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Arildo Louzano da Silveira

ENSAIOS SOBRE MARCOS


(Andando com Jesus)

2ª Edição

São José do Rio Preto - SP


2016

Direitos autorais do texto original 2016


Todos os direitos reservados
Citações da Bíblia Sagrada extraídas da versão Revista e Atualizada de Almeida.
Sociedade Bíblica do Brasil. 1997
Arildo Louzano da Silveira

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Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Para Vilma, minha amada esposa

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Arildo Louzano da Silveira

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Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Este livro é fruto de estudos diligentes e oração,


especialmente nos doze meses entre 2015 e 2016, atuando como
pastor da Igreja Bíblica de São José do Rio Preto. Todos os
ensaios, menos um, foram apresentados em formato de sermão
nos cultos de domingo e quarta-feira à pequena congregação.
Tenho pregado nesta mesma igreja há vinte e dois anos,
tendo começado uma série no livro de Gálatas, indo até Judas,
pulando Hebreus.
Os livros de Romanos e Apocalipse eu ensinei, não em
forma de sermões, mas em aulas de Escola Dominical. Retomei
a série de pregações em 1 e 2 Coríntios e assim, completando as
cartas, parti para o Evangelho de Marcos.
Atualmente estou pregando sobre o livro de Atos,
enquanto ensino Hebreus na Escola Dominical.
Para que outras pessoas pudessem aproveitar os
ensinamentos, como os que faltaram aos cultos ou que não
freqüentam a Igreja mas têm algum laço de amizade, adquiri o
hábito de postar em meu blog , wwwarildo.blogspot.com, os
estudos que preparava e apresentava. Quando pessoas muito
próximas me alertaram para o fato de que eu reunira no blog um
material robusto baseado no livro de Marcos, que poderia muito
bem ser transformado num livro, fui motivado a publicá-lo,
esperando que possa ser uma bênção, um auxílio, talvez uma
fonte de inspiração, para os que amam ouvir e falar sobre os
assuntos concernentes à Palavra de Deus.
Agradeço a você que dedicou seu precioso tempo para
ler estas linhas, e mais ainda se, depois disso resolver continuar
explorando as próximas páginas. Oro para que você possa
encontrar nelas alguma utilidade.
De um jeito ou de outro, sigo crendo que este trabalho
foi feito “no Senhor”, e portanto, “não é vão” (1Co 15.58).
São José do Rio Preto, 27 de maio de 2016

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Arildo Louzano da Silveira

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Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Índice
1. A pregação de João Batista (Leia Mc 1.1-8) ...................... 10
2. Sem privilégios (Leia Mc 1.9-13) ....................................... 13
3. Está faltando algo (Leia Mc 1.14-22) ................................. 16
4. Espíritos (Leia Mc 1.23-28)................................................ 18
5. Serviço e Oração (Leia Mc 1.29-39) .................................. 20
6. A Vontade do Senhor (Leia Mc 1.40-45) ........................... 23
7. Paralisia (Leia Mc 2.1-12) .................................................. 25
8. Andando com pecadores (Leia Mc 2.13-17)....................... 29
9. Na presença do Rei (Leia Mc 2.18-28) ............................... 31
10. Soluções simples para situações complicadas (Leia Mc 3.1-12)... 34
11. Preocupações de mãe (Leia Mc 3.13-21)............................ 36
12. Confrontando o reino do Inimigo (Leia Mc 3.22-30) ......... 40
13. Intimidade (Leia Mc 3.31-35)............................................. 43
14. Frutos (Leia Mc 4.1-20)...................................................... 45
15. Otimizando Recursos (Leia Mc 4.21-34) ........................... 47
16. A tempestade e a fé (Leia Mc 4.35-41) .............................. 49
17. Abalando o Sistema (Leia Mc 5.1-20) ................................ 52
18. Não temas, crê somente (Leia Mc 5.21-43) ........................ 55
19. Impacto profundo (Leia Mc 6.1-6) ..................................... 58
20. Quem quer ser um missionário? (Leia Mc 6.7-13) ............. 60
21. As virtudes e a salvação (Leia Mc 6.14-29) ....................... 62
22. Aprendendo com as carências (Leia Mc 6.30-44) .............. 65
23. Como está o seu coração? (Leia Mc 6.45-56) .................... 69
24. Os Preceitos de Deus (Leia Mc 7.1-23) .............................. 73
25. A Oração Aprovada por Deus (Leia Mc 7.24-30) .............. 79

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Arildo Louzano da Silveira

26. Suspirando, mas avançando (Leia Mc 7.31-37).................. 82


27. Não tentarás o Senhor, teu Deus (Leia Mc 8.1-21)............. 86
28. Vês alguma coisa? (Leia Mc 8.22-26) ................................ 90
29. Quem é Jesus para você?(Leia Mc 8.27-38) ....................... 94
30. Destacando-se na multidão (Leia Mc 9.1-8) ....................... 98
31. Falsas Expectativas (Leia Mc 9.9-13)............................... 102
32. Fontes de recursos para momentos de crise (Leia Mc 9.14-29) .. 105
33. Superando o medo (Leia Mc 9.30-40) .............................. 109
34. Difíceis decisões (Leia Mc 9.41-50) ................................. 115
35. Coisas do coração (Leia Mc 10.1-12) ............................... 118
36. O Reino de Deus e as Crianças (Leia Mc 10.13-16)......... 122
37. A Vida Eterna (Leia Mc 10.17-31) ................................... 124
38. O líder cristão (Leia Mc 10.32-45) ................................... 134
39. O segredo da felicidade (Leia Mc 10.46-52) .................... 139
40. Servidores do rei (Leia Mc 11.1-11)................................. 142
41. Decepção (Leia Mc 11.12-26) .......................................... 145
42. Autoridade (Leia Mc 11.27-33) ........................................ 150
43. A videira (Leia Mc 12.1-12) ............................................. 155
44. Endividados (Leia Mc 12.13-17) ...................................... 161
45. Desvio perigoso (Leia Mc 12.18-27) ................................ 164
46. Inteligência (Leia Mc 12.28-34) ....................................... 167
47. Postura espiritual (Leia Mc 12.35-40) .............................. 170
48. Pouco, mas tudo (Leia Mc 12.41-44) ............................... 173
49. O princípio das dores (Leia Mc 13.1-13).......................... 177
50. Tribulação (Leia Mc 13.14-23)......................................... 182
51. Os poderes dos céus (Leia Mc 13.24-27) ......................... 186

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Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

52. Vigilância e sobriedade (Leia Mc 13.28-37) .................... 190


53. Uma boa ocasião (Leia Mc 14.1-11) ................................ 193
54. A ciência do Salvador (Leia Mc 14.12-31)....................... 198
55. A oração de Jesus (Leia Mc 14.32-42) ............................. 201
56. Você ama Jesus? (Leia Mc 14.43-52)............................... 205
57. A Conspiração (Leia Mc 14.53-65) .................................. 209
58. Perdendo a autoconfiança (Leia Mc 14.66-72) ................. 214
59. O que fazer com Jesus? (Leia Mc 15.1-15) ...................... 219
60. Pouco Caso (Leia Mc 15.16-24) ....................................... 224
61. O Leão e o Cordeiro (Leia Mc 15.25-32) ......................... 229
62. Ao lado de Jesus (Leia Mc 15.33-41) ............................... 231
63. Adoração ou idolatria? (Leia Mc 15.42-47) ..................... 236
64. Vencendo a ansiedade (Leia Mc 16.1-8) .......................... 240

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Arildo Louzano da Silveira

1. A pregação de João Batista (Leia Mc 1.1-8)


João Batista preparou o caminho do Senhor. Nós
também podemos preparar o seu caminho, de forma que ele
tenha acesso facilitado aos corações cientes de sua necessidade
de salvação. Assim como João Batista, para prepararmos o
caminho do Senhor, precisamos tomar pelo menos três
providências:
Primeira providência: Receber o dom (carisma)
de Deus (1-5)

“Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus.


Conforme está escrito na profecia de Isaías: Eis aí envio diante
da tua face o meu mensageiro, o qual preparará o teu caminho;
voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor,
endireitai as suas veredas; apareceu João Batista no deserto,
pregando batismo de arrependimento para remissão de pecados.
Saíam a ter com ele toda a província da Judéia e todos os
habitantes de Jerusalém; e, confessando os seus pecados, eram
batizados por ele no rio Jordão.
João foi ao deserto pregar e as pessoas iam atrás dele! E
ele convencia as pessoas de que tinham que se arrepender! E não
pensemos que ele conquistava as pessoas com gentilezas. Pelo
contrário, lemos em Mateus 3.7-8 que ele dizia a muitos fariseus
e saduceus que vinham ao batismo: “Raça de víboras, quem vos
induziu a fugir da ira vindoura? Produzi, pois, frutos dignos de
arrependimento;”
O sucesso em sua pregação só se tornou possível porque
o Espírito de Deus estava agindo por meio dele, conforme
profetizado ao seu pai, Zacarias, em Lucas 1.15-17: “Pois ele
será grande diante do Senhor, não beberá vinho nem bebida
forte e será cheio do Espírito Santo, já do ventre materno. E
converterá muitos dos filhos de Israel ao Senhor, seu Deus. E irá
adiante do Senhor no espírito e poder de Elias, para converter o
coração dos pais aos filhos, converter os desobedientes à

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Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

prudência dos justos e habilitar para o Senhor um povo


preparado”.
Para recebermos o dom do Espírito Santo, é necessário
nos arrependermos de nossos pecados, e confessarmos a Jesus
como o nosso Senhor, conforme Atos 2.38, que diz: “[...]
Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de
Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o
dom do Espírito Santo”.
Segunda providência: Livrar-se do que não
precisa (6)

“As vestes de João eram feitas de pêlos de camelo; ele


trazia um cinto de couro e se alimentava de gafanhotos e mel
silvestre”.
Ao contrário do que podem afirmar os teólogos da
prosperidade, muitas coisas podem nos impedir de servir o
Senhor com eficiência. Quer comprar algo e não consegue juntar
dinheiro? Não se desespere, pois pode ser que o Senhor ache
que você não precisa disso.
As roupas de João eram feitas com matéria prima de
fácil obtenção no deserto. Sua alimentação era colhida do que o
deserto oferecia. O povo já conhecia esse tipo de alimentação
desde os tempos antigos, conforme lemos em Lv 11.20-22:
“Todo inseto que voa, que anda sobre quatro pés será para vós
outros abominação. Mas de todo inseto que voa, que anda sobre
quatro pés, cujas pernas traseiras são mais compridas, para saltar
com elas sobre a terra, estes comereis. Deles, comereis estes: a
locusta, segundo a sua espécie, o gafanhoto devorador, segundo
a sua espécie, o grilo, segundo a sua espécie, e o gafanhoto,
segundo a sua espécie.”
Em Hebreus 12.1 existe uma exortação para se livrar de
qualquer coisa que possa embaraçar a corrida do servo de Deus:
“ Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande
nuvem de testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso e do

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Arildo Louzano da Silveira

pecado que tenazmente nos assedia, corramos, com


perseverança, a carreira que nos está proposta”.
Davi, ao lutar contra Golias, recusou a armadura, e foi
apenas com um cajado, um alforge, uma funda e cinco pedrinhas
(1Sm 17.40).
A simplicidade de João Batista incluía até mesmo a
ausência de milagres, conforme Jo 10.41: “E iam muitos ter com
ele e diziam: Realmente, João não fez nenhum sinal, porém tudo
quanto disse a respeito deste era verdade.”

Terceira providência: Deixar o caminho livre


para Jesus (7,8)

“E pregava, dizendo: Após mim vem aquele que é mais


poderoso do que eu, do qual não sou digno de, curvando-me,
desatar-lhe as correias das sandálias. Eu vos tenho batizado com
água; ele, porém, vos batizará com o Espírito Santo”.
João não queria que as atenções se concentrassem em si,
mas estava pronto para sair de cena quando viesse o Senhor
pessoalmente.
Existe um evento em nossos dias chamado “Marcha para
Jesus”. Esse evento pode trazer algum fruto, mas também pode
deixar a população irritada com o transtorno do fechamento do
trânsito. Será que fechar o trânsito não pode dificultar a
passagem do Espírito do Senhor?
Se ficarmos em evidência, e não apontarmos para Jesus,
podemos atrapalhar a sua obra. Por isso não podemos nos
gloriar de nossos feitos. Por outro lado, não devemos andar em
pecado, de forma que manchemos a mensagem do evangelho.
Romanos 2.24 alerta sobre o perigo: “Pois, como está escrito, o
nome de Deus é blasfemado entre os gentios por vossa causa.”
Para reflexão:

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Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

1. Você já recebeu o “Carisma” de Deus? Se


não, arrependa-se, e creia no Senhor Jesus;
2. Estejamos cientes de que o novo
nascimento começa com o arrependimento, portanto esta
ênfase é indispensável quando queremos levar uma
pessoa para Cristo. Não existe a possibilidade de se ter
Jesus como Salvador sem tê-lo como Senhor;
3. Sigamos o exemplo de João Batista (se
alimentava de gafanhotos e mel silvestre), do Senhor
Jesus (emprestava as coisas de que precisava) e dos
apóstolos (que para seguirem Jesus, abandonaram tudo),
e nos examinemos para ver se há algo (coisas materiais)
de que precisamos nos livrar, ou deixar de buscar com
tanta insistência;
4. Apontemos sempre para Jesus, e não para
nós mesmos, e não coloquemos obstáculos ao evangelho,
andando em comportamento contrário à moral, à ordem,
à decência. Deixemos o caminho livre, preparemos o
caminho para o Senhor entrar nos corações e para a sua
segunda vinda.

2. Sem privilégios (Leia Mc 1.9-13)


Quem jamais recebeu uma mensagem assim? O próprio
Deus do céu, de forma audível, saudou Jesus como seu filho
amado! Nossa natureza humana logo concluiria que Jesus, sendo
assim destacado pelo Pai, seria cumulado de privilégios. Mas as
coisas não são bem assim, como se poderia pensar à primeira
vista. Alguns fatos sobre a vida de Jesus nos mostram que ele
não teve privilégios.
Primeiro fato: Viveu como um homem comum
(9a)

“Naqueles dias, veio Jesus de Nazaré da Galiléia [...]”

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Arildo Louzano da Silveira

Muito pouco sabemos sobre a vida de Jesus até o início


de seu ministério público. Os versículos em Lucas 1.26 e Lucas
2.39 mostram que seus pais moravam em Nazaré e que ele foi
para lá depois de voltar do Egito, ficando provavelmente até o
início de seu ministério. Foram trinta anos, para nós obscuros,
em que o homem Jesus “aprendeu a obediência pelas coisas que
sofreu” (Hb 5.8). Eu, no lugar dele, ficaria ansioso, querendo
pular logo para os últimos três anos, em que as coisas realmente
aconteceram. Pra quê esperar tanto? – questionaria. Quem sabe
não tenha sido este o sentimento em seu coração de criança
quando, aos doze anos, foi interrompido seu debate no templo e,
constrangido, seguiu para casa com seus pais terrenos (Lc 2.51).
Segundo fato: Foi batizado como um homem
comum (9b-11)

“[...] e por João foi batizado no rio Jordão. Logo ao sair


da água, viu os céus rasgarem-se e o Espírito descendo como
pomba sobre ele. Então, foi ouvida uma voz dos céus: Tu és o
meu Filho amado, em ti me comprazo”.
Segundo Boice, quando Jesus disse: "Aquele que crer e
for batizado será salvo" (Mc 16.16), ele estava querendo dizer
que a mera aceitação intelectual não é suficiente. Tem de haver
uma união com ele, uma mudança real1. Neste sentido, o
Salvador fez questão de ser batizado publicamente, para mostrar
que estava cumprindo “toda a justiça” (Mt 3.15). Havia,
também, outro batismo com o qual seria batizado, mencionado
em Marcos 10.38, quando desafiou os “filhos do trovão”: “[...]
Podeis vós beber o cálice que eu bebo ou receber o batismo com
que eu sou batizado?” (Mc 10.39).
Terceiro fato: Sofreu privações e tentações como
um homem comum (12,13)

1
Bible Study Magazine, James Montgomery Boice, May 1989.

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Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

“E logo o Espírito o impeliu para o deserto, onde


permaneceu quarenta dias, sendo tentado por Satanás; estava
com as feras, mas os anjos o serviam”.
O período de 40 dias foi usado como uma espécie de
provação em vários momentos importantes da história, como no
tempo das chuvas do Dilúvio (Gn 7.4); nas duas conferências de
Moisés com Jeová no Sinai (Ex 24.18; 34.28); no período de
espionagem da terra de Canaã (Nm 14.34); no tempo em que o
filisteu Golias afrontou “os exército do Deus Vivo” (1Sm
17.16,26); no tempo da caminhada de Elias ao Monte Horebe
(1Rs 19.8); no prazo para os ninivitas se arrependerem (Jn 3.4).
Sabemos, por meio de Lc 4.2, que Jesus nada comeu
naqueles dias, ficando, com certeza, muito frágil fisicamente,
situação que foi explorada por Satanás para tentá-lo de diversas
maneiras.
Segundo especialistas, um ser humano normal poderia
suportar até trinta dias sem se alimentar. No ano de 2004, um
homem chamado Chen Jianmin, doutor de medicina tradicional
chinesa, chegou ao recorde de 49 dias, na província do interior
de Sichuan, na China2
Depois da tentação, Jesus recebeu ajuda dos anjos, que
são “espíritos ministradores, enviados para serviço a favor dos
que hão de herdar a salvação” (Hb 1.14).
Nós, homens comuns, portanto, devemos cumprir a
missão que o Senhor nos tem dado, sem contar com privilégios,
pois o próprio Senhor Jesus não teve privilégios. Podemos,
porém, contar com a misericórdia e o amor de Deus, por meio
de nossa associação com seu filho amado.

2
Disponível em: https://www.google.com.br/webhp?sourceid=chrome-
instant&ion=1&espv=2&ie=UTF-8#q=sichuan%20china Acesso em: 12-05-2016.

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Arildo Louzano da Silveira

3. Está faltando algo (Leia Mc 1.14-22)


Quando Deus criou o homem e a mulher, olhou sua
criação e viu que era muito bom. Mas o homem afastou-se de
Deus e por isso agora está sempre em falta perante ele, o
criador. Deus não está contente com a humanidade. Em sua
primeira vinda, Jesus foi a voz de Deus para dizer ao homem
que, para agradá-lo, ainda lhe faltava alguma coisa. No texto
sugerido para leitura, ao observar a humanidade, em três
situações Jesus notou que faltava algo:
Primeira situação: Ao povo faltava
arrependimento e fé (14,15)

O povo andava em trevas. Fazia, talvez, seus sacrifícios,


ia às festas religiosas e freqüentava as sinagogas. Outros não
iam. Talvez estivessem já sem paciência por causa daqueles que
se diziam religiosos mas eram, na verdade, hipócritas. Jesus viu
este povo e soube que precisava se arrepender, e crer no
evangelho. Como diria Paul Washer, “é verdade que quando nós
ouvimos o Evangelho, tem que haver um momento na nossa
história, no qual nós nos arrependemos e cremos; e […] a
evidência de que você se arrependeu uma vez no passado, é que
você continua se arrependendo hoje. E a evidência de que um
dia você creu para salvação, é que você continua crendo hoje.” 3
Segunda situação: Aos futuros apóstolos, faltava
abandonar tudo e seguir Jesus (16-20)

Simão Pedro e André, Tiago e João (pelo menos dois


deles) eram discípulos de João Batista, já estavam buscando o
caminho do Senhor. Já tinham se arrependido e crido no
evangelho de João Batista. Mas foram chamados por Deus para
uma obra especial, e para servir nesta obra, lhes faltava uma

3
Paul Washer - transcrição da pregação proferida na manhã do dia 4 de março de 2014, Na 16ª
Conferência Consciência Cristã – VINACC. João Pessoa–PB, Brasil – disponível em
http://oestandartedecristo.com/2014/03/08/arrependei-vos-e-crede-no-evangelho-paul-david-
washer/ - Acesso em 27/03/2015

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Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

coisa: abandonar tudo e seguir Jesus. Mais tarde, o Mestre ainda


disse que “(…) Ninguém que, tendo posto a mão no arado, olha
para trás é apto para o reino de Deus.” (Lc 9.62)
Terceira situação: aos escribas, faltava
autoridade (21,22)

Jesus entrou na sinagoga para ensinar, e provavelmente


ouviu as preleções dos escribas, que tinham muito conhecimento
das escrituras, mas ensinavam de maneira formal e superficial,
sem atingir o problema das pessoas em seu dia a dia. Então ele
ensinou, falando ao coração dos seus ouvintes, mostrando que
entendia o que se passava em suas mentes, e provocando neles
admiração, pois “ensinava como quem tem autoridade e não
como os escribas”.
Para o educador Paulo Freire, “a falta de qualificação
profissional e competência faz com que o professor perca a
autoridade diante da sala de aula, pois sem os subsídios
acadêmicos e preparos adequados para o ensino, a educação
proposta não será possível.”.4 Os educadores cristãos, além de
qualificação e competência, devem ter uma vida transparente e
santa, sob a pena de não conquistarem ou perderem sua
autoridade.
Concluindo nossa meditação, lembremos de que uma vez
certo homem perguntou a Jesus: “que farei para herdar a vida
eterna?” e recebeu como resposta: “[...] Não matarás, não
adulterarás, não furtarás, não dirás falso testemunho, não
defraudarás ninguém, honra a teu pai e tua mãe.” Então o
homem protestou: “tudo isso tenho observado desde a minha
juventude.” “E Jesus, fitando-o, o amou e disse: Só uma coisa te
falta [...]” (Mc 10.17-21)

4
Pedagogia da Autonomia - Resenha Crítica Por: Nadine Comaneci Barros Mota, disponível em
http://www.isepnet.com.br/website/fala_professor/artigos/RESENHA_PEDAGOGIA_AUTON
OMIA.pdf - Acesso em 27/03/2015

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Arildo Louzano da Silveira

Jesus está olhando para mim e para você neste momento.


O que ele diria? O que é que nos falta? Falta arrependermo-nos
e crermos no evangelho? Falta andar de acordo com a fé que
professamos? Terá o Senhor nos chamado para uma obra, e falta
deixarmos as coisas do mundo para o servirmos integralmente?
Falta-nos qualificação ou moral para dizermos às pessoas:
“arrependam-se e creiam no evangelho”? Que possamos, hoje,
responder a estas e outras perguntas, e sermos completos para o
Senhor, nada nos faltando para agradá-lo.
“Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que
sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes.” (Tiago 1.4)

4. Espíritos (Leia Mc 1.23-28)


Os espíritos imundos estão por toda parte, tentando cegar
o entendimento das pessoas, para que não creiam no evangelho
e se convertam. No tempo em que Jesus exerceu seu ministério
terreno, já era assim. Os espíritos imundos não respeitavam
limites, pois tomavam posse de homens, entravam nas
sinagogas, colocavam em dúvida as verdades de Deus. Quando
Jesus entrou na sinagoga de Cafarnaum, para ensinar, havia um
homem, movido por um espírito imundo, tentando atrapalhar a
reunião. Ele estava “infiltrado” entre aqueles que buscavam
conhecer a palavra de Deus. Será que ele tinha o hábito de ir lá?
Quantas palavras já teria dito em muitas reuniões, procurando
desviar o povo das verdades que as escrituras tinham a dizer!
Fomos alertados para o fato de que os espíritos imundos atuam
nas congregações, quando Jesus contou a parábola do joio e do
trigo, e das aves do céu que se aninhavam nos ramos da árvore
do Reino, e do fermento escondido na farinha que produzia o
pão (Mt 13.24-33). Quando Jesus entrou, o espírito imundo
percebeu a ameaça, e logo o confrontou. Mas, estranhamente,
não tentou blasfemar contra ele. Usou, antes, outra estratégia,
procurou aparentar sabedoria. Disse uma verdade: que Jesus é o
Santo de Deus. Disse, porém, de forma que chamasse a atenção
para si, iniciando sua afirmação com a frase: “bem sei” ou,

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Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

como poderia ter sido traduzido: “eu vejo”. Falando desta


forma, a ênfase recai, não sobre o que ele dizia, mas sobre quem
dizia, ostentando-se, assim, como uma pessoa que sabe das
coisas, que tem uma grande percepção. É interessante notar que
Pedro, falando pelos apóstolos, possivelmente na mesma
ocasião (vide Jo 6.59,65,69,70), disse as mesmas palavras que o
espírito imundo: “tu és o santo de Deus”. Mas Pedro não foi
repreendido por Jesus, porque dizia algo que lhe foi revelado
pelo espírito de Deus, como também em Mt 16.17, quando
confessa que Jesus é o Cristo. Nesta ocasião, Jesus disse que
Simão Pedro era bem-aventurado, porque quem lhe revelou foi o
Pai que está nos céus. Quando o espírito imundo pergunta:
“vieste para perder-nos (banir-nos)?”, lançava dúvidas sobre os
ouvintes. É como no caso em que tentou Eva, no Éden,
distorcendo a ordem de Deus: “não comereis de toda árvore do
jardim?”. Porque ainda não era o tempo de Jesus banir os
espíritos imundos, eles sabiam, mas queriam lançar dúvidas
sobre os ouvintes e, se possível fora, sobre o próprio Jesus. Os
que estavam na sinagoga podiam pensar: “não seria bom se eles
fossem banidos neste momento?” Mas isto significaria o reino
fora do tempo, como os judeus queriam: libertação dos
inimigos, mas sem conversão. Quando recebeu a ordem de
deixar aquele homem, o espírito não tinha outra opção senão
obedecer, mas aproveitou-se da situação, procurando sair “em
grande estilo”, fazendo espetáculo, de forma que a atenção do
povo se voltou para o poder que os demônios tinham para
atormentar um homem, e sobre o poder que Jesus tinha para
expulsar demônios. Ora, Jesus queria que o povo buscasse cura
para sua doença espiritual. Mas o espírito imundo tinha interesse
em dar outra fama a Jesus, para atrapalhar o seu trabalho.
Enquanto estava ocupado em curar e expulsar demônios, a
mensagem do evangelho era postergada. Em Mc 1.45 vemos
que a fama impediu Jesus de entrar publicamente nas cidades.
Lc 5.16 diz que ele se retirava para lugares solitários e orava.
Ainda hoje os espíritos imundos estão trabalhando para cegar os
homens, para que não se arrependam e, assim, não sejam salvos.

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Arildo Louzano da Silveira

Os lugares em que os cristãos se reúnem, hoje, para


estudar a palavra de Deus, não são chamados sinagogas, e sim
igrejas. Em Apocalipse tomamos conhecimento de que existem
sinagogas controladas por Satanás (Ap 2.9; 3.9). É possível que
igrejas, hoje, também sejam controladas por espíritos imundos.
A Bíblia afirma que nós, os que nascemos de novo, temos o
Espírito de Deus habitando em nosso corpo, mas também nos
adverte para não entristecermos o Espírito (Ef 4.30), e para
fugirmos da impureza (1Co 6.18), em respeito ao Espírito que
habita neste santuário, que é o nosso corpo. Devemos, então,
ficar atentos: outros espíritos concorrem com o Espírito Santo
para assumirem o controle do que fazemos por intermédio do
nosso corpo. Até o nosso próprio espírito, que é pecaminoso,
nos induz ao pecado, e também não estamos imunes às
influências dos espíritos imundos. Quando estivermos diante da
próxima tentação, vamos nos perguntar: qual é o espírito que
está nos induzindo a agir? A qual espírito vamos, finalmente,
dar ouvidos?

5. Serviço e Oração (Leia Mc 1.29-39)


Nós escolhemos o nível de relacionamento que teremos
com Deus. Um relacionamento em que se toma a decisão de
servir a Cristo pode-se dar em pelo menos três níveis:
Primeiro nível: Serviço por naturalidade (29-31)
(Depende de nosso caráter)

“E, saindo eles da sinagoga, foram, com Tiago e João,


diretamente para a casa de Simão e André. A sogra de Simão
achava-se acamada, com febre; e logo lhe falaram a respeito
dela. Então, aproximando-se, tomou-a pela mão; e a febre a
deixou, passando ela a servi-los”.
Jesus curou a sogra de Pedro, e ela passou a servir os que
estavam na casa. Porque começou a servir? Porque era isso que
ela sempre fazia, era natural que uma mulher servisse os
hóspedes, a ainda hoje é assim. É natural também que, fazendo

20
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

parte de uma igreja, façamos algo voluntariamente, sempre que


percebemos a necessidade. Seja “puxar” a água com o rodo num
dia de chuva, ou fazer o café, ou trazer bolachas, ou cuidar das
crianças, ou carregar os instrumentos, ou varrer o chão, ou dar
carona para alguém, e muitas outras atividades que fazemos com
naturalidade, porque temos o caráter de servos. Quando uma
pessoa vem nos agradecer, dizendo obrigado, respondemos: de
nada, o que quer dizer: não fiz nada de mais, você não precisa
agradecer, eu sinto que é o meu dever servi-lo. Vamos usar os
dons que temos, as habilidades naturais, a formação que
tivemos, para servirmos a Jesus e também uns aos outros.
Segundo nível: Serviço por necessidade (32-34)
(Depende de nossa fé)

“À tarde, ao cair do sol, trouxeram a Jesus todos os


enfermos e endemoninhados. Toda a cidade estava reunida à
porta. E ele curou muitos doentes de toda sorte de enfermidades;
também expeliu muitos demônios, não lhes permitindo que
falassem, porque sabiam quem ele era”.
Uma multidão veio à frente da casa de Pedro, ao cair da
tarde, pessoas que queriam ser curadas de suas enfermidades e
libertadas dos demônios que as atormentavam. Eles esperaram o
cair da tarde, provavelmente para não violar o sábado. Acho que
foi um grande esforço da parte deles. De noite, sem
acomodações adequadas, sem lugar para comprar alimentos,
uma longa espera na fila até conseguirem chegar a Jesus, mas
valia a pena este serviço, pois Jesus curava todos os que lhe
pediam. Este é o segundo nível de relacionamento. É quando
passamos a buscar e servir com mais fervor, porque temos fé
que, servindo ao Senhor, seremos curados de nossas doenças e
libertados de nossos tormentos. Dizem que alguns vem a Jesus
pelo amor, outros pela dor. É verdade. O que levou você a servir
Jesus da maneira como tem servido hoje? Talvez estivesse com
uma doença grave, ou então estivesse passando por uma
profunda crise de depressão, ou dificuldades financeiras. Se a
dor nos levou a servir com mais intensidade ao Senhor, demos

21
Arildo Louzano da Silveira

glória! O que parecia ser mal, tornou-se em bem! Só devemos


tomar cuidado para que, aliviada a dor e resolvidos os
problemas, nós não nos afastemos novamente.
Terceiro nível: Serviço por direcionamento (35-
39) (Depende de nossas orações)

“Tendo-se levantado alta madrugada, saiu, foi para um


lugar deserto e ali orava. Procuravam-no diligentemente Simão
e os que com ele estavam. Tendo-o encontrado, lhe disseram:
Todos te buscam. Jesus, porém, lhes disse: Vamos a outros
lugares, às povoações vizinhas, a fim de que eu pregue também
ali, pois para isso é que eu vim. Então, foi por toda a Galiléia,
pregando nas sinagogas deles e expelindo os demônios”.
O serviço por direcionamento é o terceiro nível de
relacionamento que precisamos atingir. Um nível superior de
serviço que depende inteiramente do direcionamento do Senhor.
Podemos gastar nossas energias, nosso tempo e nosso dinheiro
em muitas coisas desnecessárias, achando que estamos fazendo
o melhor para o Senhor, mas se não formos bem direcionados,
podemos até trabalhar em vão. Já ouvi muitas vezes pessoas
dizerem que ao orar, estamos falando com Deus e, ao ler a
Bíblia, Deus está falando conosco. É verdade, mas há uma outra
verdade ainda: quando oramos, Deus também fala conosco. Por
isso é tão importante observarmos um tempo diário de oração
silenciosa, solitária, porque Deus quer falar em nossos corações
coisas que nunca ouviríamos de outra forma. Vejam como Jesus
nos deu o exemplo, retirando-se de madrugada, no horário que
tinha disponível, para orar. Depois da oração foi que ele decidiu
qual seria seu próximo passo: “Vamos a outros lugares, às
povoações vizinhas, a fim de que eu pregue também ali” Quero
perguntar agora: como está a sua vida de oração? Eu quero, com
estas palavras, incentivar os irmãos a começarem, manterem e
intensificarem a prática da “hora silenciosa”. Eu creio que o
Senhor quer nos instruir muito mais do que temos sido
instruídos, e isto depende de nossas orações, de nossa disposição
para servir neste superior nível de relacionamento.

22
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

6. A Vontade do Senhor (Leia Mc 1.40-45)


A Prioridade de nossas vidas deve ser satisfazer a
vontade do Senhor. Neste texto nós vemos a história de um
homem leproso, que se prostrou diante de Jesus, começando sua
súplica com as palavras: “se quiseres...”. Este homem começou
bem, mas será que ele conheceu a vontade do Senhor? Podemos
destacar aqui três vontades do Senhor para a sua vida.
Primeira Vontade: O Senhor queria que ele fosse
limpo (40-42)

“Aproximou-se dele um leproso rogando-lhe, de joelhos:


Se quiseres, podes purificar-me. Jesus, profundamente
compadecido, estendeu a mão, tocou-o e disse-lhe: Quero, fica
limpo! No mesmo instante, lhe desapareceu a lepra, e ficou
limpo”.
O homem, coberto de lepra, chegou-se humildemente
perante Jesus e declarou com fé: “se quiseres, podes purificar-
me”, recebendo prontamente a resposta: “Quero, fica limpo!”. A
lepra era uma doença terrível, que naquela época era incurável, e
além de afligir o corpo, afligia a alma. Os leprosos eram
obrigados a viver à margem da sociedade, e quando alguém se
aproximava, eram obrigados a gritar: “somos impuros”. Jesus
queria que aquele homem ficasse limpo, não só da lepra, mas
também de alma. Ele quer que nós todos sejamos limpos. Em
1Ts 4.1-8 os recém-convertidos tessalonicenses recebem
instrução para cumprirem a vontade de Deus, a santificação (v.
3). Que cada um possuísse o próprio corpo em santificação e
honra (v. 4), pois o Senhor não os tinha chamado para a
impureza (V. 7). A santificação é um ato de Deus em nossas
vidas (1Jo 1.7), mas também é nossa responsabilidade (1Jo 1.9;
Tg 4.8).
Segunda vontade: O Senhor queria que ele fosse
testemunha (43,44)

23
Arildo Louzano da Silveira

“Fazendo-lhe, então, veemente advertência, logo o


despediu e lhe disse: Olha, não digas nada a ninguém; mas vai,
mostra-te ao sacerdote e oferece pela tua purificação o que
Moisés determinou, para servir de testemunho ao povo”.
É intrigante notar que Jesus, logo após curar o leproso,
fica indignado, como se estivesse antecipando sua
desobediência. Ainda assim, o instruiu para ir e se mostrar ao
sacerdote, oferecendo o sacrifício determinado na lei à qual
estava sujeito. Era preciso que fizesse isso para dar testemunho,
para mostrar a todos que cumpria toda a lei. Quando Jesus
proclama o seu reino, em Mt 5.1-16, declara as bem-
aventuranças para os humildes, os que choram, os que são
limpos de coração, e logo em seguida adverte aos que querem
fazer parte deste reino: “vós sois o sal da terra”, “vós sois a luz
do mundo”. “Assim, brilhe também a vossa luz diante dos
homens”, para que vejam as vossas boas obras”.
Terceira Vontade: O Senhor queria que ele fosse
sensato (45)

“Mas, tendo ele saído, entrou a propalar muitas coisas e


a divulgar a notícia, a ponto de não mais poder Jesus entrar
publicamente em qualquer cidade, mas permanecia fora, em
lugares ermos; e de toda parte vinham ter com ele”.
Em Eclesiastes 3.1-7, lemos que há tempo de nascer e de
morrer, de plantar e de colher, tempo de falar e tempo de se
calar. Pedro incentivou as mulheres a ganharem seus maridos
sem palavras, deixando-os observarem seu honesto
comportamento, cheio de temor (1Pe 3.1,2). O tempo para
aquele homem, ao qual Jesus curou, era tempo de ficar calado,
mas ele queria pregar (outra possibilidade de tradução para a
palavra propalar). Ora, naquele momento, o pregador era Jesus
(Mc 1.14, 38, 39). Não era sensato aquele homem tornar-se um
pregador, sem antes ser uma testemunha. Ele propalava “muitas
coisas”, em outras palavras: ele falava demais. Talvez falasse até
coisas incorretas a respeito de Jesus. Este comportamento
atrapalhou a obra do Senhor, impedindo-o de entrar

24
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

publicamente em qualquer cidade, tendo que permanecer fora,


em lugares ermos. Nós que agora somos esclarecidos, que
possamos ser limpos, portar-nos como testemunhas, e sermos
sensatos, percebendo quando é hora de falar e quando é hora de
se calar, conforme a vontade do Senhor, para sermos úteis na
sua grande obra.

7. Paralisia (Leia Mc 2.1-12)


Uma das maiores preocupações da atualidade é o
cuidado com a saúde. Procuramos comidas e hábitos saudáveis,
mas às vezes é tão difícil resistir às facilidades da vida moderna,
que acabamos nos alimentando de coisas não tão saudáveis,
porque são mais práticas ou gostosas, e tendo uma vida
sedentária porque, para quase todas as tarefas cotidianas, tem
uma máquina que nos facilita o serviço. Assim, por escolhermos
quase sempre o caminho mais fácil, acabamos nos prejudicando
em nossa própria saúde. O texto de hoje nos faz refletir sobre
coisa semelhante e nos leva a perguntar-nos: O que é mais fácil?
Reclamar ou achar uma solução? Criticar ou abrir o coração?
Obedecer ou sucumbir na indecisão? Para que tenhamos saúde,
nem sempre devemos escolher o caminho mais fácil. Neste texto
nós descobrimos que há pelo menos três obstáculos que
devemos transpor para sermos saudáveis em Cristo.
Primeiro obstáculo: A falta de recursos
materiais (1-4) (Reclamar ou achar uma solução?)

O homem da história era paralítico. Como chegar até


Jesus? Ele pediu ajuda aos amigos. Aqueles homens, sabiam que
precisavam chegar até Jesus. Não alcançariam o seu objetivo de
outra forma. Ao chegarem à casa e verem a situação, quem sabe
sua primeira reação tenha sido de desânimo, ou até mesmo de
raiva contra aqueles curiosos que não estavam doentes mas não
se tocavam, não abriam passagem, não se comoviam com a
necessidade alheia. Ou, quem sabe, arrazoaram em seu coração:
“Não vamos desistir. Deus nos deu a missão de levar nosso

25
Arildo Louzano da Silveira

amigo até Jesus, então ele vai providenciar um meio para que
cheguemos até ele”. Foi então que uma luz brilhou em suas
mentes, e tiveram uma brilhante ideia: Vamos descê-lo pelo
telhado! Se fosse hoje, quem sabe eles não teriam se lamentado
assim: “Ah, se tivéssemos crédito em nosso celular,
mandaríamos um “WhatsApp” para alguém lá dentro e ele
pediria que Jesus viesse até nós!” Jesus também poderia ter
murmurado. A situação precária em que tinha que ensinar não
era muito agradável. A casa não tinha espaço para todos. Ele
bem que podia estar no templo, num lugar espaçoso, que
acomodaria confortavelmente a todos. Às vezes encontramos
dificuldades para irmos à Igreja: Chuva, transporte,
indisposição. Mas nós sabemos que é preciso ir. Vamos à igreja
porque acreditamos que é necessário. Jesus ordenou que nos
reuníssemos, e nos dá a bênção especial de prestigiar todas as
nossas reuniões com a sua presença (Mt 18.20). Não
desanimemos, pois, com a falta de recursos materiais, mas
vamos vencer este obstáculo com fé.
Segundo obstáculo: O conflito entre a teoria e a
realidade (5-11) (Criticar ou abrir o coração?)

Um dia eu fui a uma Igreja Batista numa cidadezinha


onde estava trabalhando. Era estudante de teologia e estavam
bem frescas na minha mente as informações que tinha aprendido
sobre o relevo da palestina. Onde estavam as planícies, qual a
extensão do território, quais os montes principais, etc. Acontece
que eles cantaram uma música que eu ainda não conhecia, e que
dizia assim: “Como em volta de Jerusalém estão os montes,
assim é o Senhor em volta do seu povo [...]”. E eu, desconfiado
de tudo que não era Igreja Bíblica, logo critiquei em meu
coração: “Tá vendo? Eles não conhecem nem geografia bíblica,
não sabem que em volta de Jerusalém existem vales, e não
montes”. Ainda bem que eu, educadamente, guardei para mim
esta crítica, e não comentei com ninguém, porque mais tarde
descobri que o ignorante era eu: Os versos que cantavam eram
as palavras de Salmos 125.2. Às vezes pensamos que sabemos
muito, ou quase tudo, mas a verdade é que sabemos quase nada.

26
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

A teologia dos escribas não encaixava na realidade do que


estava acontecendo. Temos que tomar cuidado para não nos
tornarmos descrentes quando a nossa teologia não bate com a
realidade do que estamos vendo. Se não se encaixa, é porque a
nossa teologia precisa de revisão. Não somos os donos da
verdade. Os escribas tinham este problema: criaram uma
teologia que julgavam perfeita. De fato era muito boa, mas
tropeçaram na pedra de tropeço. Jesus veio e mostrou que em
muitas coisas eles estavam equivocados. E mais tarde, quando
os apóstolos exerciam seu ministério, um sábio dentre os judeus,
o famoso Gamaliel, disse umas palavras sensatas, admitindo que
podiam estar errados: “[...] mas, se é de Deus, não podereis
destruí-los, para que não sejais, porventura, achados lutando
contra Deus.[...]” (At 5.39) Jesus aproveitava as oportunidades
para ensinar. Ele não queria simplesmente curar o doente, mas
ensinar a todos que aquela doença era consequência do pecado,
e que, tirar a consequência era equivalente a perdoar os pecados.
Houve um outro homem doente, a quem Jesus mandou tomar o
seu leito e andar. Mais tarde, encontrando-o no templo, o
advertiu: “Olha que já estás curado; não peques mais, para que
não te suceda coisa pior.” (Jo 5.14) Os judeus não acreditavam
que Jesus podia perdoar pecados, mesmo diante de tanta
evidência, mas sua teologia precisava ser revista: ou Jesus é
Deus, ou então não era somente Deus que podia perdoar
pecados. Muitas vezes ficamos paralisados, também, diante de
fatos da vida que não conseguimos compreender. Não se
encaixam em nossa teologia. Mas não enxergamos que a
incoerência não está na vontade permissiva de Deus, mas sim
em nossa interpretação errada do que achamos ser a sua vontade.
Então, não fiquemos paralisados quando não entendemos o
porquê das coisas que nos sobrevêm: sejamos humildes a ponto
de abrir o coração, pois é possível que a nossa teoria esteja
equivocada.
Terceiro Obstáculo: A Inércia de nossa vontade
(12) (Obedecer ou sucumbir na indecisão?)

27
Arildo Louzano da Silveira

A primeira lei de Newton afirma que um corpo que está


em repouso, tende a permanecer em repouso, a não ser que uma
força seja exercida sobre ele. Aplicando isto a nós: às vezes
precisamos de um “empurrãozinho”. Hoje, um paralítico,
dependendo do grau de paralisia, pode fazer quase tudo sozinho.
A sociedade é regida por leis que procuram facilitar ao máximo
a sua vida. Os ônibus têm elevadores, os prédios públicos têm
rampas e elevadores próprios, os carros são adaptados e isentos
de impostos. Mas há uma paralisia psicológica que muitos de
nós temos que enfrentar freqüentemente, cuja causa varia desde
a simples preguiça até a depressão profunda. Aquele homem em
seu leito talvez não quisesse se levantar, ou talvez olhasse para
sua condição e não sentisse em seu coração que seria possível
obedecer à ordem de Jesus. Fico pensando no que se passava em
sua mente entre a primeira declaração de que seus pecados
estavam perdoados, e a ordem de se levantar. Quanto tempo
deve ter se passado enquanto Jesus discutia com os escribas?
Mas para que o ato de Jesus se completasse, ele precisava
obedecer à ordem, e ele finalmente se levantou. Quebrou a
inércia, e fez o que antes lhe parecia impossível. Este é o
princípio da obediência: fazer aquilo que não queremos, ou que
achamos que não podemos, ou que não entendemos, confiando
somente na sabedoria e no poder daquele que nos ordena.
Temos uma batalha feroz entre o espírito e a carne, conforme
relatado em Rm 7.22-25: “Porque, no tocante ao homem
interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo, nos meus
membros, outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente,
me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros.
Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta
morte?” Mas temos a vitória garantida, conforme diz também
1Co 15.55-57: “Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó
morte, o teu aguilhão? O aguilhão da morte é o pecado, e a força
do pecado é a lei. Graças a Deus, que nos dá a vitória por
intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo.” Assim, que nós
possamos buscar a vida saudável, não somente com relação ao
nosso corpo, mas especialmente quanto ao nosso espírito,
transpondo os obstáculos de eventuais faltas de recursos

28
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

materiais, de conflitos entre a teoria e a realidade, e que


possamos vencer a inércia de nossa própria vontade, para
obedecermos aos mandamentos do Senhor Jesus.

8. Andando com pecadores (Leia Mc 2.13-17)


Ao ler esta história, e observar os acontecimentos,
podemos ser levados também, como os escribas dos fariseus
(ainda que com outra motivação), a fazer o questionamento: Por
que Jesus comia e bebia com publicanos e pecadores? É possível
que este texto nos dê pelo menos quatro respostas.
1 – Porque as multidões estavam sem rumo e
precisavam de um mestre (13)

“De novo, saiu Jesus para junto do mar, e toda a


multidão vinha ao seu encontro, e ele os ensinava”.
Buscamos a Jesus por vários motivos, mas ele sempre
vai nos ensinar alguma coisa por meio de nossas necessidades.
Em Mt 9.36, “Vendo ele as multidões, compadeceu-se
delas, porque estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não
têm pastor.” Como diz o Pr. Hernandes Dias Lopes, “ele usou
coisas comuns para ensinar: o sal, a luz, a água, o pão, o
fermento, a semente, os pássaros, as flores, o arado, a rede, o
vento, a porta, a ovelha, o curral. Quando lhe perguntaram qual
é o maior no reino dos céus, ele não fez um longo discurso para
responder: pegou uma criança no colo e disse: - Quem pois se
tornar humilde como esta criança será o maior no meu reino5.”
2 – Porque algumas pessoas queriam mudar de
vida, mas precisavam do Senhor para dar-lhes o sinal
(14)

5
LOPES, H.D. - Jesus, o mestre por excelência – 28/05/2004 – disponível em:
http://hernandesdiaslopes.com.br/2004/05/jesus-o-mestre-por-excelencia/#.VTeY2tLBzGc
Acesso em 21/04/2015.sites médicos

29
Arildo Louzano da Silveira

“Quando ia passando, viu a Levi, filho de Alfeu, sentado


na coletoria e disse-lhe: Segue-me! Ele se levantou e o seguiu”.
Penso que Levi (Mateus) tinha feito sua opção de vida.
Decidiu ser um cobrador de impostos (publicano), mesmo que
isto significasse ser taxado de traidor pelo seu povo. Tinha uma
excelente condição financeira, mas por dentro queimava um
sentimento, uma necessidade que o dinheiro nunca iria suprir.
Sabia que devia buscar mais a Deus, servi-lo mais, para realizar-
se como pessoa. Por isso, ao ouvir a voz de Jesus, não hesitou.
Era este o momento que esperava para, reunindo toda a sua
coragem, entregar-se totalmente nas mãos do Senhor.
3 – Porque haviam pessoas desprezadas que
precisavam de um amigo (15,16)

“Achando-se Jesus à mesa na casa de Levi, estavam


juntamente com ele e com seus discípulos muitos publicanos e
pecadores; porque estes eram em grande número e também o
seguiam. Os escribas dos fariseus, vendo-o comer em
companhia dos pecadores e publicanos, perguntavam aos
discípulos dele: Por que come e bebe ele com os publicanos e
pecadores?”
Esta cena me lembra Ap 3.20: “se alguém ouvir a minha
voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele,
comigo.” O fato de Jesus ser amigável com os publicanos e
pecadores não significava, porém, abonar seus pecados. É como
lemos na história da mulher adúltera, em Jo 8.10,11: "Erguendo-
se Jesus e não vendo a ninguém mais além da mulher,
perguntou-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores?
Ninguém te condenou? Respondeu ela: Ninguém, Senhor!
Então, lhe disse Jesus: Nem eu tampouco te condeno; vai e não
peques mais."
4 – Porque os pecadores eram doentes e
precisavam de um médico (17)

30
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

“Tendo Jesus ouvido isto, respondeu-lhes: Os sãos não


precisam de médico, e sim os doentes; não vim chamar justos, e
sim pecadores”.
Uma mulher, em Mc 5:26, “muito padecera à mão de
vários médicos, tendo despendido tudo quanto possuía, sem,
contudo, nada aproveitar, antes, pelo contrário, indo a pior,” até
que tocou nas vestes de Jesus e foi curada instantaneamente. O
Senhor tem, contudo, uma cura mais efetiva a realizar naqueles
que reconhecem sua condição de doentes do espírito, que talvez
tenham gastado com muitos “médicos”, sem achar solução. É o
caso do publicano de Lc 18.9-14: "Propôs também esta parábola
a alguns que confiavam em si mesmos, por se considerarem
justos, e desprezavam os outros: Dois homens subiram ao
templo com o propósito de orar: um, fariseu, e o outro,
publicano. O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo,
desta forma: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os
demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda
como este publicano; jejuo duas vezes por semana e dou o
dízimo de tudo quanto ganho. O publicano, estando em pé,
longe, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia
no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador! Digo-
vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele;
porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se
humilha será exaltado." Se estivéssemos presentes naquele
banquete, seríamos como os escribas ou como os publicanos e
pecadores? Se nos acharmos sem rumo, seja Jesus nosso Mestre;
se quisermos mudar de vida, seja Jesus nosso Senhor; se nos
sentirmos desprezados, seja Jesus nosso Amigo; se
reconhecemos que somos doentes de espírito, seja Jesus nosso
Médico. Assim, estaremos sempre em boa companhia.

9. Na presença do Rei (Leia Mc 2.18-28)


Nosso ex-presidente costumava introduzir muitas frases
com a expressão: “nunca antes na história deste país...”. Vou
pedir emprestada esta expressão e dizer que nunca antes na

31
Arildo Louzano da Silveira

história do mundo Deus estivera habitando entre os homens da


maneira como Jesus habitou. Os discípulos dos fariseus e os
próprios discípulos de João não se deram conta da situação
inusitada, e por isso não compreendiam o modo estranho de
Jesus agir. No contexto deste parágrafo, eles não se contêm e
protestam: Por que motivo jejuam os discípulos de João e os dos
fariseus, mas os teus discípulos não jejuam? E Por que fazem o
que não é lícito aos sábados? A resposta a estas perguntas parece
estar na declaração do último versículo, de que o Filho do
homem é Senhor, entre outras coisas, também do sábado.
Juntemos esta declaração com a revelação implícita nos
primeiros versos de que Jesus é o noivo presente, e então
podemos afirmar que, na presença de Jesus, o Senhor, nós
mudamos o nosso comportamento. Entendo que, neste texto,
podemos encontrar pelo menos três motivos pelos quais, na
presença de Jesus, nós mudamos o nosso comportamento.
Primeiro motivo: Jesus, sendo o Senhor, pode
exigir mudança de postura (18-20)

Em Fp 4.4,5 recebemos uma ordem: “Alegrai-vos


sempre no Senhor; outra vez digo: alegrai-vos. Seja a vossa
moderação conhecida de todos os homens. Perto está o Senhor.”
Neemias começa seu livro (Ne 1.4) narrando sua tristeza e
jejum, que chamou a atenção do rei Artaxerxes (2.2), o qual
certamente não queria em seu serviço um servo triste, tal como o
Senhor, Rei dos reis, segundo Ne 8.10,11. Hoje, enquanto o
“noivo” não está fisicamente presente, há momentos em que o
jejum e a tristeza são apropriados. Novamente o veremos,
porém, e com ele nos alegraremos nas bodas do cordeiro (Ap
19.5-9).
Segundo motivo: Jesus, sendo o Senhor, pode
modificar a forma de culto (roupa nova e vinho novo)
(21,22)

Os fariseus tinham chegado ao seu limite. Nada mais de


novo podiam apresentar. Receberam a lei, e fizeram o que

32
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

podiam, mas não era suficiente. Jesus veio e introduziu uma


nova maneira de se adorar a Deus. Em Jo 4.21-24, ele diz à
mulher samaritana: “Mulher, podes crer-me que a hora vem,
quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai.
Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que
conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vem a
hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o
Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura
para seus adoradores. Deus é espírito; e importa que os seus
adoradores o adorem em espírito e em verdade.” Dizendo ela
que esperava vir o Messias, para anunciar estas coisas, disse-lhe
Jesus: “Eu o sou, eu que falo contigo. (v.26)”
Terceiro motivo: Jesus, sendo o Senhor, pode
fazer exceções às regras (23-28)

Deus já fez o sol parar (Js 10.13), já fez o relógio andar


para trás (Is 38.8), já fez o fogo perder sua eficácia (Dn 3.27).
Não era verdade que Jesus quebrava a guarda do sábado. Ele
simplesmente não o guardava nos moldes que os fariseus
fabricaram. Mas se o Senhor quisesse quebrar sua própria regra,
poderia tê-lo feito. Quando Pedro, no cumprimento de sua
missão, hospedou-se na casa de um curtidor (profissão que
tornava o homem impuro para os judeus), e recebeu a visão da
“comida impura” ( At 10.9-16) já preanunciava a grande
exceção de Deus na nova aliança: Cristo “em vós” (gentios), “a
esperança da glória” (Cl 1.27); nós, os gentios, sem circuncisão
e sem cerimonialismo, fomos também aceitos na assembleia de
Deus.
Agora, para que apliquemos algumas verdades desta
meditação à nossa realidade, pensemos o seguinte: os fariseus
fizeram o que podiam com a lei, mas não era suficiente. E nós, o
que fazemos com a graça que recebemos? Nossas crianças são
desobedientes; em nosso meio há grande ocorrência de
adultérios, imoralidade, irreverência; muitos “buscam a Deus”
com intuitos de ganância; assistimos perplexos aos excessos da
“geração gospel”. Quando Jesus voltar, o que ele vai querer

33
Arildo Louzano da Silveira

mudar em nosso comportamento? E será que ele nos encontrará


fiéis e prudentes, como as cinco virgens de Mt 25.1-13?

10. Soluções simples para situações complicadas (Leia


Mc 3.1-12)
O trabalho de Jesus não era fácil. Diante da congregação,
em Cafarnaum, enquanto ensinava, os olhos atentos de seus
opositores pareciam lançar-lhe dardos de fogo. Mantinham-se
em silêncio, mas sua atitude parecia gritar aos seus ouvidos,
situação que o levou a convidar os ouvintes a fazerem uma
reflexão: “É lícito nos sábados fazer o bem ou fazer o mal?
Salvar a vida ou tirá-la?” Jesus estava prestes a fazer o bem,
salvar uma vida, mas os fariseus estavam prestes a fazer o mal,
planejavam tirar a sua vida. Ainda havia a questão do assédio do
povo, que incessantemente demandava a atenção, a presença, os
cuidados de Jesus, e a todas estas dificuldades ainda se
acrescentava a luta constante contra as artimanhas de satanás. Se
observarmos, não como os fariseus, mas com corações abertos,
as reações do Senhor às situações adversas, podemos aprender o
que é melhor a se fazer diante de situações complicadas. Neste
texto há, pelo menos, quatro dicas de soluções simples para
situações complicadas.
Primeira dica: Sob vigilância, seja transparente.
(1-5)

Transparência demanda coragem. Jesus instruiu seus


discípulos em Mt 10.26.27: “Portanto, não os temais; pois nada
há encoberto, que não venha a ser revelado; nem oculto, que não
venha a ser conhecido. O que vos digo às escuras, dizei-o a
plena luz; e o que se vos diz ao ouvido, proclamai-o dos
eirados.” Nós não podemos ter medo de fazer o bem. Mas, como
não somos perfeitos, precisamos ter certeza de que estamos no
caminho certo. Nossa vida é um livro aberto? Nossa casa é
aberta aos irmãos? Tem coisas que não queremos que os outros
vejam? Maridos dão satisfação às suas esposas e vice-versa?

34
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Filhos dão satisfação aos pais? Pais (porque não?) dão satisfação
aos filhos? Para nós, pecadores, ser transparente é uma maneira
de nos protegermos de nós mesmos.

Segunda dica: Sob forte resistência, ceda espaço.


(6-8)

Ainda em Mateus, 10.23, Jesus orienta: “Quando, porém,


vos perseguirem numa cidade, fugi para outra;” Temos que ter
bom senso. Há momentos em que temos que fazer uma “retirada
estratégica”, como fez Jesus, retirando-se para o mar. O
problema da inveja está presente em todo ajuntamento humano.
Não devemos agir sempre como um guerreiro que defende até a
morte seu terreno contra os inimigos. “Se teu inimigo tiver
fome, dá-lhe de comer, se tiver sede, dá-lhe de beber”. Se ele
quiser o teu espaço, às vezes é bom ceder. Sabemos quando não
estamos agradando. Nós, que somos imperfeitos, podemos, sem
ressentimentos, mudar o comportamento (desde que não
comprometamos nossos bons princípios), ou mudar de grupo.
Terceira dica: Na falta de recursos, improvise.
(9,10)

Voltando a Mt 10, no versículo 9 ele ordena: “Não vos


provereis de ouro, nem de prata, nem de cobre nos vossos
cintos;” É provável que os discípulos estranharam a ordem, pois,
como iriam se manter eu sua missão? E, no caso de nosso texto,
para solucionar o problema, um rei “que se preze” designaria
uma guarda real para fazer um cordão de isolamento, para que o
povo não se aproximasse muito. Mas Jesus achou uma solução
simples e eficaz. Um simples barquinho, um improviso. O mar
servia de isolamento natural e a brisa levava o som da sua voz
com melhor acústica. O povo respeitaria a distância e não se
sentiria reprimido.
Quarta dica: Diante do sucesso, mantenha a
sobriedade. (11,12)

35
Arildo Louzano da Silveira

Provérbios 27.21 nos ensina que “como o crisol prova a


prata, e o forno, o ouro, assim, o homem é provado pelos
louvores que recebe.” O reconhecimento dos demônios, seres
tão poderosos, que se curvavam diante da mera presença do
Senhor, era algo tentador. Mas, na contramão do que fazem os
curandeiros, Jesus não fazia e não permitia que fizessem
propaganda de seus dons de cura. Preferia ser discreto. Não se
negava a ajudar, mas não andava fazendo alarde de suas obras.
Jesus não queria publicidade, ele não era um vendedor querendo
que comprassem seus produtos ou seus serviços. Oferecia
gratuitamente algo que todos deveriam querer, mas que a
maioria desprezava: a remissão dos pecados.
Tendo estas dicas, possamos nós também solucionar os
problemas da vida com simplicidade, pois a simplicidade é uma
marca de nosso Senhor. Sejamos transparentes, corajosos,
porém mansos. Não achemos que o dinheiro é a solução para
tudo, pois há muita coisa que podemos fazer com pouco ou
nenhum dinheiro. Não amemos os holofotes, a glória, pois
corremos um grande risco de nos ensoberbecermos e
incorrermos na “condenação do diabo”, que sempre procura nos
desanimar e desviar dos propósitos de Deus.

