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INTRODUÇÃO

BIBLIOLOGIA
BIBLIOLOGIA

Introdução

O homem é um ser religioso e como tal, busca ao longo de sua vida dirimir questões
que lhe são naturalmente obscuras e que transcendem o raciocínio lógico. Destarte,
aventura-se a tentar compreender o metafisico e espiritual, a partir do limitado
conhecimento adquirido em suas experiências pessoais.

Em sua leitura do ser humano, João Calvino compreendeu e ensinou que todo
homem traz consigo, desde o nascimento, a “sêmen religionis”, ou seja, a semente da
religião, que está arraigada em seu coração. Isto implica em dizer que por mais que o
homem queira, jamais poderá negar que existe dentro de si uma forte inclinação para as
questões espirituais. Entretanto, devido à corrupção causada pelo pecado, o homem não
pode voltar-se para Deus e ser por Ele salvo, mediante a revelação que a natureza faz dos
atributos Divinos.

Em contraste com o ensino da Teologia Natural, que afirma que “nas energias do
seu Espírito, Deus está em todas as coisas, e todas as coisas estão em Deus”1 e ainda que
o Espírito de Deus age como um campo de forças, que dá energia a todas as coisas. E
ainda contrariando o Panteísmo que tributa divindade à natureza, ao afirmar que o universo,
a natureza, os animais, os homens, enfim, toda a criação é Deus e Deus é tudo o que foi
criado, a Confissão de Fé de Westminster afirma categórica e corretamente que as
revelações de Deus na natureza, não podem conduzir o homem à salvação 2.

Os conceitos supracitados, revelam apenas uma coisa: a ignorância e cegueira dos


homens, pois como afirma o apóstolo Paulo em Romanos 1.18-25, eles se tornaram loucos
e adoraram a criatura em lugar do Criador.

Visto o homem ser naturalmente religioso e ao mesmo tempo incapaz de adorar


corretamente o Criador, Deus dignou-se revelar-se à criatura. Doutra maneira ele seria
eternamente o Deus absconditus3 em contraste com o Deus revelatus4.

1
http://ecclesia.com.br/news/2012/?p=9222
2
Vide Confissão de Fé de Westminster, cap.1, § 1º.
3
Uma expressão do latim que significa que Deus está oculto.
4
Uma expressão do latim que significa que Deus se revela.
1. REVELAÇÃO

Quando falamos sobre a revelação de Deus, partimos da premissa de que Ele existe
e que é cognoscível, ou seja, que podemos conhecê-lo. Mas, como vimos, o homem jamais
conheceria a Deus se este não se manifestasse. Se Ele mesmo não tomasse a iniciativa
ainda estaríamos na escuridão da ignorância. Mas, como Deus se manifestou aos homens?
Que meios usou Ele para termos ciência de sua existência?

1.1 Revelação geral

Por revelação geral, entende-se aquela manifestação, onde Deus torna conhecida
de todos os homens sua existência, poder e divindade. Isso Ele o faz sem distinção de raça,
credo, cor ou nacionalidade, isto é, sem acepção de pessoas (Salmo 19.1-5; Atos 14.15-
17; 17.22-29).

O Dr. Wayne House (2000, p.29) após conceituar a Revelação geral, apresenta um
quadro comparativo, onde expõe as disparidades existentes entre as principais correntes
teológicas:

Revelação geral é a comunicação de Deus acerca de si mesmo a


todas as pessoas, em todos os tempos e lugares. Ela refere-se à auto
Conceito
manifestação de Deus por meio da natureza, da história e do ser
interior (consciência) da pessoa humana.

É defensor da teologia natural, que afirma ser possível obter um


conhecimento verdadeiro de Deus a partir da natureza, da história e
da personalidade humana, à parte da Bíblia.
Tomás de Toda verdade pertence a dois reinos. O reino inferior é o reino da
Aquino natureza e é conhecido por meio da razão; o reino superior é o reino
da graça e é aceito pela fé com base na autoridade, pela fé. Aquino
insistiu que podia demonstrar pela razão a existência de Deus e a
imortalidade da alma.
A revelação geral fornece o fundamento para a formulação da
teologia natural. A teologia católica romana tem dois níveis:

Primeiro nível: a teologia natural é construída com blocos da


revelação geral cimentados pela razão. Inclui as evidências da
existência de Deus e da imortalidade da alma. É insuficiente para um
Catolicismo
conhecimento salvador de Deus. A maior parte das pessoas não
atinge este primeiro nível pela razão, mas pela fé.

Segundo nível: uma teologia revelada é construída com blocos de


revelação especial cimentados pela fé. Inclui a expiação vicária, a
trindade, etc. Neste nível a pessoa chega à salvação.

Deus oferece uma revelação objetiva, válida e racional acerca de si


mesmo na natureza, na história e na personalidade humana. Ela pode
ser observada por qualquer pessoa. Essa conclusão vem do Sl 19.1-
2 e de Rm 1.19-20. O Pecado deturpou as evidências da revelação
geral e o testemunho de Deus ficou obscurecido. A revelação geral
não capacita o descrente a obter um conhecimento verdadeiro de
Deus. Existe a necessidade dos óculos da fé. Quando alguém é
exposto e regenerado por meio da revelação especial, ele é
João Calvino capacitado a ver claramente o que está na revelação geral. Mas o que
se vê sempre esteve lá de maneira genuína e objetiva.

Seria possível encontrar uma teologia natural em Rm 1.20, mas Paulo


passa a demonstrar que o ser humano caído empenha-se na
supressão e substituição da verdade. A menção da natureza no Sl 19
foi feita por um homem piedoso que via essa natureza da perspectiva
da revelação especial.

Rejeita a teologia natural e a revelação geral. A revelação é redentora


por natureza. Conhecer a Deus e ter informações correntes sobre ele
é estar relacionado com ele na experiência salvífica.
Karl Barth
Os seres humanos são incapazes de conhecer a Deus à parte da
revelação em Cristo. Se as pessoas pudessem obter algum
conhecimento de Deus fora da sua revelação em Jesus Cristo, elas
teriam contribuído de algum modo para a sua salvação. Não existe
revelação fora da Encarnação. Rm 1.18-32 indica que as pessoas de
fato encontram a Deus no cosmos, mas somente porque já o
conhecem por meio da revelação especial comunicada pelo Espírito
Santo quando se lê a Palavra de Deus.

A Bíblia é apenas um registro da revelação, um indicador da


revelação, dotado de autoridade.

Encontramos no reformador francês, João Calvino, a melhor e mais coerente


exposição do que vem a ser a “Revelação geral”. Destarte, entendemos que os meios
usados por Deus para tal revelação são a natureza e seus fenômenos naturais e a própria
consciência humana, pois todos em algum momento de sua vida reconhecem haver um Ser
Superior, que sustenta todas as coisas. Este meio de revelação é obtido por meios
cognitivos, isto é, pela razão humana, porém não é suficiente para salvar os pecadores da
condenação eterna (Romanos 1.18-25).

Certamente, então, a revelação geral não fornece outro caminho de salvação. A


ideia que os ímpios podem ser salvos por uma resposta moral a essa revelação
geral é totalmente sem fundamento na Escritura, e é apenas outra forma de
salvação pelas obras e de humanismo religioso. 5

1.2 Revelação especial

A revelação especial diz respeito à manifestação Divina por meios sobrenaturais,


bem como, mediante mensagens que em tempos passados eram comunicadas através dos
profetas que transmitiam os oráculos Divinos. Não obstante, a revelação de Deus ao
homem se deu de forma progressiva, Ele não usou apenas os oráculos proféticos para
comunicar-se. O livro de Hebreus inicia com a seguinte afirmação: “Havendo Deus, outrora,
falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias,
nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez
o universo” (Hebreus 1.1-2).

5
http://www.monergismo.com/textos/bibliologia/revelacao-geral_dag_r-hanko.pdf
Embora a Revelação especial tenha um caráter soteriológico, ela também serviu
para manifestar a vontade de Deus, especialmente ao povo escolhido. Mas, quais eram
esses meios usados por Deus na sua comunicação com os homens, afim de que estes
conhecessem Sua vontade?

O Dr. Paulo Anglada, famoso por sua apologética reformada, expõe a revelação
especial da seguinte forma:

De modo direto e sobrenatural, por meio do seu Espírito, através de revelação


direta, teofanias, anjos, sonhos, visões, pela inspiração de pessoas escolhidas e
pelo seu próprio Filho, Deus comunicou progressivamente à igreja, no curso dos
séculos, as verdades necessárias à salvação, as quais, de outro modo, seriam
inacessíveis ao homem.6

Seguem-se algumas definições dos meios de revelação supracitados:

 Urim e Tumim - o sacerdote trazia um peitoral adornado com 12 pedras


preciosas (Êxodo 28.15-28). Tal peitoral tinha um formato de bolsa e dentro
estavam o Urim e o Tumim. Não se sabe ao certo, o que eram o Urim e o
Tumim, embora, acredite-se que eram duas pedras, talvez preciosas,
mediante as quais se buscava conhecer a vontade de Deus (Números 27.21;
I Samuel 28.6; Esdras 2.63).

