX. Compõem ainda a exposição duas projeções audiovisuais –
uma de fotografias de sítios de inscrições rupestres e uma de vídeo com
imagens captadas durante escavação efetuada pelo projeto Florianópolis
Arqueológica5 – uma caixa de 4m² onde está simulada uma escavação
arqueológica, plotagens de fotografias, um glossário e doze textos. Os textos
são de autoria da curadora, mas também de convidadas, especialistas nas
temáticas abordadas. Podemos inferir, por sua linguagem e aprofundamento
teórico, que o público-alvo eleito para esta exposição foi de adultos, com alto
capital cultural e preponderantemente oriundos do meio acadêmico.

5
Projeto do Laboratório de Estudos Interdisciplinares em Arqueologia da Universidade Federal
de Santa Catarina, coordenado pelo professor doutor Lucas Reis Bueno.
2o Seminário brasileiro de museologia • 283

O fato de o MArquE estar inserido em uma instituição de ensino superior


colabora para que a instituição receba grande número de visitantes com este
perfil. Porém, recebemos outras tipologias de visitantes, com perfil bastante
díspar daquele. Assim, assumiu-se como a maior responsabilidade do trabalho
da pedagoga neste período elaborar estratégias e materiais para ampliar a
acessibilidade comunicacional desta exposição institucional6. Dentre as
tipologias, este artigo se atentará à relação do MArquE com os públicos
provindos de instituições da Educação Básica, desde a Infantil até o Ensino
Médio.

A RELAÇÃO MUSEU-ESCOLA NO MArquE


Se por um lado concordamos com Leite quando afirma que os setores
educativos “não deveriam ater-se exclusivamente ao atendimento às escolas,
mas pensar em estratégias que favorecessem a apropriação cultural do público
em geral” (LEITE, 2005, p.29), por outro lado pensamos ser imprescindível dar
destaque à relação entre Museu e Escola, tanto em nossa prática quanto neste
exercício de sistematização e registro. Primeiramente, pelo fato objetivo de o
público escolar ser o mais numeroso no cotidiano das mediações no MArquE:
de agosto de 2014 a agosto de 2015, mais de 80% das visitas mediadas
efetivadas tiveram como público crianças e adolescentes oriundos de instituições
de Educação Básica7. Em segundo lugar, porque a teoria – mais do que nossa
prática, mas também ela – nos informa das tensões que permeiam as relações
entre estas instituições8, inclusive no que se refere a uma apropriação
equivocada de práticas escolares pelos museus. E, por fim, porque
consideramos o trabalho junto aos grupos escolares como extremamente

6
É fundamental precisar aqui que a instituição concebe que a pedagoga deve estar envolvida
no processo de elaboração e execução das exposições institucionais, colaborando com os
conhecimentos específicos de sua área, notadamente no que tange à acessibilidade física e
comunicacional. No caso desta exposição, a referida servidora estava afastada durante todo o
processo para licença maternidade e amamentação, tendo retornado após a abertura da
exposição.
7
De agosto de 2014 a agosto de 2015, o MArquE recebeu no contexto das visitas mediadas
131 grupos, sendo 91,6% deles provenientes de instituições de educação formal: 83,2% da
Educação Básica e 8,4% do Ensino Superior. Estes grupos somaram pouco mais de 3.300
visitantes, o que representa, para o Museu, uma fatia importante de seu público.
8
Podemos citar como trabalhos que se remetem a estas questões os de ALMEIDA (1997),
MARANDINO (2001), VALENTE et al (2005), SANDER (2006), MENESES(2011).
2o Seminário brasileiro de museologia • 284

potencial, em um sentido qualitativo de formação de público, por muitas vezes


proporcionar a aproximação de crianças e jovens que não teriam esta
oportunidade em seu contexto familiar. Em relação a este aspecto, vale aqui
destacar um diálogo entre a pedagoga e uma visitante, registrado em 2014 ao
fim de uma mediação com crianças do Ensino Fundamental 1.
Menina – mas é legal esse museu. Museu geralmente é tão chato, né?
Mediadora – é? Em que museus você já tinha ido?
Menina – nenhum.
Entendemos que conhecer os espaços culturais – e ser bem acolhido neles
– é quesito fundamental para gostar deles, vincular-se a eles, criar o hábito de
frequentá-los. As instituições de educação formal são muitas vezes propiciadoras
de um necessário contato inicial. Regozija-nos, sobretudo, quando estes
estudantes externam o desejo de retornar ao Museu, desta vez acompanhados
de seus familiares.
Em relação às tensões que permeiam as relações, pensamos que elas
tendem a se diluir na medida em que cada instituição compreende e explicita
seu lugar e suas particularidades. Concebemos os Museus como espaço de
educação não-formal, enquanto a escola é reconhecida como um espaço de
educação formal9. Isto implica uma outra relação com currículos, metodologias,
estratégias, objetivos de aprendizagem. Talvez a principal diferenciação seja,
sobretudo, que no Museu a principal fonte de aprendizado deva residir no
contato direto com os objetos, sua observação e leitura crítica. Ou seja, neste
espaço, apesar de uma necessária contextualização pela linguagem, precisamos
aprender a romper a tradição logocêntrica que muitas vezes permeia nossa
educação formal. Apesar de um pouco longo, consideramos fundamental para
esta reflexão transcrever aqui parte de uma entrevista de Ulpiano Bezerra de
Meneses:
mas não sei para que serve essa visita, porque você vê aquelas
centenas de meninos e meninas com seus caderninhos, que entram no
museu e fazem o que? Copiam as legendas. Parecem caititus, aqueles
porquinhos-do-mato que têm uma consolidação na cervical e não
podem levantar o pescoço. Eles não vêem o que está acima da
legenda. Então, o que isso significa? Que se mantém a tradição

9
Acerca da diferenciação entre educação formal, não formal e informal, ver MARANDINO
(2009).
2o Seminário brasileiro de museologia • 285

logocêntrica da formação. Eles foram alfabetizados, como o termo


indica, apenas com as palavras. E isso se manifesta no museu, em que
você teria a oportunidade de utilizar outros códigos, outros sentidos,
que precisam ser trabalhados. Porque o que a gente tem de universal,
do ponto de vista fisiológico, é o aparato perceptível, mas o uso desse
aparato é histórica e culturalmente mutável. A grande oportunidade de
aprendizagem seria no museu. No entanto, o que se faz é reproduzir –
eu diria, de uma forma até pervertida – essa limitação da escola.
(MENESES, 2011, p.421)

Cabe a nós mediar a relação com as instituições de Educação Básica de


forma a buscar oportunizar estes outros sentidos de que nos fala Meneses,
reconhecendo a riqueza das particularidades da educação em Museus - campo
que nos parece estar ainda iniciando sua constituição – e as múltiplas
possibilidades de intersecção desta com a educação formal, seja contribuindo
com outras possibilidades de apreensão de conteúdos que constam nos
currículos oficiais, seja simplesmente pelo importantíssimo viés da ampliação de
repertórios culturais.

O TRABALHO PEDAGÓGICO EFETIVADO NO CONTEXTO DA EXPOSIÇÃO


ARQUEOLOGIA EM QUESTÃO

1. Produção de materiais
Foram produzidos três materiais pedagógicos para compor o trabalho
junto aos públicos infantil e infanto-juvenil, complementando e aprofundando as
relações estabelecidas durante as mediações na exposição. Todos foram
elaborados em parceria com os professores Cristina Colombo Nunes e Luciano
Patrício Castro de Souza e a estudante Monique Koerich, do curso de Design
(Centro de Comunicação e Expressão) da Universidade Federal de Santa
Catarina, e, quando aplicável, com a participação e revisão de conteúdo da
curadora da exposição.

1.1 Materiais impressos


Foram elaborados dois materiais impressos: o livreto “Era uma vez no
MArquE” destinado às crianças de Educação Infantil e Ciclo de Alfabetização; e
o “Caderno de Atividades” destinado aos estudantes dos anos finais do Ensino
Fundamental. Ambos são distribuídos gratuitamente aos visitantes que
compõem seu público alvo, ao final das mediações.
2o Seminário brasileiro de museologia • 286

A escolha do público para os materiais se deu a partir da compreensão


de que existia uma assimetria entre a acessibilidade comunicacional da
exposição (pois, conforme supracitado, o público-alvo quando de sua
concepção e montagem, foi de adultos com alto capital cultural / acadêmico), e
a demanda de visitas apresentada pelas instituições de educação formal, que
nos apresentava uma ampla possibilidade de aproximação do universo da
arqueologia do público escolar, desde os primeiros anos da escolarização. Os
materiais, conjuntamente com as mediações, foram planejados no sentido de
conferir acessibilidade comunicacional ao conteúdo do discurso expositivo.
Assim, foi necessário pensar em abordagens e formatos diferentes para
contemplar etapas distintas do desenvolvimento.
Para as crianças da Educação Infantil e do ciclo de alfabetização
pensamos que a temática da exposição deve ser abordada sobretudo no sentido
de estímulo à curiosidade e à constituição de uma relação positiva com os
espaços museais, mais do que da aprendizagem de conteúdos propriamente
ditos.
Era uma vez no MArquE é um livreto10 de literatura infantil que se articula
ao tema da exposição por contar a história do boneco Marquito, que é formado
pelos materiais de trabalho de um arqueólogo. O texto foi escrito e musicado
pela pedagoga com inspiração no trabalho da Cia Mafagafos de contadores de
histórias sobre os livros “Maneco Caneco Chapéu de Funil” e “Panela de Arroz”,
de Luis Camargo.
A história foi uma estratégia de interação com os públicos infantis
elaborada ainda no ano de 2013. É contada oralmente com a utilização de um
boneco (que se constitui durante a história) para os grupos de educação infantil
e dos primeiros anos do Ensino Fundamental para tratar de maneira lúdica do
trabalho de campo empreendido pelos arqueólogos.

10
O material foi impresso na Imprensa Universitária, tem 21 x 21 centímetros fechado; 42 x 21
aberto, com encadernação em dobra e grampo. A capa é em cores, em papel brilhante de
250gm², e o miolo em preto e branco, em papel offset 120gm². A qualidade dos materiais
escolhidos se deve à intenção de que as crianças valorizassem a produção como um livro de
histórias para compor sua biblioteca. A opção pelo miolo em preto e branco foi por uma
questão orçamentária, mas é interessante destacar que várias crianças exclamaram, ao abrir o
livro, que este “é de pintar!”, demonstrando contentamento com isto.
2o Seminário brasileiro de museologia • 287

Uma vez que o retorno das crianças foi muito positivo, no ano de 2014
pensou-se em seguir com as contações durante as visitas à exposição, mas
também oferecer o texto escrito e ilustrado para que as crianças levassem para
casa um pouco do que vivenciaram no Museu, de forma a aumentar seu
sentimento de pertencimento e familiaridade com o espaço.

Imagem 2: capa do livreto

Imagem 3: exemplo de página intern


2o Seminário brasileiro de museologia • 288

Imagem 4: visitantes lendo o livreto

O livreto foi pensado também como meio de comunicar à família a


existência e a riqueza deste espaço cultural da qual ela pode usufruir, de forma
a atingir novos públicos. Por isso, foram utilizadas fotos reais da fachada do
Museu e da exposição, juntamente com ilustrações de autoria de Cristina
Colombo Nunes, que produziu imagens que dialogam com o texto e com o
boneco da contação de histórias.
O caderno de atividades, por sua vez, teve como público alvo na sua
elaboração os estudantes do sexto ano do Ensino Fundamental. Tal opção partiu
do reconhecimento de que é neste momento da escolarização que o tema da
arqueologia consta no currículo escolar, na disciplina de história. Como
primeiro passo, foram analisados excertos de materiais didáticos que tratam
sobre o tema, e percebeu-se que este costuma ser abordado como algo distante
da realidade dos escolares, mais ligado ao Egito e à Grécia antiga.
Intentamos então constituir um material que não tivesse o formato e a
rigidez de um livro didático, mas pudesse contribuir para uma aproximação dos
estudantes de sexto ano com a realidade da arqueologia brasileira e dos povos
que viveram no litoral catarinense no tempo pretérito. O material foi pensado
tanto para se constituir como material paradidático, um recurso com o qual os
professores possam dar seguimento aos aprendizados da visita em sala de aula,
2o Seminário brasileiro de museologia • 289

quanto para os estudantes explorarem sozinhos quando não for o caso.


Utilizamos ainda, para a elaboração do material, orientações contidas nos
Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de História neste ciclo.
Buscamos incorporar certa ludicidade às proposições, resguardando o
fato de que esta não poderia se sobrepor à intencionalidade educativa do
material11. Assim, priorizamos proposições formativas que integrassem ao
conteúdo formal apresentado pela exposição: a observação das formas e
objetos, e a relação passado-presente.

Imagem 5: contracapa do livreto

Imagem 6: processo de montagem do boneco

11
Costa (2008) alerta para o predomínio, nos materiais elaborados por museus, de atividades
lúdicas e informativas “descompromissadas com o desenvolvimento de habilidades formativas a
partir do acervo e de sua historicidade” (p.220), sem relação com o discurso expositivo nem com
as reflexões passíveis de serem desenvolvidas a partir da experiência museal.
2o Seminário brasileiro de museologia • 290

Imagem 7: boneco montado

A contracapa do material é composta por ilustrações de cada um dos


objetos que constituem o Marquito, assim como as instruções para a montagem
de um boneco articulado a partir do recorte e da adição de colchetes.

Imagem 8: capa do caderno de atividades Imagem 9: exemplo de atividade

O público alvo da distribuição foi ampliado no contexto das mediações,


tendo contemplado grupos a partir do terceiro ano do ensino fundamental
(desde que estivessem trabalhando a temática em sala, tendo construído bases
que permitiriam às crianças compreensão do material), até grupos de Educação
de Jovens e Adultos.

1.2 Máscaras
As máscaras foram uma estratégia elaborada a partir da compreensão
de que o contato com os objetos é a parte mais significativa da visita ao Museu,
2o Seminário brasileiro de museologia • 291

e a observação destes, uma habilidade a ser construída no público em


formação12.

Imagem 10: exemplo de máscara Imagem 11: máscara em uso - mediação

São pranchas de MDF com três milímetros de espessura, 20 centímetros


de largura e 20 de altura. Em cada uma delas foi recortada a laser a forma de
um dos objetos expostos. A técnica empregada permite um detalhamento muito
grande, o que possibilitou a realização de máscaras de objetos muito
semelhantes, exigindo a observação minuciosa do acervo para saber a qual
peça cada máscara se refere.

2. Visitas Mediadas
As visitas são planejadas de acordo com as características de cada grupo
de visitantes, com base nas informações fornecidas no procedimento de
agendamento. Por seu caráter dialógico e pelo ensejo de que as mediações
contemplem os ritmos e interesses dos visitantes, por vezes o planejamento sofre
grandes adaptações no momento da mediação. Basicamente, partimos de
quatro roteiros, conforme exposto a seguir.
Para todos os grupos, optamos por inicialmente expor as regras do
museu, sempre buscando formas para que estas sejam percebidas pelos

12
O termo “habilidade” foi aqui empregado em consonância com Costa (2009). Em suas
palavras, “o trabalho educativo em museus pode contribuir sobremaneira para a difusão dos
bens culturais. Isso porque não basta apenas garantir a democratização do acesso aos mesmos,
é preciso formar leitores críticos aptos para a fruição, a compreensão das mensagens, a
desconstrução de discursos, a descontextualização das fontes e a análise das possibilidades
artísticas e estéticas, dentre outras habilidades” (COSTA, 2009, n.p.)
2o Seminário brasileiro de museologia • 292

visitantes como cuidados consigo mesmo e com o patrimônio, ou seja, que


façam sentido para os visitantes. Assim, mesmo para os pequeninos, explicamos
em linguagem acessível os motivos de não poder tocar nos objetos, comer nas
salas de exposição, tirar fotografias com flash, etc., antes de se abordar as
regras em si.
Apesar de o circuito pensado pela curadoria para contemplar o discurso
expositivo ser o de um trajeto do tempo presente em direção ao tempo pretérito
(trabalho do arqueólogo → ocupações coloniais e pós-coloniais→ ocupações
pré-coloniais), percebeu-se no início do trabalho com os grupos certa
dificuldade de uma série de visitantes em dar esses “passos para trás” e
compreender a historicidade desta forma. Notamos também certo cansaço de
alguns integrantes dos grupos, que indicava a necessidade de uma pausa para
sentar e relaxar um pouco no meio da mediação. Tendo em vista estes dois
pontos, portanto, para a maior parte dos grupos optamos pelo seguinte roteiro:
iniciar pelo trabalho do arqueólogo (roda de almofadas ao redor da caixa que
simula uma escavação), seguir para o fundo da sala de exposição para abordar
os grupos pré-coloniais iniciando pela ocupação mais antiga do litoral
catarinense, terminando a mediação no módulo que trata da ocupação colonial
e pós-colonial (trabalho do arqueólogo → Sambaqui → Jê → Guarani →
Representações rupestres (momento sentado)→ Oficinas líticas→ Colonial e pós-
colonial).
Postas estas questões gerais, a seguir estão especificadas algumas
questões relativas às diferentes tipologias do público atendido em contexto de
agendamento:
No caso da Educação Infantil, no contexto desta exposição, limitou-se a
idade inferior de 5 anos para agendamentos de grupo 13, sendo esperado que
sua atividade principal seja o jogo de papéis, ou seja, a brincadeira simbólica.
Importante considerar também que a capacidade de abstração será

13
A presença dos pequenininhos é percebida pelo MArquE como salutar e desejável, tanto para
seu desenvolvimento quanto para a instituição. Porém, avaliou-se a necessidade de limitar a
idade de crianças pequeninas quando a relação criança/adulto é maior que 2 nesta exposição,
pela forma como foi concebida em relação ao seu mobiliário. Crianças de qualquer idade
podem acessar a exposição desde que acompanhadas por adultos responsáveis, em proporção
de no máximo 2 crianças pequeninas por adulto.
2o Seminário brasileiro de museologia • 293

consolidada em momento posterior de seu desenvolvimento. Nesse sentido,


buscamos oferecer situações baseadas em vivências concretas, relacionadas aos
objetivos de aprendizado. Foi percebido que, antes de abordar o trabalho dos
arqueólogos para evidenciar os artefatos presentes na exposição, seria
necessário que as crianças compreendessem os processos que enterraram tais
objetos. Para tanto, pensou-se em uma dinâmica com tules marrons, que
representam os sedimentos que se depositam sobre os objetos. As crianças
podem vivenciar uma a uma ser o vento que traz estes sedimentos, e perceber
que pouco a pouco os objetos deixados no centro da roda ficaram encobertos
pelos sedimentos/tules depositados. Para abordar o trabalho dos arqueólogos,
utilizamos a história do Marquito.
Uma vez que as crianças desta idade têm uma relação com o espaço
para a qual a exposição não foi planejada, optamos por realizar o momento
inicial com todas as crianças na sala de oficinas do Museu, encaminhando para
a exposição pequenos grupos, e apenas após as conversas de combinados.
Para estes grupos, a mediação não se atém à separação dos módulos e a
explicitação de questões relacionadas especificamente a cada grupo, mas a um
olhar mais geral sobre os testemunhos das pessoas que viveram há muito no
local onde hoje residimos.
Para os grupos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, a mediação é
realizada, desde o início, na sala de exposições de longa duração. A conversa
inicial sobre o trabalho do arqueólogo se dá com o grupo sentado em uma
grande roda de almofadas em torno da caixa que simula uma escavação.
Segue-se da história do Marquito, e em seguida cada módulo é contemplado
com observação dos objetos. Nesta etapa da escolarização, não são todos os
estudantes que reconhecem indicadores formais de temporalidade, o que é
considerado pelos mediadores. Para estes grupos, iniciamos o reconhecimento
de que cada grupo humano se relacionou com a paisagem de forma distinta,
marcando a separação entre os módulos.
Os grupos de estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental
constituem o público do maior número de mediações, e o planejamento para
estes apresentava um desafio: como conciliar os conteúdos de aprendizagem do
2o Seminário brasileiro de museologia • 294

discurso expositivo – que nesta etapa já eram parte fundamental dos objetivos
da visita – com uma dinâmica que considerasse a curiosidade (e a ansiedade!)
destes jovens e que não aproximasse a visita de uma aula expositiva no Museu,
havendo espaço para a apreciação e a observação dos objetos. Em um
processo de avaliações e replanejamentos, as máscaras de MDF se revelaram
uma excelente estratégia para tal conciliação. Assim, o roteiro inicia-se com a
conversa acerca do trabalho do arqueólogo; em seguida o grupo é dividido em
duplas, que recebem uma máscara cada, e a incumbência de percorrer a
exposição atentos aos objetos para encontrar aquele referente à sua máscara, e
então observá-lo quanto a forma, materiais, possíveis usos, etc. Em seguida o
grupo se reúne e a mediação tem como fio condutor a sequência de objetos
encontrados a cada módulo, sendo que as duplas apresentam ao grande grupo
suas observações, o que é complementado pelos mediadores.
A mediação para grupos de Ensino Médio tem seu planejamento bastante
variado, uma vez que as motivações para ir ao Museu são das mais diversas –
desde um aprofundamento teórico nos assuntos abordados na exposição até o
conhecimento dos aparelhos culturais da Universidade como incentivo aos
estudantes em seguir com seus estudos em nível superior. A motivação é
questionada quando do agendamento, e o planejamento é feito a partir do
roteiro de base, buscando contemplar essa motivação e prevendo momentos
expositivos-dialogados e momentos em que os estudantes possam se organizar
com autonomia para percorrer o espaço, confrontando-se com os objetos e
tendo a presença dos mediadores para responder questionamentos.

3. Oficinas de escavação arqueológica


As oficinas de escavação arqueológica são realizadas com crianças da
Educação infantil e estudantes do Ensino Fundamental nas “caixas-quadrículas”,
caixas de madeira com fundo de 60x60 cm e cerca de 30 centímetros de areia,
na qual são enterrados de dois a três artefatos da coleção didática do MArquE.
Em pequenos grupos de até 5 pessoas, os visitantes são convidados a proceder
à escavação das caixas utilizando-se de materiais e metodologias que se
aproximam daqueles utilizados pelos arqueólogos da instituição em seus
trabalhos de campo. Os visitantes também realizam um mínimo processo de
2o Seminário brasileiro de museologia • 295

curadoria, registrando, higienizando e apresentando ao grande grupo os


objetos desenterrados e suas hipóteses sobre eles.

4. Projeto Pequenos Arqueólogos


O projeto Pequenos Arqueólogos surgiu da necessidade sentida pelo
Museu de, uma vez implementada a dinâmica de visitas mediadas com grupos
escolares, começar a delinear projetos de curta, média e longa duração junto a
essa tipologia de público. O projeto piloto foi realizado com uma turma de
crianças da Educação Infantil, no segundo semestre de 2014, e hoje está em
curso com outras duas turmas, também de Educação Infantil. O planejamento
inicial proposto às professoras14 para o piloto de 2014 se compunha de cinco
encontros, mas o envolvimento das crianças em relação à temática, que passou
inclusive a fazer parte de seu repertório de brincadeiras nos momentos livres, fez
com que extrapolássemos o inicialmente planejado. Em síntese, foi oportunizado
às crianças: uma visita mediada inicial, seguindo o roteiro para grupos de
Educação Infantil supracitado; uma oficina de escavação; uma visita mediada
com foco nas cerâmicas Guarani; duas oficinas de cerâmica – uma de
decorações plásticas Guarani e uma de roletagem; a elaboração de um “kit
arqueólogo” para brincadeiras no parque (com objetos encontrados na
instituição ou elaborados com materiais naturais e recicláveis disponíveis); a
demarcação de uma quadrícula no parque da instituição; um encontro de
avaliação, com projeção das imagens e rememoração das vivências pelas
crianças. No ano de 2015, inserimos também no projeto uma vivência de
inscrições rupestres, com desenhos verticais com pedras médias feitas a partir de
giz de cera derretido.
A avaliação do piloto foi muito positiva, pois ficou evidente o quanto as
crianças se envolveram, ampliando seus repertórios de conhecimentos e
brincadeiras, e o quanto demonstraram envolvimento afetivo com o MArquE e o
projeto como um todo. Assim, enseja-se ampliar esta perspectiva de projetos de
maior temporalidade junto a grupos de escolares.

14
A parceria foi estabelecida com Sônia Jordão e Vânia Maria Broering, servidoras federais do
Núcleo de Educação Infantil da Universidade Federal de Santa Catarina. Em 2015 o projeto
conta com a parceria das professoras Regina Ingrid Bragagnolo, Rose Elaine Waltrick e Maria
Elisa Pimentel, da mesma instituição.
2o Seminário brasileiro de museologia • 296

À GUISA DE CONCLUSÃO
Muito haveria para ser esmiuçado acerca das relações que o MArquE tem
estabelecido com o público escolar em proposições pedagógicas, tanto em
termos quantitativos e de uma análise mais fina de quem é este público escolar
que tem vindo ao Museu, quanto em termos descritivos acerca de cada um dos
componentes das proposições que rapidamente elencamos acima. Optamos
porém, neste momento, por uma abordagem de sobrevôo, que pincele as linhas
principais do que consideramos constituir nosso trabalho e as relações que
temos construído a partir dele: a compreensão do local de onde falamos, esta
instituição museológica que tem uma tipologia e uma história e que hoje
apresenta ao público a exposição Arqueologia em Questão: Percorrendo o
Litoral Catarinense; algumas compreensões e opções teóricas que embasam
nossas práticas; e, enfim, as linhas gerais do que temos proposto junto aos
grupos escolares.
Nosso trabalho como mediadores tem sido um constante processo de
planejamento, avaliação e replanejamento, ora intencional e sistemático, ora
espontâneo, e portanto terminamos este texto indicando sua própria
provisoriedade, considerada como uma qualidade intrínseca de um trabalho
que se entende como processo, em um campo em que há tanto a desenvolver.

Referências

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2o Seminário brasileiro de museologia • 298

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2o Seminário brasileiro de museologia • 299

O MUSEU COMO LUGAR DE APRENDIZAGEM: AS REFERÊNCIAS TEÓRICAS DE


UM PROJETO DE DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS DIDÁTICOS

Ricardo de Aguiar Pacheco1

Resumo
Os museus contemporâneos são instituições herdeiras de diferentes experiências
de coleta e guarda de objetos. Mas sua estruturação no mundo contemporâneo
teve a clara intenção de utilizar os objetos da cultura material imaterial para
produzir a reflexão sobre temas específicos. Os museus de história, ou antes, os
objetos históricos dispostos em museus de diferentes tipos, têm o intuito de
provocar a percepção do efeito da dimensão temporal nas relações sociais.
Nesta comunicação, apresentamos as referências teóricas que norteiam o
desenvolvimento de propostas de ações educativas desenvolvidas em acervos
dos museus da cidade de Olinda, voltadas a professores da educação básica.

Palavras Chaves: Museus, Educação, Presentismo.

Abstract
The contemporaries museums are inheriting institutions of different experiences
of collection and object guard. But its structure in the contemporary world had
the clear intention to use objects of the material culture to produce the reflection
on specific subjects. The historic museums, the historical objects, intended to
show the time in social relations. In this paper we present the theoretical
references that guide the development of educative actions focused on
collections of Olinda city's museums focused on basic education teachers.

Keywords: Museums, education, presentism.

••••••••••

Os museus contemporâneos são instituições herdeiras de diferentes


experiências de coleta e guarda de objetos. Mas sua estruturação no mundo
contemporâneo teve a clara intenção de utilizar os objetos da cultura material e
imaterial para produzir a reflexão sobre temas específicos. Os museus de

1
Dr. em História; Docente do Departamento de Educação e do PPG de História da UFRPE; líder
do Laboratório de Estudos e Intervenções em Patrimônio Cultural e Memória Social. Contatos:
www.memorial.ufrpe.br; ricardo.pacheco@ufrpe.br.
2o Seminário brasileiro de museologia • 300

história, ou antes, os objetos históricos dispostos em museus de diferentes tipos,


têm a clara intenção de provocar a percepção do efeito da dimensão temporal
nas relações sociais.

Como um tema portador de um valor próprio – e não mais como


alegoria de um passado – o patrimônio histórico musealizado é estratégia para
a percepção das características culturais de diferentes momentos do passado.
Os objetos museais tornam-se, simultaneamente, materialidade do processo
histórico particular de cada comunidade e elo desta com os grandes blocos
culturais. Ou como aponta François Hartog (2006, p. 272) “o patrimônio é uma
maneira de viver as rupturas, de reconhecê-las e reduzi-las, referindo-se a elas,
elegendo-as, produzindo semióforos.”

Para evidenciar as formas particulares com que cada sociedade se


relaciona com o tempo, Hartog estrutura o conceito de “regime de
temporalidade”. Esta ferramenta teórica nos permite entender que a forma de
apropriação e significação da dimensão temporal não é idêntica para todas as
sociedades. Ao contrário, sustenta que grupos sociais de diferentes momentos
históricos se relacionaram de maneiras distintas com a dimensão temporal, com
a narrativa do passado e com os objetos que remetem ao processo histórico.

Formulée à partir de notre contemporain, l’hypothèse du régime d’historicité


devrait permettre le deploiement d’un questionnement historien sur nos rapports
au tempos. Historien, en ce sens qu’il joue sur plusieurs temps, en instaurant un
va-et-vient entre le présent er le passé ou, mieux, des passés, eventuellement trés
éloignés, tant dans le temps que dans l’espace. (Hartog, 2003. p. 27).

Apresentando a história do conceito de museus de história na França,


Dominique Poulot (2007) aponta que o papel destas instituições na produção e
difusão da memória social entrou na pauta depois dos anos 1990 por conta das
transformações que a produção historiográfica viveu com a influência dos
Annales. A partir deste momento, os historiadores passaram a desenvolver uma
produção voltada para temas e abordagens mais plurais, como a cultura
material e as representações sociais sobre o passado.
2o Seminário brasileiro de museologia • 301

Para o autor, é neste contexto que os museus de história, e suas


exposições, passaram a se utilizar dos temas da pós-modernidade – identidade,
etnia, sexualidade – para atingir os interesses de diferentes públicos. Como
resultado desse processo, no século XXI, se ligam mais aos temas e interesses do
tempo presente do que à intenção de retratar um passado por si mesmo.

Surtout, La legitimité de La conservation et de La mise em valeur du


patrimoine historique repose aujourd’hui moins sur le respect de
l’intencion des ancêtres qu’il donnerait à comprendre et
transmettre que sur l’interêt general du public – et de
communautés – pour la memoire, son travail et sés representetions.
(Poulot, 2007, p. 310.)2.

Argumentando sobre os múltiplos papeis do museu de história, Ulpiano


de Meneses (1994) propõe um deslocamento da função social da instituição e
da forma de organização das exposições. Superando a ideia tradicional do
museu como “teatro da memória”, local onde se encena momentos
significativos para a constituição de um discurso unívoco sobre o passado, o
autor propõe o entendimento do museu como “laboratório da História”, ou seja,
como local onde se provoque o visitante a utilizar os objetos, transformados
pela exposição em documentos, para construir suas narrativas sobre os temas
tratados na exposição.

Enfim, do ponto de vista metodológico (base também para uma sólida


exploração educacional), as possibilidades da exposição histórica são
privilegiadas. Não sendo a História um conjunto a priori de noções, afirmações
e informações – mas uma leitura em que ela mesma institui, em última
instância, aquilo que pretendemos tornar inteligível – ensinar história só pode
ser, obrigatoriamente, ensinar a fazer História (e aprender História, aprender a
fazer História). (Menezes, 1994. p. 39-40).

Desta forma, os museus de história – mas também os museus de arte,


antropológico, de ciências – retomam sua função original de promoção do
ensino através do contato com objetos. As exposições, ao abordarem um tema,
2
Acima de tudo, a legitimidade da conservação e da valorização do patrimônio histórico
repousa, atualmente, menos no respeito à intenção dos ancestrais que eles desejavam
compreender e transmitir que sobre o interesse geral do público – e das comunidades ‒ pela
memória, seu construção e suas representações. (livre tradução do autor).
2o Seminário brasileiro de museologia • 302

pretendem comunicar aos visitantes informações sobre ele, e oferecer a


oportunidade de construir as habilidades necessárias ao reconhecimento da
dimensão temporal.

Não mais focados em uma versão universal da história, de uma marcha


uniforme do tempo, Stuart Hall (2004, p. 76) nos diz que, nestas situações, “em
certa medida, o que está sendo discutido é a tensão entre o ‘global’ e o ‘local’
na transformação das identidades.” Os museus, e as experiências que suas
exposições possibilitam, apontam para as formação de diferentes sujeitos,
cabendo, portanto, perceber como se opera este processo.

Inventariando a trajetória do ensino escolar de história na França,


Lautoer & Allie-Mary apontam que, na última década do século XX, o patrimônio
passou a integrar o currículo escolar de história como estratégia para a
construção das identidades.

Si le patrimoine contribue bien à La construction identitaire dês sujets, la


patrimonialisation d’un objet par un élève, repose sur la part de « familiarité »
qu’il reeconnaît à ces objets en regard de sa propre identité ainsi qu’au projet
conscient (ou pas) de « se » reconnaître dans un groupe d’appartenence qui s’y
réfère.» (Lautoer & Allie-Mary, 2008, p. 99)3.

No campo do ensino de história no Brasil, diferentes estudos também


apontam para a importância do uso de fontes em sala de aula como estratégia
para se desenvolver as habilidades e saberes relacionados à percepção do
tempo histórico. Desde a década de 1990, que textos apontam para as
possibilidades dos museus e de suas exposições para problematizar o discurso
histórico dominante e ver, nas entrelinhas da expografia, mais que o imediato.

Mesmo considerando a realidade do Museu Paulista a partir da


monumentalidade do edifício e da composição de seus espaços arquitetônicos,
das pinturas, esculturas, enfim, dos objetos que lá se encontram, acreditamos
ser possível a apresentação, ou pelo menos a descrição do sentido histórico não
só da Independência, mas da História de São Paulo e da leitura que foi feita
deste estado. (Almeida & Vasconcelos, 1997, p. 113).

3
“Se o patrimônio contribui para a construção identitária dos sujeitos, a patrimonialização de
um objeto por um estudante, repousa na “familiaridade” que ele atribui a esses objetos em
relação a sua própria identidade por um projeto consciente (ou não) de ‘se’ reconhecer dentro
de um grupo de pertencimento que ele se refere” (livre tradução do autor).
2o Seminário brasileiro de museologia • 303

Visões como estas, de confrontação a versão oficial, tiveram sentido no


contexto das exposições que se propuseram a fazer o discurso da exaltação de
uma versão do passado. Contudo, na medida em que a museografia avançou
nas suas proposições discursivas, tomando para si a tarefa de produzir
exposições mais interativas e menos diretivas, novas orientações metodológicas
foram formuladas. Neste novo cenário, o trabalho pedagógico com a utilização
de museus passa a ser associado ao uso de fontes históricas para a construção
de diferentes significados sobre os processos e eventos históricos evocados pelos
objetos em exposição.

Nesse cenário, as exposições museológicas, para o ensino de história,


não mais se limitam à ilustração dos eventos e à cronologia das peças, mas se
adentra à reflexão sobre a experiência que o visitante estabelece com o tempo
histórico. Para Lana Siman (2005), quando o tempo é tomado como tema das
aulas de histórica, ele provoca uma reacomodação das concepções do sujeito
sobre sua experiência temporal.

A história, que faz do tempo a sua figura central, opera transformações no


tempo vivido, cujos registros e traços são encontráveis na memória individual e
coletiva, para se buscar a inteligibilidade dos eventos e dos significados a eles
atribuídos no vivido, é necessário mobilizar operações cognitivas de naturezas
diversas, que vão desde a sensibilidade, a intuições, ao rigor analítico no
tratamento das fontes, com base na elaboração de hipóteses conceituais.
(Siman, 2005, p. 118).

A metodologia da Educação Patrimonial, proposta por Maria de Lourdes


Horta (1990), já orienta muitas ações educativas em museus. Inspirada em seu
estágio junto a museus ingleses na década de 1990, baseia-se na observação
direta do objeto exposto e subsequente estudo em outras fontes. Fundamentada
em princípios da pedagogia Freiriana – leitura do mundo e tema gerador –,tal
perspectiva teórica tem como finalidade conduzir a descoberta de redes de
significados culturais não perceptíveis de imediato pelo público do museu.

Descobrir esta rede de significados, relações, processos de criação, fabricação,


trocas, comercialização e usos diferenciados, que dão sentido às evidências
culturais e nos informam sobre o modo de vida das pessoas no passado e no
presente, em um ciclo constante de continuidade, transformação e reutilização,
é a tarefa específica da educação patrimonial. Neste processo de descobrimento
da realidade cultural de um determinado tempo e espaço social, é possível se
2o Seminário brasileiro de museologia • 304

aplicar uma metodologia apropriada que facilite a percepção e a compreensão


dos fatos e fenômenos culturais. (HORTA, 1999. p. 9.).

No mesmo sentido, Circe Bittencourt (2004) argumenta a necessidade do


uso de fontes históricas para o ensino escolar de história. Alargando este
conceito para a inclusão dos objetos da cultura material na categoria de
documentos que informam sobre o passado. Os museus, e suas exposições, são
vistos como uma estratégia para o desenvolvimento das habilidades de
indagação e pesquisa do passado por parte dos estudantes.

A potencialidade de um trabalho com objetos transformados em documentos


reside na inversão de um “olhar de curiosidade” a respeito de “peças de museu”
– que, na maioria das vezes, são expostas pelo seu valor estético e despertam o
imaginário de crianças, jovens e adultos sobre um “passado ultrapassado” ou
“mais atrasado” – em “um olhar de indagação”, de informação que pode
aumentar o conhecimento sobre os homens e sobre sua história. (Bittencourt,
2004, p. 355).

De acordo com Katia Abud (2010), os museus são ferramentas para a


construção do sujeito com a habilidade de questionar os objetos da cultura
material e construir um sentido para os processos históricos em que eles estão
inseridos.

Assim, visitar museus é um exercício de cidadania, pois possibilita o contato com


temas relativos à natureza, sociedade, política, artes, religião. Leva a conhecer
espaços e tempos, próximos e distantes, estranhos e familiares, e a refletir sobre
eles; aguça a percepção por meio da linguagem dos objetos e da iconografia,
desafia o pensamento histórico com base na visualização das mudanças
históricas, permitindo repensar o cotidiano. (Abud, 2010, p. 136).

Garantida a compreensão dos museus como espaços pedagógicos, e


suas exposições como recursos discursivos sobre o passado, concluímos que o
entendimento sobre o uso destas ferramentas se transformam e sua importância
se amplia. Nesta proposição, os museus de história não se limitam a expor
objetos significativos do passado, ou a simplesmente comunicar uma versão
sobre o processo vivido. Eles propõem aos seus visitantes estabelecer uma
relação com o tempo histórico.

Para Reinhart Koselleck (2006), a relação de cada sociedade com seu


presente está simultaneamente marcada pela experiência do passado e pela
expectativa de futuro que se estabelece em cada tempo presente. Nesse jogo de
2o Seminário brasileiro de museologia • 305

forças simbólicas, Maurice Halbwachs (2006) identifica as múltiplas situações


cotidianas pelas quais a memória coletiva é incorporada como memória
individual atuando como formadora do sujeito social.

[...] a criança mergulha mais do que se imagina nos meios sociais pelos quais
ela entra em contato com um passado mais ou menos distanciado, que é como
o contexto em que são guardadas suas lembranças mais pessoais. É neste
passado vivido, bem mais que no passado apreendido pela história escrita, em
que se apoiará mais tarde a sua memória. (Halbwachs, 2006, p. 90).

Nesse sentido, segundo Paul Ricouer (2003), os valores culturais de cada


comunidade somente se internalizam como valor subjetivo na medida em que
cada sujeito se relaciona, através de seus próximos, com a memória social, “o
que chamo de atestação em si mesmo.” (2007, p. 142).

L’appele à la notion de patrimoine ne traduit plus seulement une prise de


consciense et une réponse à une rupture, mais il devient une manière de
désigner un danger potentiel et d’y faire face, en menttant précisément en ouvre
une logique de type patrimonial, qui se proclame de plus en plus préocupée par
la transmission et qui donne de plus en plus de place au patrimoine
« immatétriel ». (Hartog, 2003, p. 210).

A relação que a sociedade contemporânea estabelece com o tempo,


segundo François Hartog (2009), está marcada pela onipresença do presente,
que anula tanto a experiência do passado como a expectativa de futuro. Essa
relação contemporânea com o tempo é chamada por ele de presentismo; é uma
“crise do tempo”, uma ruptura com a forma de perceber o processo histórico
que aponta para uma anulação do tempo como dimensão social.

C’en est fait, depuis une trentaine d’années, de cette économie du temps.
L’autorité du futur s’est désagrégée, d’abord et davantage dans la vieille Europe
qu’ailleurs. Ce n’est pas le lieu de décrire ce phénomène de grande ampleur aux
composantes multiples. Pour nous en tenir seulement au temps, on a vu surgir
puis devenir de plus en plus commune l’expression « crise du temps ». Le
principal trait de cette crise paraît être une montée en puissance de la catégorie
du présent, comme si le présent était devenu son propre horizon, comme s’il n’y
avait plus que du présent, sans passé ni futur, ou plutôt fabriquant chaque jour
le passé et le futur dont il a besoin. Un présent englobant et omniprésent.
(Hartog, 2009, p. 63).

Neste cenário de amplificação do tempo presente como única categoria


da experiência temporal, nos colocamos a questão de entender que tipo de
relação com o tempo os museus históricos, seus objetos e suas exposições,
propiciam aos seus visitantes. Como os museus operam com os sujeitos
2o Seminário brasileiro de museologia • 306

históricos marcados pelo “presentismo” identificado por Hartog. Ou ainda,


como o patrimônio histórico musealizado dialoga com o regime de historicidade
da sociedade contemporânea atuando no processo de formação dos sujeitos.

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2o Seminário brasileiro de museologia • 308

CONSTRUINDO MEDIAÇÕES: OFICINA MÃO NO GESSO

Adriano Edney Santos de Oliveira1

Allan Alcântara Paiva da Cunha2

Bianca Thalita Araújo de Lima3

Isabelle Gabrielle De Sena Santos4

Paula Jussara Azevedo de Oliveira5

Nayara Kelly Miranda de Santana6

Sandra de Brito Barreto7

Tiago Rodrigues da Silva8

Yelitza López Duque9

Resumo
Um dos campos de maior desenvolvimento e interesse dos museus e da
museologia é o educativo. Responsável por intermediar dentro e fora do museu
o objeto e a missão institucional, o educativo, tem-se comprovado ser o meio
que propicia maior visibilidade à instituição museu. O MMR explora essa
premissa promovendo desde a sua reabertura, ações que aproximem seus

1
Museólogo, especialista em Antropologia das Organizações, Museólogo/Assistente em
Administração no Museu de Minerais e Rochas da UFPE, E-mail para contato:
adrianoeso@gmail.com
2 Graduando em Geologia UFPE, Bolsista no Museu de Minerais e Rochas/UFPE, E-mail:
allandgeo@hotmail.com
3 Graduanda em Geologia da UFPE, Bolsista no Museu de Minerais e Rochas/UFPE, E-mail:
bia_thalita@hotmail.com
4 Graduanda em Museologia da UFPE, E-mail: isesantos00@gmail.com
5 Graduanda em Geologia da UFPE, Bolsista no Museu de Minerais e Rochas/UFPE, E-mail:
paula_jussara@hotmail.com
6 Graduanda em Museologia da UFPE, E-mail: nayarak15@gmail.com
7 Professora Adjunta do Curso de Graduação em Geologia da UFPE, Diretora do Museu de
Minerais e Rochas/UFPE, E-mail: sandradebritobarreto@gmail.com
8 Graduando em Engenharia de Minas da UFPE, Bolsista no Museu de Minerais e Rochas/UFPE,
E-mail: tiagros@hotmail.com
9 Pós-graduanda no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Designer no Centro de Artes
de Comunicação da UFPE, Voluntária do Museu de Minerais e Rochas/UFPE, E-mail:
yelitzalopezduque@gmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 309

visitantes à conhecimentos sobre as geociências, ampliando constantemente


suas ações educativas através do incremento de novas formas de interação com
seu público. Torna-se objetivo deste trabalho demonstrar uma das mais recentes
ações educativas adotadas pelo Museu, a oficina temática intitulada Mão no
Gesso, onde é possível demostrar a sua sintonia com as melhores práticas
educativas vigentes. Para comprovar essa afirmativa, apresentaremos algumas
importantes colocações a respeito de práticas educativas em museus presentes
em literaturas de referência no campo museológico. A versão atual da Mão no
Gesso destaca-se por ser uma atividade que complementa essencialmente a
visitação ao espaço expográfico do Museu, porém, dedicando-se a explorar
assuntos específicos conforme a necessidade do público. O relatado aqui
contextualiza a oficina realizada durante a 13ª Semana Nacional de Museus,
onde, por ocasião da temática a ser abordada: Museu para uma sociedade
sustentável, tornou possível trazer informações teóricas sobre a gipsita –
localização de jazidas, forma de extração, viabilidade econômica e ambiental,
beneficiamento e aplicações - oportunizando ainda pôr em prática a utilização
do gesso - resultado do beneficiamento da gipsita - pelos visitantes. Em
especifico, apresentaremos toda a dinâmica de preparação e realização da Mão
no Gesso. Por fim, teceremos algumas considerações a respeito da oficina e sua
importância para o MMR como meio educativo eficaz para a disseminação do
conhecimento sobre as Geociências.

Palavra-chaves: Museu de Minerais e Rochas, Mão no Gesso, Educativo,


Geociências.

Abstract
One of the biggest areas of development and interests of museums and
museology is education. Responsible for mediating in and out of their facilities
the object and institutional mission of the museum, education has proven to be
the medium that provides greater visibility to the museum institution. The MMR
explores this premise promoting since its reopening, the actions that approximate
the visitors to the knowledge of geoscience, constantly expanding its educational
activities, increasing new forms of interaction with their audience. Becomes the
goal this study demonstrate the latest educational initiatives adopted by the
Museum, the workshop titled "Hand in the Plaster", in which we can demonstrate
the harmony with current best educational practices. To prove this statement, we
will introduce some important definitions of educational practices in museums
present in the reference literature in museology field. The current version "Hand
in the Plaster" stands out for being an activity that essentially complements the
visit to exhibition space the Museum, however, devoting himself to explore
specific contents as required by the public. The reported here contextualizes the
workshop held during the National Week 13th of the Museums , whose the
theme approached was: Museum for a sustainable society, made it possible
bring theoretical information on plaster - such as location of deposits, the mining
process, the economy and environmental sustainability, during processing and
applications - offering opportunities of still implement the use of gypsum - result
of the gypsum processing - by visitors. In specific, we will present the whole
2o Seminário brasileiro de museologia • 310

dynamic of preparation and consummation of "Hand in the Plaster". Finally, let's


say a few words about the workshop and its importance to the MMR as an
effective educational environment for the dissemination of knowledge about the
geosciences.

Keywords: Minerals and Rocks Museum, Hand In Plaster, Education,


Geosciences.

••••••••••

INTRODUÇÃO

Provavelmente um dos campos em maior desenvolvimento e interesse dos


museus e da museologia, a educação promovida nas instituições museológicas
é o meio que mais se dedica ao contato direto com o público, seja ele visitante
ou apenas observador (ou seja, aquele que apesar de não manter o contato
físico com o museu, se relaciona virtualmente10 com o mesmo por diversos
meios como cartazes, internet, livros. É possível afirmar que qualquer iniciativa
museológica com pretensão de intermediar, estimular e aumentar o
conhecimento já disponibilizado pelos museu através de seu acervo é uma ação
educativa. O educativo11 quando anexado a visita de museus, transforma o
ambiente em uma segunda sala de aula, os museus ganharam um papel e
lugar de virtude no potencial educativo e especificidades.

Ciente da importância do educativo para os Museus, o Museu de


Minerais e Rochas (MMR) da UFPE apresenta neste trabalho a oficina Mão no
Gesso, criada para explanar o conhecimento sobre as Geociências, já disponível
em seu espaço expográfico e expandindo-o a assuntos específicos,
determinados pelo interesse de seus visitantes. Porém, não seria possível
explorar a temática trazida pelo trabalho – educativo em museus – sem

10
O termo virtualmente pode ser aqui compreendido como algo que não se concretiza de fato –
a pessoa não vai fisicamente ao museu, pretensão maior destas instituições – mas,
potencialmente, o conhece por meio de recursos criados pelo ou com participação do “setor
educativo” de cada museu.
11
Termo sinônimo, na museologia, à ação ou prática educativa promovida pelo museu.
2o Seminário brasileiro de museologia • 311

interpelar a pensamentos e orientações voltadas para a realização de


intermediações do museu com o seu público.

Por fim, após a apresentação da dinâmica de concepção, preparo e


realização da oficina, serão realizadas algumas considerações a respeito do
evento realizado, reforçando o papel do MMR na divulgação do conhecimento
científico das geociências.

AÇÃO EDUCATIVA EM MUSEUS

Não incomum, o educativo percebido nos museus seguem uma


padronização formada pela triangulação entre o objeto museal, o visitante e
pela visita orientada, sendo esta última, uma das formas de intermediação
utilizada pelo museu para a comunicação do conhecimento. Por vezes, não se
desprendendo da triangulação ora mencionada, surge entre o objeto museal e
o visitante “dispositivos” que facilitam a complementação de informações para
os visitantes, deixando-os mais autônomos. Porém, mesmo com estes
dispositivos a intervenção humana não é ou pode ser descartada, pois serve,
por excelência, como “uma chave de leitura do objeto museal”. (NASCIMENTO,
2013, pp. 235-238).

Em contraponto à este padrão a mesma autora (2013, p. 239) posiciona


que na terceira geração12 das exposições museais há a preocupação em torná-
las construtoras do conhecimento e de estimulo aos sentidos, agregando
logicamente, as práticas das duas gerações anteriores. Na terceira geração de
exposições museais vemos a transformação da triangulação padrão da ação
educativa em um modelo circular, através da inserção da interatividade na

Interatividade

Prática
Objeto museal Educativa

Visitante

12
A primeira geração concentrava-se apenas em expor objetos e coleções de forma
contemplativa, sem mediação; já a segunda geração preocupava-se em tornar a visitação mais
Figura 1- Adaptação do Modelo circular da prática educativa construído por Nascimento (2013, p. 240)
agradável, estimulante e lúdica, utilizando dispositivos interativos e áudio visuais (Nascimento,
2013, p. 238).
2o Seminário brasileiro de museologia • 312

dinâmica de formação do pensamento de construção da ação educativa. A


sequência fica então estruturada da seguinte forma:

Observa-se que na estrutura do Modelo circular da prática educativa, a


interatividade entremeia a relação entre o Objeto museal e a prática educativa.
Relativo a este ator na trama educativa, Chelini & Lopes (2008, p. 231)
esclarecem:

Neste sentido, McLean explica que, no contexto dos museus, o termo


"interativo" tem sido utilizado como sinônimo de "participativo" ou
"manipulativo" (hands-on), o que pode gerar confusões. A autora
lembra que nem toda manipulação é uma interação, e que a
interação acontece quando o visitante age sobre a exposição e esta faz
algo que age sobre o visitante. Assim, o termo "participativo" define a
relação do visitante com a exposição, enquanto o termo "interativo"
enfatiza a capacidade da exposição de responder a estímulos do
visitante.

Uma discursão sobre interativo e participativo será melhor debatida mais


à frente, para o momento, cabe destacar que nessa articulação entre os atores
apresentados no modelo circular, aparentemente, na atual conjuntura da
museologia, os envolvidos com o educativo museal, já os consideram
espontaneamente em seus planejamentos, guardadas as devidas possibilidades
de utilização ou não de dispositivos por cada museu para promover a sua
interatividade. Não diminutos, a ação educativa deve ater-se preferencialmente
à missão e ao perfil do museu, não sendo desejável que desvios sobre estes dois
pontos ocorram, a fim de não perder a essência e identidade institucional.

Os idealizadores das ações educativas devem, imprescindivelmente


considerar e deter bastante atenção aos seguintes pontos (BARBOSA; OLIVEIRA;
TICLE, 2010, p. 12):

Público-alvo: as ações educativas devem sempre atender a um público


indistinto, ou seja, atender a quaisquer visitantes, possibilitando o acesso das
pessoas independente de gênero, idade, localização, estado físico ou social. No
entanto, saber qual público o museu prioriza o atendimento (escolares, público
espontâneo, alunos de cursos técnicos, pesquisadores) otimiza o resultado final
previsto. Em ações especificas, como oficinas e exposições temporárias, a
delimitação de um público-alvo é desejável para atingir as metas traçadas e
2o Seminário brasileiro de museologia • 313

dedicar esforços para o seu melhor usufruto, entretanto, não se descuidando de


oferecer aos demais públicos a possibilidade de ser inserido na atividade
oferecida.

O tempo: dependente diretamente do tipo de público, o controle do


tempo em uma ação educativa deve considerar que o visitante utilize o museu
em sua completude sem que o mesmo saia do museu insatisfeito, cansado ou
sem absorver o conteúdo proposto.

O espaço: talvez o ponto de maior dificuldade para os museus – já que


na realidade Brasileira, nem todos possuem estrutura física adequada para as
suas atividades – esse ponto deve sempre propiciar a melhor recepção e
acomodação do visitante, além de considerar eventuais infortúnios que
atrapalhem o desenvolvimento da ação educativa.

O objeto: relacionado ao histórico e simbólico do museu, refere-se ao


que vai ser vivenciado especificamente na exposição ou atividades prevista para
determinado dia.

Ocupando-se em delimitar e definir ao menos os quatro pontos


elencados, quem idealizará uma proposta de educativo para o museu pode
então selecionar a melhor forma de intermediar o objeto museal – ou temática,
no caso de dinâmicas sem o uso de objetos do museu - para o visitante.

ALGUMAS FORMAS DE INTERMEDIAÇÃO

Cabe ao educativo se adaptar as necessidades de seu público e àqueles


que podem ser potencialmente atingidos pelas ações desenvolvidas pelo museu.
Considerando Chelini & Lopes (2008, p. 231) sobre os três níveis de
interatividade trazidos por Wagensberg13, consideramos a existência de algumas
formas14 de intermediar o desejo do museu em transmitir conhecimento ao
visitante, sendo os que mais recebem destaque:

13
Os quais seriam: hands on (manual), minds on (mental) e heart on (emoção cultural).
Maiores detalhes são debatidos pelos autores em seu texto.
14
O termo “forma” é utilizado no sentido de “meio de atingir o objetivo previsto”, mas que
poderia ser comparado à dispositivos (nos casos de utilização recursos físicos) ou mecanismos
2o Seminário brasileiro de museologia • 314

Visitação orientada: forma mais clássica interagir com os visitantes,


procura explorar o conteúdo do museu por meio de narrativas e percursos
preconcebidos, direcionados e delimitados ao público-alvo, tempo, espaço e
objeto ou tema.

Dinâmicas: forma de complementar e externar o conteúdo do museu.


Utilizados muitas vezes para agrupar pessoas com interesses idênticos para um
fim especifico ou para descontrair uma parcela dos visitantes pós-visitação.
Algumas representações das dinâmicas dos museus estão nas oficinas, aulas e
eventos temáticos.

Dispositivos interativos15: este grupo pode ser dividido em duas vertentes,


os dispositivos interativos animados e os interativos estáticos. Os interativos
animados são àqueles que dependem da intervenção direta do visitante para
comunicarem algo e que privilegiam o movimento, a ludicidade, a versatilidade
e a universalidade em seu uso. Estão agrupados nessa vertente os tablets, telas
sensíveis, softwares para smartphones e a internet. Os dispositivos interativos
estáticos são àqueles que carregam em si informações sobre determinado
objeto ou acontecimento, porém os apresentam sem movimento, exemplo deles
são as revistas, livros e panfletos. Destacam-se no rol dos dispositivos interativos
os sistemas de “aperte o botão” ainda muito utilizado em museus de ciências.
Através destas formas de intermediar o bem cultural aos visitantes, os
museus não devem se furtar em manter, aperfeiçoar e ampliar suas ações
educativas por questões gerenciais (administrativa ou financeira). Devem ainda
considerar as ações educativas como meio de propor desafios, instigar e
problematizar o conhecimento detido pelo museu, aliando-se à criação de
diálogos críticos e construtivos, tornando-se fonte de aprendizagem, enfatizando
o papel ativo de indivíduo na construção de novos conhecimentos.

(nos casos de utilização de métodos de abordagens). Vale salientar que descartamos mencionar
a exposição dos objetos e textos informativos como meio de intermediação, por considerar que
essas são práticas mínimas de comunicação a serem utilizadas pelos museus.
15
Cabe mencionar que o termo dispositivo é utilizado para designar um “Mecanismo destinado
à obtenção de certo fim” (Priberam, on-line), o qual seria a de transmitir um conhecimento
determinado.
2o Seminário brasileiro de museologia • 315

O EDUCATIVO DO MMR

Com o pensamento voltado à disponibilização do conhecimento


relacionado às Geociências do nordeste brasileiro e na Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), o Museu de Minerais e Rochas (MMR) da UFPE, atende a
alunos da graduação em Geologia, Engenharia de Minas, Geografia e Química
da própria Universidade, cursos de Geologia de faculdades interestaduais, além
de receber constantemente a visita de alunos de Curso Técnicos e de escolares
do ensino fundamental e médio. Sua política desde sua reabertura em 2007, é
a de não medir esforços para oferece ao seu público e interessados no universo
das geociências, meios de interagir com o seu acervo dentro e fora do espaço
expográfico, permitindo atingir a sua missão de disseminar conhecimento e
estimular pesquisas em sua área de atuação.

No trilhar das ações educativas que o MMR desenvolve, atenta-se para o


ano de 2010 como àquele que emancipou o seu acervo para além das suas
“quatro paredes”. É nesse ano que o MMR oferece ao seu público a
possibilidade realizar a visita ao espaço de exposição, com a presença de
orientadores (bolsistas, alunos de graduação em geologia) e posteriormente à
visitação interna, complementar os conhecimentos ali repassados através do uso
de jogos temáticos, desenvolvidos pela própria equipe do museu.

Foi nesse impulso que surgiu o momento NiFe – termo surgido em alusão
aos dois minerais mais abundantes que formam o núcleo da terra Niquel (Ni) e
Ferro (Fe) – onde são disponibilizados os jogos temáticos em formatos de
dominó, quebra-cabeça e jogo da memória, aliados à revista Passatempo.
Diante o sucesso e a crescente procura de escolas para participar do momento
NiFe, o projeto foi mantido com o intuito de ampliar e aperfeiçoar os materiais
disponíveis.
2o Seminário brasileiro de museologia • 316

Figura 2- Jogos temáticos "Quebra-cabeça" e "Jogo da memória"


Fonte: Acervo do MMR.

Figura 3- Jogos sendo utilizados pelos visitantes e panfleto informativo sobre o momento Nife
Fonte: Acervo do MMR.

Duas outras iniciativas são marcantes no desenvolvimento do educativo


do MMR, a primeira é a criação de uma mascote para o museu. Trata-se do Ibi,
um tatu-bola que foi batizado com este nome como homenagem aos nativos
brasileiros - já que Ibi em Tupi-guarani significa terra - e aos geólogos, já que
nada é mais condizente que associar um animal que é dependente do solo à
aqueles cujo trabalho também é dele depende. O Ibi veio ainda suprir a uma
necessidade legal na utilização de imagens registradas nos primeiros jogos
construídos, assim, na segunda “leva” de jogos, o Ibi foi incorporado às
imagens de todos os jogos. A segunda, mais recente, é o desenvolvimento dos
2o Seminário brasileiro de museologia • 317

jogos para pessoas com deficiência visual, pontapé para o trabalho de inclusão
social que há vários anos é desejo da equipe do MMR.

Figura 4 - Imagens utilizadas na primeira e segunda versões dos jogos, respectivamente


Fonte: Acervo do MMR.

Nos últimos dois anos (2014-2015), o MMR vem se destacando com o


desenvolvimento de suas aulas temáticas – para capacitação de professores – e
oficinas temáticas. Em voga, as oficinas Pintando com Minerais e Mão no Gesso,
são os pilares atuais das ações educativas, estando presente – a pedido – tanto
nas visitações ao museu, quanto em atividades externas. O MMR percebeu as
oficinas como elementos potencializadores de seus interesses para a divulgação
do conhecimento sobre as Geociências, sendo ainda meio de se adequar a
diversos eventos promovidos pelo Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) e pela
própria UFPE.

OFICINA MÃO NO GESSO

Visando atender a demanda da 13º Semana Nacional do Museus,


promovida pelo IBRAM no ano de 2015, cuja temática era Museu para uma
sociedade sustentável, procurou-se um assunto que pudesse ser adequado ao
tema proposto, sem fugir, entretanto, a missão do Museu, ou seja, o assunto
deveria estar ligado à Geociências ou, mas especifico, à Geologia.

Em reunião, a equipe do museu optou em realizar uma oficina temática


complementar à visitação ao espaço expográfico. Após ponderações, o mineral
gipsita foi escolhido por ser considerado matéria prima do gesso, este, sendo o
2o Seminário brasileiro de museologia • 318

principal recurso mineral do estado de Pernambuco, estado responsável por


95% de toda a produção gesseira do Brasil. (SM Gesso, 2013, on-line). Além
desse destaque, o gesso é um material de fácil trabalho e baixo custo,
permitindo que o MMR desenvolvesse a sua atividade sem maiores dificuldades
– apesar de não receber recursos para o desenvolvimento de seus trabalhos.

Ao se aprofundar sobre o mineral escolhido, adequando-se ao tema do


evento, sociedade sustentável – termo que no senso comum associa-se à
preservação ambiental – foi, em primeira pesquisa, verificado que o gesso não
um recurso sustentável apesar de sua ampla utilização - estudos apontaram que
resíduos da utilização do gesso representam aproximadamente 4% dos resíduos
descartados na construção civil. Em momento posterior, em pesquisas mais
aprofundadas, descobriu-se que já há viabilidade de reciclagem dos seus
resíduos sólidos apesar das práticas serem pouco conhecidas. Esta última
descoberta confirmou ainda mais que trabalhar com a gipsita se adequava à
temática da Semana de Museus e não fugia ao perfil do MMR. Com a certeza
do assunto a ser abordado, foi, por analogia, dado à oficina o título de Mão no
Gesso, fazendo alusão à prática Mão na Massa.

A oficina, cuja concepção já havia sido concretizada experimentalmente


em ano anterior – não foi registrada oficialmente quando houve o experimento,
porém, registros extra oficiais a remontam ao ano de 2010 –, consiste em fazer
algumas das formas cristalinas de minerais em gesso, através do preenchimento
de formas criadas para este fim – originalmente foram utilizadas formas feitas
de embalagem Tetra Pak – explorando informações sobre as formas cristalinas
que representavam cristais de gipsita e poliedros de coordenação existentes nas
redes cristalinas dos minerais.

Considerando ter sido a oficina, planejada para promover, divulgar e


valorizar a gipsita ao público mais comum do MMR, ou seja, escolares de
ensino fundamental e médio – mas, sem limitar a participação de quaisquer
outro visitante -, foi pensado em demonstrar as diversas etapas pela qual a
gipsita passa até chegar ao seu uso final nas indústrias, comércio e nas
residências, demonstrando a sua extração, beneficiamento e aplicabilidade, sem
2o Seminário brasileiro de museologia • 319

deixar de comentar sobre a sua reciclagem e valor econômico. Aliado ao


esclarecimento teórico, a parte prática da oficina propicia falar ainda mais das
propriedades do gesso – por exemplo, a troca de calor entre as matérias, a
plasticidade e ainda sobre a cristalografia dos minerais.

Diante do exposto, foi oficializado que a dinâmica de recepção do


público para a Semana Nacional de Museus e a realização da Oficina Mão no
Gesso seguiria uma ordem: visita ao espaço expográfico do museu, abordagem
teórica sobre a gipsita – por meio de painel, panfletos e diversas amostras de
gipsita – e, por fim, a prática da mão no gesso. A prática da oficina, seguindo
as prescrições do primeiro experimento, se dá através da preparação do gesso
em pó para deixá-lo pastoso e fluido, acrescentando água em quantidade ideal.
Durante a preparação há ainda a possibilidade de misturar anilinas comestíveis
à mistura para colorir o gesso sem incorrer no risco de intoxicar o participante
da oficina.

Verifica-se assim, que a oficina é de simples preparação, porém, a sua


preparação e prática demonstra que devemos ter atenção a alguns pequenos
detalhes que passam desapercebidos, mas que não impedem a sua realização.

COLOCANDO EM PRÁTICA

a. Preparativos

Evidente que para a realização de qualquer atividade educativa, seja ela


a visitação orientada, seja a realização de uma oficina temática, há todo um
preparativo da equipe do museu para melhor receber seus visitantes e
administrar a atividade de forma coerente, correta e sem maiores incômodos e
dificuldades.

Tem-se então a equipe do MMR ativos na criação do painel, panfletos e


de uma narrativa para intermediar dentro do espaço expositivo e durante a Mão
no Gesso, divulgação do evento e, por fim, a tarefa de separar e confeccionar
os materiais para viabilização da oficina. Materiais estes que são: o gesso em
2o Seminário brasileiro de museologia • 320

pó (à venda em casas de material de construção), anilinas, separação de luvas e


vasilhames para mistura do gesso e criação dos moldes para enchimento.

Como já mencionado, os moldes criados devem permitir que após o seu


enchimento com o gesso, uma estrutura seja gerada, cuja forma representa o
cristal de um determinado mineral, no caso, de gipsita, bem como de poliedros
de coordenação existentes na estrutura interna dos minerais, para que
sequencialmente sejam exploradas em explicações sobre a gipsita e sobre a
estrutura interna dos minerais.

Entretanto, durante a criação dos moldes, percebeu-se que criá-los em


embalagem Tetra Pak era inviável seja pela pouca quantidade de material
disponível, seja pela sua rigidez e características (vincos pré-existentes no caso
de embalagens de leite), o que iria impossibilitar a confecção de quantidade
significativa de moldes. Em caráter experimental, para substituição das
embalagens Tetra Pak, foram adquiridas folhas de cartolina plastificada.
Escolha de sucesso, visto que eram mais fáceis de serem manipuladas, de baixo
custo e impermeáveis – os moldes devem ser impermeáveis devido à umidade
do gesso.
2o Seminário brasileiro de museologia • 321

Figura 5- Fotografias de momentos preparatórios para a Oficina Mão no Gesso.


Fonte: Acervo do MMR

b. Recebimento dos visitantes e realização da oficina

Programada para ocorrer em dois dias da 13ª Semana Nacional de


Museus, a oficina foi divulgada através das mídias sociais e site institucional da
UFPE. Decorrente da divulgação, o MMR foi contatado por alguns colégios com
ensejo de participarem do evento, consultando como seria a oficina e
confirmando datas e horários. Dentre os contatos, o Educandário Maria
Imaculada, em pedido especial, solicitou a realização da oficina para uma
turma fechada de 45 alunos de ensino fundamental no primeiro dia
programado para o evento, cujo pedido foi aceito pelo MMR – consideramos o
pedido como um desafio, visto que ainda não havíamos realizado esta oficina
com tamanha demanda16. O segundo dia, ficaria então para o atendimento ao
público espontâneo.

O planejamento final para a realização do evento no primeiro dia previa,


considerando a demanda, dividir a turma de 45 escolares em três grupos de 15
alunos, o que iria oportunizar o oferecimento de jogos didáticos criados pelo
museu (dominó, quebra cabeça e jogo de memória), deste modo ampliando as
atividades propostas, divulgando outros recursos educativos e não
sobrecarregando a estrutura do museu, assim, bem recepcionado os visitantes.
Entretanto, ao recebermos o agrupamento no dia programado, nos deparamos

Vale lembrar que uma experiência de aplicação da oficina havia sido realizada anteriormente,
16

mas não com o mesmo propósito e volume de atendimento.


2o Seminário brasileiro de museologia • 322

com um total de 60 alunos e três professores, criando uma realidade não


esperada, porém, que foi resolvida seguindo o esquema já planejado.

Apesar da adversidade inesperada, a oficina obteve sucesso em sua


realização, conseguindo realizar as etapas previstas sem maiores
eventualidades, as quais, quando surgidas, foram sanadas pela equipe sem
prejuízo a dinâmica. Destaca-se ainda que devido à presença do Educandário,
diversos discentes e professores nos abordaram para melhor conhecer o evento,
momento no qual, também foram emitidos elogios e palavras de incentivo.
2o Seminário brasileiro de museologia • 323

Figura 6 - Fotografias do dia de realização da Oficina Mão no Gesso.


Fonte: Acervo do MMR.

c. Finalização

Após todos os visitantes do grupo escolar terem vivenciado o espaço


expositivo do MMR, terem recebido informações sobre a gipsita e realizado a
prática educativa proposta pela Mão no Gesso, oferecemos brindes – camisetas
2o Seminário brasileiro de museologia • 324

do museu – para sorteio, as quais ficaram à disposição dos responsáveis para


determinarem a melhor forma de contemplação – soube-se posteriormente que
apenas àqueles que melhor relataram a experiência no Museu participaram do
sorteio. Como intenção final, a equipe do MMR agradeceu a participação do
grupo e especificamente dos professores, aproveitando para divulgar a
“fanpage” do museu no Facebook, onde, posteriormente, visitassem para curtir
e compartilhar com seus amigos e familiares as fotos que seriam publicadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Museu de Minerais e Rochas, através do relato de uma experiência rica


vivida em razão da 13ª Semana Nacional de Museus, mostra a importância do
educativo dos museus e a dinâmica interna para realizá-lo. O retorno obtido
pelo MMR, devido à Oficina Mão no Gesso, foi desde elogios de observadores
até o pedido pelo Educandário Maria Imaculada em realizarmos novamente a
oficina para futuras turmas. Acrescenta-se que o reconhecimento chega à nível
municipal, tendo sido o MMR procurado para propiciar uma capacitação para
educadores da Rede Municipal de Ensino do Recife que atuam com os “Anos
Iniciais do Ensino Fundamental e da Educação de Jovens e Adultos”.

Inegável assim, não perceber o sucesso de mais uma forma de educar o


público e difundir as Geociências praticado pelo MMR, cujo empenho destinado
a realização da oficina ainda geram frutos e reconhecimento em âmbito
regional.

Referências

BARBOSA, Neilia Marcelina; OLIVEIRA, Anna Luiza Barcellos de; TICLE, Maria
Letícia Silva. Ação Educativa em Museus: Caderno 04. Belo Horizonte: Secretaria
de Estado de Cultura/ Superintendência de Museus e Artes Visuais de Minas
Gerais, 2010.

CHELINI, Maria-Júlia Estefânia; LOPES, Sônia Godoy Bueno de Carvalho.


Exposições em museus de ciências: reflexões e critérios para análise. An. mus.
paul., São Paulo , v. 16, n. 2, p. 205-238, Dez. 2008 . Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext
&pid=S0101-47142008000200007&lng=en&nrm=iso>. Acesso on 08 Sept.
2015. http://dx.
2o Seminário brasileiro de museologia • 325

doi.org/10.1590/S0101-47142008000200007.

DISPOSITIVO. in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-


2013. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/dispositivo>. Acesso em:
19 ago. 2015.

NASCIMENTO, Silvania Sousa do. O desafio de cosntrução de uma nova prática


educativa para os museus. In Museus: dos gabinetes de curiosidades à
museologia moderna. FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves; VIDAL, Diana
Gonçalves (Org.). Belo Horizonte: Fino Traço. 2013

SM GESSO. Pólo Gesseiro. Disponível em: http://www.smgesso.com.br/polo-


gesseiro/. Acesso em 19 ago. 2015
2o Seminário brasileiro de museologia • 326

O PROCESSO DE INCLUSÃO EDUCACIONAL NO MUNICÍPIO DO RIO DE


JANEIRO: NOVAS PROBLEMÁTICAS EDESAFIOS PARA OS MUSEUS

Silvilene de Barros Ribeiro Morais1

Resumo
As exposições dos museus de ciência e tecnologia podem se constituir em uma
importante “ferramenta” para a inclusão educacional, inclusive para os alunos
com deficiência, pois possibilita o desenvolvimento de suas potencialidades,
auxiliando na redução de barreiras à aprendizagem e aproximando da sua
realidade conceitos científicos difíceis de serem vivenciados em sala de aula.
Porém, consideramos que a principal questão a ser esclarecida é: em que
medida essa atividade se torna relevante para os alunos e que aspectos
favorecem a sua interação com essas instituições? Para compreensão do
processo de inclusão educacional de alunos com deficiência nas escolas
públicas, foram utilizados os dados obtidos pela pesquisa qualitativa promovida
pelo Observatório de Educação Especial (OEERJ), com os professores das SRMs.
Abordamos, neste artigo, o conceito de inclusão em um contexto amplo, como
um processo de caráter contínuo e dinâmico, que não se restringe a definir um
conjunto de práticas destinadas às pessoas com deficiência – evidenciando,
assim, a exclusão dentro da inclusão – mas a luta constante em favor da
remoção de barreiras que impeçam a participação plena de qualquer indivíduo
na sociedade onde está inserido (SANTOS, 2003). Concluímos que o perfil
diverso do segmento escolar demanda a disponibilidade de materiais e recursos
diversos e uma atitude inclusiva dos profissionais da instituição, ampliando,
assim, a possibilidade de acesso efetivo à aprendizagem e à participação.

Palavras-chave: Educação; Inclusão; Museus

Abstract
The exhibitions at science and technology museums could be an important “tool”
to educational inclusion, particularly to students with disabilities for it allows the
development of their capabilities, resulting in the reduction of learning barriers
and narrowing scientific concepts that are unlikely to be experienced in the
classroom to their reality. However, the main point here enlightened is: in what
measure does this activity become relevant to the students and what are the
aspects in favour of their interaction with such institutions? For a better
understanding of how educational inclusion works with disabledstudents in public
schools, all information obtained with qualitative research promoted by the
Special Education Observatory (Observatório de Educação Especial – OEERJ),
with SRMs’ teachers, was taken into account.In this article, the concept of

1
Museóloga. Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
2o Seminário brasileiro de museologia • 327

inclusion was approached in a broad context, as a process of continuous and


dynamic character, that does not restrain itself on defining a setof special
activities for disabled people – thus indicating exclusion within inclusion – but,
instead, the constant struggle against any obstacles that prevent the full
participation of any individual in the society in which it belongs (SANTOS, 2003).
In conclusion, the diverse profile of school segments demands availability of
material, resources and an inclusive behaviour from institution professionals,
thus amplifying a possible and effective access to learning and participating.

Key-words: Educacion; Inclusion; Museum

••••••••••

INTRODUÇÃO

Ao atuar como professora da rede pública do Município do Rio de


Janeiro e sendo museóloga por formação, senti a necessidade de pesquisar
sobre a relevância do estabelecimento de parcerias entre a escola e o museu,
visando o aprimoramento das ações educativas dessas instituições e como essa
colaboração pode influenciar o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos.

Essas reflexões se tornaram ainda mais fundamentais, na medida em que


se intensificou o ingresso de alunos denominados “com necessidades
educacionais especiais” (NEEs) nas salas de aula, ampliando ainda mais a
diversidade do segmento de estudantes, demandando a formulação de novas
propostas e procedimentos para atender suas especificidades.

Consideramos que essas instituições podem se constituir em uma


importante “ferramenta” para a inclusão educacional desses alunos, mas é
preciso reconhecer que a principal problemática a ser discutida é que fatores
obstaculizam ou favorecem a interação entre as instituições de educação formal
e não formal, como também dos alunos com os museus.

Observamos que uma das principais problemáticas é a questão do


desconhecimento sobre o contexto da inclusão educacional. Vivemos um
momento em que as questões relacionadas à inclusão educacional estão em
destaque nos mais variados espaços de discussão organizados pelos mais
diversos setores da sociedade. Mesmo assim, poucas informações têm chegado
ao conhecimento dos profissionais de educação atuantes nas instituições
culturais sobre as tramas que têm composto esse processo, isto é, como tem
transcorrido no interior das escolas e qual a legislação que tem direcionado as
2o Seminário brasileiro de museologia • 328

suas ações? Essa constatação nos conduziu à organização de uma dissertação


de mestrado2, a partir da qual se originou o presente artigo.

Portanto, um dos objetivos específicos deste artigo busca justamente


abordar as principais legislações (internacionais e nacionais) relacionadas à
inclusão, principalmente aquelas que enfocam a questão dos indivíduos ditos
com “necessidades educacionais especiais” e o processo de implantação das
Salas de Recursos Multifuncionais (SRM)3 no município do Rio de Janeiro,
buscando fornecer esclarecimentos sobre esse processo aos profissionais que
atuam nas instituições de educação não-formal. Pretendemos, ademais,
apresentar propostas de trabalhos que possam auxiliar na constituição de
instituições educacionais inclusivas.

A proposição do estabelecimento de parceria entre museu e escola


fundamenta-se no conceito de que a inclusão não se limita ao ambiente escolar,
mas se amplia para as demais áreas da vida humana, nas quais o indivíduo
deve exercer sua cidadania. Santos (2003, p.81) enfatiza o caráter dinâmico e
amplo do processo de inclusão: “Neste sentido inclusão é um processo, e, como
tal, reitera princípios democráticos de participação social plena”.

A estrutura teórica do processo de inclusão/exclusão na Educação foi


explicitada neste artigo, a partir dos referenciais teóricos de Booth e Ainscow
(2012), Santos (2009) e Morin (2011). Compreendemos que o termo
“complexidade” é representativo do processo desenvolvido para a inclusão de
alunos com deficiência no sistema educacional, o qual tem se desenvolvido
entre tensões, ações, reações e contradições, aspectos estes que vieram a
contribuir para a sua constituição no contexto atual.

Seguindo as perspectivas apresentadas por esses autores, entendemos


que o enfrentamento dos efeitos perversos do processo de transmutação da
inclusão em exclusão demanda uma análise adequada das dimensões de
culturas, políticas e práticas (BOOTH e AINSCOW, 2012) efetuadas nas
instituições, nesse caso, direcionando o foco para os espaços formais e não
formais de educação4, a fim de que não sejam reproduzidas as condições de

2
Pesquisa desenvolvida no Laboratório de Pesquisa, Estudos e Apoio à Participação e à
Diversidade em Educação (LaPEADE), intitulada “Museus de Ciências e o Diálogo com as
Diferenças, em parceria com o Museu de Astronomia e Ciências Afins –
MAST/MCTI/Coordenação de Educação em Ciências - CED, representado pelo seu Setor
Educativo, concluída em 2013. Orientadores: ProfªDrª Mônica Pereira dos Santos (UFRJ) e Dr.
Douglas Falcão (MAST).
3
Salas de Recursos Multifuncionais - O Ministério de Educação e Cultura define as SRMs como
“um espaço organizado com equipamentos de informática, ajudas técnicas, materiais
pedagógicos e mobiliários adaptados, para atendimento às necessidades educacionais especiais
dos alunos” (BRASIL, 2007a).
4
Educação Formal - Aquela que tradicionalmente se desenvolve no seio do sistema de ensino,
regido por leis e diretrizes comuns, dentro de um espaço institucional socialmente reconhecido (a
2o Seminário brasileiro de museologia • 329

exclusão. Entendemos que essas dimensões se apresentam interrelacionadas, e,


portanto, não podem ser analisadas separadamente. Esta concepção direciona
a estruturação da reflexão e análise do processo de inclusão educacional neste
artigo.

POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE A INCLUSÃO EDUCACIONAL: O PAPEL DOS


MUSEUS

DOCUMENTOS INTERNACIONAIS

Os documentos internacionais elaborados, assim como a legislação


nacional, não se restringiram a abordar a inserção de crianças com deficiência,
muitas delas privadas de se desenvolverem plenamente no mundo, mas
reafirmaram o princípio da educação de qualidade como um direito de todos.

A Declaração Mundial de Educação para Todos (UNESCO, 1990) aponta


para os problemas sociais que envolvem 960 milhões de adultos analfabetos,
enfatizando que um terço da população adulta não tem acesso ao
conhecimento impresso, às novas habilidades e tecnologias essenciais.

Em função desse contexto, a referida declaração reafirma, entre seus


objetivos, que a educação básica deve ser proporcionada a todas as crianças,
jovens e adultos. Destaca que as necessidades básicas de aprendizagem das
pessoas com deficiência são diversas, e, portanto, devem ser atendidas por
meio de uma variedade de sistemas. Além disso, enfatiza que diversas carências
podem ser atendidas, entre outras ações, por meio de programas de educação
formal em parcerias com instituições de ensino não formal, como as
relacionadas às áreas de saúde, nutrição, população, técnicas agrícolas, meio
ambiente, ciência, tecnologia e outros. O documento conclui afirmando que
“todos os instrumentos disponíveis e canais de informação, comunicação e ação
social podem contribuir na transmissão de conhecimentos essenciais, bem como
na informação e educação dos indivíduos quanto a questões sociais” (UNESCO,
1990, p.5).

escola, o colégio, o liceu, a universidade, etc.), tendo como características elementares a


obediência a um currículo comum, a progressão de caráter cumulativo e a certificação como
indicador social (extrínseco) de avaliação do processo. (KÖPTCKE, 2003, p.107)
4
Educação não formal – [...] conjunto de meios e instituições que geram efeitos educacionais a
partir de processos intencionais, metódicos e diferenciados, que contam com objetivos
pedagógicos prévia e explicitamente definidos, desenvolvidos por agentes cujo papel
educacional está institucional ou socialmente reconhecido, e que não faz parte do sistema
educacional graduado ou que fazendo parte deste, não constitui formas estrita e
convencionalmente escolares (TRILLA, 1985 apudGHANEM, 2008, p.63).
2o Seminário brasileiro de museologia • 330

A Declaração de Salamanca sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área


das Necessidades Educativas Especiais (UNESCO, 1994) atribui para as pessoas
com deficiências o seu foco principal. Destaca que os problemas das “pessoas
portadoras de deficiências” têm sido compostos em função de uma percepção
da sociedade que tem se estendido por longo tempo, evidenciando os seus
impedimentos em detrimento dos seus potenciais. Portanto, dá ênfase à
carência e à urgência em garantir a educação para crianças, jovens e adultos
com “necessidades educacionais especiais” no quadro do sistema regular.
Ademais, esclarece que esse termo se refere a todas aquelas crianças ou jovens
cujas necessidades educacionais especiais se originam em função de
deficiências ou dificuldades de aprendizagem.

O documento destaca que as questões a serem trabalhadas em sala de


aula não devem ser limitadas a um conteúdo programático fechado, mas
ampliadas à formação do indivíduo como um todo, nas suas peculiaridades,
inclusive com a participação efetiva dos alunos na construção do próprio
conhecimento, por meio de experiências que tenham significado e que possam
ser relacionadas às suas vivências e modo particular de perceber o mundo em
que vivem. Além disso, dilata a compreensão do conceito de inclusão para além
da percepção relacionada a um conjunto de ações, direcionando para o
desenvolvimento de uma ‘cultura inclusiva’, ao declarar que: “o estabelecimento
de tais escolas é um passo crucial no sentido de modificar atitudes
discriminatórias, de criar comunidades acolhedoras e de desenvolver uma
sociedade inclusiva”. Conclui que a reforma das instituições sociais não se
constitui apenas de procedimentos técnicos, mas depende principalmente de
convicções, compromisso e disposição dos indivíduos que compõem a
sociedade.

A Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU), de


2006, reafirmou os mesmos objetivos dos documentos anteriores ao propor
medidas que auxiliassem na correção das profundas desvantagens sociais com
quais as pessoas com deficiência sempre sofreram e para a promoção de uma
maior participação na vida econômica, social e cultural no que diz respeito à
igualdade de oportunidades. Compreende que pessoas com deficiência são
aquelas que têm limitações de natureza física, intelectual ou sensorial, mas que
a deficiência, especificamente, é um conceito em evolução, já que resulta da
interação dessas pessoas com as barreiras impostas, envolvendo atitudes e o
ambiente que impedem a sua plena participação na sociedade em igualdade de
oportunidades com os demais indivíduos.

O direito à participação na vida cultural, recreação, lazer e esporte é


reconhecido pelos Estados Parte, buscando garantir o acesso, tanto quanto
possível, a locais ou serviços de eventos culturais, monumentos e locais de
2o Seminário brasileiro de museologia • 331

importância cultural, museus, bibliotecas e serviços turísticos. O acesso a esses


espaços com todas as condições definidas na declaração, visa a assegurar às
pessoas com deficiência o desenvolvimento e a utilização do seu potencial
criativo, artístico e intelectual. Consideramos que a identificação e a eliminação
das condições que perpetuam as desigualdades constituem-se como tarefas
incessantes por sua extensão e complexidade.

DOCUMENTOS NACIONAIS

O processo de universalização e ampliação de atendimento escolar, ao


longo da história do Brasil, evidenciou, no decorrer de sua efetivação, seu
caráter contraditório relativo à inclusão/exclusão, já que, apesar de pretender
atender um maior número de alunos, permaneceu excluindo indivíduos e grupos
considerados fora dos padrões homogeneizadores da escola.

A partir da percepção difundida nos diversos documentos internacionais


sobre os direitos humanos, do conceito de cidadania baseado no
reconhecimento das diferenças e na participação dos sujeitos, inicia-se um
processo de identificação das estruturas e dos processos que produzem e
mantêm as desigualdades e que integram o modelo tradicional escolar
brasileiro. Dele se originaram os procedimentos adotados para a distinção entre
um aluno e outro, de acordo com as características intelectuais, físicas, culturais,
sociais e linguísticas. As leis brasileiras que normatizam a Educação Especial
seguiram o direcionamento sugerido pelos documentos internacionais.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN, Lei nº


4024/61 (BRASIL, 1961), estabeleceu as bases para o atendimento educacional
das pessoas com deficiência e enfatizou os direitos dos excepcionais à
educação, preferencialmente dentro do sistema geral de ensino. A Lei 5692/71
(BRASIL, 1971), por sua vez, alterou a LDBEN, Lei nº 4024/61, ao estabelecer o
‘tratamento especial’ para os alunos com ‘deficiência física, mental, aqueles que
se encontravam em atraso significativo quanto à idade regular de matrícula e os
superdotados', e terminou por reforçar o direcionamento dos alunos para as
classes especiais por não promover a organização de um sistema de ensino
capaz de satisfazer às necessidades educacionais.

Inspirada nos documentos internacionais que defendiam os direitos


fundamentais do ser humano, a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988)
inaugura, no contexto das constituições brasileiras, a preocupação em explicitar
os direitos sociais, com ênfase na educação. Focalizando essa área, mencionou
o direito público subjetivo à educação de todos os brasileiros, entre eles os
definidos como “portadores de deficiência”, relacionando-os, primeiramente, à
rede regular de ensino. Destinou-se a assegurar o pleno exercício dos direitos
2o Seminário brasileiro de museologia • 332

fundamentais do indivíduo e os valores primordiais para a construção de uma


sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, entre os quais destacamos: a
igualdade, a liberdade e o desenvolvimento. Esses princípios, expressos na lei
suprema da nação, fundamentaram toda a legislação da União, estadual e
municipal, elaborada posteriormente, que tinha por finalidade defender e
garantir o pleno exercício da cidadania da pessoa com deficiência.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/1996)


mantém o mesmo direcionamento ao definir a Educação Especial como
“modalidade de educação escolar a ser oferecida, principalmente, na rede
regular de ensino para educandos ‘portadores de necessidades educacionais
especiais’ (BRASIL, 1996). Segundo (GARCIA; MICHELS, 2011, p.107), é
indiscutível o avanço das reflexões e questionamentos sobre o processo de
integração, porém é importante destacar que o termo "preferencialmente",
utilizado na LDB, abriu caminho para que o ensino não fosse realizado na rede
regular, mas que continuassem sendo aplicados nas instituições especializadas.

O documento que estabeleceu as Diretrizes Nacionais de Educação


Especial para a Educação Básica (BRASIL, 2001c) seguiu o direcionamento já
destacado sobre o atendimento de alunos com necessidades educacionais
especiais, que deveria ocorrer em classes comuns do ensino regular, em
qualquer etapa ou modalidade da educação básica. O atendimento em classes
especiais públicas ou privadas seria realizado apenas quando a escola comum
não conseguisse atender às demandas de adaptações curriculares significativas.
De acordo com a percepção de Garcia e Michels (2011, p.108) podemos
concluir que ocorreu uma mudança no texto legal, mas manteve-se a lógica
inclusão/exclusão.

O PNE/2001, seguindo a orientação do artigo 208 da Constituição


Federal, estabelece o direito de pessoas com necessidades especiais a
receberem educação na rede regular de ensino. Porém, ressalta os casos
excepcionais em que as necessidades do educando exigem outras formas de
atendimento, indicando três situações possíveis para a organização do
atendimento: participação nas classes comuns, de recursos, sala especial e
escola especial. Enfatiza que todas as possibilidades têm por objetivo a oferta de
educação de qualidade.

O Decreto nº 7.612/2011 (BRASIL, 2011b) foi elaborado em


consonância com a Convenção Internacional sobre o Direito das Pessoas com
Deficiência, estabelecendo, a partir de então, o Plano Nacional dos Direitos da
Pessoa com Deficiência – Plano Viver sem Limites. Foi elaborado com a
finalidade de promover, por meio da integração e articulação de políticas,
programas e ações, o exercício pleno e equitativo dos direitos das pessoas com
deficiência. O processo de inclusão dessas pessoas deve abarcar todos os
2o Seminário brasileiro de museologia • 333

setores da vida e, para a sua concretização, necessita articular ações,


programas e políticas de diversas áreas. Entre as suas diretrizes, propõe a
garantia de um sistema educacional inclusivo, a ampliação do acesso à saúde,
ao trabalho, à habitação adaptável, às políticas de assistência social e aos
equipamentos públicos de educação, inclusive meios de transporte adequados.

Retornando à legislação específica sobre inclusão para a área de


educação, entendemos que o Plano Nacional de Educação Especial na
perspectiva da educação inclusiva - PNE (BRASIL, 2008), definiu os aspectos
organizacionais do atendimento educacional especializado, como também o
público alvo de sua ação, além de outros aspectos funcionais importantes para
o processo de inclusão educacional: a questão da acessibilidade arquitetônica
dos prédios escolares, a formação docente para o atendimento educacional
especializado e, principalmente, a inserção da Educação Especial na Proposta
Pedagógica da escola.

Seguindo, portanto, as novas diretrizes políticas do MEC para a educação


de alunos com necessidades educacionais especiais (NEEs) em situação
inclusiva, Salas de Recursos Multifuncionais (SRMs) foram montadas em escolas
da rede pública, para, por meio do Atendimento Educacional Especializado
(AEE), dar suporte à inclusão desses alunos na rede regular.

Para a normatização desse tipo de atendimento, foi elaborado o Decreto


7611/2011 que, no seu art 2º, define o "Atendimento Educacional
Especializado" como um dos serviços de apoio que integram a Educação
Especial, sendo definido como “[...] conjunto de atividades, recursos de
acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente, prestado de forma
complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular, não
sendo prevista sua substituição” (BRASIL, 2011d).

Baseando-se nas propostas dos documentos internacionais que


abordavam o tema da inclusão e dando continuidade às intenções já
sinalizadas na legislação brasileira, foi elaborado o Decreto 6571/2008
(BRASIL, 2008), por meio do qual o governo federal garantiu o apoio técnico e
financeiro unicamente aos sistemas públicos de ensino nos níveis estadual,
municipal e no Distrito Federal, a fim de ampliar a oferta de atendimento
educacional especializado, destacando, como uma das ações a serem
realizadas, a implantação das Salas de Recursos Multifuncionais. O decreto
especificou, também, os aspectos estruturais e materiais para o seu
funcionamento. Como reflexo das tensões e pressões que envolveram os
interesses dos diversos grupos envolvidos nessa questão, ocorreu a revogação
desse decreto, sendo estabelecidas, pois, mediante o Decreto nº 7611/2011
(BRASIL, 2011d), novas regras para a prestação de apoio técnico e financeiro
pela União. Retornou-se, portanto, à visão anterior ao decreto de 2008, que
2o Seminário brasileiro de museologia • 334

estendia o apoio às instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem


fins lucrativos.

A provisão dos recursos foi mantida na forma regularizada pelo Decreto


6253/2007 (BRASIL, 2007b), cujo art. 9º definiu que, a partir de 1º de janeiro
de 2010, para efeito da distribuição dos recursos do FUNDEB, o cômputo das
matrículas dos alunos da educação regular da rede pública que recebem
atendimento educacional especializado, sem prejuízo do cômputo dessas
matrículas na educação básica regular.

O CONTEXTO DA INCLUSÃO EDUCACIONAL NO RIO DE JANEIRO

O processo de ampliação do acesso de pessoas com NEEs, no sistema


educacional, foi constituído de forma lenta e gradativa, primeiramente, em seus
primórdios, por meio das instituições especializadas, em seguida nas escolas da
rede pública em uma perspectiva integracionista, e, atualmente, assume uma
percepção inclusivista, que busca inserir o aluno nas classes regulares,
oferecendo recursos e estratégias que atendam às suas características e
necessidades específicas. Sendo assim, a educação especial passou a integrar o
projeto político pedagógico da escola regular, propiciando o atendimento às
“necessidades educacionais especiais” de alunos com deficiência, transtornos
globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.

Esse processo não se deu de forma linear, mas entre avanços e


retrocessos, em função das pressões e transformações no contexto político e
histórico, de caráter internacional, nacional ou regional, e em decorrência de
tensões entre os diversos segmentos sociais envolvidos.

Segundo dados obtidos pelo Observatório de Educação Especial do


Estado do Rio de Janeiro OEERJ,5 a Secretaria Municipal de Educação do
Município do Rio de Janeiro (SME) possui a maior rede pública da América
Latina, com 1068 escolas, 250 creches públicas, 65 Espaços de
Desenvolvimento Infantil (EDIs) e outras 179 creches conveniadas, atendendo
685.280 alunos. Dentre estes, 11.840 são alunos com deficiência, dos quais
6.730 estão incluídos em classes regulares. Esses estudantes estão sendo
atendidos por 38 mil professores nos segmentos de Educação Infantil (0 a 5

5
A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) coordena o grupo de pesquisadores de 3
universidades que compõe o Observatório Educação Especial do Estado do Rio de Janeiro
(OEERJ). Esse grupo integra a pesquisa nacional realizada pelo Observatório Nacional de
Educação Especial (ONEESP), que em conjunto com outros grupos de pesquisa das
universidades de vários estados brasileiros, desenvolve um levantamento sobre o contexto da
Educação Especial nas suas regiões, analisando sua trajetória, ampliação e estrutura
organizacional.
2o Seminário brasileiro de museologia • 335

anos), do Ensino Fundamental (1º ao 9º ano) e da Educação de Jovens e


Adultos.

A gestão do atendimento ao aluno com deficiência no Rio de Janeiro está


a cargo do Instituto Helena Antipoff, subordinado à Secretaria Municipal de
Educação, cujas ações se direcionam para a constituição de uma escola
inclusiva, por meio da garantia do acesso de todos os alunos com deficiência à
matrícula escolar, o acompanhamento do trabalho pedagógico realizado, o
aperfeiçoamento da formação dos professores, a avaliação dos alunos, a
pesquisa, a obtenção e a criação de materiais.

Os atendimentos organizados se destinam aos alunos surdos, com


deficiência auditiva, cegos, com baixa visão, paralisados cerebrais, deficientes
físicos, surdocegos, alunos com transtornos globais do desenvolvimento, com
deficiência intelectual, alunos com deficiências múltiplas e com altas
habilidades/superdotação.

Para que o aluno passe a ser atendido pela SRM e tenha acesso aos
materiais, estratégias e recursos indicados em lei para esse tipo de atendimento
especializado, é necessário o cumprimento de diversas etapas e procedimentos,
até que receba o respaldo de um laudo médico - documento que assegura o
acesso a esse direito.

REALINHANDO CONCEITOS E DESENVOLVENDO VALORES INCLUSIVOS NA


INSTITUIÇÃO

Ao tomar conhecimento das políticas públicas citadas anteriormente,


somos levados a pensar no descompasso existente entre a legislação elaborada
com o propósito de estruturação de um sistema educacional de caráter inclusivo
e as culturas, políticas e práticas presentes no cotidiano das escolas. A legislação
parece não ser capaz de garantir condições para o cumprimento dos direitos
mais básicos do alunado, dos professores, gestores e familiares. Esse contexto
parece nos colocar em um impasse: Qual o melhor caminho a tomar? Quais as
possibilidades? Como atender a tantas demandas?

Seguindo o direcionamento proposto por Morin (1997), para a nossa


reflexão, as leis que nos regulam representam apenas um lado, uma face
ordenada de uma realidade interacional complexa que apresenta como
integrantes da sua constituição a desordem e a organização. As políticas
públicas não conseguiriam, evidentemente, manter sobre controle absoluto um
sistema, seja ele educacional ou outro, sendo ele dinâmico e caracterizado por
interações e reações dos diversos elementos integrantes.
2o Seminário brasileiro de museologia • 336

Entretanto, ao mesmo tempo, esse caráter desordenado nos aponta para


a vida e o enriquecimento do sistema, a partir da possibilidade da criação de
novos caminhos, novas propostas. São as rupturas, confrontos e desigualdades
que diversificam e reorganizam a vida no sistema da escola, da comunidade, da
cidade, da nossa existência, enfim. Essa revolução causada pela ideia de
desordem, que desconstrói o nosso mundo estável e padronizado, obriga-nos a
recriar um novo contexto. O “Index para a Inclusão: desenvolvendo a
aprendizagem e a participação nas escolas” (BOOTH e AINSCOW, 2012) nos
aponta alguns passos que podem favorecer o desenvolvimento de novos
caminhos, tanto para a escola, como para instituições que trabalham com ela.

Primeiramente, precisamos considerar que a Inclusão em Educação


suplanta o sentido, ao qual é habitualmente relacionada, de integração de
pessoas com necessidades especiais no ensino comum. Segundo Booth e
Ainscow (2012), a concepção de que as dificuldades educacionais podem ser
solucionadas apenas rotulando os alunos com essa designação e, em função
disso, assisti-lo individualmente, apresenta limitações consideráveis.

A visão das “deficiências” das crianças como principal causa de suas


dificuldades educacionais nos desvia das barreiras em todos os
demais aspectos das ambientações e sistemas e obscurece as
dificuldades experimentadas pelas crianças sem o rótulo (BOOTH e
AINSCOW, 2012, p.40).

Utilizar o conceito de “barreiras à aprendizagem e à participação”, no


sentido de ajudar e superar dificuldades educacionais, pode substituir a
identificação de alunos como tendo ‘necessidades educacionais especiais’. Essa
denominação estimula o reconhecimento dos alunos pela “lente da deficiência”,
em vez de reconhecê-los como pessoas integrais que podem experimentar uma
sucessão de pressões excludentes que, além disso, pode levar a expectativas
menores. Outro aspecto importante que evidencia as limitações do conceito
NEEs é a tendência a ignorar representações relacionadas às categorias de
gênero, classe e etnicidade.

Em contraposição, ao utilizarmos o conceito “barreiras à aprendizagem e


à participação”, associado ao desenvolvimento de valores inclusivos e a um
processo participativo, podem surgir novas perspectivas para o trabalho, por
meio do esforço em conjunto da comunidade educacional, na busca contínua
por soluções que atendam às problemáticas locais, impulsionando a
reorganização do trabalho, fortalecendo o grupo e parcerias e promovendo
autonomia. A aquisição dessa autonomia pode impulsionar a instituição a sair
de uma situação de passividade em relação ao sistema macro, superando as
limitações ou desajustes das políticas implementadas, passando a identificar
2o Seminário brasileiro de museologia • 337

novas alternativas que atendam às demandas do grupo e que, inclusive, possam


estimular mudanças nessas políticas.

O “Index para a Inclusão” (2012) apresenta, como fundamental, o


desenvolvimento de valores para a constituição de escolas e demais instituições
educacionais de caráter inclusivo. As instituições podem desenvolvê-los,
primeiramente, reconhecendo que eles representam a base de suas ações. Para
que se constitua uma estruturação na perspectiva inclusiva. Deve-se, portanto,
identificar e assumir os valores relacionados à inclusão que lhes servirão de
sustentação, dando início, a partir disso, à reformulação de suas práticas. Booth
e Ainscow (2012) identificam quais são os valores fundamentais para essa
estruturação:

Todos os valores são necessários para o desenvolvimento educacional


inclusivo, mas cinco – igualdade, participação, comunidade, respeito
pela diversidade e sustentabilidade – são os que mais podem
contribuir no estabelecimento de estruturas, procedimentos e
atividades inclusivas na escola (BOOTH e AINSCOW, 2012, p.21).

O desenvolvimento desse processo vai ao encontro do conceito de


inclusão de caráter mais amplo, centrado na mudança das instituições e práticas
sociais no sentido de acolher a todos, com respeito às diferenças. Nesse sentido,
as escolas e demais instituições educacionais que desejam se tornar inclusivas
deveriam se estruturar de maneira que levem em consideração as necessidades
de todos os alunos e organizem o seu planejamento e sua metodologia de
aprendizagem a partir dessas necessidades. Dessa forma, “a educação inclusiva
contribuiria para o estabelecimento de uma maior igualdade de oportunidades
a todos os membros da sociedade, sem necessariamente relacionar-se,
especificamente, às pessoas com necessidades especiais” (SANTOS; LAGO;
HALLAK, 2011, p.945).

As dimensões, seções, indicadores, questões e questionários propostos


pelo Index (2012) proporcionam uma estrutura que pode favorecer o
estabelecimento de um diálogo extensivo sobre o que os profissionais, pais e
alunos desejam fazer, visando ao desenvolvimento de sua escola. Para isso,
direciona as discussões, fundamentando-as em três dimensões
interrelacionadas: criando culturas inclusivas, produzindo políticas inclusivas e
desenvolvendo práticas inclusivas.

Essas dimensões são reconhecidas como tendo significado para estruturar


o desenvolvimento das instituições educacionais. Segundo Booth e Ainscow
(2012, p.45), embora cada uma dessas dimensões represente um aspecto
importante do foco para o desenvolvimento de uma instituição de caráter
inclusivo, elas se sobrepõem, entrelaçando-se umas às outras. Os autores
2o Seminário brasileiro de museologia • 338

exemplificam como essas dimensões se interconectam, aprofundando o nosso


entendimento:

Os valores são compreendidos pela observação de ações, assim como


acompreensão da natureza das políticas depende da observação de
tentativas de influenciar a prática. Colocar a palavra ‘política’ na capa
de um documento não o torna uma política em nenhum sentido
importante, a menos que represente a clara intenção de regular a
prática. Sem uma estratégia de implementação, a dita política
documental se torna retórica, usada talvez somente para impressionar
inspetores e visitantes. (BOOTH e AINSCOW, 2012, p.45).

A primeira dimensão, denominada ‘Criando culturas inclusivas’, refere-se


à geração de “comunidades seguras, acolhedoras, colaborativas, estimulantes,
em que todos são valorizados” (ibidem, p.46). Os valores inclusivos de cultura
norteiam decisões sobre políticas e práticas continuamente, de modo que o
desenvolvimento seja coerente e constante.

A segunda dimensão, denominada ‘produzindo políticas inclusivas’,


“assegura que a inclusão permeie todos os planos da instituição e envolva a
todos” (ibidem, p.46). As políticas de suporte estimulam a participação de todos
os elementos que integram a comunidade escolar, minimizam as pressões
excludentes, envolvem todas as atividades que ampliam a capacidade de
ambientação de responder à diversidade dos envolvidos nela, de maneira a
valorizar a todos igualmente.

A terceira dimensão, denominada ‘desenvolvendo práticas inclusivas’, se


relaciona com o desenvolvimento do “que se ensina e aprende, e como se
ensina e aprende, de forma a refletir valores e políticas inclusivas” (ibidem,
p.46). A aprendizagem passa a ser direcionada de forma que o ensino e as
atividades de aprendizagem correspondam à diversidade de jovens nas
instituições educacionais. Os alunos são estimulados a serem ativos, reflexivos,
aprendizes críticos e são reconhecidos como instrumentos para a aprendizagem
um dos outros. Os profissionais passam a trabalhar juntos de modo que todos
assumam responsabilidade pela aprendizagem de todos os alunos.

Para direcionar o desenvolvimento desse diálogo, o “Index Para a


Inclusão” apresenta alguns indicadores relacionados às dimensões citadas
acima, que permitem a exploração detalhada que está ocorrendo na instituição
e o que necessita ser mudado para promover o desenvolvimento inclusivo. Para
atingir o objetivo de analisar processos de inclusão/exclusão dentro da própria
instituição e estabelecer ações coletivas que minimizem as barreiras à
aprendizagem e à participação, é preciso progredir na análise gradativa de
uma série de etapas, nas quais se constitui o seu desenvolvimento. Portanto, em
função dos aspectos destacados, a definição dos indicadores e questões do
Index (BOOTH e AINSCOW, 2012) ajuda a definir as áreas que se querem
2o Seminário brasileiro de museologia • 339

mudar e resultam do trabalho detalhado de respostas às três questões


relacionadas que podem ser aplicadas ao contexto de qualquer instituição
educacional:

• Quais são as implicações dos valores inclusivos para a ação em


todos os aspectos da escola;
• Como podemos aproximar as abordagens com base em princípios
aodesenvolvimento da educação?
• Como podemos remover as barreiras à aprendizagem e à
participação emobilizar recursos de apoio à aprendizagem e à
participação de todos?
(BOOTH e AINSCOW, 2012, p.51)

Dessa forma, o trabalho colaborativo passa a ser desenvolvido nas


instituições, a fim de que, conjuntamente, possam ser elaboradas as culturas,
políticas e práticas capazes de reduzir a exclusão nos espaços educativos. É um
processo contínuo e interminável, assim como o conceito de inclusão que o
fundamenta, mas renovado passo a passo pela análise e reflexão pelos
elementos participantes, reorganizando suas estruturas de forma que se tornem
mais flexíveis, formando uma comunidade mais ativa democrática e tolerante.

Reconhecemos que precisamos buscar novas maneiras de estimular a


vivência de diálogos que abordem diferentes percepções. Não existe um só
caminho, nem uma só receita para concretizar a inclusão. Reconhecer e assumir
esse princípio, talvez, seja a primeira barreira a ser derrubada.

A ORGANIZAÇÃO DE PRÁTICAS EDUCATIVAS A PARTIR DOS PRINCÍPIOS


INCLUSIVOS

Alguns princípios são norteadores de uma proposta de trabalho de


caráter inclusivo: em primeiro lugar, consideramos o uso do conceito “barreiras
à aprendizagem e à participação" para as dificuldades com que as pessoas se
deparam, em vez do termo ‘necessidades educacionais especiais’. Essa
concepção contrapõe a perspectiva social à médica, a partir da qual as
dificuldades na aprendizagem são vistas como originárias das deficiências ou
impedimentos de um indivíduo.

De acordo com o modelo social, as barreiras à aprendizagem e à


participação podem existir na natureza do contexto ou se originam de uma
interação entre as pessoas e seus contextos, sejam elas políticas, instituições,
culturas e circunstâncias econômicas e sociais ou pessoas que afetam suas vidas
(BOOTH e AINSCOW, 2012). Em decorrência disso, as atividades e recursos
seriam organizados em função das barreiras identificadas no ambiente, de
2o Seminário brasileiro de museologia • 340

forma que permitam uma ampla utilização, em consonância com as demandas


e interesses sinalizados pelos alunos.

Quando se pensa em inclusão, normalmente ela é relacionada à questão


da acessibilidade, mas esse é apenas um dos aspectos que a compõe; o sentido
é muito mais amplo – como já dissemos, envolve as culturas, políticas e práticas
adotadas pela instituição. Essas dimensões também permeiam todos os aspectos
que envolvem a questão da acessibilidade, tais como: acessibilidade
arquitetônica, comunicacional, atitudinal, programática, metodológica,
instrumental, natural, para que se caminhe efetivamente em direção à
eliminação de barreiras à participação (Sassaki, 2002). Destacamos alguns
aspectos que evidenciam a adoção de práticas inclusivas pelas instituições
educacionais com base nos princípios citados acima.

A MEDIAÇÃO

O mediador tem a difícil missão de negociar os conflitos entre os diversos


elementos e tomar posições que atendam a todos da forma mais global. Surge,
então, a necessidade de se conhecerem os saberes da mediação e de promover
uma formação que possibilite ao mediador enfrentar situações, muitas vezes,
conflituosas. Nesse contexto, as dimensões das culturas, políticas e práticas
também se inter-relacionam, evidenciando o processo dinâmico e contínuo de
exclusão/inclusão.

Na nossa prática de observação das atividades oferecidas pelos museus


às pessoas com deficiência, identificamos que, muitas vezes, é aplicado um
discurso infantilizado. Isso decorre de uma “cultura” presente ainda na
sociedade, que relaciona a deficiência física à incapacidade. Essa cultura
influencia as práticas adotadas pela instituição, já que, muitas vezes, a esses
visitantes não é fornecida a mesma qualidade de informação que é oferecida a
outros grupos que possuem o mesmo nível de informação e faixa etária.

