Você está na página 1de 236

Desventuras dos

professores na
formação para
o capital
Série Educação Geral, Educação Superior e Formação Continuada do Educador

Editora Executiva
Profa. Dra. Maria de Lourdes Pinto de Almeida – Unoesc/Unicamp

Conselho Editorial Educação Nacional


Prof. Dr. Afrânio Mendes Catani – USP
Prof. Dra. Anita Helena Schlesener – UFPR/UTP
Profa. Dra. Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira – Unicamp
Prof. Dr. João dos Reis da Silva Junior – UFSCar
Prof. Dr. José Camilo dos Santos Filho – Unicamp
Prof. Dr. Lindomar Boneti – PUC / PR
Prof. Dr. Lucidio Bianchetti – UFSC
Profa. Dra. Dirce Djanira Pacheco Zan – Unicamp
Profa. Dra. Maria Eugenia Montes Castanho – PUC / Campinas
Profa. Dra. Maria Helena Salgado Bagnato – Unicamp
Profa. Dra. Margarita Victoria Rodríguez – UFMS
Profa. Dra. Marilane Wolf Paim – UFFS
Profa. Dra. Maria do Amparo Borges Ferro – UFPI
Prof. Dr. Renato Dagnino – Unicamp
Prof. Dr. Sidney Reinaldo da Silva – UTP / IFPR
Profa. Dra. Vera Jacob – UFPA

Conselho Editorial Educação Internacional


Prof. Dr. Adrian Ascolani – Universidad Nacional do Rosário
Prof. Dr. Antonio Bolívar – Facultad de Ciencias de la Educación/Granada
Prof. Dr. Antonio Cachapuz – Universidade de Aveiro
Prof. Dr. Antonio Teodoro – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias
Profa. Dra. Maria del Carmen L. López – Facultad de Ciencias de La Educación/Granada
Profa. Dra. Fatima Antunes – Universidade do Minho
Profa. Dra. María Rosa Misuraca – Universidad Nacional de Luján
Profa. Dra. Silvina Larripa – Universidad Nacional de La Plata
Profa. Dra. Silvina Gvirtz – Universidad Nacional de La Plata
Olinda Evangelista
Allan Kenji Seki
Artur Gomes de Souza
Mauro Titton
Astrid Baecker Avila

Desventuras dos
professores na
formação para
o capital
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
ISBN 978-85-7591-549-3

Índices para catálogo sistemático:

capa e gerência editorial: Vande Rotta Gomide


crédito para bordado da abertura
preparação dos originais: Editora Mercado de Letras
revisão final dos autores
bibliotecária: Iolanda Rodrigues Biode – CRB-8/10014

FAPE
CLACSO

DIREITOS RESERVADOS PARA A LÍNGUA PORTUGUESA:


© MERCADO DE LETRAS®
VR GOMIDE ME
Rua João da Cruz e Souza, 53
Telefax: (19) 3241-7514 – CEP 13070-116
Campinas SP Brasil
www.mercado-de-letras.com.br
livros@mercado-de-letras.com.br

1a edição
AGOSTO / 2019
IMPRESSÃO DIGITAL
IMPRESSO NO BRASIL

Esta obra está protegida pela Lei 9610/98.


É proibida sua reprodução parcial ou total
sem a autorização prévia do Editor. O infrator
estará sujeito às penalidades previstas na Lei.
SUMÁRIO

PREFÁCIO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Selma Venco

APRESENTAÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Olinda Evangelista

capítulo I
DESTERRO DOCENTE E FORMAÇÃO HUMANA
NOS GOVERNOS PETISTAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Astrid Baecker Avila, Mauro Titton e
Olinda Evangelista

capítulo II
O CRESCIMENTO PERVERSO DAS
LICENCIATURAS PRIVADAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Allan Kenji Seki, Artur Gomes de Souza e
Olinda Evangelista

capítulo III
72 HORAS EM 16 MINUTOS: QUAL ESCOLA
PARA O PROFESSOR BRASILEIRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Olinda Evangelista, Allan Kenji Seki e
Artur Gomes de Souza
capítulo IV
VITÓRIA DA EAD OU DO CAPITAL? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Olinda Evangelista, Allan Kenji Seki e
Artur Gomes de Souza

capítulo V
O LABIRINTO DOS DADOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Olinda Evangelista, Allan Kenji Seki e
Artur Gomes de Souza

POSFÁCIO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
João Zanardini

APÊNDICE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
PREFÁCIO

Prefaciar um livro é sempre uma honra traduzida igualmente


em plena responsabilidade. Os sentimentos são agudizados quando
a obra é organizada pela Profª. Drª. Olinda Evangelista e por
dois pesquisadores, por ela formados, os professores Allan Kenji
Seki e Artur Gomes de Souza. A brilhante trajetória acadêmica
de Olinda, sustentada por sofisticado embasamento teórico e
engajamento político, sempre em defesa da igualdade e do direito
à educação pública e socialmente referenciada, está refletida ao
longo dos capítulos elaborados pelo trio afinado nas críticas que
adequadamente constroem em suas análises.
A presente publicação preenche importante lacuna no
conhecimento científico ao divulgar os resultados de pesquisa
sobre o ensino superior, em particular aquele voltado à formação
de professores, e proporcionar às leitoras e aos leitores o contato
e o aprofundamento acerca da opção política forjada ao longo de
décadas, que conferiu ao setor privado a possibilidade de construir
uma verdadeira fábrica de diplomas no país, altamente lucrativa.
Sustento que a indignação – amparada pelo encantamento dos dados
e análises tecidas – acomete o/a leitor/a da apresentação ao final do
livro, pois levantam o véu da produção, como diria Marx, no âmbito
de um amplo espectro sobre o tema, o qual proponho um olhar em

Desventuras dos professores na formação para o capital 7


3D: um macro, que observe o contexto político no qual se inscreve o
país ao privilegiar uma dada educação. Inspirada por Milton Santos
(1999) indago: qual Nação se quis/quer construir baseada em uma
educação sucateada e entregue ao setor privado, cujos princípios são
estritamente orientados pelo lucro?
Nos parece cristalina a eleição da política que filia a
inserção do país na conjuntura internacional e, sobretudo na
divisão internacional do trabalho, à educação. Formar professoras e
professores descautelosamente é arbitrar uma posição subalterna no
já iníquo sistema capitalista e mormente desprover de pensamento
crítico a população, ado seu efeito em cascata na sociedade.
A opção por licenciaturas de baixa qualidade, com crescente
ensino a distância, reafirma a posição de dependência em relação
aos países centrais e persegue a receita impingida pelo Banco
Mundial desde, particularmente, os anos 1990: Brasil, concentre-
se na erradicação do analfabetismo e nos anos iniciais; abandone o
sonho do desenvolvimento tecnológico, da produção da ciência e,
preferencialmente, torne-se um país monocultor.
O destaque feito por Avila, Titton e Evangelista reafirma
a adesão dos governos petistas às demandas dos organismos
multilaterais, particularmente Unesco e OCDE, que, de fato, como
demonstram os./as autores/as, se expressou em avanços substantitvos
na transferência de recursos públicos aos agentes privados e na
rotulação dos movimentos em defesa da educação pública como
dogmáticos e, complemento, avessos ao desenvolvimento do país.
Relembrando que esse mesmo tom de discurso foi empregado por
Margareth Thatcher no combate ao Estado Burocrático e em defesa
do Estado Gerencial, sinônimo de escancaramento das portas ao
livre mercado e de içar a bandeira do cerceamento dos direitos à
população.
É escandaloso o fato que além do lucro logrado pelas
empresas educacionais, há elevado investimento público na

8 Editora Mercado de Letras – Educação


educação privada. Segundo a presente obra “As despesas com o
Fies e o Prouni foram elevadas de R$ 1,565 bilhão, em 2003, para
R$ 19,570 bilhões, em 2016, um crescimento de 1.150,68%”.
A dimensão meso concerne ao sentido social e político da
entrega da formação de professores ao setor privado. Para além do
lucro, quais princípios orientam a constituição dos cursos nos centros
universitários? Certamente, é o descaso e o descompromisso com a
educação de qualidade. As empresas educacionais comercializam
a educação e cultivam ilusões. Uma mercadoria cujo marketing
edifica-se na falácia do emprego, mas qual emprego? Se, por
um lado, os diplomas de nível superior auxiliam a blindar contra
o desemprego, por outro, tal premissa só é válida para postos de
trabalho não demandantes de graduação, um moto-contínuo que
pereniza e ratifica a hereditariedade proletarizante (Bertaux 1979).
E, por fim, a dimensão micro, alusiva à formação
propriamente dita e seus desdobramentos diretos e indiretos
aos indivíduos e consequentemente à sociedade. Para além do
debate relativo à facilmente contestável qualidade da educação
oferecida pelas empresas, a qual, por si só, seria móbil suficiente
para críticas e mobilização, a crescente oferta feita a distância
reúne e nutre valores caros ao capitalismo. O esfacelamento dos
coletivos e a eliminação do trabalho vivo são sonhos de consumo
do sistema. O ensino a distância reúne ambos e promove uma
hiperindividualização entre os que dele participam. O mundo cada
vez mais organizado celularmente traz e trará, indubitavelmente,
desdobramentos propícios para o aumento da concorrência entre
iguais e, consequentemente, um arrefecimento de valores solidários
e aquecimento de outros mais mercantis.
Supondo hipoteticamente que os/as estudantes oriundos das
diversas licenciaturas obtenham colocação e se tornem professoras
e professores: quais serão suas condições de trabalho? Vivenciarão
relações de trabalho não precárias?

Desventuras dos professores na formação para o capital 9


Uma profissão altamente feminizada, e, como apresenta a
pesquisa retratada no livro, praticamente oito em cada 10 matrículas
nas licenciaturas em EaD são ocupadas por mulheres; e outros
67% em cursos presenciais. Esses dados indicam que a presença
permanece forte no trabalho docente. Tal característica é sinônimo
de desvalorização social, baixos salários e péssimas condições
de trabalho. Isso ocorre em todas as ocupações e profissões com
alta presença feminina: confecção, telemarketing, enfermagem,
engenharias, medicina e, obviamente, educação, sobretudo a básica,
mas atinge diretamente os/as que atuam nas faculdades privadas. É
possível exemplificar pelos resultados da pesquisa ora apresentada:
nas Faculdades Anhanguera há uma média de 1.737 alunos por
professor; uma disciplina que contemplaria 72 horas de curso em
uma universidade pública, leva exatos 16 minutos para concluí-la.
Essas dimensões da vida profissional ensejam, mesmo
que contem com os direitos vinculados ao trabalho, um tipo de
precariedade subjetiva: o sentimento de não poder realizar sua
atividade profissional como a pessoa almeja, como idealizou para
se transformar por meio do trabalho. E torna-se um forte estímulo
para o abandono da carreira.
Ensaiando um equilíbrio frente às conclusões entristecedoras
promovidas pelo estudo, ressalto que o livro é um marco e um convite
à reflexão e nos municia com importante ferramenta para enfrentar e
resistir. A venda do país, a perda de direitos e a máxima exploração
da população não podem nos levar à inanição e ao desencantamento
do mundo. Por isso recorro a Jean-Paul Sartre para finalizar esse
texto e enaltecer a acurada análise feita pela equipe. Escreve ele:

Curar-nos-emos? Sim. A violência, como a lança de Aquiles,


pode cicatrizar as feridas que abriu. Hoje, estamos presos,
humilhados, doentes de medo: estamos muito em baixo. [...]
Cada dia retrocedemos frente à contenda, mas podem estar
certos de que a não evitaremos: eles, os assassinos, precisam

10 Editora Mercado de Letras – Educação


dela; seguem revoluteando em redor de nós e espancam a
multidão. Assim, acabará o tempo dos bruxos e dos feitiços:
terão que ser espancados ou apodrecer nos campos. É o
momento final da dialética: condenam essa guerra, mas não se
atrevem, todavia, a declarar-se solidários com os combatentes;
não tenham medo, os colonos e os mercenários obrigá-los-ão
a dar este passo. Talvez, então, encurralados contra a parede,
desenfreareis por fim essa violência nova suscitada pelos
velhos crimes acumulados. Mas isso, como costuma dizer-se,
é outra história. A história do homem. Estou certo de que já
se aproxima o momento em que nos uniremos a quem a está
fazendo. (Jean-Paul Sartre 1961)

Ele se referia à guerra da Argélia...e nós temos a nossa


própria guerra.

Selma Venco
Verão, 2019

Referências

BERTAUX, Daniel (1979). Destinos pessoais e estrutura de classe:


para uma crítica da antroponimia política. Rio de Janeiro:
Zahar.
SANTOS, Milton (2000). Os deficientes cívicos. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/fol/brasil500/dc_3_9.htm.
Acesso em: 15/04/2019.
SARTRE, Jean-Paul (1961[2002]). “Préface”, in: FANON, Frantz
Les damnés de la terre. Paris: La Découverte.

Desventuras dos professores na formação para o capital 11


APRESENTAÇÃO

Eis que esse anjo me disse


Apertando a minha mão
Com um sorriso entre dentes
Vai bicho desafinar
O coro dos contentes
(Torquato Neto 1982)

O livro que trazemos à luz para escrutínio dos leitores


discute o problema da formação do professor no Brasil a partir dos
anos 2000, especialmente no que se refere às instituições de ensino
superior nas quais tal preparo ocorre. As determinações mais gerais
da qualificação do magistério nacional e os desdobramentos sociais
inscritos na definição dos conteúdos e de seus loci privilegiados
evidenciam que a atividade diuturna de produção e reprodução da
consciência burguesa constitui um fenômeno a ser cuidadosamente
estudado.
Após os anos de 1990, vivemos ajustes econômicos e
políticos profundos; as disputas classistas deram lugar a uma razão
histórica, neoliberal e imperialista, cuja hegemonia balizou o Estado
e um sem número de organizações da Sociedade Civil. A formação
docente tornou-se um ponto vital da reforma educacional então
desencadeada. Decorreu desse processo histórico um educador
progressivamente soterrado pelos interesses burgueses, pelas

Desventuras dos professores na formação para o capital 13


demandas do capital. Entre 2003 e 2015, durante os governos de Lula
(2003-2010) e Dilma (2011-2016), do Partido dos Trabalhadores,
os professores foram atingidos de milhares de jeitos. No âmbito da
formação, foram premidos pelos materiais didáticos; pela punção
de seus fundos de existência para pagamento da formação inicial;
pela imposição da frequência à escolas de nível superior não
universitárias; pela rarefação teórico-prática de seus cursos; pela
submissão à modalidade de Educação a Distância (EaD). Este
ataque não foi desferido só pelo Ministério da Educação; outros
órgãos federais promoveram formação docente no interior de seus
projetos.1 No plano do trabalho, depararam-se com a diminuição dos
concursos públicos; o aumento dos contrários temporários, na casa
dos 900 mil; o aumento da jornada de trabalho; o excesso de alunos
em sala; o não recebimento do piso salarial nacional; a ausência de
plano de carreira; as diretrizes curriculares; o controle por meio das
avaliações; o gerencialismo espraiado nas escolas.
Nosso estudo demonstrou, de modo mais aprofundado,
o gigantismo da “fábrica de professores” e do vasto mercado da
certificação em nível superior no Brasil. Tal mercado cresceu
sob o slogan “democratização do acesso” ao ensino superior;
por seu intermédio se produziria trabalhadores de qualidade,
capacitados para empregos com salários de nível superior.
Todavia, a consequência desse projeto desenhado para os futuros
professores da Escola Básica brasileira – por interesses nacionais
e internacionais do grande capital – redundou, em 2006 e 2007,
na explosão de grandes escolas particulares. Em primeiro lugar, o
Estado fomentou a EaD no interior de suas instituições; a seguir, a
esfera privada tomou conta do “negócio”; depois, a esfera particular,
isto é, as escolas com fins lucrativos apropriaram-se da mercadoria
e passaram a vendê-la majoritariamente na modalidade EaD em
instituições monopolizadas. Assim, surgiu e cresceu um fenômeno

1. É o caso do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera),


ação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que qua-
lifica educadores para áreas de reforma agrária, entre outras atividades.

14 Editora Mercado de Letras – Educação


cruel: um mercado reservado cujo robustecimento se concretizaria
em meados da primeira década do século XXI.
Nossa investigação, além da coleta de documentos e
levantamento de bibliografia, centrou-se na coleta de informações
nos microdados do Censo da Educação Superior (2003-2015). Da
sistematização e análise dos dados sintetizamos cinco movimentos
na formação docente em nível superior no país: 1) a oferta em
Instituições de Ensino Superior (IES) privadas (instituições sem
fins lucrativos – confessionais, comunitárias e filantrópicas – e
instituições com fins lucrativos denominadas particulares) de
matrículas em licenciaturas chegou a 61,7% em 2015, cabendo à
esfera pública 39,3%; 2) no interior das IES privadas, diminuíram
as matrículas em licenciatura presencial e cresceram na EaD; 3) o
maior número de estudantes está nas IES com fins lucrativos; 4) as
matrículas nas escolas públicas, nas duas modalidades, cresceram
em números absolutos, mas diminuíram percentualmente; 5) está
em curso nas escolas particulares novo modelo de licenciatura,
ou seja, o ser humano e social em formação está subsumido na
potência de compra e venda da matrícula em si mesma, quiçá no
valor da instituição. Estudantes e IES são friamente negociados
por fundos de investimentos e nas ofertas públicas de ações nas
bolsas de valores. Conquanto a privatização – ou o processo de
financeirização – tenha tomado dimensões preocupantes no Ensino
Superior em geral, no âmbito da formação docente ele é evidência
de uma crueldade ilimitada. O crescimento exponencial das
grandes escolas particulares vocacionadas ao preparo do magistério
encontrou na modalidade EaD um campo específico de produção de
lucro, suportada entretanto por um vasto programa de concessão de
bolsas, públicas e privadas.
Outro aspecto de suma importância aqui tratado, com menor
profundidade, refere-se às políticas de preparo do magistério
concretizadas sob a forma de cursos iniciais e continuados.
Com base em dados garimpados em portais de diferentes órgãos
governamentais, coligimos grande quantidade de informações
sobre o imenso número de ações que alvejaram os professores

Desventuras dos professores na formação para o capital 15


em seu processo de formação. A análise evidenciou que foi dada
atenção especial à concepção de formação com o fito de alterá-la,
adequando-a às demandas do capital, fosse por meio da negociação e
incorporação de diretrizes de Organismos Multilaterais (OM), fosse
por meio de Aparelhos Privados de Hegemonia. O preparo de mão
de obra dócil e disponível a baixo preço norteou a grande variedade
de programas, cercando o professor por todos os lados. Não poucas
vezes este profissional foi reduzido a instrumento, localizado entre
o futuro trabalhador e o mercado de trabalho.
A hegemonia do capital na definição das políticas de formação
e sua subordinação à concepção burguesa de escolarização elegeu
as “habilidades e competências” necessárias ao mundo do trabalho
e a travestiram de essência humana. Resta claro que se tratou de
obliterar a possibilidade – inscrita nas contradições da apropriação
do conhecimento e nas relações sociais internas à escola – da
emergência da consciência de classe do trabalhador brasileiro.
Tendo em vista expor e discutir esse movimento, o presente
livro conta com cinco capítulos, resultado de pesquisa financiada pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq). Avila, Titton e Evangelista mostram no primeiro capítulo,
Desterro docente e formação humana nos governos petistas, que
o projeto formativo iniciado na década de 1990 não foi rompido.
A tendência de expansão das matrículas nos cursos de licenciatura
– muito especialmente no de pedagogia – majoritariamente na
modalidade EaD e sob perspectiva não universitária, consolidou-se.
As orientações de OM são claras nos documentos governamentais;
todavia, as contradições imanentes ao desenvolvimento histórico
permitem vislumbrar resistências ao desterro docente operado por
este projeto formativo.
No segundo capítulo, O crescimento perverso das
licenciaturas privadas, Seki, Souza e Evangelista tematizam a
entrega da formação docente à iniciativa privada sob as formas de
Centros Universitários, Institutos, Faculdades e Universidades. Sob
a aparente pulverização do preparo do magistério jaz a ascendência
das Instituições de Ensino Superior (IES) particulares na oferta de

16 Editora Mercado de Letras – Educação


formação e a proeminência da modalidade de Educação a Distância
(EaD). Conquanto a Universidade tenha permanecido como lócus
dominante, a formação opera-se sob o comando das instituições
privadas e subordinada à concepção de Ensino Superior ou terciário,
segundo inspiração bancomundialista.
No terceiro capítulo, 72 horas em 16 minutos: qual escola
para o professor brasileiro?, Seki, Souza e Evangelista discutem o
avanço exponencial da esfera privada sobre as matrículas públicas e
sua simultânea adesão à modalidade a distância entre 2003 e 2015,
no Brasil, verificáveis no incremento de 10% (84.980) nas matrículas
em licenciaturas presenciais e de 993% (511.451) em EaD. Desses
números decorreu a conclusão histórica de que o contingente principal
de brasileiros trabalhadores é formado via privatização da qualificação
dos profissionais da escola pública. Coube à administração federal
o papel de propor, supervisionar e avaliar o cumprimento das
orientações pelas IES privadas, assim como oferecer as condições
concretas para que sua expansão ocorresse de forma segura e novos
nichos de mercado fossem criados. Nas IES particulares o estudante
foi tratado – e ainda o é – como número de matrícula, importante por
sua potência de compra e venda na bolsa de valores. Tal fenômeno
adquire proeminência após 2006 e 2007, coincidindo com a grave
crise do capital naquele período e em 2008.
O quarto capítulo, Vitória da EaD ou do capital?, escrito
pelos mesmos autores acima, permite verificar que no interior da
esfera privada floresceu a formação docente particular, expondo-
se a face perversa da transformação da educação em bem
mercadejável, agudizado a partir dos anos de 2000. Discutem as
ameaças decorrentes da progressiva submissão das instituições e dos
conteúdos da qualificação do magistério às novas formas de oferta
sob o comando do capital e seus marcos normativos. O cenário
descrito é resultado da reforma do ensino superior engendrada
durante os governos neoliberais, articulada às diretrizes do Banco
Mundial que o postulou como “ensino terciário”, configurando
dois movimentos históricos importantes: o desmonte do modelo
universitário e a privatização em larga escala do preparo do

Desventuras dos professores na formação para o capital 17


professorado no Brasil. No último capítulo, O labirinto dos dados,
os autores apresentam uma breve discussão sobre o processo de
coleta de informações nos microdados dos Censos da Educação
Superior, ressaltando as agruras dos pesquisadores em face de dados
nem sempre consistentes.
De outra parte, não apenas a coleta dos microdados apresentou
dificuldades; encontrar a documentação completa relativa aos
Governos Lula e Dilma foi um esforço inaudito. O fato de grande
parte da informação estar disponível na Internet não quer dizer que
sejam encontráveis. Nem sempre as informações estão completas;
muitos documentos não trazem data ou autoria; documentos
oficiais às vezes são encontrados em páginas não oficiais; alguns
documentos oficiais são encontrados em páginas estrangeiras;
inúmeros documentos de OM sobre o Brasil não estão em língua
portuguesa; páginas oficiais que deveriam congregar todo o acervo
relativo à sua denominação não o fazem; há mudanças nas páginas
com o consequente desparecimento de documentos e informações,
entre outros problemas. O desejo de compreender, e evidenciar, o
sentido último da política de formação docente empreendida no
período em exame levou-nos a produzir muitíssimas informações
que não puderam ser aqui convenientemente analisadas. Estão
sistematizadas na última parte do livro, Apêndice, disponíveis aos
estudiosos que queiram consultá-las ou tomá-las para análise.
A expectativa alimentada pelos organizadores é a de que a
ordenação das informações oferecidas ao leitor interessado possa
contribuir para a compreensão da grave situação em que se encontram
os aspirantes ao magistério no país. Ao mesmo tempo, esperam
que suas reflexões possam fecundar ações políticas que operem
a contrapelo da tendência dominante de esvaziar teoricamente a
formação docente e, por decorrência, trabalhar a favor da emergência
de uma consciência política que nos leve, a todos e todas, a cerrar
fileiras na defesa inconteste da escola pública brasileira.

Olinda Evangelista
Florianópolis, abril de 2019

18 Editora Mercado de Letras – Educação


capítulo I
DESTERRO DOCENTE E FORMAÇÃO
HUMANA NOS GOVERNOS PETISTAS

Astrid Baecker Avila


Mauro Titton
Olinda Evangelista

[...] a primeira experiência da esquerda brasileira no


poder foi a repetição de uma estratégia populista de
governo de extração getulista. Seu fim melancólico e
catastrófico é, na verdade, a expressão da impotência não
da esquerda como horizonte de transformação social,
mas do espectro que a colonizou quando ela alcançou o
governo. (Safatle 2018, pp. 44)

Introdução

Compreender com rigorosidade o processo histórico que


conduziu a política educacional e as proposições para a formação
docente, durante os governos do Partido dos Trabalhadores (PT),
requer que esse ciclo tenha se fechado, permitindo uma análise

Desventuras dos professores na formação para o capital 19


post festum das suas decorrências. Ressalvamos que o interregno
analisado abarca o primeiro governo Lula (2003-2006), o segundo
(2007-2010), o primeiro governo Dilma (2011- 2014) e o segundo até
seu impedimento (2015-2016); contudo, esse período tem ligações
bastante importantes com os de Fernando Henrique Cardoso (FHC)
(1995-2002), e Michel Temer (2016-2018),1 particularmente no que
diz respeito ao movimento hegemônico dos interesses capitalistas.
Em razão disso, se fez necessário identificar, mesmo brevemente,
o que estava posto no período pós-1990 no Brasil, durante os
governos de Collor-Itamar (1991-1994) e os de FHC.2 Certamente,
há também relações a serem pensadas no que tange ao governo
do presidente recém eleito, Jair Bolsonaro,3 mas fogem do escopo
deste texto.
Demarcamos, destarte, que o recorte temporal indicado
não pode engessar a compreensão do movimento em que passado
e presente se perpassam para permitir nosso entendimento e
vislumbrarmos as alternativas postas de futuro. Neste caso, é no
movimento da correlação de forças entre as classes sociais essenciais
– capital e trabalho – e seus respectivos projetos históricos,
constitutivos da sociedade burguesa, que podemos compreender a
produção e manutenção das políticas públicas, principalmente com o

1. Michel Temer, vice-presidente de Dilma Rousseff que assumiu após o im-


peachment, exerceu o mandato pelo Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB), denominado, em 2017, Movimento Democrático Bra-
sileiro (MDB).
2. Fernando Collor de Mello se elegeu pelo Partido da Reconstrução Nacional
(PRN) e Itamar Franco, vice-presidente, assumiu após o seu impeachment.
Este pertencia ao mesmo partido de Collor, mas assumiu a presidência li-
gado à legenda do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).
Fernando Henrique Cardoso se elegeu pelo Partido da Social Democracia
Brasileira (PSDB).
3. Jair Bolsonaro se elegeu em 2018 e iniciou seu mandato em 2019 pelo Par-
tido Social Liberal (PSL).

20 Editora Mercado de Letras – Educação


advento do neoliberalismo.4 A política educacional compõe o âmbito
da política social e como tal funciona como mediação, segundo
Boschetti, Behring e Lima (2018, pp. 14), “no campo da produção
e reprodução da totalidade, considerando seu lugar na reprodução
da força de trabalho e na relação entre produção e consumo no
capitalismo maduro.” Da mesma forma, tal política está alocada no
processo de crise do capital, do que decorre historicamente que a
formação docente encontra aí sua determinação mais geral.
É importante elucidar, de mais a mais, as articulações entre
os planos nacional e internacional e, diferentemente de algumas
análises, levarmos em conta que ambos se tornam compreensíveis
no processo de desenvolvimento do capital sob o imperialismo na
atualidade.5 Mesmo quando tratamos particularmente da Educação,
podemos falar em uma política educacional global, conforme Verger

4. Maranhão (2014, pp. 327-328) discute a tese neodesenvolvimentista, resul-


tante do desgaste das políticas neoliberais em fins dos anos de 1990, apro-
fundada nos anos de 2000, difundida por diferentes intelectuais, assinala
que “[...] a gradativa expansão das mais variadas tendências não implica
dizer que houve uma ruptura com o núcleo central das políticas neoliberais
ou que estas últimas tenham sido superadas por um novíssimo período his-
tórico. [...] a maioria das propostas são hegemonizadas por pressupostos do
social-liberalismo que, por sua vez, pretende oferecer uma união sincrética
entre políticas econômicas incentivadoras dos mecanismos de liberalização
do mercado e políticas de proteção social compensatórias e de alívio da
condição de miséria.”
5. Além dos precisos e preciosos estudos de Fontes (2010), concordamos com
o alerta feito por Jabbour (2018): “Para se ter uma ideia não foram poucas
as vezes que vi professores de ‘esquerda’ [...] repreendendo alunos que em
suas dissertações ou teses ainda utilizavam o termo ‘imperialismo’. Ora,
aos que sabem como o mundo funciona, ‘imperialismo’ aos marxistas con-
sequentes é uma categoria de análise, não uma palavra de ordem. [...] A
quem interessa uma esquerda que não tenha no seu arcabouço teórico, pro-
gramático e simbólico todas essas referências? Quem enquadrou a esquerda
a substituir o método do ‘processo histórico’ e da análise do fenômeno a
‘partir das múltiplas determinações do concreto’ em prol do método fascista
do chamado ‘lugar de fala’ e da missão de cuidar dos ‘fracos e oprimidos’?

Desventuras dos professores na formação para o capital 21


(2019). Não se trata da mesma política para todos os países, pois
justamente para manter as desigualdades é preciso garantir acessos
diferenciados aos países centrais do sistema capitalista mundial de
forma que nos países periféricos haja maior limite. No caso dos
segundos, floresceram políticas focalizadas de inclusão, diversidade
e combate à pobreza,6 por exemplo, que exigiram aporte de recursos
do fundo público. A reestruturação produtiva resultante da nova
fase de acumulação do capital nas décadas de 1980 e 1990 implicou
ampla reorganização e flexibilização das relações de trabalho,
baseada na retirada de direitos sociais (especialmente os trabalhistas)
e a invenção das noções de empregabilidade e empreendedorismo,7
numa perspectiva, conforme Ianni (1999), transnacionalizada e
administrada do alto e de fora.
As políticas educacionais do período em exame precisam ser
tomadas em seu processo histórico e como solução alardeada para
os problemas capitalistas de manutenção e aumento das taxas de
lucro. Apreender os elementos de totalidade neles impressos podem
esclarecer a inteligibilidade do conjunto de medidas e programas

6. Refira-se nos casos da inclusão e diversidade a presença importante das di-


retrizes da Unesco (2001, 2009); no caso do combate à pobreza, a do Banco
Mundial (1988, 1990, 2004). No ato realizado em Curitiba pela liberdade
de Lula, em abril de 2019, Haddad declarou que, entre as conquistas dos
governos do PT, estavam “a ampliação do acesso à educação pública pela
população pobre, os programas de moradia, ter criado universidades e es-
colas técnicas.” Afirmou também que “Lula é culpado por ter começado a
revolução da inclusão” (Rede Brasil Atual 2019).
7. Martins (2014, pp. 228) entende que empregabilidade e empreendedorismo
se vinculam ao desemprego, provavelmente principal mazela da denomina-
da questão social. As duas teses comungam de grande aceitação e precisam
ser desmistificadas, pois se relacionam com “o trabalho precarizado, com o
trabalho infantil, com o trabalho escravo no capitalismo, com o ‘fenômeno
das micro e pequenas empresas’, com as ONGs etc., como também com a
miséria, com a fome, com a violência, com a guerra, com o consumismo,
com o preconceito, com a mercantilização da arte, da cultura, da religiosi-
dade etc.” (Martins 2014, pp. 264).

22 Editora Mercado de Letras – Educação


que se travestiram de ações para o atendimento de reivindicações de
vastos setores da classe trabalhadora.
De outra parte, a política de formação docente, de modo
geral, nos governos do PT deu continuidade ao projeto de educação
iniciado com o governo Collor de Mello e Itamar Franco (1991-
1994), intensificado nos governos de FHC, que obliterou e, em parte,
cooptou os movimentos de oposição nos mandatos do governo Lula,
ratificado nos de Dilma. O último seguiu na esteira do Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE) (Brasil 2007), cumprindo os
pactos realizados pelo Brasil com Organismos Multilaterais (OM),
como Banco Mundial (BM), Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Comissão Econômica
para a América Latina e o Caribe (CEPAL), pretendendo forjar
um consenso – não universal, obviamente – que fizesse eco ao
movimento altamente organizado de setores do empresariado
brasileiro denominado “Movimento Todos Pela Educação (TPE)”
(TPE 2018).8

8. Segundo Martins (2009, pp. 3), o TPE é um “think tank da área educacional,
isto é, [um] organismo especializado em produzir e difundir conhecimentos
e ideias para educação no país. [...] Os contribuintes são apresentados como
‘patrocinadores’ da organização e encontram-se divididos em três níveis que
variam de acordo com o valor do repasse. Ao todo, a organização conta com
dez contribuintes, entre eles: Grupo Gerdau, Grupo Suzano, Banco Itaú,
Banco Bradesco, Organizações Globo. No conjunto, destacam-se aqueles
grupos com atuação predominante no setor financeiro.” Informa o autor
que “O Grupo Gerdau (ligado ao setor de metalurgia) ocupa a chamada
‘cota ouro’ e se destaca como principal patrocinador da entidade.” Geral-
do e Leher (2016, pp. 2-3) explicam que “Em 2006, organizações sociais
privatistas se organizaram e formaram o Todos pela Educação. No governo
de Luiz Inácio Lula da Silva, houve a conjugação do neoliberalismo e pre-
ceitos do social-liberalismo da Terceira Via, operando um grande processo
transformista ao enfraquecer o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pú-
blica e redirecionando a agenda de importantes sindicatos de trabalhadores
da educação. [...] O Todos pela Educação, desde sua criação, atua como
um partido.”. Ainda, Evangelista e Leher (2012, pp. 5-6) assinalam que “O
ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, o ex-presidente do Instituto

Desventuras dos professores na formação para o capital 23


No interregno em exame ocorreu enorme desagregação de
movimentos sociais, fóruns e organizações criadas nas lutas em
defesa da educação pública em décadas anteriores, impulsionada
pelo transformismo de parte do que se denominava “esquerda
nacional”, incluída a diretamente envolvida na formação docente.
Somente em 2014 parte daqueles movimentos retomou a organização

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP),


Reynaldo Fernandes, os dois últimos ex-Secretários de Educação Básica
do MEC, Maria do Pilar Lacerda e Cesar Callegari, este último o Secretário
que Costin sucederia, todos são organizadores do TPE. [...]. O ministro Ha-
ddad batizou o principal plano de ação na área educacional do governo Lula
da Silva, o Plano de Desenvolvimento da Educação (Brasil 2007b), com
o nome do movimento: Compromisso Todos pela Educação. A leitura da
Exposição de Motivos do Plano comprova que não se trata apenas de um ato
simbólico, pois lá se afirma que as iniciativas previstas no PDE objetivam
implementar as metas do TPE. Em outros termos, a principal medida edu-
cacional dos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff é a agenda do TPE.”
Fiera (2019 pp.14-15) registra que em 2011 foi criada, em Brasília, a Rede
Latino-americana de Organização da Sociedade Civil pela Educação (RE-
DUCA), apoiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),
assim como por empresários latino-americanos. Seu objetivo é interferir nas
políticas educativas de 15 países por meio das seguintes organizações empre-
sariais: Proyecto Educar 2050 (Argentina); Movimento Todos Pela Educação
(Brasil); Educación 2020 (Chile); Empresarios por la Educación (Colômbia);
Grupo Faro (Equador); Fundación Empresarial para el Desarrollo Educativo
– Fepade (El Salvador); Empresarios por la Educación (Guatemala); Fun-
dación para la Educación Ernesto Maduro Andreu – Ferema (Honduras);
Mexicanos Primero (México); Foro Educativo Nicaragüense “Eduquemos”
(Nicarágua); Unidos por la Educación (Panamá); Juntos por la Educación
(Paraguai); Empresarios por la Educación (Peru); Acción por la Educación
– Educa (República Dominicana); ReachingU (Uruguai). Segundo a auto-
ra, a coordenação da Rede cabe a três organizações fundadoras: Todos Pela
Educação (Brasil), Educación 2020 (Chile) e Mexicanos Primero (México).
A declaração de Brasília, então aprovada, apresenta seus objetivos: 1) Tra-
balhar em conjunto para a garantia do direito à educação de qualidade para
toda a criança e jovem; 2) Trocar conhecimentos e aprender coletivamente;
3) Ter uma voz coletiva no nível regional. Uma das metas é atingir 12 anos de
escolaridade na região e alcançar a média da OCDE no PISA.

24 Editora Mercado de Letras – Educação


em nível nacional na defesa da educação pública, gratuita, laica,
estatal e com qualidade referenciada nas necessidades da classe
trabalhadora, com financiamento público exclusivo às instituições
públicas estatais, tendo em vista rearticular setores descontentes
com o rumo privatizante e precarizante em que a educação brasileira
foi colocada.9
A alteração da correlação de forças nas lutas sociais em
desfavor dos interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora
e a política de conciliação de classes10 adotada nos governos petistas
– um de seus frutos foi a ascensão de grupos e governo protofacistas
–, resultaram nas profundas alterações promovidas no sentido
ontológico da formação humana e das políticas educacionais,
incluída as da formação docente. Para Safatle (2018), a estratégia
política levada a cabo ao longo do período petista, alcunhada de
“lulismo”, não representou um “combate à desigualdade, mas uma
política de capitalização dos pobres” (Safatle 2018, pp. 89).
O Coeficiente de Gini, utilizado para mensurar a desigualdade
social no mundo, nos nivelou em 52,9, em 2013 – quanto mais
distante de zero, mais desigual; “esse era o mesmo nível que o Brasil
tinha em 1960. Ou seja, tudo que havíamos conseguido foi retomar

9. Em agosto de 2014, no Rio de Janeiro, realizou-se, como resultado da rear-


ticulação de um substantivo espectro de forças políticas, o I Encontro Na-
cional de Educação (ENE); diferentes setores de movimentos sociais, sin-
dicatos, entidades ligadas à educação, educadores e estudantes de todas as
regiões do país, debateram caminhos para os próximos passos dos que se
alinham a um projeto histórico a contrapelo do da burguesia. Embora não
tenha mantido a periodicidade proposta, realizou-se o II Encontro Nacional
de Educação, em 2016, em Brasília. Em 2018 e 2019 várias etapas prepara-
tórias ao III ENE ocorreram em diferentes estados brasileiros. O encontro
nacional se realizou em abril de 2019, em Brasília (https://encontronacio-
naldeeducacao.org/).
10. Muitos estudos abordam como a política de conciliação de classes conduziu
a um processo de apassivamento da classe trabalhadora, tendo facilitado o
impedimento da Presidenta Dilma. Confira, por exemplo, Iasi (2013, 2016)
e Fontes (2016, 2017).

Desventuras dos professores na formação para o capital 25


o nível de desigualdade de 1960, continuando mais desiguais que
países como Índia, China, Rússia, Argentina, México e Peru.”
(Safatle 2018, pp. 89). O PT atuou segundo o mesmo projeto
político-econômico em curso após a década de 1990, sem mudar
radicalmente sua direção. A elevação do custo de vida, o aumento da
especulação imobiliária e o endividamento das famílias brasileiras
emergiram e limitaram o avanço do combate à desigualdade, a não
ser de modo superficial e útil aos discursos políticos. Concordamos
com Safatle (2018, pp. 44) que vê o lulismo como “repetição de
uma estratégia populista de governo de extração getulista”. Em sua
avaliação,

a política lulista de financiamento estatal do capitalismo


nacional levou ao extremo as tendências monopolistas
da economia do país. O capitalismo brasileiro é hoje um
capitalismo monopolista de estado. O Estado é, aqui, o
financiador dos processos de oligopolização e cartelização da
economia. [...] Em vez de impedir o processo de concentração,
o Estado o estimulou. (Safatle 2018, pp. 92)

Semelhante encaminhamento não se desenrolou sem


oposição, porém, nos quatorze anos de governo petista, inúmeras
dificuldades se colocaram para o estabelecimento de uma unidade
em torno de reivindicações e lutas que perspectivavam um projeto
para a educação balizado por uma concepção de formação humana
e de sociedade para além do capital (Mészáros 2005). Da estratégia
de conciliação de classes consolidada entre 2003 e 2016 derivou
uma cruel proposta de formação docente; o seu segmento mais
crucial quase ficou invisível sob os brocardos da “democratização
do acesso” ao Ensino Superior e da “oferta de oportunidades”
de trabalho. Todavia, essa conta ficou alta, especialmente para a
juventude.
Olhando para o passado recente do país, somos levados a
concordar com a análise de Safatle (2018, pp. 43): a história da

26 Editora Mercado de Letras – Educação


esquerda petista no poder “terá sido a história de uma mutação
paulatina, na qual toda sua força de transformação foi se esvaindo,
para se transmutar na força de ressurreição de espectros, como se
acabássemos por nos encontrar no interior de um tempo no qual
o passado nunca passa.” No interior do desterro docente e tendo
em vista a sua “de” formação, foram executadas em torno de 60
linhas de ação, contemplando praticamente todos os aspectos do
preparo e futura atuação do professor, não raro percebidas como
democratização da área e investimento na qualificação docente.11
Neste capítulo discutiremos mais demoradamente a formação
inicial e continuada, a despeito de não podermos nos descolar de
outros aspectos deste processo, mesmo sem citá-los, pois o projeto
político de formação docente extrapola a ideia de curso. Por
exemplo, ela se relaciona ao material didático; à avaliação em larga
escala; às condições infraestruturais das escolas; ao aparelhamento
tecnológico; à focalização; à política de editais;12 às parcerias

11. Uma listagem não exaustiva dessas ações encontra-se no Apêndice, agru-
padas em quatro grandes dimensões, ressalvados seus entrecruzamentos:
formação inicial; formação continuada; ações de formação docente; acesso
ao ensino superior. Desse total, em torno de 11 foram executadas antes do
período de Fernando Haddad no Ministério da Educação (MEC), das quais
oito já existiam, algumas do governo FHC, outras anteriores, como é o caso
do Programa de Concessão e Manutenção de Bolsas de Pós-Graduação no
País, de 1951. Nos quase sete anos de seu ministério, Haddad demonstrou
grande capacidade gerencial e política sendo, talvez, difícil encontrar inicia-
tivas do MEC não nomeadas por ele e sua equipe. Em 2006, 2007 e 2008,
mais de trinta propostas foram instaladas. A listagem exibe a pulverização
da política educacional e concomitante focalização nos temas “candentes”
que a conjuntura apresentava.
12. A política de editais, ademais de intermitente, não raro atendeu a interesses
de grupos de pressão que lograram transformar em política pública deman-
das específicas. A abertura de editais para financiamento de temas em alta
configurou-se numa potente forma de cooptação de segmentos intelectuais
radicados nas universidades, públicas especialmente. Nas palavras do go-
verno: “A Capes não executa diretamente as ações de formação: são as uni-
versidades, os institutos e instituições formadoras credenciadas pelo MEC

Desventuras dos professores na formação para o capital 27


público-privadas (PPP).13 O eixo central diz respeito à abertura de
nichos de mercado pela entrega do preparo do magistério nacional
à sanha capitalista e da indução à expansão desenfreada da EaD –
tema dos Capítulos II a V deste livro.
Como dissemos, a formação docente é estratégica para o
desenvolvimento de projetos históricos, tanto para a permanência
do atual, burguês, quanto para sua superação sob a perspectiva da
emancipação humana, sem afirmar, com isso, que a revolução se
fará pela escola. Seu controle assume centralidade, sobretudo no
atual estágio de desenvolvimento do capital em que a qualificação
da força de trabalho exige crescente grau de expropriação do
trabalhador no que se refere às condições de reprodução social. A
necessidade de comandar – e subordinar – o preparo de professores
ao capital conduziu a uma intervenção estatal que se multiplicou
num grande número de iniciativas, articuladas com o empresariado
organizado no TPE. Seu caráter orgânico ficou explicitado no PDE
(Brasil 2007) que, de certa maneira, passou ao largo do Plano
Nacional de Educação 2001-2011 (Brasil 2001), aprovado durante
o Governo de FHC. Esta articulação, por seu turno, subordinou-se
à luta fundamental na sociedade capitalista entre capital e trabalho,

– públicas e privadas, dependendo dos programas. O ponto de partida é,


principalmente, o lançamento de editais. Posto que há limite orçamentário,
a seleção por meio de editais confere transparência e publicidade aos inves-
timentos feitos e reconhece o mérito das propostas elaboradas pelas institui-
ções, tornando-se um modo de operar democrático.” (Brasil 2014?, pp. 2).
13. Não se trata neste capítulo de discutir as PPP; convém, entretanto, referir
Cêa (2016, pp. 12). A autora assinala, baseada em estudos nacionais e re-
gionais, que é corrente “o uso de estratégias políticas variadas dos setores
público e privado para introduzir, desenvolver, aprimorar e naturalizar as
ePPPs [educaçãoPPPs] como componente da governança. Dessa forma,
mais que um mero instrumentos, as ePPPs vêm mediando e fazendo o mer-
cado (Robertson e Verger 2012), o que permite aventar que as ePPPs vêm
se constituindo em processos e dinâmicas estruturantes da gestão pública
da educação – e é possível arriscar, como hipótese, da gestão das políticas
públicas em geral.”

28 Editora Mercado de Letras – Educação


sendo ela a contradição vital do projeto petista de formação
docente. Do ponto de vista metodológico, analisamos as políticas
educacionais do ponto de vista dos interesses expressos em suas
concepções, implementações, público a que se destina, articulações
internacionais e – quando possível – recursos atribuídos. Esse
esclarecimento é importante, pois quando tomamos como referência
o interesse individual ou mesmo grupal do beneficiário podemos
perder de vista suas determinações, escapar da totalidade que a
produziu e esbarrar no risco de legitimar a política porque seu alvo
a legitimou. Estamos sempre frente à necessidade da formação
humana “para além do capital”; mas sofremos ininterruptamente a
interdição das condições de apreensão desta realidade contraditória
e seu desígnio alternativo. Pretendemos ir na contramão dessa
tendência.

Questões da política educacional no pós-1990

A década de 1990 foi marcada mundialmente pela ideia de


que o neoliberalismo – elevado à categoria de pensamento único
– seria a solução para a crise do capitalismo. Embora as ideias
de Hayek (2010 [1944]) não tivessem sido sorvidas no tempo
em que foram escritas – em razão da conjuntura internacional do
período14 –, triunfou na década de oitenta do século XX nos países

14. Em 1944, o Keynesianismo possuía grande influência na forma de pensar


a economia e a política estava sob o comando do pensamento capitalista
democrata. Concretamente havia uma condição social que garantia esses
dois aspectos: a ameaça socialista aparecia como alternativa ao capitalismo,
o que requeria da classe hegemônica uma ação mais recuada e mediado-
ra dos interesses dos trabalhadores, concentrando no Estado uma forma de
amenizar, mediante direitos sociais, as condições de vida dos mesmos. Após
a segunda guerra mundial, a era de ouro do capital desembocou no Estado
de Bem Estar Social para os países centrais do capitalismo. Vale dizer que o
Brasil nunca viveu tal contexto; apenas alguns respingos chegaram a nós na

Desventuras dos professores na formação para o capital 29


de capitalismo avançado. Um de seus componentes centrais é o
anticomunismo, estratégia capitalista na guerra fria (que eclodiu em
1978). Seu argumento central era de que o novo igualitarismo gerado
pelo Estado de Bem Estar Social destruía a liberdade dos cidadãos
e a vitalidade da concorrência, da qual dependia a prosperidade de
todos (Anderson 1995).
Durante a crise econômica de 1973, com longa e profunda
recessão, as taxas de crescimento caíram e as altas taxas de inflação
criaram um ambiente propício às ideias neoliberais. Hayek culpava
os sindicatos e o movimento operário por gerarem demasiado gasto
social para o Estado com suas pautas reivindicatórias e apresentava
como solução o Estado forte na capacidade de romper com o poder
dos sindicatos. De outro lado, forte no controle do dinheiro, parco
nos gastos sociais, diretivo nas intervenções econômicas, tendo
o governo a tarefa de garantir estabilidade monetária (Anderson
1995). Retomava-se da concepção liberal o ideário de que a
desigualdade é um valor positivo, pois imputava a competição
que garantiria o desenvolvimento. Para restaurar a desigualdade
necessária ao desenvolvimento econômico era preciso aumentar
a taxa “natural” de desemprego, aumentando com isso o exército
de reserva de trabalhadores, conjugada a um conjunto de reformas
fiscais (redução dos impostos sobre os rendimentos mais altos).
Com essa plataforma, nos governos Tatcher (1979) e Regan (1980),
respectivamente na Inglaterra e Estados Unidos, no governo alemão
de Khol (1982) e no dinamarquês de Schluter (1983), ocorreu a
implementação do ideário neoliberal em seu primeiro terreno,
resguardadas suas diferenças nesse processo.
Em 1991, nova recessão econômica aumentou a dívida
pública dos países ocidentais e o endividamento privado das
famílias e empresas e nova onda de privatizações emergiu; a
hegemonia neoliberal conquistou até mesmo os partidos opositores.

forma de regime ditatorial nos anos de 1960 (aliás, como para grande parte
dos países da periferia do capitalismo).

30 Editora Mercado de Letras – Educação


Tal movimento desencadeou a vitória do capitalismo na Guerra Fria
e o colapso do que se denominava comunismo. Nesse momento,
o neoliberalismo ganhou seu segundo terreno, pois os países do
leste europeu, recém-chegados ao capitalismo, tiveram governos
neoliberais extremistas com deflação, privatização das empresas
estatais, crescimento de capital corrupto e polarização social.
O paradigma neoliberal agregou força como prática política
no espectro político à direita e à esquerda; tornou-se uma força
ideológica mundial com o efeito de demonstração que obteve
no mundo pós-soviético. Ainda na década de noventa do século
passado, avançou sobre um terceiro terreno: a América Latina,15
tendo em vista que no Brasil esse ideário se estabeleceu de forma
mais contundente com a eleição de FHC à presidência da República.
O Brasil acompanhou uma tendência internacional, alardeada pelo
Banco Mundial (BM), segundo a qual o conhecimento era fator
de produção destacado de algo pouco preciso designado como
“capitalismo intelectual”. Tomado como sucessor do capitalismo
industrial, “por isso, a educação, na condição de capital, tornou-
se assunto de managers e não mais de educadores”  (Leher 1999,
pp. 25).
O discurso sobre a mercadorização e a subordinação da
educação aos interesses do capital foi atualizado numa versão
renovada da perspectiva do “capital humano”, ampliando a
expropriação do conhecimento, dificultando o acesso dos indivíduos
ao conhecimentos elaborados. A empresa deveria se apropriar do
conhecimento e utilizá-lo de forma eficiente para formatar seus
funcionários; por isso, só interessaria o conhecimento útil ao
capital. Para Leher (1999, pp. 25), “Hayek sumariza a importância
da educação na sociedade liberal: ‘é o uso dos seus próprios meios

15. Antes, na década de 1970, havia aportado na região, no Chile, tendo servido
de “balão de ensaio”. Sua difusão em outros países ocorreria a partir da
década de 1990.