 Sonhos – embora o sonho fosse uma experiência bastante comum, por


vezes, era usado por Deus na comunicação com os homens, especialmente
com o povo escolhido (Gênesis 20.1-7, 31.11-13; I Reis 3.5).

 Visões – algumas vezes Deus se revelava aos seus servos por meio de
visões (Gênesis 15.1; Números 12.5-6; Isaías 1.1, 6.1; Atos 11.1-14).

 Teofanias – um meio também usado por Deus para comunicar-se com o


homem era a teofania, isto é, uma manifestação visível de Deus. Estas
manifestações eram mormente associadas com a aparição do “Anjo do
Senhor” (Gênesis 16.7-13; Êxodo 3.1-6; Juízes 6.11-16).

 Anjos – em outras oportunidades, Deus enviou anjos para revelarem sua


vontade e/ou transmitir sua mensagem (Daniel 9.20-21; Lucas 2.8-15).

6
http://www.monergismo.com/textos/bibliologia/revelacao_anglada.htm
 Profetas – a forma mais comum pela qual Deus falava ao seu povo, eram os
profetas. Estes eram os porta-vozes oficiais, sua mensagem provinha
diretamente de Deus e tinha, muitas vezes, um caráter exortativo e
denunciador, pois delatavam os pecados do povo e falavam de situações
correntes em seus dias (Esdras 5.1-2; II Crônicas 18.1-7; Jeremias 2.1-9;
Oséias 4.1-3). Não obstante, os profetas também anunciavam mensagens de
paz e consolo (Isaías 44.21-28, 54.1-8). Em outros momentos prediziam o
futuro (Deuteronômio 18.15/Atos 3.17-26; Isaías 61.1-3/Lucas 4.18-21).

Contudo, com o passar do tempo, tais oráculos foram registrados no que ficou
conhecido como Cânon do Antigo Testamento. Com a chegada da plenitude dos
tempos (Gálatas 4.4-5), tal comunicação se deu especialmente por intermédio de Cristo e
posteriormente, mediante os escritos dos apóstolos e outros servos de Deus, formando o
Cânon do Novo Testamento (Efésios 1.1-14).

Louis Berkhof (2012, p. 30), salienta que “a Bíblia é, por excelência, o livro da
revelação especial, uma revelação em que as palavras e os fatos caminham de mãos
dadas”. Portanto, a revelação especial é assimilada somente pela fé de modo a assegurar
a salvação aos eleitos de Deus. Ela é o meio ordinário usado por Deus para chamar os
pecadores ao arrependimento e consequente à salvação, bem como de revelar sua vontade
ao longo do tempo.

É certo que a Escritura não contempla de forma direta situações que vivemos
hodiernamente, pois ela foi escrita para um público especifico e trata de questões
relacionadas a ele. Não obstante, todo seu conteúdo serve para edificação e orientação
para os crentes de todas as épocas. Em contraste, o conceito hodierno, é que a Bíblia é
um livro ultrapassado. Todavia, uma rápida análise em seus registros, nos mostra que ela
é tão atual quanto o jornal desta manhã; e porque não dizer que é mais atualizada do que
as notícias que sairão amanhã?

Por outro lado, vivemos dias em que supostas revelações são dadas com o intuito
de “manifestar” a vontade de Deus. Pessoas, por vezes bem-intencionadas, procuram
colaborar com o ensino bíblico por meio de predições acerca do futuro ou ainda de questões
pessoais do povo de Deus, sendo denominadas de “profetas” ou ainda, possuidoras do
“dom de profecia”. Entretanto, ao vislumbramos a vida de Jesus, o grande profeta predito
por Moisés (Deuteronômio 18.18, Atos 3.22), percebemos que ele gastou mais tempo
ensinando e cuidando do povo que predizendo o futuro. Os apóstolos Paulo, Pedro e João,
certamente receberam revelações futuristas, como por exemplo, a volta de Jesus, a
ressurreição dos mortos e ainda sobre o Novo Céu e a Nova Terra, mas tais manifestações
revelacionais estavam atreladas diretamente à edificação e estabelecimento da Igreja
cristã. Além do mais, suas palavras foram registradas para edificação do Corpo de Cristo
naquele momento e nos séculos subsequentes (I Tessalonicenses 4.9-18; II Pedro 3.7-13;
João 21.25).

A obra do Espírito Santo na experiência pessoal não pode ser desvinculada da


Escritura. O Espírito não fala em formas que independem da Escritura. À parte da
Escritura nunca teríamos conhecido a graça de Deus em Cristo. A Palavra bíblica,
e não a experiência espiritual, é o teste da verdade. Reafirmamos a Escritura
inerrante como fonte única de revelação divina escrita, única para constranger a
consciência. A Bíblia sozinha ensina tudo o que é necessário para nossa salvação
do pecado, e é o padrão pelo qual todo comportamento cristão deve ser avaliado.
Negamos que qualquer credo, concílio ou indivíduo possa constranger a
consciência de um crente, que o Espírito Santo fale independentemente de, ou
contrariando, o que está exposto na Bíblia, ou que a experiência pessoal possa ser
veículo de revelação.7

Devemos levar em conta ainda, o registro feito por João, das palavras de Jesus, em
Apocalipse 22.18-19: “Eu, a todo aquele que ouve as palavras da profecia deste livro,
testifico: Se alguém lhes fizer qualquer acréscimo, Deus lhe acrescentará os flagelos
escritos neste livro; e, se alguém tirar qualquer coisa das palavras do livro desta profecia,
Deus tirará a sua parte da árvore da vida, da cidade santa e das coisas que se acham
escritas neste livro”.

7
http://www.monergismo.com/textos/cinco_solas/cinco_solas_reforma_erosao.htm
2. A SAGRADA ESCRITURA

“Bíblia é um livro singular. Trata-se de um dos livros mais antigos do mundo e, no


entanto, ainda é o best-seller mundial por excelência” (GEISLER, 1997, p.6).

A afirmação do Dr. Geisler é uma verdade que ultrapassa os limites do tempo e do


espaço, pois nenhum livro na história da humanidade foi tão lido e de forma efetiva, mudou
tantas vidas como a Bíblia. Ela tem sido ao longo dos séculos fonte de alimento espiritual
para o povo de Deus, suas páginas estão repletas de lições que a fazem um livro ímpar,
inigualável. Tanto que, no século XVI, um dos lemas dos reformadores foi “Sola Scriptura”
(somente a Escritura) ou, contextualizando, “somente a Bíblia”.

A nomenclatura ‘Bíblia’ não se encontra na Bíblia. Este termo vem de uma palavra
grega que, no singular é Biblion (livro), e no plural é Bíblia, que vem a ser uma
biblioteca, uma coleção de livros (CORDEIRO, 2008, pag.1).

2.1 A importância das Escrituras

A questão que surge diante das proposições supracitadas é: Por que a Bíblia é tão
importante?

A Confissão de Fé de Westminster (WESTMINSTER, 2011, cap. 1, § 2º, p.17) nos


dá a resposta, ao afirmar que “sob o nome de Escritura Sagrada, ou Palavra de Deus
escrita, incluem-se agora todos os livros do Antigo e do Novo Testamentos, todos dados
por inspiração de Deus para serem regra de fé e prática”.

A Confissão de Fé de Westminster, inicia com a afirmação de que os livros do Antigo


e do Novo Testamentos são a Palavra de Deus e de fato o são. No entanto, o são, não por
uma convenção humana, que em algum momento da história definiu que assim o seria,
mas porquê foi, como indica a própria Confissão de fé, inspirada por Deus. Isto implica em
dizer que ela pode e deve reger não apenas nossa fé, mas igualmente nosso estilo de vida.
Jesus fez diversas afirmações acerca do Antigo Testamento que apontavam para sua
origem Divina (Mateus 22.29; Lucas 24.25-32; João 5.39), os apóstolos Paulo e Pedro
também expressaram seus conceitos a esse respeito (II Timóteo 3.16-17; II Pedro 1.20-21).