11. Preocupações de mãe (Leia Mc 3.13-21)


Um dia, quando Jesus estava ensinando, uma mulher
gritou da multidão: “Bem-aventurada aquela que te concebeu, e
os seios que te amamentaram!” (Lc 11.27). Mas Maria, mãe de
Jesus, parecia não estar muito feliz com o rumo que seu filho
estava tomando. Estava agindo de forma aparentemente
irresponsável, e por isto pediu a ajuda de seus familiares para
ver se poderiam prendê-lo ou talvez, como diríamos hoje,
interná-lo nalgum hospital psiquiátrico. Jesus, porém, não era
um louco qualquer.
Neste parágrafo há três aparentes loucuras que Jesus
andava fazendo, que preocupavam sua mãe, mas que, sob o
ponto de vista do Reino de Deus, fazia todo o sentido.

36
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Primeira Loucura: Jogar fora uma brilhante


carreira (13-15)

Jesus tinha um dom excelente, que podia valer muito


prestígio e dinheiro, mas repassou o dom aos seus discípulos
sem cobrar nada. Em Mateus 10.8 vemos que Jesus ainda os
instruiu: “[...] de graça recebestes, de graça dai.” O que Jesus
fez, dar de graça seus dons de cura e exorcismo, e orientar seus
discípulos a não exigirem nenhum benefício financeiro por seus
serviços, aos olhos dos outros, era loucura. Quem tinha ou dizia
ter algum poder, não ia querer dar de graça, mas ganhar dinheiro
com isso. Para termos noção de como era difícil o trabalho de
expulsar demônios, podemos recorrer à história de At 19.13-16:
“E alguns judeus, exorcistas ambulantes, tentaram invocar o
nome do Senhor Jesus sobre possessos de espíritos malignos,
dizendo: Esconjuro-vos por Jesus, a quem Paulo prega. Os que
faziam isto eram sete filhos de um judeu chamado Ceva, sumo
sacerdote. Mas o espírito maligno lhes respondeu: Conheço a
Jesus e sei quem é Paulo; mas vós, quem sois? E o possesso do
espírito maligno saltou sobre eles, subjugando a todos, e, de tal
modo prevaleceu contra eles, que, desnudos e feridos, fugiram
daquela casa.” Simão, o mágico de Samaria, em At 8.18-19,
quis comprar o poder de conceder o dom do Espírito Santo,
porque viu nisto uma oportunidade de lucro. Líderes de grandes
denominações atuais se enriquecem, alegando terem dons de
cura ou outras habilidades. A revista Forbes, em 2013, apontou
os seis líderes religiosos mais ricos do Brasil. O primeiro da lista
tinha uma fortuna estimada em 2 bilhões de reais. O segundo,
400 milhões6.

6
http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2013/01/18/forbes-lista-os-seis-lideres-
milionarios-evangelicos-no-brasil.htm – Acesso em 10/05/2015

37
Arildo Louzano da Silveira

Segunda loucura: andava em companhia de


homens “duvidosos” (16-19)

Já ouvi muitas pessoas dizendo que, muitas vezes, é


preferível relacionar-se com pessoas não crentes. Há incrédulos
que são mais honestos, simpáticos, bondosos, do que os que se
chamam crentes. Mas Jesus não procurava, dentre as pessoas, as
que mais lhe agradassem. Ele tinha outro critério. Escolheu
algumas pessoas para estarem sempre junto dele, independente
de suas imperfeições. Simão Pedro era, antes de conhecer Jesus,
um mundano confesso, por demais precipitado, e negou Jesus.
Tiago e João, os “filhos do trovão”, eram muito iracundos e
ambiciosos; Mateus era publicano; Tomé só acreditava vendo;
Simão era zelote (espécie de terrorista). Judas o traiu. Dos
outros, não temos muitas notícias.
Terceira loucura: Não separava um tempo
adequado para cuidar de si, da sua saúde. (20,21)

Jesus não exigia privacidade, permitia que invadissem a


sua casa, não tinha “vida privada”. Não reivindicava os
privilégios de um mestre. Muitos cristãos seguiram os seus
passos, conforme, por exemplo, a história de Charles e Ruth
Harmon, missionários entre os Nambiquara:
“Não demorou muito para que os índios chegassem todas
as tardes, entre 17:00 e 17:30H, para as reuniões na casa dos
Harmons. Eles chamavam gritando alto: “Rute sanfona tocar,
culto cantar!” Era hora da reunião! Todas as noites tinham o
“culto cantar!” e os índios gostavam demais, especialmente a
parte de cantar. O Pr. Carlos pregava o mesmo sermão todas as
noites também: “Pai é Deus, mandou Filho que é Deus. Do
barro nos fez. Filho morreu por nós. 1,2,3 e Subiu!” Os índios
ficavam de pé quando o Pr. Carlos falava “subiu”. Estas
reuniões começavam cedo e acabavam tarde. Os índios sempre
queriam continuar. Às vezes dava vontade de cancelar algumas
noites para descansar, mas eles decidiram: “É Por isso que

38
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

estamos aqui. Comemos, mesmo quando estamos cansados,


então porque não reunir?”7
Paulo andou nos mesmos passos de Jesus, conforme diz
em 2Coríntios 12.15 “Eu de boa vontade me gastarei e ainda me
deixarei gastar em prol da vossa alma [...]” Jesus justificava sua
atitude dizendo: “A minha comida consiste em fazer a vontade
daquele que me enviou e realizar a sua obra” (Jo 4.34). Mas não
era sempre assim. Quando tinha oportunidade, ele descansava e
se alimentava de maneira mais tranqüila. Em Lucas 22:15, disse
aos discípulos: Tenho desejado ansiosamente comer convosco
esta Páscoa, antes do meu sofrimento.” Em Marcos 6.31
convidou-os: Vinde repousar um pouco, à parte, num lugar
deserto; [...]”. Paulo também procurava seus recreios, como
afirma aos Romanos em 15.32, desejando que, “ao visitar-vos,
pela vontade de Deus, chegue à vossa presença com alegria e
possa recrear-me convosco.”
Maria não tinha nenhuma razão para se preocupar com
Jesus. Ele sabia o que fazia. Tinha um projeto de vida e estava
determinado a cumpri-lo. Quanto, porém, às mães cujos filhos
não são perfeitos como Jesus, eu pergunto: vocês estão
preocupadas com seus filhos? Eles parecem irresponsáveis
quanto à sua carreira, andam em más companhias, querem se
casar com uma pessoa com a qual você não concorda? Não
cuida bem da saúde? Se eles ainda estão sob seu domínio, agora
é o tempo de ensiná-los. Mas, se já são adultos, há muito pouco
que se possa fazer, pois as escolhas, agora, são deles. Eles têm
que sentir-se livres para decidir e arcar com as conseqüências de
suas decisões. Não tentem prender os seus filhos. E nós outros,
sendo mães ou não, devemos medir nossas loucuras: se as
loucuras são feitas para Deus, então está certo. Podemos imitar
Jesus em tudo, e dizer como Paulo em 2Coríntios 5.13: “Porque,

7
FILSINGER, H.R. - Trilhas de Charles e Ruth Harmon – 2ª edição, julho de 2012 – Araçatuba,
SP, pag. 18

39
Arildo Louzano da Silveira

se enlouquecemos, é para Deus; e, se conservamos o juízo, é


para vós outros.”

12. Confrontando o reino do Inimigo (Leia Mc 3.22-30)


Jesus teve que conviver com calúnias a seu respeito.
Fazia o que era bom e correto, mas seus inimigos, que tinham
inveja, faziam de tudo para desacreditar o seu trabalho.
Acusaram-no de usar o poder do próprio Satanás para fazer
milagres. Entretanto, defendeu-se tranquilamente, argumentando
que isto não seria possível, pois sua obra era uma afronta ao
reino do inimigo. Muitos dizem que fazem a obra de Deus, hoje
em dia, inclusive nós. Mas como podemos ter certeza de que
estamos, de fato, fazendo a obra do Senhor? A resposta de Jesus
aos seus inimigos evidencia os efeitos que a obra do Senhor tem
sobre o reino do inimigo, e desta forma podemos testar se a obra
que fazemos é, de fato, a obra de Deus:
Primeiro efeito sobre reino do inimigo: a sua
estrutura é abalada (22-26)

Jesus argumentou que, se fosse verdade a acusação que


lhe faziam, o reino de Satanás estava dividido, visto que a obra
de Jesus era contrária aos propósitos de Satanás. Por exemplo,
em Mt 11.1-6, João Batista manda mensageiros perguntarem a
Jesus se ele era mesmo o Cristo. “Jesus, respondendo, disse-
lhes: Ide e anunciai a João o que estais ouvindo e vendo: os
cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os
surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres está
sendo pregado o evangelho.” Nós também, que levamos em
nosso corpo o Espírito Santo, somos seus instrumentos para
desfazer muitas obras do maligno, e limitarmos sua influência
no mundo. Achamos que 2 Ts 2:6,7 refere-se à Igreja, quando
diz: “E, agora, sabeis o que o detém, para que ele seja revelado
somente em ocasião própria. Com efeito, o mistério da
iniqüidade já opera e aguarda somente que seja afastado aquele
que agora o detém;” Assim, para sabermos se estamos, de fato,

40
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

fazendo a obra do Senhor, precisamos fazer esta pergunta:


estamos atrapalhando ou ajudando o reino de Satanás com
nossas ações?
Segundo efeito sobre o reino do inimigo: o seu
território é invadido (27)

Jesus usa a parábola da casa do valente para mostrar que,


ao fazer a sua obra, estava entrando na própria casa de Satanás e
roubando-lhe os bens. Em Mateus 16:18 Jesus profetiza: “[...]
sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno
não prevalecerão contra ela.” Nossa tendência é achar que
Satanás não vai entrar na Igreja, porque ela é propriedade do
Senhor. Mas a profecia não fala sobre isto, ela diz que as portas
do inferno não prevaleceriam contra a Igreja. Ou seja: a Igreja
está no ataque, e não na defesa. O território onde o inimigo
trabalha é o mundo. O mundo inclui a nossa casa, o nosso
ambiente de trabalho, todos os lugares onde há atividade
humana e comunidades. Podíamos dizer que Satanás age mais
intensamente nas favelas, nas tribos indígenas, entre os
moradores de rua, mas não é verdade. Ele age também com
muita intensidade nos ambientes mais requintados. Nós estamos
infiltrados nestes ambientes. Faço aqui uma pergunta para
meditação: Seria correto fazer, como fazem algumas igrejas,
pontos de pregação nos antros de boates, criando um ambiente
parecido com elas, para atrair pessoas deste meio? Ora, estas
pessoas geralmente trabalham, estudam, têm lares, e, em minha
opinião, seriam mais facilmente alcançados nos ambientes
destes meios do que nas boates.
Terceiro efeito sobre o reino do inimigo: Seus
cativos são resgatados (28-30)

Alguns filhos de Deus têm medo, quando ouvem a


sentença do versículo 29. Muitas doutrinas e heresias têm sido
elaboradas com base nestas palavras. Mas vamos examiná-las
com a distância de um bom observador: O versículo 28 nos dá
uma boa notícia, dizendo que tudo será perdoado aos filhos dos

41
Arildo Louzano da Silveira

homens. Podemos nos regozijar nisto. O Versículo 29 é uma


advertência contra aqueles homens que caluniavam o Senhor
Jesus, que os alertou para seu próprio bem. Eles podiam atentar
à repreensão e arrependerem-se ali mesmo. Mas, para quem não
se arrepende, não há esperança. No tempo dos reis de Israel,
lemos sobre um exemplo de “pecado sem perdão”: 2Rs 1.2 diz
que “caiu Acazias pelas grades de um quarto alto, em Samaria, e
adoeceu; enviou mensageiros e disse-lhes: Ide e consultai a
Baal-Zebube, deus de Ecrom, se sararei desta doença.” O deus
que o rei Acazias, filho de Acabe, mandou consultar, tinha o
nome de Baal-Zebude, de onde derivou o nome Belzebú, o
maioral dos demônios, também chamado Satanás. Elias
repreendeu o rei por isto, o qual mandou três vezes um
destacamento de cinqüenta homens para prender o profeta. Os
dois primeiros foram fulminados com raios, mas o terceiro tinha
um capitão humilde, que rogou ao profeta que não os matassem.
Elias foi, então, pela misericórdia de Deus, e advertiu
novamente a Acazias, o qual morreu em seu pecado, pois não se
arrependeu. Assim como o capitão e seus homens foram salvos
por terem-se humilhado, nós também podemos ser salvos da Ira
de Deus se nos arrependermos de nossos pecados. Jesus, ao
advertir os seus inimigos, estava lhes dando uma chance de
serem resgatados das garras de Satanás. Até os Fariseus
poderiam ser salvos, como foram Nicodemos, José de Arimatéia
e Saulo de Tarso. Mas para quem resiste à evidente obra do
Espírito Santo, não se arrependendo de seus pecados, não há
esperança.
Portanto, façamos este teste, para que saibamos se
estamos, de fato, fazendo a obra do Senhor. Estamos abalando
as estruturas do reino do inimigo? Estamos invadindo o seu
território e resgatando suas almas cativas? Se nos entregarmos a
Jesus, de modo que ele viva em nós, então ele fará, por nosso
intermédio, a sua obra, e o reino do inimigo será, assim,
confrontado.

42
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

13. Intimidade (Leia Mc 3.31-35)


Queremos nos aproximar de pessoas poderosas. Tiramos
“selfies”, agradamos, elogiamos celebridades. Quem não
gostaria de ter nascido numa família influente e poderosa? Para
quem não nasceu em berço de ouro, mas é solteiro ou viúvo,
ainda há esperança, pois, por afinidade, pode entrar numa boa
família. Quem crê em Jesus, entretanto, não gostaria de ser tão
íntimo dele, como se fosse seu irmão, irmã ou mãe? Não sabe da
importância de estar perto dele, de ser tão intimo que confia que
há de receber seu favor, que há de ser atendido? Ele tem poder
ilimitado para curar, para livrar dos perigos deste mundo, para
resolver tudo o que nos causa ansiedade. Mas para ser assim tão
próximo do Salvador, é preciso atender a alguns requisitos:
Primeiro requisito: Não podemos ficar do lado
de fora (31)

A mãe e os irmãos de Jesus não entraram na casa, mas


mandaram chamá-lo do lado de fora. Figuradamente, eu
comparo esta atitude com a de alguém que professa ser cristão,
mas não frequenta regularmente a Igreja. Fica do lado de fora.
Há pessoas que não vão à Igreja porque se sentem
autossuficientes. Outras, apesar de não irem, vivem pedindo
atenção para seus sofrimentos. É inconcebível pensar num
cristão que, podendo fazê-lo, não frequenta regularmente uma
Igreja. Jesus deixou claro a sua vontade a este respeito quando
disse em Mateus 18.20: “Porque, onde estiverem dois ou três
reunidos em meu nome, ali estou no meio deles”, e o escritor de
Hebreus nos admoesta em 10.25: “Não deixemos de congregar-
nos, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações e
tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima.”

Segundo requisito: Temos que nos assentar ao


seu redor (32-34)

43
Arildo Louzano da Silveira

Assentar-se ao redor de Jesus é mais gratificante e


prazeroso do que assentar-se num bar com amigos, ou em frente
à televisão, ou em frente ao videogame. Podemos nos assentar à
volta de Jesus, não somente quando estamos na Igreja, mas em
casa ou em outro ambiente, lendo a bíblia, meditando e orando.
Jesus valoriza o nosso amor por ele, o desejo de estar sempre ao
seu redor, tanto que, olhando em volta, disse dos que ali estavam
assentados: “Eis minha mãe e meus irmãos”.
Terceiro requisito: Temos que fazer a vontade de
Deus, o Pai (35)

Tudo o que dissemos antes seria inútil, se não fizéssemos


a vontade de Deus. Não basta assistir a uma igreja, nem mesmo
orar e meditar na Palavra. É necessário colocarmos em prática
os seus princípios. Jesus nos garantiu em João 14.23: “Se
alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e
viremos para ele e faremos nele morada.” Não é fácil, às vezes,
determinar qual a vontade de Deus para nossas vidas. Para
tentarmos entender este princípio, separei alguns versículos que
falam do assunto, e os relaciono abaixo:
 Obediência funcional: (Mateus 21.31) “Qual dos dois fez
a vontade do pai? Disseram: O segundo. Declarou-lhes
Jesus: Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos
precedem no reino de Deus”;
 Conhecimento de doutrina: (João 7.17) “Se alguém
quiser fazer a vontade dele, conhecerá a respeito da
doutrina, se ela é de Deus ou se eu falo por mim mesmo”;
 Submissão de nossos desejos: (Romanos 1.10) “em todas
as minhas orações, suplicando que, nalgum tempo, pela
vontade de Deus, se me ofereça boa ocasião de visitar-vos”;
 Trabalho honesto: (Efésios 6.6) “não servindo à vista,
como para agradar a homens, mas como servos de Cristo,
fazendo, de coração, a vontade de Deus”;

44
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

 Santificação: (1 Ts 4.3) “Pois esta é a vontade de Deus: a


vossa santificação, que vos abstenhais da prostituição”;
 Gratidão: (1 Ts 5.18) “Em tudo, dai graças, porque esta é
a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco”;
 Perseverança nos sofrimentos: (1 Pedro 3.17) “porque,
se for da vontade de Deus, é melhor que sofrais por
praticardes o que é bom do que praticando o mal”;
 Visão de eternidade: (1 João 2.17) “Ora, o mundo passa,
bem como a sua concupiscência; aquele, porém, que faz a
vontade de Deus permanece eternamente”;
 Salvação de almas: (Mateus 18.14) “Assim, pois, não é
da vontade de vosso Pai celeste que pereça um só destes
pequeninos”;
 Entrega completa: (Lucas 22.42) “[...] Pai, se queres,
passa de mim este cálice; contudo, não se faça a minha
vontade, e sim a tua”.

14. Frutos (Leia Mc 4.1-20)


Jesus veio e semeou a palavra de Deus, esperando que
ela desse fruto. Mas a semente caiu em solos diversos, e alguns
não produziram o fruto desejado. Atitudes negativas anulam o
efeito da Palavra de Deus e podem impedir que ela produza em
nós os devidos frutos. Neste texto podemos ver que há pelo
menos três atitudes negativas que impedem a Palavra de
frutificar em nossas vidas:
Primeira atitude negativa: Permanecer junto ao
caminho (4,11-15)

Quem está à beira, ou junto ao caminho, é uma pessoa


que tem pressa, como quem anda numa avenida. Tem o coração
endurecido, como o chão batido ou pavimentado de uma
estrada. A semente da Palavra de Deus não tem chance de entrar
neste solo, permanecendo na superfície e facilmente arrebatada

45
Arildo Louzano da Silveira

pelas “aves”, que aqui representam Satanás. São pessoas que


nunca vão se arrepender, porque Deus permitiu o endurecimento
de seu coração, uma vez que não o buscaram nem o
glorificaram. Estes podem representar os que pecaram o “pecado
imperdoável” de não darem crédito ao Espírito Santo que lhes
fala sobre “o pecado, a justiça e o juízo” (Jo 16.8).
Segunda atitude negativa: Tratar a Palavra com
superficialidade (5,6,16,17)

Não aprofundar as raízes é como receber um documento


importante, lê-lo superficialmente e deixá-lo de lado, desviando
a atenção para algo “mais interessante”. Quando estudamos uma
matéria nova na escola, os professores geralmente nos dão um
exercício de fixação, para que o ensino seja bem firmado em
nossas mentes. Precisamos guardar a palavra no coração para
não pecar. (Salmos 119.11) “Guardo no coração as tuas
palavras, para não pecar contra ti.” A Palavra de Deus é como
uma lanterna que precisamos ter sempre à mão, para andarmos
na escuridão do mundo (2 Pedro 1.19) “Temos, assim, tanto
mais confirmada a palavra profética, e fazeis bem em atendê-la,
como a uma candeia que brilha em lugar tenebroso, até que o dia
clareie e a estrela da alva nasça em vosso coração,” Um solo
rochoso, sem profundidade, é como alguém que fica firme
quando está tudo bem, mas quando as coisas ficam difíceis,
deixam de lado o compromisso com Cristo.
Terceira atitude negativa: Permitir que os
espinhos a sufoquem (7,19)

É fácil para nós ficarmos fascinados com um celular


novo, um carro novo, tecnologias novas, com a possibilidade de
adquirir e desfrutar de riquezas. Vivemos em um tempo rico em
entretenimento. Antigamente tínhamos poucos canais de
televisão, que funcionavam a partir das 11 da manhã e
encerravam suas atividades por volta das 22 horas. Hoje,
Podemos ficar 24 horas por dia somente nos entretendo com TV

46
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

e Internet, em academias e bares noturnos, e isto facilmente


apagaria o Espírito em nossas vidas.
Os versículos 8,9 e 20 falam da semente que caiu em boa
terra. Este solo, sim, produz fruto, como deveria.

15. Otimizando Recursos (Leia Mc 4.21-34)


Se recebermos a Palavra de Deus como se recebe uma
semente em um solo fértil, vamos frutificar. O fruto pode ser a
“trinta, a sessenta e a cem por um.” Se quisermos frutificar a
cem, precisamos otimizar nossos recursos. Este texto nos faz
pensar em pelo menos três virtudes que, cultivadas, podem nos
fazer frutificar mais para Cristo.
Primeira virtude: Zelo em Manifestar a Palavra
(21-25)

A candeia, que em outros textos também representa a


Palavra de Deus, não pode ficar escondida. Para um empresário,
como o Sr. Luis Norberto Paschoal “a nossa responsabilidade é
do tamanho do nosso privilégio. O sucesso traz privilégio, e o
privilégio traz responsabilidade”.8 Luís é, reconhecidamente, um
dos maiores articuladores e investidores pela melhoria da
educação no Brasil. Sendo ou não empreendedores segundo este
mundo, nós, que temos ouvido e crido em Cristo, temos um
grande privilégio, mas também uma grande responsabilidade:
fazer brilhar a luz do evangelho onde quer que estivermos.
Seremos “medidos” (examinados) em tempo oportuno, para
provar se cumprimos com zelo esta nossa missão.
Segunda virtude: Confiança no Poder
Regenerador da Palavra (26-32)

8
https://endeavor.org.br/a-nossa-responsabilidade-e-do-tamanho-do-nosso-privilegio/ Acesso
em: 27/05/2015

47
Arildo Louzano da Silveira

Quando um homem lança semente à terra, não precisa


ficar vigiando. Pode dormir e se levantar, ter sua vida normal,
pois a semente germinará e crescerá por si mesma. Quando o
fruto estiver maduro, então haverá a ceifa. O Reino de Deus é
como um pequenino grão que cresceu e formou grandes ramos,
a ponto de até as aves do céu (os filhos do maligno?) poderem
aninhar-se à sua sombra. Robinson Monteiro, cantor, diz que
“para vencer, é preciso acreditar, confiar, confiar, e jamais
desistir. Maior que o querer é lutar e vencer”.9 Em 2001, ele
lançou o CD “Anjo”, que lhe rendeu mais de 100 mil cópias
vendidas na primeira semana. Nós, talvez, nunca vendamos um
CD sequer, mas, se acreditarmos no Poder Regenerador da
Palavra, semearemos com abundância, para colhermos
recompensas celestiais.
Terceira virtude: Habilidade no Ensinar da
Palavra (33,34)

Jesus ensinava com muitas parábolas, conforme a


capacidade dos ouvintes. Depois, explicava em particular aos
seus próprios discípulos. Ele tinha um método eficaz para filtrar
sua mensagem, de modo a alcançar seu “público-alvo”.
Podemos imitar nosso Senhor e nos esmerarmos para podermos
ensinar aquilo que temos aprendido. A professora Dra. Regina
Tancredi (2012), falando sobre o ensino da matemática para
crianças, afirma que “somente alguém com conhecimento,
disponibilidade para o outro e vontade pode conduzir sua
atividade profissional nesse espaço. [...] O professor pode
interferir [...] quando a observação cuidadosa de cada criança e
cada contexto lhe der elementos ou oportunidade” 10 Mesmo
sem a pretensão de sermos professores, podemos ensinar

9
http://www.letras.com.br/#!robinson-monteiro/e-preciso-acreditar Acesso em: 27/05/2015
10
Revista Eletrônica de Educação, v. 6, n. 1, mai, 2012, Ensaios, ISSN 1982-7199. Programa
de Pós-Graduação em Educação. Pag. 297. Disponível em:
http://www.reveduc.ufscar.br/index.php/reveduc/article/view/316. Acesso em: 27/05/2015

48
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

crianças ou adultos a guardarem todas as coisas que Jesus nos


tem ordenado.
Se quisermos dar muitos frutos àquele que nos resgatou
e nos comissionou, precisamos cultivar pelo menos estas três
virtudes, para, com zelo, fé e habilidade, promovermos o Reino
de Deus na terra.

16. A tempestade e a fé (Leia Mc 4.35-41)


Os discípulos achavam que estavam com tudo. Estavam
perto de Jesus, eram íntimos seus, tinham a honra de
providenciar-lhe transporte e acomodações, faziam uma escolta
de barcos para acompanhá-lo. Mas este momento sereno foi
abalado por uma inesperada tempestade, e ainda receberam uma
repreensão do Senhor: Porque sois assim tão tímidos? Como é
que não tendes fé? Suas atitudes eram atos de fé, pois seguiram
Jesus, obedeceram as suas ordens, enfrentaram o mar. Mas sua
fé precisava ser aperfeiçoada.
Quem quiser aperfeiçoar-se na fé, precisa ter alguns
cuidados:
I – Certificar-se de que está nos caminhos do
Senhor (35,36)

Não podemos querer bênçãos sem obediência. Em


Deuteronômio 28 Deus adverte o povo, dizendo que poderiam
receber bênçãos ou sofrer maldições, dependendo de sua
obediência. Os discípulos estavam no caminho certo, bem onde
Jesus ordenou que estivessem, quando lhes sobreveio a
tempestade. Se estivermos nos caminhos que o Senhor nos
ordenou, podemos confiar que, sobrevindo uma tempestade, não
será para o mal, mas para o nosso aperfeiçoamento.
II – Não esperar livramento total das tribulações
(37)

49
Arildo Louzano da Silveira

Enganam-se aqueles que acham que Jesus vai nos livrar


de todos os sofrimentos. Sadraque, Mesaque e Abede-Nego
eram conscientes de que as coisas não são assim, pois
responderam ao Rei que os forçava a adorar suas imagens: “Se o
nosso Deus, a quem servimos, quer livrar-nos, ele nos livrará da
fornalha de fogo ardente e das tuas mãos, ó rei. Se não, fica
sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses, nem
adoraremos a imagem de ouro que levantaste.” (Dn 3.17,18).
Eles não tinham a garantia do livramento, mesmo assim
escolheram obedecer.
III – Não querer ensinar a Deus (38-40)

As palavras dos discípulos, ao acordarem Jesus, parecem


demonstrar certo desapontamento: “Mestre, não te importa que
pereçamos?”. Às vezes nos encontramos em situações
semelhantes, em que nos colocamos no lugar de questionadores
de Deus. Mas, para amadurecermos na fé, precisamos confiar na
sua sabedoria e no seu amor para conosco, mesmo diante de
uma mortal tribulação.

IV – Procurar conhecer o Senhor (41)

Ao final de tudo, vindo a grande bonança, os discípulos


temeram, pois viram que tinham consigo, no barco, aquele que
podia controlar até o mar e o vento.
Oséias, o profeta, deve ter estranhado muito as ordens
recebidas do Senhor. Sua vida não foi fácil, mas obedeceu. No
capítulo 6, v.3, de seu livro, ele exorta: “Conheçamos e
prossigamos em conhecer ao SENHOR; como a alva, a sua
vinda é certa; e ele descerá sobre nós como a chuva, como chuva
serôdia que rega a terra.” Para conhecermos melhor a Jesus,
precisamos ler com perseverança a sua palavra, e andarmos em
seus passos. Quem é este que até o vento e o mar lhe obedecem?
O próprio contexto nos responde, segundo estudo do Rev.

50
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Hernandes Dias Lopes, do qual compartilho aqui uma pequena


parte:
Em primeiro lugar, Jesus é o mestre supremo [...] (34,38).
Jesus ensinou através das parábolas do Reino e também
através da tempestade. Seus métodos são variados, seu
ensino eficaz. Ele é o grande Mestre que nos ensina pela
Escritura e também pelas circunstâncias da vida. [...];
Em segundo lugar, Jesus é perfeitamente homem (4.38). O
sono de Jesus mostra-nos sua perfeitamente humanidade. O
verbo se fez carne. Deus se fez homem. O infinito entrou no
tempo. Aquele que nem o céu dos céus podem conter, foi
enfaixado em panos e deitado numa manjedoura. Aquele é
criador e dono do universo se fez pobre e não tinha onde
reclinar a cabeça. Esse é um grande mistério. [...];
Em terceiro lugar, Jesus é perfeitamente Deus (4.39). Ele é o
criador, sustentador e o interventor na natureza. O vento
ouve a sua voz. O mar se acalma quando ele fala. [...] O
mesmo Jesus que dormiu exausto depois de um dia de
ensino, levanta-se e repreende o vento e o mar;
Em quarto lugar, Jesus é o benfeitor desconhecido (4.36).
Algumas pessoas que enfrentavam a mesma tempestade
naquele mar, seguindo a caravana em outros barcos, foram
beneficiadas sem saber que a bonança fora intervenção de
Jesus. Há muitas pessoas que recebem milagres e
livramentos, mas não sabem que esses prodígios vieram das
mãos de Jesus;
Em quinto lugar, Jesus é aquele que tem toda autoridade [...]
(4.39,41). [...] 1) Vitória sobre os perigos – Mc 4.35-41; 2)
Vitória sobre os demônios – Mc 5.1-20; 3) Vitória sobre a
enfermidade – Mc 5.21-34; 4) Vitória sobre a morte – Mc
5.35-43. [...];

51
Arildo Louzano da Silveira

[...] Mateus diz que os discípulos se maravilharam. Marcos


diz que eles temeram grandemente. Antes eles tinham medo
da natureza. Agora eles temem o criador da natureza. Antes
eles estavam amedrontados pelo vento, agora estão cheios de
temor pelo Senhor do vento. Agora eles estão cheios de
temor e admiração diante do poder de Jesus.11

17. Abalando o Sistema (Leia Mc 5.1-20)


A região de Decápólis, da qual fazia parte Gerasa,
parecia ser uma terra próspera. Em Gerasa, havia criadores de
porcos, atividade econômica que não era bem vista pelos judeus,
mas que, certamente, gerava muito lucro em negociações com os
gregos. Ao chegar ali, Jesus foi recepcionado por um homem
endemoninhado, o qual foi curado. Mas, o que deveria ter sido
recebido como bênção, não foi apreciado desta forma pelos
habitantes, que se apressaram em expulsar o Benfeitor de suas
propriedades. Fizeram a sua escolha, criar porcos e viverem
como gregos estava dando certo, segundo seus conceitos, por
isso não queriam que ninguém perturbasse o seu modo de viver.
Se quisermos, porém, seguir Jesus, temos que deixar que ele
perturbe o nosso modo de viver. Este texto nos apresenta quatro
razões pelas quais o nosso modo de viver será perturbado, ao
decidirmos seguir Jesus:
Primeira razão: Precisamos ser limpos do mal
(1-5)

O homem que Jesus curou tinha uma força


impressionante. Era forte como Sansão, mas sua força vinha de
espíritos imundos. Nesta cura, em contraste com outras, não há
um apelo de alguém para que o homem fosse curado. Talvez
algum dos discípulos tenha falado a Jesus sobre o caso, pois

11
Surpreendidos pelas tempestades da vida – Disponível em:
http://hernandesdiaslopes.com.br/2005/11/surpreendidos-pelas-tempestades-da-
vida/#.VWs83otFDIU Acesso em: 31/05/2015

52
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Mateus 4.25 diz que “da Galiléia, Decápolis , Jerusalém, Judéia


e dalém do Jordão numerosas multidões o seguiam.” Às vezes,
as pessoas cultivam em suas vidas defeitos de estimação. Já ouvi
esposas dizendo que gostavam mais dos seus maridos antes de
eles aceitarem a Cristo, porque agora não bebem mais, não
querem mais ir às baladas, e a vida assim se tornou muito chata.
A figura ameaçadora daquele homem talvez fosse conveniente
aos produtores de porcos, porque afastava os intrusos. Talvez o
próprio homem amasse sua condição, pois tinha força incomum,
como a de Sansão, o que certamente perdeu depois da cura. É
comum em nossos dias as pessoas não quererem ser curadas de
sua depressão, talvez a depressão lhe seja uma espécie de
autodefesa. Mas, para seguir Jesus, precisamos permitir que ele
sonde até o nosso íntimo, como diz em Sl 139.23,24.
Segunda razão: Evitar que o mal sinta-se
confortável em nosso meio (6-12)

Os demônios estavam bem estabelecidos naquela região,


não havia quem os perturbasse, até que chegou o Senhor.
Pediram, então, que pudessem continuar naquele país, o que, de
maneira admirável, lhes foi permitido. Já ouvi falar que porcos
não são necessariamente sujos, e que quando nós os mantemos
limpos, eles vivem melhor. Mas eu acho que não é à toa a sua
fama. As ovelhas, por exemplo, podem viver no mesmo
ambiente, mas não vão revolver-se na sujeira. Do mesmo modo,
os demônios não gostam de um ambiente santificado. Para eles,
quanto mais contaminado, melhor. Preferem estar num bar do
que numa Igreja. Preferem músicas mundanas, do que músicas
cristãs. Um dia, dois pastores foram a uma casa para orar, e um
deles notou que havia uma imagem de escultura em lugar de
destaque, sobre o portal interno da sala. A mulher recusou-se a
retirar a imagem, e por isso não fizeram a oração, a qual não
teria valor diante da sua negativa em afastar a idolatria.
Terceira razão: Precisamos valorizar mais o
ensino de Jesus do que o nosso modo de resolver as
coisas. (13-15)

53
Arildo Louzano da Silveira

Se Jesus quisesse agradar os gerasenos, não deveria ter


permitido os demônios irem para os porcos, pois a manada
precipitou-se despenhadeiro abaixo, e se afogaram. Por isso, em
vez de se alegrarem por verem o homem assentado, vestido, e
em perfeito juízo, rogaram que se retirasse da terra deles. Na
fase de regularização do CNPJ e alvará de nossa Igreja,
precisamos passar de casa em casa, nas redondezas, para colher
assinaturas dos proprietários, autorizando o funcionamento do
templo neste endereço. Um dos que assinaram foi um senhor
muito distinto, professor de música, que, não obstante permitir a
implantação desta Igreja, levantou a seguinte questão: “porque
vocês querem abrir uma Igreja aqui, neste bairro? Este bairro é
de gente pensante, não vão interessar-se pelas coisas que vocês
tentam ensinar”. Este posicionamento lembra Ap 3.17, quando
Jesus repreende o anjo de Laodicéia, que dizia: “estou rico e
abastado, e não preciso de coisa alguma”. Algumas pessoas
estão contentes com sua vida, e não querem deixar a estabilidade
emocional e financeira para se aventurarem numa vida cheia de
incertezas, seguindo os caminhos de Jesus. Decápolis parecia ser
bem próspera e organizada, mas corriam o risco de, um dia, ver
tudo ao seu redor desabar, como aconteceu com Sodoma e
Gomorra, Babilônia, ou como as magníficas torres do World
Trade Center.
Quarta razão: Temos responsabilidades que se
sobrepõe aos nossos desejos

O que fora endemoninhado suplicou a Jesus que o


deixasse ir junto com ele. Às vezes, nós queremos ir, mas o
Senhor nos diz que temos que ficar. Às vezes queremos ficar,
mas o Senhor nos diz que temos que ir. Aquele ambiente era
hostil ao recém-curado. Ele queria ares novos, estar sempre ao
lado do Senhor e dos seus discípulos, mas Jesus deu ao homem
uma dura missão: pregar em sua própria casa, em sua própria
região. Paulo aprendeu cedo, em seu ministério, que precisava
submeter suas decisões à vontade do Senhor. Em At 16.6,7,
lemos que, passando pela Frígia e pela província da Galácia, foi
impedido pelo Espírito Santo de anunciar a palavra na Ásia. E,

54
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

quando chegou a Mísia, intentou ir para Bitínia, mas o Espírito


não lho permitiu. Uma das imagens marcantes de minha vida é
um folheto que ilustra Davi e Batseba com o título: “ele deveria
ter ido, mas não foi...”. Refere-se ao fato de que Davi resolveu
ficar em casa num tempo em que os reis costumavam ir à guerra,
e foi justamente neste período que ele caiu em pecado, o que
praticamente destruiu sua vida e tirou toda a sua paz. O apelo
era para que nós não deixássemos de ir às missões, caso
fôssemos chamados. Eu tinha grande desejo de ir, mas não fui
chamado. Se eu insistisse em ir, no meu caso, a frase poderia ter
sido: “ele deveria ter ficado, mas foi”.
Jesus sabe o que é melhor para nós. Não foi à toa que ele
morreu na cruz para nos salvar. Precisamos confiar em sua
sabedoria, e não nos estribarmos em nosso próprio
entendimento. Deixemos, pois, que ele nos limpe de todo o mal,
transforme o nosso ambiente em um lugar santo, deixando de
lado, se preciso, o nosso antigo estilo de vida, assumindo a
responsabilidade de obedecer. Podemos encarar isto como uma
perturbação de nosso sistema, mas é apenas a reprogramação
que Deus opera em nossas vidas.

18. Não temas, crê somente (Leia Mc 5.21-43)


A fama, que Jesus não queria, chegou. Grande multidão
o esperava na praia. Estava comprimido no meio do povo, todos
queriam chegar perto. Dois personagens se destacaram no meio
deles: Jairo, o chefe de Sinagoga, cuja filhinha estava à beira da
morte, e uma mulher doente. O texto de Marcos continua
abordando o tema da fé. Se estivéssemos na multidão agora,
seguindo Jesus, qual seria o nosso pedido? Que tipo de fé nós
iríamos demonstrar? Neste texto podemos notar que as pessoas
dentre a multidão demonstraram pelo menos três tipos
inadequados de fé:
Primeiro tipo: a fé instrutiva (21-24)

55
Arildo Louzano da Silveira

Jairo veio a Jesus com um propósito em mente,


determinado a pedir-lhe a cura de sua filha, e até instruindo o
mestre a respeito da maneira como ele deveria fazer para curá-
la: “vem, impõe as mãos sobre ela, para que seja salva, e
viverá.” O tipo de fé demonstrado por ele assemelha-se ao
descrito em 2 Rs 5.9-12, quando Naamã, com os seus cavalos e
os seus carros parou à porta da casa de Eliseu. Em vez de ir
pessoalmente, Eliseu lhe mandou um mensageiro, dizendo:
“Vai, lava-te sete vezes no Jordão, e a tua carne será restaurada,
e ficarás limpo”. Naamã, porém, indignou-se: “Pensava eu que
ele sairia a ter comigo, pôr-se-ia de pé, invocaria o nome do
SENHOR, seu Deus, moveria a mão sobre o lugar da lepra e
restauraria o leproso.” O general ia embora sem receber a cura,
não fosse um de seus servos insistir que obedecesse ao profeta.
Nós precisamos cuidar para não cairmos no mesmo erro, quando
fazemos pedidos a Deus. Ele sabe o tempo e o modo adequado
para nos dar a resposta.
Segundo tipo: a fé extrativista (25-34)

Existe uma atividade econômica que chamamos de


extrativista. Consiste em extrair da natureza o que ela tem
produzido naturalmente, sem que nós precisemos cultivar. A
mulher doente parecia ter uma fé assim. Seu plano era
aproximar-se, tocar nas vestes de Jesus, e ir embora curada. Ela
recebeu a cura, mas Jesus exigiu que assumisse a
responsabilidade de dar testemunho diante de todo o povo, e
enfatizou: “a tua fé te salvou”.
O povo evangélico tem crescido no Brasil. Na “Marcha
para Jesus” de 2015, milhões de pessoas, segundo os
organizadores do evento, saíram às ruas. Mas não fico muito
empolgado com isto, conhecendo a triste realidade da fé
existente numa grande multidão: uma fé extrativista, que espera
“pão do céu” (Jo 6.60-69), que espera o esplendor do reino de
Deus aqui e agora. Quando lidou com uma multidão semelhante,
Jesus disse palavras duras, que, de certa forma, “filtrou” a
sinceridade dos seus ouvintes, de forma que somente os que

56
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

criam que ele tem ”as palavras da vida eterna”, continuaram a


segui-lo, e os demais o deixaram.
Porque Jesus não deixou ir aquela mulher? Já não estava
curada? Já não tinha conseguido o que foi buscar? Sim, estava
“curada do seu flagelo”, mas ainda tinha uma vida para viver, e
precisava obter mais do Senhor. Mais sabedoria, mais
perseverança, mais livramentos. Afinal, ela gastou tudo o que
possuía com os médicos, antes de ter ido procurar Jesus.
Terceiro tipo: a fé limitadora (35-43)

Quando alguém acha que o poder de Deus é limitado,


está demonstrando este tipo de fé. Assim eram aqueles homens,
vindo da casa de Jairo, que lhe trouxeram a notícia, como se
estivessem dizendo: “Não adianta mais, não há mais esperança,
pois a morte chegou”. Do mesmo modo, os pranteadores, ao
ouvirem de Jesus que a menina não estava morta, apenas
dormindo, pararam de chorar e começaram a rir. O riso, porém,
não era de alegria, e sim de incredulidade. A morte, contudo,
não é o fim dos poderes de Deus. Isto tem sido um consolo para
os que têm enfrentado doenças graves, ou que têm familiares
nesta situação. Jesus disse, em Jo 11.25: “Quem crê em mim,
ainda que morra, viverá”. A morte não é o fim de nossa
esperança. Temos orado por pais, cujos filhinhos estão muito
doentes, internados num hospital, e sabemos que Deus pode dar
a cura. Temos orado também por pessoas cujos familiares
morreram, e pedimos para que o Senhor lhes dê consolo. A
morte é uma realidade que cedo ou tarde teremos que enfrentar,
por isto é importante que a nossa fé ultrapasse os limites da
morte, pois, “se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a
esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens” (1Co
15.19).
Seja a nossa fé simples, não interesseira, nem limitada,
pois, para o nosso Deus, não há limites. Talvez Jesus esteja
olhando para nossa vida neste momento, vendo o desespero em
que nos encontramos, ou os esquemas que andamos armando,

57
Arildo Louzano da Silveira

para que tenhamos solucionados os nossos problemas. Ele nos


olha nos olhos e diz: “Não temas, crê somente”.

19. Impacto profundo (Leia Mc 6.1-6)


Jesus foi para a sua terra, para o lugar onde tinha
crescido. Era bem conhecido ali. Durante quase trinta anos,
andara por aquelas ruas, freqüentara os mercados, assistira aos
cultos na sinagoga. Mas, agora, ele vinha de uma maneira
diferente. Tinha se tornado uma celebridade. Por toda parte se
divulgava a sua fama, e era seguido por uma multidão de
discípulos. A notícia de sua chegada deve ter alvoroçado a
cidade, e correram para a sinagoga para ouvir a sua mensagem.
Quando alguém ouve falar de Jesus, e fica conhecendo a sua
história e os seus ensinamentos, fica inevitavelmente
impressionado. Este texto nos fala dos impactos causados na
vida de quem ouve a mensagem de Jesus.
ADMIRAÇÃO (1,2)

O primeiro impacto que Jesus causou sobre os ouvintes


na sinagoga foi de admiração. Suas palavras eram fortes, sábias,
contundentes. Às vezes, recebemos a mensagem de Jesus desta
forma. Conhecemos quem é Jesus, o que pode fazer, os seus
ensinamentos. O impacto neste nível é bem superficial. Estamos
vendo as coisas periféricas. Jesus tem palavras bonitas, responde
nossas orações, nos livra das aflições, nos dá paz no coração,
forças para enfrentar as dificuldades desta vida, prosperidade
financeira. Este impacto já foi recebido pela maioria das pessoas
que conhecemos. Em nosso país, a maior parte da população se
declara cristã. Podemos dizer que o Brasil é um país
evangelizado. A missão dos portugueses foi cumprida a
contento. Nos nossos círculos de relacionamento, há pessoas
falando de Cristo e do amor de Deus o tempo todo. Falam de
esperança, da importância de andar corretamente diante de
Deus, para ser bem sucedido na vida. Em programas de grande
audiência na televisão, muitas vezes, aparecem crentes cantando

58
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

músicas evangelizadoras. Mas o impacto que causa nas pessoas


geralmente não passa da admiração, de acharem bonito.
APLICAÇÃO (3,4)

O segundo impacto causado por Jesus nas pessoas que o


ouviam, foi o da aplicação. Se eles reconheciam que Jesus tinha
sabedoria incomum, e que operava sinais que somente Deus
poderia fazer, então teriam de aceita-lo como seu mestre, um
guia que ia ensinar-lhes, em pormenores, como aplicar o
ensinamento recebido, analisar seu modo de viver e apontar os
erros e acertos, propor ajustes. É neste ponto que as pessoas
começam a sair de sua área de conforto, e ficam nervosas, e
começam a se defender. Provavelmente é por isso que
lembraram a Jesus que ele era o carpinteiro, filho de Maria,
irmão de Tiago, José e Judas, e que suas irmãs ainda viviam no
meio deles. Jesus não podia ser o seu mestre, não era digno. É
como se dissessem: que faculdade você cursou? Que títulos nos
apresenta, para querer colocar-se como nosso mestre? Muitas
vezes ouvimos verdades, as quais acabamos reconhecendo, mas
não queremos que se intrometam em nossa vida, que nos digam
o que fazer. Diminuir a dignidade de quem nos admoesta é uma
maneira de escaparmos deste controle. Uma vez ouvi a história
de um bêbado falando para o outro: “Você precisa parar de
beber, se não vai acabar morrendo de cirrose. Além disto, está
acabando com sua vida e com a vida das pessoas que te amam”.
O outro respondeu algo como: “Olha só quem está falando! Vê
se te enxerga!”. Mas o fato é que o primeiro bêbado falou a
verdade. O outro devia ouvir e se arrepender, independente de
quem o estava admoestando.
DECISÃO (5,6)

A atitude de Jesus, ao manter-se firme em sua pregação,


provocou neles o impacto mais profundo. Colocou os Nazarenos
numa situação em que se exigia uma decisão. Não podiam mais
ficar em cima do muro. O momento era crítico. Porém, a
maioria deles decidiu não crer. Preferiram continuar na

59
Arildo Louzano da Silveira

mediocridade, vivendo a vida apenas superficialmente. Por isso


não houve ali nenhum milagre, senão alguns poucos enfermos,
que foram curados. Sem fé, não é possível agradar a Deus, e
sem satisfazer a Deus, não há salvação. Jesus precisou satisfazer
o Pai, até ao ponto de sacrificar-se por amor dos pecadores. Nós
precisamos satisfazê-lo com uma fé que entrega o nosso corpo
como um sacrifício vivo, santo e agradável. Nada menos do que
isso. A decisão está diante de nós hoje, como nos alerta 2 Co 6.2
“[...] Eu te ouvi no tempo da oportunidade e te socorri no dia da
salvação; eis, agora, o tempo sobremodo oportuno, eis, agora, o
dia da salvação”. Quando alguém decide aceitar a Jesus como
seu Senhor e Salvador, recebe a promessa da vida eterna. Mas
esta, geralmente, não é a última decisão que a pessoa faz. Em
todo tempo ela tem que tomar decisões. Tem que decidir se vai
dormir até mais tarde ou ir à escola dominical. Se vai ao culto de
oração ou vai assistir ao futebol. Se vai começar o dia com
oração e leitura da Bíblia, ou passar logo para as demais
atividades.
Qual impacto a mensagem de Jesus tem causado em
nossas vidas? Admiração, aplicação, decisão? Que o impacto
seja suficientemente profundo, a ponto de transformar nossas
vidas conforme o seu querer, para a glória de Deus.

20. Quem quer ser um missionário? (Leia Mc 6.7-13)


Os apóstolos foram encarregados pelo Senhor de pregar
o evangelho. Foram instruídos a não levar, para a missão, nada
que fosse desnecessário, porque um apóstolo, um missionário,
não deve carregar nada que o atrapalhe no caminho. Este
parágrafo é bem conhecido por enfatizar estas coisas, mas
também nos chama a atenção pelo fato de mostrar que, tão
importante quanto não levar nada supérfluo, é não se esquecer
de alguns acessórios indispensáveis.
Primeiro acessório indispensável: Autoridade (7)

60
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Não podemos pregar o evangelho se não tivermos


autoridade. Aqui, os apóstolos recebem autoridade diretamente
de Jesus, para expulsar os espíritos imundos. Quando alguém
domina um assunto, costumamos dizer que tal pessoa é
“autoridade” no assunto. Se conhecermos bem a Bíblia,
poderemos nos tornar autoridades. Os espíritos imundos sabem
que devem respeitar a presença de Deus. Aonde Jesus chegava,
eles tinham que sair. Em Atos 19.12 vemos que o apostolo
Paulo tinha muita autoridade, “a ponto de levarem aos enfermos
lenços e aventais do seu uso pessoal, diante dos quais as
enfermidades fugiam das suas vítimas, e os espíritos malignos se
retiravam”. Tiago 4.7 nos revela que também podemos ter
autoridade sobre os espíritos imundos, ao afirmar: “Sujeitai-vos,
portanto, a Deus; mas resisti ao diabo, e ele fugirá de vós.”
Segundo acessório indispensável: Apoio (8-10)

Os apóstolos não deviam levar nada supérfluo, para não


atrapalhar a agilidade das viagens, mas precisavam contar com a
hospitalidade das pessoas que estavam estabelecidas nas cidades
por onde passavam. Até o óleo para ungir os doentes, citado no
v. 13, que não era um produto barato, precisava ser fornecido
pelos que tinham posses. Podemos não ser missionários, mas
temos a obrigação de apoiar as missões. Precisamos nos
informar sobre os trabalhos missionários e apoiar
financeiramente os que identificarmos como sérios e proveitosos
para o progresso do reino de Deus neste mundo.
Terceiro acessório indispensável: Determinação
(11,12)

Os doze tinham uma mensagem simples, clara e direta:


As pessoas precisavam se arrepender de seus pecados. Não
havia espaço para negociações. Quem quisesse ouvir, bem.
Quem não quisesse ouvir, tinha que ficar ciente de que o
portador da mensagem estava livre do seu sangue, pois cumpriu
o dever de dar o aviso. Para ganhar pessoas para Cristo,
precisamos atraí-las com palavras sensatas, como diz em Cl

61
Arildo Louzano da Silveira

4.5,6: “Portai-vos com sabedoria para com os que são de fora;


aproveitai as oportunidades. A vossa palavra seja sempre
agradável, temperada com sal, para saberdes como deveis
responder a cada um.” Mas ser cortês e falar com palavras
brandas não significa ceder quanto ao nosso objetivo: convencer
as pessoas de que precisam se arrepender de seus pecados,
receber Jesus e andar nos seus caminhos.
Quarto acessório indispensável: Compaixão (13)

Os discípulos tinham recebido poder para curar. Deviam


ser liberais em utilizar os dons que receberam, e levar refrigério
para o povo que era tão sofrido. Em Mateus 10.8 Jesus ordena:
“Curai enfermos, ressuscitai mortos, purificai leprosos, expeli
demônios; de graça recebestes, de graça dai”. Pedro, ao curar o
coxo de nascença, que vivia à porta do templo pedindo esmola,
disse: “Não possuo nem prata nem ouro, mas o que tenho, isso
te dou: em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, anda!”. Muitos de
nós, certamente, teríamos que dizer o contrário do que disse
Pedro: “Não possuo dom de curar, mas tenho recursos materiais
que posso usar para te ajudar”.
Quem quer ser um missionário? De certo modo, todos
nós somos missionários, pois é nossa obrigação ensinar todos a
guardarem todas as coisas que Jesus nos tem ordenado
(Mt.28.20). Não devemos nos esquecer, portanto, destes
acessórios indispensáveis.

21. As virtudes e a salvação (Leia Mc 6.14-29)


Herodes Antipas era um homem glorioso. Mesmo que,
como rei, tenha cometido muitas crueldades, era querido por
algumas pessoas de seu convívio. Um habilidoso político e
administrador, interessava-se também pela religião. Sabia que as
pessoas ressuscitam, sendo bem instruído a respeito das coisas
espirituais. Tinha senso de justiça, e sabia que João Batista
estava certo em repreendê-lo. Mandou prender João, mas não
queria se exceder a ponto de matá-lo. Cultivava uma boa relação

62
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

com a sociedade, era generoso, honrava a sua palavra. Há muitas


virtudes que podemos cultivar nesta vida, e há muitas pessoas
virtuosas por aí. As virtudes humanas, porém, não são
suficientes para atingir o altíssimo padrão exigido pelo Deus
Eterno. Este texto nos mostra três virtudes de Herodes, que
certamente não o livrariam da condenação do inferno.
Primeira Virtude: Uma boa noção das coisas
espirituais (14-16)

Ao ouvir comentários sobre o que Jesus andava fazendo,


Herodes emitiu sua opinião: era João que ressuscitara dentre os
mortos. Estava errado, claro, mas o fato revela que o rei
acreditava na ressurreição. Há pessoas que são assim. Têm um
bom conhecimento de coisas espirituais, mas não se aprofundam
no seu estudo. Acabam achando que a Bíblia diz coisas como:
“Deus ajuda quem cedo madruga”, ou “mil chegará mas de dois
não passará”. Outro dia eu falei, numa pregação, que Paulo foi a
Damasco montado em seu cavalo, e alguém me advertiu
prontamente: "A Bíblia não diz que ele estava montado num
cavalo, você deve ter visto isto num filme". Eu pensei: "não é
possível!" Mas fui conferir e vi que a pessoa estava com a razão.
Pode ser apenas um detalhe, mas cada detalhe é importante na
Palavra de Deus. Quanto mais conhecermos a Bíblia, mais
chance teremos de alcançar a salvação. Porém, o bom
conhecimento, somente, não é suficiente para atingirmos o
padrão de Deus.
Segunda Virtude: Uma boa mente para ouvir a
palavra de Deus (17-20)

Herodes prendeu João, mas tinha medo de matá-lo. Sabia


que o profeta estava certo, e o ouvia de “boa mente”. Os
discursos do profeta lhe davam prazer, mas não provocavam
nele um efeito de verdadeiro arrependimento. Há muitas pessoas
que ouvem com boa mente qualquer mensagem que lhes agrade,
sem entrar no mérito de ela ser correta ou não, de ser sincera ou
não. Os Coríntios tinham este problema, e Paulo lhes disse em 2

63
Arildo Louzano da Silveira

Coríntios 11.19: “Porque, sendo vós sensatos, de boa mente


tolerais os insensatos.” É comum ouvirmos dizer que "todo
caminho leva a Deus", que qualquer lugar onde se fala de Deus,
é um bom lugar. Estas idéias porém, são distorções da verdade.
Ter uma boa mente para ouvir a palavra de Deus é
imprescindível para alcançarmos a salvação, mas isto, de
maneira isolada, não é suficiente.
Terceira Virtude: Uma boa educação (21-29)

Herodes era bem relacionado, um bom anfitrião, dava


grandes festas, foi generoso para com a jovem dançarina, e
honrava sua palavra, mesmo que a palavra tenha sido dita num
momento de precipitação. Sempre exaltamos pessoas assim. Nós
costumamos nos surpreender quando uma criança se mostra bem
comportada, ou quando somos tratados com muita atenção por
um médico, no consultório. Para vergonha de muitos crentes,
pessoas não crentes têm demonstrado, muitas vezes, maior
cortesia, melhor caráter, mais compaixão do que aqueles que se
dizem imitadores de Jesus. Uma boa educação é desejável em
todos os relacionamentos, mas também isto, por si só, não é
suficiente para aplacar a ira de Deus sobre nós, pecadores.
Pobre rei Herodes! Devia ter atendido à mensagem de
João Batista. Devia ter se arrependido de seus pecados, antes
que fosse tarde demais. Pouco lhe valeram as suas virtudes,
pois, cerca de dez anos depois destes acontecimentos, Herodes
estava morto. Foi-se toda a sua glória terrena, e provavelmente
ainda estava carente da glória de Deus, não podendo chegar à
sua presença por toda a eternidade. Nós podemos dizer que
somos melhores do que Herodes, que não cometemos os crimes
que ele cometeu, mas, ainda assim, nossas qualificações estão
abaixo do que é necessário para a salvação. Rm 3.23 diz: “todos
pecaram e carecem da glória de Deus.” Romanos 11:32 diz:
“Porque Deus a todos encerrou na desobediência, a fim de usar
de misericórdia para com todos.”
O único caminho é Jesus, para chegarmos ao Pai, para
remediarmos nossa carência da glória de Deus, para deixarmos a

64
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

condição de destituídos da glória de Deus. Jesus é o caminho, e


a verdade, e a vida (Jo 14.6). Devemos, pois, aceitar a salvação
que ele nos oferece, confessando Jesus como nosso Senhor,
andando em obediência aos seus mandamentos.

22. Aprendendo com as carências (Leia Mc 6.30-44)


Um grande debate está acontecendo em nosso país, por
causa da possibilidade de redução da maioridade penal. Os que
são a favor, entendem que o menor infrator não pode mais ser
tratado como uma criança, pois cometeu um crime de adulto. Os
que são contra, geralmente entendem que os culpados não são os
menores, e sim a sociedade, que não lhes dá oportunidades e
ensino adequados; acham que muitos menores, que hoje estão
no crime, poderiam ter outro destino, se tivessem melhores
oportunidades, se não fossem tão carentes. Mas eu penso que a
maioria, das duas correntes de pensamento, concorda que não é
justificável, qualquer pessoa, menor ou maior de idade, praticar
um crime, alegando que faz isto só porque é carente. A maioria
dos que são carentes não comete crimes, mas busca alternativas
para suprir sua carência, trabalhando duro, estudando. Muitos
acabam, tristemente, morrendo em sua miséria, sem, contudo,
nunca pensarem em cometer crimes. Todos nós temos carências,
uns têm mais do que outros, e há muitos tipos de carência, até
mesmo entre os que são chamados de ricos e abastados. Por
algum motivo Deus determinou que a humanidade fosse assim
e, em sua compaixão, ele usa as nossas carências como
instrumento de aprendizado. Neste texto podemos identificar
três carências, que Jesus transformou em oportunidade de
aprendizado:
A carência de descanso (30-32)

Nada melhor do que um descanso merecido! Depois de


cumprirem sua missão, os apóstolos voltaram à presença de
Jesus e apresentaram o seu relatório. Jesus planejou, então, uma
pausa para descanso, junto com os apóstolos, num lugar deserto;

65
Arildo Louzano da Silveira

onde eles pudessem, pelo menos, comer suas refeições,


sossegados, separados da multidão. Foram num barco, assim,
para um lugar solitário. Os discípulos achavam que iam
descansar, mas o único tempo de descanso, que tiveram, foi o
tempo que demoraram para atravessar o lago, dentro do barco,
com Jesus.
Muitos de nós temos trabalhado demais, porque
precisamos suprir as necessidades de nossa família, porque
precisamos pagar as contas, porque temos um projeto de vida e
nos esforçamos para alcançá-lo. Quando temos a oportunidade
de descansar, queremos aproveitá-la ao máximo. Às vezes, é só
um dia na semana, às vezes, nem toda semana podemos contar
com um dia de descanso. Nós, os que somos crentes fiéis, que
fazemos questão de vir à Igreja regularmente, somos vistos, por
muitos, como loucos. No único dia que temos para dormir até
tarde, para ir passear, para curtir um almoço em família, nós
acordamos cedo, faça chuva ou faça sol, para virmos à igreja; se
temos filhos, acordamos mais cedo ainda, para alimentá-los,
arrumá-los, para não chegarmos atrasados. Quem tem veículo
próprio, tem maior flexibilidade, mas quem depende de ônibus,
tem que se arrumar num ritmo frenético, porque o motorista não
espera. Quem nos vê chegar fielmente, todos os domingos e, às
vezes também às quartas e aos sábados, talvez nem imagine a
batalha que travamos contra nosso desejo de ficar mais um
pouco na cama, de terminar de assistir a partida de futebol, de
terminar a refeição com calma. Esta nossa carência de descanso,
porém, tem nos ensinado, pelo menos, a sermos fiéis, a
exercitarmos a nossa fé.