O ponto de partida para que o trabalho de mediação tenha bom


resultado é a procura por estabelecer um contato de reconhecimento. Qual a
“bagagem” de conhecimento que o aluno traz consigo? Que conceitos ele já
domina? Que referências ele traz? Que assuntos despertam seu interesse? Esse
processo não se concretiza sem o ato de ouvir, uma escuta sensível, e o
posicionamento de “estar pronto” e disponível para as surpresas que virão.
Segundo Guisasola e Morentin (2007, p. 402), “é primordial considerar o
contexto pessoal da visita, o que o visitante procura, suas necessidades,
expectativas e interesses, sua bagagem cultural e etc., influenciam decisivamente
no ganho de sua aprendizagem”.
2o Seminário brasileiro de museologia • 341

Os autores enfatizam, porém, que esse contexto pessoal está intimamente


relacionado aos contextos físicos e sociais, os quais se constituem como aspectos
a serem considerados na seleção daquilo que se vai observar ou aquilo que vão
experimentar durante esse período. Além disso, a forma como interagem
(isoladamente ou em conjunto) no decorrer da atividade deve ser levada em
conta, juntamente com os outros aspectos citados, pois influenciam na
variedade de experiências adquiridas.

Essa proposta de trabalho, a ser desenvolvida pelos mediadores, é


apontada por Gastal et al. (2011, p.38) como um dos pontos positivos para o
estabelecimento de parcerias entre as instituições de educação formal e não
formal. A utilização dos museus como recurso de aprendizagem possibilita aos
alunos a contextualização e a aplicação de conceitos e conhecimentos já
aprendidos e o estabelecimento de relações com informações novas
apresentadas no ambiente, diminuindo as exigências de abstração e facilitando
uma melhor compreensão dos conhecimentos.

RECURSOS E MATERIAIS DE APOIO

Os recursos selecionados devem ser utilizados para acessibilizar as


informações, facilitar o entendimento dos conceitos e o estabelecimento de
relações entre informações e conceitos, mas é necessário que sejam
disponibilizados igualmente a todos os alunos. Esse é um aspecto
importantíssimo a ser destacado.

Percebemos que a metodologia adotada atualmente pelos museus para


promover a inclusão se direciona para o planejamento de atividades e
atendimento de grupos específicos, por meio de uma visão compartimentada e
que se apresenta insuficiente. São determinadas as atividades e recursos e
percursos para cegos, surdos, cadeirantes, em uma tentativa de classificar o
indivíduo pelas suas limitações.

Tais padronizações, principalmente aplicadas a um segmento tão diverso


como o escolar, no qual estão inseridos na mesma turma alunos com
necessidades das mais variadas, tornam-se ineficazes, não só não promovendo
contexto realmente inclusivo, como enfatizando a exclusão dos grupos e
indivíduos não atendidos, mantendo espaços e vivências excludentes.

Esse procedimento apenas evidencia que ainda concebemos a pessoa


com deficiência como um usuário diferente, “especial”, a quem se destina um
espaço “especial”, uma informação “especial”, num momento “especial”. Essa
perspectiva evidencia, fundamentalmente, que a inclusão ainda não integra a
“cultura” da instituição, direcionando a elaboração de “políticas” excludentes e
2o Seminário brasileiro de museologia • 342

constituindo-se, portanto, apenas em “práticas” pontuais. Portanto, se a


“igualdade” é um valor relevante para a instituição, todos devem ter acesso aos
mesmos espaços e recursos.

O USO DAS TECNOLOGIAS ASSISTIVAS

A presença de uma Tecnologia Assistiva para a pessoa com deficiência


não garante o acesso à informação. A forma com que é utilizado pode se tornar
tão excludente quanto a ausência de qualquer recurso. Podemos citar, por
exemplo, o segmento de pessoas com deficiência visual, no qual existem
diversas especificidades e necessidades diferenciadas. Portanto, o oferecimento
de um único recurso, por si só, não garante o acesso à informação, mas
disponibilidade de materiais diversos e uma atitude inclusiva dos profissionais
da instituição ampliam a possibilidade de acesso efetivo, além de permitir uma
experiência mais dinâmica dos visitantes.

As Tecnologias Assistivas, como áudio-guia, áudio-descrição e palmtops


são opções que devem ser oferecidas aos visitantes que desejam autonomia,
mas que se caracterizam, também, por disponibilizar uma experiência de
visitação de caráter mais passivo, de modo que pode não ser suficiente para
suprir as expectativas dos visitantes, não sendo dispensada a atuação de
mediadores.

Esta afirmação está em consonância com as conclusões expressas por


Hooper-Greenhill (1998, p. 148), que destaca “que os textos em braile são
muito aconselháveis, ainda que somente um pequeno grupo, isto é, 3%, das
pessoas com visão parcial sabe ler um texto em braile”. Porém, o autor destaca
que seria adequado agregar textos escritos com letra ampliada, pois um grande
número de visitantes também se beneficiaria deles, por exemplo, pessoas com
lentes bifocais, pessoas que tem dificuldade para a leitura, em geral, ou
simplesmente um indivíduo que se sinta cansado.

O ideal seria que, no decorrer do processo de visitação, coubesse ao


visitante, com deficiência ou não, selecionar aquilo que lhe interessa saber ou
utilizar. Ele próprio deve ter a oportunidade de expressar suas preferências e
definir o que pode tornar sua visita mais interessante e agradável. Para que esse
processo ocorra, é preciso que uma diversidade de recursos seja oferecida.
Desse aspecto, portanto, não podemos abrir mão.

Outro aspecto importante que diz respeito a utilização de desenhos em


relevo e reproduções de obras de arte adaptadas com linhas de contorno táteis
é que esses recursos demandam uma habilidade que não é natural, mas que
precisa ser desenvolvida na pessoa com deficiência visual. Muitas vezes as
imagens representadas possuem muitas informações visuais, como excessivos
2o Seminário brasileiro de museologia • 343

detalhes, plano de fundo ou sobreposições que dificultam a identificação dos


elementos ao tato. Portanto, o oferecimento de uma imagem em relevo sem a
mediação correta e a sistematização de sua leitura se torna apenas um
emaranhado de pontos, linhas e texturas que fazem pouco sentido para uma
pessoa cega.

As oficinas em que é permitido tocar nos objetos ou olhá-los bem de


perto, trocar ideias e expressar as próprias opiniões são, possivelmente, as mais
adequadas, se forem organizadas com sensibilidade e uma duração
conveniente. Esse tipo de oficina pode criar novos interesses e facilitar a
participação individual, seja para pessoas com deficiência visual ou não. Porém,
dois aspectos devem ser observados: o toque deve ser um meio para se chegar
a um conhecimento; compreender que nem todas as pessoas que possuam
deficiência visual desejam tocar - para muitos daqueles que possuem memória
visual, essa experiência se torna dispensável ou mesmo desagradável. Portanto,
essa experiência deve ser apenas sugerida, não imposta.

Segundo Hooper-Greenhill (1998), “a oportunidade de manipular os


objetos é muito valorizada pelos visitantes, especialmente quando ela integra a
exposição permanente, em lugar de se constituir como uma atividade especial”
(ibidem, p.148). De acordo com as pesquisas realizadas pela autora, ainda que
se tenha organizado um grande número de exposições táteis nos últimos anos,
a maioria das pessoas que possuem problemas visuais manifestou preferência
pela facilitação de sua visita de modo permanente e não ter que esperar as
exposições especiais.

CONCLUSÃO: A CONSTITUIÇÃO DE PARCERIAS COMO UM RECURSO PARA


INCLUSÃO EDUCACIONAL

A constituição de parcerias entre museus e escolas, visando a


concretização da inclusão educacional em seus espaços, é uma via de mão
dupla. Para os museus, a organização de um trabalho colaborativo com escolas
que apresentem uma estrutura de atendimento organizada e um envolvimento
com a aprendizagem de todos os alunos, inclusive aqueles atendidos pelas
Salas de Recursos, traria uma perspectiva mais abrangente para o
desenvolvimento de projetos inclusivos.

A reunião de professores regentes de classes comuns, de salas de


recursos, professores de artes, de educação física e coordenadores pedagógicos
com experiência no planejamento de atividades, que atendam à diversidade do
alunado sob a sua responsabilidade, em diálogo com mediadores e gestores do
setor educativo dos museus, seria enriquecedora para ambas as partes.
2o Seminário brasileiro de museologia • 344

O processo de identificação, em conjunto, das características, das


barreiras impostas e das possibilidades dos alunos a serem contemplados na
execução de projetos impulsionariam os museus a desenvolverem
progressivamente um arcabouço teórico e um repertório diversificado de
estratégias e recursos, simples e práticos, que possibilitariam a realização de um
atendimento eficaz do público visitante, inclusive o não escolar, com mais
respeito às suas características individuais e com diminuição das restrições
observadas atualmente.

Em relação à escola, Köptcke (2003, p.124) sinaliza que “o sucesso da


parceria depende da capacidade da escola em aceitar o caráter aleatório de
uma situação de aprendizagem que não obedece às suas normas”, fato esse
que incrementaria o processo de aprendizagem escolar, a questão da
ludicidade, do prazer em aprender, da criatividade, do compartilhamento das
experiências e da solidificação dos laços de afetividade entre professores e
alunos e dos alunos com seus colegas de classe, aspectos esses fundamentais
para o desenvolvimento de uma cultura inclusiva no ambiente escolar.

O desenvolvimento de parcerias com instituições especializadas no


trabalho com pessoas com deficiências específicas também é uma proposta
importante para a ampliação do conhecimento do museu sobre a metodologia
de trabalho com determinados grupos, mas é necessário que se busque a troca
de experiências com várias instituições, visando alcançar uma visão ampliada
na tentativa de identificar as características e necessidades dos mais diversos
tipos de deficiências. Caso contrário, o atendimento permanecerá direcionado a
um segmento específico, padronizado para um público em particular, criando a
ilusão de que o museu, ao atender esse grupo, torna-se inclusivo, mas
permanece elegendo os visitantes adequados a receber seu atendimento.

Diante da heterogeneidade do público dos museus, da diversidade de


formação e de origem dos profissionais responsáveis pela mediação nas
instituições museológicas e do caráter dinâmico das relações, torna-se
indispensável a elaboração de um projeto de formação contínua para os
profissionais envolvidos com a educação em museus, assim como na educação
formal essa demanda já foi sinalizada e enfatizada nas próprias legislações
vigentes. Destacamos que essa formação contínua implica a “inserção da
pesquisa como instrumento do conhecimento do outro” (KÖPTCKE, 2003,
p.126). Uma prática apoiada na “busca desse outro” evidencia o desejo de
interagir e de dialogar com esses públicos diferenciados.

O sucesso dos encontros para estabelecimento de parcerias, entretanto,


depende de diversos fatores, como: a pré-disposição para conhecer o outro,
sem prévias concepções; a capacidade de questionar criticamente os próprios
procedimentos; o estabelecimento de um diálogo verdadeiro; e a
2o Seminário brasileiro de museologia • 345

disponibilidade para a construção de novas relações com o outro e de


transformar seu modo de pensar em agir, em função dessas novas experiências
e pela sua continuidade.

Referências

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aprendizagem e a participação nas escolas. 3. ed. Bristol, UK: Centre for Studies
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Promovendo a Inclusão em Educação através da Participação: trajetória de uma
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2o Seminário brasileiro de museologia • 346

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2o Seminário brasileiro de museologia • 347

A MEDIAÇÃO TEATRAL NO CONTEXTO DO MUSEU: REFLEXÕES SOBRE


ALGUNS ASPECTOS DAS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO ENTRE O TEATRO E A
CIÊNCIA NO AMBIENTE MUSEAL

Davi de Oliveira Pinto1

Resumo
O projeto de extensão MEDIA UFOP: MUSEUS DE OURO PRETO, com o apoio
da direção e equipe do Museu de Ciência e Técnica da Escola de Minas da
Universidade Federal de Ouro Preto, vem buscando, desde 2014, intervir
teatralmente nos diversos setores desse Museu. Para cada setor, é elaborada
uma intervenção teatral, contendo características específicas, com o objetivo de
enriquecer o ambiente com a presença de personagens, textos e canções, de
modo a acrescentar humor e poesia ao contato que os visitantes estabelecem
com o extenso e rico acervo disponível. Até o momento, os resultados obtidos
indicam que há um processo de descontração do visitante, após ter
assistido/participado das diferentes intervenções realizadas. Como grande
desafio do projeto, está o encontro do equilíbrio delicado entre contribuir para
uma visita mais significativa ao museu, sem colocar a intervenção teatral em
primeiro plano.

Palavras-chave: mediação teatral; intervenção artística; museu; espectador;


visitante.

Abstract
The extension project MEDIA UFOP: MUSEUS DE OURO PRETO, with the support
of the leadership and staff of the Museu de Ciência e Técnica da Escola de
Minas da Universidade Federal de Ouro Preto, has been trying, since 2014, to
intervene theatrically in various sectors of this museum. For each sector, is
elaborate an theatrical intervention, containing specific characteristics, in favour
of enrich the environment. Texts and songs add humour and poetry to the
contact that the visitors have with the extensive and rich collection available. So
far, the results indicate that the visitor feel pleasure after having attended in
different theatrical interventions. The big challenge of the project is to achieve
balance between the visit to the museum with the theatrical intervention.

Key-Words: theatrical mediation; artistic intervention; museum; spectator; visitor.

1 Doutor em Artes, Professor do Departamento de Artes Cênicas da UFOP, E-mail para contato:
ddolpi@gmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 348

A mediação teatral, a meu ver, pode ser compreendida como o conjunto


de ações que se fazem para favorecer o encontro significativo entre o
espectador e a cena ou espetáculo teatral.
Para avançar na sua conceituação, penso ser importante saber, antes,
algo do campo mais amplo da mediação cultural, uma vez que essa contém a
mediação teatral.
Trago, para isso, o seguinte trecho da definição que José Teixeira Coelho
Neto constrói para mediação cultural:

Processos de diferente natureza cuja meta é promover a aproximação


entre indivíduos ou coletividades e obras de cultura e arte. Essa
aproximação é feita com o objetivo de facilitar a compreensão da obra,
seu conhecimento sensível e intelectual – com o que se desenvolvem
apreciadores ou espectadores, na busca da formação de públicos para
a cultura – ou de iniciar esses indivíduos e coletividades na prática
efetiva de uma determinada atividade cultural. Entre as atividades de
mediação cultural estão as de orientador de oficinas culturais, monitores
de exposições de arte, animadores culturais, museólogos, curadores,
profissionais das diversas áreas que constituem um centro cultural,
bibliotecários de bibliotecas públicas, arquivistas e guias turísticos.
(TEIXEIRA COELHO, 2012, p. 247)

A mediação cultural, na visão do autor citado, me parece apontar para o


conjunto de processos que se elaboram e executam para aproximar um
indivíduo ou uma coletividade de determinado objeto cultural (ou conjunto
deles, como é o caso do museu).
A mediação teatral tem como objeto cultural central a cena ou o
espetáculo teatral, que podem ser entendidos como manifestações culturais em
que a arte teatral se apresenta em sua plenitude.
É nesse momento que ocorre o encontro entre o espectador e os artistas
que fazem o teatro acontecer, tendo como elo de união a cena ou o espetáculo
teatral.
Para contextualizar teoricamente a mediação teatral, não posso deixar de
mencionar as decisivas contribuições de Flávio Desgranges (2003, 2006, 2010,
2012), entre outros pesquisadores que se debruçam sobre o tema.
Desgranges propõe uma Pedagogia do Espectador, que se fundamenta
no pressuposto de que há um processo de formação daquele olhar que se volta
2o Seminário brasileiro de museologia • 349

para a cena ou espetáculo teatral, e de que esse processo é de extrema


complexidade.
Com relação a propostas concretas de mediação teatral, o autor diz que,

Embora algumas respostas tenham sido encontradas, outras questões


surgiram, de modo que o debate continua. Nenhuma das práticas
citadas, ou mesmo outras que não tenham sido referidas neste trabalho,
pode ser julgada detentora do verdadeiro e definitivo método de
formação, pois essa é mais uma experiência e uma conquista pessoal
do que um conteúdo adquirido. (DESGRANGES, 2003, p. 171)

Ou seja, a cada novo contexto em que se trabalha com a formação de


espectadores, novos desafios se apresentam, tais como os que se apresentaram
para mim, com relação às relações entre teatro e ciência no museu, contexto
onde os espectadores se chamam, normalmente, visitantes.
Assim como Desgranges fala de formação de espectadores, penso ser
plausível se falar em formação de visitantes de museus. A função exercida é
muito semelhante. No caso do museu, a mediação teatral, tal como eu a estou
investigando, resultada matizada com nuances diferenciadas, as quais
abordarei mais adiante.
Desgranges observa que há um aumento dos estudos sobre a formação
de espectadores, não somente no Brasil, e dá relevo a duas situações que
conferem relevância a esse campo de pesquisa: de um lado, o cidadão
contemporâneo encontra-se imerso num cotidiano cada vez mais
espetacularizado, onde a imagem é usada com uma persuasão tal que
demanda um olhar que possa, minimamente, se “defender”, ou seja, interpretar
a realidade e não simplesmente ser levado cegamente por ela; de outro lado, é
premente a necessidade de se reconhecer que a arte teatral não é feita somente
pelos artistas, mas, também, pelos espectadores, que influenciam diretamente
as transformações pelas quais o teatro vai passando no decorrer de sua história
(DESGRANGES, 2006, p. 154).
Faço um paralelo entre o espectador teatral e o visitante de museu:
ambos estão inseridos no mesmo mundo imagético de uma força de influência
descomunal, e os dois são co-autores, seja do teatro, seja do museu, no seu
desenrolar histórico.
2o Seminário brasileiro de museologia • 350

Desgranges, em outra obra, diz o seguinte:

O sentido de uma cena não se constitui como um dado prévio,


estabelecido antes da leitura, algo pronto, fixo, atribuído desde sempre
pelo artista, mas algo que se realiza na própria relação do espectador
com o texto cênico. Atribuir sentidos, portanto, quer dizer estabelecê-los
em relação a nós mesmos. O que solicita disponibilidade de se deixar
atravessar pelo fato; pois uma cena não quer dizer nada que se resuma
a um significado previsto de antemão, a que se queira ou se deva
chegar. (DESGRANGES, 2012, p. 17)

Para o autor, o espectador deve estar disponível para atribuir significados


próprios ao que vê em uma cena ou espetáculo teatral. Não há uma recepção
mecânica, automática, pré-estabelecida. A subjetividade sempre está presente,
ou sempre deveria estar, seja quando um espectador assiste uma cena, seja
quando um visitante adentra um museu.
Tenho observado que tanto o fato de o espectador e o visitante serem co-
autores, respectivamente, do teatro e do museu, quanto o fato de o espectador e
o visitante receberem a cena ou o acervo com a marca da sua subjetividade,
não havendo neles um “espaço vazio” a ser preenchido por imagens teatrais ou
conhecimentos científicos, esses dois fatos não são devidamente reconhecidos e
valorizados. Ambos – espectador e visitante – são considerados, muitas vezes,
receptores passivos do que vão encontrar, seja numa ida ao teatro, seja numa
visita ao museu.
Felizmente, é possível pensar em outras direções, tais como a apontada
por Maria Lúcia Pupo, quando analisa as ações de mediação elaboradas e
executadas pela equipe de um importante centro cultural parisiense:

Arte e pedagogia deixam de ser campos antagônicos e passam a


engendrar um novo espaço de atuação, protagonizado por seus
respectivos profissionais. Dito em outras palavras, estamos diante de
uma acepção singular do termo: a mediação passa agora a constituir,
em si mesma, uma modalidade de criação. (PUPO, 2011, p. 121).

Eis uma inflexão do conceito de mediação cultural: se a ação mediadora


começa a ter, ela mesma, um estatuto de ação criativa, ela passa a apresentar
novas possibilidades de desenvolvimento. O sujeito mediado passa de receptor
a co-criador, no desenvolvimento da ação mediadora.
2o Seminário brasileiro de museologia • 351

Uma dessas possibilidades de desdobramento do conceito de mediação


teatral tem a ver com o assunto de que trato aqui: a mediação teatral
compreendida como dispositivo estético que contribui para aproximar o visitante
do acervo de um determinado museu. Ao mesmo tempo, a mediação teatral
num museu de ciência e tecnologia desafia o teatro a se deixar atravessar pelas
características próprias dessas outras áreas do conhecimento humano, que são
as ciências.
Muito se fala sobre mediação cultural em museus de arte. Trata-se de
uma decorrência lógica: ao se falar de cultura, chega-se à discussão da arte.
No entanto, e quando o museu em questão é um museu dedicado à
ciência e à tecnologia, como fica a mediação cultural? A expressão deveria
manter o adjetivo “cultural”? Ou seria melhor adotar o conhecido nome de
“ação educativa”? Haveria alguma chance de se tentar lançar mão da
expressão “mediação artística” (discutida por Pupo no artigo citado
anteriormente)?
São perguntas que eu me faço, diante da possibilidade de propor ações
extensionistas de caráter eminentemente artístico, e mais especificamente teatral,
a um museu dedicado à ciência e à tecnologia.
Tais ações se apresentam a mim como desdobramentos da minha
pesquisa cujo tema é a mediação teatral na escola pública2.
Neste texto, porém, eu reflito sobre a mediação em outro contexto: o
museu. Essa reflexão pode me auxiliar, comparativamente, a compreender
melhor o contexto escolar a partir da análise do contexto museal.
É, pois, na confluência das minhas iniciativas de pesquisa e extensão que
eu gostaria de apresentar algumas ideias que me parecem relevantes para se
pensar possíveis parcerias entre teatro e ciência no museu.
A mediação que se faz no museu é, muitas vezes, restrita a uma
explicação oral do guia que, por vezes, responde às perguntas dos visitantes
(quando eles as fazem).

2
Projeto aprovado na CHAMADA UNIVERSAL MCTI/CNPQ Nº 14/2014 - Faixa A - até R$
30.000,00.
2o Seminário brasileiro de museologia • 352

Esse modelo explicativo me parece ser uma continuidade do processo


educativo que se encontra predominantemente no meio escolar: o famoso
método “cuspe e giz”. O primeiro termo remete à fala, enquanto o segundo
alude à escrita. São, por assim dizer, os dois caminhos privilegiados no ensino-
aprendizagem escolar, ainda na atualidade preferencialmente percorridos na
maior parte das escolas de Educação Básica, e mesmo de Educação Superior,
no Brasil.
Entretanto, essa situação não precisa continuar assim. Nem no museu,
nem na escola.
Aliás, já tem mudado, e muito, é certo, mas ainda é necessário se
modificar mais, em amos os contextos.
Infelizmente, a comparação que eu faço entre os processos educativos no
museu e na escola ainda é válida, em muitos casos, talvez, na sua grande
maioria. Dentro dessa discussão, a mediação está incluída.
A esse respeito, apresento ao leitor o que diz, por exemplo, Ana Mae
Barbosa, descrevendo o modo como determinado centro cultural trabalha suas
mediações:

Em vez de visita guiada, com informações fornecidas pelos monitores


(educadores ou mediadores, como preferimos chamar), são propostas
questões que exigem reflexão, análise e interpretação sem se evitar
informações que esclarecem e/ou apoiam interpretações. (Barbosa In:
BARBOSA e COUTINHO, 2009, p. 18).

A autora não nega a informação, que é uma parte fundamental de toda


aprendizagem. Todavia, “entregar” a informação, apenas, não garante que
aquele que a “recebe” vai refletir sobre ela, e transformá-la em conhecimento.
Por isso, além de disponibilizar a informação, é preciso favorecer o
questionamento, de onde podem se abrir caminhos diversos de interpretação de
si, do outro e do mundo.
Citarei, na sequência, Ingrid Dormien Koudela, quando distingue, a partir
de Suzanne Langer3, duas modalidades de mediação teatral:

3
LANGER, Suzanne. Filosofia em nova chave. São Paulo: Perspectiva, 1971.
2o Seminário brasileiro de museologia • 353

O método discursivo aposta principalmente na mediação de


informações (palestras introdutórias, documentos em forma de textos) e
na troca verbal de opiniões (debates). Ele visa principalmente ao
conhecimento cognitivo e racional.

O método apresentativo utiliza técnicas criativas e lúdicas na


preparação para a visita ao teatro e leitura do espetáculo após a volta à
escola, como jogos, desenhos e rodas de conversa, através das quais os
alunos contam a sua experiência sensível. Visa primordialmente à
compreensão associativa e emocional. [grifos da autora] (KOUDELA,
2010, p. 22-24)

A autora não aponta uma hierarquia entre os dois métodos descritos:


dependendo do grupo a ser mediado, do espetáculo teatral a ser assistido, e de
outros vários fatores, se podem usar recursos como a exposição oral, a leitura
de textos escritos, a conversa, enfim, focalizar a cognição e a racionalidade.
Se as coisas mudam, se pode preferir jogar, desenhar, dançar, fazer
exercícios sensoriais, atividades de ativação da memória, ouvir canções, ver
imagens, criar cenas teatrais a partir do espetáculo assistido, entre outras
possibilidades de elaboração que não dependem unicamente da palavra falada
ou escrita, operando no âmbito da associação intuitiva de ideias e na
valorização das emoções.
No texto citado, Koudela fala do antes, do durante e do depois da ida ao
teatro. Essa é uma perspectiva metodológica muito difundida nas práticas de
mediação teatral, e de mediação cultural em geral.
Eu gostaria de apresentá-la aqui, visualmente, num esquema que
representa os três elementos principais da mediação teatral: o espectador, o
mediador e a cena ou espetáculo teatral (que seriam o objeto cultural em foco).
No esquema, estão representadas, também, as três etapas de um
processo de mediação teatral: a mediação prévia, que acontece antes da ida ao
teatro, a ida ao teatro, onde ocorre o encontro do espectador com a cena ou
espetáculo teatral (e pode haver algum tipo de mediação simultânea), e a
mediação posterior, que é feita depois da ida ao teatro.
2o Seminário brasileiro de museologia • 354

espectador
mediador:
mediação
simultânea

mediador:
mediação
Cena ou
prévia
espetáculo
teatral

mediação
posterior

Essa organização metodológica é muito usada, também, por professores


de arte antes da visita a uma exposição de artes visuais ou a um museu de ,
substituindo-se a cena ou espetáculo teatral pelas obras expostas ou pelo acervo
disponibilizado pelo museu de arte.
No entanto, penso eu, deveria ser feito um trabalho similar quando se
trata de um museu de ciência e tecnologia. Caso contrário, cairíamos no
pensamento maniqueísta que de à arte corresponde o emocional, enquanto eu
à ciência, o racional.
Sabemos que o ser humano não funciona assim. O cientista é um
apaixonado pelas descobertas que faz, tanto quanto o artista é um
entusiasmado pelas obras que concretiza. Emoção e razão estão presentes em
cada ato humano.
Certamente, alguns professores fazem esse trabalho de mediação
cultural: antes da visita, contextualizam o museu que será visitado, abordam o
acervo disponível, instigam a curiosidade dos alunos.
Durante a visita, cuidam para que haja tempo tanto para seguir a visita
guiada quanto para que o aluno se deixe, também, em alguns momentos, levar
pelo interesse que o contato direto com o acervo desperta no discente.
Depois da visita, esse profesores desdobram a experiência vivida em
atividades variadas, que potencializam o processo de aprendizagem que resulta
2o Seminário brasileiro de museologia • 355

de cada novo horizonte cultural que se abre para seus alunos em


desenvolvimento, após uma visita a um museu.
Lamentavelmente, e muito provavelmente devido a lacunas na formação
pedagógica e cultural de grande parte dos professores, as idas ao teatro e as
visitas aos museus, frequentemente, não são preparadas cuidadosamente,
tampouco acompanhadas atentamente e muito menos exploradas
posteriormente.
Acabam pouco se distinguindo de uma excursão escolar com qualquer,
se é que haja mesmo uma excursão que não deva ser integrada ao processo
educativo em andamento na escola.
Pois bem, tendo feito esses apontamentos iniciais sobre a mediação
teatral, a mediação cultural e tendo apontado breves paralelos entre o
espectador teatral e o visitante de museu, é importante dizer que sou professor
do Departamento de Artes Cênicas da UFOP e que coordeno um projeto de
extensão que funciona no Museu de Ciência e Técnica da Escola de Minas da
Universidade Federal de Ouro Preto (MCT/EM/UFOP).
O projeto se chama MEDIA UFOP: MUSEUS DE OURO PRETO (MEDIA
UFOP). Conto, como bolsistas do projeto, com três alunos do Departamento de
Artes Cênicas do Instituto de Filosofia, Artes e Cultura da UFOP
(DEART/IFAC/UFOP).
Tenho, também, total apoio da diretora do museu, a professora Maria
Paula Delicio (professor do Departamento de Geologia da UFOP), e de toda a
sua equipe, o que nos incentiva a buscar sempre o aperfeiçoamento de nossas
colaborações.
MCT/EM/UFOP, usando, para isso, o teatro.
A meu ver, trata-se, também, de uma investigação acerca da mediação
teatral no museu.
A ação principal é elaborar e apresentar intervenções teatrais nos
diversos setores do MCT/EM/UFOP, como metodologia para atingir o objetivo
mencionado acima.
Contudo, tenho constatado uma, digamos assim, “mutação” conceitual
da mediação teatral que decorre do fato de que, no caso das ações do projeto,
2o Seminário brasileiro de museologia • 356

o objeto cultural que é (ou deveria ser) o alvo da mediação teatral não é o
teatro em si, mas o conjunto de elementos que compõem o acervo do
MCT/EM/UFOP.
O acervo está em primeiro plano, o teatro, em segundo.
Passo, assim, a examinar mais de perto essa mudança de finalidade que
produz um deslocamento no conceito de mediação teatral.
Na mediação teatral, o teatro é fim.
No caso do projeto que coordeno, o teatro é meio.
O fim é o acervo de ciência e tecnologia que o MCT/EM/UFOP reúne e
expõe à visitação.
Contudo, na prática, essa diferença não é tão nítida.
Exemplifico com a intervenção denominada “As assombrosas façanhas
de João Mão Leve e Peter Picareta contra o temível Delegado Nogueira”.
Trata-se de uma cena apresentada no Setor de Física do MCT/EM/UFOP.
Dois cientistas fazem propaganda de um invento que chamam de Radiador
Bonitofônico (os objetos usados são um xilofone e a respectiva baqueta), cuja
utilidade é transformar pessoas feias em bonitas. Chega o delegado (ver foto a
seguir) e desmascara os dois impostores, que são vigaristas tentando ganhar
dinheiro às custas de possíveis compradores da engenhoca.

Ensaio da intervenção artística no Setor de Física do MCT/EM/UFOP


FONTE: acervo pessoal.
2o Seminário brasileiro de museologia • 357

O Setor de Física é interativo, contendo vários dispositivos lúdicos que


demonstram aspectos das leis da física. Há, também, uma exposição
permanente de equipamentos antigos utilizados para fins específicos da Física.
Observando a apresentação dessa intervenção artística, reparei que
alguns dos alunos adolescentes de uma escola estadual local, que visitavam o
Museu, rodearam os três atores, e se divertiram com a cena, que tem, também,
um caráter fundamentalmente interativo. Os espectadores participavam
“zoando” os colegas que eram alvo de algumas das falas da cena.
Ora, essa intervenção teatral não faz referência direta ao acervo que está
em volta. É uma cena teatral curta com forte acento cômico. São personagens
que entram em conflito. Trazem, no fingimento de João Mão Leve e Peter
Picareta, tentando se passar por cientistas, um eco do ambiente cheio de
inventos reais que compõem o conjunto exposto nesse Setor do Museu. Mais do
que isso, não.
A meu ver, essa intervenção atinge uma dupla meta: aquela colocada
pelo projeto, de tornar a relação do visitante com o acervo um pouco mais
descontraída e prazerosa – fazendo frente ao caráter maçante e
descontextualizado que marca a experiência de aprendizagem da Física na
escola, e cuja memória pode ser ativada quando se está num museu que tem
um dos setores voltado para essa ciência –, e, na medida em que se dá uma
relação de fruição estética de uma cena teatral, também atinge a meta de uma
mediação teatral, tal como conceituada no início desta comunicação.
Esse duplo caráter da intervenção relatada e refletida acima procede de
uma convicção de base: me parece ser muito importante que a visita guiada
tradicional possa contar com momentos em que o teatro “entre em cena” (para
não perder a metáfora metalingüística...) e traga um clima lúdico para a visita
que está sendo feita.
E se o teatro conta com a visita guiada tradicional, que fornece as
informações e orientações a respeito de cada Setor do Museu, como é o caso do
MCE/EM/UFOP, que dispõe de um equipe de bolsistas cuja função é conduzir
visitas guiadas, e que informam os visitantes sobre os aspectos mais
propriamente científico e tecnológico do acervo do Museu, então pode se voltar
2o Seminário brasileiro de museologia • 358

para a sua própria natureza, que é artística, ou seja, não tanto explicativa
(discursiva), mas sugestiva (apresentativa).
Para aprofundar um pouco mais a reflexão sobre a mediação teatral no
museu, problematizando-a, a partir do exemplo descrito, insiro, agora, no meu
texto, duas citações de Agnaldo Farias, que compartilha sua experiência como
mediador cultural em museus de arte.
Para o autor, a mediação cultural

[...] não pode incorrer na simplificação do processo que se estabelece


entre público e obra, não pode pretender reduzir a complexidade do
trabalho que está sendo apresentado. Ela tem de garantir que a obra
seja apresentada em toda a sua plenitude, fruída da melhor maneira
possível. (Farias apud MARTINS In: MARTINS e PISCOSQUE, 2012, p.
135)

O que o autor diz nesse trecho a respeito da necessidade de não se


explicar tudo de uma vez, sem deixar que o visitante ao menos percorra com o
olhar o acervo que tem diante de si, se pode transferir, a meu ver, para o
cotidiano de museus que não são de arte, como é o caso do MCT/EM/UFOP.
O professor e o aluno que visitam o Museu não são “tabulas rasas”, ou
seja, já dispõem de um conhecimento prévio que precisa ser levado em conta.
Resta saber se foram sensibilizados anteriormente à visita, para que ela não
fique dependendo totalmente do que vai dizer o guia. Caso contrário, a
simplificação de que fala Farias tem grande chance de ocorrer.
A outra citação do mesmo autor é a seguinte:

Eu penso, sobretudo, e este é um exemplo pessoal, nas visitas guiadas


que dou, durante as quais a maioria das pessoas fica olhando para
mim e não para o trabalho [artístico] sobre o qual eu falo. Trata-se de
uma suspeita. Em relação a audioguides, por exemplo, eu, por
experiência própria, não tenho suspeita alguma, é isso mesmo o que
acontece: fica-se escutando em vez de olhar; em vez de olhos abertos, o
que se tem são ouvidos abertos. Trata-se, enfim, de um processo muito
diretivo. Toma-se o público pela mão, como se ele precisasse disso. E
aí, [...] não seria o caso de acreditar na pedagogia da obra? Acreditar
naquilo que a obra deflagra no espectador? Com essas técnicas
diretivas, nós não a estaríamos desprestigiando, menoscabando sua
potência? (Farias apud MARTINS In MARTINS e PISCOSQUE, 2012, p.
136-137)
2o Seminário brasileiro de museologia • 359

O autor, em seu depoimento reflexivo, toca num ponto que muito me


instiga: num museu de arte, a fala do guia pode prender a atenção do visitante
por mais tempo do que a obra de arte que, a princípio, deveria estar em
primeiro plano. E o mesmo pode acontecer num museu de ciência e tecnologia.
A partir dessa inversão de prioridade, me volto para o MEDIA UFOP e me
pergunto: num museu de ciência e tecnologia, será que o teatro pode chamar a
atenção sobre si a ponto de o visitante deixar de ver o acervo científico e
tecnológico que, a priori, deveria ser o centro das atenções?
Eis um dilema que ainda não solucionei. É um “motor” para a contínua
investigação que faço com os bolsistas do projeto. Nos perguntamos a todo
instante sobre o que acontece a cada apresentação das intervenções teatral que
nós temos criado para diversos setores do MCT/EM/UFOP.
Retomando a fala de Barbosa, citada anteriormente, estamos diante de
uma interessante inversão de perspectiva: queremos contribuir para uma visita
melhor ao MCT/EM/UFOP, não obstante, corremos o risco de “roubar a cena”
(para usar outra expressão típica do vocabulário teatral...) do Museu. Como
encontrar o equilíbrio entre a informação e a reflexão?
No nosso caso, a informação que disponibilizamos não é científica nem
tecnológica. Trata-se – esse é o meu ponto de vista – de uma informação de
outra ordem, eu diria que é uma “informação” estética, ou seja, um conjunto de
dados que diz respeito ao processo de fruição artística de uma cena teatral por
um espectador. Não tem a ver, exatamente, com o conteúdo que está presente
nos elementos expostos em um determinador Setor do Museu.
Como manter a vontade de colaborar teatralmente sem incorrer no risco
de confundir a relação do visitante com o acervo do MCT/EM/UFOP?
Mais uma pergunta cuja resposta está, digamos, “em construção”.
Um outro viés no exame que faço vem das seguintes considerações de
Stela Barbieri, tratando da função do Setor Educativo dos museus e instituições
culturais afins:

O papel do Educativo em uma instituição cultural é propor um


questionamento sobre as relações entre a vida e a arte contemporânea
através do contato com a arte ou o fazer artístico. As perguntas,
proposições e problemas explicitados pelos artistas nos trazem
2o Seminário brasileiro de museologia • 360

atravessamentos, suscitam ações que alimentam nossa maneira de


inventar a educação através da arte. Buscamos não só proporcionar aos
visitantes e estudantes um contato desafiador com as obras
apresentadas nas exposições, como também abrir espaço para que o
educador que recebe o público pesquise e proponha outras relações
com a arte. (BARBIERI, 2011, p. 14)

“Abrir espaço”, a meu ver, é uma expressão que me ajuda a caminhar no


processo de compreender como pode ser o diálogo entre teatro e ciência no
museu.
Deslocar, por alguns instantes, a atenção do visitante do acervo para
uma intervenção teatral, de modo a “devolvê-lo” transformado ao contato com
os elementos do acervo museal.
Abrir um espaço e um tempo para uma relação estética que aguce o
olhar do visitante, estimulando sua sensibilidade, criticidade e criatividade.
Acrescentando as palavras de Edmir Perrotti, a mediação deve possibilitar

[...] oportunidade de criação e recriação, de investimento dos sujeitos


em ações significativas para eles, em atos de tornar próprio, de tornar
seu, de afirmar e afirmar-se na relação com o outro e consigo mesmo,
configurando assim uma relação de estar no mundo que não nega nem
a dimensão do si mesmo nem a do outro, em um processo dinâmico
que envolve, portanto, sujeitos, grupos e coletividades. Tal distinção
remete-me, portanto, para a ideia de negociação, ou melhor, para a
concepção da mediação cultural como instância que torna possível e
alimenta o embate sígnico, como ponto de intersecção, de negociação
de significados entre sujeitos e grupos sociais. [grifo de Mirian Celeste
Martins] (Perrotti apud MARTINS In MARTINS e PISCOSQUE, 2012, p.
141)

Tal como aponta esse autor, quando penso na dimensão de inclusão


social que pode ser associada à noção de mediação cultural (muito afim à de
mediação teatral), tal como compreendo neste texto, é afirmar a subjetividade
criadora do conjunto de visitantes que pretendo que participe das intervenções
teatrais do projeto MEDIA UFOP: MUSEUS DE OUTRO PRETO.
A meu ver, é o caso de considerar cada visitante como capaz de
estabelecer relações marcadas pela singularidade e plenas de significação
própria, cabendo aos mediadores instigar os sujeitos culturais mediados a
avançar sempre mais, rumo a atos de criação e recriação dos sentidos múltiplos
que um objeto cultural – tal como os elementos que constituem o acervo de
cada um dos setores do MCT/EM/UFOP – possibilita construir, em sua
2o Seminário brasileiro de museologia • 361

materialidade significante e no arcabouço simbólico passível de evocação e


interpretação pelo espectador.
Nesse sentido, é fundamental considerar, tal como Mirian Cesleste
Martins, que

[...] quando falamos em ‘público’, não podemos generalizá-lo como um


grupo coeso que está com um educador; trata-se, sim, de pessoas com
experiências diversas, com histórias singulares de vida e de outros
encontros com a cultura. E é justamente na interação que se estabelece
entre cada um deles com o educador e com tudo o que compõe a
experiência mediadora que se inventam outras conexões, impensadas
num primeiro momento de preparação. (Martins In MARTINS e
PISOSQUE, 2012, p. 48)

Ou seja, mediar a relação do visitante com o acervo de um museu é algo


que se prepara, mas também é um processo imprevisível, que deve conter
espaço para o que não se controla totalmente, o que é subjetivo e próprio a
cada pessoa em particular, que sempre traz em si marcas de seu contexto social,
econômico, político, educacional, familiar, enfim, cultural.
Contribuir para a formação de visitantes de museus – que podem ser
compreendidos como um tipo específico de espectadores – particularmente os
integrantes de comunidades escolares da Educação Básica (como já dito, que
formam a maior parte dos visitantes do MCT/EM/UFOP), para melhor efetuarem
a sua relação com os elementos de um acervo museal é um passo para a
qualificação da experiência cultural de populações que muitas vezes ficam à
margem da riqueza de nossos museus.
Ao mesmo tempo, interagir diretamente com os visitantes, no sentido de
potencializar as reverberações do encontro entre eles e os elementos de um
acervo museal, despertando a curiosidade e o interesse pela ciência enquanto
área do conhecimento humano, por meio de intervenções teatrais, é outro passo
importante a ser constantemente aprimorado.
Espero – e penso que também toda a equipe do Projeto MEDIA UFOP:
MUSEUS DE OURO PRETO, bem como seus colaboradores do MCT/EM/UFOP –
que do olhar de professores e alunos – eles que compõem a maior parte dos
visitantes desse Museu – seja resgatado o componente investigativo que une
teatro e ciência.
2o Seminário brasileiro de museologia • 362

Afinal, quando o cientista chega a uma conclusão, ainda que provisória,


sobre a compreensão que pretende ter de algum aspecto do mundo em que
vivemos, e quando o artista encontra uma forma teatral em que consegue
expressar algo da complexidade das relações que o ser humano estabelece com
esse mesmo mundo, estamos diante não de experiências antagônicas, mais
similares e mesmo complementares.
Que se “abra espaço” para todos, visitantes e mediadores, afinal todos
podem e devem ser autores de seus caminhos interpretativos diante do teatro e
da ciência que integram a cultura da qual fazem parte.

Referências

BARBIERI, Stela. Educação como ação poética. Humboldt (revista cultural do


Goethe-Institut), Bonn, n. 104, p. 14-17. 2011.

BARBOSA, Ana Mae. Mediação cultural é social. In: BARBOSA, Ana Mae;
COUTINHO, Rejane Galvão. Arte/educação como mediação cultural e social.
São Paulo: Editora UNESP, 2009, p. 13-22.

DESGRANGES, Flávio. Pedagogia do espectador. São Paulo: Hucitec, 2003.

DESGRANGES, Flávio. Pedagogia do teatro: provocação e dialogismo. São


Paulo: Editora Hucitec: Edições Mandacaru, 2006.

DESGRANGES, Flávio. Quando teatro e educação ocupam o mesmo lugar no


espaço. In: TOZZI, Devanil; COSTA, Marta Marques. Teatro e dança: repertórios
para a educação. Volume 3 – Teatro e educação: perspectivas. Secretaria da
Educação, Fundação para o Desenvolvimento da Educação. São Paulo: FDE,
2010, p. 11-40. Disponível em:
<HTTP://culturaecurriculo.fde.sp.gov.br/Administracao/Anexos/Documentos/42
0110113111647volume%203%20baixa.pdf>. Acesso em 07/01/2013.

DESGRANGES, Flávio. A inversão da olhadela: alterações no ato do espectador


teatral. São Paulo: Hucitec, 2012.

KOUDELA, Ingrid Dormien. A ida ao teatro. In: TOZZI, Devanil; COSTA, Marta
Marques. Teatro e dança: repertórios para a educação. Volume 2 – As
linguagens do teatro e da dança e a sala de aula. Secretaria da Educação,
Fundação para o Desenvolvimento da Educação. São Paulo: FDE, 2010, p. 23.
Disponível em:
<http://culturaecurriculo.fde.sp.gov.br/Administracao/Anexos/Documentos/420
110113111518volume%202%20baixa.pdf>. Acesso em 07/01/2013.
2o Seminário brasileiro de museologia • 363

FARIAS, Agnaldo Apud MARTINS, Mirian Celeste. Mediação cultural: [con]tatos


expandidos. In: MARTINS, Mirian Celeste; PICOSQUE, Gisa. Mediação cultural
para professores andarilhos na cultura. São Paulo: Intermeios, 2012, p. 133-
151.

MARTINS, Mirian Celeste. Sala de aula: experiências para além das


visitas/expedições. In: MARTINS, Mirian Celeste; PICOSQUE, Gisa. Mediação
cultural para professores andarilhos na cultura. São Paulo: Intermeios, 2012 p.
47-59.

PERROTI, Edmir Apud MARTINS, Mirian Celeste. Mediação cultural: [con]tatos


expandidos. In: MARTINS, Mirian Celeste; PICOSQUE, Gisa. Mediação cultural
para professores andarilhos na cultura. São Paulo: Intermeios, 2012, p. 133-
151.

PUPO, Maria Lúcia de Souza Barros. Mediação artística: uma tessitura em


processo. Urdimento, n. 17, set. 2011. Disponível em:
<http://www.revistasalapreta.com.br/index.php/salapreta/article/view/58/56>.
Acesso em 17/04/2013.

TEIXEIRA COELHO, José. Dicionário crítico de política cultural. São Paulo:


Iluminuras, 2012.
2o Seminário brasileiro de museologia • 364

EDUCAÇÃO PARA O PATRIMÔNIO: UMA VISITA AO MUSEU DO PIAUÍ

Anderson Michel de Sousa Miura1

Áurea da Paz Pinheiro2

Resumo
A museologia, como ciência do patrimônio, atravessa mudanças significativas,
que alteram definições e métodos. Os museus, enquanto equipamentos culturais
e de formação, são objetos de sucessivas reflexões e estudos desde os últimos
quarenta anos, que incluem questões pedagógicas, comunicacionais, de
formação e mediação de públicos, atingindo comunidades locais, dentre elas as
escolas.

Palavras-chave: Museus; Educação Patrimonial; Museu do Piauí; Público Escolar.

Abstract
Museology, as science heritage, through significant changes, that alter definitions
and methods. The Museums, as cultural and training equipment, are objects of
successive reflections and studies from the last forty years, including teaching,
communication, training and public mediation issues , reaching local
communities , among them schools .

Keywords: Museums; Heritage Education; Piauí Museum; Public School.

••••••••••

Introdução

Neste texto, apresentamos uma experiência de trabalho com alunos do 6o


ano, com idades entre 10 e 12 anos, do Colégio São Francisco de Sales-
Diocesano (instituição jesuíta centenária na cidade de Teresina, capital do
Estado), no Museu do Piauí. A atividade é parte da pesquisa-ação em

1
Mestrando em Artes, Patrimônio e Museologia [Universidade Federal do Piauí], professor do
departamento de História do Colégio São Francisco de Sales-Diocesano [Rede Jesuíta de
Educação]. E-mail para contato: anderson_miura@hotmail.com
2
Doutora em História cultural pela UNICAMP, Pós-Doutoramento em Ciência da Arte e do
Patrimônio, especialidade em Museologia, Universidade de Lisboa, Portugal. E-mail para
contato: aureapazpinheiro@gmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 365

andamento no Mestrado Profissional em Artes, Patrimônio e Museologia da


Universidade Federal do Piauí.
O Museu do Piauí foi criado em 1934, como uma sessão do Arquivo
Público do Estado. Hoje, localiza-se em um casarão oitocentista, no Centro
Histórico da Cidade de Teresina. O acervo do museu é composto por peças do
período pré-histórico, colonial, moderno e contemporâneo. Portanto, um acervo
eclético, com aproximadamente sete mil peças.
Entre os artefatos expostos no Museu do Piauí estão: pré-históricos, peixes
e troncos fossilizados, louças da Companhia das Índias, porcelanas chinesas e
inglesas, mobiliário e quadros do século XIX, como a famosa tela de “Dom
Pedro II” de Victor Meirelles, além de obras de arte contemporânea de
renomados artistas piauienses como Gabriel Archanjo e Dora Parentes, para
citar alguns. Também são encontrados no acervo cédulas, moedas, medalhas,
indumentárias da guarda nacional, machados primitivos, urna funerária, arcos,
flechas, etc.

Figura 1 – Localização geográfica do Museu do Piauí. Fonte: Google Maps.

O acervo do Museu está apresentado em salas que interpretam as


histórias do Piauí: Terra, Homem, Colônia, Império, República Velha, República
Nova, Arte Sacra, Arte popular, Rádio, Heráldica, Numismática, Pinacoteca,
2o Seminário brasileiro de museologia • 366

Pátio, com cenário de fazendas e com o ático da Câmara Municipal de


Parnaíba com o Brasão do Império do Brasil.

Figura 2 - Sala Colônia | Museu do Piauí. Fonte: http://www.piaui.pi.gov.br/

Figura 3 - Sala Império| Museu do Piauí. Fonte: http://www.piaui.pi.gov.br/

Notas sobre museus e museologia


Este estudo-ação é motivado por nossa condição de professor na escola
básica (ensino privado), e por consideramos importantes os questionamentos
2o Seminário brasileiro de museologia • 367

dos futuros profissionais da museologia no que refere às contribuições práticas


em equipamentos culturais de caráter plural como os museus, que têm como
uma de suas missões fundamentais as atividades educativas, que envolvem
públicos diversos, dentre eles o público escolar.
O trabalho, em sala de aula, nos provocou conceber e desenvolver o
projeto “Vamos ao Museu?”. Iniciamos com uma revisão de literatura sobre o
tema museus e museologia com o fito de aprofundar teorias e métodos no
campo museológico; o que nos permitiu avançar na experiência de implantação
do referido projeto e acompanhar de forma sistemática seus desdobramentos.
O que almejamos foi a sensibilização do público escolar para o conhecimento e
reconhecimento do rico e complexo patrimônio cultural do Piauí a partir do
acervo do Museu.

O museu:
[...] tanto pode designar a instituição quanto o estabelecimento, ou o
lugar geralmente concebido para realizar a seleção, o estudo e a
apresentação de testemunhos materiais e imateriais do Homem e do
seu meio. A forma e as funções do museu variaram sensivelmente ao
longo dos séculos. Seu conteúdo diversificou-se, tanto quanto a sua
missão, seu modo de funcionamento ou sua administração.
(DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013, p. 64)

Cabe aos museus a difícil tarefa de comunicar a história, os testemunhos


materiais e imateriais do ser humano e meio ambiente. Tendo em vista que não
só a instituição, mas igualmente o debate contemporâneo de sua função e
vocação, relembramos um dos conceitos de museologia:
[...] uma ciência aplicada, a ciência do museu. Ela o estuda em sua
história e no seu papel na sociedade, nas suas formas específicas de
pesquisa e de conservação física, de apresentação, de animação e de
difusão, de organização e de funcionamento, de arquitetura nova ou
musealizada, nos sítios herdados ou escolhidos, na tipologia, na
deontologia. (RIVIÈRE apud DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013, p. 61)

Dessa forma, o objeto de estudo da museologia não pode ser apenas o


museu, sendo ele uma criação relativamente recente na história da
humanidade, mas o estudo da “relação específica do homem com a realidade”,
por vezes designada como ‘musealidade’ (WAIDACHER, 1996).
A museologia é uma ciência que examina a relação específica do
homem com a realidade, consiste na coleção e na conservação,
consciente e sistemática, e na utilização científica, cultural e educativa
2o Seminário brasileiro de museologia • 368

de objetos inanimados, materiais e móveis (sobretudo tridimensionais)


que documentam o desenvolvimento da natureza e da sociedade.
(GREGOROVÁ apud DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013, p. 62)

A história dos museus e as teorias museológicas ensinadas até a década


de 1970 faziam do museu um instrumento de pesquisa, conservação, educação,
prazer estético intelectual, deleite, a serviço da ciência, da cultura e das artes,
como nos apresenta Georges Rivière. Esse fosso do que se fazia nos museus e o
que realmente se processava no meio social só passou a sofrer modificações a
partir da Mesa de Santiago (1972), como lembra Hugues de Varine:
Como eu pressentia em 1969, mas hoje com certezas apoiadas em
provas, acredito que o museu, ou ao menos algumas formas de
museu, algumas teorias museológicas e algumas práticas
museográficas, sejam um instrumento útil e eficaz de informação, de
educação, de mobilização a serviço do desenvolvimento local. Um
meio de administrar de modo dinâmico o patrimônio global de uma
comunidade humana e de seu território. A museografia (conjunto de
técnicas e de usos da exposição) tem uma linguagem própria (assim
como há a linguagem da informática ou da imagem audiovisual), com
seu vocabulário, sua sintaxe e seus códigos, mas necessita que estes
sejam, ao menos, acessíveis à maioria. (2013, p. 172)

O que percebemos das intervenções de Varine é que a museologia


precisa se engajar na pesquisa de estratégias museais alternativas que liguem
as demandas das sociedades. Uma museologia que estimule a gestão e a
utilização do patrimônio para o desenvolvimento social e comunitário, por meio
da formação de recursos humanos responsáveis, de atores conscientes do seu e
para o seu desenvolvimento.
Mas como trabalhar com essas questões com um público escolar? Como
promover um interesse por um espaço que, por vezes, simboliza o antigo, o
velho, o esquecido? Essas questões foram elaboradas a partir do uso, em sala
de aula, do livro paradidático “Vamos ao Museu?” de autoria de Nereida Santa
Rosa e Neusa Scaléa (2013), que aborda a Educação para o patrimônio,
objetiva a “alfabetização cultural”, que permita “ler’ o mundo que nos rodeia,
levando-nos à compreensão do universo sociocultural e à trajetória histórico-
temporal que nos inserimos.
No processo, a autoestima dos indivíduos e comunidades é
impulsionada, valorizando a cultura brasileira, compreendida como múltipla e
plural.
2o Seminário brasileiro de museologia • 369

Por meio da Educação para o Patrimônio é possível estimular um novo


olhar para o entorno da escola, transformar os espaços sociais como os museus
em ambientes educativos, de divulgação, conservação, conhecimentos, etc.
Ao assumir o caráter educativo, o museu torna-se:

[...] o lugar onde os objetos são expostos para compor um argumento


crítico. Mas só isso não basta. Torna-se necessário desenvolver
programas com o intuito de sensibilizar os visitantes para uma maior
interação com o museu. Não se trata da simples ‘formação de
plateia’, a valorização do museu como forma de criar ‘cultura mais
refinada’. Antes de tudo, objetiva-se o incremento de uma educação
mais profunda, envolvida com a percepção mais crítica sobre o
mundo do qual fazemos parte e sobre o qual devemos atuar de modo
mais reflexivo. (RAMOS, 2004, p. 2)

Francisco Régis Ramos (2004) alerta para a importância do museu na


construção do conhecimento, ressalta que o tipo de saber que o museu induz
não se desenvolve em outros lugares, nesse caso, o envolvimento entre o que é
dado à visão e quem vê necessita de atividades preparatórias, com o intuito
sensibilizar. Do contrário, não se vê ou pouco se vê. É por isso que a visita ao
museu deve começar na sala de aula, com atividades lúdicas que utilizem
materiais do cotidiano, como indícios de práticas que se fazem nas relações
sociais.
Como atividades introdutórias nesse processo, iniciamos o projeto
“Vamos ao Museu?”, estruturando-o em etapas até se chegar a visita mediada
ao museu. O registro fotográfico foi o suporte utilizado para a construção de um
diário gráfico.
As etapas prévias do projeto foram divididas em: leitura do livro
paradidático “Vamos ao Museu?” e produção de questionário; orientação de
pesquisa, na qual o estudante consultou, via internet, diferentes tipos de museus
[históricos, de arte, ciência, biográfico, comunitários, eco-museus, temático, etc.]
para produzir material próprio, entregue a posteriori; aula interativa com
exibição dos vídeos dos museus “Memorial do Imigrante”, “Museu Paraense
Emílio Goeldi” e o “Museu Comunitário da Lomba do Pinheiro” e Vídeos que
fazem parte do Projeto “Conhecendo Museus”, do IBRAM [Instituto Brasileiro de
Museus]. As últimas duas etapas foram: visita mediada/orientada ao Museu do
Piauí, com registros em diário gráfico, para apresentação em sala de aula.
2o Seminário brasileiro de museologia • 370

A atividade foi direcionada à 5 (cinco) turmas do 6º ano do Ensino


Fundamental do Colégio São Francisco de Sales - Diocesano. Para que as visitas
fossem viáveis, contamos com a colaboração da professora Patrícia Prado,
coordenadora do departamento de História da escola e entusiasta de projetos
dessa natureza.
Usamos a metodologia alternativa de avaliação do conhecimento
histórico, tendo em vista que a instituição trabalha cada vez mais com métodos
diferenciados, que permitem avaliar o desempenho dos estudantes não apenas
com provas convencionais, escritas, com data marcada, mas, igualmente, com
avaliações práticas, em outros espaços educativos.
O mundo atual passa por transformações rápidas, o que se deve em
parte à dinâmica tecnológica e comunicacional. Os objetos e testemunhos do
passado se transformam em coisas velhas e obsoletas, tudo é trocado,
descartável. Sendo assim, muitos desses objetos acabam escondidos ou
esquecidos.
No senso comum, o museu é tratado como “[...] uma coleção de
espécimes de qualquer tipo e está, em teoria, ligado com educação ou diversão
de qualquer pessoa que queira visitá-lo” (SUANO, 1986, p. 10). Contudo, as
noções e sentidos que a instituição museu possui hoje são diferentes.
Os museus são importantes espaços de pesquisa, educação e
salvaguarda do patrimônio cultural de diferentes grupos sociais, para tanto,
precisam desenvolver ferramentas metodológicas que estejam ligadas aos
interesses atuais da sociedade nas quais se inserem.
As mudanças nos museus são recentes:
[...] o campo museológico se institui como ciência do patrimônio e
está, desde as últimas duas décadas, se desenvolvendo e se
enriquecendo de suportes teóricos, textuais, orais, audiovisuais, etc. As
discussões que são levantadas dentro e fora dos museus devem
aproximar os diferentes indivíduos aos seus territórios. Deve aproximá-
los dos lugares, dos saberes, dos fazeres, das festas, das celebrações,
da religiosidade, ou seja, de todas as práticas cotidianas. O dever do
museu, assim como da história, é o de estabelecer conexões entre o
que se fazia e o que se faz, observando e problematizando sobre as
permanências e rupturas das práticas e representações dos sujeitos no
tempo. (PINHEIRO, 2013, p. 19)

Mas como trabalhar esses conceitos na sociedade contemporânea?


Como essas instituições podem transformar a realidade dos sujeitos se esses
2o Seminário brasileiro de museologia • 371

não forem sensibilizados? Qual é o papel das identidades e das memórias


nesse processo de consciência e Educação para o Patrimônio?
Na busca de respostas para esses questionamentos, chegamos à
conclusão que a escola, na qual trabalhamos, pode ser um instrumento valioso
nesse processo de formação de públicos para os museus. Por meio da
instituição escolar, podemos lograr êxito no que se refere à formação de um
público consciente para às questões do Patrimônio, pois no processo de
conhecimento e reconhecimento da realidade, seremos conscientizados. Tais
questionamentos nos motivaram a desenvolver este projeto.
As situações de aprendizagem foram criadas para que fosse possível
refletir e atuar sobre a realidade, identificando problemas e buscando soluções
para melhorar condições de vida. O conhecimento e reconhecimento da
realidade, o acervo museológico, o patrimônio cultural local são referências
para o desenvolvimento de atividades na escola, que atravessam projetos
socioeducativos de sensibilização com parcerias entre o museu e a escola para
a produção de exposições temporárias ou itinerantes em espaços físicos na
comunidade (parques, escolas, igrejas, etc.), como a capacitação de jovens e
adultos para atividades de formação e recreação, valorizando elementos
culturais e naturais: produção de espetáculos, cursos, festivais de música e
culinária, exposições da literatura regional (apresentação oral de narrativas,
declamação de poesias); de artes cênicas (encenação de fatos da cultura e
história local, etc.), de literatura (contos e poesias de atores locais ou regionais),
etc.

Figura 3 - Orientações aos alunos no Museu do Piauí. Foto: Tauana Queiroz, 2015.
2o Seminário brasileiro de museologia • 372

Essas ações podem ser implementadas por meio de projetos sócio-


museológicos, que permitam ao museu integrar-se à população local e, na
prática, ser um exercício de autoestima, valorização e fortalecimento da
identidade cultural, recuperação de tradições mais representativas.
Buscamos, desta forma, refletir sobre a Educação para o Patrimônio,
considerando o rico e complexo patrimônio cultural brasileiro, sobretudo o
piauiense. Trabalhar conceitos que auxiliem os estudantes a caracterizar,
reconhecer, proteger e valorizar os diversos patrimônios.
As visitas aos museus possibilitam a troca de conhecimentos e
experiências para a proteção e valorização dos bens culturais; fomentam o
acesso ao conhecimento produzido sobre os bens culturais, materiais e
imateriais, tendo em vista a sensibilização dos estudantes para o patrimônio
cultural regional, nacional e internacional.
Tentamos, dizemos tentamos, pois o propósito muita vezes pode não ser
atendido, tendo em vista que trabalhamos com sujeitos diferentes, com níveis de
compreensão e abstração diversos. No entanto, propiciar aos estudantes acesso
ao conhecimento museológico e patrimonial, através do contato com leituras
escritas e audiovisuais, promover a visita dos estudantes ao Museu do Piauí, na
tentativa de fomentar a conscientização de que o museu é a instituição que tem
a função de comunicar memórias, identidades e os patrimônios em um
território.
A logística de uma atividade desta natureza requer tempo e dedicação do
professor, a considerar que as escolas, por mais que tentem adotar
metodologias inovadoras, ainda seguem um cronograma centrado nos
conteúdos; assim a forma como o projeto foi desenvolvido permitiu pontos de
fuga de um ensino tradicional, sobretudo no que diz respeito ao tempo, vez que
atividade, bem planejada e articulada com o departamento de história e a
coordenação pedagógica, foi fundamental.
Na preparação das visitas ao Museu, apresentamos a proposta, fizemos
a leitura do projeto, orientamos a produção dos questionários, da pesquisa dos
diferentes tipos de museus e construção do Diário Gráfico. A exposição dos
2o Seminário brasileiro de museologia • 373

resultados do projeto ocorreu na Feira do livro do Colégio Diocesano, onde


tivemos acesso a um stand para expor os Diários Gráficos dos estudantes.

Conclusão

Buscamos construir, com os estudantes, a historicidade dos objetos na


própria sala de aula. Ramos destaca que o professor deve incentivar a
percepção dos estudantes para saborear as propostas de reflexão oferecidas
pelo museu. Desse modo:

[...] não se trata mais de ‘visitar o passado’, e sim de animar estudos


sobre o tempo pretérito, em relação com o que é vivido no presente.
Com a excitação para a aventura de conhecer através de perguntas
sobre objetos, abre-se espaço para a percepção mais ampla diante da
exposição museológica. Mais que isso: alarga-se o juízo crítico sobre o
mundo que nos rodeia. (2008, p. 4)

A partir dessas ideias apresentadas por Ramos, verificamos que se abre


possiblidades de estudos e investigação nos espaços museais. Verificamos,
também, que os museus não são apenas edificações antigas, onde se observam
objetos obsoletos. Compreendemos que ao longo do tempo se desenvolveram
variantes dessas instituições, nas quais o enfoque, a proposta, as metodologias
e os planos estratégicos possuem variações dos ditos museus tradicionais, dentre
as quais se destacam: os museus ao ar livre, os eco-museus, os museus
comunitários e os de território.
Essas instituições estão diretamente ligadas à gestão dos patrimônios. Há
vinculação da teoria da museologia com o fenômeno do patrimônio.

[..] incluye todo el patrimonio cultural y natural, material e inmaterial,


mueble e inmueble. Así, frente al museo tradicional, surgen una serie
de museos vinculados al territorio como los parques naturales,
ecomuseos y parques arqueológicos. Se trata de espacios donde la
relación hombre-cultura-naturaleza se hace más amplia. Aparece el
concepto de património integral que se construye sobre una
percepción holística del medio ambiente. (HERNANDÉZ, 2007, p. 5)

Os museus permitem uma compreensão mais abrangente da paisagem


cultural de um território, o que inclui os patrimônios, marcas das identidades e
memórias coletivas; permitem-nos conhecer a natureza das tradições ancestrais,
2o Seminário brasileiro de museologia • 374

incorporam elementos do território, o patrimônio tangível e intangível; permitem


aos usuários interpretarem o mundo no qual vivem.
Essa concepção nova e ampla da museologia mudou a nossa percepção
do museu, há uma abordagem que considera o museu tradicional ou instituição
como um meio e não um fim da museologia. Com efeito, uma das finalidades
da museologia é estabelecer uma pluralidade de formas museáveis e contribuir
para o desenvolvimento do museu, tendo em conta a diversidade da vida social,
específica para cada contexto cultural.
Podemos afirmar que a museologia entrou em uma nova era, há novas
concepções e formas de museus e diferentes maneiras de gerenciá-los de
acordo com sua função, vocação, missão e projeção social. Nesse sentido,
qualquer projeto de museu deve considerar o contexto geográfico, histórico,
étnico e social; como vai ser gerido e qual mensagem que deseja transmitir.
Ao assumir seu papel educativo, comprometido com o ensino de história
(de modo formal ou informal), o museu pressupõe que o ato de expor é um
exercício poético a partir de objetos e com objetos - construção de conhecimento
que assume sua especificidade.
Como lugar de produção do saber, ‘o museu não pode ser confundido
com centros de pesquisa ou de aulas, embora faça pesquisa e dê aulas, nem
com instituições de recreação, embora assuma um caráter lúdico’ (RAMOS,
2008, p 7). A peculiaridade do museu se realiza plenamente em múltiplas
interações: com tramas estéticas e cognitivas, em análises e deslumbramentos,
na dimensão lúdica e onírica dos fundamentos historicamente engendrados que
constituem o espaço expositivo.

O ato de expor nunca deve negar-se enquanto atitude, postura diante


e dentro do mundo histórico. Desde os seus primórdios como
instituição pública até hoje, o museu põe em jogo uma questão
crucial: a metamorfose dos objetos no espaço expositivo. Ao tornar-se
peça do museu, cada objeto entra em uma reconfiguração de
sentidos. Para conduzir tal processo, a museologia histórica tem o
compromisso ético de explicitar seus próprios parâmetros e, por
conseguinte, seus desdobramentos educativos, em contraponto com
outras experiências. (RAMOS, 2008, p. 7)

Nesse sentido, as situações de aprendizagem são criadas para que a


comunidade possa refletir e atuar sobre a realidade, identificando seus
2o Seminário brasileiro de museologia • 375

problemas e buscando soluções para melhorar suas condições de vida. Nesse


processo de conhecimento e reconhecimento da realidade, o acervo
museológico ou o patrimônio cultural local são os referenciais para o
desenvolvimento de atividades, que perpassam desde projetos socioeducativos
de sensibilização com parcerias entre o museu e a escola para a produção de
exposições temporárias ou itinerantes em espaços físicos na comunidade. Ações
variadas podem ser implementadas por meio de projetos sócio-museológicos
que permitem ao museu integrar-se à população local e, na prática, é um
exercício de autoestima, de valorização e fortalecimento da identidade cultural,
de recuperação das suas tradições mais representativas.
Compreendendo que essas situações de aprendizado buscaram o
desenvolvimento de posturas educativas voltadas ao conhecimento e
reconhecimento dos patrimônios e da ciência museológica, pudemos constatar
aspectos positivos da proposta metodológicas, pois os públicos [estudantes,
professores, coordenadores, auxiliares de disciplina, mediadores e pais] se
manifestaram de forma entusiástica e aceitaram de pronto o desenvolvimento
do projeto, como pode ser visto na matéria do site da escola
[http://www.diocesano.g12.br/visita-ao-museu-do-piaui.html].
Acreditamos que este pode ser um dos caminhos que profissionais da
educação podem desenvolver na tentativa de atingir os diferentes públicos com
o objetivo de fomentar a conscientização de que o museu é a instituição social
com a função de trazer à reflexão histórias, memórias, identidades e
patrimônios.

Referências

CONCEITOS-CHAVE DE MUSEOLOGIA/André Desvallées e François Mairesse,


editores; Bruno Brulon Soares e Marília Xavier Cury, tradução e comentários.
São Paulo: Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Museus: Pinacoteca
do Estado de São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 2013.

CURY, Marília Xavier. Museologia, novas tendências. In:___. Museu e


Museologia: interfaces e perspectivas. Rio de Janeiro: MAST. 2009

HERNANDÉZ, Francisca Hernandéz. La museologia ante los retos del siglo XXI.
Granada: E-RPH. Revista electronica de patrimônio histórico. 2007.
2o Seminário brasileiro de museologia • 376

PINHEIRO, Áurea; MOURA, Cássia; ALVES, Fátima. Museus Comunitários,


Museus Sans Murs: um projeto participativo de promoção da sustentabilidade,
da cidadania e dos saberes locais. In: Pinheiro, A.; Gonçalves, Luis Jorge;
Calado, Manuel, org. - Patrimônio arqueológico e cultura indígena. Teresina;
Lisboa: Editora Universitária EDUFPI : Universidade de Belas Artes, 2011. p. 17-
54

RAMOS, Francisco Régis Lopes. A danação do objeto: o museu no ensino de


história. Chapecó: Argos, 2004.

SANTA ROSA, Nereide Schilaro; SCALÉA, Neusa Schilaro. Vamos ao museu? São
Paulo: Moderna, 2013.

SUANO, Marlene. O que é museu. São Paulo: BRASILIENSE. 1986.

VARINE, Hugues. As raízes do futuro: o patrimônio a serviço do desenvolvimento


local- Porto Alegre: Medianiz, 2013.

Links dos vídeos utilizados no projeto:


https://www.youtube.com/watch?v=mur9GjyAnh8. Memorial do Imigrante.
https://www.youtube.com/watch?v=4my_5OnggmI. Museu Comunitário da
Lomba do Pinheiro.
https://www.youtube.com/watch?v=woN6AQlR5dI. Museu paraense Emílio
Goeldi.
2o Seminário brasileiro de museologia • 377

EDUCAÇÃO EM MUSEUS DE ARTE – FORMAÇÃO DE EDUCADORES E A


EXPERIÊNCIA

Antonia Camila Alves Moreira1

Resumo
Esse trabalho é um recorte da pesquisa de mestrado acadêmico em Arte e
Cultura Visual (PPGACV) desenvolvida na Faculdade de Artes Visuais (FAV) da
Universidade Federal de Goiás (UFG). Nosso trabalho tem como objetivo
construir processos de escuta a respeito da experiência educativa desenvolvida
em espaços de Arte, no caso a Galeria do Centro Cultural da UFG (CCUFG)
tendo em vista a participação de um grupo de estudos planejado com fins de
pesquisa e troca de informações. Nesse sentido, discutimos sobre conceitos de
experiência segundo Jonh Dewey (2010), Walter Benjamin (1989) e Jorge
Larrosa (2002) com a finalidade de propor reflexões sobre formação de
educadores de Museus e Espaços de Arte.

Palavra-chaves: Educação em Museus de Arte; Formação de educadores de


Museus; Experiência.

Abstract
This work is an excerpt of the academic master's research in Art and Visual
Culture (PPGACV) developed at the School of Visual Arts (FAV) at Federal
University of Goiás (UFG). Our work has objective to build ‘listening processes’
regarding the educational experience developed in art spaces, in this case, the
Cultural Centre Gallery of UFG (CCUFG) with participation of a group of studies
intended for research purposes and exchange information. In this sense, we
discussed concepts of experience John Dewey seconds (2010), Walter Benjamin
(1989) and Jorge Larrosa (2002) in order to propose reflections on formation of
Museums and Art Spaces educators.

Keywords: Education in Art Museums, Museums Training educators Experience.

••••••••••

Partindo de uma experiência

Em agosto de 2006 iniciei meu percurso em museus, depois de passar


por um processo seletivo para compor a equipe de educadores do Museu de

1
Mestranda do PPG em Arte e Cultura Visual (FAV/UFG). E-mail para contato:
camilaalves33@gmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 378

Arte Contemporânea do Ceará (MAC-CE) fui selecionada para o estágio de dois


anos nesse espaço com a função de recepcionar os visitantes do Museu.
Trabalhava no período da manhã cumprindo cinco horas de trabalho
diariamente, desenvolvendo e experimentando estratégias educativas junto aos
grupos agendados para visita ao Museu, na maioria turmas escolares.

Essa foi minha primeira experiência de trabalho em museus de Fortaleza,


depois dela muitas outras foram tecidas em espaços da cidade, porém,
considero esta uma das minhas mais importantes; ser educadora.

Falar sobre o tema educação em Museus significa para mim refletir sobre
um exercício experimental, sobre uma série de atividades que compõem o
campo da Educação não formal e que por isso exige de seus educadores
inteligência e sensibilidade. O trabalho em museus contribui muito em minha
prática de pesquisa e docência e, sem dúvidas, me ajuda a pensar sobre os
meandros do universo das Artes, no sentido em que, como educadora, me
proponho a aprender sobremaneira com o público que visita o espaço dos
museus.

Entre pontos e percursos da Educação em Museus

O primeiro museu a criar um serviço educativo permanente em suas


exposições foi o Museu do Louvre, em 1880, segundo Alencar (2008). A autora
problematiza, porém, o caráter realmente educativo da iniciativa do Museu
francês na perspectiva em que as atividades e o próprio Museu possuíam
horários pouco convidativos a maioria das pessoas.

De forma efetiva é a colaboração do Museu South Kensington (Victoria


and Albert Museum), que durante fins do século 19 e início do século 20
apresentaram novidades na interação público-museu. Foi nesse período que
parte das exposições tiveram mudanças importantes no trato com o público, os
objetos ganharam novas dimensões, e espaço entre si, para garantir acesso das
pessoas a fim de que melhor vissem seus detalhes. Surgiram também os textos e
legendas acompanhando as exposições.
2o Seminário brasileiro de museologia • 379

No Brasil, os museus ganharam visibilidade com a vinda da família Real


Portuguesa em 1808. Dez anos depois, em 1818 foram fundadas as primeiras
instituições museológicas; o Museu Nacional e a Escola Nacional de Belas-Artes,
no Rio de Janeiro. Mas a finalidade educativa em Museus surgiu institucional e
oficialmente na criação da Divisão de Educação do Museu Nacional do Rio de
Janeiro somente em 1931, sob a orientação de Roquete Pinto, na época,
também diretor do espaço.

Também no Rio, em Petrópolis, existiu no mesmo ano a discussão sobre a


importância da educação em museus em uma Conferência Nacional de
Museus. Em São Paulo, no MASP (Museu de Arte de São Paulo) iniciaram as
atividades do setor educativo em 1947 e no Museu de Arte Moderna (MAM), o
setor educativo iniciou seu trabalho em 1953.

Segundo Valéria Alencar (2008), em 1956, no primeiro Congresso


Nacional de Museus, em Ouro Preto-MG, 72 dos trabalhos apresentados
envolveram a discussão sobre serviços educativos. Já em 1958, foi realizado no
Rio de Janeiro o Seminário Regional da UNESCO sobre a função educativa dos
Museus. Segundo a mesma autora, a preocupação educativa nos museus nasce
quando a necessidade de comunicar as exposições encontra um público
interessado em visitar e conhecer/saber sobre os museus;

Este cenário de valorização do saber surgiu com o Iluminismo e, com


isso, um início de um Museu público bem próximo do que conhecemos
hoje, ainda que não aberto a todo tipo de visitante. São museus
oriundos dos Gabinetes de Curiosidades e coleções particulares da
nobreza no século XVIII, e a abertura destes espaços fez com que sua
função social passasse a ser discutida para justificar sua existência...
(ALENCAR, 2008, p.39).

Com o tempo e a criação de novos museus no país, o setor educativo


gerou muitas pesquisas e projetos ao longo do território nacional, aliada as
demais discussões e ações que compõem o museu, o movimento de seus
educadores representa e constrói um caminho na história da Educação em
Museus, assim, em 2013 com a formulação de um Programa Nacional de
2o Seminário brasileiro de museologia • 380

Educação Museal (PNEM), o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM)2 propõe


visibilidade aos esforços de educadores de Museus do Brasil.

O PNEM teve início como uma plataforma virtual, no período entre


novembro de 2012 e Abril de 2013. Com nove fóruns de livre participação do
público, o PNEM é um plano que discute a ação educativa dos museus e atenta
para a formação do educador, sua profissionalização, os estudos e pesquisas
sobre a área de educação em museus, e responde também sobre a relação
entre museus e comunidades, a acessibilidade em museus e demais assuntos
que atravessam a perspectiva educativa de um Museu.

Em 2014 houve a sistematização das participações de cada um dos nove


fóruns, esse trabalho foi apresentado em reuniões e debates regionais e locais
pelo país. O objetivo era apresentar um documento composto por discussões
levantadas nas diferentes regiões do Brasil. Em novembro de 2014 durante o VI
Fórum Nacional de Museus, em Belém, Pará, foi assinado a Carta de Belém,
documento com os princípios do Programa Nacional de Museus e apontando
premissas para o texto final do Programa a ser criado e fundamentado no
segundo encontro Nacional do PNEM, no segundo semestre de 2015.

O documento representa a reunião de demandas e reflexões sobre a


área no Brasil, sua estrutura e desenvolvimento histórico, apontamentos
sugeridos no primeiro encontro nacional de educadores do IBRAM, na cidade de
Petrópolis, Rio de Janeiro, em 2010. (Carta de Petrópolis).

Tais questões trazidas até aqui reforçam um movimento não mais relativo
a um setor, ou ação isolada, assim como não mais um ofício desempenhado
por monitores de museu. A nomenclatura, tantas vezes discutidas revela que os
assuntos sobre o tema educação no museu tem, cada dia mais, seu lugar de
estudos, pesquisa e produção.

Propósito educativo

2
O Instituto Brasileiro de Museus foi criado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da
Silva, em janeiro de 2009, com a assinatura da Lei nº 11.906. A nova autarquia vinculada ao
Ministério da Cultura (MinC) sucedeu o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan) nos direitos, deveres e obrigações relacionados aos museus federais.
2o Seminário brasileiro de museologia • 381

O propósito educativo de um Museu está diretamente ligado a sua


intenção comunicativa atrelada a sua coleção, não existiria a função de um
educar sem a presença do público, nesse sentido é importante lembrar que,
nem toda visita ao museu, seja qual for sua tipologia, exige a presença de um
educador, ou seja, a experiência do público diante das exposições poderá
sempre acontecer sem que haja, necessariamente um educador presente no
Museu.

Apesar das inúmeras intenções presentes no momento em que acontece


uma intervenção educativa, sejam intenções do educador, do Museu, do
visitante ou do artista exposto, o Museu não tem o objetivo de tornar-se uma
escola. Lembrando o professor Régis Lopes quando diz das razões educativas do
Museu, observa-se que;

Desobrigando-se do planejamento de atividades educativas com


estudantes e professores o museu torna-se omisso, anula-se como
lugar de produção do conhecimento. Mas, isso não significa
transformar o museu em apêndice da escola. (LOPES, 2004, p.05).

Os setores de Educação comumente desempenham a função de criar


diálogos entre público e exposição. O papel educativo dos Museus recebe maior
atenção quando os objetivos de uma exposição resultam de dúvidas como “pra
quem, como e o quê comunicar”. Nessa esteira, o público é visto como principal
personagem na ação de visita ao Museu e as estratégias de comunicação
passam a ser educativas e mediadas por educadores.

Sendo assim, o conceito de Museu no qual acredito, aproxima-se a ideia


de organizações complexas em que seus setores e possibilidades estão
constantemente em harmonia. Mário Chagas nos apresenta sobre esse espaço
como um conjunto formado por três grandes funções, Preservação, Pesquisa e
Comunicação, e por isso uma arena em que;

Quando há a cristalização na função preservação, por exemplo, a


instituição é compreendida como um depósito de coisas várias, como
um centro de preservação pela preservação. Por outro lado, a
cristalização na função pesquisa dificulta o crescimento e o
amadurecimento da instituição. Neste caso, a tendência é que ela se
aproxime do modelo propalado de casa de excelência científica e se
afaste do conceito de museu. Finalmente, a cristalização na função
2o Seminário brasileiro de museologia • 382

comunicação tende a transformar a instituição em casa de


espetáculos, em espaço de show. (CHAGAS, 1996, p.58)

Uma escuta no museu, ou um museu sob escuta.

Da experiência como educadora guardei cadernos de apontamentos,


amigos pra vida inteira e lições guardadas na memória. Do conjunto desses
materiais surgiu o desejo de continuar a pesquisar e compartilhar com o
universo acadêmico as possibilidades de se pensar a formação de educadores
de Museus. A pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Arte e
Cultura Visual (PPGACV - UFG) reflete esse desejo, e como estratégia de
investigação desenvolvemos um grupo de estudos chamado Museu na escuta3,
com o objetivo de construirmos juntos conceitos envolvendo Museus, Educação e
Cultura Visual.

O grupo formado em sua maioria por educadores dos espaços


museológicos da cidade de Goiânia foi uma oportunidade de visualizar, mesmo
que de forma mais generalizada, a discussão sobre educação em museus,
pesquisas, experiências e práticas, de uma realidade diferente da minha, na
cidade de Fortaleza.

A chance de estar entre diferentes, apesar de igualmente todos sermos


educadores, me fez enxergar no exercício da escuta um caminho de
investigação. Além de refletir sobre o papel da escuta nos espaços dos museus
de arte, assim como, ainda pensar nesse exercício durante a ação/intervenção
educativa. Uma possível metodologia da escuta se faz presente em nossa
vivência/encontros e reverbera em ensinamentos aprendidos diante da
experiência de demais educadores do grupo Museu na escuta.

Discutir sobre a formação de educadores de Museus de Arte revela um


universo desconhecido e solitário de educadores, pesquisadores, artistas que
enxergam possibilidades na Arte que vão além da arte como meio para
3
Museu na escuta refere-se ao modo como atendíamos o rádio de comunicação interna no
momento em que éramos convocados a receber grupos no MAC-CE. O nome foi pensado
inicialmente como menção a esse detalhe e ao longo dos encontros ganhou uma proporção de
grupo de trocas e partilha de experiências.
2o Seminário brasileiro de museologia • 383

discussão educativa, e sim como área do conhecimento com finalidade e razão


também filosófica e de educação. Nesse sentido, procurei salientar questões
específicas sobre a formação de educadores de museus, buscando apresentar,
problematizar, discutir e propor pontos de fuga para uma relação, por vezes,
gasta e repleta de lugares-comuns.

Formação de educadores de Museus

A formação dos educadores, na maioria das vezes, é oferecida pelo


museu, através de grupos de estudos, encontro de educadores, conversas com
curadores e artistas, produção de propostas de mediação. Existem também os
exemplos de cursos de formação que o próprio museu contrata ou que
acompanham exposições que o espaço recebe.

Segundo Rondari & Merzagora (2007), o perfil de educadores de espaços


de museus geralmente é de jovens com grande potencial para trabalho com o
público. A maioria dos museus deposita nos educadores a função de “único
‘artifício museológico’ bidirecional e interativo” (p.08). Trabalhar o potencial
desses profissionais no exercício de escuta do público representa para o museu
um recurso de “pesquisa de satisfação”, mas o que verificamos muitas vezes é a
fragilidade no diálogo entre as diferentes camadas de profissionais do Museu.

Na medida em que os educadores representam a Instituição museu na


proposição de diálogo com o público, poucas ações voltadas aos educadores de
fato fazem parte das demandas do Museu;

Raramente, a capacitação dos mediadores inclui um suporte teórico


sobre educação não-formal e a teoria da comunicação da ciência.
Raramente, os mediadores tomam conhecimento sobre o que seus
colegas de outros países ou museus estão fazendo. Eles não são
envolvidos nas primeiras etapas de planejamento das atividades
oferecidas pela instituição onde trabalham. Eles não são capacitados
em estudos sobre visitação e avaliação. Eles não são treinados para
analisar e avaliar os objetivos, o impacto e os resultados de seu
trabalho. Eles não são treinados para coletar e interpretar as reações
do público. Raramente, o conhecimento que os mediadores têm sobre
o público e sua avaliação das estratégias de comunicação são
coletados pelo museu. (RONDARI & MERZAGORA 2007, p.11)
2o Seminário brasileiro de museologia • 384

A maioria dos educadores é temporária. Tal como na Europa, segundo


os autores, muitos museus no Brasil não contratam os educadores e na maior
parte das vezes os educadores são estagiários. Como estagiários, não podem
contar com seus salários como única fonte de renda, logo, muitos permanecem
no museu até concluírem seus estudos ou assumirem outro emprego.

Porque muitas instituições não promovem a formação de educadores,


acaba sendo também função deles próprios sua formação, autoformação.
Nesse caso, existem museus que depositam nos educadores mais antigos a
formação dos mais novos.

Parece que o trabalho do mediador é considerado, de alguma forma,


artesanal, não requerendo um avanço particular de conhecimento, e
que profissionais mais experientes podem geralmente ensinar seus
aprendizes através do convívio. (RONDARI & MERZAGORA,
2007,p.14)

Entre experiências – ação e formação

No processo de pesquisa muitos foram os achados, e o(s) conceito(s) de


experiência surgiu(ram) como disparador(es) para se pensar processos de
formação de educadores. Selecionamos três autores e seus conceitos sobre
Experiência, a saber; Jonh Dewey (2010), Walter Benjamin (1989) e Jorge
Larrosa (2002). Nessa perspectiva encaramos tais conceitos vistos através da
prática educativa, assim, propomos que cada um dos três conceitos possa ser
refletido em uma atribuição do educador de museus frente aos grupos no ato da
mediação.

Walter Benjamin fala sobre a pobreza de experiências como reflexo de


uma sociedade que não mais sabe contar histórias, pois não há mais tempo
para narrar histórias e também porque não existem mais histórias a serem
compartilhadas, contadas como forma de conhecimento a ser dividido e
compartilhado entre gerações.

Seja pela miséria da guerra, da fome, da corrupção, seja pela


quantidade de informações ou pelo uso excessivo das tecnologias, o homem
2o Seminário brasileiro de museologia • 385

não tem o que dizer, pois não sabe mais como fazê-lo, para Benjamin as
pessoas estão atônitas diante de tantos acontecimentos, fatos estes que em nada
afetam as pessoas, e por isso não possibilitam experiências, senão vivências.

A experiência segundo Walter Benjamin pode ser relacionada à prática


de escuta do educador de Museus. Compreendendo tal conceito como ponto
importante na concepção de práticas educativas, no que diz respeito,
especificamente, a postura do educador.
Tentei refletir com o grupo Museu na Escuta sobre a passividade em que
por vezes nos encontramos, acostumados a repetir frases prontas, e até nem
perceber tais repetições em nossos discursos diante do público. Uma situação
que verifiquei em minhas experiências de educadora em museus foi a facilidade
em naturalizar algumas frases como Esse artista é muito importante para a Arte
Brasileira e vocês precisam conhecer.

Segundo Jorge Larrosa (2002), o conceito de experiência atravessa o


conceito de pobreza da experiência de Walter Benjamin, no sentido em que “a
cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo quase nada nos
acontece” (p.21).

Educadores são sujeitos de uma experiência que os torna capazes de


correrem riscos, se exporem e então serem um território de passagem, um lugar
para acontecimentos, ponto de chegada e recepção (LARROSA, 2002). O
repertório dos educadores de museus é esse local desafiador, disposto a
comprar constantemente novas empreitadas para a construção do diálogo com
mais diferentes públicos.

Assim, como acontece uma experiência dentro do Museu de Arte? O que


é ter uma experiência no Museu de Arte? Enquanto educadores, podemos
contribuir para que o público tenha uma experiência no Museu? E diante do
público no Museu, somos capazes de ter uma experiência?

A experiência segundo Larrosa é um território de perigo, de dissidências,


lugar esse que podemos comparar ao espaço do Museu. Antes mesmo de
refletir sobre o papel do educador diante do público é preciso pensar sobre o
2o Seminário brasileiro de museologia • 386

papel do museu diante do educador. A formação de educadores de museus de


Arte deve incluir a reflexão sobre a prática educativa desses educadores sobre a
ação em si, reflexão na ação. Aprende-se muito na experiência do Museu, seja
sobre Arte, montagem, fruição, público e demais possibilidades, infinitas
possibilidades.

O conceito de experiência segundo Jonh Dewey é parte um processo


contínuo que inclui pausas e recessos, e não inícios ou conclusões. Diante da
obra de arte, estabelecemos conexões. Dewey (2010) apresenta que;

Em uma experiência, o fluxo vai de algo para algo. À medida que


uma parte leva a outra e que uma parte dá continuidade ao que veio
antes, cada uma ganha distinção em si. O todo duradouro se
diversifica em fases sucessivas, que são ênfases de suas cores
variadas. (DEWEY, 2010, p.111)

A experiência segundo cada um dos teóricos relacionados potencializa as


discussões sobre formação de educadores de Museus de Arte. É possível propor
cada um dos conceitos de experiência como operadores em processos de
formação de Educadores de Museus de Arte, encarando assim as contribuições
de Jorge Larrosa no que diz respeito ao espaço dos Museus como territórios
para a reflexão na ação, já em Walter Benjamim, a experiência veste o
educador na postura imprescindível de pôr-se em escuta, atitude fundamental
para a mediação. E em Jonh Dewey os argumentos para que o educador
compreenda-se parte do processo de mediação diante do público e obra, sendo
capaz de medir sua contribuição nesse processo de visita em museus de Arte.

Encaro e encaminho cada conceito como função a ser desenvolvida pelo


educador, seja qual for sua instância de atuação. A experiência Deweyniana
seria a que mais se aproximaria ao processo de escuta a ser instaurado pelo
educador no contato que faz diante do grupo ou visitante espontâneo no Museu,
diz respeito ao fato de o educador trabalhar para construir processos de
mediação diante da obra, e mesmo identificar o processo instaurado pelo
público diante dessa experiência com a obra, que é também um ato individual.

Em relação a Experiência segundo Larrosa nos traz uma ideia de o


educador como lugar, território e está diretamente relacionado ao conceito de
2o Seminário brasileiro de museologia • 387

mediação proposto em grande parte dos museus no Brasil, entendemos o


conceito Larrosiano como um espaço de reflexão que exige pausas para pensar,
falar, agir. Já através da contribuição de Walter Benjamim encaramos a
Experiência como o espaço da Ação, para o educador de museus é de
fundamental importância conceber a Experiência Benjaminiana enquanto
espaço para formação, esta pautada em vivências de significância e
compartilhada seja entre demais educadores seja entre público, obra e Museu.

Encaminhando pensamentos

Entre tantas sugestões para a formação do educador de Museus, a


mediação, o exercício de recepcionar e apresentar o museu para o público
agendado ou espontâneo é ponto importante para a reflexão na ação. O local
ideal para perceber sobre a experiência na ação.

Ter uma experiência significa estar atento aos acontecimentos, nesse


sentido, retomamos as vivências do grupo de estudos para pensar sobre a
formação de educadores como um importante exercício de escuta. Assim,
existem várias formas de propor a formação de educadores de Museus, aguçar
tais sentidos para a experiência significativa. A busca pessoal pela formação:
leituras, inquietações, filmes, livros, outras exposições, história da Arte, demais
áreas do conhecimento é uma forma de investir em sua formação e papel
fundamental do educador.

Além de Formação orientada com programas, cursos, sistematização e


leituras discutidas, demais ações dirigidas e propostas pela instituição, grupos
de estudos, reuniões com caráter de estudos, conversas informais entre
educadores com a presença ou não de supervisores/coordenadores. E ainda a
Mediação como processo de formação, com presença ou não de supervisor
para avaliação do educador enquanto desenvolve a mediação em visita ao
espaço do museu.

A educação em Museus no Brasil ainda replica algumas amarras,


impedimentos como as relações de poder, entre público e obra, entre
funcionários, entre educadores, e também a fragilidade na formação desses
2o Seminário brasileiro de museologia • 388

educadores, sua invisibilidade dentro da instituição e fora dela, a necessidade


de estrutura para compor materiais de apoio, a fragilidade no diálogo entre
curadores, diretores e educadores, os baixos salários, instabilidade profissional,
poucas pesquisas ou possibilidades acadêmicas, ausência de registro e solidez
no movimento entres educativos no país, entre outros pormenores que variam
entre instituições.

Por isso, estar em grupo me fez considerar tal vivência como uma
experiência plena, pois ao pensar sobre cada encontro planejava sobre os
assuntos a serem discutidos, textos, apontamentos. E ainda, diante dos demais
participantes nas reuniões semanais, refletia sobre a nossa prática educativa,
sobre nossa forma de pensar sobre Arte dentro do museu e em educação como
possibilidade de diálogo.

A experiência do grupo de estudos, entre educadores de museus nos


aproximou a uma comunidade que partilha de um mesmo fluxo de ideias,
narrativo. O que nos impulsionou a realizar juntos, trabalhar e refletir sobre o
tempo de contar histórias, pensar estratégias de abordagem dentro do museu e
em diversas situações com os mais variados tipos de públicos.

Referências

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formação e profissionalização de educadores de museus e exposições de arte.
2008. 97f. Dissertação (Mestrado em Artes) - Instituto de Artes, Universidade
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<http://www.sisemsp.org.br/> Acesso em 14 Ago.2015.
2o Seminário brasileiro de museologia • 390

REDE, Rede de educadores de Museus de São Paulo Disponível em


<http://remsp.blogspot.com.br /> Acesso em 14 Ago. 2015.
2o Seminário brasileiro de museologia • 391

PRÊMIO IBERO-AMERICANO DE EDUCAÇÃO E MUSEUS: ENTRE PROCESSOS E


PROJETOS EDUCATIVOS.

Marcelo Lages Murta1

Resumo
As cartas e convenções internacionais buscam determinar diretrizes e linhas de
ação para as políticas públicas dos países signatários. Na área cultural destaca-
se a Unesco, que nas últimas décadas lançou importantes documentos
associados à Diversidade Cultural e ao Patrimônio Imaterial. No âmbito dos
museus, além do ICOM, ganham especial atenção os fóruns e redes regionais,
como a NEMO (rede europeia), a AAM (norte-americana) e, no caso ibero-
americano, o Programa Ibermuseus, instância de Cooperação Internacional
para o fomento às politicas públicas para os museus da Ibero-América que tem
como bases a Mesa Redonda de Santiago (1972) e a Declaração de Salvador
(2007). Dessa forma, o Programa busca incentivar ações associadas à
Museologia Integral, à Museologia Social e a grupos sociais minoritários. Este
artigo apresenta reflexões sobre o fomento a projetos educativos nos museus
através do Prêmio Ibero-Americano de Educação e Museus. Em suas cinco
edições concluídas (2000 a 2014), foram estabelecidos parâmetros para
incentivar projetos de impacto social em comunidades e grupos desfavorecidos,
além de regiões de baixo IDH, municípios pequenos e interioranos. Entretanto,
há limitações nas possibilidades de desconcentração dos recursos, que se
mantiveram em regiões de alto IDH e beneficiaram sobretudo instituições
tradicionais. Ademais, questiona-se o fomento a projetos, em detrimento dos
processos culturais e de memória, remetendo a questões que evidenciam a
dissonância entre as ideias de premiação à “boa gestão” em comunidades
complexas, com demandas e possibilidades de ação que superam os princípios
do management. Seriam tais editais públicos baseados em critérios objetivos de
gestão e eficiência a melhor forma de fomentar os processos educativos nos
museus?

Palavras-chave: Museus; Educação em Museus; Cooperação Internacional.

Abstract
The international conventions try to determine policies and guidelines for public
policies of the countries part. In the cultural area, Unesco in the recently decades
has launched major documents associated with the Cultural Diversity and
Intangible Heritage. In the museums sectors, in addition to ICOM, some forums
and regional networks gain special attention, such as NEMO (European

1
Doutorando em Museologia - Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias - Lisboa;
Mestre em Cooperação Internacional - Universidad de Cantabria; Pos graduado em Gestão
Cultural - UNA/MG; Graduado em História – UFMG, mlmurta@gmail.com.
2o Seminário brasileiro de museologia • 392

network), AAM (American) and, in the Ibero American case, the Ibermuseus
Program, International Cooperation institution to promoting public policies for
the museums of Ibero America, inspired by the Round Table of Santiago (1972)
and the Declaration of Salvador (2007). Thus, the program seeks to encourage
actions associated with Integral Museology, Social Museology and minority social
groups. This article presents reflections on promoting the educational projects in
museums through the Ibero-American Prize for Education and Museums. In its
five complete editions (2000-2014), some parameters were established to
encourage social impact projects in communities and disadvantaged groups,
and low HDI regions, small towns and inner state. However, there are limitations
in the decentralization possibilities, which remained at high HDI regions and
benefited mainly traditional institutions. Moreover, this article enquires the
projects funding, with the harm to cultural processes and memory, leading to
questions that highlight the dissonance between the award of "good governance"
in complex communities, and the demands and possibilities of actions that
overcome the principles of management. Would such public calls based on
objective and efficient criteria of management the best way to foster the
educational processes in museums?

Keywords: Museums; Education and Museums; International Cooperation.

••••••••••

Introdução

Este trabalho pretende uma reflexão acerca da principal ação de


educação fomentada pelo Programa Ibermuseus: o Prêmio Ibero-Americano de
Educação e Museus. A linha proposta pelo Programa inspira-se em uma lógica
de editais, baseada nos paradigmas dos projetos (BOUTINET, 2002). Ao
contrário das perspectivas de educação libertadora freiriana (FREIRE, 1996), ou
de emancipação de sujeitos preconizada por Jacques Rancière (RANCIÈRE,
2010), as políticas de editais voltadas a projetos educativos podem engessar os
processos dinâmicos e fluidos de qualquer prática de educação e arriscam o
solapamento dos processos criativos. Ainda assim, atendendo às expectativas
contemporâneas da gestão, os editais foram lançados e alcançaram grande
repercussão entre as instituições museológicas ibero-americanas. Ademais,
baseado nos ditames da Declaração de Salvador (IBERMUSEUS, 2007) e nas
perspectivas da Museologia Integral da Mesa Redonda de Santiago (1972), o
Comitê Intergovernamental do Programa Ibermuseus e sua Unidade Técnica
2o Seminário brasileiro de museologia • 393

tentaram, entre 2010 e 2015, inserir critérios que beneficiassem projetos e


processos de regiões com piores índices de desenvolvimento humano, cidades
interioranas, municípios distantes dos grandes centros. A breve análise deste
artigo demonstra como, em todas as edições do prêmio, o fomento convergiu-se
àquelas regiões de instituições tradicionais, mantendo a dinâmica
concentradora na destinação dos recursos.

O Programa Ibermuseus

Em 2007, na cidade de Salvador/BA, foi realizado o I Encontro Ibero-


Americano de Museus. Na ocasião, representantes dos 22 países da Ibero-
América 2 apresentaram e discutiram as políticas públicas para os museus da
região, o que resultou na Declaração de Salvador3, documento que definiu as
bases para a criação do Programa Ibermuseus. O documento foi posteriormente
ratificado na Conferência Ibero-Americana de Ministros de Cultura de
Valparaíso e na XVII Cúpula de Chefes de Estado e de Governo, e em 2008,
durante a Cúpula de São Salvador, o Programa Ibermuseus foi aprovado 4 ,
iniciando suas atividades como instância de Cooperação Internacional nos
setores de museus e da museologia. Os representantes dos países ibero-
americanos, desde então, reúnem-se anualmente para deliberarem acerca das
linhas de ação do programa: educação, patrimônio em risco, curadoria,
observatório ibero-americano de museus, formação, capacitação,
sustentabilidade, dentre outras.
A Declaração de Salvador estabelece as linhas gerais de atuação do
programa e enfatiza a relevância de documentos como a Convenção Sobre a
Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (UNESCO,
2005), a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Imaterial (UNESCO,
2003), a Carta Cultural Ibero-Americana (2006) e a Declaração da Mesa

2
Andorra, Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Equador,
Espanha, Guatemala, Honduras, Mexico, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Portugal,
República Dominicana, Uruguai, Venezuela.
3
Declaração da Cidade de Salvador, 2007. Encontro Ibero-Americano de Museus. Salvador,
2007.
4
Secretaria Geral Ibero-Americana. Programas de Cooperação. http://segib.org/es/node/2954.
Acesso em 11/09/2015.
2o Seminário brasileiro de museologia • 394

Redonda de Santiago do Chile (1972). Ademais, o documento reafirma a


importância da promoção de processos e sistemas democráticos e participativos
para o desenvolvimento social, político e cultural, destacando os museus como
lugares de desenvolvimento de práticas sociais concernentes à diversidade
cultural ibero-americana. São tomadas, então, as diretrizes para a
implementação de políticas públicas para os museus nos países parte, pautadas
na compreensão da cultura como valor simbólico, na importância da
cooperação entre os mesmos para a promoção do diálogo intercultural entre os
povos e nas vinculações existentes entre as políticas públicas, os museus e o
desenvolvimento social (IBERMUSEUS, 2007).
Através da linha de Educação e Museus, o Programa busca o fomento a
projetos e ações educativas nos museus dos 22 países da região. Sua principal
iniciativa é o Prêmio Ibero-Americano de Educação e Museus, que chegou à sua
sexta edição no ano 2015, mantendo-se assim como a convocatória mais
estável do Ibermuseus. Os editais foram lançados anualmente desde 2010 e o
total de recursos empreendidos em projetos educativos alcançou, em 2014, US$
245.000,00. Em 2015 estão previstos US$ 75.000,00 em premiações, o que
somará US$ 320.000,00 em prêmios desde o ano 20105.
Com a publicação dos editais e a divulgação entre os grupos e museus,
notou-se, com cinco anos de premiações, a evidente concentração da
participação e da premiação dos projetos entre instituições de países com
melhores índices de desenvolvimento humano e com políticas públicas mais
avançadas na área de museus6. A Unidade Técnica do Programa Ibermuseus,
em consonância com o Comitê Intergovernamental do Programa decidiu, a
partir do ano 2013, pela adoção de critérios que incentivassem a participação
dos países de IDH mais baixo, e beneficiasse instituições menos favorecidas.
Percebe-se que houve limitações a partir da adoção desses critérios nos editais
Ibermuseus e questiona-se a política de editais objetivos e meritocráticos,
demasiadamente baseados na premiação de projeções estabelecidas,

5
Dados dos relatórios anuais do Programa Ibermuseus e dos editais e publicações
disponibilizados no site do Programa. Acesso em 11 de setembro de 2015.
6
Para a noção de institucionalidade e das políticas públicas dos países ibero-americanos, ver a
publicação Panorama dos Museus na Ibero-América. O estado da questão. Observatório Ibero-
Americano de Museus. Programa Ibermuseus. Madri, 2012.
2o Seminário brasileiro de museologia • 395

engessadas nos paradigmas dos projetos, “de um tempo prospectivo a ser


dominado e de um espaço potencial a ser assujeitado” (BOUTINET, 2002). Tais
premissas, no caso da administração pública herdadas dos processos
tecnocráticos modernos, mostram-se cada vez mais anacrônicas e insuficientes,
quando a gestão democrática de recursos públicos deve abrir-se aos grupos
sociais e às comunidades, que são líquidas (BAUMAN, 2013), avessas aos
processos estanques de determinação rígida de um futuro ilusoriamente
submetido pelas aspirações do presente.

O Prêmio Ibero-Americano de Educação e Museus

A aprovação dos editais, definição dos critérios e dos valores atribuídos


ao prêmio dá-se anualmente, durante a reunião do Comitê Intergovernamental
do Programa. Nesta seção, serão abordados quatro pontos da premiação: o
edital e seus critérios, os valores atribuídos, a participação dos países ibero-
americanos e a definição de critérios para a desconcentração de recursos7.
O edital, atualmente, abre duas maneiras para a inscrição dos projetos:
por meio da plataforma on-line Ibermuseus, pela qual são submetidos os
documentos necessários e por e-mail, com a anexação dos arquivos
digitalizados. As duas maneiras possuem limitações e vantagens para os
candidatos e para a gestão do prêmio. Se, por um lado, as inscrições online
facilitam a gestão de informações para a avaliação dos projetos e garantem a
agilidade no pleito, por outro lado, limita-se o acesso às instituições de
localidades que possuem dificuldades com internet e possuem limitações de
inclusão digital. Em determinados contextos, caso de museus indígenas, museus
rurais e alguns museus de comunidades, tal é a distância física e de acesso que,
quando recebem a informação dos processos, o que muitas vezes não ocorre,
não veem condições para a sua participação. Trata-se, portanto, de uma
limitação de inclusão digital presente em grande parte da realidade dos
interiores dos países ibero-americanos. Em outros casos, cujo mais exemplar é
Cuba, a centralização das candidaturas e da comunicação entre o Ibermuseus e
7
Considerada aqui a « desconcentração » a destinação de recursos a instituições de
localidades de baixo IDH, tradicionalmente menos atendidas pelo fomento a projetos culturais.
2o Seminário brasileiro de museologia • 396

as instituições (considerado o modelo de Estado cubano) dificulta a participação


daquelas localizadas em regiões interioranas. Por outro lado, os editais têm
buscado a facilitação da exigência documental, sobretudo ao não restringir as
candidaturas aos museus formalizados, mas a “instituições culturais, educativas
e afins”, conforme o art. 3o do edital publicado em 2015.
Os critérios de avaliação ganham especial atenção, pois é a partir dos
mesmos que o Programa Ibermuseus pode direcionar o atendimento aos seus
objetivos, e beneficiar aqueles grupos, processos e projetos que estejam mais
atrelados às ideias preconizadas pelos documentos fundacionais e básicos do
Programa, como a Declaração da Cidade de Salvador, os documentos da Mesa
Redonda de Santiago, a Carta Cultural Ibero-Americana etc. O edital 2015,
após os debates junto ao Comitê Intergovernamental, ao Comitê Avaliador e
baseado em experiências acumuladas, estabeleceu os seguintes critérios para a
premiação: objetividade, impacto sociocultural, perspectivas educativas de
museus inclusivos, caráter participativo, sustentabilidade, existência de
indicadores, caráter descentralizador, atendimento a regiões menos favorecidas,
viabilidade e inovação8. Percebe-se ao menos três categorizações possíveis para
os critérios: aqueles tradicionais de gestão (objetividade, existência de
indicadores, viabilidade e inovação), aqueles associados a aspectos processuais
dos museus (impacto sociocultural, perspectivas educativas de museus inclusivos,
caráter participativo e sustentabilidade) e aqueles geográficos e de
desconcentração (caráter descentralizador e atendimento a regiões menos
favorecidas). O caráter “sustentabilidade” limita-se à “capacidade institucional
para a manutenção das ações empreendidas”, não havendo especificações ou
aprofundamentos referentes ao tipo de sustentabilidade, seja ela ambiental,
econômica ou cultural. Além disso, foca a sustentabilidade do projeto em si,
como um caso de exequibilidade, e não de colaboração do projeto ou processo
para a sustentabilidade da instituição que se candidata. Considera-se a
valorização dos critérios processuais, o que favorece os projetos que tenham
relações com as comunidades nas quais estão inseridos. Entretanto, percebe-se
ainda a inexistência de alguns critérios que interessam ao desenvolvimento de

8
Edital do VI Prêmio Ibero-Americano de Educação e Museus. Programa Ibermuseus, 2015.
2o Seminário brasileiro de museologia • 397

processos educativos em museus, como por exemplo formação de


multiplicadores, relações extramuros, perspectiva de continuidade dos
processos, ampliação de proficiências informacionais e comunicativas
relacionadas ao museu, pluralidade etc. Os projetos ainda dependem muito dos
critérios de gestão, o que favorece aquelas instituições com pessoal qualificado
para a elaboração dos mesmos. Os critérios geográficos e de desconcentração,
por outro lado, direcionam representativa bonificação àqueles projetos oriundos
de regiões menos favorecidas por políticas públicas. Entretanto, de nada
adianta beneficiá-las, se seus grupos não se veem em condição de participar,
seja pela exclusão digital, seja pela falta de interlocução com a linguagem
proposta pelos chamamentos ou seja pela ainda dependência de aspectos
duros da gestão.
A primeira edição do pleito premiou somente projetos já concluídos, em
reconhecimento aos logros alcançados pelos mesmos. A partir da segunda
edição, o prêmio foi dividido em duas categorias: projetos já concluídos/em
execução e projetos a serem desenvolvidos. A inserção da segunda categoria
impulsionou aquelas propostas associadas ao desenvolvimento de projetos
futuros. Inicialmente chamada de “incubadora” (em clara alusão aos projetos de
gestão e linguagem padrão da área de empreendedorismo), mas atualmente
chamada de “categoria II” simplesmente, tem fomentado a execução de
projetos futuros, em linguagem mais atrelada à gestão. A opção politica pelo
fomento a projetos a serem executados é clara na publicação do ultimo edital,
que patrocinará 5 do total de 8 projetos, ou US$ 50.000 do total de US$
75.000 empreendidos. Trata-se, nesse ponto, do favorecimento da ideia de
projetos, do controle de investimentos e de execução futura, da realização
projetada e imaginada, em alusão a aspectos contemporâneos de fomento à
economia da cultura. O reconhecimento a projetos e processos de memória já
executados receberá, nesta edição, 3 premiações, totalizando US$ 25.0009.
Entre 2010 e 2015, houve um evidente incremento nos recursos
despendidos. Se, na primeira edição do prêmio, em 2010, foram distribuídos
US$ 20.000,00, em 2015 chegou-se à quantia de US$ 75.000,00. Trata-se da

9
Edital do VI Prêmio Ibero-Americano de Educação e Museus. Programa Ibermuseus, 2015.
2o Seminário brasileiro de museologia • 398

revelação de uma prioridade do Programa Ibermuseus, uma vez que o mesmo


apresentou cortes nos últimos três anos, e a única linha de ação que apresentou
incrementos foi a de educação e museus10:

Gráfico I Recursos destinados por edição (US$)

80000 75000
60000
50000
40000
20000
20000
0
I Prêmio - 2010 II Prêmio - 2011 III Prêmio - IV Prêmio - V Prêmio - 2014 VI Prêmio -
2012 2013 2015

Fonte: elaboração própria a partir de relatórios do Programa Ibermuseus.

