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As concepções de
homem relacionadas ao
desenvolvimento humano:

AULA
o ambientalismo
Marise Bezerra Jurberg

Meta da aula
Apresentar a importância das diversas concepções de
homem, segundo modelos que foram influenciados pela
perspectiva ambientalista, assim como sua repercussão nos
estudos psicopedagógicos.
objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta


aula, você seja capaz de:
1. conceituar ambientalismo, identificando suas
interrelações com teorias filosóficas, analisando
as influências dessas teorias nas concepções do
conhecimento e do desenvolvimento humanos;
2. analisar como a abordagem ambientalista do
conhecimento e desenvolvimento humanos pode
influenciar o campo educacional;
3. conceituar ambientalismo, comparando-o com o
inatismo.

Pré-requisito
Tenha em mente o que foi visto na Aula 2, sobre
inatismo. O que você verá nesta aula aqui é
constantemente relacionado com o conteúdo
daquela aula.
Psicologia e Educação | As concepções de homem relacionadas ao desenvolvimento humano:
o ambientalismo

Introdução Se alguém lhe disser, atualmente, que é um ambientalista, você provavelmente


pensará que essa pessoa possui princípios e valores ligados à preservação dos
recursos naturais, ou então que pertence a algum movimento social voltado a
um desenvolvimento sustentável, que não altere o equilíbrio do meio ambien-
te. Essas ideias existem desde o período pré-moderno, incrementaram-se
com os progressos científicos durante o Iluminismo e chegaram a um certo
radicalismo no século XIX e principalmente no século XX, com as preocupa-
ções da Ecologia. Os movimentos ecológicos transformaram, para sempre, a
relação entre sociedade e natureza.

Ecologia: o prefixo “eco” vem do grego oikos, que significa casa, meio
ambiente, habitat. As principais correntes ecológicas incluem diversas
posições: a tradicional, ou conservadora, que defende que o meio
ambiente não deve ser tocado e apenas preservado, e não admite a
expansão da indústria e do consumo; contrariamente, o grupo capitalis-
ta acredita que o avanço tecnológico descobrirá formas não poluentes
de produzir, sem a necessidade de mudanças estruturais na sociedade;
outro grupo defende mudanças sociais e a criação de uma nova ordem
social comunitária, descentralizada e independente; a posição socialista
é contra as formas capitalistas de produção e incentiva uma produção
menos poluente; finalmente, o ecofeminismo, que denuncia e se opõe
às formas paternalistas e machistas de dominação do espaço, que são as
principais causas do desequilíbrio ecológico.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:
Protect_earth.png

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A denominação ambientalista, dentro da Psicologia, embora atu-

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almente inclua a Ecologia Humana e Social, possui outra conotação: este
termo refere-se a qualquer teoria que dê mais importância à influência do
ambiente do que às habilidades inatas, às competências e a estados atuais
de animais, aí incluídos os seres humanos, em termos de evolução.
O estudo do inatismo e do ambientalismo é importante devido ao
fato de que muitas questões polêmicas perduram, em nossos dias, em torno
destas duas abordagens. Isso resulta em diferentes consequências para o
campo da educação, assim como em outros campos de conhecimento. Ina-
tismo versus ambientalismo tiveram, posteriormente, outras denominações,
como racionalismo versus empirismo, natureza versus cultura.
Tem sido um grande desafio, ao longo da história da humanidade,
o problema de como alcançamos o conhecimento e de como o corpo e a
alma tomam parte nesse processo. Segundo Farias (s/d), as imposições
derivadas das necessidades práticas da existência foram sempre a força
propulsora na busca do saber. Para isto, os homens criaram lugares,
como a Academia de Platão, o Liceu de Aristóteles, as escolas e univer-
sidades medievais, onde se reuniam com a finalidade de descobrir como
o ser humano teria acesso ao saber. Muitos filósofos e, posteriormente,
diversos psicólogos tentaram explicar como se dá esse processo, muitas
vezes assumindo posições contraditórias.
A grande questão que tem ocupado a mente de inúmeros pensado-
res, ao longo de vários séculos, tem sido: os seres humanos desenvolvem
suas habilidades ou já nascem com elas?

Figura 3.1: Desenvolvemos nossas habilidades ou já nascemos


com elas?

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o ambientalismo

O ambientalismo de Aristóteles: as sensações vão


formando a mente

Aristóteles contrapõe-se ao inatismo de Platão, para o qual conhe-


cer é recordar a verdade que já trazemos em nós, verdade esta que é
inerente ao aparato racional e intuitivo de que somos dotados, desde o
nascimento. Seu objeto de estudos é o mundo animado, ou seja, aquilo
que tem vida, que se diferencia essencialmente do mundo inorgânico. O
princípio da atividade, portanto, é a alma.

Figura 3.2: Aristóteles (384-322 a./C.), discípulo da Acade-


mia de Platão durante vinte anos; fundou o Liceu.
Fonte: www.vidalusofonas.pt/aristoteles.htm

Aristóteles defende uma posição contrária, tornando-se um


P e r i pat é t i c a exemplo de tendência ambientalista. Ele aceita a distinção platônica
Do grego peripa- entre sensação e pensamento, mas diverge ao rejeitar o inatismo de seu
tetikós, que gosta
de passear. Em seu mestre, colocando a mente como uma tabula rasa, sem ideias inatas.
Liceu, Aristóteles
costumava andar
Na visão aristotélica, nada está em nossa mente que não tenha antes
com seus discípulos passado pelos sentidos.
pelos jardins, obser-
vando a natureza e Aristóteles percorreu novos caminhos, inclusive por sua escola
discutindo as sensa-
ções que ela lhes des- – denominada escola p e r i pat é t i c a – para fundamentar suas críticas,
pertava, motivo pelo revisões e novas proposições ao platonismo. Para ele, só existe este
qual sua escola era
assim denominada. mundo em que vivemos; o que está além de nossa experiência sensível

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não é nada, não existe para nós. Posição bem diferente daquela de seu