Desventuras dos professores na formação para o capital 31


e de seu próprio conhecimento o que define o homem livre capaz de
contribuir para a ordem espontânea’”. Assinala que esta conexão –
entre conhecimento e ordem – constitui a base das proposições para
educação proposta pelo Banco Mundial nos anos de 1990. Ou seja,
nada melhor para evitar que os pobres se revoltassem, de forma
organizada ou não, contra a concentração de riqueza para poucos
que cultivar as ideias de resignação ao mundo dado por meio do
conhecimento e da educação. A isso se chamou “binômio pobreza
e segurança”, ideia que deu sentido ao slogan de “educação para a
paz” em documentos de Organismos Multilaterais (OM), a exemplo
da Unesco (2002).16
O que está claro para nós é que desconsiderando esse
conjunto de elementos nos quais a particularidade de nosso objeto
de estudo pode alcançar suas determinações é impossível entender
o alcance da ação educativa como mediação de hegemonia. Embora
não discutamos todos os aspectos da hegemonia burguesa e seu
alcance em termos escolares, esse é o sentido último de nossa
reflexão acerca da relevância das políticas de formação docente,
posto que nelas vemos mais do que diretrizes: vemos um projeto
social de humanidade ser encaminhado.

16. A Unesco afirma que “Mesmo atuando em uma variedade distinta de cam-
pos, a missão central da Unesco é a construção da paz [...]. Para atingir
tal objetivo, a Unesco trabalha cooperando com os governos em seus três
níveis, com o Poder Legislativo e a sociedade civil, construindo uma rede de
parcerias, mobilizando a sociedade, aumentando a conscientização e edu-
cando para a Cultura de Paz. Exemplo disso é o Programa Abrindo Espaços
– desenvolvido em diversos estados e municípios do Brasil e, mais recen-
temente, em parceria também com o Governo Federal –, uma estratégia de
abertura das escolas públicas nos finais de semana, com atividades de arte,
esporte, cultura, lazer e cidadania, que se caracteriza como um eficiente
programa de inclusão social com forte componente de educação, promoção
da cultura de paz e redução da violência” (Diskin e Roizman 2002).

32 Editora Mercado de Letras – Educação


Marcas indeléveis na formação docente

A política petista de formação de professores produziu


imensa variedade de linhas de ação, ao mesmo tempo em que
induziu estudos e pesquisas nas áreas eleitas como problemáticas
ou deficientes, desconsiderando a reivindicação histórica de
movimentos de educadores em suas associações e sindicatos por
uma formação unitária que articulasse, ao menos, formação inicial
e continuada em cursos presenciais, em instituições universitárias
públicas, com valorização salarial, planos de carreira17 e condições
de trabalho dignas. Não obstante, muitos dos intelectuais
formuladores de tais demandas aderiram ao projeto petista e
muitos outros, ligados à Instituições de Ensino Superior Públicas,
atenderam à indução governamental concorrendo e se submetendo
aos editais que grassaram no período em tela.
Ainda que movidos por diferentes razões, os diagnósticos
de órgãos governamentais, como o Instituto Nacional de Pesquisa
Educacional Anísio Teixeira (INEP), os de organizações de
trabalhadores e os de organizações empresariais foram unânimes
em demonstrar a situação de absoluta precariedade em que se
encontravam a formação e as condições de trabalho docentes
quando o aparelho de Estado foi assumido pelo Presidente Lula.
Entretanto, a unanimidade apareceu apenas no diagnóstico, pois,

17. A Lei do Piso, nº 11.738, de 16 de julho de 2008 (Brasil 2008), previu prazo
para implementação, como se vê no Art. 6º: “A União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios deverão elaborar ou adequar seus Planos de Carrei-
ra e Remuneração do Magistério até 31 de dezembro de 2009, tendo em vis-
ta o cumprimento do piso salarial profissional nacional para os profissionais
do magistério público da educação básica, conforme disposto no parágrafo
único do art. 206 da Constituição Federal.” Porém, até hoje não logrou ser
implementada na maioria dos Estados e Municípios brasileiros.

Desventuras dos professores na formação para o capital 33


alinhado aos interesses empresariais no âmbito educacional e
articulado à OM, o governo formulou políticas que atribuíram aos
professores a responsabilização pela situação educacional precária,
permanentemente asseverada por mecanismos de avaliação em
larga escala, caso do IDEB, criado no bojo do PDE (Brasil 2007) no
primeiro governo Lula, como veremos adiante.
Em continuidade à política do governo FHC, houve expansão
desenfreada de Cursos Normais Superiores (CNS). Segundo dados
do INEP (Brasil 2001a, 2003, 2006), no ano de 2001, havia 115
cursos no país; em 2003, passou para 485; em 2006 saltou para
702, dos quais 490 estavam em instituições privadas e 208 em
instituições públicas. Em termos de matrículas, de 2003 para 2007
(Brasil 2007a) houve redução, especialmente nos cursos presenciais,
enquanto na EaD houve aumento (de 31,5% passou para 43,3% das
matrículas). A redução de 6.739 matrículas presenciais públicas
e 18.305 particulares supera de longe o incremento de 7.847
nas IES privadas sem fins lucrativos presenciais. As matrículas
EaD, inicialmente majoritárias no setor público, migraram para
o particular e foram extintas nas Instituições de Ensino Superior
(IES) sem fins lucrativos (Tabela 1). Se tomarmos para análise
apenas os cursos, podemos elidir o movimento do avanço do capital
em suas particularidades. Não à toa os órgãos estatais variam suas
referências, em documentos, discutindo o montante de matrículas
quando se referem à “expansão e democratização do acesso ao
ensino superior”, mas rapidamente mudam os números para cursos
e IES quando tratam do setor público. Desse modo, evitam as
variáveis que exporiam o avanço açambarcador do setor particular
sobre a educação, mormente a formação docente. A visão de
totalidade se perde na escolha minuciosa e adequada da exposição
das informações oficiais pelos arautos do aparelho de Estado e o
canto da sereia pode assim ser melhor entoado.

34 Editora Mercado de Letras – Educação


Tabela 1 – Número de matrículas em
Curso Normal Superior – 2003, 2007 – Brasil

CATEGORIA MODALIDADE 2003 2007

Presencial 21424 14685

Pública EaD 10.297 6458

Total 31.721 21.143

Presencial 26412 8107

Particular EaD 11.822 21641

Total 38.234 29.748

Presencial 6110 13957

Privada sem fins lucrativos EaD 2.653 -

Total 8.763 13.957

Presencial 53.946 36.749

TOTAL EaD 24.772 28.099

Total 78.718 64.848

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007a). [Nota: Elaboração própria].

Vale destacar que o Parecer CNE/CP nº 3, de 21 de


fevereiro de 2006 (Brasil 2006a), manteve as alterações presentes
nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o Curso de
Pedagogia (Brasil 2005) que facilitaram para os CNS transitarem
para Cursos de Pedagogia. Esse movimento levou praticamente ao
seu desaparecimento nos anos posteriores. Nesse período houve
também a expansão da formação em Cursos Normais de nível
médio (CNM) dos professores para a Educação Infantil e anos
iniciais do Ensino Fundamental, mantendo-se sua formação fora
das IES universitárias públicas. O preparo do professor em nível
superior universitário foi sendo postergado – em tese desapareceu
tal demanda, posto que reduzida à formação em nível superior –,
submetendo-o à formação em serviço, segundo lógica de aquisição
de competências pedagógicas testadas pela prática para atingir a

Desventuras dos professores na formação para o capital 35


aprendizagem dos estudantes cujas diretrizes giram em torno das
busca e consolidação de “práticas exitosas”, segundo orientação da
UNESCO (Nunes e Abramovay 2003), Banco Mundial e OCDE.18
Para a formação na licenciatura em Pedagogia,19 a trajetória
foi mais agressiva: as matrículas na modalidade EaD de 5,4%, em
2003, passaram a representar, em 2007, 34,7% do total. Com o seu
incremento no setor privado, o público recuou de 38% para 29% do
total de matrículas (Tabela 2).

Tabela 2 – Número de matrículas em Pedagogia – 2003, 2007 – Brasil

CATEGORIA MODALIDADE 2003 2007

Presencial 94093 97710

Pública EaD 15.478 20321

Total 109.571 118.031

Presencial 96747 114224

Particular EaD - 45864

Total 96.747 160.088

18. A posição da Unesco acerca do acerto da política de localização e estímulo


às “práticas exitosas” é ratificada pelo Banco Mundial e a OCDE: “Com o
apoio da equipe de educação do Banco Mundial, esses sistemas escolares
também estão usando métodos padronizados de observação em sala de aula
desenvolvidos nos países da OCDE para olhar dentro da ‘caixa-preta’ da
sala de aula e identificar quais são os exemplos de boas práticas de professo-
res que podem ancorar os seus programas de desenvolvimento profissional.”
(Banco Mundial 2010, pp. 6). A Unesco publicou, em 2014, o Catastro de
experiencias relevantes de políticas docentes en América Latina y el Caribe
“ofrecido a los actores e instituciones educacionales de los países de la
región – organismos gubernamentales, instituciones académicas, organi-
zaciones docentes, investigadores y otros – para acceder a información y
conocimiento útil en el diseño y evaluación de alternativas de políticas,
según las necesidades específicas de los procesos de discusión, evaluación
y diseño de las políticas docentes de cada país.” (Unesco 2014, p. 7)
19. Há que se recordar as recorrentes idas e vindas na sua regulamentação, con-
fira referências: Brasil 2004a, 2005b, 2005c, 2007g, 2015, 2015a.

36 Editora Mercado de Letras – Educação


Presencial 78633 57187

Privada sem fins lucrativos EaD - 77.000

Total 78.633 134.187

Presencial 269.473 269.121

TOTAL EaD 15.478 143.185

Total 284.951 412.306

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007a). [Nota: Elaboração própria]

Novamente a relação de matrículas e número de cursos não


deve nos enganar. Em 2007 havia 1.767 cursos; destes, 717 em
instituições públicas e 1.050 em IES privadas e sem fins lucrativos
(Brasil 2007a). Quando passamos para os dados de 2017, o
processo de ampliação de matrículas nas instituições privadas fica
evidenciado, demonstrando que as ações de indução da expansão
nelas ocorreu majoritariamente, como vemos no gráfico a seguir.

Gráfico 1 – Frequência de matrículas em cursos de Pedagogia por


categoria administrativa e modalidade de ensino – 2017 – Brasil

Fonte: Brasil, INEP (2017a). [Nota: Elaboração própria]

Desventuras dos professores na formação para o capital 37


O mesmo percurso foi feito pelas demais licenciaturas. Em
2003, primeiro ano do governo Lula, na modalidade EaD havia 48
cursos com 51.483 matrículas. Destes, 14 cursos e 14.498 matrículas
estavam em IES privadas (2.653 nas sem fins lucrativos e 11.845
nas particulares). Em 2015, havia 619 cursos EaD em licenciaturas,
com 562.934 matrículas; o setor privado concentrou 305 cursos e
476.132 matrículas (350.032 particulares e 126.100 privadas sem
fins lucrativos).20
A evolução geral das matrículas na licenciatura por categoria
administrativa demonstra a tendência de aumento na modalidade
EaD em instituições particulares, como debateremos nos capítulos
seguintes. A Tabela 3 a seguir permite visualizar esta tendência.
No Gráfico 2, a tendência de ampliação exponencial das
matrículas na modalidade EaD e de diminuição das matrículas
na modalidade presencial é explicitada. Ou seja, a relação entre
aumento de matrículas na modalidade EaD e diminuição na
modalidade presencial, indica o sentido da indução da expansão
no ensino superior, especificamente nas licenciaturas, pela ação do
Estado nas políticas educacionais.

20. O capítulo O crescimento perverso das licenciaturas privadas aprofunda a


análise dessas informações.

38 Editora Mercado de Letras – Educação


Tabela 3: Frequência de matrículas em licenciaturas e percentual de crescimento
por categoria administrativa e modalidade de ensino – 2003/2017 – Brasil

Categoria administrativa Modalidade 2003 2007 2011 2015 2017 ∆ 2003-2017

N 11.845 98.701 180.908 350.032 484.542 472.697


EaD
∆% - 733,30 83,30 93,50 38,40 3990,70
Particular
N 228.815 267.555 163.925 185.415 165.494 -63321
Presencial
∆% - 16,90 -38,70 13,10 -10,70 -27,70

N 2.653 92.110 143.516 126.100 148.781 146.128


EaD
∆% - 3371,90 55,80 -12,10 18,00 5508,00
Privada sem fins lucrativos
N 217686 197993 276874 229315 188784 -28902
Presencial
∆% - -9,00 39,80 -17,20 -17,70 -13,30

Desventuras dos professores na formação para o capital


N 36.985 54.671 103.853 86.802 110.145 73.160
EaD
∆% - 47,80 90,00 -16,40 26,90 197,80
Pública
N 372766 350374 479816 489517 491694 118.928
Presencial
∆% - -6,00 36,90 2,00 0,40 31,90

39
Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015, 2017).
Nota: Elaboração própria. Nota específica: ∆ significa variação.
Gráfico 2 – Frequência de matrículas em cursos de licenciatura
por modalidade de ensino – 2003/2017 – Brasil

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015, 2017). [Nota: Elaboração própria]

Ademais desta tendência, outro importante elemento a ser


considerado se expressa na concepção de formação que organiza as
políticas. A relação entre lócus de formação e concepção formativa
está presente também nas instituições públicas quando se separa a
formação universitária da não universitária. A criação dos Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFET), decorrente
da reorganização dos Centros Federais de Educação Tecnológica
(CEFET), Escolas Técnicas Federais, Agrotécnicas e as vinculadas
às Universidades federais, concretizou o avanço da formação
docente não universitária na esfera pública, organizados sob a
concepção de educação terciária, de natureza profissionalizante,
seguindo as orientações do BM após os anos de 1990, como veremos
nos próximos capítulos deste livro.
Na apresentação do documento da Secretaria de Educação
Tecnológica do MEC – Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia: um novo modelo em educação profissional e
tecnológica: concepção e diretrizes – restava evidente a finalidade
dos IFET:

40 Editora Mercado de Letras – Educação


O foco dos Institutos Federais será a justiça social, a equidade,
a competitividade econômica e a geração de novas tecnologias.
Responderão, de forma ágil e eficaz, às demandas crescentes
por formação profissional, por difusão de conhecimentos
científicos e tecnológicos e de suporte aos arranjos produtivos
locais.
Os novos Institutos Federais atuarão em todos os níveis
e modalidades da educação profissional, com estreito
compromisso com o desenvolvimento integral do cidadão
trabalhador; e articularão, em experiência institucional
inovadora, todos os princípios formuladores do Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE).
Este novo arranjo educacional abrirá novas perspectivas para
o ensino médio, por meio de uma combinação do ensino de
ciências naturais, humanidades e educação profissional e
tecnológica.
Os fundamentos dos Institutos Federais de Educação, Ciência
e Tecnologia estão aqui, nesta pequena publicação, de forma
a que a sociedade brasileira possa entender e participar da
construção do sólido caminho que estamos traçando em busca
de um Brasil mais justo. (Brasil 2010, pp. 3)

Ao transformar os IFET em instituições de formação


docente, em especial naquelas áreas em que havia falta crônica
de docentes, a intenção manifesta de romper com a formação
lastreada numa ampla base teórico-prática – própria às instituições
universitárias – tem possibilidade de objetivação. Utilizou-se da
experiência com a educação profissional e técnica para formatar
também a formação docente às diretrizes desta modalidade. O que
se destaca na concepção e nas diretrizes dos Institutos é que seus
cursos se subordinarão ao pragmatismo das demandas de mercado,
ditadas pelos arranjos produtivos locais. Some-se a isso a ilusão de
justiça social atrelada à competitividade econômica e à dimensão
utilitarista e reificadora das relações sociais presentes. No mesmo
documento, assinala-que:

Desventuras dos professores na formação para o capital 41


No tocante à formação de professores para o conteúdo da
formação geral (com destaque para as ciências da natureza:
Química, Física, Biologia e mesmo a Matemática), essa opção
é crucial, tendo em vista a falta de professores. O relatório
recente do Conselho Nacional de Educação (CNE), que
estimou essa demanda em 272.327 professores, apenas no
campo das ciências da natureza, reforça essa tese. Ressalta-
se ainda que esse total apresenta-se em perspectiva crescente
em face da expansão expressiva da educação profissional
e tecnológica. Os Institutos Federais apontam, quando na
plenitude de seu funcionamento, para um número estimado de
100 mil matrículas em cursos de licenciaturas, que em grande
parte poderão se destinar a essa área. (Brasil 2010, pp. 29)

A intenção de atingir o montante de cem mil matrículas


não chegou a se efetivar, como podemos ver na tabela abaixo, que
apresenta os tipos de licenciaturas ofertadas, evidenciando que
extrapolaram as áreas iniciais de interesse.
O fato de que os IFET não tenham efetivado, nos governos
petistas, o total de matrículas previstas (chegaram a aproximadamente
45%), não significou que não tenha ocorrido a implementação, no
setor público, de um lócus de formação não universitária. Há um
expressivo percentual de crescimento, de 2003 para 2017, dos
Institutos, 301% (136.841), em relação às Universidades públicas,
77,2% (749.446). Se considerarmos apenas os percentuais, os
IFET cresceram mais do que a esfera privada, 125% (3.467.368).
O governo de Bolsonaro, até o momento, não apresentou qualquer
plano para a Educação. Assim, não é possível saber se esta tendência
apenas iniciada terá ou não peso e continuidade nos próximos anos.

42 Editora Mercado de Letras – Educação


Tabela 4 – Frequência e percentual de matrículas em licenciaturas em Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia e Centro Federal de Educação Tecnológica – 2015 – Brasil

CURSO N % % Acumulada
Formação de professor de matemática 8688 19 19,3
Formação de professor de química 8365 19 37,8
Formação de professor de biologia 6956 15 53,3
Formação de professor de física 5594 12 65,7
Formação de professor de computação (informática) 2979 6,6 72,3
Formação de professor de língua/literatura vernácula (português) 2696 6 78,3
Formação de professor de geografia 1866 4,1 82,4
Formação de professor de educação física 1553 3,4 85,9
Pedagogia 1443 3,2 89,1
Formação de professor de língua/literatura estrangeira moderna 834 1,9 90,9

Desventuras dos professores na formação para o capital


Formação de professor de disciplinas do setor primário (agricultura, pecuária, et 612 1,4 92,3
Formação de professor de ciências 538 1,2 93,5
Formação de professor de música 432 1 94,5
Formação de professor das séries finais do ensino fundamental 418 0,9 95,4

43
Formação de professor de artes visuais 359 0,8 96,2
Formação de professor de teatro (artes cênicas) 354 0,8 97
Formação de professor de dança 272 0,6 97,6
Formação de professor de sociologia 206 0,5 98
Formação de professor de língua/literatura vernácula e língua estrangeira moderna 198 0,4 98,5
Formação de professor das séries iniciais do ensino fundamental 194 0,4 98,9
Licenciatura para a educação profissional e tecnológica 193 0,4 99,3
Formação de professor de história 186 0,4 99,7
Licenciatura Intercultural Indígena 120 0,3 100
Total 45056 100 100 

Fonte: Brasil, INEP (2015b). [Nota: Elaboração própria]

44 Editora Mercado de Letras – Educação


Além da questão relativa ao atendimento, havia uma
pressão para subordinar a formação docente, em qualquer das
esferas administrativas de sua oferta, aos interesses privados de
frações da burguesia. O Banco Mundial sugeria não só o preparo
não universitário, como o seu encurtamento, com sucessivos
treinamentos. Ou seja, buscou-se interferir no setor público para que
aceitasse formar professores segundo a lógica da educação terciária.
O excerto a seguir é flagrante:

Diante desse universo, não se poderia prescindir do traçado de


um paradigma para a formação pedagógica que ultrapassasse
as propostas de licenciaturas até então ofertadas. A necessidade
é a construção de uma proposta que ultrapasse o rígido limite
traçado pelas disciplinas convencionais e que se construa
na perspectiva da integração disciplinar e interdisciplinar;
um currículo que articule projetos transdisciplinares e ações
disciplinares, considerando ainda o modelo rizomático de rede
de saberes como horizonte. Além disto, é necessário fortalecer
o sentimento crítico a respeito do lugar e da história que se
constrói e de que projeto de sociedade se pretende. (Brasil
2010, pp. 31)

A lógica expressa nesta passagem é cristalina, em que pese


no documento utilizar-se a estratégia discursiva de espaços vazios
a serem preenchidos pelo leitor com os sentidos que melhor lhe
aprouver. Vê-se a apropriação do discurso do movimento Todos pela
Educação sobre a pretensa rigidez e excesso de teoria na formação
docente pelas universidades (subliminarmente entendidas como
públicas, obviamente). As ideias de novos paradigmas, modelos
rizomáticos de rede de saberes, currículos por projetos, entre outros
bordões palatáveis ao senso comum, assentam-se sobre o ideário
pós-moderno e pragmático elevado à função de organizador do
sentido da formação do professor com repercussões sobre sua futura
prática.

Desventuras dos professores na formação para o capital 45


Outro elemento importante, presente tanto nas preocupações
governamentais registradas em documentos (Brasil 2007), como
nas de OM (Banco Mundial 2011, 2011a), relaciona-se com a
valorização social da profissão docente, o que mantém relação
com a procura pelos cursos de licenciatura. Entretanto, para além
da vontade ou preferência dos indivíduos por fazer determinado
curso superior, a existência dos cursos e vagas é fundamental para
que a escolha possa existir. O mapa anamórfico a seguir (Figura 1)
permite verificar a relação entre número de matrículas e população
por estado; é perceptível que, em primeiro lugar, há poucas opções
para os jovens em qualquer curso superior. Tomando o estado do
Pará e o de Santa Catarina como exemplo, concluímos que no
primeiro as possibilidades de escolher uma graduação é restrita,
mas mais restrita ainda a de aceder ao ensino superior. No segundo,
ao contrário, as chances – de escolher e de cursar o ensino superior –
são maiores, embora não possamos esquecer que também em Santa
Catarina a oferta desse nível de ensino é pequena.
A noção de que a escolha da profissão deveria direcionar
os indivíduos para os cursos de formação docente ou outros,
supostamente por sua valorização social, vai se demonstrando ainda
mais frágil ao analisarmos os dados sobre a oferta de cursos de
bacharelado ou licenciatura nos diferentes estados do país. Sobressai
a realidade da parca escolha, segundo mapa anamórfico (Figura 2).
Tomando Pará e Santa Catarina como exemplos, vemos que um
jovem paraense que queira formar-se em nível superior contará com
um número bastante superior de vagas nas licenciaturas, obrigando-
os a restringirem seus interesses profissionais. Ao contrário, o
jovem catarinense terá um campo maior – sempre pequeno – para
sua escolha profissional.

46 Editora Mercado de Letras – Educação


Figura 1 – Mapa Anamórfico: razão entre o total geral
de matrículas na graduação e os residentes em cada
Unidade da Federação – 2015 – Brasil

Fonte: Censo da Educação Superior (2015) e PNAD/IBGE (2015).


[Nota: Elaborado por Souza (2017)]

Figura 2 – Mapa Anamórfico: razão entre o total geral


de matrículas em licenciatura em relação à população residente
em cada Unidade da Federação – 2015 – Brasil

Fonte: Censo da Educação Superior (2015) e PNAD/IBGE (2015).


[Nota: Elaborado por Souza (2017)]

Desventuras dos professores na formação para o capital 47


Figura 3 – Mapa anamórfico: razão entre o número de matrículas
em cursos de licenciatura privados em relação à população residente
em cada Unidade da Federação – 2015 – Brasil

Fonte: Censo da Educação Superior (2015) e PNAD/IBGE (2015).


[Nota: Elaborado por Souza (2017)]

Figura 4 – Mapa anamórfico: razão entre o número de matrículas


em cursos de licenciatura públicos em relação à população residente
em cada Unidade da Federação – 2015 – Brasil

Fonte: Censo da Educação Superior (2015) e PNAD/IBGE (2015).


[Nota: Elaborado por Souza (2017)]

48 Editora Mercado de Letras – Educação


Os mapas anamórficos da sequência indicam um outro dado
importante. Permite inferir que a oferta de vagas nas licenciaturas
nas esferas privada (Figura 3) e pública (Figura 4) ocorre de maneira
desigual nos diferentes estados da federação. Voltando aos dois
estados exemplares, percebemos que no Pará se um jovem quiser
abraçar o magistério (ou se for essa a única opção), terá maior oferta
de vagas no setor privado. Em Santa Catarina, conquanto a oferta
geral de matrículas seja maior – sempre no quadro nacional restrito
em termos de acesso do jovem à formação superior – o fenômeno do
acesso majoritário à licenciatura privada se repete.
Uma hipótese se delineia com base nestes dados: a expansão
das matrículas nas licenciaturas, anunciada como prova da
preocupação dos governos com a formação docente para a melhoria
da qualidade da educação brasileira, operou no sentido contrário,
pois na prática impôs aos estudantes a adesão às instituições
privadas que, segundo as avaliações do próprio governo, são, em
seu conjunto, as detentoras da pior qualidade.
Baseada no ideário de modernização como sinônimo de
privatização e desresponsabilização do Estado na garantia de direitos
sociais, dentre eles a Educação, a política implementada entregou a
formulação e a oferta de formação para o capital, no primeiro caso
aos Aparelhos Privados de Hegemonia burgueses (TPE à frente);
no segundo às empresas que atuam no ensino superior e que
concentraram a maior parte das matrículas no período.
Na síntese de Coelho (2017, pp. 169), a racionalidade de
tais políticas no período petista se expressa na materialização de
diretrizes de OM, “especificamente da UNESCO (2006) e da
OCDE (2006b), que atuam como dois dos principais aparelhos
de hegemonia no campo da educação, determinando uma série
de mudanças no quadro oficial para a instalação de uma nova
lógica na formação de professores, uma lógica ‘modernizadora’”.
Não é difícil identificar a ossatura proposta por tais organismos,
revestida pelo Estado com uma novilíngua democratizante, mas de
fato materializada na formação em IES privadas – especialmente

Desventuras dos professores na formação para o capital 49


as particulares – que abocanharam exponencialmente matrículas,
recursos do fundo público e recursos do fundo vital de jovens,
instando-os ao endividamento, única maneira de realizar estudos
superiores – quando lá chegam.21
Exemplo límpido está na resposta do ex-Ministro da
Educação, Fernando Haddad, dada às críticas da Associação
Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino
Superior (ANDIFES) sobre o setor privado ser o principal parceiro
dos governos Lula:

Uma das características dessa gestão foi justamente não cair


no dogmatismo e superar clivagens estereotipadas. Na verdade
essas coisas não se conflitam [investimentos no setor público
e bolsas no setor privado]. A realidade é um pouco mais
complexa e exige estratégias diversificadas. Um país que tem
tanto por fazer não pode dispensar uma estratégia em proveito
da outra. Temos que fazer tudo que for necessário, não dá para
esperar – afirma Haddad. (ANDIFES 2011)

A resposta de Haddad atesta a direção que o governo deu


à formação do magistério nacional: imputou às organizações
dos trabalhadores a pecha de dogmáticos e estereotipados. Sob
semelhante desqualificação da categoria do magistério e de suas
organizações, pretendeu elidir e impor ações privatistas em nome da
complexidade da realidade e de um suposto interesse na solução dos
problemas que afligiam a educação brasileira, operação recorrente
naquele período. De muitíssimas formas o Estado atuou a favor da
sanha do capital, com exponencial aumento de repasses de recursos

21. Com base nos microdados do INEP, em 2017 tínhamos um quadro educati-
vo cruel. De cada 100 brasileiros, quatro frequentavam o Ensino Superior.
Destes quatro, três frequentavam IES privadas; um frequentava universida-
de pública; um cursava a modalidade EaD e três a modalidade presencial.
De cada 100 brasileiros com mais de 25 anos, sete eram analfabetos; 34 não
terminaram o Ensino Fundamental; 27 completaram o Ensino Médio e 16
completaram o Ensino Superior. Não temos de que nos orgulhar.

50 Editora Mercado de Letras – Educação


do fundo público, inclusive na forma de isenções e incentivos fiscais.
A culminância deste processo foi a ressignificação do conceito de
público operado no PNE 2014-2024, bem ao estilo modernizante
demandado pelo empresariado articulado no TPE. Não é demais
frisar que esta foi a opção dos governos petistas, em detrimento
do uso dos recursos do fundo público exclusivamente para as
instituições públicas que poderiam ter universalizado o acesso ao
ensino superior – quiçá na sua forma preferencial, a Universidade.
Talvez a faceta mais trágica tenha sido o encaminhamento da
formação docente às IES não universitárias e privadas.

Conclusão: formação rumo ao desterro docente

O desterro docente não deriva da vontade do professor.


Pela formação inicial e continuada, ele vem sendo degredado de
seu métier, processo recrudescido pelas inúmeras outras estratégias
de construção de consenso, algumas coercitivas. A formação
majoritariamente em IES privadas submeteu-o às formas e
modalidades pelas quais o capital vem obtendo maior valorização,
em detrimento das necessidades formativas demandadas por sua
atuação profissional, realçada aqui a relativa à formação humana da
classe trabalhadora brasileira.
O percurso que levou à situação atual, conforme os dados
acima, contraria os discursos que atribuem às políticas educacionais
petistas uma ruptura com o período anterior. Na formação docente é
evidente a sua continuidade, posto que sua determinação extrapola o
governante e radica nos interesses do capital. O ideário de OM e dos
Aparelhos Privados de Hegemonia burgueses se manteve mesmo
quando parte significativa de ações, programas e marco legal foram
revistos. A saga expansionista verificada na grande quantidade de
ações, programas, projetos, açambarcou uma miríade de aspectos
da formação, do cotidiano escolar, da prática docente. Ações

Desventuras dos professores na formação para o capital 51


focalizadas proliferaram, mas não houve abandono da perspectiva
geral de Educação, como detalharemos no capítulo seguinte.
Não cabe assombro frente aos acontecimentos do período
pós-Dilma, pois o desterro docente, proposital, também gerou
esse quadro; retirou-se dos professores, gradualmente, a direção
do processo educativo e suas escolhas político-pedagógicas foram
tolhidas. Modalidades presenciais de formação foram substituídas
por EaD, além da parafernália tecnológica cotada como “ajuda” ao
docente tendo em vista deixá-lo “livre” do trabalho de planejar e
selecionar conhecimentos, revelando-se a face dura da “autonomia”.
Trata-se, de fato, de um minucioso controle do fazer docente que
visa retirar do ser social o que deveria caracterizá-lo, pretendendo-
se transformá-lo em fonte sempiterna, alienada, de lucro para os
empresários envolvidos. Um caminho muito bem arquitetado pelos
intelectuais orgânicos da burguesia, cujos conteúdos, ao tentarem
dar forma à docência, quiseram deformá-la.
As contradições imanentes às determinações da história
irromperam sob a forma de resistência. Lembremos das manifestações
e ocupações de escolas pela juventude estudantil nos últimos períodos;
das greves de professores e trabalhadores da educação pública,
sinais captados rapidamente pela burguesia que compreendeu e
compreende porque a escola precisa ser controlada. O risco imanente
à escolarização de permitir avanços na apreensão e compreensão
do mundo, articulando-se às lutas emancipatórias, é a razão pela
qual precisa ser apropriada pelos interesses do capital. Controlar a
formação humana – por todos os meios – é uma necessidade para
que o capitalismo possa se colocar diuturnamente como horizonte
único da humanidade no planeta. As contradições intensificadas pós-
2016 podem auxiliar na percepção de que o resultado das políticas
conciliatórias do período petista vem sendo constatado, abrindo
uma porta. Por ela, quiçá, sejamos iluminados para ver que não
serão ajustes gradualistas, claramente favoráveis à burguesia, que
melhorarão as condições de vida das classes subalternas.
De fato, a formação docente não se limita aos cursos;
a necessidade do gerenciamento docente, contrariamente ao

52 Editora Mercado de Letras – Educação


preconizado como democratização do acesso ao conhecimento
e ao trabalho, fez com que o capital hegemonizasse o processo,
tornando-se ele o grande educador do educador – na esfera privada
ou pública. Sem deixar de sopesar as reflexões aqui desenvolvidas
e nos outros capítulos, é preciso estarmos atentos ao andamento
do Governo Bolsonaro, na Educação e na política em geral. As
mudanças deletérias na formação docente após a década de 1990
foram propositais; procurou-se retirar do professor, lentamente,
a direção do processo educativo e tolheu-se sua escolha político-
pedagógica.
Processos presenciais de formação foram substituídos
por mecanismos de Educação a Distância, além da parafernália
tecnológica alardeada como “ajuda” ao docente tendo em vista deixá-
lo “livre” do trabalho de planejar e selecionar os conhecimentos
que vitalizariam a relação ensino-aprendizagem. Trata-se, de fato,
de um minucioso controle do fazer docente que pretende retirar do
seu ser o que o caracteriza como tal: possibilitar a apropriação do
conhecimento científico, filosófico, artístico por aqueles que têm nas
mãos as chaves de um futuro que, esperamos, chegará algum dia.
Lembremos, entretanto e sempre, das mobilizações
estudantis, de professores, de funcionários e de outros segmentos
sociais; poderemos, então, compreender porque a escola precisa
ser controlada, mantida em segurança. O risco de tornar-se
emancipatória existe objetivamente, razão pela qual precisa ser,
diuturnamente, controlada para que os interesses do modo capitalista
de produção e sua irracionalidade possam se repor, indefinidamente,
sem maiores abalos – como se não houvesse história.

Referências

ANDERSON, Perry (1995). “Balanço do neoliberalismo”, in:


SADER, Emir e GENTILI, Pablo (orgs.) Pós-neoliberalismo:

Desventuras dos professores na formação para o capital 53


as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, pp. 9-23.
ANDIFES (2011). Setor privado foi o principal responsável pela
expansão do ensino superior no governo Lula. Disponível
em: http://www.andifes.org.br/setor-privado-foi-o-principal-
responsavel-pela-expansao-do-ensino-superior-no-governo-
lula/. Acesso em: 29/03/2019.
BANCO MUNDIAL (1988). Relatório sobre o desenvolvimento
mundial 1988. Washington, D.C.: Banco Mundial.
________. (1990). Relatório sobre o desenvolvimento mundial: a
pobreza. Washington, D.C.: Banco Mundial.
________. (2004) O Banco Mundial no Brasil: uma parceria de
resultados, 2004. Disponível em: www.obancomundial.org/
index.php/content/view_document/1512.html. Acesso em:
20/06/2017.
________. (2010). Atingindo uma educação de nível mundial no
Brasil: próximos passos. Sumário executivo. Brasília, Brasil:
Banco Mundial.
________. (2011). Aprendizagem para Todos. Investir nos
conhecimentos e competências das pessoas para promover o
desenvolvimento. Estratégia 2020 para a Educação do Grupo
Banco Mundial. Resumo executivo. Washington, DC: Banco
Mundial.
________. (2011a). Estrategia de Educación 2020 del Banco
Mundial. Versión preliminar del resumen. Para comentarios
únicamente. Banco Mundial. Disponível em: http://
siteresources.worldbank.org/EDUCATION/Resources/
ESSU/463292-1269917617150/6915424-1279137061297/
ExecSummary_Spanish.pdf. Acesso em: 09/05/2013.
BOSCHETTI, Ivanete; BEHRING, Elaine e LIMA, Rita de L. de.
(orgs.) (2018). “Introdução”, in: Marxismo, política social e
direitos. 1ª ed. São Paulo: Cortez.
BRASIL (2001). Lei nº 010172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova
o Plano Nacional de Educação e dá outras providências.

54 Editora Mercado de Letras – Educação


Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/
L10172.pdf. Acesso em: 12/02/2018.
________. (2001a). MEC. INEP. Microdados do Censo da Educação
Superior 2001. Brasília. Disponível em: http://download.
inep.gov.br/microdados/micro_censo_edu_superior2001.
zip. Acesso em: 02/02/2019.
________. (2003). Microdados do Censo da Educação Superior
2003. Brasília MEC. INEP. Disponível em: http://download.
inep.gov.br/microdados/micro_censo_edu_superior2003.
zip. Acesso em: 02/02/2019.
________. (2003-2017). Microdados do Censo da Educação
Superior. Brasília: MEC, INEP Disponível em: http://bit.
ly/2t6ae6V. Acesso em: 14/10/2017.
________. (2004a). Parecer CNE/CES nº 197/2004, aprovado
em 7 de julho de 2004. Consulta, tendo em vista o art. 11
da Resolução CNE/CP 1/2002, referente às Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da
Educação Básica em nível superior, curso de licenciatura, de
graduação plena. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/
cne/arquivos/pdf/pces197_04.pdf. Acesso em: 16/12/2018.
________. (2005). Parecer CNE/CP nº 5/2005. Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/
pcp05_05.pdf. Acesso em: 03/03/2019.
________. (2005b). Parecer CNE/CES nº 15/2005, aprovado em
2 de fevereiro de 2005. Solicitação de esclarecimento sobre
as Resoluções CNE/CP nºs 1/2002 [...]. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pces0015_05.pdf.
Acesso em: 16/12/2018.
________. (2005c). Resolução CNE/CP nº 1, de 17 de novembro
de 2005. Altera a Resolução CNE/CP nº 1/2002, que institui
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores da Educação Básica, em nível superior, curso
de Licenciatura de graduação plena. Disponível em: http://
portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_05.pdf. Acesso
em: 16/12/2018.

Desventuras dos professores na formação para o capital 55


________. (2006). Microdados do Censo da Educação Superior
2006. Brasília: MEC, INEP Disponível em: http://
download.inep.gov.br/microdados/microdados_educacao_
superior_2006.zip. Acesso em: 02/02/2019.
________. (2006a). Parecer CNE/CP nº 3/2006, que trata das
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de
Pedagogia. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/
arquivos/pdf/pcp003_06.pdf. Acesso em: 13/03/2019.
________. (2007). Plano de Desenvolvimento da Educação:
razões, princípios e programas. Brasília: MEC. Disponível
em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/livro/livro.pdf. Acesso
em: 23/03/2019.
________. (2007a). Microdados do Censo da Educação Superior
2007. Brasília: MEC, INEP. Disponível em: http://
download.inep.gov.br/microdados/microdados_educacao_
superior_2007.zip. Acesso em: 02/02/2019.
________. (2007g). Parecer CNE/CP nº 9/2007, aprovado em 5 de
dezembro de 2007. Reorganização da carga horária mínima
dos cursos de Formação de Professores, em nível superior,
para a Educação Básica e Educação Profissional no nível
da Educação Básica. Disponível em: http://portal.mec.
gov.br/cne/arquivos/pdf/2007/pcp009_07.pdf. Acesso em:
16/12/2018.
________. (2008). Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008. Regulamenta
a alínea “e” do inciso III do caput do art. 60 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o
piso salarial profissional nacional para os profissionais do
magistério público da educação básica. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/
lei/l11738.htm. Acesso em: 01/04/2019.
________. (2010). Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia: um novo modelo em educação
profissional e tecnológica – concepção e diretrizes.
Brasília: Secretaria de Educação Tecnológica do
MEC. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.
php?option=com_docman&view=download&alias=6691-

56 Editora Mercado de Letras – Educação


if-concepcaoediretrizes&category_slug=setembro-2010-
pdf&Itemid=30192. Acesso em: 02/02/2019.
________. (2014?). CAPES: Uma síntese sobre Programas de
Formação de Professores da Educação Básica. Brasília.
________. (2015). Parecer CNE/CP nº 2/2015, aprovado em
9 de junho de 2015. Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Formação Inicial e Continuada dos Profissionais
do Magistério da Educação Básica. Disponível em:
h t t p : / / p o r t a l . m e c . g o v. b r / i n d e x . p h p ? o p t i o n = c o m _
docman&view=download&alias=17625-parecer-cne-cp-2-
2015-aprovado-9-junho-2015&category_slug=junho-2015-
pdf&Itemid=30192. Acesso em: 16/12/2018.
________. (2015a). Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015.
Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação
inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de
formação pedagógica para graduados e cursos de segunda
licenciatura) e para a formação continuada. Disponível
em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
docman&view=download&alias=98191-res-cp-02-
2015&category_slug=outubro-2018-pdf-1&Itemid=30192.
Acesso em: 16/12/2018.
________. (2015b). Microdados do Censo da Educação Superior
2015. Brasília: MEC, INEP. Disponível em: http://download.
inep.gov.br/microdados/microdados_censo_superior_2015.
zip. Acesso em: 02/02/2019.
________. (2016). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD). Síntese de Indicadores 2015. Rio de Janeiro: IBGE.
________. (2017a). Microdados do Censo da Educação Superior
2017. Brasília: MEC, INEP Disponível em: http://
download.inep.gov.br/microdados/microdados_educacao_
superior_2017.zip. Acesso em: 02/02/2019.
CÊA, Georgia (2016). “Parcerias público-privadas na educação
como fenômeno econômico, político e cultural: explorando
contribuições gramscianas.” 2nd International Conference
on Cultural Political Economy. University of Bristol, UK.
(mimeografado).

Desventuras dos professores na formação para o capital 57


COELHO, Higson R. (2017). Formação de Professores em Tempos
Neoliberais: Crítica ao PARFOR enquanto política de
resiliência. Tese de Doutorado em Educação. Niterói:
Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade
Federal Fluminense.
DISKIN, Lia e ROIZMAN, Laura G. (2002). Paz, como se faz?:
semeando cultura de paz nas escolas. Brasília: Unesco;
Aracajú: Governo do Estado de Sergipe; São Paulo:
Associação Palas Athena.
EVANGELISTA, Olinda e LEHER, Roberto (2012). “Todos pela
Educação e o episódio Costin no MEC: a pedagogia do
capital em ação na política educacional brasileira.” Revista
Trabalho Necessário, ano 10, nº 15.
FIERA, Letícia (2019). As teias de interesses e influências nas redes
de políticas educativas na América Latina. Florianópolis.
(mimeografado).
FONTES, Virgínia (2010). O Brasil e o capital-imperialismo: teoria
e história. 2ª ed. Rio de Janeiro: EPSJV/Editora UFRJ.
FONTES, Virgínia (2016). O golpe a farsa. Disponível em:
http://blogjunho.com.br/o-golpe-e-a-farsa/. Acesso em:
13/03/2019.
________. (2017). “Capitalismo, crises e conjuntura.” Revista
Serviço Social e Sociedade, São Paulo, nº 130, pp. 409-425,
set/dez.
GERALDO, Débora S. da S. e LEHER, Roberto (2016). O
Todos pela Educação como um Partido no sentido
Gramsciano. Disponível em: https://drive.google.com/file/
d/0BwD7_494xHN2Ty1WY2RzVUFjTXM/view. Acesso
em: 26/02/2019.
HAYEK, F.A. (2010[1944]). O caminho da servidão. São Paulo:
Instituto Ludwig von Mises Brasil. Disponível em:
http://rothbardbrasil.com/wp-content/uploads/arquivos/
caminhodaservidao.pdf. Acesso em: 12/03/2019.

58 Editora Mercado de Letras – Educação


IANNI, Otávio (1999). “Globalização e a crise do Estado-Nação.”
Revista Estudos de Sociologia, ano 3, nº 6. Araraquara: FCL,
Unesp.
IASI, Mauro Luis (2013). “Educação e consciência de classe:
desafios estratégicos.” Revista Perspectiva, vol. 31, nº 1,
Florianópolis, pp. 67-83, jan/abr.
________. (2016). A crise do PT: o ponto de chegada da
metamorfose. Disponível em: https://blogdaboitempo.
com.br/2016/03/10/a-crise-do-pt-o-ponto-de-chegada-da-
metamorfose/. Acesso em: 16/03/2019.
JABBOUR, Elias (2018). “Onda conservadora atinge o país e
poucos sabem o que acontece.” Correio do Brasil, Rio de
Janeiro, 18 de out. de 2018. Disponível em: https://www.
correiodobrasil.com.br/onda-conservadora-atinge-pais-
poucos-sabem-que-acontece/. Acesso em: 14/03/2019.
LEHER, Roberto (1999). “Um novo senhor da educação? A
política educacional do Banco Mundial para a periferia do
capitalismo.” Revista Outubro, 1.3, pp. 19-30.
MARTINS, André Silva (2009). “Educação Básica no século XXI: o
projeto do organismo ‘Todos pela Educação’.” Revista Práxis
Educativa, vol. 4, nº 1, Ponta Grossa, pp. 21-28, jan/jun.
MARTINS, Gabriel (2014). “Nem empregabilidade, nem
empreendedorismo: crítica às soluções contemporâneas ao
desemprego”, in: MONTAÑO, Carlos (org.) O canto da
sereia: crítica à ideologia e aos projetos do “terceiro setor”.
São Paulo: Cortez, pp. 228-267.
MÉSZÁROS, István (2005). A educação para além do capital. São
Paulo: Boitempo.
NUNES, M. F. R. e ABRAMOVAY, M. (2003). Escolas inovadoras:
experiências bem-sucedidas em escolas públicas. Brasília:
Unesco; Fundação W. K. Kellogg; Unirio.
REDE BRASIL ATUAL (2019). Haddad: ‘Lula é culpado por ter
começado a revolução da inclusão’. Disponível em: https://
www.redebrasilatual.com.br/politica/2019/04/haddad-

Desventuras dos professores na formação para o capital 59


lula-e-culpado-por-ter-comecado-a-revolucao-da-inclusao.
Acesso em: 07/04/2019.
SAFATLE, Vladimir (2018). Só mais um esforço. São Paulo: Três
Estrelas.
SOUZA, Artur G. (2017). “Quem formava e quem forma o professor
no Brasil? Estudo sobre as inflexões nas matrículas de
licenciatura (2003-2015).” Anais do Colóquio Internacional
Marx e o Marxismo 2017 De O capital à Revolução de
Outubro (1867 ? 1917), Niterói.
TPE (2018). Todos Pela Educação. Nossa história. Disponível
em: https://www.todospelaeducacao.org.br/#BLOCO_68.
Acesso em: 09/01/2019.
UNESCO (2001). Declaração universal sobre a diversidade cultural.
Disponível em: ahttp://www.unesco.org/new/fileadmin/
MULTIMEDIA/HQ/CLT/diversity/pdf/declaration_
cultural_diversity_pt.pdf. Acesso em: 26/02/2019.
________. (2002). Projeto Regional de Educação para a América
Latina e o Caribe. Havana: Orealc; Prelac.
________. (2009). Relatório Mundial da UNESCO: Investir na
diversidade cultural e no diálogo intercultural. Resumo.
Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/
pf0000184755_por. Acesso em: 21/01/2019.
________. (2014). Catastro de experiencias relevantes de políticas
docentes en América Latina y el Caribe. Santiago.
VERGER, Antoni (2019). “A Política Educacional Global: conceitos
e marcos teóricos chave.” Revista Práxis Educativa, vol. 14,
nº 1, Ponta Grossa, pp. 9-33, jan/abr. Disponível em: http://
www.revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/
view/12987/209209210544. Acesso em: 09/03/2019.

60 Editora Mercado de Letras – Educação


capítulo II
O CRESCIMENTO PERVERSO DAS
LICENCIATURAS PRIVADAS

Allan Kenji Seki


Artur Gomes de Souza
Olinda Evangelista

O passado é um imenso pedregal que muitos gostariam de


percorrer como se de uma autoestrada se tratasse, enquanto
outros, pacientemente, vão de pedra em pedra, e as levantam,
porque precisam de saber o que há por baixo delas.
José Saramago. A viagem do elefante, 2008.

Introdução

No presente capítulo tivemos em vista apanhar as


determinações históricas, políticas e econômicas subjacentes ao
movimento das matrículas relativas à formação docente entre 2003 e
2015, particularmente pelo levantamento detalhado de informações
atinentes aos Governos Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2016),
do Partido dos Trabalhadores. Nosso interesse preliminar foi o de
compreender em que instituições a formação do professor ocorria

Desventuras dos professores na formação para o capital 61


no Brasil e como, especialmente após os Governos de Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002), ela evoluíra.
O pressuposto que norteou a investigação assenta-se sobre a
ideia de que a formação do professor está necessariamente implicada
na formação humana, tarefa inexorável ainda que possa ser ignorada
por ele. Nossas preocupações sintetizavam-se na indagação de
Mészáros (2010 pp. 47):

Será que a aprendizagem conduz à autorrealização dos


indivíduos como “indivíduos socialmente ricos” humanamente
(nas palavras de Marx), ou ela está a serviço da perpetuação,
consciente ou não, da ordem social alienante e definitivamente
incontrolável do capital?

Em outras palavras, Mészáros (2010) instigou a reflexão


acerca da totalidade das relações burguesas que determinam qualquer
objeto da pesquisa, eivado de interesses de classe, de conflitos
políticos, de concepções de mundo antagônicas. Totalidade essa
que confere sentido específico à escolarização. Seguindo, ademais,
a esteira de pensamento oferecida por Thompson (1981, pp. 50),
tivemos em vista recolher materiais, dados, documentos, pistas,
pertinentes ao nosso intento e às inquirições levantadas. Desse
modo, coligimos, nos microdados do Censo da Educação Superior
(INEP 2003-2015), as informações pertinentes às matrículas, às
instituições de Ensino Superior (IES) e aos cursos da Área Educação
e as reorganizamos; com a construção de tabelas, gráficos e mapas,
tivemos em vista responder, em parte, nossas indagações.
Nossa metodologia permitiu a percepção de um complexo
movimento hegemônico, articulado ao investimento capitalista
na formação, sintetizado organicamente em cinco formas.1 Na

1. Procuramos seguir a orientação presente no “Posfácio da 2ª Edição” de O


Capital: “A pesquisa tem de captar detalhadamente a matéria, analisar as
suas várias formas de evolução e rastrear sua conexão íntima. Só depois de

62 Editora Mercado de Letras – Educação


primeira, verificamos que o número de matrículas em licenciaturas
na esfera privada cresceu entre 2003 e 2015, chegando a 61,7%
do total em 2015; coube à esfera pública 39,3%. Pela segunda,
evidenciamos que, no interior das IES privadas, houve decréscimo
nas matrículas presenciais e acréscimo nas matrículas em EaD.2 A
terceira demonstra que o contingente de alunos nas IES privadas
está, na grande maioria, nas IES particulares, isto é, com fins
lucrativos. A quarta forma patenteia o crescimento das matrículas
nas IES públicas, presenciais e em EaD (109.038 novas matrículas
presenciais e 48.229 em EaD), em números absolutos, mas sua
diminuição em relação as privadas. Resultou das quatro formas,
a quinta: estávamos frente a uma nova forma geral de oferta de
licenciatura pelas IES particulares, aquela na qual não importa o
sujeito matriculado, o ser social aluno. Está em jogo tão-somente a
potência de compra e venda das matrículas enquanto tais e a mesma
capacidade no que tange ao valor das instituições educacionais no
rentável mercado das compras e vendas de IES.3 Descarnadas dos
sujeitos sociais que lhe dão vida, matrículas e IES são dispostas
por fundos de investimentos, empresariais ou individuais, ao seu bel
prazer, inclusive nas ofertas públicas de ações nas bolsas de valores,
objetivando a sua valorização sob a forma fictícia desses capitais.

concluído esse trabalho é que se pode expor adequadamente o movimento


real. Caso se consiga isso, e espelhada idealmente agora a vida da maté-
ria, talvez possa parecer que se esteja tratando de uma construção a priori”
(Marx 1980, pp. 16).
2. Marques e Pereira (2002, pp. 175) informam que “O Censo do Ensino Supe-
rior 2001 traz, pela primeira vez, informações sobre os cursos de formação
de professores a distância oferecidos no Brasil. Em 2000, foram disponibili-
zadas 6.430 vagas em cursos de graduação dessa natureza”. Os autores não
referem em que tipo de instituição ocorreu a oferta.
3. Estão envolvidos nas grandes empresas educacionais capitais derivados das
várias frações da burguesia interna e internacional. Entre os investidores
encontramos capitais ligados ao agronegócio, à indústria, ao comércio e,
centralmente, à fração financeira, assim como capitais australianos, japone-
ses, norte-americanos, entre outros.