Em suas cinco edições concluídas, com a apresentação de 581 projetos,


houve até o momento a participação de 18 dos 22 países ibero-americanos. Os
únicos países que nunca apresentaram projetos para concorrer ao prêmio são:
Andorra, Honduras, Nicarágua e República Dominicana. Os países com maior
número de projetos apresentados são Brasil, Argentina, Espanha, Colômbia,
Uruguai e Chile, membros do Programa Ibermuseus desde a sua implantação:

Gráfico II Total de projetos apresentados por país - 2000 a 2014

137
112

74
56
36 43
21 23 19 18
0 8 7 12 1 4 0 0 4 1 0 5

Fonte: elaboração própria a partir de relatórios do Programa Ibermuseus.

10
As informações sobre os orçamentos e gastos do Programa Ibermuseus são públicas e estão
disponíveis nos relatórios anuais e planos operativos anuais do Programa, na Unidade Técnica
localizada em Brasilia,DF.
2o Seminário brasileiro de museologia • 399

Nas cinco edições, foram premiadas 36 instituições de 10 países. Cuba e


El Salvador são os únicos países não membros do Comitê Intergovernamental
do Ibermuseus que figuraram entre os ganhadores dos prêmios. Percebe-se,
assim, grande concentração das premiações em países com institucionalidade
melhor definida no setor cultural e índices de desenvolvimento mais expressivos,
como Argentina, Espanha e Chile:

Gráfico III Total de projetos premiados por país - 2000 a 2014

6 6
5
4 4 4
3
2
1 1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

Fonte: elaboração própria a partir de relatórios do Programa Ibermuseus.

Além dos projetos premiados, todos aqueles que receberam menção


honrosa, considerados de excelência pelo Comitê Avaliador, são inseridos no
Banco de Boas Práticas em Ação Educativa, que até o momento conta com 105
projetos reconhecidos11. Trata-se de uma maneira de difundir boas práticas e
processos, de modo a possibilitar a sua replicação, adaptação ou adoção em
diferentes contextos.
A partir do ano 2013, a Unidade Técnica e o Comitê Intergovernamental,
após sugestões dos profissionais definidos para a avaliação dos projetos
(Comitê Avaliador), definiram a adoção de critérios de bonificação a três grupos
específicos: projetos oriundos de países de IDH mais baixo, projetos de
pequenos municípios e projetos de cidades interioranas. Este artigo considerará
a análise da participação dos grupos de países por IDH. Considerando os

11
Banco de Boas Práticas em Ação Educativa. Programa Ibermuseus, 2015. Disponível em
www.ibermuseus.org. Acesso em 11 de setembro de 2015.
2o Seminário brasileiro de museologia • 400

países agrupados, foi calculada a média de projetos apresentados por grupos


de países, o que pode ser analisado nos gráficos e tabelas a seguir:

Tabela I Países agrupados por IDH


IDH Muito Alto IDH Alto IDH Médio
Andorra, Argentina, Brasil, Colômbia, Costa Bolívia, El Salvador,
Chile, Espanha, Rica, Cuba, Equador, Guatemala, Honduras,
Portugal. Mexico, Panamá, Peru, Nicarágua, Paraguai,
Uruguai, Venezuela . República Dominicana.

Fonte: elaboração própria a partir de dados do PNUD, 2014.

Tabela II
Média de projetos apresentados segundo o grupo de IDH em
cada edição do prêmio
IDH Médio IDH Alto IDH Muito Alto
2010 1 5,5 6,6
2011 0,43 6,4 7,6
2012 0 2,6 8,4
2013 0,29 9,4 13,4
2014 0,34 8,2 9,8
Fonte: elaboração própria a partir de relatórios do Programa Ibermuseus.

Gráfico IV

Média de participação/ano por grupos de países


15

10 IDH Médio
IDH Alto
5
IDH Muito Alto
0
2010 2011 2012 2013 2014

Fonte: elaboração própria a partir dos relatórios do Programa Ibermuseus.

Pela análise dos dados, a adoção de critérios objetivos relacionados à


bonificação de instituições de localidades de baixo IDH pouco ou nada contribui
para a desconcentração dos recursos. O quadro é ainda mais grave ao
verificar-se que nos resultados das cinco edições do prêmio apenas 1 (um)
2o Seminário brasileiro de museologia • 401

projeto, entre 36 (trinta e seis) premiados, foi proveniente do grupo de países de


12
IDH médio e recebeu recursos do Programa . Os recursos continuam
concentrados nos países de IDH alto e muito alto, e entre instituições já
renomadas ou com expertise em desenvolvimento de projetos13. Por outro lado,
verifica-se que os projetos enfocaram questões sociais e comunitárias, em um
quadro de exceções explicitado, por exemplo, no programa Vamos ao Museus,
realizado em Minas Gerais, Brasil, ou em projetos de acessibilidade realizados
por grandes instituições.

Entre processos e projetos: reflexões e considerações finais

A adoção de critérios objetivos para a desconcentração de recursos


revela-se extremamente limitada em contextos de incentivos aos processos
culturais. Mais que buscar mecanismos de direcionamento do fomento com
base em projetos, deveriam ser buscados meios de reconhecimento e incentivo
às práticas e processos culturais, complexos, dinâmicos e alheios às
categorizações fechadas presentes nas definições dos editais públicos. Os editais
acabam por beneficiar o mérito cartorial e a cultura da chamada “boa gestão”
de projetos culturais, sobrepondo-se à justa gestão de processos culturais. Talvez
por facilidade de articulação, considerando uma sociedade mais sujeita a MBA’s
que investigações, mais aberta e receptiva a processos doutrinários de
administração de stakeholders que a exercícios de reflexão que possibilitem
debates acerca das dinâmicas culturais contemporâneas. Em tempos de
estratégias que miram a geração de resultados quantificáveis, muitas vezes
monetizáveis, a compreensão de dinâmicas culturais é minada, havendo poucos
recursos adicionais para a sua inclusão nas discussões sobre as políticas
públicas. Dois são os principais beneficiados com as politicas de editais
públicos, tal como se organizam: grupos especializados em gestão e grandes
instituições com equipes de especialistas. Ainda que haja tentativas de outros

12
Museo de la palabra y la imagen, El Salvador, 2010.
13
Entre as instituições premiadas podemos citar o Museu do Futebol, o Museu da República do
Rio de Janeiro, o Museo Universitario de Arte Contemporáneo do Mexico, o Museo Nacional de
Costa Rica, o Museo de Arte Contemoráneo do Chile, Museu de Arte Moderna de São Paulo,
Museu da Língua Portuguesa de São Paulo, dentre outros.
2o Seminário brasileiro de museologia • 402

meios de financiamento, como programas de micro-projetos, a exemplo dos


pontos de cultura ou pontos de memória, são ainda insuficientes, voltados mais
à subsistência dos grupos (SILVA & DUTRA, 2012).
Questiona-se, assim, a própria utilização de editais para fomento aos
processos educativos nos museus. A educação, e a educação em contexto
museal, está associada a processos dinâmicos, mutáveis, reinventados a cada
momento desde a sua concepção, horizontalizados entre educadores e
educandos, diferentemente da lógica dos projetos, que limitam a poiesis ao
estabelecer vínculos de consecução fechada e definitiva, sob a lógica normativa
do poder hegemônico estabelecido, referendada nos aspectos tecnocráticos
cerrados dos editais públicos.
Algumas questões emergem, então, desse contexto e permanecem
abertas, como sugestões para reflexões: qual o sentido de projetar processos
educativos em editais públicos que exijam resultados quantificáveis, sendo que a
mais urgente necessidade está atrelada aos processos educativos e criativos? O
que fazer com a contradição de chamamentos voltados ao desenvolvimento
comunitário, à educação ou à própria emancipação de sujeitos, mas que se
encerram nos serviços dos grupos de especialistas ligados aos grandes museus?
Como não reproduzir o aumento do fomento a um mercado de gestão
dominado por grupos especializados em chamadas públicas? Que conceitos
são utilizados e fechados nos editais e qual o grau de legitimidade dos mesmos
nos grupos para os quais estão voltados? Como trabalhar políticas públicas e
fomento frente às peculiaridades de grandes regiões, considerando a grande
diversidade cultural existente? Que possibilidades há de aberturas conceituais
que abarquem a diversidade cultural? Como, afinal, superar a cultura dos
projetos e da chamada “boa gestão” apregoados em tais concorrências
públicas, e buscar meios de incentivo aos complexos processos culturais
existentes?
O que se busca, finalmente, é a superação de “condutas antecipadoras
que chegam perto da obsessão projetiva” (BOUTINET, 2002), voltando o
processo educativo em perspectiva freiriana, com relações horizontalizadas,
2o Seminário brasileiro de museologia • 403

produções criativas espontâneas e sem a sua vinculação estandardizada em


fantasias do presente.

Referências

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em www.ibermuseus.org. Acesso em 11 de setembro de 2015.

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Referências Culturais - INRC 2000 - Manual de Aplicaçao (p. 156). Brasilia:
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Técnica del Programa Ibermuseos.

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2o Seminário brasileiro de museologia • 404

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http://segib.org/es/node/2954. Acesso em 11/09/2015.

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UNESCO e as políticas públicas de cultura do MinC (2003-2010). In. III
Seminário Internacional de Políticas Culturais. Fundação Casa de Rui Barbosa.
Rio de Janeiro. Setembro, 2012.
2o Seminário brasileiro de museologia • 405

NOTAS SOBRE O PROCESSO FORMATIVO DOS EDUCADORES DO MUHNE.


GRUPO DE TRABALHO: 17- EDUCAÇÃO EM MUSEUS

Mariana Ratts Dutra1

Polliana de Morais Mariano2

Hacsa Priscila Soares de Oliveira3

Resumo
Este artigo tem o intuito de descrever e apresentar considerações sobre os
processos de formação dos educadores da Coordenação de Programas Educativos-
Culturais (Copec) do Museu do Homem do Nordeste (Muhne), um dos
equipamentos culturais da Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte (MECA)
da Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ), do Ministério da Educação (MEC). Após
a abertura da exposição de longa-duração “Nordeste: Territórios Plurais, Culturais
e Direitos Coletivos” no ano de 2008, o Muhne adota ações de formação contínuas
em mediação cultural, tendo em vista que nesta época o Museu passa a ter um
quadro de estagiários procedentes de diversos cursos de graduação na área de
artes e humanas realizando este ofício.

Palavras-chave: Formação; Mediação Cultural; Museu do Homem do Nordeste.

Abstract: This article aims to describe to present considerations about the processes
of formation of educators Coordination of Educational and Cultural Programs
(Copec) of Northeastern Man Museum (Muhne) , one of the cultural facilities of the
Memory Board , Education, culture and Art (MECA) of the Joaquim Nabuco
Foundation (FUNDAJ) , the Ministry of Education (MEC) . After opening the long -
term exhibition " Northeast: Plural Territories , Cultural and Collective Rights " in

1
Mariana Ratts Dutra é mestre em Artes Visuais - UFPE (2014); Especialista em Metodologia do
Ensino das Artes - UECE (2011); Graduada em Artes Cênicas - IFCE (2006). Atuou como diretora da
Galeria Antônio Bandeira e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Artes Visuais do MAC CE.
Atualmente é Coordenadora de Programas Educativo-culturais do Museu do Homem do
Nordeste/FUNDAJ.
2
Polliana de Morais Mariano é graduada em licenciatura plena em História na UFRPE. Atua como
educadora no Museus do Homem do Nordeste. Pesquisa nas áreas de mediação cultural e
ludicidade.
3
Hacsa Priscila Soares de Oliveira3 é graduanda em Bacharelado em Ciências Sociais na UFRPE.
Atuou como educadora no Museu do homem do Nordeste entre os anos de 2013 e 2015. Pesquisa
nas áreas de epistemologias e mediação cultural.
2o Seminário brasileiro de museologia • 406

2008 , the Muhne adopts continuous training activities in cultural mediation,


considering that this time passes Museum to have a frame trainees coming from
various undergraduate courses in arts and humanities performing this craft .

Key-words: Training; Cultural mediation; Museum of Northeastern Man.

Mesmo não sendo evidente ao público comum, há uma cadeia produtiva


que intervém entre o acervo e o visitante nos museus, cada qual contribuindo para
uma ressignificação do patrimônio cultural, negociando sentidos e discursos. No
caso dos espaços expositivos, pode-se citar como exemplos: pesquisadores,
museólogos, educadores, curadores, comunicadores, etc. O público intervém nesta
prática e redimensiona o trabalho, sendo este também protagonista nos processos
museais. Estes campos no espaço museológico são esferas que pensam os
relacionamentos possíveis entre os objetos musealizados e aqueles que visitam a
exposição, e por meio de seus discursos ampliam um leque de possibilidades de
leituras, contextos e significados diante da exposição que é organizada.
Inserida dentro do contexto da educação não-formal, a mediação cultural
em museus tem como característica um trabalho de perspectiva interdisciplinar, com
ausência de um currículo padronizado. A produção de conhecimento é empírica
por meio de uma relação dialógica com o público tendo em vista uma ampliação
na sua participação nos processos museológicos. Os processos de formação para
os mediadores são realizados no cotidiano do museu, na interdisciplinaridade das
áreas, no intercâmbio dos conhecimentos e experiências. Os museus promovem
constantes atividades para o aprimoramento desta formação, como encontros com
curadores e educadores, estudos com leituras dirigidas, reuniões sobre a prática
profissional do educativo, reuniões de estudos sobre os instrumentos de mediação
para a exposição, etc. O trabalho do mediador é um processo de investigações e
de propor relações com as pessoas.
2o Seminário brasileiro de museologia • 407

O mediador cultural é um grande estimulador na criação de novas


cartografias dos objetos musealizados, indo além da prática de apenas receber os
visitantes na exposição por visitas guiadas. A abrangência do acervo é orquestrada
pelo repertório de experiências do receptor e dos valores da época. Assim é
importante que o mediador estimule a leitura subjetiva do visitante, evitando que
este faça apenas uma leitura contemplativa: “mais do que dar respostas, ele deve
ensinar a fazer boas perguntas, a problematizar, ele deve levar o público a
mobilizar seu próprio potencial em torno da obra apresentada”. (FRANZ, 2001. p.
50).
Um ponto importante a esclarecer é a nomenclatura mais apropriada a
quem desenvolve este ofício, ora neste artigo chamado de mediador, ora chamado
de educador. Muitas vezes erroneamente é chamado também de guia ou monitor.
Tal questão traz consigo alguns conflitos, pois há uma luta histórica e simbólica em
torno de que lugar ele se encontra na instituição cultural, “em arte e em educação,
problemas semânticos nunca são apenas semânticos, mas envolvem
conceituações” (BARBOSA, 1997, p. 33). Utilizar o termo “guia” indica um trabalho
relativo a dar instruções, tais como: não pegar na obra, não fotografar, não ingerir
alimentos no museu, etc. Quanto ao termo “monitor”, lembra-se de
monitoramento, relativo à segurança das obras.
Este artigo tem o intuito de apresentar considerações sobre os processos de
formação dos educadores da Coordenação de Programas Educativos-Culturais
(Copec) do Museu do Homem do Nordeste (Muhne)4, um dos equipamentos
culturais da Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte (MECA) da Fundação
Joaquim Nabuco (Fundaj), do Ministério da Educação (MEC). O setor educativo no

4
O Museu do Homem do Nordeste – Muhne – é um órgão federal (vinculado à Fundação Joaquim
Nabuco/Ministério da Educação), que reúne acervos que revelam a pluralidade das culturas negras,
indígenas e brancas desde nossas origens até os diferentes desdobramentos e misturas que formam
o que hoje é chamado genericamente de cultura brasileira. Esses acervos servem de suporte para
construir narrativas que estão traduzidas em exposições etnográficas e exposições de arte, assim
como em ações educativas de mediação cultural e em diferentes eventos que compõem a
programação cultural do museu. O Muhne nasceu em 1979, da fusão de três outros museus: o
Museu de Antropologia (1961-1978), o Museu de Arte Popular (1955-1978) e o Museu do Açúcar
(1963-1978).
2o Seminário brasileiro de museologia • 408

Muhne tem cerca de 30 anos, sendo este institucionalizado no Museu em 1985.


Sua atuação já teve vários desenhos dentro da instituição federal, este setor
atualmente se configura na Coordenação de Programas Educativos-culturais
(Copec), uma das três coordenações que atuam e fazem parte do colegiado do
Muhne.
No ano de 2008, o Muhne apresenta sua nova exposição de longa-duração
“Nordeste: Territórios Plurais, Culturais e Direitos Coletivos”. Junto com ela uma
revitalização do Museu com reformas estruturais, um novo plano museológico para
a exposição, um debate caloroso sobre o conceito sócioantopológico desse Homem
do Nordeste e suas representações histórico-social e étnico-cultural, com a
evidencia de apresentar a instituição por “uma gota de sangue” do Mário Chagas
(2003), sem hegemonias e de conflitos.
Segundo Vânia Brayner (2009) é um momento de entrada do ciclo de
maturidade do Museu, em seus quase 30 anos comemorados em 2009, em que
permite a instituição “atualizar seus valores e sua missão”. Missão esta construída
coletivamente com toda a equipe do Museu. Desta forma, como o educativo do
Museu se configura diante de tais revitalizações? Como a figura do educador de
museus atua neste novo cenário? É a partir desta época que, neste artigo,
descrevemos e apresentamos nossas considerações sobre as formações dos
educadores do Muhne.
Após a abertura da exposição de longa-duração o Museu adota ações de
formação contínuas em mediação cultural, tendo em vista que nesta época o
Museu passa a ter um quadro de estagiários procedentes de diversos cursos de
graduação na área de artes e humanas realizando este ofício, apresentando um
caráter de interdisciplinaridade na construção das visitas mediadas. Antes as visitas
eram realizadas por servidores.
Segundo a arte-educadora Silvia Brasileiro, coordenadora do educativo na
época, “o trabalho de mediação surge para atender a demanda dos diversos
públicos, especialmente escolares, que frequentam os espaços do museu
conduzidos pelos seus professores” (BRASILEIRO, Silvia apud. SILVA, Edna, 2014, p.
2o Seminário brasileiro de museologia • 409

109). Para tal, surge as ações de formação por meio de cursos e/ou laboratórios
de Mediação Cultural com o objetivo de constituir uma equipe qualificada para
desenvolver o trabalho de mediação nesses espaços expositivos, já que a Copec
tinha como missão

a de operar na relação de diálogo entre os espaços expositivos e museais da


MECA, através da ressocialização dos acervos e na construção de uma reflexão
crítica sobre as emergências regionais proporcionando aos sujeitos uma leitura do
mundo mais crítica baseada na sua própria experiência social. (BRASILEIRO,
2013, p. 1).

Assim, no mesmo ano da abertura da exposição de longa duração, em


2008, foi realizado o Curso de “Mediação em Museu”, ministrado pelo arte-
educador Anderson Pinheiro. Tendo em vista que o maior número de visitações no
Muhne era a comunidade escolar, o curso focou no trabalho de mediação – a
relação entre o museu e o público visitante – “ampliando os ensinamentos da
universidade na área de educação em museus” (Copec, 2008) e na colaboração
com a construção dos conteúdos da mediação. O curso teve uma carga horária de
98 horas/aula, foi destinado a 24 (vinte e quatro) alunos dos cursos de graduação
de História, Pedagogia e Artes Plásticas. Ao final do curso, a Copec selecionou 06
(seis) estudantes que se tornaram estagiários da Fundaj para realizar a mediação
na nova exposição.
Já em 2009, a Copec realizou o Curso “Professor Mediador” que tinha o
intuito de pensar na formação do profissional que trabalha na exposição, o
mediador, assim como, daquele que frequenta as diversas exposições, o professor.
Com outra configuração, um formato mais amplo, o curso foi destinado a 40
(quarenta) professores das Redes de Ensino do Estado de Pernambuco, com o
intuito de “pensar na criação de atividades em parcerias construídas através de
diálogos entre os educadores de museus e os educadores de salas de aulas”
(Copec, 2009). Para os mediadores este curso visava em construir uma melhor
qualificação no atendimento, sobretudo ao público escolar, com estudo de novas
práticas pedagógicas estabelecendo uma mediação compartilhada com o
2o Seminário brasileiro de museologia • 410

professor. O curso na sua totalidade teve uma carga horária de 100 horas/aula, foi
dividido em módulos, com encontros semanais promovendo aulas teóricas e
práticas. Ao final do curso, a Copec cadastrou esses “professores mediadores” que
estavam qualificados para fazerem a mediação com seus alunos nas visitações ao
espaço expositivo do Muhne.
No ano de 2010 foi realizado o Curso “Mediação em Museus – Olhos em
ação para mexer com o coração” ministrado pela arte-educadora Nicole Costa,
com o público participante de 30 alunos universitários de cursos de história,
pedagogia, artes visuais e fotografia. Também com o intuito de fomentar a
formação dos novos mediadores do Muhne, ampliando e tornando mais
consistente a relação com a universidade. Novamente, a Copec selecionou
estudantes que se tornaram estagiários contratados pela Fundaj após o curso.
Tais ações formativas, com o formato de curso, tornaram-se periódicas, pois
de tempos em tempos a instituição apresentava um quadro de estagiários novatos.
Característica muito comum nas instituições museais que só possuem o cargo de
estágio como mediador. Vale ressaltar que o objetivo dessas formações já não era
apenas de formar o seu quadro de estagiários, mas também de atrair novos
estudantes e pesquisadores para esse campo de atuação.
Cada museu desenvolve uma formação para o mediador. No campo da
mediação cultural as formações específicas ou institucionalizadas na área, aos que
exercem tais ações educacionais no museu, ainda estão em processo de inserção,
sendo incorporadas aos poucos em universidades e em outras instâncias de
articulação política. Por isso, a importância do desenvolvimento de tais cursos, de
sua carga horária extensa e da conquista de novos atores neste campo de
investigação.
Os cursos promovidos sobre mediação cultural tornaram-se uma referência
para outras instituições que ao longo da realização das edições buscaram também
a contratar estagiários após a conclusão da formação. Ressaltamos aqui a
realização destes cursos como primordiais na formação dos educadores, porém a
Copec em seu plano de trabalho contemplava outros projetos educativos os quais
2o Seminário brasileiro de museologia • 411

também envolvia processos formativos, tais como seminários, oficinas, encontros


com gestores e professores, programa de formação para jovens artesãos, feira de
brinquedos populares, jornada de pastoril, ações com as comunidades no entorno
do Museu etc. Aliado a estes cursos de mediação cultural, era neste cotidiano de
projetos, no desenrolar de suas programações que aconteciam outras atividades
formativas que refletiam diretamente nas práticas de mediação.
Inicialmente, a proposta da Copec era criar um centro de referência em
formação continuada em mediação cultural em museus, aberto e em diálogo com
outras instituições, porém não sendo possível, a realização dos cursos atendeu a
periodicidade da saída e chegada de novos estagiários, ou seja, o curso de
mediação cultural só retomou a cada dois anos. Em 2012, com o mesmo perfil, o
curso foi novamente ministrado pelo arte-educador Anderson Pinheiro, igualmente
visando, na finalização do curso, à contratação de novos estagiários para a
mediação do Muhne.
No entanto, as práticas educativas e formativas geraram uma necessidade
de sistematização, sobretudo, análise das ações desenvolvidas desde o ano de
2008 pelo Educativo do Museu do Homem do Nordeste. Junto com este fator, a
Fundaj internamente passava por novos desenhos de gestão em que era
reconhecido a necessidade substancial de aproximação e de integração com os
demais educativos dos outros equipamentos culturais e científicos da própria
Diretoria (Engenho Massangana5 e Espaço Cultural Mauro Mota6).
No ano de 2013 foi desenvolvida a consultoria da arte-educadora Maria
Clara Rocha, por meio do PRODOC-FUNDAJ/UNESCO, em que foram produzidos
documentos técnicos entre diagnósticos, propostas educativas e o alinhamento
conceitual e metodológico dos educativos dos espaços expositivos da

5
Conjunto arquitetônico rural do século XIX, composto pela Casa-Grande e Capela de São
Mateus em uma área de dez hectares, o Engenho Massangana está localizado no Cabo de Santo
Agostinho, no Estado de Pernambuco. Tombado em nível estadual como Parque Nacional da
Abolição, Massangana foi o lugar onde o ilustre pernambucano Joaquim Nabuco viveu durante a
infância e é por ele referenciado como o local onde construiu a base de seus ideais abolicionistas

6
Espaço cultural que abriga os projetos desenvolvidos pela Coordenadoria de Artes Visuais
(COARTE) da Fundaj.
2o Seminário brasileiro de museologia • 412

MECA/Fundaj. Assim, foi desenvolvido o documento “Diretrizes conceituais e


metodológicas para educação não formal”.
O processo de alinhamento de conceitos e metodologias das práticas
educativas já desenvolvidas nos três espaços expositivos da MECA/FUNDAJ
aconteceu com o envolvimento das coordenações, dos mediadores, dos servidores
e dos terceirizados de cada espaço. A partir de vários encontros com debates e
grupos de discussões foi possível sistematizar a base conceitual e metodológica da
mediação cultural dos educativos. Faz-se necessário evidenciar que tal documento
não criou novos conceitos e metodologias, ele compreendeu o delineamento das
práticas que já eram desenvolvidas pelas equipes dos educativos demarcando um
plano de trabalho em comum.
Este documento apresenta a missão e os objetivos da Copec (estes dois
aspectos foram revistos e atualizados), e o que os educativos entendem por
mediação. As metodologias da mediação são descritas como diversas e
autônomas. A ampliação e construção de novos olhares e perspectivas sobre as
memórias e objetos musealizados são produzidos “com” os sujeitos da mediação:
os mediadores e os públicos. Esse “estar com” pressupõe fluidez e leveza, ou seja,
uma conversa na qual trocas de experiências, de memórias e de questionamentos
se fazem presente, não se limitando a um conteúdo prescrito. Cada mediador, de
acordo com suas vivências e formação, pode adotar uma maneira para lidar com o
público, devendo buscar a sensibilidade de ouvir e sentir os sinais de cada dos
visitantes, porque nem tudo é falado. Muitas vezes é literalmente o olhar desses
sujeitos que traça novos caminhos para a mediação com. É importante evidenciar
que a escuta é um método para a construção dialógica desse processo, no qual os
sujeitos se colocam em equidade e a abertura para o outro possibilita a formação
de diversos caminhos. Ou seja, uma mediação compartilhada, caminhando junto –
literal e metaforicamente.
O processo de desconstrução com o público sobre o “homem do Nordeste”
também é uma prática que se faz presente na mediação, tendo como intuito
aguçar a reflexão diante de questões cotidianas que perpassa ao respeito com a
2o Seminário brasileiro de museologia • 413

diversidade cultural e visões de mundo.


Mesmo com a ausência do mediador, o próprio espaço museal também é
responsável por esse processo de intervenção e mediação provocando constantes
movimentos no olhar desses sujeitos, esta mediação também passa pelo ato de
“estar com”.
No ano de 2014 foi desenvolvida a oficina “Do brincar à memória” pela
atriz e contadora de história Márcia Cruz, uma proposta que partiu de inquietações
dos mediadores que sentiam dificuldades em atender o público da educação
infantil. Com leituras sobre o universo do desenvolvimento infantil, com dinâmicas
corporais, a oficina estimulou os mediadores a explorar as potencialidades da
espontaneidade corporal e verbal típicas da primeira infância. Com aulas práticas
e teóricas, a oficina foi estruturada em módulos, com a carga horária total de 48
horas/aula.
Em virtude desta experiência, os mediadores fizeram uma intervenção
expográfica na exposição de longa duração dispondo de malas espalhadas com
uma diversidade objetos, em diálogo e também confrontação com o acervo, a fim
de aguçar a reflexão e a curiosidade dos visitantes sobre as temáticas das salas
expositivas. Como também possibilita a interação lúdica, principalmente para o
público infantil, que sente a necessidade de tocar e interagir com o acervo.
A partir do final do ano de 2014, a Copec ganha no seu organograma uma
Coordenação de Mediação que passou a orientar a formação e as atividades de
uma equipe multidisciplinar de 18 (dezoito) estagiários de nível superior sendo 10
(dez) estagiários Museu (Recife) e 8 (oito) estagiários Engenho Massangana/Muhne
(Cabo de Santo Agostinho) que desenvolve ações de mediação nas exposições
permanente e ou temporárias do complexo museológico.
A Coordenação de Mediação pode reorganizar o plano de atividades do
estágio que se encontrava desatualizado e descontextualizado diante do que vinha
sendo desenvolvido com os educadores e das novas ações e projetos que estavam
sendo implementados. Afinal, o estágio contempla o exercício da função de
mediador nos espaços que compõe o complexo museológico do Muhne, assim
2o Seminário brasileiro de museologia • 414

como a participação colaborativa na concepção e execução de ações educativas


dos programas da Copec destinadas ao público em geral, a serem desenvolvidas
no Museu e em comunidades nas quais a instituição atua; e também, participar dos
projetos da Copec articulados com outras coordenações do Museu. Ao reorganizar
o plano de atividades, tais ajustes colocaram os educadores em uma provocação
de revisitar conceitualmente as práticas de mediação desenvolvidas, pois a
mediação compartilhada não é apenas um método, ela ocasiona desdobramentos
teóricos e estimula um interesse maior na pesquisa ao propor um intercâmbio
cultural que possibilita um crescimento pessoal e profissional (DUTRA, 2014).
Entre 2014 e 2015 foi desenvolvida a consultoria Laboratório de Mediação
Cultural por meio do PRODOC/FUNDAJ/UNESCO com a pesquisadora Gleyce
Kelly Heitor. Com a carga horária de 60 horas, o processo formativo foi dividido
em dois momentos, um interno com os mediadores do Muhne e outro externo
mediante inscrição para o público universitário.
Primeiramente foram desenvolvidos seis encontros com os mediadores da
COPEC, sendo iniciado o mapeamento das práticas educativas nos referidos
espaços (Muhne e Engenho Massangana). Nesse momento os educadores foram
estimulados a debater sobre suas práticas, seu local dentro da instituição e a refletir
sobre as potencialidades e dificuldades pessoais e institucionais. Seu foco foi
direcionado para temas e conceitos que permeiam a mediação e as exposições de
longa duração do Museu e do Engenho, que já sofreram modificações ao longo do
tempo, e para desenvolvimento de práticas de mediação voltadas para o público
não agendado, que se tornou um dos maiores desafios para a equipe. A procura
maior de público do Museu era por meio do agendamento, e nestes últimos anos a
Copec não orientava fazer mediação para o público espontâneo. Só a partir do
final do ano de 2014 com a chegada da Coordenação de Mediação é que o
atendimento ao público espontâneo do Museu passou a ser revisto e estimulado, e
que os mediadores passaram a estar no espaço expositivo para receber os
visitantes. Era contraditório conceber uma proposta de mediação que se propõe ser
compartilhada para atender apenas o público agendado, desconsiderando a
2o Seminário brasileiro de museologia • 415

potencialidade dos diferentes públicos que ali chegavam e desconsiderando outros


canais de comunicação que estabeleciam uma relação com o visitante.
As ações e projetos realizados desde o final de 2014 até o momento
abriram muitos debates devido, sobretudo, a chegada de uma nova gestão na
Copec e por uma transição conceitual. Os programas de visitação foram
reavaliados e redimensionados, e tais análises tinham a intenção de integrar as
equipes dos educativos da MECA criando conexões sobre suas referências; de criar
e valorizar novos canais de comunicação com o público em potencial do Museu; e
de criar novos circuitos de visitação dentro do próprio Muhne, pois muitas vezes o
educativo era condicionado a realizar visitas mediadas somente na exposição de
longa duração, esquecendo de articular as exposições temporárias da própria
instituição.
A primeira parte deste Laboratório de Mediação somou com o trabalho
desenvolvido pela Coordenação de Mediação do Muhne na construção e
desenvolvimento de propostas de mediações para a realização destas novas
condutas.
A segunda parte do Laboratório foi aberta para o público em geral, atraindo
a participação de estudantes de graduação de áreas de humanas e artes, como
história, museologia, ciências sociais, teatro e dança. Entre as temáticas
desenvolvidas nesse momento do Laboratório destacamos: educação em museus
como mediação cultural, mediação e corpo e mediação crítica. No decorrer do
Laboratório ocorreram ações performáticas nas programações do Muhne e a
visitação a outros espaços culturais com o objetivo de provocar reflexões sobre
outras formas de museus e sobre suas múltiplas possibilidades museógraficas, tal
prática foi incorporada no plano de atividades do estágio. Ao final do curso, a
Copec selecionou estudantes que se tornaram estagiários do Museu.
Pode-se notar que as propostas de ações formativas se apresentam
contínuas, isso reflete em um trabalho sistemático e na configuração de um
trabalho com mais consistência ao longo do tempo, mesmo com um tempo de
permanência limitado de dois anos de estágio na instituição. O investimento em
2o Seminário brasileiro de museologia • 416

formações incentiva uma participação mais investigadora dos educadores no


museu. Aqui vale ressaltar a participação dos educadores na concepção e
coordenações de algumas atividades. Os educadores puderam idealizar e realizar
ações que extrapolaram a dinâmica da mediação em torno das exposições.
Merecem destaques alguns projetos: Exposição “E agora”, Semana Nacional de
Museus - “Coleções criam Conexões”, Exposição “Patrimônio em Disputa”, Museu
Educador: de mediador para mediador e o projeto “Memória Social na Escola”.
A exposição “E agora?” foi concebida e aberta ao público em 2012
problematizando o Nordeste estereotipado e folclorizado, em contraponto
evidenciava a existência também de um Nordeste globalizado e múltiplo,
denunciando os discursos que generalizam e invisibilizam essas pluralidades. É
uma tentativa de quebrar com esse discurso de um nordestino residual, trazendo a
tona o Nordeste globalizado. A exposição foi desenvolvida pela Divisão de
Museologia do Muhne, Copec e Coarte, tendo a participação efetiva dos
mediadores que traziam sua colaboração também por meio de suas experiências
pessoais e investigadoras nas práticas de mediação da exposição de longa
duração.
Merece destaque o projeto “Coleções criam Conexões” desenvolvido na 12ª
Semana Nacional de Museus7”, elaborado pela mediadora Isabelle França. Com o
tema “Museus – as coleções criam conexões”, foi proposto que os visitantes
trouxessem objetos que remetessem à sua memória afetiva e as múltiplas memórias
do Nordeste. Ao trazer o objeto, o visitante conhecia o processo de catalogação e
de musealização desses objetos recolhidos nessa campanha. Era necessário
preencher uma ficha com nome do doador, descrição do objeto e o motivo da
doação, enumerar o objeto e a ficha. Correspondente ao processo de catalogação
e de musealização do acervo do Museu.
Durante esta Semana de Museus, convidamos os visitantes a participarem de
uma oficina de musealização desse novo acervo, desencadeando uma curadoria

7
A Semana Nacional de Museus acontece no mês de maio em comemoração ao dia
internacional de museus.
2o Seminário brasileiro de museologia • 417

educativa em parceria com os museólogos do Muhne, que consistiu no processo de


curadoria desses objetos na expografia de longa duração. Outra ação foi
articulada para aquele visitante que não trouxe o objeto, com um caráter mais
artístico a atividade consistia na intervenção da parede da entrada do Muhne por
meio de uma pintura nos quadrinhos que remetesse também à sua memória
afetiva. Após esta etapa, já com as paredes tomadas pela intervenção, iniciou-se o
processo de troca de quadrinhos, no qual cada visitante deixava um e levava outro
durante esta Semana. O ato de trazer algo que você acredita que é pertinente para
a exposição do Muhne, evidencia um sentimento maior de pertencimento dos
visitantes em relação ao museu.
Um outro exemplo da participação de mediadores nas ações da Copec
aconteceu durante o processo de pesquisa e produção da exposição “Patrimônio
em Disputa” no ano de 2014. A exposição problematizava os espaços de debates
sobre as disputas em torno do patrimônio cultural em meados do século XX. Com
um processo de curadoria colaborativa coordenado pela historiadora Carolina
Ruoso que atuava na Coordenação de Pesquisa do Muhne, a mostra fazia parte do
projeto Feira de Mitos, teve a participação de mediadores em suas reuniões de
definição expográfica, em reuniões de pesquisa e na elaboração de ações
educativas para o espaço.
No mês de dezembro de 2014, foi realizado uma edição do Museu
Educador intitulado “De mediador para mediador”, orientado pela Coordenação
de Mediação, porém produzido e coordenado pelos educadores do Muhne, com o
intuito de promover um encontro em que houvesse a participação de educadores
estagiários de núcleos de educativo de outros espaços culturais compartilhando
experiências em tais eixos temáticos: mediador propositor, relação mediador-
público e gestão participativa. O encontro contou com a participação de uma
diversidade de educadores/mediadores compartilhando experiências ora
particulares e ora bem comum a todos os equipamentos culturais. Um evento que
estimulou debates sobre as memórias das ações educativas que vinham sendo
realizadas na cidade do Recife.
2o Seminário brasileiro de museologia • 418

Paralelo a estas ações, no mesmo período, final do ano de 2014, estava


sendo implementado o Projeto Memória Social na Escola voltado para gestores,
professores e estudantes das redes públicas de educação. Este projeto foi
implantado por meio do PRODOC/Unesco, consultoria da historiadora Cláudia
Leonor Guedes de Azevedo Oliveira. O projeto tem o intuito de fomentar nos
alunos a construção de narrativas históricas, provocando-os através da coleta de
documentos (fotografias, livros, reportagens e relatos orais), identificando espaços
materiais e imateriais pertencentes ao que os mesmos julgam a ser como parte do
processo identitário em que a comunidade escolar está inserida tendo o ponto de
partida a relação da escola com a memória do território.
Ao buscar estimular a produção de memória e de cultura nas escolas, o
museu desempenha o lugar de mediador e produtor de políticas públicas e
processos de identificação. O projeto vem desenvolvendo processo formativo como
os servidores, educadores e terceirizados do Muhne, Engenho Massangana e
Coarte. Ao longo de seu desdobramento também vem sendo contemplados o
processo formativo com professores, a elaboração de propostas de atividades para
ser desenvolvidas no espaço da escola e do Muhne e a elaboração de uma web-
série e de um e-book que contemple a experiência do Memória Social nas Escolas.
Marcado por um processo colaborativo e de novas parcerias com as escolas,
este projeto vem possibilitando que os mediadores acompanhem as atividades das
turmas participantes dentro da sala de aula, na comunidade no qual a escola está
inserida e no Muhne; propõe uma autoria compartilhada nas ações e na escrita da
publicação digital com professores e educadores do Museu; e apresenta novos
referenciais teóricos sobre as relações entre museu e escola gerando uma
reconfiguração nas práticas de mediação desenvolvidas pelo Museu.

Conclusão

Este artigo não tem a intenção de traçar um panorama completo sobre as


ações da Copec, mas indicar momentos significativos da formação dos educadores
2o Seminário brasileiro de museologia • 419

e de mudanças de condutas. Tais experiências pode-se traçar caminhos importantes


para o delineamento de estudos no campo da mediação cultural em museus.
Diante de tais considerações sobre o processo de formação dos educadores
do Muhne, esperamos que o artigo tenha alcançado seu objetivo, como também,
ele contribuia com a preservação da memória institucional das ações desenvolvidas
pela própria Coordenação que são poucas registradas.
Ao propor a escrita deste artigo pretendemos também incentivar novas
investigações e problematizações em torno do campo da memória sobre as ações
educativas no âmbito dos espaços culturais destinados a exposições.

Referências

BARBOSA. A. M.; COUTINHO. R. G. Arte/Educação como mediação cultural e


social. São Paulo: Editora UNESP, 2009.

BRASILEIRO, Silvia. Para além do museu: práticas educativas no Museu do Homem


do Nordeste. Colômbia: Museu de Antioquia, 2013.

BRAYNER, Vânia. Uma gota de sangue no Museu do Homem do Nordeste. São


Paulo: Editora USP, 2009.

CHAGAS, Mário de S. Imaginário Museal – Museu, Memória e Poder em Gustavo


Barroso, Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro. Tese de doutorado apresentada ao
Programa do Pós-graduação em Ciências Sociais (PPCIS) da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ), 2003.

DUTRA, Mariana Ratts. Curadoria compartilhada na experiência de mediação


cultural do Museu de Arte Contemporânea do Ceará. Dissertação (Mestrado em
Artes Visuais) – Universidade Federal de Pernambuco/ Universidade Federal da
Paraíba, 2014.

FRANZ, T. S. Educação para a compreensão da arte: Museu Victor Meirelles. 1. ed.


Florianópolis: Insular, 2001.

MARQUES, L. O ensino de artes em ONGs. São Paulo: Cortez, 2008.

SILVA, Edna Maria da. Educação Em Museu: A Experiência do Museu do Homem


do Nordeste. Dissertação (Mestrado em Gestão Pública Para o Desenvolvimento Do
Nordeste) - Centro De Ciências Sociais Aplicadas Curso de Mestrado Profissional –
2o Seminário brasileiro de museologia • 420

Universidade Federal Rural De Pernambuco, Recife, 2014.

Rocha, Maria Clara. Diretrizes conceituais e metodológicas para educação não


formal. Recife: Prodoc- Fundaj/Unesco, 2014.

ROCHA, Maria Clara. Diretrizes cife, 2014. undaj/Unesco, Recife, 2014.


2o Seminário brasileiro de museologia • 421

O PROJETO MEMÓRIA SOCIAL NAS ESCOLAS E SUA PERSPECTIVA


TRANSDISCIPLINAR NA RELAÇÃO MUSEU-ESCOLA: A EXPERIÊNCIA NA
ESCOLA MUNICIPAL MINISTRO ANDRÉ CAVALCANTI

Edna Maria da Silva

Isabelle dos Santos França

Igor Amarante1

Resumo
No processo de estreitamento da relação museu-escola, o Museu do Homem do
Nordeste - Muhne, vem desenvolvendo um projeto que procura construir uma
metodologia de trabalho que valorize a construção do conhecimento de forma
conjunta com professores e alunos, a partir das discussões de memória. Acessar
os campos da lembrança e esquecimento requer desprendimentos no campo do
subjetivo. Neste sentido, percebemos que os princípios transdisciplinares
colaboram nesta concepção de produção do conhecimento. Assim, este texto
pretende abordar como os processos transdisciplinares podem ser observados
nos caminhos metodológicos aplicados durante a execução do projeto Memória
Social nas Escolas, especificamente na Escola Municipal Ministro André
Cavalcanti, localizada na área rural do Cabo de Santo Agostinho-PE, tendo
como perspectiva as discussões de memória e sua importância na relação
museu-escola.

Palavras-chave: Museu. Escola. Transdisciplinaridade. Memória.

Abstract
In the process of narrowing in the relationship between museum and school, the
Museu do Homem do Nordeste (Museum of the Northeast Man) is developing a
project that seeks to build a working methodology that values the construction of
jointly knowledge with teachers and students, from memory discussions. Access
the memory fields and forgetfulness requires detachment in the subjective field .
In this sense , we realize that the transdisciplinary principles collaborate in this
conception of knowledge production . Thus , this paper aims to address how the
transdisciplinary processes can be observed in the methodological approaches
applied during the execution of the project Memória Social nas Escolas (Social

1 Edna Maria da Silva - Mestre em Gestão Pública para o Desenvolvimento do Nordeste (Universidade
Federal dePernambuco). Especialista em Gestão Educacional em espaço escolar e não escolar (Faculdade
Frassinetti do Recife).Analista em Ciência e Tecnologia (Fundação Joaquim Nabuco).
Isabelle dos Santos França - Mestranda em Educação, Culturas e Identidades (Fundação Joaquim
Nabuco). Graduadaem História (Universidade Federal Rural de Pernambuco).
Igor Amarante - Graduando em História (Universidade Federal de Pernambuco).
2o Seminário brasileiro de museologia • 422

Memory in Schools),specifically at the André Cavalcanti Minister School, located


in the rural area of Cabo de Santo Agostinho - PE , whose perspective is the
discussion of memory and its relationship between museum and school.

Keys: Museum. School. Transdisciplinarity. Memory.

••••••••••

A relação museu-escola e a transdisciplinaridade

O museu é tido como espaço de apreciação de peças que compõe um


acervo de memórias de determinado grupo social, conferindo-lhe assim um
caráter educacional/doutrinário. Nas últimas décadas, porém, tem assumido
uma postura de democratização ao acesso de suas exposições aos mais diversos
públicos.
As discussões mais contemporâneas sobre o papel do museu enfatizam
seu caráter educacional e sua aproximação com o ambiente escolar. Porém,
deixando claro sua postura enquanto espaço educacional não-formal, ou seja,
não se apresentando apenas como local de complementaridade dos conteúdos
trabalhados em sala de aula, mas sim como espaço que possibilite a ação do
sujeito na aprendizagem (ALMEIDA, 1997). O museu quer assumir a posição de
espaço para experiências diferentes, onde o campo afetivo é aflorado e as
experiências de cada visitante são particularizadas (ALLARD; BOUCHER;
FOREST, 1994).
Os estudos referentes às relações escola-museu dão conta da
importância do papel dos museus no processo de ensino-aprendizagem, mesmo
se tratando de um processo educativo não-formal. Nessa perspectiva:
É [...] cada vez maior o número de pesquisas que procuram entender
os museus como espaços educativos e, neste sentido, estudos sobre o
processo de ensino-aprendizagem vêm se ampliando nesses locais.
Atualmente, o público é considerado o elemento central para
elaboração das exposições e dos programas culturais e educacionais
oferecidos nos museus. (MARANDINO, 2000, p.189-190)
2o Seminário brasileiro de museologia • 423

De acordo com Allard, Boucher e Forest (1994), as visitas realizadas por


grupos escolares aos museus podem motivar os estudantes a aprender
determinados conteúdos de forma mais fluida e integrada, desenvolvendo sua
autonomia, “... seeking aswers to one’s own questions...” (ALLARD; BOUCHER;
FOREST, 1994, p.5). Porém, para promover maior interação entre museu e
escola no processo de ensino-aprendizagem, se fez necessário estreitar os laços
entre essas instituições.
Inserido em discussões que envolvem diferentes áreas como
Antropologia, História, Pedagogia, Ciências Sociais dentre outras, as políticas
públicas para educação, considerando a relação educação e museus, trazem,
em suas bases, para um processo exitoso, a aproximação do universo escolar
formal e a dinâmica dos museus com sua não- formal atuação através dos
chamados setores educativos.

Há várias experiências de relações de trabalho entre espaços museais e


instituições de ensino espalhadas pelo Brasil que servem como exemplos
palpáveis da importância da tomada de posição dos museus como espaços de
aprendizagem, como os museus comunitários, ecomuseus, museus de favela,
museus sociais, entre outros. Sendo fundamental para uma construção mútua
de possibilidades de desenvolvimento de ações relativas ao pertencimento a um
grupo social, numa relação que desconstrói a ideia do museu como espaço de
poder absoluto sobre a conservação das memórias de um povo.

No processo de construção de relações mais profundas com a escola,


alguns museus têm percebido a necessidade de sair de suas paredes, de sua
zona de conforto metodológica para compreender que sua função não é mais a
de expor, mas de (re)construir criticamente seus discursos a partir de suas
interseções com o público, que não mais se identifica com as concepções
identitárias muitas vezes apresentadas.
Os processos de compreensão do mundo vêm sofrendo mudanças ao
longo dos séculos. Porém, no final da primeira metade do século XX, após a
Segunda Guerra Mundial, várias concepções científicas romperam
significativamente com o modelo cartesiano de observação dos acontecimentos.
2o Seminário brasileiro de museologia • 424

Fragmentar a realidade para compreendê-la de forma mais aprofundada não é


mais possível, pois os fenômenos não ocorrem de forma isolada; estão
permanentemente interconectados.
O sistema econômico capitalista, desde o século XIX interfere diretamente
nos arranjos sociais, econômicos, geopolíticos e culturais do mundo. Os
processos identitários dos indivíduos sofrem mudanças importantes, onde a
construção de uma identidade a partir dos estados nacionais que confiria
características comuns aos indivíduos do mesmo grupo social, num espaço
geográfico comum, não faz mais sentido (WOODWARD, 2000). Porém, o
grande marco na mudança de perspectiva das ciências se dá quando a Física
Mecânica é desafiada pelas novas descobertas que dão margem à Física
Quântica, ampliando as possibilidades de existência de mais de um nível de
realidade. Neste sentido, surgem os estudos transdisciplinares, onde se afirma a
importância de compreensão do indivíduo em suas várias esferas.
No campo educacional, a transdiciplinaridade fomenta a interlocução do
aluno e professor na construção do conhecimento, onde são utilizados processos
metodológicos que abarquem as subjetividades dos indivíduos.
No processo de estreitamento da relação museu-escola, o Museu do
Homem do Nordeste - Muhne2, vem desenvolvendo um projeto que procura
construir uma metodologia de trabalho que valorize a construção do
conhecimento de forma conjunta com professores e alunos, a partir das
discussões de memória.
A memória permeia o campo do subjetivo, se consolidando no
movimento de lembrança e esquecimento do que vivenciamos cotidianamente.

2
O Museu do Homem do Nordeste, inaugurado em 1979, está institucionalmente vinculado à Diretoria
de Memória,
Educação e Arte da Fundação Joaquim Nabuco, e trabalha com temáticas correlatas ao
patrimônio culturalnordestino. Para mais informações,
acessarhttp://www.fundaj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=250&Itemid=

A Fundação Joaquim Nabuco foi criada, enquanto instituto em 1949, e enquanto fundação, em
1980. Conhecidacomo importante instituto de pesquisas sociais do norte-nordeste, tem como atual
missão " ...gerar conhecimento nocampo das humanidades com a finalidade de atender a demandas e
necessidades relacionadas a educação e cultura,compreendidas de forma interdependente, com vistas
ao desenvolvimento justo e sustentável da sociedadebrasileira." Para
mais informações, acessar
http://www.fundaj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=120&Itemid=128
2o Seminário brasileiro de museologia • 425

O acesso ao “eu” e ao “nós” do passado se expressa em palavras, gestos,


imagens, de forma a compor fragmentos do que somos. Não há resgate, há
lembranças. Não há possibilidade de acesso irrestrito ao que se passou, pois
nossa forma de interpretar o mundo muda. Consultar a memória é adentrar ao
passado possível a partir da perspectiva do que somos hoje. E neste movimento
estamos todos nós.
Consultar a memória, seja ela individual ou coletiva, exige atenção ao
fato de que ela jamais será revisitada. Não há possibilidade de resgate do que
se passou, pois a interpretação do passado sofre influência direta das vivências
do presente. Dessa forma, pode-se afirmar que a memória...
[...] também sofre flutuações que são função do momento em que ela
é articulada, em que ela está sendo expressa. As preocupações do
momento constituem um elemento de estruturação da memória. Isso é
verdade também em relação à memória coletiva, ainda que esta seja
bem mais organizada. (POLLAK, 1992, p.204)

Acessar os campos da lembrança e esquecimento requer


desprendimentos no campo do subjetivo. Neste sentido, percebemos que os
princípios transdisciplinares colaboram nesta concepção de produção do
conhecimento. Assim, este texto pretende abordar como os processos
transdisciplinares podem ser observados nos caminhos metodológicos aplicados
durante a execução do projeto Memória Social nas Escolas, especificamente na
Escola Municipal Ministro André Cavalcanti, localizada na área rural do Cabo
de Santo Agostinho - PE, tendo como perspectiva as discussões de memória e
sua importância na relação museu-escola.
O projeto Memória Social nas Escolas e a experiência na comunidade de
Mercês

Implementado pelo Museu do Homem do Nordeste, o projeto Memória


Social nas Escolas, tem por objetivo trabalhar questões relacionadas à memória
em escolas da rede pública de ensino do Estado de Pernambuco. A primeira
versão do projeto está sendo implementada desde o mês de setembro de 2014,
em caráter experimental em cinco escolas da rede pública da Região
Metropolitana do Recife, três localizadas no município do Recife e duas
localizadas no município do Cabo de Santo Agostinho, ambas em bairros
2o Seminário brasileiro de museologia • 426

periféricos, que enfrentam problemas relacionados à especulação imobiliária e


ao desenvolvimento desordenado da economia estadual.
O museu é reconhecido enquanto espaço que resguarda a memória de
determinado grupo social. E ele, ao receber o público que o visita, discute
questões relacionadas às vivências históricas, sociais, econômicas e políticas de
uma região partindo de sua perspectiva. Quando ele se propõe a abrir suas
portas ao público visitante, sobretudo o escolar, a abordagem dada sobre as
diversas temáticas ali apresentadas parte de um lugar de conforto do museu
sobre quem o visita. No caso específico do Museu do Homem do Nordeste, seu
principal público se constitui de alunos de ensino fundamental e médio, das
redes pública e privada de ensino do estado de Pernambuco.

Os vários discursos sobre a memória e sua relação com os diversos


campos do saber expõem seu extenso campo de investigação, ampliando as
possibilidades de estudo sobre os grupos sociais e suas relações com a
identidade local. E a escola se apresenta como espaço onde esses saberes são
discutidos e trabalhados de forma mais profunda, seja através dos estudos de
Literatura, de História, de Artes. No mesmo sentido, o museu já nasce como
espaço de empoderamento das memórias de um povo, onde são selecionadas e
expostas. E o discurso de identidade local, regimentado. Porém, indo ao
encontro da escola e se inserindo na sua dinâmica de trabalho, o museu precisa
fazer o movimento inverso. Ele passa a abordar temas como memória e
identidade, partindo do pressuposto do aluno, do professor, da comunidade
escolar.
A metodologia de trabalho aplicada no Projeto Memória Social nas
Escolas está sendo elaborada em parceria com docentes e gestores participantes
e a equipe técnica do Muhne. Apesar de se reconhecer a importância do marco
teórico para elaboração deste projeto, na construção da metodologia de
trabalho, estão sendo valorizadas as experiências. O processo de aprendizagem
está sendo elaborado no fazer da escola junto ao museu. Além disso, a
abordagem das temáticas que envolvem a execução das ações planejadas está
ressignificando a dinâmica não só dos alunos envolvidos no projeto, mas da
escola como um todo.
2o Seminário brasileiro de museologia • 427

Dentre as cinco escolas participantes do projeto, abordaremos as


experiências desenvolvidas com alunos do 8º ano do Ensino Fundamental da
Escola Municipal Ministro André Cavalcanti, localizada nas terras do antigo
Engenho Mercês, área rural do município do Cabo de Santo Agostinho.
Conhecido até a década de 1970 como grande produtor de açúcar da região,
atualmente, o bairro de Mercês não possui expressividade econômica, com
infraestrutura deficitária, sofrendo influências diretas do processo de
desenvolvimento/desordenamento econômico provocado pela implantação do
complexo portuário e industrial de Suape na região do Cabo.
Foram promovidos encontros com os alunos, tendo por objetivo
apresentar o projeto construído pelos professores da escola, além da reflexão
sobre os conceitos de memória coletiva e individual. Nesse momento, buscamos
compreender os conhecimentos que os alunos possuíam acerca da temática
debatida no projeto, ou seja, o que sabiam sobre a história da comunidade de
Mercês e que visão possuíam do local onde vivem.
A Fundação Joaquim Nabuco possui aparelhos culturais, que
acreditamos serem espaços importantes para promoção da discussão do
conceito de memória. Assim, decidimos incorporar à metodologia de trabalho,
visitas direcionadas ao Engenho Massangana3, Museu do Homem do Nordeste
e Cinema do Museu4.
Para os alunos, estas foram as primeiras experiências de visitação a
espaços museais, o que despertou neles encantamento e surpresa. Além disso,
as crianças puderam perceber durante a visita ao Engenho Massangana, por
exemplo, semelhanças históricas entre a comunidade de Mercês e a
comunidade de Massangana, ambas situadas na área rural do Cabo de Santo
Agostinho, surgidas a partir da instalação de engenhos de cana de açúcar,
ainda no período da colonização. Nesse sentido, na visita ao Engenho

3 O Engenho Massangana é um espaço expositivo, tombado como Parque Nacional da Abolição,


conhecido como
importante espaço de produção açucareira no século XIX e local onde Joaquim Nabuco viveu durante
a infância.Neste local são abordadas questões econômicas, políticas e sociais que abarcam o
período de colonização e os
processos exploratórios, tanto de indígenas quanto de negros africanos escravizados. Para maiores
informações,acessar http://www.fundaj.gov.br/index.php?
option=com_content&view=article&id=127&Itemid=225
4
Inaugurado em 2015, o Cinema do Museu é uma sala expositiva que faz parte do complexo do Museu
do Homemdo Nordeste.
2o Seminário brasileiro de museologia • 428

Massangana foram destacadas as semelhanças históricas de ambas


comunidades, além da importância da preservação da memória de
comunidades como a de Mercês, tendo em vista sua relevância para
compreensão histórica não só da localidade, mas do processo de colonização
do Nordeste brasileiro.
Já durante a visita realizada ao Museu do Homem do Nordeste, foi
possível abordar temáticas relacionadas aos processos de conservação da
memória local de forma mais ampla, observando como as identidades da
região Nordeste são apresentadas no Muhne e em que medida a história de
Mercês surge na exposição permanente do museu.
Durante a visita ao Cinema do Museu, os alunos ainda puderem assistir
curtas-metragens, além de participar de rodas de diálogos com o diretor de
uma das produções exibidas, dialogando sobre o processo de construção de
uma história, com elaboração de roteiro, além da seleção de atores e escolha
de locais para realizar a gravação do filme. Compreender a estruturação de um
filme facilitou o processo de elaboração de entrevistas, que envolve a criação de
roteiro direcionado à temática a ser discutida, escolha do entrevistador, do local
para ocorrência da entrevista, seleção de instrumentos de captação de som e
imagem, entre outros.
Nas atividades desenvolvidas em sala de aula, os alunos elaboraram
produções textuais que relacionam poemas de Monte Lopes, autor que trata das
especificidades da comunidade de Mercês, com textos de José Lins do Rêgo e
Joaquim Nabuco, por exemplo. Além disso, os alunos, através do desenho,
confeccionaram coletivamente, mapas afetivos da comunidade de Mercês. Ou
seja, desenharam suas memórias geográficas em relação ao bairro onde vivem,
tendo por objetivo abordar questões relacionadas à história oral, memória e
identidade.
Em meio a realização destas atividades, os alunos que estão no projeto
Memória Social nas Escolas foram convidados a participar de ações que
ocorrem regularmente nos aparelhos culturais da Fundaj. A Semana Nacional
2o Seminário brasileiro de museologia • 429

de Museus5 e o projeto Curta o Circuito6 são alguns exemplos, permitindo assim


o desenvolvimento de atividades que trouxeram maior lucidez aos temas gerais
que incorporam todos os projetos das escolas que estão trabalhando conosco.
Foram elaboradas atividades destinadas à construção de roteiro de
entrevistas, onde foram destacados elementos importantes para abordagem das
temáticas propostas no projeto, além da elaboração de entrevistas-testes entre
os próprios alunos. A realização deste ensaio foi fundamental para
instrumentalização das entrevistas, além de proporcionar momentos de maior
autoconhecimento e aprofundamento da relação entre alunos e outros
professores da escola que foram convidados por eles a participar deste
momento de aprendizado.
Foram realizadas ainda duas caminhadas pelos arredores de Mercês,
com o objetivo de observar a comunidade de forma diferenciada, procurando
reconhecer elementos que os alunos julgavam importantes para representar a
história do bairro. Num primeiro momento, foi realizada uma aula de campo
sobre o local, onde os alunos fizeram fotografias e entrevistas com moradores, a
fim de aprofundar seus conhecimentos em relação a região.
Ao realizar atividades em sala de aula, percebemos que alguns alunos
residiam em uma comunidade às margens de Mercês, conhecida pelos locais
como comunidade de Sabiá. Estes alunos, porém, aparentavam desconforto ao
expor o local que vivam, por este ser muito distante da Rua do Ferreiro, local
onde a escola está localizada. Neste intento, foi realizada uma a segunda
caminhada, desta vez à Sabiá, tendo por guia o pai de um dos alunos que
participam do projeto.

5
A Semana Nacional de Museus ocorre uma vez ao ano, no mês de maio, durante uma semana,
coincidindo com odia 18 de maio, quando é comemorado o Dia Internacional de Museus. Esta
semana é coordenada pelo Instituto
Brasileiro de Museus - Ibram. Para mais informações, acessar
https://www.museus.gov.br/acessoainformacao/acoes-e-programas/semana-nacional-de-museus/
6
O projeto Curta o Circuito é voltado para professores e alunos vinculados à rede pública municipal de
educação do
Recife e Região Metropolitana, tendo por objetivo promover o acesso aos aparelhos culturais vinculados à
Diretoriade Memória, Educação, Cultura e Arte - MECA, da Fundação Joaquim Nabuco, sob perspectiva de
promover espaçosde debate acerca dos diversos elementos, socio-político-culturais que compõe os
processos identitários de ser
nordestino/a.
2o Seminário brasileiro de museologia • 430

Durante esta caminhada foi possível observar que os alunos que ali
residem caminham, em média, uma hora para chegar a escola, totalizando
duas horas diárias de travessia entre matagais, áreas de brejo e riachos para ir
e voltar da escola. Apesar das particularidades que esta caminhada diária infere
aos alunos que precisam realizá-la, comprometendo por exemplo seu
deslocamento à escola em dias chuvosos, foram feitos registros em vídeo e
fotografia que expressam toda beleza da localidade.
Durante a visita à Sabiá, foi encontrada outra escola de ensino básico em
uma localidade próxima, conhecida como Utinga de Baixo. Foi realizada assim
entrevista com a professora desta escola, que destacou os problemas
enfrentados por ela e seus alunos para se deslocar diariamente pela
comunidade, tendo em vista ausência de serviço público de transporte.
Para colaborar com o processo de formação e fortalecimento correlatos
ao projeto, foi criado um grupo em uma rede social com todos os integrantes do
projeto na comunidade de Mercês. Nesse espaço, alunos, professores, equipe
do Muhne, moradores da comunidade, compartilhavam informações relativas à
história do bairro de Mercês, além de textos, vídeos e imagens, que foram
utilizadas para desenvolvimento de atividades em sala de aula.
A participação do corpo docente foi fundamental para execução do
projeto, tendo em vista o processo de construção dialógica das atividades
desenvolvidas com os alunos, onde museu e escola estabelecem diálogo inter-
relacional.

E a transdisciplinaridade (?)

Dentro da lógica clássica, é possível acessar a realidade dos fatos, da


sociedade, da humanidade, eliminando as possibilidades de contradição
(NICOLESCU, 2000). Uma realidade acessada através do caráter objetivo e
imparcial dos métodos científicos e do pesquisador, pois a subjetividade aqui é
interpretada como elemento de fragilidade do ser humano. Porém, Maturana
(2002) já alerta para a impossibilidade de negação da emoção em detrimento
da razão, pois os dois elementos constituem a ação humana.
2o Seminário brasileiro de museologia • 431

A Física Mecânica engloba uma lógica clássica aristotélica, onde os


sistemas são binários, existindo apenas duas variáveis, sim-não, tendo assim por
base a Lei do Terceiro Excluído, onde os acontecimentos são ou não são, não
havendo respaldo para uma terceira possibilidade e eliminando a condição de
dualidade das ações.
No entanto, no início do século XX, o desenvolvimento da Física Quântica
deu margem a descoberta de que, na perspectiva atômica, os átomos ocupam
dimensões de realidade que a Física Mecânica não aborda, onde há
complementaridade de estados opostos, com possibilidade de existência de
processos de dualidade. Nesse sentido, a relação sim-não, passa a dar margem
à outra possibilidade, a do talvez. Ou seja, surge a lógica do Terceiro Termo
Incluído, onde os elementos considerados opostos estabelecem relação de
coexistência. Os sistemas, antes fechados, agora são abertos (NICOLESCU,
2000).
A possibilidade de questionamento e existência de níveis de realidade os
quais nem todos nós temos acesso, abre a possibilidade de discussões mais
aprofundas sobre o que é aplicado enquanto real não apenas na física, mas nos
estudos sociais, dando escopo ao surgimento de uma nova perspectiva de
abordagem das ciências: a Transdisciplinaridade.
No campo das Ciências Humanas, Santos (2010), afirma que os
conhecimentos advindos da racionalidade científica são totalitários, imprimindo
princípios epistemológicos e metodológicos únicos para estudo das mais
diversas realidades sociais.
Enquanto a lógica clássica aristotélica, apesar de binária, parte de
experiências empíricas, a ciência moderna desqualifica o conhecimento não
quantificado, não medido, não testado, no seu modelo metodológico. Dentro
dessa perspectiva para estudar os fenômenos sociais como se fossem
fenômenos naturais, ou seja, para conceber os fatos sociais como coisas, como
pretendia Durkheim, o fundador da sociologia acadêmica, é necessário "reduzir
os fatos sociais à suas dimensões externas, observáveis e mensuráveis”
(SANTOS, 2010, p.35).
2o Seminário brasileiro de museologia • 432

Há, como dito anteriormente, uma crise nos estudos da física. Porém,
Santos (2010) destaca que essa crise, acompanhada da teoria da relatividade
de Einstein, dos questionamentos ao rigor matemático e aos avanços nos
estudos biológicos, químicos e físicos (ampliando a concepção de existência de
vários níveis de realidade), provocou forte contestação à hegemonia instaurada
não só no estudo as ciências, mas nas concepções de sociedade, de civilidade,
de desenvolvimento.
Tem-se início a crise ao sistema paradigmático dominante das sociedades
ocidentais, que, de acordo com Santos, pode ser combatido com o surgimento
de um paradigma emergente, ou seja, que tenha por perspectiva a não
totalização do conhecimento, atentando a singularidade de cada grupo social,
admitindo que não exista uma realidade possível, mas sim realidades que
coexistem, onde o subjetivo dialoga com vários campos das ciências.
O processo de construção do conhecimento se dá por diversas
perspectivas e, apesar dos autores aqui citados corroborarem para a
importância da modificação paradigmática nos caminhos metodológicos de
estudo da(s) realidade(s), faz-se necessário apontar que a transdisciplinaridade
não nega outras formas de interpretação do mundo, mas atenta à necessidade
de ampliar os horizontes de pesquisa, visando à interação de várias perspectivas
(NICOLESCU, 2000).

Os estudos disciplinares dão conta de abordagens específicas, ou seja,


cada ciência é estudada isoladamente, com processos metodológicos
específicos, dificultando a possibilidade de interação processual de elaboração
de conhecimentos. Já a interdisciplinaridade promove maior interação entre os
campos da ciência, ousando no processo de transferência de processos
metodológicos de uma disciplina à outra, provocando o surgimento de
diferentes processos epistemológicos, dando origem a concepção de novas
disciplinas. A transdisciplinaridade, porém, utiliza-se da disciplinaridade e da
interdisciplinaridade para acessar não somente a realidade, mas as realidades,
de forma simultânea. Ou seja,

A pesquisa disciplinar diz respeito, no máximo, a um único e mesmo


nível de Realidade, aliás, na maioria dos casos, ela só diz respeito a
2o Seminário brasileiro de museologia • 433

fragmentos de um único e mesmo nível de realidade. Por outro lado, a


transdisciplinaridade se interessa pela dinâmica gerada pela ação de
vários níveis de realidade ao mesmo tempo. (NICOLESCU, 2000, p.
12)

Ao redigir a Carta da Transdisciplinaridade, Lima de Freitas, Edgar Morin


e Nicolescu fazem crítica ao crescimento de disciplinas acadêmicas, tendo por
pressuposto que a proliferação da especialização ao estudo dos fenômenos nos
tira a capacidade de observar o ser humano em sua totalidade, dificultando a
percepção de que corpo, mente, espírito, economia, cultura, política, estão
interconectados. Esse processo ainda desencadeia o crescimento das
desigualdades entre os vários grupos sociais, tendo em vista que poucos detém
o saber e o utilizam como arma de dominação sobre muitos.
Os artigos da Carta seguem estruturando os principais preceitos da
transdisciplinaridade, considerando a existência de diversos níveis de realidade,
onde as definições e objetividades são amplamente contestadas, com
valorização da diversidade de mitos, religiões, processos culturais e sociais,
rejeitando a estruturação formativa da sociedade.
Recomenda-se rever as estruturas educacionais, estruturando-as numa
perspectiva transdisciplinar, porém admitindo que o processo transdisciplinar
não se propõe a dominar o processo disciplinar, mas sim, a agregar novas
possibilidades para ampliação da visão sobre as realidades humanas,
estabelecendo outros processos metodológicos e a abertura constante ao
diálogo com novas formas de produção do conhecimento.
A transdisciplinaridade como teoria pedagógica ainda está em fase de
elaboração, porém, muitos educadores percebem nela possibilidades de
trabalhar os diversos conteúdos escolares de forma transversal, como já
apontam os Parâmetros Curriculares Nacionais. Nesse sentido, o projeto
Memória Social nas Escolas tende a se aproximar dessa tendência, visando o
desenvolvimento de atividades que integram várias disciplinas escolares, de
forma a abordar as temáticas relativas ao projeto sob a perspectiva diferente da
estrutura professor-aluno-livro-quadro-carteria-sala.
História, Geografia, Literatura, Artes Visuais, Tecnologia da
Comunicação, são algumas das disciplinas envolvidas nas atividades acima
2o Seminário brasileiro de museologia • 434

descritas. Além disso, o trabalho transdisciplinar permite abordagem de


conteúdos que atingem as dimensões da emoção e do corpo, transversalizando
a assimilação do conhecimento, proporcionando maior envolvimento dos alunos
na construção do saber. E no caso do projeto em questão, os alunos são
estimulados à autonomia na produção dos conteúdos, já que são autores das
histórias que envolvem a escola onde estudam e o bairro onde vivem.
De acordo com Akiko Santos (2009), os princípios teóricos da
transdisciplinaridade nos são úteis para observação da realidade, apontando as
fragilidades das práticas educacionais vigentes, que tendem ao engessamento
das percepções do mundo e das realidades que nele estão. Nesse sentido, o
autor aponta a importância do princípio hologramático para a construção de
um processo transdisciplianar, onde há articulação entre os pares considerados
binários, onde as partes compõem o todo, da mesma forma que o todo está
contido nas partes. Ou seja, as diversas áreas do conhecimento estão
naturalmente interconectadas.
A perspectiva transdisciplinar traz à tona a importância da subjetividade
na construção do conhecimento, que na sala de aula se dá de diversas formas.
Numa perspectiva disciplinar, o professor exige de todos os alunos o mesmo
nível de aprendizagem sobre determinada interpretação do conteúdo
apresentando, não levando em consideração as singularidades de cada
individuo, que por ser único, possui processos particulares de aprendizado.
Nesse sentido,

A construção do conhecimento, segundo [Edgar] Morin (1998), apoia-


se nos movimentos retroativos e recursivos. O autor atenta para o fato
de que não há uma única maneia de aprender. O processo cognitivo
é um processo complexo, uma vez que o sujeito vê o objeto em suas
relações com outros objetos ou acontecimentos. As relações cerebrais
se estabelecem entretecendo-se em teias, em redes. (SANTOS, 2009,
p.21)

O processo de aprendizagem transdisciplinar contribui para formação do


aluno enquanto sujeito complexo, ou seja, enquanto indivíduo que possui
dimensões múltiplas que não se anulam, mas que se complementam. Desta
forma, compreender o indivíduo como ser complexo e completo nos faz admitir
2o Seminário brasileiro de museologia • 435

que o processo de aprendizagem também deve ser complexo e transversal.


Particionar o conhecimento seria também particionar o indivíduo.

Observamos a relevância do projeto Memória Social nas Escolas, já que


sua estruturação proporciona a transversalização dos conteúdos que constam
nos currículos escolares, utilizando-se de eixos como Cultura Visual,
Comunicação e Humanidades. Acreditamos que sua estruturação pode
contribuir, por exemplo, para processos transdisciplinares na escola, onde
professores de diversas áreas podem, através de uma mesma atividade, se fazer
valer da construção do conteúdo por parte dos alunos de forma mais integrada.
Talvez seja ousado afirmar que o projeto Memória Social nas Escolas,
ainda em fase piloto, seja transdisciplinar. Porém é possível apontar que os
procedimentos metodológicos imprimidos durante sua execução nas escolas se
aproxima de características consideradas transdisciplinares.
Um projeto desse tipo pode modificar a estrutura quase exclusivamente
disciplinar do sistema educacional implantado nas escolas? Não é uma tarefa
fácil, mas como afirma Flávia Ribeiro (2011), é possível acreditar “[...] que uma
educação fundamentada no paradigma complexo pode ser construída a partir
das ‘brechas’ que nos são dadas para a realização de projetos que venham a
ser referência para essa prática e diálogo dos saberes presentes nos variados
contextos educativos” (p.49).
A transdisciplinaridade surge, assim, como uma alternativa possível, já
que promove tal aporte metodológico ao conferir maiores possibilidades de
compreensão das realidades transitórias, influenciadas por processos globais.
Um projeto que se propõe a discutir memória social a partir da relação
dialógica entre museu e escola, aportando a temática da identidade com
crianças e adolescentes imersos nos processos de globalização, não pode deixar
de sempre suscitar dúvidas, questionamentos e novas compreensões acerca de
tal dinâmica, tentando, com isso, esclarecer qual o papel do indivíduo frente as
questões coletivas.

Referências
2o Seminário brasileiro de museologia • 436

ALLARD, Michel; BOUCHER, Suzianne; FOREST, Lina. The Museum and the
School. In: McGill Journal of Education, vol. 29, n. 2, 1994.

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Transdisciplinaridade. In: Educação e Transdisciplinaridade. São Paulo: TRIOM,
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educação. In. Pró-Discente: Caderno de Prod. Acad.-Cient. Progr. Pós-Grad.
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transdisciplinaridade: em busca da totalidade perdida. Conceitos e práticas na
educação. Porto Alegre: Sulina, 2009.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as Ciências. 16ª ed. Porto:


Afrontamento, 2010.

WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e


conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu (org); HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn.
Identidade e diferença. A perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes,
2000.
PÔSTERES
2o Seminário brasileiro de museologia • 438

IMAGENS DO PARAÍSO:

UM OLHAR SOBRE O EXOTISMO NA PAISAGEM BRASILEIRA

Walter José do Nascimento Júnior1

Resumo
O presente artigo objetiva discutir o papel do exotismo na construção do
imaginário da Paisagem brasileira e promover uma reflexão de como as
representações exóticas contribuíram com a formação de uma identidade e uma
cultura visual associada ao país. O trabalho concentra sua análise numa
comparação das permanências do exotismo na produção imagética no e sobre
o Brasil.

Palavras-chave: História Cultural – Estudos de Paisagem – Imaginário

Abstract
This article aims to discuss the role of exoticism in the imaginary construction of
the Brazilian landscape and promote a reflection of how the exotic
representations contributed to the formation of an identity and a visual culture
associated with the country. The work focuses its analysis on a comparison of
permanences of exoticism in image production in and about Brazil.

Keywords: Cultural History – Landscape Studies – Imaginary

••••••••••

Exótica, Luxuriante, Exuberante. Assim são definidas por diversas vezes as


gentes e as paisagens brasileiras na produção artística europeia e,
posteriormente, dentro da própria produção imagética brasileira. Contudo, vale
salientar que existe uma abissal diferença entre as formas de apreciação do
termo exótico. Enquanto a Natureza exótica é vista como algo positivo na
formação de uma identidade nacional, o exotismo dos costumes do povo é
encarado como uma marca da selvageria tropical tão mencionada nos tratados
sobre as terras brasileiras ao longo dos séculos. Este trabalho, porém, ater-se-á
ao exotismo presente nas produções artísticas da paisagem e a forma como ela
constituiu uma campanha propagandística criando uma imagem que diverge

1
Graduando em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. Estagiário na
Fundação Joaquim Nabuco no Laboratório de Pesquisa e Restauro de Documentos e Obras de
Arte, também atuando como mediador cultural no Museu do Homem do Nordeste, E-mail para
contato: jrwaltern@gmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 439

fortemente do comportamento bárbaro exótico indissociável do imaginário


sobre os Trópicos.

A Natureza, representada na paisagem, é uma construção da Cultura do


grupo. São os fatores internos ao grupo que determinam as formas de
representação das paisagens. Mas isso só acontece porque o homem é um ser
cultural e nomeador e tende a permear de valores culturais tudo que o cerca e
participa de forma ativa ou passiva de seu cotidiano.

Na definição elaborada por Milton Santos, paisagem é o conjunto de


elementos, formas que num dado momento exprime as heranças que
representam as sucessivas relações entre o homem e a natureza. O espaço são
essas formas e a vida que as anima. Quando fala-se no ponto de vista histórico
partindo do discurso aristotélico de que a Paisagem é a área ocupada por uma
comunidade e toma a forma de corpo político. É o que Simon Schama nomeia
em seus textos como Landschaft, que são áreas de ocupação humana, territórios
sob determinadas jurisdições. A ocupação humana da Natureza é inerente ao
instinto de proteção, busca por segurança e convivência com seus semelhantes.

As primeiras descrições das terras tropicais datam do inicio do século XVI,


com a carta de Pero Vaz de Caminha; com ela, a prolífica produção dos
viajantes sobre Brasil como o Paraíso Terrestre tem início formal. Essas
descrições são particularmente proveitosas para ajudar a compreender o
imaginário europeu sobre os trópicos, até porque muitas foram realizadas in
loco e carregam consigo as percepções do artista sobre a paisagem na qual ele
se debruça.

Apesar da grande produção textual, somente a partir da segunda metade


do século XVII é que se prolifera na Europa uma espécie de séries de imagens
atreladas ao exotismo do Novo Mundo e das Terras do Oriente 2. Tais artigos
serviam para alimentar um imaginário formado através de relatos e crônicas,
pouco parciais e muitas vezes equivocados, feitos por marinheiros e viajantes
que tinham reminiscências dos medos Medievais. Tais relatos constituíram, até o
início do século XVII, o principal conjunto de referências escritas sobre as
Américas, África e Extremo Oriente Asiático. O uso da imagem nesses
documentos era essencialmente ilustrativo e pretendia apenas prender a
atenção do leitor, não havia a preocupação de registrar aquilo que se via de
forma fidedigna e exatamente por isso fica fácil entender porque a iconografia
do século XVI sobre o Brasil traz, muitas vezes, “índios com traços europeus,
paisagem e flora estilizadas e fauna fantástica” (Oliveira, 2006, p. 115). Outro

2
STOLS, Eddy A iconografia do Brasil nos Países Baixos do século XVI ao século XX, Revista USP,
Dossiê “Brasil dos Viajantes”, São Paulo, Universidade de São Paulo
2o Seminário brasileiro de museologia • 440

forte exemplo disso são as representações dos reinos africanos, os potentados


asiáticos, o sultões árabes, entre outros povos tidos como exóticos.

No entanto, as representações idílicas das terras americanas começaram


a mudar com a chegada do Conde João Maurício de Nassau-Siegen, em 1637,
que veio ao Brasil com a missão de ser governador das possessões batavas no
Nordeste açucareiro. Nassau trouxe consigo uma comitiva que não encontrava
paralelo em nenhuma outra possessão das Américas. Eram artistas, cientistas,
médicos, astrônomos que encontraram uma terra praticamente incógnita e
repleta de segredos a serem revelados3. O trabalho desses homens trazidos ao
Brasil por Nassau frutificou de forma excepcional na forma de mapas, livros,
pinturas a óleo e aquarelas, gravuras e uma vasta gama de conhecimento
científico sobre os trópicos que se tornou o primeiro conjunto uniforme de
informações geográficas, topográficas, botânicas, zoológicas e étnicas sobre a
América que mereciam certa credibilidade na Europa Moderna, apesar de suas
motivações comerciais.

Podemos considerar a produção pictórica de Frans Post e Albert Eckhout


de extrema importância e significância para a História do Brasil, em especial do
Nordeste, não apenas por serem as primeiras representações do Nordeste feitas
in loco por artistas profissionais e de certo renome em seu país de origem. Elas
representam, também, uma tentativa de direcionar o olhar para o estranho, o
diverso e exótico Novo Mundo.

Post e a comitiva que acompanhou o Conde João Maurício de Nassau


contribuíram para a criação de imagens cabais da representação e
interpretação do Brasil e de sua paisagem étnica, topográfica e geográfica.
Imagens que estão impregnadas da cultura visual holandesa do século XVII, do
Humanismo que influenciava fortemente a arte produzida naquele contexto
espaciotemporal. No tocante à produção artística, Post foi mais bem sucedido
que Eckhout.

SILVA, Leonardo Dantas «Imagens do Brasil nassoviano», in Elly VRIES e Guilherme Mazza
3

DOURADO, Albert Eckhout volta ao Brasil / Albert Eckhout returns to Brazil (1644-2002) –
Catálogo da Exposição, Copenhegen, Nationalmuseet, p. 65.
2o Seminário brasileiro de museologia • 441

Igreja do Salvador do Mundo - Frans Post –


Disponível em http://www.luizberto.com/wp-content/igreja-do-salvador-do-mundo.jpg

Albert Eckhout não voltou a revisitar os temas Americanos como Post fazia
frequentemente, nem era tão reconhecido em seu tempo, o que justifica a pouca
penetração de sua obra. Por fim, é possível afirmar que o objetivo dessas
imagens, ao menos daquelas feitas no Nordeste Holandês, era registrar a
riqueza das terras sob o domínio batavo na América Portuguesa. Eram,
portanto, cenas criadas a partir de motivações político-econômicas e, ao
contrário do que se firmou no imaginário ocidental moderno, não se constituem
em “documentos” do Brasil como uma terra sem males que esperava os
viajantes para dar-lhes prazer, deleite e riqueza: são, na verdade, uma
expressão alegórica barroca, pois mostram um mundo exótico produzido como
“registro” altamente teatralizado do real.

Posteriormente ao intenso tráfego de imagens sobre o Brasil, fruto das


navegações do século XVII, temos um período de produção artística mais
voltada para o público interno da Colônia. Durante o século XVIII, basicamente
toda produção artística no Brasil possuía um caráter essencialmente voltado à
evangelização, decoração das igrejas. Durante o início do século XIX, a abertura
dos portos possibilitou uma nova explosão da produção pictórica no Brasil e
sobre o Brasil. A partir de 1808, a intensa circulação de pessoas e ideias, a
chegada da família real portuguesa possibilitou um período de grandes
transformações no cenário urbano brasileiro. Consequentemente, essas
transformações acabam interferindo nas formas como as cidades e vilas eram
representadas. Contudo, o exotismo na representação do Brasil, permanece
como uma característica praticamente imutável.

Algumas transformações na representação da paisagem brasileira tem


início nos grandes núcleos urbanos, como Recife e Salvador, no Norte, Rio de
Janeiro e São Paulo, ao Sul. As reformas tentam recriar a cidade aos moldes
2o Seminário brasileiro de museologia • 442

europeus com a finalidade de extirpar de si a aura de exótico, incivilizada,


selvagem. Esgoto e água encanada, para tornar a cidade mais salutar,
arborização sistemática das ruas, praças e parques para difundir a ideia de
ordem, reconstrução dos prédios antigos para adequar-se aos novos modelos
estéticos vigentes no Velho Continente. Enfim, mudanças que planejavam
adequar à cultura visual brasileira à europeia.

Uma característica praticamente sintomática da representação da


paisagem brasileira é a constante presença da vegetação tropical nos cenários
urbanos brasileiros. São palmeiras, coqueiros, frutíferas diversas que
emolduram cidades, palácios, portos. A vegetação exótica é uma das marcas
mais perceptíveis nas obras dos viajantes nos diversos períodos da História do
Brasil. Todavia, se o século XVII trazia o exótico sob a lente da curiosidade, do
diferente, com o objetivo de realizar uma propaganda sobre as terras distantes
do Novo Mundo, o século XIX pretendeu conceder um caráter mais técnico,
científico e racional às suas representações do exotismo brasileiro.

As florestas nativas constituem a parte mais interessante das


paisagens do Brasil; mas também a menos suscetível de
descrição. Em vão procuraria o artista um posto de observação
nessas florestas em que o olhar não penetra além de poucos
passos; as leis de sua arte não lhe permitem exprimir com
inteira fidelidade as variedades inumeráveis das formas e das
cores da vegetação de que ele se vê envolvido. (RUGENDAS,
1972: 9)

O relato do artista alemão John Moritz Rugendas nos auxilia a


compreender um os motivos que auxiliaram a cidade a se tornar uma espécie
de tema central nas produções artísticas e descritivas na primeira metade do
Oitocentos. Posteriormente, com a invenção da fotografia, a pintura cede lugar
à fotografia no tocante da produção de registros científicos. Apesar de todos os
avanços técnicos, o exotismo ainda é muito presente nas reproduções das
paisagens brasileiras. Especialmente no que se referia à luminosidade brasileira,
tão distinta da europeia. Mas vale salientar que o exotismo não era visto pelos
europeus nas florestas tropicais, mas também nas transformações que ocorriam
gradativamente no panorama urbano brasileiro.

(...) Ainda era a cidade colonial do século XVIII (...), cidade de


arquitetura rude, mas com alguns belos conjuntos, muito pitoresca, de
ruas apertadas, mal calçadas, janelas de rótula, iluminação de azeite de
baleia, uma população ruidosa, alegre, de todos os matizes, (...) cores
vivas por toda parte, nas vestes, nas casas, no céu, nas matas, na terra
e, tudo, cintilando à luz forte do sol dos trópicos; matas e árvores
imensas chegando ao pé da cidade, cheias de mistérios, aos olhos dos
recém-chegados. Frutos e legumes exóticos de todas as cores e feitios,
de todos os tamanhos; pássaros e flores de coloridos desconhecidos;
enfim, um paraíso para o pintor jovem e talentoso que foi desenhando,
infatigavelmente, numa sofreguidão de tudo ver e tudo anotar fielmente
(FERREZ, 1976: 23).
2o Seminário brasileiro de museologia • 443

Rio de Janeiro – Entrada da Barra - Marc Ferrez – 1890


http://mlb-s1-p.mlstatic.com/rio-de-janeiro-marc-ferrez-perfeito-carto-postal-14034-
MLB3658505313_012013-F.jpg

Artistas de técnicas e de culturas distintas e distantes em seus tempos.


Artistas que mesmo vivenciando momentos distintos da história brasileira
captaram não só um paraíso terreal que preenchia as páginas da literatura da
época, mas uma paisagem em constante transformação, de uma que recebeu
avidamente as percepções sobre si e que rapidamente os reforçava e difundia.
É fundante afirmar que os dois períodos produziram variadas representações da
paisagem brasileira, sua diversidade étnica e diversidade natural expressa no
exotismo constante. Em suma, podemos dizer que o exótico faz parte da
construção da identidade cultural de um grupo. Essa construção baseia-se nas
trocas e imposições simbólicas entre grupos e indivíduos. Também nos faz
refletir sobre as formas como nós definimos nossa identidade a partir dos olhos
do outro.

Referências

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(1641-1643), in VRIES, Elly de; DOURADO, Guilherme Mazza (orgs.), Albert
Eckhout volta ao Brasil/Albert Eckhout returns to Brazil (1644-2002) - Catálogo
da Exposição, Copenhagen, Nationalmuseet, 2002, pp 117- 131.

BURKE, P. Testemunha Ocular: história e imagem. São Paulo: EDUSC, 2004;


2o Seminário brasileiro de museologia • 444

FERREZ, G. A fotografia no Brasil. Rio de Janeiro: FNA:FNPM, 1985.

________________. O Brasil de Thomas Ender, 1817. Rio de Janeiro: FMS,


1976.

GOMBRICH, E. H., A História da arte, Tradução de Álvaro Cabral, 16. ed., Rio
de Janeiro, LTC, 2010

HAUSER, A. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes,


1998 (Paidéia);

KNAUSS, P. O Desafio de Fazer História com Imagens: arte e cultura visual;

KUNST, H. The African in European Art. Bad Godsersberg. 1967

OLIVEIRA, C. M. S., Um olhar sobre o colonizado: imagens do Nordeste


seiscentista, por Albert Eckhout, Par’a’iwa - Revista dos Pós-Graduandos de
Sociologia da UFPB, João Pessoa, Universidade Federal da Paraíba, n.º zero,
dez. 2000. Publicação eletrônica.

PANOFSKY, E. Significado nas Artes Visuais. São Paulo: Editora Perspectiva,


2001;

PORTELLA, I. M. C. S. A pintura de paisagem no Brasil: a floresta na obra de


Antônio Parreiras. Dissertação de mestrado História e crítica da Arte,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Letras e Artes, (Almir Paredes
Cunha), Rio de Janeiro, 2001.

RUGENDAS, J. M. Viagem pitoresca através do Brasil, 1821-1825. São Paulo:


Martins: Edusp, 1972.

SCHAMA, S. Paisagem e Memória. São Paulo: Companhia das Letras, 1996;

STOLS, E. A iconografia do Brasil nos países baixos do século XVI ao século XX:
uma tentativa de avaliação global. USP / Coordenadoria de Comunicação
Social, Universidade de São Paulo. Número 30. ISSN 0103-9989,
Junho/Julho/Agosto, SP: USP, 1996.

VRIES, E.; DOURADO, G. M. (orgs.), Albert Eckhout volta ao Brasil / Albert


Eckhout returns to Brazil (1644-2002) - Catálogo da Exposição, Copenhagen,
Nationalmuseet, 2002.

YÁZIGI, E. Turismo e Paisagem. São Paulo: Contexto, 2002;


2o Seminário brasileiro de museologia • 445

A COMUNICAÇÃO E O PÚBLICO EM MUSEUS DO CENTRO HISTÓRICO DE


BELÉM DO PARÁ: CONHECER OS VISITANTES PARA PARTICIPAÇÃO
INTERATIVA EM INSTITUIÇÕES MUSEOLÓGICAS

Bernardo Baia dos Santos Conceição1

Carmen Lucia Souza da Silva2

Resumo
O Projeto "Museus e Patrimônio: Musealização no Centro Histórico de Belém"
busca colaborar com o fortalecimento dos Museus e do Patrimônio paraense a
partir de uma abordagem interdisciplinar dos campos de documentação,
conservação, educação, exposição e comunicação museológica, desenvolvendo
levantamentos e mapeamentos das práticas museológicas institucionais e da
vivência sócio-cultural dos espaços do entorno com potencial para a
musealização. Os museus e patrimônios selecionados do Centro Histórico de
Belém e localizados no bairro da Cidade Velha são o Museu de Arte de Belém
(MABE), Museu do Estado do Pará (MEP), Museu de Arte Sacra do Pará (MAS),
Museu Casa das Onze Janelas, Museu do Forte do Presépio, Museu da Imagem
e do Som e também as praças Dom Pedro II, do Relógio e Frei Caetano
Brandão. Nestes espaços estão sendo desenvolvidas pesquisas em diferentes
áreas, por professores e discentes que fazem parte do projeto, contemplado
com o edital do Programa Especial Interdisciplinar da Pró-reitoria de Pesquisa
da Universidade Federal do Pará (Propesp/UFPA). Dentro desse prisma de
estudos interdisciplinares, uma das frentes de trabalho se destina à investigação
do ambiente de produção comunicacional das instituições museológicas. Nosso
intuito é conhecer e estudar o processo comunicativo e realizar estudos de
público, com base na articulação interdisciplinar entre estudos em museologia e
comunicação. As atividades visam contribuir para a efetividade dos serviços
comunicacionais e estreitar as relações e diálogos com o público para que se
tornem práticas frequentes na gestão dos museus. Logo, o que pretende-se com
esta vertente da pesquisa é conhecer o público dos museus, sobretudo os
visitantes espontâneos, mas também contribuir para que a interação entre eles e
as instituições seja estreitada e, ainda, que este elo colabore com a geração de
novas políticas públicas voltadas para fortalecimento do papel social destes
espaços.

1
Graduando do curso de Museologia da UFPA, bolsista Pibic do projeto Museus e Patrimônio:
Musealização no Centro Histórico de Belém, coordenado pela professora. Email para contato:
bernardobaia@yahoo.com.br
2
Doutora em Ciências da Comunicação (Unisinos-RS), professora do curso de Museologia da
UFPA. Email para contato: carmen_silva@yahoo.fr
2o Seminário brasileiro de museologia • 446

Palavras-chave: Comunicação museológica; Estudos de público; Estudos de


visitantes; Comunicação e políticas públicas; Interação nos museus.

Abstract
The project " Museus e Patrimônio: Musealização no Centro Histórico de Belém "
seeks to collaborate with the strengthening of Pará’s Museums and Heritage
from an interdisciplinary approach in differents fields like documentation,
conservation, education, exhibition and museum communication, developing
surveys and mapping of institutional museological practices and socio-cultural
life of the surrounding areas with potential for musealization. The selected
museums and heritage of Belém's historic center located in the Cidade velha
district are the Museu de Arte de Belém (MABE), Museu do Estado do Pará (MEP),
Museu de Arte Sacra do Pará (MAS), Museu Casa das Onze Janelas, Museu do
Forte do Presépio, Museu da Imagem e do Som and also the squares Dom
Pedro II, do Relógio e Frei Caetano Brandão.. These spaces are being developed
in different research areas, by teachers and students that are part of the project,
awarded by the Special Program of Interdisciplinary from the Universidade
Federal do Pará (Propesp/UFPA). Within this perspective of interdisciplinary
studies, one of the works fronts is the investigation of communicational
production environment of museum institutions. Our intention is to know and
study the communication process and make public studies based on
interdisciplinary coordination between studies in museology and communication.
The activities aim to contribute to the effectiveness of communication services and
to get closer relations and dialogue with the public so that they become common
practices in the management of museums. What we want with this aspect of the
research is to know the public museums, particularly spontaneous visitors, but
also contribute to the interaction between them and the institutions be narrowed
and further that this link collaborate with the generation of new public policies
aimed at strengthening the social role of these spaces.

Keywords: Museum communication; Public study; Visitors study; Communication


and public policies; Interaction in museums.

••••••••••

Os museus são definidos nos estatutos do Conselho Internacional de


Museus, de 2007, como “uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a
serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire,
conserva, estuda, expõe e comunica o patrimônio material e imaterial da
humanidade e do seu meio, com fins de estudo, educação e deleite”
(DESVALLÉES, MAIRESSE, 2013, p.64).
2o Seminário brasileiro de museologia • 447

O processo de comunicação é entendido como relação, troca e interação


entre pelo menos dois agentes envolvidos através de um meio ou linguagem de
conexão entre ambas. Para além da tríade comunicacional entre emissor,
mensagem e receptor, compreender o processo e as contribuições que podem
ser compartilhadas em uma relação de diálogo, em uma troca recíproca de
papéis, onde o emissor torna-se receptor e o receptor, emissor e, ainda mais, se
afetam e provocam transformações a partir deste intercâmbio de experiências.

No contexto dos museus, a comunicação aparece, na


contemporaneidade, em especial, mas não exclusivamente, como a
apresentação dos resultados da pesquisa efetuada sobre as coleções, sobre os
interesses de cada público e sobre as possibilidades de atrair visitantes na forma
de exposições, catálogos, atividades educativas e eventos culturais.

Esta perspectiva vê a exposição não apenas como parte integrante do


processo de pesquisa, mas, também, como elemento de um sistema de
comunicação mais geral.

A comunicação museológica é a denominação genérica


que são dadas ás diversas formas de extroversão do
conhecimento em museus [...]. As formas são variadas,
como artigos científicos de estudos de coleções, catálogos,
material didático em geral, vídeos e filmes, palestras,
oficinas e material de divulgação e/ou difusão diversos.
[...] a principal forma de comunicação em museus é a
exposição. (CURY, 2005, p.34).

A exposição é o principal veículo de comunicação do museu. As


exposições são concebidas com o objetivo de comunicar um tema, um conjunto
de objetos, a obra de um artista, um recorte conceitual sobre o acervo, uma
posição política ou ideologia social. A investigação privilegiou o estudo dos
materiais comunicacionais e da relação do público com o museu partindo das
exposições de longa duração, pois é por meio delas que o museu apresenta seu
perfil museológico e a tipologia do seu acervo. “As exposições de longa duração
2o Seminário brasileiro de museologia • 448

abordam temas mais amplos das coleções dos museus. Também exerce o papel
de refletir a proposta do museu, pois é principalmente por meio dela que o
museu se fará conhecido” (IBRAM, 2014, p.27).

Nesta investigação, é dada especial atenção aos estudos de recepção, o


que é um segmento de estudo promissor também nas investigações da área de
museologia, e estão em consonância com recentes políticas públicas.

As políticas públicas devem sempre buscar a construção de


indicadores que permitam avaliar sua abrangência e seu
desenvolvimento. Essa necessidade é ainda mais premente
na área da gestão cultural, que tem pouco tradição na
construção de números que demonstrem sua importância
para o desenvolvimento humano (IBRAM, 2011, p.11).

De acordo com a lei 11.904, de 14 de janeiro de 2009, que institui o


Estatuto de Museus, no 2º parágrafo da subseção II, do capítulo II, diz que “os
museus deverão promover estudos de público, diagnóstico de participação e
avaliações periódicas objetivando a progressiva melhoria da qualidade de seu
funcionamento e o atendimento às necessidades dos visitantes” (BRASIL, 2012,
p.32).

O trabalho objetiva investigar as práticas da produção comunicacional


desenvolvida nos museus e realizar estudos de público, com base na articulação
interdisciplinar entre estudos em museologia e comunicação. Pretende-se obter
um diagnóstico na área e também conhecer de que forma o público participa,
ou pode participar, e ainda pode colaborar com o desenvolvimento da
comunicação nestes ambientes, fazendo com que as instituições museológicas
atinjam o seu papel social. Em relação aos estudos em patrimônio, o trabalho
pretende também investigar as vivências, as formas de ressignificação e o
conhecimento dos usuários dos espaços de Arte Pública sobre os mesmos.

O PROCESSO METODOLÓGICO PARA CONHECER E OUVIR O VISITANTE


2o Seminário brasileiro de museologia • 449

A partir dessas premissas, o presente trabalho iniciou o processo de


coleta de dados para compreensão do ambiente comunicacional dos alvos da
pesquisa, bem como para fornecer subsídios para o desenvolvimento das
demais etapas da investigação.

A metodologia do trabalho está sendo realizada em várias etapas. Na


primeira foi finalizado o levantamento das práticas museológicas de
comunicação e dos os instrumentos e recursos utilizados nos seis museus nesta
área. Foram identificados por meio de estudos in loco, observando inclusive as
formas de divulgação do acervo em meio impresso e digital. Foram, assim,
mapeados o período das exposições de longa duração e temporárias; as
publicações impressas como livros, catálogos, folderes, convites, postais; a
produção de conteúdos textuais e digitais disponibilizados em sites e blogs, bem
como a utilização de redes sociais como YouTube, Facebook, Twitter, Instagram;
e a contagem de público por meio de instrumentos como livro de assinaturas,
lista de visitas agendadas e de atividades educativas, questionários e ingressos
contabilizados.

Outra atividade de investigação do processo comunicativo dos museus foi


a realização de entrevistas com os técnicos dos Setores Educativos para
identificar as rotinas comunicativas, a forma que os museus se inserem no
território e de que forma se relacionam com os diferentes públicos. Foi
elaborado um questionário contendo nove perguntas aplicado junto aos técnicos
dos Setores Educativos. O roteiro de entrevista foi pautado nas ações educativas,
nas relações com a comunidade do entorno, na comunicação do acervo e nas
demais atividades comunicacionais desenvolvidas pelos museus.

A entrevista foi gravada em áudio e foi realizada juntamente com


bolsistas PIBIPA (Programa Institucional de Iniciação Artística). Após o registro, os
arquivos em áudio foram organizados e as entrevistas foram transcritas
integralmente. As informações coletadas foram sistematizadas em uma tabela
que especifica as atividades comunicativas desenvolvidas nos museus, o
responsável, os recursos e meios utilizados, a frequência, o público e o objetivo.
2o Seminário brasileiro de museologia • 450

Esses levantamentos preliminares subsidiaram a construção dos


instrumentais de investigação necessários para realização de estudos de público,
em pesquisas de recepção. Para o desenvolvimento dessa atividade foi
necessário o acesso aos livros de assinatura, para a análise das informações e
sistematização dos dados na forma de tabelas estatísticas especificando o total
de visitantes mensalmente, o gênero, a idade e a procedência.

A prática de contagem de público não é uma prática regular nos museus


de Belém. Mais do que fornecer números, é essencial para o acompanhamento
e monitoramento das atividades e objetivos específicos de cada instituição.
Indica também as exposições de maior público, o perfil do visitante e a
necessidade de adequação e ampliação das ações de comunicação nos
museus. A pesquisa do público espontâneo nos museus foi finalizado. O
agendamento das visitas de escolas, universidades e comunidades é realizado
pela Coordenação de Educação e Extensão do SIM. Nas visitas escolares são
informados a escola, o endereço, o bairro, o número repassadas aos Setores
Educativos dos Museus para que desenvolvam as atividades. Os dados são
sistematizados pela própria Coordenação do Sistema que produz uma estatística
mensal das visitas agendadas.

Com o avanço da pesquisa de público, o trabalho busca também


investigar o processo de aproximação do público, como o público vivencia o
espaço dos museus e de patrimônio, qual o público atendido na realização das
atividades por instituições museológicas, se a comunidade do entorno frequenta
os museus ou como experiência os monumentos de Arte Pública da região
estudada. O trabalho foi realizado, inicialmente, junto aos livros de assinaturas
para contabilizar o total de visitantes no ano de 2014, informações estas que
subsidiaram a elaboração do questionário utilizado na pesquisa de público,
realizada primeiramente no Museu do Estado do Pará, no mês de julho de
2015. Os dados coletados estão sendo analisados.

Como a pesquisa pretende ser desenvolvida durante dois anos, neste


próximo ano os questionários serão aplicados junto ao público de pelo menos
três outros museus. No Museu da Imagem e do Som e no Museu do Forte uma
2o Seminário brasileiro de museologia • 451

outra abordagem para o estudo do público está sendo estudada, já que os


levantamentos iniciais da pesquisa indicaram que aquele não possui um fluxo
freqüente de visitação e neste o fluxo do museu é contabilizado juntamente com
o do monumento, o que acaba afetando os critérios metodológicos da pesquisa.
A meta é que até o início de 2016 todos os espaços sejam estudados, sob o
enfoque dos estudos de recepção.

PRIMEIROS RESULTADOS OBTIDOS: A COMUNICAÇÃO NAS INSTITUIÇÕES E


O PÚBLICO DO MEP

A investigação das práticas e rotinas de comunicação museológica foram


realizadas nos seis museus, bem como o levantamento dos meios e recursos
utilizados pelos técnicos no desenvolvimento das atividades. Os estudos estão
sendo desenvolvidos teórico e empiricamente. A pesquisa teórica é construída
baseada nos estudos de comunicação museológica desenvolvidos no Brasil, nos
livros publicados pelos museus e nos catálogos das exposições, e com base
ainda nos estudos de recepção. A pesquisa empírica é construída na experiência
cotidiana com os técnicos dos museus, com o público visitante e com o
acompanhamento das atividades comunicacionais desenvolvidas pelas
instituições.

No que diz respeito ao público, o trabalho foi realizado, inicialmente,


junto aos livros de assinaturas para contabilizar o quantitativo de visitas
espontâneas. Optou-se pelos livros por serem registros materiais da passagem
das pessoas pelo museu, constituindo-se um importante documento de registro.
Por esta questão, foi este quantitativo que deu base ao cálculo estatístico para
determinação do quantitativo de visitantes junto aos quais seria aplicado os
questionários, na segunda fase da pesquisa. Nesta etapa a meta é conhecer o
perfil dos visitantes do museu, seu nível de satisfação, críticas e sugestões. O
MEP foi o primeiro a receber esta etapa da pesquisa. Portanto, o quantitativo de
questionários aplicados no MEP durante mês de julho de 2015 foi estabelecido
de acordo com cálculo estatístico, a partir do número mensal de visitantes
indicado nos livros de assinatura do Museu.
2o Seminário brasileiro de museologia • 452

Os questionários foram aplicados presencialmente ao final da visita do


público espontâneo, maior de 16 anos, à exposição de longa-duração do
museu. As perguntas objetivas e subjetivas investigaram a idade; sexo;
procedência; escolaridade; profissão; faixa de renda; se é a primeira vez que
vista o museu ou se visitou em ocasiões anteriores; se foi exclusivamente ao
museu para visitar exposições; o que motivou a visita; como ficou sabendo das
exposições; como avalia as exposições; o que mais e o que menos gostou na
exposição; se pretende visitar novamente o museu; qual a escala de importância
atribuída ao museu; o que falta ou precisaria no espaço de exposição; se tem
alguma sugestão para que as pessoas visitem mais as exposições; se visitou
outras exposições e com que frequência visita exposições.

PROSSEGUINDO A PESQUISA

As próximas etapas do projeto são prosseguir com a aplicação dos


questionários nos outros museus, análise dos dados resultantes desta
investigação, além da sistematização geral dos dados coletados na primeira
fase. A metodologia desenvolvida no MEP será a mesma aplicada no
prosseguimento da pesquisa no Museu de Arte de Belém, Museu da Arte Sacra e
no Espaço Cultural Casa das Onze Janelas, a serem realizadas até o início de
2016.

Nos instrumentais de pesquisa, serão feitas apenas pequenas adaptações


de acordo com o perfil de cada museu. As perguntas investigam o perfil do
público participante e a qualidade da experiência da visita, se adequando ao
perfil museológico e a tipologia do acervo de cada museu, na inserção de novos
itens ou exclusão de itens que não atendam às demandas do público.

Estes estudos vão se somar a outros, que serão realizados por outras
frentes da pesquisa, que também desenvolvem investigações a partir da tomada
interdisciplinar sobre os Museus e o Patrimônio do Centro Histórico de Belém,
inclusive dentro da perspectiva do diálogo entre a comunicação e a museologia.
2o Seminário brasileiro de museologia • 453

Referências

BRASIL. Câmara dos Deputados. Legislação sobre Museus: Lei nº 11.904, de 14


de janeiro de 2009. Institui o Estatuto de Museus. Legislação sobre Museus.
Atualizada. Brasília, DF: Edições Câmara, 2012.

CURY, Marília Xavier. Exposição: concepção, montagem e avaliação. São Paulo:


Annablume, 2005. 162p.

DESVALLÉES, André; MAIRESSE, François (ed.). Conceitos-chave de Museologia.


Tradução e comentários de Bruno Brulon Soares e Marília Xavier Cury. São
Paulo: Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Museus: Pinacoteca do
Estado de São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 2013. 100 p.

INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS. Museus em Números. Brasília, DF, 2011.


V.1.

__________. Museus e Turismo. Brasília, DF, 2014.

SANTAELLA, Lucia. Comunicação e Semiótica. São Paulo: Hacker Editores,


2004.
2o Seminário brasileiro de museologia • 454

UMA EXPERIÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DE EXPOSIÇÃO FLEXÍVEL


PARA ITINERÂNCIA PARA CIRCULAR EM REGIÃO DE DIFÍCIL ACESSO

Mário Donizeti Domingos

Resumo
O Instituto Abramundo, realizador da exposição Uma Viagem pelo Universo do
Petróleo tem como missão disseminar a cultura cientifica e faz isso por meio de
publicações, projetos sócio-educacionais e principalmente exposições. Realizou
exposições em parceria com Museu de História Natural de Nova Iorque (Darwin
, 2007; Revolução Genômica, 2008; Einsten, 2008), e outras desenvolvidas
internamente com Água (2010) , Estufa do Cerrado (2012) , Espaço Interativo
da Sustentabilidade (2014) e Reverta (2015). Em 2012 o Instituto foi procurado
para criar uma exposição sobre a cadeia do petróleo para itinerar em cidades
do sul da Bahia (Brasil) com a finalidade de esclarecer e engajar as
comunidades que estavam diretamente sob influência da atividade de
exploração do petróleo. A exposição deveria ter as seguintes premissas: ocupar
uma área de 70 m2, ser flexível e modular; de fácil montagem e desmontagem
e ser interativa. Foram criados módulos expositivos com essas características que
tratavam de temas associados à cadeia do petróleo e energias renováveis.
Também foi elaborado o programa educativo e de transportes de estudantes e
de membros das comunidades. A exposição itinerou por sete municípios e foi
vista por mais de 7000 pessoas, dos quais 4762 alunos eram alunos de 170
escolas.

Palavras-chave: Exposição itinerante; Exposição modular; Petróleo.

Abstract
The Abramundo Institute´s mission is to disseminate scientific culture and does so
through publications, social and educational projects and especially, exhibitions.
It held exhibitions in partnership with Natural History Museum of New York
(Darwin, 2007; Genomics Revolution, 2008; Einstein, 2008), and some others
were developed internally, as Water (2010), the Cerrado´s Greenhouse (2012),
Interactive Area of Sustainability (2014 ) and Reverta (2015). In 2012, the
Institute sought to create an exhibition on the oil chain to travel to seven cities in
the south of Bahia (Brazil) in order to enlighten and engage the communities that
were directly influenced by the oil exploration activity. The exhibition should have
the following assumptions: occupy an area of 70 m2, to be flexible and
modular; easy assembly and disassembly and to be interactive. Exhibition
modules were created with these characteristics, which dealt with topics related to
the oil and renewable energy chain. An educational program and transport of
students and community members were also available to the communities. The
itinerant exhibition reached seven municipalities and was seen by over 7,000
people, of which 4762 were students from 170 schools.
2o Seminário brasileiro de museologia • 455

Keywords: Traveling exhibition; modular exhibition; Oil.