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mestre: para o platonismo, apenas o conhecimento que se denomina Apriorístico
apriorístico, inato – como as intuições lógicas e matemáticas – é que Adjetivo derivado
de apriorismo:
pode existir dentro de nós, sem qualquer experiência prévia. do latim a priori
+ismo; em filosofia,
A fim de passar da sensação ao pensamento, Aristóteles dá consiste na aceita-
grande destaque ao associacionismo, em seu ensaio sobre Memória, ção, na ordem do
conhecimento, de
escrito em 400 a.C. Acreditava que as associações eram feitas porque fatores independen-
tes da experiência
os objetos eram similares, opostos, ou estavam próximos no espaço (FERREIRA, 1999,
ou no tempo. Neste sentido, ele pode ser considerado um precursor p. 172).

das teorias associacionistas da aprendizagem. Mostra-se, portanto,


favorável a medidas educacionais condicionantes, conforme ressalta
Gadotti (2008, p. 38). Na área de fenômenos psicológicos, irá nortear
o entendimento do processo de aprendizagem, que estaria sujeito às
leis da associação, com a participação de funções cognitivas como a
sensação, a memória e a imaginação.
Para Aristóteles, a alma é o princípio de todos os fenômenos vitais,
no ser humano. As características da alma humana são a racionalidade,
o pensamento e a inteligência, pois ela é o espírito que anima o corpo
animal. Embora tenha funções superiores, a alma também desempenha as
funções de alma sensitiva e alma vegetativa. Mesmo assim, ela continua
sendo única, mas com várias funções, evidenciadas pelos atos diversos
que podemos desempenhar.
O s i l o g i s m o consis-
Aristóteles desenvolveu igualmente uma outra área do saber, a te em um raciocínio
Lógica, que considerava um instrumento útil para nossa entrada no formalmente estru-
turado que a partir
mundo do conhecimento e nas ciências. Sua lógica é dividida em três de duas premissas,
colocadas previa-
partes, que estudam a ideia, o juízo e o raciocínio. Sua lógica formal, mente, chega-se
a uma conclusão
segundo Kant, é uma obra completa, à qual nada foi acrescentado, ao
necessária. O silo-
longo dos séculos. Seus estudos nessa área baseiam-se no s i l o g i s m o . gismo é dedutivo
e, portanto, parte
do universal para o
particular, enquan-
O ambientalismo de John Locke: a experiência to a indução parte
do particular para
precede a razão o universal. No
silogismo, se as pre-
No século XVII, a discussão entre inato e aprendido voltou a missas forem verda-
deiras, a conclusão
preocupar os filósofos, agora com outra denominação – racionalismo e também o será. Um
exemplo clássico de
empirismo, graças principalmente à divulgação das obras de Descartes silogismo é: Todos
(1596-1650), considerado o pai da filosofia moderna e defensor do ina- os homens são mor-
tais. José é homem;
tismo, ao qual se opôs o empirista inglês John Locke (1632-1704). logo, José é mortal.

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John Locke também defende a importância da experiência na


construção do conhecimento. Sua obra o destaca entre os filósofos empi-
ristas que abriram espaço para a ciência, junto com a filosofia. Para ele,
as ideias não são inatas, sendo a experiência a única fonte das ideias e
do conhecimento. A mente humana, no início, é um papel em branco
(ou uma tabula rasa) que vai sendo preenchido aos poucos, através das
experiências que nos chegam através das sensações. Para ele, a noção
de experiência não se refere apenas à sensação proveniente dos órgãos
dos sentidos, pois isso só implicaria um conjunto caótico de ideias na
mente, mas não um conhecimento da realidade. Para que cheguemos ao
conhecimento, é necessário que a mente realize certas operações. Através
da experiência interior, ou seja, da reflexão, a mente é capaz de perceber
suas próprias operações. As operações da mente – o pensamento, o racio-
cínio, a dúvida – são, também, uma fonte de ideias, embora estas não se
originem das coisas exteriores e sim dessas atividades interiores.
O conhecimento é, portanto, o resultado das operações que a
mente realiza com as ideias, tanto as oriundas da sensação, quanto aque-
las advindas da reflexão. Locke realiza um minucioso exame de todos os
tipos de ideias e operações da mente,  fazendo uma distinção entre ideias
simples e ideias complexas. Nas ideias simples, que constituem o material
primitivo do conhecimento, o espírito é passivo; nas ideias complexas, ele
é ativo. A experiência, portanto, envolve fenômenos externos (realizados
através da sensação, que gera representações dos objetos externos) e
fenômenos internos (obtidos através da reflexão).

!
As ideias simples resultam da experiência de qualidades sensoriais básicas
e da realização de reflexões simples. As ideias complexas abrangem várias
outras, que podem ser combinações de ideias simples e ideias comple-
xas. As ideias complexas, por sua vez, podem ser decompostas em ideias
simples, mas não o inverso.

É em sua obra Ensaio acerca do entendimento humano (1690)


que Locke formula sua teoria acerca da aquisição do conhecimento,
propondo que a experiência é a fonte do conhecimento, mas que este
se desenvolve, depois, por esforço da razão. A finalidade da filosofia,

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segundo sua visão, é essencialmente moral e cabe aos filósofos prover

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uma norma racional para a vida do ser humano. Ressalta a necessidade
de integrar o racional dentro de uma visão empirista. Ele tenta elaborar
uma g n o s i o l o g i a para encontrar um critério de verdade. Gnosiologia
Teoria do conheci-
mento. Volta-se para
reflexão em torno
da origem, natureza
e limites do ato do
conhecimento.

Figura 3.3: John Locke: 1632-1704.


Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/
File:John_Locke.jpg

A influência do empirismo de Locke na educação e


na concepção do ser humano

Quanto às suas ideias pedagógicas, Locke as compilou na obra


intitulada Pensamentos sobre a educação, publicada em 1693, em que
mostra como o pensamento empirista pode ser aplicado a todos os
aspectos da educação infantil. Nela ele afirma nossa passividade, pois
ao nascermos somos ignorantes e recebemos tudo da experiência. Ao
mesmo tempo, somos igualmente ativos, uma vez que nosso intelecto
constrói a experiência, ao elaborar as ideias simples.
Defende que o treinamento educacional deva iniciar-se cedo, pois
as crianças menores são mais maleáveis; um dos maiores erros dos pais,
para ele, era não tornar a mente dos filhos obediente à disciplina e suscetí-
vel à razão, justamente nesse período do desenvolvimento infantil. Como
a aprendizagem exige prática, as atividades devem ser repetidas.
Nos séculos XV a XVII, época em que o sistema disciplinar era
cada vez mais rigoroso, como aponta Ariès (1981), chegando a casti-
gos corporais humilhantes, aplicados a adultos e crianças, houve um

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incremento na concepção autoritária, absolutista de sociedade. Locke


destaca-se ao condenar o uso do castigo físico no processo educacional.
Acreditava que o castigo imposto porque uma criança não fizera seus
deveres, por exemplo, acabaria levando-a a ter aversão aos estudos.
Recompensas, como presentes, doces ou quaisquer privilégios, por sua
vez, deveriam ser evitadas, uma vez que a criança deve interessar-se pelo
processo educativo, despertando o amor ao mérito e ao que é correto.
Ele marca o início de novas atitudes em relação à criança – um ser que
demanda cuidados especiais para sua formação, vindo a influenciar o
conceito de educação no século XX.

Figura 3.4: A palmatória é um exemplo clássico de castigo corporal escolar. Os pro-


fessores puniam os alunos batendo com isto em suas mãos.

Em sua obra já se evidenciava uma defesa de uma teoria da apren-


dizagem baseada nas leis de associação, conforme formulara na obra
Ensaio acerca do entendimento humano. Como exemplo, cita o fato de
que, se dermos mel a uma pessoa até que ela sinta enjoo, da próxima
vez que ela sentir o cheiro de mel, ou escutar a palavra mel, ela sentirá
novamente náuseas. Não se conhecia, no entanto, como se formavam
tais associações, o que só começou a ser estudado cerca de dois sécu-
los mais tarde, através das duas teorias que marcaram a contribuição
pavloviana – as leis que regulam a aprendizagem por condicionamento
e as leis sobre a atividade nervosa superior – e, posteriormente, com a
difusão do behaviorismo (ou comportamentismo).
O livro I deste ensaio compreende a crítica ao inatismo, que para
Locke constitui uma doutrina fomentadora de preconceito e que leva ao
individualismo dogmático. No livro IV desta mesma obra, ele trata do
conhecimento, destacando a experiência como a única fonte possível das
ideias; o intelecto apenas combina as ideias percebidas pelos sentidos,

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ou seja, só depois a alma trabalha o material percebido. As ideias são

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o material do conhecimento e este nasce da percepção; o conhecimento
propicia conexões, semelhanças e diferenças entre as ideias.
Quanto à percepção da realidade, ela pode realizar-se de duas
maneiras: por intuição, que não necessita de prova, porquanto vem da
evidência imediata; por demonstração, que justamente deriva da capaci-
dade de o espírito perceber diferenças e semelhanças entre ideias, o que
se desenvolve por associação das intuições. Para John Locke, a certeza
de que Deus existe é mais absoluta que as impressões dos sentidos, ponto
em que ele concorda com o cartesianismo.
Para ele, todos os homens nascem iguais, todos são iguais por
natureza e por direitos. Todos usam a razão, que é um bem comum, e
são todos responsáveis pela construção da sociedade, devendo parti-
lhar os resultados da organização social, cabendo ao Estado garantir
o bem-estar geral. Afirma que o Governo não pode ser patriarcal nem
tirânico, nem deve estar baseado na fé ou na religião. Caso o Governo
falhe, o povo tem direito a promover uma revolução, pois o direito do
governante vem do povo. Locke é considerado o fundador do libera-
lismo constitucional, além de ser reconhecido, enquanto atuou, como
o filósofo moderno que possuía as opiniões filosóficas e políticas mais
bem definidas. Ele influenciou os pensamentos de David Hume e Berke-
ley, no século seguinte, enquanto Leibniz escreveu uma resposta a seus
Ensaios, propondo uma volta ao inatismo. Tais fatos demonstram como
as divergências fomentam estudos.
Além de sua teoria das ideias, portanto, ele dedicou-se à política,
defendendo a legitimidade da propriedade e o dever do Governo de
proteger esse direito, que é básico para a liberdade humana, sem deixar
de lado os tópicos tradicionais da filosofia: o Eu, o Mundo, Deus e as
bases do conhecimento. Para Locke, não há poder inato, nem os reis
possuem direitos políticos divinos. Uma boa ação deve seguir as nor-
mas morais, que são de três tipos: a divina, a política e a da opinião
pública. Sua influência foi grande, tanto em sua época, quanto mais
tarde, no século XVIII, quando iluministas franceses nele foram buscar
as principais ideias que culminaram com a Revolução Francesa, assim
como pensadores que colaboraram para a declaração da Independência
americana, em 1776.

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Figura 3.5: Quadros que remetem à Revolução Francesa e à Independência americana, respectivamente.
Fontes: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Eug%C3%A8ne_Delacroix_-_La_libert%C3%A9_guidant_le_peuple.jpg ;
http://en.wikipedia.org/wiki/File:Washington_Crossing_the_Delaware.png

ATIVIDADE

Atende ao Objetivo 1

1. Leia o texto abaixo, sobre inatismo, e tente estabelecer comparações


com as visões filosóficas de Aristóteles e de Locke.

A perspectiva inatista baseia-se em uma concepção de ser humano que


se originou na filosofia e, séculos após, passou a ser designada uma pers-
pectiva racionalista ou idealista. Nessa abordagem, o único meio para se
chegar ao conhecimento é por intermédio da razão,  que é inata, e portanto
imutável, sendo uma característica de todos os homens. Uma vez que seus
dons são de procedência divina, o ser humano, na teoria inatista, já nasce
pronto, não tem possibilidade de mudança, não recebe influências signifi-
cativas do social e nem age sobre este. Como a concepção de ser humano
é divina e biologicamente determinada, infere-se que a sociedade seja
hierarquizada e que cada um ocupe seu lugar segundo suas capacidades,
dificultando a mobilidade social.
O individual é mais valorizado que o social, criando maior competição e
maior discriminação, de acordo com as diferenças entre os indivíduos,
sejam elas determinadas por classe social, etnia ou gênero.