Escrituras é, de longe, o termo mais comum usado no Novo Testamento em


referência ao Antigo. De acordo com Paulo, "Toda Escritura [Antigo Testamento] é
inspirada por Deus" (2Tm 3.16). Disse Jesus: "A Escritura não pode ser anulada"
(Jo 10.35). Com frequência o Novo Testamento emprega o plural, Escrituras, para
referir-se à coleção de escritos judaicos dotados de autoridade divina. Respondeu
Jesus aos fariseus: "Nunca lestes nas Escrituras?" (Mt 21.42) e "Errais, não
conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus" (Mt 22.29). O apóstolo Paulo
"discutiu com eles sobre as Escrituras" (At 17.2), e os crentes de Beréia
examinavam "cada dia nas Escrituras" (At 17.11). Nessas e em muitas outras
referências, o Novo Testamento reconhece que o Antigo Testamento como um todo
são escritos inspirados por Deus (GEISLER; NIX, 1997, p.28)

O Novo Testamento traz consigo a mesma autenticidade que o Antigo, pois a Fonte
é a mesma: Deus (I Coríntios 2.4-13, 14.37; Gálatas 3.8; Efésios 2.19-22; II Pedro 3.14-16;
I Tessalonicenses 2.13). Assim, os crentes da igreja cristã nascente foram exortados a
lerem e estudarem os escritos apostólicos publicamente, o que comumente era feito com
os escritos do Antigo Testamento (Colossenses 4.16; I Tessalonicenses 5.27; I Timóteo
4.13; Apocalipse 1.3). Também havia uma série de epístolas que circulavam, sendo
compostas de autoridade Divina (II Pedro 3.15-16).

Diante do exposto e para melhor aproveitamento das informações supracitadas,


analisemos duas questões de crucial importância para nossa aceitação e submissão às
Escrituras Sagradas: Inspiração e Canonicidade.

2.1.1 Inspiração

Iniciamos pela inspiração porque sem ela, as Escrituras perdem seu valor,
tornando-se um livro como outro qualquer.

Mas, o que é inspiração, como defini-la?

Antes de prosseguirmos numa definição do que é inspiração, precisamos saber o


que ela não é. Vejamos, portanto, alguns conceitos errôneos acerca da inspiração:

 Teoria da inspiração mecânica ou do ditado – de acordo com tal teoria,


Deus teria ditado palavra por palavra aos escritores bíblicos, usando-os de
forma mecânica, anulando suas personalidades.

Analisemos, portanto, a questão: se realmente Deus houvesse ditado as palavras a


serem registradas, anulando a personalidade dos escritores, porque então, Lucas entendeu
ser necessário fazer uma investigação acurada dos fatos, antes de escrever seu Evangelho,
que aliás, era endereçado a um alguém específico? (Lucas 1.1-4), e ainda, porque Salomão
precisou considerar e investigar antes de compor seus provérbios? (Eclesiastes 12.9-10).

Esta teoria vai de encontro com as Escrituras que nos mostram que seus escritores
redigiram conforme o conhecimento que tinham das coisas (II Pedro 3.14-16); acerca disto,
trataremos adiante, quando falarmos sobre a instrumentalidade humana.

 Teoria da iluminação – esta teoria foca a habilidade humana de conhecer a


Deus e suas verdades de forma natural.

Segundo este conceito o homem recebe uma aptidão especial ou mesmo um


estímulo sobrenatural por parte do Espirito Santo, sobre sua capacidade natural
tornando-o apto a escrever acerca das verdades Divinas, isto é, não ocorre nenhuma forma
de revelação por parte de Deus, apenas uma intensificação das verdades já captadas pelo
próprio ser humano.

 Teoria da Intuição – para os adeptos deste pensamento, os escritores


bíblicos apreenderam verdades espirituais e decidiram registrá-las.

Para a teoria da intuição, os profetas, apóstolos e demais escritores bíblicos apenas


tinham talentos mais apurados que outras pessoas, assim como acontece na música, dança
e demais artes. Para eles a inspiração bíblica não é sobrenatural, sendo os escritos bíblicos
obras literárias comparáveis às de Shakespeare, Agatha Christie, Paulo Coelho, dentre
outros. Chegam mesmo a dizer: “Eu sei que a Bíblia é inspirada porque ela me inspira”.

Como podemos então, definir a inspiração bíblica?

Para que possamos entender esta questão, temos que a princípio atentar para o fato
de que Deus é o único e supremo autor das Escrituras. Entretanto aprouve a Ele que alguns
homens servissem como instrumentos no registro de Sua vontade. Assim temos:

a. A autoria Divina

Do lado divino as Escrituras são a Palavra de Deus no sentido de que se originaram


Nele e são a expressão exata de Sua mente e vontade. Em II Timóteo 3.16, encontramos
a referência a Deus: "Toda Escritura é divinamente inspirada" (θεόπνευστος - soprada ou
expirada por Deus). A referência aqui é ao escrito.

A bíblia fornece argumentos racionais que demonstram a sua inspiração e


inerrância, todavia, os homens só poderão ter essa convicção mediante o
testemunho interno do Espirito Santo (Salmo 119.18). Os discípulos de Cristo só
entenderam as Escrituras quando o próprio Jesus lhes abriu o entendimento (Lucas
24.45). A Escritura autentica-se a si mesma e nós a recebemos pelo Espirito.
(COSTA, 1998, p.112).

Sem a iluminação do Espirito Santo, o homem jamais aceitará a inspiração e


autoridade das Escrituras, pois seu entendimento para as coisas de Deus é nulo. O apóstolo
Paulo escrevendo aos Coríntios, afirma que “o homem natural não aceita as coisas do
Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se
discernem espiritualmente” (I Coríntios 2.14).

b. A instrumentalidade humana

Do lado humano, certos homens foram escolhidos por Deus para receber sua
Palavra e passá-la à forma escrita. Em II Pedro 1.21, encontramos a referência aos
homens: "Homens santos de Deus falaram movidos pelo Espírito Santo" (φέρω - movidos
ou conduzidos). A referência aqui é ao escritor e não ao escrito. Contudo, o ser humano foi
apenas instrumento nas mãos do seu Criador. Deus não só é o Autor Supremo das
Sagradas Escrituras, mas também é Aquele que inspira homens para escrevê-las com
exatidão, preservando-as do erro.

O Dr. Herminsten Maia (1998, p.98), um dos expoentes do presbiterianismo


brasileiro, pondera que,

Podemos definir a inspiração como sendo a influência sobrenatural do Espírito de


Deus sobre os homens separados por ele mesmo, a fim de registrarem de forma
inerrante e suficiente toda a vontade de Deus, constituindo esse registro na única
fonte e norma de todo conhecimento cristão.

Expomos ainda a opinião do Dr. Gerard Van Groningen, que foi um dos grandes
defensores da Teologia Reformada nos séculos XX e XXI:

O Espirito Santo habitou em certos homens, inspirou-os, e assim dirigiu-os, que


eles, em plena consciência, expressam-se na sua singular maneira pessoal. O
Espirito capacitou homens a conhecer e expressar a verdade de Deus. Ele
impediu-os de incluir qualquer coisa que fosse contrária a essa verdade de Deus.
Ele também impediu-os de escrever coisas verdadeiras que não eram necessárias.
Assim, homens escreveram como homens, mas, ao mesmo tempo, comunicaram a
mensagem de Deus, não a do homem. (apud. COSTA, 1998, pag. 99).

Assim, quando falamos em inspiração queremos dizer que: Inspiração é a


intervenção divina na vida de homens comuns, influenciando-os e capacitando-os, não
apenas a receber a mensagem divina, mas também moveu-os a transcrevê-la com
exatidão, impedindo-os de cometerem erros e omissões, de modo que seus escritos
receberam autoridade divina e infalível, garantindo que a verdade revelada de Deus fosse
transmitida de forma exata para a linguagem humana inteligível (I Coríntios 10.13;
II Timóteo 3.16; II Pedro 1.20,21).

Calvino (2009, pag. 263), acertadamente afirma: “O mesmo Espírito que deu certeza
a Moisés e aos profetas de sua vocação, também agora testifica aos nossos corações de
que ele tem feito uso deles como ministros através de quem somos instruídos”.

2.1.1.1 Elementos característicos da inspiração

Qual a razão de entendermos a inspiração conforme conceituada acima? A razão é


simples: entendemos que ela foi plenária, dinâmica, verbal e sobrenatural.

a) Plenária e sobrenatural – como afirmamos anteriormente, Deus é o Supremo Autor


das Escrituras. Assim sendo, tudo o que foi registrado, o foi pela soberana vontade
de Deus. Atestam tal verdade os textos de II Timóteo 3.16 e II Pedro 1.20, 21. Ao
passo que ela foi plenária, foi também sobrenatural, pois não aconteceu, como
acontecem as supostas inspirações musicais e poéticas dos mais diversos artistas;
não faz parte da mera sensibilidade humana acerca das coisas desta vida. Sua
origem está em Deus (João 17.17; Romanos 10.17, I Pedro 1.23).

b) Dinâmica e orgânica – não obstante ser Deus o Supremo Autor das Escrituras, ele
se serviu da instrumentalidade humana para a realização de seus propósitos.
Contudo, Deus não nulificou a personalidade dos que para este fim foram
reservados, antes os usou como organismos vivos no registro de Sua vontade. Isto
fica evidente nos registros de vários escritores bíblicos. Vejamos alguns:

 Davi – este servo de Deus era um guerreiro nato, homem valente e temente
a Deus, mas era também um musico talentoso (I Samuel 16.18, 22-23). Dessa
forma, quando compõe seus Salmos, Davi está expressando o talento pessoal
dado por Deus, a exemplo do Salmo 145.