••••••••••

INTRODUÇÃO

Produzir exposições que possam ser replicadas ou que possam itinerar é


hoje uma opção importante para produtores culturais e museus, já que ampliam
sua atuação no tempo e espaço, permitem o acesso a cultura e conhecimento a
um maior número de pessoas e podem trazer retorno financeiro para
sustentabilidade econômica destas instituições. Não é novidade a montagem de
exposições utilizando como suporte para acervo as próprias embalagens das
obras ou a construção de museus itinerantes em caminhões, ônibus, trens e
barcos. Porem consideramos que a criação desta exposição apresentou alguns
diferenciais quanto desenho, logística e relação com público já que sua
proposta era abrir um canal de diálogo e engajamento de uma empresa
petrolífera com comunidades do sul da Bahia (BR), afetadas pela exploração
petrolífera, atividade que está em desenvolvimento na região e uma questão
bastante polêmica.

O petróleo é hoje tema conflituoso e de difícil abordagem. De um lado


nossa dependência energética, pelo menos por enquanto, e dos produtos
derivados, de outro lado as questões ambientais associados à exploração,
extração, transporte e uso como combustível. Inegável é que ainda existe uma
dependência da humanidade por este material. A exposição foi desenvolvida
para trazer estas questões à discussão e informar as comunidades e assim
contribuir para formação de cidadãos cientes e críticos em relação a esta
questão delicada.

Autores têm apontado e discutido a importância da formação de


cidadãos críticos em relação às questões que envolvem Ciência, Tecnologia e
Meio Ambiente, assim como participativos quanto à tomada de decisões que
2o Seminário brasileiro de museologia • 456

envolvam esses temas (AIKENHEAD, 1994; AULER & BAZZO, 2001). Por outro
lado estamos frente a uma crise no ensino de Ciências como mostram nossos
resultados do PISA - Programme for International Student Assessment e mais
recentemente o ILC – Indicador de Letramento Científico (INSTITUTO
ABRAMUNDO e cols., 2014) onde verificou-se que somente 4% da população
residentes em regiões metropolitanas, entre 15 e 40 anos e com pelo menos 4
anos de estudo, portanto alfabetizados, têm apropriação de conceitos científicos,
são capazes de argumentar hipóteses e avaliar propostas e afirmações que
exigem conhecimentos científicos em diversos contextos.

Isso sinaliza que novas estratégias, como exposições, devem ser utilizadas
como apoio ao ensino escolar e também na contínua atualização dos cidadãos,
uma vez que os avanços nas áreas de Ciência, Tecnologia e Ambiente, têm
profundas influencias na sociedade e esta deve ter uma participação ativa e não
pode estar ausente nessas discussões que determinam seu presente e futuro.

OBJETIVOS

Desenvolver uma exposição flexível e modular para itinerar em regiões de


difícil acesso; ampliar o conhecimento sobre a atividade de exploração e
produção do petróleo por populações diretamente afetadas; e promover o
engajamento das comunidades do sul da Bahia com questão do petróleo.

METODOLOGIA

As premissas para elaboração da exposição foram: itinerar na região sul


do estado da Bahia; facilidade de montagem e desmontagem; ocupar uma área
máxima de 70 m2; ser transportável em veículo que pudesse percorrer estradas
em precárias condições. Assim foram criados módulos leves, auto portantes,
telescópicos ou dobráveis, com fácil mobilidade. Os conteúdos foram divididos
em seções sequenciais, mas independentes, para que alguma pudesse ser
excluída, se necessário, devido à pequena área disponível para montagem em
algum município. Isso exigiu que todo conteúdo e a identidade visual, integrasse
as seções e ao mesmo tempo fosse possível a exclusão de uma delas. O
2o Seminário brasileiro de museologia • 457

programa educativo deveria atender os alunos e professores de Ciências do


Ensino

1
Curador Científico do Instituto Abramundo, e-mail para contato:
mario.domingos@abramundo.com.br

Fundamental II e comunidades da região, portanto a adequação do


conteúdo e da linguagem foi fundamental para atingir um público bastante
heterogêneo. Da mesma forma foi pensado o agendamento de visitas de alunos
e a logística de transporte, já que algumas escolas ficavam distantes do local da
exposição, e. Também foi realizada uma pesquisa de satisfação com visitantes
que considerou as expectativas em relação ao tema, a seção de maior interesse,
o ineditismo das seções, a atuação dos mediadores. Para o educativos foram
adaptados duas publicações, uma para alunos e outra para professores, além
da formação dos professores e dos mediadores que acompanharam a
exposição durante toda sua itinerância.

RESULTADOS

A proposta da exposição foi criar um canal de comunicação entre


empresa e comunidades atingindo um público carente desse tipo de atividade,
que precisavam passar de agente passivo à ativo nas questões referentes à
prospecção e extração de petróleo que ocorrerão na região que habitam e de
onde retiram seu sustento. A exposição itinerou por sete municípios da Bahia
(Valença, Ilhéus, Cairu, Itaparica, Vera Cruz, Itacaré e Salvador) e foi montada
em espaços com diferentes configurações, como bibliotecas, hotéis, escolas,
museus e até em um convento. Em cada município permaneceu montada por 7
dias.

Conteúdo

A exposição “Uma viagem pelo universo do petróleo”, foi dividida em 5


seções: Petróleo cotidiano, que mostrava os diversos usos desse material;
Formação do petróleo, que apresentou o processo de formação e outros
2o Seminário brasileiro de museologia • 458

aspectos geológicos associadas ao petróleo; Em busca do petróleo, que falou


dos processos de sísmica e prospecção; Operações seguras e confiáveis, que
mostrou as tecnologias para exploração segura confrontado com riscos e o
processo de licenciamento ambiental; Petróleo e energia, que tratou das fontes
alternativas de energia.

Construção dos módulos

Todo o conteúdo de painéis, maquetes e interativos foram montados em


módulos metálicos, como contêineres, já que a exposição estava relacionada a
um tema industrial. Para garantir as diretrizes de mobilidade, flexibilidade e
facilidade de montagem as estratégias de design utilizadas são apresentadas
nas Figuras 1 a 5, em que as setas indicam sentido de fechamento das partes
telescópicas ou dobráveis.

Figura 1 – Módulo sobre geologia do petróleo com partes telescópicas e dobráveis. Observe que seu
comprimento se reduz a metade para transporte e acondicionamento.

Figura 2 – Módulo que mostra diferentes tipos de petróleo com laterais dobráveis que fecham para
proteger o conteúdo.
2o Seminário brasileiro de museologia • 459

Figura 3 - Módulo dobrável sobre riscos e planos emergenciais.

Figura 4 – Módulo sobre exploração do petróleo com maquete e partes dobráveis.

Figura 5 – Módulo interativo sobre energias renováveis com sistema telescópico.


2o Seminário brasileiro de museologia • 460

Educativo e Visitação

O programa educativo elaborado envolveu formação de monitores, que


viajaram junto com a exposição entre abril e julho de 2012; a adaptação de
material impresso produzido pela petroleira na Inglaterra para a realidade
brasileira e regional, além de sua distribuição às escolas junto com amostras de
fósseis e rochas; encontros para formação de professores em cada município; e
o transporte e agendamento de visitas de estudantes. No total 4762 alunos de
170 escolas das redes públicas e escolas privadas foram impactados e 428
professores receberam formação. Além de estudantes, 2043 pessoas,
moradores e turistas, visitaram a exposição espontaneamente.

A pesquisa de opinião foi bastante positiva em relação à exposição. Mais


de 80% dos visitantes consideraram que atendeu a expectativa de conhecer a
indústria do petróleo e, principalmente entre os alunos, os conteúdos expostos
se apresentaram como novidades. Também ficou claro que os módulos que
continham interativos foram os preferidos dos visitantes.

CONCLUSÕES

O desenvolvimento de uma exposição como estratégia de acesso a um


público particular com o objetivo de esclarecimento e engajamento das
comunidades foi bastante positiva e inovadora. Como resultado a iniciativa
recebeu o Selo do Prêmio IBEF de Sustentabilidade (Instituto Brasileiro de
Executivos de Finanças) em 2014, uma certificação conferida a empresas pela
excelência no desenvolvimento de ações que promovem a sustentabilidade e
ficou entre os 15 finalistas do Helios Awards, premiação interna da empresa,
entre 1.294 projetos inscritos de 55 países na categoria “Community
Engagement: the earlier, the better”. Além disso, a exposição foi uma
oportunidade única de levar às populações que vivem em regiões que estão fora
circuito cultural uma experiência que só poderiam presenciar se deslocando de
seus municípios de origem.
2o Seminário brasileiro de museologia • 461

Referências

AIKENHEAD, G. What is STS Science Teaching? In: SOLOMON, J.;


AIKENHEAD, G. STS Education: International Perspectives on Reform. Nova
York: Teachers College Press, 1994.

AULER, D. & BAZZO, W. A. Reflexões para implementação do movimento


CTS no contexto educacional brasileiro. Ciência & Educação, v. 7, n. 1, p. 1-13,
2001.

INSTITUTO ABRAMUNDO, AÇÃO EDUCATIVA & INSTITUTO PAULO


MONTE NEGRO. ILC Indicador de Letramento Científico: Sumário executivo de
resultados 2014. São Paulo, 2014.
2o Seminário brasileiro de museologia • 462

O TRABALHO DA AÇÃO EDUCATIVA NA ELABORAÇÃO DOS PROJETOS DE


EXPOSIÇÃO

Vivian Leticia Moura1

Resumo
O Museu é uma instituição a serviço da sociedade e sua missão de preservar é
inter e multidisciplinar, dentre os meios de cumprir sua missão, a exposição é o
principal fomentador de conhecimentos e de diálogo com o público. O
patrimônio é o principal motivo das atividades desenvolvidas em prol da
preservação da memória de uma sociedade na qual foram criadas coleções. Ao
expor um acervo, de qualquer natureza, existe um público que se deseja atingir,
e com isto cria-se vínculos com a história de seu passado, aliado com seu
presente e contribuindo para constituição do seu futuro. Ao elaborar um projeto
de exposição, a equipe responsável pela curadoria tem o dever de promover
mecanismos que facilitem a compreensão do visitante, utilizando outras
ferramentas de interação, com a finalidade de proporcionar a criação de um
roteiro que possa se tornar além de interessante, estimulante para todos os
públicos. O objetivo deste trabalho é analisar e discutir os mecanismos
necessários para promover uma exposição mais interativa com o público, na (re)
produção do conhecimento. As mostras desenvolvidas ao longo do histórico das
exposições são elaboradas com projetos que preservam a dinâmica visual, ou
seja, “expor por expor”, diversas tipologias de acervo existentes permitem criar
outras propostas inclusivas, não limitando o público visitante “ao olhar”. Por isso
se faz necessária uma análise sobre o desenvolvimento das exposições que
utilizam um discurso antigo, que prioriza apenas um mecanismo de expor os
objetos. Como transpor o conhecimento dentro dos museus, Museu de História,
de Arte, de Ciência e outros? Quais projetos educacionais desenvolvidos dentro
destas instituições? A interdisciplinaridade é fundamental, pois colabora com a
diversidade de pensamentos. A metodologia se pautou em análises visuais
realizadas no período de estágio na ação educativa do Museu de Artes de
Belém e as reações observadas no público.

Palavras-chave: Exposição; Preservação; Memória; Interação.

Abstract
The Museum is an institution that serves the society and the mission of
preservation is inter and multidisciplinary, among the means to fulfill its mission,
the exposure is the leading developer of knowledge and dialogue with the public.
Heritage is the main reason of the activities for the memory’s preservation of a
society in which collections were created. By exposing a collection of any kind

1
Granduanda do Curso de Bacharelado de Museologia, pela Universidade Federal do Pará –
UFPA, E-mail para contato: vivianmolder@hotmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 463

there is an audience they want to reach, and thus it creates ties with the story of
his past, combined with its present constitution and contributing to its future. To
prepare an exposure project, the team responsible for curating has a duty to
promote mechanisms to facilitate the understanding of visitor using other
interactive tools, in order to provide the creation of a script that can develop
beyond interesting, stimulating for all audiences. The objective of this study is to
analyze and discuss the necessary mechanisms to promote a more interactive
exhibition with the public, in the (re) production of knowledge. The shows
developed over the exhibits historical are prepared with projects that preserve the
visual dynamics, for example "exhibit by exhibit," the various existing collection of
typologies allow to create other inclusive approach, not limited the visitors to "the
look". Therefore an analysis on the development of exhibitions is required when
it’s used an old speech, which prioritizes only a mechanism to expose the objects.
How to bridge the knowledge within the museums, Museum of History, Art,
Science and others? Which educational projects are developed in these
institutions? The interdisciplinary approach is essential, as it helps with the
diversity of thoughts. The methodology was based on visual analyzes the
apprenticeship period in the educational action of the Belém’s Museum of Arts
and reactions observed in public.

Keywords: Exposition; preservation; memory; interaction

••••••••••

O trabalho apresentado tem como objetivo pensar sobre algumas


questões que impactam no desenvolvimento de propostas educativas
desenvolvidas dentro de exposições de Arte e História, e proporcionar um
aprendizado lúdico que permitam reflexões no público escolar e nos visitantes
em geral, possibilitando diferentes olhares. Para isto, consideramos que mesmo
a exposição tendo um público-alvo e uma intenção, a exposição necessita
dialogar com seu apreciador de forma que explore outros sentidos, além do
olhar.

Faz-se importante pontuar que o museu abriga e expõe coleções diversas


em prol da preservação da memória de um determinado período e de grupos
de indivíduos que as querem perpetuar. O discurso expositivo necessita de
inovações mais interativas com seu público, agregando conhecimento e lazer de
forma prazerosa para seduzir o visitante e sensibilizá-lo de sua participação
2o Seminário brasileiro de museologia • 464

neste processo, mesmo que o acervo exposto esteja relacionado com o passado.
O museu deve se torna um espaço de aprendizagem e reconhecimento da
produção artística de suas épocas passadas e também atuais, revelar novas
produções artísticas e despertar em crianças e jovens o hábito de visitar os
museus desde cedo, como ocorre em grandes cidades. O cenário cultural de
Belém e do seu estado proporciona a criação de inúmeros projetos de
exposição. Neste sentido, cabe lembrar a afirmação de Silvania do Nascimento
(2013), quando diz que “As novas tecnologias de comunicação revolucionam
nosso cotidiano e impõe aos museus a aplicação de um discurso de imagens,
sons, luz e cores”. (2013, p. 234), assim, observa-se que diante das novidades
tecnológicas o cenário cultural de Belém tem a disposição uma gama de
possibilidades que permitem ao fazer expositivo construir produtos que
possibilitem maior interação e apropriação do público com as exposições.

E são estes recursos inovadores que podem se aliar às propostas


expositivas quebrando o paradigma dos museus, muitas vezes atrelados ao
senso comum em que o pensamento que prevalece sobre estes é de que
“guardam coisas velhas e sem sentido”. Ao torna-se um espaço de
desenvolvimento cultural e de lazer a diferentes cidadãos, esta instituição
necessita de uma equipe de profissionais interdisciplinar capaz de realizar e
promover propostas que dinamizem os processos de interação com seu visitante.

As diversas tipologias de museus com seus acervos e a produção do


conhecimento desenvolvido por estas instituições ao longo de sua trajetória,
evidenciam uma mudança de paradigmas na formulação das exposições
propostas. O objetivo é transformar a relação entre acervo e visitante e
proporcionar uma interação com os objetos de forma que estes se tornem
informação e produzam questionamentos diversos que possibilitem a
preservação da memória, que se constitui como um patrimônio para a
sociedade.

A musealização como processo envolve a seleção de determinados


objetos e a estes, a uma atribuição de valores com a sua retirada do circuito de
uso primário e cotidiano. Este processo se desenvolve em espaços museológicos
2o Seminário brasileiro de museologia • 465

ou com potenciais museológicos no qual as coleções criadas recontam uma


memória através do fato museal. Os distintos objetos de uma determinada
coleção são produtos da cultura material de um povo ou sociedade, que existem
ou existiram em um determinado período e que devem ser preservadas.

O pensamento apresentado suscita várias indagações que devem ser


debatidas. Como os Museus de Arte ou de História podem desenvolver
dinâmicas interativas com seu público escolar ou seu visitante comum? Por que
são mais comuns os museus de Ciências elaborarem propostas lúdicas? Os
museus de Arte, História, e outras nomenclaturas precisam levar em
consideração as transformações ocorridas no cenário tecnológico
comunicacional e desenvolver novas linguagens. Assim, o museu deixa de
apresentar uma prática contemplativa e passiva, para tornar o público ativo e
integrante dos processos históricos, isto é possível através de mecanismos de
interação planejados na elaboração dos projetos de exposição. É preciso levar
em consideração os espaços de atuação dos museus que na maioria das vezes
é constituído dentro de prédios históricos tombados pelos órgãos de proteção do
patrimônio, o que dificulta a proposta, uma vez que limita o espaço a certas
modificações de grande porte. Estas e outras questões precisam ser debatidas e
analisadas com extremo cuidado, pois o patrimônio edificado também é parte
integrante neste caso, e não são somente objetos de uma coleção, mas sim a
preservação de uma história contada a partir de objetos musealizados.

Esses questionamentos surgiram após o período de estágio entre agosto


de 2013 a agosto de 2015 no Museu de Arte de Belém (MABE), no trabalho
diário de ação educativa do museu, o qual se propõe a atender os diversos
públicos que visitam a instituição e apresentar o acervo e seu histórico, criando
um vínculo positivo com o público. O Setor de Ação Educativa é fundamental
para aproximar o visitante da exposição, mas não pode ser utilizado como único
mecanismo de interação. É conveniente que o visitante se sinta participante dos
processos de comunicação estabelecidos com e pela exposição e suas
considerações sejam levadas a promover certas mobilizações no sentido de
troca de conhecimento.
2o Seminário brasileiro de museologia • 466

Pode-se dizer que o acervo do Museu de Arte de Belém preserva um


discurso tradicional, no qual os objetos musealizados representam a memória
de uma época da elite paraense, conhecida como Belle Époque, e as atividades
desenvolvidas a partir deste, enaltece um passado. Embora o museu apresente
uma nomenclatura de museu de arte, sua perspectiva torna-se mais histórica, ao
introduzir relações do desenvolvimento urbano e social no período entre o final
do século XIX e início do século XX. Portanto as ações educativas são
desenvolvidas a partir deste viés, e sua proposta de mediação é voltada para
um modelo tradicional, no qual muitas vezes é evidenciada a falta de
planejamento desta em detrimento de outras atividades do museu. Por se tratar
de objetos antigos na maioria das vezes executados em técnicas artísticas ou
artesanais, o acervo que compõe as coleções de história ou arte, requer um
cuidado extensivo. Como utilizar práticas com objetos tão sensíveis que resistem
ao longo do tempo? Os museus tradicionais por grande período cultivaram o
“não pode”, ou seja, não pode tocar, não pode fotografar, não pode comer
nem beber, por questões de segurança, tornando assim a visita diferenciada de
outros equipamentos culturais. Se fosse comparado a outros espaços de cultura,
provavelmente o museu seria última opção. (RICO, 2002).

Assim, é relevante a conjugação de duas propostas a: conservação do


acervo e o bem estar do visitante, com vistas a assegurar a plena fruição das
exposições e a eficácia do processo comunicativo por ela proposto, com isto,
alcançando os objetivos estabelecidos no processo de concepção do projeto
expositivo.

Desde modo, cabe notar que é necessário criar mecanismos que


modifiquem as propostas de visitação e promovam o acesso às informações de
forma que os objetos expostos passem por indagações diversas e seu público
reconheça a intenção das exposições criadas, elaborando problematizações à
cerca de seus objetos constituídos das mais diversas qualidades e materiais.
Trazer elementos criativos e que possam ser manipulados pelos visitantes pode
ser boas opções, contudo, é preciso também considerar que a interação entre
sujeitos e obras não se limitam ao tocar e/ou apertar de botões, mas passa pelo
2o Seminário brasileiro de museologia • 467

treinamento crítico dos monitores e mesmo pela liberdade de o visitante poder


simplesmente circular e contemplar em silêncio as obras.

Referências

BARBUY, Heloisa. Exposição universal de 1989. Em Paris. Edições Loyola. São


Paulo, 1999.

CONDURU, Roberto. Exposições como Discurso. p. 61 – 68. In. MAST Colloquia


Vol 8. Discutindo Exposições: Conceito, Construção e Avaliação. Rio de Janeiro,
2006.

CURY, Marília Xavier. Exposição, Concepção e Avaliação. AnnaBlume. São


Paulo. 2005.

MENEZES, Ulpiano T. Bezerra de. A exposição Museológica e o Conhecimento


Histórico. p. 15 – 88. in. Museus dos gabinetes de curiosidade a Museologia
moderna. Org.Betânia Gonçalves Figueiredo e Diana Gonçalves Vidal.Belo
Horizonte – MG. Fino Traço, 2013.

NASCIMENTO, Silvânia Souza do. O desafio de uma nova prática educativa


para os museus. in. Museus dos gabinetes de curiosidade a Museologia
moderna. Org.Betânia Gonçalves Figueiredo e Diana Gonçalves Vidal. Belo
Horizonte – MG. Fino Traço, 2013. p. 231 – 249.

RICO, Juan Carlos. ?Por qué no vienen a los museos? História de um fracasso.
Silex Edictiones. Madrid, 2002.
2o Seminário brasileiro de museologia • 468

PLANEJAMENTO MUSEOLÓGICO:

GESTÃO DA INFORMAÇÃO E DO CONHECIMENTO

Cláudia Maria Alves Vilhena1

Cátia Rodrigues Barbosa2

Resumo
O planejamento museológico como um documento informacional e
institucionalizado é uma ferramenta estratégica de gestão museológica.
Fortalece a instituição em vários aspectos. Sua importância reside em ser um
norteador das ações museológica dentro da instituição. O planejamento
museológico é utilizado como principal recurso estratégico para a gestão dos
museus, o qual deve estar baseado no diagnóstico completo da instituição. Para
a partir de então, elaborar e implementar o plano museológico participativo.
Neste sentido, a pesquisa proposta visa analisar os impactos do plano
museológico na gestão dos museus e sua relação com a gestão da informação
e do conhecimento. Com uma metodologia qualitativa, por meio de análise
documental, questionários busca-se responder as seguintes questões: em que
medida o plano museológico é eficaz para a gestão do museu? Quais as
percepções dos gestores dos museus com relação ao uso do Plano
Museológico? Qual o sentimento que os gestores têm com a aplicação do plano
museológico na tomada de decisão?

Palavras-chave: Museu; Gestão Museológica; Gestão da Informação e do


Conhecimento; Plano Museológico.

Abstract
The museum planning and institutionalized as an informational document is a
strategic tool for museum management. Strengthens the institution in many ways.
Its importance lies in being a guiding museum of actions within the institution.
The museum planning is used as the main strategic resource for the
management of museums, which must be based on thorough diagnosis of the
institution. To thereafter, prepare and implement participatory museum plan. In
this sense, the proposed research aims to analyze the impact of the museum
plan in the management of museums and their relation to the management of
information and knowledge. With a qualitative methodology, through document
analysis, questionnaires seeks to answer the following questions: to what extent
the museum plan is effective for museum management? What are the
perceptions of managers of museums regarding the use of Museum Plan? What

1
Museóloga (UFMG). Mestranda em Ciência da Informação (PPGCI- UFMG).
2
Orientadora (PPGCI-UFMG). Ph.D. em Museologia (Université Paris-Sorbonne).
2o Seminário brasileiro de museologia • 469

is the feeling that managers have with the implementation of the museum plan in
decision-making?
Keywords: Museum; Museology management; Management of Information and
Knowledge; Museum Plan.

••••••••••

INTRODUÇÃO

O cenário museológico brasileiro atualmente é bastante promissor graças


a implementação de um novo modelo de gestão, de parceria entre o poder
público e a sociedade civil e pelas diretrizes de políticas públicas voltadas para o
setor museal.

Nesse sentido, os museus devem ser vistos para além de suas funções de
documentação, investigação, preservação, educação e comunicação do
patrimônio cultural, mas também, como agente de desenvolvimento social.
o museu é instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da
sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público e que adquire,
conserva, investiga, difunde e expõe os testemunhos materiais do
homem e de seu entorno, para educação e deleite da sociedade
(ICOM3, 2001).

Mediante a responsabilidade do museu perante a sociedade, percebe-se


a importância de um novo modelo de gestão para os museus como forma de
atender e corresponder aos novos desafios frente a sociedade cada vez mais
conectada.
Uma ferramenta de gestão contemporânea é o planejamento
museológico institucional que tem como objetivo ser um norteador das funções
administrativas do museu, este documento informacional produzido pelo e para
o museu facilita a gestão museológica e contribui com os gestores na tomada
de decisão.

A gestão museológica, ou administrativa de museus, é definida,


atualmente, como a ação de conduzir as tarefas administrativas do
museu ou, de forma mais geral, o conjunto de atividades que não

3
ICOM – Conselho Internacional dos Museus.
2o Seminário brasileiro de museologia • 470

estão diretamente ligadas às especificidades do museu (preservação,


pesquisa e comunicação). Nesse sentido, a gestão museológica
compreende essencialmente as tarefas ligadas aos aspectos
financeiros (contabilidade, controle de gestão, finanças) e jurídicos do
museu, à segurança e a manutenção da instituição, à organização da
equipe de profissionais do museu, ao marketing, mas também aos
processos estratégicos e de planejamento gerais das atividades do
museu. (DESVALLÉES & MAIRESSE, 2011, p.47).

Gestão eficaz de museu, conforme Edson (2006) envolve todos os


recursos do museu e as atividades museológicas. Nesse cenário a gestão
museológica torna-se um tema a ser aprofundado dentro das instituições como
um meio de melhor organizar os museus e coloca-los mais preparados e mais
cientes de suas responsabilidades com a sociedade, ou comunidades nas quais
estão inseridos.

Para tanto é necessário que as instituições se vejam como (MOUTINHO,


2008, p. 36) “entidades prestadoras de serviços” e com isso perceberem que
são importantes no cenário econômico. Portanto aos museus cumprem
determinarem-se como um equipamento cultural de serviço público, mas
também como uma organização, ou seja, como uma instituição que tem direitos
e obrigações e seu maior compromisso é estar a serviço da sociedade.

Conforme (MOORE, 1998, p.9, tradução nossa) em seu livro La gestión


del museo, gestão de museus é “uma nova área de trabalho nos museus e é
sem dúvida que a gestão de tais centros tem- se convertido em um tema mais
relevante”.

A autora (CURY, 2009, p. 30) nos orienta que “a administração é


atividade que dá suporte ao processo curatorial, ações fim em torno do objeto
museológico”. Ainda segundo a autora, o museu necessita ter claro sua missão,
visão, objetivos, públicos e principalmente a importância de seu papel social.

Conforme Maganhotto (2006) as carências dos museus vão desde


recursos humanos, financeiros até a falta de conhecimento básico para lidar
com a conservação, exposição e elaboração do plano museológico dessas
2o Seminário brasileiro de museologia • 471

instituições, o que efetivamente compromete a gestão museológica e o


desempenho de suas ações.
A maioria dos museus existe para benefício público, e para ter êxito,
todos os aspectos das suas operações devem refletir essa obrigação e
compromisso. Qualquer organização que funcione para interesse
público tem que gerir corretamente os seus negócios, mas os museus
como “guardas” do patrimônio cultural, natural e científico de um
povo, região ou nação, têm a responsabilidade específica de
funcionarem, quase tanto quanto possível, de forma perfeita. (EDSON,
2006, p.145).

Neste sentido um planejamento das ações para orientar nas atividades


do museu e direcionar no sentido de trabalhar de forma mais organizada para
alcançar os objetivos na instituição torna-se uma estratégia eficaz para facilitar
na administração do museu.
Assim sendo como uma determinação prevista em lei para que os museus
elaborem e implementem um Plano Museológico, que além de ser uma técnica
para melhorar os museus, o planejamento estratégico constitui-se também como
um instrumento fundamental para a sistematização do trabalho interno e para a
atuação dos museus na sociedade.

Portanto o plano museológico de acordo com o Estatuto de Museus Lei


Federal nº 11.904/2009 em artigo 45 é definido como:
Art. 45. O plano museológico é compreendido como ferramenta
básica de planejamento estratégico, de sentido global e integrador,
indispensável para a identificação da vocação da instituição
museológica para a definição, o ordenamento e a priorização dos
objetivos e das ações de cada uma de suas áreas de funcionamento,
bem como fundamenta a criação ou a fusão de museus, constituindo
instrumento fundamental para a sistematização do trabalho interno e
para a atuação dos museus na sociedade (BRASIL, 2009).

O Estatuto de Museus, no art. 46 o plano museológico do museu definirá


sua missão básica e sua função específica na sociedade o qual deve ter um
caráter interdisciplinar, será elaborado de forma participativa, envolvendo os
funcionários dos museus, especialistas, parceiros sociais, usuários do museu e
consultores externos.
Mas para obter maior eficácia, o plano museológico deve ser conforme
consta no Estatuto de Museus, antecedido de um diagnóstico minucioso da
situação do museu, através de uma ampla pesquisa institucional, o qual deve
ser realizado com o envolvimento de todos os funcionários do museu.
2o Seminário brasileiro de museologia • 472

O diagnóstico é a primeira etapa para se pensar ou repensar um


museu. Ela constitui-se de levantamentos e análise de dados de toda
sorte: através de reuniões com a equipe do museu (caso seja
necessário para revitalização), visitas técnicas ao local ou instalações,
pesquisa bibliográfica, pesquisa de público, etc. Mas é a pesquisa
sobre o acervo, pois é ele que vai definir o perfil do museu em termos
científicos e estruturais: é a sua vocação ou, em outros termos, a
identidade do museu. Esta análise é essencial para a definição dos
outros itens a serem considerado (público, prédio, profissionais, etc.)
(NEVES, 2003, 63,64).

A realização de diagnósticos museológico são necessárias avaliações


globais das instituições, mas ainda incipiente na maioria dos museus no país.
Segundo (CURY, 2005, p. 124) “A avaliação é um meio para um fim”. A
avaliação, ou o diagnóstico global da instituição é de suma importância para a
elaboração do plano museológico, pois é de acordo com a situação atual que
se encontra o museu é que será elaborado um plano museológico informacional
e participativo.
Assim, após a realização do diagnóstico global da situação do museu,
onde foram detectados os pontos fortes e fracos da instituição, parte-se então
para a elaboração e implementação do plano museológico, o qual também
para sua realização deve ter o envolvimento de todas as pessoas do fazer
museal da instituição.
O plano museológico define: as características da instituição (trajetória
e abrangência de acervo e público), a missão institucional, os objetivos
estratégicos, programas, metas, cronogramas, recursos, etc. O
planejamento museológico é a melhor expressão prática da política
cultural do museu, abrangendo os seus programas e programação e
as estratégias para alcança-los na prática. Por ser o museu uma
instituição comprometida com a sociedade, o plano museológico
sempre se alicerça em aspectos administrativos (planejar
estrategicamente), político (reunir pessoas estrategicamente para
planejar e realizar) e técnico (decidir e agir com base em
procedimentos técnicos), respeitando assim o ambiente que lhe agrega
(CURY, 2009, p. 31).

Reunir pessoas estrategicamente significa criar uma estrutura


organizacional de aprendizagem dentro do museu, portanto o plano
museológico é ao mesmo tempo uma ferramenta básica de planejamento
estratégico, mas também um documento museológico informacional cuja
elaboração deve estar vinculada ao que é proposto pela gestão da informação
2o Seminário brasileiro de museologia • 473

e do conhecimento4, ou seja, para a elaboração e implementação de um bom


plano museológico é necessário que haja o compartilhamento de informações
entre os sujeitos participantes, através de trocas de informações e de
experiências do fazer museal, juntamente com um profissional museólogo para
que este possa contribuir com a teoria necessária para a elaboração do plano
dentro da instituição.

o planejamento não é apenas uma técnica com o objetivo de melhorar


a ação dos museus. É, sobretudo, um processo de crescimento
humano. É um processo educativo de ação e reflexão, que deve ser
alcançado com a participação, deve ser uma prática incorporada ao
cotidiano dos nossos museus e exercitada por todos que estão
envolvidos com a sua missão. Destaco a construção do Plano
museológico como um dos processos mais importantes no sentido de
colocar em prática esse novo olhar da gestão museológica, essa nova
forma de planejar. Trata-se de um instrumento de fundamental
importância, pois fornece o aporte necessário para que as ações a
serem executadas levem em consideração um fim previamente
estabelecido e coerente com a concepção adotada [...]. A sua
construção, a partir do envolvimento de todas as pessoas e setores é
um momento único, de aprendizagem e de crescimento conjunto. [...].
É produção de conhecimento, é relação entre teoria e prática, é
exercício de reflexão crítica e criativa e é comprometimento (SANTOS,
2008, p. 99).

O plano museológico realizado dentro do museu que promove uma


cultura de socialização entre os indivíduos do fazer museal, é uma instituição,
como Nonaka; Takeuchi (2008) descreve: uma empresa criadora de
conhecimento que subsiste tanto sobre ideais (onde o museu quer chegar?)
quanto sobre ideias (o que precisamos fazer para chegar lá? Através da
socialização de ideias entre os funcionários do museu para a elaboração e
implementação do plano museológico institucional).
A ideia do plano museológico também deve ser a de criar um ambiente
motivacional dentro do museu através do diálogo entre os funcionários do
museu e com isso facilitar para que as instituições repensem sobre seu papel na
sociedade.
Assim planejamento museológico representa um marco para as
instituições museais reformulando o caminhar dos museus e servindo de
fomento a reflexão e debate para a gestão de museus. O plano museológico

4
Gestão da Informação e do Conhecimento facilita o uso das informações nas instituições
gerando conhecimentos organizacionais.
2o Seminário brasileiro de museologia • 474

previsto pelo Estatuto de Museus permite que muitos museus se percebam, talvez
pela primeira vez, como instituições públicas e de serviço público.
Portanto, diante de tal assunto, de suma importância para a gestão dos
museus, surgem perguntas, tais como: em que medida o plano museológico é
eficaz para a gestão do museu? Quais as percepções dos gestores dos museus
com relação ao uso do Plano Museológico? Qual o sentimento que os gestores
têm com a aplicação do plano museológico na tomada de decisão?

Pesquisar como os museus perceberam e reagiram ao fazer uso de um


documento fundamental e institucional para a gestão, o qual foi elaborado para
e pela instituição, torna-se um aspecto relevante a ser pesquisado, a fim de
verificar se este planejamento estratégico a ser seguido por todos dentro da
instituição contribui para maior eficiência das ações museais, a tomada de
decisão pelos gestores do museu e para o fortalecimento da organização.

Neste sentido, temos que como hipótese que o plano museológico desde
o momento de sua implantação dentro da organização, está aberto a constante
avaliação, pois ele não se encerra em si mesmo, como um conhecimento
registrado e finalizado para a instituição, mas sim como um documento
informacional que precisa ser constantemente reavaliado e discutido entre os
sujeitos envolvidos na instituição para atender, sempre que possível, novas
demandas internas e externas do museu. Por isso o plano museológico é um
processo que deve ser sempre renovado de acordo com o regimento interno de
cada instituição.
Resumindo o museu com uma gestão de informação, conhecimento
eficiente e organizada, com um plano museológico que contemple todos os
referenciais de trabalho da instituição, será uma instituição preparada para
cumprir sua função social no mundo contemporâneo.
METODOLOGIA

O presente projeto se fundamenta basicamente em uma pesquisa


qualitativa, por meio de uma análise documental dos museus a serem
pesquisados para levantamento de dados que se estrutura da seguinte forma:
Identificação e seleção de material bibliográfico pertinente, leitura e fichamento
2o Seminário brasileiro de museologia • 475

do material selecionado, com identificação das obras e dos autores e suas


ideias centrais, análise documental em quatro museus a serem pesquisados,
sendo 1º museu diretamente administrado pelo IBRAM5, o 2º museu que
pertença a Superintendência de Museus em Minas Gerais, o 3º museu da
Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte e o 4º e último um museu
privado, estudo dos documentos referentes ao plano museológico de cada
instituição pesquisada, levantamento de coleta de dados, comparação do dados
levantados nas instituições, descrição das análises observadas, exame do
material coletado juntamente com o referencial teórico, execução do projeto;
revisão da análise final.

RESULTADOS PARCIAIS

Com resultados parciais levantamos os seguintes pontos: o planejamento


museológico como um documento informacional museológico e
institucionalizado o qual deve ser disseminado em todos os setores da instituição
visando o conhecimento de informações relevantes às tarefas do museu. O
plano museológico como um recurso estratégico que contribui para a tomada
de decisão dos gestores da organização, o museu como uma unidade de
informação motivacional através de funcionários interessados e capacitados no
desempenho de suas funções, através do compartilhamento de informações e
uma gestão de museu mais eficiente e eficaz.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
. A pesquisa visa analisar os impactos do plano museológico na gestão
dos museus e sua relação com a gestão da informação e do conhecimento.

Nesse sentido inferimos que, provavelmente, a diferença entre os museus


que praticam princípios de gestão baseados nos planos museológicos
demonstram diferenças de resultados perceptível, em relação aos que ainda
trabalham de maneira amadora e quase sem nenhum tipo de gestão.
Portanto, essa relação acaba tornando ponto de partida para que se
aprofunde o estudo dos museus, gestão museológica e planos museológicos
que serão trabalhados na dissertação.
5
IBRAM – Instituto Brasileiro de Museus.
2o Seminário brasileiro de museologia • 476

Em suma, esperamos que o plano museológico dentro das instituições


possa suscitar várias reflexões, intercâmbio de práticas e ideias do fazer museal,
corroborando com o museu, para que este equipamento cultural exerça seu
importante papel na sociedade.

Referências

CURY, M. X. Exposição: concepção, montagem e avaliação. São Paulo:


Annablume, 2005.

________. Museu e Museologia: Interfaces e Perspectivas. Museologia, novas


tendências. MAST COLLOQUIA. Rio de Janeiro. vol.11, p. 27-39, 2009.

DESVALLÉES, A. & MAIRESSE, F. Conceitos – chaves de Museologia. São


Paulo. Armand Colin. p. 100, 2013.

EDSON, G. Gestão de Museu. In: _____. Como gerir um museu. França.


ICOM. Maison de l'UNESCO 1, lamente Miollis, 2004.

MAGANHOTO, O. C de. Princípios básicos da museologia/ Evanise


Páscoa Costa. Curitiba: Coordenação do Sistema Estadual de Museus/
Secretaria de Estado da Cultura, 100p. 2006.

MOORE, K. La gestión del museo. Barcelona. 1998.

MOUTINHO, M. Os museus como instituições prestadoras de serviços.


Cadernos de Sociomuseologia. Lisboa. Centro de Estudos de museologia.
ULHT - Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. nº 12, p.
36-43, 2008.

NEVES, K. R. F. Programa museológico e museologia aplicada: o Centro de


Memória do Samba de São Paulo como estudo de caso. Cadernos de
Sociomuseologia. Centro de Estudos de museologia. Lisboa. ULHT-
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. v. 21, nº 21, p.31-86,
2003.

NONAKA, T. TAKEUCHI, H. Gestão do Conhecimento. Bookman. 2008.

SANTOS, M. C. Um compromisso social com a museologia. Cadernos do


CEOM. Santa Catarina. Museologia social. Ano 27, nº 41, 2014.

LEGISLAÇÃO
ICOM – Conselho Internacional dos Museus.
2o Seminário brasileiro de museologia • 477

LEI 11.904/2009 ESTATUTO DE MUSEUS.

LEI 11.906/2009 INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS – IBRAM.


2o Seminário brasileiro de museologia • 478

AVALIAÇÃO MUSEOLÓGICA DOS ESPAÇOS DA REDE DE MUSEUS DA UFMG

Isabela Trópia Silva¹

Wagner Lucas Pereira²

Resumo
Este artigo descreve a pesquisa em andamento realizada nas instituições
museológicas da Rede de Museus da UFMG. Nesta perspectiva, através da
síntese literária e das atividades já desenvolvidas na pesquisa, será apresentada
uma introdução de contextualização do tema, servindo como base para a
relevância da realização deste trabalho, pontuando: uma breve história da Rede
de Museus da UFMG, apontamentos sobre a importância das redes de museus,
o papel dos museus universitários, descrição e objetivos da presente pesquisa;
descrição da metodologia usada, explicitando as fases das pesquisas, as formas
de estruturação dos discursos, a revisão bibliográfica e ferramentas utilizadas
até o momento para elaboração deste artigo, e também alguns resultados
preliminares, com apontamentos e conclusões prévias. Para finalizar, as breves
considerações explicitando comentários, expectativas e aprendizado com o dito
trabalho.

Palavras-Chaves: Rede de Museus, Museus Universitários, Avaliação

Abstract
This paper describes the ongoing research carried out in the spaces of UFMG
Museum Network. In this perspective, through literary synthesis and activities
already developed in the research, an introduction of the contextualization will be
presented, serving as the basis for the importance of this work. Scoring: a brief
history of UFMG Museum Network, notes on importance of museum networks,
the role of university museums, description and objectives of the research. The
description of the methodology used, explaining the phases of research, ways of
structuring speeches, literature review and tools used by until the time of writing
this article, as well as preliminary results, with notes and previous conclusions.
Finally, the brief comments explaining considerations, expectations and learning
with the present work.

Key-Words: Network Museums, University Museums, Evaluation

••••••••••

¹Graduando em Museologia na Universidade Federal de Minas Gerais – isabelatropia@gmail.com


²Graduando em Museologia na Universidade Federal de Minas Gerais – wagnerlucasbonfim@gmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 479

Introdução

O presente trabalho aborda a pesquisa desenvolvida na Rede de Museus da


Universidade Federal de Minas Gerais realizada por professores do Curso de
Museologia da mesma instituição e tem como objetivo uma análise ampla da
situação das instituições que compõe o cenário museológico da UFMG. Nesta
perspectiva, analisaremos os fatores relevantes para o fomento da pesquisa e o
desenvolvimento desta até o momento (setembro de 2015). Para tal,
primeiramente, é necessário situar uma breve história e o campo de ação
pretendido pela entidade de aplicabilidade de nossa pesquisa: A “Rede de
Museus e Espaços de Ciências e Cultura da UFMG”

A “Rede de Museus e Espaços de Ciências e Cultura da UFMG” ( ou


simplesmente “Rede de Museus da UFMG”) foi criada em 2000 com o intuito de
propor ações coletivas para fortalecimento dos papeis das instituições
museológicas da universidade promovendo um fluxo de informações e contato
entre os espaços integrantes para a realização de atividades de vários âmbitos.
Dessa forma desde sua criação, a Rede agremiou mais espaços à seu objetivo
de propiciar a interlocução entre as instituições museológicas da UFMG, e hoje
envolve vários professores nas suas ações de pesquisa, preservação,
comunicação e gestão aplicando projetos de desenvolvimento institucional e
social. Para sintetizar os objetivos que fomentaram a criação a “Rede de Museus
da UFMG” pode-se recorrer à descrição de Maria das Graças Ribeiro:

A Rede de Museus UFMG foi criada com o objetivo de


rediscutir o papel desses museus, centros e espaços de ciências e
tecnologia no plano acadêmico da universidade; somar esforços e
otimizar recursos na busca de soluções para problemas comuns;
implementar ações de recuperação emergencial de áreas estratégicas
desses espaços, visando melhorar as condições de atendimento ao
público externo; investir em melhorias de suas infra-estruturas, na
conservação e proposição de diretrizes para socialização de seus
acervos, objetivando o cumprimento de suas atividades-fins; ampliar
o intercâmbio com o público, principalmente no sentido de integrar
projetos que atendam a estudantes de ensino fundamental e médio e
que capacitem docentes da rede pública de ensino; definir estratégias
e planejar ações conjuntas visando a melhoria da prática acadêmica
da UFMG; implementar atividades de formação e/ou qualificação
profissional; sistematizar a produção de material informativo, didático
e de divulgação das atividades/ações dos espaços integrantes da
rede; ampliar as ações da rede, dentre elas a integração de outros
2o Seminário brasileiro de museologia • 480

museus e a criação de uma rede virtual; agir de forma solidária)


preservando a identidade, as características e a missão de cada
espaço componente.(RIBEIRO, 2007, p. 29)

Em linhas gerais, a pesquisa de avaliação se concentra em levantar dados das


instituições pertencentes à “Rede de Museus da UFMG” de maneira que possa
avaliar a atual situação dos espaços e a efetividade deste em consonância com
os discursos museológicos e seus propósitos com os objetivos que fomentaram
a criação da rede.

Instituições museológicas universitárias e a atuação em rede

Nos últimos anos, a universidade e as proposições museológicas estão


“revitalizando” os seus papeis em relação aos objetivos sociais de difundir o
conhecimento. É válido dizer que a Universidade que tem como objetivo social
“produzir conhecimento, socializá-lo e contribuir para melhorar a qualidade de
vida da população”( RIBEIRO, 2007, p. 21) tem convergências com as propostas
museológicas contemporâneas. Nesta perspectiva, os museus universitários
podem servir como ponte entre a universidade e a comunidade (GIL, 2005,
p.47), agindo como mecanismos extensivos que incorporam, interpretam e
reproduzem seus objetivos na contemporaneidade por meio de diferentes
formas e linguagens, de modo a refletir as bases conceituais na qual estão
alicerçados (RIBEIRO, 2007, p. 23).

É importante que os museus universitários sejam fontes de conhecimento


extensivas à academia capaz de aproximar a construção científica no seu
espaço de plena excelência do público externo a esses processos. Segundo
Emanuela Ribeiro, é possível destacar uma conexão entre a cultura universitária
(comunidade acadêmica, modos de vida, valores e função social) e as
características dos acervos dos museus universitários e isso pressupõe “ a
necessidade de difundi-la, torná-la acessível aos não universitários, de maneira
a trabalhar também a consolidação da Universidade como lócus portador de
determinadas características, específicas e privilegiadas, da sociedade
contemporânea” (RIBEIRO, 2013, p. 91). Neste âmbito, a comunicação do
patrimônio universitário à um público fora deste meio pode proporcionar formas
de inclusão social à um conhecimento que para muitos está distante, realçando
2o Seminário brasileiro de museologia • 481

o precioso papel da universidade na sociedade. É importante também destacar


o papel que essas instituições museológicas universitárias (em especial os
centros de memória) desempenham nos processos de identificação
multifacetada de indivíduos que integram a comunidade universitária. Essas
instituições participam de processos (dependente da área disciplinar) que
conferem valor simbólico aos objetos, os quais ao se inserirem no processo de
musealização, se transformam em semióforos.

Como sua própria denominação indica, a “Rede de Museus da UFMG”


também se vincula à uma tendência do cenário museológico no mundo
contemporâneo, que é o trabalho em rede. Sobressaindo de seu sentido
prosaico, “rede” hoje pode indicar um trabalho de desenvolvimento em conjunto
relacionando sujeitos. Em uma definição sucinta e abrangente, pode-se usar as
palavras de Luis Grau Lobo na qual ele define rede como uma “acepciones que
suponen la articulación de un conjunto trabado de sujetos que obra en favor o
en contra de un fin , o, en su caso, un “conjunto de ejes combinados que
determina uma estructura (Espasa).” (GRAU, 2006, p. 17). Também podemos
indicar a definição de Ana Barreto de Carvalho que acentua a lógica de redes
na sociedade contemporânea como estratégia econômica e social:

“ O trabalho coletivo acumulado torna-se cada vez mais importante


do que o trabalho individual e isolado, sob novas condições
tecnológicas, organizações e econômicas. Redes de informação e de
conhecimento formam uma nova estrutura de valores e características
de relações de poder que compartilham dos mesmos códigos de
construção da sociedade e geram uma rede de fluxos capazes de criar
novos paradigmas de gestão mais dinâmicos, flexíveis e
descentralizados, por serem estruturas abertas.”(CARVALHO, 2008,
p.19)

Com essas definições de rede, a aplicabilidade destas no meio museológico


pode suscitar novas dinâmicas do uso de patrimônio, contornando obstáculos
que o atual cenário da sociedade criou, como por exemplo, os altos recursos
culturais presentes nas instituições museológicas nos dias de hoje, sendo que as
mesmas não contém recursos financeiros e recursos humanos compatíveis com
o volume e importância de seus acervos e alcance de seus objetivos, indo na
contramão da importância cada vez maior do papel do museu na sociedade
como difusor cultural e social. Desta forma, a coletividade foco do trabalho em
2o Seminário brasileiro de museologia • 482

rede pode, de maneira conjunta, construir formas de gestão patrimonial que


atendam à prática museal na sua plenitude. O trabalho em rede também pode
desfazer, em parte, a verticalidade nos processos de interlocução, destacando a
autonomia de cada entidade integrante, sendo mais convidativa para um
diálogo recíproco onde todos os sujeitos tem igualdade no poder de seus
discursos. Nesta perspectiva, o trabalho em rede em museus se desenrola de
maneira que se mantêm uma horizontalidade nos processos conjuntos,
atribuindo aos sujeitos participantes a autonomia individual e a
corresponsabilidade nas ações.

Sendo descrito brevemente o que é entendido como museu universitário e


rede de museus, pode dizer que o trabalho de avaliação considera estes dois
aspectos como cruciais para o desenvolvimento da pesquisa. E ao se colocar em
relevo estes dois princípios ( dos museus universitários e do trabalho em rede)
fica evidente a importância deles para o meio universitário e para a sociedade
externa, assim procurando levantar dados que podem ajudar a desenvolver
diagnósticos consistentes para planificar a efetividade destas funções nestes
espaços.

Metodologia

A Avaliação nos Espaços da “Rede de Museus da UFMG” pretende levantar


dados quantitativos e qualitativos das instituições integrantes com o objetivo de
produzir diretrizes e indicadores consistentes que se prestem como ferramenta
para a formulação de uma política museal universitária (JULIÃO, SABINO,
2014), almejando a estruturação destes espaços para plenas condições de suas
funções junto à prática da museologia em todas as suas facetas. Nesta
perspectiva, o processo de avaliação se dividirá em etapas que ajudarão na
articulação das informações e nas metas pré-concebidas para finalização de
cada cenário da pesquisa. Em relação as etapas, estas serão:

a) Coleta e conferência dos dados cadastrais - Elaboração de roteiro


de verificação dos dados cadastrais em cada unidade da
RMECC/UFMG; - Verificação e complementação dos dados cadastrais
in loco; - Monitoramento e conferências das informações cadastrais
coletadas; - Pesquisa qualitativa de dados: entrevistas e grupos focais
com coordenadores e funcionários das unidades da RMECC/UFMG; b)
2o Seminário brasileiro de museologia • 483

Desenvolvimento do banco de dados - Modelagem, desenvolvimento e


teste; - Alimentação do banco de dados; - Desenvolvimento de
interface para web. c) Organização, análise e interpretação dos dados
- Estruturação dos dados de modo a destacar algumas variáveis -
Análise comparativa e interpretação dos dados d) Desenvolvimento de
Estudos e Propostas - Definição de segmentos de informação a serem
focados para efeito de desenvolvimento de estudos e propostas
específicas; - Produção de indicadores museológicos; - Elaboração de
estudos de avaliação por segmentos de informação; e) Divulgação e
validação - Elaboração de Relatório final, a ser encaminhado à
coordenação da RMECC/UFMG e a cada uma das unidades que a
integram; - Realização de evento destinado a divulgar, discutir e
validar junto à RMECC/UFMG os resultados do projeto;

- Apresentação dos resultados em eventos científicos e produção de


artigos para serem divulgados em publicações científicas. (JULIÃO;
SABINO , 2014)
Até o momento, com algumas alterações que não cabe aqui discuti-las, a
pesquisa se encontra na fase de visitas aos espaços, monitorando e recolhendo
informações.. Em simultaneidade, também está sendo discutido os processos de
avaliação dos dados, a plataforma de bancos de dados a ser utilizada e de
como diagramar e apresentar os resultados da pesquisa.
O processo de recolha de dados (já desenvolvido) baseou-se no questionário
aplicado pelo Cadastro Nacional de Museus, sob a responsabilidade do
Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM; e também em entrevistas com os gestores
das instituições, recolhimento de documentos de gestão quando existentes e
disponíveis, e na elaboração de um banco de imagens dos setores de cada
instituição integrada à Rede. Em relação a elaboração de um questionário que
atende ao objetivo amplo da pesquisa, teve como base o questionário de 2014
do Cadastro Nacional de Museu. Mas com a necessidade de levantar dados que
não constantes neste questionário, foi acrescentado algumas questões de outros
questionários, como o do Cadastro Nacional de Museus de 2009 e do Network
of European Museum Organisations –NEMO; além de questões propostas pela
própria equipe do projeto . Dessa forma, foi estabelecido um questionário final,
que, acredita-se, mais próximo da realidade pesquisada, com abrangência
para satisfazer os interesses da pesquisa em todos os setores almejados, tal
como descrito neste trecho do projeto de pesquisa:

“Especificamente serão complementados e analisados os dados sobre


a história de criação dos museus e espaços culturais e de ciência;
localização institucional; aspectos de seu funcionamento; tipologia,
condições de conservação, processamento de exposição dos acervos;
2o Seminário brasileiro de museologia • 484

condições de acolhimento do público e acessibilidade; atividades de


comunicação, incluindo exposições, público atendido, ação educativa,
publicações; estrutura organizacional; equipamentos; número e
qualificação de funcionários; orçamento e fontes de financiamento e
um banco de imagens dos referidos museus espaços.”(JULIÃO;
SABINO, 2014)

Seguindo com os processos em andamento, estão sendo realizadas as


conferências dos dados com os gestores dos museus, em visitas aos espaços.
Essas conferências e visitas estão sendo marcadas previamente para discutir os
questionários que são enviados antes para preenchimento e para esclarecer e
confirmar as questões respondidas no questionário. Além disso, realizamos as
entrevistas com os gestores do museu encarregado de responder o questionário
para levantamentos de informações complementares. São também solicitados
cópias de documentos institucionais quando disponíveis, como por exemplo,
documentos de regimento interno, plano museológico e de políticas de
aquisição de acervo.

Resultados Preliminares

Mesmo com a pesquisa em andamento, podemos esboçar alguns resultados


preliminares com os dados já levantados e com as visitas já feitas. Dentro dos
dados prévios que ainda não foram trabalhados de forma verticalizada, pode-se
constatar as convergências de problemas entre as instituições já visitadas e a
marginalidade destas nas faculdades, escolas e/ou institutos onde se encontram.
Também foi observado a necessidade de realização de grupos focais, a serem
organizados por instituições similares integrantes da Rede, considerando-se o
desnivelamento de estruturação dos espaços. É importante frisar que o trabalho
em rede nestas ocasiões não hierarquiza os discursos e contribuições das
instituições integrantes em relação ao seu nível de estrutura tornando os
processos de decisões democráticos.

Os resultados preliminares podem ajudar no esclarecimento de novas ações e


novos objetivos, desdobrando em um desenvolvimento mais bem sucedidos da
pesquisa.

Considerações
2o Seminário brasileiro de museologia • 485

A partir das pretensões e do já decorrido na pesquisa podemos afirmar que o


sucesso deste projeto pode se desdobrar em uma qualificação dos processos
que regem os objetivos que as instituições museológicas universitárias têm na
atualidade como difusores culturais e sociais que dinamizam a pesquisa, a
comunicação e a preservação de acervos. Também é preciso considerar a
relevância que esses espaços têm na democratização ao acesso a informação,
uma vez que se incumbem de ser um veículo de inclusão social e de interação
entre grupos diversificados. Entendemos que uma visibilidade maior dos espaços
universitários é essencial para uma interlocução maior entre a sociedade e
universidade, contribuindo para a socialização do conhecimento.

Referências

CARVALHO, Ana C. B.Gestão de Patrimônio Museológico: As redes de Museus.


2008. 185f. Tese (Doutorado em Artes Visuais) – Escola de Comunicação e Artes
Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008.

COSTA, Antônio Gilberto. Site da Rede de Museus e Espaços e Ciências e


Cultura da UFMG. Tópico Historia. Disponível em
<https://www.ufmg.br/rededemuseus/index.php/a-rede/historia> acesso em 7
de setembro de 2015

GIL, F.B. Museus universitários: sua especialidade no âmbito da museologia In:


SEMEDO, A.; SILVA, A. C. F. da. Coleções de ciências físicas e tecnológicas em
museus universitários: homenagem a Fernando Bragança Gil. Porto: Faculdade
de Letras da Universidade do Porto, 2005.

GRAU LOBO, L.Redes de museos. Un ensayo de supervivencia», Actas de las IX


Jornadas de Museología. Museos locales y redes de museos. Museo, 11: 17-
28. 2006.

JULIÃO, Letícia. SABINO, P. R. Projeto – 402237 – Avaliação Museológica:


Coleções e Museus da UFMG. Plataforma SIEX. Pró-Reitoria de Extensão da
UFMG. 2014. Disponível em:
<https://sistemas.ufmg.br/siex/AuditarProjeto.do?id=28491>acesso em: 7 de
setembro de 2015

RIBEIRO, E. S. Museus em Universidades Públicas: entre o campo científico, o


ensino, a pesquisa e a extensão. Museologia & Interdiscipliniaridade, v. 2, p. 88-
102, 2013.

RIBEIRO, Maria das Graças. Universidades, museus e o desafio da educação,


valorização e preservação do patrimônio científico- cultural brasileiro. In:
ABREU, Regina; CHAGAS, Mário de Souza; SANTOS, Míriam Sepúlveda dos
(org.) Museus, coleções e patrimônios: narrativas polifônicas. Rio de Janeiro:
Garamond: MinC/IPHAN7DEMU. p. 20-47. 2007.
2o Seminário brasileiro de museologia • 486

MEMÓRIA-GRAFITE-PATRIMONIO:

UMA ANÁLISE DAS INTERVENÇÕES ARTÍSTICAS NO BAIRRO DA CIDADE


VELHA.

Andrey Manoel Leão de Leão

João Vitor Corrêa Diniz

Sônia Nascimento

Resumo
Este artigo tem como objetivo fazer uma análise da relação dos temas: grafites
feitos na Cidade Velha, com a memória dos sujeitos locais, e como essas
práticas se relacionam com os patrimônios do centro histórico de Belém. Tal
trabalho dialoga com memorialistas, grafiteiros, historiadores, e estudiosos do
campo cultural contemporâneo para compreender o palco destas ações e seus
reflexos. Contudo, sem excluir a voz de moradores dos locais onde algumas
destas intervenções visuais ocorrem, através de entrevistas feitas com transeuntes
e moradores do bairro da Cidade Velha, na busca de construir um diálogo
dentro da memória de identificação visual.

Palavras- chave: Grafite; Memória; Patrimônio.

Abstract
This article has as its objective an analize of the themes: graffiti made in the
district of Cidade Velha, with the memories of the local subjects, and how this
practices relates itself with the Belém’s historical center estate. This work
dialogues with memorialists, graffiti artists, historians, and studious from the
contemporary cultural field to understand the stage from this actions and its
reflexes. Nevertheless, without exclude the local dwellers's voices where occur this
visual interventions, by interviews done with passers by and dwellers of the
Cidade Velha district, in search of a dialog inside the memory of visual
identification.

Key-words: Graffiti; Memory; Heritage.

••••••••••
2o Seminário brasileiro de museologia • 487

INTRODUÇÃO

No século XXI, uma das formas mais populares da Arte são as


manifestações artísticas nos ambientes urbanos, as quais são denominadas de
“Intervenções Urbanas”. Que tem como objetivo “modificar” o lugar, ou seja, dá
outra vida a cidade, como diz Fabiana Prado:
“Nesse contexto a Intervenção Urbana introduz a premissa da arte
como meio para questionar e transformar a vida urbana cotidiana. Os
sujeitos são ativos e criadores e a realidade passam a ser não mais
reproduzida e sim produzida. Que deslocaram seus preceitos artísticos
de lugares comuns e questionaram de forma incisiva os papéis
atribuídos à arte, ao artista e ao público.” (PRADO, 2006, p.).
Uma das principais intervenções urbanas é o grafite. Esse movimento
surge de forma marginalizada, cresce no submundo por não ser totalmente
compreendido ou por não seguir padrões pré-definidos.
“A arte que vemos é feita apenas por poucos selecionados. Um
pequeno grupo cria, promove, adquire, exibe e decide quanto ao
sucesso da Arte. Somente uma pequena centena de pessoas no
mundo tem voz ativa. Quando você vai a uma galeria de arte, você é
simplesmente um turista observando a vitrine de troféus de alguns
milionários”. (BANKSY, 2005, p. 144).
O grafite tem o seu marco inicial no final da década de 60 em Paris 1,
onde estudantes escrevem frases em muros em sinal de protesto contra a
situação econômica da França. (Silva e Silva, 2008). Em Nova Yorque esses atos
– então apenas pixação2,3 - surgem na década de 70, e tem como carácter a
reinvindicação do poder de expressão de grupos excluídos, de minorias étnicas
de bairros mais pobres da cidade que usam os espaços públicos para fazerem
sua intervenção urbana. Nesse momento essas inscrições eram feitas com intuito
de marcar território e por isso continham o nome (normalmente eram usados
apelidos) ou a marca de seu autor4 (figura 1).

1
Alguns autores marcam a sua origem nos desenho rupestres feitos em caverna, como é o caso
de Gitahy (1999).
2
Na forma de realização, o grafite se difere da pichação por ter como objetivo um resultado
mais elaborado e preocupado com questões técnicas e compositivas, já a pichação se apresenta
como uma ação mais rápida, gestual, desprovida da intenção de elaborações artísticas. Mas, o
que caracteriza as duas ações é a manifestação no espaço público; quer ele seja autorizado ou
não. (Honorato, 2008-2009) Já que os dois utilizam os mesmos instrumentos e a mesma
técnica.
3
A palavra pichação bem como suas derivações (pixar, pixo, pixador e etc) serão grafadas com
“x” porque é desta forma que a fala dos nativos informam que as utilizam.( CHAGAS, 2012, p.
8)
4
As Tags, que são a marca do grafiteiro.
2o Seminário brasileiro de museologia • 488

Figura 1 – Grafiteiro/pixador deixando sua marca (tag). Fonte: Blog Subsolo Art5.

Nos anos 80, esse estilo de arte se espalha pelo mundo, deixando de ser
composto somente pelo nome do autor para desenhos com caráter mais estético
e artístico- sendo hoje o que chamamos de Grafite (figura 2). (REZENDE, 2006)

Figura 2.Fonte: Site – Toqe6.

No Brasil esse tipo de intervenção urbana, no caso a pixação, teve


grande presença na ditadura, época em que a liberdade de expressão foi
proibida (Ibid, 2006). Sendo o muro usado “como o último recurso, a última
mídia possível quando todas as outras estão inacessíveis” (TAVARES, 2009, p.
23).

5
Disponível em: http://subsoloart.com/blog/2012/05/o-graffiti-de-rafael-sliks-sao-paulo-
sp/grafiteiro-rafael-slicks-em-acao-fazendo-sua-tag-2
6
Disponível em: http://toqe.wordpress.com/2012/05/22/grafite/
2o Seminário brasileiro de museologia • 489

Figura 3.Fonte: Revista de história7.

O grafite(o que hoje denominamos) no Brasil chega com o movimento


Hip Hop e foi logo absolvido pelas periferias do país. Esse movimento chega
com o objetivo da luta contra o racismo, o preconceito, a fome e igualdade
social (SILVA e SILVA, 2008).
Neste sentido buscou-se fazer um estudo sobre as aproximações entre
alguns trabalhos com grátis locais e sua relação com elementos de memória do
imaginário popular; bibliografias de pensadores sobre a arte, tal qual o
contexto sócio-histórico em que se inserem. Sites que pudessem ilustrar os
trabalhos de grafiteiros conhecidos em seu meio artístico, também trazer
algumas falas destes através de suas produções, suas linguagens. Todavia, sem
excluir a voz de moradores dos locais onde algumas destas intervenções visuais
ocorrem, foram feitas entrevista com sujeitos que se encontravam pelo bairro da
Cidade Velha, no momento da pesquisa, assim como perguntas abertas a
respeito da estética das imagens, o que achavam dos grafites sem relação à
paisagem, ao patrimônio. Utilizou-se também fotografias de trabalhos feitos
anteriormente pela equipe do projeto R.U.A ( Rota Urbana pela Arte). Os
percursos dos registros deram-se pelas ruas: Dr. Malcher, Dr. Assis, Siqueira
Mendes, e Major Joaquim Távora; no dia 10 de outubro de 2014, durante o
intervalo de oito e meia da manhã às onze e meia.

7
Disponível em: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/grafite-x-pichacao-dois-
lados-da-mesma-moeda
2o Seminário brasileiro de museologia • 490

IMAGENS DO GRAFITE REGIONAL


Entendemos como o grafite foi criado, transformado ao longo da história,
ou seja, como foi situado no tempo, agora há de se ver como ele foi alocado no
espaço, aonde esta sendo feito. Com isso veremos como as artes urbanas, o
grafite, etc, estão sendo alocadas na região norte.
Então, como vimos antes, o grafite foi usado para expressar uma opinião
que estava sendo censurada e oprimida. Contudo, ele vem também para ser
usado como uma forma de reafirmar um caráter identitário de um local ou
grupo no meio urbano:
“A revolta radical, nestas condições, está inicialmente em dizer: “Eu
existo, eu sou tal, eu habito esta ou aquela rua, eu vivo aqui e agora”.
Mas isso seria apenas a revolta da identidade: combater o anonimato
reivindicando um nome e uma realidade próprios. (BAUDRILLARD,
1979, p.37)”.
Em Belém, o grafite/pixação (digo eu aqui usando os dois como a mesma
prática, a mesma intervenção artística com finalidade diferente, ou seja, ambos
são ramificações da mesma arte) surge por volta década de 90 no auge dos
períodos das gangues, se difundindo em muros e faixadas de Marituba. Sendo
que em muitos casos, os grafiteiros/pixadores eram membros dessas gangues
(MELO OLIVEIRA, 2013).
Nesse caso o grafite/pixação é usado com caráter de demarcação em
que cada desenho representa um/uma grupo/gangue e o local atuante dos
mesmos.
Atualmente com a dissolução desses tipos de gangues, a pixação deixa
de ter esse caráter coletivo (no caso das gangues) e passa a ser mais individual,
em que o trabalho solitário do pixador é apenas o de deixar a sua marca,
dando notoriedade ao artista8.
Alguns desses pixadores deixam de lado o trabalho marginal e tornam-se
artistas. Organizam-se em Crews e passam a fazer grafites por encomenda
(FERREIRA, 2011) Entretanto ainda continuam a fazer seus trabalhos em locais
públicos. Pois como diz André Tavares (2009): “O grafite precisa acontecer
como intervenção no circuito ideológico do imaginário urbano para não perder
sua potência” (TAVARES, 2009, p. 29).

8
Ver http://diariodopara.diarioonline.com.br/N-165536-
CRIME+AMBIENTAL++PICHACAO+AINDA+RESISTE.html
2o Seminário brasileiro de museologia • 491

Uma das Crews mais famosas de Belém é o Mistura Insana, que são
jovens que fazem arte e tentam sobreviver dela. Em seus desenhos eles usam
elementos característicos da cultura regional, em alguns eles fazem uma junção
de desenhos típicos do grafite com a cultura ribeirinha (figura 4). Nota-se aí um
desenvolvimento daquele padrão originário do grafite, em que a pichação
servia para representar um grupo/gangue e demarcar o seu território. Os
grafites do Mistura Insana trazem uma ressonância com os moradores locais, os
moradores da cidade, em vista deles representarem a cultura e elementos
regionais em seus desenhos. Eles não querem apenas transformar o visual do
espaço, mas dialogar com a comunidade.

Figura 4 – Menino com traje típico da cultura hip hop, canoa típico da cultura ribeirinha Fonte: Site –
Facebook9.

Outro exemplo de desenho como forma identitária é o trabalho de Éder


Oliveira, feito a partir de pintura (deixando de lado um pouco o grafite) de
homens amazônicos retratados em folhas de jornais (figura 6, 7). Esse trabalho
tem como temática o homem a margem da sociedade, o homem
marginalizado. O objetivo é que a imagem grite numa parede deteriorada em
que ela demonstre o estereótipo criado sobre tal indivíduo, e através desses

9
Disponivel em:
https://www.facebook.com/448322975302365/photos/pb.448322975302365.-
2207520000.1416864960./492696814198314/?type=3&src=https%3A%2F%2Ffbcdn-
sphotos-h-a.akamaihd.net%2Fhphotos-ak-xap1%2Fv%2Ft1.0-
9%2F10410352_492696814198314_662055803286320938_n.jpg%3Foh%3D04748b8a331d
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17345dbc949bd947e58&size=960%2C720&fbid=492696814198314
2o Seminário brasileiro de museologia • 492

desenhos identificamo-nos com o mesmo, e a partir disso a obra passa a


representar a imagem de um povo, de um indivíduo, não diferente de nós,
vítima das situações históricas, políticas e sociais em que é deslocado (OLIVERA,
2014). Os desenhos que Éder colore faz crescer esses indivíduos, criando um
processo inverso ao da mídia que os diminui e os denota10.

Figura 7 – Desenho de Éder oliveira. Fonte: Acervo pessoal.

Voltando ao grafite, uma das obras que fazem parte desse padrão é o
trabalho da grafiteira Drika Chagas:

“Nas expressões plásticas das peças de Chagas podemos observar


influências temáticas dos grafites da década de 1980, como as obras
de um dos precursores do movimento, o artista americano Jean-Michel
Basquiat (1960-1990), que se apropriava de ícones e símbolos
regionais de diversas culturas para representá-los em seus desenhos”
(ASSIS, 2012. p. 102).

Portanto, Chagas se mantém no lugar a que pertence a sua cultura,


abrindo diálogos com as comunidades urbanas locais, recriando a cena cultural
da cidade e reafirmando que Grafites, cartazes comerciais, manifestações
sociais e políticas, monumentos: linguagens que representam as principais
forças que atuam na cidade (CANCLINI, 2003, p. 301).
Drika usa métodos em que sua estética fica mais refinada. A temática de
seus desenhos tem haver com a cultura e a região em que ela vive (ASSIS,
2012). Pois de acordo com Canclini (2003), o grafite é uma linguagem
constitucionalmente híbrida, como uma escritura territorial pertencente à cidade,
expressando o estilo, pensamentos e modos de ser de seu produtor.
Em suas obras ela traz o olhar para a mulher regional, a mulher
amazônica, representando-a de forma caricaturada com símbolos populares

10
Ver http://espacohumus.com/eder-oliveira/
2o Seminário brasileiro de museologia • 493

(figura 8) e cores da cultura paraense, (ASSIS, 2012) como em sua obra ‘Banho
de cheiro’ (figura 9) e a da exposição cidade labirinto, a primeira representando
a religiosidade paraense na figura feminina.

Figura 8.Fonte: Site – Movimento11.

Figura 9 – Banho de cheiro. Fonte: Site facebook12.

11
Disponível em: http://movimentohotspot.com/noticias/presente-para-a-cidade/
12
Disponível em:
https://www.facebook.com/ColetivoEfemmera/photos/t.100001787535076/44382112567331
0/?type=3&src=https%3A%2F%2Ffbcdn-sphotos-a-a.akamaihd.net%2Fhphotos-ak-
xfp1%2Ft31.0-
8%2F735501_443821125673310_187291028_o.jpg&smallsrc=https%3A%2F%2Ffbcdn-
sphotos-a-a.akamaihd.net%2Fhphotos-ak-xaf1%2Fv%2Ft1.0-
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903a7ed8&size=1080%2C720&fbid=443821125673310
2o Seminário brasileiro de museologia • 494

A ARTE GRAFITADA NA MEMÓRIA


Com base nos trabalhos apresentados até agora, sobre o grafite e as
intervenções urbanas (no caso da pintura de Éder oliveira) se legitimam como
formas de “RG regional”, uma identificação local. E mesmo essas manifestações
artísticas ainda carregam traços de onde eles surgiram, para o mundo. Estes
mesmo que passem a ser ressignificados em outros locais, com traços, cores e
cenários, ainda continuam com seu caráter original, o de reivindicação, opinião,
liberdade. Valoriza-se, assim, o que não é levado em conta, omitido por uma
camada hegemônica que utiliza da repressão legal, para subjulgar ou censurar
formas de expressões artísticas.
Pode-se notar também que, além de expressar emoções, opiniões e
elementos regionais – como visto anteriormente neste texto – além do grafite ser
usado para reafirmar um caráter identitário, a arte serve para contar histórias
de uma cultura, ser contemporâneos às sociedades que se inserem, na busca
por manter viva a narrativa de “memórias omissas”.
Então, toma-se esta perspectiva, do grafite sendo usado para contar uma
história, para pensa-lo como a “arte de não esquecer”. A expressão “a Arte de
não Esquecer” é o nome do artigo de Vera Martins (2012). Seu artigo fala sobre
um projeto na cidade de Porto-Portugal que pretendia:
“Inicialmente pretendia-se intervir criativamente num espaço
abandonado da cidade do Porto reabilitando-o, puxando pelo seu
potencial estético e narrativo tornando-o reconhecido pelos
transeuntes que muitas vezes ignoram ou até mesmo evitam esses
mesmos espaços, precisamente por se encontrarem desativados”
(MARTINS, 2012, p.12).

Eles procuravam um local que trouxesse uma problematização,


procuravam um edifício que teria uma história entre as suas paredes
inacabadas. Pois, a street art, no caso o grafite, faz as pessoas pararem,
observarem, falarem nos cafés e até partilham histórias pessoais que estão, ou
não, relacionadas com a peça que viram e que mexeu com elas (Ibid, 2012).
O local escolhido foi um edifício abandonado em que houve o
assassinato brutal de um homossexual de nacionalidade brasileira no ano de
2006. Gisberta era o nome da vítima (figura 10).
2o Seminário brasileiro de museologia • 495

Figura 10 – Edifício onde ocorreu o assassinato. Fonte: Foto de Vera Martins, 21 de Maio de
2012.

Gisberta começou a ser insultada e agredida por jovens, a cada vez que
acontecia aumentava-se o grau de violência. Dia 22 Fevereiro de 2006, eles
atiram o corpo de Gisberta, ainda com vida, para um fosso, onde acabaria por
morrer afogada. O assassinato chocou Portugal na época.
Anos depois, o projeto visa resgatar a memória de Gisberta com
desenhos que tinham a imagem da vítima de forma caricaturada e a imagem
de uma virgem com o manto colorido, com o arco-íris e o rosto de Gisberta
(figura 11). Perguntados aos transeuntes do local sobre os desenhos, muitos não
respondiam pelo fato de se tratar do caso de Gisberta. Vê-se então, o grafite
como forma de expressão de grupos excluídos, buscando através da arte,
resguardar a memória que de uma tragédia que sua sociedade tenta esquecer.
Pois Gisberta não foi, somente, vítima de jovens preconceituosos, mas vítima de
uma sociedade discriminadora, que não aceita aqueles que não correspondem
ao “padrão social”.
“É assustador, quando nos damos conta, de que vivemos numa
sociedade que não revela qualquer tipo de sentido de justiça e de
solidariedade por um ser humano que se diz diferente, só porque sai
dos padrões convencionais pré-instalados na mentalidade desta
sociedade que se diz contemporânea” (MARTINS, 2012, p. 64).
2o Seminário brasileiro de museologia • 496

Figura 11 – Grafite em homenagem à Gisberta. Fonte: Foto de Vera Martins, 21 de Maio de


2012.

O trabalho que iremos usar aqui neste artigo que exemplifica o uso deste
tipo de arte localmente, mais precisamente na cidade velha, centro histórico de
Belém, é o da grafiteira Drika Chagas. Como já visto, o trabalho de Drika é
cheio de elementos da cultura local, como exemplo de uma de suas
participações voltada para o perfil regional, cita-se suas produções junto ao
projeto R.U.A. (Rota Urbana pela Arte). O projeto ocorreu no bairro mais antigo
de Belém, a cidade velha, tendo por base as recordações/memórias dos
moradores locais.
O bairro da cidade velha é por si só um local repleto de histórias e
narrativas, todavia, suas histórias são contadas de forma superficial, pois alguns
fatos históricos carecem do reconhecimento das falas de seus moradores, ou
seja, predominam questões de parâmetros científicos (tradicionais) como: de
qual época era tal edifício? O que aconteceu historicamente nele? Qual
personalidade morou em tal rua e tal casa? Quais os materiais usados de tal
edifício? De onde veio tal material, etc.
A história cotidiana dos moradores da cidade velha, nesse caso, é
deixada de lado. Partindo deste ponto, o projeto R.U.A. visa evocar as
recordações dos moradores, personalidades que moraram no bairro, memórias
de infância ocorridas em moradias do local, lendas urbanas que envolviam o
imaginário popular, mostrando como a cidade velha era cheia de vida.
Essas lembranças não se reavivem por um simples passeio pelo local,
pelo menos não para os que não residem no bairro, pois seus patrimônios
(materiais e imateriais) recriam-se no cotidiano que combina o passado ao
contemporâneo. Os desenhos vêm para fazer a ligação entre os personagens, o
patrimônio material e a memória local.
2o Seminário brasileiro de museologia • 497

Através de entrevistas orais com moradores do bairro, o R.U.A. levantou


algumas histórias e através do grafite “gravou-as” em moradias do local. Em
uma das moradias há um desenho de uma pessoa sentada em uma cadeira
(figura 12), a história por trás do desenho é sobre a memória de que se era
corriqueiro sentar-se em frente a sua casa para conversar com o vizinho,
condição que é inviável atualmente pelo fato do bairro está muito violento como
diz a moradora:
- “A noite assim.. de dia , não tinha perigo, não tinha esses mendigo como tem
agora. As praças.. a gente podia ir nas praças, não tinha esse negócio de
mendigo, essas coisa. não tinha. Eu ia pra praça, sempre morei aqui, 44 anos..
não tinha essas coisas aqui. Não era perigoso. Tá muito perigo, cidade velha. Tá
muito perigoso . Não tem segurança.Eles fizeram mais esses grafites para retratar
o passado da cidade velha, né?! Como era antigamente. Era assim mesmo. Podia
ficar na rua, passear, ficar na porta. Agora.....!” Mácia Reis, idade não
revelada.

Figura 12 Fonte: Site – Facebook13.

Outra história que ficou gravada com grafite é a de uma princesa,


deixando as narrativas de uma criança ser vivida como a imaginação deixa ser,
13
Disponível em:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=553378414731738&set=pb.100001787535076.-
2207520000.1416871742.&type=3&src=https%3A%2F%2Ffbcdn-sphotos-e-
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2o Seminário brasileiro de museologia • 498

vivendo em seu castelo real. A princesa era só mais uma moradora vivendo sua
infância em um edifício do bairro, o castelo era o palacete pinho, um dos mais
famosos edifícios da cidade velha (figura 13).

Figura 13 – Princesa e azulejos. Fonte: Acervo pessoal.

Há um grafite que recorda a época citada anteriormente, aquela onde se


podia sentar-se em frente a casa e conversar sobre a vida, com mais segurança
e animosidade, mas agora o desenho representa lembranças da musicalidade
do bairro sempre, associada a pianista quem morava no bairro, e tocava seu
piano no começo das noites (figura 14).

Figura 14 – A pianista. Fonte: Acervo pessoal.

Outros grafites demonstram a mentalidade dos moradores, há grafites


que representam eventos extraordinários, este é o caso da lenda urbana da
mulher do táxi (figura 15) e do carroceiro fantasma (figura 16), figuras que
assombram o bairro e a mente dos moradores da cidade velha.
2o Seminário brasileiro de museologia • 499

Figura 15 – A mulher do táxi. Fonte: Acervo pessoal.

Figura 16 – O Carroceiro Fantasma.Fonte: Acervo pessoal.

Diversos desenhos representam a religiosidade do bairro que é bastante


conhecido por suas igrejas. Falando desses desenhos temos como exemplo o
grafite que representa um pouco o Círio (figura 17), que é celebrado por uma
grande parte de Belém e consequentemente pelos moradores da cidade velha.
O grafite do R.U.A tem também um caráter estético, ele previne o mau grafite, a
pixação como diz a moradora:
“Faz duas coisa, chama atenção pro tema pras pessoas que não
conheciam esse tempo atrás, né?! E evita de fazer essa grafitação
maluca.” Nizete medeiros, 71 anos.

“O patrimônio histórico que é a cidade velha mais com esses grafites


deu um embelezamento melhor, né?! Pelo menos não fica aquela
coisa feia, né?! Fica mais agradável de ver né?!... Mais bonito, porque
a cidade velha tá tão abandonada.” Anônimo.
2o Seminário brasileiro de museologia • 500

Figura 17 – O coreto. Fonte: ORM News14

Os desenhos “transportam” memórias que foram herdadas, como Polack


(1992) os chama de acontecimentos “vividos por tabela”, que são
acontecimentos vividos pelo grupo ou pela coletividade à qual a pessoa se sente
pertencer. (POLLAK, 1992. p, 2)
- “Cada grafite desse conta aa história de uma lenda urbana aqui do
bairro, e eu como sou morador muito antigo aqui, escutei muito essas
histórias. Então de certa forma tem realmente uma certa
identificação.” Eduardo, 41.

Percebemos aqui o grafite como suporte para contar histórias de um


determinado local, nesse caso o centro histórico de Belém. Ele está a serviço da
história para tentar resguardar as memórias cotidianas dos moradores(por
quanto tempo ele durar, já que é uma arte enfêrmera) para que elas sejam
recordadas através desse exercício visual que será feito sempre quando
passarmos no local. Jacques Le Goff (1994) em seu livro “História e Memória”
cita práticas assim ocorridas em algumas época. No Antigo Egito, em túmulos
familiares haviam inscrições e desenhos que narravam a vida morto, tinham
função de perpetuar a memória. Na Grécia e Roma antiga, inscrições gravadas
em pedras de túmulos, praças e ao longo de estradas obrigavam os transeuntes
a um esforço de comemoração e perpetuação da lembrança em vista do caráter
publicitário e durável (já que eram gravados em pedras) da memória (LE GOFF,
1924. p. 428).
Assim como o caso de Gisberta e das memórias dos moradores da
cidade velha, o grafite vem para ser essa ferramenta de recordação, criando um
backup automático na mente das pessoas sempre que elas passarem nos locais
que tiverem os desenhos.
“O grafite dialoga com a cidade, na busca não da permanência,
enquanto significado de arte consagrada de uma época, mas de
expansão, da arte que exercita a comunicação e faz propostas ao

14
Disponível em: Figura 17: foto Cristino Martins retirado do site:
http://www.ormnews.com.br/noticia.asp?noticia_id=669555#.VHOxUIvF9vU
2o Seminário brasileiro de museologia • 501

meio, de forma interativa. As cidades não são só o suporte, mas os


tons das tintas e os movimentos todos do surpreendente imaginário
humano. O que está dentro fica, o que está fora se expande”
(GITAHY, 1999, p. 74).

Deleuze diz em sua obra “O ato da Criação” que a obra de arte é uma
contrainformação: “A obra de arte não contém, estritamente, a mínima
informação. Em compensação, existe uma afinidade fundamental entre a obra
de arte e o ato de resistência. Isto sim. Ela tem algo a ver com a informação e a
comunicação a título de ato de resistência” (DELEUZE, 1999, p. 4).
O grafite, ao relacionar-se com as ideias de Deleuze (1999), vem pra ser
essa arte posicionada contra a informação, contra a “história tradicional”, como
denuncia sua característica básica de resistência. Resistência que agora, através
do grafite, pixa, grava, desenha, escreve em paredes do bairro, reivindica o seu
poder de contar suas memórias e histórias que atualmente podem circular por
entre outros espaços, auxiliando na manutenção destas. Resistência que,
quando necessário, utiliza-se da Museologia como “instrumento contra a face
perversa da globalização, a favor da pluralidade cultural e social, das
liberdades políticas e filosóficas e da paz.” (SCHEINER, 2008
p.45).

GRAFITE: UMA PERSPECTIVA MUSEOLÓGICA


Tendo em mente as situações anteriores, onde o grafite perpassa tanto
pela trajetória da manifestação artística, quanto se torna uma ferramenta de
salvaguarda da memória coletiva local. Busca-se então aproximar certos
componentes de análise, deste presente texto, tais quais: patrimônio, memória,
artes, e interações sociais; às aplicabilidades das perspectivas museológicas
contemporâneas, as quais compreendem olhar museus e seus acervos de forma
polissêmica.
Pensar o centro histórico de Belém como um conjunto expositivo, vai para
além de seus artefatos, edificações, e perfis arquitetônicos. Torna-se interessante
trabalhar sob novas perspectivas, pois modelos tidos, anteriormente, como
conceituais com diretrizes que eram rigidamente pré-definidas, podem não
atender “democraticamente” a integralidade que o contexto pode proporcionar
(MENSH, 2001). Contudo, não se pretende negar critérios reguladores, mas
discutir sobre sua atualização e flexibilidade de aplicação.
2o Seminário brasileiro de museologia • 502

Ressalta-se a importância em trabalhar os objetos que tangem a


museologia, de forma interdisciplinar – como sugere Waldisa Rússio (1984) –
evitando “enclausuramentos” conceituais e espaciais desnecessários. Apesar da
museologia não ser mais este segmento científico “inédito”, sua característica
metamórfica, neste exercício de adaptação, permite um discurso particular
mesmo no campo da amplitude dos estudos humanos. Como exemplo, na
presente discussão, busca-se apresentar a relação de identificação visual e
memorial entre os grafites expostos e seu entorno. Querer compreender esta
sensibilidade, ou como componentes materiais podem relacionar-se às pessoas,
pode ser uma questão para ‘n’ disciplinas, contudo a abordagem museológica –
por trás de todo um rigor prático – também torna-se capaz de questionar o grau
de identificação entre homem e objeto, e os desdobramentos desta relação.
Contudo, mesmo dessa forma, no amplo espaço urbano – centro
histórico, neste caso. Pode-se perceber a presença de elementos fundamentais
para que se considere esta paisagem musealizada. Tal quais as origens
conceituais de Ecomuseu, o bairro da cidade velha possui tanto uma estética,
quanto uma dinâmica social, que dialoga sincrônica e diacronicamente seja na
sua área delimitada, ou em seu alcance virtual com outros bairros de Belém
(CLAIR, 1976). Desta forma, para que haja relações tanto internas, quanto
externas ao bairro, torna-se necessário pensar quem, quando, o que e onde
este “espelho” de possibilidades reflete/refrata suas memórias (LE GOFF, 2013;
SCHEINER, 1998). Por tanto, ao tomar o como base a perspectiva de Scheiner
(2008), de museu como processo, justificasse a proposta apresentada para à
atual dos museus do bairro ao seu entorno e toda sua imaterialidade, pois
como afirma a autora: “(...) a Museologia não tem como objeto de estudo os
museus, ou a instituição museu, mas sim a ideia de Museu desenvolvida em
cada sociedade” (SCHEINER, 2008, p.42).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dessa forma, a partir de alguns exemplos tanto locais, quanto regionais,
entre panoramas ilustrativos de percepções de praticantes, moradores do
entorno dessas artes, e demais casos sobe o grafite, pôde-se perceber que o
grafite, nesses casos, há de ser essa ponte que os museus há de praticarem,
2o Seminário brasileiro de museologia • 503

entre objeto, nesse caso o as memorias do moradores locais, o patrimônio


imaterial deles, e o visitante, os transeuntes do local no caso da cidade velha.
E como dito anteriormente, o grafite tenta dialogar com as pessoas da
urbe, da cidade. Ele é esse meio, essa outra forma de linguagem que tenta por
fazer a identificação do visitante com o objeto, no caso da cidade velha o
transeunte passa a ser conhecedor das memórias, das histórias, dos mitos e
personagens que residiram e de certa forma, residem ainda nas memórias dos
moradores locais,
Cada grafiteiro expressa questões simbólicas de sua realidade em suas
imagens ao grafitar em alguma paisagem. Mas, ao mesmo tempo em que são
vinculadas às suas vivências e experiências pessoais, comunica-se ou se pode
dizer que se constrói a junto aos imaginários coletivos. Ou seja, os membros
integrantes e produtores de grafites, apesar de possuírem signos próprios, são
inalienáveis ao contexto em que se inserem, aonde vivem. Tais representações
puderam ser vistas em trabalhos como de Drika Chagas e Éder Oliveira, que
hoje legitimam-se pela tipo de trabalho que realizam com relação ao meio
social onde se inserem, e também pelo apelo estético de seus estilos .
O grafite, como visto, traz em seu fazer uma identidade regional de onde
é feito, fazendo com que aquele morador/cidadão local se veja naquela arte e
consequentemente nos temas que ela aborda. Ele se sente pertencente a ela
pois a história do bairro da cidade velha é o “pilar central” da história de Belém,
e ele, o cidadão, como belenense se torna parte dessa história. A partir disso há
uma identificação maior do transeunte com a história do bairro, pois os
desenhos do “R.U.A” são temas de histórias, memórias e personagens
populares, diferentemente da história tradicional que é contada a história da
cidade velha, uma história da elite. E a partir de que há essa identificação com
a história e o local, há um zelo maior pelos seus patrimônios.
Além de ser um forte aliado para fazer essa ligação do belenense com o
seu patrimônio, com sua história, o grafite nesses casos também ajudam na
divulgação e no despertar da curiosidade para os visitantes da cidade. O
entorno dos patrimônios, e também dos museus, são de grande importância.
Essa arte, ou outro tipo de arte pode, e ao meu ver, deve, ser essa ponte do
2o Seminário brasileiro de museologia • 504

público e museu, seria como levar o museu às pessoas para trazer às pessoas
aos museus.
Então como visto, o grafite é um meio, uma linguagem que ajuda na
preservação do patrimônio material, a partir da conscientização da importância
do bairro e dos seus edifícios para a cidade, e do patrimônio imaterial, as
memórias dos moradores da cidade velha, que a partir da afetização ao local e
as histórias dos moradores antigos que mantiveram vivas e ainda matem viva a
cidade velha através do zelo pelo local, através da sua divulgação e seu
caráter mais contemporâneo de se expressar.
Para além das questões de coletividade, esta arte também busca a
retomada, o “embelezamento” de onde se insere, em contra posição – como
afirmam os moradores – ao “mau grafite”, a pichação. O grafite se reinventa,
porém não deixa de ter seu caráter fundamental, reivindicar o seu direito de
fala, nesse caso, o seu direito de representar suas memórias. A história é sempre
contada a partir das personalidades da elite, e cabe ao museu a
problematização dessa forma de se contar. Os desenhos do projeto R.U.A vem
para contar a história dos simples moradores que apesar de suas memórias não
serem encontradas em livros, tiveram grande contribuição para a formação do
que hoje chamamos de cidade velha. Dando vida e história ao bairro.
Com isso, o grafite, assim como os museus há de fazerem, levanta
questões sobre as histórias dos patrimônios, de não contar a história sobre a
mesma, e considerada quase sempre a única perspectiva. O grafite, nesse
caso, junto com às perspectivas museológica dão voz não apenas as memórias
bastante conhecidas dos patrimônios que integram esse “museu” chamado de
Cidade Velha, mas dá voz também às memórias dos moradores que foram
excluídas deste modo tradicional de contar a história da cidade velha. Sendo
assim, o grafite reivindica o seu caráter mais nobre, o seu caráter de dá voz aos
excluídos, seu caráter de ser, literalmente, a “Arte de Não esquecer”.
2o Seminário brasileiro de museologia • 505

Referências

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1987. Edição brasileira: Folha de São Paulo, 27/06/1999.

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COM O PATRIMÔNIO NATURAL E CULTURAL. BASES TEÓRICAS DA
MUSEOLOGIA, Apostila, 2001. Tradução de Tereza Scheiner.
2o Seminário brasileiro de museologia • 506

PRADO, Fabiana. O CORPO CORPOMÍDIA E A INTERVENÇÃO URBANA. Curso


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curadoria, exposições, ação educativa. Cadernos de Diretrizes Museológicas 2.
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CIDADES. 1º Seminário Internacional sobre Arte Público em Latinoamérica,
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2o Seminário brasileiro de museologia • 507

DISCURSO MIDIÁTICO E O PATRIMÔNIO PALEONTOLÓGICO DA MINA B17,


CAPANEMA-PA

Rayana Alexandra Sousa da Silva1

Leonardo de Souza Silva2

Sue Anne Regina Ferreira da Costa3

Resumo
A Mina B17 pertencente à empresa CIBRASA S/A para explotação de calcário.
Está localizada no nordeste paraense, município de Capanema, e possui a
peculiaridade de ser a única frente de lavra tombada como sítio paleontológico
e paleoambiental. Foi reconhecida pelo DNPM em 2007 como patrimônio,
devido sua importância científica e continua em atividade de explotação por
mais 50 anos. Baseado na sua importância científica, muito reconhecida
academicamente, a presente pesquisa analisa o discurso midiático voltado ao
Patrimônio Paleontológico, a fim de observar as características contidas neste
discurso repassadas à sociedade não acadêmica. Para tal, foram analisadas as
notícias veiculadas nas publicações diárias nos jornais: A província do Pará e O
Liberal, nos últimos 37 e 50 anos, respectivamente. As matérias podem ser
entendidas em dois momentos: no Século XX ecoam somente os aspectos
geológicos que beneficiam a explotação do calcário - neste momento, a
concepção de patrimônio no Brasil era pauta na história e arquitetura, ou seja,
nas produções humanas. É acrescido a este, o fato do município neste período
estar em um momento de transição da economia de base, concentrando a
preocupação central no desenvolvimento local. No século XXI, percebe-se uma
tímida apresentação destes enquanto bens patrimoniais, fato motivado que
pode ter sido ocasionado pela ampliação dos paradigmas patrimoniais, neste
caso, incluindo os patrimônios naturais, com mais força de representatividade
em boa parte do mundo ocidental.

Palavras-chaves: Mídia; Formação Pirabas; Patrimônio Fossilífero.

Abstract
The B17 Mine belongs to the company CIBRASA S/A for limestone exploitation. It
is located in the Northeast of Pará, municipality of Capanema, and has the
peculiarity of being the only plowing front declared as a paleontological and

1
Graduanda em Museologia pela UFPA, E-mail para contato: rayanasilvaufpa@gmail.com
2
Graduando em Museologia pela UFPA, E-mail para contato: leo.souza.net2010@gmail.com
3
Doutora em Geologia e Geoquímica. Atualmente é coordenadora do Grupo de Pesquisa
Museu e Paleontologia (MUPA) da Universidade Federal do Pará em parceria com Museu
Paraense Emílio Goeldi, e coordenadora do curso de Museologia da UFPA, E-mail para contato:
sue.costa@gmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 508

paleo environmental site. It was recognized by the DNPM in 2007 as a


patrimonial area, due to its scientific importance and it continues its exploitation
activity for more than 50 years. Based on its scientific position, respected
academically, the present research analyzes the media discourse aimed at the
Paleontological Heritage, in order to observe the features in this discourse that
are passed to non-academic society. To this end, the news published in daily
publications in newspapers were analyzed: A Província do Pará and O Liberal in
the last 37 and 50 years, respectively. The materials might be understood in two
stages: during the twentieth century, only the geological aspects that may benefit
the exploitation of limestone echo - a time when the design towards patrimony in
Brazil was the agenda in the fields of history and architecture, in other words, in
the productions of the humanistic area. It is added to this the fact that the
municipality was in a transition time of its base economy, focusing the main
concern on local development. During the twenty-first century, it might be seen a
timid presentation of these heritage as patrimonial goods, a fact that was
motivated by the expansion of the patrimonial paradigms, in this case, including
natural heritage, with more representative force in much of the Western world.

Keywords: Media; Formation Pirabas; Heritage Paleontological.

••••••••••

Um tema muito recorrente atualmente são as diversas categorias


patrimoniais que funcionam como ferramentas de reivindicações indentitárias,
estas são fundadas em memórias coletivas e narrativas históricas, além de
interesses de ordem econômicas e sociais (GONÇALVES, 2012). Para Ferreira
(2006) a ideia de patrimônio evoca a permanência de algo significativo no
campo das identidades que não deve cair no esquecimento.

No entanto, para que haja reconhecimento destes enquanto ferramentas


de reivindicações identitárias, é necessário que se conheça as potencialidades
que podem retornar á sociedade, na forma de benefícios sociais e econômicos.
Neste contexto a mídia pode assumir um papel primordial, pois segundo Silva e
Schommer (2009) os meios de comunicação podem contribuir para cobrar dos
diversos atores, seja a população geral, como a iniciativa privada e o governo,
que assumam seu papel social, aproximando a sociedade a temas de relevância
pública.

Nesse contexto ressaltamos o patrimônio paleontológico, o qual é


entendido como os recursos paleontológicos, que possuam valor científico,
educativo e cultural, relevante ao conhecimento científico ou a memória
2o Seminário brasileiro de museologia • 509

paleontológica. Devendo ser preservado para futuras gerações. Dentre estes


recursos os fósseis são os mais fundamentais, pois são testemunhas da história
biológica e geológica da terra, sendo ferramentas imprescindíveis na sua
compreensão (CARVALHO, 2010; CACHÃO et al, 1988).

Estes se caracterizam como ferramentas culturais, educativas e sociais


importantes para a sociedade, todavia, como apresenta Pacheco e Brilha
(2014), os assuntos relacionados a ciência estiveram por muito tempo distante
do conhecimento da sociedade em geral, devido à linguagem utilizada. Os
autores ressaltam que a divulgação das geociências necessita da utilização de
estratégias comunicativas que sejam capazes de cativar o interesse do público,
somente de tal modo - com uma maior cultura de base geológica- a sociedade
pode tornar-se mais sensível para conciliar seu modo de vida com gestão
sustentável desse patrimônio.

No contexto da Amazônia (oriental), há um vasto patrimônio


paleontológico, das diferentes Eras, com destaque para a Cenozóica, na qual
há ocorrência de grande diversidade paleobiológica e paleoambiental
(ROSSETTI & GÓES, 2004). Neste caso, os fósseis são pertencentes à Formação
Pirabas, unidade geológica do EoMioceno (25-23 m.a) que distribui- se ao
longo de parte do Piauí, Maranhão e mais significativamente no Pará,
representando um momento transgressivo, que no estado do Pará recobria em
especial a região do Salgado e Bragantina. Entre as diversas localidades
fossilíferas da Formação Pirabas (TÁVORA et al, 2010), a Mina B17 (Fig. 1)
pertencente a Empresa CIBRASA S/A para explotação de calcário, é a mais
representativa.

Na mina há a ocorrência de paleoinvertebrados, paleovertebrados e


microfósseis, alguns desses preservados tridimensionalmente em posição de
vida, com vestígios do biócromo, possuindo também o único registro de
Cirrípedes Balanomorfos (Fig. 2) da América do Sul (TÁVORA, 2007). Está
localizada no nordeste paraense, município de Capanema, e apesar de ser
tombada (SIGEP 121) está ativa e com uma sobrevida de pelo menos 50 anos
de lavra de calcário para produção de cimento da marca Nassau.
2o Seminário brasileiro de museologia • 510

Figura 1: Vista Geral da Mina B17 (TAVORA et al, Figura 2: Cirrípedes Balanomorfos em posição de
2007) vida e com biocromo (TAVORA et al, 2007)

Tendo em vista o vasto patrimônio paleontológico amazônico, e a


responsabilidade que a mídia assume na construção da apropriação desses
bens enquanto patrimônios da sociedade, investigamos o discurso midiático de
dois jornais, a fim de analisar que tipo de discurso é construído, dando destaque
especial as notícias referentes à Mina B17, a qual é tutelada como patrimônio
pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) desde 2007 e é
explotada desde 1996, trazendo dois significados, um cultural e outro
econômico, ambos relevantes para a sociedade.

A fim de apresentar o contexto em que se encontra o patrimônio


paleontológico da Mina-B17 na mídia paraense, o trabalho tem como suporte a
pesquisa documental em dois dos principais jornais do estado, pertencentes ao
acervo da Biblioteca Arthur Viana. Foram utilizadas as publicações diárias dos
jornais "O Liberal", a partir do ano de 1964 até 2014 e "A Província do Pará", de
1964 até 2001 (último ano de circulação). Foram coletadas notícias que se
referem às pesquisas geológicas para exploração de calcário no município de
Capanema e aquelas que fazem referência direta aos fósseis na localidade,
com o intuito de analisar o que estava sendo repassado para a comunidade em
geral, referente a este patrimônio.

SÉCULO XX: PESQUISA DOS CALCÁRIOS DA ZONA BRAGANTINA PARA


INDÚSTRIA DE CIMENTO

Este período caracteriza-se por matérias que destacam o início da


possibilidade de exploração mineral do lugar (Tab.1). Todas apresentam em
comum a abordagem dos trabalhos desenvolvidos na área, principalmente
financiados pelo Instituto de Desenvolvimento Econômico-Social do Pará, com
cooperação de instituições e pesquisadores internacionais em pesquisas, as
quais revelam as localidades mais propícias para exploração de calcário. É
2o Seminário brasileiro de museologia • 511

importante salientar que desde esse primeiro momento, não há qualquer


referência aos fósseis presentes na área, apesar dos diversos trabalhos
acadêmicos que destacam o potencial fossilífero da região em momentos
anteriores (Maury 1925; BEURLEN,1958; SANTOS,1958).

Tabela 1: Notícias Século XIX que ressaltam a exploração de calcário

Cita a presença
Jornal Data Tema da matéria
de fósseis?

Pesquisa revela calcário em 10


Província 25/Jun/1968 Não
Munícipios do Para

Cooperação Internacional através


Província 15/Out/1970 de auxílio financeiro para a Não
pesquisa
Pesquisa do IDESP com parceria
internacional para conhecer a
Província 22/Out/1970 Não
potencialidade do material de
construção
Pesquisa geológica na Zona
Província 04/Ago/1973 Não
Bragantina

O Liberal 26/Ago/1970 Pesquisa geológica Não

As notícias refletem um contexto de transição econômica, pois a princípio


a economia era baseada na agricultura devido à formação do município a
partir da Estrada de Ferro Belém-Bragança (E.F.B). Porém, por volta de 1964 a
estrada é desativada e a agricultura, sem ter como escoar, perde sua força. A
partir de então, as pesquisas geológicas e mineralógicas tem início na Zona
Bragantina, em especial em Capanema devido aos calcários da Formação
Pirabas que são mais expressivos na localidade (KILIFE, 2013; TAVARES, 2008).

Faz-se necessário compreender que neste período a concepção de


patrimônio, estava centrada nas produções humanas, tendo em vista o processo
de construção da noção Ocidental de patrimônio que segundo Choay (2011)
surge no período da revolução francesa no século XVIII. Os estados nacionais
escreviam suas biografias por meio da valorização dos grandes monumentos e
edificações de valor estético e histórico. No Brasil a concepção patrimonial
nasce dotada dos mesmos sentidos, dependendo somente do estado a seleção
dos bens a serem tombados (CHUVA,2011). Gonçalves (2012) diz que até os
anos 80 o vocábulo do patrimônio estava atrelado especialmente a arquitetura
histórica, ocorrendo somente nas ultimas décadas uma transformação em tal
concepção. Dias (2006) diz que a palavra patrimônio passou de um tesouro
2o Seminário brasileiro de museologia • 512

artístico destinado as minorias, para monumentos históricos - culturais de


interesse dos Estados Nacionais e posteriormente passou a representar culturas,
sendo considerado atualmente como instrumento de educação universal.
Percebe-se assim, que por muito tempo se valorizou na sociedade brasileira
patrimônios advindos de processos antrópicos. A partir da declaração da
Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO) (1972), o mundo se volta mais para a apreensão do meio natural
como patrimônio e consequentemente para sua proteção, inclusive por meio de
aparatos legais. No Brasil em 1997 o DNPM cria a Comissão Brasileira de Sítios
Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP), todavia a inscrição dos sítios no SIGEP ou
na lista do Patrimônio Mundial Natural da UNESCO não garante sua proteção
efetiva, ficando estes sujeitos aos aparatos legais de cada país (BRILHA,. et al,
2008).

No Brasil a maior representatividade na proteção do patrimônio natural


se dá com a criação das unidades de conservação em 2000 (SNUC, Lei Federal
9.985/2000), no entanto, estas dão destaque maior ao patrimônio biótico,
deixando o abiótico, como o paleontológico, a mercê de uma complexa
miscelânea de leis. Abaide (2011) diz que a proteção dos fósseis pelo domínio
público brasileiro se dá em três vias: Mineral enquanto riqueza do subsolo;
ambiental ou urbanística enquanto espaço natural ou artificial e pela via cultural
enquanto sítio. Baseado nestas vias a proteção deste fica sob a responsabilidade
do IPHAN , IBAMA e DNPM.

A ausência de matérias acerca dos fósseis neste período nos leva a inferir
que estes não eram destacados para a sociedade enquanto patrimônios, pois
no período, como foi supracitado, o destaque estava majoritariamente na
produção humana, somente a partir da década de oitenta, o patrimônio natural
e o paleontológico análogo a ele, passam a receber um tímido destaque como
apresentado nas notícias do século XXI.

SÉCULO XXI: AFLORAMENTO DOS FÓSSEIS NA MÍDIA

Nos anos 2000 destaca-se o aparecimento dos fósseis como noticia a ser
veiculada pelos jornais para o grande público (Tab. 2), considerando que isso
reflete quase 100 anos de atraso em relação a academia, visto que Ferreira
Pena apresentou os calcários fossilíferos da zona Bragantina paraense pela
primeira vez em 1876 (TÁVORA, SANTOS ARAUJO,2010).

Tabela 2: Notícias Século XXI que ressaltam a presença dos fósseis

Ressalta os
Jornal Data Tema da matéria fósseis como
patrimônio?
2o Seminário brasileiro de museologia • 513

Trabalhos de iniciação científica do


O Liberal 3/AGO/2000 Goeldi com fósseis da Formação Não
Pirabas
O Liberal 7/NOV/2007 Formação Pirabas Sim

O Liberal 24/SET/2008 Município de Capanema Sim

É importante destacar que a matéria de 24/SET/2008 que apresenta a


Formação Pirabas se configura como uma fonte importante de conhecimento
para o grande público porque vai de encontro às pesquisas e publicações
acadêmicas, ao informar as alternativas econômicas, educativas, sociais e
culturais desses bens, e que quando trabalhadas em conjunto pelo poder
público, empresa mineradora e comunidade local, desencadeiam em uma
maior conscientização para a sua preservação (GESICK & SANTUCCI, 2011;
SANTOS, CARVALHO & FERNANDES, 2010).

Se compararmos o discurso das décadas de 60 e 70 com o dos anos


2000, percebemos que houve um avanço informativo, no momento em que a
mídia aproximou jornalistas e cientistas, melhorando a qualidade e a coesão
das informações, cumprindo, mesmo que de forma tardia, o seu papel de
propiciar informações ao público, dando a este uma chance de interagir e
compreender um determinado tema, haja vista que só podemos preservar
aquilo que conhecemos (CAPOZOLI, 2002; PELLEGRINI, 1990; ZIEMANN et al,
2013).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como foi possível notar o discurso midiático representa momentos de


distintos paradigmas patrimoniais. O discurso construído pela mídia paraense
pesquisada caminha junto com as pesquisas científicas, no entanto estas passam
pelo recorte do contexto social e histórico. Em um primeiro momento (séc. XX)
dando destaque para as pesquisas para exploração do calcário, mas se oculta
que estes possuem fósseis, já no segundo momento (séc. XXI) com um maior
amadurecimento da apreensão do meio natural como patrimônio, passa a ser
apresentada as características patrimoniais, que podem proporcionar a
sociedade paraense reflexões a partir desses enquanto ferramentas sociais.

Referências

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2o Seminário brasileiro de museologia • 514

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2o Seminário brasileiro de museologia • 516

DO WEBSITE AO MECANISMO VIRTUAL DAS HIPERMÍDIAS NO ESPAÇO


CULTURAL GOIANDIRA DO COUTO

Washington Fernando Souza1

Resumo
O presente artigo discorre sobre aspectos contemporâneos que incidem no
campo do estudo da museologia. Tal proposta se dá a partir da análise
estrutural e identificação de problemas na estrutura e abordagem que o website
www.goiandiradocouto.com.br possui atualmente. O website possui uma
estrutura simples. E partindo do mecanismo virtual que este possui é proposto a
utilização da hipermídia como recurso de implementação do mesmo. Doma
pesquisa para detectar a funcionalidade e usabilidade do mesmo. É proposto a
aplicabilidade de questionário que se utilizará de métodos para detectar tais
fatores. Tal (re)estruturação do website possibilitará uma divulgação do Espaço
Cultural Goiandira o Couto, o que pode ser um fator positivo além de se tornar
um espaço dinâmico.

Palavras-chave: Goiandira do Couto; Museu; Website; Hipermídias.

Abstract
This article discusses contemporary issues impacting on the museology field of
study. This proposal starts from the structural analysis and identification of
problems in the structure and approach that the website
www.goiandiradocouto.com.br currently has. The website has a simple structure.
In addition, in the virtual mechanism that it has proposed the use of hypermedia
as deployment feature of it. Doma research to detect the functionality and
usability of it. It is proposed that the applicability of the questionnaire will be used
methods to detect such factors. Such (re ) structuring of the website allow
disclosure of Cultural Goiandira the Couto , which can be a positive addition to
becoming a dynamic space.

