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26/04/2013

Dualismo no Semi-Árido: combate a seca versus convivência

Irama Sonary de Oliveira Ferreira

Lívia Freire de Oliveira

INTRODUÇÃO

A região semi-árida ocupa uma parcela relevante da Região Nordeste do

Brasil, nela as características ambientais provocadas, principalmente, pelo

clima seco, tem provocado sérias limitações no processo produtivo das

populações, interferindo duramente na sua condição de bem-estar. Diante

desta realidade, se tem procurado desenvolver alternativas para o

desenvolvimento desta região, de modo que fossem minimizados e até

prevenidos os efeitos da seca (PINTO; LIMA, 2005).

As secas só foram consideradas um grave problema para o Brasil, a partir

da seca de 1877, onde muitas pessoas morreram, pesando também os

interesses políticos dos coronéis, da época, com a perdas dos rebanhos e a

possibilidade de lucrar com aquela situação de tristeza e calamidade, fazendo

da seca um grande negócio, pois detinham de argumentos para conseguir

recursos, obras e outros benefícios que mais privilegiaria as elites dominantes

locais, o que intitulou-se de “Industria da seca” (SILVA, 2003).

A “Industria da seca” se caracteriza como um arranjo de certos segmentos

das classes dominantes que se beneficiam indevidamente de subsídios e

vantagens oferecidos pelo governo, tendo em vista que faz da seca o “pano de

fundo” para conseguir estes benefícios, motivo esse, de não se desenvolver

políticas de convivência (Menezes; Morais, 2002 apud MATOS, 2012).


Nos últimos anos a perspectiva de combate à seca vem se modificando,

percebe-se uma modificação de paradigma, se antes era a luta contra a seca,

agora é a convivência com ela, já que é possível coexistir bem com o semiárido

nordestino, desde que através de políticas públicas e práticas

sustentáveis (PONTES; MACHADO 2012).

A convivência com o Semi-àrido, implica no conhecimento mais profundo

da região, de modo que a partir deste possa ser criado práticas que minimizem

os efeitos negativos que diminuem as suas potencialidades, particularmente o

uso do solo (PINTO; LIMA, 2005).

Neste caso, não é o ambiente que tem que se adequar as práticas

produtivas, mas sim utilizar praticas e métodos produtivos adequados as

condições ambientais (SILVA, 2003).

Na realidade, a convivência com o semi-árido tem por base práticas

apropriadas ao meio ambiente, e que visem, antes de tudo, à melhoria da

qualidade de vida de suas populações (SILVA, 2003).

Baseados nisto, as políticas desenvolvidas no semi-árido sempre

caminharam no dualismo, combate a seca versus convivência com o semiárido,

pois mesmo sabendo que a convivência seria o meio mais viável para

todos os envolvidos, tendo em vista que tenta promover uma harmonia entre

homem e natureza, por muito tempo, optou-se pelas as práticas de combate a

seca e não as que estimulassem este convívio.

Diante disto, surge o seguinte questionamento: porque houve tanto

descaso de ações governamentais quanto a convivência com o semi-árido?

Será que havia interesses pessoais em questão? O desenvolvimento deste

texto, tenta responder estes questionamentos.

REFENCIAL TEÓRICO
CONHECENDO O SEMI-ÁRIDO

As regiões semi-áridas são caracterizadas pela aridez do clima,

imprevisibilidade das chuvas e pela presença de solos pobres em matéria

orgânica. O semi-árido brasileiro é o maior do mundo em extensão e de

densidade demográfica, corresponde a 86% da região Nordeste, nos estados

do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe

e Bahia e mais a região setentrional de Minas Gerais (SILVA, 2003).

O déficit hídrico que caracteriza essa região não significa falta de chuva

ou água, mas a evaporação, pois esta é três vezes maior do que a

precipitação, por isso é essencial saber reter essa água, de modo em que ela

não evapore, para também ser útil nos períodos de seca (MALVEZZI, 2007).

O tipo de vegetação do semi-árido é a caatinga, que na língua indígena

quer dizer mata branca. Trata-se de um bioma caracteristicamente brasileiro,

com formação vegetal xerófila (adaptada à seca) com folhas pequenas que

reduzem a transpiração, os caules suculentos para armazenar água e as raízes

espalhadas para capturar o máximo de água durante as chuvas (SILVA, 2003).

