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ARTIGO DE REVISÃO

Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo
2007; 52(3):94-9

Disfunção sexual feminina: a importância do conhecimento e


do diagnóstico pelo ginecologista
Women’s sexual dysfunction: the importance of the gynecologist’s knowledge

Imacolada Marino Tozo1, Sônia Maria Rolim Rosa Lima2, Nelson Gonçalves3, José Cássio de Moraes4,
Tsutomu Aoki5

Resumo estudadas a disfunção sexual feminina, sua


prevalência e impacto na qualidade de vida da mulher
A Organização Mundial de Saúde referenda a sexua- analisando os aspectos psicológicos das disfunções
lidade como sendo uns dos indicadores de qualidade sexuais, as expectativas da mulher frente a consulta
de vida. Sexualidade é uma experiência total sensori- ginecológica e a abordagem do ginecologista.
al envolvendo tanto aspectos mentais quanto corpo- Conclusão: As disfunções sexuais femininas têm alta
rais – não somente genitais. A Sexualidade é moldada prevalência entre os transtornos da sexualidade, aco-
pelos valores individuais, atitudes, comportamentos, metendo cerca de 20% a 40% das mulheres com idade
aparência física, crenças, emoções, personalidade, de 18 a 59 anos. Há poucos estudos relacionados a
empatia, aversão e crenças espirituais, assim como as abordagem diagnóstica e ao tratamento inicial pelo
diferentes influências exercidas pelo meio social. Ela é ginecologista. Quando o manejo desta problemática
dinâmica e mutável, variando com o tempo e com o na consulta ginecológica não é adequado acarreta uma
grupo social, sendo que muito do que fora proibido ou série de reveses vivenciados pelas mulheres como rai-
considerado anormal em épocas anteriores, hoje pas- va, desamparo, angústias, medos, diminuição da auto-
sou a ser permitido e absolutamente normal. A sexua- estima comprometendo o exercício da sua sexualida-
lidade não pode ser entendida dicotomizando-se os de e conseqüentemente o relacionamento do casal.
componentes biológicos, psicológicos e socioculturais. Compreender e abordar este tema deve fazer parte da
As mulheres esperam que seus ginecologistas tenham rotina de atendimento à saúde da mulher, contribuin-
indispensável embasamento para oferecer informações do para uma melhor qualidade de vida.
e agenciar resoluções de suas queixas sexuais. A gran-
de maioria dos ginecologistas, no entanto, não foi pre- Descritores: Disfunções sexuais psicogênicas/diagnós-
parada adequadamente em sua formação acadêmica tico, Sexualidade/psicologia, Ginecologia.
para atender queixas sexuais.
Métodos: Análise de artigos relevantes onde foram Abstract

Introduction: Sexual healthy is an important part of


quality of life as well recognized by World Health
1. Psicóloga; Pós-graduanda em Ciências da Saúde pela Faculdade
Organization. Sexuality is a total sensory experience,
de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
2. Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa involving the whole mind and body - not just the
Casa de São Paulo. (Departamento de Ginecologia e Obstetrícia) genitals. Sexuality is shaped by a person’s values,
3. Professor Instrutor Faculdade de Ciências Médicas da Santa attitudes, behaviors, physical appearance, beliefs,
Casa de São Paulo; Chefe do Setor de Sexologia do Departamento emotions, personality, likes and dislikes, and spiritual
de Obstetrícia e Ginecologia da Irmandade da Santa Casa de Mise- selves, as well as all the ways in which one has been
ricórdia de São Paulo. socialized. The definition of what is normal varies
4. Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa with different cultures and societies. Female sexuality
Casa de São Paulo. (Departamento de Medicina Social) is a complex behavior that is poorly understood;
5. Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa
emotional, psychological, and physiological factors
Casa de São Paulo; Diretor do Departamento de Obstetrícia e Gine-
cologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo seem to influence the sexual function. Women hope that
Trabalho realizado: Introdução parcial do trabalho desenvolvido gynecologists have knowledge to understand and treat
para obtenção do título de Mestre em Ciências da Saúde pela Facul- their sexual dysfunctions, but unfortunately they are
dade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo not usually prepared adequately.