 Isaías – de acordo com os estudiosos e a tradição judaica, Isaías pertencia à


nobreza de seus dias. Especula-se que seria primo do rei Uzias, mas não há
comprovação Escriturística a este respeito. Em seus escritos transparece uma
forma poética de escrever, basta analisarmos como ele expõe seu chamado
(Isaías 6.1-8) e sua profecia acerca do Messias (Isaías 9.1-2,6).

 Paulo - nos escritos do apóstolo Paulo, especialmente em Romanos e


Gálatas, destaca-se seu conhecimento da Lei e isto não é por acaso; Paulo
outrora fora um proeminente doutor da Lei, um fariseu preparado aos pés de
um dos mais conceituados mestres farisaicos de Israel (Atos 5.34; Atos 22.23;
Filipenses 3.4-7). Isto afora, seu conhecimento da filosofia grega (Atos 17.28).

c) Verbal – entendemos que a inspiração foi ainda verbal, pois foi por meio de palavras
que Deus revelou sua vontade e tornou claro o plano da salvação (II Samuel 23.2;
Jeremias 1.9; Mateus 5.18; I Coríntios 2.13).

Finalizo esta exposição acerca da inspiração com as palavras de João Calvino:


“devemos à Escritura a mesma reverência devida a Deus, já que ela tem n’Ele sua única
fonte, e não existe nenhuma origem humana misturada nela” (Ibidem).

2.1.1.2 Canonicidade

Por canonicidade das Escrituras queremos dizer que, de acordo com "padrões"
determinados e invariáveis, os livros incluídos nas Escrituras são considerados parte
integrante de uma revelação Divina completa, sendo, portanto, obrigatória no que se refere
à fé e à prática cristã.

O termo canonicidade deriva do vocábulo cânon, que por sua vez procede do grego
Kanõn (κανών). Contudo, sua origem é semítica, provinda do hebraico Qâneh (‫ )קָ נֶה‬e
significa literalmente, tanto no hebraico quanto no grego: cana.

Ao longo do tempo tal expressão tomou outros sentidos, como por exemplo: regra,
na gramática; tabelas, listas, datas e números quando o assunto era a matemática; pauta,
em se tratando de arte; haste, na arquitetura; ou ainda, uma lista de obras escritas, quando
o assunto em pauta era literatura. Dessa forma, quando falamos no Cânon das Escrituras,
fazemos alusão ao conjunto de livros inspirados por Deus e que são regra ou norma de
conduta e fé.

Havia em Israel uma já extensa publicação de literatura, inclusive de ordem religiosa


e que era utilizada pelo povo; alguns exemplos bastante pertinentes são Êxodo 17.14,
Neemias 8.1 e Josué 1.7-8. Outros casos que podem atestar tais afirmações são:
I Crônicas 29.29; Isaías 30.8; Jeremias 30.2, 36.1-4. Tais escritos eram lidos e estudados
pelo povo de Deus e muitos deles passaram a fazer parte do cânon do Antigo Testamento.

Não foi Moisés, nem mesmo os profetas e ainda menos os líderes religiosos de
Israel (fariseus, escribas, saduceus, etc.) que determinaram quais livros deveriam fazer
parte do cânon do Antigo Testamento. Eles foram reconhecidos pelo próprio povo como
tendo autoridade Divina em seus escritos. Uma narrativa de extraordinária beleza está
registrada em II Crônicas 34.

O famoso historiador judeu, Flávio Josefo, ressalta que

Esdras se preocupava de modo particular com os livros sagrados. Ele é chamado


de “o escriba” (Ne. 8.1,4,9,13; 12.26,36), “escriba versado na lei de Moisés” (Esdras
7.6), e “o escriba das palavras e mandamentos e dos estatutos do Senhor sobre
Israel” (Esdras 7.11); a natureza da época de Esdras era tal que a seleção dos livros
sagrados pode ter sido apropriadamente feita no seu decorrer. Após o Exílio, o povo
estava fundando de novo as instituições religiosas da nação. O que poderia ser mais
natural do que reunir os volumes da biblioteca sacra? (apud. THIESSEN, 1989,
pag.63).

Não sabemos exatamente quais os critérios utilizados pelos judeus na formação do


cânon do Antigo Testamento, mas aceitamos e não poderia ser diferente, a opinião de
Jesus e dos apóstolos acerca dos livros que o compõem (Mateus 22.29; Lucas 24.25, 27,
32; João 5.39; II Timóteo 3.16-17 e II Pedro 1.20-21).

Por outro lado, na formação canônica do Novo Testamento, os padrões eram claros
e objetivos, conforme observa o Dr. Herminsten Maia (1998, pag. 39, 40):

a) Escrito por um dos doze apóstolos, ou alguém que tivesse convivido


com eles;

b) A aceitação e utilização pela igreja;

c) Coerência doutrinária - Escrito de acordo com revelações anteriores;


d) Inspiração.

A esta altura se faz necessário destacar que os escritos bíblicos não passaram a
fazer parte do cânon, mediante o consenso de uma igreja institucionalizada, mas sua
inspiração e autoridade foram reconhecidas naturalmente pela da igreja cristã ao longo dos
séculos. Assim, após uma análise e aprovação criteriosa, tornaram-se regra de fé e prática
para os servos de Deus, conforme expressa Merryl C. Tenney: “O cânon, portanto, não é
produto do critério arbitrário de qualquer pessoa, nem foi determinado por voto conciliar.
Resultou do emprego dos vários escritos que provavam seu mérito e a sua unidade pelo
seu dinamismo interno” (Apud. COSTA, 1998, p.33).

Outrossim, como afirma F.F. Bruce:

Os livros do Novo Testamento não se fizeram possuídos de autoridade para a Igreja


pelo fato de virem a ser formalmente incluídos em uma lista canônica; pelo contrário,
a Igreja incluiu-os no cânon porque já os havia por divinamente inspirados,
reconhecendo-lhes o valor inato e a autoridade apostólica, direta ou indireta (apud.
COSTA, 1998, pag. 33).
3 AUTORIDADE E INERRÂNCIA DAS ESCRITURAS

A Bíblia é um livro ímpar, diferente de todos os demais. A razão desta disparidade


está na autoridade que ela traz consigo. Mas não apenas isto, ela é inerrante e infalível. Eis
a razão porque pode ser a “regra de fé e prática” de todo servo de Deus.

Todo verdadeiro cristão, aceita e submete sua vida à autoridade bíblica, acreditando
piamente em sua inerrância. Não obstante, se realizássemos uma rápida pesquisa, nos
depararíamos com a triste realidade de que muitos, não sabem ou mesmo nunca ouviram
falar sobre o significado de autoridade e inerrância das Sagradas Escrituras. Vejamos,
portanto, ainda que de forma sucinta o que significam tais termos.

3.1 Autoridade

A autoridade das Sagradas Escrituras está vinculada diretamente à sua Fonte, ou


seja, o próprio Deus. Ele é o supremo autor das Escrituras e por isso, elas não dependem
do testemunho humano ou da aprovação de qualquer igreja ou concílio. É a Escritura
Sagrada a única regra, infalível de fé e prática para o povo eleito. Não obstante, nunca, em
toda história, a Palavra de Deus esteve tão disponível e ao mesmo tempo foi tão
desprezada e distorcida quanto tem sido no presente século. As pessoas buscam nas
Escrituras apenas o que lhes é proveitoso, unicamente o que lhe apraz, somente o que
satisfaz seu coração egoísta. Quando o real significado das Escrituras é exposto, não há
interesse dos ouvintes e isso acontece porque vivemos em uma sociedade egocêntrica e
antropocêntrica, que acredita que até mesmo o texto bíblico tem que satisfazer suas
necessidades.

Em contraste com este tipo de pensamento, Paulo afirma em II Timóteo 3.16 e 17,
que a Escritura é inspirada por Deus, sendo útil e objetiva:

 Ensinar – o ensino expresso aqui, diz respeito à instrução na verdadeira


doutrina bíblica; buscando apresentar o que de fato ela diz e seu real
significado. A ideia é de um ensinamento que vem da parte de Deus.

 Repreender – o que está implícito aqui, é a refutação de erros doutrinários, é


o combater uma falsa doutrina ou ainda um ensino distorcido, o que via de
regra, distancia o homem de Deus, afastando-o consequentemente da
salvação em Cristo.

 Corrigir – o termo grego utilizado aqui, dá a ideia de endireitamento,


reparação e ainda de reforma. Enquanto a repreensão visa castigar ou expor
o erro, a correção intenta guiar pelo caminho certo, direcionando o
transgressor à restauração, um aprimoramento na vida e no caráter.