Key-words: Goiandira do Couto , Museum, Website; Hypermedia .

1
wfernandoturismo@hotmail.com. Especialista em Gestão de Empreendimentos Turísticos e
Eventos pela Faculdade SENAC - GO e Especialização em Supervisão e Orientação Educacional
pelo Centro de Educação a Distância da Faculdade Barão de Mauá SP. Graduado em
Tecnologia de Gestão em Turismo pela Universidade Estadual de Goiás Unidade Universitária
Cora Coralina (2010). Bacharelando em Museologia pela Universidade Federal de Goiás.
Técnico em Guia de Turismo Regional pelo SENAC Goiás (2010). Está professor do SENAC -
GO nas áreas de Turismo Hospitalidade e Eventos. Atuou como Professor do Curso Superior de
Tecnologia em Gestão de Turismo da Universidade Estadual de Goiás, Unidade Universitária
Cora Coralina (2010-2011).
2o Seminário brasileiro de museologia • 517

INTRODUÇÃO

Para que as pessoas tivessem mais acesso à artista Goiandira Ayres do


Couto e sua obra, foi criado um website (sítio eletrônico). Com a finalidade de
divulgar a obra da artista e possibilitando sua veiculação nesta mídia tal sítio foi
desenvolvido por um sobrinho de São Paulo segundo Goiandira em seus
diálogos. Na estrutura do mesmo foram utilizados seis links (atalhos) de acesso
sendo os seguintes: Home, História, Galeria, Técnica, Exposições e Contato.

A seguir especificarei detalhes do website citado anteriormente, ora me


atenho a esclarecer que no acervo da referida artista encontra-se diversas
matérias televisivas nas mais variadas categorias. É possível encontrar também
documentários além da variedade do acervo fotográfico e de sua pinacoteca
além das honrarias, documentos e livros que compõe o conjunto.

Por se tratar de website onde é mencionado uma artista de relevância


internacional pela sua arte e sua técnica, pensa-se numa proposta de um sítio
eletrônico interativo onde o visitante poderá deleitar-se com as obras de
Goianira, suas técnicas, sua atuação cultural e sua diversidade de atuação por
meio dos elementos que a grande mídia dispõe sobre a mesma.

DESENVOLVIMENTO

Há diversos tipos de websites disponíveis na internet: institucionais,


informativos, pessoais, comunitários, etc. Cada website possui um objetivo, de
acordo com o público ao qual é direcionado. Segundo (MOURO & VERGA
2008, p. 1 e 2) hipermídia é um artefato que combina com todos os canais
perceptivos e uma multimídia (linguagem, imagens, sons e musicas), e que
ainda permite a interação em forma de navegação entre nós semânticos.

Por exemplo, a informação que está seno lida neste momento está
disponível no website www.Goiandira Ayres do Couto.com.br
2o Seminário brasileiro de museologia • 518

Fig. 1: screenshot da página inicial do website Goiandira do Couto

Um dos principais objetivos que a internet vem trazendo é sem dúvida, a


disponibilização de informação. Dando a possibilidade de acesso a inúmeros
dados e informação. Assim, ela veio sendo procurada pelo motivo principal, a
pesquisa. Como o objetivo é facilitar a comunicação, então a web vem sendo
também utilizada para solucionar problemas. E assim, beneficiando sempre o
usuário que usa a internet como meio de comunicação. Para (BORDENAVE, p.
33) pela prática profissional, pela pesquisa pela competição reciproca,
melhoram-se constantemente a redação e notícias e artigos, a elaboração de
programas de TV, a preparação de anúncios e produção de filmes.

O website é dividido basicamente em seis partes. A primeira página traz


uma imagem da artista e algumas obras em Assemblagem. Além disso, é
chamada a atenção do visitante para a frase que, segundo Goiandira, foi
ouvida por ela numa determinada manhã. Conforme visto na figura 1.

Caracteriza-se na vida artística de Goiandira Ayres do Couto, em


específico na obra e técnica de Assemblagem (areia, pigmentos e cola sobre
Eucatex, técnica que a tornou referência internacional), suscita parte de sua
história de vida e parte da cronologia de exposições participadas pela mesma
conforme observa na imagem a seguir.
2o Seminário brasileiro de museologia • 519

Fig. 2: screenshot da página Exposições do website Goiandira do Couto

Tal pagina não menciona os títulos honoríficos recebidos e nem seus


feitos, dentre outros fatos inerentes a artista sua vida seu convívio dentre outros.

No que se refere ao link Galeria ao clicar o visitante deparará com


algumas das obras em Assemblagem, não estão documentadas com uma
descrição e sua representatividade. As mesmas estão estáticas não
possibilitando nem mesmo ampliação para o deleite.

Já na página História observa-se que há um breve relato sobre a artista


onde não é mencionado seus feitos e nem mesmo sua cronologia. Como se
observa na figura a seguir.

Fig. 3: screenshot da página História do website Goiandira do Couto


2o Seminário brasileiro de museologia • 520

Já no que se refere ao contato não dialoga condizentemente com a


proposta de um website.

Não há no website uma estrutura interativa com o acervo do Espaço


Cultural Goiandira do Couto onde o visitante pode deleitar as suas obras, saber
suas técnicas, sua trajetória cultural, sua cronologia, seus feitos, suas
agraciações, bem como fazer um tour pelo Espaço Cultural além de outros
aspectos que o site pode possibilitar por meio da hipermídia. Como é o caso
dos vídeos e matérias jornalísticas e outras reportagens sobre a artista, que
compõe o acervo.

Para identificação de problemas e na busca de respostas para os


mesmos, é proposto uma complexa análise estrutural atendendo a vários
aspectos a usabilidade. Existem várias formas de fazer tal análise, para tal
propõe-se a aplicação de questionário de usabilidade e funcionalidade.

No que se refere ao questionário de usabilidade podem ser levantadas


questões inerentes a navegação, funcionalidade, controle do usuário,
linguagem, conteúdo, ajuda on-line, guia do usuário, feedback dos usuários,
coerência, prevenção, correção de erro, arquitetura, visual claro e conteúdo
abordado.

Já se tratando do questionário de funcionalidade podem ser levantadas


questões inerentes ao perfil de público, divulgação, fonte de pesquisa e
comunicação.

Conforme figura a seguir suscito um dos exemplos citados e problematizo


a não interatividade do mesmo.
2o Seminário brasileiro de museologia • 521

Fig. 4: screenshot da página Galeria do website Goiandira Ayres do Couto

Para tanto as páginas do website são neutras e não dialogam como


podemos observar nas imagens da figura anterior e da seguinte.

Fig. 5: screenshot da página Técnica do website Goiandira do Couto

Haja vista que as imagens nem se ampliam e não possuem


contextualização. Ora no local da imagem em que a artista faz a obra poderia
vir um vídeo demonstrando o processo de criação. Além de outros elementos do
acervo que podem ser contextualizados no website.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando que no acervo do Espaço Cultural Goiandira o Couto


possui tais elementos de hipermídia, torna-se possível e favorável tal proposta.
2o Seminário brasileiro de museologia • 522

Vale a pena ressaltar que a estrutura e abordagem que o website


www.goiandiradocouto.com.br possui atualmente é uma estrutura criada por um
sobrinho da artista e que este o fez por atuar na área conforme diálogos feitos
com a artista.

Vejamos que um próximo passo poderá ser a elaboração dos


questionários e sua aplicabilidade. É possível considerar que a tal
(re)estruturação do website possibilitará uma divulgação do Espaço Cultural
Goiandira o Couto, o que pode ser um fator positivo além de se tornar um
espaço interativo na internet.

Assim passará a ser também um espaço para pesquisa sobre a artista e


até mesmo do campo museológico.

Referências

BORDENAVE, Juan E. Díaz. O que é comunicação. São Paulo: Editora


Brasiliense, 1997, p. 33. Disponível em:
<http://pt.scribd.com/doc/26375494/O-que-e-Comunicacao-BORDENAVE-
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ago. 2014.

MOURO, Paola Prado. VERGA, Arthur Toledo. Website do Diretor Lars von Trier.
XIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste. São Paulo, SP:
UPM, 2008, p. 1-2. Disponível em: <www.portalintercom.org.br>. Acesso em:
30 de jul. 2014.
2o Seminário brasileiro de museologia • 523

ENTRE A PATRIMONIALIZAÇÃO E O RISCO DE DESAPARECIMENTO: O CASO


DO ANTIGO CEMITÉRIO DE BELÉM DO SÃO FRANCISCO

Michel Duarte Ferraz1

Resumo
O patrimônio cultural é constituído por vários elementos de natureza material e
imaterial. Na lista dos bens tangíveis nem sempre são colocados os cemitérios e
dispositivos funerários e, mesmo quando estão inseridos nessa categoria, sua
patrimonialização não traz garantia de permanência e de integridade. Esse é o
caso do antigo cemitério do município de Belém do São Francisco que foi
classificado, em inventário realizado pela Fundação do Patrimônio Histórico e
Artístico de Pernambuco, como “cemitério de interesse arquitetônico” (1987),
tendo sido também tombado em nível local como “Patrimônio Arquitetônico da
Prefeitura Municipal” (1995). Mesmo com a presença dessas formas de
acautelamento estabelecidas pela Constituição Federal de 1988, o cemitério
esteve nos últimos anos totalmente abandonado pelo Poder Público e pela
sociedade. Assim, foi gradativamente convertendo-se numa floresta, robustecida
pelo despejo de esgoto sanitário que corre a céu aberto no seu entorno,
deixando-o isolado. Insatisfeitos com tal situação, cidadãos começaram a
discutir em rede social as alternativas para viabilizar uma campanha de
recuperação e, quem sabe até, poder dar no futuro uma finalidade cultural ao
antigo cemitério. Nesse sentido, o presente trabalho tem a intenção de descrever
a problemática e também de apontar as propostas para o futuro que por ora
estão surgindo.

Palavras chave: Cemitério; Belém do São Francisco; patrimonialização;


abandono; campanha de recuperação.

Abstract
Cultural heritage consists of many elements of material nature and immaterial.
In the list of tangible assets cemeteries and funeral devices are not always placed
and even when they are entered in that category, its patrimony brings no
guarantee of permanence and integrity. This is the case of the old cemetery of
municipality of Belém do São Francisco which was classified in inventory held by
the Historical and Artistic Heritage Foundation of Pernambuco, such as "cemetery
of architectural interest" (1987) and was also tumbled locally and "Architectural
Heritage of the City" (1995). Even with the presence of these forms of precaution
established by the Federal Constitution of 1988, the cemetery has been in recent
years completely abandoned by the government and society. Thus it was
gradually becoming a forest, strengthened by sewage dump that runs the open

1
Bacharel em Direito (UNICAP) e Museologia (UFPE). Advogado especialista em Direito
Administrativo (Anhanguera-UNIDERP) e Patrimônio, Direitos, Culturais e Cidadania (UFG).
Email para contato: michelduarteferraz@hotmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 524

in your surroundings, leaving you stranded. Unhappy with this situation, citizens
began discussing on social network alternatives for achieving a recovery
campaign and perhaps even be able to give in the future a cultural purpose to
the old cemetery. In this sense, this paper intends to describe the problem and
also to point out the proposals for the future which for now are emerging.

Key-words: cemetery; Belém de São Francisco; patrimonialization;


abandonment; recovery campaign.

••••••••••

Sua origem e declínio

Belém do São Francisco, pequena cidade do Sertão de Pernambuco,


instalada às margens do Rio São Francisco, surgiu a partir do desenvolvimento
da Fazendo Belém e do núcleo residencial que se formou próximo à Igreja de
Nossa Senhora do Patrocínio, concluída no ano de 1842. Desse período inicial
permanece a igreja e algumas poucas casas, dentre elas, a casa de João de Sá
Araújo (primeira casa de adobe da cidade). Marlindo Pires Leite resgata essa
passagem da história local:

Próximo à igreja de N. S. Do Patrocínio, sugiram as primeiras


construções, seguindo rumo a oeste, formando o que hoje se
convencionou chamar Rua Velha, isto é, a Cel. Trapiá. Em 1872, foi
concluída a primeira casa de adobe, pelo senhor João de Sá Araújo,
filho de Antônio de Sá Araújo. A segunda pelo padre, Francisco
Tavares Correia Arcoverde, que constituiu a sua residência. Em 1919,
o rio São Francisco, em sua grande cheia demoliu quase toda a
cidade, desmoronando 56 casas, e a igreja resistiu, impavidamente, a
vários transbordamentos do rio, pois era de sólida construção de
pedra (LEITE, et. al., 1993, p. 98).

Com o crescimento do povoado e sua evolução político-administrativa,


passando pelas fases de freguesia (1885), vila (1902) e município (1903) (LEITE,
et. al., 1993, p. 23), fazia-se necessário a construção de um cemitério para dar
repouso final aos que iam falecendo. Então, supõe-se que, ainda no final do
séc. XIX e início do XX, deu-se início a construção dos primeiros túmulos e os
enterramentos no antigo cemitério de Belém. Segundo Maria Pires de Carvalho
Caribé (Lia Caribé), essa necrópole já estava em funcionamento em 1905
2o Seminário brasileiro de museologia • 525

(FUNDARPE, 1987, p. 168). Corroborando esse entendimento, em levantamento


realizado pela Fundarpe, em 1984, foi possível encontrar, no local, sepulturas
com datações de enterramentos posteriores a 1908. No entanto, em observação
mais atenta feita recentemente encontrou-se uma lápide com datação de
falecimento de 18882.

Assim, o antigo cemitério foi construído em terreno plano, a leste, em


área que se apresentava como limite do núcleo urbano, a pouco mais de 200m
de distância da Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio. A respeito do seu
entorno foi registrado, em 1984, que o cemitério encontrava-se isolado num
círculo de aproximadamente 500m de raio de outras edificações (FUNDARPE,
1987, p. 167). Contudo, com a expansão do núcleo urbano, verificam-se
atualmente o surgimento de novas construções, algumas delas a menos de 50
metros do muro do antigo cemitério.

Imagem do antigo cemitério de Belém do São Francisco registrada em fevereiro de 1962. Autor:
Nilo Bernardes;TiborJablonsky. Biblioteca do IBGE.

Tem-se registro que ao longo de sua existência esse campo-santo passou


por duas ampliações: uma entre 1947/1951, na gestão do prefeito Alípio
Lustosa de Carvalho, e outra em 1981, na gestão do prefeito Geraldo Lustosa
de Carvalho, perfazendo o tamanho máximo de 924m2 de área construída
(FUNDARPE, 1987, p. 167).

2
Ressalta-se que também não descartamos a possibilidade da pessoa ali inumada ter falecido
em outro local e depois ter seus restos mortais transladados para o referido túmulo no antigo
cemitério de Belém do São Francisco.
2o Seminário brasileiro de museologia • 526

Entre as benfeitorias objetivando a ampliação, foi construído um muro


mortuário, que posteriormente foi novamente estendido. Não há registro sobre o
período em que esse muro teria sido erguido, contudo, na parte mais antiga, do
lado de trás, é possível visualizar uma inscrição feita no cimento fresco,
provavelmente feita pelos pedreiros, com monogramas e a data 23.05.1961.
Sendo assim, é provável que a parte mais recente deste muro tenha sido feita
em 1981, na gestão do prefeito Geraldo Lustosa.

Em 1984, sob notícia de uma possível inundação ocasionada pela


construção da Hidroelétrica de Itaparica (atual Luiz Gonzaga), Belém do São
Francisco e seu cemitério receberam a visita de arquitetos, historiadores e
pesquisadores da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco
(FUNDARPE). O estudo constatou os valores presentes no sítio histórico do
município e no seu cemitério. Em 1987 a Fundarpe concluiu o estudo e publicou
o “Inventário do Patrimônio Cultural do Estado de Pernambuco: Sertão do São
Francisco-IPAC/PE”. Nesse processo de inventário recomenda-se o tombamento
estadual do sítio histórico do município, incluindo a igreja de Nossa Senhora do
Patrocínio3, e o tombamento municipal do cemitério.

Nesse período vigorava o clima de incerteza acerca dos lugares em que


as águas do São Francisco chegariam. Então, entre 1987 e 1988, na gestão do
prefeito João Licínio Lustosa de Carvalho,o cemitério da cidade, que estaria
vulnerável às enchentes, foi desativado e um novo erguido em local mais alto.
Ainda é possível visualizar no cemitério antigo uma datação de enterramento de
1989, sugerindo que os dois cemitérios podem ter funcionado
concomitantemente.

As famílias mais abastadas foram aos poucos transferindo os restos


mortais de seus antepassados para o novo cemitério, enquanto que os restos
mortais de pessoas mais pobres - normalmente enterradas no chão ou postas

3
O tombamento do sítio histórico do município pelo estado não aconteceu, permitindo que ele
sofresse e continue sofrendo gradativas descaracterizações. Por sua vez, a igreja de Nossa
Senhora do Patrocínio permanece em processo de tombamento pelo estado, não podendo ter
suas características arquitetônicas alteradas.
2o Seminário brasileiro de museologia • 527

no muro mortuário - ou que não tinham mais parentes na cidade


permaneceram no local. E assim o antigo campo-santo de Belém do São
Francisco foi gradativamente deixando de ser visitado até ficar totalmente
abandonado pelo Poder Público e pela sociedade.

Em 1995, na segunda gestão do prefeito João Licínio Lustosa de


Carvalho, o antigo cemitério foi tombado tornando-se “Patrimônio Arquitetônico
da Prefeitura Municipal” (Lei n. 250/1995). Destaca-se que em 1987 o processo
de inventário da Fundarpe já sugeria a proteção por meio de tombamento
municipal, fato que só veio a se concretizar quase uma década depois. Todavia,
o processo de patrimonialização não trouxe melhores condições para o antigo
cemitério.

Imagens da limpeza do antigo cemitério de Belém do São Francisco, registradas em setembro de 2015.
Autor: Michel Duarte Ferraz (acervo pessoal).

Entre os anos de 2004-2005 cenas de uma novela televisiva foram


gravadas no local, mostrando em rede nacional sua beleza e o elevado estado
de degradação em que se encontravam as construções ali presentes.

O cemitério e seus valores

O antigo cemitério de Belém do São Francisco é, sobretudo, um lugar de


memórias. Por meio de suas lápides e inscrições mortuárias ficaram gravadas
referências históricas de pessoas importantes e anônimas que ajudaram a
construir a cidade. Mesmo depois do translado de parte dos restos mortais, que
aconteceu após a sua desativação, ainda é possível visualizar por lá as lápides,
por exemplo, do Tenente-coronel Jerônimo Pires de Carvalho (idealizador do
2o Seminário brasileiro de museologia • 528

novo plano urbanístico da cidade depois das cheias que a destruiu em 1911 e
1919) (LEITE, et. al., 1993, p. 140), de seu filho Gumercindo Pires de Carvalho
(criador dos primeiros bonecos gigantes de Pernambuco) (LEITE, et. al., 1993, p.
87), do Coronel Jerônimo Pires de Carvalho Trapiá (prefeito de Cabrobó e
primeiro prefeito de Belém) (LEITE, et. al., 1993, p. 139), bem como a de Mãe
Bárbara (escrava que mesmo depois de abolição da escravatura preferiu
continuar vivendo entre os familiares de seu antigo proprietário até morrer, em
1936, com 103 anos de idade) (CARIBÉ, 2015).

Imagens panorâmicas da entrada antigo cemitério de Belém do São Francisco, registradas em setembro de
2015. Autor: Michel Duarte Ferraz (acervo pessoal).

Quanto às suas características arquitetônicas, registrou-se no inventário


da Fundarpe a seguinte descrição:

Cemitério de interesse arquitetônico prejudicado por acréscimo e


introdução de novas construções não condizentes. Está contido num
quadrado de 42m, apresentando túmulos construídos em alvenaria,
onde se manifesta um gosto encontrado na região pertinente do início
do século. Os túmulos com datas visíveis, variando de 1908 a 1925,
lembram minúsculos templos. Estes por sobre as caixas funerárias,
apresentam torres dispostas em diversos níveis, coroadas por cúpulas
em meia-laranja ou piramidal, ou apresentam elementos semelhantes
a frontões de igrejas, ladeados por coruchéis. Marcando a área
primitiva do cemitério, se mantém a portada original, construída em
alvenaria, em gosto neoclássico. Envolvendo a parte primitiva do
cemitério, encontra-se uma nova área, onde os túmulos que vêm
sendo construídos possuem estilos variados sem qualidade artística
(FUNDARPE, 1987, p. 167).

A composição formada pelo pórtico e pelos túmulos mais antigos, que


fazem lembrar pequenos templos com suas cúpulas, torres, frontões, volutas,
2o Seminário brasileiro de museologia • 529

balaustradas e outros elementos estruturais e decorativos, têm harmonia e


beleza. Tais construções foram feitas em alvenaria de tijolos revestidos com
reboco de cal batido. Depois de prontas, as construções recebiam a caiação
mantendo-se, provavelmente por algumas décadas, a coloração exclusivamente
branca4.

Essa relativa diversidade de elementos construtivos e decorativos permitiu


que o antigo cemitério de Belém congregasse os valores arquitetônicos. Todavia,
lá também estão presentes os valores históricos, artísticos, paisagísticos,
culturais, simbólicos e afetivos.

Imagens de alguns túmulos presentes no antigo cemitério de Belém do São Francisco, registradas em
setembro de 2015. Autor: Michel Duarte Ferraz (acervo pessoal).

Situação atual

As águas do rio São Francisco nunca chegaram ao local e o antigo


cemitério de Belém do São Francisco permaneceu por décadas sem
funcionamento e esquecido. A partir da desativação as visitas foram ficando
menos frequentes. Por sua vez, as capinações e as limpezas realizadas pela
prefeitura municipal foram ficando mais esporádicas, até deixarem
completamente de serem feitas. Dessa maneira, o antigo cemitério foi se
convertendo em um matagal, até que a vegetação escondeu completamente seu
portal e as cúpulas dos túmulos mais altos. Essa floresta que se formou foi

4
Em foto de 1962 é possível perceber a predominância da caiação. Em imagem de 1984
percebe-se o acréscimo de outras cores, especialmente em tonalidades amareladas e azuladas.
2o Seminário brasileiro de museologia • 530

robustecida pelo despejo de esgoto a céu aberto que corre no entorno do


cemitério, deixando-o isolado.

A ausência de manutenção permitiu que o local entrasse em acentuado


processo de degradação em que é notória a perda de reboco e dos elementos
decorativos, chegando inclusive, em alguns casos, ao desabamento das
construções. É o caso do muro do cemitério que já ruiu quase por completo.
Essa situação de degradação foi potencializada ainda mais pela salinização do
terreno, também acelerada pelo excesso de umidade ocasionada pelo despejo
de esgoto nas suas imediações.

Por esse breve relato, pode-se perceber que o inventário da Fundarpe -


que classificou o cemitério como local de “interesse arquitetônico” - e a lei de
tombamento municipal - que o elevou a categoria de “Patrimônio Arquitetônico
do Município” – foram insuficiente para salvaguardá-lo. Essas formas de
acautelamentos previstas na Constituição Federal de 1988, com repercussão na
Constituição do Estado de Pernambuco e na Lei Orgânica do Município de
Belém do São Francisco, foram ignoradas e a situação atual do antigo cemitério
é de risco de completo desaparecimento.

Entre os meses de julho e agosto do ano corrente, insatisfeitos com a


situação do antigo cemitério e de outros bens patrimonializados, membros da
comunidade criaram uma página em rede social para discutir o assunto,
culminando com a deflagração de um movimento objetivando a recuperação do
local e sugerindo uma futura reutilização para fins culturais. Dessa maneira, a
campanha que vem se formando em defesa do antigo cemitério é uma ação
cidadã, apartidária, e que não tem outro objetivo, senão a salvaguarda do
patrimônio cultural da cidade. Intenta-se desenvolver um movimento
transparente, aberto às sugestões e formado integralmente por cidadãos
dispostos a lutar por uma cidade cada vez melhor.

No presente momento, a campanha está na fase de sensibilização da


sociedade para importância de preservação do antigo cemitério e levantamento
2o Seminário brasileiro de museologia • 531

de recursos para a capinação e limpezado local (já iniciada), bem como


proceder com reparos emergenciais de escoramento.

Imagens do alguns túmulos presentes no antigo cemitério de Belém do São Francisco, registradas em
setembro de 2015. Autor: Michel Duarte Ferraz (acervo pessoal).

Projeto para o futuro

Todos os projetos futuros para o antigo cemitério de Belém do São


Francisco ficarão na dependência da participação da prefeitura municipal. O
diálogo já foi iniciado e houve a sinalização de que é possível contar com a
ajuda do Poder Executivo local, dentro das condições financeiras disponíveis no
momento.

É preciso dar continuidade ao serviço de limpeza e tentar realizar, o


quanto antes, a drenagem do referido esgoto. Também se faz necessário
reconstruir o muro do cemitério. Ademais, será necessário proceder sem demora
com reparos e escoramentos dos túmulos mais prejudicados, do portal e do
muro mortuário. Os reparos permitirão que as estruturas permaneçam de pé e
possam ser posteriormente restaurados com maior cuidado.

Tem-se consciência que esse serviço de reparos e restauração deve ser


realizado sob orientação técnica. Este direcionamento será buscado no quadro
de servidores da prefeitura municipal e será solicitado junto à Fundarpe. As
orientações fornecidas a respeito de procedimentos e alternativas de reparos e
restauro viáveis, que possam ser executados pela própria comunidade serão,
decerto, acatadas.
2o Seminário brasileiro de museologia • 532

Também será necessário proceder, o quanto antes, com a feitura de um


novo inventário, listando os túmulos que permanecem de pé, seu estado de
conservação e intervenções necessárias, bem como as famílias proprietárias.
Depois de concluído, conviadar-se essas famílias a readotá-los.

Pretende-se também, em paralelo aos reparos a serem executados pela


comunidade, proceder com a elaboração de projetos culturais para submissão a
editais públicos de fomento ao patrimônio cultural material. Para isso, tentar-se-
á contato com produtores culturais experientes, com intuito convencê-los a
abraçar a causa.

Depois de todas essas etapas cumpridas, pretende-se transformar o


antigo cemitério de Belém do São Francisco em um lugar de visitação e de uso
cultural. Será discutida a adequação e a viabilidade de transformá-lo, por
exemplo, em um museu a céu aberto. Dessa maneira, além da restauração e da
preservação desse patrimônio, objetiva-se transformar o antigo cemitério em um
lugar voltado para a preservação das memórias da cidade e das pessoas que
ajudaram a construí-la. Nesse suposto museu a céu aberto, pretende-se
valorizar o território (com seus aspectos ambientais e culturais), o patrimônio
(nas suas diferentes tipologias e potencialidades narrativas) e a comunidade
(como protagonista do processo de formulação e manutenção do local).

Conclusão:

A prefeitura municipal deve começar a perceber e a respeitar os valores


presentes no antigo cemitério da cidade. Deve também se esforçar para
encontrar alternativas que permitam sua manutenção, afinal de contas, trata-se
de um bem público, patrimonializado, cujo compromisso de manutenção foi
reassumido pelo ente municipal ao tombá-lo.

Por outro lado, se a sociedade também não se sentir responsável pelo


lugar, não agir e cobrar providências, certamente esse e qualquer outro
patrimônio cultural estará correndo risco de ser descaracterizado ou de
desaparecer.
2o Seminário brasileiro de museologia • 533

O antigo cemitério de Belém do São Francisco é, sem dúvida, umas das


melhores expressões da arquitetura tradicional da cidade. Representa parte
significativa do seu patrimônio cultural e se encontra em momento decisivo entre
a sua (re)existência, com novo uso cultural, ou seu completo desaparecimento,
tacitamente permitido ao longo dos anos pelo Poder Público e pela sociedade.
Observando sua atual situação, tem-se plena consciência de que o desafio de
restaurá-lo é grandioso, todavia, não é maior do que o poder da sinergia dos
interessados em sua permanência.

Referências:

BELÉM DO SÃO FRANCISCO. Lei n. 250/1995. Torna Patrimônio Arquitetônico


do Município as fachadas de prédio em estilo antigo, tipo Colonial, isentando-os
de imposto predial e dá outras providências.

______. Lei Orgânica de Belém do São Francisco e Regimento Interno.Câmara


Municipal de Belém do São Francisco: Belém do São Francisco, 2007.

BEZERRA, Tercina Maria Lustosa Barros. Uma comunidade mobilizada pelos


símbolos da fé. Recife: Universidade de Pernambuco-UPE, 1998.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm
>. Acesso em: 10/09/2015.

CARIBÉ, Albertina Pires de Carvalho Caribé. Av. Cel. Jerônimo Pires, n. 1087,
Belém do São Francisco, CEP. 56.440-000. Depoimento concedido em
12/09/2015.

FUNDARPE. Inventário do Patrimônio Cultural do Estado de Pernambuco: Sertão


do São Francisco- IPAC/PE. 1987.

IBGE. Biblioteca do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em


<http://biblioteca.ibge.gov.br/>. Acesse em: 10/09/2015.

LEITE, Marlindo Pires; RORIZ, Maria Estelita Lustosa; COELHO, Maria


Auxiliadora Lustosa. Belém: uma cidade no Vale do São Francisco. Recife: CEPE,
1993.

PERNAMBUCO. Constituição do Estado de Pernambuco. Disponível em:


<http://www.pe.gov.br/conheca/constituicao/>Acesso em: 10/09/2015.
2o Seminário brasileiro de museologia • 534

O MUSEU DO MARAJÓ: INTERAÇÃO E CRIATIVIDADE NO ESPAÇO


MUSEOLÓGICO

Sandra Regina Coelho da Rosa 1

João Aires da Fonseca 2

Resumo
O Museu do Marajó (MdM), localizado no município de Cachoeira do Arari, na
Ilha do Marajó, foi idealizado pelo padre jesuíta Giovanni Gallo no final da
década 70. Os acervos são compostos de materiais arqueológicos relacionados
à ocupação indígena, bem antes do contato com os europeus; materiais
arqueológicos do período de colonização europeia, com a escravidão,
concepção do caboclo marajoara e os materiais biológicos constituídos por
animais taxidermizados (boto, jacaré, insetos e bezerro de duas cabeças).
Também compõem em seu acervo: Lendas, histórias, objetos, imagens e textos,
os quais trazem em comum, o homem, o caboclo marajoara e o que a ele se
refere. Esta pesquisa se propõe compreender o processo de construção
conceitual e estrutural da exposição interativa e criativa no espaço musicológico,
a partir da análise dos documentos, fotografias, pesquisas orais, depoimentos,
artigos, jornais e outros fontes que fazem parte do acervo do MdM. A
criatividade e a interatividade são marco no contexto da exposição, visando
transformar o museu em um grande espaço lúdico, pois os visitantes são
convidados a interagir com os objetos de forma divertida, como o computador
de marca caipira, que utiliza recursos como barbante, ripas e placas móveis,
inspirados em artefatos de estilo popular, que ao ser manipulado pelo visitante,
revela-se como um “computador de verdade”, como no painel “Você fala tupi”,
no qual o visitante levanta a tabuinha, identificadas por uma série de palavras
indígenas; a “Pescaria da Saúde”, inspirada na brincadeira de arraial; o painel
“Marajó de ontem e hoje”, onde o visitante interage com uma série de objetos
que necessitam ser identificados e acoplados e montam, e monta uma trilha de
curiosidades e explicações sobre a temática abordada.

Palavras-chaves: exposição, criatividade, interatividade.

Abstract
The Marajó Museum (MdM), located in Cachoeira do Arari municipality, in
Marajó Island, was designed by Jesuit priest Giovanni Gallo in the late 70. The

1
Graduanda do Curso de Bacharelado em Museologia da Universidade Federal do Pará –
UFPA, E-mail para contato: s_r_coelho@yahoo.com.br
2
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do
Pará (PPGA-UFPA). E-mail para contato: airesarch@gmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 535

collections are made up of archaeological materials related to indian occupation


before contact with europeans; archaeological material of european colonization
period with slavery, the marajoara “caboclo” design and biological materials
consisting of stuffed animals (dolphin, alligator, insects and two-headed calf).
Also comprise in its collection: Legends, stories, objects, images and texts, which
bring together, the marajoara man or “caboclo” and what it represents. This
research aims to understand the process of conceptual and structural
construction of the interactive and creative exhibition in a museological space,
based on the analysis of documents, photographs, oral surveys, testimonials,
articles, newspapers and other sources that are part of MdM's collection. The
creativity and interactivity are milestone in the exhibition context, aimed to
transform the museum into a large play area, as visitors are invited to interact
with the objects in a fun way, like the “hillbilly brand computer”, which uses
resources such as string, slats and movable plates, inspired by the popular
artifacts, which when manipulated by the visitor is revealed as a "real computer"
like the panel "You speak Tupi", in which the visitor up the tablet, identified by a
number of indigenous words, and other one like the "Fishing Health" inspired by
the camp's play, and the "Marajo Yesterday and Today" panel, where the visitor
interacts with a number of objects that need to be identified , coupled and
mounted, for example, a track curiosities and explanations on the theme.

Keywords: exhibition, creativity, interactivity.

••••••••••

INTRODUÇÃO

O Museu do Marajó (MdM) criado na década de 80, localizado na


cidade de Cachoeira do Arari, Microrregião dos Campos da Ilha do Marajó
(Estado do Pará). O envolvimento dos moradores da comunidade foi e continua
sendo fator primordial para a existência do museu. Desde o falecimento de seu
fundador, o Pe. Giovanni Gallo, em 2003, a gestão da Instituição vem sendo
administrada por uma associação de moradores do município. A situação atual
do MdM é desfavorável em detrimento das muitas dificuldades financeiras que
os gestores enfrentam para manter a Instituição.
Os acervos são compostos de materiais arqueológicos relacionados com
a ocupação indígena, bem antes do contato com os europeus, materiais
arqueológicos do período de colonização europeia, com a escravidão e a
2o Seminário brasileiro de museologia • 536

concepção do caboclo marajoara e os materiais biológicos constituídos por


animais taxidermizados (boto, jacaré, insetos e o famoso bezerro de duas
cabeças) fauna típica marajoara. Também compõem em seu acervo: Lendas,
histórias, objetos, imagens e textos, os quais trazem em comum, o homem, o
caboclo marajoara e tudo que se refere a ele.
O Museu do Marajó promove uma experiência única aos seus visitantes,
pois consegue transmitir de forma bem característica à história da comunidade
marajoara e suas relações com a natureza e seus saberes e fazeres populares
dessa região tão exótica na concepção das pessoas. A criatividade é um marco
dentro da exposição, pois consegue transmitir ao público a representação dos
objetos e a relação que a comunidade marajoara possui com os mesmos.

OBJETIVOS

O Projeto de Iniciação Cientifica O Museu do Marajó: interação e


criatividade no espaço museológico objetivou selecionar as informações
referentes ao processo conceitual e estrutural da exposição, a partir da análise
dos materiais do acervo do MdM, bem como documentos, fotografias, negativos
fotográficos, jornais, artigos e slides, a fim de mostrar as técnicas de
comunicação desenvolvida por Giovanni Gallo dentro do museu.

JUSTIFICATIVA

Para Giovanni Gallo “o homem é a peça mais importante do museu”,


neste contexto buscamos nesta pesquisa compreender todo o processo de
construção desse conceito e a estruturação da exposição, a partir dos
documentos, das fotografias, das pesquisas orais, e etc. elaborados e descritos
por ele, os quais retratam o processo de criação da exposição interativa e
criativa para os moradores da cidade e, também, os visitantes das outras
regiões.
Gallo escreveu um artigo intitulado “Para os que têm os olhos na ponta
dos dedos”, que descreve muitos brasileiros gostam de manusear e sentir o
objeto/coisa, por isso desenvolveu uma exposição de longa duração com
possibilidades de interação entre publico e o acervo, ou melhor, banco de
2o Seminário brasileiro de museologia • 537

dados, a fim de promover a troca de informação e comunicação das tradições


culturais da região marajoara.
Diante dessa perspectiva visualizada por Gallo, que introduziu há trinta
anos o processo de interação, o que a nova museologia algum tempo vem
estudando mecanismos e ferramentas para promover a interação dentro dos
museus, ditos tradicionais, e a criação de novos museus com características bem
similares ou idênticas à proposta do Museu do Marajó, bem como Museus
Comunitários, Favela, Ecomuseus, Entorno, etc.

METODOLOGIA

Para atender a demanda do projeto realizou-se a análise dos documentos


e fotografias que constituíram na leitura e interpretação das informações
referente ao processo de construção conceitual e a estruturação da exposição
interativa e criativa do museu. Para tanto utilizamos as ficha de catalogação
(figura 1) que possibilitou encontrar os documentos (figura 2) referentes ao
espaço museológico descrevendo a simbologia e alegorias, ou seja, os painéis e
computadores caipiras interativos ao longo da exposição com diversas
temáticas, os quais foram planejados pelo seu idealizador Giovanni Gallo que
buscou valorizar o homem marajoara a partir de suas opiniões, lendas,
costumes, valores e, principalmente, memórias.
Após minuciosa pesquisa por meio das fichas de catalogação foi possível
localiza nas pastas de arquivos os documentos importantes referente a organização
e a construção do processo conceitual e estrutural da exposição interativa e criativa
no Museu do Marajó (figura 3).

Figura 1 - Análise da Ficha Figura 2 - Localização do Arquivo Figura 3 - Documento Pesquisado


2o Seminário brasileiro de museologia • 538

RESULTADOS

Os resultados almejados no projeto em relação às técnicas de


comunicação desenvolvida por Giovanni Gallo na exposição do Museu do
Marajó, a partir da perspectiva em transformar o espaço museológico interativo
com a inserção das brincadeiras infantis de arraiais, proporciona aos visitantes
a interação com os objetos/coisas de forma criativa, bem como, computadores
de marca caipira, que utiliza recursos como barbante, tabuinhas, plaquinhas
móveis, manivelas, painéis, e quando manipulado pelo publico, se revela como
se fosse um “computador de verdade”.

Pescaria da Saúde - Acervo MdM

Gallo costumava dizer que no Museu do Marajó é um banco de dados e


não uma coleção de peças, para disseminar o conhecimento aos visitantes
sobre o homem marajoara. Chamava a atenção para uma característica
cultural brasileira em que tem a necessidade marcante de apontar com dedo,
melhor, tocar com o dedo o objeto pesquisado... Vejamos a seguir alguns desses
computadores e suas funções conceituais dentro do espaço museológico:
VOCÊ FALA TUPI?

Você fala tupi? - Acervo MdM


2o Seminário brasileiro de museologia • 539

O computador visa valorizar a linguagem indígena e de como esta inserida


no nosso cotidiano, às vezes se misturando de forma tão forte quem não
percebemos que falamos a língua tupi. Ao manusear as plaquinhas com as
palavras e atrás o que significa. Por exemplo, Ipanema = a água que é panema
(que não presta, não tem peixe). Assim plaquinha por plaquinha novas
descobertas.

PESCARIA DA SAÚDE
Nesse computador que imita a brincadeira de arraial da pescaria, que não
vai falar de peixe e muito menos tem prêmios. Mas no conteúdo de cada
“peixeinho” no puxa-puxa, mostra os remédios que o povo usa para curar suas
enfermidades. Funciona deste modo: Você tem problema com criancinha pra
comer? Na lateral da tabuinha procure o nome da doença, neste caso fastio,
depois puxe o fio da pescaria e lá vem o remédio: um colar de dente de piranha
no pescoço da criança na hora das refeições.

ASSIM FALAM OS CABOCLOS

Assim falam os caboclos - Acervo


MdM

O computador é constituído de plaquinhas suspensas por barbantes com


diversas palavras do cotidiano caboclo, ou seja, para ter conhecimento em
relação a linguagem utilizada com por eles “podem está erradas” ou
simplesmente trocar nomes ou inventar nomes regionais. Errada pra quem?
Uma reflexão sobre o outro.
2o Seminário brasileiro de museologia • 540

CONCLUSÃO

O espaço museológico do MdM, desenvolvido por pe. Gallo, visou a


aproximação dos indivíduos da comunidade para fomentar um sentimento de
pertencimento com os objetos/coisa ali representados, os quais contam sua
história cotidiana em relação com a sociedade que estão inserido, bem como a
vida urbana e consonância com a vida rural, tão próxima uma da outra, ou
seja, natureza e cidade.
O Museu do Marajó proporciona a valorização do homem marajoara
com seu patrimônio (histórico, etnográfico, artístico, linguístico, arqueológico),
por meio da musealização de vários elementos representativos do seu dia-a-dia,
os quais tornaram ponto de união entre a comunidade e sua vivência. A
exposição de longa duração projetada pelo olhar museológico de Gallo, os
objetos musealizados a partir da seleção e muitos doados pelos cidadãos do
município contribuíram para o reconhecimento, a valorização e a identificação
do que é ser homem marajoara.
Os mecanismos e ferramentas utilizados na interação e na criatividade
nos “computadores caboclos”, que possibilita manusear os painéis, puxar
barbantes, girar manivelas, em suma, tocar e mexer objetos/coisas tão familiar
a sua realidade marajoara, promovendo a relação entre fio condutor com o
“banco de dados” dispostos na exposição, de acordo com as reflexões acerca
de cada contexto histórico-cultural por detrás de cada elemento representativo.
Contudo pe. Giovanni Gallo, com suas habilidades e competência de
missionário e museólogo, com seus esforços e falta de recursos financeiros,
infraestrutura, recursos humanos especializados, construiu em conjunto com a
comunidade a exposição mais fascinante e intrigante da região norte do país,
considerado um fomentador, organizador e estimulador das potencialidades do
saberes e fazeres da região amazônica.

Referências

GALLO, Giovanni. O homem que implodiu/Giovanni Gallo. Belém: SECULT,


1996.
2o Seminário brasileiro de museologia • 541

______. Marajó, a ditadura da água. 3. Ed. Edições “O Museu do Marajó”.


Cachoeira do Arari, Pará, 1997.
FONSECA, João Aires e MOURA, Diego Bragança de Moura. Giovanni Gallo e
o Museu do Marajó: o documentário de uma história invisível. In: Revista PZZ
arte, educação e cultura. Editora: Resistência, nº 11, ano IV, pp. 25 a 81. Belém,
2010.
BASTOS, Luiza. Museu do Marajó Pe. Giovanni Gallo: “Pra quem os olhos nas
pontas dos dedos” Giovanni Gallo. Instituto Peabiru - Programa Viva Marajó.
Belém, 2010.
ANDRADE, Darcel. A Educação n’ O Museu do Marajó: ver – tocar-
contextualizar/Orientadora: Drª Josebel Akel Fares. Universidade do Estado do
Pará, Belém, 2009 (dissertação de mestrado).
OLIVEIRA, Karla Cristina Damasceno de. Curandeiros e pajés numa leitura
museológica. O Museu do Marajó Pe. Giovanni Gallo. 2012. Dissertação
(mestrado) - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Programa de
Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio. Rio de Janeiro, Unirio, 2012.
SANTANA, Cristiane Batista. Para além dos muros: por uma comunicação
dialógica entre museus e entorno. Brodowki (S.P): ACAM Portinari; Secretaria de
Estado de Cultura de São Paulo. São Paulo, 2011.
CURY, Marília Xavier. Exposição: Concepção, Montagem e Avaliação. Editora
Annablume. São Paulo, 2005.
SCHEINER, Tereza C. M., Comunicação - educação - exposição: novos saberes,
novos sentidos. Semiosfera. Rio de Janeiro: Revista de Comunicação e Cultura,
2003.
CAMARGO-MORO, Fernanda. Museu: Aquisição-Documentação. Rio de
Janeiro: Livraria Eça Editora, 1986.
CÂNDICO, Maria Inez. Documentação Museológica. CADERNO de diretrizes
museológicas, Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura/Superintendência
de Museus, 2º Edição, 2006.
SCHAAN, Denise Pahl. Cultura marajoara. Rio de Janeiro: Senac Nacional,
2009. 400 p. Edição trilíngue: português/espanhol/inglês. Inclui bibliografia.
Publicado em parceria com Ed. SENAC São Paulo e Fecomércio/PA.
SCHAAN, Denise Pahl. Cultura marajoara. Rio de Janeiro: Senac Nacional,
2009. 400 p. Edição trilíngue: português/espanhol/inglês. Inclui bibliografia.
Publicado em parceria com Ed. SENAC São Paulo e Fecomércio/PA.
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AFLORAMENTOS FOSSILÍFEROS DA PRAIA DO ATALAIA: A IMPORTÂNCIA DA


MÍDIA PARA A (RE)CONSTRUÇÃO DE UM DISCURSO

Leonardo de Souza Silva1

Rayana Alexandra Sousa da Silva2

Sue Anne Regina Ferreira da Costa3

Resumo
Os afloramentos fossilíferos da Praia do Atalaia, município de Salinópolis (PA),
apresentam valores científicos, econômicos, culturais e sociais. Centrados na
melhor utilização e preservação desses bens, a mídia surge como um dos meios
para conscientizar a população, ao veicular informações consistentes e
organizadas. No entanto, para atingir com êxito esses objetivos, torna-se
indispensável a aproximação entre academia, jornalistas e público. Logo, neste
trabalho, serão apresentadas e discutidas matérias que tem como foco o
patrimônio paleontológico do município de Salinópolis (Pa) propagadas desde a
década de 60 até a atualidade, por dois dos principais jornais paraenses (O
Liberal e A Província). As notícias referentes aos fósseis e à Formação Pirabas,
ao qual pertence o município, estão restritas ao século XXI, e na maior parte das
vezes de maneira tímida ou tardia em relação aos conhecimentos divulgados no
meio acadêmico. A ausência de abordagens mais frequentes e densas a
respeito do sítio, contribuem para que a maior parte da sociedade ainda não
(re)conheça seu patrimônio e consequentemente dificultam o processo de
preservação destes.
Palavra-chaves: Salinópolis; Fósseis; Patrimônio.

Abstract
The fossiliferous outcrops of the Atalaia Beach, located at the municipality of
Salinópolis (PA), present scientific, economic, cultural and social values. Focusing
on a better use and preservation of these goods, the media appears as one of
the means available to raise the population awareness when it broadcasts
consistent and organized infor- mation. However, to successfully achieve these
goals, it is essential to bring together the academic sphere, journalists and the
public. In this sense, this work will present and discuss all the news that focuses
on the paleontological heritage of the city of Salinópolis-Pa, which were
presented from the 1960s to the present moment by the two major newspapers
from Pará (O Liberal and A Província). The news related to fossil and to the

1
Graduando de Museologia da UFPA, E-mail para contato: leosilvaufpa@gmail.com
2
Graduanda de Museologia da UFPA, E-mail para contato: rayanaalexandra02@gmail.com
3
Doutora em Geologia e Geoquímica. Atualmente é coordenadora do grupo de pesquisa Museu
e Paleontologia (MUPA) da UFPA em parceria com o Museu Paraense Emílio Goeldi, e
coordenadora do curso de Museologia da UFPA, E-mail para contato: sue.costa@gmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 543

Pirabas Formation, site where the municipality is located, are restricted to the
twenty-first century and, mostly often, appear on a shy or delayed manner in
relation to the knowledge disseminated by the academic world. The absence of
more frequent and dense approaches about the site contributes so the majority
of the society may not recognize their heritage and, consequently, it makes
harder its preservation process.
Keywords: Salinópolis; Fossils; Heritage.

••••••••••

O conceito de Patrimônio Natural dado pela UNESCO (1972) abrange


em seu conceito características dos monumentos naturais formados fisicamente
e/ou biologicamente, compostos de valor científico ou estético. Atualmente, esse
bem ao qual se inclui o patrimônio paleontológico é refletido como uma
herança passível de defesa por parte de órgãos governamentais, pela sociedade
que o cerca (DELPHIM, 2009), e porque não pela mídia?

Vale-se destacar que no Brasil, sua defesa se reduz bastante à


constituição de 1988 e decretos-leis mais antigos, como o de n° 4.146 do ano
de 1942, que formalizou como crime a coleta destes sem a autorização de um
órgão competente (ABAIDE, 2009; DELPHIM, 2004), Acrescentando ainda, a
carência deste bem em meios de comunicação e mídia, contribuindo para que a
sociedade em geral não crie uma relação ou sequer tenha conhecimento sobre
um tema relativamente contemporâneo e protegido por lei (GUIMARÃES, 2004;
SCIFONI, 2006).

Considerando que atualmente dispomos de variados meios de


comunicação (internet, jornais, rádios, televisão, revistas, etc.) capazes de
informar, provocar análises e debates acerca de fatos desconhecidos e distantes
da sociedade (CALTELLS, 2000; FONSECA, 2011). Deste ponto, infere-se que a
mídia surge como um importante recurso para pôr em prática dois grandes
desafios e prioridades das áreas geológicas: a sensibilização e a formação do
público (DIAS et al, 2003).

Dentro desse contexto, percebe-se que há uma grande escassez de


notícias referentes à Paleontologia brasileira, principalmente da Amazônia,
região repleta de formações geológicas do Paleozóico ao Cenozóico, e que
possuem em sua estrutura um vasto conteúdo fossilífero ainda desconhecido por
grande parte da comunidade não científica (COSTA et al, 2013; NASCIMENTO
et al 2003; PAULA-COUTO, 1967; RAMOS, 1986; SULAIMAN,2011).
2o Seminário brasileiro de museologia • 544

Dentre estas formações encontra-se a Formação Pirabas, uma unidade


relacionada ao Cenozóico (EoMioceno) e que abrange parte da costa norte
brasileira ao estender-se entre os estados do Maranhão, Piauí e Pará, sendo este
último o principal, pois detém 21 dos 27 sítios fossilíferos (PETRI, 1957;
TÁVORA, 2010), descritos pela comunidade acadêmica (BARBOSA, 1959;
CAMPOS, 1980; FERREIRA & CASSAB, 1985; ROSSETTI & GÓES,2004). Dentre
estes diferentes sítios, destacam-se três localidades devido ao grande número de
ocorrências: Ilha de Fortaleza, no município de São João de Pirabas, Mina B-
17, no município de Capanema, e a Praia do Atalaia, no município de
Salinópolis (TÁVORA, 2010), sendo esta última a área de enfoque do estudo.

A Praia do Atalaia possui um patrimônio paleontológico diverso


(BARBOSA, 1958; COSTA, TOLEDO & MORAIS-SANTOS, 2004; MORAIS-
SANTOS, VILLANUEVA & TOLEDO, 2011), porém ainda desconhecido ou não
valorizado por parte da população local, apesar de possuir em sua essência, um
grande potencial educativo e econômico (FERNANDES, 2014).

Partindo desse pressuposto, seria bem recebido que a mídia, contribuísse


mais ativamente na difusão de informações acerca desse patrimônio (Figuras 1
e 2), fazendo cumprir o seu papel de informar e educar a sociedade
(GUIMARÃES, 2004), gerando novas reflexões, opiniões e atitudes (MELO,
1973; SULAIMAN, 2011), que aliadas a outras ações, viriam a contribuir
diretamente para a preservação dessa considerável fonte de conhecimento
individual e coletivo, que é o patrimônio paleontológico presente na região
(DELPHIM, 2009; HORTA, GRUNBERG & MONTEIRO, 1999).

Portanto, este trabalho tem como objetivo investigar os discursos


transpassados pela mídia impressa, no caso os jornais, quando o tema principal
é o patrimônio paleontológico presente na Praia do Atalaia, município de
Salinópolis.

Figura 1: Costelas de Peixes–bois encontradas Figura 2: Fóssil de molusco bivalve encontrado


na Praia do Atalaia. na Praia do Atalaia.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
2o Seminário brasileiro de museologia • 545

Figura 3: Rochas Aflorantes da Praia do Atalaia.

Foram levantadas quatro notícias (Tab. 1) abrangendo os fósseis da


Formação Pirabas e o município de Salinópolis, local em que se situa a Praia do
Atalaia. Ambas as matérias foram veiculadas pelo jornal O Liberal, e somente
na década de 2000, apesar de haver desde os anos 50, publicações
acadêmicas acerca dos vestígios fossilíferos do município (BARBOSA, 1958;
TOLEDO & DOMNING, 1989; TOLEDO et al, 1997).

Dentre as notícias, a primeira foi veiculada no dia 23 de Setembro de


2001, e teve como base o afloramento de rochas na Praia do Atalaia (Figura 3),
já considerada na época como um importante (senão principal) balneário do
estado. Intitulada como “Pedras avançam sobre a Praia do Atalaia”. A matéria
apresentou a presença do geólogo e oceanógrafo Milton Matta, que contribuiu
bastante para a cientificidade da reportagem, ao mencionar que a Praia do
Atalaia poderia desaparecer em alguns anos por consequência desse constante
afloramento de rochas, e que estas eram semelhantes às rochas calcárias do
município de Capanema, nordeste do estado do Pará.

Tabela 1- Noticias referentes à Formação Pirabas e Salinópolis dos anos 2001 a 2014

Jornal Data Tema Presença de Fósseis na


Matéria?
O liberal 23/09/2001 Afloramento de Sim
rochas na praia do
Atalaia

O liberal 07/11/2007 Formação Pirabas Sim


O liberal 24/09/2008 Salinópolis Não
O liberal 28/12/2014 Fósseis em Salinas Sim

O geólogo na matéria frisou que as rochas calcárias aflorantes na região


pertencem a Formação Pirabas, uma unidade geológica com idade aproximada
de 25 milhões de anos, majoritariamente debatida em meios acadêmicos
(BEURLEN, 1958; MAURY, 1925), discurso consolidado seis anos após pelo
jornal “O Liberal”, quando veiculou-se uma série de fascículos, sendo um deles
voltado à Formação Pirabas.
2o Seminário brasileiro de museologia • 546

Desta vez, com a presença do também geólogo Vladimir Távora, o


especial do dia 07 de Novembro de 2007, apontou a Formação como o mais
completo registro paleontológico de vertebrados e invertebrados do Cenozóico
marinho brasileiro. Entretanto, este conteúdo apostolado foi parcialmente
deixado à margem em matérias posteriores. No dia 24 de Setembro de 2008,
surge a matéria “Bonita por natureza”, voltada para os balneários do município
de Salinópolis, dentre eles a Praia do Atalaia, ressaltada no momento como um
dos mais belos e extensos da costa norte brasileira, porém sem envolver
questões sobre o patrimônio paleontológico.

Entendido por MELLO, MELLO & TORELLO (2005) como parte de uma
ciência complexa e de caráter social integrador importante de ser transmitido
para a sociedade externa à academia, o patrimônio paleontológico da Praia do
Atalaia voltou a ser tema na mídia paraense. No dia 28 de Dezembro de 2014,
o jornal O Liberal publicou a matéria “Geólogo descobre fósseis em Salinas”.

Nesse momento, apesar da presença de um geólogo, houve um equívoco


na matéria, na medida em que se apresentou os fósseis de Salinópolis como
uma recente descoberta científica, ineditismo inexistente, haja vista que o
mesmo jornal evidenciou anteriormente a presença desses fósseis, e que
academicamente há desde 1958, pesquisas na região que abordam a mesma
temática (BARBOSA, 1958).

Outro ponto a ser evidenciado na reportagem, é o destaque para a lei


4.146 de 1942, lei que regularizou a coleta de fósseis por pesquisadores
vinculados a museus ou universidades, mediante uma prévia autorização de
órgãos regulamentadores como o Departamento Nacional de Produção Mineral
(DNPM), entretanto a matéria não frisa que a coleta de fósseis pelo geólogo
entrevistado, está em desacordo com a lei citada (VILAS-BOAS, BRILHA & LIMA,
2013).

Ao longo do levantamento, nenhuma das quatro notícias apresentadas


trouxe em seu contexto a presença de entrevistas com a comunidade local, para
entender o grau de conhecimento que essas pessoas detém a respeito de seu
patrimônio, e somente a notícia do dia 07 de Novembro de 2007, trouxe de
forma superficial os benefícios extra-econômicos que o patrimônio
paleontológico pode proporcionar, embora estes sejam amplamente debatidos
nas esferas acadêmicas (p.e. BENTO & RODRIGUES, 2010; PAULA & MIRANDA,
2012; SANTOS, CARVALHO & FERNANDES, 2010).

Apesar de apresentarem alguns equívocos, que se evitados, as


reportagens poderiam melhorar na qualidade da informação repassada, ambas
são válidas pela iniciativa de se abordar um tema tão pouco reconhecido em
ambientes externos à academia (CASTRO et al, 2011; ZIEMANN et al, 2013).
2o Seminário brasileiro de museologia • 547

Desse modo, essa aproximação recente entre a mídia paraense e o


patrimônio fossilífero da Praia do Atalaia, foi significativa, pois foram
informações repassadas à comunidade, que futuramente poderão contribuir
para a proteção destes fósseis que vem se fortalecendo a nível nacional desde a
década de 1970 (SCIFONI, 2006; TEIXEIRA, 2002; UNESCO, 1972), e que
depende da (re)interpretação e conscientização humana para não ser
visualizado somente como um recurso mineral não renovável, mas também
como um patrimônio natural e cultural, que quando destruído leva consigo uma
parte considerável da memória biológica e geológica do planeta (DELPHIM,
2009; LEITE DO NASCIMENTO, RUCHKYS & MANTONESSO NETO, 2008;
PELLEGRINI FILHO, 1990).

CONCLUSÃO

O contexto midiático, nos jornais impressos, em que se encontra os


afloramentos fossilíferos presentes na Praia do Atalaia, município de Salinópolis
(PA), apresenta-se de maneira tímida e recente, haja visto que ao longo de 50
anos, foram publicadas somente quatro notícias relacionando o município a
Formação Pirabas e os fósseis, nos levando a inferir que a imprensa cumpriu
tardiamente e parcialmente o seu papel de informar a sociedade sobre um tema
que pode acarretar variados benefícios sociais, econômicos e culturais quando
(re)conhecidos e preservados para a sociedade que o possui.

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2o Seminário brasileiro de museologia • 551

CURADORIA MUSEOLÓGICA: MOBILIÁRIO DO MIHGP, O DISCURSO DA


EXPOSIÇÃO

Ana Daniela Nogueira da Silva1

Marcela Cabral2

Resumo
Este trabalho objetiva apresentar as ações de curadoria de acervo e os primeiros
resultados da pesquisa que vem sendo desenvolvida no Museu do Instituto
Histórico Geográfico do Pará MIHGP, ações as quais se voltam à
documentação, conservação e pesquisa de acervo. Deste modo, foi necessário
apresentar brevemente o IHGP chamando a atenção ao seu papel de
associação cultural e instituição de salvaguarda da cultura e a memória do
Estado do Pará. Este trabalho tem como base o acervo mobiliário em exposição
no MIHGP, e com isso busca-se apresentar alguns avanços na pesquisa em
torno do conhecimento dos objetos a partir dos referenciais teóricos que tratam
especificamente sobre mobiliário. Assim, foram evidenciados os sentidos sociais
e simbólicos que carregam todos os móveis ao serem inseridos em acervo.
Outro aspecto que a pesquisa bibliográfica possibilitou, foi o conhecimento
histórico, de estilos, técnicas, materiais e mão-de-obra empregados na
produção dos móveis presentes no acervo em exposição, bem como a
possibilidade de reconhecimento e descrição das peças em seus diversos estilos,
períodos e elementos decorativos, que tiveram como finalidade inicial subsidiar
das informações inseridas nas fichas de documentação e legendas da exposição
do mobiliário do acervo mobiliário do MIGHP.

Palavras-chave: Mobiliário; Instituto Histórico Geográfico do Pará; Curadoria de


acervo; Pesquisa de acervo.

Abstract
This study aims to present the collection of curated stock and the first results of
the research that has been developed at the Museum of the Geographic
Historical Institute of Pará (MIHGP), actions which turn to documentation,
preservation and collection of research. Thus, it was necessary to briefly present
the IHGP drawing attention to its role as cultural association and culture of the
institution and to safeguard the State of Pará memory. This work is based on the
furniture collection on display at MIHGP, and it 'il get present some advances in

1
Ana Daniela Nogueira da Silva Graduanda do curso Bacharelado em Museologia UFPA
daniela-ngsilva@hotmail.com
2
Profª. Me. Marecela Guedes Cabral- profª. do curso Bacharelado em Museologia UFPA
marcelagcabral@hotmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 552

research around the knowledge of objects from the theoretical frameworks that
deal specifically on furniture. Thus, it was highlighted the social and symbolic
meanings that carry all the furniture to be inserted in the collection. Another
aspect that the literature search enabled, it was the historical knowledge of styles,
techniques, materials and hand labor used in the production of furniture present
in the collection on display as well as the possibility of recognition and
description of parts in its various styles , periods and decorative elements, which
had the initial purpose subsidize the information entered in the documentation of
records and subtitles exhibition of furniture MIGHP furniture collection.

Key-words: Furniture; Geographic Historical Institute of Pará; Collection curation;


Collection of research.

••••••••••

Introdução
Este trabalho objetiva apresentar as ações de curadoria de acervo e os
primeiros resultados da pesquisa que vem sendo desenvolvida no Museu do
Instituto Histórico Geográfico do Pará - MIHGP - com base em seu acervo
mobiliário. Trata-se de ações que tem por base o trabalho com a
documentação, conservação e a pesquisa de acervo. Vale dizer que no
momento, o acervo mobiliário do MIHGP encontra-se parte em manutenção, e
restauro e, parte em exposição. Por tanto, este trabalho se concentra em uma
fração do acervo em exposição. Antes, porém, cabem algumas apresentações,
do Instituto Histórico e Geográfico do Pará e seu museu, o MIHGP.

O Instituto Histórico e Geográfico do Pará


É uma instituição de caráter privado, mas que presta serviço público
relacionado à preservação da memória do Estado do Pará. Foi criado em 1900
por intelectuais e personalidades da época na cidade de Santa Maria de Belém
e entende-se como uma Associação Cultural, uma vez que, de acordo com seu
Estatuto, tem dentre seus objetivos:

Art. 1. a) (...) promover o estudo, estimular o desenvolvimento e fazer


a difusão dos conhecimentos da História e da Geografia, em todos os
seus ramos, em todas as suas aplicações à vida social, política e
2o Seminário brasileiro de museologia • 553

econômica, em especial no que se refere ao Brasil e principalmente à


Amazônia b) reunir, concatenar, comentar, arquivar e/ou publicar
documentos atinentes aos objetivos do instituto (Estatuto do Instituto
Histórico e Geográfico do Pará. Capitulo I pág. 03).

Deste modo, Instituto Histórico e Geográfico do Pará é uma instituição


que busca trabalhar com a memória do Estado e da Região Amazônica, tendo
como setores voltados a este trabalho um arquivo, uma biblioteca e um museu.
O IHGP passou a ser sediado no Solar do Barão do Guajará após recebê-lo
como doação da prefeitura de Belém em 1944, juntamente com seu mobiliário
(SANTO e NETO, 1998). Este solar é uma edificação do século XVIII que foi
tombada como patrimônio histórico e cultural da Cidade de Belém.

Embora esta instituição tenha mais de um centenário de existência, seu


museu, diferentemente do arquivo não se encontra sistematizado por ações que
possibilitem a organização e sistematização do seu acervo museológico, muito
menos a disponibilização das informações deste acervo ao público e à
sociedade, por esta razão, o MIHGP não tornou a abrir suas portas para
visitação após a reforma do Solar do Barão de Guajará, que ocorreu no ano de
2005. Estima-se que após parte das ações de documentação e pesquisa que
vem sendo executadas no museu sejam concluídas, seja possível reabrir para
visita.

Museu do Instituto Histórico e Geográfico do Pará


O MIHGP possui um rico acervo formado por diversas tipologias de
objetos como pinacoteca, indumentárias, numismática, arte decorativa e o
mobiliário. Atualmente todos passam por processo de documentação e pesquisa
sob a orientação da Museóloga e prof. Marcela Cabral, dentro do projeto de
extensão Documentação do Acervo Museológico do MIHGP.

Partindo de inventário já existente, que foi objeto de pesquisas anteriores


por Orlando L. M. de Moraes Rego (1966-1969), é procedida à conferência e
localização dos objetos. Para dar continuidade ao processo antes iniciado, as
ações pretendem concluir a documentação do acervo, que é fundamental para
o desenvolvimento de pesquisas futuras, por ser, conforme Cerávolo (2007), a
documentação, matriz da informação. Este trabalho também busca pesquisar
2o Seminário brasileiro de museologia • 554

o acervo mobiliário para entender o discurso adotado pelo museu a partir da


exposição destes móveis e tornar ricas em informações as futuras mediações
desta exposição.

De modo geral, notamos que o Museu é uma instituição voltada para a


preservação, pesquisa e comunicação das evidencias materiais do homem e seu
meio (FERREZ, 1991.p. 1). O discurso adotado pelo museu através de suas
exposições constitui em informação por ele comunicada aos visitantes e
pesquisadores, portanto entender este discurso se torna o objeto de nossa
pesquisa.

Deste modo propomos refletir sobre o mobiliário como um bem de


consumo durável, que está em nossa vida cotidiana, aquilo que por definição
tem função utilitária que, no entanto, também reflete distinções sociais, gostos e
personalidades expressos na variedade de suas formas e funções.

O Mobiliário e a sociedade: um breve histórico


De acordo com o referencial bibliográfico consultado até o momento,
observamos que desde as sociedades mais antigas o homem vem
desenvolvendo utensílios dos mais diversos para poder dar conta de suas
atividades cotidianas de maneira mais prática e rápida possível. Estes
instrumentos estão voltados à caça, a pesca e provavelmente para coleta de
frutos, também para se proteger das intempéries da natureza desenvolveram os
abrigos que evoluíram para moradias além de desenvolverem formas de se
cobrir com roupas e sapatos. Isto foi apenas o começo de uma longa trajetória
de desenvolvimento que buscava suprir suas necessidades cotidianas cada vez
de forma mais eficaz. Estas produções estenderam-se para todas as áreas de
sua vida até que tais artefatos deixassem de ser apenas funcionais e
agregassem novos significados. Contudo, especula-se que com o mobiliário
tenha sido diferente. Seu uso primário provavelmente se deu por motivos
avessos à funcionalidade cotidiana, antes teriam a função social de demonstrar
hierarquia.
2o Seminário brasileiro de museologia • 555

Os estudos sobre o mobiliário de assento, da arquiteta Erica Alexandra


Gil (2011), apontam que os primeiros registros da presença do mobiliário na
história da humanidade vêm da antiguidade egípcia, com base em achados
arqueológicos, como as cadeiras encontradas nos túmulos dos Faraós. Também
foram consideram-se as pinturas parietais e tumulares dos povos do Egito
Antigo, nas quais já é possível perceber a presença e o status que o mobiliário
representava naquela sociedade, na qual o direito ao assento era restrito ao
soberano e simbolizava seu poder.

No Brasil o mobiliário seguiu uma linha estilística influenciada


principalmente pelo colonizador português. Tilde Canti, na obra “O Móvel no
Brasil - Origem, Evolução e Características”, a qual se constitui principal obra de
referência na identificação e descrição do acervo mobiliário presente no MIHGP,
nota que no período anterior à influência europeia os grupos sociais que aqui
viviam se utilizavam de esteiras confeccionadas com peles de animais ou
folhagem de árvores nativas como camas, havendo em certas regiões, o uso de
redes para descanso produzidas com técnica da tecelagem. (CANTI. 1999).

O acervo mobiliário do MIHGP

Após a chegada da família real em 1888, houve um aumento na


produção de mobiliário para a realeza, sempre sob as influências dos estilos
regência europeu. Assim, pode-se dizer que a evolução do mobiliário português
feito no Brasil acompanhou os estilos e características das grandes metrópoles
europeias, se tornando um desdobramento do mobiliário Português (COSTA
1975), conforme podemos observar no acervo mobiliário em exposição Museu
do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, em duas de suas salas de exposição
(imagens 1 e 2), nas quais destacam-se as cadeiras estilo Dona Maria I, feitas
em madeira e acento em palha trançada.
2o Seminário brasileiro de museologia • 556

Imagem 1 – Sala de exposição 1 Imagem 2 – Sala de exposição 2


(Acervo pessoal) (Acervo pessoal)

Como muitos museus no Brasil, o MIHGP apresenta uma configuração de


museu tradicional com sua exposição de mobiliário representando o espaço de
convivência cotidiano de uma casa, tendo a disposição dos móveis lembrando
ambientes familiares, de escritório ou sala de reunião. Para isso encontra-se
mesclado aos móveis algumas peças de arte decorativa e da pinacoteca, dando
quase a impressão da reconstrução da residência de uma família que ali tenha
morado, se não fosse a ausência de leitos caracterizando os ambientes das
alcovas, o que pode ser notado nas imagens 3 e 4, nas quais os ambientes
apresentam a disposição do mobiliário integrando objetos decorativos.

Imagem 3 – Hall da Escada Imagem 4 – Sala do Barão de Guajará


(Acervo pessoal) (Acervo pessoal)

A coleção de mobiliário do MIHGP pode ser classificada como eclética


por se tratar de peças que reúnem mais de um estilo. A imagem 3 exemplifica
bem esta caraterística da coleção, o aparador traz o tampo em mármore que é
2o Seminário brasileiro de museologia • 557

mais atual que o estilo de suas pernas, estilo Rainha Ana (Queen Anne), porém
apresenta cruzetas características do rococó inglês, conhecido como
Chippendale. Já o conjunto de cinco cadeiras e um canapé em estilo românico
do século XIX apresentado na imagem 4, é feito em madeira de jacarandá e
demonstra a influência francesa, oriunda da Belle Époque, também traz a
palhinha e o vazado juntos no espaldar do canapé, ao fundo da imagem.

Imagem 5e 6 – Sala do Conselho do IHGP


(Acervo pessoal)
Nas imagens 5 e 6 merecem destaque o conjunto composto conjunto de
cadeiras e bancada, que apresentam características de influência do mobiliário
inglês, dado aos ornamentos nas molduras das áreas da bancada e o vazado
presente no espaldar das cadeiras. Este conjunto como peculiaridade o
emblema do Instituto Histórico e Geográfico do Pará executado em técnica de
carpintaria, por este motivo sabe-se que sua confecção foi certamente por
encomenda, tendo por finalidade compor a Sala do Conselho do IHGP.
Conforme o laudo técnico para proposta de restauro encontrada no arquivo,
estima-se que sua datação seja mais recente, aproximadamente meados dos
anos 50, pois pode ser comprovada a partir de uma fotografia pertencente ao
Arquivo Palma Muniz, contudo ainda não foi possível localizar nenhum
documento de aquisição ou encomenda deste mobiliário, que permita precisar
seu período.

Tabela 1. Quantitativo de peças em exposição do acervo mobiliário do IHGP.

Peças Quantidade
Armário (pertenceu à Líbero Luxardo) 1
Cabideiro 1
Cadeira estilo Art Nouveau 1
Cadeiras de palhinha 4
Cadeiras de palhinha (estilo Inglês estilizado) 14
2o Seminário brasileiro de museologia • 558

Cadeiras de palhinha pertencente a biblioteca 40


Colunas de base torça 5
Colunas de secção retangular 2
Cômoda estilo Art Deco 1
Console 1
Contador 1
Estante com portas de correr em 3 folhas 1
Expositor Art Deco 1
Guarda-roupa em jacarandá com espelho 2
Mesa (detalhes fitomórficos) 1
Mesa baixa estilo Art Deco 1
Mesa Regência (tampo de mármore) 1
Mesa-secretária (escritório do Barão) 1
Mesa-secretária de estilo Art Deco 1
Mesa-secretária de estilo Francês Luis XIV 1
Mesa-secretária estilo Art Nouveau 1
Mesa-secretária séc. XIX 1
Poltrona de espaldar alto 1
Vitrine Art Deco com moldura 2
Vitrine estilo Luis XVI 2

Total 88
Fonte: Atelier do Restauro. Março 2012.

Ações de documentação
As ações de documentação e pesquisa do acervo do mobiliário do MIHGP visam
qualifica-lo para a visitação pública. Para isso esta sendo feita pesquisa e da
documentação:
 Arrolamento que conferiu uma numeração inicial para quantificar o
acervo.
 Descrição estilística do acervo e imagem fotográfica para as futuras
fichas.
 Analise do estado de conservação do mobiliário e das condições do
ambiente em que se encontra para poder pontuar condições
desfavoráveis. (figura 3 e 4 incidência de luz natural nos moveis e
vestígios de fezes de insetos no ambiente ).
 Distinção do mobiliário de uso cotidiano do IHGP e do acervo.
2o Seminário brasileiro de museologia • 559

 Desenvolvimento um padrão para legendas expositivas especificas para o


mobiliário.
 Textos informativos para exposição.
Ações em andamento: Confecção de fichas para catalogação do acervo e
inventario.

Considerações Finais
O Acervo mobiliário em exposição no MIHGP apresenta parte do cenário do
cotidiano da classe dominante de um período que ficou conhecido como a Belle
Époque Paraense, no qual o gosto pelo requinte e pelo modo de vida europeu
foi característica predominante na sociedade que vivia um momento de grande
riqueza em consequência da extração do látex, seiva de uma árvore comum na
Amazônia e matéria prima da borracha. É possível observar várias influências
estilísticas dos séculos XVIII e XIX, que se mantiveram presentes nos móveis dos
ricos burgueses belenenses.

Cabe aqui notar que os estilos e elementos que ornamentam os mobiliários


estão diretamente relacionados às questões do gosto de uma época. Assim
sendo, estes bens podem também ser considerado como expressões da moda
da época, que refletem além do gosto, as influências e ideologias que
contextualizam o homem e seu pensamento em um dado período histórico, tal
como pode ser observado nas artes, nos vestuários, nos objetos de decoração e
na arquitetura. Deste modo, o mobiliário que compõe o acervo do Museu do
IHGP, se apresenta como objetos-documentos que estabelecem referência ao
passado, o que de certo modo, pode parecer causar estranheza, uma vez que,
conforme salienta Benaruch (2015, p. 99) a ideia de moda remete à
transformação, ao tempo que está em voga, se contrapondo ao tempo do
desuso e do esquecimento, enquanto o estar no museu traz a perspectiva de se
preservar e os objetos, de serem peças representativas de uma época, assim se
é proposto o não esquecer, a missão refletir sobre o mobiliário de forma crítica
e estabelecendo relações com o contexto atual, a todo o momento que se vê
que se pesquisa e se estuda o objeto musealizado.
2o Seminário brasileiro de museologia • 560

Referências
BENARUCH, Michelle Cauffmann. Por uma Museologia do Vestuário: Patrimônio
Memória e Cultura. In.: Memórias e Museus. Márcia Merlo (Org.) Estação das
Letras e Cores. Perdizes- SP. 2015, p.99 – 111.

BESSA, Adriele. Curadoria Museológica: O Acervo de Espadas do Museu do


Instituto Histórico e Geográfico do Estado do Pará. 2014

CANTI, Tilde. O Móvel No Brasil: Origens, Evolução e Características. Lisboa


1999.

CERAVOLLO, Suely Moraes. TÁLLAMO, Maria de Fátima. Os Museus e a


Representação Do Conhecimento: Uma perspectiva sobre a documentação em
museus e o processamento da informação. In VIII ENANCIB – Encontro Nacional
de Pesquisa em Ciência da Informação. Salvador. 1997.

COSTA, Lucio. Notas Sobre a Evolução do Mobiliário Luso-Brasileiro. In


Arquitetura Civil III/Mobiliário e Alfaias. FAUUSP e MEC-IPHAN, 1975. p 135-
146.

FERREZ, Helena Dodd. Documentação Museológica: Teoria para uma Boa


Prática. 1991.

IHGP. Estatuto do Instituto Histórico e Geográfico do Pará.

IHGP. Inventário do acervo museológico do IHGP, por Orlando L. M. de Moraes


Rego (1966-1969).

IHGP. Proposta para Restauração e Conservação do Acervo Mobiliário


Pertencente ao Instituto Histórico e Geográfico do Pará-IHGP – Solar do Barão
de Guajará. Julho de 2012. (Documento disponibilizado pela Diretoria do IHGP
em agosto de 2015).

SANTOS, Ana Negrão do Espírito; BEZERRA NETO, José Maria. Arquivo Palma
Muniz: Um novo espaço para pesquisa. Revista de História 138, FFLCH – USP.
São Paulo, 1998. P. 181 – 184.
2o Seminário brasileiro de museologia • 561

MUSEUS, MUSEOLOGIA E CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE – REFLEXÕES


PARA UMA POLÍTICA DE SUSTENTABILIDADE NO BOSQUE RODRIGUES ALVES
- JARDIM BOTÂNICO DA AMAZÔNIA.

Flávia Suanny Santana de Souza1

Resumo
O estudo denominado Etnografia do Bosque Rodrigues Alves como espaço
museal: pesquisa sobre as relações entre pessoas e os patrimônios nele
existentes2, desenvolvido através da bolsa de iniciação científica PIBC/CNPq, foi
o ponto de partida para a reflexão sobre a questão da sustentabilidade em
museus e como a Museologia, enquanto Ciência Social Aplicada pode contribuir
para a preservação dos bens culturais, patrimoniais e naturais. Considerando
que os jardins botânicos são instituições museológicas que possuem papel
fundamental na busca da utilização sustentável do patrimônio natural e da
conservação da biodiversidade, vitais para a manutenção da espécie humana
no planeta, o trabalho objetiva discorrer sobre o papel da Museologia e dos
museus perante a questão da conservação da biodiversidade e aponta a
construção de uma política de sustentabilidade para o Bosque, precedida de um
diagnóstico elaborado de modo participativo, como uma das alternativas que a
ciência museológica pode contribuir para uma melhor gestão deste espaço.

Palavras-chave: Museologia; Sustentabilidade; Biodiversidade; Bosque Rodrigues


Alves; Jardim botânico da Amazônia.

Abstract
The study called Ethnography of the Bosque Rodrigues Alves as museum space:
Research on the relationship between people and heritage existing in it3,
developed through scientific initiation scholarship PIBIC / CNPq, was the starting
point for reflection on the issue of sustainability in museums and how Museology
as Applied Social Science can contribute to the preservation of cultural,
patrimonial and natural assets. Considering that the botanical gardens are
museological institutions that play a fundamental role in the search for
sustainable use of natural heritage and biodiversity conservation, vitals to the
maintenance of human species on the planet, the study aims to discuss the role
of Museology and museums in front of the issue of biodiversity conservation and
points the building of a sustainable policy for the Bosque, preceded by an
assessment made in a participatory manner, as one of the alternatives that the
museological science can contribute to a better management of this area.

1
Fotógrafa Pesquisadora, Graduanda em Bacharelado em Museologia na UFPA Email:
flavica.souza@gmail.com
2
Projeto de bolsa de pesquisa PIBIC/CNPq. Período de Agosto de 2014 a Julho de 2015.
3
Project of research PIBIC/CNPq. Period from August of 2014 to july of 2015.
2o Seminário brasileiro de museologia • 562

Key-Words: Museology; Sustainability; Biodiversity; Bosque Rodrigues Alves;


Botanical garden of Amazon.

Introdução

Durante a pesquisa de campo realizada no Bosque Rodrigues Alves


através do projeto de bolsa de pesquisa denominado Etnografia do Bosque
Rodrigues Alves como espaço museal: pesquisa sobre as relações entre pessoas e
os patrimônios nele existentes4, pude entender o quão é importante a
manutenção de instituições museológicas como os jardins botânicos para a
conservação da biodiversidade. Estes possuem papel fundamental na busca de
conscientização ambiental, na observação, na classificação, avaliação e
utilização sustentável do patrimônio natural. (KUPPER, 2005, p. 135)
Dentro do território nacional, são 58, atualmente, o número de jardins
botânicos associados à Rede Brasileira de Jardins Botânicos e 25 registrados e
enquadrados no sistema nacional de registro de jardins botânicos, segundo
João Neves Toledo, presidente da Rede brasileira de jardins botânicos 5. O Pará
possui dois, o Museu Paraense Emílio Goeldi e o Bosque, como é popularmente
conhecido, que possui o título de Jardim Botânico da Amazônia6. Este fato
coloca-o como um espaço de grande importância para a conservação da
biodiversidade Amazônica. Além disso, no seu interior existem diversos

4
A pesquisa em questão é um subprojeto do Projeto denominado Estudo antropológico das
interações de humanos com os não-humanos no Bosque Rodrigues Alves na cidade de Belém
(PA). Paisagens de evasão, conservação da biodiversidade e imaginário urbano, coordenado
pelo professor Dr. Flávio Leonel Abreu da Silveira, vinculada ao CNPq.
5
Informação obtida através do Presidente da RBJB durante a II Reunião Norte de Jardins
Botânicos e Pontos de Memória, realizada em Belém do Pará entre os dias 19 e 22 de Agosto de
2015.
6
Em Julho de 2002 o Bosque Rodrigues Alves ganhou da Rede Brasileira de Jardins Botânicos o
registro provisório de Jardim Botânico da Amazônia “C”, com base na resolução 266 do
Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Com a certificação, o Bosque entra na lista
dos jardins brasileiros que integram a Botanic Gardens Conservation International (BGCI), rede
mundial com 1.846 jardins em 148 países e mais de 4 milhões de coleções de plantas vivas, e
lhe confere a responsabilidade de promover o conhecimento por meio da educação sobre a
flora amazônica visando a conservação das espécies da região.
2o Seminário brasileiro de museologia • 563

elementos arquitetônicos de grande relevância paisagística e museológica, pois


remetem à Belle Époque paraense, representado, assim, símbolos da
modernidade amazônica à época, diante das transformações vividas pela
sociedade.
Desde 1946 os jardins botânicos são considerados museus pelo ICOM,
ao encontrar similitudes nas funções, objetivos, compromissos e
responsabilidades com a sociedade em geral (FLÓREZ; MORAIS; REIS;
SCHEINER, 2012, p.5). Na versão aprovada pela 20ª Assembleia Geral,
realizada em Barcelona, em 2001, encontro esta descrição: “Também podem
ser considerados museus [...] os monumentos, os memoriais, os jardins
botânicos e zoológicos, os aquários e os centros científicos [...]”.
Ao tratar o Bosque Rodrigues Alves - Jardim Botânico da Amazônia
(BRAJBA) como um museu, mesmo que a própria instituição ainda não se
reconheça como tal, este estudo que se apresenta busca refletir sobre de quê
forma a Museologia, enquanto Ciência Social Aplicada pode contribuir para a
sustentabilidade e a conservação da biodiversidade dentro daquele espaço e
propõe uma política voltada à sustentabilidade no mesmo visando uma melhor
gestão de seu acervo.

A Questão da sustentabilidade em Museus

A sustentabilidade é um conceito vinculado à preservação do meio


ambiente, à promoção da cidadania e ao estímulo de práticas de vida saudável.
Carrega em si a responsabilidade de que as gerações contemporâneas realizem
suas ações de forma menos onerosa às gerações futuras. A ideia de
sustentabilidade se direciona não somente ao fazer ecologicamente correto e
economicamente viável, mas também na garantia de que estas ações sejam
socialmente justas e culturalmente diversas7.5
Desde o século XIX, como aponta Mário Chagas (2014, p.27), natureza,
cultura e museus estão em estreito diálogo, portanto, a noção da natureza e
cultura como patrimônio não é um assunto novo, porém, os museus devem

7
Conceito extraído do site: www.banrisul.com.br.
2o Seminário brasileiro de museologia • 564

pensar nesses dois campos, cultura e natureza, sem dicotomia, ou seja, sem
separar estas duas categorias. É aí que opera a sustentabilidade nos museus,
penso. Quando “eles” consegue pensar de forma cidadã em favor da dignidade
social conectada com a questão da conservação da natureza. Conservando-se a
natureza automaticamente estamos preservando também nossas mais diversas
manifestações culturais e perpetuando a nossa vida na terra.
No mundo atual, os museus, segundo Andréa Cogan (2012):
“Independentemente de sua tipologia, devem ser valorizados quando
praticam e falam em preservação, em gestão, em globalização
cultural, economia em museus e sustentabilidade. Suas atividades
essenciais precisam ser repensadas, pois já não satisfazem as
necessidades dos novos tempos.”

Portanto a sustentabilidade em museus vai além da questão econômico-


financeira para redução de gastos e não é relacionada apenas a questões
ambientais, mas possui um caráter social e cultural de primeira ordem.

A Contribuição da Museologia para a sustentabilidade e a conservação da


biodiversidade8

A Museologia, enquanto ciência inter e multidisciplinar, muito tem


atribuído na contemporaneidade ao meio ambiente e à sua preservação
enquanto patrimônio. A questão da sustentabilidade e da biodiversidade,
objetos de estudos recorrentes nas ciências naturais, começou a ganhar força
também em estudos das ciências sociais, e este fato reforça a importância do
diálogo entre os saberes (interdisciplinares), por isso, é também do interesse da
Museologia refletir sobre os termos da sua contribuição, enquanto ciência
aplicada e comprometida com uma função preservacionista, para a desejada
sustentabilidade e preservação da biodiversidade. (MENDES, 2013, p. 72).
Durante muito tempo a Museologia limitou-se ao estudo dos museus. Esta
visão da Museologia revestia-se de uma perspectiva estática e ao mesmo tempo
redutora. (MENDES, 2013, p. 77). Essa tendência também foi comum no Brasil

8
A biodiversidade é um conceito, segundo Toledo e Barrera- Bassols (2015, p.30), muito amplo
que se refere à variedade de paisagens, tipos de vegetação, espécies e genes e que, portanto, a
manutenção e a conservação da diversidade biológica exigem esforços em cada um desses
níveis.
2o Seminário brasileiro de museologia • 565

e os seus primeiros cursos acadêmicos, na Bahia e no Rio de Janeiro, eram


voltados às técnicas utilizadas na museografia e voltadas para as coleções dos
museus até a implantação do curso de pós-graduação em Museologia criado
em 1977 por Waldisa Rússio, com o apoio do MASP e da figura de Pietro Maria
Bardi, em São Paulo, que nasceu sob os alicerces da Sociologia, numa linha
conhecida como Sociomuseologia, que entendia que os museus tinham que
estar integrados à comunidade, e, uma vez as comunidades envolvidas, o
museu assumiria o papel próprio destas entidades vivas e dinâmicas,
expressando todas as suas forças e fragilidades, nos vários aspetos das suas
vivências - sociais, econômicos, políticos, culturais, filosóficos, simbólicos,
científicos, tecnológicos.
Com este novo entendimento, a Museologia pôde dedicar-se a questões
como o meio ambiente, a preservação das espécies, a globalização, o
desemprego, ou seja, todas as questões que são pertinentes à sociedade
contemporânea, de uma perspectiva local ou global. (MENDES, 2013, p. 78).
Segundo Tereza Scheiner, a Museologia contemporânea compreende o
patrimônio e museu como conceito de uso polissêmico, que pode referir-se tanto
às manifestações da psique humana como aos fenômenos da biosfera. Diz
ainda:
“a ressignificação dos papéis do museu no mundo contemporâneo
exige uma prática museológica que opere em sintonia com as
propostas de educação voltada para o desenvolvimento humano em
sua plenitude, da esfera individual à sociedade global” (2014, p.89).

O Bosque Rodrigues Alves - Jardim Botânico da Amazônia (BRAJBA)

Segundo Silveira (2014, p.241), o Bosque é:


Um conjunto paisagístico complexo, constituído de elementos
históricos que representam valores artístico-culturais e ecossistêmicos
altamente relevantes para a Belém atual, uma vez que comporta
amostras de componentes tanto de uma época de riquezas que a
cidade viveu, quanto de um fragmento da floresta amazônica que
existiu outrora na região – algumas árvores com idade aproximada de
800 anos -, e que escasseia a olhos vistos. Portanto, “o bosque” –
como é comumente chamado pela população - associa patrimônios
diversos entre si, e cujas significações o tornam um espaço
polissêmico na metrópole amazônica.
2o Seminário brasileiro de museologia • 566

O BRAJBA é um fragmento de floresta nativa de 15 hectares (151.867m²)


situado na Avenida Almirante Barroso, antiga Av. Tito Franco, que
primeiramente se chamou Estrada de Bragança, na capital paraense. Seu
projeto de criação teve início em 1869 e tinha como principal função desfrutar
da floresta nos limites do patrimônio da Câmara Municipal9, demarcando uma
área para a criação de um bosque nos terrenos do entorno do Boulevard da
Câmara10, pretendendo com este feito criar um novo espaço para a população
distrair-se no subúrbio florestal. Abriu suas portas para a população
oficialmente em 15 de Agosto de 1891 durante a intendência do Srº José
Coelho da Gama Abreu, o Barão de Marajó, para um público, segundo consta
nos jornais do ano, de mais de cinco mil pessoas11, de todas as classes sociais.
Todavia, a data oficial para o Município de aniversário do Bosque é 25 de
Agosto de 1883, data de sua criação em lei.
Muitas espécies da flora nativa daquela época ainda resistem – com árvores
de aproximadamente 800 anos - e fazem parte do seu rico acervo vivo.
Segundo o atual senso possui 10.289 indivíduos a partir de 5 cm de diâmetro,
entre espécies nativas (94%) e exóticas (6%). Seu acervo vivo ainda possui
também, atualmente, animais da fauna amazônica, com 31 espécies de
animais silvestres, e dentre estes há aqueles classificados como vulneráveis ou
ameaçadas de extinção, tais como o peixe-boi amazônico, arara azul grande,
marianinhas, jabuti-do-pé-amarelo e jabuti-machado12.
Embora o Bosque seja um jardim zoobotânico, ele é considerado o
Jardim Botânico da Amazônia, possuindo um verdadeiro tesouro patrimonial
natural, uma rica amostra da biodiversidade amazônica. E um jardim
botânico é um museu que guarda coleções documentadas de plantas vivas,
visando a pesquisa científica, a conservação, a exposição e a educação
ambiental, por isso, a museologia praticada nesses espaços deve estar

9
Segundo a pesquisa feita pela Historiadora Drª. Rosa Cláudia Cerqueira Pereira, para a sua
tese de doutorado intitulada “Percepção Visual da Cidade: Iconografia da natureza urbana de
Belém (1808-1908), defendida em Junho/2015.
10
Expressão utilizada nos jornais dos anos de 1870 para referir-se aos terrenos do subúrbio do
Marco da Légua, conforme consta na pesquisa feita pela historiadora Drª. Rosa Cláudia
Cerqueira Pereira para sua tese de doutorado.
11
Jornais O Democrata, 18 ago.1891, p.1; A República 18 ago.1881, p.1.
12
Fonte: Inventário Faunístico do segundo semestre de 2014 do BRAJBA.
2o Seminário brasileiro de museologia • 567

atentas a estas funções. Além disso, deve conter em seu plano museológico,
política de proteção ao seu patrimônio natural e, ao mesmo tempo, alinhada
ao conceito de sustentabilidade.

Política de Sustentabilidade para o BRAJBA

Quando falo em sustentabilidade em museus, concordo com Mário


Chagas (2014, p.24) quando o autor diz que acredita que a construção de
uma política democrática de sustentabilidade ambiental para os museus
brasileiros, passa pelo respeito ao direito dos seus públicos, pela escuta
atenta da sociedade e pelo exercício de uma cidadania participativa e
recomenda que esta política seja precedida de um diagnóstico feito de modo
participativo com acompanhamento de especialistas da área ambiental e
museal. Acrescentaria, também, neste caso, especialistas da área das
Ciências Sociais e Humanas, como da Antropologia e da Sociologia.
A essas reflexões que o trabalho aqui exposto se dedica foram
agregadas às experiências observadas e vivenciadas no BRAJBA durante a
pesquisa de campo. Além delas, algumas leituras em planos museológicos
de outras instituições museais também foram contribuidoras para a
elaboração das metas que se seguirão.
Ao elaborar estas metas, antes de tudo, é preciso afirmar que se
torna extremamente necessária a construção de uma política pública de
sustentabilidade voltada para o BRAJBA precedida de um diagnóstico
elaborado de modo participativo com a comunidade em que está inscrito a
instituição, conforme apontou Mario Chagas. Neste diagnóstico, deve ser
levado em consideração os pontos fortes e fracos, seu papel como irradiador
cultural e produtor de conhecimento bem como a sua função social.
Importante também ressaltar que, não se pode desenhar uma política
de sustentabilidade para o Museu pensando apenas o quanto ele consome
de energia, de material, de água ou o quanto ele produz de lixo, há de ser
considerada, também, a qualidade de vida de seus trabalhadores bem como
a sua capacidade de contribuir por meios de programas educacionais,
2o Seminário brasileiro de museologia • 568

voltados ao seu público, para a formação de cidadãos mais conscientes e


críticos (CHAGAS, 2014, p. 24).
Eis as metas sugeridas para uma política de sustentabilidade para o
BRAJBA:

 Desenvolver um diagnóstico elaborado de modo participativo com a


comunidade - acompanhado por equipe multidisciplinar de profissionais
incluindo da área ambiental e museológica a fim de construir uma
metodologia que combine abordagens qualitativas e quantitativas - que
leve em conta não apenas ações de cunho econômico-financeiro
(diminuição de consumo de água, por exemplo), mas também princípios
éticos de valorização da vida, de dignidade humana e de respeito pelo
outro e suas diferenças e de proteção ao bem comum;

 Fazer de suas ações o reflexo de demandas concretas de seu entorno;

 Transformar-se constantemente para acompanhar de forma proativa as


mudanças da sociedade;

 Instituir a sustentabilidade ambiental e econômico-financeira como um


dos princípios;

 Utilizar de algumas soluções técnicas disponíveis no mercado quanto à


captação e produção de energias renováveis, como água e energia, para
a inserção no edifício sede do Museu, visando a sua sustentabilidade
econômico-financeira e ambiental;

 Desenvolver programas e ações educacionais voltados para a


conscientização crítica de seu público em torno da sustentabilidade.

Conclusão
2o Seminário brasileiro de museologia • 569

Estabelecer uma política voltada à sustentabilidade nos Museus tem


por objetivo contribuir para a ampliação e o debate em torno das questões
da manutenção da vida no planeta e para a construção de uma política
mais ampla acerca dessa sustentabilidade. Para alcançar tal objetivo e para
que tenha sucesso em suas proposições, o Museu necessita dialogar
constantemente com a comunidade em que está inserido, refletindo
constantemente sobre o seu papel como promotor da preservação dos bens
culturais, patrimoniais e naturais.
Entendo que todo e qualquer museu comprometido com seus pares
(público e funcionários) e no caso do Bosque, também com o seu acervo vivo
e monumental, e sendo ele um jardim botânico, não deve se eximir de ser
um pólo aglutinador de ideias e reflexões e principalmente, de ações que
privilegiem a conservação da nossa biodiversidade e da sustentabilidade em
seu conceito amplo. Para isso, deve sempre estar focado no seu papel
enquanto produtores e estimuladores de conhecimento, reconhecendo que
um museu só pode existir atuando de forma sustentável, pois, está na sua
essência o desafio de ser e se fazer sustentável em todas as suas ações e
concepções.
O fato do Bosque não se reconhecer, ainda, como um museu, nada
impede que se reflita a respeito de uma política de sustentabilidade voltada
para aquele espaço enquanto museu, pois a Museologia, enquanto Ciência
Social Aplicada, muito têm a contribuir para a preservação dos bens
culturais, patrimoniais e naturais, sendo a construção de uma política
voltada a sustentabilidade no museus uma de suas muitas formas de
reflexão e atuação, pois, a produção de documento dessa natureza ajudaria
na produção e circulação de informações a respeito das atividades e ações
praticadas pelos museus, e no caso do Bosque ajudaria num melhor
gerenciamento do espaço e de seu acervo (vivo e edificado), ou seja, uma
política de sustentabilidade voltada especificamente para atender a
demanda daquele espaço se reverteria numa gestão museológica sustentável
em todos os níveis que este conceito abrange.
2o Seminário brasileiro de museologia • 570

Referências

COGAN, Andréa. Plano Museológico e Estratégias de Sustentabilidade para


Museus: estudo de caso – O Museu Histórico Municipal de Dois Irmãos, Rio
Grande do Sul, Brasil. Disponível em: http://biblioteca.unilasalle.edu.br.
Acesso em: 17 jun.2015.

CHAGAS, Mário. Museus e Sustentabilidade Ambiental. In: CHAGAS, Mário;


STORINO, Cláudia; STUDART, Denise (Orgs.). Museus Biodiversidade e
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Associação Brasileira de Museologia, 2014.

FLÓREZ, Lilian Suescun; MORAIS, Silvilene ; REIS, Maria Amelia;


SCHEINER,Tereza.

Qual o discurso privilegiado nos jardins botânicos? tensões e aproximações


entre linguagem científica e linguagem leiga. Disponível em:
http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ppgpmus. Acesso
em: 25 jun.2015.

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KUPPER, Agnaldo Kupper. Jardim Botânico: Um Investimento Essencial.


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MENDES, Manuel Cardoso. Museus e Sustentabilidade ambiental. Revista
Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio- PPG-
PMUS Unirio/ MAST – vol. 6 nº 1 – 2013. Disponível em
http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ppgpmus/article/viewFil
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O MUNICÍPIO DE BELÉM – Relátório apresentado ao Conselho Municipal de


Belém, em sessão solene de 15 de Novembro de 1902 – pelo Intendente
Antônio José de Lemos. 462 páginas. Período do governo 1897-1902.

O MUNICÍPIO DE BELÉM – Relátório apresentado ao Conselho Municipal de


Belém, em sessão solene de 15 de Novembro de 1904 – pelo Intendente
Antônio José de Lemos. 504 páginas. Perídodo do governo 1903.

SILVEIRA, Flávio Leonel Abreu. Paisagens do Bosque Rodrigues Alves, Belém


(PA):

Considerações sobre a conservação do patrimônio urbano no contexto


amazônico.
Antíteses, v. 7, n. 14, p. 230-257, Jul. – dez. 2014.

SCHEINER, Tereza. Formação em Museologia e Meio Ambiente. In: CHAGAS,


Mário; STORINO, Cláudia; STUDART, Denise (Orgs.). Museus Biodiversidade e
2o Seminário brasileiro de museologia • 571

Sustentabilidade Ambiental. Rio de Janeiro: Espirógrafo Editorial : Associação


Brasileira de Museologia, 2014.

TOLEDO, Vitor M; BARRERA-BASSOLS. A Memória Biocultural: A Importância da


Ecologia das sabedorias Tradicionais. Tradução [de] Rosa L. Peralta. – 1. Ed.
São Paulo: Expressão Popular, 2015.
2o Seminário brasileiro de museologia • 572

PROJETO DE EXTENSÃO DE IMPLANTAÇÃO DO MUSEU XAKRIABÁ1

Vinicius Santos da Silva 2

Resumo
Este trabalho trata do projeto de extensão Implantação do Museu Xakriabá,
realizado entre os anos de 2013 e 2015 na cidade de São João das
Missões/MG, junto ao grupo indígena Xakriabá e desenvolvido por uma
parceria de docentes da Escola de Arquitetura e Escola da Ciência da
Informação/Curso de Museologia da Universidade Federal de Minas Gerais. O
projeto surge com a demanda da própria comunidade Xakriabá à luz dos
debates atuais acerca dos museus de território e os processos de musealização
de comunidades em seu próprio território, principalmente em áreas indígenas
onde a luta pela terra desempenha importante fato gerador de memória. A
extensão teve durante o período ações como o desenvolvimento do projeto
arquitetônico do Memorial e demais intervenções arquitetônicas que se fizerem
necessárias, em decorrência do processo de musealização no território
Xakriabá; a formação de pessoal da comunidade para atuar no projeto do
museu, por meio da oferta de oficinas e curso de extensão na área da
museologia; o desenvolvimento junto à comunidade do projeto conceitual do
museu; o acompanhamento da implantação do inventário compartilhado, o
acompanhamento de pesquisa histórica. A realização do projeto insere-se no
horizonte da ampliação dos direitos culturais, especificamente do direito à
memória e patrimônio de populações indígenas, conforme previsto pelo art.
215 da Constituição Federal. O objetivo é articular as dimensões de pesquisa e
ensino aos propósitos da extensão, disponibilizando para a comunidade externa
conhecimento produzido no âmbito acadêmico.
Palavras-chave: Museologia; Sociomuseologia; Arquitetura; Sociologia;
Etnografia.
Abstract
This essay presents the extension project Implementation of Xakriabá Museum,
conducted between 2013 and 2015 in the city of São João das Missões, estate of
Minas Gerais - Brazil, with the indigenous group Xakriabá and developed by a
partnership of the professors of the School of Architecture and School of
Information Science / Museum Studies Course at the Federal University of Minas
Gerais. The project arises with a demand of the indigenous community right on
time when the current debates about the territory museums and musealization
processes in communitys and their territory, especially in indigenous areas where

1
Projeto de extensão Implantação do Museu Xakriabá SIEX UFMG 401841, coordenado pelo
Prof. Paulo Roberto Sabino, da Escola de Ciência da Informação/UFMG.
2
Graduando no Curso de Museologia da Universidade Federal de Minas Gerais e bolsista do
citado projeto. Contato: vinicius-santos@ufmg.br
2o Seminário brasileiro de museologia • 573

the fight for land plays an important part when the subject is memory
generator. The project had developed the architectural design of the memorial
and other architectural interventions that were necessary as a result of
musealization process in Xakriabá territory; The community were trained to work
in the museum project by workshops and an extension course in the museology
field; the development of the conceptual design of the museum community;
monitoring the implementation of shared inventory and historical research. The
project is part of the horizon of cultural rights expansion, specifically the memory
right and heritage of indigenous peoples, as provided by art. 215 of the Federal
Constitution. The main goal is to articulate the research and education
dimensions to this project, making available to the external community the
knowledge produced in the academic environment.
Key words: Museology; Sociomuseology; Architecture; Sociology; Ethnography.

••••••••••

INTRODUÇÃO

O Projeto de Extensão de Implantação do Museu Xakriabá, executado no


município de São João das Missões/MG, é resultado de uma demanda da
própria comunidade Xakriabá à luz dos debates atuais acerca dos museus de
território e os processos de musealização junto à comunidade e seu território,
principalmente em áreas indígenas onde a luta pela terra desempenha
importante fato gerador de memória, empenhadas em resgatar suas tradições
culturais e história como estratégia de afirmação da identidade do grupo
indígena, o maior de Minas Gerais.
Os Xakriabá foram reconhecidos pela FUNAI nos anos 1970 e na década
seguinte, em 1987, tiveram suas terras demarcadas, após intenso conflito com
fazendeiros da região. Estes fatos resultaram no assassinato de lideranças
indígenas, entre as quais Rosalino Gomes de Oliveira, fato que é um divisor de
águas na história da comunidade.
A memória da luta pela terra, marcada pelo massacre de 1987, constitui
uma espécie de fato gerador, a partir do qual as ações de musealização
2o Seminário brasileiro de museologia • 574

deverão ser desenvolvidas, alargando-se no território Xakriabá, de modo a


estender-se a diferentes manifestações culturais locais.
A ideia de Memorial por remeter ao que é memorável, ao monumento
construído em alusão ao fato digno de ser lembrado, deverá figurar como
elemento simbólico da luta
dos Xakriabá pela terra e sobrevivência étnico cultural. O papel do Memorial
será o de
reunir e transmitir informações sobre o evento numa perspectiva histórica sem,
contudo, desconhecer suas ligações com o presente. Ou seja, o Memorial
deverá funcionar como um espaço de presentificação de uma memória
responsável: vocacionado para reconstruir coletivamente a memória do
massacre colocando-a a serviço de um projeto emancipador do presente.
Concretamente, a etapa de desenvolvimento da pesquisa histórica e
museológica do Projeto de Extensão de Implantação do Memorial Xakriabá foi
desenvolvida por dois historiadores contratados na função de pesquisadores em
parceria de docentes e estagiários da Escola da Ciência da Informação/Curso
de Museologia. Compreende o escopo desta etapa o desenvolvimento e
acompanhamento de pesquisa histórica, cujo intuito foi levantar conceitos que
dessem origem a eixos e módulos propostos para a(s) futura(s) exposição(ões)
do Memorial Xakriabá. No âmbito da pesquisa, foi levantado, ainda, material
passível de compor o acervo da futura instituição, conjunto formado por
diferentes tipologias.
Objetivos gerais:
Apoiar a implantação do Museu Xakriabá, destinado a potencializar a
relação da comunidade indígena com seu patrimônio cultural, desenvolvendo
ações e projetos de caráter arquitetônico e museológico, em consonância com
as demandas da comunidade.
Objetivos específicos:
- Desenvolver juntamente com a comunidade local a concepção do
projeto museológico, a partir dos pressupostos e experiências da
sociomuseologia;
2o Seminário brasileiro de museologia • 575

- Promover o inventário compartilhado do patrimônio integrado dos


Xakriabá, bem como o processo de sua musealização no território;
- Desenvolver o projeto arquitetônico do Museu Xakriabá,
compreendendo o Memorial e sinalização interpretativa, em conformidade com
as demandas do programa museológico;
- Oferecer oficinas e cursos de extensão, com o objetivo de formar
pessoal da comunidade para atuar no Museu Xacriabá.

O projeto foi desenvolvido em uma parceria entre a Universidade Federal


de Minas Gerais (UFMG) através da Escola de Ciências da Informação e Escola
de Arquitetura, Ministério da Cultura e o povo Xakriabá, contando ainda com o
apoio da Faculdade de Educação e a Formação Intercultural de Educadores
Indígenas (FIEI).

Coordenação: Prof. Paulo Roberto Sabino – ECI/UFMG;


Co-coordenação: Profa. Leticia Julião ECI/UFMG, Prof. Flavio De Lemos
Carsalade EA/UFMG, Prof. Rubens Alves Da Silva ECI/UFMG
Bolsista: PROEX/UFMG: Vinicius Santos da Silva – ECI/UFMG
Historiadores: Maria Letícia Silva Ticle e Leonardo Raposo Miranda
Estagiários: Diego Almeida Lopes – ECI/UFMG e Priscila Mendes Dutra –
ECI/UFMG

METODOLOGIA

O projeto foi desenvolvido em etapas que contemplaram ações e


intervenções museológicas de distintas naturezas, a saber: Diagnóstico do
contexto patrimonial; estruturação de curso de extensão a distância para
formação de pessoal para atuar no museu, com foco em noções básicas de
sociomuseologia, inventário participativo, expografia e educação patrimonial;
desenvolvimento de pesquisa histórica e museológica; desenvolvimento do
projeto museológico do Memorial; implantação e acompanhamento do
inventário compartilhado; Desenvolvimento de projeto arquitetônico e
2o Seminário brasileiro de museologia • 576

complementares; elaboração de projeto e acompanhamento do processo de


musealização do território Xakriabá.
O desenvolvimento da pesquisa histórica e museológica para o Memorial
Xakriabá se deu, inicialmente, com a leitura do material bibliográfico
previamente levantado pela equipe de bolsistas do projeto. A equipe debruçou-
se sobre teses, dissertações, relatórios de pesquisa e artigos que trazem como
objetos de estudos diversos
aspectos da vida dos Xakriabá, como sua trajetória, cultura, saúde, habitação,
política, mística. Esta etapa foi essencial para que os pesquisadores se
familiarizassem e se
aprofundassem no tema do Memorial – os Xakriabá e sua história. José Neves
Bittencourt, a respeito das intenções de um projeto museológico, fala da

(...) necessidade de esclarecimento e reflexão em torno dos temas da


área seja qual ela for. (...) A apresentação da questão implica em um
método que permita ao interessado aprofundar-se na temática
segundo suas necessidades, que, certamente, são diversas, de lugar
para lugar, de museu para museu. (BITTENCOURT, p. 6, 2008)

Sendo assim, foi de extrema importância que a leitura prévia fosse bastante
minuciosa, permitindo que fossem traçadas as estratégias seguintes da
pesquisa. O
material consultado elucidou as principais representações da existência
Xakriabá, que
foram colocadas no contexto da pesquisa como conceitos e temas norteadores
do
Memorial e sua(s) exposição(ões). Em seguida, os conceitos e temas se tornaram
referências na busca por fontes históricas. As instituições nas quais se deu a
busca por documentação e possível acervo para compor o Memorial foram
identificadas, contatadas e visitadas pela equipe de pesquisadores e bolsistas. O
acervo referente aos Xakriabá está espalhado em diversas delas e um dos
objetivos da pesquisa foi reunir essas informações. Dessa forma, as etapas
seguintes do projeto de implantação do Memorial Xakriabá poderão servir-se
deste documento como uma espécie de inventário, facilitando a recuperação
das fontes.
2o Seminário brasileiro de museologia • 577

RESULTADOS

As principais ações realizadas durante o período entre 2013 e 2015 (1ª


fase) foram: encontros periódicos com a comunidade Xakriabá e suas lideranças
para melhor compreender quais os desejos e necessidades para que o Memorial
pudesse de fato preservar a memória do povo Xakriabá; a elaboração do
projeto arquitetônico e complementares do memorial; a realização da pesquisa
histórica e museológica; oficinas com estudantes e lideranças; visitas a outros
museus indígenas ou museus que pudessem orientar na implantação deste. O
levantamento de documentos, objetos e a coleta de entrevistas somam mais de
300 itens, com sua localização, data e algumas imagens, que facilitarão na
implantação do plano museológico.
Todas as informações foram entregues a comunidade através de
apresentação oral, além dos projetos arquitetônicos e complementares para que
após mobilização de recursos seja possível a execução dos projetos e o
funcionamento do memorial, que servirá como um importante espaço para
contato da comunidade Xakriabá com sua própria história.
Após a realização dessa primeira etapa de trabalho, conduzida, sempre
de acordo com solicitações da própria comunidade, a fase seguinte deverá ser
dedicada à construção do prédio do Memorial, assim como dar continuidade às
reuniões e oficinas com o povo Xakriabá. A intenção é de que nesta segunda
fase a comunidade assuma a gestão do Museu.
A realização do projeto insere-se no horizonte da ampliação dos direitos
culturais, especificamente do direito à memória e patrimônio de populações
indígenas, conforme previsto pelo art. 215 da Constituição Federal. O objetivo é
articular as dimensões de pesquisa e ensino aos propósitos da extensão,
disponibilizando para a comunidade externa conhecimento produzido no
âmbito acadêmico. Para isso, pretende-se disponibilizar uma publicação on-line
para a comunidade Xakriabá e toda a sociedade, possibilitando o acesso
facilitado à inventariação, além da divulgação do trabalho e relatório final em
periódicos e eventos acadêmicos.