Desventuras dos professores na formação para o capital 63


Dentre as informações coletadas e ordenadas relativas à
formação do magistério no país, abordaremos alguns pontos com
mais detalhes para evidenciar um movimento histórico que expressa
cristalinamente a emergência, nos anos de 2000, e o crescimento
colossal, em meados dessa década, de um mercado de certificação
reservado e consolidado na primeira década do século XXI.

Números e percentuais de partida

As primeiras informações levantadas, expostas no Gráfico 1,


demonstraram com clareza que, no período em tela, as licenciaturas
se concentraram nas IES particulares, sob a modalidade EaD,
ao mesmo tempo em que a oferta nas IES públicas, na soma das
modalidades, se retraiu. A prevalência das IES particulares no
oferecimento de vagas em licenciaturas, assim como da modalidade
EaD são evidentes.

Gráfico 1 – Número de matrículas em cursos de


licenciatura presenciais e EaD por categoria administrativa – Brasil

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015). [Nota: Elaboração própria]

64 Editora Mercado de Letras – Educação


Ordenados os dados de outra maneira, na Tabela 1 é possível
concluir que o tipo institucional “Universidade” continuou o lócus
preferencial da formação, pois o percentual de matrículas subiu,
embora pouco, de 558.941 (64,1%) para 954.115 (65%) de 2003 para
2015. Em 12 anos foram agregadas 395.174 novas matrículas (70,7%
de crescimento). Somando-se universidades e centros universitários,
tivemos 73% das matrículas em 2003 e 79% em 2015, cabendo
aproximadamente 3,1% para institutos federais e 17.9% em faculdades.
Dois outros movimentos ressaltam na Tabela 1: o desaparecimento,
em 2007, de informações sobre os Institutos Superiores de Educação
(ISE), nos quais se ofereciam Cursos Normais Superiores,4 e o
surgimento de dados sobre os Institutos Federais Tecnológicos5 a
partir de 2011, que também oferecem licenciaturas.

4. No Governo de Fernando Henrique Cardoso criou-se o Curso Normal Supe-


rior a ser oferecido nos Institutos Superiores de Educação até então inexis-
tentes, sendo suposto que substituíssem os Cursos de Pedagogia na tarefa de
formação docente para a Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fun-
damental. Do mesmo modo, os Centros/Faculdades/Setores de Educação
dariam lugar aos Institutos (Brasil 1999). Essa proposta não foi aceita por
entidades e associações profissionais e de pesquisadores da área, obrigando
o governo a recuar, flexibilizando a obrigatoriedade antes prevista (Brasil
2000). Em 2006, nova regulamentação (Brasil 2006) permitiu que os Cur-
sos Normais Superiores se transformassem em Cursos de Pedagogia. Esse
movimento levou praticamente ao desaparecimento desses cursos.
5. Em dezembro de 2008, o Governo Lula unificou centros federais de edu-
cação tecnológica (Cefets), unidades descentralizadas de ensino (Uneds),
escolas agrotécnicas, escolas técnicas federais e escolas vinculadas às uni-
versidades sob a denominação de Institutos Federais de Educação, Ciência
e Tecnologia (IFET) no âmbito da Rede Federal de Educação Profissional,
Científica e Tecnológica (Brasil 2008). Não aderiram à mudança dois Cefe-
ts. Além disso, a rede conta com escolas ligadas às Universidades, o Colégio
Pedro II e uma Universidade Tecnológica. Em 2016, existiam 38 Institutos
Federais nos estados, com 644 campi. Os Institutos têm a obrigação legal de
ofertar 20% das vagas para licenciatura e programas especiais de formação
de professores para a educação básica e a profissional. Entretanto, de acordo
com Oliveira e Oliveira (2016), em 2014, a oferta, além das principais – Li-
cenciatura em Química, Matemática, Física e Ciências Biológicas –, atinge
outros 13 cursos, entre os quais a Licenciatura em Pedagogia.  

Desventuras dos professores na formação para o capital 65


Tabela 1 – Número e percentual de matrículas em licenciaturas por organização acadêmica e modalidade de ensino –
2003/2015 – Brasil

2003 2007 2011 2015


Organização Acadêmica
N % N % N % N %
Universidade 558.941 64,1 675.083 63,6 861.085 64 954.115 65
Presencial 513.295 58,9 490.258 46,2 573.756 43 552.669 37,7
EaD 45.646 5,2 184.825 17,4 287.329 21 401.446 27,4
Centro 78.438 9 117.021 11 147.642 11 205.369 14
Presencial 75.975 8,7 92.748 8,7 75.408 5,6 72.709 5
EaD 2.463 0,3 24.273 2,3 72.234 5,4 132.660 9
Faculdade 216.001 24,8 269.300 25,4 313.428 23 262.930 17,9
Presencial 214.027 24,6 232.916 21,9 249.085 19 239.291 16,3
EaD 1.974 0,2 36.384 3,4 64.343 4,8 23.639 1,6
Instituto Superior 17.370 2 - - - - - -
Presencial 15.970 1,8 - - - - - -
EaD 1.400 0,2 - - - - - -
Instituto Federal - - - - 26.737 2 44.767 3,1
Presencial - - - - 22.366 1,7 39.578 2,7

66 Editora Mercado de Letras – Educação


EaD - - - - 4.371 0,3 5.189 0,4
TOTAL 870.750 100 1.061.404 100 1.348.892 100 1.467.181 100

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015). [Nota: Elaboração própria]
Tabela 2 – Número de matrículas de licenciaturas em Universidades por categoria administrativa e modalidade de ensino –
2003/2015 – Brasil

Categoria Administrativa 2003 2007 2011 2015

N % N % N % N %

Pública 369125 66 362815 53,7 528046 61,3 511504 53,6

Presencial 332140 59,4 308445 45,7 428564 49,8 429891 45,1

EaD 36985 6,62 54370 8,05 99482 11,6 81613 8,55

Particular 136378 24,4 128604 19,1 108160 12,6 250180 26,2

Presencial 129803 23,2 71933 10,7 31264 3,63 30529 3,2

EaD 6575 1,18 56671 8,39 76896 8,93 219651 23

Privada sem fins lucrativos 53438 9,56 183664 27,2 224879 26,1 192431 20,2

Presencial 51352 9,19 109880 16,3 113928 13,2 92249 9,67

Desventuras dos professores na formação para o capital


EaD 2086 0,37 73784 10,9 110951 12,9 100182 10,5

Total 558.941 100 675.083 100 861.085 100 954.115 100

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015). [Nota: Elaboração própria]

67
Na Tabela 2, anteriormente, percebemos que, entre 2003
e 2015, as matrículas na EaD nas universidades cresceram: nas
particulares, foram de 1,18% para 23,02%; nas privadas sem fins
lucrativos, de 0,37% para 10,50%. Sua contraface, redução de
23,22% para 3,2% das matrículas presenciais nas particulares, é
visível e assustadora, posto que mostra a tendência de abandono
da modalidade presencial na qualificação docente.6 Uma outra
tendência é perceptível: as matrículas presenciais privadas, em
2015, estavam concentradas em Faculdades; no caso da EaD em
universidades e centros universitários particulares. Corrobora essa
tendência o fato de que, entre 2007 e 2015, as universidades privadas
passaram de 87 para 88; os Centros de 116 para 140; as Faculdades
de 1.829 para 1.866 (Brasil 2017). Veremos oportunamente que não
é no número de IES, nem no de cursos, que o fenômeno da explosão
de matrículas nas licenciaturas e na EaD pode ser adequadamente
compreendido.
Conquanto em 2015 o percentual geral de matrículas
na modalidade EaD estivesse em 38,36%, restando 61,64% de
presenciais, eles não escondem um fato estarrecedor: em 2003,
último ano do segundo Governo FHC, a EaD somava 5,91% das
matrículas. Em 2007, último ano do primeiro governo Lula, os
microdados elucidam a nova tendência: as matrículas em EaD
saltaram de menos de 6% para 23,13% (Tabela 1).
O fato de que a formação esteja majoritariamente presente
nas Universidades e Centros Universitários poderia corroborar o
senso comum corrente de que nestas IES, públicas ou privadas,
a formação de boa qualidade estaria assegurada em razão de que
nelas, supostamente, se produziria ciência, pesquisa por um quadro
docente credenciado, além da extensão. Porém, as armadilhas

6. É exemplar a Portaria nº. 1428, de 31 de dezembro de 2018 (Brasil 2018),


publicada pelo (des)governo Temer, que possibilita a oferta de cursos de
graduação presenciais com até 40% das aulas a distância, ampliando o limi-
te anterior de 20%.

68 Editora Mercado de Letras – Educação


precisam ser desmontadas. É preciso considerar que, em 2016,
em torno de somente 23,8% dos jovens de 18 a 24 anos de idade
chegaram ao Ensino Superior (Brasil 2017) e apenas 1.467.181
matrículas, das 8.027.297, em 2015, estavam nas licenciaturas.
Embora 65% delas se localizassem em IES universitárias, o fato
era – e continua sendo – que os professores se formavam na esfera
privada (442.611 ou 46,39%), na modalidade EaD (319.833 ou
33,52%). Ademais, não nos esqueçamos do flagelo nacional ligado
a não universalização da educação infanto-juvenil, ao arrepio da
lei, tanto porque faltam vagas (nomeadamente no Ensino Médio)7
quanto pela impossibilidade de permanência no sistema educativo
(Brasil 2017).

Números e percentuais desdobrados

Ao percorrermos o labirinto dos microdados do INEP, vimos


de perto as alterações operadas pela transição das licenciaturas
do setor público para o privado e sua concomitante adesão à
modalidade EaD. Em 2015, havia 7.597 cursos de licenciatura no
Brasil e 1.467.181 de matrículas; por si, esses dados não atestam
a concentração de matrículas privadas ou os cursos oferecidos.8

7. Em 2016, 58,4% da população brasileira com mais de 25 anos não tinha o


Ensino Médio completo; 11,8 milhões (7,2%) das pessoas com mais de 15
anos eram analfabetas; 1,4 milhões (12,8%) de jovens de 15 a 17 anos não
tiveram direito à escolarização (IBGE 2017).
8. Esse número de cursos se divide em 229 denominações, unificadas em 40
segundo classificação da OCDE em 2011. Os dez maiores concentraram,
em 2015, 90% das matrículas. São eles: Pedagogia, Formação de Profes-
sor de Educação Física, Formação de Professor de História, Formação de
Professor de Biologia, Formação de Professor de Matemática, Formação de
Professor de Língua/Literatura Vernácula (português), Formação de Profes-
sor de Geografia, Formação de Professor de Língua/Literatura Estrangeira

Desventuras dos professores na formação para o capital 69


Vejamos: o curso de Pedagogia na Universidade Norte do Paraná
(Unopar),9 na modalidade EaD, em 2017, contava com 78.483
matrículas, já em Educação Física, 50.470; 2) as licenciaturas em
Pedagogia e Educação Física eram em 2015 – e são em 2017 – as
recordistas em número de matrícula em EaD (Gráfico 2, a seguir).10
No mesmo ano, 652.100 (44,4%) das 1.467.181 matrículas
em licenciaturas distribuíam-se em 1.612 (21,2%) cursos de
Pedagogia. Nestes, 337.669 (51,8%) matrículas couberam às IES
particulares, das quais 230.204 (35,3%) se distribuíam em 36
(2,2%) cursos EaD. Se somarmos as IES privadas, concluiremos que
524.546 (80,4%) matrículas estavam em 1.073 (66,6%) cursos de
Pedagogia. No caso da Educação Física, 133.047 (79,4%) matrículas
estavam em 466 (69,4%) cursos privados: 36.660 (21,9%) em três
(0,4%) cursos particulares EaD e 76.148 (45,4%) em 189 (28,2%)
cursos particulares EaD ou presencial. Nas licenciaturas em Física
a situação é diferente: 22.189 (91%) matrículas estavam em 240
(86,6%) cursos presenciais e EaD públicos; 20.189 (83%) em IES
públicas presencial e 189 (0,8%) em particulares EaD (Tabela 3;
Gráfico 3).

Moderna, Formação de Professor de Língua/Literatura Vernácula e Língua


Estrangeira Moderna, Formação de Professor de Química. O curso de Pe-
dagogia manteve o maior número de matrículas de 2003 para 2015, tendo
possivelmente incorporado a demanda do Curso Normal Superior. A forma-
ção de Professor em Segurança Pública foi a menor licenciatura, em 2015:
9 matrículas.
9. Segundo Oscar (2012, pp. 2), “Entre 2003 e 2011, a rede passou de um
quadro de 1.800 alunos para 145.600”.
10. Em 2017, concentraram 28,7% das matrículas gerais do ensino superior bra-
sileiro em EaD. Pedagogia é o maior curso em EaD do Brasil e Educação
Física o sétimo.

70 Editora Mercado de Letras – Educação


Gráfico 2 – Dez maiores cursos de licenciatura
em matrículas Brasil – 2003/2015 – Brasil

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015). [Nota: Elaboração própria]

Desventuras dos professores na formação para o capital 71


Tabela 3 – Frequência de matrículas nas licenciaturas em Pedagogia, Educação Física,
Química e Física, por modalidade de ensino e categoria administrativa – 2015 – Brasil

    Pedagogia Educação Física Química Física

    N % N % N % N %

Presencial 101.582 15,6% 32.964 19,7% 26.869 76,4% 20.189 83,0%

Pública EaD 25.972 4,0% 1.657 1,0% 2.671 7,6% 2.000 8,2%

Total 127.554 19,6% 34.621 20,6% 29.540 84,0% 22.189 91,3%

Presencial 208.631 32,0% 93.288 55,6% 4.274 2,5% 1.099 0,7%

Total privadas EaD 315.915 48,4% 39.759 23,7% 1.356 0,8% 1.024 0,6%

Total 524.546 80,4% 133.047 79,4% 5.630 3,4% 2.123 1,3%

Presencial 107.465 16,5% 39.488 23,6% 1.130 3,2% 203 0,8%

Particular EaD 230.204 35,3% 36.660 21,9% 314 0,9% 189 0,8%

Total 337.669 51,8% 76.148 45,4% 1.444 4,1% 392 1,6%

Presencial 101.166 15,5% 53.800 32,1% 3.144 8,9% 896 3,7%

Privada sem fins lucrativos EaD 85.711 13,1% 3.099 1,8% 1.042 3,0% 835 3,4%

Total 186.877 28,7% 56.899 33,9% 4.186 11,9% 1.731 7,1%

72 Editora Mercado de Letras – Educação


TOTAL   652.100 100,0% 167.668 100,0% 35.170 100,0% 24.312 100,0%

Fonte: Brasil, INEP (2015). [Nota: Elaboração própria]


Gráfico 3 – Percentual de matrículas nas licenciaturas em Pedagogia,
Educação Física, Química e Física, por modalidade de ensino e
categoria administrativa – 2015 – Brasil

Fonte: Brasil, INEP (2015). [Nota: Elaboração própria]

O caso do curso de Pedagogia tem grande gravidade. Nele


se forma o profissional para a Educação Infantil e séries iniciais
do Ensino Fundamental e nele 80,4% das matrículas estavam, em
2015, sob a batuta privada. Sua conexão direta com o trabalho
docente nas escolas públicas leva à conclusão, inarredável, de que
a população trabalhadora, ao se formar nessas escolas, também será
preparada segundo interesses do capital – mesmo sem pormos em
discussão seus conteúdos, antes ou depois da aprovação da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC).11

11. A BNCC foi aprovada durante o Governo Temer, em dezembro de 2017, e


resultou de uma coligação de interesses governamentais e empresariais. No

Desventuras dos professores na formação para o capital 73


Deparamo-nos com o absurdo incremento de 511.451 (993%)
matrículas em EaD, contra 84.980 (10%) presenciais entre 2003 e
2015 nas licenciaturas (Gráfico 2). No ano de 2015, 562.934 (38,4%)
matrículas compunham 619 (8,1%) cursos EaD; 476.132 (84,58%)
em IES privadas. Ou seja, os jovens aspirantes à docência estão quase
sem saída quando se trata de escolher o lócus de sua formação.

Gráfico 4 – Número geral de cursos e matrículas


em licenciaturas presenciais e EaD – 2003/2015 – Brasil

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015). [Nota: Elaboração própria]

plano do governo, envolveu o Ministério da Educação, o Conselho Nacional


de Secretários de Educação e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de
Educação. No âmbito empresarial, envolveu a Fundação Lemann, Fundação
Roberto Marinho, Instituto Unibanco, Instituto Natura, Instituto Inspirare,
Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. Além desses, participaram as presta-
doras de consultorias Associação Brasileira de Avaliação Educacional, a Co-
munidade Educativa e o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura
e Ação Comunitária. Destacou-se a organização Todos Pela Educação, que
reúne apoio de fundações, grupos e empresas como Rede Globo, Itaú Social,
Bradesco, Gol, Instituto Votorantim, entre outros (Neves e Piccinini 2018).
No caso da reforma do Ensino Médio, segundo Frigotto (2016), foi “Um abo-
minável descompromisso geracional e um cinismo covarde [...]. Uma reforma
que legaliza a existência de uma escola diferente para cada classe social. [...]
Quando se junta prepotência do autoritarismo, arrogância, obscurantismo e
desprezo aos direitos da educação básica plena e igual para todos os jovens, o
seu futuro terá como horizonte a insegurança e a vida em suspenso.”

74 Editora Mercado de Letras – Educação


Resta claro que o maior percentual de crescimento nas
matrículas – 461.634 (3.184%) – deu-se na EaD privada. Em termos
de cursos, o crescimento foi de 291 (2.079%) nas IES privadas, que
atingiram 90% do crescimento das matrículas e 51% dos cursos no
período. Desagregando as IES particulares, o crescimento foi de
338.187 (2.855%) nas matrículas e 140 (1.273%) nos cursos em EaD;
ao mesmo tempo, houve redução de 43.400 (19%) matrículas e 211
(15%) cursos presenciais. Enfim, as matrículas em EaD cresceram nas
IES privadas, em maior proporção nas particulares. Uma alteração
qualitativa substancial, entre 2007 e 2011, foi observada nas IES
particulares em razão da diminuição de 104.035 (-38,82%) matrículas
presenciais e aumento de 81.510 (82%) na EaD. No que tange às
IES sem fins lucrativos, com 31,2% das matrículas em 2011, foram
suplantadas pelas IES com fins lucrativos, em 2015, ficando com
24,2% do montante (Tabela 4). Em 2011, outro fato merece destaque:
a troca de matrículas presenciais por EaD compôs organicamente a
oligopolização de IES, explodindo em 2015. Um exemplo cabal disso
foi a aquisição da Unopar pela Kroton em 2011.12

Gráfico 5 – Número de matrículas em cursos de licenciatura a


distância por categoria administrativa – 2003/2015 – Brasil

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015). [Nota: Elaboração própria]

12. Em 2015, das matrículas em licenciaturas na Unopar, 131.319 (99%) eram


na modalidade EaD.

Desventuras dos professores na formação para o capital 75


O Gráfico 5 evidencia que nas IES particulares a modalidade
EaD cresceu ao longo do período. Apenas de 2011 a 2015 saiu de
180.908 matrículas para 350.032. Ao contrário, as matrículas em
IES privadas sem fins lucrativos e públicas retraíram, mas não foi
acidental. Assim, em 2016, houve mais concluintes nas licenciaturas
em EaD nas IES privadas (79.296), do que nas presenciais (67.941)
e EaD (10.577) nas públicas (Brasil 2017). Ressaltamos que em
termos de matrículas essa ultrapassagem ainda não se configurou,
mas deve ocorrer em breve.

A formação docente no setor privado

Nos períodos governamentais de Lula e Dilma foram


implementados mais de 30 programas ou projetos para a formação
do professor (Evangelista 2013). As políticas desencadeadas, sob
a vigência do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)
(Brasil 2007),13 contudo, não podem desviar nossos olhos da grande
política de formação: a assunção do preparo do professor pela esfera
privada,14 ficando a administração federal com a função de propor,
supervisionar e avaliar o cumprimento das orientações por aquelas
IES. Também coube à União, o oferecimento de condições objetivas
para a expansão das IES privadas, coerente com a política econômica
neoliberal de abrir novos nichos de mercado. Numa ponta, as IES
sem fins lucrativos abocanharam a licenciatura presencial; na

13. A política principal do Governo no que respeita à formação docente assen-


tava-se na formação inicial e continuada a distância na Universidade Aberta
do Brasil. Neste trabalho não discutimos tais políticas.
14. Inúmeras são as consequências dessa política: incremento do exército in-
dustrial de reserva baseado na certificação em massa; adesão de professores
e estudantes à EaD por medo do desemprego; enfraquecimento dos sindica-
tos docentes; aumento de professores com vínculo de trabalho temporário,
em 2017 da ordem de 41,6%, 870.334 trabalhadores (Souza 2018).

76 Editora Mercado de Letras – Educação


outra, as IES particulares abocanharam a EaD, especificamente as
licenciaturas em Pedagogia e Educação Física.
Quando observamos o número de matrículas em EaD
nas IES públicas parece ficar claro que o governo federal atuou
como indutor da sua expansão. Tendo fomentado a modalidade
e a ela concedido legitimidade política e científica, pôde, na
sequência, recuar e oferecer um campo promissor para empresários
interessados na venda de certificados em massa, ao mesmo tempo
em que manteve a prerrogativa de oferecer ensino universitário
majoritariamente presencial em pequena proporção. Sem dúvida,
esta dinâmica recrudescerá nos anos vindouros, não só pelas
contrarreformas implementadas pelo (des)governo Temer (2016-
2018), do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), mas pelas
medidas encaminhadas pelo atual Presidente da República, Jair
Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL). A transferência de
parcela importante de estudantes do ensino presencial para a EaD e
do setor público – inclusive pela não abertura de novas vagas – para
o privado ganhará impulso indescritível.

A hegemonia das IES lucrativas no mercado da formação docente

A política empreendida pelos governos do PT – com


regulações e sem regulações oportunas – permitiu o florescimento
de um novo tipo de oferta de matrículas particulares na arena
de disputas capitalistas na qual se tornou a formação docente. A
diminuição percentual de matrículas e cursos em IES públicas
corroborou o movimento que, de 2006 em diante, no início do
segundo Governo Lula, levaria à emergência desse novo matiz. O
domínio das matrículas estava inicialmente com as IES privadas;
não obstante, as IES com fins lucrativos o tomaram e, ademais, o
expandiram sob a modalidade EaD. Sincronicamente, no plano do
trabalho docente registrou-se a “excepcionalidade permanente”

Desventuras dos professores na formação para o capital 77


da contratação temporária (Gomes 2017; Venco 2016; Seki et al.
2017). De acordo com Mészáros (2005), essa dupla conformação
concretiza os modos essenciais de educação: a preparação das
consciências pela escola – mas não só – e a conformação social
pelo trabalho. Em relação ao trabalho dos professores da Educação
Básica pública, em 2017, no Gráfico 6 vê-se que 42% não tinham
estabilidade no emprego, sendo que, destes, 299.673 (14%) têm
contratos voluntários e 565.538 (27%) temporários.

Gráfico 6 – Frequência e percentual de docentes da Educação


Básica pública por tipo de contrato – 2017 – Brasil

Fonte: Censo Escolar. Inep (Brasil 2017); Souza (2018).


[Nota: Elaboração própria]

Em 2016, 160.401 (67,2%) dos formandos foram certificados


por IES privadas; 78.518 (32,8%) por IES públicas (Brasil 2017).
Vemos nesse movimento uma ameaça à formação juvenil decorrente
da progressiva entrega das IES e dos conteúdos da qualificação do
magistério ao comando do capital. A espiral privatizante no Ensino
Superior no Brasil data dos anos de 1960. Em 1968, a reforma

78 Editora Mercado de Letras – Educação


universitária, perpetrada pela ditadura empresarial-militar, produziu
as bases legais para a expansão de estabelecimentos isolados de
ensino. Paula et al. (2017, pp. 69) afirmam que:

[...] o setor privado era constituído por um conjunto de


instituições comunitárias e confessionais, e como não havia
sustentação legal para a existência de empresas educacionais,
todas essas instituições foram classificadas como sem fins
lucrativos, obtendo, assim, o benefício da renúncia fiscal dos
impostos sobre a renda, o patrimônio e os serviços, além da
possibilidade de obtenção de recursos do orçamento da união.

Rapidamente acentuou-se a tendência de crescimento das


matrículas privadas, de modo que o Censo da Educação Superior,
de 1969, registrou, lamentavelmente, o último período em que
matrículas públicas eram em maior número. Dados colhidos por
Seki et al. (2017, pp. 1) informam que, nesse ano, elas somaram
185 mil, correspondentes a 53,87% do total. Um ano depois, as
matrículas em IES privadas somavam 50,5% do total. Entre esse
momento e hoje, as IES privadas se apropriaram de 75,6% das
matrículas no Brasil. A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN) (Brasil 1996), entre outras indicações, no art.
70 prevê recursos públicos às IES privadas. Justamente a partir de
1997, elas terão grande impulso expansionista.
Ghirardi e Klafke (2017, pp. 57) mencionam o art. 1º do
Decreto nº 2.306, de 19 de agosto de 1997 (Brasil 1997), depois
reproduzido no art. 3º do Decreto nº 3.860, de 9 de julho de 2001
(Brasil 2001a):

As pessoas jurídicas de direito privado mantenedoras de


instituições de ensino superior poderão assumir qualquer das
formas admitidas em direito de natureza civil ou comercial,
e, quando constituídas como fundações, serão regidas pelo
disposto no art. 24 do Código Civil Brasileiro. (Brasil 2001a)

Desventuras dos professores na formação para o capital 79


Os dois decretos foram revogados, substituindo-os o
Decreto-Lei nº 5.773, de 9 de maio de 2006, promulgado no
primeiro Governo Lula. O seu art. 2º reza: “O sistema federal de
ensino superior compreende as instituições federais de educação
superior, as instituições de educação superior criadas e mantidas
pela iniciativa privada e os órgãos federais de educação superior”
(Brasil 2006). Os três tipos institucionais previstos – faculdades,
centros de ensino e universidades – evidenciam uma hierarquia na
qual apenas as universidades contariam com a “indissociabilidade
das atividades de ensino, pesquisa e extensão” (Brasil 2006) e pelo
menos um terço do corpo docente titulado na pós-graduação stricto
sensu (Brasil 1996). A flexibilização dessas exigências nos outros
tipos contou favoravelmente para que as IES privadas oferecessem
mensalidades mais baratas, à custa, muitas vezes, da degradação das
condições de trabalho e da carreira.15 Poderia ser essa, inclusive, uma
boa explicação para o fato de que oferecem cursos de menor custo
para elas próprias. É o que ocorre com as licenciaturas consideradas
baratas se comparadas àqueles cursos que exigem laboratórios,
técnicos especializados, instalações específicas, máquinas e
equipamentos e outros requisitos legais.16 Elas são “máquinas de
fazer matrículas”, em especial nas grandes escolas particulares. O
capital, “sob a forma de atividade estatal”, dirigiu esse processo
e ao longo do período as matrículas foram entregues à sua livre
exploração, como se percebe na Tabela 4. Essa racionalização,
entretanto, esconde outras determinações econômicas.

15. Em levantamento realizado pela Folha de S. Paulo constatou-se que um


terço das universidades brasileiras não cumpre as normativas para operarem
como tal. “No grupo das escolas privadas, as quatro universidades do Kro-
ton, maior grupo educacional do mundo, não atendem aos requisitos. São
elas Universidade de Cuiabá, Anhanguera de São Paulo, Anhanguera Uni-
derp e Universidade Norte do Paraná” (Ferrasoli, Gamba e Righetti 2018).
16. É o caso dos cursos de medicina, nos quais as públicas, em 2015, concentra-
ram número significativamente maior de matrículas, 45.786, contra 28.475
nas particulares.

80 Editora Mercado de Letras – Educação


Tabela 4 – Percentual de matrículas em cursos de licenciatura
por categoria administrativa – 2003/2015 – Brasil

  2003 2007 2011 2015

Pública 47,1% 38,1% 43,3% 39,3%

Particular 27,6% 34,6% 25,6% 36,5%

Privada sem fins lucrativos 25,3% 27,3% 31,2% 24,2%

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015). [Nota: Elaboração própria]

Talvez não possamos aceder a todas as iniciativas


que, combinadas, engendraram esse cenário. Entretanto, ele
indubitavelmente resulta da reforma do ensino superior pelos
governos neoliberais e suas conexões com o projeto educativo do
Banco Mundial (2002). A partir da segunda metade da década de
1990, difundiu-se escancaradamente a ideia da “diversificação”
das IES e a defesa da “educação terciária” (Lima 2011, pp. 89),17
uma espécie de pós-médio a ser disseminado massivamente
– de que, aliás, se tratava o Curso Normal Superior e se trata os
Institutos Federais Tecnológicos. A participação de Organizações
Multilaterais (OMs) nas formas de ordenação do ensino superior
no Brasil é um capítulo à parte tanto no que diz respeito à
diversificação institucional, quanto à privatização e à educação a
distância. No documento Construir sociedades del conocimiento:
nuevos retos para la educación terciaria (Banco Mundial 2003,

17. A ideia de Educação Terciária sintetiza o projeto do Banco Mundial (World


Bank 2002) em curso na década de 1990. De sua ótica, educação superior
não equivale à Universidade, secundarizada frente a uma miríade de tipos
institucionais afeitas às vicissitudes do “mercado”, do capital. Barreto e
Leher (2008, pp. 428, grifos dos autores), afirmam que “À lógica da educa-
ção como mercadoria (commodity), nem atributos ou disposições pessoais
escapam: a educação terciária ‘é capaz de encorajar a independência e a
iniciativa, que são commodities valorizadas na sociedade do conhecimento’
(World Bank 2000, pp. 37)”.

Desventuras dos professores na formação para o capital 81


pp. 8), o Banco ratifica sua posição em defesa da educação não
universitária, seguindo posição da Organização para a Cooperação
e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), para quem se trata de
uma formação após o ensino médio, oferecida por escolas públicas
ou privadas. A LDBEN (Brasil 1996), ao subordinar o conceito
“universidade” à noção “ensino superior”, entoou o “dobre de
finados” da Universidade pública como lugar por excelência de
formação da juventude brasileira. Há quem assevere, inclusive, que
“Daqui a 30 anos, os grandes campi universitários serão relíquias.
As universidades não vão sobreviver” (Drucker 2019).
Sub-repticiamente, e ao longo dos anos, floresceu, como visto
no estudo de Segenreich (2017), extensa fragmentação institucional
e acadêmica e consequente mercado atrativo para o capital, em
razão do fato mencionado de que as IES não necessariamente se
vinculariam à pesquisa e extensão. Mancebo, Silva Júnior e Oliveira
(2018, pp. 5) concordam com essa avaliação e entende que “O
exame da atual conjuntura da educação superior brasileira constitui-
se em notório desafio. Primeiramente, porque a educação superior
brasileira é bastante diversificada e heterogênea, especialmente
no tocante a organização acadêmica, qualidade e inclusão social”.
Nesse terreno, a autonomia revestiu-se de nova face: relacionava-
se à abertura de novos cursos, campi ou polos de ensino e demais
estratégias dos gestores de (verdadeiros) negócios,18 desmantelando-
se, cinicamente, o modelo universitário. O contínuo ataque às
universidades públicas como local privilegiado de preparação da
juventude, sua subordinação em relação ao “ensino superior” ou à

18. Não se trata de ignorar que nem sempre a pesquisa e a extensão nas univer-
sidades públicas podem ser consideradas 100% de interesse social geral. É
corrente o debate entre universitários acerca do aprisionamento da pesquisa
acadêmica por empresas ou por editais estatais com interesses dirigidos.
De outro lado, a extensão, não raro, toma a forma de venda de serviços. A
Universidade pública torna-se “plataforma de lançamento” e legitimação de
credenciais flexionadas às demandas do capital.

82 Editora Mercado de Letras – Educação


educação terciária, simultaneamente à equalização entre instituições
públicas e privadas, concretiza-se na ideia-força de “sistema federal
de ensino superior”, segundo reza o art. 2º do Decreto-Lei no
5.773, de 9 de maio de 2006 (Brasil 2006). Qualquer hipótese de
que esse lineamento pudesse ser suspenso foi perdida quando, no
Plano Nacional de Educação 2014-2024, a esfera de “investimento
público em educação” incorporou as IES particulares, “inclusive na
forma de incentivo e isenção fiscal, as bolsas de estudos concedidas
no Brasil e no exterior, os subsídios concedidos em programas de
financiamento estudantil” (Brasil 2014).
Vemos hoje que a primeira baixa dessa política foi a
progressiva retirada da formação de aspirantes ao magistério da
esfera universitária pública e sua entrega, ao custo do endividamento
juvenil (em razão da armadilha das bolsas de estudo) ou da punção
de seu fundo de existência pessoal, à sanha do capital monopolista. É
certo que fomos abalroados pelo “canto das sereias”19 e a ele muitos
sucumbiram. O discurso que dava como certa a democratização
do Ensino Superior; que atestava que maior formação era igual
a melhores salários ou, mesmo, salário; que as bolsas de estudo
exprimiam a preocupação do Estado com a juventude, ecoou com
o consentimento, às vezes ativo, às vezes passivo, de intelectuais
do campo educacional. Construiu-se um consenso de que a
modalidade EaD chegaria aos mais distantes rincões nacionais e
lá, numa epifania, encontraria um ribeirinho desejoso de se tornar
professor. E o assistencialismo estatal, que grassava, encontrou na
EaD um instrumento para duas ações vitais na política de aliança de
classes do governo Lula: expandiu a oferta de formação superior e
transformou-a em um mercado altamente rentável (Tabelas 5 e 6).

19. De acordo com Montaño (2015, pp. 29), “Esse é o grande papel ideológico
e mistificador da nova nomenclatura: converter o projeto que responde aos
interesses da fração de classe dominante em um projeto aceito por todos, ao
entoarem os ‘cânticos das Sereias’”.

Desventuras dos professores na formação para o capital 83


Tabela 5 – Frequência e percentual de matrículas em licenciaturas por Unidade da Federação – 2011 – Brasil

TOTAL PÚBLICA PARTICULAR PRIVADA SEM FINS LUCRATIVOS


 

    Presencial EaD Presencial EaD Presencial EaD

UF N N % N % N % N % N % N %

RO 12511 9910 79,2 - - 2396 19,2 - - 205 1,6 - -

AC 6104 5942 97,3 - 162 2,7 - - 0 0 - -

AM 22099 17487 79,1 - 2728 12,3 - - 1884 8,5 - -

RR 928 870 93,8 - 0 0 - - 58 6,3 - -

PA 24764 18845 76,1 - 5332 21,5 - - 587 2,4 - -

AP 5859 5265 89,9 - 594 10,1 - - 0 0 - -

TO 17474 14964 85,6 - 1765 10,1 - - 745 4,3 - -

MA 26303 20225 76,9 1679 6,4 3831 14,6 - - 568 2,2 - -

PI 30657 29785 97,2 0 0 872 2,8 - - 0 0 - -

CE 19600 17466 89,1 290 1,5 373 1,9 - - 1471 7,5 - -

RN 10489 9458 90,2 0 0 1031 9,8 - - 0 0 - -

84 Editora Mercado de Letras – Educação


PB 11770 10011 85,1 0 0 1475 12,5 - - 284 2,4 - -

PE 40985 31029 75,7 0 0 6362 15,5 - - 3594 8,8 - -


AL 6458 4348 67,3 0 0 2070 32,1 - - 40 0,6 - -

SE 7449 4476 60,1 0 0 2973 39,9 - - 0 0 - -

BA 38138 26015 68,2 361 0,9 6425 16,8 - - 5337 14 - -

MG 104188 17080 16,4 7758 7,4 39256 37,7 5247 5 32194 30,9 2653 2,5

ES 19529 2486 12,7 6777 34,7 7900 40,5 - - 2366 12,1 - -

RJ 69702 10496 15,1 1683 2,4 12055 17,3 - - 45468 65,2 - -

SP 136920 22992 16,8 0 0 73208 53,5 23 0 40697 29,7 - -

PR 58197 23127 39,7 3251 5,6 18883 32,4 6575 11,3 6361 10,9 - -

SC 36255 7173 19,8 12302 33,9 3884 10,7 - - 12896 35,6 - -

RS 63195 8971 14,2 0 0 2714 4,3 - - 51510 81,5 - -

MS 16026 8124 50,7 393 2,5 5475 34,2 - - 2034 12,7 - -

MT 19753 11810 59,8 704 3,6 7150 36,2 - - 89 0,5 - -

GO 41125 30375 73,9 0 0 6826 16,6 - - 3924 9,5 - -

DF 24272 4036 16,6 1787 7,4 13075 53,9 - - 5374 22,1 - -

TOTAL 870750 372766 42,8 36985 4,2 228815 26,3 11845 1,4 217686 25 2653 0,3

Desventuras dos professores na formação para o capital


Fonte: Brasil, INEP (2015). [Nota: Elaboração própria]

85
Tabela 6 – Frequência e percentual de matrículas em licenciaturas por Unidade da Federação – 2015 – Brasil

PRIVADA SEM FINS LUCRATI-


TOTAL PÚBLICA PARTICULAR
  VOS

Presencial EaD Presencial EaD Presencial EaD

UF N N % N % N % N % N % N %

RO 18891 4221 22,3 311 1,6 2036 19,2 8716 46,1 1343 7,1 2264 12

AC 11322 5448 48,1 193 1,7 1076 2,7 3286 29 51 0,5 1268 11,2

AM 44301 25410 57,4 498 1,1 7829 12,3 2642 6 6315 14,3 1607 3,6

RR 8664 3933 45,4 1013 11,7 613 0 1410 16,3 295 3,4 1400 16,2

PA 69400 31083 44,8 634 0,9 4838 21,5 21009 30,3 3176 4,6 8660 12,5

AP 14418 6970 48,3 223 1,5 3411 10,1 1469 10,2 438 3 1907 13,2

TO 16520 8214 49,7 3290 19,9 1128 10,1 2852 17,3 492 3 544 3,3

MA 39105 24043 61,5 3340 8,5 6197 14,6 4503 11,5 839 2,1 183 0,5

PI 36664 21918 59,8 9924 27,1 2324 2,8 854 2,3 1364 3,7 280 0,8

CE 48495 33814 69,7 4134 8,5 4784 1,9 2700 5,6 2009 4,1 1054 2,2

RN 20213 13242 65,5 2477 12,3 1826 9,8 1576 7,8 982 4,9 110 0,5

86 Editora Mercado de Letras – Educação


PB 28253 21623 76,5 4415 15,6 318 12,5 1101 3,9 558 2 238 0,8

PE 46923 27899 59,5 3143 6,7 4513 15,5 5066 10,8 5328 11,4 974 2,1
AL 24328 13300 54,7 2938 12,1 907 32,1 5006 20,6 1541 6,3 636 2,6

SE 19396 7565 39 3419 17,6 3914 39,9 4110 21,2 338 1,7 50 0,3

BA 89155 35444 39,8 7418 8,3 11096 16,8 28418 31,9 4006 4,5 2773 3,1

MG 120917 33281 27,5 6284 5,2 7986 37,7 41536 34,4 18925 15,7 12905 10,7

ES 37119 5862 15,8 2217 6 7280 40,5 8672 23,4 6076 16,4 7012 18,9

RJ 101116 31580 31,2 11116 11 12071 17,3 17234 17 27376 27,1 1739 1,7

SP 310910 31411 10,1 3605 1,2 68761 53,5 62913 20,2 87759 28,2 56461 18,2

PR 94866 30165 31,8 5560 5,9 10080 32,4 32949 34,7 9876 10,4 6236 6,6

SC 62057 10372 16,7 3413 5,5 2458 10,7 35254 56,8 7072 11,4 3488 5,6

RS 74146 18251 24,6 3837 5,2 1691 4,3 23345 31,5 22687 30,6 4335 5,8

MS 28610 9730 34 1332 4,7 1941 34,2 8343 29,2 4362 15,2 2902 10,1

MT 27491 10265 37,3 1203 4,4 2911 36,2 8313 30,2 2591 9,4 2208 8

GO 43791 17772 40,6 833 1,9 5206 16,6 11557 26,4 5652 12,9 2771 6,3

DF 30110 6701 22,3 32 0,1 8220 53,9 5198 17,3 7864 26,1 2095 7

Desventuras dos professores na formação para o capital


TOTAL 1467181 489517 33,4 86802 5,9 185415 26,3 350032 23,9 229315 15,6 126100 8,6

Fonte: Brasil, INEP (2015). [Nota: Elaboração própria]

87
A tabela 6 indica que o percentual de matrículas EaD em
licenciatura, no ano de 2015, correspondeu, em Santa Catarina,
a 67,9%, Roraima 59,8%, Minas Gerais 50,2%, Espírito Santo
48,2 e Paraná 47,2%, configurando-se nos estados em que a EaD
abocanhou maior parcela das matrículas de formação docente. A
Amazônia tem o menor percentual, 10,7%.
No que tange às matrículas EaD em IES particulares, somam
35.254 (56,8%) em Santa Catarina e 2.642 (6%) na Amazônia. A
hipótese propalada de que a expansão da EaD democratizaria o
acesso à formação nas regiões mais necessitadas ou nos lugares mais
distantes cai por terra. Em Santa Catarina, a Uniasselvi dominou
52,2% (22.003) do mercado de matrículas EaD em licenciatura,
ou seja, mais de um terço da formação de professores no estado se
encontra nessa situação.

Formação docente: um “bem mercadejável”

Nossa hipótese é a de que, após a década de 1990 e


acentuando-se a partir dos anos 2000, o intencional redirecionamento
pelo Estado da formação docente da esfera pública para a privada
se articulou com base nos interesses da classe dominante, em
particular do capital de ensino superior, alcançando o alunado
e a educação brasileira em seu conjunto. A desregulamentação
do ensino superior brasileiro e sua respectiva liberalização
criaram excelentes condições para a ampliação do setor privado.
Intensificou-se drasticamente a hipotrofia dos cursos de licenciatura
nas IES públicas universitárias, em favor das IES privadas nem
sempre universitárias. A escolarização, ao lado de outros direitos
sociais, tornou-se um bem mercadejável (Granemann 2007) do qual
derivou a alucinante comercialização da formação inicial.
O fato objetivo da expansão e concentração de matrículas
nas IES privadas coaduna-se à hipótese de que houve uma mudança

88 Editora Mercado de Letras – Educação


de fundo na estrutura da educação superior brasileira chamada
de financeirização, conquanto sem consenso na literatura sobre a
nomeação mais adequada. Em nossa perspectiva, não se trata da
emergência de uma nova fração capitalista, mas sim da hegemonia
do capital financeiro – isto é, do capital portador de juros e do capital
fictício – nessa fase do capitalismo mundial, com rebatimentos
expressivos no Ensino Superior. Esse processo exigiu um conjunto
de situações sociais e posicionamentos ativos das frações da classe
dominante, com dominância da financeira, seja por meio de ações
sob a forma do comportamento estatal, seja sob a forma de atividades
discerníveis como privadas.
A atroz concentração das matrículas no setor privado
realizou-se não só por meio de seu crescimento, mas com o
encolhimento no público, de 47,1% em 2003, para 39,3%, em 2015.
Foi imprescindível para tanto o estabelecimento de mediações e
articulações das frações do capital no sentido de formar consensos
em torno de seus projetos e interesses.20 Manifestação disso
foram as intervenções para a liberação da atuação dos fundos de
investimentos (private equity),21 responsáveis pela obscenidade das

20. Uma dessas articulações pode ser apreciada na parceria entre a Faculdade
Latino-Americana de Ciências Sociais – FLACSO-Brasil com a Fundação
Ford que criaram o Grupo Estratégico de Análise da Educação Superior
(GEA-ES), um think tank sob coordenação de André Lázaro “com incidên-
cia nos meios político, acadêmico, empresarial e, especialmente, sobre a
mídia”. Segundo o portal, o GEA-ES objetiva “acompanhar, avaliar e inter-
vir nos debates sobre a expansão e democratização da educação superior no
Brasil”. Um de seus grupos de trabalho tematiza “Processos de diversifica-
ção e ampliação da oferta privada no ensino superior brasileiro e dinâmicas
de internacionalização”. Desenvolvem também pesquisa em parceria com a
Fundação Carlos Chagas e oferecem cursos para jornalistas acerca de suas
propostas para o ensino superior no Brasil (Flacso 2019).
21. Private Equity é “a modalidade de fundo de investimento que compra par-
ticipação acionária em empresas. Direcionado para negócios que já funcio-
nam e têm, em geral, boa geração de caixa. Tendem a investir em negócios
mais maduros, como consolidação e reestruturação. Em relação ao tipo de
capital empregado nos fundos de PE, em sua maioria são constituídos em

Desventuras dos professores na formação para o capital 89


fusões que originaram os prodigiosos monopólios educacionais,
como é o caso da Kroton, Estácio de Sá, Ser Educacional e Ânima
S.A. que, neste momento, armam-se para intensificar sua atuação na
Educação Básica.
Segundo os dados, das seis maiores mantenedoras22 de
licenciaturas no Brasil, cinco são particulares, três das quais
pertencem ao grupo Kroton S.A.. Elas concentravam, em 2015,
25,1% do total de matrículas de todas as licenciaturas, dos quais
17% foram apropriadas pelo grupo Kroton23 que, sob qualquer
ponto de vista, é a maior escola mundial: contava, em 2017, com
7,8 milhões de estudantes e R$ 17,6 bilhões em total de ativos
financeiros.24 Na Tabela 7 constam as seis maiores mantenedoras
de 2011 e 2015. O salto no número de matrículas foi brutal e
acompanhado da centralização no Grupo Kroton, que adquiriu três
das quatro maiores mantenedoras de licenciaturas em 2011.

acordos contratuais privados entre investidores e gestores, não sendo ofe-


recidos abertamente no mercado e sim através de colocação privada; além
disso, empresas tipicamente receptoras desse tipo de investimento ainda não
estão no estágio de acesso ao mercado público de capitais, ou seja, não são
de capital aberto, tendo composição acionária normalmente em estrutura
fechada” (Leher 2013, pp. 9).
22. Uma mantenedora pode ter como mantidas diversas IES. De acordo com
Cavalcante (2000, pp. 23), “São mantenedoras as pessoas jurídicas de di-
reito público ou privado ou pessoas físicas que provêm os recursos neces-
sários para o funcionamento de instituições de ensino. O Poder Executivo
é o responsável pela manutenção das instituições públicas de ensino. As
pessoas jurídicas de direito privado, mantenedoras de instituições de ensino
superior, poderão assumir quaisquer das formas admitidas em direito, de na-
tureza civil ou comercial ou, ainda, poderão se constituir como fundações”.
23. Quando consideradas apenas as seis maiores mantenedoras com matrículas
nos cursos de licenciaturas, constata-se que 68% pertencem à Kroton.
24. Segundo notícia veiculada na Veja (2017), “A empresa fruto da fusão entre
a BM&FBovespa – a bolsa de valores de São Paulo – e a Cetip foi batizada
de B3 (Brasil, Bolsa e Balcão)”.

90 Editora Mercado de Letras – Educação


Tabela 7 – Concentração de matrículas nas maiores mantenedoras
de licenciaturas, 2011, 2015 – Brasil

MANTENEDORA 2011 2015

N % N %

União Norte do Paraná de Ensino Ltda. 40.779* 3,0* - -

Comunidade Evangélica Luterana São


37.185 2,8
Paulo – CELSP

Editora e Distribuidora Educacional SA


- - 134.704 9,2
(Grupo Kroton)

Anhanguera Educacional Ltda (Grupo


32.458* 2,4* 67.900 4,6
Kroton)

Associação Unificada Paulista de Ensi-


30.467 2,3 54.754 3,7
no Renovado Objetivo-Assupero

Sociedade Educacional Leonardo da


36.279* 2,8* 46.966 3,2
Vinci s/s Ltda (Grupo Kroton)

Cenect – Centro Integrado de Educa-


ção, Ciência e Tecnologia Ltda (Grupo 19.864 1,5 40.023 2,7
UNINTER)

Sociedade de Ensino Superior Estácio


16.177 1,2 24.527 1,7
de Sá Ltda

Total 197.032 16 368.874 25

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015)

Nota: *O Grupo Kroton adquiriu essas mantenedoras após o Censo de 2011. No dia
primeiro de março de 2016 o controle da Sociedade Educacional Leonardo da Vinci passou
para os fundos Carlyle e Vinci Partners (Carlyle 2016).25 Em 2018 25% da empresa foi
vendida para a “gestora americana Neuberger Berman” (Koike 2018).

Os direcionamentos rumo à liberalização e à


desregulamentação que contribuíram para a elevação do mercado de
educação a um patamar inédito permitiram que tais capitais tivessem
acesso a parcelas do orçamento público federal, intensificando-se a
atrofia das matrículas nas IES públicas. Entre outras medidas, na

25. O fundo trata a aquisição como um investimento na indústria educacional


brasileira (The Carlyle Group 2016).