 Educação na justiça – A ideia no grego é de um “treino e educação infantil


(que diz respeito ao cultivo de mente e moralidade, e emprega para este
propósito ora ordens e admoestações, ora repreensão e punição). Também
inclui o treino e cuidado do corpo” Isto significa dizer que a Escritura é o único
manual aceitável para que o homem seja aprovado por Deus.

Ao afirmar que “o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda
boa obra” (ver verso 17), Paulo não está afirmando que haverá ausência de erros e falhas
ou ainda que o pecado deixará de existir na vida do cristão e somente depois disto ele
estará apto para toda boa obra. Na verdade, o termo grego traduzido por perfeito, expressa
a ideia de algo completo, provido de determinada aptidão para um serviço especifico. Ao
aplicar na administração pessoal e na Igreja o ensino, a repreensão, a correção e a
educação na justiça, Timóteo estaria equipando a igreja para toda boa obra.

Diante do exposto, as Escrituras trazem em si a autoridade do próprio Deus pois ele


a cumprirá (Isaías 55.11; Jeremias 1.11-12). Portanto, devem ser respeitadas e obedecidas
por todo aquele que professa fé no Senhor Jesus. Destarte, uma pergunta feita por Cristo
aos que o ouviam, se faz bastante pertinente a todos os cristãos hodiernos: “Por que me
chamais Senhor, Senhor, e não fazeis o que vos mando?” (Lucas 6.46).

3.1.1 Autoridade da Escritura x autoridade da Igreja

A Igreja Católica Romana afirma ser a detentora da revelação divina e que suas
tradições tem a mesma autoridade que a Sagrada Escritura. Assim, afim de
compreendermos a relação entre a autoridade das Escrituras e a autoridade da Igreja,
inicialmente, precisamos ter em mente algo de extrema importância aqui: o contexto
histórico. Se não levarmos em conta o contexto histórico, não poderemos fazer uma análise
correta e adequada deste impasse.
Na idade média, a Igreja Católica Romana determinava em toda sua extensão, os
rumos da fé. Por outro lado, a Reforma Protestante declarava que somente a Escritura
Sagrada poderia fazê-lo. Assim, vejamos inicialmente o que a Igreja de Roma define em
seu Catecismo (CATÓLICA, 2000, art. 2º) quanto à autoridade das Escrituras. Transcrevo,
portanto, ipsis litteris, suas declarações:

§ 77 - Para que o Evangelho sempre se conservasse inalterado e vivo na Igreja, os


apóstolos deixaram como sucessores os bispos, a eles 'transmitindo seu próprio encargo
de Magistério." Com efeito, "a pregação apostólica, que é expressa de modo especial nos
livros inspirados, devia conservar-se por uma sucessão contínua até a consumação dos
tempos.

§ 78 - Esta transmissão viva, realizada no Espírito Santo, é chamada de Tradição


enquanto distinta da Sagrada Escritura, embora intimamente ligada a ela. Por meio da
Tradição, a Igreja, em sua doutrina, vida e culto, perpetua e transmite a todas as gerações
tudo o que ela é, tudo o que crê. O ensinamento dos Santos Padres testemunha a presença
vivificante desta Tradição, cujas riquezas se transfundem na praxe e na vida da Igreja
crente e orante.

§ 79 - Assim, a comunicação que o Pai fez de si mesmo por seu Verbo no Espírito
Santo permanece presente e atuante na Igreja: O Deus que outrora falou mantém um
permanente diálogo com a esposa de seu dileto Filho, e o Espírito Santo, pelo qual a voz
viva do Evangelho ressoa na Igreja e através dela no mundo, leva os crentes à verdade
toda e faz habitar neles abundantemente a palavra de Cristo.

§ 80 - Elas estão entre si estreitamente unidas e comunicantes. Pois, promanando


ambas da mesma fonte divina, formam de certo modo um só todo e tendem para o mesmo
fim. Tanto uma como outra tornam presente e fecundo na Igreja o mistério de Cristo, que
prometeu permanecer com os seus todos os dias, até a consumação dos séculos (Mt
28,20).

§ 81 - Quanto à Sagrada Tradição, ela transmite integralmente aos sucessores dos


apóstolos a Palavra de Deus confiada por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo aos apóstolos
para que, sob a luz do Espírito de verdade, eles, por sua pregação, fielmente a conservem,
exponham e difundam.

§ 82 - Daí resulta que a Igreja, à qual estão confiadas a transmissão e a interpretação


da Revelação, não deriva a sua certeza a respeito de tudo o que foi revelado somente da
Sagrada Escritura. Por isso, ambas devem ser aceitas e veneradas com igual sentimento
de piedade e reverência.

Como vimos anteriormente, Deus é o Supremo autor das Escrituras e por esta razão
a autoridade das mesmas não depende do reconhecimento da Igreja ou qualquer Concílio.
Assim, não podemos aceitar a proposição católico-romana, de que a Escritura não tem
consistência sem a Tradição ou mesmo o Magistério eclesial. Muito menos podemos aceitar
sua tese de que a “igreja” seja a transmissora de verdades autoritativas, fruto de
interpretação do que supostamente é a vontade de Deus para os homens.

As tradições têm seu valor, desde que, não sejam equiparadas às Escrituras. Jesus
falou duramente àqueles que punham suas tradições no mesmo nível das Escrituras e até
mesmo acima delas (Marcos 7.1-13). Paulo alertou contra a aceitação de outros ensinos
que vão além das Escrituras (Gálatas 1.6-9).

Diante do exposto, devemos rejeitar de pronto a todo e qualquer ensino que


reivindique autoridade semelhante ou superior à das Escrituras, pois somente estas são
inspiradas por Deus e trazem consigo a autoridade Divina.

3.2 Inerrância das Escrituras

Antes de analisarmos qualquer conceito de inerrância das Escrituras, devemos


observar os principais conceitos, elaborados na história acerca das Escrituras. Portanto,
segue-se trecho (ipsis litteris) da abordagem feita pelo Rev. Pedro Cordeiro (2008, pag.25),
sobre as três principais considerações acerca da Bíblia:

3.2.1 Ortodoxia

“A ortodoxia vê nas Escrituras a Palavra de Deus. Portanto, a Bíblia, tanto na forma


como no conteúdo, é a palavra de Deus. Nela, são encontradas proposições, conjunto de
enunciados de doutrinas, que constituem a fonte de toda a teologia cristã. Isto é, como são
informações sobre Deus e sua natureza, obras e propósitos, podem ser considerados como
alicerce para o labor teológico.

A mente humana só pode apreender a Palavra de Deus com o auxílio o Espírito


Santo. É ele quem ilumina a mente e o coração do homem para que esse entenda e creia
na Bíblia.
Referente à história da humanidade, a ortodoxia assevera que a revelação é
trans-histórica, ou seja, ela é contígua, próxima, aos acontecimentos do mundo dos
homens.

3.2.2 Liberalismo

Mesclando o uso de ferramentas cientificas como a Baixa Crítica 8 e Alta Crítica9, um


pouco de evolucionismo e materialismo e apoiado no uso da razão, o Liberalismo teológico
do século XIX foi um movimento responsável por lançar a Bíblia ao descrédito.

Para os advogados de tal posição a Bíblia está repleta de erros e mitos, por isso, a
necessidade da aplicação das ferramentas da Baixa e Alta Crítica. Logo, a Bíblia contém a
Palavra de Deus. Essa Palavra, por sua vez, só pode ser apreendida via intuição humana.

O sentimento religioso, a experiência deve dizer ou não o que é Palavra de Deus. O


que determina a Palavra de Deus é a consciência do indivíduo, o sentimento religioso
humano. Nesse segmento teológico, a devoção cristã do homem é a base para a teologia
cristã. Não é mais a Bíblia.

A devoção mencionada no liberalismo não é moral ou racional, mas sentimental. É


o sentimento de total dependência em Deus o ponto de partida para o labor teológico. Nesse
sentido, a Bíblia é psico-histórica, ela se relaciona com a mentalidade humana, com uma
continuidade mental do homem.

Os principais nomes dessa abordagem às Escrituras são: F. D. E. Scheleiermacher


e Albrecht B. Ritschl.

3.2.3 Neo-Ortodoxia

Iniciado por Karl Barth com a intenção de transcender tanto o liberalismo como a
ortodoxia, depois de sua frustração com o liberalismo10, a neo-ortodoxia é uma importante
vertente teológica do século XX, cujo objetivo é resgatar a Palavra de Deus.

8
A Baixa Crítica era o estudo do texto da Escritura e suas variações textuais.
9
A Alta Crítica busca meticulosa pela autenticidade, exatidão e fatos.
10
A Frustração de Barth deveu-se ao apoio dos liberais, que acreditavam na evolução do homem para melhor, à
primeira guerra mundial.
Com a intenção de resgatar o verdadeiro conceito de “Palavra de Deus”, a neo-
ortodoxia conseguiu provocar transformações tanto na teologia liberal quanto na teologia
conservadora. Na teologia liberal, 1. levar mais a sério o pecado e o mal; 2. levar mais a
sério a transcendência de Deus; 3. críticas ao antropocentrismo, mostrando que isso não
tinha nada do cristianismo histórico; 4. arrastaram muitos liberais a neo-ortodoxia.