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Resposta Comentada
A visão ambientalista inicia-se com a visão aristotélica, segundo a
qual nossa mente nasce vazia de conteúdos, sendo preenchida pelas
experiências que nos chegam pelos sentidos. A fim de passar da
sensação para o pensamento, Aristóteles dá grande destaque ao
associacionismo, que posteriormente será desenvolvido por Locke.
Na perspectiva empirista, denominação que passou a substituir o
termo ambientalista, Locke faz críticas ao inatismo, que para ele
constitui uma doutrina fomentadora de preconceitos e que leva ao
individualismo. Para Locke, todos nascemos iguais, por nossa natu-
reza e temos, portanto, direitos iguais. Todos usamos a razão, que é
um bem comum, e somos corresponsáveis pela construção da nossa
sociedade. E cabe ao Estado garantir o bem-estar de todos.

O ambientalismo de Hume: um ser humano mais


sensível que racional

A contribuição de David Hume (1711-1776) foi no sentido de


reelaborar e ampliar a posição de Locke, que deixara em aberto a ques-
tão de como captamos as propriedades de um objeto. Embora Locke e
Berkeley tenham abordado a questão da associação de ideias, eles não
examinaram atentamente o fenômeno de como as experiências sensoriais
simples se aliam para criar formas complexas de conhecimento, ou seja,
como se dá o processo de associação. Este processo foi retomado mais
tarde, por diversos psicólogos da aprendizagem.

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Figura 3.6: David Hume, nascido em Edimburgo,


Escócia (1711-1776). O pensamento de Hume
possui ainda grande relevância na filosofia
atual, principalmente pelas suas contribuições
acerca do problema da causalidade.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:David_
Hume.jpg

Hume começa questionando o fato de que, quando observamos


que um evento provoca um outro evento, ou quando os dois eventos
estão próximos no tempo, isto faz com que pensemos que existe uma
conexão entre os dois. Ele diz que, se é óbvio que nos apercebemos de
dois eventos, não temos que, necessariamente, apreender uma conexão
entre os dois. É nossa percepção que����������������������������������
nos dá esta conexão que interpre-
tamos como causalidade.
É esta conjunção constante, assim como a expectativa que temos
sobre ela, que constituem tudo o que podemos saber da causalidade. A
causalidade é, portanto, inferida, o que minimiza a força que o termo
tivera nas ideias de outros filósofos. Na perspectiva de Hume, temos
uma crença na causalidade semelhante a um instinto, originado do
desenvolvimento de hábitos, em nossa mente. Esta crença não pode ser
eliminada, nem pode ser provada como verdadeira.
A base de sua investigação sobre a teoria do conhecimento é a
divisão dos objetos da consciência em duas classes: impressões e ideias.
As impressões correspondem aos dados fornecidos pelos sentidos, tanto

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os oriundos de dados externos (como o calor de uma fogueira), quanto

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de estados internos (como a dor provocada pelo contato com o fogo).
As ideias correspondem às representações, na memória, dessas impressões.
A ideia que nos vem da lembrança da queimadura é mais fraca do que
a impressão que tivemos na hora em que realmente nos queimamos. As
impressões são, portanto, o que de mais forte existe na nossa mente (são os
prazeres e as dores) e as ideias são reproduções ou cópias das impressões.

As ideias podem sofrer associações através de três fatores: pela seme-


lhança, pela contiguidade (no espaço ou no tempo) e pela causalidade.
A mais forte relação entre as ideias é a de causa e efeito, categoria de
relação que nos leva além de nossos sentidos e nos informa da existência
de objetos que não vemos nem sentimos. Como exemplo, o resultado de
uma colheita, embora esteja além da nossa experiência presente, pode
ser previsto pela relação de causa e efeito, pois se as condições climá-
ticas fazem as plantas crescerem, elas são as causas e a boa produção
constituirá o efeito.

Quanto à questão da indução e da dedução, Hume inicia sua


discussão a partir da crença de que o que nos aconteceu no passado
constitui uma orientação confiável para prevermos o futuro. Para ele,
há duas justificativas para isso, mas ambas seriam inadequadas:
• Caso façamos isso por necessidades lógicas de que o futuro tem
que ser semelhante ao passado, podemos pensar que a ordem
da natureza, por exemplo, pode mudar e o equilíbrio ambiental
pode ser rompido, tornando o mundo caótico;
• Caso o façamos usando uma justificativa mais simples (“o
mundo sempre foi assim e vai continuar desse jeito”), estamos
sendo redundantes, tautológicos, ou seja, explicando a causa
pelo efeito e este por aquela. Neste último caso, estamos usando
um raciocínio circular que provém de hábitos desenvolvidos
em nossa mente.
Os hábitos são difíceis de ser eliminados e constituem a base de
nossas crenças, as quais não podemos confirmar nem negar usando
qualquer tipo de raciocínio, seja indutivo ou dedutivo.

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Nesse ponto, é importante que você assista a um vídeo sobre


David Hume, intitulado Ser ou não ser, que explora inclusive
hábitos e crenças em relação à natureza e ao ambiente escolar.
O vídeo tem a duração de 7:45 min. e está disponível em:
http://paginasdefilosofia.blogspot.com/2009/10/sensacoes-
impressoes-e-ideias-em-david.html

As relações de causalidade ou de associação lógica são possíveis


entre as ideias, mas não são necessárias entre as impressões. O estudo
das relações predomina na obra de Hume. Ele discorda de Aristó-
teles, para quem as coisas possuem uma essência. Para Hume, cada
coisa é composta de outras coisas e as ideias simples juntam-se para
formar uma ideia complexa. Ele começa interrogando-se sobre o que
é o “eu”, o “espírito”, questionando como esse “eu” pode ser consi-
derado substância (algo estável, imutável), quando o que se percebe
desse “eu” são apenas impressões e ideias, em constante variação.
Com esta nova visão, conseguiu mudar a atenção de filósofos, que
passaram do estudo das essências (essencialismo) e das substâncias
para o estudo das relações.
Ao defender um empirismo extremo, Hume transforma as
representações do mundo, que perdem sua aparente estabilidade e
objetividade; o papel do cientista não mais seria propor hipóteses que
tentassem verificar a ordem dos fenômenos, nem sua universalidade.
Nossas representações acerca do mundo e acerca do ser humano não
são mais do que os produtos de experiências subjetivas e de hábitos
bem estabelecidos. Segundo Figueiredo (2002, p. 110), David Hume
e George Berkeley (1685-1753) desvendaram aquilo que podemos
chamar de a fábrica psicológica do mundo: associações arbitrárias
mas regulares entre ideias sensoriais, ou impressões, geram o mundo
supostamente objetivo e autônomo, ou melhor, nossa experiência e
conhecimento do mundo.