No período chuvoso a caatinga fica verde e florida, entretanto no período

normal de estiagem, ela hiberna, fica seca, adquire uma aparência parda,

quando a chuva retorna, o que estava seco volta a ser verde, parecendo que a

vida brota do nada (MALVEZZI, 2007).

É importante destacar que o Semi-árido tem apenas duas estações: a das

chuvas e a sem chuvas, e que um dos seus principais problemas que assola

essa região não é a falta de água, mas o acesso a ela (MALVEZZI, 2007).

Além das fragilidades ambientais, essa região tem sido cenário de

enormes contradições e injustiças sociais, sendo marcada pela situação de

pobreza e miséria, com freqüentes estiagens prolongadas, provocadas pela


irregularidade da chuva, contribuindo para que os sertanejos vivam em

condição limite de pobreza em anos normais, se agravando ainda mais em

períodos de seca. A seca só passou a ser considerado um grande problema,

quando a mesma passou a pesar nos interesses dos poderosos, onde estes,

mesmo assim, conseguem utilizá-la a seu serviço e fazer dela um grande

negócio (SILVA, 2003).

COMBATE A SECA

O Nordeste brasileiro, especificadamente no Semi-árido, já passou por

vários problemas com a seca, desde o século XVI.

Uma das secas mais severas foi a de 1877-79 que provocou a morte de

cerca de quinhentas mil vidas. Em decorrer deste acontecimento, o governo

adotou medidas como a implementação de sistemas de irrigação e construções

de açudes e barragens (GUERRA apud PONTES; MACHADO, 2012). Muitas

das medidas não foram totalmente realizadas e outras nem saíram do papel, as

ações mais costumeiramente praticadas diziam respeito a distribuição de

cestas básicas e uso de carros-pipas, que quase sempre eram insuficientes

para a atender a demanda. Contudo, ao invés do governo melhorar a situação

das famílias que viviam com a seca, estagnava o sertanejo a aprender a

conviver com seu entorno e suas peculiaridades, ou seja, com as

características da seca (PONTES; MACHADO, 2012).

No entanto, as ações governamentais eram de caráter emergencial,

fragmentado e descontínuo, ações que alimentam a “indústria da seca”, e

soluções que, na maioria das vezes, favoreciam oligarquias rurais (SILVA,

2003).

Ações do estado no combate á seca do Nordeste

Inspetora de Obras Contra a Seca (IOCS)


Criada em 1909 em que esta representava a presença organizada do

governo para o combate a seca, que tinha como técnica a engenharia

hidráulica. Mais tarde, devido o aprofundamentos de estudos sobre o assunto,

o IOCS se transformou em IFOCS, ou seja, seu caráter agora era federal. Este

órgão não teve preocupação com o desenvolvimento regional, o descaso do

governo pode ser percebido quando nos períodos de seca os orçamentos do

desta instituição foram reduzidos tornando sua ação inviável. Em

consequência, foi criado o DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra a

Seca), pois o IFOCS não estava planejando eficientemente seu trabalho para

ação e desconsiderava dados importantes para tomar decisões (PONTES;

MACHADO, 2012).

Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE)

A SUDENE nasce com o objetivo de tentar equiparar a região Nordeste

ao Centro-Sul mais desenvolvido, através de um setor industrial avançado

(PONTES; MACHADO, 2012). Fundada em 1959 no governo de JK tentando

solucionar os problemas das secas no Nordeste brasileiro. Tinha como

objetivos a industrialização e a superação dos problemas agrícolas, e a

colonização das terras despovoadas no Maranhão e no Oeste da Bahia,

aproveitando melhor as bacias hidrográficas e os açudes do Nordeste para

irrigação(MALVEZZI, 2007).

A SUDENE foi subornada pelas oligarquias nordestinas, a maior parte dos

recursos disponibilizados das ações do governo contra as secas foi para o

setor privado, e devido a estes subornos, a SUDENE foi fechada no governo de

Fernando Henrique e reaberta no governo de Lula (MALVEZZI, 2007).

Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF)

Criada e 1945 com o objetivo estrito de aproveitar as águas do rio São


Francisco para gerar energia. Esta companhia gerou transtornos pelo fato das

construções de barragens ocupar muitos terrenos e ter que transferir quatro

cidades, sem contar com os impactos ambientais ocasionados (MALVEZZI,

2007).