CONCLUSÃO
2o Seminário brasileiro de museologia • 578

Durante o processo de execução do projeto de extensão percebeu-se a


necessidade do desenvolvimento de mais ações no âmbito acadêmico com os
grupos indígenas pode, em ações interdisciplinares, auxiliar na organização e
rememoração dos fatos geradores de memória, como fonte de sua própria
história e patrimônio, reforçando assim as possibilidades de gestão pela própria
comunidade de sua história.
Apesar de ser necessário um esforço para a execução da segunda fase
do projeto, é possível perceber a importância do mapeamento dos documentos
e musealização de espaços que remetem à história do povo Xakriabá. A
organização e documentação das possibilidades de todo o material encontrado
e coletado durante a pesquisa museológica expandiu as conexões entre os fatos
de sua história, reconectando-os com seu passado.

Referências

BITTENCOURT, José Neves. Mediação, Curadoria, Museu. Uma introdução em


torno de definições, intenções e atores. In: JULIÃO, Letícia. (Coord.);
BITTENCOURT, José Neves (org.). Caderno de Diretrizes Museológicas 2:
mediação em museus: curadorias, exposições, ação educativa. Belo Horizonte:
Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais, Superintendência de Museus,
2008.

DESVALLÉES, André; MAIRESSE, François (dir.). Conceitos-chave de Museologia.


São Paulo: Comitê Brasileiro do ICOM, Pinacoteca do Estado, Secretaria de
Estado da Cultura, 2013.

DUARTE CANDIDO, Manuelina Maria. A função social dos museus. In: Canindé-
Revista do Museu de Arqueologia de Xingó, nº9. Aracaju: Universidade Federal
de Sergipe, Junho/2007. P.169-187. Disponível em
http://www.academia.edu/2107555/2007_-
_A_fun%C3%A7%C3%A3o_social_dos_museus , Acesso em 13/06/2015.

GUARNIERI, Waldisa Rússio Camargo Guarnieri (1990), Conceito de cultura e


sua interrelação com o patrimônio cultural e a preservação. Cadernos
Museológicos. Rio de Janeiro: IBPC, n. 3, p. 7-12, 1990.
2o Seminário brasileiro de museologia • 579

HERNANDEZ-HERNANDEZ, Francisca. El discurso museologico y la interpretación


crítica de la história. In: ICOFOM. Museologia e história; un campo del
conocimento. Córdoba, Argentina, 2006, p. 331. (ICOFOM study series, ISS 35).
2o Seminário brasileiro de museologia • 580

“HOJE É A PRIMEIRA VEZ QUE VISITO O MEU LUGAR”:


A MUSEALIZAÇÃO DE CLEMILDA NO MUSEU DA GENTE SERGIPANA
(ARACAJU/SE)

Clovis Carvalho Britto1

Luan Vinícius Carvalho de Almeida2

Resumo
O intuito deste trabalho é visualizar como as exposições museológicas
contribuem para a fabricação de imortalidades e perpetuação de silêncios
relacionados à atuação das mulheres, especialmente as que ousaram ocupar
um lugar de destaque no espaço público rompendo práticas discursivas
opressivas. Em geral, nas exposições de longa duração evidenciamos a
invisibilidade ou pouca presença das mulheres. Às vezes essa prática é
modificada nas exposições temporárias, a exemplo do que ocorre no Museu da
Gente Sergipana, na cidade de Aracaju/SE, instituição museológica criada em
2011 sob curadoria de Marcelo Dantas e mantida pelo Instituto do Banco do
Estado do Sergipe. A partir dessas problematizações, apresentaremos o projeto
de pesquisa que examinará as estratégias de fabricação do
silêncio/esquecimento da cantora e compositora Clemilda a partir da análise da
exposição temporária “'Clemilda Morena dos olhos pretos” (2014), com
curadoria de Ézio Deda e Marcelo Rangel, apresentadas no referido museu.

Palavras-chave: Mulheres; Museu da Gente Sergipana; Clemilda.

Abstract
The purpose of this work is to visualize how the museum exhibitions contribute to
the manufacture of imortalidades and perpetuation of silence of women,
especially those who dared to occupy a prominent place in the public sphere
breaking oppressive discursive practices. In general, in the long term exposures
noted the invisibility or little presence of women. Sometimes this practice is
modified in temporary exhibitions, similar to what occurs at the Museu da Gente
Sergipana in the city of Aracaju /SE, museum institution created in 2011 curated
by Marcelo Dantas and maintained by the Sergipe State Bank Institute. From
these problematizations, we will present the research project that will examine the
manufacturing strategies of silence / forgetting the singer-songwriter Clemilda
from the analysis of the temporary exhibition "'Clemilda Morena dos olhos
pretos" (2014), curated by Ezio Deda and Marcelo Rangel presented in that
museum.

1
Doutor em Sociologia pela UnB. Mestrando em Museologia pela UFBA. Professor no
Departamento de Museologia e no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFS. E-
mail: clovisbritto5@hotmail.com
2
Graduando em Museologia na UFS. Bolsista PIBIC-CNPq. E-mail:
luanvinicius_23@hotmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 581

Keywords: Women; Museu da Gente Sergipana; Clemida.

••••••••••

“Hoje é a primeira vez que visito o meu lugar


Eu quero ver homem, mulher e menino
Aplaudindo o nordestino
Que acaba de chegar”
Clemilda (“Revendo o Nordeste”, Buco do Pandeiro/Mendes)
Rodêro Novo (RCA Victor, 1968)

“CASA SEM MULHER”: MULHERES E EXPOSIÇÕES MUSEOLÓGICAS

Apesar de sua inegável presença e do decisivo papel de mediadora


cultural, historicamente as mulheres estiveram excluídas das narrativas oficiais
da história e da memória nacionais (SCHMIDT, 2000). Isso também se aplica
em grande parte para as exposições museológicas e, nesse aspecto, se as
mulheres não estiveram fora dos acontecimentos, estiveram ausentes de muitos
registros, se tornando os “silêncios da história” (PERROT, 2005).
Em estudo sobre os museus portugueses, Aida Rechena (2011) concluiu
que os patrimônios representativos das mulheres não receberam o mesmo
reconhecimento que os associados ao poder, a arte, a história militar e a
política, campos hegemonicamente masculinos:

Mas os museus que trabalham apenas com a memória do poder são


excludentes, não só das mulheres que ao longo da história não
detiveram o poder (político), como das minorias, das classes
desfavorecidas, por outras palavras, dos excluídos do exercício do
poder. Tradicionalmente os museus transmitem as memórias das elites
dominantes, reforçam essas identidades elitistas e fornecem à
sociedade a legitimação para a sua continuidade no poder. (...)
Quando, por exemplo, se aborda a relação feminina com os
patrimónios remete-se o estudo para recortes marginais das áreas
patrimoniais relacionadas com a domesticidade, as relações de
parentesco e a maternidade, em museus de traje ou exposições
etnográficas com reconstituições dos espaços domésticos. A história
dos museus no tocante à seleção patrimonial tem uma forte
componente de exclusão: dos pobres, de determinadas raças/etnias,
religiões e das mulheres. É necessário decidir que bens patrimoniais
2o Seminário brasileiro de museologia • 582

vamos recolher no presente para salvaguardar as memórias e as


identidades excluídas, incluindo as femininas. Tão importante quanto
esta recolha será questionar os acervos já constituídos sob uma
perspectiva de género e sob um olhar feminino (RECHENA, 2011, p.
157 e 164).

Essas questões também comparecem nos museus brasileiros. Conforme


destacou Myrian Sepúlveda dos Santos (2005), as memórias e narrativas sobre o
passado podem contribuir muitas vezes para práticas de exclusão e
discriminação. Conforme sublinha, em seu estudo sobre as representações do
negro e da mulher negra nos museus brasileiros, na maioria dos casos eles se
encontram silenciados ou estereotipados. Pensamento que pode ser estendido a
outras minorias, nem sempre numéricas, como é o caso das mulheres (e suas
intersecções de raça, geração, orientação sexual, religiosidades, classe, região).
Talvez por essa razão, seja oportuno sublinhar as orientações de Mário
Chagas (1990; 1994) quando reconheceu a museologia e os museus como um
determinado modo de olhar, interpretar e captar a realidade. Desse modo, o
campo de estudo estaria delimitado pelo chamado “Ternário matricial da
museologia”: o sujeito, o objeto/bem cultural e o espaço/cenário. É nas
interfaces desses elementos que devemos considerar a musealização e a
imagem do museu, inserindo, assim, o componente social e a
contemporaneidade como significativos à compreensão do campo museal,
aquilo que alguns autores designam de sociomuseologia, uma museologia
centrada nas pessoas e não apenas nos objetos (RECHENA, 2011). E é nesse
contexto que se torna fundamental reconhecermos a perspectiva de gênero
como importante recurso para compreensão dessa configuração, apresentando
outras vontades de memória.
Ciente dessas questões nós apresentaremos um resumo do projeto de
pesquisa “Clemilda no Museu da Gente Sergipana? A exposição temporária
‘Clemilda Morena dos olhos pretos’” que objetiva visualizar como as exposições
temporárias podem contribuir para a fabricação de imortalidades e perpetuação
determinados discursos. Além disso, ao forjarem narrativas ocasionam um
silenciamento de determinados aspectos de uma trajetória ou, em outras
palavras, o esquecimento. No caso específico, também pretende analisar os
2o Seminário brasileiro de museologia • 583

diferentes discursos sobre o papel da mulher, da sexualidade e da


composição/interpretação reforçados pelo museu.

“FORRÓ CHEIROSO”: OS SONS E OS SILÊNCIOS DE UMA TRAJETÓRIA

Clemilda Ferreira da Silva nasceu em 1936 em São José da Laje/AL e


faleceu em 26 de novembro de 2014, em Aracaju/SE. Viveu parte de sua
infância e adolescência em Palmeira dos Índios/AL e aos vinte anos de idade se
mudou para o Rio de Janeiro, onde começou sua carreira artística em
programas de rádio, tornando-se umas das primeiras compositoras/intérpretes
de forró:

Se apresentou cantando como caloura pela primeira vez em 1965, no


programa ‘Crepúsculo Sertanejo’, da Rádio Mayrink Veiga. Nesse
programa conheceu o sanfoneiro Gerson Filho, que já era
profissional. Os dois artistas se casaram e Clemilda passou a
acompanhar Gerson nos shows que ele fazia por todo o Nordeste, e
fez as primeiras gravações ainda na década de 60 em discos de
Gerson Filho. O primeiro LP solo de Clemilda, ‘Forró sem briga’ foi
lançado em 1965. Gravou discos solos durante toda a década de 70,
fazendo sucesso como cantora regional, mas estourando no Brasil
inteiro somente em 1985 quando gravou a música ‘Prenda o Tadeu’
(Antônio Sima/Clemilda) no LP de mesmo nome. O sucesso do
picaresco xaxado foi estrondoso, motivando uma regravação da
cantora Maria Alcina no mesmo ano, e levando Clemilda a ser
convidada a aparecer em todos os principais programas populares da
TV. (...) O LP foi disco de ouro e em 1987 Clemilda gravou outro
pornô-forró de imenso sucesso nacional, ‘Forró Cheiroso’ (Miraldo
Aragão/Clemilda), mais conhecida como ‘Talco no salão’, com o qual
ganhou o segundo disco de ouro3.

Sua carreira foi marcada por músicas de “duplo sentido”, abordando


questões sobre gênero e sexualidade, irreverência que a transformou em uma
das cantoras de forró mais solicitadas nas épocas juninas. Estratégia que atraiu
os holofotes para si a partir dessas letras que configuraram o forró “jocoso-
malicioso” principalmente nas décadas de 60 e 90 quando o gênero atingiu
auge nas rádios e meios de comunicação. Joel Crespin (2014) afirma que é
possível enquadrar o forró de Clemilda como “forró malícia ou sem-vergonha”,
cujas temáticas diferem consideravelmente das apresentadas no “forró

3
Biografia de Clemilda retirada do site:
http://www.cantorasdobrasil.com.br/cantoras/clemilda.htm. Acesso em: 31 jul. 2015.
2o Seminário brasileiro de museologia • 584

tradicional” difundido por Luiz Gonzaga. Segundo o autor, a obra de Clemilda


é marcada por letras de duplo sentido que fazem referência explícita, algumas
vezes, a atos sexuais como nas canções “Talco no salão”, “É mais embaixo” e
“Ele só vive batendo em Tonheta”.
Ao lado da grande referência de Clemilda, estão também Anastácia,
Carmélia Alves e Marinês, porém em relação a figuras masculinas do gênero
musical, nos cabe questionar o lugar dessas mulheres na música visto que as
mesmas não possuíam o mesmo destaque e prestígio como os homens no forró.
Porque elas não são tão famosas quanto os homens que, assim como elas,
alimentavam a música e traziam força e potência para o campo musical?
Clemilda como compositora e cantora obteve um considerável espaço no
campo musical, lançando um total de 40 discos onde gravou “os ritmos mais
característicos do povo nordestino, como forró, baião, xote, quadrilhas,
rancheiras, coco, cantigas de reisado e guerreiro”4.
Segundo a cantora Anastácia, “Clemilda foi a maior garota prooaganda
da cultura da região nordeste”. Logo ela torna-se um ícone não apenas por ser
mulher, por ser cantora das suas próprias composições, por cantar um gênero
um pouco incomum para as mulheres da época, mas por divulgar esse sertão a
partir de um lugar de fala e de temáticas peculiares. Ao referir-se a Clemilda e a
sua vasta sonoridade e diversidade musical, Marcelo Rangel Lima diz que
“diversas toadas, cantigas e modas nos fazem lembrar quadrilhas juninas,
vaquejadas, folguedos e manifestações tradicionais do nordeste brasileiro”
(Informações no Catálogo da Exposição Clemilda Morena dos olhos pretos
(2014).
Essas questões problematizarão a construção da personagem, quando
essa identidade surgiu e o que a fez continuar ou mesmo adquirir essa imagem
de cantora de forró expressiva e que carregava as suas “raízes nordestinas”
mesmo quando aparentemente não havia um espaço receptivo para a mulher.
Questionamentos que nortearão a pesquisa, especialmente no intuito de obter

4
Extraído do verbete Clemilda, do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira.
Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/clemilda/dados-artisticos. Acesso em: 31 jul.
2015.
2o Seminário brasileiro de museologia • 585

pistas sobre a construção de Clemilda, a partir das tramas que lhe demarcaram
o título de “Rainha do forró” e ícone da “sergipanidade”.

“A MINHA RECORDAÇÃO”: A FABRICAÇÃO DA “IMORTAL” NO MUSEU DA


GENTE SERGIPANA

No dia 18 de junho de 2014 foi inaugurada a exposição temporária


“Clemilda Morena dos olhos pretos” no Museu da Gente Sergipana, em
Aracaju/SE. Sob a curadoria de Ezio Deda e Marcelo Rangel, consistiu em um
importante espaço para a problematização e para o levantamento do
questionamento quanto ao lugar das mulheres nos museus e sobre as crenças
produzidas em torno do projeto expositivo. Paralelo à exposição, no mesmo dia
foi lançado o longa metragem “Morena dos olhos pretos” do diretor e roteirista
Isaac Dourado e um CD com suas principais músicas. Ações em homenagem
aos 50 anos de carreira da artista.
A partir desses fatos, o intuito da pesquisa será reconhecer como o Museu
da Gente Sergipana, a partir dessa exposição temporária, estabeleceu um
discurso sobre a trajetória de Clemilda, questão que ganha força quando
visualizamos o museu como um dos espaços de fabricação/difusão/seleção dos
ícones da “sergipanidade” (CONCEIÇÃO, 2014).
Além de músicas em fones, iluminações cênicas, imagens e painéis com
textos sobre a cantora, além de objetos do acervo pessoal da artista, o Museu
da Gente Sergipana proporcionou uma apresentação do Reisado de São José,
de Japaratuba, na abertura da exposição. O Instituto Banese, parceiro
juntamente com o Museu da Gente Sergipana, também reuniu e produziu uma
coletânea com as músicas de Clemilda que era vendida na loja do Museu,
revertendo os recursos arrecadados a cantora. Aproveitando dos recursos
tecnológicos do Museu da Gente Sergipana, o público ainda pôde homenagear
Clemilda tirando fotografias com frases irreverentes.
Nesse aspecto, visualizaremos a partir das escolhas empreendidas pelos
curadores o modo como as mulheres consistiram (ou não) os “silêncios da
história” que pretendeu eleger e monumentalizar. Seguindo essa perspectiva,
torna-se relevante investigar os indícios da presença (e o modo como essa
2o Seminário brasileiro de museologia • 586

presença é celebrada) das mulheres nas exposições e na fabricação da crença


(e que crença empreenderam) na trajetória do Museu da Gente Sergipana. Por
meio dessa aproximação analisaremos as múltiplas memórias do feminino e, ao
mesmo tempo, construiremos um painel de algumas estratégias/repertórios que
desembocaram em uma “imaginação museal” (CHAGAS, 2005).
Muitas vezes os silêncios, o apagamento de rastros e os esquecimentos
foram táticas para resistir a algo, conquistar direitos e exercer algum poder. Em
meio a um terreno movediço, muitas mulheres forjaram “situações” para
conquistar objetivos e metas, daí a existência de tempos plurais entre silêncios e
gritos que propiciaram a construção de paradoxos, fazendo “circular um
conjunto de verdades desafiadoras, sem, contudo, abalar as crenças ortodoxas”
(SCOTT, 2002, p. 28). O caso de Clemilda é emblemático por enfrentar tais
crenças ao se tornar compositora/intérprete (não mais objeto do desejo,
protagonista do desejo seu e de outrem), com letras extremamente ousadas, em
limite tênue entre o cômico e o erótico, considerado por alguns como “pornô-
forró”.
A estratégia metodológica partirá da identificação e seleção de
documentação relacionada à concepção e apresentação da exposição
“Clemilda Morena dos olhos pretos”, levantando indícios das fabricações de
crenças sobre o lugar da mulher no museu e na história. Do mesmo modo,
serão realizadas entrevistas com os curadores da exposição temporária visando
captar suas intenções e gestos.
Desse modo, os pressupostos que orientarão a elaboração da pesquisa
dialogam com os apresentados por Suely Kofes (2001) quando projetou fazer
da intenção biográfica um exercício etnográfico. Seguindo essa perspectiva,
torna-se relevante investigar os indícios da presença (e o modo como essa
presença é celebrada) das mulheres nas exposições e na fabricação da crença
(e que crença empreenderam) na trajetória do Museu da Gente Sergipana. Por
meio dessa aproximação analisaremos as múltiplas memórias do feminino e, ao
mesmo tempo, construiremos um painel de algumas estratégias/repertórios que
desembocaram em uma “imaginação museal” (Cf. CHAGAS, 2005).
2o Seminário brasileiro de museologia • 587

Em nosso estudo de caso, torna-se necessário visualizar em que medida a


exposição temporária conseguiu obter visibilidade para Clemilda, se contribuiu
para obter espaço para o nome da autora na exposição de longa duração e
projetá-la em outros espaços de memória. A cantora faleceu quando a
exposição temporária ainda estava sendo exibida, fator que contribuiu para a
explosão de discursos em torno de seu nome e obra e para estimular ainda
mais a “fabricação da imortalidade” nos termos apresentados por Regina Abreu
(1996).
Ao discutir a fabricação da “imortalidade” de Miguel Calmon a partir da
doação de seu acervo ao Museu Histórico Nacional, Regina Abreu (1996)
oferece um instigante painel das estratégias de consagração no Brasil na
primeira metade do século XX. Utilizando os objetos tridimensionais, o acervo
documental do titular e as formas de gestão da memória como centro de sua
investigação, demonstra como simples mortais podem “fabricar o imortal”, as
condições que essa fabricação perdurou, se alterou e desapareceu. A
permanência póstuma se institui na “batalha das memórias” em torno da
importância de seu legado, dos feitos conquistados pelo titular, de mecanismos
de visibilização coerentes com o perfil que se pretende “imortalizar”. Todavia,
demonstra que essa tradição forjada composta pela eleição de “pessoas-
símbolo da nacionalidade” necessita de constantes “guardiões” para que o
discurso de autoridade se perpetue ou se atualize, sob o risco de o “imortal” ser
desfabricado e de sua trajetória cair no esquecimento (ABREU, 1996).
Tais problematizações serão evidenciadas na exposição “Clemilda Morena
dos olhos pretos” captando de que modo reforçou/silenciou determinadas
crenças a respeito de Clemilda, sua arte e o lugar das mulheres; como os
responsáveis pelo Museu da Gente Sergipana contribuíram para a
produção/difusão do nome da artista como “emblema da sergipanidade”; e os
impactos provenientes dessas narrativas.

Referências Bibliográficas
2o Seminário brasileiro de museologia • 588

ABREU, Regina. A fabricação do imortal: memória, história e estratégias de


consagração no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.

CHAGAS, Mário. Pesquisa museológica. MAST Colloquia, Rio de Janeiro, v. 7,


2005.

CHAGAS, Mário. O campo de actuação da museologia. Cadernos de


Sociomuseologia, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias, 1994.

CHAGAS, Mário. O objeto de pesquisa no caso dos museus. Encontro de


Pesquisadores em Museus. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 1990.

CONCEIÇÃO, Mirtes Rose Menezes da. Construindo uma identidade: um


download do Museu da Gente Sergipana. Dissertação (Mestrado em
Sociologia), Universidade Federal de Sergipe, 2014.

CRESPIN, Joel André. Clemilda, a “Rainha do forró”. Trabalho de Conclusão de


Disciplina, Especialização em Estudos Brasileiros, Fundação Escola de Sociologia
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KOFES, Suely. Uma trajetória, em narrativas. Campinas, SP: Mercado de Letras,


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2005.

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em exposições de museus portugueses. Tese (Doutorado em Museologia),
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, 2011.

SCOTT, Joan Wallach. A cidadã paradoxal: as feministas francesas e os direitos


do homem. Florianópolis: Editora Mulheres, 2002.
2o Seminário brasileiro de museologia • 589

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brasileiros. Revista do Patrimônio, n.º 31, 2005.

SCHMIDT, Rita Terezinha. Mulheres reescrevendo a nação. Revista Estudos


Feministas, Ano 8, 2000.
2o Seminário brasileiro de museologia • 590

DA COLEÇÃO À COMUNICAÇÃO: UMA PROPOSTA DE INVENTÁRIO DE


PRÁTICAS E DISCURSOS MUSEOLÓGICOS REFERENTES ÀS CULTURAS
AFRICANAS E AFRO-BRASILEIRAS, EM MUSEUS DA CIDADE DE SALVADOR.

Marcelo Bernardo da Cunha1

Mariana Rodriguez

Fernanda Athayde

Alana Santos

Raquel Paim2

Resumo
O projeto visa reunir pesquisadores e estudantes interessados em debater
questões relacionadas à memória e, o patrimônio das culturas africanas e de
sua diáspora nas diversas instituições museais. Pretende, também, acolher
informações que tratem da memória, enquanto elemento constitutivo do
patrimônio em todas suas dimensões: natural, cultural, material e imaterial, na
construção de identidades sociais, na representação entre o real e o
imaginário. Bem como, reflexões sobre o papel da preservação do patrimônio
das culturas negras como estratégia política de combate à discriminação, ao
racismo e, promoção da igualdade racial.

Palavras-chave: Afro; Museus; Cultura afro-brasileira.

Abstract
The project aims to bring together researchers and students interested in
discussing issues related to memory and heritage of African cultures and its
diaspora in various museum institutions. It also intends to host communications
that address memory as a constitutive element of heritage in all its dimensions,
natural, cultural, material and immaterial: the construction of social identities; in
representation between the real and the imaginary. And reflections on the role of
heritage preservation of black cultures as a political strategy to combat
discrimination and racism and promote racial equality.

Key-words: African; Museums; African - Brazilian Culture.

1
Professor Doutor do curso de Museologia da Faculdade Federal da Bahia. Contato:
marcelo.bernardodacunha.cunha@gmail.com.
2
Alunas integrantes de Projeto de iniciação científica. Financiamento: FAPESB e CNPQ.
2o Seminário brasileiro de museologia • 591

INTRODUÇÃO

No quadro dos processos patrimoniais, os museus configuram-se como


espaços privilegiados, pois possuem à potencialidade de articular várias
estratégias e práticas, que resultam no acúmulo de objetos, em suas reservas
técnicas e salas de exposições, que acabam por refletir o projeto patrimonial de
tais instituições, que por sua vez, exprimem suas crenças e valores a respeito do
que sejam às manifestações materiais e imateriais das culturas africanas e afro-
brasileiras. Este processo de coleta e exposição de objetos (que inclui todas as
operações necessárias para tal operação, tais como documentação,
conservação, produção de material de divulgação, entre outras) pode se dar de
várias maneiras e com resultados distintos.

Várias foram às práticas e modos de abordagem destas culturas e, de


seus documentos culturais. Se recuarmos no tempo e nos deslocarmos, no
aspecto geográfico, chegaremos às pesquisas e coletas realizadas no século XIX,
no continente africano e, na formação de diversas coleções na Europa, em um
processo relacionado com o surgimento ou estruturação de diversas disciplinas
de ciências humanas, notadamente, à antropologia. Estas experiências
patrimoniais foram marcadas pela perspectiva evolucionista, classificatória e
eurocêntrica de então.

No Brasil, já no século XIX, este cenário reproduziu-se, não somente, mas


principalmente, no Museu Nacional (RJ), Museu do Ipiranga (SP) e Emílio Goeldi
(PA), mas também nas diversas coleções formadas em Faculdades de Medicina,
Institutos Geográficos Históricos e coleções particulares. Desde os primórdios
deste processo, no século XIX, várias foram às formas e possibilidades de
abordagem destas culturas e de seus acervos, da perspectiva apresentada
acima, até às abordagens contemporâneas, cada vez mais marcadas pela
presença e agência dos protagonistas das culturas preservadas.

Em Salvador, também, desde o século XIX, a partir de circunstâncias


diversas, foram formadas coleções para compor exposições e reservas técnicas
2o Seminário brasileiro de museologia • 592

de museus. Neste processo certamente foram recolhidos objetos relativos às


culturas africanas e afro-brasileiras. Ainda assim, o cenário geral das exposições
museológicas contemporâneas não reflete a presença destes objetos em suas
coleções, ou melhor, as exposições museológicas da cidade de Salvador, em
sua maioria, não dão conta da complexidade e riqueza destas culturas.

Neste sentido, é importante investigar os processos ocorridos nestas


instituições e os resultados formais do tratamento das suas coleções
resguardadas: os sistemas de registro e documentação, processos de
conservação, programas de atendimento aos diversos segmentos de público e
exposições realizadas, publicações e exposições. Consequentemente,
observando a relação destes processos com às abordagens conceituais e
ideológicas destes museus, visando entender o panorama de ações patrimoniais
referentes às culturas africanas e afro-brasileiras em Salvador.

JUSTIFICATIVA: PROBLEMA DA PESQUISA

Os museus fazem parte do sistema de representações Identitárias,


funcionando como espaços de apresentação de elementos que pretendem
explicitar aspectos históricos e culturais das diversas sociedades humanas. Neste
sentido, podem contribuir para que os indivíduos possam construir as suas
referências Identitárias, a partir do contato com elementos que, ali
apresentados, destacam aspectos ligados às suas histórias e memórias.

No entanto, este mesmo local de afirmação e valorização de identidades,


no que diz respeito às memórias africanas e afro-brasileiras, tem contribuído
para a construção de estereótipos e difusão de preconceitos, apresentando estas
culturas, quando apresenta, em uma perspectiva subordinada aos valores e
referências hegemônicas da sociedade judaico-cristã ocidental, ou a partir da
abordagem etnográfica e folclorizada de temas tais como: as organizações
sociais negras ou as estruturas dos seus sistemas religiosos.

A representação através de exposições museológicas não pode ser


entendida de forma isolada e autônoma, pois está condicionada a uma série de
2o Seminário brasileiro de museologia • 593

fatores que a antecede, como por exemplo à qualidade e possibilidade de


exploração do acervo institucional e disponibilidade de recursos materiais para
a concretização dos arranjos expográficos. Por outro lado, a exposição não
pode ser entendida como o fim do processo de comunicação, como uma
ferramenta em si, pois é elemento que intermedia processos de interação entre
a instituição e seus profissionais que propõe um discurso sobre um determinado
tema e, os públicos visitantes que agregam ao tema os seus valores, crenças e
visões de mundo. Ao analisar criticamente uma exposição e suas abordagens é
necessário que não percamos de vista seu caráter dialético, dialógico e
processual.

É importante que representações museológicas através de exposições


sejam entendidas como documentos que revelam, ao serem projetadas e
executadas, perspectivas históricas de abordagens e exercícios de interpretação
da realidade. Revelam, também, “o estado da arte” vivenciado em cada
momento pela expografia e suas técnicas de composição imagética e as
“modas” e convenções adotadas pelos espaços expositivos para dar conta da
tarefa de cenarizar memórias, conceitos e acontecimentos.

Por fim, é importante ressaltar que apesar de ser entendido como


instituição de salvaguarda de memórias, o Museu sofre do mal que pretende
combater: a amnésia. A conjugação de diversos fatores faz com que muitas
vezes as memórias dos processos museológicos realizados na instituição se
perca ou se apresente de modo difuso. Seja pela falta de recursos e pessoal,
para processar estes registros pela necessidade imediata de realização de uma
atividade, sem que a mesma sequer tenha como base um projeto descritivo e
memorial (como é o caso de algumas exposições que são realizadas em um
processo de rapidez e urgência) ou ainda por conta de seu realizador não achar
necessário tal registro. Esta situação colabora para que os conhecimentos
operacionais, técnicos e abordagens conceituais, muitas vezes se percam
provocando à descontinuidade de ações que, se fossem registradas, permitiriam
a troca de experiências entre as diversas equipes e gerações de profissionais da
2o Seminário brasileiro de museologia • 594

instituição, bem como entre instituições distintas, possibilitando ganhos e


avanços nestas mesmas práticas.

Esta Pesquisa tem como escopo realizar um inventário de ações que


compõem a cadeia operatória museológica de instituições de Salvador, que
tratem de memórias ou acervos relativos às culturas africanas e afro-brasileiras,
com o intuito de produzir um fundo de repertórios de experiências, submetendo-
as à análise crítica, visando identificar àquelas que devem ser tomadas como
referência para o tratamento patrimonial museológico.

OBJETIVOS

De forma geral, a pesquisa objetiva realizar um inventário de atividades


museológicas que envolvam memórias e patrimônios africanos e afro-
brasileiros, através de trabalho de campo, em museus da cidade de Salvador,
produzindo um banco de dados para registro e difusão.

A partir disso, objetiva-se entre outras coisas, estreitar a relação entre o


curso de Museologia da Universidade Federal da Bahia e os museus da cidade
de Salvador, além de desenvolver metodologias de abordagem e análise de
ações museológicas; realizar inventário de ações realizadas por museus de
Salvador, buscando reunir informações sobre suas principais atividades
envolvendo acervos afros, tanto contemporâneos quanto do passado, como por
exemplo, a coleta dos acervos atualmente depositados em suas reservas e salas
de exposição;

Criar e alimentar um banco de dados para o registro e divulgação de tais


ações e elaborar textos sobre o processo de pesquisa e seus resultados, com
possibilidade, adiante, de realizar um Seminário que conte com a participação
de profissionais das instituições pesquisadas.

METODOLOGIA

A Pesquisa será realizada, principalmente, com trabalho de campo em


museus da cidade de Salvador, sendo necessário como ponto de partida,
2o Seminário brasileiro de museologia • 595

sensibilizar e envolver tais instituições para que participem desta investigação.


Certamente que por motivos diversos, a adesão ao Projeto não será da
totalidade das instituições que tenham perfil e, aderência ao recorte temático da
investigação: acervos africanos e afro-brasileiros. Esta será uma possibilidade a
enfrentar, ainda que a mesma não inviabilize a pesquisa.

Este primeiro momento, implicará também, em uma definição, a partir da


perspectiva de aderência temática, de quais instituições museológicas da cidade
serão selecionadas como instituição a ser pesquisada. A pesquisa de campo
tanto será realizada com observação e registro de dados, no caso das
exposições, por exemplo, quanto na busca de documentação institucional que
permita recuperar dados sobre os processos.

Para o registro serão utilizadas fotografias e produção de gráficos, para à


memória relativa às atividades, como por exemplo, a aquisição dos acervos e o
desenvolvimento de atividades de dinamização, serão aplicados, também,
questionários e entrevistas com o pessoal das instituições.

Todo o processo deverá será alicerçado por discussões teóricas e


conceituais, no grupo da pesquisa, para que seja possibilitada à abordagem
crítica das situações observadas. É neste sentido, que já no momento de
definição dos instrumentos operacionais de pesquisa, as discussões serão
realizadas, no intuito de produzir reflexão, não somente sobre as ações
observadas, mas principalmente, sobre o processo de registro e a avaliação em
si.

Para o registro das informações levantadas e posterior divulgação e,


disponibilização será necessário à criação de um banco de dados. Na verdade,
será aproveitado como matriz, o banco de dados, atualmente, desenvolvido
para o Projeto Coleção Estácio de Lima – Tratamento, Estudo e Divulgação de
uma Coleção testemunha da intolerância, por nós desenvolvido.

Para o desenvolvimento de todas as ações da pesquisa optamos por um


Plano de Trabalho único, ou seja, todos os bolsistas e pesquisadores do projeto
2o Seminário brasileiro de museologia • 596

terão o mesmo cronograma de ações, desenvolvidas conjuntamente. A intenção


com esta opção é a de não fragmentar à observação e permitir que todos os
envolvidos no processo tenham visão do conjunto a ser avaliado, sem
direcionamentos fragmentados, como por exemplo a observação das estruturas
expográficas sem a análise das atividades de documentação e registro. Por
outro lado, para dar agilidade ao processo, as instituições que serão
investigadas serão distribuídas entre os pesquisadores. Desta forma, cada
membro da equipe ficará responsável, no que tange à coleta de dados, e não
em relação às análises posteriores, por uma quantidade de instituições.

RESULTADOS E IMPACTOS ESPERADOS

- Estreitamento da relação entre os museus da cidade de Salvador e o


Curso de Museologia da UFBA – ainda que já existam relações entre o curso e
museus da cidade, inclusive com realização de várias atividades acadêmicas em
seus espaços. Com este projeto pretende-se propiciar um diálogo crítico e
profícuo entre as partes, possibilitando aprendizagem mais conceitual que
possam impactar práticas e suscitar novas parcerias e projetos acadêmicos.

- Desenvolvimento de metodologias de abordagem e análise de ações


museológicas – neste caso, esperam-se resultados acadêmicos e práticos, pois
este tipo de avaliação e resgate de informações não é muito recorrente e,
portanto, a sua realização possibilitará propor e aplicar metodologias de
registro e análise que podem contribuir para a reflexão sobre as atividades
institucionais e práticas acadêmicas;

- O inventário a ser realizado possibilitará uma visão mais orgânica e


global das atividades que vêm sendo realizadas nas instituições museológicas
da cidade e sobre os seus possíveis resultados;

- O banco de dados possibilitará o registro sistemático das informações


recolhidas, potencializando, também, o acesso às informações, funcionando
ainda como banco de referências de experiências;
2o Seminário brasileiro de museologia • 597

- A elaboração de textos servirá tanto para a difusão dos dados da


pesquisa quanto para estimular e treinar os bolsistas na produção de textos
acadêmicos;

- Com a realização do Seminário e a participação de profissionais das


instituições pesquisadas, pretende-se estabelecer diálogos conjuntos para a
discussão dos resultados e troca de experiências.

Referências

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Nacional, v. 28, 1996:37-64.

ABREU, Regina. Quando o campo é o patrimônio: notas sobre a participação de


antropólogos nas questões do patrimônio. Revista de Pesquisas e Debates em
Ciências Sociais. UFG, v.8, no.2, 2005.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

BRIÈRE, Marie-Andrée. Le visiteur de musée et son apropriation de l´ouvre d´art.


In: LEFEBRE, Bernard. ALLARD, Michel (dir). Le musée: um projet educatif.
Montreal: Logiques, 1996.

CUNHA, Marcelo B. Nascimento. Teatro de memórias, palco de esquecimentos:


culturas africanas e das diásporas negras em exposições. Tese. PPG
História/PUC/SP, 2006.

FERNANDEZ, Luiz Alonso. Museologia: introdução à teoria e prática do Museu.


Madri : Istmo, 1993.

LEVASSEUR, Martine. VERÓN, Martine. Ethnographie de l´exposition: l´espace,


le corps et le sens. Paris: Centre Georges Pompidou, 1989.

MENESES, Ulpiano B. de. Do teatro da memória ao laboratório da História: a


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S.P. N. Ser. V.2, 1994:9-42.

MINAYO, Cecília de S. (org.) Pesquisa social, teoria, método, criatividade.


Petrópolis: Vozes, 1992.

VIANA, Hélder do Nascimento. Os usos do popular: coleções, museus e


identidades, na Bahia e em Pernambuco, do início do século à década de 1950.
Tese. FFLCH, USP, São Paulo, 2002.
2o Seminário brasileiro de museologia • 598

A LUDOTECA NO MUSEU DA ABOLIÇÃO: TRABALHANDO A CULTURA


AFRODESCENDENTE DE FORMA LÚDICA.

Fabiana de Lima Sales1

Maria Alice Ribeiro da Rocha2

Resumo: A Ludoteca, projeto criado para o Museu da Abolição, em Recife/PE,


intenta contribuir na propagação e valorização da cultura africana como legado
na construção da cultura brasileira. Um espaço composto por um acervo
informativo, leve, colorido e interativo, usa peças do cotidiano para contar o
passado. Desenvolve atividades que atraem a atenção do público infanto-juvenil
e de acadêmicos. Espaço destinado para os que procuram vivências que
estimulam o aprendizado com entretenimento, foi pensado originalmente para
um público infantil, mas despertou o interesse de visitantes de todas as idades.
Os relatórios de desempenho da Ludoteca no Museu da Abolição mostram
resultados bem positivos. O agendamento de grupos em treinamento de
capacitação de professores, universitários e pesquisadores extrapola as metas
alcançadas para o projeto. Muitos mecanismos são ainda necessários para
vencer o preconceito, o racismo e a discriminação, de modo que projetos como
o da Ludoteca no Museu da Abolição devem ser replicados, pois apenas
trilhando caminhos de esclarecimentos e de reflexão, deixando de reproduzir
uma história única, a do negro escravizado, serão produzidos espaços e
propostas didáticas que darão prioridade à valorização da herança cultural
recebida dos Africanos e afros descendentes.

Palavras Chaves: Ludoteca; Museu da Abolição; cultura afrodescendente.

Abstract: The Ludoteca, project created for the Abolition’s Museum, Recife-PE,
aims to contribute for the spreading and appreciation of African culture as a
legacy in the construction of Brazilian culture. A space composed by an
informative, coloured, interactive collection of objects that takes pieces from the
present day to tell about the past. It develops activities that attract the attention of
young people and academic researchers. The space was designed for those
looking for experiences that stimulate learning and entertaining, meant to
achieve the infant public but also aroused the interest of visitors from several
adult ages. The Ludoteca’s performance reports show quite positive results. The

1
Bacharel e Mestre em Turismo, Doutoranda em Antropologia, PPGA/UFPE, Técnica em
Assuntos Educacionais do Museu da Abolição/IBRAM/MINCA. E-mail:
Fabiana.sales@museus.gov.br.
2
Bacharel em Turismo, Pós Graduanda em Gestão de Produção Cultural, FAFIRE, Mediadora
Cultural da Ludoteca no Museu da Abolição. E-mail: marialice1708@hotmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 599

scheduling of groups of teachers in training activities, university students and


researchers extrapolates the public profile expected in the project. Many
mechanisms are still needed in order to win the prejudice, racism and
discrimination, so that projects like the Abolition’s Museum Ludoteca must be
replicated. Only throught the path of clarification and reflexion, leaving behind
the sole consolidated discourse of history, the one that treats black people as
enslaved people, there will be ways of producing spaces and didactic proposals
that priorize the value of cultural inheritance of African and African descendents
people.

Keywords: Ludoteca; Abolition Museum; afrodescendent culture.

••••••••••

A LUDOTECA NO MUSEU DA ABOLIÇÃO: trabalhando a cultura


afrodescendente de forma lúdica.

O Museu da Abolição é um museu público federal, inaugurado em 1983,


que tem como missão institucional, de acordo com o seu Plano Museológico,
prestar serviços à sociedade através do resgate, valorização, e reconhecimento
do patrimônio material e imaterial dos afro-descendentes, contribuindo para o
fortalecimento da identidade e cidadania do povo brasileiro. Dentre os vários
objetivos do Museu da Abolição, dois merecem destaque tendo em vista a
proposta deste trabalho: (1) proporcionar múltiplas visões do processo histórico
escravista, através de ações educativas e culturais; e (2) incentivar o
fortalecimento da autoestima e promover a visibilidade afirmativa dos
afrodescendentes na sociedade brasileira;
A Ludoteca é um espaço destinado ao uso de brinquedos e jogos
organizados para o livre uso dos visitantes, em sua maioria crianças e
adolescentes. Estes jogos e brinquedos possuem uma função pedagógica
intrínseca, ao proporcionar interação, socialização, aprendizado e diversão
entre aqueles que os utilizam. A instalação de uma Ludoteca no Museu da
Abolição, proposta elaborada em parceria e executada pelo Bureau de Cultura
com recursos do Fundo Pernambucano de Cultura (Funcultura/PE) partiu da
2o Seminário brasileiro de museologia • 600

possibilidade de transmitir o legado da cultura afrodescendente para este


público através de uma linguagem mais acessível, mediada por itens tais como
brinquedos, jogos, adereços, livros de contos infantis, entre outros recursos. As
tradições de matriz africana sempre estiveram presentes nas mais diversas
manifestações da vida cotidiana. Assim, consideramos que esse tipo de iniciativa
possibilita um conhecimento mais amplo das trocas, relações e diálogos que se
estabeleceram na formação histórica do Brasil, levando em conta as formas de
socialização do povo negro como parte desse processo.
O Museu da Abolição entende que, ao serem criadas exposições e/ou
espaços com o objetivo de transmitir e enfatizar a valorização do legado cultural
africano e o reconhecimento da importante contribuição deste povo na
conformação da cultura brasileira, os museus estarão cumprindo um papel que
cabe à escola, como a todo espaço de conhecimento comprometido com a
formação de uma sociedade cidadã que reconhece a igualdade entre todos os
povos que contribuíram para a sua formação.
Na sociedade contemporânea é sabida a importância que espaços de
ensino não-formal desempenham no complemento do aprendizado escolar, de
modo que instituições como museus, centros culturais, memorias, institutos,
entre outros, tem sido utilizado como espaços de interdisciplinaridade e
transversalidade no processo de aprendizagem e construção crítica do
conhecimento. Nestes espaços, as práticas didático-pedagógicas podem ser
ampliadas e otimizadas, envolvendo também questões como construção de
identidade sociocultural e formação política.
A respeito dos museus, Appadurai e Breckenridge (2007) lembram que,
em sociedades complexas, como a indiana, por exemplo, os museus são meios
informais de aprendizado: “recursos culturais legítimos que servem de suporte e
complemento à estrutura de educação formal”. Em paralelo, os museus também
seriam frutos do pensamento moderno, vinculados à mídia, ao lazer, ao
espetáculo e às representações do patrimônio local/regional/nacional: “os
museus, em combinação com a mídia e as viagens, servem como meio pelos
quais os públicos nacionais e internacionais aprendem sobre si mesmos e sobre
os outros” (op. cit, p. 19). Barretto (2005, p. 53) também defende o novo
2o Seminário brasileiro de museologia • 601

posicionamento que o museu precisa adotar frente à sociedade contemporânea:


“os museus transformaram-se durante o século XX. Deixaram de ser apenas
depósitos de coisas velhas para mostrar seus objetos e fazer chegar sua
mensagem ao público de uma forma dinâmica e até lúdica”.
Ainda hoje podem ser observadas em algumas instituições museais3,
propostas museográficas em que a figura do homem e mulher negros está
atrelada ao período da escravidão, por meio de objetos que remontam a esse
passado histórico, a exemplo dos instrumentos de tortura. Todavia, já se pode
visualizar outras perspectivas expográficas que trabalham as formas de
resistência que os africanos e os afrodescendentes desenvolveram para, mesmo
vivendo sob pressão, manter viva a sua cultura e a sua identidade.
O desenvolvimento de um espaço de aprendizagem como a Ludoteca no
Museu da Abolição atende ainda às demandas da Lei 10.639/2003, conhecida
como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a qual estabeleceu
o ensino de história e cultura afro-brasileira por meio de temas como história da
África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o
negro na formação da sociedade nacional, para todos os estabelecimentos de
ensino de nível fundamental e médio. Este ato, em que pese o reconhecimento
da necessidade de se tratar das questões socioculturais dos afrodescendentes no
âmbito do ensino formal, levou à identificação da carência por parte dos
professores quanto ao ensino deste conteúdo: como será possível desenvolver
em sala de aula conteúdos que não se domina ou para os quais não se teve
formação? Desta forma, tornou-se latente que, para que a lei 10.639/2003 seja
cumprida, faz-se imprescindível uma melhor formação dos professores para o
desenvolvimento dos conteúdos em questão bem como a adoção de alternativas
e, ou ferramentas para desenvolvimento e exploração deste tipo de conteúdo.
Muitos mecanismos são ainda necessários para vencer o preconceito, o
racismo e a discriminação. A cultura afrodescendente tem na oralidade um dos
seus pontos mais fortes, com os ensinamentos dos ritos, das danças, das
práticas religiosas e dos saberes do grupo. O surgimento de manifestações

3
Esse tipo de acervo pode ser encontrado na exposição de longa duração do Museu do Homem
do Nordeste, Recife-PE, a qual, por seu turno, passa, no momento, por um processo de
reformulação.
2o Seminário brasileiro de museologia • 602

culturais como maracatu, coco, afoxé, sambada e outras tantas surgiram a


partir de conhecimentos transmitidos de formal oral. Com a transmissão dos
fazeres e dos saberes que foram repassados de geração em geração, os negros
conseguiram não só manter viva a cultura afrodescendente, mas contribuir de
forma densa e rica para a construção do panorama cultural do povo brasileiro.
O intuito deste trabalho é mostrar de que forma um espaço
socioeducativo como a Ludoteca no Museu da Abolição pode contribuir no
processo de empoderamento da cultura afrodescendente, fazendo-a dialogar
com a população, tendo como foco o público infanto-juvenil.

CONSTRUINDO CONHECIMENTO DE FORMA LÚDICA

O projeto da Ludoteca, executado pela Bureau de Cultura, foi realizado


em 12 meses, sendo desenvolvido por etapas distintas. A primeira etapa se
constituiu de uma pesquisa exploratória e bibliográfica desenvolvidas por
antropólogos e historiadores sobre os principais temas, jogos, brinquedos e
brincadeira presentes na cultura afro-brasileira. A segunda etapa consistiu da
criação e implementação do espaço físico da Ludoteca. Para esta etapa foi
utilizado espaço físico já existente no museu. A Ludoteca foi concebida como um
espaço acessível, gratuito, na tentativa de atrair e integrar todos os públicos,
inclusive as pessoas com algum tipo de deficiência.
A terceira e última etapa consolidou as atividades e práticas recreativas,
socioeducativas e culturais que foram desenvolvidas na Ludoteca por
mediadores culturais visando valorizar os brinquedos e atividades lúdicas e
criativas; estimular o desenvolvimento global e individual das crianças; despertar
o interesse por uma nova forma de animação cultural; desvincular o valor lúdico
do brinquedo do seu valor monetário e desenvolver o espírito de partilha entre
os seus usuários. Além disso, todas as ações desenvolvidas neste espaço fizeram
referência à memória e a identidade da cultura afro brasileira. Durante a fase
de funcionamento da Ludoteca, a equipe de mediadores realizou pesquisas de
satisfação com os visitantes.
O período de atendimento ao público da Ludoteca teve início em 02 de
novembro de 2014 e foi encerrado em 02 de junho de 2015. O acervo bem
2o Seminário brasileiro de museologia • 603

como o mobiliário adquirido para montagem da Ludoteca foram doados ao


Museu da Abolição para que o espaço pudesse continuar atendendo o público,
mesmo com a conclusão do projeto. O acesso à Ludoteca é feito no mesmo
horário de visitação do MAB: das 9h às 17h de segunda a sexta; e, aos
sábados, das 13h às 17h.
O espaço está dividido em três ilhas: a) literatura: com um acervo de
livros de história, cd’s, dvd’s, material de desenho e pintura; b) moda e beleza:
uma arara com tecidos, espelho, guias nas cores dos orixás do candomblé e
bonecas vestidas à moda africana; e c) música: onde é possível encontrar uma
boa variedade de instrumentos de percussão (tambor, alfaia, cabuleté,
chocalho, valilha, pau-de-chuva, dentre outros). O material de fácil reposição
torna mais atrativo o museu, uma vez que permite que os objetos sejam tocados
e não apenas contemplados. Permite-se a vivência do passado com objetos do
presente e assim trazer a história para uma proximidade maior com a realidade
cotidiana.
Figura 01: A visão do espaço com as três ilhas

Fonte: Acervo do MAB

A Ludoteca contratou e capacitou mediadores Culturais (Camila


Fernandes, Felipe Brito, Gabriela Varela, Juliane Oliveira, Maria Alice Rocha e
Sofia Vilela) para desenvolverem atividades lúdicas que transmitiam de forma
vivencial e prazerosa o legado da cultura afro. A contação de histórias; pintura e
colagem em desenhos; construção de máscaras; pinturas em telas eram as
atividades oferecidas a partir do material previamente preparado pelos
mediadores. A equipe de mediação se reunia semanalmente para pensar e criar
2o Seminário brasileiro de museologia • 604

novas atividades que trabalhassem a temática da Ludoteca, tentando não


promover atividades repetitivas. Isto motivou o retorno daqueles que visitaram o
espaço e entenderam que muito ainda havia lá para ser explorado e conhecido.
A falta de conhecimento da parte dos visitantes do Museu da Abolição
quanto legado da cultura afrodescendente para a nossa sociedade ficava
bastante explícita durante o atendimento realizado na Ludoteca. Fazia parte do
processo de se familiar com o público o questionamento de tópicos que
revelasse um pouco do perfil do visitante/turista/pesquisador. Quando se
indagava alguém e solicitava que fosse citado o nome de um herói negro, a
resposta era unânime: Zumbi dos Palmares. E mesmo quando se tratava de
professores e/ou de grupos de universitários, era comum vê-los pensando
bastante antes de arriscar dizer o nome de outra personalidade da cultura
negra.
A Caça ao Tesouro, atividade proposta para os visitantes da Ludoteca
sempre obteve um grau de satisfação elevado, a partir da utilização de dicas
com descrição que contextualizavam os objetos que estavam dentro e fora do
espaço da Ludoteca. O ponto alto da brincadeira envolvia a exploração de um
dos Baobás existente no jardim do Museu da Abolição. Este momento sempre
era envolvido em muita emoção porque, em geral, se formava um grande
círculo em volta da “Arvore Sagrada”, conforme imagem a seguir,
representando um grande abraço de agradecimento aos visitantes e de
reconhecimento ao legado recebido dos africanos.

Figura 02: O grande abraço ao Baobá – “A Árvore Sagrada”

Fonte: Acervo do MAB


2o Seminário brasileiro de museologia • 605

O espaço também oferecia mensalmente oficinas gratuitas ministradas


por pessoas que trabalham o legado cultural afrodescendente, através das
várias linguagens artísticas. No dia 31 de janeiro de 2015 (sábado) aconteceu
uma oficina de conhecimento e confecção de instrumentos a partir de materiais
recicláveis, denominada “Batuques da Gente”, trabalhando assim não só o
aspecto musical, mas também o conceito de sustentabilidade ambiental, ver
imagens seguintes, esta oficina foi ministrada pelo percussionista Luca Teixeira.4

Figura 03: “Batuques de Gente” com Luca Teixeira

Fonte: Acervo do MAB

4
Luca Teixeira é percussionista atuante e já desenvolveu trabalhos musicais com nomes
consagrados, dentre eles, Silvério Pessoa, Lula Queiroga, Lucinha Guerra, Lenine, Naná
Vasconcelos, Mano Cháu, dentre outros. Participou do Festival Europalia como percussionista do
músico Silvério Pessoa e de todas as edições do programa Reino Encantado de Luiz Gonzaga da
Rede Globo Nordeste. Atualmente está desenvolvendo um Projeto no Morro da Conceição,
denominado Batuques da Gente – Oficina de Percussão para crianças do Morro.
2o Seminário brasileiro de museologia • 606

A oficina de impressão em camiseta com foco e conhecimento em


simbologia Adrinka5, ministrada pela a artista Antônia Santana6, agregou um
aprendizado que logo foi internalizado pela prática, a criança aprendia os
significados dos símbolos Andrinka e a partir de então escolhia o símbolo que
faria a impressão na camiseta que a mesma levava de brinde. A Oficina de
Contação de Histórias com Mõnica Xavier7, aconteceu no dia 18 de março de
2015, e permitiu uma grande interatividade entre os adultos e as crianças, já
que num segundo momento, foram eles que passaram a contar histórias para
os pequenos lá presentes.
Dando continuidade ao projeto outras oficinas aconteceram: as de
bonecas Abayomi8, resultado de uma pesquisa dos mediadores da ludoteca e
ministradas pelas próprias mediadoras, Camila Fernandes, Gabriela Varela e
Sofia Vilela. (Esta oficina foi repetida em outros momentos, inclusive quando a
Ludoteca participou no projeto “Recife Antigo do Coração”).

Figura 04: Bonecas Abayomi

Fonte: Acervo do MAB

5
Os símbolos Adinkra, importante marco da cultura Ashante, são hoje internacionalmente
reconhecidos pela força de suas mensagens, carregadas de significado de acordo com as
culturas africanas.
6
Antônia Santana, começou a pintar a partir dos 12 anos e aos 15 anos fez seu primeiro curso
de pintura, aos 22 cursou desenho no MAC-PE Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco.
Desde 2005 ministra cursos e oficinas e 2008 adicionou ao seus trabalhos, camisetas pintadas
que retratam a ancestralidade afro-brasileira em suas diversas perspectivas: cores, formas,
sentimentos, expressões, identidade.
7
Mônica Xavier é professora, recreadora e brinquedista, além de Especialista em Educação e
Ludicidade para o Desenvolvimento Humano (FAFIRE).
8
Bonecas feitas com retalhos de tecidos, são símbolos de resistência, tradição e poder feminino.
2o Seminário brasileiro de museologia • 607

As oficinas de dança afro com confecção de turbantes e muita


interatividade que sempre acontece no espaço; oficina de confecção de
mamulengos e teatralização com os bonecos produzidos durante a mesma
oficina, tiveram os roteiros criados pelos próprios participantes.

Figura 05: Confecção de Turbantes e construção de mamulengos com teatralização dos bonecos

Fonte: Acervo do MAB

As oficinas de confecção de máscaras e pinturas no corpo como mostram


as próximas imagens, aconteceram no dia 25 de abril de 2015; além de tantas
experiências, houve neste mesmo dia a oportunidade de uma tarde de muito
aprendizado e vivência com o Boi da Mata9.

Figura 06: Oficina de Confecção de Máscaras e pinturas no corpo

Fonte: Acervo do MAB

9
O Boi da Mata é um coletivo Artístico Ecopedagógico. Tem a frente o Sr. Benedito Felix da Silva
(Mestre Biu do Ganzá), com aproximadamente 80 anos é considerado fonte empírica da cultura
dos Bois em Pernambuco e candidato a patrimônio vivo da cultura popular. Atuou desde o 07
anos de idade no lendário Boi Misterioso dos Afogados (1927 a 1984)
2o Seminário brasileiro de museologia • 608

Figura 07: Vivência com o Boi da Mata

Fonte: Acervo do MAB

A proposta da Ludoteca também foi levada para as ruas do centro do


Recife, atingindo um público que ainda não havia frequentado o Museu da
Abolição, no dia 31 de maio, durante a edição do “Recife Antigo do Coração”,
projeto da Secretaria de Turismo da Prefeitura do Recife. A proposta foi levar a
Ludoteca num formato itinerante, como forma de promover a visibilidade e
conquistar mais público para visitá-la. Fomentar o espaço e o próprio Museu foi
um serviço que o projeto também prestou à sociedade, que, na sua grande
maioria, desconhece a rica oferta de conhecimento sobre o legado da cultura
afro para a construção do nosso povo. O retorno dado pelos visitantes do
espaço foi bastante satisfatório.
2o Seminário brasileiro de museologia • 609

Figura 08: A Ludoteca no Recife Antigo do Coração

Fonte: Acervo do MAB

O espaço da Ludoteca recebeu grupos não só de crianças, mas também


de estudantes universitários pesquisadores e professores da rede pública em
atividades de formação, como pode ser visualizado nas imagens abaixo, além
de grupos de estudantes de outros estados.

Figura 09: Estudantes Universitários e Professores da Rede Pública em Capacitação

Fonte: Acervo do MAB

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Relatório final do Projeto mostrou que o mesmo obteve uma excelente


repercussão na mídia local, além de destacar o pioneirismo da proposta, sendo
o Museu da Abolição, atualmente, o único museu no Recife a ofertar um espaço
lúdico e interativo, com foco num acervo utilitário em forte diálogo com sua
missão institucional que atende a um público bastante diversificado. A partir da
experiência adquirida ao longo dos doze meses do projeto, coube ao Museu da
Abolição dar continuidade às atividades da Ludoteca através de seu Setor
2o Seminário brasileiro de museologia • 610

Educativo, tendo em vista a dissolução da equipe de mediação especificamente


contratada para o serviço de mediação na Ludoteca.
A construção de conhecimento acerca da importância da cultura africana
e afro-brasileira deve ser desenvolvida no âmbito escolar, como também em
espaços não-formais de aprendizagem. À medida que reconhecem a
necessidade de se trabalhar com estas temáticas, os museus ratificam sua
função social e seu compromisso com a formação de uma sociedade cidadã
que luta pelo reconhecimento dos valores de todos os povos e pela igualdade
de direitos e justiça entre as diferentes vertentes étnicas constituintes da nossa
sociedade.

Referências

ADINKRA: Um Dicionário de Valores na Arte dos Carimbos. por AFREAKA.


Disponível em:<http://www.afreaka.com.br/notas/adinkra-um-dicionario-de-
valores-na-arte-dos-carimbos/>. Acesso em 07 de set de 2015

APPADURAI, A; BRECKENRIDGE, C. Museus são bons para pensar. In Musas:


Revista Brasileira de Museus e Museologia. Instituto do Patrimônio História e
Artístico Nacional. Departamento de Museus e Centros Culturais n. 3. 2007.
Disponível em <http://www.museus.gov.br/wp-
content/uploads/2011/01/Musas3.pdf> Acesso em 01 de set de 2015.

BARRETTO, Margarita. Turismo e o legado cultural. Campinas, SP: Papirus,


2005.

BONECAS ABAYOMI: Símbolo de Resistência, Tradição e Poder Feminino por


Kauê Vieira. Disponível em:
http://www.afreaka.com.br/notas/bonecas-abayomi-simbolo-de-resistencia-
tradicao-e-poder-feminino/> Acesso em 07 de set de 2015.

MOURA, C. A. S. OLIVEIRA, J. M. GUERRA, L. H. SANTOS, M. R. Relatório de


Pesquisa Antropológica e Histórica. Projeto: LUDOTECA no Museu da Abolição.
Recife: 2014. Solicitado pelo BUREAU DE CULTURA

MUSEU DA ABOLIÇÃO. Plano Museológico do Museu da Abolição. Disponível


em:
http://www.museus.gov.br/wpcontent/uploads/2011/07/planmuseoabolicao.pdf
. Acesso em 07 de set de 2014.
2o Seminário brasileiro de museologia • 611

O BOI DA MATA PRODUÇÕES CULTURAIS BLOGSPOT. O Coletivo Artístico


Ecopedagógico BOI DA MATA. Disponível em
http://oboidamata.blogspot.com.br/ Acesso em 11 de Nov de 2015.

SANTANA, Antônia. MIANZI. Disponível em: <http://antonias-


mianzi.mercadoshops.com.br/quem-somos_1xST>. Acesso em 11 de Nov de
2015

TEIXEIRA, Luca. Percussionista e um Profissional Renomado ligado a Cultura


Afro. Breve histórico disponíveis em: <http://www.mun-
planhoso.pt/noticias/11215-oficina-aberta-de-percussao.html> <
http://tnb.art.br/rede/batuqueusina.> Acesso em 11 de Nov de 2015.

XAVIER, Mônica. Especialista em Educação e Ludicidade para o Desenvolvimento


Humano. Disponível em: https://pt-
br.facebook.com/MuseuAbolicao/posts/839063669474373. Acesso em 11 de
Nov de 2015.
2o Seminário brasileiro de museologia • 612

EDUCAÇÃO PARA O PATRIMÔNIO NO AMBIENTE ESCOLAR

Adriana Santos Brito1

André Riani Costa Perinotto2

Áurea da Paz Pinheiro3

Resumo
O artigo objetiva refletir sobre a inclusão do tema educação para o patrimônio
no ambiente escolar, destacando-o como potencializador da formação para
cidadania ao longo do processo de ensino-aprendizagem, por meio da
interação entre os diferentes contextos culturais locais e a comunidade escolar
em sentido lato.

Palavras-chave: Educação; Escola; Cultura; Patrimônio; Museus.

Abstract
The article aims to reflect on the theme education for equity in the school
enviroment, highting it as potentiator of citizenship training throughout the
teaching-learning process, through the interaction between the different local
cultural contexts and the wider school community.

Keywords: Education; School; Culture; Heritage; Museums.

••••••••••

INTRODUÇÃO

As reflexões apresentadas neste artigo são resultados de pesquisas


bibliográficas, cujo objetivo foi analisar a inclusão do tema Educação para o
Patrimônio no ambiente escolar, destacando-o como instrumento de formação

1
Mestranda em Artes, Patrimônio e Museologia pela Universidade Federal do Piauí – UFPI.
Endereço para correspondência: Av. São Sebastião, 2819 (Bairro Reis Veloso). CEP: 64202-020
– Parnaíba – Piauí (Brasil). Telefone (86 33235310). E-mail: adryannabrito@hotmail.com
2
Doutor em Ciências da Comunicação – UNISINOS/RS. Professor Adjunto do Curso de Turismo.
Professor do Mestrado Profissional em Artes, Patrimônio e Museologia - UFPI. Endereço para
correspondência: Av. São Sebastião, 2819 (Bairro Reis Veloso). CEP: 64202-020 – Parnaíba –
Piauí (Brasil). Telefone (+55 86 33235299). E-mail: perinotto@ufpi.edu.br
3
Pós-doutora Ciências da Arte e do Patrimônio pela Universidade de Lisboa, Portugal.
Coordenadora e Professora do Mestrado Profissional em Artes, Patrimônio e Museologia -
Universidade Federal do Piauí – UFPI. Endereço para correspondência: Av. São Sebastião, 2819
(Bairro Reis Veloso). CEP: 64202-020 – Parnaíba – Piauí (Brasil). Telefone (+5599900-1219). E-
mail: aureapinheiro@ufpi.edu.br
2o Seminário brasileiro de museologia • 613

cidadã ao longo do processo de ensino-aprendizagem, na interação entre os


diferentes contextos culturais que envolvem os docentes, os discentes, as famílias
e a comunidade local.

EDUCAÇÃO, PATRIMÔNIO, CULTURA E MEDIAÇÃO COM A EDUCAÇÃO PARA


O PATRIMÔNIO.

Abordar o tema da educação para o patrimônio implica antes de tudo


refletir sobre os significados da palavra Educação e sua importância na
sociedade atual. Por isso a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
LDBN, Nº 9.394/96 no seu art. 1º, conceitua educação em sentido lato, “[...]
abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na
convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos
movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações
culturais” (BRASIL, 1996, p. 41).
Conforme a LDBN o processo educativo pode acontecer em todo e
qualquer espaço, na família, convívio com outras pessoas, escolas e faculdades,
em outros tantos locais e momentos, assim há de se destacar que esse mesmo
processo se divide em duas etapas: educação formal e informal.
O conceito de educação proposto aqui é referente à educação informal,
enquanto processo sistemático e intencional que resulta da convivência social e
das influências sofridas constantemente nos mais diversos espaços. Nota-se que
a educação informal torna-se o centro das reflexões, a considerar a interligação
entre a educação e o patrimônio no ensino-aprendizagem no ambiente escolar,
de forma que integram as interfaces com a comunidade a partir do
ressignificado dos conteúdos das disciplinas do currículo escolar.
Desse modo, caso as ações educativas sejam pensadas e planejadas,
elas permitirão a formação cidadã no campo do patrimônio cultural, tornando-
se um benefício para a sociedade. Uma vez que Brandão (1981, p.10) afirma
que a educação seria, “[...] uma fração do modo de vida dos grupos sociais que
a criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua
sociedade”. O autor mostra que a educação auxilia a criar os seres humanos
através do saber, do conhecimento, e isso os tornam capazes de mudar a
2o Seminário brasileiro de museologia • 614

sociedade e consequentemente a inventarem novas culturas e identidades, o que


constituirá no conhecimento adquirido de uns para os outros.
Com base nisso, Libâneo (1991, p. 17) menciona que a palavra
educação “[...] compreende os processos formativos que ocorrem no meio
social, nos quais os indivíduos estão envolvidos de modo necessário e inevitável
pelo simples fato de existirem socialmente”, ou seja, é por meio da educação
que os indivíduos se interagem na vida em sociedade.
Nesse contexto, Freire (1981, p. 55) cita que a educação “[...] reflete nas
relações entre os seres humanos e o mundo implica em que estas relações se
dão com um espaço que não é apenas físico, mas histórico e cultural [...]”.
Dessa maneira, percebe-se que as relações diversas que envolvem os seres
humanos e o mundo são em si históricas, que não apenas fazem a história
deste mútuo fazer e sim, contam a história, denominado por ele de processo de
‘hominização’ ou processo de evolução do ser humano.
Assim, os conceitos sobre educação se traduzem como mecanismos que
buscam transformar os educandos em cidadãos, a partir do reconhecimento
desses enquanto pessoas integrantes da própria comunidade. Percebe-se que os
estudos e ações do patrimônio cultural alinhado à educação, são essenciais ao
desenvolvimento do ensino-aprendizagem no ambiente escolar, principalmente
quando se utilizam recursos locais para o encaminhamento, de metodologias,
associadas à educação e ao patrimônio que se tornam imprescindíveis para a
interação social da comunidade escolar com a comunidade local, contribuindo
para a formação para a vida dos educandos.
Quanto ao patrimônio, percebe-se que o termo busca reviver o passado
no presente, através da cultura, memória e identidade, fundamentais para se
compreender a história local. As noções de patrimônio são amplas, seus
significados envolvem tudo que pertença à sociedade, desde tradições crenças,
valores e costumes, passando pela história e memória social, reunidos,
preservados e reconhecidos pelas comunidades.
É importante destacar o que Hernández (2006, p. 162) menciona sobre o
patrimônio enquanto “[...] un instrumento al servicio del desarollo de la persona
y de la sociedade”, isso reflete nas relações entre o ser humano e a sociedade, a
2o Seminário brasileiro de museologia • 615

partir de uma teoria concreta que envolve o discurso patrimonial como


salvaguarda de novas formas de expressões culturais.
No que se refere ao patrimônio, Poulot (2005) admite que a relação entre
o ser humano e a realidade contribui para o processo cultural dos povos como
alternativa interdisciplinar que permita as trocas de saberes entre as gerações,
através do conhecimento histórico-cultural de um povo.
Em última análise Varine (2013, p. 37) discute a questão do patrimônio
enquanto capital real que requer uma consciência coletiva para o seu
desenvolvimento. Para ele, trata-se de um capital que para fazê-lo permanecer
existente é preciso “[...] viver, produzir, transformar-se, para permanecer útil”,
quer dizer que o patrimônio precisa antes de tudo ser conhecido e reconhecido
pelos grupos sociais que o possuem, nos limites das reflexões deste texto, a
comunidade escolar.
Dessa maneira, a cultura entra no processo de fundamentação do
patrimônio enquanto objetivo concreto que proporciona “[...] não apenas para a
sobrevivência do Homem de sua realização histórica, mas é, também, e ao
mesmo tempo, reflexo e instrumento para uma mudança da qualidade do
conjunto de relações sociais”, assim afirma (GUARNIERI, 1990, p. 207). Já a
educação surge nesse processo de fundamentação como o principal agente
formador de conhecimentos e que influencia o desenvolvimento do espírito de
cidadania, além disso, proporciona a relação de pertencimento entre a
sociedade e o patrimônio nele existente.
Enquanto isso, Desvallées e Mairesse (2013, p. 52) mencionam que a
educação ocasiona a “[...] implementação dos meios necessários para a
formação e o desenvolvimento de pessoas e de suas próprias capacidades”. A
educação permite reflexões em torno dos bens patrimoniais e culturais, o
reconhecimento de pertencimento das pessoas em um dado grupo social, em
uma dada comunidade fator essencial no processo de formação para a vida.
Nesse processo, a escola tem um papel importante de mediação entre a
sociedade e o seu patrimônio, pois favorece o processo de cidadania para a
cidadania, permite a sensibilização para o pertencimento à cultura local, e nesse
percurso a educação para o patrimônio assume um papel relevante.
2o Seminário brasileiro de museologia • 616

A educação para o patrimônio se torna um conceito de mediação, onde


os educadores relacionam os assuntos da história local, nas disciplinas, como
base para o desenvolvimento de reconhecimento e pertencimento por parte dos
educandos no ambiente escolar. Em outras palavras, a educação voltada para o
patrimônio é “[...] um processo de desenvolvimento e de aprendizagem
humana, como incorporação da cultura, como domínio de modos culturais de
agir e pensar, de se relacionar com os outros e consigo mesmo”, assim descreve
(FLORÊNCIO, 2014, p. 22).
Dessa forma, a inserção do tema patrimônio no ambiente escolar, amplia
o processo educacional dos docentes, discentes e pais, a partir da retomada de
novos valores culturais e históricos, fazendo-os reconhecerem, valorizarem a
história e a cultura local.

EDUCAÇÃO PARA O PATRIMÔNIO: ANTECEDENTES HISTÓRICOS NO BRASIL

Convém ressaltar neste capítulo, o destaque ao contexto do início do


século XX, momento em que surgiu a inclusão de temáticas voltadas à
preservação do patrimônio cultural no Brasil, onde o movimento modernista de
1922 buscou conhecer, compreender e recriar a identidade brasileira. Naquele
período foi emblemática a Semana de Arte Moderna de 1922, onde diversos
artistas, escritores, intelectuais, dentre outros, mostraram-se preocupados com
as questões referentes à preservação do patrimônio cultural.
Os modernistas foram os principais responsáveis pela elaboração de
uma legislação cultural em 1936 que resultou no anteprojeto, descrito por Mário
de Andrade a pedido do Ministro da Educação Gustavo Capanema. Ao
elaborar o anteprojeto, Mário de Andrade propôs a criação de um Instituto
Preservacionista, cujo, foco estivesse centrado em Diretrizes para a Proteção do
Patrimônio Artístico Nacional.
Segundo, Maltêz (et al. 2010, p. 41), o anteprojeto “[...] serviu de base à
lei posteriormente promulgada em 30 de novembro de 1937 [...]”, no qual
influenciou a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional o
SPHAN, atual Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional o IPHAN que
teve como objetivo promover discussões teóricas, conceituais e metodológicas,
tendo como base o caráter pedagógico e estratégico dos museus e das
2o Seminário brasileiro de museologia • 617

imagens, por meio da preservação do patrimônio cultural, uma vez que seria
por meio da inclusão da educação associada à preservação do patrimônio
cultural que os modernistas promoveram uma campanha nacional para
assegurar o patrimônio e a própria identidade do Brasil.
Entretanto, Florêncio (2014, p. 09) afirma que em “meados de 1970 a
questão foi abordada de modo mais insistente, com a criação do Centro
Nacional de Referência Cultural – CNRC”, tendo como parceiros os funcionários
do governo federal em Brasília e de docentes da UnB, sob orientação de Aloísio
Magalhães, onde o CNRC atuou indiretamente na interlocução de processos
educacionais voltados para a preservação patrimonial.
Em 1981, foi apresentado em Brasília um projeto intitulado “Projeto
Interação”, que fazia parte das diretrizes para a operacionalização da política
cultural do MEC. O Projeto Interação possuía ainda uma linha programática
que tratava da interação entre a educação básica e os diferentes contextos
culturais existentes no Brasil. A finalidade desse projeto era desenvolver “[...]
ações destinadas a proporcionar à comunidade os meios para participar, em
todos os níveis, do processo educacional, de modo a garantir que a apreensão
de outros conteúdos culturais se faça a partir dos valores próprios da
comunidade”, conforme relata (BRANDÃO, 1996, p. 293 apud FLORÊNCIO,
2014, p. 08).
Anos depois a metodologia da educação para o patrimônio começou a
ser apresentada e discutida no Brasil, por meio de experiências ocorridas na
Inglaterra denominada de Heritage Education e aplicadas aqui, cujo intuito era
utilização dos museus e de monumentos históricos, com fins educacionais e que
desenvolvesse o trabalho educacional centrado no patrimônio cultural a partir
de uma fonte primária, individual e coletiva envolvendo os educadores e
educandos.
Através dessa metodologia as ações educativas estavam centradas,
sobretudo na visitação a museus, monumentos e demais bens patrimoniais de
valor cultural. Por isso, em 1983, no Museu Imperial, na cidade de Petrópolis,
Rio de Janeiro foi realizado o 1º Seminário sobre “O uso Educacional de
Museus e Monumentos”. As ações ocorridas a partir desse seminário tiveram
2o Seminário brasileiro de museologia • 618

como resultados o alargamento da compreensão sobre o Patrimônio Cultural


Brasileiro, seu conhecimento e aprendizado a considerar as manifestações
culturais em sentido amplo, os bens patrimoniais materiais e imateriais tomados
como possibilidade de inserção para sensibilização do tema nos currículos das
disciplinas do sistema de ensino básico.

EDUCAÇÃO PARA O PATRIMÔNIO E SUA DIDÁTICA NO AMBIENTE ESCOLAR

A educação para o patrimônio é uma forma possível de ensino-


aprendizagem no ambiente escolar, a inclusão de temas no campo da história,
memória social, cultura e identidades promove o sentido de pertença entre
comunidade escolar e local.
O processo educativo, cotidianamente, requer mudanças no modo de
ensinar e, quando se utiliza os bens culturais no processo, percebe-se um
recurso enriquecedor de conhecimento que desperta o desejo de reconhecer o
próprio território ao mesmo tempo em que propõe reflexões críticas a respeito
do local no qual se habita.
Fonseca (2012, p. 16), ressalta que o recurso da educação patrimonial
no ambiente escolar pode “[...] despertar no educando a curiosidade, o desejo e
o prazer de conhecer e de conviver com os bens culturais enquanto patrimônio
coletivo, e de levá-lo a se apropriar desses bens enquanto recursos que
aprimoram sua qualidade de vida [...]”, fica claro mencionar que esse recurso
contribui para o enriquecimento do discente enquanto pessoa e cidadão.
Face ao exposto a inclusão permite ao educador e educando novas
formas de ensino-aprendizagem, os bens patrimoniais existentes passam a ser
reconhecidos por eles, além do contato direto com a comunidade local, há o
enriquecimento da aprendizagem a partir da constituição de uma identidade
pessoal e coletiva de professores, alunos e pais, na verdade a comunidade
escolar e seu entorno.
Florêncio indica um dos fatores relevantes à Educação Patrimonial, é o
enfoque que os docentes poderão dar às questões referentes às práticas
educativas patrimoniais o ambiente escolar, “[...] contribui para a criação de
canais de interlocução com a sociedade e com os setores públicos responsáveis
pela política de patrimônio cultural, por meio de mecanismos de escuta e
2o Seminário brasileiro de museologia • 619

observação que permitam acolher e integrar as singularidades, identidades e


diversidades locais” (2014, p. 25). Essa abordagem poderá envolver ações
educativas voltadas para o reconhecimento e valorização do patrimônio cultural,
portanto, recurso de integração transversal e interdisciplinar nas dinâmicas
dialógicas entre as disciplinas no ambiente formativo escolar.

METODOLOGIA

Dessa forma, esse trabalho é fruto de pesquisas bibliográficas partindo


de uma investigação de mestrado no campo da educação para o patrimônio.
Por isso seria interessante citarmos uma proposta metodológica denominada de
Manual de Atividades Práticas de Educação Patrimonial, proposto por Evelina
Grunberg (2007), que discorre sobre quatro etapas (Observação, Registro,
Exploração e Apropriação), na qual um projeto de Educação Patrimonial deverá
considerar por meio da inclusão de assuntos do cotidiano local, nas disciplinas
do currículo escolar por parte dos educadores, cabendo a eles adaptarem a
metodologia de acordo com o contexto social no qual a instituição se encontra
cujo objetivo será provocar na comunidade escolar, o despertar para o
conhecimento, reconhecimento e valorização do patrimônio cultural.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma o maior desafio dos educadores, é saber como incluir a


metodologia da educação para o patrimônio no cotidiano local nas disciplinas
escolares que ministram, podendo está diretamente ligado à identidade docente
e sua formação, o que deve pautar-se na conscientização da pluralidade
cultural por meio da valorização do patrimônio cultural, em ações educativas
que envolvam o processo de mediação, de produção de sentidos, fazendo-os
vivenciarem algo novo a partir de atividades extraescolares, como recurso
interdisciplinar de ensino-aprendizagem.

Referências

BRASIL. Lei Nº 9.394, de 20 dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases


da educação nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
2o Seminário brasileiro de museologia • 620

Brasília, 23 de dezembro, 1996. Disponível em:


http://www.portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf.Acesso em: 26/05/2015 às
14h18min.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação? 16ª. ed. São Paulo:


Brasiliense, 1981. 111p. (Coleção primeiros passos, 20).

DESVALLÉES, André; MAIRESSE, François. Conceitos-chave de museologia.


Editores; Bruno Brulon Soares e Marília Xavier Cury, tradução e comentários.
São Paulo: Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Museus: Pinacoteca
do Estado de São Paulo Secretaria de Estado da Cultura, 2013.

FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 5ª ed. Rio de
Janeiro: Terra e Paz, 1981, 149p. Disponível em:
http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/paulofreire/paulo_freire_acao_cultur
al_para_a_liberdade.pdf. Acesso em: 30/06/2015 às 09h14min.

FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio cultural na formação das novas


gerações: algumas considerações. In: Educação Patrimonial: reflexões e
práticas. Caderno Temático 2. Casa do Patrimônio de João Pessoa. 2012.
Disponível em: em:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/EduPat_EducPatrimonialReflexoes
EPraticas_ct1_m.pdf. Acesso em: 02/04/2015 às 19h36min.

FLORÊNCIO, Sônia Rampim. Educação Patrimonial: histórico, conceitos e


processos. Brasília, DF: Iphan/DAF/Cogedip/Ceduc, 2014. Disponível em: em:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/EduPat_EducacaoPatrimonial_m.
pdf. Acesso em: 28/04/2015 às 19h59min.

GUARNIERI, Waldisa Rússio Camargo. A elaboração de princípios teóricos-


metodológicos e as abordagens sociopolíticas e culturais. In: BRUNO, Maria
Cristina Oliveira. Waldisa Rússio Camargo Guarnieri – textos e contextos de
uma trajetória profissional, São Paulo: Pinacoteca, 1990.

GRUNBERG, Evelina. Manual de atividades práticas de educação patrimonial.


Brasília, DF: IPHAN, 2007, 24p. Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/EduPat_ManualAtividadesPraticas
_m.pdf. Acesso em: 25/08/2014 às 10h36min.

HERNÁNDEZ HERNÁNDEZ, Francisca. Planteamientos teóricos de la


museología. Gijón, Asturias: Ediciones Trea, 2006. 287p. (Biblioteconomia y
administración cultural).

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1991.

MALTÊZ, Camila Rodrigues; et al. Educação e Patrimônio: o papel da escola na


preservação e valorização do patrimônio cultural. In: Pedagogia em ação, v. 2,
N. 2, p. 1-17, Nov. 2010. Disponível em:
2o Seminário brasileiro de museologia • 621

http://www.periodicos.pucminas.br/index.php/pedagogiacao/article/view/4840/
5053. Acesso em: 25/03/2015 às 15h00min.

POULOT, Dominique. Museo y museologia. Paris. A B A D A Editores, 2005.


164p.

VARINE, Hungues de. As raízes do futuro: o patrimônio a serviço do


desenvolvimento local. Trad. Maria de Lourdes Parreiras Horta. 1º. Reimpressão,
Porto Alegre: Medianiz, 2013. 255p.
2o Seminário brasileiro de museologia • 622

“ONDE ESTÃO AS COISAS DOS POBRES?”


MUSEUS E A PEDAGOGIA TRANSFORMADORA DE PAULO FREIRE

Ana MariaNogueira Oliveira1

Resumo
A educação em museus tem características que diferem da educação formal.
Apesar de acontecer de forma mais livre e prazerosa, não deixa de ser um
processo de aprendizagem e com isso apresentar seu viés político e social, além
de exigir estudos teóricos e metodologias que a embasem. Por isso torna-se
necessário buscar estudos que contribuam com as práticas educativas em
espaços não formais. Paulo Freire apresenta-nos, em seus estudos, ideias que
podem e devem ser usadas nos museus. Entre elas destacamos o conceito de
organicidade e dialogação.

Palavra-chaves: educação em museus; medotologias; organicidade e


dialogação.

Abstract
The museum education is different from the formal education. Although it occurs
in a free and pleasureable way, it is still a learning process that has a political
and social issues. Besides, it requires theoritical studies and methodology that
embase the practices in nom formal education. Paulo Freire presents, in his
work, ideas which may contributed with museum education fild. Among them we
highlight the concepts of organicy unity and dialogue.

Keywords: museum education; methodology; organicy unity and dialogue.

Em 2010 tomei posse como técnica em Assuntos Educacionais no Museu


Regional de São João del-Rei, instituição vinculada ao Instituto Brasileiro de
Museus/MinC. Desde então tenho coordenado os trabalhos do setor educativo
do museu que a partir de 2011 ganhou uma vaga para estagiário. A instituição
tem investido na formação de público e recebe durante todo o ano grupos

1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSJ e educadora no Museu
Regional de São João del-Rei/IBRAM. E-mail para contato: anamarianoliveira@gmail.com.
2o Seminário brasileiro de museologia • 623

escolares os quais se constituem como o público de maior expressão. Minha


atuação demandou a busca de conhecimentos na área de educação em museus
e o estabelecimento de diretrizes e métodos que auxiliassem as práticas nas
ações educativas. Foi a partir dessa necessidade que surgiu a ideia dessa
pesquisa.
Entendo a visita mediada ao museu como uma oportunidade de troca de
experiências e conhecimentos através de diálogos entre os visitantes e o
educador, mas também entre os próprios visitantes. É interessante notar como
cada pessoa reage aos objetos a partir da própria bagagem cultural. A leitura
da narrativa museal é particular e é feita através de observações, reflexões e
conexões entre o objeto e aspectos da própria vida. É isto que dá significado ao
acervo e, consequentemente, vida ao museu. Por isso é importante o papel do
educador, pois ele é a ponte, ou seja, é ele quem faz a ligação entre a narrativa
museal e o visitante chamando atenção para aspectos que talvez o visitante não
perceba ou que talvez não estejam explícitos na narrativa; e os motivos pelos
quais eles não se encontram lá. Dessa forma ajudando-os a construir o próprio
conhecimento, através de uma visão crítica do contexto histórico, buscando
relação do passado com o presente e o futuro.
Sempre procurei instigar no visitante a curiosidade e o interesse para que
ele próprio construísse seu conhecimento através da leitura da narrativa museal
e contextualização dos objetos; considerando-se também suas próprias
experiências e referências pessoais, auxiliado pelas informações que eu pudesse
acrescentar. Sendo assim, estava segura de que estava contribuindo para uma
visita profícua e instigante até que um dia um dos alunos de uma escola pública
de ensino fundamental me dirigiu uma pergunta que me fez refletir não só no
processo educacional, mas também e principalmente nos aspectos políticos e
sociais que envolvem uma visita ao museu e mais especificamente nos aspectos
que envolvem a mediação museal.
A visita se iniciara pelo prédio que abriga o museu. Um casarão do
século XIX. Mostrara-lhes que poucas pessoas possuíam condições econômicas
para construir um casarão suntuoso como aquele e só alguém abastado o
bastante teria condições para fazê-lo. Depois, passáramos pelos meios de
2o Seminário brasileiro de museologia • 624

transporte, também do mesmo século e anterior: as liteiras e cadeirinha de


arruar, respectivamente. Novamente chamara a atenção para o fato de que
somente pessoas afortunadas possuíam esses meios de transporte. Em seguida,
dirigíramo-nos para o primeiro andar do prédio e fôramos ver o mobiliário.
Camas em estilo D. João V, D. Maria I e D. José I. Novamente eu fizera a
pergunta: “Vocês acham que qualquer pessoa poderia possuir um objeto
desses?” E eles concordaram que não. Porém, o aluno que mencionei disse com
certa impaciência: “Só os ricos, sempre os ricos. Onde estão as coisas dos
pobres”?
Então me dei conta de que o museu possui, em sua maioria, objetos
usados pela classe social dominante da época. E como as pessoas comuns
viviam? Como eram suas vidas cotidianas? Seus instrumentos de trabalho?
Como eram as camas dos escravos, suas roupas? E o motivo pelo qual esses
objetos da classe menos favorecida não são encontrados no museu? A questão
levantada pelo visitante suscita uma reflexão maior sobre a educação em
museus; a aprendizagem em espaços não formais; visitas mediadas, o papel do
educador de museus e técnicas de abordagem que melhor se adequem a esse
espaço, além da autorreflexão da minha prática como educadora museal.
Segundo o Estatuto de Museus, as instituições museais têm, além das
funções de formação de acervo, pesquisa e preservação, a função de
comunicação e educação. Hodiernamente, não se admite mais um museu como
lugar de guarda de bens culturais. Deu-se ênfase à sua função social, ou seja,
promover através da educação o desenvolvimento social. Quando o museu
elabora e estabelece sua exposição ele cria uma narrativa. E desse fato pode-se
considerar alguns aspectos importantes.
A narrativa museal não é isenta, ou seja, ela é carregada de nuances e
escolhas de seu idealizador. Portanto, nenhum museu ou exposição é imparcial.
A forma como foram elaborados ou constituídos vem carregada da visão de
mundo dos seus idealizadores. “A musealização - de curta ou de longa duração
- é uma construção voluntária, de caráter seletivo e político. Vinculada a um
esquema de atribuição de valores: culturais, ideológicos, religiosos, econômicos
etc..” (CHAGAS, 1960, p.59). Portanto, resta ao visitante interpretar com
2o Seminário brasileiro de museologia • 625

consciência crítica para que outros ângulos das questões sejam discutidos e
abordados. Diante do exposto compartilho da opinião de David Flemming,
(2012 apud ATKINSOM, 2012) quando diz que nenhum museu é imparcial em
relação a aspectos políticos.
Para Flemming (2012) é hipocrisia denominar os museus como
apolíticos, pois as atividades básicas necessárias ao funcionamento de um
museu são carregadas de significado e viés humano: “The myth of apolitical
museums is perpetuated by self-serving elite that want the museum to be theirs.
The issue isn’t whether it’s right or wrong to be political – the issue is that all
museums are, so why do people pretend they are not”2. Ele ainda ressalta que o
museu “político” tem o dever de representar todos os segmentos da sociedade.
No entanto, eu diria que o museu não só deve representar todos os segmentos
da sociedade, mas também deve se aproximar de todos os segmentos da
sociedade. Ele deve ser um espaço democrático tanto no acesso quanto na
abertura para discussões de temas importantes da atualidade. Diante do
contexto, o educador desempenha um papel crucial, pois ele pode ressaltar ou
chamar a atenção para aspectos, os quais o visitante talvez não perceba. Ele
pode cooperar para instigar a visão critica do visitante e mais ainda, pode
despertar nele o desejo de pesquisar e aprofundar o conhecimento.
Poder-se-ia deduzir daí que a educação em museus em face dessa
realidade seria ineficiente, ou seja, que nos museus a aprendizagem seria pela
metade, pois lá mostraria somente uma parte da realidade histórica. Todavia,
entendo que, pelo fato de existir lacunas nas exposições, não significa que o
museu seja um instrumento ineficiente de educação. Ele é um instrumento com
grandes possibilidades de aprendizagem. Pois se o objeto é um pretexto para
discussões e reflexões, as lacunas, a falta dele também o é. É preciso mostrar o
caminho da “leitura”. Conforme aponta Chartier:
A citação de Gombrich faz lembrar-me um apontamento quase
idêntico de Paul Ricouer que diz que um texto sem leitor é um não
texto, quer dizer, só pegadas negras em uma folha em branco.
Ricoeur utiliza os conceitos hermenêuticos de atualização ou

2
Em seu próprio interesse, o mito de museus apolíticos é perpetuado pela elite cujo objetivo é
que o museu seja deles. A questão não é se é certo ou errado ser político – a questão é que
todos os museus são políticos, no entanto algumas pessoas fingem que não são. (FLEMMING,
2012. Tradução nossa).
2o Seminário brasileiro de museologia • 626

apropriação em um sentido particular para designar o encontro que


dá existência ao texto por meio da leitura. (CHARTIER, 2001, p.89)

No museu acontece algo semelhante: a exposição sem a “leitura” do


visitante, ou seja, sem sua contribuição interpretando com sua bagagem cultural
é apenas um depósito de objetos. Constatamos, então, que a narrativa museal
apresentada é apenas uma versão possível de outras interpretações. Além disso,
no processo de sua elaboração seguindo os valores do contexto histórico e
pessoal, alguns objetos foram selecionados em detrimento de outros. Portanto,
a narrativa é uma versão com objetos presentes e de certa forma de “ausências”
que contam uma história. Cabe aos visitantes fazerem sua interpretação. Freire
(2005, p.20) falando-nos da importância do ato de ler nos diz que está
intrinsecamente ligada ao contexto, ao mundo. Aliás, para ele “a leitura do
mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a
continuidade da leitura daquele”.
Por isso é importante nesse momento o papel do educador, ao se fazer
consciente de suas responsabilidades e sabedor das implicações da narrativa
museal, ele deve ter consciência da importância de sua função, pois ele é o
mediador entre o passado e o presente, o exposto e seu contexto histórico,
político e social e até mesmo o que não está exposto dentro também do seu
contexto histórico, político e social. Ele é o organizador do encontro, pois museu
é lugar de encontros, no plural, encontro de gerações, de discussões, de
partilhas, de encantamentos. Se não acontecer dessa forma, museu será o
espaço vazio, sem graça o que por muito tempo vigorou no senso comum.
E como desempenhar bem o papel do educador de maneira eficiente e
interessante? Como instigar no visitante o desejo de conhecer mais? O objeto é
o pretexto para discussões e elucidações sobre o cotidiano e a história das
pessoas do período bem como relevantes temas atuais que tem conexão com a
discussão. É importante discutir a formação do educador de museus e
estratégias que ele possa usar para desempenhar com eficiência o papel de elo
entre os objetos e o visitante. Nossa discussão aqui compreende a mediação em
museus de historia e arte. Como dissemos anteriormente a narrativa museal
composta de seus objetos históricos ou artísticos é apenas uma versão de muitas
2o Seminário brasileiro de museologia • 627

outras versões possíveis. Na mediação é o momento de troca de experiências,


de relatos e discussões. E dessa forma que utilizamos os objetos como pretexto
com o objetivo maior do conhecimento do mundo e de nós mesmos. Como
fazer os visitantes conhecerem, ou melhor, quererem conhecer? Como despertá-
los para um caminho das descobertas, do gosto pelo conhecimento?
Compreendemos que a educação em museus difere da educação formal,
pois sendo uma educação não-formal, possui características próprias. No
museu a educação tem caráter mais lúdico e livre, porém isso não significa que
a ação educativa não deva ter seriedade e respaldo teórico que embase seu
planejamento. Para alguns teóricos a educação não-formal são “aquelas
práticas educativas estruturadas que ocorrem fora da instituição escolar.” No
entanto, acreditamos que as diferenças sejam ainda maiores, pois os objetivos
de ambas também se distanciam. Enquanto na educação formal os conteúdos
já estão preestabelecidos e programados inclusive no que diz respeito às
avaliações, a educação não-formal é a aprendizagem da fruição e fluição, pois
a aprendizagem acontece com prazer e sem programação rígida, acontece de
acordo com o interesse dos visitantes. Além disso, visa também a formação
integral do indivíduo, proporcionar lhe conhecimentos do mundo que o circunda
e das relações sociais.
Encontramos em Paulo Freire, em sua tese de 1959, intitulada Educação
e Atualidade Brasileira, uma ampla análise da educação brasileira e sua relação
com o contexto no espaço e no tempo. Seu estudo traz novas ideias que
poderão contribuir grandemente para o campo da educação em museus. O
grande educador, com experiência na educação popular e sua análise da
sociedade brasileira, contribuiu enormemente para a construção de novos
conceitos. Dentre os quais gostaria de me ater a apenas dois: organicidade e
dialogação.
Para Freire “é necessário ao processo educativo estabelecer relação de
organicidade com a contextura da sociedade a que se aplica.” E que “essa
relação de organicidade implica um conhecimento crítico da realidade para que
só assim possa ele se integrar com ela e não a ela se superpor.” Consideramos
que esse conceito guarda estreita relação com a ideia de “leitura do mundo”,
2o Seminário brasileiro de museologia • 628

citado anteriormente. O processo educativo não é um ato isolado e neutro. Ele


se insere dentro de um determinado momento e circunstâncias, com
determinadas personalidades. Portanto, ele só será integral quando levar em
consideração esses fatores. E como podemos aplicar essas ideias nos museus?
Ora, a mediação deve ser um momento que propicie essa leitura de mundo,
esse conhecimento crítico da realidade. Os objetos da narrativa museológica,
assim como suas lacunas são pretextos para se iniciar discussões e debates que
façam emergir o conhecimento do mundo e dos indivíduos enquanto seres
sociais e políticos.
Para isso é necessário a preparação do educador. Primeiramente ele é
que necessita se reconhecer seu papel, sua responsabilidade no processo de
aprendizagem que ali deve ocorrer. E não se deixar levar pela ideia ingênua de
que os processos de aprendizagem que ali ocorrem são neutros e isentos de
qualquer relação com a vida, o mundo e o contexto social.
Os dois conceitos guardam estreita relação entre si. Um completa o outro
e fazem parte de um mesmo processo. É a partir da constatação de que tudo se
relaciona, da consciência de que o individuo existe em um determinado espaço
e tempo é que ele adquire a consciência critica e passa através do dialogo à
participação e à responsabilidade social e política.
O diálogo para Freire não se restringe apenas à palavração. Ele o
propõe como forma de participação e responsabilidade. Segundo ele, a
educação não deveria ser para a população, mas com a população. Sendo
assim, o povo deveria ser ouvido e as propostas negociadas. Dessa forma
estaria se desenvolvendo nele a responsabilidade social e a consciência critica.
Mas de que forma essa proposta pode ser aplicada em museus sendo
que a educação em museus tem caráter diferente da educação formal?
Nós dissemos anteriormente que a narrativa museal tem amplas
possibilidades de interpretação. Cabe ao educador de museus o papel de
mediador consciente de suas responsabilidades, através de diálogos,
respeitando a bagagem cultural do visitante, propor debates e discussões que
produzam conhecimento não somente do que está explícito na narrativa museal,
mas fazendo relações com o contexto social da época e com o atual.
2o Seminário brasileiro de museologia • 629

Além disso, museus devem ser espaço público de debates, encontros do


igual e do diferente, encontros de gerações, de famílias, de pais e crianças, de
busca de conhecimentos e soluções de nossos problemas, com diálogo e
participação, só assim propiciaremos valores importantes na atualidade como
tolerância, respeito, ética e valorização humana. Só assim também
“encantaremos” os visitantes, não no sentido de
Guimarães Rosa, mas no sentido de que o museu deve tocar a alma de quem
se adentre. As instituições, dessa forma, estarão contribuindo para a construção
de uma sociedade melhor e cumprindo sua missão educativa.

Referências

- ATKINSOM, Rebecca. The Mith of the Apolitical Museum. Museums Journal:


blog. Disponível em: <www.museumassociation.org/museums-jornal-
blog/17102012-political-museum-liverpool> Acesso em 08 ago. 2014;

- BRASIL. Documento Preliminar do Programa Nacional de Educação Museal.


Disponível em: <http://pnem.museus.gov.br/wp-
content/uploads/2014/07/DOCUMENTO.pdf>. Acesso em: 11 ago. 2014;

- CHAGAS, Mário. Museália. Rio de Janeiro: JC Editora, 1996.

-
- CHARTIER, Roger. Os espaços da História do Livro. In: CHARTIER, Roger.
Cultura Escrita, Literatura e História: Conversas de Roger Chartier com Carlos
Aguirre Anaya, Jesús Anaya Roseque, Daniel Goldin e Antonio Saborit. Porto
Alegre: ARTMED Editora, 2001. p. 57-81;

- FALCÃO, Andrea (org.). Museu e Escola: educação formal e não-formal.


Disponível em: <
http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/0000012191.pdf>.
Acesso em: 05 set. 2015.

- FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam.


São Paulo: Cortez, 2005;

- FREIRE, Paulo. Educação e Atualidade Brasileira: Tese de Concurso para a


Cadeira de História e Filosofia da Educação na Escola de Belas-Artes de
Pernambuco. São Paulo: Cortez, 2001;

- GHIRALDELLI JÚNIOR, Paulo. Dossiê Platão. São Paulo: Universo dos Livros,
2011;
2o Seminário brasileiro de museologia • 630

- SCHMIDT, Laurel. Classroom Confidential - The 12 secrets of great Teachers.


Portsmouth: Danny Miller Editor, 2004;

- SHUH, Jonh Hennigar. Teaching Yourself to Teach with Objects. Journal of


Education. Volume 7, No. 4, 1992, p.8-15;

- STUART, Denise C. Museus: emoção e aprendizagem. Disponível em:


<www.revistadehistoria.com.br/secao/educacao/museus-emoçao-e-
aprendizagem>. Acesso em 09 jan. 2014.
2o Seminário brasileiro de museologia • 631

MUSEOLOGIA SOCIAL COMO INSTRUMENTO DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

Patterson Duarte1

Resumo
Trazendo a luz a conceituação elaborada pelo ICOM (2007), temos o museu
como instituição “a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento”, que tem
como fim precípuo o “estudo, educação e deleite”, e levando em consideração
que tais espaços podem servir para a reprodução de “um fenômeno puramente
colonialista” (VARINE apud CHAGAS e GOUVEIA, 2014), procura-se tratar aqui
a Museologia Social como um novo instrumento que possibilitaria a
transformação social, pautada numa perspectiva de que só a integralização das
múltiplas formas de pensar a memória poderá ajudar a compor espaços
públicos propícios a discussão crítica da própria historicidade e a sustentar
“processos intersubjetivos capazes de engendrar práticas coletivas de resolução
de questões sociais.” (VELOSO, 2000, p.5).

Palavras-chave: Museologia social; espaço público; transformação social.

Abstract
Bringing to light the concept developed by ICOM (2007), we have the museum
as an institution "in the service of society and of its development", which aims at
preciput the "study, education and enjoyment", and taking into account that such
spaces can be used to play the "purely colonialist phenomenon" (VARINE apud
CHAGAS e GOUVEIA, 2014), we try to deal with here to social Museology as a
new instrument which would allow social transformation, based on a perspective
that only the payment of multiple ways of thinking about memory can help you
compose public spaces conducive to critical discussion of the historicity and hold
“inter-subjective processes capable of engendering collective practices of solving
social issues.” (Veloso, 2000, p.5).

Keywords: Social museology; public space; social transformation.

••••••••••

Atualmente passamos por um processo de homogenização da cultura


que nos leva a processos de degradação de nossa identidade, onde cada vez
mais a multiplicidade das escolhas culturais globalizadas prevalecem, fazendo-

1
Graduando em Museologia, Universidade Federal de Pernambuco. d1234pt@gmail.com.
2o Seminário brasileiro de museologia • 632

nos esquecer de nossa própria historicidade. Isto é agravado quando temos no


âmbito dos museus – instituição dotada de atributos para a preservação dos
modos de fazer de um determinado grupo – uma imposição eurocêntrica sobre
a perspectiva de composição de nossa própria cultura, que segundo Hugues
Varine (apud CHAGAS e GOUVEIA, 2014) perpetua a visão colonialista em que
tal instituição se insere desde a época de sua constituição.
Dito isso, e através da necessidade que temos de constituição de uma
nova forma de se fazer cultura, visto que a objetificação do mundo nos levou
cada vez mais a consumir padrões culturais que não traduzem a completude da
pluralidade dos meios em que nos inserimos, fazendo-nos renegar os processos
complexos que nos moveram ao longo do tempo na formação de sujeitos de
nossas próprias histórias, temos em novas práticas possibilitadas pela
Museologia Social a alternativa para uma conscientização cultural, que,
segundo Mário Moutinho traduziria “uma parte considerável do esforço de
adequação das estruturas museológicas aos condicionalismos da sociedade
contemporânea” (MOUTINHO, 1993, p.7).
Essa discussão conduz ao entendimento da Museologia Social como um
instrumento que possibilitaria a transformação social, ou seja, tais práticas nos
conduziria a entender o museu através de um novo conceito, o de museu
integral, que para Moutinho, é
uma instituição ao serviço e inseparável da sociedade que lhe dá vida.
Capaz de estimular em cada comunidade uma vontade de ação,
aprofundando a consciência crítica de cada um dos seus membros.
Buscando os fundamentos da ação nas condições históricas de
desenvolvimento de cada comunidade. A este museu, compete
igualmente uma prática direta nos processos de desenvolvimento
fazendo uso da interdisciplinaridade em particular na área das
ciências humanas. (MOUTINHO, 1989, p.35-36)

Neste limiar é percebido como o conceito freiriano de “educação


com prática de liberdade” pode ser incorporado ao discurso e, através disso,
constituir a concepção teórica da “museologia da libertação”, apresentado por
Odalice Priosti, entendendo que o museu e a educação patrimonial podem ser
utilizados para trazer consciência aos membros da comunidade, dotando-os “de
autonomia e de iniciativa” e preparando-os para “uma participação dinâmica
2o Seminário brasileiro de museologia • 633

no desenvolvimento de seu território e em geral na vida pública” (apud VARINE,


2005).
|Com isso é percebido a emergência do espaço museal ser entendido
como espaço público, aqui visto “como espaço de comunicabilidade entre
diferentes grupos sociais” (VELOSO, 2000, p.4), ou seja, o catalisador das
trocas simbólicas, o palco para a composição identitária dos indivíduos, fazendo
com que a importante relação entre patrimônio e cidadania permita o direito à
memória, relacionando assim o gozo do espaço público com o “duplo exercício
da história e da estética” (BUARQUE DE HOLANDA apud VELOSO, 2000, P.5).
Nisso traz-se a ideia de que na “cidade educativa”, defendida por Fraure
(apud GADOTTI, 2005, p.7), a educação e a cultura podem

contribuir para a construção de uma sociedade saudável, tronando-se


amiga e “companheira”, como dizia Paulo Freire, transformando-se
num espaço de formação ético-política das pessoas que se querem
bem e por isso tem legitimidade para transformar a cidade. (GADOTTI,
2005, p.8),

percebendo que a reapropriação dos museus pelas comunidades nele


representada se faz cada vez mais necessária, quando o mesmo é entendido
como espaço público, pois só os indivíduos que ali estão representados é que
teriam legitimidade suficiente para transformar o ambiente museal em um lugar
crítico, em um espaço que a discussão sociocultural transpasse o limite das
paredes que o sustentam, levando ao empoderamento e a “descolonização
cultural” (VARINE, 1979) de tais instituições. Sendo assim, a forma conservadora
de se fazer museu não garante a perspectiva do outro na representação museal,
corroborando a afirmação de Mario Chagas e Inês Gouveia de que tal
concepção tradicional é pautada em “uma ancoragem conservadora, burguesa,
neoliberal, capitalista”, não comprometida com “a redução das injustiças e
desigualdades sociais; com o combate aos preconceitos; com a melhoria da
qualidade de vida coletiva; com o fortalecimento da dignidade e da coesão
social…” (CHAGAS e GOUVEIA, 2014).
Agora uma coisa aqui deve ser explicitada: a museologia social aqui
defendida não deve ser entendida como uma nova forma de se conceber os
espaços museais que exclui por completo as formas tradicionais, renegando-as
2o Seminário brasileiro de museologia • 634

ao esquecimento, pois mesmo esta modalidade sendo atrelada ao fato da


espetacularização da cultura, os novos conceitos surgem com um norteamento
para se pensar alternativas de representação – as novas concepções de se fazer
sentir representar, de se empoderar as múltiplas vozes que compõem cada
sociedade em particular – ou seja, essa “nova museologia” surge para implicar
“o estímulo à insubordinação contra a prática pedagógica que desejando
obediência absoluta ordena: ‘perinde ac cadaver’ – comporte-se ‘como um
cadáver’” (CHAGAS e GOUVEIA, 2104).
Por fim, é relevante ser considerado que a análise acadêmica mais
aprofundada sobre os aspectos que concernem esse novo campo se faz
necessária (que se desdobra desde a década de 1970, principalmente na
América Latina), pois a cada novos exemplos de comunidades transformadas
pelo uso crítico da memória e da noção de pertencimento que se cria através
desta nova relação dialógica entre museus e comunidades é percebido o
poderio transformador que essa prática produz. O museu mais uma vez volta a
figurar como terreno fértil para o desenvolvimento social, porém o seu uso
consciente, através de ações coletivas, proporcionam um forma de não só
educar nossas crianças e adultos, mas também propicia a abertura de um
diálogo entre cidade e seus habitantes, bem como uma nova forma de se
conceber a libertação das forças opressoras de nossos, sempre presentes,
colonizadores.

Referências

CHAGAS, Mario; GOUVEIA, Inês. Museologia social: reflexões e práticas (à


guisa de apresentação). In Cadernos do CEOM, ano 27, n. 41. Dezembro de
2014. Disponível em:
<https://bell.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/rcc/article/view/2592/1523
>. Acesso em: 05 de set. 2015.

DESVALLÉES, André; MAIRESSE, François (Ed.). Conceitos-chave de museologia.


Tradução e comentários Bruno Brulon Soares e Marilia Xavier Cury. São Paulo:
Conselho Brasileiro do Conselho Internacional de Museus, 2013. Disponível em:
2o Seminário brasileiro de museologia • 635

<http://icom.museum/fileadmin/user_upload/pdf/Key_Concepts_of_Museology/
Conceitos-ChavedeMuseologia_pt.pdf>. Acesso em: 05 set. 2015.

FREIRE, Paulo. A educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e


Terra, 1967. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/paulofreire/livro_freire_educacao_
pratica_liberdade.pdf>. Acesso em: 05 set. 2015.

GADOTTI, Moacir. A questão da educação formal/não-formal. Sion: Institut


Internacional des Droits de 1º Enfant, 2005. Disponível em:
<http://www.vdl.ufc.br/solar/aula_link/lquim/A_a_H/estrutura_pol_gest_educaci
onal/aula_01/imagens/01/Educacao_Formal_Nao_Formal_2005.pdf>. Acesso
em: 05 set. 2015.

MOUTINHO, Mário. Museus e sociedade: reflexões sobre a função social do


museu. Cadernos de Patrimônio. Monte Redondo, n. 5, 1989.

PRIOSTI, Odalice Miranda. Memória, comunidade e hibridação: museologia da


libertação e estratégias de resistência. 2010. 387 f. Tese de doutorado em
memória social - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2010. Disponível
em:<http://www.memoriasocial.pro.br/documentos/Teses/Tese9.pdf>. Acesso
em: 05 set. 2015.

SANTOS, Claudio J. Museologia Social: a formação de um conceito. In: Era


uma casa, era um museu: a formação do pensamento museológico social
sergipano em José Augusto Garcez. Disponível
em:<http://ensaiosmuseologicos.blogspot.com.br/2011/08/museologia-social-
formacao-de-um.html>. Acesso em: 05 set. 2015.

VARINE, Hugues. O museu comunitário é herético? 16 fev. 2005. Disponível em:


<https://museuscomunitarios.files.wordpress.com/2014/01/o-museu-
comunitc3a1rio-c3a9-heretico.pdf>. Acesso em: 05 set. 2015.