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A concepção de ser humano se modifica; ele passa a ser visto como pro-
duto do meio em que vive, de suas experiências e dos condicionamentos
que recebe. O homem passa a ser cada vez mais concebido como um ser
extremamente plástico, que desenvolve suas características em função
das condições presentes no meio em que se encontra (DAVIS, 1990).

Fonte: http://www.sxc.hu/photo/68669

Hume chega à conclusão de que todos os fatos são exteriores entre


si. Não há nada de interior e intrínseco que os relacione necessariamente
uns aos outros, daí defender que a relação de causalidade é apenas uma
crença baseada no hábito. O filósofo mostra que os homens associam ideias
e acreditam nessa associação por força do hábito ou costume. O costume,
no entanto, não é a repetição de experiências semelhantes por parte de um
único indivíduo, mas de muitos, ou seja, há um aspecto coletivo no costu-
me. Mesmo quando se tem um prazer individual e esse prazer foge ao que
é costume, que é diferente dos que são aprovados social e culturalmente,
passa-se a ter dúvidas sobre este comportamento singular.
Na realidade, a ideia de causalidade, para ele, não existe de fato,
senão o peso do meu hábito e da minha expectativa, como acontece quando
espero a ebulição da água que coloquei no fogo. A expectativa não possui
base racional. Qualquer coisa pode produzir qualquer coisa, diz Hume.
Se a causalidade é explicada por uma ilusão psicológica, ela não possui
qualquer valor de verdade. Seu empirismo, portanto, representa um ceti-
cismo. Para Figueiredo (1991, p. 119), a dialética do empirismo, ao por em
questão as ideias inatas, resultava no ceticismo que diluía a certeza acerca
do mundo e a certeza acerca do sujeito, restando apenas as sensações e os
nomes inventados para designar conjuntos de sensações.

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O termo ceticismo refere-se a uma corrente filosófica que defende a ideia


da impossibilidade do conhecimento de qualquer verdade. Foi criado na
Antiguidade, por um filósofo grego chamado Pirro de Élis, que rejeitava
qualquer tipo de dogma (afirmação considerada verdadeira sem comprova-
ção). A dúvida é o principal mecanismo do ceticismo e todo conhecimento é
relativo, pois depende da realidade da pessoa que o possui e das condições
do objeto que está sendo analisado. Como as visões do mundo, as crenças,
valores, costumes e ideologias mudam em cada período da história, os
céticos acreditam ser impossível estabelecer o que é real e irreal, correto
e incorreto, o que os faz defenderem uma postura de neutralidade em
todas as questões, de indiferença, abstendo-se de julgamentos de valor.
Uma das instituições que mais questiona o ceticismo é a religião. Há duas
formas de ceticismo: o filosófico e o cientifico, que seguem basicamente a
mesma linha: o primeiro, avaliando os pensamentos; o segundo, tentando
encontrar explicações para as pesquisas científicas.

Fonte: http://pt.wikipedia.
org/wiki/Ficheiro:Question_
mark.png

Face à impossibilidade de enumerar todas as causas dos fenôme-


nos, o pensamento indutivo – que parte do singular para tentar atingir
o geral – fica inviabilizado como um caminho possível para alcançar a
verdade. Tal constatação faz da ciência algo que não pode ser executa-
do. A vinculação entre causa e efeito, tida como lógica e necessária, é
decorrente de crenças e não pode ser considerada uma inferência lógica
válida. Se A sempre for seguido de B, tendemos a considerar que A é a
causa de B, o que representa uma ilusão de causa e efeito.
Ele usa o termo crença em um sentido estrito, como algo ligado
a um fato ou a qualquer coisa existente, e reivindica ter sido o primeiro
pensador a investigar a natureza da crença. Usa este termo em sentido
estrito, de crença em termos de qualquer coisa existente. Ele afirma que
os eventos são relacionados causalmente e que, no futuro, serão relacio-
nados da mesma forma como o eram no passado, porque acreditava que
essas são crenças naturais, que não serão extintas, porque representam
propensões da natureza humana.

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O conhecimento científico, para ele, é um conhecimento irracional,

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uma vez que se baseia em crenças, as quais não possuem estrutura lógica
através da dedução. Seu ceticismo não consiste na negação da crença,
mas da evidência, concluindo que o ser humano caracteriza-se mais como
um ser de percepção sensível do que como um ser racional.
Finalmente, podemos dizer que Hume sistematizou a abordagem
associacionista. A investigação de Hume coloca em questão o status do
conhecimento, mas não a objetividade do mundo (FIGUEIREDO, 2002).
Opondo-se às filosofias cartesianas e às que consideravam o
espírito humano através de um ponto de vista teológico-metafísico,
o empirismo radical de Hume abriu caminho à utilização do método
experimental para o estudo dos fenômenos mentais, embora ele criticasse
o princípio da causalidade, que é a base das hipóteses a serem testadas
pela experimentação.

ATIVIDADE

Atende aos Objetivos 1 e 2

2. Esta atividade consiste em analisar alguns dos temas apresentados no


vídeo Ser ou não ser, sob a ótica de Hume. Você se lembra do garoto que
conhecia o mundo pela internet, sem nunca ter tido contato com os locais
e os fatos vistos na tela do computador? E dos passeios pelos campos,
feitos pelas crianças? Quanto aos relatos de alunos em sala de aula, que
relações teriam com a visão de mundo de David Hume?