Em meio conservador, todavia, os ortodoxos encontraram na neo-ortodoxia uma


espécie de refúgio e porto seguro contra o proposicionalismo extremo e o literalismo bíblico
exagerado. Nesse segmento a Bíblia não é a Palavra de Deus, mas torna-se a Palavra de
Deus. Para Barth, a verdadeira palavra de Deus é Jesus Cristo. Para Barth a revelação é
“particularista”. Ela acontece num evento, quando Cristo se encontra com o homem, pois a
revelação é uma pessoa. A Bíblia é um mero veículo, instrumento de Deus para tocar o
homem em sua existência. Além do próprio Jesus Cristo e da Bíblia, a Palavra de Deus,
segundo Barth, confronta o homem via proclamação da Igreja. Assim sendo, o momento
em que ela, a Bíblia, é usada por Cristo para se revelar ao homem é difícil precisar como
isso acontece.

Portanto, o conceito barthiano sobre Jesus Cristo é que ele é o Filho de Deus e a
auto expressão perfeita e completa de Deus. Todas as outras revelações, sejam quais
forem, redundam em Cristo como promessa, esperança e lembrança.

Karl Barth não aceitava a ideia de uma revelação proposicional11, pois ninguém pode
falar sobre Deus, ele é o totalmente “O Outro”12. Não aceitava a inspiração e nem a
inerrância, pois para ele a Bíblia é totalmente humana e está repleta de erros. No entanto,
mesmo sendo humana, é incomparável pelo fato de Deus fazer uso dela. Com esse
posicionamento diante das Escrituras, não era propósito de Barth desprezar a Bíblia, mas
sim, exaltar Jesus Cristo, pois ele é o Senhor, a Bíblia não, ela é apenas testemunho sobre
Cristo. Instrumento da verdadeira revelação, Jesus Cristo.”

A importância de estudarmos tais conceitos antecipadamente, dá-se pelo fato de


que, dependendo da visão que temos das Escrituras, seremos levados a aceitar ou negar
sua infalibilidade.

A doutrina da inerrância bíblica foi arquitetada e exposta no início do século XX, por
ocasião das controvérsias entre liberais e fundamentalistas.

11
Afirmação, conceito, declaração verdadeira sobre Deus.
12
Ênfase demasiada na Transcendência de Deus.
É importante que tenhamos em mente que as Escrituras não defendem sua
inerrância, pois esta é uma premissa básica (João 10.35), uma vez que seu autor é o próprio
Deus. Assim, quando afirmamos que as Escrituras são inerrantes, estamos ressaltando que
os “escritos originais”, também conhecidos como “autógrafos originais”, não contém
qualquer erro, contradição ou falsidade; que as Escrituras foram preservadas, mediante a
ação do Espirito Santo, de qualquer engano ou equívoco por parte daqueles que a
registraram. Neste sentido, o Dr. Augustus Nicodemus, salienta que:

[...] a Bíblia foi escrita por autores sobrenaturalmente inspirados por Deus a ponto
de ser verdadeira em tudo o que afirma, e isto não somente em matérias de fé e
história da salvação. Ela é livre de erros, fraude e enganos. A Escritura não pode
errar por ser em sua inteireza a revelação do Deus verdadeiro. Ela não é somente
uma testemunha da revelação e nem se torna revelação num encontro existencial.
Ela permanece a inerrante Palavra de Deus independentemente da resposta
humana.13

Não obstante as afirmações acima, ao ressaltarmos a inerrância das Sagradas


Escrituras, fazem-se necessários alguns esclarecimentos:

a) Embora os registros bíblicos tenham sido feitos por homens comuns, estes foram
impedidos pelo Espirito Santo, de acrescentarem ou omitirem qualquer coisa, além
da vontade de Deus.
b) Conforme tratamos anteriormente, apenas os escritos originais são inerrantes. As
traduções e versões bíblicas hodiernas não o são. Entretanto, quando comparadas
aos manuscritos mais antigos, demonstram grande fidelidade em seu conteúdo.
c) É possível que alguns termos ou experiências dos escritores difiram da realidade
cientifica de nossos dias, porém não comprometem o ensino geral e/ou a verdade
das Escrituras.

Precisamos reafirmar que as cópias e as traduções também são Palavra de Deus,


à medida que conservam a mensagem original. Quando dizemos que são Palavra
de Deus, não temos em mente, é claro, o processo original de inspiração do escritor
bíblico. Antes, são Palavras de Deus no sentido secundário que se relaciona com o
produto. Assim, Paulo podia escrever a Timóteo que toda a Escritura é inspirada,
embora a Escritura a que estivesse se referindo fosse uma cópia e, provavelmente,
também vima tradução (a Septuaginta). (ERICKSON, 1997, pag.87).

13
http://tempora-mores.blogspot.com.br/2006/02/sobre-inerrncia-da-bblia.html
3.2.4 Escritos de Qumram

Conforme afirmamos na alínea “b”, do ponto anterior, as traduções hodiernas das


Escrituras trazem consigo grande fidelidade aos textos originais. Prova disto, são os
achados arqueológicos do Mar Morto (1947 e 1960), mais conhecidos como os “Escritos do
Qumram”.

Tais achados são de especial importância para nós, pois dizem respeito a uma série
de manuscritos que após datação criteriosa, mediante a utilização de carbono 14,
demonstram haverem sido produzidos entre o final do terceiro século e o ano 70 d.C. Dentre
tais documentos, sobressai-se uma cópia completa do livro do profeta Isaías, escrita cerca
de 100 a.C.

Os manuscritos do Qumram, foram organizados por uma ordem monástica judaica,


formada no II século a.C. e desapareceu por volta do ano 70 a.C. e era conhecida como
“Os Essênios”. Conforme Champlin (2002, pag.522), “eles eram exemplos de uma incomum
grandeza moral e pureza espiritual”.

Os essênios viviam isolados em cavernas na região do Mar Morto e dedicavam-se à


oração, leitura e estudo das Sagradas Escrituras.

3.3 Contestações à autoridade e inerrância bíblica

Há pessoas que negam a autoridade das Sagradas Escrituras, por entenderem que
a mesma está repleta de erros. Assim, negam a inerrância bíblica apontando “erros” em
sua estrutura literária, histórica e/ou científica. Contudo, devemos ter em mente que a Bíblia
não é um livro de ciências, antropologia, filosofia, biologia, etc. Ela não se presta a
esclarecer os mistérios do universo ou a responder as indagações humanas sobre os males
da vida ou ainda, dar respostas plausíveis à filosofia ou qualquer outra ciência. Seu principal
objetivo é revelar a Deus e seu plano redentor, mediante Cristo Jesus.

Seguem algumas objeções quanto à inerrância:

 Em Levítico 11.6 e Deuteronômio 14.7, a lebre é apontada como animal


ruminante, quando a mesma é catalogada entre os roedores.
 Contesta-se Jó 20.16, ao dizer que o texto afirma que a víbora mata com a
língua, quando a mesma mata com as presas.14

 Fala-se de incongruência entre os textos de II Samuel 24.1 e I Crônicas 21.1.


Existe realmente inconsistência? Veja I Reis 22.20-23.

É certo que existem textos de difícil elucidação, contudo, não podemos simples e
levianamente declarar que se tratam de incongruências. Certamente, não somos capazes
de entendê-los, devido nossas limitações interpretativas e falta de conhecimento.

14
Analisar este texto na Nova Versão Internacional (NVI)
4 LIVROS APÓCRIFOS

Alguns livros constantes no cânon católico-romano, não constam no cânon judaico


adotado pelas igrejas protestantes. Vejamos algumas razões:

A Confissão de Fé de Westminster (2011, p.18), ressalta no Capítulo 1, §3º, que:

Os livros geralmente chamados apócrifos, não sendo de inspiração divina, não


fazem parte do cânon da Escritura; não são, portanto, de autoridade na Igreja de
Deus, nem de modo algum podem ser aprovados ou empregados senão como
escritos humanos.

O termo apócrifo significa: oculto. Assim, os livros apócrifos sugerem trazer à luz
verdades que estavam ocultas.

Por livros apócrifos nos referimos a uma coleção de livros que foram incluídos na
Bíblia Católica-romana e na Bíblia da Igreja Ortodoxa, além de outro tanto que foi rejeitado,
tanto pelos cristãos protestantes, como pelos católicos romanos e ortodoxos. Os escritos
apócrifos são inúmeros e formam um total de cerca de 250 livros. Os livros apócrifos mais
conhecidos são os que constam no cânon católico e no cânon ortodoxo, conforme se segue:
Tobias, Judite, Sabedoria de Salomão, Eclesiástico, Baruc, A Epístola de Jeremias,
I e II Macabeus e acréscimos feitos a Ester e a Daniel.