A carência de direção (33-34)

Jesus teve compaixão da multidão, pois eram como


ovelhas que não têm pastor. É quase certo que eles não
buscavam a Jesus apenas para aprender, mas o Mestre sabia que
eles não podiam ficar sem instrução.

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Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

É nosso costume compartilhar pedidos de oração.


Pessoas estão sofrendo muito por causa de doenças, de mortes,
de tragédias. Nossa oração é sempre para que Deus os livre das
angústias, mas que também dê consolo e sabedoria às pessoas
que sofrem, porque acreditamos que tudo tem um propósito.
Quando não somos visivelmente atendidos em nossa oração,
ficamos tristes, mas não deixamos de orar. Se oramos por uma
pessoa que estava doente e esta pessoa morreu, continuamos
orando por seus familiares, para que eles busquem, no Senhor, o
alívio de sua dor, e que tenham esperança e fé, para não ficarem
desorientados e se perderem nos caminhos deste mundo.
Muitas vezes, quando alguém está sofrendo, queremos
falar-lhes um versículo da Bíblia que as possa consolar, e
ficamos procurando um trecho que se encaixe naquela situação.
Mas pouco adianta, nesta hora, um versículo bíblico, se a pessoa
que está sofrendo não se preparou de antemão, lendo,
meditando, fazendo da Bíblia uma rocha em que construiu os
alicerces de sua vida. Por isso, a carência de direção, que nos faz
ficar em dúvida sobre que trabalho aceitar, que faculdade cursar,
com quem namorar e casar, é uma oportunidade de aprendizado,
que Deus, em sua compaixão, quer aproveitar em nossas vidas.
A carência de alimento (35-44)

O fato de terem apenas cinco pães e dois peixes pode


significar que os discípulos estavam muito desligados, que nem
sabiam de sua própria situação, de sua necessidade de socorro,
porque não tinham alimento suficiente, nem para si mesmos.
Pode significar, também, que eles, na verdade, tinham mais e
esconderam para não compartilhar. Neste caso, precisavam
aprender a não serem egoístas.
Jesus organizou a todos em grupos, assentados sobre a
relva, de cem em cem e de cinqüenta em cinqüenta, tomou os
cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao céu, os
abençoou; depois, partiu os pães e deu-os aos discípulos para
que os distribuíssem; assim também fez com os dois peixes.
Todos comeram, se fartaram, e ainda recolheram doze cestos

67
Arildo Louzano da Silveira

cheios de pedaços de pão e de peixe. Foram cinco mil, somente


de homens (fora as mulheres e as crianças). Ao suprir a
necessidade de pão para a multidão, Jesus ensinou-lhes a
compartilhar, a serem organizados, ordeiros, a darem graças e a
não desperdiçarem o que sobrava.
O Senhor, na sua compaixão, nos proporciona momentos
de instrução específica, através de nossas necessidades mais
básicas. Ao passarmos por várias tribulações, como doenças,
dificuldades financeiras, todos os tipos de tormentos, físicos ou
psicológicos, temos oportunidades didáticas que Deus, em sua
compaixão, usa para nos tornar melhores servos seus.
Portanto, ao meditarmos sobre as nossas carências,
devemos dar graças a Deus, quando podemos descansar todos os
dias, em nossa casa, dormindo com segurança e paz;
aproveitemos bem os momentos de lazer com a família.
Agradeçamos também pela instituição do domingo que, para a
maioria, é um dia de fazermos uma pausa, para podermos ir à
"casa de Deus" adorar, aprender e ensinar, ter um tempo de
descontração com outros irmãos que também amam ao Senhor.
Devemos dar graças a Deus por termos a Bíblia em
nossa própria língua. Isto é um sinal da compaixão de Deus para
conosco. Devemos, pois, ler a Bíblia diariamente, para que
tenhamos uma direção segura.
Precisamos olhar para nossa própria condição,
examinarmos a nós mesmos, pois pode ser que não nos temos
suprido de alimento espiritual suficiente. Se formos buscar,
podemos descobrir que temos apenas "cinco pães e dois peixes";
que não temos aprendido o suficiente para ensinar os
necessitados, e nem temos orientação segura, para nós mesmos.
O quanto pudermos, devemos ajudar aos que são
carentes, dando graças a Deus por ter nos dado o suficiente,
tanto para nós mesmos como para ajudar aos outros, pedindo a
Deus que nos ajude a suprir, não somente o alimento e as outras
necessidades físicas, mas também a sua carência espiritual,

68
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

sendo irmãos, irmãs, pais, que lhes mostrem o caminho da


salvação, em Jesus Cristo, nosso Senhor.

23. Como está o seu coração? (Leia Mc 6.45-56)


Nosso coração pode estar com problemas sem que o
saibamos, porque, muitas vezes, os problemas iniciam
pequenos, crescendo silenciosamente até que, de repente, a crise
vem com todas as suas forças. Por isto, é importante fazermos
uma checagem periódica, com exames em laboratórios, para não
sermos pegos de surpresa.
No campo espiritual, coisa semelhante acontece. Neste
texto observamos que há, pelo menos, três condições possíveis
de um coração, quanto ao seu estado espiritual.
Primeira condição: Coração Devoto (45-47)

Jesus mandou seus discípulos embarcarem e passarem


para o outro lado, enquanto ele despedia a multidão. Depois,
subiu ao monte para orar. Ao cair da tarde, estava o barco no
meio do mar, e ele, sozinho em terra.
Jesus tinha super poderes, autoridade; podia tornar-se o
rei de Israel, porque o povo estava com ele; mas, ainda assim,
era frágil, em sua humanidade. Precisava estar a sós com o Pai,
pedir a sua orientação, falar-lhe dos seus anseios. Se o único
tempo que tinha para fazer isto, era o tempo que, normalmente,
os outros usavam para dormir, então, que fosse assim. Não
podia negligenciar seu tempo de devoção; era o tempo em que
ele se reabastecia espiritualmente.
Corre o boato de que nossa igreja não está buscando o
Espírito Santo, que apenas faz orações e fica esperando a
resposta de Deus, a qual nunca vem, ou demora a vir, enquanto
as outras igrejas são mais dedicadas, fazem jejuns, vigílias,
correntes, campanhas, determinam e declaram as bênçãos. Ora,
o que estamos tentando fazer, é o que Jesus mesmo fazia, em
seus momentos de fragilidade. Tentamos buscar o Pai em oração

69
Arildo Louzano da Silveira

silenciosa, porque só ele tem o poder para determinar e decretar


as bênçãos. Se ele tem dito a outros servos para determinar e
decretar algo e eles não o fizerem, estarão em pecado. Se ele não
nos diz que devemos decretar ou determinar algo, e nós nos
atrevermos a fazê-lo, não seríamos também culpados de
presunção e jactância? Jesus mesmo, só fazia e falava aquilo que
o Pai mandava (Jo 5.19; 7.16-18).
Precisamos verificar, nos laboratórios espirituais da
palavra de Deus e da oração, se o nosso coração está, de fato,
numa condição de devoção, pois somente assim poderemos
receber instrução e poderes adequados à nossa missão, a qual
nos foi dada em Mt 28.19,20.
Segunda condição: Coração Endurecido (48-52)

Vendo os discípulos em dificuldade a remar, porque o


vento lhes era contrário, por volta das três ou quatro da
madrugada, Jesus veio ter com eles, andando por sobre o mar; e
queria tomar-lhes a dianteira. Quando os discípulos o viram,
andando sobre o mar, pensaram que ele era um fantasma, e
gritaram perturbados. Mas logo lhes falou e disse: “Tende bom
ânimo! Sou eu. Não temais!” E subiu para o barco para estar
com eles, e o vento cessou; pelo que ficaram, também, muito
admirados, porque não haviam compreendido o milagre dos
pães; antes, o seu coração estava endurecido.
Podemos começar o dia com oração silenciosa, ao lado
da cama mesmo, falando a sós com o Pai, tentando ouvir a sua
voz, meditando nas passagens bíblicas que temos lido, e
intercedendo pelos irmãos, amigos e familiares. Um coração
devoto. Depois nos levantamos, e vamos começar as atividades
diárias, fazer a higiene pessoal, preparar o café, vestir-nos para o
trabalho, e começar o expediente. É nesta fase do dia que,
geralmente, nosso coração fica endurecido. Os ventos
contrários, as ondas rebatendo, nos impedem de atingir os
objetivos que temos almejado. Esquecemo-nos até das
promessas de Deus, dos milagres que ele realizou até
recentemente, e ficamos nervosos, estressados, inconformados

70
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

com os obstáculos instransponíveis que nos atrapalham em


alcançar o alvo. Se algum imprevisto acontece, algo que não
estava em nossa agenda, como uma má notícia, um acidente;
ficamos apavorados, até que escutemos a voz do Senhor: “Tende
bom ânimo! Sou eu. Não temais!”
Por que os discípulos foram para o outro lado e deixaram
Jesus a sós? Foram mandados, sim, pelo Senhor, mas, por que?
Talvez porque seu coração já estivesse endurecido, porque
queriam descansar, já que seu descanso tinha sido frustrado, por
causa da presença da multidão. E por que Deus os afligiu com o
vento contrário, que os impediam de chegar ao outro lado? Que
frustração não devem ter sentido, que revolta! Desde o final da
tarde até alta madrugada, remando e não saindo do lugar! Se eu
estivesse lá, talvez desistisse, e deixasse o vento levar o barco de
volta para a praia, e fosse orar, com Jesus, deixando, aos pés do
trono do Pai, toda a minha queixa.
Jesus compeliu os discípulos a passar para o outro lado,
como o Senhor compeliu a Balaão para atender ao chamado de
Balaque, mas depois fez-lhe resistência no caminho (Nm 22.20-
35). Sempre fico intrigado quando penso na história deste
profeta. Por que o Senhor o mandou ir, e logo depois queria
matá-lo? Teria, mesmo, matado a Balaão, se não fosse a
intercessão de uma jumenta. A resposta pode estar naquilo que o
texto não revela explicitamente: era o desejo do coração de
Balaão, que certamente contrariava a vontade de Deus,
enquanto, exteriormente, comportava-se exemplarmente, aos
olhos dos mensageiros do rei Balaque.
Se nos exames, nos laboratórios espirituais,
descobrirmos que nosso coração está endurecido, que estamos
nos esquecendo, e que não temos tentado entender os milagres
que Jesus tem feito em nossas vidas, se estivermos remando
contra a maré, gastando toda nossa energia para, no fim, não
chegarmos a lugar nenhum, então, que possamos ouvir a
repreensão do Senhor, como no dia em que acalmou a grande
tempestade: "Como é que não tendes fé?" (Mc 4.40). Não vamos
nos extraviar, "seguindo pelo caminho de Balaão" (2 Pe 2.15),

71
Arildo Louzano da Silveira

mas convertamos o nosso coração em uma condição de


constante devoção, como o coração de Jesus.
Terceira condição: Coração Quebrantado (53-
56)

Ao aportarem do outro lado, saindo do barco, o povo


percorreu toda a região, trazendo os enfermos em leitos. Onde
quer que ele entrasse nas aldeias, cidades ou campos, punham os
enfermos nas praças, rogando-lhe que os deixasse tocar ao
menos na orla da sua veste; e quantos a tocavam saíam curados.
Os discípulos, mesmo não entendendo o porquê de tanta
provação, seguiam Jesus, e junto com ele atenderam às
multidões, que, de corações quebrantados, buscavam o único
recurso para suavizar suas dores.
Às vezes, no final do dia, nosso coração também se
encontra assim, quebrantado; por ter, Deus, permitido que nos
atingissem doenças, desemprego, desilusões, aflições sem fim.
De corações quebrantados, buscamos a Jesus, porque cremos no
seu poder e na sua compaixão, com os quais pode nos dar o
alívio desejado. Talvez você, que agora está lendo esta
mensagem, esteja com o coração quebrantado, porque não
conseguiu atingir os seus objetivos, porque acha que sua vida foi
um fracasso, porque tem enfrentado uma grave enfermidade,
própria ou de uma pessoa querida, porque perdeu a possibilidade
de comunicação com alguém, a quem o Senhor levou para si.
Saiba que Jesus está vivo; está vendo as suas aflições; e embora
pareça indiferente, está incluindo você nas suas intercessões
junto ao Pai, como fomos informados em Romanos 8.34: "Quem
os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes, quem
ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por
nós." Ou está rogando por nós, como também rogou por Pedro,
para que a sua fé não desfalecesse (Lc 22.31,32).
É como se ele estivesse no alto da montanha e, nós, no
meio do lago. Em vez de continuarmos com o coração
endurecido, buscando coisas que, se nos satisfizerem, serão por

72
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

pouco tempo; em vez de continuarmos com nosso rancor, nossa


amargura, que nos faz cegos às misericórdias de Deus, vamos
quebrantar o nosso coração, e transformá-lo num coração
devoto, como o de Jesus, que nos ensinou com seu exemplo
quando orou, pouco antes de se entregar por amor de nós:
"dizendo: Pai, se queres, passa de mim este cálice; contudo, não
se faça a minha vontade, e sim a tua." (Lc 22.42).

24. Os Preceitos de Deus (Leia Mc 7.1-23)


Deus nos tem dado os seus preceitos, desde Adão. Por
escrito, desde Moisés. Os preceitos de Deus devem ser
aprendidos, decorados, obedecidos, passados de pais para filhos.
Fazendo assim, aprendemos a amar os preceitos de Deus,
porque eles nos guiam e nos tornam felizes; sua sabedoria nos
possibilita a sermos bem sucedidos em tudo o que fazemos.
Neste parágrafo, aprendemos que existem pelo menos três
posicionamentos, os quais costumamos adotar, com respeito aos
preceitos de Deus:
Primeiro posicionamento: Formalismo (1-5)

Os fariseus e alguns escribas, vindos de Jerusalém,


observavam Jesus e, vendo que alguns dos discípulos dele
comiam pão sem fazer a lavagem cerimonial das mãos,
interpelaram-no: "Por que não andam os teus discípulos de
conformidade com a tradição dos anciãos, mas comem com as
mãos por lavar?"
Assim como os escribas e fariseus, nós temos uma
tendência de querer simplificar as coisas, e por isto gostamos de
organizar, sistematizar aquilo que aprendemos, para nos
lembrarmos e cumprirmos o que achamos importante. Uma vez,
quando explicava ao meu pastor a maneira como eu preparava
uma mensagem, eu ia dizer que observava exaustivamente o
texto, até que encontrasse nele uma afirmação consistente, que
cobrisse todo o parágrafo, que pudesse ser dita numa só frase.
Mas, antes que eu terminasse, ele me interrompeu: "você

73
Arildo Louzano da Silveira

examina o texto até achar nele três pontos". Eu não gostei da


crítica, mas para meu desespero, fui descobrindo ao longo do
tempo que ele devia ter mesmo razão. Notei que, por mais que
eu me esforçasse, sempre acabava dividindo a exposição em
três, ou, raramente, quatro pontos. Não conseguia fazer
diferente. Os três pontos sempre saltavam aos meus olhos no
final do preparo.
Às vezes fico pensando porque Deus não nos apresentou
a Bíblia toda organizadinha, com pontos e subpontos bem
definidos. Deus não sistematiza seus preceitos, porque eles não
podem ser moldados segundo os moldes humanos. Não há uma
receita pronta para nos tornarmos agradáveis a Deus. Por isto é
que a religião, embora seja boa, não pode nos salvar. Deus quer
ter conosco um relacionamento dinâmico, íntimo, de amizade,
de amor mútuo.
Em nossa fraqueza, precisamos sistematizar e formalizar
os preceitos, mas não devemos achar que todo o nosso
relacionamento com Deus se limita a seguir certas regras. Deus
espera muito mais de nós, do que obedecer a regras.
Os fariseus e escribas estavam tão envolvidos neste
processo de formalização, que seu relacionamento com Deus
tornou-se apenas em cumprimentos de regras. Cl 2.20-3.4 nos
adverte sobre este erro: "Se morrestes com Cristo para os
rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo,
vos sujeitais a ordenanças: não manuseies isto, não proves
aquilo, não toques aquiloutro, segundo os preceitos e doutrinas
dos homens? Pois que todas estas coisas, com o uso, se
destroem. Tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria,
como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor
ascético; todavia, não têm valor algum contra a sensualidade.
Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai
as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de
Deus. Pensai nas coisas lá do alto, não nas que são aqui da terra;
porque morrestes, e a vossa vida está oculta juntamente com
Cristo, em Deus. Quando Cristo, que é a nossa vida, se

74
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

manifestar, então, vós também sereis manifestados com ele, em


glória."
Segundo posicionamento: Racionalização (6-13)

Jesus respondeu aos escribas e fariseus que o


interpelavam: "Bem profetizou Isaías (29.13) a respeito de vós,
hipócritas, como está escrito: Este povo honra-me com os
lábios, mas o seu coração está longe de mim. E em vão me
adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens.
Negligenciando o mandamento de Deus, guardais a tradição dos
homens."
Disse ainda que, com um jeitinho sofisticado, eles
rejeitavam os preceitos de Deus para guardarem a própria
tradição. Citou como exemplo um preceito, dado através de
Moisés, que diz: "Honra a teu pai e a tua mãe; e: Quem
maldisser a seu pai ou a sua mãe seja punido de morte." Eles
chegaram à ousadia de dispensar os homens de ajudar
financeiramente seus pais, caso dessem o valor correspondente
como oferta, no templo. Faziam também muitas outras coisas
semelhantes.
Racionalizar é argumentar, em nossa defesa, de tal
maneira, que acabamos achando um jeitinho de fazermos o que
desejamos, de defendermos os nossos interesses, em detrimento
da evidente vontade de Deus.
Como é que os judeus chegaram a este ponto? Não foi,
certamente, da noite para o dia, pois sua consciência não o
suportaria. Mas, para aplacar a sua consciência, foram
elaborando mais e mais desculpas para o seu pecado de
ganância, até que envolvessem o maior número possível de
pessoas no delito, de forma que a culpa fosse compartilhada por
toda a sociedade.
Eu tenho medo quando examino nosso próprio
comportamento, como comunidade cristã. Estamos totalmente
envolvidos em nossos delitos e pecados, e não podemos pensar
muito sobre isto, porque nossa consciência não o suportaria.

75
Arildo Louzano da Silveira

Somos irremediavelmente corruptos. Nós mentimos o


tempo todo, buscamos os nossos próprios interesses, fazemos
superficialmente a obra de Deus. Não temos como escapar da
condenação de Deus. Somente a sua misericórdia, por meio do
Senhor Jesus, pode nos salvar de sermos lançados junto com o
diabo no lago que arde em fogo e enxofre.
Achamos que estamos indo bem. Pregamos a Palavra,
somos Igreja Bíblica! Verdade? Quando Deus julgar as nossas
obras, e compará-las com seus preceitos, o que vai restar? Não
será quase tudo queimado pelo fogo do juízo de Deus?
Mas alguém dirá: “Vamos parar com isto! Vamos então
voltar ao verdadeiro evangelho!” Muitos movimentos
começaram assim, como um que inspirou o livro "Em seus
passos, que faria Jesus?" (Charles Sheldon). Foi um zelo assim
que fez surgir a Reforma de Lutero, os movimentos
carismáticos, os avivamentos históricos liderados por homens
como Jonathan Edwards e George Whitefield.
Poderíamos nós, hoje mesmo, nos arrependermos no pó
e na cinza e iniciarmos uma profunda mudança para voltarmos
ao primeiro amor, mas como? Tenho uma sugestão.
Imagine um pregador, durante o culto, fazendo um apelo
para que todos depositem ali, no centro do templo, seu aparelho
celular. Isto é um impactante começo. Você teria coragem de
fazer isto? Imagine-se colocando-o ali, na cesta de ofertas.
Dedique a Deus o que você tanto ama, para provar que só tem
um Deus a quem a quem adora, e que nem o seu celular, tão
querido, você estima mais do que o seu relacionamento com o
seu Deus.
Então o pregador nos convida a dar mais um passo. Pede
que deixemos ali, no "altar", nossa bolsa, nossa carteira, com
todo o dinheiro e também os documentos. Não vamos mais
precisar deles de hoje em diante. Depois, vamos embora a pé.
Deixaremos os carros estacionados onde estão, não vamos mais
carregar este peso sobre nós. Ninguém precisa fechar o templo.
As portas vão ficar do jeito que estão. Para que se importar?

76
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Porque vamos nos preocupar com os instrumentos musicais que


estão ali guardados, com os equipamentos de som, os móveis,
com os celulares, as bolsas e as carteiras que vamos deixar sobre
o altar? Não precisamos mais de nada disto, só precisamos de
Cristo em nós. Vamos fazer isto mesmo agora? Ele para de
falar, e todos começamos a por em prática esta ação, que vai
iniciar o nosso reavivamento (pausa para pensar).
Não vamos fazer isto, não é mesmo? Não estamos
prontos. Não temos certeza se é a voz de Deus tocando em
nossos corações, ou se é apenas uma loucura momentânea.
Mas, observemos uma coisa: não é exatamente assim
que vai acontecer quando Cristo voltar? Todos aqueles objetos
não vão ficar exatamente assim enquanto nós seremos
arrebatados para o céu? Talvez você não acredite no
arrebatamento, então eu vou dar outra ilustração: e se
recebêssemos neste instante um ataque do Estado Islâmico? Não
sairíamos correndo para salvar a nossa vida, deixando tudo
exatamente deste jeito?
Se, porém, não vamos fazer isto agora, então vamos
admitir o nosso pecado. A verdade é que amamos o nosso
celular, amamos a nossa bolsa e a nossa carteira, amamos o
nosso carro, o templo e tudo o que tem dentro. Amamos os
nossos pecados particulares, a comida, a bebida, o conforto, o
lazer, o poder, o dinheiro. Estamos dedicando nossas vidas a
estas coisas, e para não nos sentirmos culpados, usamos a
racionalização. Afinal, nós precisamos destas coisas materiais.
Afinal, nós estamos dedicando tudo isto para Deus. Damos o
dízimo de tudo, usamos tudo para a glória de Deus, não é
mesmo?
Uma passagem da Bíblia que me deixa muito
impressionado é a oração de arrependimento de Daniel 9.1-20.
Daniel, um homem a quem nós consideramos extremamente
justo, e de quem Deus mesmo deu testemunho em sua palavra,
de que era um homem justo, ele mesmo, Daniel, não se
considerava assim. Sua oração foi de arrependimento e súplica,

77
Arildo Louzano da Silveira

por todo o povo e por si mesmo. Disse não à racionalização, e


assumiu sua culpa com todo o povo, para testificar que Deus é
justo e nós somos perversos. Deus é verdadeiro e nós somos
mentirosos. Oh! Senhor, tenha misericórdia de nós, pecadores!
Terceiro posicionamento: Interiorização (14-23)

Jesus convocou a multidão e disse-lhes: "Ouvi-me,


todos, e entendei. Nada há fora do homem que, entrando nele, o
possa contaminar; mas o que sai do homem é o que o
contamina." Depois, estando em casa, os discípulos o
interrogaram acerca da parábola, ao que ele explicou: "tudo o
que de fora entra no homem não o pode contaminar, porque não
lhe entra no coração, mas no ventre, e sai para lugar escuso [...]
O que sai do homem, isso é o que o contamina. Porque de
dentro, do coração dos homens, é que procedem os maus
desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios,
a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a
soberba, a loucura. Ora, todos estes males vêm de dentro e
contaminam o homem."
A interiorização dos preceitos é o que vai realmente nos
ajudar, porque Deus vê o interior, não o exterior. Devemos
guardar no coração as palavras de Deus, para não pecar contra
ele (Sl 119.11); Devemos orar, como no Salmo 19.12-14:
“Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me
das que me são ocultas. Também da soberba guarda o teu servo,
que ela não me domine; então, serei irrepreensível e ficarei livre
de grande transgressão. As palavras dos meus lábios e o meditar
do meu coração sejam agradáveis na tua presença, SENHOR,
rocha minha e redentor meu!”
Somente a interiorização dos preceitos de Deus pode
arrancar do nosso interior tudo aquilo que está nos
contaminando, para que possamos prosseguir na busca da
santidade, na nossa incessante busca pelo nosso Deus Santo.
Vamos buscar, portanto, a interiorização dos preceitos de
Deus em nossos corações, através da leitura da Bíblia, da

78
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

oração, da prática de tudo o que descobrirmos, por meio da


meditação assim orientada, que é a vontade de Deus para nossas
vidas. Isto é tudo o que vamos levar para o céu. Nossos celulares
vão ficar.

25. A Oração Aprovada por Deus (Leia Mc 7.24-30)


O Senhor é bom o tempo todo, e todo o tempo Deus é
bom. Esta é uma frase que foi exaustivamente falada no filme
"Deus não está morto". É verdade que Deus é bom, e quer nos
dar sempre o melhor. Mas não podemos achar que ele nos dará
tudo o que pedirmos, sem exigir nada de nossa parte.
Precisamos agradá-lo, cumprir os seus mandamentos,
entregarmos a nossa vida a ele. Neste texto, nós notamos que a
mulher siro-fenícia recebeu a resposta favorável à sua oração,
mas precisou passar por, pelo menos, três testes:

Primeiro teste: Persistência (24-25)

Jesus partiu para as terras de Tiro e Sidom, entrou numa


casa, e não queria que ninguém o soubesse; no entanto, não
pôde ocultar-se, porque uma mulher, cuja filhinha estava
possessa de espírito imundo, tendo ouvido a respeito dele, veio e
prostrou-se-lhe aos pés.
Em Lc 18.1-8, Jesus ensinou a respeito de oração,
contando uma parábola, cujo assunto era o dever de orar sempre
e nunca esmorecer. Um juiz que não temia a Deus, nem
respeitava homem algum, foi incomodado por uma viúva que
vinha ter com ele, dizendo: Julga a minha causa contra o meu
adversário. "Ele, por algum tempo, não a quis atender; mas,
depois, disse consigo: Bem que eu não temo a Deus, nem
respeito a homem algum; todavia, como esta viúva me
importuna, julgarei a sua causa, para não suceder que, por fim,
venha a molestar-me." Logo depois de contar a parábola, Jesus
faz a aplicação: " Não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que
a ele clamam dia e noite, embora pareça demorado em defendê-

79
Arildo Louzano da Silveira

los? Digo-vos que, depressa, lhes fará justiça. Contudo, quando


vier o Filho do Homem, achará, porventura, fé na terra?"
Quase tudo na vida se conquista através da persistência.
Conheço um pastor que tem um lema: "não desista"; e outro,
que também tem o seu lema: "continue continuando". Há muitas
histórias de sucesso que só foram possíveis por causa da
persistência. Basta ler biografias de grandes empresários para
constatar.
Temos que fazer a nossa parte, persistir, não desistir
daquilo que queremos, mas há coisas que só Deus pode nos dar.
Para estas coisas, o caminho é persistir na oração.
Segundo teste: Humildade (26-28)

A mulher era grega, de origem sirofenícia, e rogava-lhe


que expelisse de sua filha o demônio. Jesus lhe disse: Deixa
primeiro que se fartem os filhos, porque não é bom tomar o pão
dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos. Ela, porém, lhe
respondeu: Sim, Senhor; mas os cachorrinhos, debaixo da mesa,
comem das migalhas das crianças.
A mulher aceitou a humilhação pela qual teve que
passar, reconhecendo que não era filha do povo da promessa,
Israel. Ela não era digna de receber a graça pedida, mas pediu,
estando disposta a se contentar, até mesmo, com migalhas.
Em Lc 18.9-14, Jesus continua ensinando sobre oração,
falando para alguns que confiavam em si mesmos, por se
considerarem justos, e desprezavam os outros: "Dois homens
subiram ao templo com o propósito de orar: um, fariseu, e o
outro, publicano. O fariseu, posto em pé, orava de si para si
mesmo, desta forma: Ó Deus, graças te dou porque não sou
como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem
ainda como este publicano; jejuo duas vezes por semana e dou o
dízimo de tudo quanto ganho. O publicano, estando em pé,
longe, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia
no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador!" O
publicano desceu justificado para sua casa, e não o fariseu,

80
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se


humilha será exaltado.
Para sermos salvos, precisamos reconhecer, em primeiro
lugar, que somos pecadores. Que não merecemos a graça de
Deus. Que, se Deus nos salvar, será puramente por causa da sua
graça e misericórdia, e jamais por nossas obras. Isto vale
também para as outras respostas de oração, que fazemos ao
longo de nossa vida.
Paulo ensinou que os judeus também, embora sejam um
povo escolhido por Deus, não podem alegar nenhuma vantagem
(Rm 2.17-29).
Por isto, quando chegarmos ao trono de Deus para pedir,
precisamos nos humilhar, precisamos reconhecer nossa origem,
e reconhecer que ele não tem nenhuma obrigação de nos
atender. Deus não nos deve nada.
Terceiro teste: Testemunho (29-30)

Jesus, então, lhe disse: Por causa desta palavra, podes ir;
o demônio já saiu de tua filha. Voltando ela para casa, achou a
menina sobre a cama, pois o demônio a deixara.
Num parágrafo anterior de Marcos, nós lemos a história
da mulher que tinha o fluxo de sangue, e vimos como Jesus fez
questão de que ela desse o testemunho público da sua cura.
Se Deus vai nos atender, não é para a nossa glória, mas
para a glória dele. Devemos dar a ele toda a glória que lhe é
devida, antes e depois de termos a oração respondida. Foi por
causa do testemunho, que aquela mulher recebeu a resposta, e
sua filhinha foi finalmente curada. Deus fez isto por amor a ela,
mas fez também para a sua própria glória. Em Isaías 48.11, num
contexto em que Deus revela sua decisão de não exterminar
totalmente a nação de Israel, apesar da sua apostasia, ele diz o
motivo: "Por amor de mim, por amor de mim, é que faço isto;
porque como seria profanado o meu nome? A minha glória, não
a dou a outrem."

81
Arildo Louzano da Silveira

Será que estamos passando nos testes da oração?


Possamos nós persistir, conforme a vontade de Deus,
humilharmo-nos diante do trono da graça, pois é a nossa única
esperança. E demos a palavra de testemunho, antes e depois de
termos nossas orações respondidas. Bendito o Deus e Pai de
nosso Senhor Jesus Cristo!

26. Suspirando, mas avançando (Leia Mc 7.31-37)


A situação de nosso país, atualmente, é desanimadora.
Há muitos desempregados, os preços estão subindo, os líderes
corruptos têm grande chance de sair ilesos, e não há perspectivas
de melhora. Às vezes, diante de um quadro assim, nós acabamos
desistindo de nossos projetos. No texto de hoje, vemos que Jesus
enfrentou momentos difíceis em seu ministério. As perspectivas,
sob o ponto de vista humano, não eram muito boas. Diante disto,
Jesus suspirou. Ele gemeu diante de um quadro desolador. Será
que, naquele momento, ele pensou em desistir? Nesta história,
podemos ver pelo menos três fatores que poderiam ter levado
Jesus a desistir de sua missão, se não fosse a sua determinação
em salvar-nos:
Primeiro fator: A imensidão de povo para ser
evangelizado (31)

Jeus retirou-se das terras de Tiro e foi por Sidom, 30 Km


ao norte. Depois atravessou o Jordão seguiu uns 95 Km para o
sul, passando pela região de Decápolis, até à costa leste do mar
da Galiléia.
Decápolis era a região da qual Jesus fora expulso em
outra tentativa de evangelização. Tiro e Sidom eram cidades
grandes, de comércio intenso. Ao passar por toda esta vasta
região de cidades prósperas, com seu povo ocupado com o
comércio e indústria, alheios ao próprio Senhor da glória que os
visitava, Jesus deve ter suspirado: “A seara, na verdade, é
grande, mas os trabalhadores são poucos” (Mt 9.37).

82
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Hoje, a população mundial é de quase 8 bilhões. Eu


moro numa cidade bem populosa. Quando passo pelo terminal
de ônibus urbano, tenho uma sensação de impotência, de vazio,
vendo a grande multidão que passa por lá todos os dias. Observo
as pessoas indo e vindo, geralmente apressadas, carregando,
cada uma, seus anseios, suas dores, parecendo alheias ao mundo
espiritual que as cerca. Imagino, pela expressão de cada um, se é
crente ou não, se tem dedicado a Deus um tempinho na sua
rotina diária de trabalho, estudo e lazer.
Diante de um trabalho assim, imenso e não promissor,
Jesus podia ter desistido, mas não desistiu. Prosseguiu no seu
propósito de salvação.
Segundo fator: A situação deplorável do povo
(32-35)

Então, lhe trouxeram um surdo e gago e lhe suplicaram


que impusesse as mãos sobre ele. Mas, em vez disso, Jesus o
tirou da multidão, pôs-lhe os dedos nos ouvidos e lhe tocou a
língua com saliva; depois, erguendo os olhos ao céu, suspirou e
disse: Efatá!, que quer dizer: Abre-te! Abriram-se-lhe os
ouvidos, e logo se lhe soltou o empecilho da língua, e falava
desembaraçadamente.
Numa situação semelhante, em Jo 11.32-38, quando
Jesus chega para o funeral de Lázaro, Maria lança-se aos seus
pés, dizendo: "Senhor, se estiveras aqui, meu irmão não teria
morrido. Jesus, vendo-a chorar, e bem assim os judeus que a
acompanhavam, agitou-se no espírito e comoveu-se." E ao ver
onde fora sepultado, Jesus chorou. Os judeus disseram: Vede
quanto o amava. Mas alguns questionaram: "Não podia ele, que
abriu os olhos ao cego, fazer que este não morresse?" Jesus
agitou-se novamente em si mesmo, encaminhou-se para o
túmulo, e ressuscitou Lázaro.
Deus deve estar suspirando neste momento, vendo a
situação deplorável em que se encontram os nossos conhecidos,
que enfrentam doenças graves, como o câncer, que estão nos

83
Arildo Louzano da Silveira

hospitais entre a vida e a morte. Se Jesus estivesse aqui,


fisicamente, diria uma palavra, tocaria com seus dedos,
colocaria saliva no local doente, e a saúde destas pessoas seria
restaurada. Mas, até quando?
Usando a mesma palavra que foi traduzida aqui como
"suspiro", em Romanos 8.23 Paulo diz que a natureza, tanto
quanto nós, igualmente "gememos" em nosso íntimo,
aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo. Em
2Coríntios 5.2 diz que, neste tabernáculo, que é o nosso corpo,
"gememos", aspirando por sermos revestidos da nossa habitação
celestial.
Diante de uma situação assim, de pessoas doentes e
desesperadas, com sofrimentos sem fim, Jesus poderia ter
desistido, mas não desistiu. Antes, prosseguiu, no seu propósito
de salvação.
Terceiro fator: A falta de sintonia do povo para
com os propósitos de Deus (36,37)

Tendo curado o homem, Jesus lhes ordenou que a


ninguém o dissessem; contudo, quanto mais recomendava, tanto
mais eles o divulgavam. Eles maravilhavam-se sobremaneira,
dizendo: "Tudo ele tem feito esplendidamente bem; não somente
faz ouvir os surdos, como falar os mudos."
O povo queria que Jesus curasse as suas doenças, que
resolvesse todos os seus problemas, mas não queriam obedecer.
Não era a primeira vez que Jesus advertia o povo para não
divulgar suas curas, mas as palavras de Jesus passavam longe de
seu coração. As pessoas queriam a glória, mas não a
responsabilidade. Queriam a cura, mas não queriam
compromisso.
Eu trabalho em um banco, e um dos produtos que tenho
mais dificuldade em vender é o seguro de vida. É difícil
convencer as pessoas a pensarem que podem morrer ou sofrer
um acidente grave a qualquer momento, que têm que pensar em
si e nos seus familiares, caso venham a faltar. Outro produto

84
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

difícil de vender é o plano de aposentadoria. É difícil convencer


um jovem de que ele um dia vai ficar velho e precisa planejar
desde já, guardando dinheiro para que, no futuro, tenha
melhores condições financeiras para arcar com as despesas da
velhice. As pessoas querem os benefícios, mas não querem
pagar o preço.
Eu acho que era coisa semelhante, o que Jesus estava
pensando quando desceu do monte da transfiguração, em Mc
9.14-19, pois quando se aproximou dos discípulos, viu
numerosa multidão ao redor e que os escribas discutiam com
eles. Toda a multidão, ao ver Jesus, tomada de surpresa, correu
para ele e o saudava. Jesus interpelou os escribas: Que é que
discutíeis com eles? Então o pai de um menino, possesso de um
espírito mudo, contou-lhe sua história, dizendo que seus
discípulos não o puderam curar. Então, Jesus lhes disse: "Ó
geração incrédula, até quando estarei convosco? Até quando vos
sofrerei?"
Precisamos pagar o preço de muitas bênçãos. Nem todas
são gratuitas. Se quisermos a bênção de sermos sábios, temos
que ler a Bíblia. Se quisermos prosperar, temos que trabalhar. Se
quisermos uma família unida, harmoniosa, filhos obedientes,
temos que vir aos cultos regularmente, liderar nossa família nos
caminhos do Senhor. Não dá para colher frutos diferentes das
sementes que temos semeado.
Diante destes fatores, Jesus podia ter desistido, mas,
glória a Deus! Ele não desistiu. Foi até o fim, em seu propósito
de salvação. Ele quer que nós também o imitemos, e que não
desistamos diante de situações desanimadoras. E não façamos o
Senhor suspirar, por causa de nossa incredulidade, mas vamos
prosseguir, pela fé, em sintonia com o seu Espírito, o qual
intercede por nós com gemidos inexprimíveis.

85
Arildo Louzano da Silveira

27. Não tentarás o Senhor, teu Deus (Leia Mc 8.1-21)


Você é uma pessoa que se irrita com facilidade? Muitas
pessoas são assim, e também há outras que se destacam por
serem muito pacientes. Há outros que, por outro lado, às vezes
nos tiram do sério. São coisas da vida.
Jesus também se irritava, embora seus momentos de
irritação nunca o tivessem feito pecar. Este parágrafo mostra
como as pessoas irritavam o Senhor Jesus, e nos leva ao
discernimento de que nossas ações ou atitudes podem irritar,
podem tentar a Deus. Vejamos alguns cuidados que devemos ter
para não tentar a Deus.
Primeiro cuidado: Não duvidar, nem
menosprezar os milagres (1-9)

Uma grande multidão estava reunida outra vez, e não


tinham o que comer. Então Jesus chamou os discípulos e
compartilhou seus sentimentos: "Tenho compaixão desta gente,
porque há três dias que permanecem comigo e não têm o que
comer. Se eu os despedir para suas casas, em jejum,
desfalecerão pelo caminho; e alguns deles vieram de longe." Ao
que os discípulos responderam: "Donde poderá alguém fartá-los
de pão neste deserto?" Jesus, informado de que tinham apenas
sete pães, ordenou ao povo que se assentasse e, tomando os sete
pães, deu graças, e os partiu, dando aos discípulos, para que os
distribuíssem. Distribuiu igualmente alguns peixinhos. As
pessoas comeram e se fartaram; e recolheram sete cestos cheios
de pedaços. Eram cerca de quatro mil homens.
A pergunta que os discípulos fizeram: "Donde poderá
alguém fartá-los de pão neste deserto?" revelava, no mínimo,
dúvida de que Jesus pudesse multiplicar novamente os pães e
peixes, como já havia feito, pouco tempo antes. Se não era
dúvida, era desprezo. Jesus, o Senhor, estava ali, ao lado deles.
Como podiam fazer uma pergunta destas, como se estivessem
ignorando a presença daquele que era a solução de todos os seus
problemas?

86
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Tiago aponta aos seus ouvintes, em Tg 4.2, o motivo de


eles não serem, muitas vezes, abençoados, quando diz:
"Cobiçais e nada tendes; matais, e invejais, e nada podeis obter;
viveis a lutar e a fazer guerras. Nada tendes, porque não pedis;"
Em Isaías 7.10-14, vemos que o rei Acaz recusou-se a
pedir ao SENHOR um sinal, quando este lhe ofereceu. Acaz, ao
que parece, colocou uma máscara de santidade e disse: "não
tentarei ao SENHOR". Naquele contexto, Acaz fez exatamente o
que disse que não faria, pois Isaías lhe respondeu: "Ouvi, agora,
ó casa de Davi: acaso, não vos basta fatigardes os homens, mas
ainda fatigais também ao meu Deus? Portanto, o Senhor mesmo
vos dará um sinal: eis que a virgem conceberá e dará à luz um
filho e lhe chamará Emanuel."
Às vezes duvidamos que Deus possa suprir as nossas
necessidades. Conheci um casal, recém-casado, com um filho de
seis meses, que comentou com o pastor que precisava arrumar
uma creche para deixar o filho, pois a esposa tinha que trabalhar.
O pastor os aconselhou a não fazer isto. Que a esposa ficasse em
casa e somente o marido trabalhasse para suprir as necessidades
financeiras. Poderiam ficar apertados financeiramente, mas
Deus ia honrar sua fé. Eles optaram por ouvir o conselho, e
cuidar eles mesmos do seu filho, em vez de deixá-lo numa
creche, porque acharam que esta era a decisão certa, mesmo que
tivessem que passar necessidade. Esta decisão se repetiu,
quando veio o segundo filho. Se decidissem o contrário, para
eles, seria duvidar que Deus pudesse suprir; seria desprezar o
milagre que Deus podia fazer, suprindo suas necessidades,
mesmo com um salário a menos na renda familiar. Seria tentar a
Deus, achando que ele ia cuidar bem de seus filhos, mesmo que
deixassem para a creche, ou mesmo para os avós, darem a eles a
educação que julgassem melhor.
Conheci também uma mulher que não saía de casa
porque tinha medo que roubassem os seus bens. Sempre a
convidávamos para ir à Igreja, mas ela não ia, falando que não
podia deixar a casa sozinha. Nós também tínhamos medo de que
entrassem em nossa casa quando estávamos ausentes, mas íamos

87
Arildo Louzano da Silveira

à Igreja mesmo assim, porque sabíamos que isto era o certo a


fazer. Se ficássemos em casa por medo de sermos roubados,
estaríamos tentando a Deus, achando que ele iria nos abençoar,
nos dar sabedoria para enfrentarmos os problemas da vida,
mesmo que não fôssemos à Igreja para adorá-lo e aprender mais
de sua palavra.
Segundo cuidado: Não negociar nossa fé (10-12)

Jesus embarcou com seus discípulos, e partiu para as


regiões de Dalmanuta. Saindo os fariseus, tentaram-no, pedindo
um sinal do céu. Jesus, porém, "arrancou do íntimo do seu
espírito um gemido e disse: Por que pede esta geração um sinal?
Em verdade vos digo que a esta geração não se lhe dará sinal
algum."
O pedido dos fariseus insinuava que somente seguiriam
Jesus se ele lhes desse um sinal convincente. Eram como Jacó,
em Gênesis 28.20-22, que fez um voto, dizendo que, se Deus o
ajudasse, dando pão para comer e roupa para vestir, então o
SENHOR seria o seu Deus.
Conheci um jovem adolescente que um dia fez um
desafio para Deus. Ele estava desanimado da vida, e disse para
Deus que, se ele não fizesse nada acontecer para animá-lo, não
iria mais segui-lo. Deus, em sua misericórdia, deu a ele o que
queria, e fez com que ele tivesse um gostinho da fama, fazendo
com que ele obtivesse sucesso num festival de música, ficando
em primeiro lugar, sendo admirado pelo público e até por seu
pai, que inesperadamente apareceu no auditório, durante a
apresentação, e emocionado o beijou. O adolescente reconheceu
que isto era a resposta de Deus, e mais importante do que isto,
reconheceu que fora imprudente ao tentar a Deus daquela
maneira. Não estamos em condições de negociar com Deus. Ele
é o Deus supremo e soberano. Não precisa de nós.
Terceiro cuidado: Não esquecer as bênçãos
passadas (13-21)

88
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Indo para o outro lado do lago, os discípulos se


esqueceram de levar pães. Jesus preveniu-os da doutrina dos
fariseus e herodianos, dizendo: "Vede, guardai-vos do fermento
dos fariseus e do fermento de Herodes. E eles acharam que Jesus
se referia ao fato de eles não terem trazido pão. "Jesus,
percebendo-o, lhes perguntou: Por que discorreis sobre o não
terdes pão? Ainda não considerastes, nem compreendestes?
Tendes o coração endurecido? Tendo olhos, não vedes? E, tendo
ouvidos, não ouvis? Não vos lembrais de quando parti os cinco
pães para os cinco mil, quantos cestos cheios de pedaços
recolhestes? [...] E de quando parti os sete pães para os quatro
mil, quantos cestos cheios de pedaços recolhestes? [...] Não
compreendeis ainda? "
Os discípulos não se lembraram dos milagres que Jesus
tinha feito. Estavam tão endurecidos de coração que nem
prestavam atenção no que Jesus dizia. Estavam tão preocupados
com o fato de não terem se provido de pão, que entenderam
errado a ilustração do fermento.
Moisés exortou o povo em Deuteronômio 4.9: "Tão
somente guarda-te a ti mesmo e guarda bem a tua alma, que te
não esqueças daquelas coisas que os teus olhos têm visto, e se
não apartem do teu coração todos os dias da tua vida, e as farás
saber a teus filhos e aos filhos de teus filhos."
Estaremos tentando a Deus se não nos lembrarmos das
bênçãos que nos tem dado no passado, e não reconhecermos que
ele tem suprido tudo o que necessitamos.
Uma vez, realizamos um culto de ações de graças na
casa de uma família que não se esqueceu de que o Senhor lhes
dera a possibilidade de comprarem uma casa. Passaram por
momentos de angústia no processo de aquisição, e oramos
pedindo que Deus concedesse a bênção para que tudo desse
certo, suprindo desde a documentação até o dinheiro para que o
seu sonho se tornasse possível. Estivemos lá para agradecer a
Deus por suas bênçãos. Eles fizeram questão de que fôssemos
ali e realizássemos um culto de ações de graças. Se eles se

89
Arildo Louzano da Silveira

esquecessem de que foi uma bênção de Deus, o fato de estarem


hoje naquela casa, estariam tentando a Deus. Mas fizeram o que
é certo, dando glória a Deus por suas bênçãos, e continuando a
servi-lo, e querendo aprender cada vez mais, e confiando que ele
continuará a suprir o que é necessário, agora e no futuro.
Portanto, tomemos estes cuidados, e não duvidemos nem
desprezemos os milagres de Deus, não achemos que nossa fé é
um meio de negociarmos com Deus, e jamais nos esqueçamos
das bênçãos que temos recebido. Ouçamos as repreensões de
Deuteronômio 6.16: "Não tentarás o SENHOR, teu Deus, como
o tentaste em Massá."; e de 1Coríntios 10.9: "Não ponhamos o
Senhor à prova, como alguns deles já fizeram e pereceram pelas
mordeduras das serpentes".

28. Vês alguma coisa? (Leia Mc 8.22-26)


Uma vez assisti a um filme chamado "ensaio sobre a
cegueira", baseado num livro do escritor português José
Saramago. Achei interessante a história, porque nos leva a
refletir sobre a importância da visão e os efeitos psicológicos e
sociais que pode acarretar a falta dela. A história do cego de
Betsaida, por sua vez, pode nos ajudar a refletir sobre a
importância de buscarmos a cura para nossa própria cegueira
espiritual. Entendi, nesta passagem, que há pelo menos três
passos que precisamos dar para que sejamos curados da cegueira
espiritual.
Primeiro passo: Reconhecermos o problema (22)

Chegando a Betsaida trouxeram a Jesus um cego,


rogando que o tocasse. Aquele homem, é claro, sabia que tinha
um grande problema, por isso acompanhou os homens que o
levaram a Jesus. Um cego, hoje, tem muitos recursos que podem
ajudá-lo a amenizar seu problema. Muitos até têm um bom
emprego. A lei brasileira os favorece, obrigando, por exemplo,
os restaurantes e lanchonetes a disponibilizarem menus em
escrita braile, criando cotas para concursos públicos ou

90
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

incentivando empresas privadas que os contratam. Mas no


tempo de Jesus isto não era assim. Os cegos não podiam fazer
muita coisa além de mendigar, para que pudessem sobreviver.
Falando de coisas espirituais, há pessoas que são cegas
mas não reconhecem. Acham que podem guiar multidões, e as
multidões cegas vão com elas para o abismo. Em Mateus 15.14
Jesus fala, a respeito dos fariseus: "Deixai-os; são cegos , guias
de cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, cairão ambos no
barranco."
A cegueira, às vezes, é um instrumento de juízo, como
quando Paulo feriu de cegueira um homem que se opunha à
pregação do evangelho, em Atos 13.11: "Pois, agora, eis aí está
sobre ti a mão do Senhor, e ficarás cego, não vendo o sol por
algum tempo. No mesmo instante, caiu sobre ele névoa e
escuridade, e, andando à roda, procurava quem o guiasse pela
mão." No campo espiritual isto também acontece, como
observamos em João 9.39: "[...] Eu vim a este mundo para juízo,
a fim de que os que não vêem vejam, e os que vêem se tornem
cegos"
Nós podemos estar cegos e não reconhecermos, como os
deficientes da fé, virtude, conhecimento, domínio próprio,
perseverança, piedade, fraternidade, amor, descritos em 2Pedro
1.5-9.
Segundo passo: Não nos conformarmos com uma
cura incompleta (23-25)

Tomando o cego pela mão, Jesus o levou para fora da


aldeia e, aplicando-lhe saliva aos olhos e impondo-lhe as mãos,
o curou parcialmente. Fazendo, porém, o “teste de qualidade”, o
homem admitiu que a cura ainda não estava perfeita. É claro que
não se trata de uma falha de Jesus, portanto atribuo o ocorrido à
fé do homem, que era pequena, e ao propósito do Mestre de nos
ensinar alguma coisa.
Existem falsos profetas dizendo que curam nossas
feridas, mas a cura é superficial, como os profetas e sacerdotes

91
Arildo Louzano da Silveira

mencionados em Jr 6.13-14, que se davam à ganância, e usavam


de falsidade, curando superficialmente a ferida do povo,
dizendo: "Paz, paz; quando não há paz." Ainda falando sobre
eles, Jeremias (8.9) pergunta retoricamente: "que sabedoria é
essa que eles têm?"
O rei Jeoás não creu o suficiente para receber de Deus
livramento completo do país inimigo, na história de 2Rs 13.14-
19. Segundo Eliseu, a fé do rei foi provada no ato de atirar
contra a terra, depois de ser avisado que isto simbolizava a
vitória de Israel contra os sírios. Joás demonstrou pouco
entusiasmo, ferindo a terra apenas três vezes, quando deveria tê-
lo feito cinco ou seis vezes.
Pedro quase afogou-se no mar porque duvidou no meio
de uma demonstração de poder, em Mt 14.23-31.
Nós podemos deixar de receber sabedoria (visão) por
falta de fé, como nos adverte Tiago em 1.2-6: "Meus irmãos,
tende por motivo de toda alegria o passardes por várias
provações, sabendo que a provação da vossa fé, uma vez
confirmada, produz perseverança. Ora, a perseverança deve ter
ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada
deficientes. Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria,
peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes
impropera; e ser-lhe-á concedida. Peça-a, porém, com fé, em
nada duvidando; pois o que duvida é semelhante à onda do mar,
impelida e agitada pelo vento."
Para que a cura do cego de Betsaida fosse completa,
Jesus "novamente lhe pôs as mãos nos olhos, e ele, passando a
ver claramente, ficou restabelecido; e tudo distinguia de modo
perfeito".
No que diz respeito à nossa situação espiritual, Deus
quer que sejamos perfeitos. Não quer que nos contentemos com
curas incompletas. Em Gênesis 17.1 lemos que, “quando atingiu
Abrão a idade de noventa e nove anos, apareceu-lhe o SENHOR
e disse-lhe: Eu sou o Deus Todo-Poderoso; anda na minha
presença e sê perfeito”. Em Deuteronômio 18.13 Deus exige de

92
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Israel: "Perfeito serás para com o SENHOR, teu Deus.", o


mesmo que faz Jesus com seus discípulos em Mateus 5.48,
quando ensina: "Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o
vosso Pai celeste." O caminho para a perfeição passa
necessariamente pela leitura e prática da Palavra de Deus,
conforme 2 Timóteo 3.14-17, que apresenta a Escritura como
útil para que "o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente
habilitado para toda boa obra."
Terceiro passo: Obediência (26)

Tendo curado o homem, Jesus o mandou embora para


casa, recomendando-lhe: Não entres na aldeia.
Jesus freqüentemente dava uma ordem a alguém, depois
de o curar. Ao enfermo de João 5.14 ele disse: "Olha que já
estás curado; não peques mais, para que não te suceda coisa
pior." Ao leproso de Marcos 1.44 ele ordenou: "Olha, não digas
nada a ninguém; mas vai, mostra-te ao sacerdote e oferece pela
tua purificação o que Moisés determinou, para servir de
testemunho ao povo."
A importância da obediência é destacada na história de
Saul, em 1Sm 15.18-23, onde Samuel o leva a considerar: "Tem,
porventura, o SENHOR tanto prazer em holocaustos e
sacrifícios quanto em que se obedeça à sua palavra? Eis que o
obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender, melhor do
que a gordura de carneiros. Porque a rebelião é como o pecado
de feitiçaria, e a obstinação é como a idolatria e culto a ídolos do
lar".
Será que estamos enxergando as coisas claramente?
Examinemos a nós mesmos. Não vamos nos contentar em
sermos cristãos medianos, que só assistem aos cultos. Vamos
trabalhar na obra do Senhor, pois a obra está carente de
trabalhadores. Sejamos obedientes, para não perdermos a saúde
espiritual, nem a nossa visão.

93
Arildo Louzano da Silveira

29. Quem é Jesus para você?(Leia Mc 8.27-38)


Jesus Cristo mudou a história do mundo. Sua vinda
marcou uma nova era. Pouca gente nega a sua existência, mas há
muitas opiniões divergentes a seu respeito. Como diz uma antiga
música: “Muito embora um só Jesus exista, bem poucos sabem
vê-lo como é. Filósofo, poeta ou comunista, ou mesmo hippie, já
se disse até”. Neste texto, Jesus faz uma pausa para conversar
com os discípulos, e pergunta: “Quem dizem os homens que sou
eu?” Este diálogo acabou revelando pelo menos quatro
perspectivas a respeito da personalidade do Senhor Jesus.
Primeira: A perspectiva dos homens – Um
grande homem, apenas (27,28)

Tendo partido para as aldeias de Cesaréia de Filipe, no


caminho, Jesus perguntou aos seus discípulos: “Quem dizem os
homens que sou eu?” E responderam: João Batista; outros:
Elias; mas outros: Algum dos profetas.
O mundo reconhece a existência de Jesus, mas para a
maioria ele foi apenas um grande homem, como diz artigo que li
na Wikipedia:
Numa revisão em 2011 do estado da arte da investigação
contemporânea, Bart Ehrman escreveu: "Com certeza existiu,
já que praticamente qualquer investigador clássico competente
concorda, seja ou não cristão". Richard A. Burridge afirma:
"Há aqueles que argumentam que Jesus é produto da
imaginação da Igreja e que nunca houve qualquer Jesus. Devo
dizer que não conheço nenhum acadêmico de renome que
ainda afirme isso". Robert M. Price não acredita que Jesus
tenha existido, mas reconhece que o seu ponto de vista é
contrário à maioria dos acadêmicos. James D.G. Dunn chama
às teorias da inexistência de Jesus "uma tese completamente
morta". Michael Grant (um classicista) escreveu em 1977: "em
anos recentes, nenhum acadêmico sério se aventurou a
postular a não historicidade de Jesus, e os poucos que o fazem
não tiveram qualquer capacidade de contrariar as evidências

94
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

no sentido contrário, muito mais abundantes e fortes. Robert


E. Van Voorst declara que os acadêmicos bíblicos e
historiadores clássicos encaram as teorias da inexistência de
Jesus como completamente refutadas [...] O Alcorão menciona
o nome de Jesus vinte e cinco vezes, mais do que o próprio
Maomé, e enfatiza que Jesus foi também um ser humano
mortal que, tal como todos os outros profetas, foi escolhido de
forma divina para divulgar a mensagem de Deus.12
Será que, para você, Jesus é apenas um grande homem?
Vejamos porém, uma outra perspectiva.
Segunda: A perspectiva dos discípulos – O Cristo
de Deus (29,30)

Prosseguiu Jesus: “Mas vós, quem dizeis que eu sou?” E


Pedro respondeu: “Tu és o Cristo.” Jesus advertiu-os de que a
ninguém dissessem isto a seu respeito.
É tão importante reconhecer que Jesus não foi apenas um
grande homem, mas o Cristo, aquele que Deus escolheu para
salvar os que crêem e reinar sobre toda a humanidade, que João,
no seu evangelho, após dizer que Jesus fez tantos sinais que não
poderiam ser todos escritos, alertou: "Estes, porém, foram
registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de
Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome.¨ (Jo 20.31).
Paulo também falou desta importância em Rm 10.12-15:
"Pois não há distinção entre judeu e grego, uma vez que o
mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o
invocam. Porque: Todo aquele que invocar o nome do Senhor
será salvo. Como, porém, invocarão aquele em quem não
creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como
ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem
enviados? Como está escrito: Quão formosos são os pés dos que
anunciam coisas boas!"

12
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Jesus Acesso em: 08/08/2015

95
Arildo Louzano da Silveira

Mas Satanás, o Inimigo, não tinha esta perspectiva,


como vemos a seguir.
Terceira: A perspectiva do Inimigo – Aquele que
sofreu em vão (31-33)

Jesus começou a ensinar-lhes que era necessário que o


Filho do Homem sofresse muitas coisas, fosse rejeitado pelos
anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas, fosse morto
e que, depois de três dias, ressuscitasse. Expunha claramente
quando Pedro, chamando-o à parte, começou a reprová-lo.
Jesus, porém, voltou-se e, fitando os seus discípulos, repreendeu
a Pedro e disse: “Arreda, Satanás! Porque não cogitas das coisas
de Deus, e sim das dos homens.”
A perspectiva do Inimigo confunde-se com a dos
homens, que buscam uma vida inteiramente sem sofrimento.
A Igreja Universal, que alcançou muito sucesso, e que
tem quase dois milhões de membros, tinha um Slogan que dizia;
“Pare de Sofrer”. Hoje, em sua página do Facebook, a frase em
destaque é mais amena, e diz: ”Onde uma vida muito melhor
espera por você”. Em seu livro “O poder sobrenatural da Fé”, o
líder da igreja escreve:
"[...] quando Deus criou a vida, criou-a com três grandes
propósitos. O primeiro, que ela fosse vivida em abundância,
isto é, com todos os seus direitos e privilégios, sem nenhuma
forma de aflição, angústia ou preocupação. No plano da
criação de Deus, "viver a vida" significava automaticamente
viver a felicidade, pois o próprio Senhor Jesus afirmou:
"...eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância."
(João 10.10). O segundo grande propósito foi que ela não
tivesse nenhum tipo de interrupção provocada por doenças,
enfermidades, dores, enfim, qualquer tipo de sofrimento ou
morte. [...] Finalmente, o terceiro grande propósito da vida, e
o principal, foi o de, através dela, manifestarmos a Sua
glória por toda a eternidade, a começar aqui pela Terra [...].

