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FUTEBOL MODERNO

O campeonato de futebol amador de uma cidade do interior mineiro estava para


começar. Promessa de tardes movimentadas pelas partidas de futebol a serem
realizadas aos domingos. A euforia era total e contagiante para os envolvidos na
estreia de um antigo time da periferia. Tudo estava no lugar, inclusive no que diz
respeito às questões técnicas e táticas. Uniforme completo, bolas novas e até
mesmo um linda bolsa de massagista e a tão amada bandeira.

A promessa era daquelas grandes. Diziam os mais apaixonados que o time lembrava
o Penharol, aquele time argentino que matava os brasileiros de raiva com seu
futebol refinado. A diretoria garantiu: ao terminar o certame o time deveria figurar,
pelo menos, entre os três primeiro lugares. Sem dúvida nenhuma o “caneco” seria
levantado. Apesar da diretoria não ser lá daquelas muito representativas, o
presidente e dono do time, que também era o técnico, treinador de goleiro,
preparador físico, massagista, etc dizia que tinha um grande trunfo para ganhar os
jogos.

Que estreia maravilhosa estava por vir!

Chegou o grande dia. O primeiro jogo seria realizado em casa e, ainda por cima,
contra um adversário fraco e desorganizado. As coisas não podiam estar melhores,
tudo conspirava a favor. O time entrou em campo, armado no esquema 4, 3, 3 e
escalado pelos chamados atletas de elite, ou seja, os respeitados titulares.

Para quem não é lá muito afeito ao futebol, o equema de jogo foi montado da
seguinte forma: no ataque, três homens habilidosos e velozes distribuídos pelas
pontas esquerda e direita e um centroavante “rompedor” que era o responsável por
fazer os gols; a armação das jogadas e controle do meio do campo, ficava por conta
de outros três atletas, sendo um pela meia direita e outro pela meia esquerda e, ao
centro, um “médio volante nervoso”. A defesa era de confiança e formada por uma
linha de quatro homens. Nas laterais esquerda e direita estavam dois atletas
responsáveis em barrar os ponteiros adversários. Mas a fortaleza do time estava
mesmo sob a responsabilidade do camisa 1 e dos dois zagueiros, uma dupla de
xerifões acostumados a chutar qualquer coisa, inclusive a bola, que aparecesse nas
redondezas do espaço defendido ou que ameaçasse a meta que era guardada pelo
seu firme goleiro.

Que grande time havia sido escalado! A vitória era certa. O fraco adversário não
aguentaria. Goleada na certa.

Tudo pronto para começar. A torcida ficou espalhada atrás de umas das linhas de cal
que delimitava a área do campo e agitava a bandeira. Ninguém se importava com a
sofrível condição da “arena desportiva” onde se dava a peleja futebolística, afinal o
time jogava em casa. O solo do campo nem sequer conhecia grama, a cobertura do
terreno era composta por uma grande porção de poeira misturada com borra de
ferro recolhida nos pátios de uma grande indústria de aço e uma pitada de esterco
deixado por um ou outro bovino desavisado que transitava pela área. Dessa forma,
ser atirado ao solo era sempre um grande risco. Sem contar que o campo se
localizava a pouco mais de um metro de distância de uma enorme e profunda valeta
por onde corria um minguado e sujo fio d´água dissolvido em esgoto doméstico.
Duro mesmo era quando a bola despencava ribanceira abaixo.

Mas niguém estava ligando para isso.

Soou o apito e teve início a contenda. Foram mais de dez minutos de incessantes
gritos e improvisados cantos entoados pela torcida animada. De repente, parece
que o céu desabou. Com pouco mais de quinze minutos de partida o time da casa
tomou dois gols seguidos, niguém acreditava no que estava acontecendo. Parecia
que o mundo futebolístico girava ao contrário. O segundo gol havia pegado a galera
desprevenida. O adversário havia lançado um contra-ataque mortal alçando a bola
em profundidade pela área. Naquele tenso momento, o goleirão, muito confiante,
bradou a todos pulmões: “deeeeixa que é miiiiiinnnnnhaaaa!!! E desatou em
correria se atirando ao encontro da bola. Naquela embolada, subiu poeira e
pedrisco para todo lado. A torcida parou ansiosa aguardando o desfecho da jogada.
Quando a poeira baixou, lá estava o goleirão agarrado às perna do seu zagueiro e, a
bola, coitada, rolando suave e preguiçosamente para dentro do gol. Bastou ao
centroavante adversário apenas empurrar a “gorduchinha” para o fundo do
barbante. Dois a zero. Ninguém entendia mais nada.

Lá pela metade do segundo tempo, com a torcida já se retirando para casa e o time
tomando quatro a zero, o treinador resolveu usar o seu grande trunfo. Era uma
coisa que só ele sabia e guardava segredo. Tinha cara de ser uma grande novidade
no mundo do futebol para por um fim àquele vexame. Ele então, chegou bem em
frente à linha do meio do campo, colocou as duas mãos ao lado da boca para
ampliar a voz e ordenou ao time gritando bem alto: “agora é hora de colocar em
prática o jeito europeu de jogar futebol! Vamos deixar o adversário perdido em
campo!!! É hora de ganhar o jogo! A partir de agora, quero jogo de velocidade!!! Só
quero futebol aéreo, é bola no chão!!!

Cícero Buia – março de 2014

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