O inciso da Confissão de fé de Westminster, supracitado, nos diz que tais livros não
são de inspiração Divina; as razões são simples:

 Não constam no cânon hebraico, isto é, não fazem parte das Escrituras que
os judeus consideravam como inspiradas por Deus. Os católicos os chamam
de deuterocanônicos;
 Somente foram incluídos, oficialmente, no cânon católico em meados de
1500, não tendo sido usados pelos apóstolos como literatura inspirada;
 Foram escritos nos cerca de 400 anos de silêncio (período intertestamentário.

Estas razões, por si, já são suficientes para serem rejeitados como Escrito Divino,
mas existe uma razão de peso, sobremodo elevado, que nos faz vê-los como meros
escritos humanos: são seus erros, contradições e histórias fantasiosas. Vejamos alguns
exemplos:
 Tobias 4.11 - porque a esmola livra do pecado e da morte, e preserva a alma
de cair nas trevas15.
As Escrituras nos ensinam que somos salvos pela graça e não por obras, sejam
esmolas, cuidado com os pobres ou qualquer coisa do gênero (Efésios 2.8) e ainda que a
vida é dom gratuito (Romanos 6.23).

 Tobias 6.2-9 - Partiu, pois, Tobias em companhia do anjo, e o cão os seguia.


Caminharam juntos e aconteceu que, numa noite, acamparam à margem do
rio Tigre. Tobias desceu ao rio para lavar os pés, quando saltou da água um
grande peixe, que queria devorar-lhe o pé. Ele gritou e o anjo lhe disse: Agarra
o peixe e segura-o firme! Tobias dominou o peixe e o arrastou para a terra. E
o anjo acrescentou: Abre o peixe, tira-lhe o fel, o coração e o fígado e guarda-
os; joga fora os intestinos, pois o fel, o coração e o fígado são remédios úteis.
O jovem abriu o peixe, tirou-lhe o fel, o coração e o fígado. Assou uma parte
do peixe e comeu-a, e salgou o resto. Depois continuaram juntos a
caminhada, até chegarem perto da Média. Então Tobias perguntou ao anjo:
Azarias, meu irmão, que remédio há no coração, no fígado e no fel do peixe?
Respondeu ele: Se se queima o coração ou o fígado do peixe diante de um
homem ou de uma mulher atormentados por um demônio ou por um espírito
mau, a fumaça afugenta todo o mal e o faz desaparecer para sempre. Quanto
ao fel, untando com ele os olhos de um homem que tem manchas brancas, e
soprando sobre as manchas, ele fica curado16.

O que está sendo ensinado aqui é a prática de feitiçaria, o que é claramente


combatido nas Escrituras (Miqueias 5.12; Gálatas 5.19-21). Na igreja primitiva os que se
convertiam abandonavam as artes mágicas (Atos 19.18-20). Jesus jamais usou práticas
mágicas para libertar alguém que estivesse possesso, ao contrário, valeu-se apenas de sua
autoridade e concedeu a mesma aos seus discípulos quando os enviou em sua missão
(Mateus 8.28-32; Lucas 4.33-36, 10.17-20). A autoridade de Jesus para libertar pessoas
possessas foi dada apenas ao seus (Atos 19.11-17).

 II Macabeus 12.43-44 - Em seguida, fez uma coleta, enviando a Jerusalém


cerca de dez mil dracmas, para que se oferecesse um sacrifício pelos
pecados: belo e santo modo e agir, decorrente de sua crença na ressurreição,

15
Bíblia Católica Ave Maria
16
Idem.
porque, se ele não julgasse que os mortos ressuscitariam, teria sido vão e
supérfluo rezar por eles17.

Se haviam outras formas de serem expurgados dos pecados, então os rituais de


sacrifício do Antigo Testamento não têm sentido e muito menos o sacrifício de Jesus.
Entretanto, sabemos que somente com derramamento de sangue é que há remissão de
pecados (Levítico 5.6-10), por isso, Cristo se ofereceu uma vez por todas como sacrifício
pelos pecados dos eleitos (Hebreus 9.11-15, 28). Por outro lado, é inútil orar pelos mortos
(Romanos 3.2-11; Hebreus 9.27-28).

 Judite 1.5 - Ora, no décimo segundo ano de seu reinado, Nabucodonosor,


que reinava sobre os assírios em Nínive, a grande cidade, fez guerra a
Arfaxad, e venceu-os18.

É intrigante este erro no livro de Judite, pois Daniel deixa muito claro que
Nabucodonosor era rei da Babilônia (Daniel 1.1) e não apenas isto, historiadores apontam
a destruição de Nínive em 612 a.C., pelo pai de Nabucodonosor.

 I Macabeus 15.37-38 - Assim se desenrolaram os acontecimentos relativos a


Nicanor, e já que a partir dessa época Jerusalém permaneceu em poder dos
hebreus, finalizarei aqui minha narração. Se ela está felizmente concebida e
ordenada, era este o meu desejo; se ela está imperfeita e medíocre, é que
não pude fazer melhor19.

Se estes escritos foram inspirados, por que o escritor pede desculpas e chama sua
obra de medíocre? Veja o que diz Hebreus 4.12.

Os acréscimos feitos a Ester e Daniel são:

 Ester – a partir do verso 4 do capitulo 10 até o capitulo 16.24. No cânon


judaico que adotamos, Ester termina no verso 3, do capitulo 10.

Os acréscimos feitos a Ester, falam de questões enigmáticas, como um suposto


sonho de Mordecai, onde Deus teria revelado à sua pessoa os acontecimentos
relacionados aos judeus.

17
Idem
18
Idem.
19
Idem.
 Daniel – no cânon que adotamos, Daniel termina no capitulo 12, mas nos
apócrifos eles vão até o capítulo 14.

No caso de Daniel, os acréscimos falam de uma defesa que Daniel teria feito de uma
suposta juíza de Israel, de nome Suzana. Porém, fala que Daniel era ainda adolescente,
mas no capitulo 12, ele já estava com uma idade bem avançada.

Outra questão, digna de nota, é confronto de Daniel com um suposto dragão, o qual
Daniel faz explodir.

Não obstante as informações acima, devemos levar em conta que são livros de
grande valor histórico. Os livros escritos pelos Macabeus, por exemplo, falam de guerras e
outros fatos ocorridos no período interbíblico (400 anos de silêncio) e que são atestados
pela história.

Por outro lado, nos primeiros séculos da igreja cristã, surgiram alguns livros
reivindicando autoridade Divina, porém, não foram reconhecidos como possuidores de tal
autoridade. Alguns deles são:

Evangelho de Tomé Evangelho de Filipe

Epístola de Pedro a Filipe Evangelho da Infância de Jesus

Epístola de Tiago Evangelho de Judas

Epístola de Barnabé Apocalipse de Adão

Evangelho de Maria Madalena Apocalipse de Pedro

Evangelho de Eva Apocalipse de Paulo

Apocalipse de Tiago

A não aceitação destes se deu, especialmente, por trazerem consigo contradições


absurdas, além de vários conceitos provindos do gnosticismo. Vejamos alguns exemplos:

 Evangelho de Judas - Judas falou: Mestre, como tu escutaste a todos eles,


agora também escuta-me, pois eu tive uma grande visão.
Quando Jesus ouviu isto, ele riu e disse-lhe: você décimo terceiro espírito, por
que tenta tão esforçadamente? Mas fala, e eu serei tolerante contigo.

Judas lhe disse: na visão eu me vi sendo apedrejado pelos doze discípulos, e


que estavam perseguindo-me severamente.

 Evangelho de Nicodemus - E por isso mesmo também enviou-me a vós para


anunciar-vos a chegada do Filho de Deus unigênito a este lugar, a fim de que
aquele que acreditar nele seja salvo, e quem não acreditar, seja condenado.
Por isto recomendo a todos que, enquanto o virdes, adoreis somente a ele,
porque esta é a única oportunidade de que dispondes para fazer penitência
pelo culto que rendestes aos ídolos enquanto vivíeis no mundo vil de antes e
pelos pecados que cometestes; isto já não poderá ser feito em outra ocasião.
Ao ouvir o primeiro a ser criado e pai de todos a instrução que João estava
dando aos que se encontravam no inferno, disse Adão ao seu filho Seth: "Meu
filho, quero que digas aos pais do gênero humano e aos profetas para onde
eu o enviei quando caí no transe da morte". Seth disse: "Profetas e patriarcas,
escutai: meu pai Adão, a primeira das criaturas, caiu uma vez em perigo de
morte e enviou-me para fazer orações a Deus muito próximo da porta do
paraíso, para que me fizesse chegar por meio de um anjo até a árvore da
misericórdia, de onde haveria de tomar do óleo, para com ele ungir meu pai
para que assim ele pudesse recuperar-se de sua doença.