96
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

É por intermédio da fé sobrenatural que os filhos de Deus


tomam posse de toda a plenitude da vida.".13
Segundo Jesus, porém, uma perspectiva de vida sem
sofrimento está ligada a Satanás, que "não cogita das coisas de
Deus, e sim das dos homens". De acordo com a visão do
Inimigo, Jesus não precisava sofrer, mas esta não era a vontade
de Deus, que nos ensina em Hebreus 5.8 que ele, “embora sendo
Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu”.
Quarta: A perspectiva de Deus – O divisor de
águas (34-38)

“Jesus convocou a multidão e os seus discípulos, e disse-


lhes: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a
sua cruz e siga-me. Quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; e
quem perder a vida por causa de mim e do evangelho salvá-la-á.
Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua
alma? Que daria um homem em troca de sua alma? Porque
qualquer que, nesta geração adúltera e pecadora, se envergonhar
de mim e das minhas palavras, também o Filho do Homem se
envergonhará dele, quando vier na glória de seu Pai com os
santos anjos.”
Deus está olhando para a humanidade neste instante; ela
é como um rio, seguindo o seu curso. Mas um dia, todos nós
vamos “desaguar” no juízo final.
Em Ap 21.6-8 lemos: "Tudo está feito. Eu sou o Alfa e o
Ômega, o Princípio e o Fim. Eu, a quem tem sede, darei de
graça da fonte da água da vida. O vencedor herdará estas coisas,
e eu lhe serei Deus, e ele me será filho. Quanto, porém, aos
covardes, aos incrédulos, aos abomináveis, aos assassinos, aos
impuros, aos feiticeiros, aos idólatras e a todos os mentirosos, a
13
O Poder Sobrenatural da fé. Rio de Janeiro: Editora Gráfica Universal. 2000. pag. 49. Citado
por Janete Rodrigues da Silva em:
http://www.xiconlab.eventos.dype.com.br/resources/anais/3/1307040879_ARQUIVO_IgrejaUni
versaldoReinodeDeus-OimperativoParedeSofrecomofundamentodeumanovateodiceia.pdf
Acesso em: 08/08/2015

97
Arildo Louzano da Silveira

parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo e enxofre, a
saber, a segunda morte."
O “divisor de águas” da humanidade, é o Senhor Jesus.
Quem tomar a sua cruz, seu instrumento de morte, e segui-lo,
como ele também seguiu para a morte, pode perder muitas
oportunidades que o mundo oferece, mas no fim ganhará a vida
eterna. Quem não quiser perder sua vida, por amar o mundo,
perderá para sempre a possibilidade da vida eterna.
Quem é Jesus para você? Sua resposta sincera pode
determinar o seu destino.
Todo dia, quando acordamos, pegamos em primeiro
lugar os objetos que achamos mais importantes. O que você
pega em primeiro lugar, de manhã? O seu celular, o controle da
televisão, a chave do carro ou moto, o jornal? Jesus nos convida:
“tome a sua cruz e siga-me”. Vamos pegar a nossa cruz, todos
os dias, fazendo isto simbolicamente através da oração e leitura
da Bíblia, meditando sobre o que Deus nos tem dado como
tarefa neste dia, e então vamos prosseguir com nossas atividades
diárias, seguindo Jesus, e carregando a nossa cruz.

30. Destacando-se na multidão (Leia Mc 9.1-8)


Você tem o desejo de ser especial para alguém? Quer ser
o filho mais querido, o funcionário mais destacado, especial
para seu namorado ou namorada? Este texto nos fala de pessoas
que foram especiais, destacadas das demais.
TRÊS discípulos de destaque entre os doze (1-3)

Jesus falou aos discípulos: "em verdade vos afirmo que,


dos que aqui se encontram, alguns há que, de maneira nenhuma,
passarão pela morte até que vejam ter chegado com poder o
reino de Deus". Uma semana depois, Jesus levou consigo a
Pedro, Tiago e João à parte, a um alto monte. Foi transfigurado
diante deles; as suas vestes tornaram-se resplandecentes e muito
brancas, como nenhum lavandeiro na terra poderia branquear.

98
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Pedro, Tiago e João se destacaram dentre os doze


apóstolos, os únicos convidados para testemunharem o milagre
da transfiguração. Este destaque também aconteceu em pelo
menos duas outras ocasiões: na cura da filha de Jairo (Marcos
5.37) e na oração do Getsêmani (Mc 14.33). Por que eles foram
destacados? Eram especiais? Eram melhores do que os outros?
Analisemos um pouco a sua história:
Pedro vivia dando "bola fora". Foi repreendido por Jesus
pouco antes, sendo chamado até de Satanás (Mc 8.33). Foi
ignorado quando sugeriu, num delírio, fazer três tendas no cume
do monte; ficou sem palavras e acabou mentindo aos cobradores
das "duas dracmas" (Mt 17.24); achou que estava "arrasando"
em Mt 18.21, quando se propôs a perdoar sete vezes um irmão,
mas foi surpreendido com a exigência do Mestre de perdoar
setenta vezes sete, num só dia; puxou da espada e atacou um
servo do sumo sacerdote (Jo 18.10); negou Jesus.
Quanto a João e Tiago, eram chamados os "filhos do
trovão", provavelmente por causa de seu temperamento
explosivo, autoritário, e às vezes inconveniente. Em Lc 9.49,50,
João proibiu pessoas de expelirem demônios, porque não
seguiam com eles, no que foi repreendido por Jesus. Em Lc
9.52-55, os dois irmãos queriam mandar descer fogo dos céus
para consumir uma aldeia de samaritanos. Em Mc 10.35-37,
fizeram um pedido "indecente" para que ocupassem um lugar
bem ao lado de Jesus, no seu reino.
Penso que Jesus não escolheu estes três porque eram os
melhores, mas por algum outro motivo de sua vontade sábia e
soberana.
DOIS profetas de destaque entre dezenas em
Israel (4-6)

Enquanto Jesus estava orando, os três apóstolos viram


aparecer Elias com Moisés, falando com Jesus. Então, Pedro
disse: "Mestre, bom é estarmos aqui e que façamos três tendas:

99
Arildo Louzano da Silveira

uma será tua, outra, para Moisés, e outra, para Elias." Mas não
sabia o que dizia, porque estavam aterrados.
Lucas, narrando a mesma história, revela que o assunto
da conversa de Jesus com Moisés e Elias era "da sua partida"
(Lc 9.30,31). Que honra para estes dois profetas que, em glória,
conversaram com Jesus sobre um assunto tão importante, como
a conclusão do ministério messiânico, a crucificação e a
ressurreição, o que estava prestes a acontecer. Será que Jesus
estava pedindo a opinião deles? Será que, como aconteceu na
conversa com Abraão, antes da destruição de Sodoma e
Gomorra, a sua opinião influenciou na maneira como as coisas
iriam acontecer?
Sabemos, porém, que tanto Moisés quanto Elias eram
homens sujeitos a paixões, assim como eu e você. Moisés teve
uma vida difícil. Separado dos pais e irmãos desde o
nascimento, não abandonou suas raízes. Quando queria ser líder
de seu povo, foi rejeitado. Ficou exilado desde os quarenta até
os oitenta anos, e sendo já velho, desacreditava de si mesmo. Foi
incumbido de "carregar no colo" uma imensa nação de quase
dois milhões, suportou duas gerações rebeldes, e foi punido por
Deus, que negou-lhe um desejo simples mas importante, de
pisar na terra prometida.
Elias, igualmente, não teve vida fácil. Passou a fome
junto como o povo durante três anos e meio. Depois de uma
vitória sobre os profetas de Baal e de uma literal "resposta
relâmpago" do Senhor, lutou em oração para que a chuva
voltasse no tempo certo, orando sete vezes. Em seqüência foi
perseguido por Jezabel e decepcionou-se consigo mesmo, por
ter se acovardado.
Se homens como eles, com fraquezas e defeitos,
alcançaram posição de tanta honra, eu e você também podemos
vir a alcançar. Mas somente um homem, dentre toda a
humanidade, pode orgulhar-se de ter conseguido destaque por
seus próprios méritos.

100
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

UM homem de destaque entre dezenas de bilhões


(7,8)

Enquanto Pedro ainda falava, uma nuvem os envolveu; e


dela ouviram a voz do Pai: "Este é o meu Filho amado; a ele
ouvi." E, de relance, olhando ao redor, a ninguém mais viram
com eles, senão Jesus.
Não é possível sabermos exatamente quantas pessoas já
viveram na terra, desde Adão. Alguns se aventuraram a fazer
uma estimativa, e chegaram a um número perto de 108
bilhões.14 E Jesus foi destacado pelo Pai, como aquele por quem
todos os homens, de todos os tempos, devem passar, para
alcançar a vida eterna.
Pedro fala do episódio da transfiguração, em 2Pe 1.17,
dizendo que Jesus recebeu, da parte de Deus Pai, "honra e
glória, quando pela Glória Excelsa lhe foi enviada a seguinte
voz: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo."
Declarou, ainda, diante dos sacerdotes, em Atos 4.12: "E não há
salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe
nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa
que sejamos salvos." Paulo, pregando para os atenienses, disse
que Deus "estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com
justiça, por meio de um varão que destinou e acreditou diante de
todos, ressuscitando-o dentre os mortos" (At 17.31). O mesmo
apóstolo, dando instruções a um jovem discípulo, diz que "há
um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo
Jesus, homem" (1Tm 2.5).
Você, como eu, gostaria de não passar pela vida em vão,
de não ser apenas mais um entre as dezenas de bilhões de
homens que já viveram na terra? Gostaria de, um dia, poder falar
diretamente com Deus, o Criador? O seu caminho, então, deve

14
How Many People Have Ever Lived on Earth? - Disponível em:
http://www.prb.org/Publications/Articles/2002/HowManyPeopleHaveEverLivedonEarth.aspx.
Acesso em: 17/08/2015.

101
Arildo Louzano da Silveira

começar com Jesus. Creia que ele é o Salvador, designado por


Deus; confesse os seus pecados e faça com ele o compromisso
de não pecar mais, recebendo Jesus como seu Senhor.
Você, como Pedro, Tiago, João, Moisés e Elias, quer
servir a Deus e destacar-se no meio da multidão? Sua vida tem
sido desastrada como a de Pedro, Tiago e João? Está
desacreditado de si mesmo, como Moisés? Deprimido como
Elias? O Pai dos céus aponta para Jesus e diz: "Este é o meu
Filho amado; a ele ouvi." (Mc 9.7)

31. Falsas Expectativas (Leia Mc 9.9-13)


Decepções acontecem em nossa vida. Você já ficou
decepcionado por esperar tanto por algo, e depois ver que as
coisas não eram do jeito que esperava? Por uma pessoa, de
quem você fazia uma imagem, e depois descobriu que ela não
era assim? Ou recebeu um presente de aniversário, numa linda
embalagem, mas o conteúdo não agradava? O modo como as
coisas aconteceram na vinda do Messias também pode ter
causado decepção para Israel e outros que aguardavam a
promessa. Vemos neste texto algumas falsas expectativas que
poderiam causar-lhes decepção.
I – A ressurreição dos mortos antes do tempo
(9,10)

Ao descerem do monte da transfiguração, ordenou-lhes


Jesus que não divulgassem as coisas que tinham visto, até o dia
em que o Filho do Homem ressuscitasse dentre os mortos. Eles
guardaram a recomendação, perguntando uns aos outros o que
seria o ressuscitar dentre os mortos.
Quando Jesus lhes falou desta maneira, os discípulos
devem ter pensado: "Como assim?" Para alguém ressuscitar, tem
primeiro que morrer! Talvez interpretassem Salmos 16.10 (Pois
não deixarás a minha alma na morte, nem permitirás que o teu

102
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Santo veja corrupção), como uma afirmação de que o Messias


jamais iria morrer.
Sabiam, sim, que haveria uma ressurreição dos que já
estavam mortos, como disse Daniel em 12.2: "Muitos dos que
dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e
outros para vergonha e horror eterno". E provavelmente
esperavam que isto ia acontecer logo, junto com o
estabelecimento imediato do reino messiânico.
Os discípulos refletiam o pensamento da maioria em
Israel e dentre os demais que esperavam a vinda do Messias. As
palavras de Jesus, portanto, soavam estranhas. De que
ressurreição, afinal, ele estava falando? Se o Messias ia trazer a
ressurreição, porque ele morreria logo em seguida, para depois
ressuscitar? Estas informações não se encaixavam nas falsas
expectativas do povo, e por isto não podiam entender as
palavras do Mestre.
II – A vinda de Elias com grandes manifestações
de poder (11)

Os discípulos interrogaram Jesus: "Por que dizem os


escribas ser necessário que Elias venha primeiro?". Ao fazer esta
pergunta, é provável que tivessem em mente a experiência
recente da visão de Jesus glorificado, conversando com Moisés
e Elias. Se Elias estava ali, então seria cumprida a profecia da
restauração do reino de Israel, pensavam. Mas não atentavam
para o fato de que Elias já tinha vindo, conforme o anúncio do
anjo ao sacerdote Zacarias sobre seu filho, que estava para
nascer, em Lc 1.17: "E irá adiante do Senhor no espírito e poder
de Elias, para converter o coração dos pais aos filhos, converter
os desobedientes à prudência dos justos e habilitar para o Senhor
um povo preparado." Jesus também já tinha instruído seus
discípulos a respeito de João Batista, em Mt 11.14: "E, se o
quereis reconhecer, ele mesmo é Elias, que estava para vir."
Mas, se João Batista era o cumprimento da profecia da
vinda de Elias, porque ele não trouxe grandes manifestações de

103
Arildo Louzano da Silveira

poder, de fogo que desce do céu, de ressurreição de mortos, de


multiplicação de alimentos, de poder para fazer chover ou deixar
de chover? Se era esta a sua expectativa, ficaram decepcionados.
O próprio Elias aprendeu que Deus se comunica melhor através
de cicios suaves do que de vendavais, terremotos e fogo (1 Rs
19.9-13).
III – A restauração imediata de todas as coisas
(12,13)

Jesus falou que Elias, vindo primeiro, restauraria todas


as coisas, mas haviam mais elementos a serem analisados na
profecia, pois também "está escrito sobre o Filho do Homem
que sofrerá muito e será aviltado"; e além disso, "Elias já veio, e
fizeram com ele tudo o que quiseram, como a seu respeito está
escrito."
A "restauração de todas as coisas" era uma grande
expectativa na mente do povo de Deus, tanto que, até no último
momento antes da ascensão de Jesus, eles ainda perguntavam:
"Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel?"
(At 1.6). Mas, se eles esperavam que isto ia acontecer
imediatamente, ficaram decepcionados. Os israelitas que crêem
em Jesus, juntos com todos os crentes, ainda aguardam com
paciência e perseverança a restauração de todas as coisas, sendo
alertados, em 2Ts 2.2,3, a não se demoverem de suas mentes,
pois "isto não acontecerá sem que primeiro venha a apostasia e
seja revelado o homem da iniqüidade, o filho da perdição"; e em
2Pe 3.3, a ter "em conta, antes de tudo, que, nos últimos dias,
virão escarnecedores com os seus escárnios, andando segundo
as próprias paixões"
Podemos ficar decepcionados com a Igreja, ou até
mesmo com Deus, porque não fomos curados de uma doença,
ou porque nossa intercessão não foi respondida, ou porque o
emprego que esperávamos não veio, ou porque os irmãos não
são tão santos quanto achamos que deviam ser. Se este for o
caso, precisamos aprender que o Senhor requer de nós
perseverança. Não criemos, pois, falsas expectativas, mas em

104
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

primeiro lugar conheçamos as promessas de Deus para que


creiamos nelas. Ele nos dará tudo o que nos prometeu, mas não
tudo o que achamos que ele prometeu.

32. Fontes de recursos para momentos de crise (Leia Mc


9.14-29)
Estamos vivendo uma crise sem igual. O país está
desequilibrado, sob muitos aspectos, especialmente moral,
político e econômico. Alguns se prepararam para a crise
econômica, fazendo uma reserva financeira durante os prósperos
anos anteriores. Agora, provavelmente estão utilizando estes
recursos. Nós também, na busca de solução para os nossos
problemas, utilizamos as fontes de recursos que estão à nossa
disposição. Este texto conta a história de pessoas que, ao se
depararam com uma crise espiritual, correram aos recursos
disponíveis. Podemos dizer que, nestes momentos, é possível
recorrer a pelo menos três fontes de recursos.
Primeira fonte: o conhecimento (14-16)

Chegando aos pés do monte, Jesus e os três apóstolos


viram numerosa multidão ao redor, e os escribas discutiam com
os outros discípulos. A multidão, ao ver Jesus, tomada de
surpresa, correu para ele e o saudava. Ele interpelou os escribas:
"Que é que discutíeis com eles?"
Os escribas discutiam com os discípulos acerca do seu
fracasso, ao tentarem curar o rapaz. Quem sabe os discípulos
ficaram envergonhados, porque a sua teoria, na prática, não
funcionou? Mas não deram o braço a torcer, não foram humildes
o bastante para assumir que estavam impotentes diante de uma
situação inusitada. Quem sabe não se aventuraram num debate
sobre doutrinas, justamente com os escribas? Enquanto isto, o
rapaz endemoninhado estava ali, dando trabalho ao seu pai
desesperado, e a multidão querendo ver "o circo pegar fogo".
Provérbios 3.5 nos exorta: "Confia no SENHOR de todo o teu
coração e não te estribes no teu próprio entendimento"; mas nem

105
Arildo Louzano da Silveira

os discípulos, nem os escribas, nem as pessoas na multidão


pareciam tomar conhecimento de que isto era um assunto para
Deus. O mal que acometia o rapaz deixava todos atônitos e
incomodados, e ninguém ali sabia apontar a solução; mas em
vez de admitirem isto, preferiram alimentar seu ego, disputando
entre si para determinar quem tinha a melhor explicação para o
problema.
Nós estudamos muito para adquirir conhecimento,
porque sabemos que um dia vamos precisar. O conhecimento
freqüentemente se torna útil, mas não sabemos para quê, até o
momento em que encontramos uma aplicação para ele. Por isto,
o conhecimento é tão valorizado no mundo, e os diplomas são
tão honrados. Esta particularidade do acúmulo de conhecimento
tem levado muita gente diplomada a se ensoberbecer, e isto não
é bom, principalmente porque neutraliza um importante
princípio da ciência: o princípio de que nunca saberemos tudo,
que sempre temos algo mais para aprender.
Nossos conhecimentos são uma fonte importante de
recursos, mas, neste caso, o conhecimento pouco adiantou.
Segunda fonte: a misericórdia de Deus (17-24)

Saindo dentre a multidão, um homem disse: "Mestre,


trouxe-te o meu filho, possesso de um espírito mudo [...].
Roguei a teus discípulos que o expelissem, e eles não
puderam.". Ao que Jesus exclamou: "Ó geração incrédula, até
quando estarei convosco? Até quando vos sofrerei?".
Apresentando o menino e explicando o problema, o homem
pediu: "se tu podes alguma coisa, tem compaixão de nós e
ajuda-nos." Ao que lhe respondeu Jesus: "Se podes! Tudo é
possível ao que crê." O pai do menino exclamou com lágrimas:
"Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé!"
Há um ditado popular português que diz: "Ao menino e
ao borracho põe-lhes Deus a mão por baixo". No Brasil,
costumamos dizer: "Deus protege as criancinhas e os bêbados",
significando que, como estas pessoas fazem maluquices

106
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

inconscientemente, Deus ordena aos seus anjos que estejam


alertas para evitar acidentes. Pode ser, mas aos pais das
criancinhas e aos que se comportam como bêbados, fazendo
maluquices sem atentar para o perigo, é bom que se esclareça
que é uma irresponsabilidade depender somente da misericórdia
de Deus, sem seguir os caminhos da prudência.
O pai do menino endemoninhado desafiou o poder de
Deus, chorou, apelou. Mas Jesus o chamou à responsabilidade.
Era a sua fé que estava sendo provada. Jesus disse: "Tudo é
possível ao que crê". Desta afirmação podemos deduzir que era
possível a cura do seu filho, mesmo que Jesus não estivesse
presente. O homem, porém, não creu. Estava incluído entre
aqueles de quem Jesus disse: "Ó geração incrédula [...]!"
Precisou que Jesus, pessoalmente, em sua misericórdia,
resolvesse o caso.
Se não quisermos ser uma geração incrédula, temos que
demonstrar a nossa fé. Cremos que Deus pode curar, que ele
pode resolver todos os problemas, que ele pode nos tirar das
enrascadas em que nos metemos, mas, como diz Tiago, "Até os
demônios crêem e tremem" (2.19); devemos, antes de tudo, ter
consciência de que "a fé sem as obras é inoperante" (2.20).
Se não formos fiéis na assistência aos cultos, na leitura
diária da Bíblia e na oração, como seremos fiéis nas demais
obras que Deus "preparou para que andássemos nelas" (Ef
2.10)?
Precisamos obedecer à vontade de Deus, vestindo a
armadura espiritual, para que sejamos fortes e valorosos nas
batalhas, começando pelo básico e avançando sem parar. Assim
poderemos experimentar a realidade de que "tudo é possível ao
que crê". Todos podemos, e devemos, recorrer à misericórdia de
Deus, mas não é prudente andarmos como criancinhas,
borrachos ou bêbados, esperando que Deus nos amortize as
quedas o tempo todo.
Terceira fonte: a oração (25-29)

107
Arildo Louzano da Silveira

Vendo Jesus que a multidão concorria, repreendeu o


espírito imundo, que saiu, deixando-o como se estivesse morto.
Mas o Senhor, tomando-o pela mão, o ergueu, e ele se levantou.
Chegando em casa, os seus discípulos lhe perguntaram em
particular: "Por que não pudemos nós expulsá-lo?" Respondeu-
lhes: "Esta casta não pode sair senão por meio de oração e
jejum".
Jesus, tendo total autoridade sobre os demônios,
ordenou, e prontamente o rapaz foi curado do mal que o afligira
desde a infância. Os discípulos, porém, ainda estavam inquietos.
Porque eles mesmos não conseguiram expulsar o demônio? O
que estava faltando? A resposta era simples: oração. Ninguém
pode achar que pode viver sem oração. Não há nenhuma
possibilidade disto acontecer. Através da oração é que nos
comunicamos com Deus. Você já imaginou duas pessoas
vivendo sob o mesmo teto, anos e anos, sem se comunicarem?
Serão sempre estranhos, apesar de morarem na mesma casa.
Como poderíamos achar que com Deus é diferente?
Aos discípulos faltava oração. Não estavam orando o
suficiente. E quanto a nós? Devemos orar sem cessar, enquanto
caminhamos, trabalhamos, estudamos, em todo instante (1Ts
5.17). Devemos orar na Igreja, pois "está escrito: A minha casa
será chamada casa de oração" (Mateus 21.13). Notemos que
Paulo, no seu trabalho de evangelização, procurava locais onde
pessoas estivessem reunidas para orar, como em Atos 16.13:
"No sábado, saímos da cidade para junto do rio, onde nos
pareceu haver um lugar de oração; e, assentando-nos, falamos às
mulheres que para ali tinham concorrido." Devemos orar em
secreto, como nos instrui Mateus 6.6 : "Tu, porém, quando
orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai,
que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te
recompensará." Devemos orar antes das refeições, dando graças,
pois isto é um hábito saudável.
Podemos entender, com a resposta de Jesus, que os
discípulos poderiam ter expulso o demônio, eles mesmos, se não
tivessem negligenciado a oração. Mas será que é verdadeiro

108
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

afirmar que eles poderiam curar qualquer doença, expulsar


qualquer demônio, resolver qualquer problema, através de uma
oração de fé? Será que podemos aplicar, neste sentido bem
amplo, a ideia de que o crente tem à sua disposição
superpoderes, pois "tudo é possível ao que crê"?
Se fosse assim, não haveria mais doenças no mundo,
nem qualquer tipo de problema. Antes, porém, o crer envolve
aceitar que Deus não nos dá tudo o que pedimos, para o nosso
próprio bem. Tomemos como exemplo uma oração do próprio
Senhor Jesus, em Marcos 14.36 "[...] Aba, Pai, tudo te é
possível; passa de mim este cálice; contudo, não seja o que eu
quero, e sim o que tu queres." Todos sabemos qual foi a resposta
a esta oração. Era possível para o Pai passar de Jesus o terrível
cálice da cruz? Sim, era possível. Era a vontade do Pai passar de
Jesus este cálice? Não, não era.
Quando falamos que "tudo é possível ao que crê",
devemos incluir, entre as possibilidades, aceitar um "não" como
resposta de Deus, sem que nossa fé seja abalada. Que possamos
aprender com Paulo, que afirmou em Fp 4.12,13: "Tanto sei
estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas
as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de
fome; assim de abundância como de escassez; tudo posso
naquele que me fortalece."
Assim, vamos nos preparar para as crises, acumulando o
bom conhecimento da palavra de Deus, sem que isto nos torne
soberbos. Não deixemos de clamar pela misericórdia de Deus,
mas não sejamos imprudentes, pois na hora da crise vamos
precisar recorrer à nossa reserva de recursos espirituais, que só
uma vida de oração nos proporciona.

33. Superando o medo (Leia Mc 9.30-40)


Os cristãos têm uma missão, a de fazer discípulos. Jesus
cumpriu a sua missão que, no seu caso, incluía o sacrifício de
seu próprio corpo como propiciação pelos nossos pecados. Ele

109
Arildo Louzano da Silveira

encontrou dificuldades no cumprimento de sua missão, pois o


inimigo estava sempre procurando atrapalhar. Entre os
instrumentos mais usados pelo inimigo para atrapalhar a nossa
missão, está o medo. Precisamos aprender superá-lo. Este texto
nos fala de três medos que, se não tratarmos, atrapalharão a
nossa missão.
I – Medo de perder a nossa vida (30-32)

Partindo da região norte, passavam pela Galiléia, e não


queria que ninguém o soubesse; porque ensinava os seus
discípulos e lhes dizia: O Filho do Homem será entregue nas
mãos dos homens, e o matarão; mas, três dias depois da sua
morte, ressuscitará. Eles, contudo, não compreendiam isto e
temiam interrogá-lo.
Os discípulos não compreendiam, e é provável que não
quisessem compreender, a mensagem da cruz. Tinham medo até
de perguntar sobre o assunto. Esta atitude parece ser uma
estratégia de defesa, como aquelas que nós utilizamos quando
não queremos ir ao médico, para que ele não descubra as
doenças que temos, para que não fiquemos preocupados. Diante
da realidade da mensagem da cruz, nós temos a tendência de
fugir do assunto e de qualquer sofrimento que possa nos
sobrevir por causa da nossa profissão de fé.
Antigamente era mais difícil falar de Jesus. As pessoas
não eram tão abertas como são hoje. Uma vez, fui à casa de um
amigo, que eu ganhara para Cristo, e chegou outro amigo dele.
No meio da conversa, enquanto falávamos de nossa fé, o outro
protestou: "Você não está querendo se tornar crente, está?".
Embora fosse exatamente isto o que estava acontecendo, ou seja,
meu amigo estava se tornando um crente, ele não teve coragem
de admitir diante do outro amigo, e até eu mesmo me senti
intimidado com a pergunta "recriminadora".
Talvez nossa integridade física não esteja em risco,
como no caso de missionários em países não cristãos, mas
sofremos psicologicamente nas rodas de amigos, de familiares,

110
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

ou profissionais, sendo prejudicados por falar a verdade,


enquanto as coisas são facilitadas para os que usam
indiscriminadamente a mentira.
Havia mestres na Galácia, no tempo de Paulo, que
queriam ostentar-se na carne, e constrangiam os gálatas a se
circuncidarem, “somente para não serem perseguidos por causa
da cruz de Cristo” (Gálatas 6.12).
Não podemos ter medo da morte, de negarmos a nós
mesmos, perdendo “privilégios” da vida. Temos que entregar no
altar de Deus o nosso corpo como sacrifício vivo, santo e
agradável, para recebermos de volta a vida abundante. Como na
história de Abraão, sacrificando Isaque, temos que ir com
coragem até onde Deus mandar. Só assim a nossa missão terá
chances de ser bem-sucedida.
II – Medo de perder a nossa posição (33-37)

Estando já em casa, em Cafarnaum, Jesus interrogou os


discípulos: “De que é que discorríeis pelo caminho?” Mas eles
guardaram silêncio; porque, pelo caminho, haviam discutido
entre si sobre quem era o maior. Então lhes disse: “Se alguém
quer ser o primeiro, será o último e servo de todos.” Trazendo
uma criança, tomou-a nos braços, e disse: “Qualquer que receber
uma criança, tal como esta, em meu nome, a mim me recebe; e
qualquer que a mim me receber, não recebe a mim, mas ao que
me enviou.”
Os discípulos temiam perder a sua posição no reino
vindouro. Articulavam, como políticos, um cargo, um
ministério, e sabiam que para satisfazer suas pretensões, era
necessário se organizarem numa hierarquia.
Evódia e Síntique, na igreja de Filipos, não estavam
pensando concordemente (Fp 4.2), talvez por conflito de seus
interesses. Ficamos ansiosos quando alguém ameaça invadir o
nosso espaço. Às vezes agimos como um cão de guarda. Se
alguém se aproximar demais do seu território, ele adverte com
latidos. Mas, assim como nem todo o que se aproxima do

111
Arildo Louzano da Silveira

quintal do cachorro é necessariamente uma ameaça, assim


também nem todos os que transitam por nosso campo de
atuação, são mal intencionados. E se forem, temos um protetor
que é Deus. Ele é quem defende os interesses daqueles que estão
ao seu serviço. De nossa parte, precisamos aprender a “sofrer o
dano” (1Co 6.7), a “andarmos duas milhas”, a “darmos também
a capa”, a “darmos a outra face” (Mt 5.39-41), a buscarmos ser
os últimos e não os primeiros, a servir em vez de buscarmos ser
servidos (Mc 10.45), a preferirmos em honra uns aos outros (Rm
12.10), a não fazermos nada por partidarismo ou vanglória (Fp
2.3).
É natural que gostemos de ser elogiados, de que as
pessoas reconheçam os nossos feitos. Recentemente, uma
família que estava afastada de nossa igreja, voltou. Foi para nós
uma grande alegria. Numa situação assim, damos glória a Deus,
e ficamos imaginando como é que isto aconteceu, de que
maneira Deus trabalhou no coração destes irmãos. Eu e minha
esposa tínhamos visitado esta família, não muito tempo atrás,
então imaginei que Deus tivesse usado esta visita para tocar em
seus corações. Mas, antes que eu pudesse me gloriar disto, outro
irmão me confidenciou: “eu liguei ontem para eles, falando para
virem na Igreja, e eles vieram!”. Pelo menos dois outros
membros da Igreja também disseram que estavam orando por
eles, e achavam que foram suas orações, que foram ouvidas. De
quem, pois é a glória? De Deus, é claro, que nos usou em
conjunto para demonstrar amor.
Jesus apresenta uma criança como ilustração de um
crente sincero e humilde. Precisamos cuidar para não sermos
para estes uma pedra de tropeço, brigando o tempo todo por
espaço e reconhecimento. Não tenhamos medo de perder o
nossa posição, pois o reconhecimento que realmente importa
vem do Senhor, que tudo sabe e que tudo vê.
III – Medo de perder as nossas convicções (38-
40)

112
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Diante da lição de Jesus, João confessou: “Mestre, vimos


um homem que, em teu nome, expelia demônios, o qual não nos
segue; e nós lho proibimos, porque não seguia conosco.” Mas
Jesus respondeu: Não lho proibais; porque ninguém há que faça
milagre em meu nome e, logo a seguir, possa falar mal de mim.
Pois quem não é contra nós é por nós.
Ter convicções, para nós, é tão importante que, se
alguém ameaça tentar mudá-las ou enfraquecê-las, temos
atitudes inesperadas. Um pastor muito conhecido nosso, e
respeitado, conta a história de que, na sua infância, antes de
aceitar a Cristo, discutiu com um colega de escola. O outro dizia
que ele não ia para o céu, pois não era da sua Igreja, e ele dizia
que o outro é que não iria para o céu, pois sua Igreja era a mais
correta. A discussão tornou-se mais e mais acalorada, até que o
pastorzinho finalmente venceu o debate, desferindo um murro
no nariz do coleguinha, que foi embora chorando e sangrando.
Apesar de "vencer o debate", o vitorioso ainda estava
incomodado em seu coração, pois na verdade, não tinha certeza
de que ia para o céu, até que, aos nove anos, aceitou a Cristo
como seu Senhor e Salvador.
Teria sido o medo de perder suas convicções, o que
levou João a proibir um homem de expelir demônios? O homem
não andava com eles, que direito tinha de expelir demônios em
nome de Jesus? O que aquele homem ensinava, enquanto
expelia demônios? Se ele fazia uma coisa boa, então deveria
estar junto aos demais discípulos. Mas o homem não estava com
eles. Fazia parte de outro grupo, e isto incomodava. Se alguém
tinha algo bom para ensinar, uma obra boa para fazer, este
alguém necessariamente devia fazer parte do grupo dos que
andavam lado a lado com o único que tinha “as palavras da vida
eterna”.
Mas, como Jesus ensinou noutra ocasião, não era o
momento de separar o joio do trigo. É certo que há muitas seitas,
muitos lobos em peles de ovelhas, muitos falsos mestres, que
precisamos combater e alertar os incautos. Mas, por mais que
isto nos incomode, temos que conviver com a diversidade de

113
Arildo Louzano da Silveira

pensamentos. Nossa igreja, por exemplo, tem uma declaração de


fé, pois isto é necessário para que nos identifiquemos como um
corpo local. Se alguém não concordar com esta declaração de fé,
está livre para desligar-se da igreja, e não deve tentar impor
ideias divergentes, enquanto permanecer membro desta
comunidade. Ainda assim, todos nós somos livres para pensar.
Não podemos nem devemos ter controle sobre os livros que se
lêem, as músicas que se escutam, os programas que se assistem.
Não devemos achar que somente a nossa igreja tem o caminho
da salvação, nem querer que todos se conformem à nossa
interpretação das Escrituras. Atitudes assim já foram tomadas,
no passado, quando a Igreja tinha maior poder sobre a
sociedade, e os resultados não foram plenamente satisfatórios.
Aliás, muitas tragédias ocorreram como resultado destas
tentativas de se padronizar a fé, como fez a Igreja Católica
Romana durante séculos, e depois os primeiros reformadores,
em seus respectivos territórios. Hoje, reformados, históricos,
tradicionais, pentecostais, neopentecostais, e outros, convivem
num relacionamento de mútuo respeito. Tolerar a fé alheia,
porém, não significa abandonar as nossas convicções. Devemos
tomar uma posição, com base na Bíblia, a Palavra da Deus, e
segui-la. Devemos defender nosso ponto de vista e, se possível,
convencer outros a seguirem conosco, mas não devemos temer a
convivência com os que, sob nosso ponto de vista, teimam em
ser errados, como se eles pudessem mudar nossas convicções.
Que o Senhor nos ajude a sermos mais eficientes em
nossa missão de fazer discípulos, superando os medos que nos
atrapalham: o medo de perder a vida, de perder a nossa posição,
de perder as nossas convicções. Que nós possamos nos
aperfeiçoar no amor a Deus e aos irmãos, pois, como diz 1Jo
4.18, “o amor perfeito lança fora o medo”.

114
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

34. Difíceis decisões (Leia Mc 9.41-50)


No tempo de Jesus, o sal era uma especiaria muito
valiosa. Por isto, os discípulos são comparados ao sal, e
exortados a não perderem o seu valor, tornando-se insípidos.
Para não perdermos o galardão de Deus, e para não corrermos o
risco de sermos condenados com os ímpios, é melhor termos o
valor do sal em nós mesmos. Este texto nos adverte, dizendo
que, às vezes, temos que tomar decisões difíceis, para
demonstrarmos o nosso valor diante de Deus e não corrermos o
risco de perdermos o galardão ou de sermos condenados com os
ímpios.
I – Decisão de colaborar para o progresso do
evangelho (41)

Jesus disse que, quem der de beber um copo de água, em


seu nome, aos discípulos de Cristo, não perderá o seu galardão.
Quem recusaria dar um copo de água para alguém? Se
alguém vier pedir um copo de água na porta de sua casa, você
recusaria? Imagine se estivéssemos numa guerra, e um soldado
inimigo estivesse passando na sua rua, morrendo de sede. Dar
água a ele seria visto pelo seu país como uma traição. Muitos
recusam dar um copo d'água por medo da violência urbana,
porque ladrões usam esta estratégia para se aproximar e entrar
nos lares. Quando se nega uma moeda a um morador de rua,
numa parada de semáforo, isto não ocorre necessariamente por
falta de compaixão, mas pode ser por princípios, para não
incentivar uma prática nociva à sociedade e até mesmo ao bem
estar do pedinte, que pode estar usando a esmola para comprar
drogas. Por outro lado, Raabe acolheu espiões inimigos e foi
salva da destruição, junto com sua família. Rebeca deu água
para um estranho e conquistou um nobre esposo.
Ajudar pessoas é normal, todo mundo faz isto. Mas o
que rende vantagens é ajudar com um propósito. Dar um copo
de água a um discípulo de Cristo, conscientemente, é contribuir

115
Arildo Louzano da Silveira

para o progresso do evangelho. Por isto é tão importante, por


exemplo, ajudarmos as missões.
Jesus disse que o amor de uns para com os outros é que
iria marcar a autenticidade dos seus discípulos (Jo 13.35).
Quando eu me converti, fiquei impressionado com a solicitude
dos irmãos em ajudar-me. Vi que as pessoas se preocupavam
comigo. Estavam sempre atentos, para que eu e minha família
ficássemos bem. Era como se a Igreja fosse uma família e eu, o
filho mais querido. Queira Deus que eu e os irmãos estejamos
fazendo o mesmo com os que chegam na Igreja, hoje.
Fazer atos de bondade entre os irmãos, especialmente
aos mais necessitados, é um modo de garantir seu galardão. Isto
não significa, de modo algum, que devamos ajudar somente aos
crentes, porque nem sabemos, ao ajudar alguém necessitado, se
ele é um crente. Mesmo que tenhamos bons indícios de que a
pessoa não é crente, não sabemos se um dia virá a crer. Os filhos
do Altíssimo imitam o seu pai, pois amam até os inimigos,
fazem o bem e emprestam, sem esperar nenhuma paga, assim
como o Altíssimo é benigno até para com os ingratos e maus (Lc
6.35).
Às vezes, decidir colaborar é uma decisão difícil, mas
precisamos decidir, com sabedoria, para que mostremos o nosso
valor diante de Deus.
II – Decisão de renunciar às coisas que nos
fazem tropeçar (42-48)

Jesus disse que, quem fizer tropeçar a um pequenino


crente, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma
grande pedra de moinho, e fosse lançado no mar. Que, se a mão,
ou o pé, ou o olho faz tropeçar, é melhor arrancá-los do que ir
para o inferno, para o fogo inextinguível.
Fazer tropeçar é colocar algum obstáculo para que os
outros se atrasem ou caiam pelo caminho. Nossa decisões
podem atrapalhar os outros que querem ficar firmes e andar na
fé. Se não nos livrarmos dos obstáculos que nos fazem tropeçar,

116
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

podemos cair em pecado e levar outros a caírem conosco (como


se estivéssemos numa trilha em caminhos íngremes).
Quase todos os dias nos vemos diante de dilemas, ao
decidir se devemos acordar cedo ou dormir até mais tarde, se
vamos estudar ou nos divertir com os amigos. Escolher a melhor
opção nem sempre é tão simples. Às vezes precisamos descansar
um pouco mais, e não devemos abandonar totalmente a diversão
com os amigos, mas, na maioria das vezes, a opção mais amarga
é a que vai nos livrar de muitas tribulações, como a perda do
emprego, ou que nos trará melhores recompensas, como uma
melhor posição social.
A advertência para quem se deixa tropeçar e, assim, faz
outros tropeçarem, é muito severa. Fala do castigo extremo do
inferno, onde o verme não morre, e o fogo é inextinguível. Mas,
como um crente deve entender esta advertência, se a Bíblia nos
ensina que, pela salvação de Jesus, ele "não entra em juízo", que
já pode se considerar como quem "passou da morte para a vida"
(Jo 5.24)? Não sei. Eu poderia dizer, porém, parafraseando
Shakespeare, que há muito mais coisas "entre o céu e o inferno"
do que imagina uma "vã teologia". Por isto, é prudente
atentarmos à advertência.
Para mostrar o nosso valor diante de Deus, precisamos
renunciar às coisas que nos fazem tropeçar, mesmo que esta
decisão seja difícil como cortar uma mão, ou um pé, ou arrancar
um olho.
III – Decisão de negociar a paz (49,50)

Jesus conclui: cada um será salgado com fogo. Bom é o


sal; mas, se o sal vier a tornar-se insípido, como lhe restaurar o
sabor? Tende sal em vós mesmos e paz uns com os outros.
É difícil, até para os comentaristas, interpretar o que
Jesus quis dizer ao afirmar que cada um será salgado com fogo.
Mas, como o fogo é uma figura de tribulação, e o sal, uma figura
do discípulo valoroso, talvez quisesse dizer, como em outras
passagens bíblicas, que as provações nos aperfeiçoam e nos

117
Arildo Louzano da Silveira

tornam mais preciosos para Deus. Os relacionamentos humanos


são grande fonte de tribulação. Não há melhor exemplo da
complexidade dos relacionamentos humanos do que o
relacionamento familiar: marido e mulher, pais e filhos, irmãos,
sogras, genros e noras.
Pedro diz, em 1Pe 3.7, para os maridos viverem a vida
comum do lar, com discernimento; e, tendo consideração para
com a mulher como parte mais frágil, tratá-la com dignidade,
para não se interromperem as suas orações. Em Mt 5.21-26, no
mesmo contexto do ensino deste parágrafo de Marcos, Jesus
instrui a entrarmos em acordo sem demora com o nosso
adversário, enquanto estamos com ele a caminho, para que o
adversário não nos entregue ao juiz, o juiz, ao oficial de justiça,
e sejamos recolhidos à prisão.
Negociar a paz, pedir perdão e perdoar, é muitas vezes
uma decisão extremamente difícil, mas precisamos zelar pela
paz, mostrando assim que temos valor diante de nosso Criador, e
que não somos como um sal que se tornou insípido.
Colaborar com o progresso do evangelho, nem que seja
com um simples copo de água fria; renunciar aos costumes que
nos fazem tropeçar, mesmo que estejam tão arraigados, com se
fossem a nossa mão, o nosso pé, ou o nosso olho; negociar a
paz, mesmo tendo que passar por cima do nosso orgulho; são
decisões difíceis, mas temos que encarar este desafio, e com fé
decidirmos fazer o que agrada a Deus, para mostrar que somos
úteis, para não perdermos o nosso galardão, e nem corrermos o
risco de sermos condenados com o mundo.

35. Coisas do coração (Leia Mc 10.1-12)


Jesus se aproxima cada vez mais de Jerusalém. Agora,
ele concentra seu ministério na região onde João batizava. Atrai
multidões de seguidores e também os inimigos fariseus, que
tentam comprometê-lo diante do povo e das autoridades,
fazendo perguntas que, segundo imaginavam, obrigariam Jesus

118
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

a assumir uma posição comprometedora. Mas o Mestre sempre


aproveita estas oportunidades para ensinar, e através deste
acontecimento nos ensina pelo menos duas lições importantes.
I – Sobre a vontade de Deus para o matrimônio
(1-3,10-12)

O mundo quer ter privilégios sem assumir


responsabilidades. Antigamente, os jovens não queriam se casar,
só namorar. Hoje em dia, o namoro já é considerado um
relacionamento muito sério. A onda é só curtir. Como exemplo
do pensamento "moderno", cito um trecho de uma famosa
música, cantada por um grupo intitulado "Aviões do forró", que
diz assim: "Eu não quero namorar, eu quero é beber, curtir,
porque amar, to fora; tô cansada de sofrer, eu quero é viver,
beber, porque amar tô fora; [...] eu parei de ser besta; de ficar em
casa sexta[...]"15.
Não podemos nos conformar com um pensamento assim.
Jesus diz, no sermão da montanha, que qualquer que olhar para
uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com
ela. Pouco depois ele afirma que repudiar a mulher, exceto em
caso de relações sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera; e
aquele que casar com a repudiada comete adultério. Ali também
Jesus adverte que, se olho ou a mão faz tropeçar, é melhor cortar
e ficar aleijado do que persistir em pecar contra Deus e acabar
no inferno (Mt 5.27-32).
Em 1Co 7.1-17,35-40, temos uma extensa instrução
sobre casamento, com mandamentos e conselhos pessoais de
Paulo para a Igreja. Em Ef 5.21-33, aprendemos que os maridos
devem amar suas esposas, assim como Cristo amou a Igreja; e
que as esposas devem ser submissas aos próprios maridos, como
ao Senhor.

15
Disponível em: http://www.temforro.com.br/2015/05/letra-aprenda-amar-to-fora-novo-
sucesso.html Acesso em: 12/09/2015

119
Arildo Louzano da Silveira

Somos pecadores, e já perdemos a oportunidade de


sermos perfeitos, mas podemos juntar o que nos resta e servir ao
Senhor. Não sejamos como os fariseus, que eram hipócritas.
Não tinham o coração disposto a servir, mas queriam defender
sua posição tentando desacreditar seus adversários. Não usemos
justificativas para o nosso pecado, como dizer: "todo mundo faz
assim". Os preceitos de Deus são absolutos, não variam
conforme a época, nem são negociáveis. Adultério, sexo fora do
casamento, homossexualismo, continuam sendo pecado; são
abomináveis para Deus. O casamento continua sendo sagrado,
uma união de um homem com uma mulher, para toda a vida.
Ninguém é obrigado a se casar, mas, se não consegue se conter,
é melhor casar do que viver abrasado (1Co 7.9).
Quando Mateus narra a mesma história deste parágrafo
de Marcos, ele menciona que os discípulos, vislumbrando a
grande responsabilidade que é o casamento, protestaram: "Se
essa é a condição do homem relativamente à sua mulher, não
convém casar." Jesus, porém, lhes respondeu: "Nem todos são
aptos para receber este conceito, mas apenas aqueles a quem é
dado. Porque há eunucos de nascença; há outros a quem os
homens fizeram tais; e há outros que a si mesmos se fizeram
eunucos, por causa do reino dos céus. Quem é apto para o
admitir admita" (Mt 19.10-12).
II – Sobre a natureza do coração do homem (4-9)

Há escolhas, que fazemos na vida, que nos levam para o


bem ou para o mal. Desde a escolha de aceitar a Cristo, até a
decisão de cometer um crime. Há decisões que não são nem
certas nem erradas, mas que são permanentes, que se tornam um
compromisso para o resto da vida, como casar-se ou ter um
filho. Numa decisão importante assim, devemos consultar o que
diz a palavra de Deus sobre o assunto.
Mas nada é tão simples para estas criaturas de Deus,
conhecidas como o homem e a mulher. No princípio, Deus deu
uma instrução clara e direta: não comer do fruto do
conhecimento do bem e do mau. Nem isto fomos capazes de

120
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

obedecer. O homem tem o coração endurecido, e Deus tem


administrado a dureza do coração do homem, como no caso em
que ordenou a carta de divórcio, para resguardar o direito da
esposa e assim diminuir os danos que o pecado do marido
pudessem causar à mulher.
Nenhum de nós anda 100% com Deus. Pelo contrário,
andamos fazendo coisas segundo a dureza do nosso coração. As
mulheres não usam mais o véu, como Paulo orientou à igreja de
Corinto; usam roupas que, há cem anos atrás seriam
consideradas escandalosas. Introduzimos músicas estranhas ao
culto em nossas igrejas, para atendermos aos apelos de alguns
membros; na TV de casa, assistimos a filmes e outros programas
onde blasfemam o nome de Deus e valorizam os maus costumes
constantemente; assistimos jogos de futebol e "Fórmula 1" no
domingo, dia em que todos deveriam estar adorando o Senhor,
na Igreja; idolatramos celebridades; gastamos tanto dinheiro
consumindo coisas dispensáveis;
A dureza de coração do homem é denunciada, por
exemplo, em Mt 13.15, onde se confirma a profecia de que o
coração de Israel estava endurecido, e que de mau grado ouviu
com os ouvidos e fechou os olhos. Até mesmo o coração dos
discípulos, pelo seu endurecimento, era tardio para crer nos
milagres e na própria ressurreição de Jesus.
Sobre tudo o que se deve guardar, guardemos o coração,
porque dele procedem as fontes da vida (Pv 4.23). O Senhor é
aquele que sonda mentes e corações, e nos dará a cada um
segundo as nossas obras (Ap 2.23). Somos exortados por Tiago
a não sermos inconstantes, e a limparmos o nosso coração (Tg
4.8). O Senhor espera de nós que não sejamos endurecidos, mas
que sejamos limpos de coração (Mt 5.8); que o amemos de todo
o nosso coração, alma e forças (Dt 6.5). Quando, na igreja, a
Palavra de Deus é pregada com entendimento e clareza, os
segredos do nosso coração são manifestos, e adoramos a Deus,
testemunhando que Deus está, de fato, no meio de nós (1Co
14.25) Quando nos convertemos, o Senhor nos purifica o

121
Arildo Louzano da Silveira

coração, como é dito dos primeiros gentios da Igreja, em At


15.9.
Precisamos ter cautela, para que nosso coração não fique
sobrecarregado com as conseqüências da orgia, da embriaguez e
das preocupações deste mundo, e para que o dia do julgamento
não venha sobre nós repentinamente, como um laço (Lc 21.34).
Nós somos, para Deus, igreja morna, como a Igreja de
Laodicéia. Somos como viciados que sabem que estão morrendo
mas não conseguem abandonar o vício. Estamos como num
veículo desgovernado, sem freio, sem solução, e não podemos
fazer nada para evitar o desastre iminente. Então, cantemos
hinos de louvor a Deus, e trabalhemos enquanto é dia, enquanto
o navio ainda não afunda! Deixemos de lado o que não é
importante. Façamos boas obras, e busquemos o favor e a
misericórdia do nosso bom Deus, que está em Cristo Jesus.
Somente o sacrifício de Jesus, derramando seu sangue, dando
sua vida por nós, pode nos livrar da ira vindoura. Recebamos,
pois, a salvação, e produzamos frutos dignos de arrependimento.

36. O Reino de Deus e as Crianças (Leia Mc 10.13-16)


"Então, lhe trouxeram algumas crianças para que as
tocasse, mas os discípulos os repreendiam. Jesus, porém, vendo
isto, indignou-se e disse-lhes: Deixai vir a mim os pequeninos,
não os embaraceis, porque dos tais é o reino de Deus. Em
verdade vos digo: Quem não receber o reino de Deus como uma
criança de maneira nenhuma entrará nele. Então, tomando-as
nos braços e impondo-lhes as mãos, as abençoava."
Ao estudar este texto, me vieram à mente duas
perguntas, para as quais não achei uma resposta direta e
definitiva.
I – O que é o reino de Deus

No livro de Marcos, mesmo, temos muitas informações


sobre o assunto:

122
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

 Marcos 1.15 O Reino de Deus está próximo e isto exige


de nós arrependimento;
 Marcos 4.11 O Reino de Deus é misterioso, por isso
precisamos aprender mais e mais sobre ele;
 Marcos 4.26,27 O Reino de Deus é como uma semente
que cresce sem que saibamos como. Por isto precisamos
semear com esperança;
 Marcos 4.30 O Reino de Deus cresce de maneira
irregular, e outros que não são filhos do reino tiram proveito
dele;
 Marcos 9.1 O Reino de Deus se manifestará com poder;
Veremos a sua glória no tempo devido;
 Marcos 9.47 É preciso ser puro para entrar no Reino de
Deus;
 Marcos 10.23-25 É muito difícil entrar no Reino de
Deus;
 Marcos 12.34 É possível estar perto do Reino de Deus,
sem, contudo, estar nele;
 Marcos 14.25 Jesus vai cear com os discípulos no Reino
de Deus vindouro; Que nós possamos estar entre estes
discípulos!
 Marcos 15.43 O Reino de Deus é algo que se espera;
José de Arimatéia era rico e ilustre membro do sinédrio que
condenou Jesus (certamente deu voto contrário), mas
provavelmente entrou no Reino de Deus.
Estas informações não nos dão uma resposta direta e
definitiva sobre o que é o Reino de Deus, mas nos fazem
entender o quanto é importante buscarmos fazer parte dele
II – O que é ser como uma criança

Do próprio parágrafo podemos extrair pelo menos três


características das crianças que estão relacionadas à sua entrada
no Reino de Deus:
1 - São relativamente incapazes (então lhe trouxeram
algumas crianças). Elas não vêm por conta própria. Temos que
trazer as pessoas que, mesmo se considerando adultas, não

123
Arildo Louzano da Silveira

sabem vir sozinhas, e não sabem que precisam da salvação. Por


isso é que às vezes fazemos programações especiais para atrair
estas “crianças” à Igreja porque, de outra forma, não viriam. Nos
esforçamos para trazê-las, dando carona, indo chamar.
2 - São embaraçadas ("deixai vir a mim os pequeninos,
não os embaraceis"). Quando tomam a decisão de vir, muitos as
repreendem, colocam obstáculos para atrapalhar. É o trabalho do
inimigo para impedir que elas se convertam. Precisamos orar
por elas, insistir, argumentar, e se estiver ao nosso alcance,
repreender quem as repreende.
3 - Crianças se deixam levar, não resistem muito (então,
tomando-as nos braços...). Isto pode ser bom ou ruim,
dependendo de quem conduz as crianças. Precisamos ser como
crianças para aceitarmos o ensino e a direção dos mestres da
Igreja. Não podemos ser recalcitrantes. Se adotamos uma Igreja,
é porque confiamos que ali se ensina os preceitos bíblicos de
maneira correta. Tendo, então, assumido o compromisso de
servimos a Deus nesta Igreja, devemos ser submissos e
andarmos nos caminhos que os mestres estão apontando. Nem
sempre isto vai ser fácil. Às vezes isto exigirá de nós que
deixemos de lado algumas convicções e sigamos na direção que
todos estão caminhando, sem sermos rebeldes. Por outro lado,
não devemos ser ingênuos, devemos equilibrar a submissão e a
resistência, como diz 1Coríntios 14.20 “Irmãos, não sejais
meninos no juízo; na malícia, sim, sede crianças; quanto ao
juízo, sede homens amadurecidos.”
Será que já fazemos parte do Reino de Deus? Vamos
buscá-lo em primeiro lugar na vida (Mt 6.33).

37. A Vida Eterna (Leia Mc 10.17-31)


Somos mortais, mas vivemos tentando achar um jeito de
prolongar a vida. Nos tempos modernos, pelo que temos
conhecimento, os que conseguiram viver mais tempo, chegaram
à faixa dos 120 anos.

124
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Na revista - Super Interessante de fevereiro de 201016,


João Vito Cinquepalmi divulga um quadro chamado "A luta (da
humanidade) contra a morte", mostrando como, durante 1 000
anos de estudo, a ciência entendeu, aos poucos, como adiar o
fim da vida.
Anos:
1000
Nada de limpeza ou dieta: o pessoal compartilhava as
casas com animais e comia a valer, numa dieta de pães, queijos
e cerveja.
1675
O cientista holandês Antony van Leeuwenhoek descobre
uma das maiores causas de mortes da época: as bactérias. Mas
só no século 19 é que se descobriu a relação delas com nossas
doenças.
1785
Morre a primeira pessoa registrada como a mais velha do
mundo: o norueguês Eilif Philipsen, com 102 anos.
1796
Testes com o que seria considerada a primeira vacina. O
médico inglês Edward Jenner percebe que uma pessoa
contaminada pela varíola bovina - forma mais branda da doença
- não pegaria a humana. Na época, 40% dos infectados pela
doença não sobreviviam.
1850-1885
Louis Pasteur desenvolve a pasteurização, que elimina
micróbios dos alimentos.