Desventuras dos professores na formação para o capital 91


década de 1990 houve o congelamento geral do orçamento para
a educação pública, marca indelével que levou as universidades
públicas, principalmente as federais, a uma crise generalizada. Na
virada do século, foi criada a política que hoje tem o papel mais
importante para a expansão das matrículas nas IES privadas, o
Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) (Brasil 2001b; Seki et
al. 2017). Em meados da primeira década do século XXI foi criada
outra política fundamental para a sua forte expansão, o Programa
Universidade Para Todos (Prouni) (Brasil 2005), acompanhada por
uma pletora de outras políticas que concederam crédito, facilitaram
aquisições, viabilizaram isenções tributárias e promoveram a
estatização de dívidas de empresas educacionais.26
Para além da gigantesca concentração de matrículas,
em 2017, no setor particular – 3.596.802 (43,4%) –, quando as
somamos com as das instituições sem fins lucrativos chegamos ao
estratosférico número de 6.241.307 (75,3%) hipotéticos estudantes.
Os capitais que investem nas primeiras vêm sendo bem-sucedidos
em conformar a substância e os conteúdos dos processos educativos.
O rebatimento sobre a formação, em estreita vinculação com a das
futuras gerações de brasileiros, é inescapável. Em primeiro lugar,
sobressaem os questionamentos sobre o que se oferece sob a forma de
mercadoria, tendo em vista que a apropriação de escolas particulares
pelos monopólios tem sido sinônimo da demissão em massa de
professores doutores e contratação de especialistas e graduados; da
substituição de textos e livros por apostilas e materiais resumidos;
da redução massiva de carga horária, especialmente nas disciplinas
consideradas propedêuticas, em favor da qualificação em serviço,

26. Apenas para ilustrar, destacamos o Programa de Estímulo à Reestruturação


e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies), instituído
pela Lei nº 12.688, de 18 de julho de 2012, com o “[...] objetivo de assegurar
condições para a continuidade das atividades de entidades mantenedoras de
instituições de ensino superior integrantes do sistema de ensino federal, por
meio da aprovação de plano de recuperação tributária e da concessão de
moratória de dívidas tributárias federais” (Brasil 2018).

92 Editora Mercado de Letras – Educação


aligeirada e sob a primazia do “praticismo”; da substituição do
ensino presencial por cursos (parcial ou integralmente) a distância
e oferecidos por tutores e facilitadores sem a devida formação.27
Para Barreto (2003a), inscreve-se aí um desejo de quebra do suposto
monopólio do conhecimento pelo professor, posto que passa a
pertencer aos softwares, vídeos e outros recursos didáticos, além
de flexibilizar o professor para a atuação com vários estudantes.
A autora agrega que tudo se passa como se o rendimento discente
se vinculasse mais às estratégias e materiais de ensino do que ao
trabalho e formação dos professores (Barreto 2003b). Por essa via,
a EaD recuperaria a racionalidade instrumental da Teoria do Capital
Humano, segundo a qual importa menos o ser social do que as
condições adequadas para a acumulação de capital.
Entre as gravíssimas mazelas que infestam o ensino superior
particular no que tange à formação do magistério, uma mais mereceu
nossa atenção – a espúria e chocante relação professor-aluno nas
seis maiores escolas. A maior relação professor-aluno coube à
Anhanguera Educacional Ltda. (Grupo Kroton), com 1.737 alunos
por professor; a menor à Associação Unificada Paulista de Ensino
Renovado Objetivo (Assupero), com 255. A média geral é de 671
alunos por professor. Em síntese, 885.639 alunos são atendidos por
1.320 professores! Interrogar a concepção de “qualidade de ensino”
de tais escolas é dispensável. No caso da Anhanguera, em 2015,
dos 77 professores que nela atuavam em EaD, oito pesquisavam,
nenhum com bolsa.28

27. O Censo da Educação Superior, ao contrário do Censo Escolar, não coleta


as distintas categorias de atuação docente. No Censo Escolar, há a variável
TP_TIPO_DOCENTE com as categorias: “1 – Docente, 2 – Auxiliar/As-
sistente Educacional, 3 – Profissional/Monitor de atividade complementar,
4 – Tradutor Intérprete de Libras, 5 – Docente Titular – coordenador de
tutoria (de módulo ou disciplina) – EAD, 6 – Docente Tutor – Auxiliar (de
módulo ou disciplina) – EAD”. Há uma elisão no nível de ensino com maior
concentração em EaD das formas de contratação dos docentes.
28. Somemos a esse “circo de horrores” as demissões em massa de professores
de IES privadas. Somente em 2017, a Faculdades Metropolitanas Unidas

Desventuras dos professores na formação para o capital 93


A concretização de um Ensino Superior utilitário e mercantil
se enquadra em processos “financeirizados”, “oligopolizados”
e “internacionalizados” (Costa 2017; Maués 2015; Napolitano
2017; Oliveira 2017). Para Leher (2013), enfrentamos uma
“mercantilização de novo tipo”, dado que predomina a atuação
beligerante dos capitais portadores de juros e fictícios. Dessa
maneira, de acordo com o autor, tal:

[...] particularidade, somente tornou-se diferenciada no Brasil


a partir de 2005, mais precisamente em 2008 quando os
primeiros casos de controle das organizações que atuam na
educação privada pelos fundos de investimento (private equity)
se tornaram realidade, contexto em que alguns grandes grupos
que comercializam a educação superior abriram seu capital,
efetuando registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM)
para negociar valores mobiliários em bolsa de valores e em
instituições financeiras. (Leher 2013, pp. 1, grifo do autor)

Tristes conclusões

Estudar as condições em que se realiza a formação docente no


Brasil gera indignação profunda. Quando atendemos ao chamado de

(FMU), controlada pela americana Laureate, anunciou a demissão de pelo


menos 200 professores; na Anhembi Morumbi, pertencente ao mesmo gru-
po controlador, foram pelo menos 150; a Estácio de Sá anunciou 1.200 de-
missões em todo o país; a Uniritter demitiu 100. Favorecidas pela Reforma
Trabalhista de Temer e premidas pela intensa concorrência intercapitalista
que tomou conta do setor mediante a financeirização desses capitais, IES
dessa natureza tomarão as demissões, necessariamente, como regra de mer-
cado daqui por diante até que o seu quadro docente se encontre no mais
estreito limite ou, quiçá, articule formas de luta em nível nacional capazes
de fazer frente à avalanche destruidora que vimos transbordar nos últimos
governos.

94 Editora Mercado de Letras – Educação


Mészáros (2005) e nos dedicamos a refletir sobre as determinações
mais gerais dessa formação, o sentimento de revolta contra a política
de desintelectualização docente cresce imensamente. A lida com os
dados que descortinam a situação ingente da juventude em busca
de formação é implacável: não há como fugir da conclusão de que
as relações burguesas que determinam o terreno da qualificação do
magistério, eivado de interesses de classe antagônicos, produzem
um efeito alienante complexo. O sentido da escolarização é posto
em cheque e a função social do professor, tão discutida nos anos de
1980, torna-se uma questão renovada.
Procuramos recolher os dados com o máximo de precisão
para neles captar as sendas pelas quais seguiríamos no intento de
compreender o projeto histórico que produz números tão assustadores.
Nossas análises evidenciaram o movimento hegemônico burguês
mediante o qual o investimento do capital na formação se traduziu
no deslocamento das matrículas da esfera pública para a privada,
das IES sem fins lucrativos para as particulares, da modalidade
presencial para a EaD. O fato de que na qualificação do magistério
esteja impressa a formação humana, a elaboração de consciência
social juvenil, não conta. Esse sujeito social responsável pelas
novas gerações de sujeitos sociais, crucial na transmissão da cultura
e na apropriação dos conhecimentos produzidos historicamente
pela humanidade (Saviani 2012, 2018), é reduzido à “matrícula”. O
violento massacre intelectual dos professorandos – e dos professores
na ativa – desdobra-se da Educação Infantil até o Ensino Superior,
atingindo a formação intelectual, humana, de parcelas consideráveis
da classe trabalhadora. Talvez aí esteja uma razão para a difusão das
licenciaturas em Pedagogia e Educação Física que reafirmariam o
bordão “mente sã em corpo são”, só que lidos às avessas.
De nosso ponto de vista, o esvaziamento do sentido do trabalho
docente é estratégico para o capital: se produz consenso burguês,
se obstaculiza o pensamento, se impossibilita a ação em defesa da
escola pública. Certamente, nos damos conta da enorme força social
do capital na direção da gradual eliminação das condições objetivas

Desventuras dos professores na formação para o capital 95


para que o preparo do magistério seja considerado vital num projeto
autopropelido de nação, ressalvados os limites da escolarização.
A presença acachapante dos fundos de investimentos e, a partir de
2006, a oferta pública de ações nas bolsas de valores por parte de
grandes empresas educacionais importou na recepção de capitais
internacionais em níveis nunca experimentados na educação
brasileira. Capitais americanos, europeus, australianos, entre outros,
estão envolvidos nos formatos e conteúdo da formação docente
no Brasil. Marx (1999) ao afirmar que o “educador precisava ser
educado”, incitava seus leitores a enfrentar a existência do educador
hegemônico, o capital,29 ao qual era necessário se opor com outro
projeto educativo. Nossa investigação mostrou, à exaustão, que nos
encontramos face a face com o projeto educativo do capital, isto é,
o capital como educador do educador. Não é sem razão, pois, que se
viabilizou o afastamento da Universidade pública de seu hipotético
papel de formação do professorado nacional cedendo passagem
para a constituição de verdadeiros monopólios educacionais.
Não bastasse aos capitalistas do ensino ganhar com a política
de bolsas, públicas e privadas, e de isenções fiscais, ainda obrigam os
jovens a lançarem mão de seus fundos vitais escassos para bancar os
estudos. O fenômeno do endividamento juvenil começa a despontar
com repercussões tolhedoras de suas consciências políticas como
estudantes e trabalhadores. A necessidade de manutenção do
emprego ou do trabalho é imperativa.

29. Essa problemática aparece na terceira das Teses sobre Feuerbach, escritas
em 1845: “A teoria materialista de que os homens são produto das circuns-
tâncias e da educação e de que, portanto, homens modificados são produto
de circunstâncias diferentes e de educação modificada esquece que as cir-
cunstâncias são modificadas precisamente pelos homens e que o próprio
educador precisa ser educado. Leva, pois, forçosamente, à divisão da so-
ciedade em duas partes, uma das quais se sobrepõe à sociedade (como, por
exemplo, em Robert Owen). A coincidência da modificação das circunstân-
cias e da atividade humana só pode ser apreendida e racionalmente com-
preendida como prática transformadora”.

96 Editora Mercado de Letras – Educação


O carreamento das matrículas públicas para a esfera privada
e, em especial, para a particular, é uma das faces que expõem
as crescentes transferências de recursos do orçamento público
para o fundo de acumulação do capital. Cresceram as grandes
escolas particulares, as licenciaturas foram por elas apropriadas e
submetidas à financeirização. O desenvolvimento desse percurso
hediondo, agravado após 2006-2007, é perceptível não apenas na
venda e revenda de matrículas, diplomas e instituições; ele mostra
as vísceras da articulação íntima e essencial entre Estado e capital na
qual formas de produção de consciência humana, de reflexão crítica,
precisam ser obliteradas. O excerto de Chaves, Reis e Guimarães
(2018, pp. 6) é cristalino:

Do ponto de vista financeiro, as despesas da União com as


universidades federais foram elevadas de R$ 19,627 bilhões,
em 2003, para R$ 47,626 bilhões, em 2016, um crescimento de
144,10%. As despesas com o Fies e o Prouni foram elevadas
de R$ 1,565 bilhão, em 2003, para R$ 19,570 bilhões, em
2016, um crescimento de 1.150,68%. Em 2003, os recursos
destinados pelo governo federal à expansão da educação
superior privada representavam 7,97% do total de recursos
destinados ao financiamento das universidades federais; em
2016, passaram a representar 41,09%.

É preciso considerar que a Universidade pública deve envidar


esforços para sua avaliação e mudanças pertinentes; contudo, ainda
se constitui como âmbito potencialmente crítico e criativo por
congregar inúmeras áreas de produção e difusão de conhecimentos
e relacionamentos interpessoais necessários à formação humana.
Lamentavelmente, no pós-1990, a função social da Universidade
pública foi vilipendiada, tendo sofrido atrozes agressões no que
tange à autonomia institucional e aos profissionais, à pesquisa,
à extensão e ao ensino, além das recorrentes campanhas de
desqualificação pública dos funcionários, do corte de recursos, das

Desventuras dos professores na formação para o capital 97


investidas contra a gratuidade, entre outras aberrações.30 É inegável
nosso compromisso com sua defesa e de toda escola pública, pois
vemos crescer desregradamente a mercantilização da formação
docente, hoje “entregue” até mesmo em Shoppings Centers.31
As conclusões a que chegamos não elucidam toda a gravidade
das tendências em andamento. Se aprofundadas, como está no
horizonte, as consequências serão de largo espectro: alvejarão
professores, estudantes e demais trabalhadores brasileiros. O
enfrentamento da tarefa só poderá ser feito com nossa organização,
resistência e luta.

30. Nos primeiros 100 dias do governo Bolsonaro, o então Ministro da Edu-
cação, Vélez Rodríguez, declarou em entrevista à Veja que a Universidade
era para uma “elite intelectual”, ademais de estarem fadadas a caírem num
buraco sem fundo, a se evitar com a cobrança de matrículas, seguindo orien-
tação do Banco Mundial, e uma lei de responsabilidade fiscal para reitores.
Propunha ainda que se acabasse com as eleições diretas para reitor, pois
o deixavam refém dos sindicalistas organizados no “monstrengo” chama-
do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
(ANDES-SN) (Castro e Vieira 2019, pp. 5). O Ministro não permaneceu
no cargo; em 8 de abril de 2019 novo nome foi anunciado, o do economista
Abraham Weintraub que não ficou devendo nada ao anterior: “Em Israel, o
Jair Bolsonaro tem um monte de parcerias para trazer tecnologia aqui para o
Brasil. Em vez de as universidades do Nordeste ficarem aí fazendo sociolo-
gia, fazendo filosofia no agreste, [devem] fazer agronomia, em parceria com
Israel. Acabar com esse ódio de Israel” (Souza 2019).
31. Citamos, à guisa de ilustração, o Unigranrio (Carioca Shopping, RJ), a Uni-
versidade Estácio de Sá (Pátio Norte Shopping, São José de Ribamar/MA),
Universidade Brasil (Shopping Fernandópolis, Fernandópolis/SP), Uni-
Sant’Anna (Shopping Aricanduva, SP/SP), UNOPAR (Shopping Boulevard,
Londrina/PR). Trata-se de um desses episódios de rara franqueza por parte
da burguesia, afinal, nada poderia ser mais revelador sobre a forma como a
educação superior é considerada por essas “empresas educacionais” do que
vendê-las em espaços como os Shoppings, que encarnam o próprio modo de
vida neoliberal.

98 Editora Mercado de Letras – Educação


Referências

BANCO MUNDIAL (2003). Construir sociedades del conocimiento:


nuevos retos para la educación terciaria. Washington, DC:
Banco Mundial. Disponível em: www.obancomundical.org.
ar/. Acesso em: 18/02/2019.
BARRETO. R. G. (2003a). “Tecnologias na formação dos
professores: o discurso do MEC”. Educação e Pesquisa, vol.
29, no 2, São Paulo.
BARRETO. R. G. (2003b). As políticas de formação de professores:
novas tecnologias e educação à distância. In: BARRETO,
Raquel G. (org.). Tecnologias educacionais e educação a
distância: avaliando políticas e práticas. Rio de Janeiro:
Quartet.
BARRETO, R. G. e LEHER, R. (2008). “Do discurso e das
condicionalidades do Banco Mundial, a educação superior
‘emerge’ terciária”. Revista Brasileira de Educação, vol. 13,
no. 39, pp. 423-436, Rio de Janeiro.
BRASIL (1996). Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece
as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Diário
Oficial da União, 23 dez.
________. (1997). Lei nº 2.306, de 19 de agosto de 1997.
Regulamenta, para o Sistema Federal de Ensino, as
disposições contidas no art. 10 da Medida Provisória nº
1.477-39, de 8 de agosto de 1997, e nos arts. 16, 19, 20, 45,
46 e § 1º, 52, parágrafo único, 54 e 88 da Lei nº 9.394, de
20 de dezembro de 1996, e dá outras providências. Brasília:
Diário Oficial da União, 19 ago.
________. (1999). Decreto nº 3.276, de 6 de dezembro de 1999.
Dispõe sobre a formação em nível superior de professores
para atuar na educação básica, e dá outras providências.
Brasília: Diário Oficial da União, 7 dez.

Desventuras dos professores na formação para o capital 99


________. (2000). Decreto nº 3.554, de 7 de agosto de 2000. Dá
nova redação ao § 2º do art. 3º do Decreto n.º 3.276, de 6 de
dezembro de 1999, que dispõe sobre a formação em nível
superior de professores para atuar na educação básica, e dá
outras providências. Brasília: Diário Oficial da União, 8 ago.
________. (2001a). Decreto nº 3.860, de 9 de julho de 2001. Dispõe
sobre a organização do ensino superior, a avaliação de cursos
e instituições, e dá outras providências. Brasília: Diário
Oficial da União, 10 jul.
________. (2001b). Lei no 10.260, de 12 de julho de 2001. Dispõe
sobre o Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino
Superior e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial
da União, 13 jul.
________. (2005). Lei no 11.096, de 13 de janeiro de 2005. Institui
o Programa Universidade para Todos – PROUNI, regula a
atuação de entidades beneficentes de assistência social no
ensino superior; altera a Lei no 10.891, de 9 de julho de 2004,
e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União,
14 jan.
________. (2006). Decreto-Lei nº 5.773, de 9 de maio de 2006.
Dispõe sobre o exercício das funções de regulação,
supervisão e avaliação de instituições de educação superior
e cursos superiores de graduação e sequenciais no sistema
federal de ensino. Brasília: Diário Oficial da União, 10 maio.
________. (2008). Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008.
Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica
e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia, e dá outras providências. Brasília:
Diário Oficial da União, 30 dez.
________. (2014). Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o
Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências.
Brasília: Câmara dos Deputados, Edição Câmara.

100 Editora Mercado de Letras – Educação


________. (2017). Censo da Educação Superior 2016: principais
resultados. Brasília: MEC, INEP.
________. (2017). Microdados do Censo Escolar. Brasília: MEC,
INEP. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/microdados.
Acesso em: 07/04/2019.
________. (2017). Pesquisa nacional por amostra de domicílios:
Educação 2016, PNAD contínua. Rio de Janeiro: IBGE.
________. (2018). Portaria nº 1.428, de 28 de dezembro de 2018.
Dispõe sobre a oferta, por Instituições de Educação Superior
- IES, de disciplinas na modalidade a distância em cursos de
graduação presencial. Brasília: Diário Oficial da União, 31
dez.
CASTRO, G. e VIEIRA, M. C. (2019). “Faxina ideológica:
entrevista com Ricardo Vélez Rodríguez.” Veja, São Paulo,
pp. 1-7.
CAVALCANTE, Joseneide F. (2000). Educação Superior:
conceitos, definições e classificações. Brasília: Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Disponível
em: http://inep.gov.br/informacao-da-publicacao/-/asset_
publisher/6JYIsGMAMkW1/document/id/486167. Acesso
em: 07/02/2019.
CHAVES, V. L. J.; REIS, L. F. e GUIMARÃES, A. R. (2018).
“Dívida pública e financiamento da educação superior
no Brasil.” Acta Scientiarum, Maringá. Disponível em:
http://eduem.uem.br/ojs/index.php/ActaSciEduc/article/
download/37668/21760. Acesso em: 20/01/2019.
COSTA, H. B. (2017). Financeirização e o negócio da formação
docente. Trabalho de Conclusão de Curso de Pedagogia.
Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina.
DRUCKER, P. (2019). “Educação lenta perderá espaço.”
Startse, São Paulo. Disponível em: https://eventos.
startse.com.br/edtech/?utm_source=Facebook&utm_
medium=%7B%7Bcampaign.name%7D%7D&utm_

Desventuras dos professores na formação para o capital 101


campaign=%7B%7Badset.name%7D%7D&utm_
content=%7B%7Bad.name%7D%7D&fbclid=IwAR2CFIc
VH1v1Zs5rK-xx2kaWB_LsG_AWtQhVQLWE_couuegS_
tI5_gRkmZg. Acesso em: 04/02/2019.
EVANGELISTA, O. (2013). Mapas da formação docente
no Governo Lula (2002/2010). Projeto de pesquisa.
Florianópolis: UFSC. (mimeografado).
FERRASOLI, D.; GAMBA, E. e RIGHETTI, S. (2018). “Uma
em cada três universidades no Brasil não pode ser
considerada como tal pela lei.” Folha de São Paulo,
1 out., São Paulo. Disponível em: http://ruf.folha.uol.
com.br/noticias/2018/10/1982673-uma-em-cada-tres-
universidades-no-brasil-nao-pode-ser-considerada-como-
tal-pela-lei.shtml. Acesso em: 04/02/2019.
FLACSO (2019). Grupo Estratégico de Análise Sobre a Educação
Superior Brasileira (GEA-ES). Disponível em: http://flacso.
org.br/?project=grupo-estrategico-de-analise-da-educacao-
superior-gea. Acesso em: 04/02/2019.
FRIGOTTO, G. (2016). “Reforma de ensino médio do (des)governo
de turno: decreta-se uma escola para os ricos e outras para
os pobres.” ANPEd, 22 set., Rio de Janeiro. Disponível em:
http://www.anped.org.br/news/reforma-de-ensino-medio-
do-des-governo-de-turno-decreta-se-uma-escola-para-os-
ricos-e-outra. Acesso em: 15/01/2019.
GHIRARDI, J. G. e KLAFKE, G. F. (2017). “Crescimento dos
grupos educacionais de capital aberto (2010-2014)”, in:
MARINGONI, G. O negócio da educação: a aventura das
universidades privadas na terra do capitalismo sem risco.
São Paulo: Olho D’água.
GOMES, T. A. M. M. (2017). Contratação de professores
temporários nas redes estaduais de ensino no Brasil:
implicações para a categoria docente. Dissertação de

102 Editora Mercado de Letras – Educação


Mestrado em Educação. Florianópolis: Universidade Federal
do Rio de Janeiro.
GRANEMANN, S. (2007). “Políticas sociais e financeirização
dos direitos do trabalho.” Em Pauta, no 20. Rio de Janeiro:
UERJ, pp. 57-68.
KOIKE, B. (2018). “Uniasselvi vende fatia de 25% para fundo.”
Valor, 11 jun., São Paulo. Disponível em: https://www.valor.
com.br/empresas/5584369/uniasselvi-vende-fatia-de-25-
para-fundo. Acesso em: 07/02/2019.
LEHER, R. (2013). Controle da educação superior privada pelos
fundos de investimentos: uma mercantilização de novo tipo.
Relatório parcial de pesquisa 2012-2013. Rio de Janeiro.
UFRJ. (mimeografado).
LIMA, K. R. S. (2011). “O Banco Mundial e a educação superior
brasileira na primeira década do novo século.” Katálysis,
vol. 14, no 1. Florianópolis: UFSC, pp. 86-94.
MANCEBO, D.; SILVA JÚNIOR, J. R. e OLIVEIRA, J. F. (2018).
“Políticas, gestão e direito à educação superior: novos modos
de regulação e tendências em construção.” Acta Scientiarum,
vol. 40, no 1. Maringá: UEM, pp. 1-11.
MARQUES, C. A. e PEREIRA, J. E. D. (2002). “Fóruns das
licenciaturas em universidades brasileiras: construindo
alternativas para a formação inicial de professores.”
Educação & Sociedade, ano 23, no 78. Campinas: CEDES,
Unicamp, pp. 171-183.
MAUÉS, O. C. (2015). “A expansão e a internacionalização da
educação superior.” Anais da 37a Reunião Nacional da
ANPEd. Florianópolis: UFSC.
MARX, K. (1999[1845]). Teses sobre Feuerbach. São Paulo:
Castigat Mores. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.
org/eLibris/feuerbach.html. Acesso em: 10/02/2019.
MÉSZÁROS, I. (2005). Educação para além do capital. São Paulo:
Boitempo.

Desventuras dos professores na formação para o capital 103


MONTAÑO, C. (2015). “A constituição da ideologia e dos projetos
do ‘Terceiro Setor’”, in: MONTAÑO, C. O canto da sereia:
crítica à ideologia e aos projetos do Terceiro Setor. São
Paulo: Cortez.
NAPOLITANO, C. (2017). “Os tortuosos caminhos de uma mina de
dinheiro”, in: MARINGONI, G. O negócio da educação: a
aventura das universidades privadas na terra do capitalismo
sem risco. São Paulo: Olho D’água.
NEVES, R. M. C. e PICCININI, C. L. (2018). “Crítica do
imperialismo e da reforma curricular brasileira da Educação
Básica: evidência histórica da impossibilidade da luta pela
emancipação da classe trabalhadora desde a escola do
Estado.” Germinal: Marxismo e Educação em Debate, vol.
10, no 1. Salvador: UFBA, pp. 184-206.
OLIVEIRA, R. P. (2017). “A financeirização da economia e suas
consequências para a educação superior no Brasil”, in:
MARINGONI, G. O negócio da educação: a aventura das
universidades privadas na terra do capitalismo sem risco.
São Paulo: Olho D’água.
OLIVEIRA, B. M. e OLIVEIRA, M. R. N. S. (2016). “Licenciaturas
nos Institutos Federais: aspectos para discussão.” Revista
Brasileira de Educação Profissional e Tecnológica, vol. 1,
pp. 22-33. Natal: IFRN.
OSCAR, N. (2012). “A maior aquisição da história da educação: a
Kroton leva a Unopar.” Exame. São Paulo: Globo.
PAULA, A. S. N. et al. (2017). “O empresariamento educacional
brasileiro: expansão privado-mercantil do ensino superior.”
Impulso, vol. 27. Piracicaba: Universidade Metodista, pp.
65-84.
RESENDE, T. (2018). “Estudo contesta eficiência de medidas
de Bolsonaro na Educação.” Carta Capital, São Paulo.
Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/

104 Editora Mercado de Letras – Educação


estudo-contesta-eficiencia-de-medidas-de-bolsonaro-na-
educacao. Acesso em: 02/02/2019.
SARAMAGO, J. (2008). A viagem do elefante. São Paulo:
Companhia das Letras.
SAVIANI, D. (1991[2018]). Pedagogia histórico-crítica: primeiras
aproximações. Campinas: Autores Associados.
SAVIANI, D. e DUARTE, N. (orgs.) (2012). Pedagogia histórico-
crítica e luta de classes na educação escolar. Campinas:
Autores Associados.
SEGENREICH, S. C. D. (org.) (2017). Organização institucional
e acadêmica da educação: glossário. Rio de Janeiro: Publit.
SEKI, A. K. (2014). O capital e as universidades federais no
governo Lula: o que querem os industriais? Dissertação de
Mestrado em Educação. Florianópolis: Universidade Federal
de Santa Catarina.
________. (2017). “Financeirização do capital na educação
superior: articulações entre a apropriação de parcelas do
fundo público e a desregulamentação da educação nacional.”
Anais do Colóquio Internacional Marx e o Marxismo 2017:
de O capital à Revolução de Outubro (1867-1917). Niterói:
Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas sobre Marx e
o Marxismo (NIEP-Marx), pp. 1-13.
________. et al. (2017). “Professor temporário: um passageiro
permanente na Educação Básica brasileira.” Práxis Educativa,
vol. 12. Ponta Grossa: UEPG, pp. 942-959. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.5212/PraxEduc.v.12i3.014. Acesso em:
08/10/2017.
SOUZA, A. G. (2018). Professor temporário: situações da
docência em Educação Física na Rede Municipal de Ensino
de Florianópolis (2011/2017). Dissertação de Mestrado
em Educação. Florianópolis: UFSC. Disponível em: http://
www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/02_10_2018_1

Desventuras dos professores na formação para o capital 105


6.27.10.91ce352b98be055c6aac0f428472f432.pdf. Acesso
em: 06/12/2018.
SOUZA, Josias (2019). “Universidade nordestina não deve ensinar
filosofia, diz novo titular do MEC.” Blog do Josias. Disponível
em: https://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2019/04/08/
universidade-nordestina-nao-deve-ensinar-filosofia-
diz-novo-titular-do mec/?utm_source=facebook&utm_
medium=social-media&utm_campaign=noticias&utm_
content=geral&cmpid=copiaecola. Acesso em: 8/04/2019.
THE CARLYLE GROUP (2016). The Carlyle Group and Vinci
Partners complete acquisition of Brazil education company
Uniasselvi. Disponível em: https://www.carlyle.com/
media-room/news-release-archive/carlyle-group-and-
vinci-partners-complete-acquisition-brazil. Acesso em:
07/12/2019.
THOMPSON, E. P. (1987). A miséria da teoria. Rio de Janeiro:
Zahar.
VEJA (2017). “Bovespa anuncia novo nome após fusão com Cetip.”
Veja. São Paulo: Abril. Disponível em: https://veja.abril.
com.br/economia/bovespa-anuncia-novo-nome-apos-fusao-
com-cetip/. Acesso em: 28/01/2018.
VENCO, S. (2016). “A terceirização nos tempos do cólera: o amor
pela precariedade na educação pública paulista.” Argumentos
Pró-Educação, vol. 1. Pouso Alegre: Universidade do Vale
do Sapucaí, pp. 392-402.
WORLD BANK (2002). Constructing knowledge societies: new
challenges for tertiary education. Disponível em: http://
web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/TOPICS/
EXTEDUCATION /0,,contentMDK:20283509~isCUR
L:Y~menuPK:617592~pagePK:148956~piPK:216618~
theSitePK:282386,00.html. Acesso em: 27/01/2018.

106 Editora Mercado de Letras – Educação


capítulo III
72 HORAS EM 16 MINUTOS: QUAL ESCOLA
PARA O PROFESSOR BRASILEIRO?

Allan Kenji Seki


Artur Gomes de Souza
Olinda Evangelista

Os revolucionários querem um novo país em um mundo novo, que não


conseguem enxergar, mas acreditam poder construir. E acreditam que,
assim, os construtores também se construirão de novo.
China Miéville, Outubro: história da Revolução Russa, 2017.

Introdução

Uma frase proferida por Bolsonaro, candidato do Partido


Social Liberal, durante a campanha presidencial de 2018,
denunciava desde logo a forte presença da Associação Brasileira de
Educação a Distância (ABED) na direção do futuro governo: “Pode
ser para o ensino fundamental e médio, até universitário. Todos a
distância... Pode ser, depende da disciplina. [Ensino] fisicamente é
em época de prova ou então em aulas práticas” (Fernandes 2018).
Stravos Xanthopoylos, um dos diretores da associação, foi das

Desventuras dos professores na formação para o capital 107


principais indicações para o Ministério da Educação (MEC). Em
meio as polêmicas derivadas das declarações desencontradas (e, na
imensa maioria das vezes, absurdas e grotescas) do presidente eleito
sobre o papel da Educação a Distância (EaD) na Educação Básica,
acompanhamos a experiência de um doutorando matriculado em
um curso particular de formação de professores na modalidade
a distância. Sua experiência amarga mostrou que a coisa em si é
profundamente reveladora do futuro que caberá à docência no
Brasil: aprender o funcionamento da plataforma leva mais tempo
que concluir uma disciplina; são necessários ínfimos 16 minutos
para encerrar uma disciplina que, no ensino presencial de qualquer
universidade pública, equivaleria às tradicionais 72 horas de curso.
Poder-se-ia argumentar que caberia ao estudante evitar
contornar as aulas gravadas abstratas e generalistas; suportar a
letra morta da apostila mal elaborada; ignorar que é possível pedir
a qualquer momento o gabarito da prova de dez questões (única
avaliação que valida a disciplina); sobreviver isolado devido ao
fato de que não há professor disponível para qualquer relação.
Contudo, o argumento não resiste às intenções das próprias
empresas ofertantes dessa mercadoria. Uma ligeira busca por cursos
à distância na internet revela uma miríade de slogans abertamente
desqualificadores: “preço promocional”; “a formação mais curta
do mercado”; “ensino totalmente à distância”; “flexibilidade para
estudar”; “estude quando quiser”; “em momentos de crise, levar a
educação a sério faz diferença”; “seu sonho começa com R$ 49/
mês nos dois primeiros meses”; “Agora é a sua vez! Na Graduação
EaD seu diploma é o mesmo do Presencial”; “cursos com foco nas
demandas do mercado de trabalho”; “duração a partir de dois anos”;
“Diploma rápido. Conclua seus estudos”.
Essa face trágica gradualmente apaga as distinções entre
um professor e um profissional qualquer. Quanto mais se esvazia e
aligeira sua formação mais a escola na qual vier a trabalhar ficará
permeável – principalmente as públicas – a um enorme guarda-
chuva de oportunidades para os capitais do ensino: sistemas de

108 Editora Mercado de Letras – Educação


gestão escolar, sistemas apostilados, planejamentos e consultorias
educacionais, formação continuada, sistemas de ensino, plataformas
complementares de aprendizagem, parcerias com bancos e
empresas e assim por diante. Ao mesmo tempo, instrumentaliza-se a
docência, rebaixando-a naquilo que tem de mais perigosa ao capital:
a mediação da cultura e a contradição inscrita em seu trabalho de
lidar necessariamente com modos de compreender o mundo. Se o
conhecimento, principal elemento de mediação do trabalho docente,
por si mesmo não implica em revolução alguma, por outro lado,
revolução alguma será possível sem a emergência da crítica radical.
O conhecimento é condição para a elevação da experiência à sua
radicalidade no pensamento, isto é, para a crítica da existência sob o
domínio do capital. Quando Bolsonaro afirmou que “com o ensino
a distância você ajuda a combater o marxismo” (Rohden 2018),
talvez estivesse dizendo que se deve combater o conhecimento que
descortina o drama humano e a história em seu sentido crítico e
racional.1

1. Virgínia Fontes (2019, grifos da autora) faz um cristalino raio X de seu pro-
jeto político: “Seu programa é resumido e brutal, com o aprofundamento das
privatizações de empresas públicas, o favorecimento de capitais estrangei-
ros e brasileiros; [...] a redução da previdência pública e sua substituição por
capitalização [...]; a gestão privada direta de políticas públicas universais
[...]; a redução de impostos; a desvinculação e desindexação das receitas e
gastos da União [...]; o aprofundamento da redução de direitos dos trabalha-
dores [...] e aumento da competição bancária [...]. [...] A atuação de Gue-
des (Ministro da Economia) fortalece o já tradicional peso da participação
direta empresarial em todos os ministérios e áreas estratégicas do Estado
(não reduzido pelos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff). Ainda não é
claro quais setores empresariais detêm as melhores posições neste governo,
embora os atuais ganhadores pareçam manter suas posições – agronegócio,
bancos e especuladores, mega-proprietários brasileiros (associados ou não
a estrangeiros) e, last but not least, mega-capitais estrangeiros sob intensa
adulação. A promessa de fartos ingressos de capitais estrangeiros, de manei-
ra surpreendente, vem acalmando os setores de capitais brasileiros médios e
grandes, que foram os principais mobilizadores do impeachment de Dilma e
da própria campanha de Bolsonaro”.

Desventuras dos professores na formação para o capital 109


Na esteira das políticas de responsabilização e reconversão
docente, de adequação desintelectualizada e flexível do professor às
demandas incertas do mercado, as licenciaturas sobrelevam como
estratégia de preparo inicial do professor. Como vimos, os cursos
normais de nível médio entraram em descenso e os de nível superior
praticamente desapareceram,2 cabendo ao de Pedagogia a tarefa de
formar docentes em larga escala para a Educação Infantil e séries iniciais
do Ensino Fundamental. Às demais licenciaturas cabe a formação
específica para as séries finais do Fundamental e Ensino Médio.
Ao priorizarmos o estudo das matrículas nas licenciaturas
tivemos justamente em vista verificar o movimento da formação docente
dada a importância crucial do professor na formação humana das novas
gerações, embora do ponto de vista do Estado e do capital se trate
apenas da preparação da força de trabalho, reducionismo com o qual não
concordamos. Resulta dessa objetificação a captura e reconfiguração
da formação de professores pela exploração privado-mercantil das
grandes instituições de ensino superior. Esse processo foi fortemente
alavancado a partir da financeirização dos capitais no ensino superior
que, em profunda conexão com a política estatal, articularam formas de
desregulamentação do ensino e da formação, com processos altamente
complexificados de apropriação do fundo público e sua consequente
conversão em fundo de acumulação de capital.

A concentração de matrículas

Nessas coordenadas, a formação docente tornou-se


componente de enorme expressão e não por acaso foi tomada pela

2. De 81.229 matrículas em 2003 o Normal Superior chegou


em 2017 praticamente extinto (com 26 matrículas, 25 delas
de concluintes e nenhuma abertura de vagas). O Curso Nor-
mal (Educação Básica) reduziu 210.159 (-79%) matrículas
(de 304.952 para 94.793).

110 Editora Mercado de Letras – Educação


lógica da certificação em massa, do aligeiramento da formação,
de concentração na modalidade EaD e por baixíssimos níveis
de reflexão e apropriação simbólica, mediadora da constituição
humana. O resultado, como vemos no Gráfico 1, foi a concentração
brutal de matrículas, entre 2003 e 2015, nas Instituições de Ensino
Superior (IES) privadas, com e sem fins lucrativos.

Gráfico 1 – Número de matrículas em cursos de licenciatura


por modalidade de ensino e categoria administrativa –
Brasil 2003/2017 (em milhares)

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015, 2017). [Nota: Elaboração própria]

Desventuras dos professores na formação para o capital 111


As matrículas presenciais nas universidades públicas e
privadas obtiveram um crescimento módico, com maior incremento
entre 2007 e 2011. Ao contrário, as matrículas nas licenciaturas na
modalidade EaD tem exponencial crescimento a partir de 2007,
chegando a 484,5 mil estudantes em 2017, somente nas privadas. Nas
faculdades, houve crescimento até 2011, após o que as matrículas
reduziram. Interessante perceber que as matrículas presenciais
em IES particulares reduziram, de 2003 para 2015, em 43.400.
No âmbito das faculdades, as particulares presenciais reduziram
2.699 de 2003 para 2015, mas aumentaram de 2011 para 2015, o
que pode ter decorrido de aquisições e fusões de IES privadas sem
fins lucrativos pelas particulares tendo em vista que a variação no
montante entre elas, segundo Tabela 1, não foi significativa.

Tabela 1 – Número de matrículas presenciais de licenciaturas


por categoria administrativa – 2003/2015 – Brasil
Centro Universitário

Instituto Superior

Instituto Federal
Universidade

Faculdades

TOTAL
 

Pública 32.140 6.539 33.176 911 - 372.766

Privada sem
129.803 4.082 49.032 4.769 - 217.686
2003

fins lucrativos

Particular 51.352 5.354 131.819 10.290 - 228.815

Total 13.295 5.975 214.027 15.970 - 819.267

Pública 08.445 7.964 33.965 - - 350.374

Privada sem
109.880 48.073 40.040 - - 197.993
2007

fins lucrativos

Particular 1.933 6.711 158.911 - - 267.555

Total 90.258 92.748 232.916 - - 815.922

112 Editora Mercado de Letras – Educação


Pública 28.564 1.373 27.325 - 22.554 479.816

Privada sem
113.928 3.002 109.944 - - 276.874
2011
fins lucrativos

Particular 31.264 20.845 111.816 - - 163.925

Total 573.756 75.220 249.085 - 22.554 920.615

Pública 425.592 631 15.714 - 39.867 481.804

Privada sem
92.249 45.168 91.898 - - 229.315
fins lucrativos
2015

Particular 30.529 25.766 129.120 - - 185.415

Especial 4.299 855 2.559 - - 7.713

Total 552.669 72.420 239.291 - 39.867 904.247

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015). [Nota: Elaboração própria]

Nota explicativa: As matrículas de Centro Federal de Educação Tecnológica foram


consideradas como centro universitário em 2003 e 2007. A categoria especial passou a ser
coletada em 2015 e é contabilizada como pública pelo INEP.

As matrículas em EaD de 2003 para 2015 em universidades


e centros universitários privados tiveram crescimento, mas de 2011
para 2015 a hegemonia se consolidou nas IES particulares que
continuaram sua linha ascendente em contraposição às privadas sem
fins lucrativos que perderam matrículas, conforme Tabela 2, a seguir.
As universidades ainda se mantiveram como principais
lócus de formação de professores, mas sofreu uma metamorfose:
transmutou-se em organização que congrega o maior número
de matrículas em EaD de IES particulares e privadas sem fins
lucrativos. Poderia se pensar que tal mudança se deveu à facilidade
de abertura de cursos que possuem devida à autonomia universitária.
Entretanto, essa é uma explicação aparencial, pois não se elucida o
movimento econômico e político que correu debaixo desse processo
cujo porte é quase-que invisível tamanha a rede de interesses que
congrega.

Desventuras dos professores na formação para o capital 113


Tabela 2 – Número de matrículas EaD de licenciaturas
por categoria administrativa – 2003, 2007, 2011, 2015 – Brasil

Centro Universitário

Instituto Superior

Instituto Federal
Universidade

Faculdades

TOTAL
 

Pública 36.985 - - - - 36.985


Privada sem
2.086 - - 567 - 2.653
2003

fins lucrativos
Particular 6.575 2.463 1.974 - 833 11.845
Total 45.646 2.463 1.974 567 833 51.483
Pública 54.370 301 - - - 54.671
Privada sem
73.784 17.629 697 - - 92.110
2007

fins lucrativos
Particular 56.671 6.343 35.687 - - 98.701
Total 184.825 24.273 36.384 - - 245.482
Pública 99.482 - - - 4.371 103.853
Privada sem
110.951 19.745 12.820 - - 143.516
2011

fins lucrativos
Particular 76.896 52.489 51.523 - - 180.908
Total 287.329 72.234 64.343 - 4.371 428.277
Pública 80.024 - - - 5.189 85.213
Privada sem
100.182 22.751 3.167 - - 126.100
fins lucrativos
2015

Particular 219.651 109.909 20.472 - - 350.032


Especial 1.589 - - - - 1.589
Total 401.446 132.660 23.639 - 5.189 562.934

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015). [Nota: Elaboração própria]

Nota especial: As matrículas de Centro Federal de Educação Tecnológica foram


consideradas como centro universitário em 2003 e 2007. A categoria especial passou a ser
coletada em 2015 e é contabilizada como pública pelo INEP.

114 Editora Mercado de Letras – Educação


A licenciatura em Institutos Federais surgiu em 2011 e
cresceu em 2015, presencial e a distância. Os cursos presenciais em
universidades do setor privado aumentaram em 2007 e passaram a
decair em 2011, chegando em 2015 com um número próximo ao
de 2003; as faculdades privadas aumentaram o número de cursos
presenciais no período analisado. Nos cursos a distância do setor
privado a concentração em universidades iniciou em 2007 e se
manteve até 2015; outros cursos se encontram em faculdades e
centros universitários. Quanto ao número total de cursos presenciais
em instituições privadas, em 2015 houve uma redução em relação
a 2011, sendo a primeira redução no período analisado, enquanto
os cursos presenciais públicos somente aumentaram no período
analisado (Tabela 3).

Tabela 3 – Número de cursos por modalidade de ensino


e categoria administrativa – 2003/2015 – Brasil

Ano   Presenciais EaD TOTAL

Pública 2.713 34 2.747

Privada sem fins lucrativos 1.140 3 1.143


2003
Particular 1.401 11 1.412

Total 5.254 48 5.302

Pública 2.800 88 2.888

Privada sem fins lucrativos 1.631 48 1.679


2007
Particular 1.881 71 1.952

Total 6.312 207 6.519

Pública 3.671 361 4.032

Privada sem fins lucrativos 2.433 113 2.546


2011
Particular 1.199 80 1.279

Total 7.303 554 7.857

Desventuras dos professores na formação para o capital 115


Pública 3.735 299 4.034

Privada sem fins lucrativos 1.943 154 2.097

2015 Particular 1.190 151 1.341

Especial 110 15 125

Total 6.978 619 7.597

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015). [Nota: Elaboração própria]

É preciso ressaltar que as curvas indicativas dos números


de cursos de licenciatura não expressam o movimento francamente
ascendente das matrículas na esfera privada e a pequena presença
da esfera pública. Esse movimento não é apenas circunstancial ou
conjuntural, visto que ocorreu um massivo deslocamento dessas
matrículas para as mãos do capital de ensino superior e que está em
consonância com o crescimento deste desde o final da década de 1960.
Procuramos compreender que se tratam aqui dos modos específicos
pelos quais o processo de concentração e monopolização dos capitais no
ensino superior implicaram, por meio da tomada de ampla maioria das
matrículas de licenciaturas, no alargamento do processo de reconversão
da formação docente, com vasto alcance sobre a formação da juventude
e da formação de laços geracionais na vida nacional.
Nunca será demais lembrar que todo avanço do capital nas
fronteiras de seus padrões de acumulação, implica, simultaneamente,
na consecução de novas formas de ser, agir e pensar em sociedade.
O capital ocupa-se, então, duplamente: por um lado na permanente
revolução das suas formas de expropriação de mais-valor
(valorização do valor) e, por outro, na busca por conformação da
força de trabalho a essas próprias formas. É por isso que o capital se
arroja nas dimensões mais propriamente humanas, buscando abarcar
totalmente as formas de organização do próprio pensamento, da
subjetividade e das vontades coletivas. Revela-se, então, nos dados
que procuramos apresentar uma pequena fração desse movimento: a
de que o educador precisa ser educado (Marx 2011). O capital, não

116 Editora Mercado de Letras – Educação


somente como relação social que é, mas mediante sua existência
concreta procura permanentemente realizar essa educação.
De modo geral, para o capital, a formação é atividade geral
e atividade singular. Como atividade geral, a educação é tomada
como meio de apropriação de mais-valor, permitindo-nos equipará-
la à condição de mercadoria. É o caso da venda de matrículas aos
milhares de estudantes que, por verem nos cursos de licenciaturas
a realização de uma formação, são levados, por um complexo
conjunto de processos sociais, a pagar mensalidades como único
meio de frequentar o nível superior, com bolsas ou financiamentos
públicos ou privados. No que tange às bolsas, trata-se de um
incremento na forma de captura do mais-valor que se realiza
duplamente (nas mensalidades, que serão pagas de qualquer modo,
e no financiamento, que comportará o principal mais juros). No
segundo caso, o financiamento público torna-se um modo refinado
pelo qual o capital transforma uma parcela do fundo público em
fundo de acumulação de capital. Tal se dá ora pela troca de bolsas
por isenções tributárias, como no caso do Programa Universidade
para Todos (Prouni), ora pela emissão de títulos representantes
de dívida contra o Tesouro Nacional, como no caso do Fundo de
Financiamento Estudantil (FIES).
A análise dos dados referentes a 2017 não deixa dúvidas: de
1.756.982 matrículas públicas e privadas em cursos de licenciaturas,
743.468 (42%) são na modalidade à distância. Consideradas apenas
as privadas, esse percentual chega a 25% do total de 6.241.307
matrículas gerais. Esse processo tem ampla consonância com as
transformações ocorridas no ensino superior brasileiro. No Gráfico a
seguir constatamos que, a partir de 1997, há um aumento acentuado
de matrículas privadas, acompanhada pelo pequeno crescimento de
matrículas públicas, como referido. Com isso, não se quer negar
o movimento em favor da expansão das instituições públicas, mas
demonstrar que, a despeito do esforço dos movimentos sociais e
sindicais ou da propaganda dos diferentes governos sobre suas
supostas intencionalidades, a lógica da expansão foi limpidamente
o crescimento do capital de ensino superior.

Desventuras dos professores na formação para o capital 117


Gráfico 2 – Número de matrículas em cursos públicos e privados –
Brasil 1967-2017.

Fonte: Brasil, INEP (1999-2016) e Seki et al. (2017). [Nota: Elaboração própria]

Muito tem se dito sobre como a expansão do ensino superior


teria favorecido processos de democratização, especialmente no
que diz respeito à escolarização de grande parte do povo brasileiro.
Ao possibilitar que sujeitos historicamente excluídos da formação
em nível superior ultrapassassem obstáculos sociais, tais como
pobreza, raça ou gênero, eles foram também os primeiros de
uma série longa de gerações a alcançarem a educação superior.
Essas afirmações são verdadeiras no sentido dramático de
estrangulamento educacional brasileiro, desde os primórdios da
educação nacional. Estrangulamento, aliás, que ainda se verifica
no ensino médio e em menor proporção na Educação Infantil.
Sem embargo, é preciso denunciar que os sonhos de milhares de
brasileiros que anseiam por uma educação substantiva não deveriam
ter sido a nova fronteira para a expropriação de capitais.3 Reafirmar
a diferença entre as instituições públicas e privadas, portanto, é
uma condição imprescindível para evitar que governos e aparelhos
privados de hegemonia, segundo perspectiva de Gramsci (2001), se
apropriem de nossas histórias singulares como forma de justificar

3. Confira informações sobre cor/raça nos Apêndices.

118 Editora Mercado de Letras – Educação


positivamente a conversão de todas as formas e atividades sociais à
sanha destruidora da valorização do valor.

O salto da EaD

O mesmo se passa com a modalidade de educação a distância


(EaD). Como a maioria dos jovens brasileiros está submetida à
necessidade do emprego para a sobrevivência, em jornadas que podem
variar conforme o grau de precariedade das relações de trabalho, a
EaD tem sido apresentada como uma forma de democratização do
ensino superior tendo em vista a consecução de emprego e melhores
salários. Sem questionarem as próprias relações que produzem
essa condição social ou as formas de trabalho, os trabalhadores são
levados a consumir educação na modalidade à distância, localizando-
se no indivíduo o esforço nacional de formação dos jovens nesse
nível. Afinal, é o jovem que escolhe trabalhar de manhã e de noite,
portanto, deveria encarar como benéfica a oferta diferenciada de
ensino superior em seu tempo livre.
A partir de 2000, essa modalidade de ensino ganhou maior
vulto, alcançando lugar mais significativo na educação superior.
As estatísticas oficiais passaram a acompanhar, após os anos de
2000, o crescimento dessas matrículas, porque a política era atribuir
um sentido positivo para ela no campo da expansão e (suposta)
democratização do ensino superior. Mas foi em 2007, no Governo
de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), que a modalidade EaD
ganha expressiva expansão, com o salto de 11.853 matrículas
públicas para 278.988, em 2008. Em 2017, em todo o ensino
superior, as instituições privadas ofertaram 1.591.410 matrículas
na modalidade EaD, o que representa 25% do total das matrículas
privadas. Nas públicas, foram ofertadas 165.572 matrículas EaD,
8% do total.