Todas estas ações criadas para o combate a seca no Nordeste teve

influencias de grupos de interesse manipulando as tomadas de decisões

destas ações. No entanto, pode-se dizer que as ações do Estado era voltado

para interesse de uma determinada parte da população, ou seja, de oligarquias

que se aproveitavam de recursos públicos, em que somente estes eram

privilegiados (GUARESCHI apud PONTES; MACHADO, 2012).

A pesar do estado em que as famílias do Semi-árido encontrava, as ações

governamentais estavam voltados mais para os interesses políticos dos

coronéis, nas perdas dos rebanhos e nas suas riquezas, do que na situação

das famílias na seca, desta forma, as oligarquias colocavam a seca a seu favor

e faziam dela um grande negócio que foi chamado de “industria da seca”

(SILVA, 2003).

Contudo, é notório que as ações governamentais gerava recursos em que

beneficiava mais oligarquias que os próprios conviventes com as

consequencias da seca, em que o Estado se preocupava mais com questões

políticas do que sociais. A seguir, discutimos algumas ações de convivência

com o Semi-árido que é relevante para a melhoria de vida das famílias

sertanejas.

CONVIVÊNCIA COM O SEMI ARIDO

No Nordeste do Brasil encontra-se o Semi-árido brasileiro que é uma

região de fatores produtivos limitantes, um deles bastante discutidos hoje é a

seca. Estes fatores, como a seca, provocam o mal-estar de pequenos


agricultores que não só gera a preocupação dos governantes mas também de

organizações não governamentais. Com isso, vem sendo desenvolvidos

programas para a convivência com o Semi-árido para a melhoria nas condições

de vida de agricultores (PINTO; LIMA, 2005).

A seca do Semi-árido tem sido discutido ha muito tempo, pois este

problema vem sendo um elemento que mais traz consequências nas vidas dos

agricultores, como por exemplo a falta de água para plantar e

consequentemente carência de comida, contudo os planos de ação ao

combate a seca que não tiveram resultados positivos (POCHMANN apud

PONTES; MACHADO, 2012).

Atualmente, depois de perceber a ineficiência de vários planos de ação ao

combate a seca, surgiu alguns outros de convivência e mitigação dos efeitos da

seca, ou seja, em vez de se combater a seca no Semi-árido estava sendo

proposto a convivência com a seca (POCHMANN apud PONTES; MACHADO,

2012).

Esta é uma tarefa bastante difícil no que diz respeito a combinação dos

princípios e valores da convivência com a viabilidade econômica necessárias

ao desenvolvimento sustentável. Contudo, do ponto de vista sustentável, é uma

forma de utilizar os recursos naturais em atividades produtivas de acordo com

as condições ambientais. Neste caso, não é o ambiente que tem que se

adequar as práticas produtivas, mas sim utilizar praticas e métodos produtivos

adequados as condições ambientais (SILVA, 2006).

Segundo Pontes e Machado (2007) umas das primeiras medidas tomadas

para a convivência com a seca foi a criação de um milhão de cisternas rurais.

Trata-se de um programa de mobilização criado para mostrar que é possível

conviver e não combater com a seca no Semi-árido de uma forma sustentável.


A criação das cisternas visa captar a água da chuva, utilizando a tecnologia
das

cisternas de placas, para garantir abastecimento nos períodos de estiagem.

Elas apresentaram maior viabilidade de que outras medidas tomadas para a

convivência com a seca, como a criação de micro barragens ou barragens

subterrâneas.

As cisternas foram criadas para famílias residentes na zona rural dos

municípios da região semi-árida, que não dispunham ou tinham acesso

precário de fonte de água potável nas proximidades de suas casas ( PONTES;

MACHADO, 2012).

A construção das cisternas foi uma alternativa desenvolvida para alcançar

um nível de boa qualidade para o consumo das famílias residentes no


Semiárido,

pois muitas vezes as pessoas consumiam água sem qualidade, com

sabor não característico de água ou então contaminada provocando doenças.

Além disso, diminuiu o esforço de carregar água de outros poços, pois agora a

água estava disponível ao lado de sua casa (PONTES; MACHADO, 2012).

Além das cisternas criadas Silva (2012) cita algumas alternativas para a

convivência com o Semi-árido:

fundos de pasto é uma alternativa que tem como objetivo a criação

de pequenos e de grande porte soltos na área e uma determinada

coletividade e um grau de parentesco;

hortas orgânicas, que implica na plantação de hortaliças através da

correta técnica de plantio e o acesso a água de barreiros ou poços,

juntamente ao uso e adubos orgânicos e inseticidas naturais que

garantem a produção de alimentos saudáveis e geram tanto renda

para quem o produz quanto garante seu alimento;


programa alimento por trabalho, que visava a melhoria no

abastecimento de água, o fortalecimento das atividades de

produção da agropecuária.