16
Você pode ser imortal - João Vito Cinquepalmi - Super Interessante – Edição 275 - Fevereiro
de 2010 – Disponível em: http://super.abril.com.br/ciencia/voce-pode-ser-imortal - Acesso em:
25/09/2015

125
Arildo Louzano da Silveira

1854
Descoberta de que uma epidemia de cólera em Londres
foi causada por água contaminada. É o primeiro passo para o
desenvolvimento dos sistemas de saneamento, um grande
motivo para o aumento da expectativa de vida no século 20.
1895
Criação do raio X, que permitiria diagnósticos mais
precisos de doenças como tuberculose.
1900
O homem só prolongou sua vida média em 7 anos desde
o ano 1000, por ainda ser um novato em questões de higiene e
saneamento. (Só no fim do século 19, por exemplo, prova-se
que médicos deveriam lavar as mãos com cloro antes de fazer
um parto.)
1928
Aos 113 anos, morre a americana Delina Filkins, que
manteve o recorde de mulher mais velha do mundo até 1955.
Ela viveu toda a vida dentro de um raio de 16 quilômetros da
fazenda em que nasceu.
1929
Alexander Fleming descobre a penicilina, 1º antibiótico
do mundo. Começaria a ser ministrada em pessoas 10 anos
depois.
1953
Os cientistas James Watson (americano) e Francis Crick
(inglês) publicam um artigo sobre a estrutura em espiral do
DNA, que ajuda a entender a herança genética.
1997
Aos 122 anos, morre a francesa Jeanne Louise Calment,
a pessoa que mais viveu no mundo até hoje. Louise andou de

126
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

bicicleta até os 100 anos e morou sozinha até os 110. Dizia que
azeite na comida, vinho e chocolate a ajudaram a viver mais.
2003
Conclusão do mapeamento genético humano, o que
poderá permitir a identificação de genes causadores de doenças.
2008
Recorde na quantidade de pessoas com mais de 110 anos
no mundo: 92 super-centenários. Em 1990, eram 28 pessoas. Em
1980, 11.
2010
Expectativa de vida: 68 anos. A japonesa Kama Chinen é
a pessoa mais velha do mundo, com 114 anos.
2015-2020
O mundo terá mais idosos (acima de 65 anos) do que
crianças, pela primeira vez.
2040
Estimativa de 1,3 bilhão de pessoas com mais de 65 anos
- eram 506 milhões em 2008.
Mas em Mc 10.17-31, a Bíblia nos fala de uma maneira
melhor e totalmente eficaz de se conseguir viver muito. Na
verdade, viver para sempre. Os que alcançaram esta garantia do
Senhor apresentam pelo menos três sintomas:
I – Obedecem aos mandamentos (17-22)

"E, pondo-se Jesus a caminho, correu um homem ao seu


encontro e, ajoelhando-se, perguntou-lhe: Bom Mestre, que farei
para herdar a vida eterna? Respondeu-lhe Jesus: Por que me
chamas bom? Ninguém é bom senão um, que é Deus. Sabes os
mandamentos: Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não
dirás falso testemunho, não defraudarás ninguém, honra a teu
pai e tua mãe. Então, ele respondeu: Mestre, tudo isso tenho

127
Arildo Louzano da Silveira

observado desde a minha juventude. E Jesus, fitando-o, o amou


e disse: Só uma coisa te falta: Vai, vende tudo o que tens, dá-o
aos pobres e terás um tesouro no céu; então, vem e segue-me.
Ele, porém, contrariado com esta palavra, retirou-se triste,
porque era dono de muitas propriedades."
a) Guardar os mandamentos
Embora sejamos salvos pela graça de Deus, não pelos
mandamentos, não estamos isentos de cumpri-los. Quem é
salvo, nascido de novo, tem o Espírito Santo habitando dentro
de si e, portanto, não vai deixar de obedecer seus próprios
preceitos. Que privilégio para um homem poder dizer que
guarda irrepreensivelmente os mandamentos de Deus desde a
juventude! É um motivo de muito orgulho. O único problema é
que o maior esforço do homem ainda não atinge o nível de
santidade digno de agradar a Deus. Àquele diligente cumpridor
da lei e dos seus deveres ainda faltava uma coisa: a sinceridade
de coração para aceitar o amor de Deus sem reservas.
b) A vida eterna
Há pelo menos duas referências importantes à vida
eterna, no antigo testamento, uma no começo e outra perto do
final:
Gênesis 3.22 Então, disse o SENHOR Deus: Eis que o
homem se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do
mal; assim, que não estenda a mão, e tome também da árvore da
vida, e coma, e viva eternamente.
Daniel 12.2 Muitos dos que dormem no pó da terra
ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e
horror eterno.
c) O detalhe que falta
Vender todos os bens e dar aos pobres - será que era um
teste como o de Abraão, ao chegar bem perto de sacrificar seu
filho Isaque? Jesus não era contra as pessoas possuírem bens.
Em Lc 8.2,3 lemos: "[...] e também algumas mulheres que

128
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

haviam sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades:


Maria, chamada Madalena, da qual saíram sete demônios; e
Joana, mulher de Cuza, procurador de Herodes, Suzana e muitas
outras, as quais lhe prestavam assistência com os seus bens".
A proposta feita ao homem era de uma aplicação
financeira no banco eterno de Deus. Jesus costumava fazer
perguntas ou desafios para testar a sinceridade do coração. À
mulher samaritana, ele manda chamar o seu marido. À mulher
sírio-fenícia, fez comparar-se um cãozinho que comia migalhas
que caíam da mesa dos judeus. Aos discípulos em tribulação no
meio do mar, quando o viram andando sobre as águas, fez
menção de que ia passar adiante deles.
d) Contrariado e triste
Ficamos contrariados e tristes quando as coisas não
acontecem segundo as nossas expectativas. Temos tido
esperanças de que Deus nos dará o que merecemos. Somos
como o irmão do filho pródigo. Às vezes, servimos fielmente
nosso patrão, nosso chefe, nossa igreja, esperando que um dia
sejamos reconhecidos, mas quando surge uma oportunidade de
sermos promovidos, de ocuparmos uma posição de destaque,
dão o lugar para outro e nos sentimos desprezados. Não
conseguimos o que desejávamos, porque nos faltava
qualificação. Na empresa onde eu trabalho, eles costumam
chamar isto de "perfil". Quando acham que você não serve para
determinada função, dizem que você não tem "perfil". É muito
triste ouvirmos isto de alguém, porque é uma reprovação do
nosso modo de ser. O que está em jogo quando alguém nos
analisa assim não é a nossa competência, a nossa
responsabilidade, a nossa dedicação. O "perfil" é uma coisa que
nem sabemos o que é. Não sabemos o que está na mente do
nosso chefe, para nos moldarmos e adquirirmos o formato de
personalidade que o agrada. Não servimos e pronto! Jesus,
porém, não deixou o homem nesta situação. Ele disse
objetivamente o que lhe faltava. Era uma simples prova de fé e
obediência.

129
Arildo Louzano da Silveira

II – Desprendem-se das coisas do mundo (23-27)

"Então, Jesus, olhando ao redor, disse aos seus


discípulos: Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que
têm riquezas! Os discípulos estranharam estas palavras; mas
Jesus insistiu em dizer-lhes: Filhos, quão difícil é para os que
confiam nas riquezas entrar no reino de Deus! É mais fácil
passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um
rico no reino de Deus. Eles ficaram sobremodo maravilhados,
dizendo entre si: Então, quem pode ser salvo? Jesus, porém,
fitando neles o olhar, disse: Para os homens é impossível;
contudo, não para Deus, porque para Deus tudo é possível."
a) O peso das riquezas
1 Timóteo 6.17 diz: “Exorta aos ricos do presente século
que não sejam orgulhosos, nem depositem a sua esperança na
instabilidade da riqueza, mas em Deus, que tudo nos
proporciona ricamente para nosso aprazimento;”
Provérbios 30.7-9 é uma oração que diz: “Duas coisas te
peço; não mas negues, antes que eu morra: afasta de mim a
falsidade e a mentira; não me dês nem a pobreza nem a riqueza;
dá-me o pão que me for necessário; para não suceder que,
estando eu farto, te negue e diga: Quem é o SENHOR? Ou que,
empobrecido, venha a furtar e profane o nome de Deus.”
Em um artigo no site da BBC Brasil 17, Maria Atanasov
reproduz o depoimento de alguns homens ricos, participantes de
um estudo. Eis alguns trechos:
"[...] Impossível abrir mão do dinheiro - Outra pessoa
que pediu anonimato disse que preferia ter ganhado sua fortuna
aos poucos. Ela ganhou US$ 20 milhões vendendo o seu
negócio de tecnologia.”

17
Maria Atanasov - "Milionários revelam o 'lado ruim' de ser rico demais" BBC BRASIL - 3
outubro 2014 Disponível em:
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/10/141002_vert_cap_milionarios_dg Acesso em:
19/09/2015

130
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

"Eu queria ser rico e consegui. Mas acho que talvez não
tenha valido a pena. Um caminho mais lento até a fortuna talvez
teria sido muito mais saudável para a minha carreira e vida em
geral."
“Ele aponta um fator curioso entre os milionários: pode
até ser que alguém tivesse perdido muitas coisas ao ficar muito
rico, mas ninguém quer abrir mão do seu dinheiro para voltar à
condição financeira anterior.”
"É impossível abrir mão de dinheiro. Talvez não valha a
pena ser rico. Mas quando você chega lá, quer ficar ali para
sempre."
Um homem sem fé apega-se às coisas palpáveis. Um
homem de fé, atenta para as coisas que não se vêem, conforme
2Coríntios 4.18: “não atentando nós nas coisas que se vêem,
mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são temporais,
e as que se não vêem são eternas.” E Hebreus 11.1: “Ora, a fé é
a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se
não vêem.”
b) Possível para Deus
As pessoas mais improváveis podem se converter. O
apóstolo Paulo foi um exemplo bem radical. Um missionário no
México, chamado Luiz Alegria, conta a história da um
traficante, chefe de gangue, que, depois de assistir à sua palestra,
interessou-se e comprou todo o material do missionário para
distribuir aos seus "funcionários", que junto com ele vieram a se
converter.
Íris Abravanel, uma das mulheres mais ricas do Brasil,
contando à revista “Isto é” 18 a experiência de sua conversão, diz
que no dia seguinte, foi atrás de uma Bíblia para saber quem é

18
Entrevista de Íris Abravanel por Rodrigo Cardoso - Isto é - Entrevista N° Edição: 2248 |
07.Dez.12 - Disponível em:
http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/259642_ESTOU+PENSANDO+EM+NEG
OCIAR+UM+AUMENTO+NO+SBT+ - Acesso em: 19/09/2015

131
Arildo Louzano da Silveira

Jesus. “O José quis me dar a dele”, disse. ”E eu não quis. Aí, ele
me disse: ‘Dona Íris, a senhora tem tudo. Esse é o melhor
presente que eu posso lhe dar e a senhora não quer aceitar?!’ Foi
a primeira lição que tive. Como somos soberbos!”
III – Confiam em Jesus (28-31)

"Então, Pedro começou a dizer-lhe: Eis que nós tudo


deixamos e te seguimos. Tornou Jesus: Em verdade vos digo
que ninguém há que tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou
mãe, ou pai, ou filhos, ou campos por amor de mim e por amor
do evangelho, que não receba, já no presente, o cêntuplo de
casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições;
e, no mundo por vir, a vida eterna. Porém muitos primeiros
serão últimos; e os últimos, primeiros."
a) Ressarcimento
Jesus garante que seus seguidores terão tudo o que
necessitam, em abundância. Os recursos deste mundo são para
nós utilizarmos, mas não adorarmos. Todo sacrifício que
porventura fizermos para seguir Jesus, será reconhecido pelo
Pai, que nos recompensará. E não é preciso ter dinheiro ou bens
próprios para ter uma vida confortável. É possível viver com
coisas doadas e emprestadas, como viveu Jesus.
Num artigo intitulado "Viver sem dinheiro"19, lemos que,
"nos Estados Unidos, um homem das cavernas moderno vive em
grutas no deserto de Utah, mantém um blog e participa
ativamente da comunidade. Na Alemanha, uma avó viaja de
uma cidade a outra para pregar o desapego aos bens materiais.
No Reino Unido, um ex-economista sem conta no banco nem
dinheiro no bolso empenha seu tempo em recrutar voluntários
para uma comunidade autossustentável. Em comum, eles
tomaram a decisão de nunca mais ter dinheiro. O americano

19
Viver sem dinheiro - Rachel Costa - Isto é - Comportamento N° Edição: 2223 | 15.Jun.12 -
Disponível em: http://www.istoe.com.br/reportagens/214114_VIVER+SEM+DINHEIRO -
Acesso em: 20/09/2015

132
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Daniel Suelo, 50 anos, doou seus últimos dólares em 2000. A


lituana radicada alemã Heidemarie Schwermer, 69 anos, nem
chegou a ter um euro. Quando a moeda entrou em circulação,
em 2002, já fazia seis anos que a simpática senhora não via a cor
do vil metal. Já o irlandês Mark Boyle, 32 anos, em jejum
financeiro desde 2009, garante que não ter dinheiro é sinônimo
de liberdade, não de dificuldade".
b) Com perseguição
Perseguição faz parte da disciplina dos filhos de Deus.
c) Primeiros últimos e últimos primeiros
Quem tem privilégios agora poderá não ter no futuro.
Quem vive vida regalada agora poderá ser "pobre" no porvir, ou
até ter destino pior, como vemos na história do rico e de Lázaro
(Lc 16.19-31).
Mateus 20.8 Ao cair da tarde, disse o senhor da vinha ao
seu administrador: Chama os trabalhadores e paga-lhes o
salário, começando pelos últimos, indo até aos primeiros.
Lc 13.29,30 Muitos virão do Oriente e do Ocidente, do
Norte e do Sul e tomarão lugares à mesa no reino de Deus.
Contudo, há últimos que virão a ser primeiros, e primeiros que
serão últimos.
Assim, aprendemos que guardar os mandamentos,
desprender-se do mundo e confiar na palavra de Jesus, são
sintomas de quem recebeu a vida eterna. Seguir sua direção,
mesmo que isto represente abandonar seus projetos, seus
direitos, seus desejos, é sinal de quem entra no reino de Deus e
alcança a vida eterna. João 3.36 diz: “Por isso, quem crê no
Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde
contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de
Deus.”

133
Arildo Louzano da Silveira

38. O líder cristão (Leia Mc 10.32-45)


Quem não quer ser o chefe? É bom mandar, não é? A
gente fica imaginando como é boa a vida do nosso chefe. Ele
nem precisa trabalhar. Só manda e as pessoas fazem, depois ele
recebe todo o mérito. Há lideranças que são naturais, como a do
marido sobre a mulher, dos pais sobre os filhos, do irmão mais
velho sobre o mais novo, do professor sobre as crianças que
ensina. E há também lideranças especiais, cujo líder é alguém
que se destacou na sua comunidade, no seu país ou mesmo no
mundo, como os prefeitos, governadores, e presidentes. Jesus é
o maior líder do mundo. O Rei dos reis e o Senhor dos senhores.
Seu modo de liderar é um exemplo a ser seguido.
O líder cristão se comporta conforme o exemplo de
Cristo. Neste texto estão destacados três exemplos de liderança,
que devem ser seguidos pelos líderes cristãos.
I - Exemplo de Coragem (determinação) (32-34)

Estando de caminho, subindo para Jerusalém, Jesus ia


adiante dos discípulos. Eles se admiravam e o seguiam tomados
de apreensões. Jesus passou a revelar-lhes as coisas que lhe
deviam sobrevir, que seria entregue aos principais sacerdotes e
aos escribas; condenado à morte e entregue aos gentios; seria
escarnecido, açoitado e assassinado; mas, depois de três dias,
ressuscitaria.
a) ia adiante - liderava
À frente dos discípulos, Jesus ia resoluto, mesmo
sabendo dos perigos e dos sofrimentos que ia enfrentar. Não
podia ser diferente. Alguém tinha que fazer isto, e Jesus sabia
que este alguém era ele.
Um dos exemplos mais comuns de liderança natural é o
caso do marido no lar. O marido que é, de fato, cristão, lidera a
esposa e os filhos corajosamente, tomando para si as
responsabilidades. A mulher jovem, que pretende se casar, não
deve escolher um pretendente pelo porte físico ou pela condição

134
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

social somente, mas sobretudo pelo caráter, observando como


ele se comporta diante de situações em que tenha que assumir a
liderança.
b) tomados de apreensões
Os discípulos estavam tomados de apreensões. Sabiam
que estavam entrando cada vez mais fundo em terreno perigoso,
mas seguiam o Mestre. Nós temos que nos submeter à liderança,
quando acreditamos que o líder é guiado por Deus. A maioria de
nós está pronta para se arriscar, para avançar numa tarefa difícil,
se tiver um líder que vá à frente. Mas precisamos escolher bem
nossos líderes, para não cairmos em armadilhas. Há muitos
líderes, no mundo, como Jim Jones, que guiou mais de 900
pessoas ao suicídio, uma grande tragédia20
II - Exemplo de Ponderação (35-40)

Inacreditavelmente, num momento tão inoportuno, se


aproximaram dele Tiago e João, pedindo-lhe que, na sua glória,
se assentassem um à sua direita e o outro à sua esquerda. Mas
Jesus disse: Não sabeis o que pedis. Podeis vós beber o cálice
que eu bebo ou receber o batismo com que eu sou batizado?
Eles achavam que sim. Jesus advertiu: "Bebereis o cálice que eu
bebo e recebereis o batismo com que eu sou batizado; quanto,
porém, ao assentar-se à minha direita ou à minha esquerda, não
me compete concedê-lo; porque é para aqueles a quem está
preparado."
A resposta de Jesus mostrou ponderação, que, segundo
os dicionários, é reflexão, consideração, tino, prudência, juízo,
bom senso. Equilíbrio apresentado entre forças que se opõem
entre si. É como se fosse colocar ideias numa balança,
"pesando" os prós e os contras.
a) que quereis que eu vos faça? (Saber ouvir, deixar que
falem)
20
Disponível em: http://pasdemasque.blogspot.com.br/2010/02/james-warren-jim-jones-templo-
do-povo.html - Acesso em: 25/09/2015.

135
Arildo Louzano da Silveira

Os melhores líderes, no mundo, sabem que o exemplo de


Cristo deve ser seguido. Um líder empresarial nacionalmente
reconhecido, chamado Villela da Matta, aconselha os líderes em
formação, com as seguintes palavras: "Tenha consideração pelas
opiniões de seu interlocutor e demonstre respeito por ele. Crie
condições favoráveis para a outra pessoa expressar livremente
suas convicções e não deixe que a discussão seja levada para o
lado pessoal. Compreenda de fato o que o outro transmitiu para
então questioná-lo. Dessa forma, você evitará interpretações
infundadas. O importante, além de saber ouvir com atenção, é
ter a capacidade de aceitar as pessoas como elas são."21
Waleska Farias, autora do livro "O líder Integral" em
entrevista à revista Exame, diz o seguinte: "Não é difícil
perceber que para liderar pessoas, antes, é necessário
compreendê-las. A premissa básica do líder é desenvolver seus
colaboradores e, para que isso seja possível, é preciso haver o
entendimento, na condição humana do profissional, da sua
integralidade, e dispor-se a acolher suas necessidades e
expectativas pelo viés pessoal e profissional."22
b) não sabeis o que pedis
O chefe não precisa ser autoritário. É certo que o chefe
deve ser o mais informado, sensato, sábio. Mas os liderados têm
anseios, e às vezes têm ideias que à primeira vista parecem
insanas. Mas quando ouvimos, podemos identificar o que está
por trás daquele anseio, e assim ajudá-los a mudar de
pensamento. Jesus não reprovou os filhos de Zebedeu por terem
feito um pedido tão inadequado. Ele ouviu, levou-os a ponderar
na implicação de almejar uma posição tão elevada no reino, e
finalmente esclareceu que não cabia a ele, mas a uma autoridade

21
Villela da Matta - A Arte de Saber Ouvir - Disponível em:
https://www.sbcoaching.com.br/blog/comportamento/arte-de-saber-ouvir/ - Acesso em:
26/09/2015.
22
Waleska Farias - autora do livro O líder Integral, em entrevista à revista Exame - disponível
em: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/sidnei-oliveira/2014/10/31/o-lider-integral/ - acesso
em: 26/09/2015

136
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

superior (ao Pai), escolher os que iam ocupar este lugar de honra
no Reino de Deus.
III - Exemplo de Dedicação (41-45)

"Ouvindo isto, indignaram-se os dez contra Tiago e João.


Mas Jesus, chamando-os para junto de si, disse-lhes: Sabeis que
os que são considerados governadores dos povos têm-nos sob
seu domínio, e sobre eles os seus maiorais exercem autoridade.
Mas entre vós não é assim; pelo contrário, quem quiser tornar-se
grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o
primeiro entre vós será servo de todos. Pois o próprio Filho do
Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua
vida em resgate por muitos."
a) o líder cristão não é dominador
O bispo do Conselho geral da Igreja Metodista Livre do
Brasil - José Ildo Swartele de Mello, acredita que "Um líder
verdadeiramente cristão não tem o desejo de liderar, mas é
pressionado a aceitar uma posição de liderança pelo chamado
interno do Espírito Santo e pela pressão das circunstâncias
externas. Pois aquele que tem a ambição de liderar está
desqualificado para ser líder. O verdadeiro líder cristão não tem
o mínimo desejo de mandar na herança de Deus, mas é humilde,
gentil, possui espírito sacrificial, pronto para liderar como para
ser liderado, quando se deparar com alguém mais capacitado
que ele ou em posição de comando. Pois, só quem sabe ser
submisso, pode também liderar com excelência."23
O chefe de família, por exemplo, é um líder no seu lar,
mas ele não pode ser um dominador. O marido não tem poder
nem sobre o seu próprio corpo, conforme 1Coríntios 7.4: "A
mulher não tem poder sobre o seu próprio corpo, e sim o
marido; e também, semelhantemente, o marido não tem poder
sobre o seu próprio corpo, e sim a mulher."

23
O líder cristão, um humilde servo - Bispo José Ildo Swartele de Mello - disponível em:
http://reformados.com.br/o-lider-cristao-um-humilde-servo/ - Acesso em: 26/09/2015

137
Arildo Louzano da Silveira

b) para ser o maior no reino de Deus tem que ser o


menor aqui na terra
A Bíblia nos conta uma história importante sobre
submissão com sabedoria, em 1Sm 25.2-34. Abigail era
submissa ao seu marido, Nabal, mas também era autoridade
sobre os servos de sua casa. Ela agiu com sabedoria, liderando
seus servos, e indo se humilhar diante de uma autoridade maior,
Davi, que estava prestes a se tornar rei de toda a nação. Agindo
assim, ela poupou seu marido, sua família, seus servos, e o
próprio futuro rei de uma grande tragédia. Ela soube ser
submissa e líder ao mesmo tempo, dentro do seu campo possível
de atuação.
Tão importante quanto ser um líder, é aprender a ser
submisso com sabedoria. Olhando mais atentamente para o
texto, vimos um outro herói, anônimo: o empregado que, vendo
que seu senhor Nabal agia errado, falou com a segunda
autoridade da casa, Abigail. Imagino o que deve ter se passado
na mente daquele homem, humilde, sem poder nenhum para
mudar o rumo da iminente tragédia que estava para sobrevir aos
habitantes da fazenda onde habitava. Possivelmente orou,
pedindo a Deus proteção, e, num lampejo, lhe veio a Ideia: "vou
falar com a dona Abigail. Quem sabe ela poderá fazer alguma
coisa?". Esta simples decisão mudou toda a história.
Nós, que temos sido colocados por Deus em posição de
liderança, saibamos seguir o exemplo do Senhor Jesus, sendo
corajosos para tomar a iniciativa, ponderados quanto à nossa
posição e autoridade, e dedicados a servir em primeiro lugar.
Nós que estamos sob autoridade, sejamos sábios para escolher
nossos líderes, quando isto é possível. Quando não é possível, e
quando os que nos lideram estiverem errados, peçamos a Deus
sabedoria, e façamos o que estiver ao nosso alcance para manter
a paz. E acima de tudo, vamos nos render ao que é o Senhor dos
senhores, Jesus Cristo, e deixar que ele nos guie para a vida
eterna.

138
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

39. O segredo da felicidade (Leia Mc 10.46-52)


Embora estivesse assentado, pedindo esmolas, Bartimeu
era um homem que o mundo, na linguagem de hoje, chamaria de
"ambicioso". Ele não queria somente esmolas, queria a atenção
do "Filho de Davi", e queria voltar a ver, voltar à condição que
tinha antes de se tornar cego. Ele buscava a felicidade, e a
conquistou através dos passos a seguir:
Primeiro passo: Reconheceu a sua necessidade

Bartimeu não era um cego qualquer. Ele tinha um nome,


uma família. A Bíblia não revela quem ele era antes de se tornar
cego, mas dá uma indicação, ao diferenciar a narração de sua
cura, citando-lhe o nome, e o nome de seu pai. Em algum
momento de sua história, este homem poderia ter sido bem
posicionado na sociedade, mas agora mendigava. Encarava o
fato de que dependia da caridade de outros para sobreviver.
Quando falamos aos outros sobre a salvação, começamos
com este passo. Ninguém poderá ser salvo se primeiro não
reconhecer que é um pecador, e que necessita da glória de Deus
(Rm 3.23).
Segundo passo: Atendeu ao chamado

Jesus chamou Bartimeu. Era quase certo que seu pedido


tinha sido atendido. Chegara a sua vez de estar frente a frente
com o Mestre, e pedir-lhe o que estava em seu coração. A
grande alegria de Bartimeu, quando se lhe abriu a oportunidade
de falar pessoalmente com Jesus, pode reproduzir-se em nós, se
reconhecermos a porta aberta da oração, pois através dela
podemos ter uma "tele" conferência diária, constante, com o
Senhor da Glória.
Bartimeu não hesitou, ao ouvir que Jesus o chamara. Foi
ao seu encontro, resoluto. Nem se importou mais com a capa
que usava. Uma capa era uma vestimenta importante, que
certamente lhe faria falta, nas noites frias. Mas a urgência era
tão grande que nada mais importava senão atender ao chamado

139
Arildo Louzano da Silveira

de Jesus. A maneira como ele se levantou faz-me lembrar do


filho pródigo, quando caiu em si, e resolveu voltar para o pai
(Lucas 15.20).
Hoje nós também temos sido chamados, como diz
Apocalipse 22.17: "O Espírito e a noiva dizem: Vem! Aquele
que ouve, diga: Vem! Aquele que tem sede venha, e quem
quiser receba de graça a água da vida."
Terceiro passo: Declarou a sua necessidade

Imagino o que se passava no seu íntimo, enquanto estava


à beira do caminho, esperando esmolas, ouvindo atentamente
todos passarem. "Se eu voltasse a ver...", pensava, e sonhava
com muitos projetos. Quantos de nós estamos como Bartimeu, à
beira do caminho, esperando alguma dádiva, algum alívio? Jesus
está passando agora mesmo em nossas vidas. Antes dele partir
para o céu, disse que mandaria o Espírito Consolador para
substituí-lo, possibilitando sua presença constante e em todos os
lugares ao mesmo tempo. Jesus está aqui, passando bem na
nossa frente, por meio do Espírito Santo. Podemos clamar:
"Jesus, tem compaixão de mim!". E ele ouvirá. Aliás, ele já está
nos chamando; está parado, esperando que nos levantemos de
um salto, lancemos fora a nossa capa, e declaremos o que
queremos que ele nos faça. Tenhamos bom ânimo, tenhamos
coragem para pedir aquilo que, sabemos, ele não vai nos negar;
aquilo que, sabemos, é conforme à sua vontade. A nossa maior
necessidade é de salvação, mas temos que pedir antes que seja
tarde demais, como aconteceu com o homem rico, conhecido de
Lázaro, em Lucas 16.24: "Então, clamando, disse: Pai Abraão,
tem misericórdia de mim! E manda a Lázaro que molhe em água
a ponta do dedo e me refresque a língua, porque estou
atormentado nesta chama."
Pensando um pouco mais sobre o assunto: se eu pedir
para ser curado de um defeito físico, ou de uma enfermidade
grave, Jesus vai me curar? Jesus sempre responde sim, como
respondeu a Bartimeu? A própria Bíblia nos responde.

140
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Muitos há que se revoltam contra Deus e o mundo,


porque a sua esperança foi frustrada. Buscaram a Deus num
momento de desespero, esforçaram-se para crer, e andar nos
seus caminhos; apegaram-se a promessas que costumam ser mal
entendidas, como Jo 15.7 e 1Jo 5.14,15, e nada do que
esperavam aconteceu, como se Deus não estivesse se
importando, como se ele nem existisse. É natural que Deus não
atenda todos os pedidos, por mais necessitados que estejamos.
Nós é que temos dificuldade para entender que Deus é soberano,
e que a sua sabedoria é infinita. Bem pertinho deste texto, Jesus
negou habilmente um pedido dos filhos de Zebedeu, porque eles
não sabiam o que pediam. O piedoso Paulo também teve um
importante pedido negado, conforme ele mesmo revela em 2Co
12.7-9. O cego de Jericó foi curado, mas o que dizer dos cegos
de Betel, de Belém, de Hebrom, de Berseba? Até onde sabemos,
Jesus não passou por lá, enquanto estava na terra, para curar os
seus enfermos.
Quarto passo: Seguiu Jesus

Quaisquer que tenham sido os projetos de Bartimeu,


tudo foi lançado fora, junto com a sua capa. Bartimeu não
voltou à vida antiga, como talvez planejasse, caso fosse curado.
Não somente a cura, em si, mas a maneira como foi curado, o
autor da sua cura, as palavras de Jesus: " Vai, a tua fé te salvou",
libertando-o para fazer o que quisesse, deixando-o à vontade
para enfim se lançar aos seus projetos, tudo isto operou nele
uma transformação. Não foi só a visão física que lhe foi
restaurada, mas a visão de sua vida, como um todo. Foi-se
embora, seguindo Jesus estrada fora, para onde quer que Jesus o
guiasse.
O que é que nos falta para sermos felizes? Um emprego?
Um emprego melhor? Uma saúde melhor? O segredo da
felicidade não está na mudança das circunstâncias, mas no
resultado de encararmos quaisquer circunstâncias com os olhos
da fé. Bartimeu podia pensar que a sua felicidade estava em
voltar a enxergar, mas não estava. Jesus podia ter-lhe negado o

141
Arildo Louzano da Silveira

milagre, e dado ao cego somente o espírito de alegria. Bartimeu


o seguiria estrada fora, com a mesma felicidade.

40. Servidores do rei (Leia Mc 11.1-11)


Este texto narra o episódio que nós conhecemos como a
entrada triunfal. Jesus entra, aclamado como rei, em Jerusalém,
cumprindo a profecia de Zc 9.9: "Alegra-te muito, ó filha de
Sião; exulta, ó filha de Jerusalém: eis aí te vem o teu Rei, justo e
salvador, humilde, montado em jumento, num jumentinho, cria
de jumenta." A entrada triunfal, segundo a teoria
dispensacionalista, marca o final da 69ª semana de Daniel, e
abre os parêntesis para a era da igreja. Para os amilenistas e
pósmilenistas, porém, este evento ocorre próximo ao fim da
primeira metade da septuagésima semana. Para maiores detalhes
sobre este assunto, existem muitos livros que podem ser lidos, e
também muito material na Internet, entre os quais compartilho,
aqui, o link de dois artigos cujos autores defendem pontos de
vista opostos:
 http://www.chamada.com.br/mensagens/calvinismo_disp
ensacionalismo.html
 http://www.monergismo.com/textos/dispensacionalismo/
setenta-semanas-posmilenismo_keith-mathison.pdf.
Discussões teológicas à parte, entretanto, vejo neste
texto que Jesus, agora aclamado como Rei, tinha pelo menos
três categorias de servidores:
I - Missionários (Os dois que foram enviados
para a missão específica de buscar o jumentinho)

Há pessoas a quem o Senhor designou para uma missão


específica, como Isaías, Jeremias, Ezequiel, Paulo, e outros, que
receberam um chamado inequívoco, para o cumprimento dos
propósitos do Reino. É assim que alguns servem o Senhor ainda
hoje, sendo missionários transculturais, pastores, líderes de

142
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

movimentos ou de trabalhos com grupos selecionados


(presidiários, enfermos, viciados, moradores de rua, crianças...).
O Espírito dá dons específicos para serviços específicos,
conforme lemos em 1Co 12.28-30 e Ef 4.11,12. Você acha que
Deus o tem chamado para alguma função específica? Se Deus
chamou, e você está andando em comunhão com ele, o seu
chamado será confirmado, e o exercício do seu dom será aceito
na igreja de Deus. Os dons, porém, deverão ser desenvolvidos,
pois o Senhor faz questão da participação humana no trabalho,
assim como aconteceu com os escritores da Bíblia, que, embora
seja reconhecida como a Palavra de Deus, não deixa de revelar o
caráter e o estilo de seus escritores, inspirados, mas humanos.
Por isto é tão importante a preparação acadêmica e treinamentos
específicos. Seu chamado é para trabalhar com crianças? Estude
pedagogia. É para trabalhar com índios? Estude lingüística.
Trabalhar com enfermos? Um curso de enfermagem seria
extremamente útil. Mas, acima de tudo, devemos estudar a
Palavra de Deus e a teologia em geral, porque o nosso principal
objetivo, afinal, é formar discípulos de Cristo.
II - Provedores (Os donos do jumentinho)

O jumentinho, naquele contexto, é como o automóvel de


hoje. Você aceitaria entregar as chaves do seu carro a dois
estranhos que viessem à sua porta dizendo: “O Senhor precisa
dele”? Só se o Senhor tivesse telefonado para você antes! Mas
você pode usar o seu carro para o serviço do Senhor. Ele precisa
do seu carro. Precisa também da sua casa, do seu instrumento
musical, das suas ferramentas, do seu dinheiro... Você pode
administrar todos os seus bens de forma que sejam úteis ao reino
de Deus. Devemos nos apropriar, com as devidas adaptações, da
advertência dada por Mordecai a Ester, em Et 4.14: "[...] E quem
sabe se para conjuntura como esta é que [...]" fomos abençoados
com os nossos bens?
Gosto de uma poesia, adaptada de Isaac Nicolau Salum,
chamada “A cruz de Cristo”, que diz: "Prá viver entre nós, numa
cama emprestada, ele humilde nasceu. E em jumento

143
Arildo Louzano da Silveira

emprestado, Ele andou toda estrada. Da montanha à cidade e à


cidade desceu. Mas a cruz dolorosa e a coroa espinhosa eram
suas, bem suas, a ninguém as deveu! [...]”. Gióia Junior, em
poesia semelhante, escreveu: "[...] O berço, o jumentinho e o
suave pão, eram dele a partir da criação, ele os criou – assim diz
a escritura ... mas a cruz que ele usou, a rude cruz, a cruz negra e
mesquinha, onde meus crimes todos expiou, essa não era sua –
essa cruz era minha!"
III - Adoradores (O povo que estendeu suas
vestes e ramos pelo caminho, e proclamou Jesus como
rei)

Um rei precisa de súditos. Um presidente precisa de um


povo. Até os ídolos precisam dos fãs. Não pense que você não é
importante, só porque não é um missionário e tem poucos
recursos para ser considerado um provedor. Muitos "crentes
comuns" são, freqüentemente, ofendidos dos púlpitos, sendo
chamados de “esquenta-bancos”. Mas estes crentes são o motivo
de existirem os pregadores. Se um pastor não tiver ovelhas, a
quem é que vai pastorear? E se as ovelhas todas deixassem de
ser imaturas para serem "auto-suficientes" como seus pastores?
E se todas elas atendessem unânimes ao apelo emocionado do
conferencista e se tornassem missionárias transculturais?
Nossa Igreja, alguns anos atrás, resolveu fazer um coral.
Foi um esforço muito grande, todos se dedicaram bastante e
treinaram a sua voz, para que a apresentação fosse brilhante. No
grande dia, o dirigente anunciou: “agora vamos ouvir a
apresentação do coral da Igreja Bíblica de Rio Preto”. Então,
meio aflito, observou enquanto todos se levantaram e vieram
para a frente. Todos mesmo! Os bancos ficaram vazios, pois
todos os que vieram para o culto naquele dia faziam parte do
coral.
Se alguém acha que os "esquenta-bancos" não fazem
falta nas reuniões da Igreja, está enganado. Se alguém acha que
seu testemunho não faz diferença, que não é impactante como o

144
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

dos pastores e missionários, está enganado. Eles também são


importantes servidores do Rei Jesus, tanto quanto os demais.
Que tipo de servidores somos nós? Missionários,
provedores, ou simplesmente adoradores? Podemos ser os três,
mas todos devemos ser pelo menos adoradores. Cuidemos,
porém, para não nos deixarmos levar pela pura emoção, como é
a tendência da massa de adoradores. Aquela multidão que
proclamava Jesus como Rei, dias depois também pedia ao
governador Pilatos a sua crucificação. Sejamos adoradores, em
primeiro lugar. Procuremos, porém, progredir, e tenhamos o
coração sincero para com o nosso Senhor e Rei Jesus Cristo,
atentos à sua lei e aos seus ensinamentos.

41. Decepção (Leia Mc 11.12-26)


A decepção pela falta dos frutos (12-14)

No dia seguinte ao da entrada triunfal, quando saíram de


Betânia, Jesus teve fome. "E, vendo de longe uma figueira com
folhas, foi ver se nela, porventura, acharia alguma coisa.
Aproximando-se dela, nada achou, senão folhas; porque não era
tempo de figos. Então, lhe disse Jesus: Nunca jamais coma
alguém fruto de ti!" O Rei ficou decepcionado com a figueira,
figura que representava bem o povo de Israel, sobre quem ele
fora proclamado rei no dia anterior. O Rei espera que os seus
súditos lhe tributem dos seus frutos. Neste texto podemos ver
que há pelo menos três frutos, esperados de Israel, os quais nós
também devemos tributar ao nosso Rei Jesus:
I – Temor a Deus e respeito às coisas sagradas
(15-18)

Quando entrou no templo, "passou a expulsar os que ali


vendiam e compravam; derribou as mesas dos cambistas e as
cadeiras dos que vendiam pombas. Não permitia que alguém
conduzisse qualquer utensílio pelo templo;" porque os
comerciantes usavam o seu pátio como um simples atalho, sem

145
Arildo Louzano da Silveira

considerar que pisavam num local sagrado. Jesus os repreendeu:


"Não está escrito: A minha casa será chamada casa de oração
para todas as nações? Vós, porém, a tendes transformado em
covil de salteadores." Quando os principais sacerdotes e escribas
ouviram o que estava acontecendo, procuravam um modo de lhe
tirar a vida. Em vez de atender à repreensão, mostrando temor a
Deus, apenas se preocupavam com a manutenção da "ordem" e
dos negócios lucrativos dos comerciantes que lhes pagavam seu
devido quinhão.
Há uma música que, para cantarmos na igreja,
precisamos modificar uma frase. Originalmente, ela dizia: "[...]
Hoje sirvo a ele sem temor [...]". O motivo de mudarmos a frase
é que, se a tomarmos "ao pé da letra", ela estará em desacordo
com as Escrituras, como, por exemplo: Salmos 2.11: "Servi ao
SENHOR com temor e alegrai-vos nele com tremor.", e
Filipenses 2.12: "Assim, pois, amados meus, como sempre
obedecestes, não só na minha presença, porém, muito mais
agora, na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com
temor e tremor".
Uma maneira de tributarmos ao Rei o fruto do temor, é
nos lembrarmos que a Bíblia é sagrada. Não é um livro
qualquer. Não devemos ler a Bíblia como qualquer outro livro,
mas com reverência, com oração, com respeito, esperando que
ela nos fale algo importante, algo que vai nos purificar, nos
edificar, nos tornar mais capazes de agradarmos a Deus. Deve
ser lida antes do jornal da manhã; antes, até mesmo, do texto
"devocional". Outra maneira, é nos lembrarmos de que o templo
em que nos reunimos para os cultos é sagrado. Até a nossa casa
deve ser um lugar santo, para que o Senhor não veja ali
abominação. O nosso corpo é sagrado, é o santuário do Espírito
Santo, conforme 1Co 3.16,17: "Não sabeis que sois santuário de
Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém
destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá; porque o
santuário de Deus, que sois vós, é sagrado" . A nossa própria
vida é sagrada, por isso devemos começar e terminar o dia
sempre com oração. Também devemos orar durante o dia,

146
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

reconhecendo sempre a presença do Senhor, e que a sua


misericórdia é a causa de não sermos consumidos, conforme Lm
3.22,23: "As misericórdias do SENHOR são a causa de não
sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim;
renovam-se cada manhã. Grande é a tua fidelidade."
II - Fé (19-24)

Quando chegou a tarde a tarde, voltaram para Betânia. E,


passando eles na manhã seguinte, viram que a figueira secara.
Ao ser avisado por Pedro, Jesus lhes disse: "Tende fé em Deus;
porque em verdade vos afirmo que, se alguém disser a este
monte: Ergue-te e lança-te no mar, e não duvidar no seu
coração, mas crer que se fará o que diz, assim será com ele. Por
isso, vos digo que tudo quanto em oração pedirdes, crede que
recebestes, e será assim convosco."
Sem fé é impossível agradar a Deus; ele responde as
nossas orações, e espera que nós confiemos nele como
conseqüência desta certeza. Em Lc 18.1-8, Jesus conta uma
parábola sobre oração, em que uma viúva pede a um juiz iníquo
para julgar a sua causa contra o seu adversário. De tanto insistir,
ela conseguiu convencer o juiz a ajudá-la. Então faz a aplicação:
"Considerai no que diz este juiz iníquo. Não fará Deus justiça
aos seus escolhidos, que a ele clamam dia e noite, embora
pareça demorado em defendê-los? Digo-vos que, depressa, lhes
fará justiça. Contudo, quando vier o Filho do Homem, achará,
porventura, fé na terra?"
Deus tem dado, na história, grandes respostas de oração,
como a libertação de Pedro da prisão, em At 12.5-16, e a
resposta com fogo à oração de Elias em 1Rs 18.36-38; Nestes
dois casos, curiosamente, logo após a grande resposta, há
demonstrações de falta de fé. Os que oravam pela libertação de
Pedro, custaram a acreditar que era ele batendo no seu portão, e
Elias, logo depois de receber os milagres, foge com medo da
rainha Jezabel.

147
Arildo Louzano da Silveira

Quem crê nas respostas de Deus às orações, pode fazer


grandes coisas, e dar testemunho ao mundo, como fez, por
exemplo, George Müller (1805-1898). Ele sensibilizou-se com a
triste condição dos muitos órfãos abandonados, na Inglaterra de
seus dias, e creu que podia acolhê-las em orfanatos, confiando
somente na provisão de Deus através da oração. Na Wikipédia
lemos a seu respeito, que, até o dia em que morreu, em 1898,
Müller recebeu £ 1.500.00024.
Um jornal de Liverpool, comentando sobre a sua vida e
obra, escreveu: "Müller disse ao mundo que (sua obra) foi
resultado de oração. O racionalismo de hoje zombará desta
declaração. Mas os fatos permanecem, e permanecem para
serem explicados. Não seria científico desdenhar das
ocorrências históricas quando elas são difíceis de esclarecer. E
seria necessário muito truque para fazer os orfanatos em Ashley
Down sumirem da vista."25
Charles Dickens, autor do livro "Oliver Twist", visitou o
seu orfanato e fez um relatório favorável, em 1857. Sua
impressão sobre este homem de fé foi a de que "George Müller
se preocupa com o órfão, e tem realizado em sua própria
maneira um substancial trabalho que deve assegurar-lhe o
respeito de todos os homens de bem, qualquer que seja a forma
de sua fé religiosa."26
Se temos recebido respostas de oração, grandes e
pequenas, porque não tributarmos ao Rei o nosso fruto da fé, de
confiança, de fidelidade?

24
(US$ 2,3 milhões, R$ 9 milhões) por meio da oração, e teve mais de 10.000 crianças sob seus
cuidados (disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Ashley_Down - acesso em: 13/10/2015)
25
Disponível em: http://www.gilsonsantos.com.br/pdfs/george_muller.pdf - Acesso em:
13/10/2015
26
Household words - BUCKINGHAM LIBRARY - UNIVERSITY OF BUCKINGHAM
disponível em:
http://www.archive.org/stream/householdwords16dick/householdwords16dick_djvu.txt - Acesso
em: 13/10/2015 - tradução minha)

148
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

III - Indulgência (disposição para perdoar


culpas ou erros; clemência, misericórdia) (25-26)

Deixando de lado a figueira seca, que não era importante


naquele momento, Jesus falou aos discípulos sobre a
importância de orar com fé, e acrescentou: "quando estiverdes
orando, se tendes alguma coisa contra alguém, perdoai, para que
vosso Pai celestial vos perdoe as vossas ofensas. Mas, se não
perdoardes, também vosso Pai celestial não vos perdoará as
vossas ofensas."
Segundo os psicoterapeutas, a prática do perdão é
essencial para a saúde do indivíduo, pois quem perdoa, se liberta
de uma autotortura. Num artigo de Abílio Diniz, ele cita a
psicoterapeuta Olga Tessari, dizendo que "não há força de
vontade que possa eliminar as lembranças da vida, já que todos
os acontecimentos ficam gravados no inconsciente. Por outro
lado, com o perdão, é possível se livrar da angústia causada
pelas mágoas passadas. Não esquecemos os fatos que nos
feriram, mas podemos parar de sofrer por causa deles. A pessoa
que realmente perdoa, para de se torturar pelo ocorrido e o
considera apenas um capítulo da sua história.”27
A indulgência, neste contexto, vai além do conceito
tradicional que temos de perdão. Você já deve ter ouvido ou até
mesmo usado a expressão "não deixem que montem em cima de
você", significando que temos que nos proteger daqueles que
querem se aproveitar de nossa bondade. Mas o sentido do
perdão, neste contexto, é justamente isto. A mesma palavra
grega traduzida como "perdoai" no versículo 25, e como
"permitia" no versículo 16, foi traduzida como "deixa-lhe" em
Mateus 5.40: "e, ao que quer demandar contigo e tirar-te a
túnica, deixa-lhe também a capa." Podemos parafrasear este
versículo, usando uma linguagem coloquial de nossos dias,
dizendo: "se alguém quiser se aproveitar de você, deixe logo que

27
disponível em: http://abiliodiniz.com.br/qualidade-de-vida/amor/o-poder-do-perdao/ - Acesso
em: 13/10/2015

149
Arildo Louzano da Silveira

monte em cima". Certamente isto não vale para todas as


situações, mas vale para muitas situações em que estamos
brigando, fazendo questão de certos direitos, perdendo a paz
com o próximo e, junto com isto, o perdão e a comunhão com
Deus. Em vez disto, deveríamos estar pagando o tributo de
indulgência, para a glória do Reino de nosso Senhor Jesus
Cristo.
Será que nós temos causado decepção ao nosso Rei, por
deixarmos de tributar a ele os frutos de temor, desrespeitando as
coisas sagradas? Será que temos nos comportado como homens
e mulheres de pequena fé, andando ansiosos em vez de
confiarmos em seu amor e poder através da oração? Temos
deixado de ser indulgentes, de perdoar e deixar de lado as
ofensas que sofremos, pela causa maior do Reino de Deus? Que
o Senhor nos ajude a sermos bons súditos, tributando a ele
tempestivamente os devidos frutos.

42. Autoridade (Leia Mc 11.27-33)


Numa roda de amigos, é comum surgir de vez em
quando, em tom de zombaria, o questionamento: quem é que
manda em sua casa? O homem sente-se na obrigação de
responder: "É claro que sou eu". Mas todos nós sabemos que
não é bem assim. A questão de autoridade está sempre presente
em nossas vidas. No texto deste parágrafo, podemos notar a
presença de pelo menos três autoridades, concorrentes entre si.
I - Autoridade civil (27,28)

“Então, regressaram para Jerusalém. E, andando ele pelo


templo, vieram ao seu encontro os principais sacerdotes, os
escribas e os anciãos e lhe perguntaram: Com que autoridade
fazes estas coisas? Ou quem te deu tal autoridade para as
fazeres?”

150
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Os principais sacerdotes, escribas e anciãos, apesar de


serem religiosos, acabavam exercendo, também, autoridade civil
sobre o povo. Tinham poder de prender, julgar e condenar.
Obedecer às autoridades civis, como os governantes, os
juízes, os legisladores e seus delegados, é compatível com a
vontade de Deus. Em quase tudo devemos obedecer tais
autoridades, a menos que seja uma questão em que se possa
dizer: "Antes, importa obedecer a Deus do que aos homens." (At
5.29)
Anne van der Bijl (Sint Pancras, Países Baixos, 11 de
maio de 1928), também conhecido como Irmão André, fundador
da missão "Portas Aberbas", teve grande conflito com as
autoridades civis, desafiando-as para poder levar Bíblias e
mensagens evangelísticas ao povo dentro da antiga "cortina de
ferro" comunista. Ele escreve, em conjunto com seus biógrafos,
no seu livro O contrabandista de Deus28, sobre as restrições
impostas pelo Estado à realização de atividades religiosas.
Numa de suas experiências, em uma pequena aldeia da
Macedônia, que então pertencia à Iugoslávia, "Era proibido
realizar cultos em casas particulares, por isso, Ana simplesmente
separara um cômodo, e pendurara uma tabueta na frente, que
dizia: Molitven Dom (Casa de Oração)" (pag. 143). Durante o
culto, conforme seu relato, estavam "cantando outro hino,
quando, de repente, ouviu-se uma batida forte na porta. Todos
pararam de cantar. Ana abriu a porta, e ali estavam dois homens
uniformizados. Foram até a frente da sala. Durante muito tempo,
eles simplesmente ficaram ali de pé, correndo os olhos pela
congregação. Então de dirigiram a um canto da sala, para dar
uma olhada naqueles rostos assustados. Finalmente, sacaram
cadernetas e começaram a anotar o nome dos presentes. Quando
terminaram, fizeram algumas perguntas a respeito de Nikola e
de mim, e depois saíram tão abruptamente como haviam
chegado. [...] Porque o governo escolhera aquela igreja isolada

28
O contrabandista de Deus / Irmão André, John e Elizabeth Sherrili; tradução de Adiel
Almeida de Oliveira - 3ª ed. - Belo Horizonte: Betânia, 2008.

151
Arildo Louzano da Silveira

para atacar enquanto deixava outras à vontade, nem Nikola nem


eu jamais compreendemos." (pag. 144,145)
Os governos comunistas, porém, não usavam sempre a
repressão e ameaças, mas "o esforço parecia ser centralizado nas
crianças. Deixem os velhos, mas desmamem os jovens da igreja,
parecia ser a ordem" (pag 140). Os jovens também eram vítimas
de pressão psicológica. Num evento na Hungria André notou
que "Cada jovem estava usando um lenço vermelho vivo que era
[...] o símbolo da boa cidadania. Uma das requisições para poder
usar aquele lenço, era uma atitude apropriada em relação às
superstições religiosas dos seus pais [...]. Milagres, a história da
criação, o pecado original, a queda do homem, coisas desse
tipo" (Pag. 162).
O trabalho do missionário irmão André e de outros
crentes corajosos em fazer chegar a Bíblia a estes países, com
certeza contribuiu para fazer com que o cristianismo
prosperasse, apesar das restrições.
II - Autoridade do céu (eclesiástica) (29,30)

“Jesus lhes respondeu: Eu vos farei uma pergunta;


respondei-me, e eu vos direi com que autoridade faço estas
coisas. O batismo de João era do céu ou dos homens?
Respondei!”
Para muitos de nós, a autoridade dos céus acaba se
traduzindo em autoridade eclesiástica, uma vez que confiamos
na igreja para interpretar as Escrituras e nos orientar em matéria
de fé e de bons costumes.
Dia 31 de outubro comemoramos o início da reforma
protestante, quando mudanças estruturais importantes
começaram a ser implantadas nas igrejas oficiais, até então
monopolizadas pelo catolicismo romano. Os cristãos que
aderiram ao movimento reafirmavam que a autoridade dos céus,
para os homens, está determinada na Bíblia, a Palavra de Deus,
e é comum dizer que a reforma tem como fundamento os "cinco
solas": Sola fide (somente a fé); Sola scriptura (somente a

152
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Escritura); Solus Christus (somente Cristo); Sola gratia


(somente a graça); Soli Deo gloria (glória somente a Deus).
Com a liberdade de pensamento, porém, surgiram
conflitos entre os próprios protestantes, pois alguns intérpretes
importantes divergiram entre si a respeito de algumas doutrinas,
mesmo tendo como base a mesma fonte de autoridade, as
Escrituras.
Algumas doutrinas calvinistas foram contestadas por
arminianos, e por isto os calvinistas as reiteraram no Sínodo de
Dort, em 1619, através dos famosos 5 pontos do calvinismo, que
são: T - Total Depravity; Depravação Total; U - Unconditional
Election; Eleição Incondicional; L - Limited Atonement;
Expiação Limitada I - Irresistible Grace; Graça Irresistível; P -
Perseverance of the Saints; Perseverança dos Santos.
Uma vez um pastor me perguntou se eu sou calvinista ou
arminiano. Foi difícil eu responder, principalmente porque eu
não sabia quem era Armínio. Não pretendo entrar no meio deste
duelo de gigantes, mas de uma coisa eu tenho certeza: Armínio,
Calvino e eu (e provavelmente você) concordamos que a Bíblia
é a única autoridade confiável dada a nós, homens, em matéria
de fé e prática.
III - Autoridade social (31-33)

“E eles discorriam entre si: Se dissermos: Do céu, dirá:


Então, por que não acreditastes nele? Se, porém, dissermos: dos
homens, é de temer o povo. Porque todos consideravam a João
como profeta. Então, responderam a Jesus: Não sabemos. E
Jesus, por sua vez, lhes disse: Nem eu tampouco vos digo com
que autoridade faço estas coisas”.
O povo, ou, em linguagem mais moderna, a sociedade,
exerce sobre nós influência tão grande que acaba sendo uma
verdadeira autoridade.
O rei Saul temia mais o povo do que a Deus. Em pelo
menos três ocasiões na história de Saul, vemos que ele era muito

153
Arildo Louzano da Silveira

sensível à vontade do povo, o que pode ser bom em alguns


momentos, mas ruim em outros. Ele usurpou a posição de
sacerdote, oferecendo sacrifícios, para impedir que o povo se
dispersasse (1Sm 13.8,11,12); desistiu de executar sua
precipitada sentença contra o próprio filho, Jônatas, pela
intervenção do povo (1Sm 14.45); desobedeceu ordens
expressas de Deus para agradar o povo, e mostrou exagerado
interesse em ser honrado diante do povo, quando já havia sido
reprovado por Deus (1Sm 15.9,15,21,24,30).
Uma famosa música antiga diz os seguintes versos:
"Vivo condenado a fazer o que eu não quero; então bem
comportado às vezes eu me desespero. Se faço alguma coisa
sempre alguém vem me dizer que isso ou aquilo não se deve
fazer. Restam meus botões... já não sei mais o que é certo. E
como vou saber o que eu devo fazer? Que culpa tenho eu, me
diga amigo meu. Será que tudo o que eu gosto é imoral, é ilegal
ou engorda? [...]" (Roberto e Erasmo Carlos). É uma situação
engraçada, mas mostra o quanto sofremos a influência das
pessoas ao nosso redor, para o bem ou para o mal.
O médico Dráuzio Varela, falando sobre o problema do
alcoolismo entre os adolescentes, diz que "Para essa reviravolta
em relação ao uso de álcool entre os adolescentes, que ocorreu
bruscamente de uma geração para outra, concorreram diversos
fatores de risco. O primeiro é que o consumo de bebida
alcoólica é aceito e até estimulado pela sociedade. Pais que
entram em pânico quando descobrem que o filho ou a filha
fumou maconha ou tomou um comprimido de ecstasy numa
festa, acham normal que eles bebam porque, afinal, todos
bebem. [...] Não é raro o problema começar em casa, com a
hesitação paterna na hora de permitir ou não que o adolescente
faça uso do álcool ou com o mau exemplo que alguns pais dão
vangloriando-se de serem capazes de beber uma garrafa de
uísque ou dez cervejas num final de semana."29

29
http://drauziovarella.com.br/dependencia-quimica/alcoolismo-na-adolescencia/ - Acesso em:
17/10/2015

154
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

A Bíblia nos adverte que a pessoa realmente feliz é a que


"não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos
pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores" (Sl 1.1),
e nos aconselha: "Entrai pela porta estreita (larga é a porta, e
espaçoso, o caminho que conduz para a perdição, e são muitos
os que entram por ela)" (Mt 7.13). Portanto, aceitemos a
autoridade social somente naquilo em que ela está concordando
com os bons princípios da Palavra de Deus.
Quantas autoridades mais podemos citar como decisivas
em nossas vidas? Podem ser nossos desejos, nosso orgulho,
nossos prazeres, que estão "mandando" em nós e definindo
nossos passos. Como temos reagido às autoridades que estão
sobre nós? Autoridades civis, eclesiásticas e sociais têm o seu
papel, mas não podem sobrepor-se à autoridade das Escrituras, e
muito menos do Senhor das Escrituras, em nossa busca de fazer
o que agrada a Deus.

43. A videira (Leia Mc 12.1-12)


Outro dia li uma notícia que me deixou alarmado: "A
Organização das Nações Unidas (ONU) afirmou que os ataques
contra albinos, cujas partes dos corpos são altamente
valorizados em rituais de bruxaria e podem alcançar altos
preços, têm sido registrados desde agosto em seis países no sul e
leste do continente africano. [...] Curandeiros chegam a pagar
US$ 75 mil (R$ 285 mil) por um conjunto completo de órgãos
de um albino, de acordo com um relatório da Cruz Vermelha,
para usá-los em feitiços que acreditam trazer boa sorte, amor e
riqueza. A ONU alertou em março que 2015 seria um ano
perigoso para os albinos na Tanzânia, à medida que políticos
recorrem a bruxos para aumentar suas chances de vencerem nas
urnas"30. Pensei: Como é possível isto acontecer ainda hoje?

30
Reuters - 15/10/2015 - Disponível em: http://noticias.uol.com.br/ultimas-
noticias/reuters/2015/10/15/ataques-contra-albinos-aumentam-com-proximidade-de-eleicoes-na-
africa.htm - Acesso em: 21/10/2015

155
Arildo Louzano da Silveira

Vivemos num tempo e cultura em que estes costumes pagãos


antigos foram praticamente erradicados. O cristianismo
conquistou a maior parte do mundo, influenciando as nações a
abolirem práticas pagãs e criarem leis inspiradas nos padrões
bíblicos. Os frutos de justiça que glorificam ao Senhor têm se
multiplicado na história através da evangelização e conseqüentes
ajustes dos costumes, para se adequarem ao mandamento de nos
amarmos uns aos outros. A parábola dos lavradores maus nos
mostram três verdades a respeito do plano de Deus para este
mundo.
Primeira Verdade: Deus plantou uma vinha (1)

Deus estabeleceu Israel, investiu nesta nação, dando a


eles tudo o que era necessário para frutificarem. Tirou-os do
Egito com grandes manifestações de poder, conduziu-os pelo
deserto, e expulsou diante deles os inimigos para possuírem a
terra de Canaã. Deixou-os, então, para que se desenvolvessem e
glorificassem o nome do seu criador.
Assim que atravessaram o Mar Vermelho, eles cantaram
um cântico que dizia: "Ó SENHOR, quem é como tu entre os
deuses? Quem é como tu, glorificado em santidade, terrível em
feitos gloriosos, que operas maravilhas?" (Êxodo 15.11). As
palavras deste cântico mostram como Senhor começou a ser
engrandecido perante o povo, antes acostumado a valorizar
também outros deuses.
Em Nm 24.5-9 vemos, através dos olhos de Balaão, um
belo quadro da glória da nova nação que estava nascendo, para
glorificar o Deus dos deuses: "Que boas são as tuas tendas, ó
Jacó! Que boas são as tuas moradas, ó Israel! Como vales que se
estendem, como jardins à beira dos rios, como árvores de
sândalo que o SENHOR plantou, como cedros junto às águas.
Águas manarão de seus baldes, e as suas sementeiras terão
águas abundantes; o seu rei se levantará mais do que Agague, e
o seu reino será exaltado. Deus tirou do Egito a Israel, cujas
forças são como as do boi selvagem; consumirá as nações, seus
inimigos, e quebrará seus ossos, e, com as suas setas, os

156
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

atravessará. Este abaixou-se, deitou-se como leão e como leoa;


quem o despertará? Benditos os que te abençoarem, e malditos
os que te amaldiçoarem."
Nos seus tempos áureos, os salmistas de Israel cantavam:
"Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus; sou exaltado entre as
nações, sou exaltado na terra." (Sl 46.10); mas na sua
decadência, foi advertida através do profeta Isaías (5.7): "Porque
a vinha do SENHOR dos Exércitos é a casa de Israel, e os
homens de Judá são a planta dileta do SENHOR; este desejou
que exercessem juízo, e eis aí quebrantamento da lei; justiça, e
eis aí clamor."
Segunda verdade: Deus pôs lavradores para
cuidar da vinha e lhe render frutos (2-9)

Os frutos que Deus esperava receber de Israel não lhe


foram entregues. Os profetas, que agiram como uma espécie de
cobradores de frutos espirituais, não foram bem recebidos, mas
desprezados, presos, mortos. Finalmente veio Jesus, o Filho de
Deus, o qual deveria ter sido honrado, na forma de
arrependimento e de outorga dos frutos de justiça, mas então
eles decidiram, ainda com mais firmeza, assassiná-lo; e Deus, o
dono da vinha, resolveu julgar os lavradores maus, e dar a vinha
a outro povo, a Igreja.
Jesus falou sobre os crimes contra os profetas, em Lc
11.49-52: "Por isso, também disse a sabedoria de Deus: Enviar-
lhes-ei profetas e apóstolos, e a alguns deles matarão e a outros
perseguirão, para que desta geração se peçam contas do sangue
dos profetas, derramado desde a fundação do mundo; desde o
sangue de Abel até ao de Zacarias, que foi assassinado entre o
altar e a casa de Deus. Sim, eu vos afirmo, contas serão pedidas
a esta geração. Ai de vós, intérpretes da Lei! Porque tomastes a
chave da ciência; contudo, vós mesmos não entrastes e
impedistes os que estavam entrando".
Mas, e a Igreja! Tem dado a Deus os frutos que Israel
falhou em dar? Assim como Israel começou a “dar trabalho”

157
Arildo Louzano da Silveira

logo no início de seu estabelecimento, assim também a Igreja.