Desventuras dos professores na formação para o capital 119


Gráfico 3 – Número de matrículas na modalidade EaD, por categoria
pública e privada – Brasil 2000-2017 (em milhares)

Fonte: Brasil, INEP (2000-2017). [Nota: Elaborado por Seki (2018)]

Outro movimento pode ser percebido nesses dados: houve


um salto de matrículas na EaD pública entre 2007 e 2008, seguido
por uma redução significativa no ano seguinte e pela manutenção
modesta e, inclusive, com leve decréscimo entre 2009 e 2017.
Concomitantemente, ocorreu o agigantamento de matrículas
na EaD privada que saltou, de 2007 para 2008, de 33.883 para
448.973, crescendo incessantemente até atingir quase 1,6 milhões
de matrículas em 2017. A explicação para isso, em nossa hipótese,
é que o “salto” (2007-2008) das matrículas públicas expressou
a intervenção ativa do governo federal na indução da expansão
das matrículas privadas. As razões podem ser: 1) aproveitar-
se do prestígio das IES públicas para legitimar a modalidade
de EaD; 2) produzir, disponibilizar e legitimar plataformas,
sistemas e infraestrutura de educação à distância, sobretudo
aquelas difundidas pela Internet; 3) desregulamentar os cursos
nessa modalidade e aprovar projetos de cursos submetidos pelas
instituições privadas.
A expansão da modalidade EaD foi tão forte no setor
privado, acompanhando a tendência geral de expansão em todas
as modalidades, que progressivamente as matrículas EaD, somente
nas privadas, tenderão a ultrapassar, nos próximos cinco anos (até

120 Editora Mercado de Letras – Educação


2023), a totalidade das matrículas públicas em todos os cursos no
Brasil, como se verifica no Gráfico 4.4

Gráfico 4 – Comparativo do número de matrículas na modalidade


EaD privada e presenciais públicas – Brasil 2000-2017

Fonte: INEP (2000-2017).


[Nota: Elaborado por
Seki (2018)]

4. 2023 é apontado como o ano em que as matrículas em EaD ultrapassarão as


presenciais no setor privado (Koike 2017).

Desventuras dos professores na formação para o capital 121


A hegemonia dos monopólios na oferta de EaD

No caso da educação superior brasileira, a análise das


crises do capital evidencia seu aspecto de positividade geral. O
mercado mundial atravessou a crise de 2007-2008 e as sucessivas
ondas em 2011 e 2014, resultantes da incapacidade sistêmica do
capitalismo de seguir apresentando meios de recuperação das taxas
de crescimento no mundo. Embora no Brasil essas crises estivessem
no epicentro dos abalos políticos que levaram ao fim da experiência
trágica da Nova República, com o golpe de 2016, esse foi, até o
momento, o período de maior florescimento do capital de ensino
superior. Foi nele que a concentração e monopolização atingiu
níveis históricos inteiramente novos, processo que vem sendo
chamado de financeirização do ensino superior, pois coincide e está
articulado ao movimento de privatizações, desregulamentações e
reorganização dos graus de intensidade de capitais nos diferentes
momentos do ciclo de valorização do valor. Em razão desse grau
de monopólio no ensino superior, em 2016, apenas dez empresas
concentraram 42% de todas as matrículas privadas.
Para efeitos de comparação, apenas os cinco maiores
conglomerados de ensino superior (Kroton, Estácio de Sá,
Unip, Laureate e Ser Educacional)5 concentraram, em 2016,
109.722 matrículas a mais do que todas as matrículas de ensino
superior públicas no Brasil, patenteando que o propalado esforço
governamental petista para aumentar o número de IES públicas.
Mesmo por meio do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação
e Expansão das Universidades Federais (Reuni) (Brasil 2007) e da
criação e expansão dos Institutos Federais de Educação Tecnológica
(Brasil 2008) o total de matrículas públicas (gerais) não ultrapassou
a casa dos 24,7% em matrículas. Estamos frente a uma mudança
estrutural na forma de propriedade dos capitais de ensino superior e
limites exponencialmente alargados no que diz respeito às fronteiras

5. Juntos, os cinco grupos representaram, em 2016, 2.099.800 matrículas em


todos os cursos (26,1%). Enquanto as públicas concentraram 1.990.078
(24,7% do total de matrículas no Ensino Superior).

122 Editora Mercado de Letras – Educação


da expropriação de valor em relação aos processos formativos.
Como referido, a educação assume a forma de mercadoria em dois
sentidos: em sua generalidade, como mercadoria, e como mercadoria
especial, cuja singularidade é participar ativamente do processo de
formação histórica e social dos sujeitos que dela participam.

Gráfico 5 – Concentração de matrículas nos 10 maiores grupos


controladores do ensino superior – Brasil 2016

Fonte: INEP (2016);


Hoper (2018). [Nota:
Elaborado por Seki (2018)]

Como todas as formas de valorização do valor, pressupõem


elas próprias formas sociais de disponibilidades de insumos e
de modos históricos de realização do capital e essas formas são
mais complexificadas em relação ao refinamento do padrão de
acumulação vigente, então, é lógico que as formas históricas e
sociais que levam essa camada de jovens às gôndolas do mercado
de ensino superior não poderiam escapar à regra geral.6 A imensa

6. Não podemos ignorar ou negar que mesmo a regra geral é contingente ao


desenvolvimento de contradições no âmbito dos trabalhadores no ensino

Desventuras dos professores na formação para o capital 123


maioria dos estudantes compradores de matrículas anseia por cursos
de formação que possam lhes oferecer uma formação que em si
mesma carregue a oportunidade de melhores condições de trabalho
(e de vida). Porém, o conjunto dos meios sociais de organização da
educação, do trabalho e da renda conformam as condicionantes que
lhes disponibilizam unicamente o ensino superior particular, assim
mesmo não para todos. Apenas 32,8% dos jovens entre 18 e 24 anos
frequentam uma escola superior, dos quais 74,3% estão no setor
privado (Brasil 2018).
Concomitantemente, o sociometabolismo do capital procura
produzir as condições sociais de disponibilidade e seus modos
particulares de justificação. Não é por acaso que a entrega desses
jovens ao mercado de ensino superior sobreveio acompanhada de
sedutores discursos de acesso às instituições particulares como
forma de “democratização” do acesso e “inclusão” no ensino
superior. Na medida em que a renda média da classe trabalhadora
brasileira se colocou como limite para a aquisição das matrículas
face às mensalidades elevadas, surgiram também os conhecidos
financiamentos: públicos, como o Fies, ou privados, como o Pra-
valer, maior programa de financiamento do país nesta esfera.
Os financiamentos, públicos e privados, diga-se, atestam
a sofisticada complexidade da questão em análise, visto que no
caso do Pra-valer evidencia a complexificação do capital de ensino
superior em sua intricada trama bancária e financeira para gestar
formas que, não menos, servem para capturar uma parcela a mais da
renda do trabalho das famílias, além do valor das mensalidades. Isso
ocorre na medida em que fora o montante principal do financiamento
ofertado pelas próprias instituições, grupos de ensino ou consórcios
intercapitalistas asseguram mais uma maneira de apropriação do
fundo de vida dos trabalhadores sob a forma dos juros incidentes
sobre o montante geral das mensalidades financiadas, refinanciáveis

superior. Mencione-se, por exemplo, o surgimento das primeiras greves de


trabalhadores do EaD (Andes 2017).

124 Editora Mercado de Letras – Educação


se for o caso. Demarcamos também a eclosão de um sem
número de seguradoras especializadas em securitizar esse tipo de
financiamento às expensas dos estudantes e suas famílias.7 Já no
primeiro caso, dos financiamentos públicos, tem-se aí uma forma a
mais de apropriação de parcela do fundo público e sua reconversão
em fundo de acumulação de capital.
O FIES constitui figura exemplar, visto que o financiamento
estudantil concebe títulos representantes de dívida contra o Tesouro
Nacional que são emitidos para a posse das mantenedoras. Esses
títulos funcionam perfeitamente como se fossem, eles próprios, letras
do tesouro nacional, podendo ser descontados em débitos de certos
tributos e contribuições sociais. Considerando que políticas como o
Prouni (Brasil 2004) e o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao
Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies) (Brasil
2012) vieram para destituir a carga tributária das IES lucrativas,
logicamente esses títulos sofrem carga muito reduzida de débitos
em favor de tributações e contribuições diversas e passaram, então,
a circular na esfera da valorização do capital portador de juros.
Ainda como mercadoria em geral, não podemos
desconsiderar o papel cumprido pela expansão da modalidade EaD,
como dissemos. Essa modalidade diminui consideravelmente os
custos de produção das matrículas, além de facilitar sua realização
na medida em que a relação professor-aluno é dramaticamente
reduzida, assim como os custos com edificações, funcionários

7. A obrigatoriedade do seguro prestamista, com ônus para o estudante, foi


estimulada pelo Estado que o obrigou, no caso do FIES, à contratação de
seguradora, abrindo-se novo mercado de risco, por força da Lei nº 13.530,
de 7 de dezembro de 2017 (Brasil 2017a). Esses seguros se justificariam em
caso de ocorrência de fatalidade com o titular do financiamento: morte (por
causas naturais ou acidentais), invalidez permanente (total ou parcial) por
acidente e invalidez funcional permanente (total ou parcial) por doença. No
caso do FIES, uma das principais ofertantes do seguro prestamista é a Caixa
Econômica Federal, por meio da Caixa Seguros. Estão no negócio a Alfa
Seguradora, Mapfre e BB seguros, entre outros.

Desventuras dos professores na formação para o capital 125


técnicos, materiais de insumos, desaparecimento das pesquisas
em núcleos e laboratórios e assim por diante. Embora esses gastos
sejam parcialmente realocados na constituição de infraestrutura
de redes e servidores, além de plataformas informacionais e
estúdios de gravação, a constituição e complexificação da cadeia de
produção de conteúdos escolares – disponíveis ao longo do tempo
– minimizou significativamente o peso dos investimentos. Investir
em educação a distância é um negócio largamente vantajoso para o
capital, podendo replicar matrículas dezenas ou centenas de vezes
mais ao superar a limitação das salas de aulas.
Para expandir a EaD, o capital de ensino superior pode contar
com articulações por dentro do Estado, desde o governo Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002) até os governos de Luiz Inácio
Lula da Silva (2003-2010), Dilma Rousseff (2011-2016) e Temer
(2016-2018). Até onde podemos enxergar, será ainda mais vasto o
entrançamento desses capitais nos intestinos do Estado nacional no
governo de Jair Bolsonaro (2019-2022). Dois movimentos devem
ser observados: a participação das associações, confederações,
sindicatos e demais entidades representativas dos interesses desses
capitais no âmbito do Estado ampliado e a capacidade de mobilização
do capital como força social, isto é, a capacidade de mobilizar ou
desmobilizar investimentos para pressionar as políticas em favor
dos departamentos, subdepartamentos ou frações no contexto da
guerra concorrencial intercapitalista.8 O Quadro 1 demonstra o
elevado grau de organização dos capitais de ensino superior em sua
face pública, isto é, aquela assentada para as articulações com o

8. A discussão sobre esse aspecto é bastante complexa e escapa ao escopo do


presente trabalho. Cabe assinalar o caso da luta concorrencial travada pela
Kroton/Estácio de Sá com os demais grandes conglomerados de ensino su-
perior em torno do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)
que resultou na derrocada da fusão Kroton-Estácio. Tratou-se ali de uma
subjacente luta concorrencial dos demais grupos, em especial a Ser Educa-
cional, para destruir a possibilidade da fusão, resultado no qual o golpe de
2016 teve grande influência.

126 Editora Mercado de Letras – Educação


Estado ampliado sob a forma de aparelhos privados de hegemonia,
segundo perspectiva de Gramsci (2001).9 Em texto recente, Fontes
assinala a emergência pós-1990, no âmbito da sociedade civil, de
um associativismo empresarial peculiar,

[...] algo como uma ‘nova direita’ associativa, com ações voltadas
para a organização de setores das classes dominantes e para a
definição de pautas centrais, setoriais ou do conjunto da classe,
para a atuação parlamentar e governamental. [...] A dimensão
associativa – ou a sociedade civil, expressa em aparelhos
privados de hegemonia, da qual fazem parte também partidos,
sindicatos, mídia, escolas, clubes etc., segundo a conceituação
gramsciana – é espaço no qual se exercita a sociabilidade e onde
se travam as grandes batalhas pela compreensão do mundo, pela
consciência e pelas opções e possibilidades existentes de sua
conservação ou transformação.10

Quadro 1 – Entidades representativas dos interesses do capital de


ensino superior privado, Brasil 1932-2016

Ano Nome

1932 Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo


(SIEEESP)

1944 Confederação nacional dos estabelecimentos de ensino (Confenen)

1950 Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas (ABESC)

9. Com isso queremos enfatizar que as pesquisas não podem negligenciar a


existência de fóruns articuladores no âmbito do Estado restrito e ampliado,
os quais não têm qualquer natureza pública. Dificilmente acessíveis, exigem
métodos de investigações de diferentes naturezas, como a investigação das
conjunções pessoais e materiais de representantes políticos e capitalistas,
fragmentos de registros de imprensa, agendas políticas e outros.
10. Texto intitulado “Sociedade civil empresarial e a educação pública – qual
democracia?”, apresentado no XXII Encontro Estadual APASE (Sindicato
dos Supervisores de Ensino do Magistério Oficial do Estado de São Paulo),
em abril de 2018. Mimeografado.

Desventuras dos professores na formação para o capital 127


1961 Sindicato das Escolas Particulares de Santa Catarina (SINEPE/SC)

1964 Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB)

1974 Associação Catarinense das Fundações Educacionais (ACAFE)

1976 Associação Profissional das Entidades Mantenedoras de Estabeleci-


mentos de Ensino Superior do Estado do Rio de Janeiro

1979 Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino


superior no Estado de São Paulo (Semesp)

1981 Sindicato das Entidades Mantenedoras dos Estabelecimentos de Ensi-


no Superior no Estado do Rio de Janeiro (Semerj)

1982 Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES)

1989 Associação Nacional de Universidades Particulares (ANUP)

1989 Federação Nacional das Escolas Particulares (FENEP)

1993 Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (COMUNG)

1994 Federação Mineira de Fundações e Associações de Direito Privado


(FUNDAMIG)

1995 Associação brasileira das Universidades Comunitárias (ABRUC)

1997 Associação Nacional de Mantenedoras de Escolas Católicas do Brasil


(ANAMEC)

1999 Associação Nacional dos Centros Universitários (ANACEU)

2001 Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas (ABIEE)

2002 Associação das Mantenedoras do Ensino Superior de Goiás (AMESG)

2005 Associação Brasileira das Mantenedoras das Faculdades Isoladas e


Integradas (ABRAFI)

2006 Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Educa-


ção Superior do Estado de Goiás (SEMESG)

2006 Conselhos de Educação da Associação Comercial de Minas Gerais


(ACMINAS)

2006 Conspiração Mineira Pela Educação

2008 Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC)

2008 Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior

128 Editora Mercado de Letras – Educação


2014 Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Educação Superior
(Abraes)

2016 Aliança Brasileira pela Educação

Fonte: Dados retirados dos sites das respectivas entidades. [Nota: Elaborado por Seki
(2018)]11

Nos anos 2000, o Fórum Nacional da Livre Iniciativa na


Educação (Fórum)12 conquistou importante protagonismo no
ambiente das articulações em torno do projeto de lei da reforma
do ensino superior no governo Lula. Naquela ocasião, o Fórum
antagonizou sobretudo com a Confederação Nacional da Indústria
(CNI), dado que afirmava que o ensino superior privado não
conseguiria formar os quadros técnicos que a indústria requisitava
com a qualidade de ensino que o mercado exigia. A CNI e o Sistema
Indústria, composto pelo Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI), Serviço Social da Indústria (SESI), Instituto
Euvaldo Lodi (IEL) e a própria CNI, defendiam que a reforma do
ensino superior deveria submeter as instituições educacionais aos
interesses estritos do capital, sobretudo o produtivo (privilegiando
a agroindústria e a indústria de exportação), sob as expensas do
Estado, isto é, mantendo-se e expandindo-se as IES públicas e
gratuitas. Para a CNI, estava em risco a elevação da pressão sobre os
salários dos quadros técnicos da indústria, sobretudo na formação
dos engenheiros e técnicos para a agricultura e o chão de fábrica dos
grandes centros.

11. A tabela foi elaborada por Allan Kenji Seki (2018), com base na pesquisa
de doutorado atualmente em andamento no Programa de Pós-graduação em
Educação da UFSC.
12. O Fórum reúne diversas entidades, tais como sindicatos, associações, fe-
derações e confederações entre as quais destacam-se as entidades que
representam os interesses das grandes mantenedoras do ensino superior
no Brasil, como a Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas
(ABESC), a Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP) e
a Associação Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES).

Desventuras dos professores na formação para o capital 129


Por sua vez, o Fórum defendia que a mera existência de
IES públicas constituía, em si, um veio de concorrência desleal
do Estado, pois os recursos destinados à rubrica da manutenção e
expansão dessas instituições poderia ser contemplada, em tese, com
recursos ilimitados do Tesouro Nacional e com emissão de moeda,
de monopólio exclusivo do próprio Estado. Portanto, a eliminação
das instituições públicas, particularmente da gratuidade, seria um
passo imprescindível para o pleno desenvolvimento do mercado de
ensino superior nas próximas décadas. O Fórum alegava, ainda, em
diálogo com a CNI, que a existência de problemas na qualidade
do ensino decorria diretamente da conjuntura de concorrência
desleal com o Estado; tais problemas seriam resolvidos na série
temporal mais larga com a privatização das IES públicas associada
ao aprofundamento dos mecanismos de avaliação e credenciamento
no ensino superior.
Esses embates, ocorridos entre 2004 e 2006 (Trópia
2007, 2009; Rodrigues 2007a, 2007b; Otranto 2006; Seki 2014),
resolveram-se com o alinhamento relativo das posições de ambos os
expoentes. Em nossa hipótese, a articulação empreendida pelo então
governo Lula resultou na expansão dos cursos nas áreas técnicas
e tecnológicas (como ocorreu com as modificações estruturais dos
IFET) e a expansão dos cursos vinculados às ciências agrárias e
engenharias nas universidades. A gratuidade do ensino foi mantida
e foram atrelados a ela programas específicos de permanência e
manutenção estudantil, principalmente nas universidades. Para
satisfazer a vinculação com produtos e serviços, outra demanda
da indústria (Seki 2014), expandiram-se os programas de pós-
graduação e readequou-se a sua avaliação e credenciamento. Em
compensação, as privadas obtiveram programas como o Prouni,
Proies e Fies, além de créditos suplementares do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e estímulos
para a abertura de programas de pós-graduação. Todavia, em nossa
hipótese, as IES privadas lograram centralmente o loteamento das
licenciaturas como campo privilegiado para a exploração mercantil

130 Editora Mercado de Letras – Educação


de seus capitais – compensação pela gratuidade nas IES públicas
e sua expansão nos cursos vinculados aos interesses das demais
frações capitalistas no bloco dominante.

A privatização da formação docente

Independente da perspectiva dos sujeitos na luta de classes


ou, ainda, seu lugar na luta nominalista pelos conceitos que a
ela concernem, ninguém poderá negar o papel fundamental da
escolarização na formação de um povo. Não é por acaso que o
capital procura enfatizar, por diferentes métodos, o papel da escola.
Igualmente, procura obter sobre ela o máximo controle, atuando para
traduzir em suas atividades de mediação sentidos de positividade
em relação à sociedade, isto é, em relação ao capitalismo como
única forma de existência social.
No front do capital encontram-se centenas de associações
capitalistas, sob a forma de associativismo empresarial, militantes
de disputas ideológicas sobre o sentido histórico e social da escola,
do professor, das famílias no território escolar e das crianças e seus
modos de aprendizagens. Revestido o litígio de neogerencialismo,
de discurso técnico ou, até mesmo, de face pseudo-humanista,
jorram recomendações, emendas, projetos e ações capitalistas sobre
o professor e sobre a escola, evidenciando a posição imprescindível
da escolarização para o capital. Fontes (2010 pp. 136) alerta que
o convencimento se consolida em duas direções: a dos aparelhos
privados de hegemonia em direção à ocupação de posições nas
instâncias estatais e, em sentido inverso, um movimento “do Estado,
da sociedade política, da legislação e da coerção, em direção ao
fortalecimento e à consolidação da direção” alinhavada pelas
“frações de classe dominantes através da sociedade civil, reforçando
a partir do Estado seus aparelhos privados de hegemonia”. Não
é outro o sentido da ação intermitente de organizações como as

Desventuras dos professores na formação para o capital 131


citadas por Leher (2018) sobre o âmbito educacional: Todos pela
Educação; Fundação Leeman; Fundação DPaschoal; Fundação
Estudar; Instituto Inspirare; Instituto Unibanco; Instituto Natura;
Instituto de Corresponsabilidade pela Educação; Movimento pela
Base Nacional Curricular Comum; Fundação Itaú; Centro de
Liderança Pública; Iniciativa Porvir; Ensina Brasil; Confederação
Nacional da Indústria; Confederação Nacional da Agricultura;
Sociedade Nacional da Agricultura; Associação Brasileira do
Agronegócio; Movimento Brasil Competitivo; Casa das Garças;
Fundação Getúlio Vargas; Núcleo de Estudos da Violência; Fórum
da Liberdade; Programa de Reforma da Educação Latina e Caribe;
Grupo Civita, entre muitíssimos outros.
Trata-se, então, de esclarecer que o capital dificilmente se
distancia de seu interesse estratégico sobre a escola e, por decorrência
lógica e histórica, sobre a formação e o trabalho docente. E o faz
não apenas ocupando-se da produção dos conteúdos e métodos
propriamente escolares, fornecendo recomendações políticas
por meio de seus aparelhos privados de hegemonia, reformando
diretrizes curriculares nacionais... O tempo presente é a principal
testemunha de que, sob certas circunstâncias, o capital é capaz de
tomar para a si a formação do principal “insumo” da constituição
da força de trabalho: os professores. Consideramos ser esse o
caso quando o capital se arroga diretamente da oferta da formação
docente pela venda de matrículas.
Ao menos seis condições parecem necessárias para esse
movimento de convergência entre os interesses gerais e particulares
do capital na formação docente: 1) a praticamente conclusa extinção
dos cursos normais de nível médio e superior; 2) o atrofiamento
relativo das matrículas em cursos de licenciaturas nas IES públicas;
3) a desregulamentação e expansão do ensino a distância e o
concomitante emprego da legitimidade de que gozavam as IES
públicas para conferir atributo simbólico aos cursos e diplomas
da esfera privada; 4) o desenvolvimento de uma infraestrutura
de redes, servidores e pontes de comunicação por Internet; 5)

132 Editora Mercado de Letras – Educação


a desregulamentação da abertura de cursos e autorizações para
incremento de matrículas, bem como a alteração da legislação que
regula o estabelecimento dos polos de ensino; e 6) o crescimento
acentuado de uma série de capitais intermediários à prestação de
serviços de ensino superior (sistemas de apostilamento, produção de
conteúdo e mídia; serviços bibliotecários; consultorias; terceirização
de docência e outras atividades de ensino; terceirização de
conteudistas; terceirização de corretores de avaliação).13
Como vimos, o número de matrículas públicas decresceu
ao longo do período. No Gráfico 6 expõe-se a grande expansão

13. A empresa FabriCO com sede em Florianópolis, Santa Catarina, é especia-


lizada em produção de conteúdo para cursos em EaD. Entre seus clientes
constam o SENAI, IBMEC, Fundação Dom Cabral, Laureate International
Universities, Devry Brasil, FAEL/Apollo, Estácio, UNIASSELVI, UNISO-
CIESC, UNINTER, Universidade Positivo, Petrobras e Instituto Federal de
Santa Catarina (o que demonstra que mesmo em IES públicas o capital en-
contra formas de valorização via venda de conteúdos para cursos EaD). Tal
empresa recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inova-
ção do Estado de Santa Catarina (Fapesc 2015) para a criação da plataforma
WayCO e fundiu-se no ano de 2016 com a empresa DTCOM, com sede na
época em Curitiba, que também recebeu recursos da FAPESC, no ano de
2009, e do projeto de inovação do CNPq, em 2014 (DTCOM 2018a). A
fusão das empresas gerou a marca DTCOM, com capital aberto na bolsa de
valores. Em 2018, a DTCOM fechou contrato de cinco anos com a empresa
“Fundamee, representante em território mexicano da ACT, maior certifica-
dora de pessoas do mundo” e avançou em seu processo de internacionaliza-
ção com a plataforma WayCO que inclui, segundo Sylvia Souza, gestora de
marketing, oportunidades de mercado “também na Costa Rica, Colômbia,
mas já mira também Estados Unidos, Alemanha e China” (DTCOM 2018b).
Os produtores dos conteúdos comercializados são selecionados via currí-
culo lattes e contatados via e-mail. De acordo com a empresa, atualmente
constam em seu cadastro mais de dois milhões de currículos indexados (DT-
COM 2018a). A divisão do trabalho dos produtores de conteúdo é altamente
especializada. A título de exemplo, relatamos proposta que recebemos via
e-mail convidando-nos para a produção, em até quatro dias, das questões de
uma disciplina – cujos módulos estavam prontos – a ser ofertada no ensino
superior pelo preço “R$200,00 (dedutível de impostos)”.

Desventuras dos professores na formação para o capital 133


das matrículas na modalidade EaD privadas, elemento central na
política de preparo do magistério após os anos de 1990, exacerbadas
após 2006-2007. Neste mesmo período os cursos normais superiores
quase desapareceram; tendência que, tudo indica, será acompanhada
pelos de nível médio.

Gráfico 6 – Número de matrículas nos cursos de licenciaturas,


por categoria administrativa e modalidade de ensino –
Brasil 2003-2017 (em milhares)

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015, 2017). [Nota: Elaboração própria]

Discutimos como é falaciosa a suposição de que as


licenciaturas sejam mais baratas por não exigirem laboratórios,
núcleos de alta complexidade, entre outros. Não obstante, é discutível,
em que pese o estado precário em termos de tecnologias a que é
relegada a licenciatura. Certamente, se houvesse recursos, haveria
o uso de métodos, técnicas e recursos tecnológicos, inclusive nas
escolas de aplicação das IES públicas. Como o orçamento destinado
às licenciaturas nas IES públicas é historicamente restrito, agravado
pela Emenda Constitucional no 95 (Brasil 2016), e sem qualquer
intencionalidade de modificar a situação da formação de modo

134 Editora Mercado de Letras – Educação


geral, objetivamente o setor privado vê nas licenciaturas um filão
para capturar as frações com menor renda da classe trabalhadora e
que almejam cursos de formação superior.
Ademais, a EaD constitui-se como forma de colonizar
o tempo livre da parcela dos trabalhadores que se ocupa com
empregos precários, transporte público urbano sofrível, manutenção
da vida familiar – sobretudo as mulheres, cujas tarefas crescem
com a sobrejornada de trabalho doméstico.14 Ocupar o tempo livre,
isto é, todo o tempo que corresponde ao trabalho imediatamente
necessário,15 mas também o tempo de ócio que poderia ser
dedicado às atividades mais elevadas (Marx 2011), é uma tendência
intrínseca ao modo de produção capitalista que justapõe a produção
de maior tempo disponível à maior exploração de tempo de trabalho
excedente. Semelhante situação dificilmente se resolverá enquanto
a contradição das relações entre capital e trabalho não cessarem.
Nos termos de Marx (2011, pp. 494), isso decorre de que

[...] o tempo de trabalho como medida da riqueza põe a própria


riqueza como riqueza fundada sobre a pobreza e o tempo
disponível como tempo existente apenas na e por meio da
oposição ao tempo de trabalho excedente, ou significa pôr
todo o tempo do indivíduo como tempo de trabalho, e daí a
degradação do indivíduo a mero trabalhador, sua subsunção ao
trabalho. (Marx 2011, pp. 494)

Pôr a formação para o trabalho sob uma forma liquefeita que


ocupa o tempo poroso dos trabalhadores, mesmo naquela diminuta
parte que poderia estar disponível como ócio necessário, torna-se
uma vantagem a mais. Se, por um lado, não coloca em xeque que
toda a existência sob o capital é insalubre, por outro, possibilita maior

14. As mulheres ocuparam 79% (445.298) das matrículas de licenciaturas em


EaD, em 2015, e 67% (606.259) das presenciais.
15. Do ponto de vista do capitalista, todo tempo, mesmo o de trabalho que não
corresponde à jornada de trabalho excedente, conta como tempo livre.

Desventuras dos professores na formação para o capital 135


controle deste tempo fora da jornada de trabalho. Nas sociedades
capitalistas, o tempo foi gradualmente elevado à medida da riqueza
e a essa métrica adaptou-se todo o vocabulário que também serve
às coisas materiais e impessoais (eficácia, eficiência, intensidade,
poupança, desperdício, escassez, abundância etc.). Como enunciado
por Attali (1982, pp. 199), quando “a burguesia se instala no
poder”, passa a organizar a vida (dos outros e a sua própria) em
uma corrente contínua de eventos temporalmente medidos: “o
tempo para o trabalho, o tempo para o repouso, o tempo para o
prazer” e, simultaneamente, modificou o ritmo e a intensidade dos
próprios eventos. Então, todas as formas antinômicas ao tempo útil,
produtivo são, necessariamente, perigosas, “o repouso faz temer o
desperdício de tempo, a preguiça e a greve”. O tempo livre, vivido
como ocioso é encarado pelo capital de forma contraditória, ele “é
ao mesmo tempo útil e perigoso”.
Para grande parte dos jovens egressos do ensino médio
cursar o ensino superior, mesmo o oferecido no período noturno,
pode não ser uma alternativa promissora. É necessário enfrentar o
concorrido vestibular das instituições públicas; seu dia está ocupado
pelo trabalho ou por atividades informais. Por isso, qualquer
democratização real do ensino superior, no capitalismo, pressuporia
a redução do tempo de trabalho e a expansão das escolas públicas
em todos os níveis.

Conclusão: a perversidade instituída

Não há como mensurar a perversidade desse sistema de


formação docente contra os jovens ou contra a classe trabalhadora.16
Quando comparamos os dados de matrículas (públicas e privadas,

16. Portelinha, Sbardelotto e Borssoi (2017, pp. 1), em pesquisa sobre estágios
remunerados de graduandos em pedagogia no oeste paranaense, questionam
“a legitimação de contratação de estudantes de graduação sem a devida for-
mação para o exercício” efetivo da docência. Aliás, o número de professores
temporários na educação pública brasileira, em 2015, era de quase um mi-
lhão e 29,1% deles não tinha formação para a docência (Seki et al. 2017).

136 Editora Mercado de Letras – Educação


sem distinção), nas modalidades presenciais e a distância,
verificamos a calamidade instaurada nos cursos de licenciaturas no
país. Se as curvas de crescimento dos cursos de formação docente
à distância se mantiverem constantes, até 2020 teremos mais
estudantes matriculados no EaD do que no presencial (Gráfico 7). O
domínio do capital sobre a formação de professores não poderia ter
consequências mais nefastas. Não há dúvidas de que a duplicidade
dos interesses do capital não cessa de se inscrever. Há que dominar o
jovem pela 1) venda da matrícula, capturando seu tempo livre, sem
demover tempo de trabalho; 2) adesão a financiamentos públicos ou
privados, igualmente lucrativos para as grandes IES; 3) formação
de extensa massa de força de trabalho docente, aumentando as
pressões do desemprego sobre os professores empregados (e,
portanto, pressionando os salários para baixo); 4) domínio dos
conteúdos, métodos, técnicas e abordagens pedagógicas que serão
desenvolvidos no magistério da Educação Básica; 5) formação
ligeira, precária, flexibilizada e certificadora.

Gráfico 7 – Número de matrículas nos cursos de licenciaturas,


por modalidade de ensino – Brasil 2003-2017 (em milhares)

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015, 2017). [Nota: Elaboração própria]

A volúpia da oferta de matrículas na modalidade à distância,


em nosso entendimento, esconde – sob o manto da democratização
do acesso, a ocupação, até o último minuto do dia, com a

Desventuras dos professores na formação para o capital 137


manutenção da vida para o capital – obliterando que as próprias
condições sociais que levam a essa precariedade em relação à vida
deveriam ser objeto de severo questionamento. O direito dos jovens
da classe trabalhadora a uma educação fundada em conhecimentos
teóricos fundamentais e de vivência de relações mais complexas
que se desenrolam no ambiente universitário é negado, não sendo,
terminativamente, passíveis de reprodução por meios eletrônicos.
Além disso, arrefece-se o espírito de coletividade e solidariedade
fundamental para a dimensão das lutas sociais, como as greves
estudantis e sindicais, por exemplo, porque aos futuros professores
não se permite uma formação e experiência social derivada do
encontro com o outro e com o saber em relações sociais de fato.
A modalidade de educação à distância tem sido tão
fundamentalmente importante para o capital de ensino superior,
ao lado dos programas que lhe possibilitam se apropriar do fundo
público federal (Prouni, Fies, Proies, BNDES, para mencionar
alguns), justamente por possibilitar um fluxo crescente de
estudantes mesmo nas fases sucessivas de crises do capital. A tese
da Teoria do Capital Humano – introduzida pela articulação entre as
frações burguesas locais, a elite intelectual americana, representada
nesse caso por Gary Becker e Theodore Schultz, e Organizações
Multilaterais (em especial, o Banco Mundial) – fincou raízes
profundas no ideário social. Como afirma Leher (2018, pp. 23),
“todos os governos federais após 1995 incorporaram a narrativa do
capital humano como fundamento de suas políticas educacionais”,
segmentando a educação “conforme as desigualdades sociais”.
Segundo essa narrativa, os investimentos individuais na formação
escolar aumentariam proporcionalmente a expectativa de renda
futura; argumento que, organizado como ideologia de consenso,
individualiza e responsabiliza os jovens trabalhadores e suas
famílias pelo seu sucesso ou fracasso social, entendido, na sociedade
capitalista, como maior ou menor grau de inserção nas relações de
subsunção real do trabalho e maior ou menor salário.

138 Editora Mercado de Letras – Educação


Ao mesmo tempo em que culpabiliza os indivíduos por
suas próprias condições de pobreza ou miséria, a EaD tem ainda
a vantagem adicional, para as classes dominantes, isto é, para o
Estado, de eclipsar a profunda desigualdade de métodos formais na
escolarização da população. Por meio dessa inversão lógica, logra-
se encobrir a separação entre escolarização e formação humana
crítica, oferecendo diferentes modalidades de ensino, técnicas,
métodos, infraestrutura e recursos sociais para as diferentes áreas
de conhecimento na qual serão formados os contingentes de força
de trabalho. A EaD destinada à formação docente é exemplar no
caso dos futuros professores; a modalidade EaD alcançou, em 2017,
46,8% do total de matrículas de licenciaturas, enquanto nas áreas
que atendem diretamente os interesses produtivos stricto sensu
(como a cesta de exportações da balança comercial brasileira) os
dados são muito diferentes: engenharia, produção e construção
contam com apenas 4,8% das matrículas em EaD; o filão maior,
agricultura e veterinária, contam com 1,9%. Quando analisamos o
percentual que cada área ocupa no montante de matrículas gerais
em EaD; agricultura e veterinária passam para 0,3% das matrículas
– como se percebe no Gráfico 8.

Gráfico 8: Percentual de matrículas em EaD


nas áreas gerais de conhecimento – Brasil 2017

Fonte: INEP (2017). [Nota: Elaboração própria]

Desventuras dos professores na formação para o capital 139


As informações do Gráfico 8 fazem denotam ser
estrategicamente relevante a hipótese de que a expansão das
licenciaturas na esfera privada (e sua atrofia na pública) não decorreu
de contingências meramente ocasionais, senão de uma ativa e
dirigida política do capital sob a forma de ação propriamente estatal.
Isto é, por meio do poder do Estado esses capitais dirigiram uma
articulação que impactou frontalmente a formação do magistério
nacional. Em primeiro lugar, houve o deslocamento da formação
dos cursos normais médios para as licenciaturas; em segundo,
das IES públicas para as privadas, sobretudo via financiamentos
públicos (que lhes permitiram determinar os conteúdos da
formação e fazer com que o erário público seguisse arcando com
as benesses da sanha capitalista). No segundo caso, programas de
financiamento para as classes dominantes (isto é, para o Estado)
e isenções tributárias foram fundamentais, tanto mais quanto as
desregulamentações operadas favoreceram o fluxo de capitais entre
as esferas da atividade econômica e possibilitaram maior trânsito de
iniciativas contra a educação pública e seu possível sentido histórico
profundo.17 Em terceiro lugar, na passagem das licenciaturas das
mãos públicas para as particulares, o ensino a distância foi central
e pode contar, inclusive, com a boa vontade dos docentes das
universidades públicas e intelectuais acadêmicos para legitimar
a modalidade como prática socialmente aceita (e, até mesmo,
necessária),18 permitindo que surgisse um mercado em torno da

17. Tendo imenso sucesso na acumulação de mais valia no ensino superior, os


capitais altamente concentrados, como o do Grupo Kroton, espreitam a Edu-
cação Básica. Seu projeto, anunciado na mídia, é o de estabelecer processos
monopólicos sobre as redes de ensino, os sistemas educacionais, sistemas
apostilados, métodos avaliativos, sistemas gerenciais, consultorias escolares
e assim por diante.
18. Não se quer negar aqui que em casos, absolutamente excepcionais, a moda-
lidade de ensino a distância não possa cumprir um papel relevante. Procura-
mos questionar, todavia, o fato de que a formação inicial do professor para
o magistério na Educação Básica venha sendo realizado largamente nessa
modalidade. A análise pormenorizada dos conteúdos, métodos e mediações

140 Editora Mercado de Letras – Educação


EaD, cuja dimensão e força ainda precisam ser melhor investigados.
De todo modo, é de se ressaltar que o governo Temer aprovou em
lei, em 2013, a data de 27 de novembro, criada pela ABED (2018),
como “Dia Nacional da Educação a Distância” (Brasil 2018a).
Publicou também uma Portaria Normativa (Brasil 2017a) que
flexibilizou as regras de abertura de polos com a possibilidade de
“credenciamento de IES para oferta de cursos superiores a distância,
sem o credenciamento para oferta de cursos presencial”, além de
extinguir as regras de fiscalização de polos EaD, concentrando-a na
sede da oferta. Segundo o governo a portaria “melhora a qualidade
da atuação regulatória do Ministério nessa área, aperfeiçoando
procedimentos, desburocratizando fluxos e reduzindo o tempo
de análise e o estoque de processos” (Brasil 2018b). Participa do
rondó a criação de cursos sem qualquer atividade presencial (Brasil
2017a).
Como vimos, o capital disputa duplamente a educação:
constituindo para si um amplo conjunto de aparelhos privados de
hegemonia que articulam, conjecturam e disputam seus projetos
formativos no âmbito do Estado e, como ação estatal, produz
ele próprio as condições sociais requeridas para que assuma
diretamente a tarefa formativa por meio da detenção das IES que
formam o magistério. Ambas as formas têm largo alcance sobre o
futuro nacional e visam certamente incutir as concepções que lhe
são próprias sobre a infância, a criança, as relações de mundo e
aquelas que constituem os sujeitos, o propósito e o sentido histórico
da educação escolar e o significado político da educação como
formação do ser social.
Longe de esgotar tudo que essa problemática suscita,
procuramos apresentar algumas reflexões que possam contribuir para
as muitas disputas estratégicas e táticas com as quais nos deparamos

dessa modalidade certamente complementariam nosso argumento em favor


dessa excepcionalidade, contrariando os discursos amplamente propalados
– às vezes em causa própria ou até corporativa – de que o ensino à distância
possa substituir a formação inicial em benefício do conhecimento.

Desventuras dos professores na formação para o capital 141


no tempo presente em defesa de um sentido substantivo para a
educação do povo brasileiro. Nos limites dos dados e evidências
apresentados, parece-nos imperativo reconhecer o gigantesco avanço
do capital sobre os processos formativos docentes. Reestabelecer o
lastro verdadeiramente público, constitutivo do direito dos milhões
de professores brasileiros à formação substantiva, ampla, densa e
multidisciplinar, é um dos pilares estratégicos da luta em defesa da
educação para a classe trabalhadora.

Referências

ABED (2018). Hoje é o Dia Nacional da EAD. São Paulo:


ABED. Disponível em: https://bit.ly/2SigUy0. Acesso em:
07/02/2019.
ANDES-SN (2017). Docentes de EAD do Rio de Janeiro entram em
estado de greve. Brasília: Sindicato Nacional dos Docentes
das Instituições de Ensino Superior, ANDES-SN. Disponível
em: http://bit.ly/2WKmeZz. Acesso em: 08/02/2019.
ATTALI, J. (1982). Histoires du temps. Paris: Librairie Arthème
Fayard.
BRASIL (2004). Decreto nº 5.245, de 15 de outubro de 2004.
Regulamenta a Medida Provisória nº 213, de 10 de setembro
de 2004, que institui o Programa Universidade para Todos
- PROUNI, regula a atuação de entidades beneficentes de
assistência social no ensino superior, e dá outras providências.
Brasília: Diário Oficial da União, 18 dez. Disponível em:
http://bit.ly/2KaMfO6. Acesso em: 22/06/2018.
________. (2007). Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007.
Institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais – REUNI. Brasília:

142 Editora Mercado de Letras – Educação


Diário Oficial da União, 25 abr. Disponível em: http://bit.
ly/2WORlTH. Acesso em: 05/01/2019.
________. (2008). Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008.
Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica
e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia, e dá outras providências. Brasília:
Diário Oficial da União, 30 dez. Disponível em: http://bit.
ly/2WQpjHp. Acesso em: 27/01/2018.
________. (2012). Lei nº 12.688, de 18 de julho de 2012. Autoriza
a Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobrás) a adquirir
o controle acionário da Celg Distribuição S.A. (Celg D);
institui o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao
Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies).
Brasília: Diário Oficial da União, 19 jul. Disponível em:
http://bit.ly/2K4IeLZ. Acesso em: 23/06/2018.
________. (2014). A democratização e expansão da educação
superior no país 2003-2014. Brasília: MEC. Disponível em:
http://bit.ly/2Srt9Ye. Acesso em: 16/04/2018.
________. (2016). Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro
de 2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras
providências. Brasília: Diário Oficial da União.
________. (2017a). Portaria normativa no 11, de 20 de junho
de 2017. Estabelece normas para o credenciamento de
instituições e a oferta de cursos superiores a distância, em
conformidade com o Decreto no 9.057, de 25 de maio de
2017. Brasília: Ministério da Educação, Diário Oficial da
União, 21 jun. Disponível em: https://bit.ly/2li6ziy. Acesso
em: 07/02/2019.
________. (2017b). Lei nº 13.530, de 7 de dezembro de 2017.
Institui o dia 27 de novembro como Dia Nacional de
Educação a Distância. Brasília: Diário Oficial da União,

Desventuras dos professores na formação para o capital 143


16 jan. Disponível em: http://bit.ly/2SskR27. Acesso em:
07/02/2019.
________. (2018a). Lei nº 13.620, de 15 de janeiro de 2018.
Institui o dia 27 de novembro como Dia Nacional de
Educação a Distância. Brasília: Diário Oficial da União, 16
jan. Disponível em: https://bit.ly/2MTDV4d. Acesso em:
07/02/2019.
________. (2018b). Presidente sanciona lei que cria Dia Nacional
da Educação a Distância. Brasília: MEC/Ministério da
Educação. Disponível em: http://bit.ly/2WS1X4. Acesso em:
07/02/2019.
DTCOM (2018a). Quem somos. Disponível em: https://dtcom.com.
br/. Acesso em: 04/02/2019.
________. (2018b). Rumo ao mercado internacional, DTCOM
firma contrato no México! Disponível em: https://dtcom.
com.br/blog/mercado-internacional-ead-mexico/. Acesso
em: 04/02/2019.
FERNANDES, T. (2018). “Bolsonaro propõe ensino a distância para
combater marxismo e reduzir custos.” Folha de S. Paulo,
7 ago., São Paulo. Disponível em: https://bit.ly/2OTBq2w.
Acesso em: 05/02/2019.
FONTES, V. (2010) O Brasil e o capital-imperialismo: teoria e
história. Rio de Janeiro: EPSJV; Editora da UFRJ, 2010.
________. (2019). “O núcleo central do governo Bolsonaro:
o protofascismo.” Esquerda online, 8 jan., São Paulo.
Disponível em: http://bit.ly/2WQWkDq. Acesso em:
09/01/2019.
GRAMSCI, A. (2001). Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira.
HOPER EDUCACIONAL BRASIL (org.) (2018). Análise Setorial
da Educação Superior Privada – Brasil. 11ª ed. Foz do
Iguaçu: Hoper Educacional.

144 Editora Mercado de Letras – Educação


KOIKE, B. (2017). “Em 2023, graduação on-line será maioria.”
Valor, São Paulo. Disponível em: http://bit.ly/2SzUuaV.
Acesso em: 04/02/2019.
LEHER, R. (2018). Universidade e heteronomia cultural no
capitalismo dependente. Rio de Janeiro: Consequência.
MARX, K. (2011). Grundrisse: esboço da crítica da economia
política. São Paulo: Boitempo.
MIÉVILLE, C. (2017). Outubro: história da Revolução Russa. São
Paulo: Boitempo.
OTRANTO, C. R. (2006). “Desvendando a política da educação
superior do governo Lula.” Universidade e Sociedade, vol.
16, no 38, pp. 19-29.
PORTELINHA, Â. M. S.; SBARDELOTTO, V. S. e BORSSOI, B.
L. (2017). “A relação entre estágio remunerado, formação
e trabalho docente.” Anais do X Encontro Brasileiro da
Redestrado. Campinas: Unicamp. Disponível em: http://bit.
ly/2Sr2J98. Acesso em: 04/02/2019.
ROHDEN, J. (2018). “Como o ensino a distância defendido por
Bolsonaro prejudica os brasileiros?” Brasil de Fato, 18 out.,
São Paulo. Disponível em: https://bit.ly/2q1Xs8c. Acesso
em: 05/02/2018.
RODRIGUES, J. (2007a). “Frações burguesas em disputa e a
educação superior no Governo Lula.” Revista Brasileira de
Educação, vol. 12, no 34. Rio de Janeiro: ANPEd, pp. 120-
136.
________. (2007b). Os empresários e a educação superior.
Campinas: Autores Associados.
SEKI, A. K. (2014). O capital e as universidades federais no
governo Lula: o que querem os industriais? Dissertação de
Mestrado em Educação. Florianópolis: Universidade Federal
de Santa Catarina.

Desventuras dos professores na formação para o capital 145


________. (2018). Determinações do capital financeiro na educação
superior: fundo público, desregulamentação, acumulação e
formação de oligopólios no Brasil. Texto de Qualificação
de Doutorado em Educação. Florianópolis: Universidade
Federal de Santa Catarina.
________. (2018b). Seminário Nacional de EAD do ANDES-SN.
Rio de Janeiro: Andes-SN. 35 slides, color. Disponível em:
http://bit.ly/2sXwwYu. Acesso em: 05/02/2019.
________. et al. (2017). “Professor temporário: um passageiro
permanente na Educação Básica brasileira.” Práxis Educativa,
vol. 12. Ponta Grossa: UEPG, pp. 942-959. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.5212/PraxEduc.v.12i3.014. Acesso em:
08/10/2017.
TRÓPIA, P. V. (2007). “A política para o ensino superior do Governo
Lula: uma análise crítica.” Cadernos da Pedagogia, ano 1,
vol. 2. São Carlos: UFSCar, pp. 1-19.
________. (2009). “O ensino superior em disputa: alianças de
classe e apoio à política para o ensino superior no Governo
Lula.” Revista Iberoamericana de Educación, vol. 49, no 3,
pp. 1-12.

146 Editora Mercado de Letras – Educação


capítulo IV
VITÓRIA DA EAD OU DO CAPITAL?

Olinda Evangelista
Allan Kenji Seki
Artur Gomes de Souza

Juro que não me venderei


E até a última pulsação de minhas veias
Resistirei
Resistirei
Resistirei
Samih Al-Qassim. Discurso no mercado do desemprego, 1986.

Introdução

A forma pela qual professores vêm sendo desqualificados


frente à opinião pública no Brasil impõe perguntas fundamentais.
A que se deve tal desqualificação? Que razões subjazem a esse
vasto processo de metamorfose do professor em um sujeito incapaz
e inconsequente? Por que motivos o soterram de políticas cujo
pressuposto é o de provar sua incompetência? Qual o sentido de
políticas cujo discurso atesta, de modo contraditório, ser o professor

Desventuras dos professores na formação para o capital 147


problema e solução para a educação no país? Como se articulam os
interesses do Estado com os de Organizações Multilaterais (OM)1
no desiderato de reconverter o professor?
Tais perguntas não podem ser respondidas de maneira fácil.
A depreciação docente tem raízes históricas e sua compreensão
demanda que procuremos apreendê-la no movimento de sua
constituição articulada à totalidade que lhe dá razão de ser. Neste
livro, remontamos à década de 90 do século XX por entendermos
que nela se verificam importantes mudanças no plano econômico e
político com repercussões para a existência social até os dias que
correm. Isto é, naquele momento, o Estado brasileiro em consonância
com os interesses capitalistas disparou uma política de educação de
corte neoliberal cujo fundamento econômico encontrava seu sentido
nas formas de ajuste estrutural produtivo e de flexibilização das
relações de trabalho. Iniciada no Governo de Fernando Collor de
Melo (1990-1992), do Partido da Renovação Nacional (PRN), foi
aprofundada no de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998/1999-
2002), do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), cuja
reforma gerencialista do Estado para sua adequação ao novo modelo
econômico foi crucial (Brasil 1995).

1. Em trabalho recente, Silveira (2018, p. 9) trava um debate acerca da expres-


são “organizações multilaterais”, indicando que “Em alguns casos, recor-
re-se à expressão organismos multilaterais, desconsiderando, por completo,
que o termo multilateral tem como acepção um sistema de segmentos equi-
polentes situados em um mesmo plano. Considerando a acepção do termo,
o multilateralismo geopolítico poderia ser concebido como uma relação de
liberdade de acordos, de comércio, de fluxo de capital, de fluxo de pacotes
tecnológicos, em uma proporção tal que, a relações entre países, organismos
especializados e burguesias locais seriam equipolentes ou teriam a mesma
força e poder políticos capazes de manter o equilíbrio do campo de forças.”
Com base em Gramsci, argumenta que categoria pertinente ao processo his-
tórico que se quer designar seria “organismo supranacional”. Para efeito
desse trabalho e tendo em vista o alerta de Silveira manteremos a expressão
“Organizações Multilaterais”.

