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Certa vez ouvi uma missionária, Maria Cristina Vieira Souto 2, afirmar que o
Cristianismo é a cultura do Céu. Não sei o que esta afirmação representou para os
que a ouviram, mas para mim, da maravilhosa prédica daquela missionária, tal
afirmação foi a cereja do bolo.
Aquele que se interessa pela questão da alteridade cultural, mesmo que leigo
no campo das ciências humanas, percebe como alguns grupos humanos são, em
determinados contextos sociais, culturalmente desfavorecidos. É comum, sobretudo
naquelas culturas ainda não alcançadas pelo Cristianismo, identificarmos grupos
sociais, que por força de tradições culturais, sofrerem algum tipo de opressão.
Assim, transvestidos de cultura, certas práticas e costumes constituem verdadeiros
atos de violação à dignidade humana. Objetivamente analisados é isso que são,
ainda que alguns indivíduos, tidos na conta de intelectuais e embevecidos pelo
conveniente discurso relativista cultural, recusem reconhecer como moralmente
reprováveis algumas claras relações assimétricas de opressão.
1
Licenciado em História pela FIC/Unis (Faculdades Integradas de Cataguases – Grupo Unis.
2
Maria Cristina Vieira Souto é coordenadora de alunos/logística da AGEMIWM (Agência Missionária
Wesleyana).
Qual é, pois, a relação entre a afirmação da missionária, aludida no começo
do texto, e as considerações dos parágrafos anteriores? Bem, o Cristianismo, longe
de ser um genocida cultural como os relativistas querem fazer crer, promove, por
seu caráter supracultural, alterações nas sociedades onde é enxertado. A alteração
de uma cultura, porém, não é necessariamente algo ruim. O parecer de quanto a ser
benéfica ou ruim a alteração produzida deve partir daqueles que são diretamente
afetados pela cultura e não do acadêmico que, sentado em sua confortável
escrivaninha de estudos, luta para que rituais que promovem sofrimentos físicos e
emocionais, quando não a morte, sejam preservados sob o pretexto de preservação
da cultura.
Entre os fatores que levaram à vitimização deste papel social está a crença
de que, por força do carma, espécie de lei universal de causa e efeito, a perda do
marido é uma punição, na vida presente, de uma grave transgressão cometida pela
mulher em uma suposta vida anterior. Não resta, pois, à viúva outro caminho senão
o da austeridade a fim de purgar sua imemorial transgressão passada. Dificilmente
contrairá outro matrimônio, posto que carrega um terrível estigma de amaldiçoada.
Assim, no senso comum forjado pelos textos sagrados indianos, acredita-se que até
mesmo a sombra de uma viúva é amaldiçoada. Impossibilitadas de casar, de
estudar e de arranjar trabalho, pois favorecer uma viúva é interferir no seu carma,
muitas dessas mulheres são forçadas a entrar no submundo da prostituição. Uma
viúva, na Índia, é vista como uma mulher amaldiçoada e sexualmente perigosa.
Quanto ao lugar onde deverá viver a nova e infeliz vida, a mulher deve optar
entre a casa dos familiares do falecido marido (caso seja aceita) ou a Casa das
Viúvas, abrigos coletivos situados em imóveis velhos, insalubres, onde a passará a
coabitar com outras mulheres que compartilham a mesma sorte.
3
Em 1956, foram promulgadas leis que afirmam a igualdade das viúvas perante as demais mulheres.
Muitas preferem, apesar das terríveis condições, as Casas das Viúvas, pois
na família do falecido marido são obrigadas a viver em total estado de subserviência
e sofrem, com recorrência, abusos sexuais. Tornam-se, na prática, escravas da
família.
4
As fontes às quais nos reportamos informam que tais casamentos são realizados para impedir que as crianças,
quando adultas, se dêm a relacionamentos contrários à vontade da família, prejudicando, entre outras coisas, a
questão do dote. Parece-nos, que o casamento efetiva-se com o ato nupcial, apenas quando a garota atinja a
puberdade. Há também a questão cultural, Parvati casou-se com Shiva, divindade indu encarnada, quando
aquela tinha apenas 8 anos; Parvati foi a segunda consorte de Shiva.
Relatam os textos sagrados indianos que Sati, primeira esposa de Shiva, por
força de uma pressão moral e voluntariamente, atirou-se a pira fúnebre do marido,
onde morreu queimada. Temos aqui, no campo mitológico religioso, uma explicação
cultural entre outras explicações de cunho pragmático, para uma terrível prática
muito comum na Índia antes da chegada dos colonizadores ingleses 5, a queima
“voluntária” da viúva na pira destinada ao corpo do marido, a prática recebe o
epônimo Sati. Apesar de bizarra e legalmente proibida, ainda há, em pleno século
XXI, registros dessa prática.
5
Vários indianos, sobretudo os homens contestaram a intervenção inglesa. Charles Napier,
comandante-chefe do exército britânico na Índia deu aos reclamantes:
- Vocês dizem que é costume incinerar viúvas junto com seus maridos. Pois muito bem! Nós também
temos um costume quando homens queimam uma mulher viva: passamos uma corda em volta ao
pescoço deles e os enforcamos. Construam sua pira funerária ao lado dela e meus carpinteiros
construirão um patíbulo. Vocês podem seguir seus costume. E nós seguiremos o nosso.
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