Lemos em At 5.3-5 a história de Ananias e Safira: "Então, disse
Pedro: Ananias, por que encheu Satanás teu coração, para que
mentisses ao Espírito Santo, reservando parte do valor do
campo? Conservando-o, porventura, não seria teu? E, vendido,
não estaria em teu poder? Como, pois, assentaste no coração
este desígnio? Não mentiste aos homens, mas a Deus. Ouvindo
estas palavras, Ananias caiu e expirou, sobrevindo grande temor
a todos os ouvintes." Um conflito foi registrado em Atos 6.1:
"Ora, naqueles dias, multiplicando-se o número dos discípulos,
houve murmuração dos helenistas contra os hebreus, porque as
viúvas deles estavam sendo esquecidas na distribuição diária." E
Paulo repreende os Gálatas (1.6): "Admira-me que estejais
passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de
Cristo para outro evangelho"
Os cristãos que perseveraram, porém, glorificaram a
Deus, e em geral foram grandemente perseguidos nos três
primeiros séculos de sua era, até que um imperador romano,
Constantino, se converteu, e o quadro começou a mudar. A
Igreja passou a influenciar e ser influenciada pelos poderes
políticos, chegando, em alguns momentos, a governar com
poder superior ao dos imperadores. A grande concentração de
poder deu ensejo, naturalmente, à corrupção e disputas políticas,
além de opressão aos que ameaçavam os intentos das
autoridades eclesiásticas, e assim a Igreja também perseguiu e
matou seus "profetas", sendo um dos casos mais notáveis, John
Huss, condenado em 1415 a ser queimado vivo, por suas ideias
reformadoras. A Igreja oficial, agindo assim, assemelhava-se
aos maus lavradores, querendo apropriar-se da vinha do Senhor.
Terceira verdade: Cristo é a nova videira de
Deus (10-12)

O Filho de Deus, que eles mataram, ressuscitou e tornou-


se a principal pedra no templo dedicado à glória do Senhor. Ele
também declara em Jo 15.1-8: "Eu sou a videira verdadeira, e
meu Pai é o agricultor. Todo ramo que, estando em mim, não

158
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

der fruto, ele o corta; e todo o que dá fruto limpa, para que
produza mais fruto ainda. Vós já estais limpos pela palavra que
vos tenho falado; permanecei em mim, e eu permanecerei em
vós. Como não pode o ramo produzir fruto de si mesmo, se não
permanecer na videira, assim, nem vós o podeis dar, se não
permanecerdes em mim. Eu sou a videira, vós, os ramos. Quem
permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem
mim nada podeis fazer. Se alguém não permanecer em mim,
será lançado fora, à semelhança do ramo, e secará; e o apanham,
lançam no fogo e o queimam. Se permanecerdes em mim, e as
minhas palavras permanecerem em vós, pedireis o que
quiserdes, e vos será feito. Nisto é glorificado meu Pai, em que
deis muito fruto; e assim vos tornareis meus discípulos."
A relação entre Igreja e poderes políticos é quase
inevitável, neste mundo, mas não é essencial, nem mesmo
desejável, dentro dos altos propósitos de Deus nesta era. No
Brasil, os católicos é que foram os mais influentes e
beneficiados nesta relação. Basta constatar que, na maioria das
cidades antigas, há uma Igreja católica no centro, uma praça, e a
partir daí a cidade se desenvolveu. Alderi Souza de Matos,
historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil, nos conta
que, “Com a vinda do primeiro governador-geral, Tomé de
Souza, também chegaram os primeiros jesuítas, liderados pelo
padre Manoel da Nóbrega (1549). Por 210 anos eles foram os
principais missionários e educadores no Brasil. Alguns deles
foram defensores dos índios, como o celebrado padre Antônio
Vieira (1608-97). Ao mesmo tempo, os jesuítas tornaram-se os
maiores proprietários de terras e senhores de escravos do Brasil
colonial”31.
O Reino de Jesus, porém, não é deste mundo (Jo 18.36),
e nós temos a missão de produzir bons frutos, ligados a Jesus, a
videira verdadeira, ainda que, à margem e sob a opressão dos
poderes políticos ou religiosos constituídos no meio em que

31
IGREJA E ESTADO: UMA VISÃO PANORÂMICA – Disponível em:
http://www.mackenzie.br/7113.html - Acesso em: 20/10/2015

159
Arildo Louzano da Silveira

vivemos. Um exemplo que me inspira é o de Robert Kally,


médico escocês que se dedicou à obra missionária,
primeiramente em Portugal, na Ilha de Madeira, e depois no
Brasil. Lemos a seu respeito que "na época, a Madeira
atravessava uma forte crise econômica. O comércio do vinho,
base da economia da ilha, estava em declínio. Os desastres
naturais levaram à fome, ao abandono de vinhedos e ao
desemprego em massa. Para muitos, a emigração foi uma
questão de sobrevivência. A situação foi agravada pela tensão
religiosa entre o grupo de convertidos presbiterianos e a
comunidade local, tradicionalmente católica. A nova igreja seria
perseguida pelas autoridades madeirenses. A partir de 2 de
agosto de 1846 intensificaram-se as injúrias e ações contra os
"calvinistas". Em 9 de agosto de 1846, a casa dos Kalleys foi
incendiada." Ele fugiu para os Estados Unidos, e depois veio
para o Brasil. "No dia 11 de julho de 1858 organizou a Igreja
Evangélica Fluminense, uma igreja evangélica brasileira sem
nenhum vínculo com denominações até então existentes. Foi
organizada com 14 membros, sendo batizado naquele dia o
primeiro brasileiro Pedro Nolasco de Andrade. [...] Kalley foi
também aquele que conseguiu plantar o Cristianismo
Evangélico de forma definitiva no Brasil. Seu trabalho
influenciou outros missionários a trabalharem no Brasil,
contribuindo para a construção do protestantismo no país"32.
Missionários como Kalley e outros crentes fiéis, têm
buscado fazer frutificar a Igreja, o corpo de Cristo, o qual é a
videira verdadeira.
A videira está sob nossa responsabilidade. Que tipo de
lavradores nós temos sido? Vamos nos consagrar ao trabalho
nesta vinha do Senhor, para que possamos, com nosso
testemunho de fé, transformar o meio em que vivemos, e chegar
a alcançar os povos que ainda não reconhecem o Deus e Pai de
nosso Senhor Jesus Cristo, que precisam sair das trevas, e
aproximar-se da luz.

32
disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Robert_Kalley - Acesso em: 21/10/2015

160
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Talvez você esteja se perguntando que coisas grandiosas


precisa fazer, mas às vezes não é disto que se trata. Quando
pessoas arrependidas, que atenderam ao apelo de João Batista,
perguntaram o que deviam fazer (que frutos de arrependimento
deveriam mostrar), ele respondeu: "Quem tiver duas túnicas,
reparta com quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo.
Foram também publicanos para serem batizados e perguntaram-
lhe: Mestre, que havemos de fazer? Respondeu-lhes: Não
cobreis mais do que o estipulado. Também soldados lhe
perguntaram: E nós, que faremos? E ele lhes disse: A ninguém
maltrateis, não deis denúncia falsa e contentai-vos com o vosso
soldo" (Lc 3.10-14). A simples obediência a preceitos
elementares são muito bons frutos. É destes ramos produtivos
que o Senhor separa alguns para obras grandiosas, como é o
caso, por exemplo, de missões transculturais.

44. Endividados (Leia Mc 12.13-17)


Cada brasileiro nasce devendo cerca de 13 mil reais, pois
a dívida pública do Brasil, atualmente, é de 2,7 trilhões33. Mas
não é só isto que nós devemos. Devemos muito mais. A questão
do tributo ao império romano, levantada pelos opositores de
Jesus, nos ensina que há pelo menos três dívidas, as quais
devemos pagar cabalmente:
A dívida pública (13,14)

“E enviaram-lhe alguns dos fariseus e dos herodianos,


para que o apanhassem em alguma palavra. Chegando,
disseram-lhe: Mestre, sabemos que és verdadeiro e não te
importas com quem quer que seja, porque não olhas a aparência
dos homens; antes, segundo a verdade, ensinas o caminho de

33
Fontes: http://oglobo.globo.com/economia/divida-publica-federal-sobe-fecha-setembro-em-
27-tri-17878596 - Acesso em: 28/10/2015; e
http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/08/brasil-tem-204-milhoes-de-habitantes-segundo-o-
ibge.html - Acesso em: 29/10/2015.

161
Arildo Louzano da Silveira

Deus; é lícito pagar tributo a César ou não? Devemos ou não


devemos pagar?”
Quando falo de dívida pública, não me refiro à dívida de
2,7 trilhões de reais, mas à dívida que temos para com as
pessoas ao nosso redor. Devemos a elas um bom testemunho. Os
fariseus, em associação com os herodianos, queriam que Jesus
tropeçasse neste testemunho público, por isto fizeram uma
pergunta, cuja resposta pudesse comprometê-lo diante do povo.
Jesus nos chama de "a luz do mundo", e quer que brilhe a nossa
luz diante dos homens, para que vejam as nossas boas obras e
glorifiquem a nosso Pai que está nos céus (Mateus 5.16). Paulo
considerava que nós, os cristãos, "somos para com Deus o bom
perfume de Cristo, tanto nos que são salvos como nos que se
perdem. Para com estes, cheiro de morte para morte; para com
aqueles, aroma de vida para vida. Quem, porém, é suficiente
para estas coisas?” (2Co 2.15,16 ).
Hoje em dia, é quase impossível fazermos coisas no
anonimato. Existem câmeras por toda parte. Nos
estabelecimentos comerciais, nas ruas, nas residências, e até do
céu existem satélites e drones espionando. Isto é um motivo a
mais para nos abstermos de praticar tudo o que é mal, ou mesmo
que só pareça mal, pois somos testemunhas de que Deus pode
transformar vidas, e de que o Espírito de Deus habita nos
homens, para fazê-los andar nos caminhos retos.
A dívida fiscal (15-17)

“Mas Jesus, percebendo-lhes a hipocrisia, respondeu:


Por que me experimentais? Trazei-me um denário para que eu o
veja. E eles lho trouxeram. Perguntou-lhes: De quem é esta
efígie e inscrição? Responderam: De César. Disse-lhes, então,
Jesus: Dai a César o que é de César [...]”.
A célebre resposta de Jesus elimina totalmente qualquer
dúvida quanto à questão levantada, mostrando o seu total
desprendimento quanto às coisas deste mundo. Embora pudesse
usar o dinheiro para as necessidades materiais, não considerava

162
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

que o dinheiro em seu poder fosse seu. Bastava ler a efígie e


visualizar a imagem gravada na moeda para constatar a sua
propriedade. Se César quisesse exigir todo o seu dinheiro de
volta, que se desse de volta a ele.
Nós usamos o dinheiro, mas ele (as cédulas e moedas)
pertence ao governo. Usamos a infra-estrutura, nos beneficiamos
da segurança pública, do sistema público de saúde, das agências
de proteção de direitos, do seguro-desemprego, do seguro social.
Contamos com o poder público para manter as coisas em ordem,
para que a sociedade em que vivemos não se transforme num
caos.
Nós nos utilizamos de tudo isto, mas esta estrutura toda
pertence ao governo constituído. Se o governo impõe taxas e
tributos, devemos dar-lhe o que lhe pertence.
A dívida celestial (17)

“Disse-lhes, então, Jesus: Dai a César o que é de César e


a Deus o que é de Deus. E muito se admiraram dele”.
A nossa maior dívida é para com o Criador. No dia do
vencimento, havemos de lhe prestar contas.
Relaciono abaixo alguns versículos que falam de nossos
deveres como pessoas que se beneficiaram da maravilhosa graça
celestial:
Lucas 17.10 Assim também vós, depois de haverdes
feito quanto vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis,
porque fizemos apenas o que devíamos fazer.
João 13.14 Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos
lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros.
Romanos 13.8 A ninguém fiqueis devendo coisa alguma,
exceto o amor com que vos ameis uns aos outros; pois quem
ama o próximo tem cumprido a lei.

163
Arildo Louzano da Silveira

Romanos 15.1 Ora, nós que somos fortes devemos


suportar as debilidades dos fracos e não agradar-nos a nós
mesmos.
1Coríntios 7.3 O marido conceda à esposa o que lhe é
devido, e também, semelhantemente, a esposa, ao seu marido.
Efésios 5.28 Assim também os maridos devem amar a
sua mulher como ao próprio corpo. Quem ama a esposa a si
mesmo se ama
1João 3.16 Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a
sua vida por nós; e devemos dar nossa vida pelos irmãos.
1João 4.11 Amados, se Deus de tal maneira nos amou,
devemos nós também amar uns aos outros.
Não sejamos inadimplentes. Paguemos cabalmente e
pontualmente nossas dívidas. Sejamos boas testemunhas diante
das pessoas que nos cercam, honestos e submissos às
autoridades seculares. Este “montante” faz parte de uma dívida
maior, que temos para com Deus, nosso Criador e nosso
Redentor.

45. Desvio perigoso (Leia Mc 12.18-27)


Escrevo este ensaio no dia 1º de novembro, entre duas
datas importantes: o dia da reforma e finados. A reforma propôs
corrigir os erros históricos da Igreja, baseando-se nas Escrituras.
O dia de finados é um feriado católico em que muitas pessoas
oram pelos mortos, o que, segundo nós, protestantes,
entendemos, é um erro. Devemos orar muito pelas pessoas, mas
enquanto ainda estão vivas. Há muitas pessoas morrendo
espiritualmente, porque não reconhecem o caminho do Senhor, e
se desviam por todos os tipos de caminho, rumando para a
morte. Este texto nos fala de pessoas que estavam errando,
desviando-se do caminho de Deus. O seu desvio estava
relacionado com a sua atitude para com as sagradas Escrituras.

164
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Visão tendenciosa

Os Saduceus foram até Jesus para fazer uma pergunta,


mas já estavam pré-dispostos a não acreditar na ressurreição,
nos milagres, nem na existência de anjos. Muitas vezes podemos
nos ver assim, lendo a Bíblia sem estarmos dispostos a ceder
quanto às nossas convicções pré-estabelecidas. Olhamos as
Escrituras com uma visão tendenciosa, querendo achar nela
subsídios para apoiar somente o que já estamos dispostos a
acreditar. Quem sabe estejamos confiando demais em nosso
coração, que é “desesperadamente corrupto” (Jeremias 17.9).
Deus indignou-se com as pessoas do povo antigo, que “sempre
erram no coração” (Hebreus 3.10) e que não conheceram os
caminhos de Deus. Paulo diz que alguns israelitas, “quando é
lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles” (2Co
3.15,16). Para não nos desviarmos do caminho de Deus,
devemos abandonar a visão tendenciosa, e estudar as Escrituras
de mente e coração abertos.
Leitura superficial

Oséias 4.6 aponta um grande perigo que pode levar à


destruição de uma comunidade: “O meu povo está sendo
destruído, porque lhe falta o conhecimento.” Muitas pessoas
assistem filmes e outras representações de histórias bíblicas, e
ficam se perguntando se aqueles acontecimentos estão mesmo
na Bíblia. Acontece que estas produções de entretenimento, por
mais que tentem ser fiéis aos textos bíblicos, precisam enfeitar,
inserir personagens, dramatizar, de forma que se tornem
atraentes para o público, pois, é claro, uma produção assim
precisa ter retorno financeiro. Se quisermos, de fato, conhecer o
que a Bíblia diz, a leitura de seu texto integral é absolutamente
necessária. Quase seis milhões de pessoas prestaram a prova do
ENEM, em todo o país, semana passada. Para conseguir uma
boa nota, entrar numa faculdade ou conseguir uma bolsa de
estudos, muitos candidatos estudaram exaustivamente o ano
inteiro. Há pessoas dizendo que fizeram a prova sem estudar e
conseguiram uma nota razoável, mas não é bem assim. Na

165
Arildo Louzano da Silveira

verdade, se valeram dos estudos feitos anteriormente, em algum


ponto de sua vida. Se nós quisermos passar com boa média nas
provas de Deus, temos que nos esforçar nos estudos, ou alguém
pensa que podemos fazer as provas de Deus sem estudar? A
leitura superficial das Escrituras, sem aprofundamento, é um dos
motivos pelos quais nos afastamos do caminho de Deus.
Desconhecimento do poder de Deus

Falando ainda sobre os israelitas, Paulo disse que, se


“algum deles se converte ao Senhor, o véu lhe é retirado" (2Co
3.15,16). O véu, que impede a visão clara da verdade, precisa
ser removido por meio da conversão, um milagre que Deus
opera naquele que crê no evangelho e se arrepende dos seus
pecados. O evangelho “é o poder de Deus para a salvação de
todo aquele que crê” (Romanos 1.16). O próprio Cristo é
chamado “o poder de Deus” em 1Co 1.24.
As pessoas se desviam do caminho de Deus, por
deixarem de crer que ele ressuscita os mortos, que ele é
poderoso para fazer muito mais do que pedimos ou pensamos.
Ele cumprirá também o juízo, do qual nos tem alertado.
Deus pode fazer e faz muitos milagres. Ele fez o mar se
abrir para passarem os filhos de Israel. Ele ressuscitou Jesus
dentre os mortos. Ele vai nos ressuscitar no último dia, e vai dar
a vida eterna para alguns, mas para outros, vergonha e horror
eterno (Dn 12.2). Precisamos crer nisto.
Atentemos, pois, às palavras de 1Pe 2.1-4: “Despojando-
vos, portanto, de toda maldade e dolo, de hipocrisias e invejas e
de toda sorte de maledicências, desejai ardentemente, como
crianças recém-nascidas, o genuíno leite espiritual, para que, por
ele, vos seja dado crescimento para salvação, se é que já tendes
a experiência de que o Senhor é bondoso. Chegando-vos para
ele, a pedra que vive, rejeitada, sim, pelos homens, mas para
com Deus eleita e preciosa”
Ler a Bíblia de mente e coração abertos, estudar
diligentemente a Palavra de Deus, e crer no seu poder, estas

166
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

atitudes nos ajudarão a nos conservarmos no caminho de Deus,


pois o desvio é perigoso.

46. Inteligência (Leia Mc 12.28-34)


Você é inteligente? Hoje em dia é difícil responder a esta
pergunta. O conceito de inteligência tornou-se relativo. Uns são
inteligentes para jogar videogame, outros são para jogar xadrez.
Uns são inteligentes para jogar bola, outros para administrar o
time. Para não ficar longe do reino de Deus, precisamos ter
inteligência espiritual. Neste texto encontramos três ações que
demonstram nossa inteligência espiritual:
Observar o Mestre (28)

"Chegando um dos escribas, tendo ouvido a discussão


entre eles, vendo como Jesus lhes houvera respondido bem"
Os escribas eram contados entre os homens mais
inteligentes da sociedade. Eram especialistas nas Escrituras.
Qualquer dúvida que alguém tivesse sobre a lei, as tradições, a
história, eles estavam preparados para responder. O escriba de
nossa história, porém, demonstrou uma inteligência superior,
pelo fato de estar observando o Mestre. Deve ter ficado quieto,
ouvindo atentamente, pensativo, quando Jesus devolveu a
moeda dizendo: “dai a César o que é de César, e a Deus o que é
de Deus”. Da mesma forma admirou-se da sua hábil, paciente e
precisa explanação a respeito da ressurreição. Para
desenvolvermos inteligência espiritual, precisamos observar o
Mestre. É claro que isto só pode ser feito através da leitura da
Bíblia, que nos relata o que ele fez e ensinou. Uma regra básica
para todos os que querem estudar a Bíblia seriamente, é
observar o texto, em primeiro lugar, da forma mais natural
possível, sem a influência de interpretações alheias, e só então
prosseguir, incluindo outras fontes de consulta.

167
Arildo Louzano da Silveira

Fazer perguntas ao Mestre (28-31)

"perguntou-lhe: Qual é o principal de todos os


mandamentos? Respondeu Jesus: O principal é: Ouve, ó Israel,
o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor! Amarás, pois, o
Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de
todo o teu entendimento e de toda a tua força. O segundo é:
Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro
mandamento maior do que estes."
O escriba mostrou sua inteligência fazendo uma
pergunta pertinente, ao Mestre. Não era uma pergunta qualquer.
A resposta consistia numa resenha do toda a Lei. Ele certamente
tinha uma resposta própria, mas queria ver se aquele, que se
dizia o Messias, realmente sabia o que estava falando.
Quando um professor termina uma etapa dos seus
ensinamentos, e faz a clássica pergunta: "alguma dúvida?", ele
espera que os alunos tenham dúvidas. Quando todos ficam em
silêncio, ele pode chegar a duas possíveis conclusões: todos
entenderam tudo ou ninguém entendeu nada. Neste caso, é mais
provável que a segunda alternativa esteja correta. As dúvidas
surgem justamente quando estamos começando a entender os
conceitos e sentimos o desejo de aplicá-los em alguma situação
prática.
Devemos, então, após uma minuciosa observação, fazer
perguntas ao texto bíblico, esperando que achemos as respostas
no próprio texto, no seu contexto ou em outras passagens onde
se fala do mesmo assunto.
Abrir o coração para o Mestre (32-34)

"Disse-lhe o escriba: Muito bem, Mestre, e com verdade


disseste que ele é o único, e não há outro senão ele, e que amar a
Deus de todo o coração e de todo o entendimento e de toda a
força, e amar ao próximo como a si mesmo excede a todos os
holocaustos e sacrifícios. Vendo Jesus que ele havia respondido

168
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

sabiamente, declarou-lhe: Não estás longe do reino de Deus. E


já ninguém mais ousava interrogá-lo".
Quando Jesus responde "a contento", acrescentando
ainda outros ensinamentos, o escriba se convence de que Jesus
era correto no ensino das Escrituras, e não hesita em reconhecê-
lo diante de todos. Isto significava muito, partindo dele, pois
devemos nos lembrar que, naquele momento, Jesus era o seu
adversário de debate. Para desenvolvermos a inteligência
espiritual, é necessário abrirmos o coração para o Mestre,
reconhecer que ele é quem afirma ser, o Filho de Deus, o
Salvador de todos os que nele crêem.
Vejamos alguns textos bíblicos sobre o assunto
inteligência espiritual:
Tiago 3.17 A sabedoria, porém, lá do alto é,
primeiramente, pura; depois, pacífica, indulgente, tratável, plena
de misericórdia e de bons frutos, imparcial, sem fingimento.
Deuteronômio 4.6 Guardai-os, pois, e cumpri-os, porque
isto será a vossa sabedoria e o vosso entendimento perante os
olhos dos povos que, ouvindo todos estes estatutos, dirão:
Certamente, este grande povo é gente sábia e inteligente.
Atos 13.7 o qual estava com o pro cônsul Sérgio Paulo,
que era homem inteligente. Este, tendo chamado Barnabé e
Saulo, diligenciava para ouvir a palavra de Deus.
Tiago 3.13 Quem entre vós é sábio e inteligente? Mostre
em mansidão de sabedoria, mediante condigno proceder, as suas
obras.
Jeremias 4.22 Deveras, o meu povo está louco, já não me
conhece; são filhos néscios e não inteligentes; são sábios para o
mal e não sabem fazer o bem.
Mateus 11.25 Por aquele tempo, exclamou Jesus: Graças
te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas
coisas aos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos.

169
Arildo Louzano da Silveira

Sejamos inteligentes! Desenvolvamos a inteligência


espiritual, observando, perguntando, e principalmente, abrindo o
nosso coração para o Mestre.

47. Postura espiritual (Leia Mc 12.35-40)


Lendo este texto, imaginei Jesus ensinando a multidão,
como se fosse numa escola dominical. Era como se ele estivesse
comentando a lição, dada pelos escribas, naquele dia. Ele
levanta uma questão controversa, mas não dá a resposta, para
que o povo pudesse pensar um pouco. Se o Messias era filho de
Davi, conforme diziam os escribas, como, pois, Davi o podia
chamar de Senhor? Assim como na escola dominical que temos
em nossa Igreja, o assunto levantado poderia levar a outro
paralelo, a um tema percebido nas entrelinhas, que o Espírito
também deixou para nosso aprendizado. Ao buscar uma
coordenação entre as partes deste parágrafo, pude notar que
existe uma relação entre nossa postura espiritual e o nosso
futuro eterno. Esta postura pode ser ilustrada por, pelo menos,
quatro tipos de assentos, os quais nós utilizamos, nesta vida e
também no porvir.
I – Cadeira de descanso (35-37)

"Jesus, ensinando no templo, perguntou: Como dizem os


escribas que o Cristo é filho de Davi? O próprio Davi falou, pelo
Espírito Santo: Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à
minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos
teus pés. O mesmo Davi chama-lhe Senhor; como, pois, é ele
seu filho?"
O infatigável Messias foi convidado a assentar-se à
direita do Pai, enquanto este trabalhava por ele. Assentar-se na
cadeira de descanso é para quem está cumprindo os seus
deveres. Há coisas que não podemos fazer, então Deus faz por
nós. Podemos falar de Cristo, insistir, buscar os que estão
caminhando para a perdição, mas só o Senhor pode transformar-
lhes o coração. Podemos jejuar e orar para que Deus nos atenda

170
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

as necessidades, trabalhar incansavelmente, mas somente Deus


pode fazer frutificar o nosso esforço. Jesus conta, em Lucas
12.37, uma parábola encorajadora, em que o próprio Senhor
serviria os servos à mesa, como recompensa por sua fidelidade.
Em Salmos 127.2 aprendemos que Deus, “aos seus amados, ele
o dá enquanto dormem”. Se cumprirmos os nossos deveres, um
dia nos assentaremos satisfeitos na cadeira de descanso. Agora,
porém, ainda não é tempo de nos assentarmos definitivamente, e
sim de trabalharmos para o progresso do reino de Deus. Seja o
nosso descanso, aqui na terra, apenas o suficiente para
mantermos a nossa saúde física e emocional, e para com as
coisas que não podemos fazer, deixando-as nas mãos de Deus. O
resto é trabalho para o Senhor.
II – Cadeira de estudante (37)

"E a grande multidão o ouvia com prazer."


É notória a história de Marta e Maria (Lc 10.38-42),
quando Jesus elogiou a irmã mais nova, porque escolheu ficar
assentada aos pés do Mestre, ouvindo-lhe os ensinamentos.
Assentar-se para ouvir Jesus é para quem ama a sua palavra, e
sabe que nela há vida. Nunca é cedo, nunca é tarde, nunca é
suficiente. Aprender a Palavra de Deus deve ser um ato contínuo
na vida do crente. Salmos 119.97 exclama: “Quanto amo a tua
lei! É a minha meditação, todo o dia!” Josué 1.8 ordena: “Não
cesses de falar deste Livro da Lei; antes, medita nele dia e noite,
para que tenhas cuidado de fazer segundo tudo quanto nele está
escrito; então, farás prosperar o teu caminho e serás bem-
sucedido.” Assentar-se para ouvir Jesus, através da leitura e da
oração, é uma necessidade que não podemos negligenciar, pois
se tentarmos agir por conta própria, sem consultarmos o Senhor
em tudo, não haverá bons frutos. Sem Cristo, nada podemos
fazer. Mas não devemos ficar somente ouvindo o ensino, sem
que coloquemos em prática o aprendizado.

171
Arildo Louzano da Silveira

III – Cadeira de Honra (38-40)

"E, ao ensinar, dizia ele: Guardai-vos dos escribas, que


gostam de andar com vestes talares e das saudações nas praças;
e das primeiras cadeiras nas sinagogas e dos primeiros lugares
nos banquetes; os quais devoram as casas das viúvas e, para o
justificar, fazem longas orações"
Vimos que na mesma história, narrada por Mateus
(23.2), Jesus afirma que "na cadeira de Moisés, se assentaram os
escribas e os fariseus." Assentar-se nos primeiros lugares é para
quem quer aproveitar o melhor da vida. Jesus contou-nos a triste
história de um homem que era bem-sucedido, segundo o padrão
deste mundo. Ele teve tudo o que muitos de nós desejamos ter,
hoje em dia, tudo o que o dinheiro podia comprar. Mas foi só
isto. Não se preocupou com sua vida espiritual, e no final da
história, estava em tormentos, sem possibilidade de voltar atrás
(Lc 16.19-31). A cadeira de honra é para quem quer receber o
galardão adiantado, como o filho pródigo (Lc 15.11-32) e os
fariseus (Mt 6.1-5). Não cobicemos lugares de honra deste
mundo, porque eles são perigosos. Esperemos com paciência as
recompensas celestiais, porque estas são eternas.
IV – Banco dos réus (40)

"estes sofrerão juízo muito mais severo."


Assentar-se no banco dos réus é uma coisa terrível.
Somente os que crêem em Jesus escapam da condenação. O
“banco dos réus” é uma expressão que usamos quando
queremos dizer que uma pessoa será julgada. Na verdade, no
julgamento final, as pessoas não estarão sentadas, mas de pé,
diante do trono de Deus (Ap 20.12). Naquele dia, tudo o que
fizemos sem o aval do Senhor Jesus, não contará a nosso favor.
Se enganamos a muitos, ou até a nós mesmos, de que isto nos
valeu? Apenas prazeres temporários. Tudo o que desejaremos
naquele dia é que o nosso nome esteja escrito no livro da vida.
Se você quiser um emprego público, tem que se inscrever como
candidato. Se quiser participar de um congresso, tem que

172
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

solicitar sua inscrição. Para participar de um campeonato, tem


que se apresentar e preencher a ficha, e assegurar-se de que o
seu nome conste ali. Você já pediu para Deus te inscrever no
Livro da Vida? Você sabe se o seu nome está inscrito nele? O
dono do livro pode escrever e apagar. Ele observa quando nos
assentamos e quando nos levantamos. De longe, penetra os
nossos pensamentos. Busque o dono do livro, ande atrás dele,
preste atenção nas suas instruções, não o perca de vista, porque
ele tem nas mãos a lista dos que entrarão na vida eterna.
Qual tem sido nossa postura espiritual? Temos tido o
cuidado de exercitarmos a piedade? Há momentos em que
precisamos nos assentar, mas não sejamos sedentários
espiritualmente. Há uma linha tênue entre o que é certo e o que é
errado no ciclo de trabalhar e descansar. Não podemos antecipar
o descanso celestial, mas devemos descansar enquanto o Senhor
faz germinar a semente que semeamos. Não podemos saturar
nossas mentes de conhecimento, nos dedicando a debates
inúteis, mas devemos fazer habitar ricamente em nós a palavra
de Cristo, instruindo-nos e aconselhando-nos mutuamente, com
toda a sabedoria (Cl 3.16). Não podemos cobiçar honra, e
vivermos só de aparências, mas devemos dar bom testemunho
diante dos que são de fora, e às vezes seremos honrados, de
maneira natural. E que Deus nos livre de que um dia sejamos
condenados no "banco dos réus".

48. Pouco, mas tudo (Leia Mc 12.41-44)


"Assentado diante do gazofilácio, observava Jesus como
o povo lançava ali o dinheiro. Ora, muitos ricos depositavam
grandes quantias. Vindo, porém, uma viúva pobre, depositou
duas pequenas moedas correspondentes a um quadrante. E,
chamando os seus discípulos, disse-lhes: Em verdade vos digo
que esta viúva pobre depositou no gazofilácio mais do que o
fizeram todos os ofertantes. Porque todos eles ofertaram do que
lhes sobrava; ela, porém, da sua pobreza deu tudo quanto
possuía, todo o seu sustento" (Mc 12.41-44).

173
Arildo Louzano da Silveira

Se fizéssemos uma vaquinha para comprar um pote de


sorvete, entre os que estavam presentes no último culto de
domingo, e pedíssemos a cada um o valor de um real, talvez
conseguíssemos comprar dois potes de sorvete. Alguns dariam
um real, sem problemas. Alguns dariam até mais, talvez o pote
inteiro. Outros, porém, teriam dificuldades, porque poderia
faltar para pagar o ônibus, ou para comprar o pão. Alguns
diriam: eu não vou dar, porque não gosto de sorvete. Outros não
dariam porque acham um absurdo fazer uma vaquinha na igreja,
e talvez alguém faria um longo discurso a respeito do mal que o
sorvete pode causar à saúde. Se fizéssemos uma coleta para
missões, ocorreria coisa similar. Mas, e se Deus nos pedisse a
cada um, agora, tudo o que temos? Eu digo que provavelmente
só os mais pobres atenderiam a este apelo.
Existem hoje, no mundo, grandes doadores, como Bill
Gates, criador de uma fundação que movimenta atualmente
cerca de R$ 159 bilhões em doações34. Será que Deus se agrada
mais de Bill Gates do que de alguém que dá um copo de água
para uma pessoa sedenta? Depende. Se a pessoa sedenta for um
atleta famoso e a pessoa que dá o copo de água for um
integrante da equipe do patrocinador que lhe dá assistência, isto
não seria um grande feito. Mas, se a pessoa sedenta for o seu
inimigo, e o copo de água for o único disponível no seu cantil,
no meio do deserto, e você fizer isto em nome de Jesus, Deus se
agradará muito de você.
A viúva pobre deu uma oferta que, para ela e para Deus,
era valiosíssima. Todo o seu sustento (a sua "bios", no grego).
Daquele gazofilácio, naquele dia, os oficiais do templo devem
ter recolhido grandes somas. Ficaram muito felizes com as
centenas, talvez milhares de denários ali depositados, mas Deus
estava olhando, lá do céu, para aquelas duas moedinhas, e
pensando em como iria abençoar aquela pobre viúva, que o
comovera com sua significativa oferta.

34
fonte: http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/09/fundacao-bill-gates-processa-petrobras-
por-perdas-diz-agencia.html - Acesso em: 15/11/2015

174
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Qual foi a oferta que nós demos hoje, para o Senhor?


Dois reais, cem reais, quinhentos reais? Ou talvez nossa oferta
não tenha sido em dinheiro. Talvez ofertamos, em nome de
Jesus, um sorriso gentil àquela pessoa que nem notou, porque
virou o rosto. Talvez acordamos mais cedo e oramos por alguém
que, nem de longe, imagina que as bênçãos em sua vida são
resposta de nossas orações diárias. Talvez tenhamos chegado na
igreja em meio a angústias, dores, mal estar, só porque não
queríamos perder o culto. Deus não vai se esquecer nunca da
nossa oferta de amor. Ele vai nos abençoar por causa disto.
Se queremos agradar mesmo a Deus, não tem nada
melhor do que darmos tudo a ele. Abraão agradou a Deus
porque deu o seu único filho (da esposa legítima - Gn 22.2).
Deus podia ter pedido a Abraão o sacrifício de Ismael, o filho da
escrava Hagar, ou então Zinrã, Jocsã, Medã, Midiã, Isbaque ou
Suá, filhos de Quetura (Gn 25.2), ou então um dos filhos de suas
concubinas. Mas não. Só o sacrifício de Isaque, o filho da
promessa, agradaria a Deus. Moisés ensinou em Deuteronômio
4.29 que só acharíamos o Senhor quando o buscássemos de todo
o coração e de toda a alma. Em Deuteronômio 6.5, ordenou:
"Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de
toda a tua alma e de toda a tua força." Salomão agradou um
pouco a Deus, mas não como o seu pai Davi, cujo coração "era
de todo fiel para com o SENHOR, seu Deus" (1Reis 11.4).
Jeroboão, o primeiro rei do norte de Israel, foi repreendido
porque não foi como Davi, que guardou os mandamentos de
Deus e andou após ele de todo o seu coração (1Reis 14.8). Josias
foi elogiado em 2Reis 23.25, porque se converteu ao SENHOR
"de todo o seu coração, e de toda a sua alma, e de todas as suas
forças, segundo toda a Lei de Moisés". Todas estas pessoas
foram ricas e influentes, e mereceram menção especial na
Bíblia. Mas quando Deus enviou Jesus para evangelizar e salvar,
mandou-o especialmente aos pobres, conforme os seguintes
versículos:
"O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me
ungiu para evangelizar os pobres ; enviou-me para proclamar

175
Arildo Louzano da Silveira

libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr


em liberdade os oprimidos" (Lucas 4.18 ).
"Então, olhando ele para os seus discípulos, disse-lhes:
Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o reino de
Deus" (Lucas 6.20).
"Então, Jesus lhes respondeu: Ide e anunciai a João o que
vistes e ouvistes: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos
são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e
aos pobres, anuncia-se-lhes o evangelho" (Lucas 7.22).
Os ricos, como José de Arimatéia (Mt 27.57) e Zaqueu
(Lc 19.2), também tiveram sua oportunidade, mas foram raros
os convertidos ricos, conforme Jesus observou em Mt 19.23, que
"um rico dificilmente entrará no reino dos céus". Aos ricos foi
proclamado, no sermão da planura, um "ai", porque eles já
tinham a sua consolação (Lucas 6.24). Hoje em dia, desfrutamos
de muito mais privilégios do que os ricos da antiguidade, sem
precisarmos ser tão ricos, mas somos advertidos em Apocalipse
3.17 que, embora possamos nos considerar ricos e abastados,
que não precisamos de coisa alguma, ainda assim podemos ser
infelizes, miseráveis, pobres, cegos e nus, se a nossa riqueza não
vier de Deus.
Ficamos chocados com o atentado que ocorreu na última
sexta-feira, na França, e admirados ao reconhecer que os
terroristas tinham muita fé, a ponto de se explodirem no
cumprimento de sua missão. Sua fé, que achamos infundada, é a
de que recebem recompensas eternas por se entregarem
totalmente àquela causa.
Para agradar a Deus, não precisamos ser extremistas, que
matemos ou morramos, como os terroristas, mas devemos
entregar a ele tudo o que somos, tudo o que temos. Se ele nos
chamar para sermos missionários nos países muçulmanos, ou
entre índios no Brasil, e tivermos certeza desta chamada, então
devemos obedecer. Para a maioria de nós, porém, Deus tem um
chamado para ficarmos onde estamos, e às vezes isto significa
entregarmos o nosso desejo de aventura, e até coisas tão

176
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

pequenas quanto duas moedinhas, mas que fazem muita


diferença para o nosso sábio e misericordioso Senhor. Ele pedirá
que demos aquele sorriso gentil, àquela pessoa, que virou o
rosto. Pedirá também um gesto de amor do marido para com a
esposa, que vá além de dizer eu te amo e comprar-lhe flores.
Talvez um dia lavar a louça, ou passar pano no chão. Pedirá para
engolirmos o nosso orgulho, os nossos desejos, os nossos
sonhos, as nossas preferências, para glorificarmos a Jesus, e
fazermos a sua vontade, e perseguirmos os seus propósitos, do
jeito dele, e não do nosso.
E então? Vamos fazer uma vaquinha? Ou vamos doar
tudo o que temos? Antes de dar a resposta, vamos ler dois
versículos:
"Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus,
que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e
agradável a Deus, que é o vosso culto racional" (Romanos 12.1).
"[...] se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue,
dia a dia tome a sua cruz e siga-me" (Lucas 9.23).

49. O princípio das dores (Leia Mc 13.1-13)


Quando eu vou à capital de São Paulo, fico feliz e
admirado ao contemplar as grandes e antigas construções
seculares. Ao mesmo tempo, fico entristecido, pois sei que,
assim como aconteceu com as civilizações antigas, é quase certo
que, em algum momento do futuro, ali, não ficará pedra sobre
pedra.
Engano e violência

Um dia, ao sair Jesus do templo, os seus discípulos


comentaram a respeito das grandes pedras, e das construções no
lugar do Templo, mas Jesus disse que aquilo tudo seria
derrubado, e não restaria pedra sobre pedra. No monte das
Oliveiras, defronte do templo, lhe perguntaram em particular
sobre quando sucederiam estas coisas, e que sinal haveria

177
Arildo Louzano da Silveira

quando todas elas estiverem para sem cumprir. A resposta de


Jesus foi que muitos viriam em seu nome, enganando a muitos,
e se ouviriam falar de guerras e rumores de guerras, e se
levantaria nação contra nação, e haveria terremotos em vários
lugares e também fomes. Ele chamou este tempo de “princípio
das dores”.
Alertou-os para ficarem de sobreaviso, porque seriam
entregues aos tribunais e às sinagogas; seriam açoitados, e os
fariam comparecer à presença de governadores e reis, para servir
de testemunho. Que o evangelho seria pregado a todas as
nações. Que o Espírito Santo os assistiria, mas que seriam
odiados de todos por causa do nome de Cristo; aquele, porém,
que perseverasse até ao fim, esse seria salvo.
Alguns irmãos em Cristo acreditam que todos estes
acontecimentos, previstos por Jesus nesta profecia, já se
cumpriram. Eu, porém, acho que este texto também nos diz
respeito, e que muito do que foi dito está se cumprindo e se
cumprirá.Muitos vieram, na história, e continuam vindo, em
nome de Cristo, enganando e causando guerras. Nações se
levantaram contra nações em nome de Cristo, e até guerras civis
tiveram o cristianismo nominal como motivação, lutando
cristãos contra cristãos. A violência não é própria do
cristianismo. Muitos líderes que se dizem cristãos, porém, têm
abusado de sua autoridade e se utilizam de muita violência. No
começo da era cristã, a igreja obedecia aos preceitos de Jesus, e
se submetia aos opressores sem reação. Mas com a expansão do
evangelho e principalmente com a conversão de imperadores, o
quadro foi se modificando.
O historiador Alderi Souza de Matos, num artigo
intitulado “Atitudes dos Cristãos em Relação à Guerra no
Decorrer da História”, relata que “na época das invasões dos
bárbaros, o grande bispo e teólogo Agostinho de Hipona (354-
430) deu expressão à nova mentalidade formulando a teoria da
guerra justa (…). Foi somente no século 11 que se extinguiu
definitivamente a atitude pacífica da igreja antiga, sendo
substituída pela glorificação do homem de combate [...]. O

178
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

cristianismo medieval testemunhou uma crescente legitimação


da violência em nome de Deus. A liturgia passou a incluir a
consagração das armas e dos estandartes de guerra. Surgiram as
ordens religiosas militares, como os templários, os hospitalários
e os cavaleiros teutônicos (…). Teólogos da época, tais como
Graciano e Tomás de Aquino, criam que a guerra era uma
condição necessária da sociedade e pouco se preocuparam em
tratar do problema da violência (…). Thomas More e Erasmo de
Roterdã (na era da igreja reformada), condenaram as novas
formas de violência. Eles observaram que Cristo não promoveu
o seu reino pela força, mas pelo amor, e acusaram a igreja de se
tornar uma serva obediente de príncipes ambiciosos e
sanguinários”35.
Nós somos cristãos verdadeiros e não queremos nos
envolver em violência, certo? Porém, se viessem nos roubar no
templo da igreja, não chamaríamos a polícia? E a polícia não usa
de violência? A realidade da violência ao nosso redor nos deixa
constrangidos, mas Jesus mesmo disse que "é necessário assim
acontecer".
O mundo está duvidando da sinceridade dos que se
dizem seguidores de Cristo, e não temos muitos argumentos
para rebatê-los, por causa da história comprometedora da igreja
nominal. A reação às notícias como a do terrorismo na última
sexta-feira 13, divulgada pela mídia, ilustra bem a tendência da
população. O jornalista Pedro Bial, no encerramento do
programa Fantástico, da TV Globo, em 15/11/2015, revelou
revolta contra atos de violência em nome de religiões, e a
generaliza, através da frase: “Por Deus, não me venham falar em
Deus, deixem que os homens resolvam isto como homens”. Um
pianista desconhecido acabou ficando famoso ao fazer uma
homenagem às vítimas do atentado, no dia seguinte, em frente
ao Bataclan, tocando a música Imagine, de John Lennon. As
pessoas pararam para ouvir e se comoveram, e a TV mundial

35
Atitudes dos Cristãos em Relação à Guerra no Decorrer da História - Alderi Souza de Matos -
disponível em: http://www.mackenzie.br/7143.html – Acesso em: 18/11/2015

179
Arildo Louzano da Silveira

transmitiu. É significativa a escolha da música tocada, cuja parte


da letra, traduzida, diz o seguinte: “Imagine que não há paraíso;
é fácil se você tentar; nenhum inferno abaixo de nós; acima de
nós apenas o céu; imagine todas as pessoas vivendo para o hoje;
imagine não existir países; não é difícil de fazer; nada pelo que
matar ou morrer; e nenhuma religião também; imagine todas as
pessoas vivendo a vida em paz”. O sentimento revelado nestas
duas manifestações mostra que, para muitos, e talvez para a
maioria da população, a solução para a paz inclui acabarem com
a religião, como se ela fosse “a raiz de todos os males”.
O que Jesus pede para nós, de não resistirmos ao
perverso, de darmos a outra face, é algo muito duro. Como
poderemos suportar? Quanto mais estivermos ligados às coisas
terrenas, mais difícil para nós será suportar este conceito. O
reino dos céus não é compatível com este mundo. Paulo já disse
desde o começo que por causa das angústias do tempo presente,
é melhor o homem permanecer como está, sem preocupar-se até
mesmo em casar-se (1Co 7.26). Em 1 Coríntios 7.29-31 ele
afirma: "Isto, porém, vos digo, irmãos: o tempo se abrevia; o
que resta é que não só os casados sejam como se o não fossem;
mas também os que choram, como se não chorassem; e os que
se alegram, como se não se alegrassem; e os que compram,
como se nada possuíssem; e os que se utilizam do mundo, como
se dele não usassem; porque a aparência deste mundo passa."
Quando a violência se voltar contra nós, devemos nos
lembrar das palavras de Jesus em Lc 21.12-19: "Antes, porém,
de todas estas coisas, lançarão mão de vós e vos perseguirão,
entregando-vos às sinagogas e aos cárceres, levando-vos à
presença de reis e governadores, por causa do meu nome; e isto
vos acontecerá para que deis testemunho. (…) E sereis entregues
até por vossos pais, irmãos, parentes e amigos; e matarão alguns
dentre vós. De todos sereis odiados por causa do meu nome.
Contudo, não se perderá um só fio de cabelo da vossa cabeça. É
na vossa perseverança que ganhareis a vossa alma."

180
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Catástrofes

Terremotos, epidemias e fomes, vindos aparentemente


por intervenção divina, também afligiram e afligirão os povos.
Catástrofes chamadas de naturais devem se intensificar antes da
volta de Cristo, mas para muitos elas têm sido uma realidade
bem presente. Coisas ruins, grandes e pequenas, atingem
também o povo de Deus. Uma ventania derrubou a moto de um
irmão ontem; ela caiu sobre outro carro, gerando prejuízo
financeiro e aborrecimento. Outro casal foi assaltado com mão
armada, e levaram-lhes dinheiro e celulares. A filha de um
pastor, bem conhecido de nós, está neste momento em coma
induzido, e seu jovem irmão sofreu um pré-infarto. Por que
coisas assim acontecem? E por que Deus permite que outros
cristãos sejam perseguidos, justamente quando decidem se
dedicar totalmente a Deus? Não sabemos. Mas estas coisas,
embora nos aflijam muito, nem podem ser comparadas com a
manifestação da ira de Deus através de fenômenos catastróficos
da natureza, para juízo de um mundo pecador.
Esfriamento do amor

O amor natural está se esfriando cada vez mais. Não é


novidade, na história, acontecer que filhos matem pais, irmãos
matem irmãos, mães abandonem filhos, e outras tragédias
semelhantes. Mas é visível o aumento e a banalização destas
ocorrências nos últimos anos. Mateus 24.12 nos dá mais
detalhes, dizendo que isto acontece por causa da multiplicação
da iniqüidade.
Parafraseando a parábola da figueira, “quando as mangas
começam a brotar, sabemos que está próximo o verão”. Então,
quando vimos acontecerem estas coisas, sabemos que o tempo
está próximo. O Templo já foi destruído. Muitos vieram e
continuam vindo em nome de Cristo, enganando a muitos.
Houve e continua havendo muitas guerras e rumores de guerras,
terremotos e fomes. Milhares de mártires testemunharam através
dos séculos, e continuam testemunhando; o evangelho tem sido

181
Arildo Louzano da Silveira

pregado a todas as nações. Trabalhemos, pois, enquanto é dia, e


fiquemos de sobreaviso.

50. Tribulação (Leia Mc 13.14-23)


Neste parágrafo, Jesus prediz uma grande tribulação, e
dá orientações para que seus discípulos possam passar por ela da
melhor forma possível. Quando temos que enfrentar tribulações,
uma das primeiras perguntas que nos fazemos é: “por que?”.
Neste caso específico, ao ouvir a profecia, os discípulos podiam
questionar por que Deus não tirava, com o seu poder, os seus
escolhidos, daquela confusão toda. Mas, embora não possamos
saber a resposta, dá para notar que há pelo menos três lições
práticas que Deus nos ensina através da tribulação.
Primeira lição prática: desprendimento das
coisas materiais (14-16)

“Quando, pois, virdes o abominável da desolação situado


onde não deve estar (quem lê entenda), então, os que estiverem
na Judéia fujam para os montes; quem estiver em cima, no
eirado, não desça nem entre para tirar da sua casa alguma coisa;
e o que estiver no campo não volte atrás para buscar a sua capa.”
Uma das referências desta profecia é a destruição do
templo de Jerusalém, em 70 DC. Os que acreditaram na profecia
de Jesus, ao virem os sinais, fugiram imediatamente, e salvaram
suas vidas.
Faz alguns dias que uns amigos meus foram assaltados.
Eles deram graças a Deus, porque não perderam a vida. Os
desabrigados de Mariana-MG, no início estavam preocupados
em saber se seus familiares estavam vivos. Só agora se
preocupam com a recuperação dos seus bens36. Quando nossa

36
Conforme reportagem em:
http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2015/11/09/interna_gerais,706049/prefeito-de-
mariana-pretende-negociar-indenizacoes-com-maior-minerador.shtml

182
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

vida, ou a vida de outra pessoa, está em risco, todo o resto perde


a importância.
As coisas materiais, em si, não são ruins. São, pelo
contrário, bênçãos. As coisas materiais são para o nosso
aprazimento. Deus nos deu sabedoria para construirmos
automóveis, computadores, celulares, grandes edifícios,
hidroelétricas, e milhares de outras coisas que estamos tão
acostumados a usar, que seria quase impossível, hoje, vivermos
sem elas. Isto vem de Deus, este espírito criador. O grande
problema é, na verdade, a prática da idolatria para com estas
coisas. É muito fácil para nós nos apegarmos tanto a estas
bênçãos que nos esquecemos de quem nos deu as bênçãos e do
propósito para o qual elas foram dadas. As tribulações nos
ensinam a nos desprendermos das coisas materiais, pois "que
aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua
alma?” (Marcos 8.36).
Segunda lição prática: dependência em Deus,
através de oração preventiva (17-20)

“Ai das que estiverem grávidas e das que amamentarem


naqueles dias! Orai para que isso não suceda no inverno. Porque
aqueles dias serão de tamanha tribulação como nunca houve
desde o princípio do mundo, que Deus criou, até agora e nunca
jamais haverá. Não tivesse o Senhor abreviado aqueles dias, e
ninguém se salvaria; mas, por causa dos eleitos que ele
escolheu, abreviou tais dias.”
Deus permite que seus escolhidos passem por
tribulações, mas importa-se com o seu bem-estar, por isso nos
admoesta a orarmos preventivamente, para que ele nos ajude a
passar com o mínimo de sofrimento.
Jesus nos ensinou a orar diariamente: "O pão nosso de
cada dia nos dá hoje" (Mt 6.11) - Podemos nos esquecer, ou
desprezar este pedido, presumindo que já temos pão suficiente
para o dia inteiro. Podemos presumir que tudo vai correr bem,
mas isto pode não acontecer. Por isto precisamos orar. Gosto

183
Arildo Louzano da Silveira

muito de um hino que cantamos: "bem de manhã, embora o céu


sereno pareça um dia calmo anunciar, vigia e ora, o coração
pequeno: um temporal pode abrigar".
Esta semana houve um temporal, e um trecho da avenida
Bady Bassitt foi engolida e arrastada pelo córrego que passa
debaixo dela. Houve, também, um terremoto, que foi sentido em
várias cidades do Acre37. A terra não é tão firme quanto parece.
De repente, tudo pode mudar, e as coisas que temos construído,
podem desabar.
Nós fugimos dos sofrimentos. Se temos dores, pedimos
ao médico um remédio, e pedimos a Deus para que a doença
possa sarar, que os médicos tenham habilidade e sabedoria para
nos orientar no melhor tratamento, para que os remédios façam
efeito, para que o organismo reaja favoravelmente. Se
estivermos desempregados, pedimos que os irmãos intercedam,
para que consigamos um emprego. Se vamos viajar, pedimos a
Deus proteção. E Deus responde. Deus se preocupa com o bem-
estar dos eleitos. Aprendemos com Tiago (4.5) que Deus tem
ciúmes de nós. Por isto, ele quer que dependamos sempre dele,
através da oração.
Terceira lição prática: confiança na Palavra de
Deus, e não em falsos cristos e falsos profetas (21-23)

“Então, se alguém vos disser: Eis aqui o Cristo! Ou: Ei-


lo ali! Não acrediteis; pois surgirão falsos cristos e falsos
profetas, operando sinais e prodígios, para enganar, se possível,
os próprios eleitos. Estai vós de sobreaviso; tudo vos tenho
predito.”
Quando sofremos, quando estamos atribulados, nos
tornamos mais vulneráveis. Assistindo a uma palestra sobre
segurança, vi um “slide” onde aparecia um homem se afogando
e pedindo ajuda, levantando o braço em cujo pulso usava um

37
Conforme reportagem em: http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2015/11/tremor-e-sentido-em-
cidades-do-acre.html - Acesso em: 24/11/2015

184
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

relógio. Outro homem que passava à margem do lago, vendo


isto, vai até lá, mas em vez de ajudá-lo a se salvar, tira-lhe o
relógio o deixa se afogando. Quando me roubaram um carro,
alguns anos atrás, eu quase contratei uma empresa misteriosa,
que prometia recuperar o carro caso eu depositasse na conta
deles determinada quantia. Quase fiz a transferência. Faltava
apenas o "enter", quando eu tive medo de que estivesse sendo
enganado. Pensei: "será que eles seriam capazes de me enganar,
mesmo diante do meu sofrimento, querendo me tirar ainda mais
do que eu já perdi?". Resolvi não contratar o serviço, e nove
meses depois, recebi um telefonema da polícia dando a boa
notícia de que meu carro tinha sido recuperado. Quanto à
empresa que me ofereceu o serviço, eu não posso afirmar que
era mal intencionada, mas hoje, pensando mais friamente, e com
tantas experiências negativas à minha volta, acho quase certo
que queria me enganar.
Eva foi tentada por Satanás no jardim do Éden. O
inimigo usou uma serpente para fazer-se de amiga e semear
dúvidas na mente da mulher (Gn 3.1-5). Há muitas profecias
hoje em dia, dizendo que Deus dará prosperidade, fará curas,
abrirá portas. Esta esperança, porém, nem sempre é baseada na
verdade, e tem levado pessoas a seguirem ilusões, descuidando-
se do caminho da obediência, reverência, e fé genuína. Deus é
bom, mas não nos dá tudo o que desejamos. Deus é todo-
poderoso, mas reserva o uso do seu poder para o cumprimento
dos seus propósitos, os quais não somos capazes de
compreender plenamente.
Assim como os militares fazem exercícios
constantemente, preparando-se para uma possível guerra, e
assim como os bombeiros estão sempre de prontidão, e fazem
simulações de situações de emergência, para que estejam
preparados para qualquer eventualidade, assim também nós
devemos estar de sobreaviso, praticando o desprendimento das
coisas materiais, orando para que “a nossa fuga não se dê no
inverno”, identificando e evitando os falsos mestres e a falsas
doutrinas. Deus permite tribulações em nossas vidas para que

185
Arildo Louzano da Silveira

sejamos treinados e para que se desenvolva em nós um espírito


totalmente dele, não idolatrando as coisas do mundo,
dependentes dele em tudo, e ouvindo unicamente seu Filho
Jesus, não falsos cristos e nem falsos profetas.