 Evangelho Gnóstico De João (Complemento de Mateus 26, versículos 29A


até 30) - Antes que fosse preso pelo julgamento dos judeus, o Mestre nos
reuniu a todos e disse: "Antes que eu seja entregue a eles, cantaremos um
hino ao Pai e, em seguida, iremos ao encontro daquilo que nos espera Ele
pediu que nos déssemos as mãos em roda e colocando-se no meio, disse:
"Respondei-me Amém."

"Ao universo pertence àquele que participa da dança." - Amém.

"Quem participa da dança, não sabe o que vai acontecer." - Amém.

"Devo ir mas vou ficar." - Amém.

"Devo honrar e devo ser honrado." - Amém.

"Não tenho morada, mas estou em todos os lugares." - Amém.


5 INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS

Navegando outro dia pela internet encontrei o seguinte diálogo (ipsis litteris):

- “Se a Bíblia se explica pela própria Bíblia, por que então, existem tantas Igrejas
evangélicas? Ou a suposta clareza das Escrituras não fala por si só?”

- “Porque cada denominação evangélica interpreta a bíblia de um jeito. Uma igreja


contemporânea que aceita o homossexualismo entre evangélicos se fundamenta no
seguinte trecho da bíblia: porque no amor não há lei. E daí nasceu mais uma igreja
evangélica, totalmente errada. Os evangélicos acreditam no casamento entre pastores e
suas esposas. Porque diz a bíblia que o homem não nasceu para ser só, os católicos não
aceitam o casamento de padres. Cada um interpreta a bíblia a luz de sua teoria, a meu ver
pessoalmente. E ninguém chega a um consenso. Mais tudo se baseia na interpretação da
bíblia, tanto para se fundir, como para se expandir, propagar. Outro motivo pode ser por
que a bíblia ser um livro de difícil interpretação, o livro mais complexo do mundo”.20

A primeira frase responde a indagação feita. Na verdade, ela expõe a dureza do


coração humano, que decide por si o que as Escrituras estão dizendo e qual é a revelação
Divina no texto bíblico. Contudo, penso que há ao menos duas razões, subordinadas à
dureza do coração, que geram dificuldades na interpretação das Escrituras: a) o método
interpretativo; b) encontrar doutrina onde ela não existe.

5.1 Método interpretativo

Por método interpretativo nos referimos às técnicas de interpretação utilizadas para


compreensão do texto bíblico (hermenêutica). Os três principais métodos de interpretação
são:

a. Literal

Este método entende que os textos bíblicos devem ser interpretados literalmente. O
escritor bíblico intencionava dizer exatamente o que está escrito. Este método rejeita
qualquer explicação que não esteja claramente evidente no Texto Sagrado.

20
https://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20120225154250AAPr3Zl
b. Alegórico

Procura encontrar os sentidos ocultos no texto. Uma alegoria bastante conhecida e


atribuída à Orígenes, um teólogo do século III, conhecido como o pai da alegoria é a do
Bom Samaritano (Lucas 10.25-37): O homem que descia de Jerusalém a Jericó é o pobre
pecador, que no caminho foi atacado pelos ladrões (pecado) que o deixaram quase morto
(queda no pecado); o sacerdote e o levita que passam sem dar atenção, são a lei que não
pode salvar o homem de seus pecados; o bom samaritano é Jesus que derrama seu sangue
nas feridas, levanta o pecador (novo nascimento), põe-no sobre o jumento (evangelista) e
o leva para a hospedaria (igreja) e entrega ao dono da hospedaria (pastor), duas moedas
(batismo e santa ceia), recomendando que cuide do pobre homem até que ele volte
(segunda vinda).

c. Histórico-gramatical

Este é o método utilizado pelos reformados e leva em conta diversos fatores:


a) comparar os textos bíblicos; b) compreender o contexto histórico, cultural, político,
religioso, etc.; c) procurar entender a intenção do autor; compreender para quem o autor
estava escrevendo; etc.

5.2 Doutrina inexistente

Hodiernamente tem-se valorizado em demasia o material humano e sua capacidade


intelectual de compreender as Escrituras. Mas, não apenas isto, há também a necessidade
cada vez mais crescente de conformar o texto bíblico às necessidades pessoais de cada
um. Dessa forma, subtraem-se textos de seus contextos, ignorando a intenção do autor
bíblico, a cultura e a época em que o texto foi escrito, formalizando doutrinas e dogmas
para a igreja, que a própria Escritura Sagrada não autoriza. Vejamos alguns exemplos:

 Podemos falar a língua dos anjos (I Coríntios 13.1);

 Se a criança aprender a servir a Deus, jamais o deixará (Provérbios 22.6);

 As palavras têm poder (Provérbios 18.21; ver Lamentações 3.37);

 Se eu crer serei salvo e comigo toda minha casa (Atos 16.31).


6 ILUMINAÇÃO

A Confissão de Fé de Westminster (WESTMINSTER, 2011, p.21), traz em seu


escopo a seguinte afirmação: “reconhecemos, entretanto, ser necessária a íntima
iluminação do Espírito de Deus para a salvadora compreensão das cousas reveladas na
palavra”.

As Escrituras são a Palavra de Deus, sendo a completa revelação de sua vontade e


da redenção em Cristo. Contudo, o homem, ainda que seja capaz de compreender
determinadas verdades da Escritura, não poderá vivenciá-las sem que o Espirito Santo,
ilumine seu entendimento. Foi este o caso dos dois discípulos que seguiam para Emaús;
eles conheciam as verdades das Escrituras, sabiam o que estava escrito acerca de Jesus,
mas não compreenderam tais verdades até o momento em que o Senhor “lhes abriu o
entendimento” (Lucas 24.45). A isto chamamos de iluminação, ou seja, o esclarecimento
por parte do Espirito Santo das verdades da Palavra de Deus.

O livro dos Salmos traz diversos textos que ilustram o que estamos propondo, veja
por exemplo Salmo 119, versos 18 e 130. Por outro lado, o Salmo 73, fala da indignação
do salmista contra os malfeitores e como percebe o fim que estes terão, após entrar no
santuário de Deus.

O apóstolo Paulo afirma em I Coríntios 2.14: “Ora, o homem natural não aceita as
coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas
se discernem espiritualmente”. Eis a razão porque muitos leem as Escrituras, mas a
percebem apenas como um livro de lições morais e éticas e não alcançam salvação;
precisam ser iluminados pelo Espirito de Deus.

Falando acerca da iluminação do Espirito, João Calvino afirma:

A simples declaração de que temos a Palavra deveria ser suficiente para gerar em
nós a fé, se a nossa cegueira e a nossa obstinação não no-lo impedissem. Como,
porém, o nosso espírito é propenso à vaidade, ele não pode apegar-se à verdade
de Deus. Jamais! E como é espiritualmente bronco e cego, não consegue ver a luz
de Deus. Por isso, sem a iluminação do Espírito Santo, só a Palavra não nos dá real
proveito (CALVINO, 1985, pag.21).
A Sagrada Escritura é a revelação final de Deus e de sua vontade. Contudo,
conforme aponta Calvino, não somos capazes de ver a luz que emana da Divina revelação.

Nos dias atuais, não poucas pessoas, arrogam serem inspiradas por Deus para
trazer à luz as verdades de Sua Palavra. Entretanto, deveriam atentar para o fato de que
não podem ser inspiradas, porque não trazem consigo nova revelação da parte de Deus.
Quando muito, tais pessoas são iluminadas pelo Espirito Santo, que as conduz à
compreensão das verdades já reveladas. Veja o que diz o apóstolo Paulo em Efésios 1.18:
“iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu
chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos”. A iluminação é uma
aptidão concedida por Deus aos homens, mediante a ação do Espírito Santo, de interpretar
Seu registro revelacional.

A bíblia é um livro Divino. Dessa forma, somente com o auxílio de alguém que faça
parte da Divindade, seremos capazes de interpretá-lo.
CONCLUSÃO

Muitas novidades têm surgido na igreja contemporânea e tomado lugar no culto a


Deus. Em muitos lugares, a “revelação” imediata tem mais valor que a Revelação escrita.
Para muitos, as Sagradas Escrituras devem ser conformadas com suas experiências
pessoais e dessa forma, a Palavra de Deus perde seu valor e influência na vida da igreja.
Não obstante os cristãos de confissão reformada, a Palavra de Deus está acima de
qualquer experiência religiosa, é superior a todo conceito de revelação, ela é a consumação
do que Deus exige do homem. É por meio da Sagrada Escritura, que Deus se revela ao
homem. Portanto, os conceitos humanos devem ser balizados pela Escritura, caso contrário
perderão seu valor.

Somente a Escritura Sagrada tem poder para determinar a vida do cristão e isto,
porque somente ela traz a revelação de Deus e de sua vontade, é inspirada, autoritativa e
inerrante.
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