Resposta Comentada
As impressões são mais fortes, mais nítidas que as ideias, que se
originam das primeiras. A ideia que uma das crianças tem de outros
países ou de lugares que só conheceu pela internet mostra como ela
própria sabe que, se os visse pessoalmente, suas ideias sobre eles
poderiam mudar. A busca por explorar o meio ambiente, observar o
que ainda é desconhecido, à procura de novas impressões e forma-
ção de novas ideias é uma preocupação dos adultos que orientam as
crianças. Na sala de aula, as ideias que circulam sobre determinados
alunos demonstram aquilo que Hume chama de consenso e que,

CEDERJ 51
Psicologia e Educação | As concepções de homem relacionadas ao desenvolvimento humano:
o ambientalismo

como ideias compartilhadas, acabam tornando-se estereótipos que


servem à discriminação social. O professor pode tentar aumentar a
autoestima dos alunos, mostrando crença na capacidade que eles
têm de superar seus problemas de desempenho.

O empirismo firma-se ainda mais na Inglaterra –


Stuart Mill

Ainda dentro da tradição empirista, temos a contribuição do


filósofo e economista inglês John Stuart Mill (1806-1873), para o qual
a experiência constitui a base dos processos mentais. A partir dela, são
formadas as representações, que, por sua vez, formam as associações e,
por fim, surgem as ideias.
Dentro de sua visão, toda ciência deve voltar-se para a experiência,
uma vez que toda ideia e todo conhecimento encontram-se circunscritos
aos limites daquilo que é vivenciado. Os estudos baseados na experiência
devem ser efetuados tanto para a lógica e as ciências matemáticas, quanto
para as ciências humanas.
No campo da lógica, Mill contribuiu para a radicalização do papel
da indução, pois todo conhecimento seria formado a partir do acúmulo
de impressões, que são da ordem particular, do individual. Para ele,
também o pensamento dedutivo, mesmo em sua forma clássica, o silo-
gismo, possui um fundamento indutivo. A premissa geral, no silogismo,
expressa uma característica que, apesar de coletiva, é inferida a partir
de indivíduos, ou seja, do particular para o geral. Somente através da
indução chegar-se-ia ao conhecimento.
A indução deve ser o método utilizado também nas ciências huma-
nas, embora estas lidem com fenômenos mais complexos, que implicam
um número maior de variáveis a serem investigadas.
Mill opõe-se ao positivismo de A. Comte, que será visto a seguir,
na medida em que defende que a Psicologia é uma ciência independente
e que ela deve oferecer os fundamentos para os estudos do ser humano  
e da moralidade. Para ele, a Psicologia forneceria as bases para as demais
ciências morais.

52 CEDERJ
3 
AULA 
Figura 3.7: John Stuart Mill (1806-1873) foi
um filósofo e economista inglês, e um dos
pensadores liberais mais influentes do século
XIX. Foi um defensor do utilitarismo, a teoria
ética proposta inicialmente por seu padrinho,
Jeremy Bentham.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:JohnStuart
Mill.jpg

Entre o empirismo e o racionalismo: o positivismo


inicial

Como reação ao idealismo, ou seja, unificação da experiência


mediante a razão, surge outro movimento: o positivismo, que se carac-
teriza por limitar-se à experiência imediata, pura, sensível, como já fizera
o empirismo. O positivismo aparece como uma proposta a ser colocada
no lugar do idealismo da primeira metade do século XIX, como uma
reação ao apriorismo, ao exigir maior respeito para os dados da realidade
objetiva. Embora o positivismo não tenha a riqueza filosófica de outras
abordagens, o seu maior valor está na análise objetiva da experiência,
o que fez com que se difundisse por toda a Europa, face à sua aplicação
na prática e na tecnologia.
Em um período em que a produção de bens materiais se intensifi-
cava, procurava-se uma base filosófica mais positiva, mais materialista,
que fundamentasse as ideologias vigentes, a busca de resultados práticos
para a produção de bens influenciaram o desenvolvimento das ciências
naturais. A filosofia acabou sendo reduzida à metodologia e à sistema-
tização das ciências.

CEDERJ 53
Psicologia e Educação | As concepções de homem relacionadas ao desenvolvimento humano:
o ambientalismo

O positivismo surgiu na França, com Auguste Comte (1798-


1857), ganhando força na segunda metade do século XIX e no começo
do XX, quando suas ideias chegaram ao Brasil. Defende a ideia de que
o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro
e que só se pode afirmar que uma teoria é correta se ela for comprovada
através da metodologia científica. Para os positivistas, o progresso da
humanidade depende tão somente dos avanços científicos.
No início do século XIX, as descobertas científicas e os avanços
técnicos faziam crer que o homem podia dominar a natureza e este era
um campo fértil para o nascimento de uma corrente filosófica que pudesse
se contrapor às abstrações da teologia e da metafísica. O positivismo,
enquanto ideologia e movimento filosófico, foi fundado por Auguste
Comte (1798-1857), que trabalhou com Saint-Simon, de quem seguiu
a orientação para o estudo das ciências sociais: os fenômenos sociais,
assim como os físicos, podem ser reduzidos a leis; todo conhecimento
científico e filosófico deve ter como finalidade o aperfeiçoamento moral
e político da humanidade.
O positivismo é produto direto de sua época, tendo sido influencia-
do pela Revolução Industrial, já plenamente realizada, e pelo nascimento
e desenvolvimento crescente das ciências experimentais, que ocupavam
o espaço anteriormente ocupado pela especulação racionalista.

Figura 3.8: Auguste Comte (1798-1957).