51. Os poderes dos céus (Leia Mc 13.24-27)


Um dos maiores problemas que a sociedade moderna
enfrenta é a impunidade. Em mim causa revolta ver tantas
injustiças acontecendo, e os responsáveis parecem escapar ilesos
ou quase sem nenhum castigo. Às vezes eu desejava que Deus
fosse mais rigoroso com as pessoas, especialmente com crentes
que se afastam conscientemente dos caminhos do Senhor. O fato
é que não confiamos na sabedoria de Deus, e muitas vezes, até
usamos de apelações não autorizadas para assustar os
desavisados. Todo o argumento, porém, que temos para advertir
os infiéis, vem da palavra de Deus, a qual nos garante que já
está determinado o juízo sobre este mundo, e ninguém poderá
escapar, por mais tranqüilo que possa se sentir no momento.
Os poderes celestiais serão abalados (24,25)

"Mas, naqueles dias, após a referida tribulação, o sol


escurecerá, a lua não dará a sua claridade, as estrelas cairão do
firmamento, e os poderes dos céus serão abalados."
Os cientistas têm sido acusados de não crerem em Deus,
e de promoverem o ateísmo. Não é verdade que todo cientista
seja ateu. Mas os que querem andar pelo caminho do ateísmo se
apóiam em descobertas científicas para justificar sua escolha. É
preciso, porém, maior fé para acreditar que Deus não existe, do
que o contrário. A ciência pressupõe leis imutáveis na natureza,
sem as quais não seria possível explicar e controlar os
fenômenos observados, de tal forma que se tornem úteis para os
nossos propósitos.
Li um artigo na BBC, falando dos 10 maiores erros de
cálculo da história. Entre os casos mencionados, consta que um

186
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

satélite de US$125 milhões desapareceu em 1999. Feita para


orbitar Marte como o primeiro satélite meteorológico
interplanetário, a sonda desapareceu porque a equipe da NASA
usou o sistema anglo-saxão de unidades (que utiliza medidas
como polegadas, milhas e galões) enquanto uma das empresas
contratadas usou o sistema decimal (baseado no metro, no quilo
e no litro). O satélite se aproximou demais de Marte quando
tentava manobrar em direção à órbita do planeta, e acredita-se
que ele tenha sido destruído ao entrar em contato com a
atmosfera.
Outro caso mencionado no artigo, foi o do navio Vesa
que, em 1628, afundou em sua viagem inaugural, porque era
mais espesso a bombordo. Uma multidão na Suécia presenciou
horrorizada o novo navio de guerra naufragar, a menos de dois
quilômetros da costa. Na ocasião, 30 tripulantes morreram.
Armado com 64 canhões de bronze, o Vesa era considerado o
navio mais poderoso do mundo. Os arqueólogos que o
estudaram depois que ele foi içado do fundo do mar em 1961
dizem que ele era assimétrico: mais espesso a bombordo do que
a estibordo. Uma razão para isso pode ser o fato de que os
operários usaram sistemas de medidas diferentes. Foram
encontradas quatro réguas usadas na construção: duas estavam
calibradas em pés suecos, que têm 12 polegadas, enquanto as
outras usavam pés de Amsterdã, com 11 polegadas38.
É impressionante como pequenos erros podem levar a
grandes prejuízos e até tragédias, quando se trata de grandes
obras. Por isso a responsabilidade dos engenheiros civis,
químicos, alimentares, agrônomos, é muito grande. Eles não
podem, de maneira alguma, errar em seus cálculos, para o bem
dos recursos investidos e de vidas que podem estar em jogo.
Mas, e se os cálculos estiverem corretos, e Deus resolver
mudar as leis do universo? E se os elétrons não se comportarem

38
Os dez maiores erros de cálculo da ciência e da engenharia - 31 maio 2014 – disponível em:
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/05/140530_erros_ciencia_engenharia_rb - acesso
em: 02/12/2015

187
Arildo Louzano da Silveira

mais como esperamos que se comportem? E se o sol não der a


sua luz e o seu calor como esperamos todos os dias? Não será
isto um fenômeno profetizado nas palavras: “os poderes dos
céus serão abalados”?
Uma sensação assim foi testemunhada pelos norte
americanos segundo relatos de um evento ocorrido no dia 19 de
maio de 1780. "Os céus da Nova Inglaterra e de partes do
Canadá ficaram demasiadamente escuros apesar do horário. A
causa principal para isso pode ter sido uma combinação de
fumaça de incêndios florestais, uma espessa neblina e céu
encoberto [...]. Esta escuridão extraordinária veio entre as 10 e
11 horas da manhã e continuou até o meio da noite seguinte [...].
Na Faculdade Harvard, a escuridão foi registrada como tendo
chegado às 10h30, chegando a seu pico às 12h45, e decaindo às
13h10, embora permanecendo pelo resto do dia [...]. Às 14h, em
Ipswich, Massachusetts, galos cantaram, galinholas assobiaram
e sapos coaxaram como se a noite tivesse chegado [...]. Em
Connecticut, um membro da legislatura, Abraham Davenport,
deu a seguinte resposta aos seus colegas ao vê-los manifestar
receio de que aquele era o Dia do Juízo Final: 'Eu sou contra
adiamentos. O dia do juízo está ou se aproximando ou não está.
Se não está, não há motivo para adiamento. Se está, eu escolho
ser encontrado cumprindo meu dever. Eu desejo, portanto, que
velas devam ser trazidas'"39.
Todos verão o Filho do Homem – Os escolhidos
serão reunidos (26,27)

"Então, verão o Filho do Homem vir nas nuvens, com


grande poder e glória. E ele enviará os anjos e reunirá os seus
escolhidos dos quatro ventos, da extremidade da terra até à
extremidade do céu".
Um dia, acreditando ou não, todos verão a Cristo, o
Filho do Homem, vindo sobre as nuvens, com poder e grande

39
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_Escuro - Acesso em: 02/12/2015

188
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

glória. Talvez muita gente questione: os cristãos estão esperando


há quase dois mil anos estas promessas, e elas ainda não se
cumpriram. Toda geração espera a volta de Cristo e a
manifestação do poder de Deus, mas milhões de cristãos têm
morrido sem ver esta promessa. Ora, as gerações que morreram,
deixaram de esperar? Não acreditamos nós que os que morreram
em Cristo estão conscientes, no céu, esperando até que se
complete o corpo de Cristo, a Igreja? Jesus declarou em Lucas
20.38: "Ora, Deus não é Deus de mortos, e sim de vivos; porque
para ele todos vivem". Por isto acredito que todos que
esperamos, veremos a volta de Cristo, seja antes ou depois da
morte. Neste maravilhoso evento, todos os escolhidos serão
reunidos num só lugar, diante daquele que veio com as nuvens
do céu, como um relâmpago que sai do oriente e se mostra até
no ocidente. Naquele dia, não importará se estivermos fugindo
como os refugiados da Síria, se estivermos internados num
hospital nos recuperando de um acidente, ou se formos
portadores de um vírus mortal. Não importa, nem mesmo, se
nosso corpo estiver na sepultura, ou se nossas cinzas estiverem
espalhadas no oceano. Aquele que prometeu vai nos reunir, a
todos os que cremos, para testemunharmos a grandeza do seu
poder.
Portanto, não tenhamos pressa, nem percamos a
esperança. Antes, façamos a nossa parte na obra que o Senhor
nos deu para fazer. Assim como Deus é fiel em fazer o sol
nascer todos os dias, em manter funcionando as forças do
universo, seguindo as leis que ele estabeleceu, assim também
Deus é fiel para cumprir sua palavra de que, um dia, esses
poderes serão abalados. Será desespero para todos os que têm
contado com a fidelidade de Deus sem, contudo, serem fiéis a
ele. Naquele dia ninguém mais poderá dizer que reina a
impunidade. Para os que crêem, porém, será motivo de grande
alegria saber que nossa redenção está se aproximando.

189
Arildo Louzano da Silveira

52. Vigilância e sobriedade (Leia Mc 13.28-37)


"Aprendei, pois, a parábola da figueira: quando já os
seus ramos se renovam, e as folhas brotam, sabeis que está
próximo o verão. Assim, também vós: quando virdes acontecer
estas coisas, sabei que está próximo, às portas. Em verdade vos
digo que não passará esta geração sem que tudo isto aconteça.
Passará o céu e a terra, porém as minhas palavras não passarão."
"Mas a respeito daquele dia ou da hora ninguém sabe;
nem os anjos no céu, nem o Filho, senão o Pai. Estai de
sobreaviso, vigiai e orai; porque não sabeis quando será o
tempo. É como um homem que, ausentando-se do país, deixa a
sua casa, dá autoridade aos seus servos, a cada um a sua
obrigação, e ao porteiro ordena que vigie. Vigiai, pois, porque
não sabeis quando virá o dono da casa: se à tarde, se à meia-
noite, se ao cantar do galo, se pela manhã; para que, vindo ele
inesperadamente, não vos ache dormindo. O que, porém, vos
digo, digo a todos: vigiai!" (Mc 13.28-37).
Após Jesus falar sobre os acontecimentos precedentes à
sua vinda, ele enfatiza que o tempo está próximo, embora
ninguém saiba quando será exatamente o dia de sua volta. Por
isto mesmo exorta, com insistência, para que sejamos vigilantes,
para que cuidemos de nossas obrigações, para que estejamos em
constante oração.
Nossa atitude deve ser a de servos que esperam o seu
Senhor. Quem crê em suas palavras e obedece às suas ordens,
não será pego de surpresa. Mas os que não crêem e não
obedecem, presumem que o Senhor tardará, ou nem voltará.
Vivem sua vida procurando as coisas boas e agradáveis. Festas e
diversões parecem ser o motivo de sua vida. Sua fonte de
prazeres é tão abundante que a sensação é a de que nunca vai
secar. Por isto não se preparam, nem querem ser incomodados
com lições de moral.
O mundo se preocupa com festas, e suas festas parecem
não ter limites. O crente, mesmo em suas festas, preocupa-se em
como agradar a Deus. Na festa de casamento de um amigo

190
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

crente, seu pai veio falar comigo em duas ocasiões. Numa delas,
desculpou-se por estar servindo bebidas alcoólicas, pois eram
para os amigos e familiares que já estavam acostumados a beber.
Ressaltou que havia outras alternativas para os que não bebem
álcool. Na outra ocasião, perguntou se eu achava errado o fato
de as pessoas estarem dançando, se aquilo era pecado, ou se não
faziam isto por maldade. Este homem, que nem é crente, estava
vigilante. A festa do casamento de seu filho, para ele, não era só
alegria sem limites.
Há muitas coisas, na vida, nas quais achamos prazer, e
sabemos muito bem nos dedicar àquilo de que gostamos. O
trabalho, por exemplo, que para muitos é um fardo, para outros
pode ser fonte de grande prazer. Há pessoas que amam tanto o
seu trabalho, que se dedicam tanto a ele, que acabam
abandonando as outras coisas igualmente importantes.
Abandonam os amigos, a família, abandonam a Deus. A Bíblia
nos adverte para estas questões. Por isto, sejamos atentos, e
nunca distraídos.
O evangelho de Lucas (21.34-36), com mais detalhes,
nos alerta para nos guardarmos, para que nunca aconteça que
fiquemos sobrecarregados com as “conseqüências da orgia, da
embriaguez e das preocupações deste mundo”, e para que aquele
dia não venha sobre nós repentinamente, como se fosse uma
armadilha.
O livro de Apocalipse começa e termina nos advertindo
a respeito da proximidade das coisas nele escritas. Apocalipse
1.3 diz: “Bem-aventurados aqueles que lêem e aqueles que
ouvem as palavras da profecia e guardam as coisas nela escritas,
pois o tempo está próximo”; e Apocalipse 22.10 diz: “Não seles
as palavras da profecia deste livro, porque o tempo está
próximo”.
Existem ainda outros motivos para que estejamos sempre
vigilantes. Somos advertidos, por exemplo, em 1 Pedro 5.8:
“Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso adversário, anda em
derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar”.

191
Arildo Louzano da Silveira

Jesus pede, no jardim do Getsêmani, aos seus discípulos: “A


minha alma está profundamente triste até à morte; ficai aqui e
vigiai comigo” (Mateus 26.38). Pouco depois, no mesmo lugar,
ele aconselha: “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o
espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca” (Mateus
26.41).
O apóstolo Paulo também falava bastante sobre a
necessidade de sermos vigilantes. Em 1 Coríntios 16.13 ele diz:
“Sede vigilantes, permanecei firmes na fé, portai-vos
varonilmente, fortalecei-vos.” Em Colossenses 4.2 ele exorta:
“Perseverai na oração, vigiando com ações de graças”. Ele
associou, ainda, a importância da sobriedade e vigilância com a
iminência da vinda do Senhor, em 1 Tessalonicenses 5.1-8, que
diz:
“Irmãos, relativamente aos tempos e às épocas, não há
necessidade de que eu vos escreva; pois vós mesmos estais
inteirados com precisão de que o Dia do Senhor vem como
ladrão de noite. Quando andarem dizendo: Paz e segurança, eis
que lhes sobrevirá repentina destruição, como vêm as dores de
parto à que está para dar à luz; e de nenhum modo escaparão.
Mas vós, irmãos, não estais em trevas, para que esse Dia como
ladrão vos apanhe de surpresa; porquanto vós todos sois filhos
da luz e filhos do dia; nós não somos da noite, nem das trevas.
Assim, pois, não durmamos como os demais; pelo contrário,
vigiemos e sejamos sóbrios. Ora, os que dormem de noite, e os
que se embriagam é de noite que se embriagam. Nós, porém,
que somos do dia, sejamos sóbrios, revestindo-nos da couraça
da fé e do amor e tomando como capacete a esperança da
salvação”.
O Senhor Jesus não está presente agora, a não ser pelo
seu Espírito, que está conosco. Mas ele disse que ia voltar. Não
nos informou o dia nem a hora, ele virá de surpresa. Ele nos
deixou obrigações, sendo a principal delas, ir por todo o mundo
e pregar o evangelho a toda criatura (Marcos 16.15), e fazer
discípulos de todas as nações (Mateus 28.19). Se ele voltar
agora, vai nos encontrar nesta prática? Nem todos nós podemos

192
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

ir aos "campos de batalha", mas podemos orar e contribuir para


enviar missionários. Somos testemunhas de Jesus, tanto em
“Jerusalém, como em toda Judéia e Samaria, e até os confins da
terra” (Atos 1.8).
O Senhor nos dê sabedoria para colocarmos em prática o
conceito de vigiar e orar, e nos certifiquemos de que estamos
cumprindo nossas obrigações, até o dia da volta de nosso Senhor
Jesus Cristo.

53. Uma boa ocasião (Leia Mc 14.1-11)


Nos momentos próximos à grande festa anual dos
judeus, as pessoas esperavam uma boa oportunidade para por
em prática seus propósitos, os quais amadureciam em seus
corações. Nesta condição estavam os que eram contra e a favor
de Jesus. Haviam os inimigos declarados e os velados. Os
primeiros, representados pelos principais sacerdotes e escribas,
os últimos, por Judas Iscariotes. Mas havia também quem o
amasse de todo o seu coração, como aquela mulher que ungiu o
Mestre com o seu precioso perfume. Estava chegando a hora da
decisão, o momento em que cada um deveria tomar o seu
partido, e declarar o que estava se passando em seu coração, a
respeito do Filho de Deus. Nós estamos, aqui no Brasil,
comemorando a grande festa do Natal. Da mesma forma que os
corações foram provados naquela festa da Páscoa, nós também
temos agora grandes oportunidades de colocarmos em prática os
propósitos que estão amadurecendo em nossos corações. Neste
texto nós podemos observar que as pessoas assumiram pelo
menos quatro posicionamentos com relação à pessoa de Jesus
Cristo.
Primeiro posicionamento: Inimizade declarada
(1,2)

“Dali a dois dias, era a Páscoa e a Festa dos Pães Asmos;


e os principais sacerdotes e os escribas procuravam como o

193
Arildo Louzano da Silveira

prenderiam, à traição, e o matariam. Pois diziam: Não durante a


festa, para que não haja tumulto entre o povo.”
Os principais sacerdotes e escribas assumiram que Jesus
era seu inimigo, e precisava morrer. Eles queriam matá-lo,
porém, de uma maneira que não fizesse alarde, que não se
criasse tumulto. Hoje em dia há pessoas que são abertamente
contra o cristianismo. Na escola e nos concursos públicos
podemos notar, nas questões de provas (excelente oportunidade
para ensinar), um tempero de tendências ideológicas. Sobre a
última prova do ENEM, lemos um artigo que diz o seguinte:
"Uma das perguntas abordadas na prova foi a questão das
reformas econômicas na China e seu efeito “negativo” sobre o
processo de extinção gradual das classes sociais no país, que é
uma das metas do comunismo”40. Não é segredo que o
comunismo é contrário ao cristianismo e também a outros tipos
de religião. Nosso país tem uma lei chamada laica, que dá
direito a todos de terem sua religião preferida, e também de não
terem religião. Você, meu amigo, o que pensa? Qual o seu
posicionamento com relação a Jesus? Pode ser de inimizade
declarada, pois o nosso país o permite, e Deus também nos dá
esta liberdade.
Segundo Posicionamento: Atitude crítica (3-9)

“Estando ele em Betânia, reclinado à mesa, em casa de


Simão, o leproso, veio uma mulher trazendo um vaso de
alabastro com preciosíssimo perfume de nardo puro; e,
quebrando o alabastro, derramou o bálsamo sobre a cabeça de
Jesus. Indignaram-se alguns entre si e diziam: Para que este
desperdício de bálsamo? Porque este perfume poderia ser
vendido por mais de trezentos denários e dar-se aos pobres. E
murmuravam contra ela. Mas Jesus disse: Deixai-a; por que a
molestais? Ela praticou boa ação para comigo. Porque os

40
Luís Fernando Novaes, Epoch Times, disponível em: https://www.epochtimes.com.br/enem-
2015-esquece-65-milhoes-de-mortes-causadas-comunismo-chines/#.VnGQpqOfXcc – Acesso
Em: 16/12/2015

194
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

pobres, sempre os tendes convosco e, quando quiserdes, podeis


fazer-lhes bem, mas a mim nem sempre me tendes. Ela fez o que
pôde: antecipou-se a ungir-me para a sepultura. Em verdade vos
digo: onde for pregado em todo o mundo o evangelho, será
também contado o que ela fez, para memória sua.”
Uma mulher tomou a decisão de usar um precioso
perfume, caríssimo, derramando-o sobre Jesus, para mostrar seu
amor pelo Mestre. Por causa desta ação, ela foi criticada e
hostilizada pelas testemunhas presentes. Jesus a defendeu e
disse que sua demonstração de amor seria lembrada em todo o
mundo. Esta profecia se cumpriu e inclusive nós, a quem
também foi pregado o evangelho, hoje conhecemos bem a sua
história. Muitos criticam os cristãos, dizendo que pregam, mas
não praticam, e coisas deste tipo. Criticam, por exemplo, o fato
de se reunirem e cantar louvores, e adorarem, enquanto muitos
estão necessitados do lado de fora, morrendo de fome ou sendo
oprimidos. Acham que deveriam participar mais da política, e
praticar mais as boas obras. Talvez estejam parcialmente certos.
Mas por que deveríamos deixar de praticar, semanalmente, com
prazer, nossa adoração a Deus? São poucas horas que gastamos
durante a semana para irmos à Igreja, adorarmos e aprendermos
a Palavra. Temos todo o resto do tempo para praticarmos boas
obras e evangelizar. Será que o amigo tem também este
posicionamento crítico com relação a Cristo e seus adoradores?
Terceiro posicionamento: Apostasia (quebra de
contrato) (10,11)

“E Judas Iscariotes, um dos doze, foi ter com os


principais sacerdotes, para lhes entregar Jesus. Eles, ouvindo-o,
alegraram-se e lhe prometeram dinheiro; nesse meio tempo,
buscava ele uma boa ocasião para o entregar.”
Judas Iscariotes era um dos doze. Andava lado a lado
com o Mestre, aprendia e seguia seus passos, desde o dia em
que, voluntariamente, decidiu ser um discípulo. Mas agora o seu
coração estava mudado. Estava somente esperando uma boa
ocasião para trair Jesus. Nós também podemos nos comparar

195
Arildo Louzano da Silveira

com Judas, quando de noite, numa hora e lugar em que ninguém


está olhando, achamos "boas ocasiões" para trair Jesus, para
“quebrar” o nosso “contrato” de obediência, firmado com Deus,
espontaneamente, em algum momento de nossas vidas. Talvez
alguém que esteja lendo este texto está amadurecendo em seu
coração um propósito semelhante. Satanás já colocou em seu
coração a decisão de pecar. O maior obstáculo para que este
plano seja colocado em prática são as pessoas ao redor, por isso
só espera que apareça uma boa oportunidade, uma boa desculpa,
um “empurrãozinho”. Pode não ser tão claro para alguns, mas
este tipo de traição acontece com muita freqüência na igreja.
Quantas vezes temos ouvido histórias de alguém que deixou de
vir à igreja porque alguém disse alguma coisa que o ofendeu,
porque sentiu um clima de falsidade no ar, porque sente que o
outro irmão não lhe quer bem. Quantos estão esperando “a gota
d’água” para abandonar seu cônjuge, para sair de casa, para
quebrar acordos. Talvez não tenhamos chegado ainda ao ponto
de querermos romper nosso contrato com Deus, mas queremos
modificar algumas cláusulas. Assumimos alguns compromissos,
mas agora nos arrependemos. Deus permita que não seja assim
com nenhum de nós! Que sigamos até o fim o nosso
compromisso de fé. No decorrer do cumprimento do nosso
contrato com Deus, também passaremos por fases ruins, que
podem ser curtas ou extremamente longas, do nosso ponto de
vista, mas devemos estar conscientes de que Deus é fiel,
poderoso e bondoso, e que Satanás quer manchar esta relação
que temos com Deus, lançando dúvidas, semeando propósitos,
minando nossa fé, até que ele atinja o seu alvo de nos afastar
completamente do bom caminho.
Quarto Posicionamento: Amor incondicional (3-
9)

“Estando ele em Betânia, reclinado à mesa, em casa de


Simão, o leproso, veio uma mulher trazendo um vaso de
alabastro com preciosíssimo perfume de nardo puro; e,
quebrando o alabastro, derramou o bálsamo sobre a cabeça de
Jesus. Indignaram-se alguns entre si e diziam: Para que este

196
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

desperdício de bálsamo? Porque este perfume poderia ser


vendido por mais de trezentos denários e dar-se aos pobres. E
murmuravam contra ela. Mas Jesus disse: Deixai-a; por que a
molestais? Ela praticou boa ação para comigo. Porque os
pobres, sempre os tendes convosco e, quando quiserdes, podeis
fazer-lhes bem, mas a mim nem sempre me tendes. Ela fez o que
pôde: antecipou-se a ungir-me para a sepultura. Em verdade vos
digo: onde for pregado em todo o mundo o evangelho, será
também contado o que ela fez, para memória sua.”
Muito se fala entre os crentes do amor incondicional de
Deus para com o pecador, que não há nada que possamos fazer
para Deus nos amar mais, ou menos, pois ele nos ama de forma
perfeita. Não entendamos errado, pois o que fazemos ou
deixamos de fazer importa muito a Deus. Ele nos dará galardão
ou castigo de acordo com nossas ações. Mas existe também o
amor “incondicional” do crente que é resoluto em amar e
obedecer a Deus, não importando as circunstâncias. É claro que
“incondicional” é modo de dizer, pois nós só amamos a Deus
porque ele nos amou primeiro (1Jo 4.19). Mas nós podemos
desenvolver por Jesus um amor abnegado, como o daquela
mulher de Betânia, como o de Sadraque, Mesaque e Abede-
nego, que foram resolutos em honrar a Deus,
independentemente das consequências (Dn 3.16-18). É assim
que, na Igreja, nos esforçamos em cantar juntos e bem alto os
cânticos de louvor, que damos o melhor de nossa atenção
durante o culto, que procuramos dormir bem na noite anterior,
para irmos bem dispostos à Escola Dominical, que anotamos os
estudos, que fazemos um bom planejamento para chegarmos na
hora certa, que procuramos evangelizar e fazer boas obras.
Coisas que agradam Jesus.
E então? Qual será o seu posicionamento para com
Jesus, especialmente nesta boa ocasião do Natal?

197
Arildo Louzano da Silveira

54. A ciência do Salvador (Leia Mc 14.12-31)


Todos no serviço do Mestre (um momento
agridoce) (12-17)

Uma sensação de felicidade pairava no ar, parecia que


tudo estava nos seus eixos. Havia um mestre e seus discípulos,
os quais estavam alegres em servi-lo com o que é melhor: uma
ceia farta, um cenáculo espaçoso, mobiliado e pronto. Se Jesus
pensasse como um de nós, talvez tivesse reparado na sua atual
prosperidade. Na sua infância, diferentemente, passara
momentos difíceis. Quando estava para nascer, seus pais
procuraram para si um lugar numa hospedaria, mas só
conseguiram um vaga numa manjedoura (Lucas 2:7).
Jesus, porém, não pensa como um de nós. Ele saboreava
aquele doce momento, sim. Desejou ansiosamente comer com
os seus discípulos aquela páscoa (Lucas 22:15), mas estava
ciente de que, neste ano, diferente dos outros, o verdadeiro
cordeiro pascal é que seria imolado (1 Coríntios 5.7).
Para que nós não nos enganássemos com uma falsa
sensação de segurança, ele nos deixou conhecer três verdades a
respeito da nossa situação como discípulos.
Primeira verdade: Há um traidor entre nós (18-
21)

Jesus dá aos discípulos uma notícia bombástica, que


abala a paz. Em João 13.10, Jesus declarou: “Quem já se banhou
não necessita de lavar senão os pés; quanto ao mais, está todo
limpo. Ora, vós estais limpos, mas não todos". Em João 13.21,
"angustiou-se Jesus em espírito e afirmou: Em verdade, em
verdade vos digo que um dentre vós me trairá". Esta notícia
deixou todos preocupados. Não era possível. Como uma coisa
destas podia acontecer? Um elemento estranho surge para
contaminar o ambiente, como uma infecção, como um câncer
que é revelado num exame médico. Mas Jesus não foi pego de
surpresa, ele sabia desde o princípio, e já estava escrito o seu

198
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

destino, conforme Salmos 22.1,7,14,15,18: "Deus meu, Deus


meu, por que me desamparaste? Por que se acham longe de
minha salvação as palavras de meu bramido? [...] Todos os que
me vêem zombam de mim; afrouxam os lábios e meneiam a
cabeça(…). Derramei-me como água, e todos os meus ossos se
desconjuntaram; meu coração fez-se como cera, derreteu-se
dentro de mim. Secou-se o meu vigor, como um caco de barro, e
a língua se me apega ao céu da boca; assim, me deitas no pó da
morte. [...] Repartem entre si as minhas vestes e sobre a minha
túnica deitam sortes", e conforme Isaías 53.7,8: "Ele foi
oprimido e humilhado, mas não abriu a boca; como cordeiro foi
levado ao matadouro; e, como ovelha muda perante os seus
tosquiadores, ele não abriu a boca. Por juízo opressor foi
arrebatado, e de sua linhagem, quem dela cogitou? Porquanto
foi cortado da terra dos viventes; por causa da transgressão do
meu povo, foi ele ferido".
A profecia se cumpriria, conforme estava escrita, e o
destino dos traidores também já estava traçado. Em João 17.12,
Judas Iscariotes é citado com o título de "filho da perdição", o
mesmo título do anticristo, citado em 2Tessalonicenses 2.3.
Jesus advertiu também, com severidade semelhante, aqueles que
fazem tropeçar outros, que estão buscando o caminho do
Senhor, em Marcos 9.42: “E quem fizer tropeçar a um destes
pequeninos crentes, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao
pescoço uma grande pedra de moinho, e fosse lançado no mar”.
Existe ainda um traidor na igreja, no lar, e em todos os
ajuntamentos humanos. A estrela da manhã, o filho da alva (Is
14.12), ainda anda em derredor, como um leão que ruge (1Pedro
5.8), procurando alguém para devorar.
Segunda verdade: Jesus pagou pelos crentes o
preço de uma nova aliança (22-26)

Um antídoto, um antibiótico capaz de curar a doença do


pecado, é apresentado pelo Mestre. É a Nova Aliança no sangue
do Cordeiro. A paz que foi perturbada, será restaurada por
ocasião da vinda do reino de Deus. Esta era a esperança dos

199
Arildo Louzano da Silveira

discípulos, é ali que seus corações deviam descansar. Agora,


porém, era necessário aplicar o amargo remédio, o único capaz
de salvar os que nele crêem. Embora a eficácia da solução de
Deus tenha poder para salvar toda a humanidade, ela não terá
efeito para todos, (ainda que para muitos) porque, como se diz
em Hebreus 4.2, a palavra só se aproveita quando é
acompanhada pela fé naqueles que a ouvem.
Ao anunciar o estabelecimento da Nova Aliança, Jesus
instituiu uma cerimônia para que nunca nos esquecêssemos do
meio pelo qual ela foi selada: o pão passou a representar o seu
corpo, e o vinho, o seu sangue. Quando celebramos a Ceia, em
obediência à sua ordem, esta simbologia nos remete ao sacrifício
necessário para que fôssemos resgatados, nos enchendo de
vergonha pelo mal que causamos, e ao mesmo tempo, de
gratidão pelo amor eterno de nosso Salvador. Ele nos lembra,
ainda, de que em breve estaremos com ele à mesa, no Reino de
Deus, para nos encher de alegria nesta bendita esperança.
Terceira verdade: todos se escandalizarão (27-
31)

Já estava escrito que as ovelhas ficariam dispersas,


porque o Pastor seria ferido. Temos que ser realistas. Nós ainda
não estamos prontos. Ao nascermos de novo, pela fé em Jesus,
iniciamos uma longa peregrinação espiritual, que só se findará
quando o Senhor nos chamar para a glória. Não podemos nos
sentir seguros enquanto não adentrarmos os portões celestiais. O
Inimigo anda em derredor, e todo cuidado é pouco, para não
cairmos nas suas tentações. Nossa única segurança é a promessa
de Deus, que seremos salvos no final, e a perseverança é a nossa
responsabilidade. O mundo parece totalmente perdido, e até
mesmo nós, os crentes, estamos demasiadamente envolvidos na
corrupção desta geração. Mas enquanto o Senhor nos dá fôlego,
levantemos e prossigamos, como nos exorta Oséias 6.3:
“Conheçamos e prossigamos em conhecer ao SENHOR; como a
alva, a sua vinda é certa; e ele descerá sobre nós como a chuva,
como chuva serôdia que rega a terra.” O mundo segue seu curso,

200
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

como admite Apocalipse 22.11: “Continue o injusto fazendo


injustiça, continue o imundo ainda sendo imundo; o justo
continue na prática da justiça, e o santo continue a santificar-se.”
O Senhor “conhece a nossa estrutura e sabe que somos
pó” (Salmos 103.14), e nos esclarece, de antemão, que está
disposto a tolerar as nossas fraquezas. Sejamos confiantes,
então, sabendo que o Todo Poderoso nos sustenta, e por isto
mesmo, não sejamos insensatos, e não baixemos a guarda contra
o inimigo.
Conhecendo estas três verdades, de que há um traidor
entre nós, que Jesus pagou o preço da Nova Aliança, e que
somos vulneráveis aos escândalos, podemos avançar pela vida
com a prudência e a confiança de quem entende os perigos e os
obstáculos, mas se ampara no poder do bondoso Salvador.

55. A oração de Jesus (Leia Mc 14.32-42)


Estava tudo escuro. Não só porque era noite, mas porque
trevas espirituais caíram sobre a humanidade. Seu alvo, o Filho
de Deus, o Salvador. Naquela noite aconteceu o que parecia
impossível: Jesus ficou deprimido, tomado de pavor e de
angústia, profundamente triste, até à morte. Mas ele sabia que a
oração era o melhor remédio. Observando a depressão e a reação
do Mestre, aprendemos pelo menos sete lições a respeito da
oração.

1) Precisamos de um lugar para orar (32)

“Então, foram a um lugar chamado Getsêmani; [...]”


Precisamos de sossego e concentração para falar com
Deus. Às vezes não é possível termos acesso a um jardim
isolado, ou mesmo a um quarto exclusivo em casa. Mas, com
criatividade, podemos sempre achar um jeito. Há pessoas, por
exemplo, que oram enquanto caminham pelas ruas do bairro.

201
Arildo Louzano da Silveira

Certa vez ouvi a história de uma mulher que era tão pobre que
sua casa tinha somente um cômodo, no qual vivia com sua
família. Quando conseguia fazer uma pausa em suas atividades
domésticas, sentava-se numa cadeira, colocava o avental sobre a
cabeça, cobrindo o rosto, e assim orava em silêncio, no seu
“cantinho de oração”.
2) Precisamos compartilhar, pedir oração (32-
34)

“ [...] ali chegados, disse Jesus a seus discípulos:


Assentai-vos aqui, enquanto eu vou orar. E, levando consigo a
Pedro, Tiago e João, começou a sentir-se tomado de pavor e de
angústia. E lhes disse: A minha alma está profundamente triste
até à morte; ficai aqui e vigiai”
É costume, em nossa Igreja, termos um tempo do culto
dedicado a compartilhamentos, também chamado “tempo de
testemunhos”. Neste período do culto abre-se a palavra para
quem quiser pedir oração, falar resumidamente sobre o que
Deus tem feito em sua vida, ou sobre algum trecho das
escrituras que lhe chamou a atenção. Estes compartilhamentos
são muito proveitosos para nos conhecermos melhor, e assim
podermos orar uns pelos outros com mais sabedoria.
3) Precisamos pedir com coragem o que está em
nosso coração (35,36)

“E, adiantando-se um pouco, prostrou-se em terra; e


orava para que, se possível, lhe fosse poupada aquela hora. E
dizia: Aba, Pai, tudo te é possível; passa de mim este cálice;[...]”
Jesus devia saber que sua oração não podia ser
respondida. Como o Pai poderia livrá-lo desse “cálice” e deixar
perecer toda a humanidade no inferno? Mas, mesmo assim,
Jesus pediu. Falou o que estava no seu coração. Seu desejo era
livrar-se daquela hora. Tiago, em certa altura de sua carta, critica
os seus interlocutores: “Nada tendes, porque não pedis” (Tg
4.2). Às vezes nós nos enquadramos neste comportamento, e

202
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

achamos que Deus nunca nos concederia o que está em nosso


coração, e por isto deixamos de pedir. Devemos nos lembrar de
quem é o nosso Deus: Onisciente, Onipresente, Onipotente.
4) Precisamos confiar na vontade de Deus (36)

“[...] contudo, não seja o que eu quero, e sim o que tu


queres.”
A vontade de Deus é “boa, agradável e perfeita” (Rm
12.2), e ainda que não possamos compreender, “todas as coisas
cooperam para o bem” daqueles que o amam, e que são
“chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28). É melhor,
então, deixarmos que ele faça por nós a melhor escolha. Gosto
de pensar que Deus sempre responde as nossas orações. Às
vezes responde “sim”; às vezes responde “não”; às vezes,
responde “espere”.
5) Uma hora de oração é razoável (37)

“Voltando, achou-os dormindo; e disse a Pedro: Simão,


tu dormes? Não pudeste vigiar nem uma hora?”
A repreensão de Jesus a Pedro nos dá uma dica. Uma
hora é um tempo razoável de oração. Com isto não quero
insinuar que devemos separar diariamente 60 minutos para o
tempo de devoção. Jesus nem tinha relógio. A palavra grega
traduzida para hora, neste texto, é “hora” (!?), a mesma “hora”
da qual Jesus queria ser poupado (v. 35), a mesma “hora” que
chegou para o “Filho do Homem” (v. 41). Podemos definir
“uma hora” como uma subdivisão do dia, um tempo razoável
que devemos dedicar à oração, proporcional ao nosso tempo de
atividade diária. Sejamos generosos, e não mesquinhos, quanto
ao tempo que dedicamos a Deus em oração. Afinal, nós somos
os maiores interessados.
6) Oração disciplina a carne (38)

“Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o


espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca.”

203
Arildo Louzano da Silveira

Eis um motivo que, mesmo sozinho, é um poderoso


argumento para não descuidarmos do tempo de oração: “a carne
é fraca”. Com oração já é difícil. Imagina nos aventurarmos a
vencer as tentações sem o recurso da oração. É loucura! Não
sejamos insensatos, não brinquemos com as tentações, pois a
Bíblia nos adverte: “horrível coisa é cair nas mãos do Deus
vivo” (Hb 10.31).
7) A oração nos torna decididos (39-42)

“Retirando-se de novo, orou repetindo as mesmas


palavras. Voltando, achou-os outra vez dormindo, porque os
seus olhos estavam pesados; e não sabiam o que lhe responder.
E veio pela terceira vez e disse-lhes: Ainda dormis e repousais!
Basta! Chegou a hora; o Filho do Homem está sendo entregue
nas mãos dos pecadores. Levantai-vos, vamos! Eis que o traidor
se aproxima.”
A depressão passou. O remédio fez efeito. Jesus já não
estava mais angustiado. Você já teve esta sensação? Já
aconteceu de você cair de joelhos em prantos, derramando suas
súplicas diante do trono de Deus, e levantar-se, no final, com o
sentimento de que suas orações foram respondidas? Isto é
normal! É assim que funciona. A oração é um exercício que nos
reconduz à sobriedade. Não é um monólogo, mas um diálogo, às
vezes até sem palavras. Ana, mãe de Samuel, experimentou o
poder da oração e fé. Quando teve certeza de que sua oração foi
respondida, seguiu o seu caminho, “e o seu semblante já não era
triste” (1 Sm 1.18). Quando Josué, derrotado, buscou a Deus,
obteve uma vigorosa resposta: “Levanta-te! Por que estás
prostrado assim sobre o rosto?” Era hora de agir.
Que o Senhor nos ajude. Não sabemos orar como
convém. Oremos, pois, para aprender.

204
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

56. Você ama Jesus? (Leia Mc 14.43-52)


A senha que Judas combinou com as autoridades, para
identificar Jesus, era um beijo. A palavra original, que foi
traduzida por beijar, significa amor. Beijar é demonstrar amor.
Assim entendemos que Judas disse: “Aquele a quem eu
(simular) tratar com amor, a esse prendei”. Outras pessoas nesta
história também demonstraram seu amor por Jesus. Que tipo de
amor era esse?
I – Amor falso (43-46)

“E logo, falava ele ainda, quando chegou Judas, um dos


doze, e com ele, vinda da parte dos principais sacerdotes,
escribas e anciãos, uma turba com espadas e porretes. Ora, o
traidor tinha-lhes dado esta senha: Aquele a quem eu beijar, é
esse; prendei-o e levai-o com segurança. E, logo que chegou,
aproximando-se, disse-lhe: Mestre! E o beijou. Então, lhe
deitaram as mãos e o prenderam.”
A Bíblia fala de homens cujo comportamento tem sido
semelhante ao de Judas. Isaías (28.15) resume o seu
pensamento: “[...] Fizemos aliança com a morte e com o além
fizemos acordo; quando passar o dilúvio do açoite, não chegará
a nós, porque, por nosso refúgio, temos a mentira e debaixo da
falsidade nos temos escondido”. Salmos 12.2,4 acrescenta:
“falam com falsidade uns aos outros, falam com lábios
bajuladores e coração fingido [...]; com a língua prevaleceremos,
os lábios são nossos; quem é senhor sobre nós?”
Muitos acham, também, hoje em dia, que são senhores
de si mesmos, que podem viver escondidos, debaixo da
falsidade, que escaparão do “dilúvio do açoite”, porque têm
sido, até agora, bem sucedidos nos seus caminhos. Mas isto não
passa de uma ilusão, e quando acordarem do seu sonho terão
que enfrentar uma horrível realidade, como sabemos que Judas
enfrentou, e não suportou.

205
Arildo Louzano da Silveira

Um amor falso por Jesus poderá nos levar até certo


ponto de nossas vidas, até por aprazíveis caminhos, mas que
terminam abruptamente num abismo infernal.
II – Amor equivocado (47)

“Nisto, um dos circunstantes, sacando da espada, feriu o


servo do sumo sacerdote e cortou-lhe a orelha.”
Lucas conta que os discípulos perguntaram antes:
Feriremos à espada? Mas pelo jeito, Pedro nem esperou a
resposta. Às vezes agimos como Pedro, e vamos fazendo as
coisas sem esperar a instrução do Senhor. Decidimos por nós
mesmos o que é preciso fazer, e fazemos. Mas devemos nos
perguntar se é isto mesmo que o Senhor quer de nós. Pedro
estava pronto para morrer por Jesus, mas Jesus queria mais do
que isso; queria que ele primeiro vivesse, que suportasse a
tentação de negá-lo diante dos servos do sacerdote; queria que
ele, depois de convertido, apascentasse as suas ovelhas. Estamos
dispostos, muitas vezes, a abandonar tudo e seguir Jesus, mas
não estamos dispostos a abraçar as responsabilidades que pesam
sobre nós.
A vontade do Senhor para Pedro era que ele estivesse
preparado, não com o porte de uma espada qualquer, mas com o
porte de um equipamento de guerra completo, conforme orienta
Ef 6.10-18: “Quanto ao mais, sede fortalecidos no Senhor e na
força do seu poder. Revesti-vos de toda a armadura de Deus,
para poderdes ficar firmes contra as ciladas do diabo; porque a
nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra os
principados e potestades, contra os dominadores deste mundo
tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões
celestes. Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que
possais resistir no dia mau e, depois de terdes vencido tudo,
permanecer inabaláveis. Estai, pois, firmes, cingindo-vos com a
verdade e vestindo-vos da couraça da justiça. Calçai os pés com
a preparação do evangelho da paz; embraçando sempre o escudo
da fé, com o qual podereis apagar todos os dardos inflamados do
Maligno. Tomai também o capacete da salvação e a espada do

206
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Espírito, que é a palavra de Deus; com toda oração e súplica,


orando em todo tempo no Espírito e para isto vigiando com toda
perseverança e súplica por todos os santos”
Oséias (6.6) também ensina que não podemos presumir a
vontade de Deus, e irmos adiante por puro impulso, mas
conhecer bem a sua vontade, em primeiro lugar, pois ele diz:
“[...] misericórdia quero, e não sacrifício, e o conhecimento de
Deus, mais do que holocausto”.
III – Amor forçado (48,49)

“Disse-lhes Jesus: Saístes com espadas e porretes para


prender-me, como a um salteador? Todos os dias eu estava
convosco no templo, ensinando, e não me prendestes; contudo, é
para que se cumpram as Escrituras.”
Os que fizeram alvoroço para prender Jesus deveriam
ficar envergonhados, pois estavam sempre com ele no templo,
ouviram seus ensinamentos, e não se manifestaram contra. Às
vezes o amor que temos por Jesus é apenas uma tolerância.
Aceitamos a sua presença em nossa vida somente para não
contrariar os nossos familiares. Se tivéssemos oportunidade,
porém, nos libertaríamos desses laços, desse fardo pesado que
somos obrigados a carregar. Nas igrejas há muitas pessoas
assim. Acontece que o pai de família se converte, e a esposa e os
filhos são obrigados a acompanhá-los. Acontece que uma
família é tradicionalmente cristã, e por isso os seus membros
não devem quebrar a tradição. Acontece que um jovem quer
ganhar uma namorada, e por isso sabe que deve se portar como
um verdadeiro cristão, como ela e os pais dela apreciam. Para
estes que se dizem cristãos, sem contudo amarem sinceramente
Jesus, ele pergunta: “Por que me chamais Senhor, Senhor, e não
fazeis o que vos mando?” (Lucas 6.46).
A multidão que ouvia, aparentemente com prazer, os
discursos de Jesus, no templo, quando tiveram que decidir,
compararam Jesus com um salteador, e escolheram o salteador
Barrabás para que fosse libertado (Jo 18.40).

207
Arildo Louzano da Silveira

IV – Amor frágil (50-52)

“Então, deixando-o, todos fugiram. Seguia-o um jovem,


coberto unicamente com um lençol, e lançaram-lhe a mão. Mas
ele, largando o lençol, fugiu desnudo.”
Todos abandonaram Jesus. Ficaram atordoados,
amedrontados, desorientados. Até mesmo aquele jovem
destemido, resoluto, que provavelmente pulou do seu leito às
pressas e foi avisar Jesus que os soldados estavam à sua procura,
que testemunhou sua prisão e o estava seguindo cautelosamente,
foi descoberto e fugiu humilhado. O amor dos discípulos ainda
não estava amadurecido. Era muito frágil. Era o máximo que
podiam fazer com seus recursos humanos. Precisavam receber o
Espírito Santo, para que o seu amor fosse aperfeiçoado. Jesus já
advertira Nicodemos, no começo do seu ministério: “importa-
vos nascer de novo” (Jo 3.7).
Deus se queixa do amor dos filhos de Israel, em Oséias
6.4: “Que te farei, ó Efraim? Que te farei, ó Judá? Porque o
vosso amor é como a nuvem da manhã e como o orvalho da
madrugada, que cedo passa.”
Será que o nosso amor por Jesus é assim também? Como
a nuvem da manhã e como o orvalho da madrugada? Que se
enfraquece e por fim acaba, diante das tribulações da vida? Pior
do que isto, será possível que nosso amor seja falso, forçado, ou
equivocado? Precisamos do Espírito Santo para nos transformar,
operando em nós o novo nascimento, e conduzindo o “barco” de
nossa vida nesses mares turbulentos. Só o próprio Deus pode
nos ensinar e nos capacitar a amar o nosso Senhor e Salvador até
as últimas conseqüências.
Apêndice

“O dia mais escuro, o poder das trevas”.


Jesus permite que o aflijam com a espada, com o falso
amor, e com o abandono, sabendo que era necessário assim
acontecer, para que se cumprissem as escrituras. Ele era o único,

208
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

nesta história, que estava na luz, que naquele momento confiava


nas palavras de Deus. Os demais, imaginavam coisas vãs,
preparavam-se para nada. Eram desnecessárias as espadas e os
porretes dos guardas. Era perverso o planejamento de Judas, que
traiu Jesus fingindo perfeitamente amá-lo; era inconveniente a
espada de Pedro. Jesus sabia discernir o tempo; sabia que
ressuscitaria depois de tudo ser consumado; sabia que depois de
tudo ele seria amado de verdade; que seus discípulos o
seguiriam até à morte, e que viria com poder e grande glória,
com sua espada, para eliminar os exércitos rebeldes. Apocalipse
19.11-16 profetiza: “Vi o céu aberto, e eis um cavalo branco. O
seu cavaleiro se chama Fiel e Verdadeiro e julga e peleja com
justiça. Os seus olhos são chama de fogo; na sua cabeça, há
muitos diademas; tem um nome escrito que ninguém conhece,
senão ele mesmo. Está vestido com um manto tinto de sangue, e
o seu nome se chama o Verbo de Deus; e seguiam-no os
exércitos que há no céu, montando cavalos brancos, com
vestiduras de linho finíssimo, branco e puro. Sai da sua boca
uma espada afiada, para com ela ferir as nações; e ele mesmo as
regerá com cetro de ferro e, pessoalmente, pisa o lagar do vinho
do furor da ira do Deus Todo-Poderoso. Tem no seu manto e na
sua coxa um nome inscrito: REI DOS REIS E SENHOR DOS
SENHORES.”

57. A Conspiração (Leia Mc 14.53-65)


Conspiraram contra Jesus, o Rei, antes mesmo que o seu
reino, segundo o conceito dos homens, fosse firmado. Mas o que
parecia derrota foi vitória de Jesus, e o que parecia vitória foi
derrota para Satanás. Comparando este texto com outras partes
das Escrituras, podemos ter a certeza de que Jesus, embora
parecesse derrotado, é, na verdade, vitorioso.
1 - Os dominadores serão dominados (53,54)

“E levaram Jesus ao sumo sacerdote, e reuniram-se todos


os principais sacerdotes, os anciãos e os escribas. Pedro seguira-

209
Arildo Louzano da Silveira

o de longe até ao interior do pátio do sumo sacerdote e estava


assentado entre os serventuários, aquentando-se ao fogo.”
Quando Pedro assentou-se junto aos serventuários,
aquecendo-se ao fogo, sentia-se ameaçado, envergonhado, com
medo de que fosse descoberto, pois todos ali estavam
conspirando contra Jesus, e pareciam dominar toda a situação.
Hoje, quando nos “aquecemos ao fogo”, assentados com
incrédulos, somos (ou pelo menos deveríamos ser) confiantes, e
até podemos dominar o assunto do ambiente, pois trazemos uma
mensagem de vitória para aqueles que têm sido derrotados, em
seu desvio dos caminhos do Senhor.
Podemos dar graças a Deus por esta vitória, com as
palavras de 2Co 2.14,15: “Graças, porém, a Deus, que, em
Cristo, sempre nos conduz em triunfo e, por meio de nós,
manifesta em todo lugar a fragrância do seu conhecimento.
Porque nós somos para com Deus o bom perfume de Cristo,
tanto nos que são salvos como nos que se perdem.”
2 - Os escarnecedores serão escarnecidos (55-
61)

“E os principais sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam


algum testemunho contra Jesus para o condenar à morte e não
achavam. Pois muitos testemunhavam falsamente contra Jesus,
mas os depoimentos não eram coerentes. E, levantando-se
alguns, testificavam falsamente, dizendo: Nós o ouvimos
declarar: Eu destruirei este santuário edificado por mãos
humanas e, em três dias, construirei outro, não por mãos
humanas. Nem assim o testemunho deles era coerente.
Levantando-se o sumo sacerdote, no meio, perguntou a Jesus:
Nada respondes ao que estes depõem contra ti? Ele, porém,
guardou silêncio e nada respondeu. [...] “
As falsas testemunhas escarneceram, distorceram as
palavras de Jesus, e inventaram coisas que ele não disse. Mas o
que ele disse em Jo 2.19, sobre reedificar o templo destruído,
cumpriu-se. Jesus venceu literalmente seu desafio ao

210
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

“reedificar” seu próprio corpo, um verdadeiro santuário do


Espírito Santo. O povo ficou ciente disto em Atos 2.23,24: “[...]
sendo este entregue pelo determinado desígnio e presciência de
Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos; ao
qual, porém, Deus ressuscitou, rompendo os grilhões da morte;
porquanto não era possível fosse ele retido por ela”.
A Igreja, que também é um templo para a habitação de
Deus, tem sido edificada, conforme o cumprimento de Mateus
16.18: “Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra
edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão
contra ela”. Reconhecendo isto, mais tarde, o próprio apóstolo
que, naquela noite, estava se sentindo diminuído, com medo,
pressionado pelos escarnecedores, escreveu em 1Pedro 2.5:
“também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados
casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes
sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus
Cristo”.
3 - Os incrédulos serão confrontados com a
verdade (61-64)

“[...] Tornou a interrogá-lo o sumo sacerdote e lhe disse:


És tu o Cristo, o Filho do Deus Bendito? Jesus respondeu: Eu
sou, e vereis o Filho do Homem assentado à direita do Todo-
Poderoso e vindo com as nuvens do céu. Então, o sumo
sacerdote rasgou as suas vestes e disse: Que mais necessidade
temos de testemunhas? Ouvistes a blasfêmia; [...]”
Jesus foi condenado por assumir quem ele realmente era.
Se estivesse mentindo, os seus inimigos teriam razão; mas ele
falava a verdade. Eles não criam e não estavam dispostos a crer
em Jesus. Para eles, estava fora de cogitação aceitar Jesus como
o Messias, conforme João 10.33: “[...] Não é por obra boa que te
apedrejamos, e sim por causa da blasfêmia, pois, sendo tu
homem, te fazes Deus a ti mesmo”; e Lucas 22.67: “[...] Jesus
lhes respondeu: Se vo-lo disser, não o acreditareis”.

211
Arildo Louzano da Silveira

Até mesmo João Batista parece ter hesitado em sua fé,


ao mandar perguntar: “És tu aquele que estava para vir ou
havemos de esperar outro?” (Mateus 11.3). Mas ele não
precisou esperar muito para ver com seus próprios olhos,
quando Jesus assumiu, no céu, o seu trono, onde ainda está,
conforme nos informa Colossenses 3.1: “Portanto, se fostes
ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as coisas lá do alto,
onde Cristo vive, assentado à direita de Deus”.
4 - Os julgadores serão julgados (64,65)

“[...] que vos parece? E todos o julgaram réu de morte.


Puseram-se alguns a cuspir nele, a cobrir-lhe o rosto, a dar-lhe
murros e a dizer-lhe: Profetiza! E os guardas o tomaram a
bofetadas.”
Jesus, não podia ser condenado, pois ele, como juiz,
condenará os que conspiraram contra ele. Depois de
ressuscitado, advertiu com autoridade a todos, em Marcos
16.16: “Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não
crer será condenado”. Já havia dito, também, em Mateus
12.41,42: “Ninivitas se levantarão, no Juízo, com esta geração e
a condenarão; porque se arrependeram com a pregação de Jonas.
E eis aqui está quem é maior do que Jonas. A rainha do Sul se
levantará, no Juízo, com esta geração e a condenará; porque veio
dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão. E eis
aqui está quem é maior do que Salomão”.
Aplicava-se perfeitamente aos seus opositores a
advertência jurídica de Mateus 5.22: “Eu, porém, vos digo que
todo aquele que sem motivo se irar contra seu irmão estará
sujeito a julgamento; e quem proferir um insulto a seu irmão
estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem lhe chamar:
Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo”.
Todos têm que respeitar Jesus como juiz.
Constantemente, nas Igrejas, por todos estes séculos, até que ele
venha, um solene aviso é repetido na celebração da Ceia do
Senhor, conforme 1Coríntios 11.27: “Por isso, aquele que comer

212
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

o pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será réu do


corpo e do sangue do Senhor”.
A conspiração sobre a qual lemos neste texto foi
profetizada em Salmos 2.1-4: “Por que se enfurecem os gentios
e os povos imaginam coisas vãs? Os reis da terra se levantam, e
os príncipes conspiram contra o SENHOR e contra o seu
Ungido, dizendo: Rompamos os seus laços e sacudamos de nós
as suas algemas. Ri-se aquele que habita nos céus; o Senhor
zomba deles”. Embora parecesse a Pedro, e às demais
testemunhas, que Jesus havia sido derrotado, ele é, na verdade,
vitorioso, pois os que pareciam dominadores serão dominados;
os escarnecedores serão escarnecidos, vendo que Jesus cumpre o
que diz; os incrédulos serão confrontados com a verdade, no seu
devido tempo; e os julgadores serão julgados.
Apêndice

Alguns sofrimentos, pelos quais passam os filhos de


Deus, são um pouco da experiência do que Jesus sofreu,
conforme o exemplo dos versículos abaixo:
• 1 Coríntios 4.11 “Até à presente hora, sofremos fome, e
sede, e nudez; e somos esbofeteados, e não temos morada certa”.
• 2 Coríntios 12.7 “E, para que não me ensoberbecesse
com a grandeza das revelações, foi-me posto um espinho na
carne, mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de que
não me exalte”.
• 1 Pedro 2.20 “Pois que glória há, se, pecando e sendo
esbofeteados por isso, o suportais com paciência? Se, entretanto,
quando praticais o bem, sois igualmente afligidos e o suportais
com paciência, isto é grato a Deus”.

213
Arildo Louzano da Silveira

58. Perdendo a autoconfiança (Leia Mc 14.66-72)


Pedro ainda respirava teimosia, ainda não lhe saíra da
cabeça a sensação de que podia evitar a morte do mestre. Não
aceitava a ideia de sofrer tamanha afronta sem ao menos lutar.
Precisava bolar um plano para sair daquela situação. Só
precisava resistir firme, até que achasse uma solução. Teve que
mentir a respeito de si mesmo e de Jesus, mas isto era apenas
uma estratégia. Se fosse nos dias de hoje, eu diria que Pedro
andou assistindo muitos filmes americanos de ação, daqueles em
que o herói enfrenta sozinho trezentos opositores e sai vitorioso.
Mas como não tinha cinema naquele tempo, não sei onde ele
buscou inspiração. Talvez na história de Davi, que enfrentou o
gigante Golias e o exército dos filisteus, usando apenas uma
funda e um cajado. Jesus estava atento ao que acontecia com o
seu discípulo. Devia estar mais preocupado com Pedro do que
consigo mesmo. Avisou-o daquela hora, para que, no seu
desespero, ao chorar amargamente, se firmasse na compaixão
daquele que sabia antecipadamente do seu comportamento
vergonhoso, e mesmo assim o amava. Orava por ele, para que
sua fé não desfalecesse diante da turbulência daquele momento
(Lc 22.32). O desastre que ocorreu na vida de Pedro aquela noite
realça ainda mais a certeza da necessidade da morte de nosso
Salvador em nosso lugar. O melhor dos discípulos, Pedro,
chegou ao limite do poder humano de ser fiel a Deus, amando-o
de todo o coração e com todas as suas forças. Este quadro ilustra
muito bem onde termina a força do homem e começa o poder de
Deus. Pedro não podia ir além dos seus limites. Quais eram os
limites de Pedro?
Limitação física (66-68)

“Estando Pedro embaixo no pátio, veio uma das criadas


do sumo sacerdote e, vendo a Pedro, que se aquentava, fixou-o e
disse: Tu também estavas com Jesus, o Nazareno. Mas ele o
negou, dizendo: Não o conheço, nem compreendo o que dizes. E
saiu para o alpendre. E o galo cantou.”

214
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Pedro tinha que se aquecer. Não queria ficar ali, no meio


dos inimigos, mas estava muito frio, e sentiu a necessidade de se
aquecer naquela abençoada fogueira, enquanto colocava os
pensamentos em ordem. Se Pedro não tivesse limitações físicas,
talvez não precisasse se expor tanto, e seria mais fácil cumprir
sua missão, a qual ele tinha em mente. Muitas vezes nos
esquecemos de que somos mortais e precisamos descansar, nos
alimentar corretamente, cuidar da saúde.
Muitos missionários modernos acabam abandonando o
campo por problemas de saúde, limitando suas atividades a
ambientes menos hostis. Até mesmo o abnegado apóstolo Paulo
não podia se esquecer de suas limitações físicas, e teve que
dedicar um espaço, em meio a uma carta repleta de instruções
espirituais, extremamente importantes, para que Timóteo não se
esquecesse de levar para ele a capa que deixou na casa de Carpo
(2Tm 4.13); antes de começar as saudações finais, Paulo ainda
insiste: “apressa-te a vir antes do inverno” (2Tm 4.21).
Nossas limitações físicas atrapalham o cumprimento de
nossa missão. Não precisava ser assim, pois Jesus também
limitou-se a um corpo humano, e mesmo assim cumpriu sua
missão. Mas nós somos pecadores. Nossas necessidades básicas
acabam se tornando nossas inimigas. Não podemos ficar sem
nos alimentar, mas acabamos tomando alimento além do que é
necessário. Não podemos ficar sem dormir, mas acabamos
dormindo além do que é necessário. Podemos ir também para o
outro extremo, e por excesso de zelo ou por vaidade não nos
alimentamos o suficiente, ou não dormimos o suficiente,
acarretando doenças que vão nos limitar ainda mais no futuro.
Por isso foi necessário Jesus sofrer tudo aquilo, e pagar
na cruz os nossos pecados, para que, pelo seu sangue purificador
nos tornássemos aceitáveis ao Pai.
Limitação emocional (69-71)

“E a criada, vendo-o, tornou a dizer aos circunstantes:


Este é um deles. Mas ele outra vez o negou. E, pouco depois, os

215
Arildo Louzano da Silveira

que ali estavam disseram a Pedro: Verdadeiramente, és um


deles, porque também tu és galileu. Ele, porém, começou a
praguejar e a jurar: Não conheço esse homem de quem falais!”
As emoções de Pedro estavam à flor da pele. Ele tomou
para si uma responsabilidade muito pesada, como se quisesse
carregar o mundo nas costas, e estava perdendo suas forças.
Seus pensamentos eram como um delírio. Não estava
entendendo, não podia aceitar o que estava acontecendo com
aquele de quem dissera: “só tu tens as palavras da vida eterna”
(Jo 6.68); “tu és o Cristo, o filho do Deus vivo” (Mt 16.16).
Jesus estava ali, bem ao lado, sendo caluniado, humilhado,
espancado. A insistência dos serventuários, que não tinham nada
que especular, que deveriam deixá-lo em paz, era como
alfinetadas que desestabilizavam seu controle emocional. Pedro
não estava sob o controle do Espírito Santo.
Assim como Pedro, precisamos do Espírito Santo
atuando em nossas vidas, para termos sucesso no controle de
nossas emoções. Muitas decisões erradas, que tomamos na vida,
são conseqüências de descontrole emocional. Muitos deixam a
Igreja por se sentirem desprezados, por terem sido insultados, ou
até por coisas menores.
Dirigir veículos, hoje em dia, é uma grande provação.
No trânsito as pessoas se transformam. Qualquer deslize é
motivo de “buzinaços” ou xingamentos. Há muitas brigas, há
muitas imprudências. Quando nos deixamos guiar pelas
emoções, corremos o grande risco de tomarmos decisões das
quais nos arrependeremos no futuro. É uma boa prática contar
até dez, adiar a decisão para o dia seguinte, orar a respeito do
assunto. Mas quem poderia perfeitamente controlar suas
emoções? Somente pela misericórdia de Deus é que nos
livramos de algumas conseqüências de nossas decisões
precipitadas. Precisamos, em primeiro lugar, nascer de novo,
nascer do espírito, pelo arrependimento e pela fé em Jesus, e
entregarmos cada dia as “rédeas” nas mãos de nosso Senhor, por
meio do seu Espírito que em nós habita. Desconfiemos sempre

216
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

de nossas emoções. Se elas vierem de Deus, então não o


envergonharemos com as ações por elas impulsionadas.
Limitação do tempo - O cantar do galo (68,72)

“Mas ele o negou, dizendo: Não o conheço, nem


compreendo o que dizes. E saiu para o alpendre. E o galo
cantou. E logo cantou o galo pela segunda vez. Então, Pedro se
lembrou da palavra que Jesus lhe dissera: Antes que duas vezes
cante o galo, tu me negarás três vezes. E, caindo em si, desatou a
chorar.”
Algumas doutrinas ensinam o aperfeiçoamento do
homem através de várias tentativas, em várias vidas, mas a
Bíblia nos diz em 9.27 que “aos homens está ordenado
morrerem uma só vez, vindo, depois disto, o juízo”; e em Rm
3.20 nos poupa de ilusões, afirmando que “ninguém será
justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei
vem o pleno conhecimento do pecado”.
O cantar do galo, para Pedro, naquela madrugada,
parecia o ressoar de um ringue, que marcava o final da luta, para
o anúncio do vencedor e do perdedor. O cantar do galo podia
ser, na verdade, o ressoar de uma trombeta. Nós temos um
tempo curto para provarmos nossa fidelidade a Deus e depois
enfrentaremos o juízo. Se não for a trombeta do arcanjo, que
anuncia a volta de Jesus, será o dia de nossa morte, que pode vir
antes do que esperamos. Nós envelhecemos, e muitas coisas que
deixamos de fazer na juventude já não podem ser resgatadas.
Algumas oportunidades são como ônibus que têm hora marcada,
os quais, se não quisermos perder, precisamos ser rápidos e
decididos. Algumas janelas de oportunidade passam apenas uma
vez em nossas vidas. Pedro, neste caso, até que teve outras
oportunidades de confessar Jesus, e se saiu bem. Por exemplo,
nas suas prisões e perseguições pelos sacerdotes, que enfrentou,
junto com outros discípulos, no início do seu ministério, quando
respondeu às autoridades: “antes, importa obedecer a Deus do
que aos homens” (At 5.29), e depois de terem sido açoitados,
“se retiraram do Sinédrio regozijando-se por terem sido

217
Arildo Louzano da Silveira

considerados dignos de sofrer afrontas por esse Nome” (At


5.41).
Conclusão

Jesus disse em Mateus 10.33: “mas aquele que me negar


diante dos homens, também eu o negarei diante de meu Pai, que
está nos céus”. Então Pedro será negado por Jesus diante do Pai?
Acho que não. Pedro teve chance de se arrepender, e assim
anular o seu pecado. Até mesmo as autoridades que
conspiravam contra Jesus tiveram sua chance, dada pelo próprio
Pedro em At 3.19, quando os admoesta: “Arrependei-vos, pois,
e convertei-vos para serem cancelados os vossos pecados”.
Ao lermos o livro de Atos e as cartas de Pedro, temos a
impressão de que ele aprendeu, de que sua entrega ao Espírito
Santo para controlar sua vida, resolveu definitivamente o
problema de suas limitações. Mas uma coisa ainda nos
preocupa. Paulo, em Gl 2.11-21, testemunha um comportamento
inadequado de Pedro, que, sob o ponto de vista de Paulo, estava
virtualmente negando a graça de Cristo por pressão dos
judaizantes. Então, baseando-nos no exemplo de Pedro,
podemos concluir que nossa luta contra a carne e suas limitações
não tem fim. Por isto, precisamos chorar amargamente diante do
trono de Deus, as nossas limitações, e seguir o conselho do
próprio Pedro, que certamente sabia o que estava dizendo em 1
Pedro 1.13,18-19: “Por isso, cingindo o vosso entendimento,
sede sóbrios e esperai inteiramente na graça que vos está sendo
trazida na revelação de Jesus Cristo. [...] sabendo que não foi
mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes
resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos
legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem
defeito e sem mácula, o sangue de Cristo”.
Talvez Pedro, num ato de heroísmo, quisesse resgatar
Jesus, mas teve que reconhecer que ele é que precisava ser
resgatado.