148 Editora Mercado de Letras – Educação


Os aspectos perversos desse movimento histórico, de
natureza não apenas conjuntural, convergem no intento de submeter
os professores – sua formação e seu trabalho – aos desígnios da classe
dominante, tentando dobrá-los (seria possível?) e torná-los meros
arautos da consciência burguesa, seus difusores mergulhados na
alienação. Seria a Educação a Distância (EaD) um dos instrumentos
de concretização desse ideário, conquanto revestida do postulado
que dava como certa a democratização do acesso ao conhecimento,
varinha mágica para a passagem ao mercado de trabalho dos
“excluídos”?2 O estudo que empreendemos mostra que não; não é por
amor aos “excluídos” que se desenvolveu no país formas renovadas
de exploração da força de trabalho organicamente articuladas a
um terrível projeto de instrumentalização e desintelectualização
docente, segundo expressão de Shiroma (2003). Ao recuperarmos
as políticas de formação docente deparamo-nos, nos governos
petistas de Lula e Dilma (2002-2016), com compromissos políticos
claramente expostos. A presença da Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), do Banco Mundial
e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) se fortaleceu e, ineditamente, Lula estabeleceu uma
aliança com o empresariado traduzida no Compromisso Todos pela
Educação, codinome do Plano de Desenvolvimento da Educação
(Brasil 2007a), figurando em sua galeria nomes como Fundação
Victor Civita, Grupo Gerdau, Fundação Roberto Marinho, Itaú-

2. Segundo a página da escola virtual do IBGE (Brasil 2014), a EaD pode ser
entendida de modos diferentes. “A educação a distância pode se realizar
pelo uso de diferentes meios (correspondência postal ou eletrônica, rádio,
televisão, telefone, fax, computador, Internet etc.), técnicas que possibilitem
a comunicação e abordagens educacionais, e baseia-se tanto na noção de
distância física entre o aluno e o professor, como na flexibilidade do tempo
e na localização do aluno em qualquer espaço. Educação on-line é uma mo-
dalidade de educação a distância realizada via Internet. Tanto pode utilizar a
Internet para distribuir rapidamente as informações como pode fazer uso da
interatividade propiciada pela Internet para concretizar a interação entre as
pessoas” (Mandeli 2014).

Desventuras dos professores na formação para o capital 149


Social, entre outros importantes componentes das frações de classe
dominantes no Brasil (Leher 2013).
As alianças empreendidas com esses setores conduziu, como
um de seus desdobramentos, à expansão descomunal das matrículas
em licenciaturas na modalidade EaD, o que precisou de medidas
políticas e econômicas do Estado para tornar-se a realidade dolorosa
na qual se transformou após os anos de 1990.3 Ao mesmo tempo,
ocorreu a produção de regulamentações no âmbito das políticas
sociais, em particular a educacional, que criou as condições
objetivas para o crescimento da EaD, primeiro no setor público, a
seguir no privado, assim como no âmbito econômico para cimentar
o caminho que, durante a década de 2000, tornaria a EaD um nicho
de mercado atraentíssimo para grandes empreendedores nacionais
e internacionais. De outro lado, presenciamos negociações
ininterruptas entre o Estado brasileiro e Organizações Multilaterais
(OMs), como o Banco Mundial (BM), a Unesco, a Organização
Mundial do Comércio (OMC), nas quais as últimas viram suas
posições ideológicas e econômicas em boa parte incorporadas
nas políticas educacionais. O BM (1995, p. 36), por exemplo, em
meados de 1990 entendia que “la educación a distancia puede ser
eficaz para aumentar a un costo moderado el acceso de los grupos
desfavorecidos que por general están deficientemente representados
entre los estudiantes universitarios.” Estávamos sendo convencidos
– e continuamos – de que ir contra a política de expansão da EaD
era o mesmo que impedir o acesso ao conhecimento, ao emprego e

3. Segundo Malanchen (2007), a história da EaD poderia ser dividida em antes


e após a década de1980. Há registros de cursos por correspondência, no Rio
de Janeiro, datados de 1904. Em 1923, foi criada a Rádio Educativa por Ed-
gard Roquete Pinto; em 1936, a Rádio Ministério da Educação; em 1941, o
Instituto Universal Brasileiro; em 1962, o Aperfeiçoamento de Professores
Primários; em 1970, o Projeto Minerva. Após a Nova República, em 1985,
adquire novo vigor, conquanto a EaD e as TIC fossem utilizadas desde a dé-
cada de 1960. Mas será nos anos de 1990 que contará com um crescimento
substantivo, considerado o período estudado pela autora que se encerrou em
2007.

150 Editora Mercado de Letras – Educação


a melhores salários pelos desfavorecidos, eufemismo para designar
as classes subalternas. Todavia, não podemos esquecer, tal como
assinalam Motta, Leher e Gawryszewski (2018, p. 313), que

Para a burguesia, a educação é uma esfera a ser mantida sob


seu controle, sobretudo, em vista da produção social da força
de trabalho. Nela, é permanentemente forjada a socialização
das novas gerações – para a produtividade e para a passividade,
como fatores do mesmo processo –, de tal modo que todas e
todos se percebam como capital humano, mercadoria força
de trabalho, em busca de aprimoramento de suas capacidades
produtivas e de oportunidades de “empregabilidade”.

Ao analisarem muitos dos aspectos mencionados e o


desenvolvimento da EaD, Barreto (2003) e Lima (2001) perceberam
que o mercado da EaD floresceria neste século XXI. E floresceu.

A construção do caminho

O ideário neoliberal, desde o Governo Collor, gerou


consequências econômicas e sociais deletérias para o Brasil. O
seu mandato interrompido não suspendeu tal lógica porque não
se tratava de um projeto presidencial ou partidário, mas de um
movimento da esfera econômica e política que exigia da burguesia
interna medidas para aumento das taxas de juros; cortes nas despesas
públicas; privatizações de empresas estatais; aumento de entrada de
mercadorias estrangeiras, procedimentos estes articulados à abertura
de novos nichos de mercado que possibilitassem a recuperação
capitalista de suas condições de apropriação de valor em razão das
crises econômicas antes ocorridas.4 Entretanto, foi nos governos

4. Hobsbawm (2009, pp. 9), ao discutir o “Século Breve”, assinala: “seria pos-
sível dizer que, entre 1945 e o início da década de 1970, a economia mun-

Desventuras dos professores na formação para o capital 151


de Fernando Henrique, antes Ministro das Relações Exteriores e
Ministro da Fazenda no governo de Itamar Franco (1992-1994), que
essa diretriz se consolidou.
O início dos anos 1990 teve como força centrípeta a abertura
dos mercados e a desregulamentação financeira, permitindo maior
liquidez para capitais internacionais, mas também para a reforma da
economia brasileira em direção à intensificação da concentração de
capitais. De acordo com Paulani (2008), evidências desse movimento
foram as emissões de títulos da dívida brasileira indexadas no
exterior, confirmando o Brasil como forte emissor de capital fictício
e, de maneira mais contundente, o Plano Real5 – eixo da abertura
econômica, das privatizações, elevações das taxas de juros reais,
do câmbio flutuante e das metas de inflação. Uma das articulações
com sentido robusto no campo das políticas ocorreu na reforma do
aparelho do Estado. As bases da reforma, estabelecidas em 1995,
por meio do Plano Diretor da Reforma do Estado (Brasil 1995),
tinha como principais diretrizes “a privatização, a terceirização e a
publicização”.
Ainda no governo de Franco, em 1993, a área educacional
começou a experimentar a orientação neoliberal sob a forma do
Plano Decenal de Educação para Todos (Brasil 1993), expressão
local das ideias educacionais hegemônicas na América Latina e
Caribe. O Brasil foi signatário da Declaração Mundial de Educação
para Todos (Wcefa 1990), aprovada, em 1990, na Conferência

dial sofreu oscilações relativamente pequenas, ao passo que desde 1973 nos
vimos de novo em um período marcado por sacudidas muito fortes: as crises
de 1980-2, 1990-1 e 1997-8”.
5. Para o economista João Sicsú (2014), “O plano Real, lançado em 28 de
fevereiro de 1994, foi um plano influenciado pelas ideias do economista
inglês John Maynard Keynes e pelas experiências hiperinflacionárias euro-
peias (da primeira metade do século XX), mas que contou com uma ques-
tionável administração de economistas brasileiros e com as (des)orientações
do Fundo Monetário Internacional (FMI). Longe de ter sido ‘idealizado por
Fernando Henrique Cardoso’, [...], o plano foi organizado e dirigido exclu-
sivamente pelos economistas do PSDB”.

152 Editora Mercado de Letras – Educação


Mundial sobre Educação para Todos, em Jomtien, na Tailândia.
O então Ministro da Educação, Murílio Hingel, assinalava que,
segundo acordo com a Unesco, no Plano encontravam-se os eixos
que direcionariam a reforma educacional daí em diante (Brasil 1993,
passim). Destacamos as que seriam sobremaneira aprofundadas:
gestão da Educação, sistema de avaliação em larga escala6 e
formação docente. Reafirme-se: o preparo do professor sempre
esteve na mira das políticas burguesas para a educação.
Da ótica do Estado e dos interesses capitalistas, duas
estratégias sobressaíram. A primeira previa que para desenvolver
as metas educacionais seriam necessários cooperação e intercâmbio
de caráter bilateral, multilateral e internacional, acordos que
se espraiaram pelos entes federados.7 A segunda calcava-se na

6. No Plano (Brasil 1993, pp. 59) lê-se: “vem sendo desenvolvido e imple-
mentado o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB),
com a finalidade de aferir a aprendizagem dos alunos e o desempenho das
escolas de primeiro grau e prover informações para avaliação e revisão de
planos e programas de qualificação educacional.” A partir de 1988 (Werle
2011), surge a avaliação em larga escala na Educação Básica por meio do
Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Público (Saep) de 1º grau, no
Paraná e Rio Grande do Norte. Esse piloto contou com a presença do Banco
Mundial. Numa linha de tempo temos: 1992, o INEP assumiu a avaliação;
1995, surgiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb);
1998, criou-se o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem); 2000, Brasil
começa a participar do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes
(Pisa), organizado pela OCDE. Atualmente está em discussão a implemen-
tação de uma Prova Nacional de Concurso para ingresso na carreira docente.
Aprovada pela Portaria Normativa no 3, de 2 de março de 2011 (Brasil 2011)
e inserida no Plano Nacional de Educação de 2014 (Brasil 2014), encontra-
se ainda em estudo (Brasil 2015).
7. Na perspectiva do capital incidindo diretamente na educação e na formação
docente, citamos o caso da significativa entrada, na Prefeitura Municipal de
Florianópolis (PMF), do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
O acordo foi firmado em 2014 com o objetivo de expandir e melhorar a Edu-
cação Infantil e Ensino Fundamental do município, constando entre seus
eixos um dedicado à formação docente. Para executar parte substantiva dele
foram contratados o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação

Desventuras dos professores na formação para o capital 153


estruturação de um Sistema Nacional de Educação a Distância8
para oferecer o Programa de Capacitação de Professores, Dirigentes
e Especialistas. À qualificação técnica e profissional subjazia
a reestruturação da formação inicial e a revisão da formação
continuada concebida como treinamento em serviço. Esse processo
interferiu tanto nos conteúdos, quanto nas formas institucionais que
as ofereciam, constituindo um amplo movimento de reconversão
docente no Brasil facilitado pela criação de redes educativas na
América Latina e Caribe.9 Em 1995, o Programa Um Salto para o

(CAED) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e a Fundação Car-


los Chagas (Seki et al. 2016).
8. “Encontra-se em fase de estruturação o Sistema Nacional de Educação a
Distância que, conforme previsto no Protocolo de Cooperação assinado pelo
Ministério da Educação (MEC) e o Ministério das Comunicações, com a
participação do Conselho de Reitores da Universidade Brasileira (CRUB),
do Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) e da União
Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), deverá apri-
morar e ampliar o programa de capacitação e atualização dos professores,
monitorar e avaliar os programas e projetos de educação a distância, bem
como desenvolver projetos de multimeios e de apoio à sala de aula. [...]
Programas de intercâmbio e de cooperação técnica deverão ser firmados
com organismos nacionais e internacionais. Buscar-se-á, ainda, ampliar e
aprimorar a produção, edição e transmissão dos programas de educação a
distância, por intermédio da Fundação Roquette Pinto, das emissoras que
compõem o Sistema Nacional de Radiodifusão Educativa (SINRED), das
emissoras de rádio e televisão Educativos. [...] Com o Sistema deverão ser
incrementados projetos de alfabetização, formação inicial e continuada do
cidadão brasileiro, constituindo prioridade o desenvolvimento dos recursos
humanos do setor educacional” (Brasil 1993, pp. 62-63).
9. Segundo Shiroma e Evangelista (2008, passim), “O Programa Regional da
Reforma Educativa na América Latina, criado em 1995, é uma parceria en-
tre organizações do setor público e privado do hemisfério que procura iden-
tificar problemas e promover e implementar políticas educacionais”. Era
apoiado por United States Agency for International Development (USAID);
Bancos Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Mundial (BM); Fun-
dação General Eletric, entre outros. Em nome do Brasil, participavam o
Ministro da Educação, Paulo Renato Souza, e Cláudio Moura Castro (asses-
sores do BID e BM); Guiomar Namo de Mello; Maria Helena Guimarães,

154 Editora Mercado de Letras – Educação


Futuro, para professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental,
concretizou a união entre Educação a Distância (EaD), formação
docente e cooperação internacional.10
Os delineamentos econômicos e políticos da década de
1990 e duas de suas estratégias para a educação – colaboração
internacional e EaD – abriram o caminho que transbordaria, na
metade da primeira década do século XXI, num projeto privado
de preparo docente, a distância, cujo butim fez a alegria e riqueza

presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Aní-


sio Teixeira (INEP). Souza compunha a diretoria da Fundação Lemann que,
entre outras iniciativas, fornecia formação para gestores educacionais. O
PREAL foi criado pelo Inter-American Dialogue (IAD) e recebia financia-
mento da USAID e de empresas multinacionais, como as GE, Ford, Merck.
Fernando Henrique Cardoso era seu diretor adjunto, na companhia de Armí-
nio Fraga e Henrique Meirelles, ambos ex-presidentes do Banco Central e o
segundo foi Ministro da Fazenda na gestão de Temer (2016-2018). O Com-
promisso todos pela Educação foi acertado, em 2006, na Conferência Ações
de Responsabilidade Social em Educação: melhores práticas na América
Latina, promovida pelas Fundações Lemann e Jacobs e Grupo Gerdau com
a participação do PREAL e do IAD. As autoras afirmam que o PREAL
possuía “papel fundamental na capilarização das diretrizes internacionais
por meio de organizações governamentais e não-governamentais regionais
e locais.” Outra rede, a Kipus, criada em 2003, no Chile, se restringia às
instituições que formavam professores em nível superior; redes e sindicatos
profissionais; organizações não-governamentais; órgãos estatais. A Kipus li-
gava-se ao Projeto de Educação para a América Latina e Caribe (PRELAC),
lançado em 2002 (Unesco 2002) cujo objetivo era a “reconversão docente”
ou a ressignificação do conceito Educação e das formas institucionais de
preparo docente.
10. O “Programa Um salto para o Futuro”, de 1995, incorporou-se à TV Es-
cola, MEC. A Secretaria de Educação a Distância (MEC), de 1996, assim
como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9.394, de 20 de
dezembro de 1996 (Brasil 1996), consolidaram essa modalidade de ensino,
regulamentada em 20 de dezembro de 2005, Decreto n° 5.622 (Brasil 2005).
A implementação da EaD não se resumiu a um governo ou partido; consistiu
em uma política de formação e em nicho de mercado altamente rentável
para variadas mercadorias, sendo a principal delas a venda de certificados.

Desventuras dos professores na formação para o capital 155


do capital monopolista. A eleição de FHC, empossado em 1995,
significou o recrudescimento desse encaminhamento. Sua política
realizou o que Collor iniciara: reforma do Aparelho de Estado;
flexibilização das leis trabalhistas; privatizações e terceirizações na
esfera pública; ajuste fiscal; controle de gastos e de investimentos
públicos; implementação das parcerias público-privadas,11 entre
outras iniciativas. A hegemonia burguesa neoliberal repercutiu
fundo na política, nos meios de produção da existência e nas formas
de organização coletiva. As contradições que emanaram das crises
capitalistas levaram à difusão e consolidação de uma razão histórica
que vetorizou o pensamento e a vida social. A sociedade política
assumiu o importante papel de mediadora nos debates acerca
da destinação dos sujeitos sociais. Dardot e Laval (2016, p. 17)
assinalam que

[...] o neoliberalismo, antes de ser uma ideologia ou uma


política econômica, é em primeiro lugar e fundamentalmente
uma racionalidade e, como tal, tende a estruturar e organizar
não apenas a ação dos governantes, mas até a própria conduta
dos governados. A racionalidade neoliberal tem como
característica principal a generalização da concorrência como
norma de conduta e da empresa como modelo de subjetivação.
O termo racionalidade não é empregado aqui como um
eufemismo que nos permite evitar a palavra “capitalismo”. O
neoliberalismo é a razão do capitalismo contemporâneo [...].

No bojo dessa racionalidade, a política engendrada fez


eco ao ajuste estrutural da economia e, subalternos às relações
imperialistas, Cardoso e seu Ministro da Educação plenipotente,
Paulo Renato Souza, providenciaram a reforma da educação. Motta
e Leher (2017, pp. 244) chamaram a atenção para o fato de que

11. Cêa (2017) realiza uma discussão atual e pertinente sobre crises do capital e
parcerias público-privadas em educação.

156 Editora Mercado de Letras – Educação


Estávamos diante da tendência de a Organização Mundial
do Comércio (OMC) listar a educação entre as atividades
comerciais que regula, sujeita ao Acordo Geral para Comércio
em Serviços (GATS), criando um mercado educacional
internacionalizado. Neste contexto, as condições para iniciar
a ofensiva do privado contra o público foram criadas: no
âmbito da educação, a promulgação da Lei de Diretrizes
e Base da Educação, Lei 9394/1996, e o Plano Nacional de
Educação-2001 respaldaram as possibilidades de realização de
parcerias público-privadas.

Também Lima (2006, pp. 2) indica o papel da OMC: “Desde


sua criação, constituiu-se em veículo de defesa dos interesses
econômicos de países desenvolvidos, em virtude do que não consegue
dissimular as pressões que recebe para criar mecanismos capazes de
influir sobre os rumos da indústria educacional mundial”.12
A formação docente estava sob a ameaça do capital – e
continua. Ela tornou-se central na reforma educativa e o professor
foi projetado como profissional eficaz, executor de tarefas impostas
à escola. Seu campo de preparo e trabalho foi esquadrinhado pelos
interesses burgueses neoliberais. O professor foi encapsulado
por políticas em todos os campos: livro didático; sistema de

12. Lima (2006, pp. 6) destaca em meados dos anos 2000: “O que surpreende
é complacência com que lideranças do meio acadêmico têm se referido à
questão: em posição de flagrante subordinação, o ex-ministro da educação
(Cristovam Buarque) considerou salutar o interesse de grupos estrangeiros
investir no mercado educacional brasileiro assegurando que é muito melhor
que o capital seja aplicado na educação do que em outras áreas, como por-
nografia ou jogo. Tanto em palestras proferidas quanto em depoimentos à
imprensa, o ex-ministro Paulo Renato Souza coloca-se como defensor da
internacionalização do mercado educacional. Os argumentos explorados
asseguram que a concorrência contribuirá para movimentos em direção
da elevação da qualidade acadêmica e da gestão universitária.” Cristovam
Buarque foi Ministro no Governo Lula entre 1 de janeiro de 2003 e 27 janei-
ro de 2004; Paulo Renato Souza ocupou o cargo entre 1 de janeiro de 1995
e 1 janeiro de 2003, durante o Governo de Fernando Henrique Cardoso.

Desventuras dos professores na formação para o capital 157


avaliação em larga escala; achatamento salarial; diminuição de
concursos públicos; excesso de horas-aula; contratos temporários;
grande número de alunos em sala; não pagamento do piso salarial
nacional; diretrizes curriculares; neogerencialismo escolar;
articulação de interesses internos e internacionais à formação e
trabalho pedagógico; pagamento da formação inicial e continuada
em escolas de nível superior não universitárias; implementação da
modalidade EaD. As lutas desencadeadas por professores contaram
alguns ganhos, mas a lógica macro da reforma se estabeleceu.
Cardoso, no documento Mãos à Obra, Brasil (Cardoso
1994, pp. 120), indicava qual seria sua política de formação docente
para a Educação Básica: “Utilizar o ensino a distância e outras
tecnologias atuais nos programas de atualização de professores”.
Também o Ministro da Educação de Lula, Cristovam Buarque,
em 2003, asseverou que “O ensino a distância é uma forma de
triplicar o acesso à educação superior.” Os interesses capitalistas
em presença não brincavam em serviço. Progressivamente, ganhou
dimensão colossal a “fábrica de professores” (Mandeli 2014), o
correspondente mercado de diplomas de ensino superior a distância
e o mercado de produtos correlatos.
Do ponto de vista legal, a principal legitimadora da
modalidade EaD foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
nº 9394, de 20 de dezembro de 1996 (LDBEN) (Brasil 1996). Reza
o Art. 80º que “o Poder Público incentivará o desenvolvimento e a
veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis
e modalidades de ensino, e de educação continuada”. Este se cruza
com o artigo 87º, §4º, que dispõe que “Até o fim da década somente
serão admitidos professores habilitados em nível superior ou
formados por treinamento em serviço”. Uma de suas consequências
foi a diminuição das matrículas no Curso Normal (CN) em nível
médio.13 Monteiro e Nunes (2006, pp. 5-6) citam informações do

13. O Curso Normal forma profissionais para a docência na Educação Infantil e


séries iniciais do Ensino Fundamental, tarefa assumida desde 1835, quando

158 Editora Mercado de Letras – Educação


INEP de 2004 nas quais “a tendência de crescimento observada no
período de 1991/1996 sofreu uma significativa inversão no período
de 1996/2002, com a redução pela metade do número de escolas
e da quantidade de matrículas”. Os CNs em 1993 somavam 5.572
estabelecimentos; em 1997, 5.370; em 2002, 2.641. Os Censos
Escolares de 2003 e 201714 demonstram que as matrículas públicas
e privadas nos CN reduziram em torno de 70%. As públicas caíram
de 285.216 para 90.874; as privadas de 19.736 para 3.919, indicando
uma formação em nível médio praticamente residual. De outro
lado, de 2014 para 2018, houve redução de professores, em atuação
nos anos iniciais do Ensino Fundamental, com formação no CN
de 15,7% para 11% e o incremento de licenciados de 71,5% para
77,3%. Em contrapartida não foi alterado o percentual de 4,3% de
professores das séries iniciais do Ensino Fundamental com ensino
médio ou inferior (Brasil 2019, pp. 5).
Além da diminuição substantiva dos formados em nível
médio, outra questão se coloca: a indicação legal de formação em
nível superior soava como uma espécie de favorecimento ao setor
privado para que professores leigos e aspirantes à docência pudessem
se graduar de modo rápido por meio da EaD sem se afastarem do
trabalho. Isso de fato aconteceu, mas em escala reduzida, pois dados
do INEP indicam que o percentual de professores em atividade com
nível médio de formação permaneceu quase o mesmo, de 2014 para
2018.
O Governo FHC, via LDBEN, criou o Curso Normal Superior
(CNS) com o fito de oferecer formação docente não universitária

foi criada, em Niterói, Rio de Janeiro, a primeira Escola Normal para formar
professores para o então ensino primário. Essa escola oferecia o Curso Nor-
mal que paulatinamente se alastrou pelas Províncias do Império. Nos anos
de 1930, algumas foram elevadas ao nível superior por breve período. (Ta-
nuri 1970) Nos anos de 1970, denominou-se Habilitação Magistério, tendo
voltado à sua denominação original com a LDBEN (Brasil 1996).
14. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/guest/microdados. Acesso em:
14/10/2017.

Desventuras dos professores na formação para o capital 159


para a Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental
para atender a demanda que produziu sob os auspícios de diretrizes
do Banco Mundial, tarefa dividida antes entre o CN Médio e o de
Pedagogia. A lógica bancomundialista em presença propunha a
expansão do ensino superior terciário (Banco Mundial 1995) no
Brasil, de forma que o país poderia, a um só tempo, economizar não
expandindo as universidades e cumprir expectativas internacionais
de formação superior do professor.15 De fato, segundo Malanchen
(2007, pp. 97), desde o final dos anos de 1980 o investimento na
educação superior teria cedido lugar para a Educação Básica nas
diretrizes do BM, redirecionando seus financiamentos para diminuir
seus gastos e produzir maior eficiência, por meio de práticas de
gestão empresarial, ademais de estimular o envolvimento do setor
privado na sua oferta. Para Siqueira (2004, pp. 51), subjazia a esse
encaminhamento o ideológico bordão “alívio à pobreza”, cujo
objetivo final era construir consensos em torno da justeza de seu
projeto, além de alimentar a suposta “sociedade do conhecimento”.
Estava em andamento a transformação da formação docente em
nível superior em bem mercadejável (Granemann 2007).
Na análise que desenvolveu sobre formação docente e EaD nas
políticas governamentais brasileiras entre 1995 e 2006, Malanchen
(2007, pp. 22) concluiu que os CNSs encaminhavam a formação
docente de modo a que “não fosse realizada necessariamente na
universidade, mas que pudesse acontecer, preferencialmente,
nos Institutos Superiores de Educação (ISE)”.16 O insucesso do

15. O atual Plano Nacional de Educação (PNE) (Brasil 2014) prevê que, até
2020, os professores da Educação Básica deverão ser licenciados, a tendên-
cia de desaparecimento do curso normal em nível médio deverá se agravar.
Não significa que tal formação ocorrerá, pois o previsto na LDBEN de 1996
até hoje não ocorreu.
16. Esta posição fica clara no Decreto Presidencial nº 3.554, de 7 agosto de
2000 (Brasil 2000), artigo 3º, § 2, que dispõe: “A formação em nível supe-
rior de professores para a atuação multidisciplinar, destinada ao magistério
na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, far-se-á,
preferencialmente, em cursos normais superiores”.

160 Editora Mercado de Letras – Educação


projeto do PSDB levou a que, de 2006 em diante (Brasil 2006), no
Governo Lula, a licenciatura em Pedagogia fosse definida como a
formação superior adequada aos professores da Educação Infantil
e das séries iniciais do Ensino Fundamental; os CNS poderiam
transformar-se em Curso de Pedagogia. Aos poucos, deixou de
constar nas informações dos Censos do INEP,17 não sendo, contudo,
possível afirmar que não existam mais ISE ou CNS. Em 2003, havia
81.229 matrículas no Normal Superior, das quais 53.946 (66,4%)
presenciais e 27.283 (33,6%) na modalidade EaD. Das matrículas
gerais, 31.721 (38,1%) estavam na esfera pública, enquanto 49.508
(60,9%) no setor privado, das quais 26.412 (50,2%) cabiam às
instituições particulares. Em 2017, o Censo da Educação Superior
indicava que apenas três cursos estavam em funcionamento, dois
sem matrículas registradas.18
À LDBEN seguiram-se novas regulamentações tendo em
vista a consolidação da modalidade a distância na formação de
professores. É o caso dos Decretos nº 2.494, de 10 de fevereiro
de 1998 (Brasil 1998a) e nº 2.561, de 27 de abril do mesmo ano
(Brasil 1998b); em 2005, o Decreto nº 5.622, de 19 de dezembro
(Brasil 2005b), definiu a EaD como uma modalidade de ensino.19 O
Decreto nº 6.303, de 12 de dezembro de 2007 (Brasil 2007c) alterou
dispositivos anteriores favorecendo seu crescimento.
Barreto (2010a, p. 1301) afirma que

17. O Curso Normal Superior, com a padronização de variáveis de coleta do


Censo da Educação Superior via tabelas da OCDE, foi incorporado à cate-
goria Pedagogia.
18. Um no Centro de Estudos Psicopedagógicos Pro-Saber, privado, com
26 matrículas; dois no Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro
(ISERJ), em faculdades na cidade do Rio de Janeiro, nos quais não consta-
vam matrículas. 
19. “Artigo 1º: Caracteriza-se a educação a distância como modalidade educa-
cional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e
aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informa-
ção e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades
educativas em lugares ou tempos diversos.” (Brasil 2005b).

Desventuras dos professores na formação para o capital 161


A EaD pode ser objetivada a partir da sua especificidade em
relação ao ensino presencial e, especialmente, em função do
seu modus operandi (sendo a única não nomeada em função
do nível de ensino ou da clientela a que se destina, mas ao
modo da sua realização), podendo mesmo dispensar discussões
substantivas, em função da centralidade das TIC para a
veiculação dos materiais de ensino e para o seu gerenciamento.

Para a autora, essa modalidade tornou-se central nas


políticas educacionais porque concretizou a expansão do ensino
superior sob a alegação de sua democratização e como estratégica
na política de inclusão de jovens “pobres” nesse nível de ensino.
Parte do processo de expansão do Ensino Superior terciário vem
sendo realizado pelos Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia (IFETs), criados e unificados em 2008 no âmbito da
Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica
(Brasil 2008).20 Em 2016, funcionavam 38 Institutos Federais, com
644 campi, com a obrigação legal de oferecer 20% das vagas para
formação de professores para a educação básica e a profissional.
Apesar da letra da lei, segundo Oliveira e Oliveira (2016), em
2014, além das principais licenciaturas – Química, Matemática,
Física e Ciências Biológicas –, mais 13 cursos foram oferecidos,
entre os quais a Licenciatura em Pedagogia. Trata-se também de um
processo de reconversão institucional, posto que tradicionalmente a
formação docente não competia às escolas técnicas.
Em 2014, foi lançado pelo Governo Dilma o documento A
democratização e expansão da educação superior no país

20. Para Mancebo, Silva Júnior e Oliveira (2018, pp. 6), o enxugamento das
funções matriciais da Universidade, que supõem a indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão, vem ocorrendo na implementação de formas
de ensino superior públicas nas quais o ensino é priorizado. Os autores re-
ferem-se aos “institutos federais de educação, ciência e tecnologia – IFE”.
Não significa afirmar que nos Institutos não ocorra pesquisa, mas que sua
organização institucional é pertinente à lógica do Ensino Superior não uni-
versitário.

162 Editora Mercado de Letras – Educação


(Brasil 2014a). Neste balanço, afirma-se que a Educação
Superior no Brasil teria evoluído seguindo os pressupostos da
expansão, inclusão e qualidade. Tal direcionamento articulou-
se à Declaração Mundial sobre Educação Superior (Unesco
1998), aprovada durante a Conferência Mundial sobre
Educação Superior da Unesco, em outubro de 1998. A suposta
“valorização do saber acadêmico pelo mercado de trabalho”
e o “crescimento da importância da pesquisa acadêmica”, a
começar na segunda metade do século XX, teria levado a “uma
expansão sem precedentes da demanda” de educação superior.
A maior inovação foi a criação do Sistema Universidade Aberta
do Brasil (UAB), em 2006, que viabilizaria a introdução das
“novas tecnologias de informação e comunicação (TIC)” e
“sua inserção qualificada nas práticas educativas, de forma que
a reflexão sobre a incorporação dessas novas tecnologias nas
práticas educativas é fundamental para os processos formativos
desenvolvidos nas IES.” (Brasil 2014a, pp. 90).21 Ou seja,
um dos mecanismos para atender a demanda foi “o fomento
à educação a distância, que apresenta ainda outras vantagens
como o baixo custo, a flexibilidade de horários e o alcance
praticamente universal.” O governo federal teria feito as
matrículas saltarem de menos de 50 mil, em 2003, para mais de
1,1 milhão, em 2013, um “extraordinário crescimento da ordem
de 2.200%” (Brasil 2014a, pp. 21). O que o documento não
revelou é que esse crescimento exponencial ocorreu no setor
privado e não na esfera pública. Como vimos, as matrículas em
licenciaturas na esfera privada chegaram a 890.862 (61,7%) do
total em 2015; na esfera pública ficaram em 576.319 (39,3%).22
Malanchen (2007, pp. 147) avalia que houve no MEC “a
institucionalização da EaD como modalidade preferencial

21. Entre os avanços contabilizados pelo governo encontrava-se a proposta de


“ensino a distância transfronteiriço”, parte do processo de internacionaliza-
ção da Educação Superior, e a formação de professores para a educação a
distância. (Brasil 2014).
22. De 2003 para 2015 as matrículas EaD em licenciatura passaram de 36.985
para 86.802 nas IES públicas e de 14.498 para 476.132 nas privadas.

Desventuras dos professores na formação para o capital 163


para o ensino superior em nosso país”, com instituição de leis,
portarias, decretos, bem como documentos orientadores para as
instituições que a ofertassem. A autora, chama a atenção para
um outro aspecto:

[...] os convênios realizados entre secretarias estaduais,


prefeituras e estatais demonstrariam que a EAD em nível
superior, no Brasil, desde a sua estruturação, [foi] entendida
como prestação de serviços, até mesmo nas instituições
públicas. Talvez isso explique, em parte, porque a expansão
da educação superior a distância, no setor público federal, está
vinculada às Pró-reitorias de Extensão e não às de Graduação,
as quais respondem pelo ensino superior no âmbito das
universidades. (Malanchen 2007, pp. 218, grifo da autora)

No interregno entre 2005 e 2010 o ensino superior cresceu,


a exemplo do Programa Universidade para Todos (Prouni) (Brasil
2005a) e do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais (Reuni) (Brasil 2007b).
Interessante considerar, ademais, que a expansão dos IFETs
objetivou ampliar o acesso ao ensino superior não universitário.
Em termos de preparo do professor, contudo, sua participação é
pequena. Todavia, no que respeita à formação de professores, a EaD
se consolidou nos mandatos do Governo Lula (2003-2010), com um
crescimento explosivo de 376.794 (731,9%) matrículas em EaD, de
2003 para 2011.23 O percurso até aqui evidencia que a expansão do

23. Não está em nosso escopo, discutir as políticas implementadas pelo Apa-
relho de Estado para a EaD no âmbito da esfera pública. Entretanto, ci-
tamos dois programas exemplares deste período: 1) o Pró-Licenciatura,
para formação de professores a distância, conjugando esforços do MEC,
Secretarias de Educação Básica (SEB), Secretaria de Educação a Distância
(SEED), com participação das Secretarias de Educação Especial (SEESP) e
da Educação Superior (SESU); 2) o Sistema Universidade Aberta do Brasil
(UAB) (Brasil 2006b), foi articulado pelas Secretaria de Educação a Dis-
tância (SEED/MEC) e Diretoria de Educação a Distância (DED/CAPES),

164 Editora Mercado de Letras – Educação


Ensino Superior foi induzida legalmente pelo Estado e ocorreu fora
dele, na esfera privada, sob a modalidade preferencial a distância.

Mais um passo no caminho

Nas décadas de 1970-1980 o capital enfrentou uma série


de crises e a necessidade de apresentar respostas econômicas, na
sua perspectiva, leva à abertura de “uma nova etapa do processo
de acumulação capitalista marcada pela ascensão do capital
financeiro” (Chaves e Amaral 2016, pp. 52). As reformas desse
período lograram a liberalização e desregulamentação dos fluxos
financeiros, a interligação dos mercados, a criação de inovações
financeiras (derivativos, securitização, contratos futuros etc.) e de
fundos de investimentos institucionais, ocasionando profundas
transformações no mercado mundial. Surgiram, então, os grandes
grupos educacionais que hoje concentram a imensa maioria das

cujos parceiros foram a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições


Federais de Ensino Superior (ANDIFES), Banco da Amazônia, Banco do
Brasil, Banco do Nordeste do Brasil, Banco de Desenvolvimento Econô-
mico e Social, Caixa Econômica Federal, Companhia de Geração Térmi-
ca de Energia Elétrica, Companhia Hidroelétrica do São Francisco, Cobra
Tecnologia, Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, Centrais Elétricas
Brasileiras, Centrais Elétricas do Norte do Brasil, Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária, Financiadora de Estudos e Projetos, Furnas Cen-
trais Elétricas, Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária, Instituto
Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial, Usina Hi-
drelétrica de Itaipu, Nuclebrás Equipamentos Pesados, Petróleo Brasileiro e
Serviço Federal de Processamento de Dados (Malanchen 2007, pp. 130). A
UAB foi, em 2007, transferida para a Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes) e manteve seu funcionamento baseado
em parcerias público-privadas.

Desventuras dos professores na formação para o capital 165


matrículas presenciais e à distância.24 Muitos deles nasceram como
colégios e cursos pré-vestibulares (os conhecidos cursinhos) e
cresceram exponencialmente nas décadas seguintes favorecidos
pelas articulações realizadas no âmbito do Estado que lhes
permitiram agir como Estado para assegurar seus interesses.
Semelhante processo pode ser em parte explicado pelo poder
econômico do Estado, como se percebe nas políticas de transferência
do fundo público para o fundo de acumulação de capital ou do
extenso processo de desregulamentação do ensino superior e da
modalidade de ensino à distância. Sem incorrer no erro que seria
separar educação e capital, isto é, considerando a existência real da
esfera da cultura (educação) e da economia (capital), é necessário
pensar se o quadro de devastação encontrado (da formação dos
professores nas mãos privadas e, sobremaneira, via modalidades
precárias de ensino) teria sido possível sem o pleno exercício do
poder estatal.
Em 1965, por exemplo, o Estado destinou 5% do Fundo
Nacional de Ensino Superior para “subvencionar os estabelecimentos
particulares do terceiro grau” (Cunha 1988, pp. 322). Assim,
“capitais tradicionalmente aplicados no ensino”, então chamado de
2º grau, ou aqueles recentemente “investidos em cursinhos e capitais
de outros setores de atividades transferiram-se para a exploração
do promissor mercado do Ensino Superior” (Cunha 1988, pp. 322).
Muitas escolas ocuparam suas instalações, no período noturno,
com faculdades que, depois, avançaram sobre os demais turnos
escolares e, mais tarde, converteram-se em universidades, ganhando
autonomia para a abertura de cursos e vagas a seu bel-prazer.

24. Os dez maiores grupos educacionais concentram mais de 42% de todas as


matrículas do ensino superior privado no Brasil: Kroton, Estácio de Sá,
Unip, Laureate, Ser Educacional, Uninove, Cruzeiro, Ânima, Devry e Uni-
cesumar.

166 Editora Mercado de Letras – Educação


Esse não foi o caminho natural dessas instituições,
conquanto pareça. Para alcançar o patamar relevado no presente,
elas precisaram articular seus interesses no interior do Estado. Em
nossa hipótese, a captura do Fundo Público foi o principal elemento
de determinação dessas mudanças no ensino superior brasileiro.
Diga-se, as IES sem fins lucrativos contaram, desde seu surgimento,
com isenções tributárias, garantidas, pelos textos constitucionais.
As transferências operadas a partir de 1965 para subvencionar,
inclusive as IES com fins lucrativos, demonstrou a intencionalidade
política na expansão do ensino superior: estrangular as instituições
públicas em favor das privadas.
Na Constituição de 1934, segundo Saviani (2008), as
instituições privadas de educação “primária ou profissional”, gratuitas
e consideradas idôneas, ficaram “isentas de qualquer tributo”. Na
Constituição de 1946 (Brasil 1946), a isenção foi transformada em
imunidade tributária, através de dispositivo que vedou à União,
aos estados, ao Distrito Federal (DF) e aos municípios lançarem
impostos sobre as “instituições de educação e de assistência social,
desde que as rendas” fossem “aplicadas integralmente no País para
os respectivos fins” (Brasil 1946). Na Constituição Federal de
1967, além de manter a imunidade tributária, oficializou-se que o
ensino era “livre à iniciativa particular”, a qual mereceria “o amparo
técnico e financeiro dos Poderes Públicos, inclusive mediante bolsas
de estudos” (Brasil 1967). Concomitante, o texto constitucional de
1967 (Brasil 1967) desobrigou a vinculação orçamentária (existente
nas Constituições Federais de 1934 e 1946) que obrigava a União
e os entes federados a destinarem parcela do orçamento para as
instituições públicas.
De acordo com Saviani (2008, pp. 298),

A Constituição de 1934 havia fixado 10% para a União e 20%


para estados e municípios; a Constituição de 1946 manteve os
20% para estados e municípios e elevou o percentual da União

Desventuras dos professores na formação para o capital 167


para 12%. A Emenda Constitucional n. 1, baixada pela Junta
Militar em 1969, também conhecida como Constituição de 1969
porque redefiniu todo o texto da Carta de 1967, restabeleceu a
vinculação de 20%, mas apenas para os municípios (art. 15,
§3º, alínea f).

O duplo movimento referido ofereceu apoio técnico e


orçamentário às IES particulares e, em simultâneo, desvinculou o
orçamento da educação pública. Com isso, se estabeleceu um amplo
espaço para o crescimento das instituições privadas e particulares.
Ainda se denota a escolha articulada pelo poder estatal na investida
contra a gratuidade do ensino: “sempre que possível, o Poder Público
substituirá o regime de gratuidade pelo de concessão de bolsas
de estudos”, com a subsequente restituição destas por parte dos
estudantes formados. O ensino superior não ficou estabelecido como
direito de todos, mas restrito àqueles que demonstrassem, segundos
critérios institucionais, os devidos graus de aproveitamento e não
pudessem pagar mensalidades e taxas. A gratuidade do ensino nas
públicas manteve-se relativamente,25 todavia as privadas foram
compensadas com maior autonomia (em especial para aquelas que
se converteram em universidades e centros de ensino), imunidades
tributárias e uma sucessão de programas; após 1990, políticas de
transferência de riqueza para o capital de ensino superior: Fundo
de Financiamento Estudantil (FIES),26 Programa Universidade

25. Dos anos de 1990 em diante surgiu um arcabouço legal para diluir a sepa-
ração entre as IES públicas e privadas, possibilitando, por exemplo, que em
muitas instituições de ensino municipais públicas sejam cobradas mensali-
dades e taxas sob a forma jurídica das fundações de ensino.
26. “O Fies, criado por Medida Provisória, em 1999, foi institucionalizado pela
Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001 (Brasil 2001), durante o Governo
Fernando Henrique Cardoso, e ampliado durante as gestões do Partido dos
Trabalhadores (2003-2016). Fundo de natureza contábil, destina-se à con-
cessão de financiamentos aos estudantes matriculados em cursos pagos de
ensino superior a serem pagos após a formatura, o que contribui para o endi-

168 Editora Mercado de Letras – Educação


para Todos (Prouni) (Brasil 2005a), Programa de Estímulo à
Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino
Superior (Proies) (Brasil 2012), financiamentos do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para citar
alguns. As transformações na regulamentação do ensino superior,
somadas àquelas que favoreceram a expansão da EaD, foram
fundamentais para os processos de concentração e monopolização
dos capitais de ensino superior, grandes grupos controladores do
ensino superior privado brasileiro, tais como a Kroton, Estácio de
Sá, Unip, Ser Educacional e Ânima.

O caminho teria terminado?

O advento do neoliberalismo gerou modificações estruturais


nos capitais de ensino superior brasileiros, estabelecendo as
condições para a formação de grandes grupos controladores,
de meados dos anos 2000 em diante. Ressalte-se: capitais que
floresceram em período de profunda crise mundial (2007-2008,
2011, 2014). Intelectuais acadêmicos vêm denominando de
financeirização27 (Chaves e Amaral 2016, pp. 52) ou financeirização

vidamento precoce de ampla parcela da juventude nutrida da expectativa de


empregos que exigiriam melhor qualificação e seriam melhor remunerados.
Em junho de 2017, em meio a conjuntura de cortes do novo regime fiscal,
o Governo Temer modificou o Fies, propondo que até 30% do valor das
parcelas sejam descontadas diretamente da folha de pagamentos dos recém-
formados, eliminando o prazo de carência para o início do pagamento dos
empréstimos” (Seki 2017, pp. 10).
27. Há uma miríade de expressões que procuram dar conta de semelhantes ca-
racterizações do atual padrão de acumulação do capital. Expressões como
“financeirização da educação superior”, “financeirização do capital”, “pre-
domínio da finança”, “mundialização do capital sob o predomínio financei-
ro”, “predomínio do capital fictício e portador de juros”, e assim por diante.

Desventuras dos professores na formação para o capital 169


do capital de ensino superior esse movimento, cuja marca distintiva
é a liberalização da circulação mundial de capitais, derrubando as
barreiras internas para o livre trânsito de capitais, seja sob a forma
monetária ou da mercadoria – entre as quais, a força de trabalho.
Parcelas crescentes de capitais se apresentaram sob forma
monetária, concentrando grandes operações de investimentos,
com relativa autonomia no que diz respeito aos setores
produtivos (Mancebo, Júnior e Schungurensky 2016, pp. 207).
A sua consequência mais imediata no mundo foi a necessidade –
convertida em vontade coletiva – de liberalização de oportunidades
de investimentos em setores tidos como campo das políticas sociais
(Fontes 2010). Reconhecemos que essa parcela de capitalistas foi
“insistente e vitoriosa nas tentativas de reposicionar sua hegemonia
mundial” (Mancebo, Júnior e Schungurensky 2016, pp. 207), o que
se evidencia na criação da OMC, em 1995, seguida da redefinição
da “educação no rol de serviços a ser liberalizado no escopo do
General Agreement (TISA)”. O capital internacional, ademais do
exposto, pode fazer uso eficaz de uma constelação de Organizações
Multilaterais (OM), entre as quais o BM, o Fundo Monetário
Internacional (FMI), o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID), a OCDE, a Unesco, articuladas aos governos e frações
capitalistas locais, para a desregulamentação e liberalização dos
direitos sociais – pelo convencimento ou pela força.
A promulgação da LDBEN (Brasil 1996), para Oliveira
(2015, pp. 74), “estava em total consonância com os interesses
das frações dominantes do capital, seja interno ou internacional. O
Banco Mundial salientava que o ensino superior era uma área de
negócios e deveria ser apropriada como mais um setor de expansão,

No presente livro não pretendemos esgotar as diferentes formas de aborda-


gem categorial e nem as diferenças substantivas em termos teórico-metodo-
lógicos que cada qual representa.

170 Editora Mercado de Letras – Educação


concentração, acumulação e reprodução do capital”.28 Dessa
forma, se estabeleciam as bases para a continuidade da expansão
da educação superior assentada sobre as instituições de educação
superior privadas, ao mesmo tempo em que incluía a lógica mercantil
como o fundamento da relação entre os interesses privados e os
fundos públicos que nos anos seguintes se aprofundaria. É o caso
do Plano Nacional de Educação (Brasil 2014c) que procura apagar
quaisquer distinções entre as instituições educacionais públicas e
privadas como meio de justificar moral e legalmente a distribuição
de recursos do fundo público para o fundo de acumulação do
capital.29
Durante os governos do Partido dos Trabalhadores, a política
econômica manteve-se orientada para a mesma valorização financeira
internacional (Chaves; Amaral 2016, pp. 52-53), “contrariando a
expectativa de que seria reduzido o grau de submissão ao capital
rentista nacional e internacional”. Chaves e Amaral (2016, pp. 52-
53) afirmam que

28. A lei assegurou que o Estado fosse destacado para o controle e gestão das
políticas educacionais, liberalizando a oferta de educação privada (Chaves
2010). Esse é o sentido do artigo 7º da referida legislação: “O ensino é livre
à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I - cumprimento das
normas gerais da educação nacional e do respectivo sistema de ensino; II -
autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público;
III - capacidade de autofinanciamento, ressalvado o previsto no art. 213 da
Constituição Federal” (Brasil 1996).
29. Especialmente no seu parágrafo 4º do artigo 5º, diz: “§ 4o O investimento
público em educação a que se referem o inciso VI do art. 214 da Constitui-
ção Federal e a meta 20 do Anexo desta Lei engloba os recursos aplicados
na forma do art. 212 da Constituição Federal e do art. 60 do Ato das Disposi-
ções Constitucionais Transitórias, bem como os recursos aplicados nos pro-
gramas de expansão da educação profissional e superior, inclusive na forma
de incentivo e isenção fiscal, as bolsas de estudos concedidas no Brasil e no
exterior, os subsídios concedidos em programas de financiamento estudantil
e o financiamento de creches, pré-escolas e de educação especial na forma
do art. 213 da Constituição Federal” (Brasil 2014).

Desventuras dos professores na formação para o capital 171


Para tanto, adotaram medidas ortodoxas na economia como a
elevação das taxas de juros e mudanças no câmbio, de forma
a facilitar a remessa de recursos ao exterior. Em relação às
políticas sociais, aprofundaram a privatização dos serviços
públicos por meio das Parcerias Público-Privadas (PPP),
transferindo a responsabilidade do Estado para o setor privado.
Por outro lado, adotaram medidas compensatórias para atender
a população que se encontrava em “situação de risco”. Assim,
as políticas sociais transformaram-se em sinônimo de política
social focalizada, direcionadas aos mais pobres, pela via da
adoção de programas de complementação de renda, como o
Programa Bolsa Família

Nas políticas educacionais, obteve papel importante o Fies


(Brasil 2001) e o Prouni (Brasil 2005a), entre outras na mesma
direção. O Fies passou à centralidade das políticas de financiamento
estudantil e alcançou, em 2016, a marca do financiamento de 22%
de todas as matrículas no ensino superior privado, o que significa
2,3 milhões de jovens trabalhadores. Nesse ano, o gasto corrente do
governo com o Fies chegou a R$ 30 bilhões, entre os valores com
mensalidades e os subsídios (Pinto e Saldaña 2017).
No caso dos cursos de licenciaturas, mais de 322 mil
matrículas estão relacionadas a alguma modalidade de financiamento
estudantil, dos quais 105 mil são relativas ao FIES e 67.644 ao
Prouni (Tabela 1, a seguir).
Quando consideramos todos os cursos privados, percebemos
a dimensão das transferências públicas. Os dados do Gráfico
1 apresentam os gastos estimados de renúncias e as despesas
executadas com o FIES em comparação com as despesas da
subfunção educação superior federal na Lei Orçamentária Anual
(em bilhões de reais).