O Programa de Ações Integradas também foi lançado como proposta para

s convivência com o Semi-árido. Trata-se de ações voltadas para melhoria da

vida dos agricultores, entre elas: o seguro-safra, renda mínima aos produtores;

a compra de alimentos pelo governo federal, garantindo renda aos agricultores

da região;o acesso ao crédito para ações de manejo e captação de recursos

hídricos, investimento em culturas forrageiras e manejo da caatinga; o Cartão

Alimentação para compra de alimentos; a assistência técnica e educação para

desenvolvimento de metodologias e tecnológicas de convivência com o


Semiárido

(SILVA, 2003).

Portanto, as formas de convivência com o Semi-árido se torna uma

alternativa viável para o desenvolvimento desta região, pois o combate a seca

e outas alternativas utilizadas no processo produtivo desta região pode

degradar o meio ambiente e consequentemente acarreta prejuízos para os

habitantes, pois estas praticas desgastam os recursos naturais a mesma.

A convivência com o Semi-árido envolve um processo de educação da

população no que diz respeito ao ambiente, culturas de manejo com o

ambiente e os limites e potencialidades que os recursos do mesmo apresenta

para que este não seja esgotado, ou seja, requer novas formas de pensar e

agir com o meio em que se vive. Não se trata de acabar com a seca, mas

adaptar-se ao ambiente de forma inteligente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no desenvolvimento deste texto, percebe-se que as primeiras


tentativas de desenvolvimento do semi-árido, de combate a seca, só beneficiou

poucas pessoas, a elite dominante da época, por isso que estas práticas se

mostraram tão presente no contexto de todos estes anos nesta região.

A seca foi um grande negócio das oligarquias para obter recursos e se

beneficiar deles, além do mais foi considerada como principal vilã das

calamidades e misérias que assolava população, mas na verdade, apenas

mascarava a concentração de riqueza, terra e poder existente, os seus

principais causadores.

Em outra perspectiva, vem a Convivência com o semi-árido que consiste

em conhecer as peculiaridades da região, e conhecendo-a adequar-se a ela,

desenvolvendo práticas apropriadas ao meio ambiente, e que proporcione uma

melhoria na qualidade de vida de todos.

A convivência implica numa prática constante, não se tratando apenas de

programas emergenciais e de ações de combate à pobreza, como foi

desenvolvido. Requer políticas públicas permanentes e apropriadas, sendo

necessário romper com as estruturas de concentração da terra, da água, do

poder e do acesso aos serviços sociais básicos.

Baseado nisto, se convive com este dualismo, combate a seca e

convivência com o semi-árido, tendo em vista que, ainda hoje, se prevalecem

os interesses políticos e financeiros dos que estão no poder, no sentido que a

ausência das práticas de combate não traria os recursos que são obtidos com

elas, ao mesmo tempo em que, a convivência traria mais benefícios a todos,

gerando mais autonomia a população. Neste caso, os interesses particulares

pesam mais do que os interesses coletivos.

BIBLIOGRAFIA

MALVEZZI, Roberto. Semi-Árido: uma visão holística. Brasília: confea, 2007.


MATOS, Marcos Paulo Santa Rosa. Famílias Desagregadas sobre a terra

ressequida: industria da seca e deslocamentos familiares no nordeste do

Brasil. Nómadas. Revista Crítica de Ciencias Sociales y Jurídicas | Núm.

Especial: América Latina (2012).

PINTO, Edilene Barbosa; LIMA, Maria Jose de Araújo. O programa de

convivência com o semi-árido brasileiro e sua influência na mudança de

hábitos e valores. Instituto de pesquisas sociais (Inpso), Fundação Joaquim

Nabuco. Out/2005.

PONTES, Emilio Tarlis Mendes; MACHADO, Thiago Adriano.

Desenvolvimento Sustentável e Convivência com o Semi-Árido: o caso do

programa um milhão de cisternas rurais no nordeste brasileiro. Universidade

Federal de Pernambuco. Ano: 2012.

SILVA, Roberto Marinho Alves da. Entre dois Paradigmas: Combate a seca e

convivência com o Semi-Árido. Sociedade e Estado, Brasília, v. 18, n. 1/2, p.

361-385, jan./dez. 2003.

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