VELOSO, Mariza. Espaço público, estética, política e memória. Disponível em:


<http://www.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_vie
w&gid=4583&Itemid=356>. Acesso em: 05 set. 2015.
2o Seminário brasileiro de museologia • 636

ACESSIBILIDADE EM MUSEUS: A PROPOSTA DO MUSEU DE MINERAIS E


ROCHAS

Adriano Edney Santos de Oliveira1

Resumo
A temática da acessibilidade vem nas últimas décadas maior visibilidade e
proporção. Ações que destacam atitudes inclusivas são bem recebidas pela
sociedade e demonstram que permitir autonomia no meio social é um desejo
coletivo. Nesse contexto, empresas privadas e órgãos públicos mobilizam-se
para atender a demanda apresentada pelas pessoas com algum tipo de
deficiência. Seguindo esta tendência, os museus empenham-se também na
execução de ações que permitem o acesso universal aos Patrimônio Cultural em
sua posse. Objetiva-se nesse trabalho, demonstrar a iniciativa do Museu de
Minerais e Rochas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em oferecer
ao público carente de acesso ao Patrimônio Cultural mantido pela Universidade,
uma parcela do conhecimento ao qual se propõe transmitir, a saber, o
conhecimento sobre as Geociências no nordeste brasileiro e da própria UFPE.
Será, ao seu tempo, relatado o processo de planejamento e execução de ações
de inclusão e criação de jogos voltados inicialmente a pessoas com deficiência
visual. Porém, anterior ao relato serão apresentadas algumas referências que
permitiram ao museu entender a acessibilidade e a qual público deveria deter a
atenção, evitando a fuga do foco principal. O resultado parcial obtido,
ultrapassadas as adversidades, demonstra a possibilidade de sucesso da
iniciativa do MMR, sendo observado que a concretização dos jogos e revista
Passatempo está em vias de produção final.

Palavras-chaves: Museu de Minerais e Rochas, Acessibilidade, Inclusão social,


educativo

Abstract: The theme of accessibility comes in latest decades increased visibility


and proportion. Actions that show inclusive attitudes are well received by society
and demonstrate that allow autonomy in the social environment a collective wish.
In this context, private companies and public agencies join forces to answer a
demand presented by people with some kind of disability. Following this trend,
the museums are committed to take action to ensure universal access to cultural
heritage in your possession. The objective this paper is demonstrate an initiative
of the Museum of Minerals and Rocks Federal University of Pernambuco (UFPE)
in offering a needy public access to the cultural heritage of the university, a
portion of knowledge when qua intends to convey, which would be, knowledge
about the Geosciences in brazillian northeast and by own UFPE. Will be your
1
Museólogo, especialista em Antropologia das Organizações, Museólogo/Assistente em
Administração no Museu de Minerais e Rochas da UFPE, E-mail para contato:
adrianoeso@gmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 637

turn, reported the process of planning and implementation of inclusion and


creation actions - or adaptation - initially focused games for the visually
impaired. However, before the report will present some references that guided
the museum to understand accessibility and its target audience, avoiding losing
the project focus. Noted that the enforcement of games and Passatempo
magazine is in final production routes.

Key Words: Museum of Minerals and Rocks, accessibility, social inclusion,


educational.

••••••••••

Introdução

A condição de liberdade, percepção e compreensão para a utilização


segura e autônoma de espaços e elementos urbanos são amparados em Lei
Federal de nº 10.098 de 19/12/2000, que “Estabelece normas gerais e critérios
básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de
deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências”.

Apesar de mais de uma década de vigência, a Lei 10.098 aplicada não é


evidente no cotidiano, porém, inegável, é a forte sensação de presença de
pensamentos sobre a acessibilidade, em especial, àqueles voltados a
locomoção. Não inerente a crescente sensibilização promovida por órgãos
públicos e grandes empresas privadas, os museus, como locais de desenvoltura
social, sintonizam-se a necessidade de oferecer ao seu público acesso universal
por meio da readequação do seu espaço, conteúdo e didática, deixando ao
alcance de toda a população seu acervo e, por consequência, todo o
conhecimento por ele preservado. Claro que a atual sintonia dos museus à
acessibilidade está longe de ser perfeita, porém, diante todos os empecilhos
surgidos entre o desejo e a sua concretização as iniciativas e práticas já se
mostram progressivamente satisfatórias, quando comparadas a realidade do
campo museal brasileiro.
2o Seminário brasileiro de museologia • 638

O que apresentamos então neste texto, como foco principal, é a iniciativa


pioneira do Museu de Minerais e Rochas (MMR), dentro do universo no qual
transita – locais de memória da Universidade Federal de Pernambuco – em
tornar-se acessível ao seu público, indo além da simples reconstrução estrutural,
passando a atingir o público extramuros. Enfatiza então este trabalho em
demonstrar o entendimento e o empenho do Museu de Minerais e Rochas em
atender a uma demanda social crescente, de dificultosa solução – considerando
a realidade do museu. Não deixa de oportunamente ser também um agente
conscientizador das necessidades individuas – porém, de representação coletiva
– e dos deveres dos museus junto à sociedade.

Sobre acessibilidade

Apesar de deter ampla possibilidade de abordagem, o termo


acessibilidade, por vezes, faz-nos remeter a uma ação que propicie a
transposição de uma condição ou limite. Parece ser esta a perspectiva
corroborada pela legislação brasileira, ao considerar acessibilidade como a
possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e
autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das
edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação,
por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida
(BRASIL, 2000, on-line)

Desse conceito - que é importante à este trabalho - podemos entender,


após breve reflexão, que acessibilidade, em seu princípio, considera
proporcionar o livre usufruto – criação, consumo, uso e apreciação - de
quaisquer local, material, ferramenta, cultura ou sistema que permitam a plena
interação entre indivíduos e com diversos ambientes. Porém, deixa claro que o
público alvo a ser alcançado pelos princípios da acessibilidade são àqueles que
possuam algum tipo condicionante para a completa realização das
necessidades humanas2.

A Lei 13.146/2015 em seu artigo 2º delimita o público alvo a ser


abraçado pela ações de acessibilidade:

2 Abraham Maslow (apud CABRAL, s.d, on-line) aponta cinco níveis de necessidades humanas,
a saber: fisiológicas, segurança, social, Status – Estima, autorrealização. A sequência
apresentada segue a hierarquia das satisfações a serem primeiramente alcançadas.
2o Seminário brasileiro de museologia • 639

Art. 2o Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem


impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade
de condições com as demais pessoas. (BRASIL, 2015, on-line)

Em complemento a esta delimitação, o Ministério da Educação (MEC) do


Brasil, por meio DECRETO Nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, categoriza
cinco tipos de deficiências nas quais as pessoas podem estar suscetíveis a
possuir. Vale salientar que apresentam-se em cada categoria, níveis de
“aprofundamento” caracterizando o nível de gravidade a que cada pessoa está
acometida. As cinco categorias apresentadas pelo MEC são:
I - deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou mais
segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da
função física [...] II - deficiência auditiva - perda parcial ou total das
possibilidades auditivas sonoras, variando de graus e níveis [...] III -
deficiência visual – [...] IV - deficiência mental - funcionamento
intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes
dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de
habilidades adaptativas [...] V - deficiência múltipla - associação de
duas ou mais deficiências.

Entretanto, apesar das categorizações, o interesses da promoção da


acessibilidade é de não se criar exclusividades - ao seu público alvo – mas sim,
garantir a inclusão dos deficientes sem excluir – ou limitar - os não deficiente,
deixando-os em igualdade de condições de usufruto, quando em mesma
necessidade. Ou seja, é oferecer, diante uma determinada necessidade, o
acesso autônomo e igualitário das pessoas com ou sem deficiência.

Exemplos nesse sentido podem ser observados quando é oferecido: piso


tátil e textos em braile para o deficiente visual/cegos, rampas e plataformas
elevatórias para o deficiente físicos/cadeirantes, audiodescrição e pessoa
capacitada em LIBRAS para o deficiente auditivo/surdos) e placas e letreiros
informativos simplificados para o deficiente mental.

A acessibilidade em museu

Quando o foco da acessibilidade transita pelo universo dos museus,


temos que observar que permitir a utilização desses espaços de memória não se
limita apenas a adequação estrutural e material, mas atinge também a questão
da transmissão do conhecimento, mudança de mentalidade e de atitude do
2o Seminário brasileiro de museologia • 640

pessoal do museu. Deve-se, o museu, se tornar um espaço favorável a


promover um clima de pertencimento, acolhimento. Para tanto devem guiarem-
se por princípios, objetivando a uniformidade e correta abordagem correta da
prática de acessibilidade.

A publicação “Acessibilidade em Museus” do Instituto Brasileiro de


Museus (IBRAM), lançado em 2012, revela os princípios que devem ser
considerados pelo museu ao realizar suas ações de acessibilidade, são eles: Uso
equitativo (dos espaços e conteúdo); Flexibilidade no uso (ampliando a
possibilidade de contemplação do acervo, seu conteúdo e acesso a todos os
espaços do museu); Uso simples e intuitivo; Informação perceptível; Tolerância
ao erro; Mínimo esforço físico; Dimensão e espaço para aproximação e uso.

Uma das formas de atender a esses princípios é através das atividades


educativas. A “flexibilidade de uso” que as atividades educativas concede ao
museu na exploração do acervo museal e seu conteúdo (conhecimento),
permitem o oferecer ao seu público recursos que aumentam a interatividade
entre ambos. Auxiliadas ou não por equipamentos que ampliam a interatividade
– como áudio descritores, aplicativos de celular e livros informativos táteis – as
atividades educativas mais comuns nos museus - dinâmicas de grupo e jogos e
oficinas temáticos – devem atender a necessidade especifica do visitante,
devendo conter “elementos que perpassam os paradigmas da construção de
uma educação racional, responsável e responsiva” (Tojal, 2007, p. 89, itálico do
autor).

Apesar de exequível, as atividades educativas, principalmente as voltadas


à inclusão social, ainda sofrem com limitações e restrições, agravada
comumente, pela inadequação dos espaços para realização do educativo,
porém, cabe ao gestor do museu vencer esses desafios a fim de permitir o
amplo acesso público.

O MMR frente a acessibilidade

Não obstante da realidade brasileira, quando trazemos o tema


acessibilidade ao universo acadêmico, percebemos que apesar de intensos
2o Seminário brasileiro de museologia • 641

debates sobre sua aplicação, implementação e interesses em meio à sociedade,


a sua prática no próprio ambiente universitário distancia-se intensamente das
prescrições oriundas desses debates. Não segregado apenas às aos Institutos
Federais de Ensino (IFES) – neste momento, só se pode deduzir uma certa
igualdade entre as IFES e as instituições privadas em relação à dificuldades de
atender aos requisitos da acessibilidade – o atendimento ao alunado, técnicos e
professores que formam a comunidade acadêmica ainda sofre com a falta de
estruturas, recursos e pessoal adequados à inclusão por completo das pessoas
com deficiência.

Vivenciando uma dupla realidade no contexto da acessibilidade, as dos


Museus e a das IFES, o Museu de Minerais e Rochas (MMR), vinculado ao
Departamento de Geologia da Universidade Federal de Pernambuco, vem
desde a sua reabertura em 2007 promovendo ações que atraiam o mais
diversificado público a fim de transmitir o conhecimento da Geologia e das
Geociências, por meio de um acervo de minerais, rochas, gemas, equipamentos
e documentos históricos.

A forma adota pelo MMR para intermediar seu acervo é pode meio de
visitação orientada em espaço expográfico e do momento NiFe, onde neste, são
oferecidos jogos temáticos e a revista passatempo que reforçam as informações
repassadas durante a visitação orientada. Em complemento, o museu oferece
aulas temáticas - sempre relativas à Geociências – e oficinas temáticas cujo
assuntos são adequados conforme solicitação.

Com o passar dos anos, observou-se que a inexistência de público com


deficiência. Em parte isso é devido à estrutura da própria universidade, que
pouco colabora com o acesso total das pessoas com deficiência. Em outra parte,
deve-se ao museu não poder receber em seu espaço expográfico pessoas com
deficiências - devido à limitações do ambiente, onde, apesar do museu possuir
rampa para acesso aos visitante, as demais locações do entorno dificultam a
chegada até o local – e em relação à suas atividades educativas, pesa a questão
de não serem adaptados às realidades especificas para cada tipo de deficiência.
Compreendendo que o MMR deve alcançar este público, a sua gestão
2o Seminário brasileiro de museologia • 642

desenvolve o projeto que visa dar um ponta pé nas iniciativas de inclusão social,
procurando atingir um novo patamar para promover o bem social.

Os primeiros passos do MMR na acessibilidade

Limitado por sua dependência institucional que reflete, de imediato, nas


tentativas requalificação espacial do Museu (sinalização, criação de novos
espaço, ampliação e reorganização do espaço expográfico) em decorrência de
questões financeiras e administrativas, a equipe do MMR percebe outro caminho
a ser percorrido para tornar o museu acessível.

Tendo como meta tornar o museu acessível para um público que antes
não o visitava por questões de impossibilidade de atendê-los, a equipe do MMR
elabora o projeto Acessibilidade no Museu de Minerais e Rochas: primeiros
passos, com o objetivo de alcançar àquelas pessoas que não poderiam ser
atendidas pelo museu por inadequação, principalmente, espacial, delimitando-
se assim, o público alvo naquelas pessoas categorizadas conforme apresentado
no DECRETO Nº 3.298/1999 do MEC.

A pretensão do projeto era o leva parte do conhecimento promovido pelo


museu ao público atendido pelo Instituto de Cegos Antônio Pessoa de Queiroz
(IAPQ) e à Associação de Assistência a criança deficiente (AACD), ambos
localizadas em Recife, Pernambuco, por meio dos jogos didáticos e da revista
Passatempo já adotados pelo MMR, reconstruindo-os para que atendessem a
realidade de usabilidade dos deficientes visuais e físicos.

Para tornar realidade nossa proposta, procuramos apoio e orientação do


Núcleo de Acessibilidade da UFPE (NACE), o qual, poderia ainda aproximar o
MMR dos responsáveis por cada instituição, reforçando o valor institucional do
projeto. Apesar da parceria, o êxito das parcerias só foram concretizados com o
Instituto de Cegos Antônio Pessoa de Queiroz (IAPQ), após intermediação da
Associação Pernambucana de Cegos (APEC). Diante impossibilidades de contato
junto à AACD, decidiu-se, para o correto andamento do planejamento, em
priorizar e atender apenas ao Instituto de Cegos, deixando a AACD para
segundo plano ou outro projeto.
2o Seminário brasileiro de museologia • 643

Dos encontros com a APEC e o IAPQ surgiram duas ideias. A primeira, à


partir do dominó temático, criarmos um dominó tátil de encaixe que tratasse da
temática Sistema Cristalino. O dominó consiste em vinte e oito peças com
espaços vazados que representam, em modelo planificado, os sete modelos do
sistema cristalino. A segunda, apegando-se ao ideal da Revista Passatempo,
consiste na elaboração de uma edição especial da revista, levando informações
sobre o museu e seu acervo por meio de linguagem Braille e jogos em alto
relevo.

A definição dos recursos educativos e as experiências já adquiridas pelo


MMR ao produzir os seus jogos, determinou qual material e técnicas seriam
solicitadas para a gráfica responsável. Optou-se em construir o dominó em
MDF recortando-o à laser, e o Passatempo impresso em Braille e utilizando-se a
técnica de auto revelo para o contorno das imagens – idealiza-se que mesmo
voltado para cegos, as publicações contenham textos e imagens para pessoas
não cegas, para que possam interagir e complementar informações ao cego.
Porém, desafortunadamente, as gráficas locais e que retornaram nossas
solicitações, não ofereciam nenhuma das alternativas propostas – havia a opção
de produzir o jogo em acrílico, porém, descartamos a proposta por ser um
produto de fácil desgaste (arranhões) quando muito utilizado - ocasionando um
novo debate para reformulação das propostas.

Dois novos caminhos foram traçados para dar continuidade à


concretização dos planejamentos: Em relação ao Passatempo, optou-se em
realizar a impressão com apenas o Braille, desprezando o auto relevo, porém,
mantendo elementos gráficos para que os videntes possam colaborar com a
descrição de algumas imagens. Quanto aos jogos, recorreu-se a tentativa de
produção de jogos de damas e jogos resta 1, os quais, seriam baseados em
jogos já utilizados no meio das ações inclusivas vivenciadas no Brasil. A escolha
foi acatada prevendo-se que, deferentemente dos recortes à laser previstos, os
recortes necessários para os novos jogos poderiam ser feitos por marceneiro,
viabilizando sua criação.

Considerações finais
2o Seminário brasileiro de museologia • 644

Em progresso, o projeto encontra-se em seu momento mais importante, a


solicitação de produção dos jogos em uma marcenaria e a impressão do
passatempo no Instituto de Cegos. Apesar das pequenas adversidades, a equipe
do museu segue no ritmo de desenvolvimento, propondo novos jogos que
preveem a inclusão social e que dissemine o conhecimento sobre a geociências.

Referências

BRASIL. Decreto n. 13.416, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de


Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Lei/L13146.htm>. Acesso em: 25 ago. 2015

BRASIL. Decreto n. 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas


gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas
portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras
providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L10098.htm>. Acesso em: 25 ago.
2015

BRASIL. DECRETO No 3.298, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1999. Regulamenta a


Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para
a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de
proteção, e dá outras providências. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/decreto3298.pdf>. Acesso em: 30 ago.
2015

CABRAL, Gabriela. Maslow e as necessidades humanas. Disponível em


<http://www.mundoeducacao.com/psicologia/maslow-as-necessidades-
humanas.htm>. Acesso em 03 set. 2015.

TOJAL, Amanda Pinto da Fonseca. Políticas Públicas Culturais de Inclusão de


Públicos Especiais em Museus. São Paulo, 2007. Disponível
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27151/tde-19032008-
183924/publico/Amand
aTojal.pdf>. Acesso em 29 ago. 2015.
2o Seminário brasileiro de museologia • 645

“PRA FICAR NA MEMÓRIA: VISITANDO MUSEUS”

Creusa Ap.Claudino1

Resumo
O projeto “Pra ficar na memória: visitando museus” é um programa do setor
educativo destinado ao público idoso que objetiva a inclusão sociocultural. O
presente relato de experiência expõe o processo de desenvolvimento de projeto
experimental de ação educativa para público idoso, em Jundiaí – SP – Brasil,
durante os meses de março, abril, maio e junho de 2014. O projeto foi
elaborado e realizado por meio de parceria entre o Museu Histórico e Cultural
de Jundiaí (MHCJ), Coordenadoria Municipal do Idoso e Lar Nossa Senhora das
Graças (Instituição de longa permanência para idosos). O projeto parte das
propostas da Nova Museologia e das práticas sociais do museu no mundo
contemporâneo, como lócus de reflexão da relação entre passado e presente e
das questões sociais presentes na comunidade. Neste contexto ressaltamos a
questão do crescimento da população idosa e suas consequências, bem como a
ausência de direitos básicos desta população, entre os quais o acesso
qualificado aos equipamentos culturais e ao convívio na comunidade. Durante
as visitas os participantes foram estimulados a observar e dialogar sobre suas
percepções, interpretações e sensações geradas pelo contato multisensorial com
as obras de arte da Pinacoteca e objetos do acervo do Museu Solar do Barão.
Além das visitas, o projeto educativo propôs a elaboração e montagem de
exposição no Lar Nossa Senhora das Graças de forma colaborativa, com a
participação dos idosos e profissionais da instituição e educadores do museu.
Neste contexto, o projeto de ação educativa para público idoso no museu é uma
forma de inclusão sociocultural e pode contribuir na garantia de direitos
fundamentais; como o direito ao acesso qualificado as instituições culturais e a
convivência comunitária.

Palavras-chaves: museu; comunidade; educação; idosos; inclusão.

Abstract: The “To remain in memory: visiting museums" project is a program


from the education sector destined to the elderly population, aiming their socio-
cultural inclusion. The following experience report exposes the experimental
project developing process of an educative action to the elderly population, in
the city of Jundiaí (Sao Paulo, Brazil) during the months of March, April, May and
June of 2014. The project was developed and undertaken through the
partnership between the Cultural and Historical Museum of Jundiaí (Museu
Histórico e Cultural de Jundiaí, in the Brazilian acronym, MHCJ), lderly Municipal

1
Mestre em Sociologia - UNESP - Araraquara, Socióloga e Educadora do Museu Histórico e
Cultural de Jundiaí, Secretaria Municipal de Cultura, Prefeitura do Município de Jundiaí-SP,
cclaudino@jundiai.sp.gov.br.
2o Seminário brasileiro de museologia • 646

Coordinating Office and Lar Nossa Senhora das Graças (long term-stay
institution for the Elderly). The project comes from the proposals of the New
Museology and from the social museum practises in the contemporary world, as
a locus of reflexion of the relation between past and present and from the social
issues remaining in the community. In this context it is highlighted the issue of the
elderly population’s growth and its consequences, as well as the absence of this
population's basic rights, such as the qualified access to the cultural equipments
and the living together in the community. During the visits the participants were
stimulated to observe and dialogue over their perceptions, interpretations and
sensations generated by the multisensorial contact with the artwork of the
Pinacoteca and the objects of the Solar do Barao Museum. In addition to the
visits, the educative project comes up with the developing and setting of the
exposition in the Lar Nossa Senhora das Graças in a cooperative action, with the
participation of the elderly involved, institution’s professionals and the museum
educators. Within this context, the project of educative action for the elderly
people in the museum is a way of social inclusion and may contribute for them to
have their fundamental rights guaranteed, as such as the right to the qualified
access to cultural institutions and living together in the community.

Keywords: museum, community, education, the elderly, inclusion.

••••••••••

INTRODUÇÃO

O projeto “Pra ficar na memória: visitando museus” é um programa do


setor educativo destinado ao público idoso que objetiva a inclusão sociocultural.
O presente relato de experiência expõe o processo de desenvolvimento de
projeto experimental de ação educativa para público idoso, em Jundiaí – SP –
Brasil, durante os meses de março, abril, maio e junho de 2014. O projeto foi
elaborado e realizado por meio de parceria entre o Museu Histórico e Cultural
de Jundiaí (MHCJ), Coordenadoria Municipal do Idoso e Lar Nossa Senhora das
Graças (Instituição de longa permanência para idosos).
O projeto parte das propostas da Nova Museologia e das práticas sociais
do museu no mundo contemporâneo, como lócus de reflexão da relação entre
passado e presente e das questões sociais presentes na comunidade (ICOM,
1972). Neste contexto ressaltamos a questão do crescimento da população
2o Seminário brasileiro de museologia • 647

idosa e suas consequências, bem como a ausência de direitos básicos desta


população, entre os quais o acesso qualificado aos equipamentos culturais e ao
convívio na comunidade. O Museu Histórico e Cultural de Jundiaí, através desta
experiência, busca promover a inclusão sociocultural mediante o
estabelecimento de parceria com instituições de assistência e proteção as
pessoas idosas de Jundiaí e com programas que promovem o chamado
“envelhecimento ativo” (WORLD, 2005).

METODOLOGIA

A visita educativa dos idosos começou pelo museu de arte, onde foram
escolhidas algumas obras do gênero paisagem e natureza morta, considerando
o caráter diferenciado da mediação com este público, buscamos estimular
outros modos de interação com o objeto artístico além do visual, dando ênfase
a suas percepções, interpretações e sensações geradas pelo contato
multissensorial, por meio estímulos táteis, sonoros e olfativos com as obras de
arte da Pinacoteca e objetos do acervo do Museu Solar do Barão. Destacamos o
resultado do contato com a imagem de uma paisagem campestre, a qual
possibilitou o despertar de memórias afetivas e resgate de referências familiares
ligadas ao modo de vida no campo, conforme ilustração:

Mediação na Pinacoteca “Diógenes Duarte Paes”

Curiosamente, ao observarem a presença de pássaros na paisagem,


motivaram-se a reproduzir os sons de passarinhos, como o bem-te-vi, típico da
fauna brasileira. E como frutos da imaginação reproduziram o som do coaxar
dos sapos, embora estes não estivessem presentes na paisagem retratada na
2o Seminário brasileiro de museologia • 648

obra. Nesta experiência, o mais significativo foi o exercício de imaginação,


momentos lúdicos e a manifestação de suas memórias relacionadas à natureza.
No final do percurso educativo foi realizada a produção coletiva de natureza
viva, conforme ilustração:

Produção de quadro de natureza viva - Pinacoteca “Diógenes Duarte Paes”

VISITANDO O MUSEU HISTÓRICO

O roteiro de visita educativa ao museu histórico foi realizado com


participação de jovens, com objetivo de propiciar a experiência intergeracional
(FERRIGNO, 2009), onde cada jovem foi acompanhante de um idoso durante a
visita ao museu. Nesta visita, foi realizada a mediação da exposição “O ciclo da
videira” que reúne alfaias agrícolas utilizadas para a plantação de uva. Além da
exposição citada, os visitantes manusearam objetos do acervo como: o ferro de
passar roupa, a plaina, o pilão, o rádio, a colher de pedreiro e o sino, conforme
ilustração:
2o Seminário brasileiro de museologia • 649

Mediação no Museu Solar do Barão

Nesta vivência e integração de jovens e idosos durante a visita, os idosos


puderam socializar seus conhecimentos no grupo, tendo como referência suas
experiências e saberes construídos a partir de suas histórias de vida e de seus
antepassados, como pais e avós. Mais uma vez constatamos o poder do contato
direto com os objetos, fruto do trabalho e legado cultural de uma sociedade.
Mais do que contar a história da cidade de Jundiaí, por meio dos objetos os
idosos puderam resgatar suas memórias e sua familiaridade com os objetos
museológicos, que foram descritos e apresentados aos jovens.

A EXPOSIÇÃO COLABORATIVA

Além das visitas, o projeto educativo propôs a elaboração e montagem


da exposição colaborativa “Pra ficar na lembrança: visitando museus”, com a
participação dos idosos e profissionais da instituição e educadores do museu. A
exposição foi composta por objetos e obras do Museu Histórico e Cultural de
Jundiaí (MHCJ) e trabalhos produzidos por idosos participantes de atividades
artísticas desenvolvidas no Lar Nossa Senhora das Graças. A comunidade foi
convidada para abertura e contou com a visita de alunos das escolas do seu
entorno. Ilustração da oficina de artes e abertura da exposição:
2o Seminário brasileiro de museologia • 650

Oficina de artes e mediação da exposição colaborativa no Lar Nossa Senhora das Graças

Mediação da exposição colaborativa no Lar Nossa Senhora das Graças

RESULTADOS

Além das visitas, o projeto educativo propôs a elaboração e montagem


da exposição de forma colaborativa, com a participação dos idosos e
profissionais da instituição e educadores do museu. A exposição reuniu objetos e
obras do Museu Histórico e Cultural de Jundiaí (MHCJ) e trabalhos produzidos
por idosos participantes de atividades artísticas desenvolvidas no Lar Nossa
Senhora das Graças.Com está experiência constatamos a necessidade de
adequação do espaço físico do Museu Solar do Barão e Pinacoteca “Diógenes
Duarte Paes” para garantir a acessibilidade física dos diversos públicos, no caso
os idosos que utilizam cadeira de rodas, andador e mesmo com mobilidade
reduzida. Este fator foi determinante para decisão e proposta de produção da
2o Seminário brasileiro de museologia • 651

exposição colaborativa no Lar Nossa Senhora das Graças, como forma de


incluir os outros idosos que não conseguiram participar das visitas nos museus.
Ilustração das escadas da Pinacoteca e do Museu Histórico:

Fachada e espaço interno da Pinacoteca “Diógenes Duarte Paes” e escadas do prédio do Museu Solar do
Barão.

CONCLUSÃO

Neste contexto, o projeto de ação educativa para público idoso no museu


é uma forma de inclusão sociocultural e pode contribuir na garantia de direitos
fundamentais; como o direito ao acesso qualificado a instituições culturais e a
convivência comunitária. Além de confirmar a função e importância social dos
idosos, pela sua capacidade de lembrar e unir o começo com o fim, ligando o
que foi e o por vir, conforme (CHAUÍ, 1987 p.17) na introdução do livro
Memória e Sociedade, de autoria de Bosi. A realização desta experimental de
ação educativa para público idoso, inaugurou a implantação da Ação Educativa
para Público Idoso do Setor Educativo do MHCJ.
2o Seminário brasileiro de museologia • 652

Referências

BOSI, Ecléa. “Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos”: 2ª Ed.: São


Paulo: T. A. Queiroz: Editora Universidade de São Paulo, 1987, p.402.

FERRIGNO, José Carlos. O Conflito de Gerações: Atividades culturais e de lazer


como estratégia de superação com vistas à construção de uma cultura
intergeracional solidária. – Cap. I (As Novas Formas de Envelhecer e as Novas
Possibilidades de Relacionamento entre Gerações), 2009, pgs 45-52 – São
Paulo, 2009. Tese de Doutoramento em psicologia social.

ICOM (1972). Mesa Redonda de Santiago do Chile–ICOM, 1972. Cadernos de


Sociomuseologia, Centro de Estudos de Sociomuseologia, América do Norte, 15,
Jun.2009. Disponível em:
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/335
. Acesso em: 25/02/2013. Tradução: Marcelo M. Araujo e Maria Cristina Bruno.

VARINE-BOHAN, Hughes de, “Museus e desenvolvimento social: um balanço


crítico”, in: Bruno, Maria Cristina Oliveira e Neves, Kátia R. Felipini (coord.),
Museus como agentes de mudança social e desenvolvimento: propostas e
reflexões museológicas, São Cristóvão: Museu de Arqueologia de Xingó, 2008.

WORLD Health Organization - WHO. 2005. Envelhecimento ativo: Uma política


de saúde (S. Gontijo, Trad.). Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde.
2o Seminário brasileiro de museologia • 653

EDUCAÇÃO E MEMÓRIA: RELATOS DA EXPERIENCIA PEDAGOGICA EM


MUSEUS

Francisco Arrais Nascimento1

Francisco Francinete Leite Junior2

Elinildo Marinho de Lima3

Resumo
O Nordeste brasileiro configura-se como um espaço privilegiado sob a óptica
dos estudos de caráter socioculturais e natureza memorial, destaca-se neste
texto a Região Cariri, localizada ao sul do Estado do Ceará que recebera esse
nome por ocasião das tribos indígenas Kariris. A tessitura religiosa e cultural
promoveu o crescimento populacional e econômico da região alocando a
mesma em local de destaque na história local e regional. A região é composta
por 28 municípios, que constituem um território único do ponto de vista
sociopolítico e cultural. Cada município tem características peculiares e
apresentam aspectos culturais únicos preservados por meio dos festejos, da
própria história oral e de espaços memoriais de tutela da memória. A pesquisa
em questão tem seu foco na cidade de Jardim – CE, que tem as origens
remontadas ao século XVIII, tendo como referência o fazendeiro Bento Moreira,
casado com Dona Sebastiana de Oliveira que fixaram residência no sítio
denominado de corrente de Ramalho. O presente artigo objetiva discutir os
limites e possibilidades de atuação do Pedagogo em ambientes não escolares,
neste caso o Museu Municipal Joaquim Pereira Neves na cidade de Jardim, sul
do Estado do Ceará. O estudo focaliza a análise do exercício da prática
pedagógica em espaços não escolares, organizações, espaços de acolhimento e
saúde, museus entre outros enfatizando nas possibilidades da atuação do
pedagogo nesses espaços e os desafios encontrados no exercício dessa
profissão em espaços distintos como o abordado neste estudo. A pesquisa aqui
apresentada configura-se como sendo de natureza qualitativa e caráter
observacional descritiva sob a forma de estudo de caso arraigada sobre estudo
documental. Percebe-se que o que fora construído sobre o sujeito pedagogo e
sua função no mercado de trabalho fora muitas vezes atrelado de forma
limitante ao ato de lecionar, no entanto, essa cresça vem se modificando de
forma significativa nos últimos anos, com o aferimento de novos espaços e do
reconhecimento do pedagogo como o profissional capaz de desenvolver a
mediação no grupo social no qual o mesmo desenvolve suas atividades dada a

1
Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, E-mail
para contato: francisco.arrais.nascimento@gmail.com
2
Mestre em Psicologia pela Universidade de Fortaleza – Unifor, E-mail para contato:
freud.g@bol.com.br
3
Especialista em Gestão Pública Municipal pela Universidade Rural de Pernambuco – UFRPE, E-
mail pata contato: elinildo.marinho@gmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 654

sua formação multifacetada. A partir desta nova conjuntura que vem se


consolidando na contemporaneidade, se pode ampliar a perspectiva que antes
se restringia ao âmbito escolar, possibilitando perceber que emerge na
contemporaneidade múltiplas possibilidades de atuação do pedagogo.

Palavras-chave: Educação; Museu; Museologia; Pedagogia.

Abstract
The Brazilian Northeast is configured as a privileged space from the perspective
of socio-cultural character studies and memórial nature, stands out in this text
Region Cariri, located south of Ceará had received that name on the occasion of
the Indian tribes Kariris. Religious and cultural fabric promoted population and
economic growth in the region by allocating the same in a prominent place on
local and regional history. The region comprises 28 municipalities, which
constitute a single territory's socio-political and cultural point of view. Each city
has unique characteristics and have unique cultural aspects preserved through
the festivities, the own oral history and mamórial spaces of memory protection.
The research in question focuses on the city of Jardim - CE, which has origins
traced back to the eighteenth century, with reference to the farmer Bento
Moreira, married to Dona Sebastiana de Oliveira who took up residence at the
site called Ramalho current. This article discusses the limits and Educator of the
possibilities of action in non-school settings, in this case the Municipal Museum
Joaquim Pereira Neves in the city of Jardim, south of Ceará. The study focuses
on the analysis of the performance of pedagogical practice in non-school
spaces, organizations, host and health spaces, museums and others
emphasizing the possibilities of the teacher's performance in these areas and the
challenges faced in the pursuit of that profession in different areas as discussed
in this study. The research presented here is configured as qualitative and
descriptive observational study in the form of rooted case on desk study. It is
noticed that what had been built on the individual teacher and their role in the
labor market was often tied limiting way to the act of teaching, however, this
grow has been changing significantly in recent years, with the benchmarking new
spaces and the recognition of the teacher as the professional capable of
developing mediation in the social group in which it develops its activities
because of its multifaceted training. From this new situation that has been
consolidated in contemporary times, it can broaden the perspective that
previously fell within the school environment, enabling realize that emerges in
many contemporary educator's performance possibilities.

Keywords: Education; Museum ; Museology ; Pedagogy.

••••••••••
2o Seminário brasileiro de museologia • 655

Em meio ao Nordeste brasileiro destaca-se neste texto a Região Cariri4,


localizada ao sul do Estado do Ceará que recebera esse nome por ocasião das
tribos indígenas Kariris. A tessitura religiosa e cultural promoveu o crescimento
populacional e econômico da região alocando a mesma em local de destaque
na história local e regional. A região é composta por 28 municípios, que
constituem um território único do ponto de vista sociopolítico e cultural. Cada
município tem características peculiares e apresentam aspectos culturais únicos
preservados por meio dos festejos, da própria história oral e de espaços
memoriais de tutela da memória.
A tessitura religiosa e cultural promoveu o crescimento populacional e
econômico da região alocando a mesma em local de destaque na história local
e regional. Grangeiro (2002, p. 102) relata as mudanças locais após a
influência dos fatos que desencadearam o dito “milagre de Juazeiro”:
Esse pequeno lugarejo, chamado de Juazeiro, depois cognominada de
“Nova Jerusalém”, “Meca do Cariri”, “Capital do Sertão”, seria palco
de grandes acontecimentos históricos, lutas acirradas, por causa de
muitos personagens envolvidos em ações diversas, principalmente dois
deles, que modificaram a estrutura do lugar, em todos os sentidos –
um padre e uma beata. A beata Maria de Araújo e o Padre Cícero
Romão (nome de batismo), aquele que, embora não tendo sido o
fundador de Juazeiro, no sentido de iniciador do povoado, foi, sem
sombra de dúvida, o seu “inventor”, do ponto de vista econômico,
político, social e, por conseguinte, da sua identidade cultural.

Logo a região em questão teve seu crescimento tanto populacional


quanto urbano impulsionado pelo dito fenômeno da hóstia ocorrido pela
primeira vez no dia 6 de março 1889, na cidade de Juazeiro do Norte - CE, que
segundo a historiografia durante a celebração da missa, no que foi (e ainda é)
considerado um milagre, ao entregar a hóstia à Beata Maria de Araújo a
mesma se transformara em sangue na boca da beata Maria de Araujo.
Segundo Pinheiro (2009, p. 221):

[...] ocorreu nessa capela (capela de Juazeiro) o fato extraordinário de


transformar-se em sangue a hóstia consagrada na boca da beata
Maria de Araújo, no ato da comunhão. Como se sabe, esse milagre
provocou importantíssimas consequências de ordem religiosa, social e
econômica, que inda hoje perduram.

O conjunto desses fatos religiosos gerou uma miscigenação de


populações oriundas de diversas zonas do país e principalmente composta pelo
povo sertanejo, artesãos, agricultores que vieram em busca de uma nova
“Meca” e, encontravam aqui um território tido como sagrado. Segundo Hall
(2003, p. 83), as comunidades migrantes trazem as marcas da diáspora, da
“hibridização” e da différance em sua própria constituição. Sua integração
vertical a suas tradições de origem coexistem como vínculos laterais
estabelecidos com outras “comunidades” de interesse, prática e aspirações,
4
BRASIL. Lei Complementar Estadual nº 79/2009. Indica 09 municípios pertencentes à Região
Metropolitana do Cariri: Juazeiro do Norte, Crato, Barbalha, Caririaçu, Farias Brito, Jardim,
Missão Velha, Nova Olinda e Santana do Cariri. Algumas abordagens territoriais, regionais e
mesorregionais chegam a atribuir até 28 municípios Região do Cariri cearense como a
identificadas no âmbito dos Territórios da Cidadania.
2o Seminário brasileiro de museologia • 656

reais ou simbólicas. Homi Bhabha (1996) afirma que a hibridação é responsável


por algo inteiramente novo e diferente dos que a constituíram. Segundo
BHABHA (1996, p. 36-37):

A importância da hibridação não é ser capaz de rastrear os dois


momentos originais dos quais emergem um terceiro. Para mim a
hibridação é o “terceiro espaço” que permite às outras posições
emergir. Este terceiro espaço desloca as histórias que o constituem e
gera novas estruturas de autoridade, novas iniciativas políticas [...] o
processo de hibridação cultural gera algo diferente, algo novo e
irreconhecível, uma nova área de negociação de sentido e
representação.

Na pesquisa aqui apresentada buscou-se desviar o foco da cidade de


Juazeiro do Norte – CE, de forma a desviar dos aspectos religiosos que
perpassam as relações de preservação, crescimento econômico, social e politico
da cidade e consequentemente da Região do Cariri cearense, logo se buscou
nas margens um espaço que preservasse não apenas as características
tradicionais, mas que também tivesse em seu espaço geográfico um espaço
museal onde se pudesse desenvolver a atividade proposta. Logo a pesquisa em
questão tem seu cenário na cidade de Jardim - CE, que tem suas origens em
meados do século XVIII, tendo como referências o fazendeiro Bento Moreira,
casado com Dona Sebastiana de Oliveira que fixaram residência no sítio
denominado de corrente de Ramalho, tais atores sociais desempenham papel
fundamental na criação do município de Jardim. A cidade é uma das mais
antigas da Região do Cariri cearense, o que faz da mesma um ambiente
memorial, um lugar de memória relevante na construção da historia de tal
localidade.

FIGURA 1: Mapa do Estado do Ceará destacando a cidade de Jardim

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE


2o Seminário brasileiro de museologia • 657

Na pesquisa em questão serão abordadas as experiências vivenciadas no


Estagio Supervisionado IV, do curso de Licenciatura Plena em Pedagogia da
Universidade Vale do Acaraú – Unidade Jardim. Tal vivencia teve espaço no
Museu Histórico Municipal Joaquim Pereira Neves, localizado no Município de
Jardim- Ceará, onde no período de 19 a 23 de janeiro de 2015.
Para uma melhor compreensão do que será trabalhado os conceitos de
Memória individual, memória coletiva e história são necessários, assim Olga R.
de M. Von Simson em seu artigo “Memória, cultura e poder na sociedade do
esquecimento” publicado em (2000, p. 14) define memória como sendo:

[...] a capacidade humana de reter fatos e experiências do passado e


retransmiti-los às novas gerações através de diferentes suportes
empíricos (voz, música, imagem, textos etc.). Existe uma memória
individual que é aquela guardada por um indivíduo e se refere às suas
próprias vivências e experiências, mas que contém também aspectos
da memória do grupo social onde ele se formou, isto é, no qual esse
indivíduo foi socializado.

Ferreira e Amaral (2004, p.138) prossegue o raciocínio proposto por


Simson (2000) destacando a inviabilidade de preservação e transmissão da
memória sem que que a mesma esteja sob a tutela de algum suporte técnico,
onde:

A memória não pode existir sem o suporte técnico, como algo


puramente cerebral; o passado não pode sobreviver sem os suportes
técnicos que nos inscreve numa determinada cultura, tradição. Posto
que a memória não é possível sem artifícios como a linguagem, a
escrita, falar de memória é falar de esquecimento.

Para além da preservação e transmissão propiciada pelo suporte, se faz


necessário compreender que as relações estabelecidas entre memória
individual, memória do grupo social onde o sujeito está imerso, ou seja, a
memória coletiva e a memória histórica que segundo Kessel (2010, p.4-5) a
seguinte teoria explica tais relações:

As memórias individuais alimentam-se da memória coletiva e histórica


e incluem elementos mais amplos do que a memória construída pelo
indivíduo e seu grupo. Um dos elementos mais importantes, que
afirmam o caráter social da memória, é a linguagem. As trocas entre
os membros de um grupo se fazem por meio de linguagem. Lembrar e
narrar se constituem da linguagem. Como afirma Eclea Bosi a
linguagem é instrumento socializador da memória, pois reduz, unifica
e aproxima no mesmo espaço histórico e cultural vivencias tão diversas
como o sonho, as lembranças e as experiências recentes, [...] Já a
memória histórica tem no registro escrito um meio fundamental de
preservação e comunicação. Memórias individuais, coletivas e
históricas se interpenetram e se contaminam. Memórias individuais e
coletivas vivem num permanente embate pela coexistência e também
pelo status de se constituírem como memória histórica.
2o Seminário brasileiro de museologia • 658

Segundo Simson (2000, p. 14-15) ainda sobre memória coletiva a autora


enumera locais de memória, locais esses que se configuram como elementos de
tutela memorial como forma de preservação da mesma.

[...] memória coletiva, é aquela formada pelos fatos e aspectos


julgados relevantes pelos grupos dominantes e que são guardados
como memória oficial da sociedade mais ampla. Ela geralmente se
expressa naquilo que chamamos de lugares da memória que são os
memoriais, monumentos, murais, arquivos, bibliotecas, hinos oficiais,
quadros e obras literárias e artísticas que exprimem a versão
consolidada de um passado coletivo de uma dada sociedade.

É importante ressaltar as peculiaridades que existem entre historia e


mamória segundo a forma abordada nessa pesquisa dada a natureza dos
conceitos que os compõe. Segundo Nora (1990, p 12):

Memória, história: não são sinônimos de modo algum; na verdade,


como já sabemos hoje, são opostos em todos os aspectos. [...] A
memória é sempre um fenômeno atual, uma construção vivida em um
presente eterno, enquanto que a história é representação do passado.
[...] A memória orienta a recordação para o sagrado, a história
expulsa-a: seu objetivo é a desmistificação. A memória surge a partir
de um grupo cuja conexão ela estimula. [...] A história, por sua vez,
pertence a todos e a ninguém, e por isso é designada como universal.

Segundo Quintas (2007, p. 59) “na memória habita a textura do ser”, o


que nos faz compreender que existe uma relação simbiótica entre as memórias
construídas e preservadas por meio do grupo social em que o sujeito está
imerso (memória coletiva) e as memórias do sujeito, elaboradas a partir das
vivencias e das relações entre os sujeito e o grupo social em que está inserido
(memória individual). Essa interação é permeada por relações de poder que
regem a sociedade e influenciam de forma profunda e irreversível nos aspectos
memoriais coletivos e individuais. Tais relações de poder, nos permite evocar
Michel Foucault (1995) para pensar que o poder não existe, o que existe são as
relações de poder. Fazendo-nos perceber que o poder é uma realidade
dinâmica que rompe com a ideia de um poder estático, exercido de cima para
baixo.
Segundo Silva (2009, p. 4):

Memória coletiva é o processo social de reconstrução do passado


vivido e experimentado por um determinado grupo, comunidade ou
sociedade. Este passado vivido é distinto da história, a qual se refere
mais a fatos e eventos registrados, como dados e feitos,
independentemente destes terem sido sentidos e experimentados por
alguém.

Durante a realização do estudo aqui apresentado, foi possível interagir


com várias pessoas que visitavam o local e compreender como as mesmas
interagiam com o espaço museal e de sua compreensão da organização do
mesmo, tais sujeitos visitaram o museu e conheceram todo acervo da instituição,
percebendo ainda o compromisso de conservação daquele ambiente que se
2o Seminário brasileiro de museologia • 659

configura como ferramenta no processo de preservação do patrimônio


memorial e cultural da cidade de Jardim - CE. Logo objetiva-se discutir os limites
e possibilidades de atuação do Pedagogo em ambientes não escolares, neste
caso o Museu Municipal.

METODOLOGIA

A pesquisa realizada após a experiência de estagio supervisionado de


onde se originou toda uma gama de observações sobre a prática pedagogia em
espaços não escolar, que nesse caso fora realizada no Museu Municipal da
Cidade de Jardim, sul do estado do Ceará. Logo a pesquisa aqui apresentada
configura-se como sendo de natureza qualitativa e caráter observacional
descritiva sob a forma de estudo de caso arraigada sobre estudo documental.
Com base em uma abordagem qualitativa, buscaram-se, segundo
Minayo (2000, p. 21) respostas às questões particulares que não podem ser
quantificadas como o universo de sindicados, de motivos, de aspirações, de
crenças, de valores e atitudes. Para Martinelli (1999, p.115):

A pesquisa qualitativa se insere no marco de referência da dialética,


direcionando-se fundamentalmente, pelos objetivos buscados. O
desenho da pesquisa qualitativa deve nos dar uma visibilidade muito
clara do objeto, objetivo e metodologia, de onde partimos e onde
queremos chegar.

Segundo Minayo (2009, p.22) pesquisa qualitativa pode ser definida


como sendo a que “se preocupa, nas ciências sociais com dados que não
podem ser quantificados, ou seja, ela trabalha com o universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, que correspondam um espaço
mais profundo de relações”. Logo a pesquisa fora alocada enquanto qualitativa
observacional uma vez que, o que fora utilizado como principal ferramenta para
a elaboração deste estudo fora a observação do ambiente (cenário) e de seus
visitantes (atores sociais) de forma a compreender as interações entre ambos e
elaborar um entendimento da atuação do pedagogo em ambiente não escolar.
Compreendemos que o pesquisador pode interagir com o grupo social que
estuda para melhor compreender os valores e crenças dos seus membros de
forma a interagir e compreender melhor o fenômeno no qual está imerso.
Compreendemos assim que de acordo com GIL (2002, p.62-63), esta
pesquisa apresenta-se enquanto documental pelas vantagens por ser “fonte rica
e estável de dados”: não implica altos custos, não exige contato com os sujeitos
da pesquisa e possibilita uma leitura aprofundada das fontes. Assim a pesquisa
documental é semelhante à pesquisa bibliográfica, segundo o autor, e o que as
diferencia é a natureza das fontes, sendo material que ainda não recebeu
tratamento analítico, ou que ainda pode ser reelaborado de acordo com os
objetivos da pesquisa. Segundo Pádua (1997, p.62):
2o Seminário brasileiro de museologia • 660

Pesquisa documental é aquela realizada a partir de documentos,


contemporânea ou retrospectiva considerada cientificamente
autênticos (não fraudados); tem sido largamente utilizada nas ciências
sociais, na investigação histórica, a fim de descrever/comparar fatos
sociais, estabelecendo suas características ou tendências.

Durante o processo de elaboração dessa pesquisa foram encontradas


algumas dificuldades, tais como escolher a instituição onde será feita a
pesquisa, uma vez que apesar do espaço geográfico no qual fora desenvolvido
tal pesquisa apresentar-se como um celeiro cultural, existe uma carência de
espaços museais para a tutela e preservação.
Para Silva (2000, p.21): “A pesquisa descritiva visa descrever as
características de determinada população, instituição ou fenômeno,
estabelecendo relações entre variáveis; envolvendo uso de técnicas
padronizadas”. Para além da observação e da descrição dos fatos ocorridos no
período do estágio supervisionado em ambiente não escolar a pesquisa adquire
a forma de estudo de caso segundo as linhas de Fonseca (2002, p. 33):
Um estudo de caso pode ser caracterizado como um estudo de uma
entidade bem definida como um programa, uma instituição, um
sistema educativo, uma pessoa, ou uma unidade social. Visa conhecer
em profundidade o como e o porquê de uma determinada situação
que se supõe ser única em muitos aspectos, procurando descobrir o
que há nela de mais essencial e característico. O pesquisador não
pretende intervir sobre o objeto a ser estudado, mas revelá-lo tal como
ele o percebe. O estudo de caso pode decorrer de acordo com uma
perspectiva interpretativa, que procura compreender como é o mundo
do ponto de vista dos participantes, ou uma perspectiva pragmática,
que visa simplesmente apresentar uma perspectiva global, tanto
quanto possível completa e coerente, do objeto de estudo do ponto de
vista do investigador.

Logo a pesquisa aqui apresentada segue o seguinte roteiro:

1. Identificação da documentação e da bibliografia que embasa os


argumentos apresentados;
2. Identificação do ambiente onde se pudesse desenvolver o estágio
supervisionado em espaços não escolares, no caso o Museu
Municipal Joaquim Pereira Neves na cidade de Jardim, sul do
Estado do Ceará;
3. Observação do ambiente e de seus visitantes;
4. Elaboração de diários de campo com o objetivo de registrar as
impressões sobre a atuação do pedagogo em espaços museais;
5. Elaboração do relatório que deu origem a este artigo.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Percebe-se que o que fora construído sobre o sujeito pedagogo e sua


função no mercado de trabalho fora muitas vezes atrelado de forma limitante
2o Seminário brasileiro de museologia • 661

ao ato de lecionar, no entanto, essa cresça vem se modificando de forma


significativa nos últimos anos, com o aferimento de novos espaços e do
reconhecimento do pedagogo como o profissional capaz de desenvolver a
mediação no grupo social no qual o mesmo desenvolve suas atividades dada a
sua formação multifacetada. A partir desta nova conjuntura que vem se
consolidando na contemporaneidade, se pode ampliar a perspectiva que antes
se restringia ao âmbito escolar, possibilitando perceber que emerge na
contemporaneidade múltiplas possibilidades de atuação do pedagogo.
A compreensão alargada de uma atuação profissional de natureza
mediadora do conhecimento aproxima o pedagogo de outros campos do
conhecimento tais como a gestão quando o mesmo atua em organizações de
natureza publica ou privada, da museologia, quando atua em espaços de
preservação e tutela mamórial tais como centros de documentação, museus,
galerias de arte e arquivos públicos e privados das mais diversas origens e
naturezas, assim como também de outras praticas profissionais. Ressalta-se que
o pedagogo ao adentrar espaços diferenciados dos ambientes escolares não
concorre e nem substituí a atuação de profissionais como o administrador, o
arquivista ou mesmo o museólogo, pois sua atuação é de natureza pedagógica
educacional, onde a mediação configura-se como o espaço mais profícuo de
desenvolvimento das atividades nos mais diversos setores. Isso pode ser
comprovado pela própria formação de tais profissionais que apresentam
peculiaridades próprias segundo cada área do conhecimento. Logo se pode
compreender que a relação estabelecida entre o profissional pedagogo e os
demais profissionais que atuam nos espaços no qual o mesmo venha a
desenvolver sua atividade laborativa é de natureza simbiótica e de cooperação.
Assim o pedagogo vislumbra a possibilidade de atuação em diversas
áreas, para além da educação, configurando-se como um mediador da
informação e do conhecimento frente aos sujeitos que compõe o grupo social
em que o mesmo está imerso, adentrando a saúde, aos âmbitos social,
organizacional, ambiental e/ou esportivo, o mesmo tem a responsabilidade de
buscar interação com equipes, participação e organização da gestão,
planejamento, além de criar projetos em ambientes escolares e não escolares.
Vale ressaltar com base nas em observações realizadas durante a imersão no
campo e participações na instituição pode-se visualizar a atuação na
coordenação, na formação ética e profissional, no comportamento aos visitantes
dentre outras funções. Segundo Frison (2004, p.88):

[...] na escola, na sociedade, na empresa, em espaços formais ou não


formais, escolares ou não escolares, estamos constantemente
aprendendo e ensinando. Assim, como não há forma única nem
modelo exclusivo de educação, a escola não é o único em que ela
acontece e, talvez, nem seja o mais importante. As transformações
contemporâneas contribuíram para consolidar o entendimento da
2o Seminário brasileiro de museologia • 662

educação como fenômeno multifacetado, que ocorre em muitos


lugares, institucionais ou não, sob várias modalidades.

Explicitando que o pedagogo tem como foco central de sua atuação


profissional, a pratica educativa como objeto de estudo, sendo que tais praticas
poderão certamente ocorrer em quaisquer espaços, sejam eles, escolares ou
não. Segundo Frison (2004, p. 89):

[...] o pedagogo gerencia muito mais do que aprendizagens, gerencia


um espaço comum, o planejamento, a construção e a dinamização de
projetos, de cursos, de materiais didáticos, as relações entre o grupo
de alunos ou colaboradores. Isso significa que não basta possuir
inúmeros conhecimentos teóricos sobre determinado assunto, é preciso
saber mobilizá-los adequadamente.

É necessário compreender que o pedagogo é um profissional que está


pronto para desenvolver o seu trabalho pedagógico em qualquer outro
ambiente, conforme Nascimento (2010) “Reduzir o trabalho pedagógico apenas
a pratica docente é uma ignorância enorme e isso dificulta muito a ascensão
profissional”. É importante entender que o pedagogo tem uma educação
direcionada para a prática e atenção voltada a variados espaços culturais e
sociais, possibilitando a mesma, uma visão ampla de mundo, tendo como
principal objetivo, a formação humana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após as observações realizadas no Museu Municipal Joaquim Pereira


Neves na cidade de Jardim, sul do Estado do Ceará, se pode compreender que
o principal papel de uma instituição é alcançar a satisfação de seus clientes,
para além do ideal desempenho de suas atribuições de preservação,
disseminação e recuperação da informação museal contida em seus
documentos e objetos, além de atender os prazos e manter a qualidade de
produtos ou serviços oferecidos em suas exposições.
Os visitantes de tal espaço configuram-se como atores sociais de
construção e certificação da informação contida nos objetos que se encontram
sob a tutela de tal espaço e de seus profissionais, pois tais objetos pertencem as
famílias locais e ali estam com o intuito de promover a vivificação da memória
de tal localidade. Dada a proximidade dos objetos com o cotidiano local se
vislumbra não apenas um visitante que movido pela curiosidade se desloca até
o local, mas sim parte da historia que se mantem no tempo presente em função
das memorias e vivencias dos habitantes de tal localidade.
Pode-se compreender que o pedagogo para além do corpo estranho que
se configura ao adentrar o espaço museal como um mediador da informação, é
um profissional que está apto a desenvolver o seu trabalho pedagógico em
2o Seminário brasileiro de museologia • 663

qualquer outro ambiente, onde o mesmo se configura como um espaço propício


ao desenvolvimento de tais atribuições pedagógico funcionais. É importante
entender que o pedagogo tem uma formação direcionada para a prática e
atenção voltada a variados espaços culturais e sociais, possibilitando a mesma,
uma visão ampla de mundo, tendo como principal objetivo, a formação
humana.
No espaço museal o pedagogo vislumbra a possibilidade de atuação,
para além da educação, configurando-se como um mediador da informação e
do conhecimento frente aos sujeitos que compõe o grupo social em que o
mesmo está imerso, o mesmo tem a responsabilidade de buscar interação com
equipes, participação e organização da gestão, planejamento, além de criar
projetos em ambientes escolares e não escolares. Vale ressaltar com base nas
em observações realizadas durante a imersão no campo e participações na
instituição pode-se visualizar a atuação na coordenação, na formação ética e
profissional, no comportamento aos visitantes dentre outras funções, em uma
relação simbiótica que tem por função promover uma melhoria na atuação dos
profissionais envolvidos criando uma equipe multifacetada e tornando-a mais
apta ao desempenho do papel ao qual se propõe na realização de suas funções
laborativas cotidianas.

Referências

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pertencentes à Região Metropolitana do Cariri: Juazeiro do Norte, Crato,
Barbalha, Caririaçu, Farias Brito, Jardim, Missão Velha, Nova Olinda e Santana
do Cariri. Algumas abordagens territoriais, regionais e mesorregionais chegam
a atribuir até 28 municípios Região do Cariri cearense como a identificadas no
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2o Seminário brasileiro de museologia • 666

A SEMANA DO BABADO E A SOCIOMUSEOLOGIA “ABALANDO” UM MUSEU


DE GOIÁS

Lara Pelhus Gomes Claudino.1

Resumo
Além de servir de fundamentação teórica para as novas tipologias museais, a
Museologia Social vem se tornando cada vez mais presente no âmbito dos
museus ditos “tradicionais”, trazendo a esses espaços novas discussões a
respeito de suas práticas e relações com a sociedade. Com base nesses
princípios, é cada vez mais recorrente que museus com tal feição realizem ações
consideradas inovadoras, por uns, e prejudiciais, por outros. Buscando
compreender melhor essa divergência, neste artigo será apresentada uma das
atividades desenvolvidas pelo Museu das Bandeiras (MUBAN), localizado na
Cidade de Goiás-GO: a “Semana do Babado no MUBAN”, realizada em junho
de 2013, com o intuito de comemorar e problematizar o dia do Orgulho Gay e
da Consciência Homossexual. No texto, a partir desse evento, são feitas breves
considerações sobre possibilidades e entraves encontrados para a aplicação dos
pressupostos da Sociomuseologia em um museu tradicional.

Palavras chaves: Sociomuseologia; Museus tradicionais; Comunidades LGBTTT;


Semana do Babado; Museu das Bandeiras.

Abstract
In addition to serving the theoretical foundation for the new museological
typologies, Social Museology is becoming increasingly present within the so-
called "traditional" museums, bringing these spaces further discussions about
their practices and relationships with society. Based on these principles, it is
increasingly applicant to museums with such feature undertake innovative actions
considered, by some, and harmful, for others. Seeking to better understand these
differences, this article will be presented of the activities developed by the Museu
das Bandeiras (MUBAN), located in the city of Goiás-GO: a "Semana do Babado
no MUBAN" held in June 2013 in order to celebrate and discuss the day of Gay
Pride and Gay Awareness. In the text from that event, they are made brief
remarks about the possibilities and obstacles found for application of
Sociomuseology of assumptions in a traditional museum.

Key words: Sociomuseology; Traditional museums; LGBTTT communities; Week


Babado; Museu das Bandeiras.

1
Graduanda do 4º período do curso de Museologia na Universidade Federal de Goiás (UFG).
E-mail para contato: larapelhus@gmail.com .
2o Seminário brasileiro de museologia • 667

Segundo diversas definições, o museu é “uma instituição a serviço da


sociedade” (IBRAM, 2004), logo, deveria ser um ambiente onde o público se
identificasse, por considerar que ali está parte da sua cultura e da sua história,
uma representação do seu passado e do seu presente, com espaço aberto para
o futuro. Contudo, Bulhões (2014) nos lembra que “existem museus que a gente
visita e neles não nos encontramos com nada, não nos lembramos de nada que
seja verdadeiramente nosso”.
Infelizmente essa é a realidade de grande parte das instituições museais,
principalmente das que costumam preservar o passado distante e pontual de
uma sociedade, hoje, inexistente: as chamadas de “tradicionais”. Voltadas
prioritariamente para as elites socioeconômicas, essas instituições fazem uma
apurada, ainda que velada, seleção de público, excluindo de seus discursos não
somente gays, lésbicas, transgêneros e transexuais, mas também pobres,
mulheres, crianças, negros, indígenas, ciganos, pedintes, moradores de rua,
andarilhos, alcoólatras, pessoas com deficiências mentais e físicas, presidiários e
toda sorte de marginalizados.
Ao agir assim, muitas delas acabam parando no tempo, tornando-se
espaços desinteressantes e de difícil acesso ou compreensão do público. Afinal,
no mundo contemporâneo muitos são os que não se sentem à vontade em
lugares como estes costumam ser: repletos de textos complicados e exposições
frias que nos fazem sair de lá sem compreendermos nem nos emocionarmos
com quase nada; onde são exaltadas e reproduzidas a submissão, a escravidão,
o machismo, a homofobia, a xenofobia e vários outros preconceitos.
Buscando alternativas para mudar a realidade dessas instituições que
deixam de servir à sociedade e passam a servir à memória e cultura de apenas
alguns poucos grupos, percebe-se uma forte colaboração da Sociomuseologia
(também chamada de “Museologia Social”), vertente teórica que busca
promover a participação da sociedade na construção e manutenção do
patrimônio que lhe pertence, de fato. São novos princípios capazes de fazer com
que as instituições museológicas não sejam esquecidas nem vistas como lugares
monótonos e congelados num tempo passado. Segundo Moutinho (2007), um
“recurso para o desenvolvimento sustentável da humanidade, assentada na
2o Seminário brasileiro de museologia • 668

igualdade de oportunidades e na inclusão social e econômica” (MOUTINHO,


2007, p. 423).
O Museu das Bandeiras (MUBAN), localizado na cidade de Goiás-GO, é
mais uma das instituições museológicas que, mesmo tendo sido criado e se
instituído ao longo dos anos como museu tradicional, buscou nos princípios da
Sociomuseologia a base para a fundamentação dos projetos de atualização das
suas práticas.
Criado em 03/12/1949, através do Decreto-Lei nº 394/49, e
vinculado ao Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), uma autarquia do
Ministério da Cultura, o MUSEU DAS BANDEIRAS (MUBAN) é uma
instituição cultural pública que tem a Missão de “preservar, pesquisar e
comunicar a memória nacional relativa à ocupação bandeirante na
região Centro-oeste do Brasil, enfatizando as contribuições dos
diversos segmentos étnico-sociais presentes neste processo”.
O núcleo inicial do seu acervo foi constituído pelo próprio edifício
onde está instalado e pelo arquivo documental da Delegacia Fiscal do
Tesouro Nacional (Fazenda Pública) em Goiás, doado em 1937 e uma
das fontes de informação mais importantes sobre a administração
pública da região Centro-Oeste durante o período colonial, imperial e
republicano. Seu acervo museológico é composto por 573 peças
inventariadas, abrangendo objetos de arte sacra, mobiliário, vestuário,
armamentos, utensílios domésticos e outros, confeccionados em
estilos, técnicas e épocas diversas.
O Museu das Bandeiras ocupa o prédio da antiga CASA DE CÂMARA
E CADEIA DA PROVÍNCIA DE GOYAZ, construção iniciada em 1761 e
finalizada em 1766, sobre os alicerces da primeira CASA DE CÂMARA
E CADEIA DA VILA DE GOYAZ, que já existia desde pelo menos 1746
(BULHÕES, 2013, pp. 3-4).

Entre os anos de 2007 e 2013, o MUBAN passou por um processo de


requalificação que promoveu profundas mudanças em sua estrutura e
funcionamento. Tendo em mente que o museu deve promover a inclusão de
TODA a sociedade em suas atividades; lembrando que esses espaços têm como
função principal preservar, pesquisar e comunicar os testemunhos da história da
população local, sem NENHUMA exclusão; e pensando em abrir oportunidades
para que mais pessoas pudessem se expressar de forma ativa e se identificar
com esse lugar que é (ou deveria ser) de todas e todos, a gestão 2007-2013
tentou implementar princípios da Sociomuseologia nesta que, até então, era
uma instituição puramente tradicional, “por meio da realização de ações, na
medida do possível: ambientalmente corretas, economicamente viáveis;
socialmente justas e culturalmente diversas” (BULHÕES, 2013, p. 16), seguindo
os 04 pilares básicos da Sustentabilidade.
2o Seminário brasileiro de museologia • 669

Dentre estas, a “I Semana do Babado no MUBAN”, que visava


comemorar e problematizar o Dia Internacional do Orgulho Gay2 dentro da
instituição, com base no fato de ter havido um tempo em que o
homossexualismo era crime, por vezes punido com o encarceramento em
prédios como o que hoje abriga o Museu.

Figura 01: Cartazete de divulgação da “I Semana do Babado no MUBAN”, 06/2013.

Tentando ir além das costumeiras exposições temporárias, o projeto


contou com atividades diferenciadas, realizadas com forte participação de parte
da população de Goiás e de outros estados do país. Foram feitas palestras,
roda de conversa, piquenique, exibição de filmes e show de drag queens, tendo
como principal foco a discussão sobre a presença e a memória da comunidade
LGBTTT (Lésbicas, Gays, Travestis, Transexuais e Transgêneros) brasileira nos
museus nacionais, bem como dificuldades e preconceitos sofridos por esse
grupo em sua busca por respeito, dignidade e espaço na história, memória e
cultura nacionais.

2
Instituído em referência à invasão policial, ocorrida em 28/06/1969, do bar Stonewall,
localizado na rua Christopher, no centro da zona gay da cidade de Nova Iorque.
2o Seminário brasileiro de museologia • 670

Figura 02: Roda de Conversa, abertura da “I Semana do Babado no MUBAN”. Foto: Tony Boita, 06/2013;

Figura 03: Mostra de filmes, I Semana do Babado no MUBAN. Foto: Tony Boita, 06/2013.

Figura 04: Exposição Temporária “Do Babado: registros de uma sociedade plural e homofóbica”.
Foto: Tony Boita, 06/2013.
2o Seminário brasileiro de museologia • 671

Figura 05: Show de Drag Quenns, I Semana do Babado no MUBAN. Foto: Tony Boita, 06/2013.

Figura 06: Piquenique de encerramento, I Semana do Babado no MUBAN. Foto: Tony Boita, 06/2013.

Devido à temática abordada, a Semana do Babado gerou espanto em


alguns que não entenderam que esse foi um ato de acolhimento de pessoas que
estão presentes na história do próprio Museu e da comunidade local; de um
grupo social que está em busca da afirmação das suas bandeiras, do seu
espaço na sociedade e da garantia do cumprimento dos seus direitos; de um
grupo que é produtor de cultura, tão digno e merecedor quanto outros, de ter
suas memórias preservadas e expostas nos espaços museais, sejam eles
tradicionais ou não.
Sobre esta ação Baptista e Boita (2014), disseram o seguinte:
Na Cidade de Goiás, um caso tornou-se marco da museologia
brasileira relacionada à comunidade LGBT e sintetiza múltiplos
aspectos que envolvem sua produção. Integrante de um amplo projeto
afirmativo liderado pela então diretora do Muban, a museóloga
Girlene Chagas Bulhões, iniciou-se um profundo debate para a
produção da exposição temporária interessada na história e memória
LGBT. Contando com a colaboração de profissionais de museus,
professores universitários, estudantes de museologia e com integrantes
da Rede LGBT em Memória e Museologia Social do Brasil, e tendo os
autores deste artigo como parte da equipe de organização, montou-se
2o Seminário brasileiro de museologia • 672

a primeira exposição temporária em museus mantidos com fundos


federais que contemplasse a história e a memória LGBT do país. Para
compor a exposição, contou-se com uma ampla campanha pelas
redes sociais convidando LGBTs do país a enviarem fotografias sobre
seu cotidiano, com o objetivo de comunicar aos visitantes que nosso
dia a dia não é tão diferente assim dos demais. Amigos em bares,
estudando, casais em cenários bucólicos, indivíduos circulando de
ônibus, amigos na praia e até mesmo rapazes passando roupas foram
alguns dos temas que apareceram nas imagens que foram impressas
e suspensas por fitas coloridas em pedestais que ganharam o pátio do
Muban – tudo pensando em não chocar ninguém, mas, sim,
aproximar. Paralelamente, uma semana de debates se instalou no
Muban: rodas de conversas, shows de divas trans, filmes e uma
imensa bandeira LGBT erguida na fachada do prédio marcaram as
atividades. Entre todos os transeuntes, a positiva sensação de se ver
representado em um importante espaço de memória. Uma vez que o
museu, originalmente destinado à manutenção da identidade dos
bandeirantes, conhecidos facínoras da história nacional, já havia
dedicado atividades e exposições a moradores de rua, apenados,
deficientes físicos, negros e indígenas, tornou-se notório que o Museu
das Bandeiras passara a ser o Museu de Todas as Bandeiras, em uma
das mais importantes recolocações simbólicas que a museologia
brasileira até então produziu (BAPTISTA; BOITA, 2014, pp. 184-185).
Algumas pessoas não compreenderam as mudanças que estavam
ocorrendo, não conseguiram ver a grandeza do que havia acontecido nem
atentaram para a relação da Semana do Babado e de outras atividades da
gestão 2007-2013 com as memórias do próprio Museu. O MUBAN estava
expondo outras bandeiras! O que antes era intacto, distante e desinteressante,
se tornou atual, próximo e atrativo. Então houve medo por parte das elites
locais, até então únicas protagonistas nesse espaço. O tradicionalismo
monótono da antiga instituição e da parte reacionária da cidade produziu visões
não tão positivas dessa nova proposta de museu e encheu de ataques
preconceituosos essa atividade que buscava um maior envolvimento da
população no debate de assuntos considerados tabus, em uma instituição até
então tradicional como era o MUBAN, palco de histórias e estórias de
colonizadores bandeirantes e “escravos e escravas teimosos” e de “causos”
emprestados de outras regiões.
Antes desta gestão, o que se encontrava no Museu das Bandeiras era um
passado falso, representado por uma exposição de longa duração confusa e
narrativas que exaltavam a colonização bandeirante e ignoravam a presença da
população LGBTTT e demais grupos sociais que já habitaram a sua Casa e que
costumam sofrer discriminação, ainda hoje. Resumindo, não era um museu de
2o Seminário brasileiro de museologia • 673

todas as bandeiras, mas sim da bandeira colonial.


A partir do momento que buscou abraçar a causa de todas as bandeiras
da sociedade, sem selecionar ou exaltar nenhuma em especial, e lembrar do
passado do prédio que ocupa, uma antiga Casa de Câmara e Cadeia onde não
eram presos somente criminosos, mas também homossexuais, lésbicas, travestis,
transgêneros e transexuais, dentre outros, o MUBAN causou espanto. A
Sociomuseologia, nesse caso, foi renovadora, mas também assustadora.
Não apenas na cidade de Goiás, mas em praticamente todas as outras
encontramos pessoas que ainda não se sentem à vontade com a abordagem de
assuntos como esse nas instituições museais. No entanto, como dito pelo
museólogo Mário Chagas, “os museus e as coleções não cabem mais nas
molduras douradas ou no cabide dos manuais técnicos, cabem na entrelinha da
canção da vida” (CHAGAS, 2002, p. 9).
Foi exatamente o que a gestão 2007-2013 tentou fazer: levar o MUBAN
para as entrelinhas da vida, para a realidade, para o presente e,
principalmente, para toda a sociedade local e não apenas para alguns poucos
grupos privilegiados, incluindo em suas exposições e ações culturais e
educativas pessoas e grupos que costumam ser excluídos de tais espaços. Nas
palavras de Bulhões (2013), as ações desta gestão, que estavam sendo
sistematizadas no programa batizado por ela de “Afirmação”, simbolizavam:
o reencontro do Museu das Bandeiras com a sua própria história, uma
vez que traz de volta à sua prática cotidiana as memórias ainda
presentes nas paredes da antiga Casa de Câmara e Cadeia da
Província de Goyaz, lugar onde, além daquel@s (sic) que efetivamente
cometeram crimes, homossexuais, lésbicas, travestis, praticantes de
religiões de matriz africana, alcoólatras, andarilhos, pessoas com
deficiências mentais ou físicas, consideradas um acinte à sociedade
conservadora, foram ou poderiam ser presas, simplesmente por serem
como são (BULHÕES, 2013, p. 8).

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2o Seminário brasileiro de museologia • 675

LIBERDADE SEXUAL:
DISCUTINDO GÊNERO, SEXUALIDADE E DIVERSIDADE NA ESCOLA

Washington Fernando Souza1

Denise Pereira Silva2

Resumo
A pesquisa em questão pretende analisar referências a cerca de liberdade
sexual, gênero, sexualidade e diversidade no âmbito escolar. A partir de
hipótese de fatos ocorrentes no âmbito da formação. Contudo o
desenvolvimento de ações e efetivação do diálogo argumentativo, no que tange
o fator preconceito e que envolve gênero e sexualidade. Propor um trabalho
com a ampliação dos saberes de alunos/as, professores/as, famílias dentro do
mundo social. Este processo acontecerá por meio de diálogo, de reflexão e da
possibilidade de reconstruir informações, pautando-se sempre no respeito a si
próprio e ao/a outro/a. Nesta perspectiva, o presente trabalho abordará uma
proposta de ação, onde partiremos de fatos decorrentes nas instituições de
ensino que geram a desistência destes alunos/as no processo de formação e
aprendizagem. Assim, proporcionar norte para educadores/as mediarem e
sanar as situações problemas já existentes e, as que virem a surgir. Tendo como
base a museologia social, educação não formal e outros elementos além da
educação formal.

Palavras-chave: Sexualidade; Gênero; Educação; Museologia Social.

Abstract
The research in question intends to analyze references about sexual freedom,
gender, sexuality and diversity in schools. From hypothesis occurring facts in the
training. However the development of actions and realization of argumentative
dialogue, regarding the bias factor and involving gender and sexuality. Propose
a job with the expansion of student knowledge / as, teachers / as, families within
the social world. This process will take place through dialogue, reflection and the
ability to reconstruct information, and are based while respecting yourself and /
another / a. With this in mind, this paper will discuss a proposal for action, which
depart facts arising in educational institutions that generate the withdrawal of
these students / as in the process of training and learning. Thus providing north
to educators / mediate the situation and remedy existing problems and those that

1
Faculdade SENAC Goiás, wfernandoturismo@hotmail.com.
2
Especialista em Psicopedagogia Institucional pela UNICID - Universidade de São Paulo.
Especialista em Educação para a Diversidade e Ciadania - Direitos Humanos pela UFG.
Graduada em Letras: Português Inlgês pela UEG. Atua como professora universitaria no Centro
de Estudos Superior Kairós. dpsilva_@hotmail.com.
2o Seminário brasileiro de museologia • 676

come to surface. Based on the social museology, non-formal education and


other elements of the formal education system.

Key-words: Sexuality; Gender; Education; Social Museology.

••••••••••

INTRODUÇÃO

A sexualidade tem sido um grande problema para o sistema educacional


que, vem assolando as escolas principalmente nas regiões pobres das cidades,
culminando com a evasão escolar. Segundo Schering e Marinho (2001),
somente uma educação que respeite as diversidades culturais, étnicas e sexuais,
guardando as especificidades de cada ser humano, favorecerá o
desenvolvimento das capacidades individuais, de uma autoestima saudável, de
oportunidades iguais no trabalho e na vida social. Assim, o presente trabalho
volta-se para o estudo da sexualidade em instituições de ensino.

Dessa forma, a investigação parte da hipótese de que a formação de


redes vinculares, desenvolvidas desde a efetivação do diálogo argumentativo,
tem o potencial de contribuir para diminuição do preconceito que envolve
gênero e sexualidade e, consequentemente, para a ampliação dos saberes
dos/das alunos/as, dos/as professores/as, das famílias e do mundo social.

Para isso, os/as profissionais de educação devem oportunizar situações


que favoreçam ações reflexivas sobre a sexualidade; desmistificar questões de
gênero e estar atento quanto à autoestima de seus/suas alunos/as. Este
processo acontecerá por meio do diálogo, da reflexão e da possibilidade de
reconstruir informações, pautando-se sempre no respeito a si próprio e ao/a
outro/a.

Nesta perspectiva, apresentamos uma proposta de trabalho onde


preparo do/da educador/a para desenvolver palestras de educação sexual em
sala de aula, para que o/a aluno/a adquira a liberdade para desconstruir
2o Seminário brasileiro de museologia • 677

conceitos e, então, apresentar suas inseguranças e dificuldades, proporcionando


norte para educadores/as mediarem e sanar as situações problemas já
existentes e, as que virem a surgir.

DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE PROPOSTA

Liberdade Sexual: Discutindo Gênero e Sexualidade na Escola, parte de


um estudo de caso e de uma revisão bibliográfica. Assim, sua finalidade traz
algumas reflexões pertinentes à realidade da inclusão do ‘diferente’ no processo
educacional nos dias atuais.

O aflorar da sexualidade na escola e na sociedade, parte de uma


realidade concreta. Através de uma observação analítica e sistematizada do
cotidiano escolar foi possível notar tais fatores.

O termo ‘sexualidade’ remete a um universo onde tudo é relativo e


pessoal. Pode-se dizer que é traço mais íntimo do ser humano e como tal, se
manifesta diferentemente em cada indivíduo de acordo com a realidade e as
experiências vivenciadas pelo mesmo.

Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (2002), a sexualidade,


inicia-se juntamente à puberdade ou adolescência, o que geralmente, inicia-se
por volta dos 12 anos de idade. O que na atualidade as vezes pode ser ainda
mais precoce.

Dessa forma, compreendendo a educação como um direito de todos,


previsto no artigo 26 da Declaração dos Direitos Humanos e assegurado pela
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96 – LDB – faz-se
importante considerar que no interior da escola não deve ocorrer nenhuma
forma de exclusão, principalmente no que se refere a diversidade e ou
orientação sexual, sendo que,

A noção de sexualidade como busca do prazer, descoberta das


sensações proporcionadas pelo contato ou toque, atração por outras
pessoas (de sexo oposto e/ou mesmo sexo) com intuito de obter prazer
pela satisfação dos desejos do corpo, entre outras características, é
diretamente ligada dependente de fatores genéticos e principalmente
2o Seminário brasileiro de museologia • 678

culturais. O contexto influi diretamente na sexualidade de cada um”


(FIER, 2007, p. 01).

Portanto, a escola desempenha um papel fundamental no


desenvolvimento da sexualidade dos/das educandos/das, pois mede os
conhecimentos que possibilitam os/as alunos/as a entender e enfrentar os
desafios da vida.

Entretanto, convivemos, ainda, com a predominância dos aspectos


biológicos, emocionais, culturais e familiares, que tem predominância na
identidade do/da educando/a. Como diz Patto (1990), “o preconceito e a
desvalorização impregnam toda a prática escolar desde as discussões referentes
à política educacional até a relação diária de professores com seus alunos”.
Muitas vezes, as crianças são vistas como ‘indefesas’, não tendo o direito de se
expressarem, cabendo ao professor/a; ao responsável, incutir-lhes o que deve
ser e fazer. Assim, a criança tende, desde seus primeiros anos de vida, a ser e
agir de acordo com as vontades e ideais de outrem e, desta forma, sua
identidade, sua opção sexual, geralmente, não é manifestada devido ao medo
da repressão vindo dos padrões históricos culturais familiares e do meio social.

Para este fato Guirado aponta que: “a sexualidade é como um fantasma


que ronda as cercanias e os interiores da escola e da sala de aula. Não é o
único, sabemos disso. [...] E isso, há séculos, ao que indica a história
(GUIRADO, 1997, p.25). Nesta vertente, ainda ressalta Foucault (1979), que

“a escolha do objeto nem sempre se constitui como base para uma


identidade, assim como não parece ser questão crucial na percepção
de toda e qualquer pessoa sobre sua sexualidade. Assim, a
desnaturalização das sexualidades e dos corpos marcados
biologicamente se faz a partir da própria noção de prática discursiva,
que criou uma verdade sobre a identidade humana, que se cristalizou
na divisão sexual e binária da sociedade” (FOUCAUT,1979).

Contudo, analisando o discurso dos teóricos e, diante da realidade ora


exposta, percebe-se que, a questão da sexualidade no ambiente escolar e em
todo os seguimentos da sociedade, vem avançando no tempo. Logo, se instala
uma grande polêmica entre os conceitos da teoria preconceituosa e os
defensores da teoria da diferença. E, tais conceitos permeiam como um
dispositivo de poder.
2o Seminário brasileiro de museologia • 679

JUSTIFICATIVA

A escola como lugar de encontro social é permeada por inter-relações


marcadas, muitas vezes, por conflitos, devidos à não aceitação do que
geralmente é rotulado como diferente, incluindo-se nessa diferença a
diversidade sexual e de gênero. Segundo Sayão (2010) “O preconceito contra a
homossexualidade permanece. E como preconceito se combate com a
educação, não há como a escola se esquivar mais”. Assim, o “dar voz” ao
“diferente” possibilitará, entre outros aspectos, considerar e compreender a
diversidade de gênero e de orientação sexual.

No entanto, faz-se necessário ressaltar que, um dos papeis primordiais da


Escola é o de garantir espaço para que a pluralidade de concepções, valores e
crenças sobre a sexualidade e diversidade possam se expressar. Ainda que, na
escola vigora a indignação, pois a vida sexual está banalizada, assim como
também, o respeito e o compromisso para com o outro e, às vezes, por si
mesmo.

A diversidade sexual existe e é discutida por diversos teóricos da educação,


mas o que se pretende não é copiar ou construir uma pedagogia ou técnicas
milagrosas que tentam resolver o problema com palavras. Embora existam
muitos estudos a respeito deste tema, estudá-lo torna-se importante por se tratar
de um tema polêmico, que continua dividindo vários estudiosos no que se refere
aos fatores intervenientes na sexualidade. E ainda, apesar do volume de
pesquisas sobre o tema investigado, poucos abordam o problema a partir da
ótica da criança-aluno/a. Mas sim, no/na adolescente pois, nesta fase da vida
que o ser humano demonstra uma certa autonomia- ainda que regulada e
banalizada- para difundir seus gostos, desejos e preferências, pois é o início da
puberdade.

Desta forma, a escola se vê na necessidade de viabilizar um trabalho em


equipe, bem organizado, maduro, coerente e equilíbrio centrado na educação
sexual com clareza para abordar e sanar dúvidas que, possivelmente, não
foram resolvidas no seio familiar. Assim, o projeto em questão propõe um
2o Seminário brasileiro de museologia • 680

compromisso diferenciado da escola em relação à educação sexual dos


estudantes.

Contudo, pretende-se mostrar que a solução para lidar com a sexualidade


na escola, pode estar numa prática essencialmente dinâmica e libertadora,
numa relação entre sociedade, escola, família e aluno. Como afirma Libâneo,

“Quando o professor aplica métodos ativos de ensino, deve ter


clareza de que somente são válidos se estimulam a atividade mental
dos alunos. Ao invés de adotar a máxima “Aprendendo fazendo”,
deve adotar esta outra: “Aprender pensando naquilo que faz”
(LIBÂNEO, 1990, p.124).

Sendo assim, investigar os gostos e preferências dos/das alunos/as a


partir do ponto de vista da diversidade, torna-se relevante por explicitar através
da fala das próprias crianças-alunos/as, os efeitos produzidos pelo rótulo de
“diferente”, ao considerar as diferentes versões que elas produzem sobre sua
condição de estudante e, os efeitos da imputação do estigma de fracassado em
sua subjetividade.

Contudo, é preciso que a escola ajude os/as jovens a repensar suas


relações, suas escolhas mais conscientes, tendo mais responsabilidade sobre
seus atos. Para isso, faz-se necessário mediar discussões pertinentes a esses
assuntos para que facilite a conversação sobre sexualidade. Uma vez que, há
um crescimento acelerado do número de adolescentes que inicia sua vida sexual
sem conhecer o seu próprio corpo.

OBJETIVOS
Geral

Propiciar mudanças na realidade escolar, tanto aos educadores, quanto


aos educandos, no sentido de promover uma construção igualitária, segura e
consciente na vivência sexual diversificada. E, ainda, viabilizar uma orientação
contra o preconceito homofóbico. A partir de ações paramentadas na educação
formal e pela museologia social.

Específicos
2o Seminário brasileiro de museologia • 681

 Identificar estratégias metodológicas que contribuem na sexualidade


diversificada;
 Preparar para a vida com limites e responsabilidades,
 Conceituar Gênero, sexualidade, homofobia, preconceito e
discriminação;
 Respeitar a diversidade dentro do ambiente escolar;
 Constatar soluções de imediato contra preconceitos;
 Organizar Círculos de Discussão.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O primeiro passo para o desenvolver da ação proposta que abordará


Liberdade Sexual: discutindo gênero, sexualidade e diversidade na escola,
principiará com o levantamento dos percentuais de diversidade sexual visível no
espaço escolar; prosseguirá, nas semanas subsequentes, com os encontros e os
círculos de discussão na própria escola, com o intuito de expandir-se à
comunidade em programas que abranjam um número cada vez maior de
pessoas envolvidas nas práticas consideradas. Para tanto, será direcionado
alguns passos e atividades à serem seguidos e ou desenvolvidas:
 Palestras de Orientação sobre o comportamento maduro frente ao
relacionamento com o outro.
 O professor trabalhará com o alunado e com toda a classe, ensinando-
os a respeitá-lo e promovendo atividades que facilitem a sua
sociabilização;
 Aulas elaboradas de acordo com o contexto em questão, para que o/a
educando possa abordar suas dúvidas, medos e fantasias sobre a
sexualidade;
 Assistir à filmes que abordam o respeito ao outro e ao seu tempo,
 Reportar com firmeza, clareza e naturalidade as questões de
relacionamento sexualidade, gênero e auto-estima;
 Organizações de teatros demonstrando a realidade por meio de ficção;
 Viabilizar artigos, imagens... que mostram a diversidade sexual;
2o Seminário brasileiro de museologia • 682

 Caderno de relato de músicas, propagandas, novelas e filmes que


desperta a
Sexualidade.

MATERIAL DIDÁTICO
Para a seguinte ação poderá ser utilizado diversos recursos didáticos:
data show, Papel cartolina, TV- DVD, Vídeos, Canetinhas ou mesmo outros
materiais necessários que poderão ser facilitadores na construção da ação.

CRONOGRAMA

a) Planejamento: compreendendo em torno de 3 horas para planejamento das


atividades didáticas, juntamente com a equipe escolar.

b) Para execução: em torno de 02 horas aulas, somando 06 horas aulas de


estudo junto aos alunos/as e docentes, em 03 semanas de desenvolvimento da
ação.

NÚMERO E DESCRIÇÃO DOS PARTICIPANTES

A ação será desenvolvida para um público escolar compreendendo


aproximadamente 180 alunos. Sendo, estes do turno matutino, do 6º, 7º, 8º e
9º Ano do Ensino Fundamental 2ª Fase. Haverá, também presença da equipe
de educadores, bem como da equipe gestora e demais pertencentes a unidade
escolar. Totalizando, aproximadamente 200 pessoas. Todas as disciplinas serão
contempladas.

AVALIAÇÃO E ANÁLISE DA REALIDADE OBSERVADA

Espera-se que, com o desenvolvimento da pesquisa e o envolvimento das


escolas (Equipe Diretivo Pedagógica, Professores/as, Presidente do Conselho de
Escola, Alunos/as e Funcionários/as) e do entorno comunitário, a problemática
da sexualidade escolar seja revertida. E que um número significativo de
alunos/as permaneçam na escola concluindo seus estudos e, não dando
margem ao preconceito homofóbico.
2o Seminário brasileiro de museologia • 683

Espera-se, também, que com a realização das discussões na comunidade


educativa e social, passe a existir um consenso maior de valorização do ser
‘diferente’. Busca-se publicar os resultados na forma digital em Portfólio
Eletrônico, divulgá-los em eventos científicos e com o término da investigação
replicar a pesquisa para outras escolas da região.

A devolução dos alcances aos envolvidos constituir-se-á em mais do que


a disponibilização dos resultados pelo pesquisador em linguagem acessível. O
retorno será realizado pela apropriação desses resultados ainda durante o
processo pelo próprio grupo envolvido nos círculos de discussão por meio da
organização de um conjunto de ações que possibilitem a solução da
problemática em questão e pela sua consequente incorporação ao entorno
comunitário mais abrangente. Assim, reverter temas como sexualidade, temas
livres e não proibidos, que os paradigmas existentes, não coíbem os/as
professores/as de abordar ações contra o preconceito.

Referências

CEDCA. Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente - Estatuto


da Criança e do Adolescente. Goiânia, 2002.

EDUCAÇÃO PARA DIVERSIDADE E CIDADANIIA, Módulo II, 2010, Goiânia


2001, Universidade Federal de Goiás, 1 CD.

FIER, José. Sexualidade é um termo amplamente abrangente. Publicação em:


10/12/2007. Disponível em:
<http://www.paralerepensar.com.br/josefier_sexualidade.htm>. Acessado em:
30/07/2015, ás 16:53m.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade. 1-3. ed. Rio de Janeiro: Geral
1979-1984-1985.

GUIRADO, Marlene. Sexualidade, isto é, intimidade redefinindo limites e


alcances para a escola. In: ______. AQUINO, Júlio Groppa (coord.).
Sexualidade na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus,
1997. p. 25-42.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1990

LOPES, Louro Guacira; JAGGAR M. Alisan e BORDO R. Pedagogias da


sexualidade; 2ªed.Rio de Janeiro: Autêntica, 1999.
2o Seminário brasileiro de museologia • 684

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Parâmetros Curriculares


Nacionais. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1998.

MUNANGA, Kabengele (Org). Superando o racismo na escola. Brasília:


SECAD/MEC, 2005.

NACHARD, Leni Mércia. Sexualidade na escola. Disponível em:


<http://cev.org.br/biblioteca/sexualidade-escola>. Acessado em: 26/10/2010,
às 14:00h
PATTO, M. H. S. A Produção do Fracasso Escolar: histórias de submissão e
rebeldia. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990.

SAYAO, Roseli. Tema proibido: O preconceito contra a homossexualidade


permanece. E como preconceito se combate com a educação, não há como a
escola se esquivar-se mais. Disponível em: <www.cartacapital.com.br/carta-na-
escola/tema-proibido>. Acessado em 26/11/2010, às 17:00h
SOUZA, Hália Pauliv de. Convivendo Com Seu Sexo: Pais e Professores. São
Paulo: Paulinas, 1991.

VALLADARES, Kátia Krepsky. Orientação Sexual na Escola, 2ed. São Paulo:


Quartet,1999.
2o Seminário brasileiro de museologia • 685

BUILDING-SPECIFIC: SOBRE A RELAÇÃO ENTRE OBRA DE ARTE E ARQUITETURA.

Rafael Campos Rangel1

Resumo
O presente artigo aborda a relação entre obras de arte e os espaços que a contém. O
interesse reside nas galerias de arte projetadas e construídas particularmente para
abrigar coleções específicas. Este trabalho tem por objetivo caracterizar as propriedades
espaciais de três galerias de arte localizadas no Instituto Inhotim, em Brumadinho, Brasil:
a) Galeria Adriana Varejão (2008), projetada por TACOA Arquitetos; Galeria Miguel Rio
Branco (2010), projetada por Arquitetos Associados; e Galeria Psicoativa Tunga (2012),
projetada pelo escritório Rizoma. As galerias foram analisadas de acordo com suas
propriedades espaciais, notadamente no que se refere às suas dimensões convexas e
visuais e localização de suas obras de arte. Os edifícios relevaram distintas concepções
de exibição com relação à forma construída, percursos e disposição das coleções. De
maior relevância foi a identificação de um tipo de galeria chamada Building-specific cuja
característica se dá pela indissociabilidade entre conteúdo (obra de arte) e continente
(espaço).

Palavras-chave: Building-specific; Galerias de arte; Inhotim; Arte Contemporânea;


Sintaxe Espacial.

Abstract
The present paper deals with the relationship between works of art and the buildings that
exhibit them. It has a particular interest in galleries that were designed to house specific
collections. The core of the investigation is to understand the relationship between content
and continent through the prism of space configuration and spatial navigation. Three
galleries, part of the Inhotim Centre of Contemporary Art, located in Brumadinho, Brazil,
were taken as case studies: a) Adriana Varejão Gallery (2008), designed by Tacoa
architects; b) Miguel Rio Branco Gallery (2010), designed by Arquitetos Associados; c)
Psicoativa Tunga Gallery (2012), designed by Rizoma. The buildings were scrutinised
according to their spatial properties, notably with regards to their convex and visual
dimensions, and the location of the works of art exhibited in them. The buildings reveal
distinct art gallery concepts with regards to built form, spatial navigation and work of art
positioning. There is major relevance in the identification of a gallery type, named here
building-specific, which is characterised by the indissociability between content and
continent.

1
Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, rafaelrangelarq@gmail.com.
2o Seminário brasileiro de museologia • 686

Key-words: Building-specific; Art Gallery; Inhotim; Contemporary Art; Space Syntax.

••••••••••

Introdução

Este trabalho – ainda em fase de desenvolvimento – aborda a relação entre obra


de arte e o espaço arquitetônico que a exibe. Entende-se que os atributos morfológicos
(HILLIER; HANSON, 1984) dos espaços expositivos estão relacionados aos padrões de
movimento e à constituição de campos visuais, assim como, na disposição e localização
das obras de arte em exibição (AMORIM, 2012). Partindo dessa premissa, o objetivo da
pesquisa consiste em caracterizar as propriedades espaciais de três galerias de arte do
Instituto de Arte Contemporânea Inhotim, localizado em Brumadinho, Brasil (Galeria
Adriana Varejão, 2008; Galeria Miguel Rio Branco, 2010; e Galeria Psicoativa Tunga,
2012) cuja particularidade reside no fato de terem sido projetadas e construídas para
abrigarem obras de arte de um artista específico e, segundo seus organizadores, sua
concepção pressupõe um diálogo direto entre artista, arquiteto e curador. Durante a
entrevista realizada com Rodrigo Cerviño Lopez (Tacoa Arquitetos), o arquiteto levantou
a hipótese de que seu projeto para a Galeria Adriana Varejão poderia ser considerado
um Building-specific. Ao empregar esse termo, o arquiteto busca uma alusão às obras do
tipo Site-specific considerando a referida galeria como uma obra de arte e não apenas
como um edifício que abriga determinado conjunto de obras de arte. Desse modo, o
edifício tornou-se específico por abrigar obras específicas e, da mesma forma, suas
obras tornaram-se Site-specific por instalarem-se em um Building-specific, de modo a
promover uma relação indissociável entre conteúdo (obra de arte) e continente (espaço).
Lopez complementa que “é um prédio que é um ‘building-specific' para um trabalho,
mas (...) depois o trabalho virou um site-specific para esse prédio que era um ‘building-
specific'.” (LOPEZ, 2011).
2o Seminário brasileiro de museologia • 687

As três galerias escolhidas apresentam aspectos peculiares do ponto de vista


arquitetônico – algumas são constituídas por sistemas espaciais não-sequenciais,
oferecendo oportunidades de deslocamento do visitante e outras que conduzem o
próprio visitante enquadrando-o em um percurso sequencial. Apresentam, também,
distintos atributos que podem variar, quanto aos campos visuais, ora opaco, translúcido,
transparente e quanto à acessibilidade, fechado ou aberto. Além da visita ao Instituto
Inhotim e realização de entrevistas com os artistas, arquitetos e curadores, a pesquisa
utiliza o aporte teórico e metodológico da Sintaxe Espacial (HILLIER; HANSON, 1984)
como ferramenta para descrição e análise da configuração espacial dos edifícios, tendo
como foco as dimensões convexas e visuais. Tem por objetivo identificar as formas como
espaço e obras de arte estão relacionados, tendo em vista a presença dos visitantes. Este
estudo, portanto, se fundamenta no argumento de que galerias de arte apresentam
distintas concepções expositivas (CASTILLO, 2008) – não sendo recomendações ou tipos
a serem seguidos – mas que, dentre essas concepções, podemos evidenciar suas
particularidades que provavelmente ainda não foram exploradas a partir dos
enquadramentos teóricos e práticos desenvolvidos no âmbito das discussões curatoriais,
museográficas e, sobretudo, das concepções arquitetônicas, como é o caso da noção de
building-specific.

1. O Instituto Inhotim e suas galerias de arte

Com uma área de visitação abrangendo mais de 110 ha e com mais de 500
obras de arte contemporânea, sua a coleção é exposta em diversas galerias de arte e ao
ar livre, de modo que o contato direto do visitante com a natureza estimule sua
apreciação e contemplação do conjunto das obras. A primeira geração de galerias de
arte construídas no Inhotim reflete o interesse em apresentar a coleção segundo
exposições temporárias. Estas edificações se caracterizam por uma tipologia de galpões
genéricos com paredes brancas e espaços flexíveis cujo interior pode estar associado à
ideia do Cubo Branco (O’DOHERTY, 2007). Em um segundo momento, evidenciando
um redirecionamento do projeto museográfico e expográfico institucional, novas galerias
foram projetadas e construídas com o propósito de abrigar obras de arte de distintos
2o Seminário brasileiro de museologia • 688

artistas. Desta forma, cada galeria seria projetada para abrigar um determinado número
de obras de um mesmo artista.2 Como consequência, arquitetos, curadores e artistas
participam ativamente na concepção desta nova geração de galerias. Três dessas
galerias foram analisadas nesse trabalho.

1.1 Galeria Adriana Varejão (2008)

A GAV foi projetada por TACOA Arquitetos, em 2004 e possui uma área
construída de 558 m². Pode ser definida como um prisma regular de concreto,
encrustado no terreno em declive abrigando dois espaços expositivos nos pavimentos
fechados e um contemplativo localizado na cobertura. O percurso externo é definido por
uma geometria regular sequenciada, cuja linearidade é interrompida pelo espaço
subsequente onde está localizada a primeira obra de arte: Panacea Phantastica (2008).
Duas obras estão expostas no piso térreo: Linda do Rosário (2004) e O Colecionador
(2008). A primeira é uma escultura linear construída em alvenaria localizada na parte
central do piso, enquanto que a segunda representa uma pintura em trompe-l’oiel
concebida para ser uma das paredes do térreo. Do térreo, ainda é possível visualizar a
quarta obra, Carnívoras (2008), composta por cinco painéis de mesma dimensão
localizada na laje da cobertura. A escada permite o visitante acessar o pavimento
superior que, diferentemente do térreo, localiza-se no eixo central do volume superior,
de modo a conduzir o visitante em um movimento circular (espiral) convidando-o para a
quinta obra de arte: Celacanto provoca Maremoto (2008). Composta atualmente por
quatro grandes painéis, suas dimensões definem o limite do espaço. Ainda nesse
pavimento aprecia-se novamente a obra Carnívoras (2008), assim como a obra Linda do
Rosário (2004) em função da abertura existente entre as lajes dos pisos. A ligação entre
o pavimento superior e a cobertura se dá por meio de uma rampa cujo percurso conduz
o visitante, em meio a grandes paredes opacas, permitindo que visualize apenas o céu,
colocando-o previamente em contato com o ambiente natural. Na cobertura encontra-se

2
Do total de 24 galerias que compõe o Instituto, 9 fazem parte dos projetos construídos para artistas
específicos: Galeria Lygia Pape (2012), Galeria Psicoativa Tunga (2012), Galeria Miguel Rio Branco
(2010), Galeria Adriana Varejão (2008), Galeria Cosmococas (2008), Galeria Doris Salcedo (2008),
Galeria True Rouge (2006), Palm Pavilion (2006) e Galeria Marilá Dardot (2002).
2o Seminário brasileiro de museologia • 689

a última obra de arte: Passarinhos: de Inhotim a Demini (2008). O visitante finaliza seu
percurso ao se dirigir para a passarela que interliga a galeria a uma nova trilha.

1.2 Galeria Miguel Rio Branco (2010)

Com uma área construída de 1.540 m², a GMRB foi projetada pelo escritório de
arquitetura mineiro Arquitetos Associados. O edifício possui três pavimentos e encontra-
se revestido com placas de aço patinado natural. O acesso principal situa-se no térreo e
possui ligação direta com a paisagem circundante. O visitante, portanto, inicia seu
percurso descendo as escadas e, na sequência, acessa o espaço de geometria regular
cujas paredes simétricas recebem os painéis de fotografias da série Maciel (1979) e Blue
Tango (1984). O ambiente ainda recebe luz natural em função do fechamento em vidro
translúcido localizado no piso térreo. As obras de arte da galeria localizam-se apenas no
pavimento inferior e superior, tornando o pavimento térreo um espaço de transição cuja
lanchonete e blocos sanitários funcionam como apoio para os visitantes. Ao retornar
para o térreo, o visitante acessa o pavimento superior através da escadaria no lado
oposto. No pavimento superior, o visitante opta por acessar os demais espaços a partir
de diferentes percursos. Um deles conduz para a maior área expositiva onde encontram-
se três grandes obras: Diálogos com Amaú (1983), Tubarões de seda (2006) e Arco do
Triunfo (2004). A maneira como as obras estão posicionadas neste espaço, permite ao
visitante apreciá-las em uma narrativa não-sequencial, com percurso aleatório e,
consequentemente, a possibilidade de encontros e desencontros nesse espaço. Além de
definir os limites do edifício, suas paredes atuam como suporte para as obras de arte em
exposição. A natureza de suas obras necessita de um ambiente com pouca luz e não há
contato direto com a área externa. Ainda nesse pavimento, o visitante é convidado a
retornar ao acesso inicial cujo espaço apresenta cinco painéis de fotografias: Barroco
(1998), Touch of evil (1994), Hell’s diptych (1994), Máscara de dor (1976) e Pêssegos
(1994). Duas outras salas completam o conjunto de obras expostas, sendo a primeira de
geometria irregular e formato trapezoidal, recebe a obra Nada levarei quando morrer,
aqueles que me devem cobrarei no inferno (1985) enquanto que a segunda, de
geometria regular recebe a obra Entre os olhos e o deserto (1997). Após acessar essas
2o Seminário brasileiro de museologia • 690

duas últimas salas, o visitante precisa voltar ao acesso principal e, novamente, utilizar as
escadas que conecta ao pavimento térreo para sair da galeria.

1.3 Galeria Psicoativa Tunga (2012)

A GPT foi projetada pelo escritório de arquitetura Rizoma e possui uma área
construída de 2.194 m². A galeria se destaca pela transparência de seu volume
permitindo o contato direto com a natureza. O visitante acessa a galeria pelas rampas
laterais que o conduz a diferentes percursos. A parte interna da galeria possui dois
grandes espaços intercalados em dois níveis e conectados por uma escada ampla. Os
limites definidores desse espaço caracterizam-se por grandes painéis em vidro
transparente de modo a permitir o contato visual como também físico com a natureza e,
ao mesmo tempo, utilizando-a como pano de fundo para as obras em exibição. Várias
obras de diferentes formatos e dimensões estão distribuídas ao longo desse espaço
contínuo permitindo que visitante aprecie as obras escolhendo seu próprio percurso. O
volume branco fechado na parte central da edificação convida o visitante a experimentar
dois momentos distintos durante seu percurso. O primeiro tem início na sala localizada
no piso inferior cujo acesso se dá através das rampas que margeiam internamente o
volume. Em um ambiente de geometria regular e penumbra, o visitante encontra a
primeira obra de arte da carreira do artista: Ão (1981). Ao retornar à rampa, o visitante
continua seu percurso para o segundo momento localizado na parte superior desse
volume. Nele encontra-se a obra Nosferatu Espectrum (2001). No pavimento superior o
visitante visualiza a partir de diferentes ângulos as demais obras localizadas abaixo
deste. Para retornar ao acesso principal da galeria o visitante dirige-se às rampas e, ao
chegar ao pavimento térreo, tem a liberdade de escolher - em meio às obras dispostas
neste pavimento – seu percurso para a parte externa da galeria.

2. Resultados e Discussão

A partir da descrição prévia da configuração espacial de cada galeria quanto à


sua forma construída, percursos e localização das obras de arte, a etapa subsequente
analisa as galerias a partir das dimensões convexas (HILLIER; HANSON, 1984) e visuais
2o Seminário brasileiro de museologia • 691

(BENEDIKT, 1979; TURNER et al., 2001). Considerando a acessibilidade e visibilidade


como propriedades espaciais, a primeira é descrita como a possibilidade de o visitante
se movimentar entre os espaços expositivos e a segunda como a possibilidade de
visibilidade mútua entre os visitantes e de visualização das obras de arte. (HILLIER;
HANSON, 1984). As relações entre os espaços de exposição foram representados
graficamente por grafos justificados a partir do software JASS (BERGSTEN, 2003)
tomando como ponto de partida os acessos externos de cada galeria.

GAV GMRB GPT

Fig. 1. Grafo Justificado – Amarelo: Espaços


convexos com obras de arte; Preto: Espaços de
transição. Fonte: Autor / Software Jass.

Os grafos demonstraram (Fig. 1) que as galerias apresentam do ponto de vista da


acessibilidade, distintas estruturas espaciais. Essa condição teve como resultado sistemas
espaciais sequencias, como é o caso da GAV por distribuir suas obras de maneira a
promover uma continuidade entre seus ambientes gerando espaços de maior
profundidade, diferentemente dos sistemas não-sequenciais, por distribuir suas obras a
permitir uma subdivisão de seus espaços gerando rotas alternativas, como é caso da
GMRB e GPT. O espaço mais profundo da GAV é a passarela que interliga a saída do
visitante, enquanto que nas demais, classificam-se como salas expositivas. Essa condição
da GAV está relacionada ao seu controle de acessibilidade por apresentar um percurso
possuindo início, meio e fim, diferente das demais.
2o Seminário brasileiro de museologia • 692

Do ponto de vista da visibilidade, em geral, as galerias apresentam (Fig. 2)


determinadas condições que permitem aos visitantes diferentes possibilidades de campos
visuais ao percorrer as salas expositivas. A maneira como as obras da GAV estão
apresentadas no espaço, considerando-as em alguns momentos como o próprio limite
do edifício, permite a condução/atração do olhar do visitante, de modo que o possibilite
visualizar todas as obras da galeria sem precisar desviar sua rota. Por oferecer um
percurso fragmentado cuja direção é definida pelo visitante, a GMRB apresenta espaços
mais introspectivos onde nenhuma sala expositiva mantém contato visual com o exterior.
Algumas salas promovem um campo de visão mais profundo em virtude de suas
dimensões físicas, possibilitando visualizar várias obras de diferentes espaços.

GAV

GMRB

GPT

Fig. 2. Planta Baixa das isovistas a


partir de diferentes pontos no espaço.
Fonte: DepthMap / Autor.
2o Seminário brasileiro de museologia • 693

Contudo, em determinados momentos as obras se apresentam como barreiras


visuais diminuindo seu campo de visão favorecendo, assim, a mudança de percurso. Em
função de sua fluidez espacial, a GPT se destaca por sua integração visual, sendo
possível visualizar grande parte das obras a partir de um único ponto no espaço. As
rampas de transição localizadas no volume central apresentam-se como os únicos
espaços que permitem a condição do campo visual do visitante. Pela natureza das obras
escultóricas, considera-se o piso como principal suporte para apresentação das obras.

O que se pode verificar, portanto, é que as galerias analisadas apresentaram


relações distintas entre as superfícies e seus espaços, entendendo superfície como
suporte para obras de arte. No caso da GAV foi possível identificar obras de arte como
superfícies limítrofes do edifício, a exemplo das obras O Colecionador e Celacanto
Provoca Maremoto. Essa condição demonstra que sua remoção pode alterar certas
propriedades espaciais das salas de exposição revelando os aspectos de
indissociabilidade com o espaço que a contém. Essa condição não se tornou evidente
nas demais galerias por considerar seus suportes como elementos independentes ou
dissociados às obras de arte. Ou seja, à medida que são deslocadas ou substituídas,
muito provavelmente as propriedades espaciais dos espaços expositivos se mantêm. Na
medida em que as propriedades espaciais das galerias de arte relacionam seus espaços
e superfícies de modo a promover uma relação indissociável, podemos considerá-los
como building-specific. Contudo, verificou-se que essa condição se aplicou apenas a
determinados fragmentos da galeria, não necessariamente no edifício como um todo.

Portanto, a partir dos resultados apresentados foi possível revelar as


particularidades de cada galeria evidenciando diferentes questões no âmbito das
discussões curatoriais, museográficas e, sobretudo, das concepções arquitetônicas.
Possivelmente a existência de um edifício que tivesse plena indissociabilidade do objeto
para com o espaço e a condução de uma única narrativa poderia ser aquele que teria
essa condição de building-specific no seu grau máximo. No entanto, essa afirmação não
determina aspectos qualitativos, mas busca evidenciar certas características das
propriedades espaciais das edificações que favorecem um determinado tipo de
2o Seminário brasileiro de museologia • 694

experiência para seus visitantes.

Referências

AMORIM, L. Conduzir y explorar: el sabor de sumergirse en el espacio arquitetónico. En


Blanco: revista de arquitectura. v. 9, p.122 - 123, 2012.

BERGSTEN, L., et al. (2003) JASS: Justified Analysis of Spatial Systems, v1.021.
Stockholm: KTH School of Architecture. www.arch.kth.se/sad/ projects_index.htm

CASTILLO, S. S. del. Cenário da arquitetura da arte: montagens e espaços de


exposições. São Paulo: Martins Editora Livraria Ltda, 2008.

HILLIER, B. e HANSON, J. The Social Logic of Space. Cambridge: Cambridge University


Press, 1984.

O’DOHERTY, B. Inside the White Cube: The ideology of the Gallery Space. California:
University of California Press, 1999.