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/
Ficheiro:Auguste_Comte.jpg

54 CEDERJ
Comte escreveu diversos livros, como Curso de Filosofia Posi-

3 
AULA 
tiva, sua principal obra, composta de seis volumes, publicados entre
1830 e 1842. No livro Política Positiva, ou Tratado de Sociologia,
(1851-1854), cria uma nova religião: a religião da humanidade, que
deveria substituir a Igreja. Na segunda fase de sua vida, esforça-se
por transformar a ciência em religião, assim como na primeira fase
procurou transformar a ciência em filosofia.
O positivismo sofreu influência de diversos movimentos do século
XVIII, dos quais destacaremos dois: o empirismo radical de David Hume,
que priorizava a experiência no processo do conhecimento; o Iluminismo, Iluminismo
com sua crença no progresso da humanidade por meio da razão. Em termos histó-
ricos, refere-se à
Comte nunca se declarou a favor de um empirismo radical e era dos iluministas,
que pertenciam a
colocava o positivismo entre o empirismo (a experiência direta do
uma corrente filo-
fato) e o racionalismo, que ele denominava de misticismo. Para ele, o sófica que dava
valor absoluto à
saber científico depende tanto de dados empíricos como de elaboração Razão e desprezava
qualquer forma de
racional, pois a realidade não nos é dada diretamente pela sensação; os crença religiosa; em
dados precisam ser complementados pela ação do intelecto. É o espírito filosofia, refere-se à
concepção pela qual
que elabora os dados originados nos órgãos dos sentidos e os organi- a inteligência do ser
humano necessita
za, criando uma imagem de mundo que é formada tanto de elementos da assistência divi-
empíricos quanto racionais. na para alcançar o
conhecimento.
Segundo Gadotti (2001), o positivismo tem como base teórica
três pontos capitais:
• todo conhecimento do mundo material decorre dos dados
“positivos”, oriundos da experiência, e é somente a eles que o
investigador deve se ater;
• existe um âmbito puramente formal no qual se relacionam as
ideias, que é o da lógica pura e da matemática;
• todos os conhecimentos tidos como “transcendentes”, oriundos da
metafísica, da teologia ou da especulação acrítica, estão além de
qualquer verificação prática e, portanto, devem ser descartados.
Para Comte, uma verdadeira ciência deve analisar todos os fenô-
menos, incluindo os humanos, como fatos. Tanto nas ciências naturais
quanto nas humanas, deve-se afastar todo preconceito e todo pressuposto
ideológico, uma vez que ciência e cientistas devem ser neutros.

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Psicologia e Educação | As concepções de homem relacionadas ao desenvolvimento humano:
o ambientalismo

O positivismo e a humanidade: da fé em Deus à fé


na ciência

A filosofia de Comte está descrita em sua obra Curso de Filosofia


Positiva (1830-1842), na qual apresenta a lei dos três estados ou etapas
do desenvolvimento intelectual da humanidade:
• o primeiro é o estágio teológico, no qual o ser humano explica
os fenômenos da natureza através de entes sobrenaturais ou
divindades, até chegar a um Deus único, base das religiões
monoteistas;
• o segundo estágio é o metafísico, no qual o mundo sensível
não é explicado por fatores ou seres exteriores a ele, mas por
conceitos imanentes e abstratos (formas, ideias, potências,
princípios);
• finalmente, o terceiro estágio – o positivo – é alcançado quando
o ser humano limita-se a descrever os fenômenos e a estabelecer
“as relações constantes de semelhança e sucessão entre eles”;
consiste no estágio atual, em que se buscam as leis científicas.
Desta lei dos três estágios, Comte deduz o sistema educacional, o
qual deve considerar as fases históricas por que passou a humanidade,
pois elas reproduzir-se-iam em cada ser humano:
• Na primeira fase, a aprendizagem não teria um caráter formal;
o fetichismo inicial e natural desta fase deve, gradativamente,
transformar-se em uma concepção abstrata do mundo.
• Na segunda fase, que inclui a adolescência e a juventude, o ser
humano entraria em preocupações teológicas e no estudo sistemá-
tico das ciências, portanto, através de uma educação formal.
• Finalmente, ao chegar à idade madura, o homem atingiria o
estado positivo, sem um Deus abstrato e abraçando a religião
do grande ser, que é a humanidade. A solidariedade humana
seria formada através da educação.
Segundo o pensamento social de Comte, as leis naturais regeriam a
sociedade e a política deveria ser uma ciência exata. Para Gadotti (2001),
o positivismo representou a doutrina que tentara consolidar a ordem
pública, mas a lei dos três estágios não foi compatível com a evolução
dos educandos, que não seguiam as previsões de Comte: nem as crianças
imaginavam forças divinas para explicar o mundo, nem os jovens se
dedicavam a abstrações metafísicas. Ainda para este autor:

56 CEDERJ
O positivismo, cuja doutrina visava à substituição da manipulação

3 
mítica e mágica do real pela visão científica, acabou estabelecendo

AULA 
uma nova fé, a fé na ciência, que subordinou a imaginação científica
à pura observação empírica. Seu lema sempre foi ordem e progresso.
Acreditou que, para progredir, é preciso ordem e que a pior ordem
é sempre melhor que qualquer desordem. Portanto, o positivismo
tornou-se uma ideologia da ordem da resignação e, contraditoria-
mente, da estagnação social (GADOTTI, 2001, p. 110).

Conclusão

Tanto o ambientalismo quanto o inatismo radicais caminham na


direção de concepções autoritárias de exercício de poder.  Em suas formas
radicais, enquanto o inatismo biológico esteve associado ao elitismo,
ao racismo, à política da direita, ao colonialismo e à hierarquização da
sociedade, o ambientalismo também influenciou diversas áreas. Segundo
Marilena Chauí (1999), a dicotomia inatismo-ambientalismo teve, como
consequência, uma tendência ao ceticismo, à dúvida quanto à possibili-
dade de um conhecimento racional, verdadeiro.
Em função das premissas teóricas do positivismo, resultaram
concepções morais hedonistas e utilitárias, além do surgimento de novos
sistemas políticos e econômicos, como a democracia moderna. Como a
realidade física é a única que existe, a única cognoscível, os valores espiri-
tuais, a metafísica e a filosofia são todos relegados a um segundo plano.
Severas críticas têm sido feitas à ciência mecanicista, um ideal do
positivismo, críticas estas que provêm de dentro do próprio âmbito das
ciências positivas, originando uma tendência atual em direção ao que se
tem denominado pós-positivismo. Segundo este, não há relações causais
inequívocas entre os fenômenos; todas as entidades envolvidas estão
em estado de moldagem recíproca, sendo impossível detectar causas e
efeitos. Na Psicologia, observa-se o aumento de novos“saberes” e novos
“fazeres” (BONFIM, 1992).
Nenhuma pesquisa é independente dos valores do observador.
Afirmar a neutralidade da ciência é não aceitar que, em uma investigação,
pelo menos cinco aspectos são influenciados pelos valores do pesquisador:
a escolha dos problemas a serem estudados; a escolha do paradigma que
orientará o estudo; a teoria escolhida para orientar a pesquisa; os valores
inerentes ao contexto; finalmente, a investigação ou será ressonante ou
dissonante desses valores.