218
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

59. O que fazer com Jesus? (Leia Mc 15.1-15)


Pilatos acordara cedo para mais um dia de expediente,
talvez achando que seria mais um dia normal. Mas quando
chegam os judeus com o preso Jesus, percebe que estava com
uma situação muito “delicada” para resolver. O que faria com
Jesus? Neste texto podemos notar pelo menos três fases de seu
relacionamento com a causa de Jesus, o escolhido de Deus.
Primeira fase: Admiração (1-5)

“Logo pela manhã, entraram em conselho os principais


sacerdotes com os anciãos, os escribas e todo o Sinédrio; e,
amarrando a Jesus, levaram-no e o entregaram a Pilatos. Pilatos
o interrogou: És tu o rei dos judeus? Respondeu Jesus: Tu o
dizes. Então, os principais sacerdotes o acusavam de muitas
coisas. Tornou Pilatos a interrogá-lo: Nada respondes? Vê
quantas acusações te fazem! Jesus, porém, não respondeu
palavra, a ponto de Pilatos muito se admirar.”
Pilatos nunca tinha interrogado um preso como aquele.
Normalmente os acusados se defendiam, negavam as acusações
e apresentavam suas versões, mas Jesus nada respondia. Se ele
se considerava rei dos judeus, conforme afirmavam, então
porque era tão humilde? Certamente não era um preso qualquer.
Alguma coisa havia de diferente e admirável naquele homem
que tinha diante de si.
Assim como foi admirado por Pilatos, Jesus é admirado
no mundo inteiro, mesmo pelos que não crêem que ele seja o
Filho de Deus.
Gandhi, por exemplo, “se referia a Jesus e à sua
mensagem com respeito e mesmo devoção (…)”; afirmou
também que “o evangelho que Jesus pregava é mais sutil e
aromático do que o da rosa (citação de Ghandi - Gandhi, 1996,
I.3, p. 123);” Gandhi “concordava profundamente” com a
passagem do Evangelho de Jesus Cristo de que “nem todo
aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no Reino dos Céus,
mas sim aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos

219
Arildo Louzano da Silveira

céus”, pois as obras “sem a fé e sem a prece, são como flores


artificiais e sem perfume” (Gandhi, 1991, I.19, p.45) (…)”;
Chegou à conclusão de que “talvez o mais nítido de todos os
testemunhos em favor da resposta afirmativa à questão que
temos pela frente sejam as vidas dos maiores mestres do mundo:
Jesus, Maomé, Buda, (…) estes homens exerceram uma
influência imensa sobre o caráter de milhares de homens; pode-
se dizer que moldaram-no. O mundo é mais rico porque eles
viveram entre nós (Gandhi, 1996, I.2, p. 58)”; Acrescentou
ainda que “porque a vida de Jesus tem a significância e a
transcendência à qual aludi, acredito que ele pertença não só ao
cristianismo mas ao mundo inteiro, a todas as raças e povos,
pouco importando sob que bandeira, denominação (Gandhi,
1996, I.2, pp. 74.75-76) [...];” 41.
Muita gente encontra-se nesta fase de relacionamento
com Jesus: Admiração, pois Jesus é mesmo uma personagem
histórica singular.
Segunda fase: Tolerância (6-11)

“Ora, por ocasião da festa, era costume soltar ao povo


um dos presos, qualquer que eles pedissem. Havia um, chamado
Barrabás, preso com amotinadores, os quais em um tumulto
haviam cometido homicídio. Vindo a multidão, começou a pedir
que lhes fizesse como de costume. E Pilatos lhes respondeu,
dizendo: Quereis que eu vos solte o rei dos judeus? Pois ele bem
percebia que por inveja os principais sacerdotes lho haviam
entregado. Mas estes incitaram a multidão no sentido de que
lhes soltasse, de preferência, Barrabás.”

41
Gláucia Siqueira Marcondes; Humberto Araújo Quaglio de Souza; Josélia Henriques Pio
Gouvêa; Matheus Landau de Carvalho - Mahatma Gandhi e seu diálogo inter-religioso com o
cristianismo na busca pela Verdade - Disponível em:
http://www.ufjf.br/sacrilegens/files/2013/03/9-2-9.pdf – Acesso em: 06/01/2016
(GANDHI, Mahatma A roca e o calmo pensar. São Paulo: Palas Athena, 1991. _. Gandhi e o
Cristianismo. São Paulo: Paulus, 1996.)

220
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Nesta fase, Pilatos vê Jesus como uma vítima, e quer


evitar que sejam feitas injustiças. Posiciona-se com uma atitude
condescendente de quem, tendo algum poder em suas mãos,
procura ajudar outro, mesmo não concordando plenamente com
suas ideias, sabendo que não faria mal a ninguém.
Muita gente “importante” assume esta atitude
“condescendente” para com Jesus. Não é totalmente a favor,
mas também não é contra. Incentiva quem quer seguir Jesus,
embora não esteja disposta, ela mesma, a andar por este
caminho.
Numa sessão de psicoterapia, por exemplo, o terapeuta
pode ouvir com atenção o testemunho de um crente, mas em
nome da ética profissional, deve manter-se a certa distância
emocional. Num artigo sobre o assunto, chamado “Religião e
Psicologia”, lemos o seguinte:
“Desta forma, em concordância com a opinião expressa
em um dos artigos encontrados sobre a influência da
religiosidade na Psicologia Clínica (CAMBUY et ali 2006),
pensa-se que os profissionais devem possibilitar a emergência
da religiosidade/espiritualidade de seus clientes no setting
terapêutico, considerando a temática como parte de sua
realidade e, por meio do discurso religioso (mas sem ater-se a
ele), ajudá-los a chegar ao cerne da questão. Isto pode ser
considerado como uma forma de se utilizar a religiosidade a
serviço da psicoterapia, partindo da ideia de que ambas são
potencialmente capazes de promover saúde e bem estar, desde
que sabiamente utilizadas, e sem sobreposição de saberes” 42
Muita gente, por conta de sua posição profissional ou
social, ou até mesmo pessoal, encontra-se nesta fase de
relacionamento com Jesus: a tolerância.
42
Religião e Psicologia: análise das interfaces temáticas - Martha Caroline Henning - Carmen
L. O. O. Moré - Disponível em: http://www.pucsp.br/rever/rv4_2009/t_henning.pdf Acesso em:
06/01/2015. (CAMBUY, A.; AMATUZZI, M.M.; ANTUNES, A. 2006 “Psicologia clínica e
Experiência Religiosa”. Revista de Estudos da Religião, São Paulo, Nº 3: 77-93.)

221
Arildo Louzano da Silveira

Terceira fase: Decisão – engajamento ou


abandono (12-15)

“Mas Pilatos lhes perguntou: Que farei, então, deste a


quem chamais o rei dos judeus? Eles, porém, clamavam:
Crucifica-o! Mas Pilatos lhes disse: Que mal fez ele? E eles
gritavam cada vez mais: Crucifica-o! Então, Pilatos, querendo
contentar a multidão, soltou-lhes Barrabás; e, após mandar
açoitar a Jesus, entregou-o para ser crucificado.”
A situação de Pilatos foi se complicando, por mais que
ele quisesse se esquivar. Chegou o momento em que ele tinha
que decidir: Ou fazia o que era certo, o que seria equivalente a
engajar-se à causa de Jesus, designado o escolhido de Deus para
reinar sobre a humanidade, ou continuava a seguir o seu
caminho, virando as costas para a oportunidade que se
apresentava. Oportunidade, por sinal, que tinha um peso eterno.
Um método muito usado para evangelização é chamado
“o abismo ligado”. Nele, nós explicamos resumidamente a
história da redenção. Normalmente as pessoas ouvem de bom
grado toda a explanação, e só começam a ficar incomodados a
partir do momento em que esclarecemos a necessidade de
atravessar a ponte, como um ato de fé, para receber a salvação.
A fase da decisão é mesmo muito estressante. Um artigo
a respeito de administração educacional observa que uma
“grande razão para muitas decisões mal concebidas e
implementadas está relacionada com as conseqüências
motivacionais dos conflitos – em particular, as tentativas para
superar o estresse gerado por escolhas extremamente difíceis
sobre decisões vitais. Assim, as pessoas ignoram a informação
sobre riscos e vão em frente (aderência não conflituosa). Outras
simplesmente aceitam o curso de ação mais popular (mudança
não conflituosa) e outros ainda procrastinam e evitam a ação
(evitação defensiva). No outro extremo, alguns tomadores de

222
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

decisão entram em pânico e tornam-se hipervigilantes enquanto


buscam freneticamente uma solução”43.
Como tem sido nosso comportamento diante de Deus a
respeito de decisões importantes? Uma decisão que não
podemos adiar, é sobre o que vamos fazer a respeito da salvação
que Jesus nos oferece. Se você ainda não “atravessou a ponte”,
faça isto agora mesmo. Depois, andemos pelo caminho com
Cristo, submetendo toda decisão importante à orientação de
nosso Senhor.
Pilatos finalmente decidiu, mas decidiu errado. O maior
peso na sua ponderação foi colocado sobre as coisas imediatas,
com prejuízo das coisas eternas. Se ele tivesse decidido soltar
Jesus, poderia perder sua posição, seu prestígio, talvez até a
própria vida. Mas tudo o que viermos a sofrer por amor de
Cristo, por mais doloroso que seja, a Bíblia chama de “leve e
momentânea tribulação”, enquanto o resultado de atos de fé são
chamados de “eterno peso de glória” (2Co 4.17).
Em que fase está o seu relacionamento com Jesus?
Admiração, tolerância, ou decisão?
Não dá para ficarmos adiando certas decisões
importantes. Não dá para ficarmos somente nas fases de
admiração e tolerância. Cedo ou tarde precisamos decidir:
Engajamento na causa de Cristo ou abandono, pois Jesus deixou
claro: “Quem não é por mim é contra mim; e quem comigo não
ajunta espalha” (Mateus 12.30). Pilatos tomou sua decisão. E
você? O que vai fazer com Jesus?

43
Wayne K. Hoy, Cecil G. Miskel, C. John Tarter. Administração Educacional: Teoria,
Pesquisa e Prática. 9ª edição. Tradução Henrique de Oliveira Guerra. Pag. 315. AMGH. Porto
Alegre. 2015. Disponível em:
https://books.google.com.br/books?id=WIYTBwAAQBAJ&pg=PA315&lpg=PA315&dq=estres
se+da+decis%C3%A3o&source=bl&ots=XAmqqzA1ss&sig=yI2UwyVe8pvrBm23JcY7Ds1u2y
w&hl=pt-
BR&sa=X&ved=0ahUKEwib26fg2Z3KAhWEjJAKHfyKBdgQ6AEIPDAG#v=onepage&q=estr
esse%20da%20decis%C3%A3o&f=false – Acesso em: 09/01/2016

223
Arildo Louzano da Silveira

60. Pouco Caso (Leia Mc 15.16-24)


Jesus estava indo para a cruz. Para a execução da pena,
foi entregue aos cuidados dos soldados. Conforme profetizou
Isaías (53.3), ele “era desprezado e o mais rejeitado entre os
homens; homem de dores e que sabe o que é padecer; e, como
um de quem os homens escondem o rosto, era desprezado, e
dele não fizemos caso.”
Os soldados eram homens comuns, que não se davam
conta de que tinham em suas mãos aquele que era o motivo de
estarem vivos, o próprio Criador que se fez homem, e estava
prestes a morrer em favor de todo o que nele crê. Através de
Lucas (23.34) sabemos que Jesus disse, no final: “[...] Pai,
perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem [...]”.
Para os soldados, Jesus era apenas um motivo de
piadas (16-19)

“Então, os soldados o levaram para dentro do palácio,


que é o pretório, e reuniram todo o destacamento. Vestiram-no
de púrpura e, tecendo uma coroa de espinhos, lha puseram na
cabeça. E o saudavam, dizendo: Salve, rei dos judeus! Davam-
lhe na cabeça com um caniço, cuspiam nele e, pondo-se de
joelhos, o adoravam.” Os soldados queriam se divertir. Seu
trabalho era pesado, e a diversão lhes fazia esquecer as
amarguras da vida, era o seu "happy hour".
Antes de condenar os soldados, precisamos olhar para
nós mesmos, se não estamos agindo de maneira semelhante,
vivendo a vida como se tudo fosse brincadeira. Abusamos da
vida que Deus nos deu, aproveitamos as bênçãos que temos
recebido, vivendo despreocupadamente, como fazem os
chamados “bon vivant”.
Zombaram de Jesus levando-o para dentro de um palácio
que não era dele. Um lugar dominado pelo “príncipe deste
mundo”, cheio de abominações, a ponto de os próprios Judeus,
que acusavam Jesus, terem se recusado a entrar nele, para

224
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

manterem sua “santidade”, sem a qual não poderiam comer a


Páscoa (Jo 18.28).
Há lugares neste mundo que representam o palácio
celestial do Rei Jesus. Destes lugares nós devemos zelar, porque
Deus escolheu honrá-los com a presença de seu Espírito de
maneira singular. Por não reconhecer este fato, o povo de Israel
foi repreendido em Ageu 1.4, por habitarem “em casas
apaineladas”, enquanto o templo, também chamado de “casa de
Deus”, permanecia em ruínas.
Devemos nos lembrar, também, de que o nosso próprio
corpo se transforma em palácio para morada do Espírito do
Senhor, desde o momento em que abrimos para ele a porta do
nosso coração. Somos alertados para este fato, por exemplo, em
1Coríntios 3.16 e 6.19. Temos a obrigação de cuidar bem do
nosso corpo, considerando que ele não nos pertence mais, pois
foi dedicado em santidade ao Rei Jesus, para o seu serviço.
O crente é notório, tradicionalmente, como alguém que
não bebe, não fuma, e não faz outras “extravagâncias”. O
conceito moderno de cuidado do corpo e da mente, porém,
envolve muito mais do que se abster destas coisas. Podemos
aproveitar muito dos conselhos de especialistas em “dietas
equilibradas” e “vida regrada”, sem, contudo, chegarmos ao
extremo de idolatrarmos o próprio corpo.
O palácio de Jesus não era aquele pretório, que pertencia
aos governadores romanos. A despeito da zombaria, haverão de
reconhecer que o seu palácio é muito superior.
Outra forma de zombaria usada pelos soldados refere-se
às vestimentas. O ânimo de escarnecer do ilustre prisioneiro era
tão grande, que lhe arrumaram uma sofisticada capa de púrpura,
e se deram ao trabalho de tecer-lhe uma coroa de espinhos.
Mas estas vestes não pertenciam a Jesus. Deus, o Pai,
estava prestes a providenciar-lhe “vestes de salvação” e o
“manto de justiça”, conforme a profecia de Is 61.10. O próprio
Senhor “vestiu-se de justiça, como de uma couraça, e pôs o

225
Arildo Louzano da Silveira

capacete da salvação na cabeça; pôs sobre si a vestidura da


vingança e se cobriu de zelo, como de um manto” (Is 59.17).
Quando nós chamamos Jesus de Rei, mas não fazemos o
que ele manda, não honramos o seu nome, é como se
estivéssemos colocando em sua cabeça uma coroa de espinhos.
Machuca. É como se estivéssemos vestindo-o de um manto de
zombaria.

Para os soldados, Jesus era apenas um peso


tediante (20-23)

“Depois de o terem escarnecido, despiram-lhe a púrpura


e o vestiram com as suas próprias vestes. Então, conduziram
Jesus para fora, com o fim de o crucificarem. E obrigaram a
Simão Cireneu, que passava, vindo do campo, pai de Alexandre
e de Rufo, a carregar-lhe a cruz. E levaram Jesus para o Gólgota,
que quer dizer Lugar da Caveira. Deram-lhe a beber vinho com
mirra; ele, porém, não tomou.”
Os soldados não eram “bon vivants”. Tinham um
trabalho para fazer, e chegara a hora de agir. Nem se divertiram
muito com aquele prisioneiro, pois ele permanecia passivo,
resignado, e não desesperado e assustado como os demais.
Ao sair do palácio, ironicamente, acompanhava o Rei
uma forte escolta armada. Mas essa escolta não havia sido
convocada por ele. Sua verdadeira escolta está prevista em Jd
1.14,15, que diz: “[...] Eis que veio o Senhor entre suas santas
miríades, para exercer juízo contra todos e para fazer convictos
todos os ímpios, acerca de todas as obras ímpias que
impiamente praticaram e acerca de todas as palavras insolentes
que ímpios pecadores proferiram contra ele.”
A “brincadeira” estava ficando sem graça. Jesus estava
tão debilitado, fisicamente, que nem podia carregar a sua cruz.
Os soldados forçaram, então, um dos curiosos dentre a multidão
a carregar-lhe a cruz. Não sabemos muita coisa sobre esse

226
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Simão, mas penso que dificilmente faria esse serviço


voluntariamente. Além do grande esforço físico, ainda tinha a
questão da contaminação daquele objeto, provavelmente
ensangüentado, símbolo de maldição, que inviabilizaria
totalmente, para Simão, a comemoração da Páscoa, provável
motivo de ele estar ali de passagem. O Rei, porém, não forçaria
Simão a fazer esse serviço. Os súditos do Rei Jesus o servem
voluntariamente, por gratidão. É para eles um privilégio sair
“fora do arraial, levando o seu vitupério” (Hb 13.13), porque
compreendem que dessa maneira é que Jesus conquistou a
salvação do seu povo.
Deram-lhe a beber uma substância entorpecente, para
facilitar-lhes o trabalho, mas ele não quis beber. Jesus precisava
ficar bem sóbrio, pois estava “em serviço”. Quanto aos
soldados, logo iriam voltar para casa, descansar de sua jornada,
e talvez comentar com seus familiares sobre os acontecimentos
de mais um dia tediante de trabalho.
Quando eu era adolescente, gostava de ouvir e cantar
música popular brasileira. Não qualquer música. Eu era muito
seletivo. Preferia os intelectuais. Uma das músicas que eu tentei
cantar, mas não consegui, tinha um bordão muito bem
elaborado, que eu admirei muito, mas não consegui cantar, pois
apesar de eu não ser crente ainda, não podia concordar com a
ideia chocante que trazia. O bordão dizia: “Eu quero crer na
solução dos evangelhos; Obrigando os nossos moços ao poder
dos nossos velhos”44. Pensei: será que o evangelho é assim
mesmo? Apenas um instrumento de limitar a liberdade dos
jovens? Infelizmente muitos têm acreditado nessa mentira,
achando que viver para Cristo é perder a liberdade.
Nós também podemos passar assim pela vida, sem
considerar o sacrifício de nosso Senhor por nós, achando que a
“religião” é apenas mais um fardo pesado que nos limita, e do

44
Cordilheiras - Sueli Costa & Paulo César Pinheiro

227
Arildo Louzano da Silveira

qual, se pudéssemos, nos livraríamos para nos sentir mais leves


e livres.
Para os soldados, Jesus era apenas uma fonte de
ganho (24)

“Então, o crucificaram e repartiram entre si as vestes


dele, lançando-lhes sorte, para ver o que levaria cada um.”
Porque será que eles tinham interesse nas vestes de
Jesus? Não deviam ser muito valiosas, mas eles queriam
aproveitar tudo o que pudessem tirar de vantagem da situação.
Ainda hoje isso acontece entre cristãos, de várias
maneiras. Paulo já alertava Timóteo a respeito de falsos mestres,
os quais supunham que a “piedade é fonte de lucro” (1Tm 6.5),
e observava que “o amor do dinheiro é raiz de todos os males”
(1Tm 6.10).
Por outro lado, muitos descartam a possibilidade de
viver para Cristo, e apenas se aproveitam do que ele nos deixou
de herança. Muitos que se consideram sábios, se beneficiam da
paz e liberdade de pensamento e expressão que possuem. Essa
liberdade se deve ao efeito do cristianismo, que promoveu a
estabilização dos povos, de modo que o evangelho pudesse
chegar aos confins da terra. O evangelho pavimentou as estradas
por onde caminham hoje muitos incrédulos, que vêm na vida
apenas uma oportunidade de ganho, de lazer, como quem adora
a criatura no lugar do Criador. Quando alguém se recusa a viver
para Jesus, o verdadeiro responsável por sua atual liberdade de
escolha, é como se o considerasse apenas uma fonte de ganho.
No entanto, os maiores prazeres deste mundo, são apenas
mesquinharia, comparados com a glória eterna que Jesus
preparou para aqueles que o amam. Um servidor de Cristo não
precisa de mesquinharias. O seu Rei lhes dá tudo em
abundância. Em João 10.10 lemos que “o ladrão vem somente
para roubar, matar e destruir”. Jesus veio para que tenhamos
vida em abundância.

228
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Será que nós temos considerado Jesus como os soldados


o consideraram? Será que ele é para nós apenas um motivo de
piadas? Um peso tediante, uma fonte de ganho? Jesus, mesmo
estando em terrível sofrimento, crucificado, pediu ao Pai que
perdoasse os soldados, porque não sabiam o que faziam. E
quanto a nós, sabemos o que estamos fazendo?

61. O Leão e o Cordeiro (Leia Mc 15.25-32)


Um escritor de ficção científica, chamado Aldous
Huxley, certa vez sentenciou que “os homens criam seus deuses
à sua imagem e semelhança”. Este também era o pensamento do
filósofo grego Xenófanes, que já no século cinco antes de
Cristo, criticava os que atribuíam aos deuses características
humanas. Mas, é claro, Deus é Deus, independente de como
suas criaturas o imaginem. O povo em Jerusalém estava diante
do próprio Deus, feito homem, crucificado, e não admitiam. Seu
conceito de quem seja Deus, e de quem seja o seu escolhido, não
admitia o que estava acontecendo. Não podiam crer em Jesus,
pois ele fugia do padrão de sua teologia.
Não podiam crer que alguém crucificado fosse
um rei (25,26)

"Era a hora terceira quando o crucificaram. E, por cima,


estava, em epígrafe, a sua acusação: O REI DOS JUDEUS".
Na frente de nossa Igreja está em epígrafe: “Jesus é a
verdade”. As letras estão desbotadas, a pintura está gasta. As
lâmpadas estão queimando, as instalações estão se deteriorando.
São 28 anos! Talvez quem passa em frente possa raciocinar: "Se
as pessoas que ali se reúnem acreditassem mesmo que Jesus é a
verdade, não deixariam isso acontecer com esse edifício que
leva o seu nome. Deveriam trocar aquele letreiro por letras feitas
de ouro".
Para o povo que passava em frente ao local da execução,
eram incompatíveis as inscrições sobre a cruz. Como podia um

229
Arildo Louzano da Silveira

rei estar naquelas condições? As pessoas queriam que Jesus


descesse da cruz, mas eles é que deviam tirá-lo de lá. Eles é que
crucificaram o Senhor da Glória. Em Atos 2.23 Pedro
denuncia:"[...] vós o matastes, crucificando-o por mãos de
iníquos"; e Salmos 69.26 profetizou: "[...] perseguem a quem tu
feriste e acrescentam dores àquele a quem golpeaste".
Essa acusação se estende a nós, mesmo que estejamos
tão distantes no tempo, porque Hebreus 6.6 fala dos que rejeitam
a salvação que "[...] de novo, estão crucificando para si mesmos
o Filho de Deus e expondo-o à ignomínia".
Não podiam crer que alguém crucificado fosse
um benfeitor (27,28)

"Com ele crucificaram dois ladrões, um à sua direita, e


outro à sua esquerda. E cumpriu-se a Escritura que diz: Com
malfeitores foi contado".
Quem são considerados “benfeitores” neste mundo? Há
muitos poderosos que, apoiados pelo povo, andam bem vestidos
e falam palavras bonitas, mas vivem “devorando” os pobres da
terra. Pessoas como Pilatos, como Herodes, como César.
Em Atos 12.20-22 lemos que Herodes, ao se reconciliar
com os habitantes de Tiro e de Sidom, apresentou-se ao povo,
vestido de traje real, assentado no trono, enquanto o povo
clamava: "É voz de um deus, e não de homem!". Mas a Jesus,
um crucificado, nunca diriam que é um benfeitor.
Não podiam crer que alguém crucificado fosse o
Salvador (29-32)

“Os que iam passando, blasfemavam dele, meneando a


cabeça e dizendo: Ah! Tu que destróis o santuário e, em três
dias, o reedificas! Salva-te a ti mesmo, descendo da cruz! De
igual modo, os principais sacerdotes com os escribas,
escarnecendo, entre si diziam: Salvou os outros, a si mesmo não
pode salvar-se; desça agora da cruz o Cristo, o rei de Israel, para

230
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

que vejamos e creiamos. Também os que com ele foram


crucificados o insultavam”.
O povo ainda hoje está querendo que Jesus desça da
cruz. Graças a Deus que ele não aceitou a provocação! Querem
ver um Jesus poderoso, que cure as doenças, que dê
prosperidade. Aos que não pensam assim, perguntam: quem é o
Deus que você serve? Não é um Deus poderoso? Qual Jesus
você serve? Paulo responde em 1Coríntios 2.2: "Porque decidi
nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado".
Nós podemos nos envergonhar e nos esconder como fizeram os
discípulos no começo, ou podemos levantar a cabeça e
proclamar a nossa fé independente das circunstâncias.
Grande parte de nossa aflição é motivada por nos
sentirmos diminuídos diante do mundo. Queríamos que nossas
orações fossem respondidas imediatamente, que os ímpios
fossem punidos imediatamente. Como isto não acontece, nos
sentimos envergonhados. Alguns que saíram de entre nós
cederam à tentação e foram procurar outras igrejas, onde se
promove outro tipo de pensamento, e gritos de vitória. Parece
que nós somos derrotados, e os outros são vitoriosos. Se
quisermos ser poderosos como um leão, lembremo-nos de que
Jesus, embora sendo um leão, se portou como um cordeiro.
Deus é o que é. Jesus é o que é, independente do que suas
criaturas possam querer que ele seja.
Jesus crucificado não deixou de ser um Rei; Jesus
crucificado não deixou de ser um benfeitor; Jesus crucificado
não deixou de ser o Salvador.

62. Ao lado de Jesus (Leia Mc 15.33-41)


Jesus não desceu da cruz, mas Deus, o Pai, resolveu
intervir. As trevas que dominaram a terra eram como um luto
pelo que estavam fazendo com o seu Filho. O clamor de Jesus
era desesperador, pois era o clamor do Filho, eterno,
desamparado pelo Pai, eterno. O pecado de toda a humanidade

231
Arildo Louzano da Silveira

estava sendo castigado em Jesus. O véu do santuário rasgou-se,


colocando à mostra o santo dos santos. Era como se Deus
estivesse rasgando as suas vestes diante do terror, da angústia,
da calamidade que tinha diante de si.
Mas a intervenção de Deus também tinha o propósito de
mostrar que a morte de Jesus não tinha sido a morte de um
homem qualquer. Nos outros evangelhos vemos que houve um
terremoto, e que sepulcros de santos se abriram, e alguns
ressuscitados saíram, depois da ressurreição de Jesus, e
apareceram a muitos. Era como se Deus estivesse dando mais
uma chance àquele povo incrédulo para acreditar no Filho de
Deus, por meio destes sinais.
Dos que viam Jesus crucificado, alguns chegaram a
pensar que tudo aquilo era um teste para ver se Jesus era mesmo
o filho de Deus. Mas, se era um teste para ele, era também um
teste para revelar o que estava no coração das pessoas. Os que
testemunhavam a morte do Senhor Jesus reagiram, cada um à
sua maneira, diante da evidência de que Jesus não era um
homem qualquer. Podemos identificar neste texto três maneiras
pelas quais as pessoas reagiram aos acontecimentos que
envolviam a morte de Jesus:
1. Reagindo como alguém que quer testar a Deus
(33-36)

“Chegada a hora sexta, houve trevas sobre toda a terra


até a hora nona. À hora nona, clamou Jesus em alta voz: Eloí,
Eloí, lamá sabactâni? Que quer dizer: Deus meu, Deus meu, por
que me desamparaste? Alguns dos que ali estavam, ouvindo
isto, diziam: Vede, chama por Elias! E um deles correu a
embeber uma esponja em vinagre e, pondo-a na ponta de um
caniço, deu-lhe de beber, dizendo: Deixai, vejamos se Elias vem
tirá-lo!”
Alguns observavam atentamente, para ver no que ia dar
o caso. Não entenderam direito o clamor de Jesus, e acharam
que ele estava chamando o profeta Elias para vir ajudá-lo.

232
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Podemos aplicar esta situação ao nosso contexto. Muitas


pessoas vão à Igreja para fazer um teste, para dar uma chance
para Deus. Querem ver se suas vidas vão mesmo melhorar se o
servirem. Alguns dão um longo prazo, outros não têm muita
paciência. Querem ver logo os milagres.
Jesus não iria mostrar nenhum milagre naquela cruz, os
observadores que isto queriam, estavam perdendo o seu tempo.
Jesus estava ocupado com a salvação da humanidade, não estava
ali para satisfazer a curiosidade do povo.
Cientistas, naturalmente, fazem experiências. Há coisas,
porém, que não podem ser submetidas a experiências. Testam-se
medicamentos em cobaias (animais), primeiro, e só depois que
têm segurança vão testá-los em seres humanos. Com as coisas
eternas, sobretudo, não há possibilidade de experiências. A
Teologia é uma ciência que admite a fé, porque nem tudo ela
pode testar e explicar com os métodos científicos. Entretanto,
Deus nos ensina a maneira certa de fazer experiência teológica
em Salmos 34.8, dizendo: “Oh! Provai e vede que o SENHOR é
bom; bem-aventurado o homem que nele se refugia”. Outra
experiência é sugerida em Zc 3.10: “Trazei todos os dízimos à
casa do Tesouro, para que haja mantimento na minha casa; e
provai-me nisto, diz o SENHOR dos Exércitos, se eu não vos
abrir as janelas do céu e não derramar sobre vós bênção sem
medida”.
2. Reagindo como alguém que reconhece o seu
erro, mas tarde demais (37-39)

“Mas Jesus, dando um grande brado, expirou. E o véu do


santuário rasgou-se em duas partes, de alto a baixo. O centurião
que estava em frente dele, vendo que assim expirara, disse:
Verdadeiramente, este homem era o Filho de Deus.”
Alguns se tornaram como Judas, que reconheceu o seu
grande erro, mas era tarde para arrependimento. O centurião, por
exemplo, já havia feito tudo o que não se devia fazer com o
Filho de Deus. Multidões, infelizmente, apesar de tantos avisos

233
Arildo Louzano da Silveira

e evidências, só reconhecerão quem é Jesus depois que já


estiverem irremediavelmente condenados.
A Bíblia fala que Israel um dia reconhecerá seu erro, e
aparentemente lhe será dada uma oportunidade de
arrependimento: “E sobre a casa de Davi e sobre os habitantes
de Jerusalém derramarei o espírito da graça e de súplicas;
olharão para aquele a quem traspassaram; pranteá-lo-ão como
quem pranteia por um unigênito e chorarão por ele como se
chora amargamente pelo primogênito” (Zacarias 12:10).
Pode ser cedo, ou pode ser tarde, mas todo joelho se
dobrará um dia diante de Jesus, conforme diz Isaías 45.23 “Por
mim mesmo tenho jurado; da minha boca saiu o que é justo, e a
minha palavra não tornará atrás. Diante de mim se dobrará todo
joelho, e jurará toda língua.” Esta profecia foi aplicada por
Paulo em Romanos 14.10,11 “Tu, porém, por que julgas teu
irmão? E tu, por que desprezas o teu? Pois todos
compareceremos perante o tribunal de Deus. Como está escrito:
Por minha vida, diz o Senhor, diante de mim se dobrará todo
joelho, e toda língua dará louvores a Deus”.
Esta situação aplica-se também a muitos que não tiveram
os devidos cuidados na criação de seus filhos, na relação
conjugal, no cuidado da saúde, e agora colhem amargos frutos.
Se não nos submetermos a Jesus agora, como Salvador, vamos
ter que nos submeter a ele na ressurreição, como Juiz.
3. Reagindo como alguém que serve o Senhor,
independente das circunstâncias (40-41)

“Estavam também ali algumas mulheres, observando de


longe; entre elas, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, o
menor, e de José, e Salomé; as quais, quando Jesus estava na
Galileia, o acompanhavam e serviam; e, além destas, muitas
outras que haviam subido com ele para Jerusalém.”
As mulheres estavam o tempo todo com Jesus, mesmo
observando de longe. Eram fracas, nada podiam fazer. As
mulheres não tinham voto, não tinham força física, suas

234
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

opiniões eram desprezadas. Observavam impotentes, submissas


e entristecidas, os homens se enganando, se matando, bêbados e
cegos caminhando rumo ao abismo. A mulher de Pilatos bem
que tentou avisá-lo, mas ele tinha seu próprio código de honra.
Quem sabe a mulher do centurião, e dos soldados, quiseram
impedi-los de cometerem injustiças, mas foram repelidas, como
quem diz: “fiquem caladas, vocês não sabem de nada”. Mas
estas mulheres, desta vez, foram inocentes. No caso do jardim
do Éden, a mulher incitou o homem a pecar; aqui elas estavam
caladas. Quem sabe outras mulheres estavam tentando
convencer os seus maridos, os seus irmãos, os seus filhos, que
estavam cometendo loucuras, que deviam parar com aquilo e
colocarem a cabeça no lugar. Mas eles estavam cegos, suas
emoções os dominavam, seu orgulho não os deixava retroceder,
estavam fadados, pelo seu impulso, a terminar o que haviam
começado. A trajetória das mulheres encontra-se mais detalhada
na narração de Lucas, em Lc 23.55-24.10.
E quanto a nós? Imaginemo-nos ao lado de Jesus
crucificado, morrendo. Como reagiríamos diante disso? Não
façamos testes com nossas vidas, pois ela é única e preciosa.
Não deixemos até que seja tarde demais pra reconhecer que
Jesus é o Filho de Deus, que precisamos aceitar a sua salvação.
Sejamos humildes como foram as mulheres, que também não
entendiam das leis, da teologia, dos códigos de honra que
levaram os homens a crucificarem o Senhor da Glória. Elas só
sabiam que deviam estar ao lado de Jesus, seja nas montanhas e
praias da Galileia, seja na Cruz.
Temos feito imprudentes experiências? Estamos
“deixando o barco rolar”, para ver no que vai dar? Estamos
deixando para decidir quando virmos os milagres e as profecias
apocalípticas se cumprindo? Ou estamos seguindo com fé todos
os passos de Jesus, procurando conhecê-lo melhor através de sua
palavra, oração e obediência? Esta é uma questão que envolve
não somente os possíveis galardões celestes, mas uma questão
de vida ou morte.

235
Arildo Louzano da Silveira

63. Adoração ou idolatria? (Leia Mc 15.42-47)


O Breve Catecismo de Westminster, formulado por
teólogos ingleses e escoceses da Assembleia de Westminster, no
séc. XVII, começa com a pergunta: “Qual é o fim principal do
homem?” E o texto mesmo responde: “O fim principal do
homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre. Referências:
Rm 11.36; 1Co 10.31; Sl 73.25-26; Is 43.7; Rm 14.7-8; Ef 1.5-
6; Is 60.21; 61.3”.
Mas o homem desviou-se cedo do seu propósito,
tendendo à idolatria, conforme Romanos 1.25: “pois eles
mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a
criatura em lugar do Criador [...]”.
Neste parágrafo do evangelho de Marcos, podemos
perceber três costumes que podem sutilmente levar os homens à
idolatria.
1 – Cerimonialismo (42,43)

“Ao cair da tarde, por ser o dia da preparação, isto é, a


véspera do sábado, vindo José de Arimatéia, ilustre membro do
Sinédrio, que também esperava o reino de Deus, dirigiu-se
resolutamente a Pilatos e pediu o corpo de Jesus”.
José era ilustre membro do sinédrio, e não podia deixar
que o sábado fosse profanado. Tinha que tomar uma atitude para
com o corpo de Jesus, por isso tomou coragem e foi falar com
Pilatos.
O sábado era sagrado, conforme mandamento de Deus,
desde a antiguidade. Mas os filhos de Israel desprezaram os
mandamentos, e se deram à idolatria. Em 2Cr 36.15-17 lemos
uma sentença contra o povo, uma explicação do motivo pelo
qual eles estavam sendo levados cativos para Babilônia. Logo
em seguida, em 2Cr 36.21, Deus informa que o cativeiro duraria
“até que a terra se agradasse dos seus sábados”. Passados os
setenta anos de cativeiro, o povo aprendeu que tinha que extirpar
os ídolos, mas seu coração ainda não era perfeito, e a idolatria

236
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

tornou-se mais sofisticada. Agradou-se dos sábados, mas com o


tempo, o sábado tornou-se tão importante que, obcecados, o
colocaram num patamar acima do Senhor Jesus, a ponto de ter
que lembrá-los, em Mateus 12.8, de que “o Filho do Homem é
senhor do sábado”.
O sistema religioso judaico era tão atraente que encantou
os gálatas, aos quais Paulo admoestou: “Ó gálatas insensatos!
Quem vos fascinou a vós outros, ante cujos olhos foi Jesus
Cristo exposto como crucificado? [...] Sois assim insensatos que,
tendo começado no Espírito, estejais, agora, vos aperfeiçoando
na carne?” (Gl 3.1,3).
Apesar de os ídolos tradicionais terem sido extirpados,
tanto do judaísmo quanto do cristianismo, a Idolatria ainda era
um problema no novo testamento, tanto que Paulo exorta os
Coríntios: “Portanto, meus amados, fugi da idolatria” (1Co
10.14). E João, quase no final dos tempos bíblicos, adverte seus
discípulos: “Filhinhos, guardai-vos dos ídolos” (1Jo 5.21).
O ato de José de Arimatéia, ao pedir o corpo de Jesus, e
não deixá-lo passar o sábado na cruz, foi um ato nobre e
corajoso, mas ele teria que ir além, encarar o sinédrio e
proclamar abertamente sua fé. A Bíblia não diz, mas
provavelmente ele o fez, mostrando que sua motivação era mais
do que um simples cerimonialismo.
2 – Exaltação do trabalho (44,45)

“Mas Pilatos admirou-se de que ele já tivesse morrido.


E, tendo chamado o centurião, perguntou-lhe se havia muito que
morrera. Após certificar-se, pela informação do comandante,
cedeu o corpo a José”.
Pilatos era um governador competente. Um
administrador prudente. Certificou-se de que Jesus estava
mesmo morto. O Centurião certificou-se da morte do Senhor
traspassando-lhe o lado com uma lança (Jo 19.34). Nenhum erro
podia ser cometido.

237
Arildo Louzano da Silveira

O trabalho foi criado por Deus, é uma bênção para o


homem. Ele é que gera a riqueza das nações. Nós, paulistas, nos
orgulhamos de sermos um povo trabalhador. Ser trabalhador é
bom, mas existe problema quando alguém passa a considerar o
trabalho como sua “religião”. O homem pode cobiçar, de tal
forma, a riqueza gerada pelo trabalho, ou pode amar tanto o
próprio trabalho, em si mesmo, que deixa de lado a família,
prejudica sua saúde, e deixa de prestar culto a Deus. Não
devemos nos esquecer de que, ao criar o trabalho, Deus também
criou o descanso. Num ciclo de sete dias, um deles deve ser de
descanso e adoração, conforme Êxodo 20.9,10: “Seis dias
trabalharás e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado
do SENHOR, teu Deus; não farás nenhum trabalho, nem tu, nem
o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva,
nem o teu animal, nem o forasteiro das tuas portas para dentro”.
Tanto Pilatos quanto o centurião demonstraram que eram
exímios trabalhadores, mas estavam tão cegos na realização do
seu trabalho, que nem se deram conta de que estavam sendo
operadores da morte do Senhor Jesus, o autor da vida (At 3.15).
Sejamos bons trabalhadores, porque isto agrada o
Senhor, mas não vamos nos exceder, a ponto de transformar o
trabalho, sutilmente, numa idolatria.
3 – Veneração (46,47)

“Este, baixando o corpo da cruz, envolveu-o em um


lençol que comprara e o depositou em um túmulo que tinha sido
aberto numa rocha; e rolou uma pedra para a entrada do túmulo.
Ora, Maria Madalena e Maria, mãe de José, observaram onde
ele foi posto”.
Aqui nestes versículos vemos alguns ícones da religião
cristã. A cruz, o lençol que, segundo a tradição se tornou em
Santo Sudário, e o túmulo, que ainda hoje é venerado, na Igreja
do “Santo Sepulcro”.
O que fizeram com estes ícones do cristianismo é similar
à idolatria a que foi dedicada a Neustã, e que veio à tona no

238
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

texto bíblico de 2Rs 18.4. Essa serpente de bronze fora


manufaturada para ser um símbolo de fé no Senhor
misericordioso, que os livraria das mordeduras das serpentes
(Nm 21.9), mas transformou-se num objeto de idolatria.
Existem ícones no mundo, hoje em dia, que também são
idolatrados veladamente. Por exemplo: o que vem à sua mente
quando perguntam qual a melhor marca de aparelho celular, de
carro, moto, ou roupa? Não são os ícones que têm sido
consagrados pelo mercado consumidor?
Tiveram bastante cuidado com o corpo de Jesus, e isto é
louvável. Mas não é só isto que Deus espera de nós. Na verdade,
precisamos tomar cuidado para que nossa adoração não se
transforme numa idolatria.
Tomemos cuidado com os ícones, as marcas registradas,
o time preferido, o herói, a igreja, o programa de evangelização
(Oanse, Esquadrão, Reformados…). Qual a utilidade de
campanhas como as que dizem: “Eu sou a Universal”; “Sou
católico apostólico Romano, e amo a minha Igreja”? Há perigo
de incentivo à idolatria até mesmo em corinhos de Escola
Dominical, como o que diz: “Saudamos nossa Bíblia [...]”. Esse
livro de Deus foi feito para nos instruir, mas, contra o seu
próprio ensino, pode se tornar em objeto de idolatria.
O nome de nossa Igreja é bem pretensioso: “Igreja
Bíblica”. Minha primeira impressão com esse nome não foi
muito favorável. Antes de me converter, achei que esta igreja
era uma seita que adorava a Bíblia. Graças a Deus acabei
descobrindo que, na verdade, o Pai celestial e seu filho Jesus
Cristo é que são honrados aqui, tendo a Bíblia como guia de fé e
prática.
A idolatria pode ser praticada até mesmo sob o pretexto
de adoração do próprio Deus verdadeiro, e por isso o povo foi
advertido em Dt 4.12, e 15-19: “Então, o SENHOR vos falou do
meio do fogo; a voz das palavras ouvistes; porém, além da voz,
não vistes aparência nenhuma. [...] Guardai, pois,
cuidadosamente, a vossa alma, pois aparência nenhuma vistes

239
Arildo Louzano da Silveira

no dia em que o SENHOR, vosso Deus, vos falou em Horebe,


no meio do fogo; para que não vos corrompais e vos façais
alguma imagem esculpida na forma de ídolo, semelhança de
homem ou de mulher, semelhança de algum animal que há na
terra, semelhança de algum volátil que voa pelos céus,
semelhança de algum animal que rasteja sobre a terra,
semelhança de algum peixe que há nas águas debaixo da terra.
Guarda-te não levantes os olhos para os céus e, vendo o sol, a
lua e as estrelas, a saber, todo o exército dos céus, sejas
seduzido a inclinar-te perante eles e dês culto àqueles, coisas
que o SENHOR, teu Deus, repartiu a todos os povos debaixo de
todos os céus”.
Examinemos nossos costumes e o nosso coração, para
ver se não há em nós tendências idólatras como o
cerimonialismo, a exaltação do trabalho ou veneração de coisas
sagradas. Aprendamos a adorar o Deus verdadeiro, em Espírito
e em verdade.

64. Vencendo a ansiedade (Leia Mc 16.1-8)


A ansiedade não é boa para nós. Ela nos tira prazeres,
nos tira a paz, nos paralisa. As mulheres que seguiam Jesus
deviam estar muito ansiosas por causa da violência, da tragédia
que presenciaram. A ansiedade tomou, no coração daquelas
mulheres, o lugar reservado à fé. Podemos observar que o
Senhor queria remover-lhes a ansiedade, conduzindo-as de volta
à fé. Para ajudá-las em sua fraqueza, o Senhor lhes concedeu
pelo menos três benefícios.
I – Removeu-lhes a pedra (1-4)

“Passado o sábado, Maria Madalena, Maria, mãe de


Tiago, e Salomé, compraram aromas para irem embalsamá-lo.
E, muito cedo, no primeiro dia da semana, ao despontar do sol,
foram ao túmulo. Diziam umas às outras: Quem nos removerá a
pedra da entrada do túmulo? E, olhando, viram que a pedra já
estava removida; pois era muito grande”.

240
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

Quem sabe a ansiedade das mulheres com relação à


pedra era semelhante à dos israelitas diante do Mar Vermelho,
antes de Deus abrir para o povo passar. Gosto de uma música
que cantamos, que diz: “Se diante de mim não se abrir o mar,
Deus vai me fazer andar por sobre as águas.”
Às vezes nós ficamos ansiosos diante de um grande
obstáculo, e quando Deus nos “remove as pedras”, esquecemo-
nos de dar graças. Somos, muitas vezes, como Jacó, que estava
tão acostumado a sofrer, que custou aceitar o fato de que Deus
lhe reservara uma grande bênção, ao revelar-lhe que José, seu
filho predileto, não só estava vivo, como era muito rico e
poderoso, a ponto de se tornar o salvador de sua família (Gn
45.26).
Nossa ansiedade, às vezes, nos dificulta crer que a
“pedra” foi removida, e nos coloca em situações como a que li,
num folheto evangelístico:
Certo navio procedia do Oriente e singrava nas proximidades
do litoral da América do Sul. A viagem fora longa. O
suprimento de água fora insuficiente e, aquela altura, acabou-
se. Ali estavam, em pleno oceano, sem água potável, com a
terrível ameaça de morrer de sede. Felizmente, um navio de
bandeira brasileira aproximou-se o bastante para que o barco
em dificuldade pedisse por sinais: “Por favor, cedam-nos um
pouco de água potável”. A resposta do navio brasileiro foi
imediata: “Desçam os baldes onde estão”. O aflito capitão
pensou em tratar-se de uma ordem descabida e repetiu o
pedido. E, de novo, o sinal com as mesmas palavras: “Desçam
os baldes onde estão”. Obedecendo ao sinal, um balde então
foi baixado e mergulhou no oceano. Içado para bordo, o
capitão tocou com eles a língua e constatou que a água era
doce. O que não sabia é que estavam no centro da larga

241
Arildo Louzano da Silveira

corrente de água doce, que a força das águas do rio Amazonas


empurra para o Atlântico45.
O Senhor não queria que as mulheres ficassem ansiosas,
e por isso lhes concedeu o benefício de remover a pedra do
sepulcro.
II – Mostrou-lhes evidências (5,6)

“Entrando no túmulo, viram um jovem assentado ao lado


direito, vestido de branco, e ficaram surpreendidas e
atemorizadas. Ele, porém, lhes disse: Não vos atemorizeis;
buscais a Jesus, o Nazareno, que foi crucificado; ele ressuscitou,
não está mais aqui; vede o lugar onde o tinham posto”.
O anjo foi muito gentil com as mulheres, recebeu-as
como um verdadeiro anfitrião, querendo tranqüilizá-las,
mostrando-lhes o lugar onde Jesus havia sido posto, explicando
que ele ressuscitara.
A Bíblia nos ensina a atentarmos para as evidências,
como as que o anjo mostrou às mulheres. “Não desprezeis
profecias”, diz 1Ts 5.20. Evidências da ressurreição estão
espalhadas nos textos bíblicos e na história secular.
Um dos argumentos mais fortes em defesa da
autenticidade e veracidade dos textos bíblicos, o que nos deixa
também seguros quanto à narrativa da ressurreição, é a história e
o futuro de Israel, que voltou a possuir uma parte do seu
território, e foi reconhecido novamente como nação, depois de
quase dois mil anos.
Os judeus foram perseguidos tantas vezes, e quase
destruídos, mas Deus lhes tem preservado. No livro de Ester, foi
relatado que o povo judeu escapou de um genocídio, pela
provisão de Deus e a intervenção da rainha e de seu tio
Mordecai. Em 70 d.C. houve outra tentativa de extinguir a

45
Disponível em: http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/4273841 - Acesso em: 07-02-
2016

242
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

população judaica, mas um remanescente escapou, fugindo no


momento em que o exército romano fez uma pausa no cerco de
Jerusalém. Lemos na Wikipedia que, “dos nove milhões de
judeus que residiam na Europa antes do Holocausto, cerca de
dois terços foram mortos; mais de um milhão de crianças, dois
milhões de mulheres e três milhões de homens judeus morreram
durante o período”46. O que ameaça Israel hoje em dia é a
“guerra santa” islâmica. Mas nós lemos em Romanos 11.25-29
que há pelo menos uma profecia pendente de cumprimento para
esse povo, pelo que ele deve, ainda, ser preservado: “Porque não
quero, irmãos, que ignoreis este mistério (para que não sejais
presumidos em vós mesmos): que veio endurecimento em parte
a Israel, até que haja entrado a plenitude dos gentios. E, assim,
todo o Israel será salvo, como está escrito: Virá de Sião o
Libertador e ele apartará de Jacó as impiedades. Esta é a minha
aliança com eles, quando eu tirar os seus pecados. Quanto ao
evangelho, são eles inimigos por vossa causa; quanto, porém, à
eleição, amados por causa dos patriarcas; porque os dons e a
vocação de Deus são irrevogáveis”.
Quanto à história de Jesus como um todo, o mundo
reconhece a sua existência, ainda que, para a maioria ele foi
apenas um grande homem. Recorrendo de novo à Wikipédia,
lemos que:
Numa revisão em 2011 do estado da arte da investigação
contemporânea, Bart Ehrman escreveu: "Com certeza existiu,
já que praticamente qualquer investigador clássico competente
concorda, seja ou não cristão". Richard A. Burridge afirma:
"Há aqueles que argumentam que Jesus é produto da
imaginação da Igreja e que nunca houve qualquer Jesus. Devo
dizer que não conheço nenhum acadêmico de renome que
ainda afirme isso". Robert M. Price não acredita que Jesus
tenha existido, mas reconhece que o seu ponto de vista é
contrário à maioria dos acadêmicos. James D.G. Dunn chama
às teorias da inexistência de Jesus "uma tese completamente

46
https://pt.wikipedia.org/wiki/Holocausto - Acesso em: 07-02-2016

243
Arildo Louzano da Silveira

morta". Michael Grant (um classicista) escreveu em 1977: "em


anos recentes, nenhum acadêmico sério se aventurou a
postular a não historicidade de Jesus, e os poucos que o fazem
não tiveram qualquer capacidade de contrariar as evidências
no sentido contrário, muito mais abundantes e fortes. Robert
E. Van Voorst declara que os acadêmicos bíblicos e
historiadores clássicos encaram as teorias da inexistência de
Jesus como completamente refutadas.
O Alcorão menciona o nome de Jesus vinte e cinco vezes,
mais do que o próprio Maomé, e enfatiza que Jesus foi
também um ser humano mortal que, tal como todos os outros
profetas, foi escolhido de forma divina para divulgar a
mensagem de Deus47.
Ao ouvirem os argumentos do anjo, as mulheres
pareciam desligadas da realidade, e não devem ter prestado
muita atenção nas palavras que lhes foram dirigidas.
Quando estamos ansiosos, não conseguimos nos
concentrar. Nosso tempo de oração não “rende”, nossa leitura
bíblica não atinge o coração. Nestes momentos precisamos nos
esforçar para manter a calma ou, como diriam os técnicos de
futebol e os líderes empresariais, “manter o foco”. Devemos nos
lembrar das evidentes intervenções milagrosas de Deus em
nossas vidas, lembrar-nos de que ele nunca nos desamparou.
Nossa atitude mais comum, porém, com relação às evidências
pessoais da presença de Jesus conosco, é bem ilustrada no
Poema “Pegadas na areia”:
Sonhei que estava caminhando na praia juntamente com Deus.
E revi, espelhado no céu, todos os dias da minha vida. E em
cada dia vivido, apareciam na areia, duas pegadas : as minhas
e as dele. No entanto, de quando em quando, vi que havia
apenas as minhas pegadas, e isso precisamente nos dias mais
difíceis da minha vida. Então perguntei a Deus: "Senhor, eu
quis seguir-te, e tu prometeste ficar sempre comigo. Porque

47
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Jesus acesso em: 08-08-2015

244
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

deixaste-me sozinho, logo nos momentos mais difíceis?” Ao


que ele respondeu: "Meu filho, eu te amo e nunca te
abandonei. Os dias em que viste só um par de pegadas na areia
são precisamente aqueles em que eu te levei nos meus
braços”48.
As evidências indicadas pelo anjo foram, para as
mulheres, um benefício para combater a ansiedade.
III – Deu-lhes instrução (7,8)

“Mas ide, dizei a seus discípulos e a Pedro que ele vai


adiante de vós para a Galiléia; lá o vereis, como ele vos disse. E,
saindo elas, fugiram do sepulcro, porque estavam possuídas de
temor e de assombro; e, de medo, nada disseram a ninguém”.
As mulheres receberam instruções específicas do anjo,
de forma que não havia mais motivo para ansiedade, bastando
que se concentrassem, simplesmente, em seguir as referidas
instruções.
Entre as maiores riquezas que podemos almejar, está a
instrução, o conhecimento. Ao nos instruir sobre a maneira
como devemos conduzir a nossa vida, a Bíblia mostra que
entende o nosso modo de pensar. Vivemos ansiosos procurando
meios de sermos supridos de coisas materiais, mas o Senhor
quer que deixemos de lado essa ansiedade, e busquemos
primeiro o seu reino e a sua justiça. Porque tudo o que
necessitarmos, ele suprirá, conforme promete em Mateus 6.25-
33:
Por isso, vos digo: não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto
ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo,
quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o
alimento, e o corpo, mais do que as vestes? Observai as aves

48
Mary Stevenson. 1936. Disponível em:
http://www.lindasmensagenseoracoes.com.br/2010/08/poema-pegadas-na-areia.html acesso em:
06/02/2016. Ou Margaret Fishback Powers. 1964. Disponível em:
http://www.wook.pt/ficha/pegadas-na-areia/a/id/1553625 acesso em: 06/02/2016.

245
Arildo Louzano da Silveira

do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros;


contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porventura, não valeis
vós muito mais do que as aves? Qual de vós, por ansioso que
esteja, pode acrescentar um côvado ao curso da sua vida? E
por que andais ansiosos quanto ao vestuário? Considerai como
crescem os lírios do campo: eles não trabalham, nem fiam. Eu,
contudo, vos afirmo que nem Salomão, em toda a sua glória,
se vestiu como qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a erva
do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno,
quanto mais a vós outros, homens de pequena fé? Portanto,
não vos inquieteis, dizendo: Que comeremos? Que
beberemos? Ou: Com que nos vestiremos? Porque os gentios é
que procuram todas estas coisas; pois vosso Pai celeste sabe
que necessitais de todas elas; buscai, pois, em primeiro lugar,
o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão
acrescentadas.
Salmos 119.105 diz que a Palavra de Deus é lâmpada
para os nossos pés, e luz para os nossos caminhos. Em 2Pedro
1.19 lemos que a palavra profética é “como a uma candeia que
brilha em lugar tenebroso, até que o dia clareie e a estrela da
alva nasça em vosso coração”. Oséias (4.6) aponta o motivo
para o povo de Deus estar sendo destruído. É que lhe faltava o
conhecimento.
Assim como as mulheres, recebemos, também, junto
com os tessalonicenses (1Ts 5.16-25) instruções bem específicas
para vencer a ansiedade:
Regozijai-vos sempre. Orai sem cessar. Em tudo, dai graças,
porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para
convosco. Não apagueis o Espírito. Não desprezeis as
profecias; julgai todas as coisas, retende o que é bom;
abstende-vos de toda forma de mal. O mesmo Deus da paz vos
santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo sejam
conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso
Senhor Jesus Cristo. Fiel é o que vos chama, o qual também o
fará. Irmãos, orai por nós.

246
Ensaios sobre Marcos: Andando com Jesus

CONCLUSÃO

Não podemos ficar paralisados. Em vez disso, devemos


“preparar nossos aromas” esperando que o Senhor nos remova
as pedras, as quais são muito grandes para nós. Observemos as
evidências (não desprezemos profecias), para que tenhamos
confiança. Façamos o nosso trabalho, principalmente no que se
refere a falar do evangelho, para que o maior número possível
de pessoas possa encontrar-se e andar com Jesus.

Fale com o autor pelo telefone ou mensagem de texto: 55 17 99628-3453

247

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