TURNER, Alasdair et al. From isovists to visibility graphs: a methodology for the analysis
of architectural space. Environment and Planning B: Planning and Design, v. 28, p. 103 -
121, 2001.
2o Seminário brasileiro de museologia • 695

ESPAÇOS AUTÔNOMOS E O DIREITO À CIDADE:


NOVAS FORMAS DE SE FAZER MUSEOLOGIA?

Arantxa Llanos Ciafrino1

Resumo
Projeto de ensino que visa contribuir para a (re)organização e o planejamento
da disciplina Museologia V (Políticas culturais e políticas museológicas), da
Escola de Museologia da UNIRIO, com vistas a (re)alinhá-la com a sua ementa,
adequando-a à complexidade da área ao incorporar uma discussão atual: a
advinda do tripé formado pelo 1) papel dos espaços autônomos focados em
arte instalados na cidade do Rio de Janeiro, 2) sua ação política e estética sobre
o território em defesa do “direito à cidade” preconizado por Lefebvre (2001) e
3) os desafios impostos à prática e à teoria da Museologia e dos museus (em
particular os de arte). Diante da realidade observada, perguntamo-nos: pode-se
depreender um caráter museológico nesses espaços autônomos? Quais
características e processos desses espaços autônomos podem ser apropriados e
ressignificados pelos museus tradicionais de arte contemporânea? A partir da
observação e análise dos aspectos museológicos eventualmente identificados
nesses espaços autônomos é possível pensarmos estratégias para que museus
tradicionais de arte contemporânea estabeleçam novos diálogos com a cidade?
Estaríamos diante de novas formas de se fazer museologia?

Palavras-chave: Museologia; Espaços autônomos; Direito à cidade.

Abstract
Project of education that aims to contribute to the (re)organization and design of
the course named Museology V (Cultural and museological policies) at the
School of museology of the University of Rio de Janeiro (UNIRIO), in order to
(re)align it with its description, and adjust it to the complexity of the area,
incorporating the present discussion based on three fundamentals: 1) the role of
independent places focused on arts in the city of Rio de Janeiro, 2) the political
and aesthetics action in this territory which works in defense of the "right to the
city" studied by Lefebvre (2001), and 3) the several challenges of the theory and
practice of museology and museums (specially museums of art); considering this
reality, could we see a museological aspect in these independent places? Could
traditional museums of contemporary art learn from some of the aspects and
processes of the independent places? Observing and analyzing museological
aspects that could be identified in these places, would it be possible to search for

1
Arantxa Llanos Ciafrino (Bolsista de Ensino/UNIRIO); Vladimir Sibylla Pires (orientador).
Departamento de Estudos e Processos Museológicos; Escola de Museologia; Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro
2o Seminário brasileiro de museologia • 696

strategies for the traditional museums of contemporary art to stablish new


dialogues with the city? Are we facing a new way of doing museology?

Key-words: Museology; Autonomous spaces; Right to the city.

••••••••••

Introdução:

O projeto “Espaços Autônomos e direito à cidade: novas formas de se


fazer museologia?” foi contemplado pelo Edital de Ensino 2015 da
PROGRAD/UNIRIO como parte dos esforços de reestruturação da disciplina
Museologia V (Políticas culturais e museológicas), da Escola de Museologia
daquela Universidade, com vistas a deslocar a ênfase então dada ao estudo da
legislação da área para uma abordagem interdisciplinar que se adequasse aos
desafios impostos pela contemporaneidade. Assim, para as dinâmicas de ensino
e aprendizado utilizadas desde 2014, vêm sendo enfatizadas as estreitas
relações entre Política (com particular destaque à ideia de “ação sobre a pólis”),
Cultura (em suas dimensões sociológica e antropológica), Cidade (com ênfase
no direito de todos à ela) e Museologia (em especial sua função social).

Diante deste novo foco, os espaços autônomos (EAs) mantidos por


coletivos criativos - em contraste com as práticas e propostas dos tradicionais
museus de arte - foram escolhidos como primeiro conteúdo a ser trabalhado
com vistas a conduzir a disciplina nesse rumo às discussões contemporâneas de
nossa área. Assim, partiu-se de um levantantamento preliminar de espaços
autônomos instalados e atuantes no Rio de Janeiro com vistas a verificar
aproximações e afastamentos com o preconizado pelo campo, a partir da
análise do tripé formado pelo 1) papel dos espaços autônomos focados em arte,
2) sua ação política e estética sobre o território em defesa do “direito à cidade”
preconizado por Lefebvre (2001) e 3) os desafios impostos à prática e à teoria
da Museologia e dos museus (em particular os de arte).
2o Seminário brasileiro de museologia • 697

O objetivo geral desta pesquisa é analisar, sob a ótica da


Museologia, os espaços autônomos que vêm surgindo no Rio de Janeiro nos
últimos anos, com especial ênfase para as suas interações com a cidade. A
partir desse objetivo geral foram estruturados os demais objetivos a seguir:
identificar quais as características desses espaços autônomos os aproximam (ou
os afastam) de espaços museológicos tradicionais; a partir da compreensão do
conceito de “direito à cidade”, de Henri Lefebvre (2001), e de sua aplicação na
análise de espaços autônomos, identificar como os processos e relações com a
cidade construídos por esses espaços podem (ou não) ser relacionados à teoria
do filósofo e, por extensão, podem (ou não) ser absorvidos pelos princípios
preconizados pela Museologia; por fim, avaliar como as práticas internas desses
espaços podem contribuir para que os museus tradicionais de arte possam
desenvolver novos diálogos e projetos com a sociedade contemporânea.

A metodologia adotada foi composta de observações in loco e a


realização de entrevistas com organizadores e/ou participantes dos EAs, visando
reunir, organizar e disponibilizar - primeiramente de forma compreensiva,
posteriormente de forma analítica - informações sobre esses espaços e suas
práticas. Para tanto, foram escolhidos sete espaços autônomos instalados e
atuantes na cidade do Rio de Janeiro - Casa Nuvem, Capacete, És uma maluca,
Comuna, Barracão Maravilha, Catete 92 e Olho da Rua - a cujos representantes
foram conduzidas entrevistas seguindo um roteiro-base que enfatizou aspectos
diversos, a saber: Identificação e caracterização do espaço; Forma de gestão;
Atividades desenvolvidas e, por fim, Relação com a cidade. Em paralelo ao
trabalho de campo vem sendo desenvolvido também um levantamento
bibliográfico que contempla tanto o campo da Museologia (com especial
destaque para a Museologia Social e a Museologia Crítica), como o estudo e a
compreensão crítica do conceito de “Direito à cidade” preconizado pelo filósofo
Henri Lefebvre (2001), e sua aplicabilidade à prática dos museus tradicionais de
arte na contemporaneidade.

Resultados parciais:
2o Seminário brasileiro de museologia • 698

Sobre espaços voltados à arte contemporânea, e que estejam


pensando novos processos colaborativos e experimentais, podemos falar sobre
os espaços autônomos,

(...) também conhecidos como “espaços independentes”, “espaços


alternativos”, “espaços autogestionados”, “espaços experimentais”, ou,
ainda, no caso da Europa e América do Norte, “centros culturais
independentes” e “artist-run spaces”, entre outros (...). Eles são parte
de um conjunto de práticas autônomas, governadas por políticas e
dinâmicas intensivas, por processos não lineares e por um ideal de
autogestão, liberdade e resistência (NUNES, 2013, p.14).

O que interessa aqui, é pensar de que forma a observação desses


espaços, por parte da museologia, pode vir a contribuir para o desenvolvimento
de novos processos museais. Isto porque esses espaços incorporam-se à
dinâmica da cidade como lacunas entre os processos comuns aos espaços de
arte institucionalizados que, engessados em seu modus operandi, encontram-se
hoje mantendo uma estrutura expositiva, comunicacional e processual incapaz
de suscitar novas experiências dentro do seu espaço. Com a proposta de se
manterem como espaços experimentais, os espaços autônomos são, ao
contrário, lugares abertos a novas propostas e processos, que movimentam
intervenções e manifestações na cidade, atuando no que se chamaria “luta pelo
direito à cidade”.

Vale apena citar, neste sentido, a experiência dos Domingos de


Criação no MAM promovidos por Frederico Morais na década de 1970, que
atraíam um grande número de pessoas e que contribuíram na formação de
toda uma geração de artistas, manifestos e na criação de um público que
passou a frequentar o MAM todo domingo. O Bloco Escola, com os atêlies-
escola, assim como a cinemateca foram importantes elementos nesse período
fértil de criação artística que viveu a cidade dentro de um museu.

No MAM, os artistas ocuparam as áreas de circulação, o entorno, os


jardins, forçando também, dentro do próprio museu, a criação de
novos espaços destinados a abrigar manifestações experimentais, que
passavam à margem do circuito oficial. (RUIZ, 2013, p.49 - 50).

Levando-se em conta a passagem acima, o enfrentamento dessa


demanda atual dos EAs, a partir de um olhar oriundo da museologia, conduz-
2o Seminário brasileiro de museologia • 699

nos aos seguintes questionamentos inevitáveis: museus de arte não deveriam ser
espaços abertos para uso de práticas artísticas locais? Por outro lado, o que
aconteceu que os levaram a deixar de lado um papel que já tiveram?

Em “O direito à cidade”, Henri Lefebvre (2001) descreve o conceito como


inerente à vida urbana, transformada e renovada. Para que as cidades
alcancem tal posição, Lefebvre (2001) escreve que se pressupõe uma teoria
integral da cidade e da sociedade urbana que utiliza dos recursos da ciência e
da arte a seu favor. O que se relaciona com os novos diálogos que espaços
autônomos vêm estabelecendo com a cidade, fazendo uso da arte. Através de
manifestações, happenings e performances, tais espaços têm iniciado novos
diálogos com a cidade e aproximado arte e política ao que Lefebvre (2001)
descreveu como o direito à cidade e a teoria integral da cidade e da sociedade
urbana. A construção de uma nova cidade, voltada à apropriação através e
sobretudo da arte, que é reconstituída em seu sentido e fruição. Sobre essa nova
cidade, Lefebvre (2001) aborda a necessidade de serem criados novos lugares
qualificados, lugares de simultaneidade e de encontro. Encontros não gerados
por trocas meramente comerciais. Os museus como nós os conhecemos (e que
estamos aqui apresentando de forma crítica) já existiam, é claro, quando
Lefebvre (2001) escreveu seu livro mas, assim como outros filósofos e cientistas
sociais, não reconheceu neles a possibilidade de serem compreendidos ou
transformados nesses espaços destinados a receber a simultaneidade e o
encontro.

Vale lembrar que o direito à cidade em Lefebvre (2001) não é um


mero direito de acesso à cidade, mas o direito de que temos de a transformar.
Espaços autônomos simbolizam a necessidade, expressa pela própria
construção desses espaços, de reconquista coletiva da rua e de revindicação por
espaços de encontro. Algo que se dá a partir do próprio surgimento desses
espaços, momento em que há a tomada do espaço “público” para construção
de espaços abertos ao encontro com o outro. Ou seja, é a apropriação e
ocupação de um espaço que deveria ser partilhado para torná-lo efetivamente
um lugar comum.
2o Seminário brasileiro de museologia • 700

Conclusões parciais:

A intenção por trás dessa pesquisa é que, a partir do mapeamento das


características próprias aos espaços autônomos, possam ser pensadas outras
estratégias para espaços museológicos tradicionais de arte. Estratégias que
apontem alternativas possíveis às relações hoje existentes estre essas instituições
e seus públicos, ou seja, possíveis novas formas de se fazer museologia.

Manuel Borja-Villel (2011), diretor do Museu Nacional Centro de Arte


Reína Sofia, escreve sobre novas formas de se fazer museologia, ou novas
formas de “institucionalidade”, que confrontam o modus operandi de museus
tradicionais de arte presos a características que herdaram dos museus do século
XVIII. Borja-Villel (2010) questiona o papel e a forma como operam os museus
hoje, levantando a discussão sobre como deve agir o museu contemporâneo,
em meio ao capitalismo cognitivo, reconhecendo que, fora do museu há uma
multidão de agentes individuais e coletivos, dotados de uma potência de
produção cultural e criativa que era ignorada em outros tempos. Hoje, o Reina
Sofia, assim como outros museus, centros culturais, espaços autônomos e
experiências artísticas, procuram agir a partir do reconhecimento destes
indivíduos e redes como sujeitos políticos.

Assim, dentre tudo o que foi observado in loco até o presente momento, e
reiterado pelas entrevistas realizadas, foram identificados quatro aspectos que
marcam os EAs e que podem vir a contribuir para o desenvolvimento de
estratégias comunicacionais ou organizacionais por parte de museus
tradicionais de arte que estejam pensando novas formas de se relacionar com o
público, com a cidade ou mesmo com os seus processos de gestão: 1) o fato
desses espaços terem, nos últimos anos, servido como espaços para formação
de artistas e críticos; 2) o seu caráter experimental presente nas atividades e
concepção dos próprios espaços; 3) o fato de servirem como ateliê de artistas
carentes por espaços públicos para desenvolver seus trabalhos; por fim, 4) os
modelos de gestão e sua organização jurídica.
2o Seminário brasileiro de museologia • 701

O lugar que os EAs vêm ocupando nos últimos anos em diversas cidades
do mundo e pelo qual têm sido positivamente reconhecidos por quem os
conhece e frequenta, refere-se a sua importância como espaços de formação
em artes visuais, tanto para aqueles interessados na prática artística como para
aqueles interessados em exercitar uma visão crítica sobre arte contemporânea.
Neste sentido, todos têm encontrado nesses espaços: cursos, workshops,
seminários e atividades educativas em todos os tipos e formatos, sejam de
educação formal ou não-formal, a maioria gratuitos e organizados de forma
colaborativa.

Os EAs assemelham-se por assumirem a imprevisibilidade e o não


controle como essenciais para a dinâmica das casas. Pretendem, assim, ser
espaços de experimentação, não apenas na forma como se organizam, como
também nos processos e atividades que abrigam. Entre os EAs estudados
muitos, por exemplo, aceitam que qualquer interessado possa ali expor. Não
existe curadoria. Com isso, eles pretendem se afirmar tanto como um espaço
para experimentação como de formação de quem está começando sua
produção como artista.

A forma como esses espaços são geridos é, portanto, o que realmente os


diferencia dos museus tradicionais de arte. Se os espaços existem (e resistem) é
graças à reunião de esforços dos grupos que administram as atividades e os
gastos; pensam formas alternativas de arrecadar verba para os projetos, bem
como formas de atrair pessoas e desenvolver parcerias, e sempre tratando tudo
isso da forma menos autoritária e hierarquizada possível. Espaços como o
Catete 92 e a Casa Nuvem, por exemplo, incentivam a horizontalidade das
decisões, criando assembléias e reuniões nas quais todos os integrantes - que
são usuários e, portanto, gestores dos espaços - participem nas tomadas de
decisões relacionados às casas.

Acreditamos, portanto, que espaços autônomos podem, diante do


apresentado, servir como objeto de estudo para uma reflexão crítica sobre os
museus tradicionais de arte não apenas pelas formas de organização que vêm
adotando, mas pelas relações que estabelecem com o público.
2o Seminário brasileiro de museologia • 702

Referências

BORJA-VILLEL, Manuel. Hacia una nueva institucionalidad. Carta, Madrid, n.1,


Primavera-Verano, 2010, p.1-2.

_____. Pueden los museos ser críticos? Carta, Madrid, n.2, Primavera-Verano,
2011, p.1-2.

LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001.

NUNES, Kamilla. Espaços autônomos de arte contemporânea. Rio de Janeiro:


Editora circuito, 2013.
RUIZ, Giselle. Arte/Cultura em trânsito - O MAM/RJ na década de 1970. Rio de
Janeiro: Mauad X: Faperj, 2013.
2o Seminário brasileiro de museologia • 703

MUSEUS ACESSÍVEIS: A INFLUÊNCIA DA MALHA URBANA NA DIFUSÃO DO


ACESSO À CULTURA.

Marília Chaves Lima1

Resumo
Investigar a relação entre a difusão da cultura na cidade e as configurações de
mobilidade urbana é o objetivo central deste trabalho, bem como refletir sobre
o papel dos museus na sociedade contemporânea – será o museu apenas um
centro de conservação ou terá ele um papel fundamental na comunicação e nas
trocas sociais? Como estudo de caso, foi escolhida a cidade de Fortaleza - CE,
comparando o mapeamento dos museus com analises sintáticas de sua malha
urbana. A partir dos questionamentos e dados analisados, pretende-se
identificar a relação já existente na cidade e também locais estratégicos na
malha urbana que possam ser aproveitados para além do seu potencial de
conectividade, servindo como centralidades de troca e dinamização cultural em
rede e constituindo uma estratégia urbanística de gestão da cultura.

Palavra-chave: Difusão cultural; Acesso à cultura; Mobilidade urbana.

Abstract
To investigate the relation between the cultural diffusion in cities and the urban
mobility configurations is the main aim of this work, as well as to think about the
functions of the museum in contemporary society, in a global way. Is the
museum only a conservation center or has it a fundamental task in
communication and in social and cultural exchanges? As case study, we focus on
the city of Fortaleza –CE, comparing the mapping of museums with the
syntactical analysis of its urban fabric. On the data found, we seek to identify the
existing relation in city and strategic places in the fabric that could be used
beyond its potential of connectivity, serving as centralities of cultural dynamism
linked in networks and constituting an urbanistic approach of cultural
management.

Keywords: Cultural diffusion; Access; Urban mobility.

••••••••••

1
Graduanda em Arquitetura e Urbanismo da UFPE, E-mail para contato:
mariliachaves.li@gmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 704

O PAPEL DOS MUSEUS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: LUGARES


INTROSPECTIVOS OU COMUNICATIVOS?

Museus são considerados como espaços públicos. Mais precisamente


espaços interiores públicos (VARGAS, 2002), e assim devem ser, visto que o
acesso à arte e a cultura é por lei um direito de todos2. Para serem de fato
públicos, é consenso que estes equipamentos devem ser acessíveis em sua
arquitetura, inclusive para pessoas com necessidades especiais, mas, no
entanto, nem sempre parece estar muito clara a necessidade de que estes
equipamentos sejam acessíveis dentro do contexto urbano, visto que muitas
cidades apresentam museus afastados dos eixos de intensa movimentação
urbana, ou até mesmo têm zonas culturais, com museus concentrados em
alguma área específica da cidade.

Além disso, “a visão tradicional do Museu coloca a coleção e o público


como entidades separadas e distantes” (FILHO, 2006), apostando em políticas
educacionais para integrar essas entidades. Isto acaba por criar um paradoxo: o
de que no intuito de aproximar as pessoas da arte, ao fazer isto por meio de
ações educacionais institucionalizadas, se pode criar ainda mais distanciamento
e acabar por comunicar as pessoas que “de fato as portas da arte só se abrem
depois do esforço representado por um treinamento orientado” (TEIXEIRA
COELHO, 1979). Talvez por este conceito de coleção e público como entidades
separadas, ao longo de sua história os museus acabaram sendo centros de
conservação de conhecimento e de objetos de valor segundo visões
hegemônicas da sociedade, e se constituindo com uma imponência que cria
barreiras com o público. Museus muitas vezes são vistos como lugares de
introspecção, de sacralização do conhecimento, onde o acesso a informação
ocorre de maneira monitorada e guiada, isto é indireta, entre público e obra. O
controle de acesso à informação se manifesta inclusive (e as vezes
principalmente) por meio da arquitetura. De fato, o caráter introspectivo dos
museus não é algo negativo no que se refere ao momento de reflexão, no
entanto, se se considera que a principal função do museu é comunicar visando

2
Art. 215 da Constituição Federal, 1988.
2o Seminário brasileiro de museologia • 705

ampliar o conhecimento, questiona-se que esta comunicação seja feita de


maneira unidirecional (isto é, da instituição para o público).

Assim, a questão da acessibilidade aos museus parece depender de três


principais variáveis: Uma variável imaterial, que é a da gestão cultural, guiada
segundo conceitos sobre a função que os museus devem desempenhar; E duas
variáveis materiais, que são: A arquitetura, tanto em questão de ordenamento
de fluxos internos do edifício e sua relação com a rua, quanto em questão de
expressão estética (visto que os museus com dimensão estética destacada
costumam atrair atenção); E a inserção urbana, pois como já mencionado, as
condições de acesso podem ser determinantes nos tipos de público
frequentadores dos museus. Desta maneira, considera-se que mesmo um museu
que tenha uma gestão integrada ao público, se este apresentar uma arquitetura
que dificulte as relações rua-edifício ou mesmo dentre as galerias ou uma
inserção urbana que crie barreiras ao acesso de variadas classes da população,
estes são aspectos contrários à difusão do acesso à informação. Posteriormente
à discussão dos dados secundários obtidos, objetiva-se explorar a influência da
variável urbana através do mapeamento da localização de museus versus a
análise sintática do sistema viário tendo como estudo de caso a cidade de
Fortaleza, Ceará e com objetivo de identificar fraquezas e potencialidades na
rede de equipamentos culturais.

O ACESSO À CULTURA E SUA RELAÇÃO COM A MOBILIDADE URBANA

Especialmente após o sucesso midiático do museu Guggenheim em


Bilbao em 1997, a adição de equipamentos culturais como maneira de
revitalizar áreas degradadas tem sido vista como uma fórmula mágica capaz de
reaquecer economias locais e atrair fluxos turísticos. De fato, os usos culturais
agregam valor ao território e são capazes de gerar grandes ganhos
econômicos, visto também que na fase atual do capitalismo “os sistemas de
produção, distribuição e de consumo são impregnados, penetrados,
remodelados por operações de natureza fundamentalmente estética”
2o Seminário brasileiro de museologia • 706

(LIPOVETSKY e SERROY, 2015). Essa estratégia tem se repetido ao redor do


mundo, e embora seja capaz de atrair pessoas nem sempre oferece uma
oportunidade de real engajamento com a arte, pelo menos não para a maioria
dos cidadãos. Este fator indica que essa estratégia, conhecida como culture led
regeneration, se aproxima e se alinha mais às atuais tendências de consumo
capitalista de lugares (através da lógica do turismo) do que de uma
convergência de esforços visando ampliar o acesso de diferentes classes da
população à cultura e à arte.

Ora, se um edifício público não tem fácil acesso na cidade, ou seja, se o


deslocamento urbano feito para que se chegue a um edifício público é desigual
entre as pessoas de diversas classes sociais ou é até mesmo inacessível para
algumas (que não possuem automóveis, por exemplo), então poderá este
edifício ser considerado como público, mesmo que sua arquitetura seja
acessível?

Em adição, se se pretende ampliar a difusão da cultura dentre os diversos


meios da sociedade, bem como incluir possibilidades de novos tipos de
manifestações artísticas e ampliar as possibilidades de criação, porque não
popularizar os museus, porque não incluí-los em lugares por onde circulam um
grande número de cidadãos de variadas características? Em outras palavras, se
as pessoas não vão aos museus, porque os museus não vão às pessoas? Parece
um contrassenso falar em ampliar o acesso à cultura sem se pensar em
estratégias de gestão cultural aliadas à mobilidade urbana. Como se pode
esperar ampliar o acesso à cultura sem que se planeje locais estratégicos para a
inserção de usos culturais?

É ingenuidade pressupor que os cidadãos não procuram museus apenas


por falta de interesse ou de educação, pois se assim fosse, as recentes
experiências de arte urbana como o grafite, o urbanismo tático e as
performances não teriam conseguido atingir tantas pessoas e abrir uma nova
perspectiva no mundo da arte, anunciando, talvez, um tempo onde o museu
seja cada vez mais o mundo, como afirmou o performer brasileiro Hélio
Oiticica. (BRAGA, 2013)
2o Seminário brasileiro de museologia • 707

Se globalmente o quadro é de revisão dos modos de produção de


museus, localmente em nosso país temos ainda um quadro de não
aproveitamento máximo do potencial artístico-cultural latente em nossa
sociedade, fazendo com que a questão do acesso à cultura seja ainda um dos
principais entraves à melhorias na qualidade de vida e no grau de educação da
população. Essa necessidade foi identificada como uma das bases do Plano
Nacional de Cultura, de 2012, elaborado pelo Ministério da Cultura e tendo
uma série de metas a serem desenvolvidas até 2020. Segundo a UNESCO:

“A relação entre cultura e direitos humanos, bem como de seu papel


na luta contra a discriminação, são questões que o Brasil enfrenta.
Entretanto, a integração da cultura com as demais políticas sociais é
uma experiência recente que necessita ser aperfeiçoada. O momento
é de reconhecimento dos direitos culturais como necessidade básica e
direito dos cidadãos, o que conduz à busca de uma agenda integrada
com as políticas sociais e de desenvolvimento.”

Afirmar que o Brasil é um país diverso culturalmente é cair em lugar-


comum, pois esta assertiva tanto é sensível pela vivência cotidiana como
também faz parte de um discurso político já bastante difundido. De fato, nosso
país apresenta uma produção cultural diversificada, tanto no que diz respeito à
questão de âmbitos culturais como de diversidade de estilos, mas principalmente
apresenta um grande potencial a ser desenvolvido. No entanto, apenas uma
pequena parcela da população vivencia de maneira mais ativa o meio cultural.
E embora a questão do acesso à cultura esteja também vinculada à questão da
renda, conforme se pode observar na tabela 2, a má localização dos
equipamentos culturais surgiu como um fator determinante para reduzir seu uso
pelos brasileiros.

Segundo a pesquisa SIPS, IPEA, 2010, os equipamentos culturais, são


percebidos como mal situados por 51% dos entrevistados no Brasil, dentre todas
as regiões do país. Ainda segundo o relatório:

“O comércio, no entanto, foi apontado como bem situado por um


percentual próximo a 59,5% dos entrevistados. Obviamente, os
espaços urbanos devem oferecer, nas proximidades dos domicílios,
serviços que permitam comodidade, tais como feiras, mercadinhos de
produtos de alimentação, limpeza e vestuário, padarias, etc. No
entanto, se constata, por essas percepções, o privilégio dado a essa
2o Seminário brasileiro de museologia • 708

dimensão funcional da organização urbana em detrimento de outras


dimensões importantes da qualidade de vida (acesso a espaços
verdes, espaços para práticas associativas, esportivas e culturais)”.

Percepção de “mal situado” relativa aos espaços para práticas culturais e sociais nas grandes regiões
brasileiras. Fonte: Pesquisa SIPS – IPEA, 2010.

Percepção dos espaços para práticas culturais e sociais por classes de renda. Fonte: Pesquisa SIPS – IPEA,
2010.

Nota-se que houve uma diminuição de pontos percentuais entre pessoas


de renda mais alta que afirmaram a má localização dos equipamentos culturais,
mas mesmo assim, de modo geral há uma unanimidade entre todas as faixas
de renda. Segundo conclusão do próprio IPEA, existem “liames estreitos entre
organização do espaço urbano e a percepção de que a distribuição de
equipamentos públicos de lazer e culturais não é a ideal, no sentido de gerar
oportunidades de fruição e consolidação do gosto pelas práticas culturais.”
(Cultura em números: anuários de estatísticas culturais, 2010)
2o Seminário brasileiro de museologia • 709

É preciso que se faça projetos de cultura não apenas para a população


que busca o conhecimento artístico, que busca os museus, cinemas, etc. O
ponto crítico refere-se justamente aos usuários que não procuram ou não tem
condições financeiras – espaciais (no que se refere a questões de deslocamento)
de buscar a ampliação de sua vivência cultural. Mas porque uma parcela da
população não busca ampliar seus horizontes culturais? Primeiramente é preciso
considerar que existem necessidades essenciais a serem supridas na vida das
pessoas, tais como: alimentação, trabalho, moradia. O lazer é visto como uma
necessidade para além das necessidades básicas. É natural que se priorize o
tempo e os recursos financeiros para o cumprimento das necessidades
essenciais, e assim, ocorre que quanto menos recursos financeiros se tem,
menos possiblidade de direcioná-lo para fins ‘não essenciais’ se terá. Mas esta
não é a única causa para o problema. Uma aspecto fundamental é o do
espaço-tempo, ou seja, quanto tempo se gasta para realizar as tarefas
essenciais, incluindo aí o deslocamento no espaço (na cidade) para a realização
dessas tarefas (SANTOS, 2007). Assim, a questão do acesso a arte é em grande
medida uma questão de acessibilidade do espaço urbano e mobilidade na
cidade, já que quanto mais afastados ou em áreas de acesso restrito a poucos
modais de transporte estiverem os equipamentos culturais, menores parcelas da
população (que dispõe de recursos e tempo) poderão acessá-los.

Desta constatação é possível retirar a seguinte conclusão: a de que, se se


tem intuito de fazer com que as pessoas tenham mais contato com usos
culturais, esses usos devem ser inseridos em lugares de grande acessibilidade na
malha urbana. Assim, o papel dos museus e centros de arte na construção de
uma maior informação cultural diz mais respeito à maneira como eles existem
do que se existem. A questão aqui não é haver museus, mas onde eles estão e
como estão inseridos, e como o usuário é incluído, tanto no aspecto urbano
quanto arquitetônico.
2o Seminário brasileiro de museologia • 710

Referências

BRAGA, P. Hélio Oiticica: singularidade, multiplicidade. 1. ed. São Paulo:


Perspectiva, 2013.

CAMPOS, L. J. D. O museu é o mundo: Intervenção na cidade e estranhamento


do cotidiano dos fluxos urbanos. Rosa dos Ventos, Caixias do Sul, v. 4, p. 599-
608, out-dez 2012. ISSN 21789061.

CRARY, J. Suspensões da percepção: Atenção, espetáculo e cultura moderna.


Tradução de Tina Montenegro. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

Cultura em números: anuários de estatísticas culturais. Brasília. 2010. (984-


543X).

FILHO, D. D. L. Museu: De espelho do mundo a espaço relacional. (Tese) São


Paulo, 2006.

LIPOVETSKY, G.; SERROY, J. A estetização do mundo - viver na era do


capitalismo artista. Tradução de Eduardo brandão. 1ª. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2015.

MACDONALD, S. (Ed.). A companion to museum studies. Oxford: Blackwell


companions in cultural studies, 2006. ISBN 978-1-4051-0839-3.

PSARRA, S.; CAPILLE, C. Space and planned Informality: strong and weak
programme categorisation in public learning environments. In: KIM, Y. O.;
PARK, H. T.; SEO, K. W. Proceedings of the ninth international space syntax
symposium. Seoul: Sejong University, 2013. Cap. 009.

SANTOS, M. O espaço do cidadão. 7ª edição. ed. São Paulo: EdUSP, 2007.


ISBN 978-85-3 14-097 J-4.

TEIXEIRA COELHO, J. A construção do sentido na arquitetura. São Paulo: ed.


Perspectiva, 1979.

VARGAS, H. C. A sustentabilidade dos espaços de uso público. ANPPAS - I


encontro da Associação nacional de pós graduação e pesquisa em ambiente e
sociedade. Indaiatuba, SP: [s.n.]. 2002.
2o Seminário brasileiro de museologia • 711

AS NOVAS FERRAMENTAS NA CONSERVAÇÃO MUSEOLÓGICA


A ELABORAÇÃO DO “PROTOCOLO PARA A CURADORIA DE MICROVERTEBRADOS
FÓSSEIS” EM SUPORTE AUDIOVISUAL

Woltaire Baudelaire Masaki da Costa1

Christiane Sofhia Godinho Santos2


Resumo
A Conservação Preventiva, ações destinadas a salvaguarda de acervos considerando
principalmente atuações indiretas nos mesmos, pode ter um caráter geral, adotando
leis e regulamentos para a proteção dos bens museológicos ou específicos, como o
controle ambiental. Considerando esta prática atual de conservação museológica,
estabeleceu-se em 2014 o chamado “Protocolo para a Curadoria de Microvertebrados
Fósseis”. Depositados na Reserva Técnica de Paleontologia, Minerais e Rochas, do
Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG), encontramos espécimes de microvertebrados
fósseis, representados em sua integralidade por restos esqueletais microscópicos de
peixes, também chamados de Ictiólitos. O protocolo foi organizado visando o
estabelecimento de um padrão curatorial para o tratamento dos microfósseis e
estabelecido em documento de texto digital e impresso, que guiam o leitor desde o
momento da coleta até a documentação dos mesmos dentro dos museus. Porém, a
configuração de tal documento pode dificultar a compreensão por parte dos leitores,
principalmente estudantes inseridos em museus sem preparo adequado para
tratamento de exemplares museológicos. Portanto, busca-se neste trabalho a utilização
da ferramenta do audiovisual como forma de auxiliar estudantes e pesquisadores que
se proponham a trabalhar com tais artefatos museológicos e estabelecer uma nova
ferramenta para a conservação museológica, transpondo o Protocolo do suporte
textual digital e impresso para o meio audiovisual através da formulação de um vídeo
didático explicativo, produzido por profissionais atuantes nestes acervos e um
profissional da área audiovisual. Considerando que o ser humano aprende muito
observando o mundo que o cerca, o audiovisual tem sido um meio de aproximação e
de educação em todas as áreas da organização humana. A produção do vídeo,
apesar de ainda se encontrar na sua primeira etapa de elaboração, possibilitará novas
formas de compreensão para práticas estabelecidas em ambientes museológicos
permitindo uma compreensão mais global e detalhada das ações que o mesmo
dialoga.

Palavras-chave: Audiovisual, Protocolo, Conservação Museológica, Bens Museológicos

Abstract: Preventive Conservation could have a general character, actions to keep


collections safe considering mainly indirect acts in them adopting laws and regulations
in order to protect museological heritage or specific items, like the environmental
control. Considering this museum conservation current practice, it was established in

1
Discente do curso de Bacharelado em Cinema e Audiovisual, E-mail para contato:
woltairemasaki@gmail.com
2
Bacharel em Museologia, Professora do Instituto de Ciências da Arte da UFPA, Coordenação
de Museologia, E-mail para contato: christianegsantos@gmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 712

2014 the "Protocol of Fossil Microvertebrate Curatorship". Placed in Paleontology,


Minerals and Rocks Technical Reserve of Emilio Goeldi Museum (MPEG), we find fossil
microvertebrate specimens, represented in its entireness by microscopic skeletal remains
of fish, also called Ichthyolites. The protocol was organized to establish a curatorship
standard for the treatment of microfossils and published in digital and printed
document able to guide the reader from the point of collection to the documentation in
the museums. However, the configuration of such document may provide
misunderstanding among some readers, especially students placed in museums without
proper training for treatment of museological samples. Therefore, this work proposes
the use of audiovisual tool as a way to help students and researchers who intend to
work with such museum artifacts and, to establish as a new tool for museum
conservation, transposing the digital and printed document support Protocol into
audiovisual field by formulating an explanatory teaching video produced by
professionals who works with these museums collections and an audio-visual
professional. Whereas the human being learns a lot by watching the world around, the
audiovisual has been a way of approach and education in all areas of human
organization. Despite of being in its first preparation step, the video production will
enable new ways of understanding to established practices in museum environments
hence allowing a overall and detailed understanding of the actions in it.
Keywords: Audiovisual Protocol, Museology Conservation, Museological Heritage.

••••••••••

Conservação – todas aquelas medidas ou ações que tenham como


objetivo a salvaguarda do patrimônio cultural tangível, assegurando
sua acessibilidade às gerações atuais e futuras. [...] Todas estas
medidas e ações deverão respeitar o significado e as propriedades
físicas do bem cultural em questão (ICOM-CC, 2008, p. 2).

Por mais de dois séculos, o ato de conservar artefatos dentro do âmbito


museológico foi executado para atender demandas institucionais, sendo assim,
tais objetos passavam por proteção apenas contra incêndios, roubos, entre
outros, abrangida de forma estática apenas para a proteção física e jurídica dos
bens culturais nos museus (MIRABILE, 2010).
A ideia da conservação museológica, como é vista atualmente, nasceu no
século XVIII com o início das pesquisas sobre agentes de degradação do
patrimônio, utilizando técnicas de substituição de suportes (ZANATTA, 2011).
Desde então, até os dias atuais, as pesquisas voltadas às novas práticas de
conservação museológica têm ganhado novos panoramas. A mais recente é a
2o Seminário brasileiro de museologia • 713

chamada Conservação Preventiva, ações destinadas a salvaguarda de acervos


considerando principalmente atuações indiretas nos mesmos, podendo ter um
caráter geral, adotando leis e regulamentos para a proteção dos bens
museológicos ou abordando temas específicos, como o controle ambiental
(ALARCÃO, 2007).
Pessi (1992) afirmou que a Conservação Preventiva “Há longo prazo, é o
mais eficiente método de conservação, não somente para museus, mas
particularmente para bibliotecas e acervos etnográficos, de história natural e
materiais geológicos”3. A análise da conservação de exemplares de uma
coleção a curto e longo prazo é uma das medidas mais críticas dos responsáveis
pelos bens museológicos, necessitando de uma observação constante visando
que as amostras não sejam perdidas e/ou danificadas (FAVRET et al., 2007).
Considerando tais práticas de conservação museológica, estabeleceu-se
em 2014 o chamado “Protocolo para a Curadoria de Microvertebrados
Fósseis”4. Depositados na Reserva Técnica de Paleontologia, Minerais e Rochas,
Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG), encontramos espécimes de
microvertebrados fósseis, representados em sua integralidade por restos
esqueletais microscópicos de peixes, também chamados de Ictiólitos (Fig. 1).
Esta coleção comporta mais de dois mil exemplares tombados no Acervo de
Vertebrados do MPEG, que se encontravam dispostos de maneira inadequada,
impossibilitando o manuseio e facilitando a perda deste material.

3
P. 18
4
Tal documento foi elaborado para o Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “CURADORIA
MUSEOLÓGICA DE MICROFÓSSEIS. A Coleção de Ictiólitos do Museu Paraense Emilio Goeldi”.
Defendido para obtenção do grau de Bacharel em Museologia na Universidade Federal do
Pará.
2o Seminário brasileiro de museologia • 714

Figura 1 - Exemplares de Ictiólitos que compõem o acervo de microvertebrados do MPEG, dentre eles
dentes e escamas. Autoria: Christiane Santos.

Considerando a necessidade de estabelecimento de um padrão quanto à


curadoria de microfósseis, mais especificamente Ictiólitos, foi confeccionado um
protocolo, visando não só o auxílio a estudantes e pesquisadores que já atuam
na área, mas qualquer instituição que necessite adequar as práticas
estabelecidas para a conservação preventiva destes exemplares. O protocolo
(Fig. 2) foi organizado em documento de texto digital e impresso, elaborado em
etapas que guiam o leitor para a coleta e tratamento dos exemplares.
2o Seminário brasileiro de museologia • 715

Figura 2 – Imagem do Protocolo para a Curadoria de Microvertebrados Fósseis, elaborado como um guia
pra auxiliar estudantes e pesquisadores nas práticas de conservação museológica. Autoria: Christiane
Santos.

Atendendo a inexistência de referencial bibliográfico específico referente


à curadoria deste tipo de acervo, o uso do protocolo por parte de pesquisadores
e das instituições museológicas permite a padronização das ações destinada à
curadoria destes materiais e amplia as chances de permanência destes
espécimes. Porém, a configuração de tal documento pode dificultar a
compreensão por parte dos leitores, principalmente estudantes inseridos em
Reservas Técnicas de museus que não tem o preparo adequado para tratamento
de exemplares museológicos.

Portanto, busca-se neste trabalho a utilização da ferramenta do


audiovisual como forma de auxiliar estudantes e pesquisadores que se
proponham a trabalhar com tais artefatos museológicos e, estabelecer uma
nova ferramenta para a conservação museológica, transpondo o Protocolo para
2o Seminário brasileiro de museologia • 716

a Curadoria de Microvertebrados Fósseis do suporte digital e impresso, para o


meio audiovisual.

Os recursos audiovisuais já vêm sendo amplamente estudados voltados


às questões como meio na promoção da educação enquanto um recurso
didático (FERREIRA, 2009/2010), porém, a associação do audiovisual às
questões da Conservação Museológica voltam-se primordialmente às ações
ativas de preservação do patrimônio digital (BEZERRA, 2009), grande parte das
bibliografias da área abordam a conservação de documentos em plataforma
audiovisuais5 e pouco se trata do uso da produção audiovisual como ferramenta
auxiliar nas práticas de conservação em acervos museológicos.

A linguagem audiovisual, como a própria palavra expressa, é feita da


junção de elementos de duas naturezas: os sonoros e os visuais.
Portanto, estamos falando de artefatos da cultura que afetam esses
dois sentidos do homem, a visão e a audição. Estes são os sentidos
mais privilegiados no mundo moderno, pois uma das características
da modernidade é o fato de permitir certo afastamento das pessoas
do chamado mundo natural ou natureza. (COUTINHO, 2006, p. 16)

Com o passar dos anos o homem tornou-se mais dependente das novas
tecnologias da informação e da comunicação (JESUS e KAFURE, 2010), e esta
conexão com a linguagem visual se dá pelo fato de esta dizer muito mais do
que conseguimos compreender, obtendo encontrar dentro de nós uma
linguagem familiar com a qual nos relacionamos (ARROIO e GIORDAN, 2006).

O audiovisual pode abordar o assunto através de uma forma direta ou


indireta. Direta ao informar especificamente sobre o assunto abordado, levando
a sua interpretação; indireta, ao expor um tema, deixando livre a sua
intepretação através de abordagens múltiplas e interdisciplinares (FERREIRA,
2009/2010). O que vemos e ouvimos são formas básicas de aprendizagem e
tem influência direta em nosso comportamento (CINELLI, 2003), “um bom vídeo
é pode servir para introduzir um novo assunto, para despertar a curiosidade, a
motivação para novos temas” (ARROIO e GIORDAN, 2006, p. 9). Sendo assim,
a produção de um vídeo didático explicativo do “Protocolo para a Curadoria de

5
“[...] se caracterizam por conter sons e/ou imagens em movimento dispostos em um suporte
(fita cassete, fita Beta, CD, DVD etc.)” (BUARQUE, 2008, p. 1)
2o Seminário brasileiro de museologia • 717

Microvertebrados Fósseis” possibilitará uma compreensão mais global e


detalhada das ações que o mesmo dialoga.

1. OBJETIVO GERAL

Produzir um vídeo didático explicativo da execução do “Protocolo para a


Curadoria de Microvertebrados Fósseis”, transpondo o mesmo de texto em
suporte digital e impresso para uma plataforma audiovisual.

1.1. Objetivos Específicos

- Facilitar a compreensão do “Protocolo para a Curadoria de Microvertebrados


Fósseis” por estudantes e pesquisadores de museus que trabalham com esta
tipologia de acervo;

- Produzir uma ferramenta com uma linguagem mais familiar e atrativa a quem
necessita estabelecer protocolos dentro de instituições museológicas;

- Gerar novas ferramentas que auxiliem na conservação de bens museológicos.

2. METODOLOGIA

Para a realização de tal projeto será utilizado o “Protocolo para a


Curadoria de Microvertebrados Fósseis”, formulado em 2014, como roteiro
para a realização de um vídeo didático explicativo realizado por profissionais
que trabalham em ambientes museológicos com esta tipologia de bens
patrimoniais.
Para a efetivação do vídeo será utilizada uma câmera DSLR Canon 60D,
operada por um profissional da área do audiovisual. Este seguirá as seguintes
etapas:

1ª Etapa: Elaboração do projeto audiovisual

2ª Etapa: Captura de imagens. O período previsto para esta etapa é de


duas semanas no segundo semestre de 2015;

3ª Etapa: Edição do material


2o Seminário brasileiro de museologia • 718

4ª Etapa: Publicação, divulgação e distribuição do vídeo para


profissionais e instituições que atuem com Microvertebrados Fósseis.

3. CONSIDERAÇÕES PARCIAIS

A produção do vídeo didático explicativo do “Protocolo para a Curadoria


de Microvertebrados Fósseis”, apesar de ainda se encontrar na sua primeira
etapa de elaboração, possibilitará novas formas de compreensão para práticas
estabelecidas em ambientes museológicos. A implantação de novas tecnologias
nestes ambientes tem sido de fundamental importância para o desenvolvimento
de tais instituições em uma sociedade que vive constantemente em mudança. O
ser humano aprende muito observando o mundo que o cerca, e o audiovisual
tem sido um meio de aproximação e de educação em todas as áreas da
organização humana.

Referências
ALARCÃO, Catarina. Prevenir para Preservar o Patrimônio Museológico. Museal,
Portugal, n° 2, p. 8-34, 2007.
ARROIO, A. GIORDAN, M. O Vídeo Educativo: Aspectos da Organização do
Ensino. Educação em Química e Multimídia. Química na Escola, nº 24,
Novembro 2006.
BEZERRA, L. A UNESCO e a preservação do audiovisual. In: V ENECULT -
Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, 2009. Salvador. Anais...
Salvador, Bahia, 2009. P. 8-11.
BUARQUE, M. Estratégias de preservação de longo prazo em acervos sonoros e
audiovisuais. In: Encontro Nacional De História Oral, Rio de Janeiro, 2008.
Anais... Rio de Janeiro: Associação Brasileira de História Oral ; São
Leopoldo, RS : UNISINOS, 2008. 9f.
CINELLI, N. P. F. A influência do vídeo no processo de aprendizagem. 2003. 73
f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Universidade
Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Engenharia
de Produção, 2003.
COUTINHO, L. M. Audiovisuais: arte, técnica e linguagem. Brasília:
Universidade de Brasília, 2006, 91 p. ISBN 85-86290-79-3.
FAVRET, C.; CUMMINGS, K.S.; MCGINLEY,R.J.; HESKE, E.; JOHNSON, K.P.;
PHILIPS, C.A.;PHILLIPPE, L.R.; RETZER, M.E.; TAYLOR, C.A.; WETZEL, M.J.
Profiling Natural History Collections: Amethod for Quantitative and
Comparative Health Assessment. Colletion Forum. Vol. 22 No. 1–2, 2007.
p. 55.
2o Seminário brasileiro de museologia • 719

FERREIRA, Eurico Costa. O Uso dos Audiovisuais como Recurso Didáctico. 2010.
75 p. Dissertação (Mestrado em Ensino de História e Geografia) Faculdade
de Letras da Universidade do Porto, Porto 2010.
ICOM-CC, Resolution adopted by the ICOM-CC membership at the 15th
Triennial Conference, New Delhi, 22-26 Setembro, 2008. Disponível em:
<http://www.icom-cc.org/54/document/icom-cc-resolution-terminology-
english/?id=744>. Acesso em: 10 Ago. 2011.
JESUS, J. D. P. KAFURE, I. Preservação da Informação em Objetos Digitais.
Biblionline, João Pessoa, v. 6, n. 2, p. 29-43, 2010.
MIRABILE, A. A reserva técnica também é museu. Boletim ABRACOR, Rio de
Janeiro, n. 1, p. 4-9, 2010.
PESSI, H. M. Conservação Preventiva. Revista Conservation, Winter, v.7, n.1,
1992.
ZANATTA, E. M. Museu Imperial, metodologias de conservação e restauração
aplicadas ás coleções: uma narrativa. 2011. 186 p. Dissertação (Mestrado
em Museologia e Patrimônio) - Pós-Graduação em Museologia e
Patrimônio, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. 2011.
2o Seminário brasileiro de museologia • 720

LEITURA SOCIAL EM BRONZE: REFLEXÕES E AVANÇOS


DE UMA PESQUISA DE TESE NO ACERVO DO MUSEU INSTITUTO BRUNO
SEGALLA – CAXIAS DO SUL / RS

Mariana Duarte1

Resumo
A presente apresentação de pôster irá relatar o andamento da pesquisa de tese
intitulada A leitura social em bronze: uma abordagem sócio-histórica da
produção de Bruno Segalla, iniciada em agosto de 2013, no Programa de
Doutorado em Letras da Universidade de Caxias do Sul/Associação ampla
UniRitter, na linha de pesquisa Leitura e Processos Culturais. O projeto visa o
desenvolvimento de uma pesquisa sobre a vida e a obra do artista caxiense
Bruno Segalla (1922-2001), enfocando elementos históricos, patrimoniais,
políticos, culturais e socioeconômicos de Caxias do Sul (RS), por meio da análise
e interpretação do conjunto de seu acervo numismático, disponível para
pesquisa no Museu Instituto Bruno Segalla, com a intenção compreender seu
papel e sua contribuição na constituição e preservação da memória e do
patrimônio cultural local. Ao chegarmos ao segundo ano da pesquisa e redação
da tese, algumas modificações foram necessárias, levando em conta às
reflexões realizadas ao longo do processo de amadurecimento do trabalho e de
“descobertas” acerca da vida política do artista, que foram conquistadas por
meio de instrumentos como a história oral e pesquisa documental ao seu
acervo. Tais “descobertas”, realizadas principalmente no centro de
documentação do Instituto Bruno Segalla, revelaram algumas informações que
divergem às informações divulgadas até mesmo em mediações e material
institucional, e, agora, serão de importante valia para a organização e
divulgação do espaço.

Palavras-chave: Museu; História; pesquisa de tese; acervo numismático; acervo


documental.

Abstract: This poster presentation will report the progress of the thesis research
titled The social reading in bronze: a socio-historical approach to the production
of Bruno Segalla, started in August 2013, at the Program of Doutorado em
Letras of the Universidade de Caxias do Sul/Associação ampla UniRitter, in the
search line Reading and Cultural Processes. The project aims to develop research
on the life and work of the artist Bruno Segalla (1922 – 2001) focusing on
historical elements, property, political, cultural and social of Caxias do Sul (RS)
by analyzing and interpreting the set of numismatic collection, available for
1
Doutoranda em Letras – UCS/UniRitter, bolsista PROSUP-CAPES, E-mail para contato:
mariana.duarte01@gmail.com
2o Seminário brasileiro de museologia • 721

research at the Museum Instituto Bruno Segalla, with the intent to understand
their role and contribution in the formation and preservation of memory and
local cultural heritage. As we come to the second year of research and writing of
the thesis, some modifications were necessary, taking into account the reflections
carried out during the work process of maturation and "discoveries" about the
political life of the artist, that were won through instruments such as oral history
and documentary research to his collection. Such "discoveries", carried out
mainly in the collection of the Instituto Bruno Segalla, the documentation
revealed some information that diverge the information disclosed in mediations
and institutional material, and now will be an important to the organization and
dissemination of the space.

Key-words: Museum; numismatic collection; History; thesis research; documents.

••••••••••

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa, aqui apresentada em forma de pôster para


apresentação no II Seminário Brasileiro de Museologia, tem como objetivo
relatar o andamento do trabalho de tese A leitura social em bronze: uma
abordagem sócio-histórica da produção de Bruno Segalla, iniciada em agosto de
2013, no Programa de Doutorado em Letras da Universidade de Caxias do
Sul/Associação ampla UniRitter, na linha de pesquisa Leitura e Processos
Culturais.
A tese em questão está buscando, em forma de recolhimento de dados e
analise dos mesmos, um resgate de parte da história contemporânea de Caxias
do Sul / RS. Reflexões acerca do metalúrgico, político e artista plástico caxiense
Bruno Segalla (1922 – 2001), com o intuito de compreender e divulgar aspectos
de sua trajetória, no ramo da arte e da política, e a importância de sua atuação
social para a cidade.

O INSTITUTO BRUNO SEGALLA


2o Seminário brasileiro de museologia • 722

A motivação da criação deste trabalho está vinculada ao Instituto Bruno


Segalla. Instituição criada em 2005 em forma de OSCIP (Organização Civil de
Interesse Público), sem fins lucrativos e aberta ao público, que preserva, estuda,
comunica e expõe bens culturais relacionados à vida e a obra de Bruno Segalla.
Atualmente o espaço está localizado nas dependências do Campus 8 – Cidade
das Artes na Universidade de Caxias do Sul (UCS), em Caxias do Sul, e é
constituído pelo espaço museal, por salas de destinadas ao setor administrativo
e educativo, como um atelier e uma sala de acervo. O IBS trabalha na
promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico, artístico e
cultural, bem como com a educação, formação e inclusão por meio das ações
culturais, projetos socioculturais e salvaguarda do acervo. Além disso, é um
espaço de memória e cultura cadastrado no SBM (Sistema Brasileiro de
Museus/Ibram/Minc) e no SEM-RS (Sistema Estadual de Museus do Rio Grande
do Sul).
O Instituto é reconhecido na cidade, no Estado e também no país, como
comprovou a seleção, no ano de 2012, para expor suas experiências no 5º
Fórum Nacional de Museus, em Petrópolis / RJ, e o convite em 2013, para uma
visita à Casa da Moeda, no Rio de Janeiro, durante o Congresso do ICOM
(Conselho Internacional dos Museus), para um diálogo acerca das medalhas
criadas pelo artista caxiense. Atualmente, aproximadamente 400 esculturas
estão catalogadas, assim como as das modelagens, de tamanho significativo,
em gesso, das obras Ana Rech, Padre Eugênio Angelo Giordani e Instinto
Primeiro. Estes são importantes monumentos que estão localizados em locais
púbicos no município de Caxias do Sul. Ainda quanto às obras artísticas, o
acervo detém mais de quinhentos desenhos criados com o uso de diferentes
materiais (grafite, nanquim, entre outros) em distintas superfícies (folhas de
caderno, papel sulfite, entre outros).
O IBS está sempre disposto a receber itens novos para o seu acervo de
arte e documental. Pessoas próximas ao artista ainda possuem peças,
documentos e informações relevantes sobre a história e a obra de Segalla. No
ano de 2001, por exemplo, foram recebidas doações de 19 medalhas da
coleção do Sr. Raul Tessari, além de 180 medalhas que estavam guardadas
2o Seminário brasileiro de museologia • 723

pela família na empresa de Bruno Segalla Filho e de um pantógrafo, que foi


utilizado pelo artista na ampliação, confecção e reprodução de moedas e
medalhas.

BRUNO SEGALLA

O artista caxiense Bruno Segalla nasceu no ano de 1922, filho dos


descendentes de imigrantes italianos. Em 1935, Segalla começa a trabalhar no
setor de gravações da Metalúrgica Eberle S/A, onde desenhava, modelava e
cunhava. É durante os primeiros anos como metalúrgico que adquire
conhecimentos técnicos em contatos com moldes de artigos decorativos e
também medalhas religiosas.
Aos 28 anos produz um de seus trabalhos mais interessantes: auxiliado
por lentes de aumento afixadas à armação de seu óculos e uma ferramenta
contendo um pequeno pedaço diamantado na ponta grava a efígie de Getúlio
Vargas na cabeça de um alfinete, com o propósito de, segundo o mesmo:
“realizar uma gravura o menor possível”. A partir dessa gravação se torna
conhecido regionalmente. No mesmo ano cria a medalha em comemoração
aos 75 anos da Imigração Italiana no Rio Grande do Sul e cria sua primeira
medalha para a Festa Nacional da Uva.
Ao mesmo tempo em que se dedica a profissão, Segalla está envolvido
com ideais políticos. Em 1952 se elege presidente do Sindicado dos
Metalúrgicos de Caxias do Sul, permanecendo à frente do Sindicato por
aproximadamente 12 anos. Na eleição municipal do ano de 1955 é eleito
vereador, pelo PSP (Partido Social Progressista) 2 e faz viagens a Europa e União
Soviética atuando como delegado sindical em congressos internacionais
representando o Brasil.
Em 1957, Segalla é reconhecido como uma liderança sindical não
apenas dentro do município, mas também em âmbito regional, estadual e
nacional. Já, a nível internacional, se torna membro integrante da Federação
Sindical dos Metalúrgicos (FSM) situada em Praga. Já em 1963 é eleito Suplente
2
Fonte: Câmara de Vereadores de Caxias do Sul.
2o Seminário brasileiro de museologia • 724

a Deputado Estadual pela extinta Aliança Republicana Socialista e é no mesmo


ano que organiza a 1º greve do município de Caxias do Sul, quando
aproximadamente cinco mil metalúrgicos cruzam os braços reivindicando
melhoria salarial. Nesta mesma época Bruno Segalla e sua família passam a
sofrer fortes calúnias e ameaças, o que leva a sua prisão em 1964, ano do
golpe militar, sendo cassado pelo então AI-2. Bruno fica encarcerado pelo
período de aproximadamente três meses.
Sua cassação política por cerca 15 anos o faz retornar efetivamente à sua
arte e dedica-se a modelar medalhas, de criação própria, e esculturas. O artista
segue trabalhando na Metalúrgica Eberle S/A e em 1974 cria uma série de
medalhas comemorativas aos 100 anos da Imigração Italiana no Rio Grande do
Sul. Modela também a medalha comemorativa à instalação da agência do
Banco do Brasil em Milão.
Em 1980, após aposentar-se na Metalúrgica Eberle, funda junto ao seu
atelier e sua casa, a empresa de gravações em matrizes denominada: “BS
Gravações”. No ano seguinte filia-se ao partido PDT. Na década seguinte
surgem os primeiros protótipos da obra Monumento Jesus 3º Milênio e é
executada a Medalha Rio 92, que é distribuída a chefes de Estado durante o
evento Eco 92, mesmo ano em que se candidata a deputado federal pelo PDT,
não sendo eleito.
Em 1995 modela a medalha Jubileu de Prata para Universidade de
Caxias do Sul. Em 1999 cria a medalha de Santo Ynácio de Loyola para a
UNISINOS, recebe a homenagem “Destaque Comunitário Valores da Terra” da
prefeitura de Caxias do Sul e é homenageado como personalidade de Caxias
do Sul do século XX. Segue criando medalhas e esculturas até o início do ano de
2001.
Bruno Segalla falece em agosto de 2001, aos 78 anos, em decorrência a
complicações pulmonares.

A TESE: LEITURA SOCIAL EM BRONZE


2o Seminário brasileiro de museologia • 725

Proponho-me através da leitura social das medalhas ressignificar


aspectos relevantes sobre sua vida e obra assim como sobre a importância
política e social de sua figura para a região, ao mesmo tempo colaborando com
o estudo histórico e artístico desta produção numismática. Os anos de trabalho
artístico e na metalurgia, e o ativismo político de Bruno Segalla se mesclam com
a história de Caxias do Sul; e as ações promovidas pelo IBS vêm aguçando
ainda mais a curiosidade sobre o seu processo de criação. Ademais,
encontramos no momento apenas registos escassos de sua história publicados.
As obras e documentação sobre a vida de Segalla estão sendo
preservadas, mas existe a necessidade que estas memórias sejam devidamente
catalogadas e organizadas para assim serem divulgadas, conferindo assim seu
importante significado para a cidade e a região. Assim, o problema desse
estudo busca responder qual o papel e a contribuição da produção do artista na
constituição e preservação da memória e do patrimônio histórico, cultural e
social de Caxias do Sul. Para tanto, surge o interesse investigar as seguintes
questões: Como Bruno Segalla observava sua cidade? Como o artista
ressignifica e reelabora esse contexto? O que pode ser interpretado sobre o
discurso que trazia inspiração ao artista? A obra de Bruno Segalla possibilita
compreender as questões sócio-históricas em um determinado tempo e lugar da
história social de uma região?
Quanto aos objetivos, a tese tem como objetivo geral analisar medalhas
do artista plástico caxiense Bruno Segalla, compreendendo o papel e a
contribuição da sua história e da sua obra, revelando-a como patrimônio da
história de Caxias do Sul e região. E como objetivos específicos, estão os temas
como contextualização histórica, política e social da vida e da obra de Bruno
Segalla – objetivo que deve se configurar em uma narrativa de sua trajetória
política ainda bastante questionada na cidade, devido ao seu envolvimento
possível envolvimento com os ideais comunistas.
Para o referencial teórico, consideramos que conceitos como arte e
linguagem deverão fundamentar as discussões dessa proposta de estudo que
concebe a arte medalhística como linguagem e tem como tema a produção
artística, e em alguns momentos as influências culturais e principalmente
2o Seminário brasileiro de museologia • 726

políticas, de Bruno Segalla no contexto sócio-histórico de Caxias do Sul. É


preciso compreender que as Artes e a História são discursos produzidos por
uma cultura e por isso permitem leituras a partir da motivação que resultou na
gravação da medalha, sejam elas políticas, sociais, jurídicas, entre outras. Além
disso, o referencial teórico também se faz importante para definir outros
conceitos que serão fundamentais para a leitura das fontes de pesquisa, por
isso, antes de passarmos à análise das medalhas, é necessário definir alguns
conceitos que serão importantes no decorrer da investigação, são eles: Arte,
Trabalhismo, História e Formação Política.
O historiador José D’Assunção Barros (2010) traça um panorama das
possíveis relações da história com outros campos do conhecimento, o que, no
caso desse estudo, permite a formação de um quadro mais amplo de análise. O
autor aponta que nos diferentes campos da história, além de divergências,
encontram-se possibilidades e afinidades (p. 8). Isto justifica a possibilidade do
trabalho ser realizado dentro da proposta de um diálogo entre diferentes áreas,
no caso a história cultural e a arte.
A obra A história cultural: entre práticas e representações (1990), de
Roger Chartier, demonstra a linguagem como forma de veículo social e o modo
que o artista utiliza como denuncia e formulação críticas sobre o meio social,
deste modo, constroem um discurso a partir das suas leituras, e elas são ao
mesmo tempo individuais (do artista) e coletivas (do meio social a qual
pertencem).
Ao contemplar uma obra de arte e fazer uma crítica artística sobre a
mesma, observamos a necessidade de colocar em questão o contexto
vivenciado pelo artista. Armindo Trevisan (1990) menciona em seu livro, que é
pertinente dizer que a leitura biográfica tem importância, mesmo quando a vida
do autor aparentemente não traz elementos interessantes para todas as pessoas.
Ao ler e interpretar o contexto, o artista cria o texto visual e também se coloca
na obra, pois as suas experiências, o seu ambiente, os seus relacionamentos, as
suas viagens, as suas memórias e a sua história estão nele e estão no seu
trabalho:
2o Seminário brasileiro de museologia • 727

Até certo ponto a biografia de um artista ajuda a compreender sua


obra. Note-se que usamos a expressão: leitura biográfica-intencional.
Queremos significar que as ideias estéticas dos artistas, suas
pretensões conscientes, também devem merecer atenção quando
reveladas. Seria irrazoável desconhecer os “cadernos” de Leonardo da
Vinci ou a “correspondência” de Van Gogh. (TREVISAN, 1990, p.
146).

Portanto será necessário compreender como o artista plástico Bruno


Segalla, que traz a sua história individual, se apropria de aspectos históricos e
da memória coletiva, para dialogar com seu espaço. Ele utiliza suas vivências e
a relação com a sociedade como forma de inspiração no processo de gravação
das medalhas. Ecléa Bosi (2001), ao fazer observações acerca do indivíduo
como testemunha, alega que a memória se desenvolve a partir de laços de
convivência familiar e também profissional: “Por muito que se deva à memória
coletiva, é o indivíduo, ser único, que recorda, memoriza e tem acesso a estas
camadas significativas do passado.” (p. 408). Segalla, ao criar, não se
distanciava do seu ofício e criava, muitas vezes, estabelecendo relações com a
sua formação intelectual e política.
A obra do artista, quando significativa, torna-se patrimônio. Em A
alegoria do patrimônio (2006), Choay define que: “Os critérios nacionais,
mentais ou epistêmicos, técnicos, estéticos ou éticos permitem assinalar
momentos significativos na história do monumento histórico.” (p. 162).
Utilizando as palavras deste autor, considero, desde já, que existem critérios
significativos nas imagens presentes em cada medalha de Bruno Segalla.
O diálogo interdisciplinar entre História e a Arte e a Leitura Social e os
Estudos sobre patrimônio nos permitem tomar como referencial teórico diferente
obras, possibilitando responder às questões de pesquisa e objetivos.
Acreditamos que a leitura das medalhas de Bruno Segalla são significativas não
apenas pela possibilidade de investigar um momento social vivenciado, mas
também como um registro da memória social de uma região.
A respeito da metodologia empregada para se compreender o papel e a
contribuição da obra do artista caxiense na constituição e preservação da
memória e dos aspectos históricos, políticos e culturais de Caxias do Sul, optei
pela pesquisa qualitativa, para assim descrever os processos culturais presentes
2o Seminário brasileiro de museologia • 728

na obra numismática do artista e não quantificá-los, já que existe um grande


número de medalhas criadas pelo mesmo e haverá um recorte do corpus. O
estudo será realizado através da pesquisa bibliográfica, da pesquisa de
documentação pertencente ao Instituto para fundamentar as teorias que serão
utilizadas na análise das medalhas, e, tão importante quanto, a história oral. A
História Oral, segundo Schimidt (2004) é uma fonte diferenciada para a
captação de informações, e pode estar muito relacionada com o estudo da
história de um local especifico. (p. 127).
Objetivando a coleta de subsídios que possibilitem o entendimento da
contribuição do discurso sócio-histórico revisando a bibliografia sobre: cultura,
trabalho e trabalhismo, sociedade, artes visuais e política, a fim de elaborar um
quadro teórico que de sustentação à análise das obras escolhidas; organizando
a biografia política de Bruno Segalla, a partir da documentação e da História
Oral e da analise as medalhas. Para a realização desta análise proponho uma
forma de fichamento descritiva que possibilidade fixar o máximo de informações
possíveis sobre o anverso e reverso das medalhas.
Na pesquisa no campo da História os dados se transformam em textos
que trazem interpretações e pontos de vista, aproximando pesquisador e sujeito
da pesquisa, considerando fatores históricos, sociais, emocionais e cognitivos.
Devo então trabalhar a questão do processo de criação desse artista juntamente
a minha leitura, como historiadora e pesquisadora, de uma obra pronta.
Para responder as questões formuladas nesse estudo, e para que se
possa preservar a obra e a biografia Bruno Segalla, e com isso a memória
coletiva estão sendo utilizados procedimentos como: - Levantamento da
produção numismática de Bruno Segalla; - Entrevistas (orais); - Pesquisas no
acervo do Instituto Bruno Segalla; - Análise de fotografias e de documentos que
estão relacionados ao processo de criação; - Catalogação e digitalização de sua
obra numismática; e - Revisão bibliográfica.
Compreendendo a arte enquanto linguagem, o conjunto da obra de
Segalla, seus comentários e observações acerca de seu trabalho, a pesquisa
realizada no acervo do instituto e o levantamento do material já publicado,
permitirão o acesso ao universo do artista. Esses procedimentos irão servir como
2o Seminário brasileiro de museologia • 729

fonte de pesquisa para redigir parte da bibliografia do artista aliada à


historiografia, ou seja, a análise dos dados permitirá ir além da leitura
biográfico-intencional referida por Trevisan (1990), pois envolve a compreensão
do discurso presente na obra de Bruno Segalla.

RESULTADOS PARCIAIS (REFLEXÕES E DESCOBERTAS)

Tendo em vista a qualificação, ao final dos 30 meses de curso, várias


iniciativas foram tomadas: a pesquisa de campo documental (realizada no
acervo do Instituto Bruno Segalla) vem sendo efetuada – uma carta do
orientador foi necessária para que fosse realizado o acesso à pesquisa no
espaço do museu –, entrevistas orais já foram realizadas e transcritas, assim
como parte do material sobre o artista, disponível no Arquivo Municipal de
Caxias do Sul João Spadari Adami, já foi coletada. Além disso, novas
referências bibliográficas foram acrescidas ao referencial teórico da tese.
A introdução e um primeiro capítulo já foram organizados e redigidos, e,
elaboramos uma página de apresentação, que elucidará ao leitor o percurso
realizado para a construção do trabalho de qualificação.
Neste processo em andamento, algumas “descobertas” foram realizadas,
no espaço do próprio Museu Instituto Bruno Segalla, assim como nas outras
instituições de preservação de memória da cidade, como, por exemplo, o
Arquivo Municipal de Caxias do Sul. Alguns dos nomes designados para que
fossem entrevistados durante o período já contavam com entrevistas – que
citavam o artista – já transcritas e passíveis de análise, e, o Instituto Bruno
Segalla, ainda não possuía estas entrevistas em seu acervo.
Com base nas entrevistas e na pesquisa documental, aspectos sobre a
trajetória política do artista estudado também foram revelados. Acreditava-se
que este teria de fato se filiado ao Partido Comunista Brasileiro, antes de seu
processo de ilegalidade, mas, não existem provas que comprovem essa
informação.
Entre as divergências, agora esclarecidas, também encontra-se o fato do
artista ter cunhado, e sido reconhecido por esse mérito pela Casa da Moeda do
2o Seminário brasileiro de museologia • 730

Brasil, o número de 1.000 medalhas diferentes, porém, a sua produção


numismática não atinge esse numeral.
A elaboração da tese A leitura social em bronze, não tem a intenção de
“diminuir” a história a trajetória de Bruno Segalla e a sua importância para a
trajetória cultural, social e política da cidade, mas a organização das
informações a seu respeito deve ser devidamente esclarecida, através da
pesquisa história – e também interdisciplinar – a fim de dar credibilidade à
instituição que preserva a sua memória e divulga o papel humanista de Segalla,
tão valoroso para a cidade de Caxias do Sul.

Referências

BARROS, José D’Assunção. O campo da história: especialidades e abordagens.


7 ed. Petrópolis: Vozes, 2010.
BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004.
CARLAN, Cláudio Umpierri; FUNARI, Pedro Paulo A. Moedas: a numismática e
o estudo da História. São Paulo: Annablume, 2012.
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. Tradução: MACHADO, Luciano
Vieira. 3 ed. São Paulo: Estação Liberdade: UNESP, 2006.
LE GOFF, Jacques. História e memória. Tradução: Bernardo Leitão. 4ª Edição.
Campinas: Editora da UNICAMP, 1996.
MADEIRA, Bendito Camargo. A moeda através dos tempos (Anotações
Numismáticas). 2 ed. Pouso Alegre – MG, 1993.
Publicação do IBS – Instituto Bruno Segalla. IBS em revista 2012. Redação de
Rose Brogliatto (MTB 11004/RS). Impressão: Lofty Desing, 2013.
SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. História oral e o ensino da História. In:
Pensamento e ação no magistério. São Paulo: Scipione, 2004.
TREVISAN, Armindo. Como apreciar a arte. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1990.
VASCONCELOS, Marijane. Personalidade: Conhecendo Bruno Segalla. Revista
Clube da Medalha do Brasil: No físico: o peso do metal. No imaginário: a
leveza da criação. Rio de Janeiro, ano 1, número 3, p. 14 – 21, abr. 1993.
2o Seminário brasileiro de museologia • 731

MUSEU DO ALTO SERTÃO DA BAHIA:


DIÁLOGOS E PROCESSOS COMUNITÁRIOS NA CONSTRUÇÃO DE UM
MUSEU DE TERRITÓRIO.

Hilda Bárbara Maia Cezário1

Zamana Brisa Souza Lima2

Resumo
As ponderações aqui expostas estão voltadas para a reflexão sobre a
importância das iniciativas comunitárias que acabaram por originar o Museu do
Alto Sertão da Bahia (MASB), um projeto pioneiro voltado para um território
específico. Nesse sentido, são evidenciadas as ações planejadas e executadas
para a delineação do Plano Museológico desta instituição, ainda em fase de
implantação, em consonância com a essência comunitária que lhe dá origem e
com a vocação territorial assumida por este no decorrer do seu processo. O
MASB tem se consolidando como um com sede na cidade de Caetité e dez
núcleos espalhados por outros dois municípios – Guanambi e Igaporã.

Palavra-chaves: Museu do Alto Sertão da Bahia; Plano Museológico; iniciativa


comunitária; museu-território; museu processo.

Abstract
The weightings set out here are aimed at reflection on the importance of
community initiatives that lead to the Museum of Alto Sertão of Bahia (MASB),
while pioneering project focused on a specific territory . Accordingly, it is
evidenced the actions planned and executed for the delineation of the
Museological Plan of this institution still being implemented, in line with the
community essence that originated it, and the territorial dimension assumed in
the course of its process. The MASB consolidating as a headquarter museum in
the city of Caetité and teen centers spread in two other cities - Guanambi and
Igaporã.

1
Mestranda no Programa de Desenvolvimento e Gestão Social da UFBA - Mestrado
Multidisciplinar e Profissional em Desenvolvimento e Gestão Social. Possui graduação em
Museologia (Bacharelado) pela Universidade Federal da Bahia (2011). Faz parte da Comissão
Gestora da Rede de Educadores em Museus da Bahia desde 2012, membro da Associação dos
Amigos do Alto Sertão da Bahia (AMASB) e do corpo técnico do Museu do Alto Sertão da Bahia
(MASB).
2
Bacharela em Comunicação Social pela Universidade Salvador (2009); especialista em
Educação e Gestão Ambiental pela Faculdade de Guanhães (2014); mestranda no Programa
de Pós Graduação em Museologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), integrante do
Grupo de Estudos sobre os Cibermuseus (GREC) e Núcleo de Pesquisas dos Ex-votos (NPE),
membro da Associação dos Amigos do Alto Sertão da Bahia (AMASB) e foi eleita como membro
do Colegiado Setorial de Museus na Bahia.
2o Seminário brasileiro de museologia • 732

Keywords: Museum of Alto Sertão of Bahia; Museum plan; Museological Plan;


community initiatives; Territory Museum; museum process.

RESUMO EXPANDIDO

O projeto do Museu do Alto Sertão da Bahia (MASB) nasceu no ano de


2011, atrelado a instalação de complexos eólicos no interior baiano, cujas
obras demandaram licenciamentos ambientais. Nesse sentido, a origem desta
instituição remonta às pesquisas arqueológicas iniciadas desde 2009, com
trabalhos que facilitaram a identificação e consequente geração de grandes
acervos, cujo resgate já ultrapassa 50 mil peças arqueológicas, que datam mais
de 6 mil anos.

Nesse processo, a falta de uma instituição que pudesse abrigar as mais


de vinte mil peças encontradas àquela época na região fez com que o Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) direcionasse todo acervo
para a Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus/BA. Em virtude disso, o
MASB surgiu, inicialmente, a partir de uma demanda dos moradores da cidade
de Caetité, envolvendo professores e alunos da Universidade do Estado da
Bahia, representantes das Secretarias Municipais de Educação e Cultura, entre
outros segmentos, entes civis e atores sociais, com o objetivo principal de criar
um espaço para a guarda dos acervos arqueológicos encontrados, a priori, nos
municípios de Caetité, Guanambi e Igaporã.

Tal mobilização consta no Plano Museológico do MASB que, dentre


outros aspectos, aponta e enfatiza que:

A inexistência de instituições museológicas teria implicado na


transferência desses bens patrimoniais para outra localidade, com
perdas para a região, não fosse o reconhecimento dos atores locais de
que estes podem e devem ser utilizados em processos voltados à
construção de identidades e cidadania, e a sua mobilização para
exigir a criação de condições institucionais favoráveis à manutenção
desse patrimônio no local de origem. A sociedade civil organizada e
instituições públicas de ensino e cultura como: Secretaria de Educação
da Prefeitura Municipal de Caetité, Universidade do Estado da Bahia,
Conselho de Cultura de Caetité, organizações não governamentais,
entre outras, formalizaram um grupo de trabalho (GT) em setembro de
2011, devotado a debater soluções para a manutenção dos acervos
mencionados na região. (PLANO MUSEOLÓGICO MASB, 2012, p. 8)
(Grifos nossos).

Ao grupo de atores locais envolvidos no processo iniciado em maio de


2011, foram integrados representantes da Renova Energia, uma das empresas
2o Seminário brasileiro de museologia • 733

responsáveis pela implantação de um parque eólico, e da Zanettini Arqueologia,


empresa terceirizada contrata pela Renova, responsável pelas pesquisas
arqueológicas, com “intuito de qualificar e mediar tecnicamente os debates e
dar forma aos anseios da sociedade” (PLANO MUSEOLÓGICO MASB, 2012, p.
8) (Grifos nossos).

A formalização deste coletivo enquanto um Grupo de Trabalho (GT) foi o


marco inicial e principal para criação do Plano Museológico do MASB, processo
mediado pela Zanettini Arqueologia3, através de ações que visaram alinhar as
expectativas existentes em torno da implantação do primeiro museu com acervo
arqueológico do interior baiano.

A VOCAÇÃO TERRITORIAL

A “construção dessa instituição” foi planejada “a partir da integração”


das seguintes tipologias de museu: “Museu de Território, Ecomuseu e Museu de
Arqueologia, Antropologia e História”. (PLANO MUSEOLÓGICO DO MASB,
2012, p.10). Salienta-se também que:

A vocação territorial desse museu foi se delineando a partir da


constatação da ausência de instituições congêneres na região. Cabe
destacar que essa tipologia dialoga fortemente com a política de
organização dos Territórios de Identidade da Bahia, atuando nos
denominados “Sertão Produtivo” e em parte do “Velho Chico”, aqui
representado pelo município de Igaporã. [...]

Foi a partir de um processo pautado na ação dos atores locais que o


MASB nasceu e se fortaleceu. Um processo museológico que se coloca
como intervenção social coletiva. (PLANO MUSEOLÓGICO DO MASB,
2012, p.10 e p. 16)

Escolhida coletivamente, a tipologia de Museu de Território fora


estabelecida para esta instituição com sede em Caetité, mas com núcleos
museológicos espalhados em diferentes municípios envolvidos e já
mencionados, a saber:

I. Escola Emiliana Nogueira Pita (Caetité);

3
Projeto coordenado por Camila A. Morais Wichers, historiadora, Mestre em Arqueologia
(MAE/USP) e Doutora em Museologia (Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
Lisboa, Portugal).
2o Seminário brasileiro de museologia • 734

Figura 1. Atividade na Escola Emiliana Nogueira Pita. (PLANO MUSEOLÓGICO DO MASB, 2012, p.28)

II. Espaço de Cultura (Igaporã);

Figura 2. Encontro com o Grupo de Idosos em Igaporã. (PLANO MUSEOLÓGICO DO MASB, 2012, p.26)

III. Colégio Municipal do Tamboril (Igaporã);

Figura 3. Desenvolvimento de atividade com o grupo do inventário turístico de Igaporã. (PLANO


MUSEOLÓGICO DO MASB, 2012, p.29)

V. Comunidade Quilombola Gurunga (Igaporã);


2o Seminário brasileiro de museologia • 735

Figura 4. Encontro com a comunidade quilombola Gurunga. (PLANO MUSEOLÓGICO DO MASB, 2012,
p.63)

V. Comunidade Quilombola Pau-Ferro de Juazeiro (Caetité);

Figura 5. Encontro com a comunidade quilombola Pau Ferro do Juazeiro. (PLANO MUSEOLÓGICO DO
MASB, 2012, p.82)

VI. Movimento de Mulheres Camponesas (Caetité);

Figura 6. Encontro com o Movimento de Mulheres Camponesas em Caetité. (PLANO MUSEOLÓGICO DO


MASB, 2012, p.26)

VII. Instituto de Educação Anísio Teixeira (Caetité);


2o Seminário brasileiro de museologia • 736

Figura 7. Encontro no Instituto Anísio Teixeira em Caetité. Autor: Hilda Bárbara Maia Cesário. s/d

VIII. Sítio Arqueológico Moita dos Porcos (Caetité);

Figura 8. Sítio Arqueológico Moita dos Porcos. (PLANO MUSEOLÓGICO DO MASB, 2012, p.63)

IX. Comunidade Curral de Varas (Guanambi);

Figura 9. Encontro com a comunidade Curral de Varas em Guanambi. (PLANO MUSEOLÓGICO DO


MASB, 2012, p.26)

X. Comunidade Pajeú do Josefino (Guanambi).

Figura 10. Encontro com a comunidade Pajeú do Josefino em Guanambi. (PLANO MUSEOLÓGICO DO
MASB, 2012, p.26)

A visão inicial do potencial do acervo gerado pelas pesquisas


arqueológicas deu lugar a um processo reflexivo mais amplo e envolveu mais
atores, de modo que o patrimônio cultural local passou a ser evidenciado e
2o Seminário brasileiro de museologia • 737

entendido como recurso a ser utilizado em favor do fortalecimento das diversas


memórias e identidades da região. As reflexões nortearam e apontaram para o
estabelecimento do MASB como instrumento de desenvolvimento de todo o
território.

Em tempo, por museu de território entende-se aqui a definição de Varine,


como:

(...) a expressão do território, qualquer que seja a entidade que toma a


iniciativa e a autoridade que o controla (...). Seu objetivo é a
valorização desse território e, sob esse ponto de vista, é realmente um
instrumento do desenvolvimento em primeiro grau. (...) o museu-
território não pode realmente desempenhar seu papel no
desenvolvimento sem levar em conta a comunidade ou as
comunidades presentes e vivas nesse território. (VARINE, 2013, p.185-
186)

O PLANEJAMENTO MUSEOLÓGICO

Partindo da compreensão de que membros da comunidade devem ser


sujeitos e atores do museu, foram utilizadas dinâmicas e estratégias de ações
que facilitaram uma elaboração coletiva do Plano Museológico, tais como:
oficinas, encontros, reuniões, conversas e debates, além de rodas de conversa
nas comunidades, exposição itinerante; atividades como o “Museu na Escola”,
dentre outras atividades (PLANO MUSEOLÓGICO DO MASB, 2012, p.21)

Salienta-se que, em todo momento, as atividades cotidianas dos


envolvidos foram respeitadas, assim como foram acolhidas todas as reflexões e
demandas surgentes. Desse modo, os espaços de diálogo com os diferentes
grupos sociais gerados a partir do desenvolvimento do Plano tornaram-se
espaços de formação museológica. Assim, as etapas de elaboração do Plano
configuraram-se como um rico processo para todos os sujeitos envolvidos, uma
vez que a reflexão e a ação desencadeada pelos encontros e questionamentos
decorrentes da construção coletiva do museu refletiam, diretamente, num
processo de aprendizado e desenvolvimento humano que permanece ativo.

Por fim, considera-se que o MASB, criado pela Lei Municipal Nº 761 de
15 de agosto de 2013, embora ainda em fase de implantação, já se constitui
por um processo inovador e de grande relevância social e cultural. Em face à
sua implantação e breve inauguração, os envolvidos neste “museu-processo”
compreendem que nem sempre as iniciativas comunitárias de musealização são
mantidas em campos pacíficos, afinal, enquanto processo, trata-se de um
organismo vivo, em constante movimento para se adaptar as mudanças que
ocorrem na comunidade a todo o tempo.
2o Seminário brasileiro de museologia • 738

Por isso mesmo é que, se por um lado as dificuldades são evidenciadas,


por outro a essência comunitária da qual nasceu esta instituição deve se
fortalecer em prol do desenvolvimento deste território, com o compromisso de
construção contínua deste museu, expandindo o seu conhecimento e a sua
proposta, agregando mais e mais pessoas na região.

Referências
PLANO MUSEOLÓGICO DO MASB. Volume II. Plano Museológico do Museu do
Alto Sertão da Bahia. 2012. CD-ROM

VARINE, Hugues de. As raízes do futuro: o patrimônio a serviço do


desenvolvimento local. Porto Alegre: Medianiz, 2012.

VARINE, Hugues de. O museu comunitário como processo continuado.


Cadernos do CEOM / Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina, v.27, n.
41, p.25-35, dez.2014.
2o Seminário brasileiro de museologia • 739

MUSEU ESCOLAR: UM ESTUDO DE CASO DO MUSEU DE HISTÓRIA NATURAL


JACQUES BRUNET- RECIFE-PE

Pollynne Ferreira de Santana1

Emanuela Sousa Ribeiro2

Resumo
A presente comunicação é resultado do projeto de pesquisa “Patrimônio Cultural
de Ciência e Tecnologia em instituições de ensino e pesquisa de Pernambuco:
musealização, preservação e descarte no século XX”, vinculado a FACEPE, e tem
como um dos seus objetivos mapear museus e coleções inseridas em instituições
de ensino médio e fundamental. A pesquisa foi realizada no Museu de História
Natural Jacques Brunet, pertencente à Escola de Referência Ginásio
Pernambucano, localizada na Rua da Aurora, 703, Santo Amaro, Recife – PE. O
Ginásio Pernambucano foi fundado no ano de 1825 e ao longo de sua trajetória
se destaca por ser referência no ensino secundário em Pernambuco. No início do
século XX sua metodologia pedagógica era fundamentada no Método Intuitivo
(Lições das Coisas) e para lecionar as disciplinas de acordo com os parâmetros
pedagógicos adotados fazia-se uso das coleções didáticas que pertencem ao
Museu. A pesquisa objetiva compreender o surgimento desta tipologia de museu
(Museu Escolar) e suas atividades, paralelamente ao método pedagógico que
estava sendo utilizado ao longo da primeira metade do século XX. A investigação
conta com as contribuições dos seguintes teóricos: FIORAVANTI (2015); PETRY
(2012); POSSAMAI (2010).

Palavra-chaves: museu escolar; coleção de ensino; história da educação; método


intuitivo.

Abstract
This communication is the result of the research project "Cultural Heritage of
Science and Technology in research and educational institutions at Pernambuco:
musealization, preservation and disposal in the twentieth century", linked to
FACEPE, and has as one of its objectives map museums and collections inserted
in medium and fundamental educational institutions. The survey was conducted at
the Natural History Museum Jacques Brunet, belonging to the Reference School
Gymnasium Pernambucano, located at Rua Aurora, 703, Santo Amaro, Recife -
PE. The Pernambucano Gym was founded in 1825 and throughout his career
stands out as a reference in secondary education in Pernambuco. In the early

1
Graduanda em Museologia, Departamento de Antropologia e Museologia da UFPE, E-mail para
contato: pollysantana_museologia@hotmail.com
2
Doutora em História, Professora do Departamento de Antropologia e Museologia da UFPE, E-
mail para contato: emanuela.ribeiro@ufpe.br
2o Seminário brasileiro de museologia • 740

twentieth century pedagogic methodology was based on the Intuitive Method


(Lessons of Things) and to teach subjects in accordance with the adopted
pedagogical parameters are made-use of didactic collections belonging to the
Museum. The research aims to understand the emergence of this museum typology
(School Museum) and its activities, in addition to the pedagogical method that was
being used throughout the first half of the twentieth century. The research relies on
the contributions of the following theorists: FIORAVANTI (2015); PETRY (2012);
POSSAMAI (2010).

Keywords: school museum; teaching collection; history of education; intuitive


method.

INTRODUÇÃO

A pesquisa que está em desenvolvimento é parte do projeto “Patrimônio


Cultural de Ciência e Tecnologia em instituições de ensino e pesquisa de
Pernambuco: musealização, preservação e descarte no século XX”, financiado
pela FACEPE. Este recorte tem como objetivo compreender o conceito de Museu
Escolar, tanto do ponto de vista teórico, quanto na perspectiva da análise de sua
cultura material, em especial a partir da análise da formação e funcionamento
do Museu de História Natural Louis Jacques Brunet, que está localizado na Escola
de Referência Ginásio Pernambucano, na Rua da Aurora, 703, Santo Amaro,
Recife – PE.

METODOLOGIA

Esta pesquisa está em andamento, e para o seu desenvolvimento foram


planejadas atividades de revisão de bibliografia, pesquisa de campo e
documental.

A leitura para o desenvolvimento desta pesquisa é imprescindível. Desta


maneira, ela foi a primeira atividade a ser desenvolvida e está em constante
atualização. As bibliografias de pesquisa são referentes a autores que discutem
acerca do campo da Museologia, Patrimônio Cultural de Ciência e Tecnologia
2o Seminário brasileiro de museologia • 741

(PCCT), cultura material em instituições de ensino e museu escolar, área em que


se destacam os estudos de POSSAMAI (2010) e FIORAVANTI (2015).
Paralelamente, a estas leituras foram produzidos resumos e fichamentos, na
pretensão de elucidar os conteúdos apresentados nos textos e agilizar a escrita
dos trabalhos científicos.

Após a identificação dos principais teóricos da investigação foi realizado a


pesquisa de campo. As visitas aconteceram no Museu de História Natural Louis
Jacque Brunet, com o intuito de conhecer uma coleção de História Natural
inserida em uma instituição de ensino e assim perceber a importância desses
objetos para a realização de atividades educacionais. A realização desta atividade
contou com a participação do atual responsável pelo museu3, que nos apresentou
o acervo e seu planejamento para as futuras atividades do espaço.

Por fim, estão sendo mapeadas as instituições que possuem fontes


documentais sobre o Museu e suas coleções.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O Museu de História Natural Louis Jacque Brunet possui cerca de 4.000


peças catalogadas4 e a sua coleção museológica é formada pela seguinte
tipologia: Zoologia, Entomologia, Geologia, Botânica, Arqueologia e
Paleontologia. Elas apresentam uma grande importância para a história do
ensino de História Natural, no estado de Pernambuco, uma vez que se trata da
única coleção de história natural ainda existente na cidade do Recife e região
metropolitana, e a única coleção produzida no século XIX existente em todo o
Estado.

A coleção de Zoologia é composta por animais taxidermizados, existindo


animais procedentes de diferentes ecossistemas. Embora não existam ainda
estudos conclusivos, há fortes indícios de que a coleta de parte desse material foi

3
O Professor Ms. Severino Ribeiro, que iniciou sua gestão em maio de 2015, a quem agradecemos
a colaboração na realização destas atividades de pesquisa.
4
A documentação museológica foi realizada pelo museólogo Albino Oliveira e sua equipe,
provavelmente no início dos anos 2000, quando houve uma grande obra de revitalização de
todo o Ginásio Pernambucano.
2o Seminário brasileiro de museologia • 742

realizada pelo próprio Jacques Brunet, em meados do século XIX, pois Brunet era
naturalista profissional quando foi contratado pelo governo da Província, entre
1855 e 1863, para criar a coleção de história natural do museu escolar do
Ginásio Pernambucano (ARAUJO, 2011, p.196) e na coleção há alguns
espécimes que são característicos do norte e nordeste do Brasil.

Como documentação associada às coleções de zoologia, o Ginásio


Pernambucano ainda guarda os cadernos de pesquisa de Brunet, os quais
encontram-se depositados na biblioteca do Colégio. Estes cadernos de campo
apresentam desenhos, gravuras impressas e algumas anotações, porém, ainda
precisam ser estudados em profundidade.

A coleção de botânica é composta por reproduções e modelos didáticos e


alguns exemplares ainda apresentam as etiquetas do fornecedor, permitindo
identificar procedências tão diversas quanto Itália, Alemanha e França.

A coleção de entomologia é composta por espécimes secos, alfinetados, e


montados em caixas do tipo mostruário, com tampas de vidro. Aparenta ser uma
coleção mais recente, ou que teve os seus suportes trocados há menos tempo.
Acreditamos que se trata de uma coleção produzida já em meados do século XX,
com exemplares coletados localmente.

As coleções de arqueologia e paleontologia foram criadas já na segunda


metade do século XX, durante a coordenação do arqueólogo francês Armand
François Gaston Laroche que entre fins da década de 1960 e 1978 foi professor
do Ginásio Pernambucano e diretor do seu museu (BRUNET, 2013).

Ainda não há estudos sistemáticos sobre a trajetória das coleções do


Ginásio Pernambucano, contudo, um primeiro olhar sobre os objetos expostos
permite identificar uma grande diversidade - cronológica e espacial – de objetos
e coleções.

Podemos afirmar que desde a primeira tentativa de criação do colégio, em


1816, já estava presente a necessidade de criação de um museu escolar,
conforme explica Bello (1978, p.85):
2o Seminário brasileiro de museologia • 743

Para objetivar o seu intento [de criar um colégio baseado na


estrutura dos liceus franceses], chegou o padre João Ribeiro a
incumbir Tollenare, o ilustre viajante francês que esteve no
Recife nos anos de 1816 e 1817, de enviar de Paris material
didático para os gabinetes e museus que pretendia instalar na
projetada escola.

De modo que, não foi surpresa o investimento realizado pelo Governo da


Província de Pernambuco quando da contratação de Louis Jacques Brunet, em
1855.

Porém, apesar de existirem no Brasil alguns museus escolares desde a


primeira metade do século XIX, podemos afirmar que maior inserção de museus
em instituições de ensino e o uso de suas coleções como auxiliadores das
disciplinas escolares foi resultado das características do regime político e das
metodologias pedagógicas que surgiram no final do século XIX e início do XX,
conforme explica FIORAVANTI (2015, p.4): “Os republicanos do início do século
XX deixaram essa lição, ou seja, a defesa da escola pública e da formação de
professores e a iniciativa do poder público no sentido de modernizar e disseminar
o ensino”.

Segundo POSSAMAI (2010), a nova maneira de lecionar estava associada


à metodologia da “Lição das Coisas” (metodologia intuitiva), que atendia todas
as exigências de progresso que as políticas republicanas desejavam. Ou seja, a
partir deste método pedagógico os materiais didáticos deixaram de serem apenas
os livros, incorporando também objetos que permitissem aos discentes
experiências, observações e a formulação de questionamentos.

Neste sentido a autora afirma que os reformadores do ensino durante o


período republicano:

propuseram a criação de museus nas escolas com a finalidade


de propiciar o contato dos estudantes com suas coleções [...].
Esses museus tinham a função de servir ao ensino de Lição
das coisas, uma vez que permitiria o contato com os materiais
e espécimes, possibilitando a apropriação com o concreto
preconizado pelo método intuitivo (POSSAMAI, 2010, p.10).

Assim, fortemente influenciados pelo método Lições de coisas, os colégios


de ensino médio tiveram grande incentivo para criar museus escolares. Contudo,
2o Seminário brasileiro de museologia • 744

poucos destes museus escolares sobreviveram até os dias atuais, na cidade do


Recife identificamos apenas o Museu Louis Jacques Brunet. Com a mudança nos
métodos pedagógicos estas coleções criadas pelo método lições de coisas
tenderam a ser abandonadas, e o próprio conceito de museu escolar se
modificou.

Nos dias de hoje, quando nos referimos aos museus escolares estamos,
em geral, nos referindo ao conceito proposto por PETRY (2012), para quem o
museu escolar é formado tanto por objetos escolares relativos à história da escola
(por exemplo: mesa, livros, cadernos, uniformes e entre outros materiais) quanto
pelos objetos que são procedentes de uma metodologia de ensino específica (em
geral, não mais utilizados).

Percebe-se, portanto, que houve alteração no próprio conceito de museu


escolar, que precisa ser analisado caso a caso, quando da realização das
atividades de campo para identificação das coleções ainda existentes nos dias
atuais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das atividades que já foram realizadas é possível notar a


importância que o Museu de História Natural Jacques Brunet possui tanto para a
Museologia quanto para a história da educação e social, na cidade do Recife- PE.

Deste modo, as próximas atividades visam localizar a documentação e


fotografias referentes a origem destas coleções de ensino e o seu uso, na sala de
aula. Essa ação será importante, para preencher as lacunas que ainda existe no
que diz respeito da constituição deste museu escolar.

Referências

ARAÚJO, Nilton de Almeida. Estrangeiros na criação da Escola Agrícola da Bahia


(1863-1877). In: LOPES, Maria Margareth; HEIZER, Alda (orgs.). Colecionismos,
2o Seminário brasileiro de museologia • 745

práticas de campo e representações [online]. Campina Grande: EDUEPB, 2011.


p.193-206. Disponível em: <http://static.scielo.org/scielobooks/rk6rq/pdf/lopes-
9788578791179.pdf >. Acesso em: 09 nov. 2014.

BELLO, Ruy de Ayres. Subsídios para a história da educação em Pernambuco.


Recife: Governo do Estado de Pernambuco/Secretaria de Educação e Cultura,
1978. Coleção Pernambucana, vol. XVIII.

BRUNET, Clemildo. As expedições científicas de Louis Jacques Brunet. In: Site


Caldeirão Político 38 anos. Pombal-RN: [s/ed], 2013. Disponível em:
<http://www.caldeiraodochico.com.br/as-expedicoes-cientificas-de-louis-
jacques-brunet>. Acesso em: 13 ago. 2015.

FIORAVANTI, C. Arquitetura do Saber. In. Revista Pesquisa FAPESP, Vol. 1 Nº 2,


Fevereiro de 2015, p. 82-86. Disponível
em:<http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/02/18/folheie-a-ed-228/ > Acesso
em: 23 de Agosto de 2015.

PETRY, M. G.. Museu escolar: o que dizem os inventários (Santa Catarina/1941-


1942). In: SILVA, V. L. G., PETRY, M. G. (orgs). Objetos da escola: espaços e
lugares de constituição de uma cultura material escolar (Santa Catarina – séculos
XIX e XX). Florianópolis: Insular, 2012.

POSSAMAI, Z. “Lições de coisas” no museu: o método intuitivo e o Museu do


Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, nas primeiras décadas do século XX. In: Anais
do VIII Congresso Luso-brasileiro de História da Educação, São Luís: UFMA, 2010.

VEITENHEIMER-MENDES, I. L.; FÁBIAN, M. E.; SILVA, M. C. P. da . Museu de


História Natural. In: LOPES, C. G., ADOLFO, L. G., FRANÇA, M. C. de C.,
BRISOLARA, V., BERND, Z.. (Orgs.). Memória e Cultura: perspectivas
transdisciplinares. Canoas: Salles, 2009, v. 1, p. 189-209.
2o Seminário brasileiro de museologia • 746

MAPEAMENTO MUSEOLÓGICO DO MUSEU CARMELITANO DE HISTÓRIA


NATURAL, CAMOCIM DE SÃO FÉLIX - PE

Edvaldo Xavier de Mendonça1

Emanuela Sousa Ribeiro2

Resumo
Este trabalho objetiva apresentar o Museu Carmelitano de História Natural,
existente no Convento Carmelita localizado no município de Camocim de São
Félix (região Agreste do Estado de Pernambuco), a 123Km de distância da capital.
Trata-se de um museu enquadrado na tipologia de museu de História Natural, e
apesar de atualmente encontrar-se fechado para o público, ainda é possível
identificar a sua tipologia – única no interior do Estado e muito relevante mesmo
quando comparada com os museus existentes no Recife e região metropolita.
Inicialmente apresenta-se a tipologia de “museu de história natural”, levando em
conta sua filiação disciplinar no campo das Ciências Naturais. Em um segundo
momento apresenta-se um breve histórico do Museu, a partir das poucas
referências documentais sobre o Museu que puderam ser identificadas nesta
etapa da pesquisa.

Palavra-chaves: museu escolar; história natural; ciências naturais; museu.

Abstract
This study aims to present the Carmelite Museum of Natural History, existing in the
Carmelite Convent located in Camocim de São Félix (Agreste region of
Pernambuco), 123km from the capital. This is a framed museum in the Natural
History Museum type, and despite currently find himself closed to the public, it is
still possible to identify the typology - unique within the state and relevant even
when compared with existing museums Recife and metropolitan region. Initially is
presented the type of "natural history museum", taking into account their
disciplinary affiliation in the field of Natural Sciences. In a second stage presents
a brief history of the museum, from the few documentary references to the Museum
that could be identified at this stage of the research.

Keywords: school museum; natural history; natural sciences; museum.

1
Graduando em Museologia, Departamento de Antropologia e Museologia da UFPE, E-mail para
contato: edvaldoxm@hotmail.com
2
Doutora em História, Professora do Departamento de Antropologia e Museologia da UFPE, E-
mail para contato: emanuela.ribeiro@ufpe.br
2o Seminário brasileiro de museologia • 747

INTRODUÇÃO

A pesquisa que está em desenvolvimento é parte do projeto “Patrimônio


Cultural de Ciência e Tecnologia em instituições de ensino e pesquisa de
Pernambuco: musealização, preservação e descarte no século XX”, financiado
pela FACEPE e é parte do plano de ação vinculado ao Programa de Iniciação
Acadêmica da Universidade Federal de Pernambuco. Este recorte tem como
objetivo apresentar o Museu Carmelitano de História Natural, existente no
Convento Carmelita localizado no município de Camocim de São Félix (região
Agreste do Estado de Pernambuco), a 123 Km de distância da capital.

Trata-se de um museu enquadrado na tipologia de museu de História


Natural, e apesar de atualmente encontrar-se fechado para o público, ainda é
possível identificar a sua tipologia – única no interior do Estado e muito relevante
mesmo quando comparada com os museus existentes no Recife e região
metropolitana. Este foi um dos últimos museus de história natural a ser criado em
Pernambuco e dessa forma se torna um dos poucos desse segmento existentes no
nordeste brasileiro.

METODOLOGIA

Foram realizadas revisões bibliográficas acerca do patrimônio cultural de


C&T, museus de história natural e temas afins. Esta atividade se destinou a
familiarização com a temática, proporcionando o conhecimento do atual estado
da arte nestes temas. Realizou-se pesquisa principalmente em fontes secundárias,
sobre o histórico do Colégio Monte Carmelo, mantido pela Ordem Carmelita,
que criou o Museu Carmelitano de História Natural.

Na segunda etapa houve a identificação do acervo. A metodologia de


catalogação de acervos, e a ficha que foi utilizada nos trabalhos de campo, foi
desenvolvida pelo Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST). Esse trabalho
da catalogação consistiu na avaliação in locu, de cada coleção do Museu e
preenchimento de ficha com informações gerais das coleções e instituição. A
pesquisa de campo foi realizada a partir dessas revisões, através da visita ao
2o Seminário brasileiro de museologia • 748

Museu Carmelitano de História Natural, no dia 11/07/2015. Foi preenchida a


ficha de coleção do referido museu, contando-se também com informações
fornecidas pela administração da instituição.

Nesse processo foi realizado o registro fotográfico do ambiente onde o


acervo se encontra e de alguns exemplares da coleção. A exposição se encontrava
nesse período em um conjunto de quatro salas e estavam lá desde o início de sua
formação no Convento do Carmo de Camocim, que por sua vez, como já citado
anteriormente, é subordinado diretamente ao Convento do Carmo do Recife
(sede).

A última atividade tratou da pesquisa de campo no Arquivo do Museu do


Homem do Nordeste (Fundação Joaquim Nabuco, Recife – PE), que possui
documentação sobre o Museu Carmelitano de História Natural, onde foi possível
observar diretamente os registros feitos pelos museólogos Mario de Souza Chagas
e Vânia D. Estevam de Oliveira do Setor de Pesquisa e Documentação
Museológica da Fundação Joaquim Nabuco em 1985. Estes documentos
apresentam grande relevância devido à sua função descritiva do Museu naquele
período e do relatório acerca da visita desses museólogos e das atividades
desenvolvidas por eles durante as visitas. Também é importante o inventário
parcial do Museu, datado do mesmo período, que contribui para noções de
dimensão, entendimento e divisão do acervo, que se apresentava de forma muito
diversificada.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O processo de aquisição e descarte de objetos para fins de musealização


pode ser conceituado como:

conjunto de ações caracterizadas pela


separação/deslocamento do contexto original e privação das
funções de uso de alguns objetos, que passariam a
desempenhar a função de documentos. Utilizamos, neste
estudo, a expressão ‘objeto musealizado‘ para ressaltar o
caráter de processo presente nas práticas que envolvem a
musealização. (LOUREIRO, 2007, p. 8).
2o Seminário brasileiro de museologia • 749

Esta seleção é realizada, cotidianamente, tanto nas instituições


museológicas quanto no nosso dia-a-dia. Cotidianamente escolhemos quais
objetos serão descartados e quais objetos serão preservados. No caso das
instituições de ensino este processo de seleção, aquisição e descarte ocorre da
mesma maneira: muitos objetos são descartados, poucos são aqueles que, não
tendo mais função imediata de uso, são recolhidos e preservados, adquirindo
outra função.

No caso dos objetos de ciência e tecnologia, trata-se de peças cuja


relevância cultural apenas recentemente tem sido valorizada, posto que, durante
muito tempo, estas foram identificadas apenas pelo seu valor funcional ou
educacional imediato, ou seja, o seu valor de uso.

Assim, quando nos referimos ao patrimônio cultural de ciência e


tecnologia, estamos tratando do

conhecimento científico produzido pelo homem, além de


todos aqueles objetos (considerando também documentos em
suporte papel), inclusive as coleções arqueológicas,
etnográficas e espécimes das coleções biológicas, que são
testemunhos dos processos científicos e do desenvolvimento
tecnológico. Também se incluem nesse grande conjunto as
construções arquitetônicas produzidas com a funcionalidade
de atender às necessidades desses processos e
desenvolvimentos. (GRANATO, CAMARA, MAIA, 2010, p. 3)

Este conhecimento, e os objetos que ajudam na sua transmissão, circulam


por diferentes espaços que compõem os sistemas de ensino de ocidente. E neste
sentido, esta pesquisa destaca-se por centrar sua atenção nos museus escolares
e suas coleções de ensino.

Os museus de História Natural enquanto instituições museológicas são


caracterizadas pela pesquisa, conservação e promoção do patrimônio natural.
Podendo também suas coleções se apresentarem de formas diferentes como em
Aquários, Zoológicos, Jardins Botânicos, Reservas Naturais etc.

Sendo assim, a relação do patrimônio cultural de ciência e tecnologia com


os museus de História Natural se dá a partir da compreensão destas coleções
como vestígios de uma forma de fazer ciência, já que além de permitir o uso desse
2o Seminário brasileiro de museologia • 750

patrimônio para a compreensão de algum sistema natural, essas coleções


apresentam um caráter tecnológico.

O Museu Carmelitano de História Natural foi criado nos primeiros anos da


década de 60, principalmente com fins pedagógicos, como museu escolar, no
Colégio Monte Carmelo, onde foi instalado, no município de Camocim de São
Félix. Foi idealizado pelo Frei Telésforo Machado Cavalcanti, e foi administrado
por ele desde o início (1963) até 2014. O Frei também é responsável pela coleta
dos objetos do museu e no período de aposentadoria do colecionador houve o
fechamento do Museu para visitação espontânea devido à falta de manutenção e
conservação adequada para aquele acervo, o que aconteceu há cerca de dois
anos (por volta do ano de 2013).

A coleção se encontra atualmente em um conjunto de quatro salas e estão


lá desde a seu início de sua formação no Convento do Carmo de Camocim Este
último, por sua vez é subordinado diretamente ao Convento do Carmo do Recife
(sede). A exposição fica fechada para visitação e não é consultada por ninguém.
Há também uma “Reserva Técnica”.

Figuras 1 e 2: Vista interna de uma das salas do Museu e detalhe da vitrine que exibe animais
taxidermizados.

O acervo apresenta particularidades que estão a todo tempo vinculadas


ao colecionador, o Frei Telésforo responsável basicamente por toda a trajetória
do Museu aqui trabalhado. Segundo a classificação existente no próprio Museu,
o acervo é composto por coleções de Mineralogia, Anatomia, Paleontologia,
2o Seminário brasileiro de museologia • 751

Entomologia, Petrologia, Zoologia, Taxidermia, Indiologia, Iconografia,


Numismática, Filatelia, “Aplicação Industrial de Minerais e Rochas” e Cultura
Popular. Estima-se que existam cerca de 4.000 peças.

De acordo com a documentação existente no Arquivo do Museu do Homem


do Nordeste, em meados da década de 1980 foi realizada consultoria
institucional para a melhorar a gestão do Museu de Camocim de São Félix.

Os museólogos Mario Chagas e Vânia Dolores buscaram, de acordo com


os registros, corrigir alguns dos problemas encontrados por eles acerca da
organização, limpeza, inserção dos alunos, entre outros. Essa intervenção foi
colocada por eles como “Projeto de Revitalização de Museu (Museu Carmelitano
de História Natural de Camocim de São Félix)” e como citado anteriormente esse
é um importante documento devido à sua função descritiva da realidade daquele
museu naquele período, cujo sistema de funcionamento se estendeu até seus
últimos dias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cada dia mais se reconhece a necessidade de refletir sobre os processos


de seleção, aquisição e descarte de acervos e da criação de instituições
museológicas. Este tipo de pesquisa possibilita não apenas o desenvolvimento do
conhecimento científico, mas também colabora com o desenvolvimento de
metodologias de gestão de acervos museológicos.

No caso das coleções de ensino e dos museus escolares, existem poucos


trabalhos sobre o assunto, e em algumas regiões, como Pernambuco, não há
nada ou quase nada produzido sobre a temática.

O Museu Carmelitano de História Natural foi um dos últimos museus de


história natural a ser criado em Pernambuco e é um dos poucos ainda existentes
em todo o Estado. Assim, conhecer sua trajetória e as motivações de sua criação
e manutenção no tempo é importante para a compreensão da tipologia tanto dos
2o Seminário brasileiro de museologia • 752

museus escolares quanto dos museus de história natural, lançando luz sobre uma
área da museologia ainda completamente inexplorada no Estado.

Referências

GRANATO, Marcus; MAIA, Elias da Silva; CAMARA, R. N. . Valorização do


patrimônio científico e tecnológico brasileiro: concepção e resultados
preliminares. In: XI Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação,
2010, Rio de Janeiro. Anais do XI Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da
Informação. João Pessoa: ENANCIB, 2010. v. 1. p. 1-16.

LOUREIRO, Maria Lucia de Niemeyer Matheus. Fragmentos, modelos, imagens:


processos de musealização nos domínios da ciência. In: DataGramaZero -
Revista de Ciência da Informação, v.8, n. 2, 2007, artigo 01.

MUSEU DO HOMEM DO NORDESTE. Levantamento e diagnóstico dos Museus


de Pernambuco – Museu Carmelitano de História Natural. Camocim de São
Félix - PE: 1985. Arquivo do Museu do Homem do Nordeste – FUNDAJ.

MUSEU DO HOMEM DO NORDESTE. Levantamento e diagnóstico dos Museus


de Pernambuco – Museu de Ciências Naturais. Recife - PE: 1982. Arquivo do
Museu do Homem do Nordeste – FUNDAJ.

MUSEU DO HOMEM DO NORDESTE. Projeto de Revitalização do Museu


Carmelitano de História Natural de Camocim de São Félix - PE: s/d. Arquivo do
Museu do Homem do Nordeste – FUNDAJ.
realização

apoio

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