CEDERJ 57
Psicologia e Educação | As concepções de homem relacionadas ao desenvolvimento humano:
o ambientalismo

O positivismo pós-moderno tem cada vez mais adeptos, inclusive


através de pesquisas que comprovam a influência de múltiplas variáveis
sobre as investigações, dando lugar a outras interpretações do mundo,
em geral, e do ser humano, em particular. Cada vez mais se percebe a
necessidade de contextualização de estudos e pesquisas (JURBERG,
2000); o objetivo não é explicar, mas compreender a forma pela qual se
alcança o conhecimento.
Como profissionais ligados à área pedagógica, seria atender à
necessidade de “multirreferencialidade” nas ciências, como defende
Barbosa (1998).

Atividade Final

Atende aos Objetivos 2 e 3

Agora que você teve contato com as duas perspectivas – inatismo e ambientalismo
– vamos tentar aplicá-las na educação e no desenvolvimento humano. Para
isso, assinale, ao lado de cada afirmação, as letras I ou A, caso se trate de uma
proposição inatista ou ambientalista.

a. ( ) A aprendizagem depende do desenvolvimento das aptidões e


potencialidades do indivíduo, tendo o professor o papel de facilitar que
os dons de seus alunos manifestem-se, que floresçam naturalmente.

b. ( ) Aprendizagem e desenvolvimento são termos praticamente sinônimos,


pois ocorrem simultaneamente; o desenvolvimento nada mais seria
do que o resultado final das respostas aprendidas e das consequentes
mudanças de comportamento.

c. ( ) Quanto menor a interferência do professor, maior será a criatividade


do discípulo. No campo educacional, tal concepção do ser humano
influenciou diferentes tipos de pedagogia, desde o imobilismo ao
espontaneísmo.

d. ( ) Lançando mão de incentivos que gerem motivação, o professor estimula


o ritmo e a eficácia da aprendizagem, o que pode resultar em um
diretivismo excessivo, de sua parte. Nessa abordagem, seus postulados
podem servir para legitimar e justificar práticas pedagógicas como o
assistencialismo, o conservadorismo e o tecnicismo.

58 CEDERJ
e. ( ) Na área da educação, as técnicas de ensino são mais valorizadas e tenta-se

3 
AULA 
propiciar o maior número de estímulos e informações, colocando escola
e professor como responsáveis pelo bom desempenho e desenvolvimento
do aluno.

f. ( ) Certas pedagogias atribuem o sucesso ou o fracasso escolar unicamente


ao aluno, uma vez que as diferenças entre eles não poderão ser
superadas, isentando escola e professor de qualquer responsabilidade.

g. ( ) Não há preocupação em prover situações em que o aluno possa


desenvolver sua criatividade espontaneamente, mas uma valorização
da quantidade de informação retida e de associações efetuadas.

Resposta comentada
As afirmações que pressupõem atributos inatos aos seres humanos, deixando que
a educação transcorra de forma espontânea, denotam uma visão inatista (é o caso
das questões contidas nos itens a, c, f).
As afirmações que atribuem todo o desenvolvimento do ser humano às experiências
vivenciadas, ou seja, a fatores do ambiente, responsabilizam e supervalorizam o
papel dos pais, dos educadores e da própria sociedade; tal visão ambientalista está
presente nos itens b, d, e f.

R E SUMO

Esta aula poderia ser resumida em uma frase: da fé em Deus à fé na experiência,


depois à fé na razão e, finalmente, à fé na ciência.
No que se refere ao ambientalismo, depois denominado empirismo, vimos que ele
inicia-se trezentos anos antes da era cristã, com a visão aristotélica, que enfatizava o
papel das sensações para que o homem chegasse ao conhecimento. A passagem das
sensações (originadas no corpo) para o pensamento dar-se-ia através de associações:
relacionamos os objetos que estão próximos, seja no tempo ou no espaço.
Com o passar dos séculos, a dicotomia alma x corpo passa a caracterizar a separação
entre o empírico e o racional. Dentro da visão empirista, destacam-se as contri-
buições de John Locke, no século XVII, o qual enfatizava o papel da experiência
na construção do conhecimento humano. As vivências seriam a única fonte das

CEDERJ 59
Psicologia e Educação | As concepções de homem relacionadas ao desenvolvimento humano:
o ambientalismo

ideias e, portanto, do conhecimento acerca do mundo. As ideias não têm origem


exclusiva na experiência exterior, através dos próprios objetos, mas podem originar-
se de operações da mente, pelo uso da reflexão.
No século seguinte, o ambientalismo de D. Hume tenta preencher a lacuna deixada
por Locke, em relação ao processo pelo qual as experiências simples aliam-se para
criar formas complexas de conhecer. Para resolver a questão, ele divide os objetos
da consciência em duas classes: as impressões, causadas pelos objetos, e as ideias,
que são os correspondentes, na memória, das impressões. Para ele, as relações de
causalidade não existem no nível das ideias; critica o princípio de causa e efeito,
considerando-o uma crença, com a qual nos habituamos, pela associação. O conhe-
cimento científico, portanto, baseado na causalidade, é impossível.
Finalmente, os séculos XIX e XX são marcados, respectivamente:
– pelo empirismo inglês de Stuart Mill, para quem também a experiência é a
base dos processos mentais, que criam as representações que, por sua vez,
formam as associações, das quais emergem as ideias. A ciência deve basear-se
na experiência e o método a ser utilizado deve ser o indutivo, uma vez que o
conhecimento do indivíduo forma-se a partir do acúmulo de suas impressões;
pelo positivismo de A. Comte, aplicando-o à sociedade, que deveria seguir as
leis naturais, e à política, que deveria ser também uma ciência exata;
– pelo positivismo moderno e pós-moderno; o primeiro, priorizando o pressu-
posto da causalidade e a crença na neutralidade do pesquisador; o segundo,
reconhecendo a complexidade dos fenômenos e defendendo a necessidade de
contextualizar os estudos acerca do desenvolvimento humano.

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