172 Editora Mercado de Letras – Educação


Tabela 1 – Frequência de matrículas em licenciaturas com financiamentos,
por modalidade e categoria administrativa – 2015 – Brasil

Pública Privadas TOTAL

Tipo de financiamento Presencial EaD Presencial EaD Total Presencial EaD TOTAL

Financiamento estudantil* 6.933 3 202.817 112.491 315.308 209.750 112.494 322.244

FIES reembolsável 878 1 104.114 72 104.186 104.992 73 105.065

Financiamento IES não reembolsável 1.308 2 67.862 42.063 109.925 69.170 42.065 111.235

Financiamento IES reembolsável** 1 - 2.228 1.674 3.902 2.229 1.674 3.903

PROUNI integral 14 - 28.919 27.954 56.873 28.933 27.954 56.887

PROUNI parcial - - 7.740 3.017 10.757 7.740 3.017 10.757

Desventuras dos professores na formação para o capital


Fonte: INEP (2015)
Nota: As IES especiais estão somadas com as públicas.
* Informa se o aluno possui bolsa/financiamento estudantil
** Informa se o aluno é beneficiário de programa de bolsa/financiamento reembolsável pela IES

173
Gráfico 1 – Comparativo entre as estimativas de renúncias fiscais
e gastos executados com o FIES em comparação com o orçamento
destinado à subfunção Educação Superior Federal na LOA, em
bilhões de reais – 2013-2017

Fonte: Elaboração do autor, dados compilados nas informações disponíveis na Plataforma


SIGABRASIL do Senado Federal; Orçamento Público Federal (2013-2017) e dados de
estimativas de gastos tributários elaborados pela Receita Federal entre 2003 e 2018. [Nota:
valores correntes de 2018, ajustados pelo IPCA-E]

É notável que em meio à crise econômica mundial de 2007-


2008 e suas consecutivas ondas de crise (2011-2012 e 2014), mesmo
em meio aos ritos do ajuste fiscal e do congelamento das despesas
primárias, o Estado seguiu transferindo somas maiores ao capital
de ensino superior. Para Vale (2011), operou-se nos últimos anos,
com os recursos dos fundos educacionais, um verdadeiro sequestro
em favor da acumulação dos capitais de grande porte. No mesmo
sentido, Silva (2014), analisando o Proies, concluiu que, com o
Fies e o Prouni, evidencia-se como as transferências de recursos
do fundo público foi central para formação das grandes empresas
educacionais, como a Kroton-Anhanguera, a SER Educacional e a
Estácio de Sá Participações. Esses autores ressaltam a significativa
função desempenhada pelo Estado na medida em que o volume
das transações do Fies e Prouni tornaram-se crescentes a cada ano.
Dois fatores combinaram-se no processo: a desregulamentação
e liberalização da legislação que regula esse nível de ensino e a

174 Editora Mercado de Letras – Educação


expansão dos programas que financiam as instituições particulares.
Certamente os bordões oficiais obliteram a percepção clara desse
movimento, submetendo os jovens à idealização dos benefícios que
o ensino superior traria, expondo-os ao ideário da meritocracia, do
protagonismo, do empreendedorismo, do empoderamento.30 Ideário
que põe na competição exagerada o sentido da escolarização,
reforçando o matiz individualista que a perpassa. Para Motta, Leher
e Gawryszewski (2018, pp. 316):

É justamente esta genérica e idealizada juventude a fração


populacional que mais vem sofrendo os impactos da
recomposição do capital no Brasil. De acordo com a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) do
quarto trimestre de 2017, o nível de ocupação dos jovens de 18
a 24 anos atingiu 51,7%, bem abaixo dos 59,7% em comparação
ao quarto trimestre de 2012. Tal indicador sugere que a
população jovem estaria fazendo um movimento de buscar a
elevação de sua escolaridade. Embora tal hipótese não esteja
de todo equivocada, visto os graduais avanços quantitativos
no grau de escolarização, não é capaz de explicar os índices
em sua extensão, pois, ao examinar a taxa de desocupação dos
adultos jovens de 18 a 24 anos, esta se mantém no patamar
médio entre 32 a 34%, entre 2012 e 2017, o que nos permite
inferir que mesmo no período anterior à recessão econômica,
o patamar de desemprego para a força de trabalho jovem já
estava em nível deveras elevado. (Brasil 2018).

30. Esses brocardos, e assemelhados, articulam-se à ideia de que é possível sair


da pobreza pela via individual. A situação da classe trabalhadora, explorada,
é elidida, construindo-se a hipótese da solução de sua posição socioeconô-
mica pela humanização do capital, pela saída subjetiva, não coletiva e não
organizada de seus interesses. No caso do empoderamento, Carvalho (2014
pp. 151) pesquisou o tema no âmbito do Banco Mundial, indicando que são
cinco as áreas para sua aplicação prática: “1) prestação de serviços básicos;
2) melhoria da governança local; 3) melhoria da governança nacional; 4)
desenvolvimento de um mercado pró-pobre; 5) acesso à justiça e à prestação
de contas.”

Desventuras dos professores na formação para o capital 175


De acordo com os dados das amortizações no âmbito do FIES,
em 2016, 53% dos estudantes inscritos no programa encontravam-se
em situação de inadimplência. Destes, 27% com atrasos superiores
a 360 dias. Em 2015, o Tribunal de Contas da União, estimou um
montante de R$ 625 milhões em valores atrasados (nominal). As
consequências do atraso no financiamento são severas para os
estudantes, mesmo aqueles que consigam concluir os cursos de
graduação, impossibilitando a obtenção de créditos, inscrição nos
bancos de dados de devedores, inscrição na dívida ativa, entre
outras. Mas essa “corda no pescoço” tem certamente efeitos no
campo da subjetivação, porque a experiência desses sujeitos com
seus cursos, suas profissões e sua formação são atravessados por
essa demanda que se coloca todo o tempo: pagar o financiamento
ou tornar-se inadimplente.

Conclusão: o capital venceu. Até quando?

Talvez possamos pensar que muitas das dificuldades analíticas


correntes estejam ligadas à concepção de Educação de que somos
portadores. Nossa convivência, em geral harmoniosa, com a ideia de
que a “solução para os problemas sociais está na Educação”, que sem
ela “o aluno não adquire as competências para o trabalho”, o “país
não se desenvolve”, os “jovens não arranjam emprego”, “os salários
não sobem”, nos leva a legitimar a ideia de que o professor deve
responder não só pelas mazelas escolares, mas pelas econômicas e
sociais que, obviamente, fogem da sua alçada, posto que a Educação,
como Xavier e Deitos (2006) disseram, não é terreno de produção dos
problemas socioeconômicos, nem de sua solução. É preciso derrubar o
“empoderamento do professor” – de resto falso – para compreender a
materialidade de sua existência social.31

31. A Unesco vem investindo na ideia de empoderamento docente como forma


de alcançar a qualidade da educação. Em 2015, na Declaración de In-

176 Editora Mercado de Letras – Educação


Nosso interesse no debate acerca do lócus da formação
docente, na coleta de dados e na sua análise teve em vista descortinar
em parte – ao lado de outros pesquisadores – a totalidade que
constituiu, e constitui, o preparo do magistério nacional após os anos
de 1990. Não é possível elidir as determinações da escolarização,
abstraindo sua história, o que poderia nos levar ao cinismo de pôr
em questão o empenho de tutores e professores na consecução de
seu trabalho em vez de compreender a materialidade que o produz,
às suas ideias e aos locais de sua formação. Está em causa o uso
desleal da ação docente para construir explicações palatáveis que
justifiquem o desemprego estrutural, o grau de precarização em que
se encontra a classe trabalhadora, fonte sempiterna de risco para os
interesses capitalistas.
A materialidade em que nos encontramos – de imperialismo,
de inserção subordinada do Brasil nas relações internacionais, de
imposição da lógica econômica financeirizada, de novas formas
de organização dos interesses burgueses, de um movimento social
que recém saiu do adormecimento providenciado pelos anos Lula –
evidencia que no âmbito estrutural novas formas, impensáveis, de
expropriação do trabalhador estão sendo concretizadas. A escola,
por sua vez, é impactada por esse movimento cruel, um dos motivos
que a levou a se tornar importante nicho de mercado. Trata-se de
garantir a reprodução do capital que, em conjunturas de crise, “busca

cheon, que lançou as bases de sua política para 2030, reafirmou esta abor-
dagem: Nos comprometemos con una educación de calidad y con la mejora
de los resultados de aprendizaje, para lo cual es necesario fortalecer los
insumos, los procesos y la evaluación de los resultados y los mecanismos
para medir los progresos. Velaremos por que los docentes y los educadores
estén empoderados, sean debidamente contratados, reciban una buena for-
mación, estén cualificados profesionalmente, motivados y apoyados dentro
de sistemas que dispongan de recursos suficientes, que sean eficientes y que
estén dirigidos de manera eficaz. (Unesco 2015, pp. 7). Helen Clark, Ad-
ministradora do PNUD, foi assertiva: “Em nosso mundo, o conhecimento é
poder e a educação empodera.” (Unesco 2015, pp. 13).

Desventuras dos professores na formação para o capital 177


de todas as formas valorizar o valor e operar na esfera pública,
patrocinado pela mão visível do Estado” (Shiroma 2015, pp. 16).
Situação como essa levou Rikowski (2017, pp. 395) a
afirmar que “A privatização na educação não é essencialmente
sobre educação”. De fato, o sentido da formação do professor
em nível superior particular, na modalidade a distância, é dado
pelo capital educador, pois estamos frente ao “aprofundamento do
domínio do capital em instituições específicas (escolas, faculdades,
universidades etc.) na sociedade contemporânea” (Rikowski 2017,
pp. 395). É necessário, pois, ultrapassar a crítica, muitas vezes
pertinente, que se apega aos padrões de qualidade, às formas
contratuais, às condições de trabalho, aos métodos e materiais de
ensino, à defesa do mercado de trabalho, entre outros aspectos, para
localizá-la nas relações sociais que lhe dão sustentação. Isto é, nas
formas que a mercadoria assume na sociedade capitalista: a força
de trabalho e as outras mercadorias, ambas portadoras de valor
e geradoras de mais-valia. De modo que, para além da educação
oferecida nas grandes escolas monopolizadas, nelas ocorre:

[...] a privatização da produção da força de trabalho. As


instituições de educação e de formação de professores estão
envolvidas na produção social da força de trabalho (Rikowski,
1990). Assim, quando são privatizadas, as atividades, processos
e formas pedagógicas envolvidas na produção de força de
trabalho também são necessariamente privatizadas. (Rikowski
2017, pp. 396)

Uma das saídas apresentadas pelo capital para repor sua


hegemonia – não inexoravelmente –, além de recorrer ao fundo
público e privado, foi criar, em acordo com o Estado, novas
fronteiras de investimento e de aumento da sua taxa de lucro. Para
Behring (2018, pp. 47), um dos movimentos centrais do Estado

[...] é realizar processos de atratividade dos capitais, num


contexto de superacumulação, disponíveis na forma dinheiro,

178 Editora Mercado de Letras – Educação


por meio das privatizações, e oferta de novos nichos de
mercado, incrementando os processos de supercapitalização,
conforme Mandel (1982), o que inclui fortemente as políticas
sociais com destaque para a saúde, a educação e a previdência
social.

Brilharam, pois, os olhos daqueles que na escolarização


perceberam a potência emergente: “Os interesses corporativos,
vários fundos de investimento e de pessoas físicas procuram
abocanhar alguns dos $4,9 trilhões (USD) de financiamento
público para educação [no mundo] e transformá-lo em lucro
através da administração ou compra de instituições e serviços
educacionais (Rikowski 2017, pp. 401). As “fábricas de ensino” –
segundo expressão de Marx de 1867 –, no Brasil, se expandiram
agressivamente e fração substantiva de empresários construiu
seu gigantismo nas fileiras da financeirização,32 abstraídos das
necessidades dos seres sociais a quem vendem certificados.
Mészáros (2005, pp. 61) chama a atenção para o fato
de que a transformação social, a superação da ordem do capital,
demanda uma conceituação precisa no âmbito educacional, qual
seja, “educação para além do capital”; “desde o início o papel da
Educação é de importância vital para romper com a internalização
predominante nas escolhas políticas circunscritas à ‘legitimação
constitucional democrática’ do Estado capitalista que defende seus
próprios interesses”. Havemos de reconhecer que, nesta seara,
o capital saiu, de fato, vitorioso. Conquanto, aparentemente a
modalidade de educação a distância tenha sido vitoriosa em relação

32. Vicejou – e viceja – na política oficial a capacidade “mágica” das TIC na


produção de democratização e qualidade de ensino. No Relatório da Co-
missão assessora para educação superior a distância (Brasil 2002a, pp.
4) afirma-se que as TIC articulam-se “às novas metodologias de ensino,
em uma perspectiva de expansão com flexibilidade da oferta e melhoria da
qualidade da educação superior”.

Desventuras dos professores na formação para o capital 179


à formação docente presencial, essencialmente foi a esfera privada
que venceu e, nela, o setor particular.
Nossas inquirições precisam abarcar todas as estratégias de
formação humana, escolarizadas ou não; desta tarefa não é lícito
nos afastarmos.

Referências

AL-QASSIM, S. (1986). “Discurso no mercado do desemprego”,


in: AL-QASSIM, Samih (1986). Poesia palestina da
resistência. Brasília: OLP/Brasil.
BANCO MUNDIAL (1995). La enseñanza superior: las lecciones
derivadas de la experiencia. Washington: Banco Mundial.
BARRETO, R. G. (2003). “Tecnologias na formação de professores:
o discurso do MEC.” Educação e Pesquisa, vol. 29, no 2. São
Paulo: USP, pp. 271-286.
BRASIL (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de
18 de setembro de 1946). Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://bit.ly/2sPlfJ9>. Acesso em: 07/06/2018.
________. (1967). Constituição da República Federativa do Brasil
de 1967. Brasília. Disponível em: http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm. Acesso em:
26/04/2018.
________. (1993). Plano decenal de educação para todos. Brasília:
MEC.
________. (1995). Plano Diretor da Reforma do Aparelho do
Estado. Brasília: MARE.
________. (1998a). Decreto nº 2.494, de 10 de fevereiro de 1998.
Regulamenta o Art. 80 da LDB (Lei nº 9.394/96). Brasília:
Diário Oficial da União. Disponível em: http://portal.mec.

180 Editora Mercado de Letras – Educação


gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/D2494.pdf. Acesso
em: 27/01/2018.
________. (1998b). Decreto nº 2.561, de 27 de abril de 1998.
Altera a redação dos arts. 11 e 12 do Decreto n.º 2.494, de
10 de fevereiro de 1998. Brasília: Diário Oficial da União.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/
tvescola/leis/D2561.pdf. Acesso em: 27/01/2018.
________. (2000). Decreto nº 3.554, de 7 de agosto de 2000. Dá
nova redação ao § 2o do art. 3o do Decreto no 3.276, de 6 de
dezembro de 1999. Brasília: Diário Oficial da União 8 ago.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/
LEIS_2001/L10260.htm. Acesso em: 27/01/2018.
________. (2001). Lei no 10.260, de 12 de julho de 2001. Dispõe
sobre o Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino
Superior e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial
da União. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/decreto/D3554.htm. Acesso em: 27/01/2018.
________. (1996). Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Brasília: Diário Oficial da União, 23 dez. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso
em: 12/06/2015.
________. (2005a). Lei no 11.096, de 13 de janeiro de 2005. Institui
o Programa Universidade para Todos – PROUNI, regula a
atuação de entidades beneficentes de assistência social no
ensino superior; altera a Lei no 10.891, de 9 de julho de
2004, e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da
União, 14 jan. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11096.htm. Acesso em:
04/07/ 2017.
________. (2005b). Decreto nº 5.622, de 19 de dezembro de 2005.
Regulamenta o art. 80 da Lei n.9.394, de 20 de dezembro
de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação

Desventuras dos professores na formação para o capital 181


nacional. Brasília: Diário Oficial da União, 20 dez.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/
portarias/dec5.622.pdf. Acesso em: 12/06/2015.
________. (2006). Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de
2006. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso
de Graduação em Pedagogia, licenciatura. Brasília: CNE.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/
rcp01_06.pdf. Acesso em: 12/04/2013.
________. (2007a). Plano Nacional de desenvolvimento da
educação: razões, princípios e programas. Brasília: MEC.
________. (2007b). Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007.
Institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais – REUNI. Brasília:
Diário Oficial da União, 25 abr. Disponível em: http://bit.
ly/2uRvtdh. Acesso em: 23/06/2018.
________. (2007c). Decreto no 6.303, de 12 de dezembro de
2007. Altera dispositivos dos Decretos nos 5.622, de 19 de
dezembro de 2005, e 5.773, de 9 de maio de 2006. Brasília:
Diário Oficial da União, 13 dez. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/
D6303.htm. Acesso em: 27/01/2018.
________. (2008). Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008.
Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica
e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia, e dá outras providências. Brasília:
Diário Oficial da União, 30 dez. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11892.
htm. Acesso em: 27/01/2018.
________. (2011). Portaria normativa no 3, de 2 de março de 2011.
Brasília: Diário Oficial da União, 3. mar. Disponível em:
http://download.inep.gov.br/download/basica/concurso_
docente/portaria_institui_prova_03032011.pdf. Acesso em:
22/01/2019.

182 Editora Mercado de Letras – Educação


________. (2012). Lei nº 12.688, de 18 de julho de 2012. Autoriza
a Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobrás) a adquirir
o controle acionário da Celg Distribuição S.A. (Celg D);
institui o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao
Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies).
Brasília: Diário Oficial da União, 18 jul. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/
Lei/L12688.htm. Acesso em: 26/04/2018.
________. (2014a). A democratização e expansão da educação
superior no país. Brasília: MEC. Disponível em:
h t t p : / / p o r t a l . m e c . g o v. b r / i n d e x . p h p ? o p t i o n = c o m _
docman&view=download&alias=16762-balanco-social-
sesu-2003-2014&Itemid=30192. Acesso em: 26/04/2018.
________. (2014c). Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o
Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências.
Brasília: Diário Oficial da União, 26 jun. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/
lei/l13005.htm. Acesso em: 08/02/2019.
________. (2015). Prova docente. Brasília: MEC. Disponível
em: http://portal.inep.gov.br/prova-docente. Acesso em:
22/01/2019.
________. (2017a). Censo da Educação Superior 2016: principais
resultados. Brasília: Ministério da Educação. Disponível
em: http://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_
superior/documentos/2016/censo_superior_tabelas.pdf.
Acesso em: 05/09/2017.
________. (2017b). Pesquisa nacional por amostra de domicílios:
Educação 2016, PNAD contínua. Rio de Janeiro: IBGE.
Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/
livros/liv101434.pdf. Acesso em: 27/01/2018.
________. (2018). Pesquisa nacional por amostra de domicílios
contínua. Quarto trimestre de 2017. Rio de Janeiro: IBGE.

Desventuras dos professores na formação para o capital 183


________. (2019). Notas Estatísticas: Censo Escolar 2018.
Brasília: INEP. Disponível em: http://download.inep.gov.
br/educacao_basica/censo_escolar/notas_estatisticas/2018/
notas_estatisticas_censo_escolar_2018.pdf. Acesso em:
07/02/2019.
CARDOSO, F. H. (2008). Mãos à obra, Brasil: proposta de governo.
Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisa Social.
CÊA, Georgia (2017). “Mediações entre crise do capital e parcerias
público-privadas em educação: elementos para discussão.”
Anais do Colóquio Internacional Marx e o Marxismo 2017 –
De O capital à Revolução de Outubro (1867 ? 1917). Niterói:
NIEP-Marx. vol. 1. pp. 1-29.
CHAVES, V. L. J. (2010). “Expansão da privatização/mercantilização
do ensino superior brasileiro: a formação dos oligopólios.”
Educação & Sociedade, vol. 31, no 111. Campinas: CEDES,
Unicamp, pp. 481-500.
CHAVES, V. L. J. e AMARAL, N. C. (2016). “Política de expansão
da educação superior no Brasil: o Prouni e o Fies como
financiadores do setor privado.” Educação em Revista, vol.
32, no 4. Belo Horizonte: UFMG, pp. 205-225.
CUNHA, L. A. (1988). A universidade reformanda. Rio de Janeiro:
Francisco Alves.
DARDOT, P. e LAVAL, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaio
sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo.
GRANEMANN, S. (2007). “Políticas sociais e financeirização
dos direitos do trabalho.” Em Pauta, no 20. Rio de Janeiro:
UERJ, pp. 57-68.
HOBSBAWM, E. J. (2009). O novo século: entrevista a Antonio
Polito. São Paulo: Companhia das Letras.
LEHER, R. (2013). Controle da educação superior privada pelos
fundos de investimentos: uma mercantilização de novo tipo.
Relatório parcial de pesquisa 2012-2013. Rio de Janeiro.
UFRJ. (mimeografado).

184 Editora Mercado de Letras – Educação


LIMA, K. R. S. (2001). “Reforma universitária do governo Lula e
educação a distância: democratização ou subordinação das
universidades públicas à ordem do capital?” Revista ADVIR,
nº 14. Rio de Janeiro: ASDUERJ, pp. 57-65.
LIMA, M. C. (2006). “A OMC e o mercado educacional: das razões
para o interesse às eventuais consequências.” Anais do VI
Colóquio Internacional sobre Gestão Universitária na América
do Sul. Blumenau, SC: FURB. Disponível em: https://
repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/74644/
t0111.pdf?sequence. Acesso em: 10/07/2018.
MALANCHEN, J. (2007). As políticas de formação inicial a
distância de professores no Brasil: democratização ou
mistificação? Dissertação de Mestrado em Educação.
Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina.
MANCEBO, D.; SILVA JÚNIOR, J. R. e OLIVEIRA, J. F. (2018).
“Políticas, gestão e direito a Educação Superior: novos
modos de regulação e tendências em construção.” Acta
Scientiarum, vol. 40, no 1. Maringá: UEM, pp. 1-11.
MANCEBO, D.; SILVA JÚNIOR, J. R. e SCHUNGURENSKY,
D. (2016). “A educação superior no Brasil diante da
mundialização do capital.” Educação em Revista, vol. 32, no
04. Belo Horizonte: UFMG, pp. 205-225.
MANDELI, A. S. (2014). Fábrica de professores em nível superior:
a Universidade Aberta do Brasil (2003-2014). Dissertação
de Mestrado em Educação. Florianópolis: Universidade
Federal de Santa Catarina.
MÉSZÁROS, I. (2005). Educação para além do capital. São Paulo:
Boitempo.
MONTEIRO, A. L. M. e NUNES, C. S. C. (2006). “A política
estadual de formação de professores no Pará: a extinção do
curso médio normal.” Anais 29ª Reunião Anual da ANPEd,
Caxambu. Disponível em: http://www.anped.org.br/sites/
default/files/gt08-2089-int.pdf. Acesso em: 08/02/2019.

Desventuras dos professores na formação para o capital 185


MOTTA, V. C. e LEHER, R. (2017). “Trabalho docente no contexto
do retrocesso do retrocesso.” Revista Trabalho, Política e
Sociedade, vol. 2, nº 3. Nova Iguaçu: UFRRJ, pp. 243-258.
MOTTA, V. C.; LEHER, R. e GAWRYSZEWSKI, B. (2018). “A
pedagogia do capital e o sentido das resistências da classe
trabalhadora.” Ser Social: educação e lutas sociais no Brasil,
vol. 20, no 43. Brasília: UNB, pp. 310-328.
OLIVEIRA, B. M. e OLIVEIRA, M. R. N. S. (2016). “Licenciaturas
nos Institutos Federais: aspectos para discussão.” Revista
Brasileira de Educação Profissional e Tecnológica, vol. 1.
Natal: IFNR, pp. 22-33.
OLIVEIRA, I. S. (2015). “A educação vai ao mercado: considerações
sobre mercantilização do ensino superior brasileiro.” Universidade
e Sociedade, vol. 1, no 56. Brasília: UNB, pp. 72-83.
PAULANI, L. M. (2008). Brasil Delivery: servidão financeira e
estado de emergência econômico. São Paulo: Boitempo.
PINTO, A. E. S. e SALDAÑA, P. (2017). “Novo Fies prevê dívida
fixa e fim do prazo de carência para pagamento.” Folha de S.
Paulo. São Paulo: Uol. Disponível em: http://www1.folha.
uol.com.br/educacao/2017/06/1889199-novo-fies-preve-
divida-fixa-e-fim-do-prazo-de-carencia-para-pagamento.
shtml. Acesso em: 01/06/2017.
RIKOWSKI, G. (2017). “Privatização em educação e formas de
mercadoria.” Retratos da Escola, vol. 11, no 21. Brasília:
UNB, pp. 393-413.
SAVIANI, D. (2008). “O legado educacional do regime militar.”
Caderno CEDES, vol. 28, no 76. Campinas: CEDES,
Unicamp, pp. 291-312.
SEKI, A. K. et al. (2016). “O acordo da Prefeitura Municipal
de Florianópolis com o Banco Interamericano de
Desenvolvimento: uma abordagem preliminar”, in:
EVANGELISTA, O. e PEREIRA, E. (orgs.) Nós da Rede:
a Educação Básica municipal na voz de seus professores.
Florianópolis: NUP/CED/UFSC, pp. 207-245.

186 Editora Mercado de Letras – Educação


________. (2017). “Financeirização do capital na educação superior:
articulações entre a apropriação de parcelas do fundo público e
a desregulamentação da educação nacional.” Anais de Colóquio
Internacional Marx e o Marxismo. Niterói: NIEP-Marx.
SHIROMA, E. O. (2003). “Política de profissionalização:
aprimoramento ou desintelectualização do professor?”
Intermeio, vol. 9, no 17. Campo Grande: UFMS, pp. 64-83.
________. (2015). “O Estado como cliente: interesses empresariais
na coprodução da inspeção escolar.” Anais do 37a Reunião
Nacional da ANPEd Florianópolis, UFSC.
SHIROMA, E. O. e EVANGELISTA, O. (2008). “Redes para
reconversão docente”, in: FIUZA, A. F. e CONCEIÇÃO,
G. H. (orgs.) Política, educação e cultura. Cascavel:
EDUNIOESTE, pp. 33-54.
SICSÚ, J. (2014). “20 anos depois: quem são os donos do plano
Real?” Carta Capital, São Paulo. Disponível em: https://
www.cartacapital.com.br/economia/20-anos-depois-
quem-sao-os-donos-do-plano-real-407.html. Acesso em:
01/06/2017.
SILVA, R. M. (2014). “A implementação do Proies no Brasil: novas
regulações ou velhas práticas?” Linhas Críticas, vol. 20, no
42. Brasília: UNB, pp. 461-478.
SILVEIRA, Z. S. (2018). “A relação Estado supranacional e
Estado ampliado: contribuições à crítica dos processos
de integração, regionalização e internacionalização da
economia, das políticas de ciência, tecnologia e inovação e
de educação.” Anais X Simpósio Nacional Estado e Poder:
Estado Ampliado, na Mesa intitulada Estado, luta de classes
e educação: a atualidade do pensamento de Antonio Gramsci.
Niterói: UFF.
SIQUEIRA, Â. C. (2004). “Organismos internacionais, gastos
sociais e reforma universitária do governo Lula”, in: NEVES,

Desventuras dos professores na formação para o capital 187


L. M. W. Reforma universitária do governo Lula: reflexões
para o debate. São Paulo: Xamã.
TANURI, L. M. (1970). “Contribuição para o estudo da Escola Normal
no Brasil.” Pesquisa e planejamento, vol. 13, São Paulo.
UNESCO (1998). Declaração Mundial sobre Educação Superior
no Século XXI: Visão e Ação. Paris: Unesco. Disponível
em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direito-
a-Educa%C3%A7%C3%A3o/declaracao-mundial-sobre-
educacao-superior-no-seculo-xxi-visao-e-acao.html. Acesso
em: 27/01)2018.
________. (2002). Projeto Regional de Educação para a América
Latina e o Caribe. Havana: Orealc; Prelac.
________. (2015). Declaración de Incheon y Marco de
Acción. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/
images/0024/002456/245656s.pdf. Acesso em: 20/10/2018.
VALE, A. A. (2017). “‘Nem parece banco’: as faces da
financeirização da Educação Superior no Brasil.” Anais do
5º Encontro Internacional de Política Social. Vitória: EIPS.
XAVIER, M. E. S. P. e DEITOS, R. A. (2006). “Estado e política
educacional no Brasil”, in: DEITOS, R. A. e RODRIGUES,
R. M. (orgs.) Estado, desenvolvimento, democracia &
políticas sociais. Cascavel: EDUNIOESTE.
WCEFA (1990). Declaração Mundial sobre Educação para
Todos. Jomtien, Tailândia: WCEFA. Disponível em:
http://www.direitoshumanos.usp. br/index.php/Direito-a-
Educa%C3%A7%C3%A3o/declaracao-mundial-sobre-
educacao-para-todos.html. Acesso em: 10/08/2013.
WERLE, F. O. C. (2011). “Políticas de avaliação em larga escala
na educação básica: do controle de resultados à intervenção
nos processos de operacionalização do ensino.” Ensaio:
Avaliação e Políticas Públicas em Educação, vol. 19, no 73.
Rio de Janeiro: Cesgranrio, pp. 769-792.

188 Editora Mercado de Letras – Educação


capítulo V
O LABIRINTO DOS DADOS

Allan Kenji Seki


Artur Gomes de Souza
Olinda Evangelista

Em resumo, se suas estatísticas, eivadas de dados manipulados ou


errôneos, cheias de artifícios e cálculos de médias, impressionam o
leigo, nada demonstram a quem conhece o assunto, exceto o esforço
para ocultar os pontos mais importantes; elas terminam por mostrar,
unicamente, a avidez cega e a desonestidade desses industriais.
Friedrich Engels, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra,
1845[2010].

Introdução

Trabalhar com dados oficiais para entender o processo de


produção de políticas educacionais no Brasil exige uma disposição
de Teseu no labirinto, sem contar, entretanto, com o fio de Ariadne.
Muitas vezes não sabemos se eles estão ordenados para impedir
que uma verdade intestina venha à tona ou se para evitar que
adentremos efetivamente no âmago de seu sentido. Perdemo-nos
facilmente em seus percursos intrincados, cheios de barreiras e

Desventuras dos professores na formação para o capital 189


obstáculos impeditivos da captura da lógica subjacente à política
de educação nacional, caso da presente pesquisa. Provavelmente,
por ambas as razões e por outras mais. Por exemplo, somos
obrigados a lidar com a péssima qualidade dos dados produzidos
que, a despeito de aperfeiçoamentos nas últimas décadas, é mostra
sofrível em decorrência da profunda desarticulação censitária das
séries históricas; muitas das séries encontradas foram compiladas
por pesquisadores independentes e jamais por órgãos oficiais.
Defrontamo-nos com mudanças de nomenclaturas e mesmo de
inserção e retirada dos quesitos coletados, quase sempre à mercê
das vontades políticas de um e outro governo em relação aos seus
antecessores e das articulações realizadas com a Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Resultados encontrados nas sinopses harmonizadas do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (INEP) não correspondem aos das tabelas dos microdados e
às vezes nem a outras informações oficiais. Em suma, seja por falta de
dotações orçamentárias para a realização de levantamentos e estudos
apurados, seja em razão da articulação de interesses do capital na
produção de dados e pesquisas, a tarefa é árdua e dolorosa, pois
sabe-se, de antemão, que o trabalho terá inconsistências que, talvez,
sequer saberemos quais. Os capítulos construídos majoritariamente
com as informações constantes nos microdados do INEP resultam do
empenho em construir algumas saídas dessa espiral.
O esforço desenvolvido na coleta de dados e na sua análise
teve em vista, precisamente, descortinar – ao lado de outros
pesquisadores aqui referidos – a totalidade que constitui a formação
docente no Brasil. Não podemos esquecer das determinações da
Educação, abstraindo sua história; não está em questão a qualidade
educacional propriamente em geral ou da Educação a Distância
(EaD), mas o seu uso para construir uma explicação palatável que
justifique o desemprego estrutural, o grau de precarização em que
se encontra a classe trabalhadora – fonte de risco para os interesses
capitalistas.

190 Editora Mercado de Letras – Educação


Ponto de partida

Não era desconhecido na área da Educação que a oferta


de formação inicial docente em nível superior, no final do século
XX, no Brasil, estava nas mãos da esfera privada. Sabia-se que as
universidades públicas ofereciam a parte menor dessa formação.
Afirmava-se que a EaD campeava. Tratava-se de um senso comum
corrente, abstraído muitas vezes de suas determinações históricas. A
década de 1990 aparecia como uma datação razoável assentada na
ideia de que, a partir daí condições políticas, legais e econômicas
próprias da investida neoliberal teriam oferecido o terreno para o
florescimento tanto do setor privado, quanto da modalidade EaD
na oferta de formação do magistério. Essa forma de apreender
o problema do preparo do professor não possibilitava que
compreendêssemos o momento aproximado de sua transformação
em “bem mercadejável” (Granemann 2007) e os desdobramentos
desumanos dessa virada.
Nossas primeiras aproximações evidenciaram que uma
inflexão importante na oferta da formação docente ocorrera em
meados da década de 2000. Notícias davam conta do agigantamento
de empresas particulares dedicadas ao Ensino Superior, a exemplo
da Kroton, indicando que as licenciaturas ocupavam aí lugar de
destaque. Isso não apenas chamava a atenção, como levantava um
rol de perguntas que demandavam respostas. Por que empresários
e investidores nacionais e estrangeiros tão poderosos se ocupavam
do professor? Esse interesse seria explicável pela preocupação
singela com a formação humana? Estaríamos frente a um processo
de ideologização juvenil sem precedentes? A expansão do ensino
superior responderia à exigência de sua democratização? Seria uma
iniciativa meramente econômica de acumulação de capital? Tratava-
se de compromisso privado com a formação docente ou da oferta de
um tipo de ensino cujos custos são mais baratos? Em que medida a
decantada ideia de que “educar é tarefa do Estado” se realizava nesse
âmbito? Que contradições estavam impressas nesse movimento?

Desventuras dos professores na formação para o capital 191


A ordenação da pesquisa

A busca de respostas para pelo menos parte de nossas perguntas


nos levaram às seguintes decisões metodológicas: a) definir como
período de estudo o primeiro ano seguinte ao último ano de governo
de Fernando Henrique Cardoso (FHC), 2003; o mesmo procedimento
para os governos Lula, 2007 e 2011, e Dilma, 2015; b) esquadrinhar,
coletar e sistematizar informações nos microdados produzidos
pelo INEP1 para verificar as inflexões nos diferentes momentos
governamentais no que tange às licenciaturas; c) compilar e analisar
documentos oficiais, de organizações multilaterais, de empresas,
assim como notícias da mídia relativas à formação docente e páginas
eletrônicas de interesse; d) sistematizar o debate acadêmico acerca
do tema, verificar os autores que oferecem elementos teóricos para
a compreensão das determinações históricas, políticas e econômicas
subjacentes ao movimento da oferta de licenciaturas entre 2003 e
2015 e elaborar hipóteses explicativas. A despeito da definição de
2015 como data de encerramento do estudo, decidimos atualizar
alguns dados até 2017 sempre que possível. Embora em 2016 tenha
ocorrido o impedimento da Presidenta Dilma, a lógica da formação
docente na esfera privada e na modalidade EaD não se alterou,
respondendo ao movimento econômico de produção de mais valia
na área educacional disparado após os anos de 1990 e impulsionado
em meados dos anos de 2000.

1. Os dados foram coletados por Renata Soares da Silva e Rafael dos Santos
Pereira no estágio inicial da pesquisa. A partir do segundo ano, tendo em
vista a formatura da acadêmica e o afastamento do Técnico-administrativo
para doutorado na UFPR, os dados passaram a ser coletados por Carla de
Oliveira Bernardo, Arestides Macamo e Artur Gomes de Souza. Nos dois
últimos anos, a coleta de dados, sua reordenação e a elaboração de tabelas,
gráficos e figuras coube a Artur Gomes de Souza com auxílio de Allan Kenji
Seki. Para a abertura e análises dos microdados utilizamos o programa esta-
tístico IBM SPSS Statistics Subscription Trial for Microsoft Windows 64-bit,
na versão de teste gratuita.

192 Editora Mercado de Letras – Educação


O mergulho nos microdados do INEP

Preliminarmente procuramos conhecer em que instituições


a formação do professor ocorria no Brasil e como evoluíra após
os Governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002),
descartando, nesse momento, o estudo de concepções de formação
ou de qualidade do ensino, ou questões correlatas, ainda que as
reconheçamos como absolutamente graves e pertinentes.
Para a escolha feita, coligimos nos microdados do Censo
da Educação Superior (2003-2017) as informações pertinentes às
matrículas, às instituições de Ensino Superior (IES) e aos cursos da
Área Educação e as reorganizamos, dado que quisemos escapar das
sinopses estatísticas harmonizadas e tivemos em vista responder,
em parte, nossas indagações. A sistematização desses dados,
excluídas as inconsistências, somada a levantamentos em outras
fontes, nossos e de outros estudiosos, possibilitou a apropriação
do movimento de oferta de formação do professor após o governo
FHC e compreender a rede de negócios em que foi transmutada a
formação docente em nível superior.
Inicialmente, percebemos ser impossível analisar os
microdados do Censo da Educação Superior (2003-2017), sem
submetê-los a uma nova ordenação que permitisse visualizar
as informações de modo mais sintético. Dada a massa gigante
de quesitos, cuidados detalhados foram necessários, assim
como inúmeras revisões tanto dos bancos reordenados, quanto
dos números e percentuais delas derivados. Trabalhar com os
microdados do INEP, principalmente com séries históricas que
consideram a primeira década do século XXI, exige cuidados e
decisões metodológicas devidos às trocas constantes na forma de
organização dos dados. À guisa de exemplo, em 2003 e 2007 os
bancos estavam separados entre curso presencial e a distância;2 em

2. Havia também as tabelas de Cursos Sequenciais de Formação Específica

Desventuras dos professores na formação para o capital 193


2011 e 2015 os dados estavam divididos entre alunos, cursos, IES,
docentes e local da oferta; as tabelas com informações referentes a
cada aluno encontramos nos anos de 2011 e 2015. Foi necessária,
então, a recodificação das variáveis com as mesmas informações
nas tabelas de diferentes anos. A variável que representa a categoria
administrativa das instituições tem nomes diferentes em cada um
dos bancos encontrados e passou por uma recodificação para que se
igualasse em todos os bancos.
No que tange às matrículas,3 consideramos adequado utilizá-
las em detrimento do número de cursos, formandos, vagas e número
de instituições tendo em vista que proporcionam uma visão global
do número de estudantes que supostamente frequentam as IES. Elas
permitem perceber as concentrações em cursos, IES e modalidades.
Nos anos de 2003 e 2007 utilizamos os dados referentes ao primeiro
semestre,4 nos anos seguintes o INEP não fez essa diferenciação.
Do ponto de vista das instituições, o INEP as organiza
em Universidades, Centros Universitários, Faculdades, Instituto

Presenciais e à Distância, Cursos Sequenciais de Complementação de


Estudos Presenciais e a Distância e de Instituições.
3. Para tanto foram considerados os casos em que apareceram “alunos com si-
tuação de vínculo ao curso igual a Cursando/a ou Formado/a” (Brasil 2018,
pp. 5).
4. As variáveis utilizadas para o cálculo de matrículas nessas tabelas foram:
2003 EaD: C2021 e C2022; 2003 e 2007 presencial: C0431, C0432, C0433,
C0434; 2007 EaD: C167021 e C167022. Selecionamos os cursos da área
geral Educação que fossem de licenciatura curta, licenciatura plena ou que
fossem da área detalhada Formação de professor da educação básica para
2003 e 2007. Em 2011 e 2015 selecionamos os cursos da área geral Educa-
ção que fossem de licenciatura. Para o cálculo da organização acadêmica,
no ano de 2007 não houve o preenchimento de diversos casos por parte das
IES. Em razão disso localizamos manualmente no site do e-MEC e incluí-
mos os cursos que não tinham o tipo de organização acadêmica especifica-
do, com exceção de 10 cursos presenciais não encontrados. Portanto, haverá
524 matrículas a menos nas tabelas e gráficos que tratarem da organização
acadêmica, em 2007. As variações referem-se a dados não preenchidos no
Censo da Educação Superior de 2007.

194 Editora Mercado de Letras – Educação


Superior e Instituto Tecnológico. Tais denominações não
correspondem às da legislação que organiza o Ensino Superior
em três formas: Universidade; Centro Universitário e Faculdades
(Brasil 2006). Segenreich (2017) assinala que a organização
institucional após 1995 somou 11 tipos: Universidade; Centros
de Educação Tecnológica (CET); Centros Federais de Educação
Tecnológica (CEFET); Centros Universitários; Cursos Superiores
de Tecnologia; Estabelecimentos Isolados/Faculdades/Institutos;
Faculdades de Tecnologia; Institutos Federais de Educação, Ciência
e Tecnologia.
Outro aspecto fundamental, refere-se à natureza jurídica
institucional, privadas e públicas. As privadas comportam
instituições sem fins lucrativos5 – confessionais, comunitárias
e filantrópicas – e instituições com fins lucrativos denominadas
particulares. Nesse quesito, uma dificuldade se colocou, pois não se
menciona o proprietário da mantenedora da IES, expondo-se apenas
seu nome fantasia. O Centro Universitário Candido Rondon, por
exemplo, tem seu e-mail cadastrado pela Kroton Educacional. Não
raro, a filiação religiosa das instituições não é encontrada em sua
denominação, mas nas suas mantenedoras.

Um caso ilustrativo

O caso das IES comunitárias, confessionais e filantrópicas6


é particularmente complexo. Ao somarmos as matrículas dessas
variáveis, o resultado não corresponde à soma de todas as privadas

5. Davies (2016, pp. 137) alerta que devemos ter cautela quanto a essa distinção,
“pois as instituições que se denominam e são classificadas legalmente como
sem fins lucrativos ocultavam e ocultam seus lucros sob várias formas”.
6. A distinção dos tipos de IES expostas na LDBEN (Brasil 1996) são tidas por
Davies (2017) como frouxas, haja vista que “As filantrópicas são as únicas
com fundamento jurídico definido”.

Desventuras dos professores na formação para o capital 195


sem fins lucrativos. Estas são classificadas em mais de uma categoria
administrativa simultaneamente; isso ocorreu em 92.832 matrículas
em licenciatura em 2003 e 187.272 em 2007. Em 2010, o INEP
suspendeu essa informação no Censo da Educação Superior;7 em
2011 e 2015 a divisão entre as três não estava mais disponível nos
microdados. Uma explicação para essas divergências reside nas
formas de isenção fiscal e de tributos para cada uma delas, podendo
ser de seu interesse a dupla ou tripla certificação. De acordo com
Davies (2016, pp. 139), “As isenções são variáveis em função das
três classes de IES: (a) com fins lucrativos, (b) sem fins lucrativos que
não sejam filantrópicas e (c) filantrópicas”. Isto é, uma mantenedora
pode ser filantrópica, confessional e comunitária ao mesmo tempo –
caso da Pontifícia Universidade Católica de Campinas/SP (Barroso
e Fernandes 2007).
Percebemos que o que era denominado máscara como
número identificador das IES não tinha relação com o seu número
ou o código de sua mantenedora, como classificado desde 2010.8
A limitação imposta pela forma de exposição e coleta de dados do
INEP redundou em outras estratégias de pesquisa para minimamente

7. De acordo com o INEP (Brasil 2018), as alterações nos nomes das opções na
forma de coleta dessa variável datam de 2010: “De: 4.‘Particular em sentido
estrito’ para ‘Privada com fins Lucrativos’ 5. ‘Privada Confessional’ para
‘Privada sem fins Lucrativos’. 6. ‘Privada Comunitária’ para ‘Privada sem
fins lucrativos’”.
8. As formas jurídicas das mantenedoras privadas não constam no Censo. Em
2009 eram dispostas em seis: “1. Pessoa Jurídica de Direito Privado - Sem
fins lucrativos - Associação de Utilidade Pública; 2. Pessoa Jurídica de Di-
reito Privado - Sem fins lucrativos – Fundação; 3. Pessoa Jurídica de Direito
Privado - Sem fins lucrativos – Sociedade; 4. Pessoa Jurídica de Direito
Privado - Com fins lucrativos – Associação de Utilidade Pública; 5. Pessoa
Jurídica de Direito Privado – Com fins lucrativos - Sociedade Civil; 6. Pes-
soa Jurídica de Direito Privado – Com fins lucrativos – Sociedade Mercantil
ou Comercial” (Barroso e Fernandes 2007, pp. 51).

196 Editora Mercado de Letras – Educação


conhecermos esse universo. Consultando o site do e-MEC9
verificamos que comunitárias, confessionais ou filantrópicas
estavam classificadas como privadas sem fins lucrativos.10
Adicionalmente, utilizamos a página eletrônica da Associação
Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC) e encontramos 60
mantenedoras confessionais que ofereciam cursos de licenciatura
em 2015. Complementamos as informações com dados oferecidos
pelo trabalho de Barroso e Fernandes (2007, pp. 67-69). Na página
da CGU encontramos informações relativas a 38 confessionais
(CGU). Ademais, consultamos as páginas das instituições, caso do
Instituto Superior de Educação Faceten Ltda-ISEF-ME. No e-MEC
aparece como privada sem fins lucrativos, como não confessional,
filantrópica ou comunitária. De fato, é uma IES confessional e sua
mantenedora, em 2002, era a Igreja Evangélica Assembleia de Deus
de Boa Vista (Faceten 2002). Em 2009 alteraram a mantenedora,
embora o mantenedor jurídico seja o mesmo em todo o período
(Faceten).

9. Segundo o portal do MEC, o “e-MEC foi criado para fazer a tramitação


eletrônica dos processos de regulamentação. Pela internet, as institui-
ções de educação superior fazem o credenciamento e o recredenciamen-
to, buscam autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento
de cursos. Em funcionamento desde janeiro de 2007, o sistema permite a
abertura e o acompanhamento dos processos pelas instituições de forma
simplificada e transparente.” Disponível em: http://portal.mec.gov.br/e-me-
c-sp-257584288. Acesso em: 10/01/2019.
10. Citamos o Instituto Presbiteriano Mackenzie: a instituição de São Paulo é
confessional; no Rio de Janeiro e em Brasília, não constava nenhuma opção
sem fins lucrativos. A Associação Diocesana de Ensino e Cultura de Caruaru
e o Instituto Educacional Seminário Paulopolitano aparecem no e-MEC sem
ser nas três opções, mas em seus documentos aparecem como confessionais.
Mesmo caso da Associação Educacional e Cultural de Quixadá e da Funda-
ção São Miguel Arcanjo cuja mantida é a Faculdade Católica de Anápolis. A
Congregação de Santa Doroteia do Brasil, o Instituto Metodista de Ensino
Superior e a Associação Instrutora Missionária aparecem como comunitá-
rias no e-MEC e como confessional em suas páginas eletrônicas.

Desventuras dos professores na formação para o capital 197


Algumas IES e mantenedoras são associadas da ANEC,
mas não aparecem como confessionais no e-MEC. São óbices que
dificultam maior exatidão, especialmente porque tais informações
desapareceram nos Censos da Educação Superior em 2010
(Brasil 2018). Os dados são preenchidos de forma incompleta11
e as páginas das IES não costumam apresentar suas vinculações
confessionais de forma explícita, mesmo quando mantidas por
instituições religiosas. Assim, consideramos confessionais aquelas
associadas à ANEC, presentes no e-MEC, nos trabalhos de Barroso
e Fernandes (2007), de Costa (2011) e também as que constavam
em suas páginas como tais.
Costa (2011) havia constatado que as IES confessionais
saltaram de 64 em 2000 para 148 em 2009, o que nos levou a
pensar em utilizar os números que as identificam em 2003 e 2007.
Entretanto, suas identificações não têm qualquer relação com as
que se sucederam após 2010. Arduini (2017, pp. 63) argumenta
que “Um estudo com tais características precisa enfrentar uma
dificuldade básica, a saber: a inexistência de uma categoria
específica para classificar as universidades com algum vínculo
religioso nos cadastros publicados pelos órgãos que regulam o
setor”. Tais dificuldades impediram o conhecimento da expansão
e fortalecimento político das igrejas evangélicas. Resta claro que
elaborar uma síntese acerca das confessionais, filantrópicas e
comunitárias é bastante difícil.

11. A Fundação Educacional de Penápolis estava como privada sem fins lucra-
tivos no Censo e no e-MEC como pública municipal de direito privado. Ou-
tras questões são difusas como o caso da mantenedora Guatag – Sociedade
de Assistência Educacional Ltda. que mantém duas IES sem fins lucrativos
sem definição e uma com fins lucrativos. A Fundação Astorga Educação
Para Todos também não tem definição no e-MEC.

198 Editora Mercado de Letras – Educação


Tabela 1 – Número de matrículas e percentual
de crescimento em cursos de licenciatura em IES confessionais
por modalidade de ensino –2003, 2007, 2015 – Brasil

Ano Presencial EaD TOTAL

N ∆ ∆% N ∆ ∆% N ∆ ∆%

2003 48476 - - 14498 - - 62974 - -

2007 43590 -4886 -10% 57150 42652 294% 100740 37766 60%

2015 40722 -2868 -7% 19550 -37600 -66% 60272 -40468 -40%

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2015).


Nota: Elaboração própria.
Nota específica: ∆% representa variação percentual e ∆ variação.

O resultado final, mas não necessariamente completo, é o que


segue: nas confessionais, as matrículas em licenciaturas cresceram
37.766 (60%) de 2003 para 2007, com redução das presenciais em
4.886 (10%) e aumento na EaD em 42.652 (294%). De 2007 a 2015,
houve redução de 40.468 matrículas, sendo maior a redução na EaD
(-37.600) do que na presencial (-2.868). As confessionais parecem
ter perdido espaço na formação de professores de 2007 para 2015
na modalidade EaD e em menor escala na presencial. Em números
gerais, reduziu sua participação na licenciatura presencial de 5,34%
para 4,5%, mas entre as privadas seu percentual de participação
cresceu de 9,35% para 9,82% (Tabela 1).

O grau acadêmico e a modalidade de ensino

No que toca à organização acadêmica, Segenreich (2017)


cita: bacharelados interdisciplinares; licenciaturas; sequenciais;
presencial; a distância; mestrado profissional; disciplinas a
distância em cursos presenciais; Universidade Aberta do Brasil;
Parfor. O que nos interessou foi a licenciatura, pública e privada,

Desventuras dos professores na formação para o capital 199


presencial e a distância, embora a Área Educação comporte alguns
bacharelados. Aqui também encontramos dificuldades. Nos anos de
2003 e 2007, as licenciaturas não apareceram como categoria nas
sinopses. Utilizava-se a área geral Educação e as áreas detalhadas e
específicas. Em 2011 e 2015, surgiram na sinopse e não mais a área
geral Educação. Inicialmente, usamos como critério a área Educação
e nela as licenciaturas, porém em 2003 e 2007 havia incoerência
quanto ao número de casos e talvez erros de preenchimento. Em
2011 e 2015 foram incorporadas oficialmente as categorias da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) para internacionalizar e comparar dados que não existiam
em 2003 e 2007.
Em relação aos cursos, em 2015, mapeamos todas as
denominações dadas às licenciaturas, 229 unificadas em 40 se
utilizarmos a padronização da OCDE. As duas com maior número
de matrículas são Pedagogia (652.100) e Formação de professor
de Educação Física (167.668) que somam 55,8% das matrículas. A
licenciatura com menor número de matriculados foi Formação de
Professor em Segurança Pública (9).
O INEP (Brasil 2018), em meados de 2009, criou novas
variáveis para comparações com países que compõem a OCDE,
entre elas a NO_OCDE que classifica a variável “Nome do curso, a
partir da tabela OCDE (Programas e/ou Cursos)”. Nos anos de 2003
e 2007 utilizamos a variável NOMEAREACURSO que corresponde
aproximadamente a NO_OCDE. A título de exemplo, se utilizarmos
a variável com o nome do curso (NOMEDOCURSO), em 2003 nos
presenciais, eram 865 cursos e 59 com a variável NOMEAREACURSO.
Nas Tabelas 2, 3, 4 e 5 podemos perceber a mudança com a
apresentação dos nomes de cursos com as distintas variáveis, de
2003 e 2007 e de 2011 e 2015.

200 Editora Mercado de Letras – Educação


Tabela 2 – Frequência de matrículas em licenciaturas, por modalidade de ensino,
curso e categoria administrativa – 2003 – Brasil

Privada sem fins


Pública Particular
  lucrativos

  Presencial EaD Presencial EaD Presencial EaD

Pedagogia 94093 15.478 96747 - 78633 -

Formação de professor de letras 52551 - 40375 - 40496 -

Normal superior 21424 10.297 26412 11.822 6110 2.653

Formação de professor de educação física 22231 - 13625 - 26312 -

Formação de professor de história 26583 - 9721 - 11678 -

Formação de professor de matemática 25691 1.624 7859 - 12052 -

Formação de professor de biologia 14013 - 8786 - 12363 -

Formação de professor de ciências 17724 - 6444 - 7979 -

Desventuras dos professores na formação para o capital


Formação de professor de geografia 19944 - 4861 - 5209 -

Formação de professor das séries iniciais do ensino fundamental 11374 9.168 103 - - -

Formação de professor do ensino fundamental 18592 - - - 27 -

201
Formação de professor de artes (educação artística) 6330 - 2042 - 2024 -

Formação de professor de química 5927 - 905 - 1409 -

Formação de professor de física 6646 128 331 - 1006 -

Formação de professor de língua/literatura vernácula (português) 6882 - - - 40 -

Formação de professor de filosofia 2309 - 1517 - 2643 -

Formação de professor para a educação básica 3621 290 906 - 1425 -

Formação de professor de estudos sociais - - 2803 - 1727 -

Formação de professor de educação infantil 2584 - 158 475

Formação de professor de computação (informática) 1255 - 818 - 698 -

Formação de professor de educação infantil e séries iniciais do ensino


fundamental 1264 - 0 1076

Formação de professor de língua/literatura vernácula e língua estrangeira


moderna 1753 - - - 440 -

Formação de professor em ciências sociais 1163 - 242 - 613 -

Formação de professor de língua/literatura estrangeira moderna 1758 - - - 31 -

Formação de professor de enfermagem 520 - 552 - 447 -

202 Editora Mercado de Letras – Educação


Formação de professor de fisioterapia 1435

Formação de professor de música 1121 - 49 - 93 -


Formação de professor de disciplinas profissionalizantes do ensino médio 772 - 75 342

Formação de professor de educação física para educação básica - - 179 - 785 -

Formação de professor de matérias pedagógicas 696 - 158 95

Formação de professor do ensino médio 578 - 270 - 0 -

Formação de professor das séries finais do ensino fundamental 188 - 0 - 567 -

Formação de professor de educação especial 539 - - - 161 -

Formação de professor de artes plásticas 618 - - - 62 -

Formação de professor em fonoaudiologia 607

Formação de professor de artes visuais 385 - 80 - 133 -

Formação de professor de psicomotricidade 401

Formação de professor de agronomia 377 - -

Formação de professor de teatro (artes cênicas) 342 - - - - -

Formação de professor de educação religiosa 326 - - - - -

Formação de professor de dança - - - - 288 -

Desventuras dos professores na formação para o capital


Formação de professor de educação artística para educação básica 214

Formação de professor em segurança pública 170 - - - - -

Formação de professor de disciplinas do setor primário (agricultura,


pecuária etc 164 - - - 0 -

203
Formação de professor de zootecnia - 128

Formação de professor de desenho 95 - - - - -

Administração educacional - - 68 23 - -

Educação infantil - 77

Formação de professor de psicologia - - 56 - - -

Formação de professor de sociologia 50 - - - - -

Formação de professor de língua/literatura estrangeira clássica 40 - - -

Formação de professor de canto 26 - - -

Formação de professor de decoração - 26

Formação de professor de construção civil 23 - -

Educação especial - 16

Formação de professor de economia doméstica 16

Formação de professor de eletricidade 15 - - -

Formação de professor de mecânica 9 - - -

Total 372766 36985 228815 11845 217686 2653

204 Editora Mercado de Letras – Educação


Fonte: Brasil, INEP (2003). [Nota: Elaboração própria]
Tabela 3 – Frequência de matrículas em licenciaturas, por modalidade de
ensino, curso e categoria administrativa – 2007 – Brasil

Privada sem fins


  Pública Particular
lucrativos

  Presencial EaD Presencial EaD Presencial EaD

Pedagogia 97710 20321 114224 45864 57187 77000

Formação de professor de letras 51347 8615 45632 6312 28219 8971

Formação de professor de educação física 23020 193 37505 - 35972 220

Formação de professor de matemática 31304 8368 13117 3976 11698 716

Normal superior 14685 6458 8107 21641 13957 -

Formação de professor de biologia 21972 4620 12422 3429 14262 819

Formação de professor de história 24857 - 12512 6558 11873 558

Formação de professor de geografia 17927 306 6044 3342 4447 315

Desventuras dos professores na formação para o capital


Formação de professor de ciências 11865 - 4099 486 3368 -

Formação de professor de química 10736 1314 1747 119 2574 245

Formação de professor de física 9758 2343 846 292 1281 115

205
Formação de professor de artes (educação artística) 4510 - 3309 884 1979 -
Formação de professor de filosofia 2508 102 2158 824 3246 1114

Formação de professor de língua/literatura vernácula (português) 4501 95 857 2051 367 0

Formação de professor de língua/literatura vernácula e língua estrangeira


2343 - 201 3620 475 68
moderna

Formação de professor de computação (informática) 2954 - 416 - 1454 367

Formação de professor de música 3425 203 93 - 596 33

Formação de professor de artes visuais 1175 253 1383 - 809 -

Formação de professor de língua/literatura estrangeira moderna 2842 - 94 - 129 -

Formação de professor de estudos sociais 731 - 1746 - 445 -

Formação de professor para a educação básica 709 66 442 - 1209 -

Formação de professor de enfermagem 476 - 145 - 904 -

Formação de professor em ciências sociais 777 - 108 - 368 71

Formação de professor de teatro (artes cênicas) 870 119 79 - 123 -

Formação de professor de educação infantil 110 974 - - 30 -

Formação de professor de disciplinas profissionalizantes do ensino médio 407 97 73 - 243 163

206 Editora Mercado de Letras – Educação


Formação de professor de educação infantil e séries iniciais do ensino
929 - - - 18 -
fundamental

Administração educacional 929 - 0 - - -


Formação de professor de disciplinas do setor primário (agricultura,
866 - - - 5 -
pecuária etc

Formação de professor das séries iniciais do ensino fundamental 782 - - - - -

Formação de professor de matérias pedagógicas 769 - 0 - 13 -

Formação de professor do ensino médio 600 - 99 - 0 55

Formação de professor do ensino fundamental 0 - - - 75 583

Formação de professor de educação religiosa 471 120 - - 54 -

Formação de professor de artes plásticas 493 - - - 70 -

Formação de professor de psicologia 285 - 245 - - -

Formação de professor de educação especial 156 104 - - 260 -

Formação de professor de dança 83 - - - 162 -

Formação de professor de sociologia 166 - 57 - - -

Formação de professor de educação física para educação básica - - 186 - - -

Desventuras dos professores na formação para o capital


Formação de professor de nutrição e dietética - - 167 -

Formação de professor em ciências ambientais 137 - - - - -

Formação de professor de desenho 89 - - - - -

207
Educação infantil - - - - 63 -
Formação de professor das séries finais do ensino fundamental 60 - - - - -

Formação de professor em segurança pública 31 - - - - -

Formação de professor de eletrônica 17 - - - - -

Formação de professor de educação artística para educação básica - - 14 - - -

Formação de professor de construção civil 1 - - - - -

Formação de professor de eletricidade 1 - - - - -

Total 350.384 54.671 267.960 99398 198.102 91.413

Fonte: Brasil, INEP (2003). [Nota: Elaboração própria]


Nota especial: Utilizamos a variável NOMEAREACURSO.

Tabela 4 – Frequência de matrículas em licenciaturas, por modalidade de ensino,


curso e categoria administrativa – 2011 – Brasil

Privada sem fins


Pública Particular
  lucrativos

  Presencial EaD Presencial EaD Presencial EaD

Pedagogia 97.383 34.332 89.214 40.274 112.744 106.942

208 Editora Mercado de Letras – Educação


Formação de professor de educação física 32.041 2.696 28.617 - 57.635 2.280

Formação de professor de biologia 43.366 8.343 8.741 5.509 23.938 2.060


Formação de professor de língua/literatura vernácula (português) 44.602 12.310 6.447 5.567 9.111 6.634

Formação de professor de matemática 44.568 14.378 4.860 3.408 10.676 4.549

Formação de professor de história 37.344 3.757 5.370 11.638 14.864 3.041

Formação de professor de língua/literatura estrangeira moderna 23.129 5.003 5.365 7.411 9.528 10

Formação de professor de geografia 33.958 4.427 1.487 2.974 4.881 2.638

Formação de professor de língua/literatura vernácula e língua


13.046 510 7.678 491 9.305 6.828
estrangeira moderna

Formação de professor de química 23.934 3.114 1.458 78 5.516 820

Formação de professor de física 19.110 4.961 174 63 1.133 503

Formação de professor de filosofia 9.869 1.198 304 184 5.922 1.462

Formação de professor de artes visuais 5.847 2.105 1.101 2.434 3.625 691

Formação de professor de sociologia 11.047 436 384 346 2.169 1.147

Formação de professor de ciências 11.675 811 511 50 710

Formação de professor de música 6.309 1.034 205 2.315 372

Formação de professor de computação (informática) 5.116 1.979 419 481 696 253

Desventuras dos professores na formação para o capital


Formação de professor de artes (educação artística) 2.264 263 317 - 1.227 2.864

Licenciatura Intercultural Indígena 3.955 - - - - -

Formação de professor de teatro (artes cênicas) 3.256 292 250 - 65 -

209
Formação de professor de enfermagem 1.435 53 807 - 336

Formação de professor de disciplinas do setor primário (agricultura,


1.156 922 - - - -
pecuária etc

Formação de professor de dança 1.580 145 334

Licenciatura para a educação profissional e tecnológica 950 - 1 - 127 422

Formação de professor das séries iniciais do ensino fundamental 550 671 - - - -

Formação de professor de educação religiosa 1.055 76 - - 17

Formação de professor das séries finais do ensino fundamental 815 - - - - -

Formação de professor de artes plásticas 352 182 70

Formação de professor em segurança pública 48 - - - - -

Formação de professor de desenho 43 - - - - -

Formação de professor de geologia 7 - - - - -

Formação de professor de ciência política 3 - - - - -

Formação de professor de antropologia 2 - - - - -

Formação de professor de estatística 1 - - - - -

TOTAL 479.816 103.853 163.925 180.908 276.874 143.516

210 Editora Mercado de Letras – Educação


Fonte: Brasil, INEP (2011). [Nota: Elaboração própria]
Nota especial: Utilizamos a variável NO_OCDE.
Tabela 5 – Frequência de matrículas em licenciaturas, por modalidade de ensino,
curso e categoria administrativa – 2015 – Brasil

Privada sem fins lucra-


  Pública Particular
tivos
  Presencial EaD Presencial EaD Presencial EaD
Pedagogia 101.582 25.972 107.465 230.204 101.166 85.711

Formação de professor de educação física 32.964 1.657 39.488 36.660 53.800 3.099

Formação de professor de história 36.081 5.640 7.288 20.402 12.775 5.505


Formação de professor de biologia 46.906 7.051 5.720 6.626 14.503 2.508
Formação de professor de matemática 43.443 11.165 3.794 12.537 6.933 4.865
Formação de professor de língua/literatura vernácula
42.098 9.484 4.723 12.204 6.618 2.903
(português)
Formação de professor de geografia 30.840 3.801 1.478 9.214 3.341 3.088

Formação de professor de língua/literatura estrangeira

Desventuras dos professores na formação para o capital


21.409 6.195 3.176 6.354 5.205 155
moderna

Formação de professor de língua/literatura vernácula e


13.847 1.167 7.054 5.032 7.057 4.883
língua estrangeira moderna
Formação de professor de química 26.869 2.671 1.130 314 3.144 1.042

211
Formação de professor de física 20.189 2.000 203 189 896 835
Formação de professor de filosofia 9.719 2.484 198 1.904 3.844 1.627
Formação de professor de artes visuais 6.836 730 1.443 5.850 2.729 1.112
Formação de professor de sociologia 10.674 302 220 1.636 965 1.984
Formação de professor de música 8.137 478 473 - 3.512 2.665
Formação de professor de ciências 10.242 795 328 1 80
Formação de professor de computação (informática) 5.876 3.245 155 905 297 517
Formação de professor de teatro (artes cênicas) 4.479 159 275 - 244 -
Formação de professor de artes (educação artística) 759 104 62 - 981 3.229

Formação de professor das séries finais do ensino fundamental 3.851 220 - - - -

Formação de professor de dança 2.154 - 30 328

Formação de professor de disciplinas do setor primário


1.305 836 - - - -
(agricultura, pecuária, et

Formação de professor das séries iniciais do ensino fun-


1.964 - - - - -
damental
Licenciatura Intercultural Indígena 1.545 - - - 19 -
Formação de professor de psicologia 622 - 393 - 411
Formação de professor de educação especial 983 70 134 - 23 -
Formação de professor de enfermagem 700 - 75 - 364 -

212 Editora Mercado de Letras – Educação


Formação de professor de estudos sociais 1.106 - - - - -
Licenciatura para a educação profissional e tecnológica 593 7 - - 8 372
Formação de professor de letras 138 516 110 - 44 -
Formação de professor de educação religiosa 666 - - - 12 -
Formação de professor de artes plásticas 350 -
Formação de professor do ensino fundamental 280 - - - 16 -

Formação de professor em ciências sociais 77 - - - - -

Formação de professor para a educação básica 22 53 - - - -


Formação de professor de linguística 63 -
Licenciatura Intercultural 63 - - - - -
Formação de professor do ensino médio 56 - - - - -
Formação de professor de educação física para educação básica 20 - - - - -
Formação de professor em segurança pública 9 - - - - -
Total 489.517 86.802 185.415 350.032 229.315 126.100

Fonte: Brasil, INEP (2011). [Nota: Elaboração própria]

Nota especial: Utilizamos a variável NO_OCDE.

Desventuras dos professores na formação para o capital


213
Dados que não aparecem

Compilar, organizar e interpretar as informações, ainda


que com algumas inconsistências, articuladamente às demais
informações acerca das políticas educacionais de expansão das
licenciaturas em nível superior, foi bastante complexo. Ao final
do trabalho, todos os dados coletados e análises produzidas não
couberam no espaço oferecido pelo CNPq para apresentação do
relatório final, alguns deles inserimos no Apêndice do presente livro.
Do esforço desenvolvido, inúmeras conclusões foram
retiradas, acentuando-se aqui a principal: ficou evidente o
movimento crescente, entre 2003 e 2015, da entrega da formação
docente inicial à iniciativa privada, bem como o fenômeno da
explosão das instituições particulares. Nestas, um novo molde de
oferta de cursos de licenciatura nasceu, qual seja, aquele em que o
estudante importa menos que o valor das instituições educacionais
e a potência de compra e venda das matrículas em si mesmas,
descarnadas dos sujeitos que lhes dão suporte.
As matrículas e as IES particulares figuram como “itens
de portfólio”, cartas no baralho dos fundos de investimentos e
nas ofertas públicas de ações nas bolsas de valores, onde impera
a valorização sob a forma fictícia desses capitais. Desigualdades,
concentrações, carências e desequilíbrios, em termos de divisão de
recursos econômicos e de professores, não foram resolvidos pela
política de expansão do ensino superior alardeada pelo Aparelho de
Estado e responderam mais às demandas da concentração de capital,
interna e externamente, do que à necessidade de formação de jovens
e de professores no país.

Referências

ARDUINI, G. R. (2017). “A Igreja Católica e suas instituições de


Ensino Superior.” Pro-prosições, vol. 28, no 3. Campinas:
FE, Unicamp. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.

214 Editora Mercado de Letras – Educação


php?script=sci_arttext&pid=S0103-73072017000300060.
Acesso em: 14/01/2019.
BARROSO, H. M. e FERNANDES, I. R. (2007). Mantenedoras
educacionais privadas: Histórico, organização e situação
jurídica. Documento de Trabalho nº 67. Rio de Janeiro:
Observatório Universitário. Disponível em: http://bit.
ly/2t6JTWk. Acesso em: 24/12/2018.
BRASIL (1997-2017). Microdados do Censo da Educação
Superior. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), Ministério da
Educação (MEC). Disponível em: http://bit.ly/2t6ae6V.
Acesso em: 14/10/2017.
________. (2006). Decreto nº 5.773, de 9 de maio de 2006. Dispõe
sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e
avaliação de instituições de educação superior e cursos
superiores de graduação e sequenciais no sistema federal de
ensino. Brasília: Diário Oficial da União. Disponível em:
http://bit.ly/2t4FSlg. Acesso em: 21/02/2017.
________. (2018). Microdados do Censo da Educação Superior.
Brasília: MEC/INEP. Disponível em: http://bit.ly/2t6ae6V.
Acesso em: 14/01/2019.
COSTA, M. G. S. (2011). A configuração organizacional-
administrativa de Instituições de Ensino Superior
Confessionais no Estado de Pernambuco, à luz do Modelo
Multidimensional-Reflexivo. Dissertação de Mestrado
em Administração. Recife: Universidade Federal de
Pernambuco.. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/
bitstream/123456789/1249/1/arquivo5670_1.pdf. Acesso
em: em: 09/11/2018.
DAVIES, N. (2016). “O financiamento público às instituições
privadas de ensino.” Agenda Social, vol. 10, pp. 134-
146. Brasília: UENF. Disponível em: http://www.

Desventuras dos professores na formação para o capital 215


revistaagendasocial.com.br/index.php/agendasocial/article/
download/240/156. Acesso em: 10/02/2019.
DAVIES, N. (2017). O financiamento público às escolas
privadas. Curitiba: UFPR. Disponível em: http://www.
redefinanciamento.ufpr.br/antigo/nic7.htm. Acesso em:
07/02/2019.
ENGELS, F. (1845[2010]). A situação da classe trabalhadora na
Inglaterra. São Paulo: Boitempo.
GRANEMANN, S. (2007). “Políticas sociais e financeirização dos
direitos do trabalho.” Em Pauta, no 20. Rio de Janeiro: UERJ,
pp. 57-68. Disponível em: http://bit.ly/2tfCq7H. Acesso em:
19/01/2019.
SEGENREICH, S. C. D. (org.) (2017). Organização institucional
e acadêmica da educação: glossário. Rio de Janeiro: Publit.

216 Editora Mercado de Letras – Educação


POSFÁCIO

Zanardini

A escola do mundo ao avesso é a mais democrática das


instituições educativas. Não requer exame de admissão, não
cobra matrícula e dita seus cursos, gratuitamente, a todos e
em todas as partes, assim na terra como no céu: não é por
nada que é filha do sistema que, pela primeira vez na história
da humanidade, conquistou o poder universal.
Na escola do mundo ao avesso o chumbo aprende a flutuar e
a cortiça a afundar. As cobras aprendem a voar e as nuvens a
se arrastar pelos caminhos.
(Eduardo Galeano, De pernas pro ar, a escola do mundo
ao avesso, 2015)

O rompimento e desvelo da pseudocroncreticidade das ações


do Estado, do escopo das políticas sociais que dele emanam, no
caso deste livro as políticas educacionais de formação, se torna
imperioso, sobretudo no momento atual, no qual são colocados na
mesma balança o conhecimento científico e as mais absurdas formas
dogmáticas de apresentação da realidade. Qualquer boato nos dias
que correm compete com verdades comprovadas pela experiência
científica; em outros termos, uma densa névoa intenta encobrir e
obstaculizar a possibilidade de compreensão e crítica dessa mesma
realidade pela fração cada vez mais expropriada da sociedade.

Desventuras dos professores na formação para o capital 217


A “democratização do acesso ao ensino superior”,
supostamente levada a cabo no Brasil em meados dos anos 2000,
coadunou-se com um ambicioso projeto de expansão do mercado
educacional de formação que vicejou na esfera privada e contou
ainda com a crescente expansão da modalidade de Educação a
distância atrelada à fertilização do capital financeiro inundando as
relações educativas. Se no passado não tão distante, as Universidade
Públicas eram tidas como “camisa-de-força impeditiva de outras
formas de desenvolvimento de ciência e tecnologia”, esse processo
conta hoje com um movimento de demonização das Universidades
públicas que teriam se “convertido em malditas fábricas de
militantes”, bem ao gosto da incapacidade de um juízo melhor que
grassa no atual governo brasileiro.
A crescente onda privatizante, marca indelével do capital, que
intenta transformar toda e qualquer relação social em uma relação
mercadológica, incidiu de forma decisiva no processo de formação
de professores, sobretudo a partir de meados dos anos 1990. Como
restou demonstrado, não foi obra de apenas uma gestão ou de apenas
um partido; tratou-se, sim, de uma orquestrada e competente política
do Estado brasileiro, cada vez mais submisso aos ditames do capital.
Por que importa tanto aos exitosos homens de negócio
interferir e formatar o processo de formação docente que, via de
regra, atuarão em escolas públicas e, portanto, serão os responsáveis
pela educação de parte substantiva dos trabalhadores? O que esconde
a venda deliberada de certificados ocos de conteúdo, atestados de
deformação, uma vez que aligeiram e agudizam a precária situação
de boa parte dos estudantes brasileiros?
Como forma de levar a cabo essa tarefa, componente do
projeto político da agenda global do capital ou do “capital educador”,
como neste livro definido, foi imprescindível a ação de intelectuais e
Organizações Multilaterais no ditame e na defesa do que desejavam
como conteúdo da formação do professor a ser educado/adestrado
consoante a esse projeto. Tal ação contou com a competente
intervenção de grandes instituições privadas materializadas em
verdadeiros conglomerados de dominação do que deve constituir

218 Editora Mercado de Letras – Educação


os currículos e os programas dos cursos de formação, sobretudo no
vertiginoso segmento da Educação a Distância. Essa modalidade
goza da preferência de investidores internos e externos do capital
financeiro, processo definido aqui como de “financeirização do
Ensino Superior”.
Com o advento e a tendência cada vez mais expressiva da
oferta de educação na modalidade a distância, quer seja no espaço
privado ou no público, o que se pode concluir é que a distância
que separa os trabalhadores da apropriação científica da realidade,
para sua posterior análise crítica, tende a aumentar ainda mais. E,
para além de garantir ao capital mais um nicho de realização de
lucro, é essa a distância que se tem em mente, quando se relega ao
trabalhador uma escolarização precarizada e esvaziada que em geral
esses processos aligeirados encerram.
Ainda é exclusivamente no espaço escolar que os filhos da
classe trabalhadora podem ter a oportunidade de se apropriarem
do conhecimento produzido coletivamente e apropriado por uma
minoria. Logo, qualquer alteração negativa dessa possibilidade incide
decisivamente na desigual distribuição de riquezas que também se
materializa na escola. Como poderá o aluno da escola pública se
apropriar dos conteúdos científicos necessários para a compreensão,
crítica e superação da sua condição de elemento de classe subalterna?
Não intentamos hipertrofiar a possibilidade emancipatória da educação;
a educação não pode ser compreendida como revolucionária em si,
mas sem a possibilidade coadjuvante da mesma, como se solidifica a
condição subjetiva dos filhos dos trabalhadores, necessária ao processo
mais amplo que chamamos de revolução?
O ato da humanização se dá pela apropriação do conteúdo
que foi produzido historicamente pelo coletivo da humanidade e
que é tratado como propriedade particular. O saber científico se
coloca, então, como uma importante aquisição no processo de fazer-
se homem do homem. Uma vez que esse fator lhe é negado, ou que
sua apropriação se dê de forma reduzida ou precária, é a própria
condição humana que está em jogo.

Desventuras dos professores na formação para o capital 219


Todos nós realizamos com maior ou menor consciência
um movimento de leitura de mundo que indica, de certa forma, a
consciência de que dispomos, não apenas dos fatos isolados, mas
daquilo que chamamos de real. Não obstante o fato de que essa visão
de mundo é determinada por relações sociais mais amplas, ela tem o
poder dialético de retroação na medida em que parte substancial de
nossas ações são reflexos de nossa visão de mundo.
Bom, pensemos por um instante na nossa trajetória escolar,
no processo de formação pelo qual passamos e no nosso caminho em
busca do desvelar científico dos acontecimentos mundanos. É óbvio
que nossa visão de mundo não é fidedigna, e nunca será. Lembremos
de Marx quando afirmava que se a essência e a aparência das coisas
coincidissem toda ciência seria vã. Como seria nossa leitura de
mundo, sem o aporte, mesmo que por vezes deficitário, do qual
fomos nos apropriando nos bancos escolares, de temas ligados à
ciência, bem como os próprios da história, da filosofia, da sociologia
e demais componentes curriculares, aos quais fomos apresentados
no processo de formação pelo qual passamos?
Pois bem, como fica essa possibilidade aos nossos pares
que a partir de agora frequentarão a escola e serão educados por
professores formados em cursos como os de Pedagogia que, segundo
dados apresentados pelos autores da obra em exame, contava em
2015 com 80,4% de suas matrículas na rede privada, se aos mesmos
foi obstaculizado um processo sólido de formação. O que está
em jogo de forma correlata com a pauperização da formação é a
pauperização teórica de toda uma classe.
De resto, descortinar a aparência que ofusca a intenção do
Estado por meio da ação de seus subsequentes governos serviçais
e dos apologetas do modo de produção capitalista é tarefa mister
para todos que intentam ingressar na luta por um projeto alternativo
de sociedade. Um projeto que se oponha a essa férrea e implacável
lógica destrutiva ou, pelo menos, que no âmbito republicano
recoloque e recondicione o direito de que os futuros professores da
classe trabalhadora acessem e se apropriem de uma formação densa
em termos de conteúdo.

220 Editora Mercado de Letras – Educação


APÊNDICE
Tabela 1 – Frequência de matrículas em licenciaturas, por cor/raça, modalidade e categoria administrativa – 2011 – Brasil

Pública Privada sem fins lucrativos Particular Total %


 
Presencial 479.816 276.874 163.925 920.615 100,0
Amarela 3.887 1.394 1.532 6.813 0,7
Branca 88.834 58.602 30.587 178.023 19,3
Indígena 1.535 305 367 2.207 0,2

Não declarado 102.858 98.881 64.967 266.706 29,0


Não dispõe da informação 181.693 84.791 33.559 300.043 32,6
Parda 79.064 26.567 27.110 132.741 14,4
Preta 21.945 6.334 5.803 34.082 3,7
EaD 103.853 143.516 180.908 428.277 100,0
Amarela 502 857 491 1.850 0,4
Branca 16.393 25.352 27.438 69.183 16,2
Indígena 177 214 157 548 0,1
Não declarado 22.220 71.551 40.474 134.245 31,3
Não dispõe da informação 46.972 31.731 103.916 182.619 42,6
Parda 15.128 11.425 6.659 33.212 7,8

222 Editora Mercado de Letras – Educação


Preta 2.461 2.386 1.773 6.620 1,5

Fonte: Brasil, INEP (2011). [Nota: Elaboração própria]


Tabela 2 – Frequência de matrículas em licenciaturas, por cor/raça, modalidade e categoria administrativa – 2015 – Brasil

Pública Privada sem fins lucrativos Particular Especial Total %


 
Presencial 481.804 229.315 185.415 7.713 904.247 100,0
Amarela 5.767 2.227 3.432 31 11.457 1,3
Branca 128.708 87.306 53.395 3.925 273.334 30,2
Indígena 4.682 887 978 6 6.553 0,7
Não declarado 128.827 69.374 52.212 1.917 252.330 27,9
Não dispõe da informação 28.921 8.427 8.906 626 46.880 5,2
Parda 144.906 47.165 52.933 989 245.993 27,2
Preta 39.993 13.929 13.559 219 67.700 7,5
EaD 85.213 126.100 350.032 1.589 562.934 100,0
Amarela 698 1.586 2.988 10 5.282 0,9
Branca 17.728 52.590 93.650 469 164.437 29,2

Desventuras dos professores na formação para o capital


Indígena 286 499 940 2 1.727 0,3
Não declarado 35.335 26.850 157.894 531 220.610 39,2
Não dispõe da informação 5.397 1.771 31.628 466 39.262 7,0

Parda 21.505 37.941 49.055 89 108.590 19,3

223
Preta 4.264 4.863 13.877 22 23.026 4,1

Fonte: Brasil, INEP (2015). [Nota: Elaboração própria]


Quadro 1 – Programas de Formação Inicial, Continuada, Ações
de Formação Docente e de Acesso ao Ensino Superior – 2003-2014 – Brasil

PROGRAMAS DE FORMAÇÃO INICIAL OBJETIVOS

Programa de Formação de Professores em Exercício – Pro- Curso normal médio; quatro séries iniciais; classes de alfabetização ou Educa-
formação (1997; expandido em 2004) (FNDE-SEED/MEC) ção de Jovens e Adultos; redes públicas de ensino; EaD; atividades presenciais
nas férias escolares/sábados; prática pedagógica; tutores.

Programa de Formação Inicial para Professores em Exercí- Formação inicial; parceria com IES; licenciatura EaD; permanência em exer-
cio no Ensino Fundamental e no Ensino Médio – Pró-Licen- cício nos anos finais do ensino fundamental/ensino médio; sistemas públicos
ciatura (2004) de ensino; UaB.

Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas In- Licenciaturas; professor indígena; escolas indígenas; anos finais do ensino
terculturais – PROLIND/ Educação Indígena (Edital) (2005) fundamental e ensino médio; ensino, pesquisa e extensão; temas relevantes;
línguas maternas, gestão e sustentabilidade das terras e culturas dos povos
indígenas.

Programa de Formação Inicial para Professores em Exercí- Curso normal médio; EaD; sala de aula; educação infantil; creches e pré-es-
cio na Educação Infantil – PROINFANTIL (2005) colas; rede pública; rede privada comunitária, filantrópica ou confessional;
metodologias e estratégias de intervenção pedagógicas.

Programa de Consolidação das Licenciaturas – Prodocência Inovação; científico; tecnológico; formação professor da educação básica; co-
(Edital) - 2006 operação entre unidades acadêmicas interdisciplinares e intersetoriais; elevar
a qualidade da formação; educação superior-educação básica; superar defici-
ências avaliações licenciatura.

Universidade Aberta do Brasil – UAB (Edital) (2006) Licenciatura; EaD; formação inicial; formação continuada; educação básica;

224 Editora Mercado de Letras – Educação


capacitação de dirigentes, gestores e trabalhadores; diferentes áreas do conhe-
cimento; acesso à educação superior pública; estabelecer sistema nacional de
educação superior a distância; desenvolvimento educação a distância; meto-
dologias inovadoras; tecnologias de informação e comunicação.
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – Formação inicial; licenciatura; escolas da rede pública; educação superior-e-
PIBID (Edital) – 2007 ducação básica; experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes;
inovação; interdisciplinar; IDEB; desempenho da escola; Provinha Brasil, Prova
Brasil, SAEB, ENEM; escolas públicas protagonistas; valorizar o magistério.

Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura Formação educadores com ensino médio; escolas do campo; áreas do co-
em Educação no Campo – Procampo (Edital) (2007) nhecimento; alternância tempo/escola-curso e tempo/comunidade-escola do
campo; ingresso e permanência dos profissionais.

Programa de Formação Inicial em Serviço dos Profissionais Cursos técnicos; cursos superiores de tecnologia; preferencial EaD; funcio-
da Educação Básica dos Sistemas de Ensino Público – Pro- nários dos sistemas públicos de ensino; formação inicial e continuada dos
funcionário (2007) profissionais da educação básica.

Rede UAB de Educação para a Diversidade (Edital) (2008) Formação; EaD; educadores e gestores da Educação Básica; diversidade; 17
cursos.

Programa de Formação Inicial e Continuada, Presencial e Formação inicial emergencial; presencial; redes públicas de educação básica;
a Distância, de Professores para a Educação Básica – PAR- EaD; Fóruns Estaduais Permanentes de Apoio à Formação Docente.
FOR (Edital) (2009)

Desventuras dos professores na formação para o capital


Programa Laboratórios Interdisciplinares de Formação de Criação de laboratórios interdisciplinares IES públicas; formação interdiscipli-
Educadores – LIFE (2012) nar; estimular articulação conhecimentos-práticas-tecnologias educacionais;
domínio e uso de novas linguagens e TICs; aprendizado, socialização e de-
senvolvimento de práticas e metodologias de diferentes disciplinas; espaço
para atividades pedagógicas com alunos das escolas públicas de educação
básica, licenciandos e professores das IES; valorização dos cursos de licencia-

225
tura e de Pedagogia.
PROGRAMAS DE FORMAÇÃO CONTINUADA OBJETIVOS

Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência Formação inicial; escolas indígenas e do campo; licenciatura Intercultural In-
para a Diversidade – Pibid Diversidade (Edital) (2010) dígena e Educação do Campo; educação básica indígenas, campo, quilombo-
las, extrativistas e ribeirinhas; integração educação superior-educação básica;
diversidade sociocultural e linguística; diálogo intercultural.

Programa de Concessão e Manutenção de Bolsas de Pós- Formação de recursos humanos de alto nível; mestrado, doutorado e pós-dou-
Graduação no País (Edital) (1951-continuação) torado; financiamento das atividades dos cursos de pós-graduação; projetos
de pós-doutorado.

Programa de Cooperação Internacional e Bolsas no Exterior Complementar pós-graduação no país; formação de docentes e pesquisadores
(Edital/acordos de cooperação) (1951-continuação) de alto nível acadêmico.

Rede Nacional de Formação Continuada de Professores de Formação de professores e alunos; educação básica pública. Romper hiato entre
Educação Básica (2004) Educação superior e básica. Articulação de pesquisa, cursos presenciais e EaD.

Programa de Educação Inclusiva: direito à diversidade Formação de gestores e educadores; sistemas educacionais inclusivos, ativi-
(2005) dades presenciais e EaD.

Programa Escolas Bilíngues de Fronteira – PEBF (2005) Escolas de zona de fronteira; educação intercultural; português-espanhol;
argentino-brasileiro; Identidade Regional Bilíngue e Intercultural; cultura de
paz; cooperação interfronteiriça.

Programa de Formação Continuada de Professores das Formação continuada; professor; qualidade de aprendizagem; leitura/escrita e
séries iniciais do Ensino Fundamental – Pró-Letramento matemática; séries iniciais do ensino fundamental; MEC/universidades/ Rede

226 Editora Mercado de Letras – Educação


(2005) Nacional de Formação Continuada.

Observatório da Educação – OBEDUC (Capes; INEP; SECA- IES; programas de pós-graduação; grupos de pesquisa; projetos financiados;
DI) (Edital) (2006) bolsas coordenadores institucionais-estudantes de graduação, mestrado; dou-
torado e professores da rede pública; integração pós-graduação, cursos de
formação de professores e escolas de educação básica.
Programa de Pós-Graduação em Educação Tecnológica / For- Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica; titulação do-
mação de Mestres para a Rede Federal de Educação Profis- cente; pós-graduação; pesquisa e inovação; consolidar Institutos Federais de
sional Científica e Tecnológica – PROJETO GESTOR (2006) Educação, Ciência e Tecnologia.

Programa Institucional de Qualificação Docente para a Titular servidores da Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tec-
Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecno- nológica; pós-graduação stricto sensu; pesquisa.
lógica – PIQDTEC (2006)

Educação em Agroecologia e Sistemas Orgânicos de Produ- Pesquisa; agroecologia; sistemas orgânicos de produção; formar professores
ção (Edital) (2006) e alunos de nível médio/superior em ciências agrárias; conhecimentos, tec-
nologias e materiais didáticos para comunidade escolar; parcerias; núcleos
de estudo em agroecologia na Rede Federal de Educação Profissional e Tec-
nológica.

Programa Escola de Altos Estudos - 2006 Professores e pesquisadores estrangeiros; cursos monográficos; fortalecer, am-
pliar e qualificar pós-graduação brasileira.

Formação pela Escola – FPE (2006)  Formação continuada; EaD; execução, monitoramento, avaliação, prestação
de contas e controle social dos programas e ações educacionais financiados
pelo FNDE; professor.

Desventuras dos professores na formação para o capital


Projeto Escola que Protege (2006) Direitos de crianças e adolescentes; violências na escola; financia projetos
de formação continuada; profissionais da rede pública de educação básica;
materiais didáticos e paradidáticos.

Programa Nacional de Formação Continuada em Tecnolo- Inclusão digital; professores, gestores; educação básica pública; comunida-
gia Educacional – Proinfo Integrado (Adesão direta) (2007) de escolar; qualificar processos de ensino e de aprendizagem; competências,
habilidades e conhecimentos; Portal do Professor: TV Escola; DVD Escola;

227
Domínio Público; Banco Internacional de Objetos Educacionais; EaD.
Programa de Pós-Graduação em Educação Agrícola – PP- Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica; titular pro-
GEA (2007) fessores; pós-graduação; pesquisa e inovação; consolidação dos Institutos
Federais.

Programa de Formação Continuada de Professores na Edu- Formar professores da rede pública; atendimento educacional especializado;
cação Especial (Edital; Plano de Ações Articuladas; UAB) salas de recursos multifuncionais; ensino regular; inclusão; EaD; UAB; insti-
(2007) tuições públicas de educação superior.

Política de Formação em Educação de Jovens e Adultos Ampliar, diversificar e melhorar formação continuada; professores das redes
(FNDE/IES) (2007) de ensino públicas.

Programa Escola Ativa – Educação no Campo (Edital; PAR) Melhorar desempenho em classes multisseriadas do campo; apoiar sistemas
(1997/reformulado 2007) estaduais-municipais; recursos pedagógicos e de gestão; propostas pedagógi-
cas e metodologias; formação continuada presencial e em alternância; espe-
cificidades do campo; publicar, adquirir e distribuir materiais pedagógicos.

Programa Nacional Escola de Gestores da Educação Básica Formação continuada em serviço; semipresencial; EaD; gestores de escolas
Pública (2009) públicas estaduais e municipais; motivar e envolver comunidade escolar; li-
dar com a diversidade; planejar e inovar em métodos; novas ideias.

Plataforma Paulo Freire (2009?) Acesso ao Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica;
licenciatura; rede de instituições públicas de ensino superior; Capes.

Programa Mídia e Educação (2009) EaD; formação continuada; uso pedagógico das TICs: TV e vídeo; informática;
rádio e impresso para os professores da educação básica.

228 Editora Mercado de Letras – Educação


Mestrados Profissionais para Professores da Educação Pú- Implantação de mestrados profissionais para professores da educação bási-
blica (2011) ca: ProfMat (Matemática), ProLetras (Português), ProFis (Física), ProfBio (Bio-
logia); Artes, História, Administração Pública, Engenharia; Educação Física
análise.

Residência Docente no Colégio Pedro II e no Colégio de Projeto-piloto; formação do professor da educação básica com até três anos
Aplicação da UFMG (2012) de formado; formação continuada; excelência; desenvolvimento profissional;
qualidade da Educação Básica; certificado de especialização.

Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio Formação continuada de professores; coordenadores pedagógicos; ensino
(2013) médio público; rural e urbano; presencial, na escola; articulado ao Ensino
Médio Inovador.

Escola da Terra (2013) Formação continuada; escolas do campo; comunidades quilombolas; recur-
sos didáticos e pedagógicos, presencial e alternância.

Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC Professor; alfabetização; turmas multisseriadas e multietapa; materiais; refe-
(2013) rências curriculares e pedagógicas; universidades públicas; avaliação e acom-
panhamento da aprendizagem; materiais; melhoria da qualidade do ensino.

Programa de Formação Continuada de Professores e Ges- Formação continuada; extensão, aperfeiçoamento e especialização; presen-
tores nas temáticas de Educação em Direitos Humanos e cial, semipresencial; EaD; educação ambiental, direitos da criança e adoles-
Educação Ambiental – NOVO (2014) cente, gênero e diversidade sexual.

Desventuras dos professores na formação para o capital


PROGRAMAS AÇÕES DE FORMAÇÃO DOCENTE OBJETIVOS

Programa de formação dos professores de alunos meda- Aperfeiçoamento de professores de alunos com talento para ciências exatas;
lhistas da Olimpíada de Matemática – OBMEP na escola bolsa Capes; Olimpíada Brasileira de Matemática nas Escolas Públicas; apren-
(IMPA; MCTI; Capes) (2014) dizagem da Matemática; valorização dos educadores.

229
Programa de Apoio a Eventos no País – PAEP (Mérito) Eventos científicos no Brasil; formação de professores para a educação básica;
(1951-continuação) auxílio financeiro.

Programa Internacional de Avaliação de Estudantes – PISA Coordenado pela OCDE; avaliação comparada; por áreas do conhecimento;
(1998) ciências; língua materna; matemática; compatibilizado com o IDEB.

Portal de Periódicos (2000-continuação) Planejar, coordenar e executar; informação científica e tecnológica interna-
cional e nacional; assinaturas do conteúdo científico; gratuito.

Rede Nacional de Educação e Ciência: Novos Talentos da Sede na UFRJ; IES; pesquisa; ensino eficiente; metodologias; cursos experi-
Rede Pública (1985) mentais de curta duração; estágios.

Programa Gestão da Aprendizagem Escolar – GESTAR I Formação continuada; professores séries iniciais do Ensino Fundamental; qua-
(2001-continuação) lidade do atendimento; escolas públicas; EaD; momentos presenciais.

Programa Gestão da Aprendizagem Escolar – GESTAR II Professores séries finais Ensino Fundamental; formação continuada semipre-
(2004) sencial; formação Matemática e de Língua Portuguesa; saberes profissionais;
local de trabalho; competência docente e alunos; EaD; autonomia.

Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB (1991-re- Dois processos: a Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e a Ava-
estruturado 2005) liação Nacional do Rendimento Escolar – Anresc (Prova Brasil); Avaliação
Nacional de Alfabetização (Ana-Provinha Brasil).

Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de Educação Formação dirigentes municipais de educação; equipes técnicas; gestão da
– PRADIME (2006) educação e do sistema municipal; encontros presenciais; curso EaD; Obje-
tivos de Desenvolvimento do Milênio; metas do Marco de Ação de Dacar
(2000) e do PNE (2001-2011).

230 Editora Mercado de Letras – Educação


Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Si- Formado por três eixos: a avaliação das instituições, dos cursos e do desem-
naes (2004) penho dos estudantes de ensino superior (ENADE).

Programa Pró-Equipamentos (Edital) (2007) Modernizar; ampliar; infraestrutura de pesquisa científica e tecnológica; Pro-
gramas de Pós-Graduação; uso comum e compartilhado de equipamentos.

Rede Interativa Virtual de Educação – RIVED (2007) Produção de conteúdos pedagógicos digitais; objetos de aprendizagem; me-
lhorar a aprendizagem; educação básica; formação cidadã; capacitações para
produzir e utilizar objetos de aprendizagem; IES; rede pública de ensino.

Programa Ética e Cidadania: Construindo Valores na Escola Formação de professores, estudantes e profissionais; textos específicos, docu-
e na Sociedade (2007) mentos e livros; atividades escolares; cursos; formação de equipes; projetos;
ações na escola e na comunidade.

Programa Saúde na Escola – PSE (Adesão) (2007) Formação integral dos estudantes; promoção, prevenção e atenção à saúde;
vulnerabilidades; crianças e jovens; rede pública de ensino; educação per-
manente; capacitação de profissionais da Educação e da Saúde e de jovens.

Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB Aprovação e média de desempenho em língua portuguesa e matemática; cal-
(2007) culado sobre os dados de aprovação escolar no Censo Escolar; médias de
desempenho nas avaliações do Inep, Saeb e Prova Brasil.

Programa Currículo em Movimento (2008) Organização curricular; atualização das DCN; conteúdos; formação básica

Desventuras dos professores na formação para o capital


comum da educação básica; Base nacional comum/Base curricular comum;
debate nacional; identidade nacional.

Portal do Professor (Acesso aberto/adesão direta) (2008) Formação; armazenamento e circulação de conteúdos educacionais multimí-
dia; links; pesquisa; Educação Infantil, Ensino Fundamental, Médio, Profis-
sional e modalidades; integração do sistema público de educação básica e
profissional; MEC, secretarias estaduais e municipais de educação, escolas,

231
gestores, professores e alunos.
Programa Banda Larga nas Escolas (MEC/Anatel) (2008) Universalizar e democratizar acesso à informação; inclusão digital; professores.

Prêmio Professores do Brasil (2008) Professores; ativos na implementação do Plano Nacional de Educação; refle-
xão sobre prática pedagógica; sistematização de experiências educacionais.

TV Escola (2009) Aperfeiçoamento; valorização dos professores; rede pública; enriquecer pro-
cesso de ensino-aprendizagem; melhorar qualidade do ensino. 

Banco Internacional de Objetos Educacionais (2009) Portal; assessorar professor: recursos educacionais gratuitos; diversas mídias
e idiomas (áudio, vídeo, animação/simulação, imagem, hipertexto, softwares
educacionais); educação básica; IES; áreas do conhecimento.

Programa um Computador por Aluno (Adesão) (2010) Concatenada com ProInfo; aluno de escolas públicas.

Programa Novos Talentos (Edital) (2010) Projetos bem sucedidos; conhecimento científico; educação básica pública;
capacitar professores e estudantes; aprendizado continuado; socialização;
promoção e integração social; vocações em estudantes de baixa renda; carrei-
ras tecnológicas e científicas; acesso às IES públicas; metodologias, estratégias
e materiais didáticos inovadores; língua materna, ciências; local, regional e
global; pós-graduação, grupos e centros de estudos e pesquisas.

232 Editora Mercado de Letras – Educação


Apoio a Olímpiadas Científicas (s.d.) Olimpíada Brasileira de Robótica, Matemática, Biodiversidade e Ciências da
Vida, Física, Astronomia e Astronáutica, Química, Agropecuária, Biologia;
Olímpiada Nacional de História do Brasil, Oceanografia; Internacional de
Astronomia e Astrofísica.

Editais Feiras de Ciências e Mostras Científicas (s.d.) Apoio às Feiras de Ciências e Mostras Científicas; municipal, estadual/distrital
e nacional; popularização da ciência; melhoria dos ensinos fundamental e
médio; jovens talentosos; carreira  técnico-científica e docente; majoritaria-
mente alunos de escola pública; meninas-matemática, física, astronomia, ro-
bótica e engenharias; gratuitas; livre acesso; meio ambiente; reciclar.

Materiais didáticos ou de divulgação Publicações didáticas; difusão de conhecimento; resultados de programas que
tenham previsto algum tipo de publicação.

PROGRAMAS DE ACESSO AO ENSINO SUPERIOR OBJETIVOS

Fundo de Financiamento do Ensino Superior – FIES (1999- Acesso de estudantes ao ensino superior; licenciatura, pedagogia, normal su-
2007 reformulado) perior; cursos superiores de tecnologia.

Programa Universidade para Todos – Prouni (2005) Isenção e incentivos fiscais; IES privadas; bolsas de estudo integrais e parciais
de 50%; cursos de graduação e sequenciais.

Desventuras dos professores na formação para o capital


Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão Reestruturação das IFES; expansão do acesso.
das Universidades Federais – REUNI (2007)

Fonte: Elaboração própria com dados garimpados nos sites do MEC (Brasil 2019), CAPES (Brasil 2019a) e FNDE (Brasil 2019b). [Nota: Listagem não exaustiva]

233
Referências

BRASIL (2019). Portal do Ministério da Educação. Disponível em:


http://portal.mec.gov.br/index.php. Acesso em: 30/03/2019.
________. (2019a). Portal da CAPES – Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Disponível
em: http://capes.gov.br/. Acesso em: 30/03/2019.
________. (2019b). Portal do FNDE – Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação. Disponível em: https://
www.fnde.gov.br/. Acesso em: 30/03/2019.

234 Editora Mercado de Letras – Educação


Secretario Ejecutivo Pablo Gentili
Directora Académica: Fernanda Saforcada
Área de Producción Editorial y Contenidos Web
Coordinador Editorial: Lucas Sablich
Coordinador de Arte: Marcelo Giardino
Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales –
Conselho Latino-americano de Ciências Sociais
EEUU 1168| C1101 AAx Ciudad de Buenos Aires | Argentina
Tel [54 11] 4304 9145/9505 | Fax [54 11] 4305 0875|
e-mail clacso@clacso.edu.ar |
web www.clacso.org

Comité Académico Editorial – Parceria Mercado de Letras / Editora Libre CLACSO

Adrian Ascolani (Universidad Nacional de Rosario. Argentina)


Afranio Mendes Catani – (Universidade de São Paulo)
Antonio Bolívar (Universidad de Granada. España)
Antonio Theodoro (Universidad Lusófona. Portugal)
Carlos Miñana Blasco (Universidad Nacional de Colombia. Colombia)
Debora Cristina Jefrey (Universidade Estadual de Campinas)
Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira (Universidade Estadual de Campinas)
Enrique Daniel Andrés Martinez Larrechea – Instituto Universitario Centro
Latinoamericano de Economia Humana – CLAEH / Uruguai
Enrique del Percio – Universidad de Buenos Aires – UBA /
Universidad Nacional Tres de Febrero – UNTREF
Héctor Rubén Cucuzza (Universidad Nacional de Luján. Argentina)
Jaime Morelez Vasquez (Universidade COLIMA. México)
José Camilo dos Santos Filho (Universidade Estadual de Campinas. Brasil)
João dos Reis da Silva Junior (Universidade Federal de São Carlos)
Leandro Pinheiro (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Lindomar W. Boneti (Pontificia Universidade Católica do Paraná)
Maria de Fatima Antunes (Universidade do Minho. Portugal)
Maria de Lourdes Pinto de Almeida (Universidade do Oeste Santa Catarina –
Universidade Integrada do Alto Rio Uruguai e das Missões)
María del Carmen Lopes Lopes (Universidade de Granada) 
Mariano Fernadez Enguita (Universidad de Madrid)
Miryan Southwell (Universidade Nacional de La Plata – UNLP – Argentina)
Pablo Gentili (Universidad Estadual de Rio de Janeiro – UERJ – Brasil – CLACSO)
Pablo Pineau (Universidad de Buenos Aires – UBA- Argentina
Rosane Sarturi (Universidad Federal de Santa María. Brasil)
Verónica Leiva (Pontificia Universidad Católica de Valparaíso. Chile)
Virginio de Sá (Universidade do Minho – UM – Portugal)

Este libro está disponible en texto completo en la Red de


Bibliotecas Virtuales de CLACSO
A versão impressa e em português poderá ser encontrada
no site da editora Mercado de Letras, Campinas, Brasil.
www.mercado-de-letras.com.br

Esta obra foi impressa em papel polen


75 gs. Instrução Normativa SRF nº 71 de
24 Agosto de 2001. Na capa foi utilizado
Papel Supremo, 250 gs., laminação fosca.
Impressão e acabamento por processo
digital book on demand da METABRASIL
GRÁFICA a partir de arquivos do editor.

Você também pode gostar