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Design: We analyze several studies on prevalence, ta sexual (Kaplan, 1978; Masters, Johnson 1984;
quality of life, psychological aspects and gynecologist Cavalcanti, Cavalcanti, 2006).
approaching on female sexual dysfunction. A disfunção sexual pode ser decorrente de fatores
Conclusions: Female sexual dysfunction is of high físicos, psicológicos ou sociais; sendo que muitos pro-
prevalence and affecting 20% to 40% of women blemas sexuais são resultantes de uma combinação
between ages 18 and 59. There are few publications in desses fatores.
initial approaching by gynecologists. As result of an A disfunção sexual pode ser entendida como
inadequate treatment there might occur serious sexu- síndrome clínica, transitória ou permanente, caracte-
al and psychological problems, such as anger, sadness, rizada por queixas ou sintomas sexuais, que resultam
fears and low self-esteem, compromising their em insatisfação sexual, decorrendo de bloqueio parci-
sexuality and relationship. Health care providers need al ou total da resposta psicofisiológica, evidenciada
to be aware of the problems associated with sexual no desejo, na excitação e no orgasmo. A mulher pode
function and provide appropriate counseling and experimentar também a dificuldade ou mesmo a im-
unbiased support. possibilidade da penetração vaginal, nos casos de
vaginismo ou dispareunia (Gonçalves, 2005).
Key words: Sexual dysfunctions, psychological/ O Manual de diagnóstico e Estatística das Desor-
diagnosis; Sexuality/psychology; Gynecology dens Mentais – DSM-IV (American Psychiatry
Association, 2002), e a Classificação Internacional de
Introdução Doenças - CID-10, Organização Mundial da Saúde
(1993) consideram a resposta sexual humana na asso-
A sexualidade é um dos indicadores de qualidade ciação entre os modelos de Kaplan, (1977), Masters,
de vida. Ela influencia pensamentos, sentimentos, Johnson (1984) e enfatizando que a resposta sexual
ações e integrações, portanto, a saúde física e mental. consiste em uma seqüência temporal e coordenada de
A saúde sexual é a relação dos aspectos sociais, um conjunto de quatro etapas e que envolvem com-
somáticos, intelectuais e emocionais de maneira com ponentes psicológicos e somáticos: Desejo ou Apetên-
influência direta positiva na personalidade e a capa- cia, excitação, orgasmo e resolução ou relaxamento.
cidade de comunicação com outras pessoas. Se saúde O desejo ou apetência é a vontade de participar
é um direito humano fundamental, a saúde sexual da atividade sexual. Ele pode ser desencadeado por
também deve ser considerada como direito humano pensamentos ou por sinais verbais ou visuais, sendo
básico (World Health Organization, 2002). um estágio mais subjetivo, onde entram as caracterís-
Durante o 14º Congresso Mundial de Sexologia ticas individuais. Os demais estágios apresentam
realizado em Hong Kong em 1999, a Assembléia Ge- manifestações orgânicas mais objetivas, manifestadas
ral da WAS (World Association for Sexology), apro- pelo binômio vasocongestão/ reação miotônica. A fase
vou várias emendas para a Declaração de Direitos de excitação sexual corresponde a um estado de agi-
Sexuais, propostas em Valência, no 13º Congresso tação ou inquietação sexual crescente, havendo pre-
Mundial de Sexologia, em 1997. Dentre elas o direito dominância de ação do sistema nervoso paras-
à saúde sexual que deve estar disponível para a pre- simpático, o qual determina vasodilatação generali-
venção e o tratamento de todos os problemas, inquie- zada e, sobretudo pélvica. Assim, o fluxo sangüíneo
tações e transtornos sexuais. na área genital aumenta, caracterizando um aumento
A resposta sexual é controlada por uma interação do volume clitoriano, congestão dos lábios genitais e
delicada e equilibrada entre todas as partes do siste- aumento da transudação vaginal. O orgasmo é o pico
ma nervoso, podendo facilmente ser interrompida por ou clímax da excitação sexual, sendo objetivamente
afetos negativos ou por conflitos e inibições de ordem caracterizado pelo quadro miotônico das contrações
física ou psicológica. O ciclo sexual é constituído por musculares reflexas. Subjetivamente é marcado pela
componentes distintos ou fases em seqüência, sendo grande sensação de prazer sexual, calor e perda fugaz
que cada fase tem sua própria neurofisiologia, haven- da acuidade dos sentidos com sensação de desliga-
do, no entanto, um órgão central comum, o cérebro, mento do meio externo. No campo neurológico, há
coordenador e integrador das diversas fases. O siste- predominância de ação do sistema nervoso simpáti-
ma nervoso parassimpático, regula o aumento do flu- co. O estágio de relaxamento ou resolução caracteri-
xo sangüíneo durante a excitação sexual. O sistema za-se pelo progressivo retorno do organismo às con-
nervoso simpático controla principalmente o orgas- dições basais. Há uma constatação objetiva do relaxa-
mo. Uma anormalidade do fluxo sangüíneo à vagina, mento muscular e da descongestão sangüínea, en-
como por exemplo, uma lesão física de qualquer um quanto subjetivamente é marcada pela sensação de
dos órgãos genitais, um desequilíbrio hormonal ou o alivio e cansaço, com retorno à plenitude sensorial.
uso de certos medicamentos pode interferir na respos- Masters, Johnson (1984).

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Basson (2001) apresentou uma nova alternativa à priado identificar situações em que a problemática
resposta sexual feminina, considerando a seqüência sexual não ocorre, como na masturbação, determina-
do modelo tradicional tetrafásico aplicável apenas às do local, e mesmo com outro parceiro.
mulheres no início de seu relacionamento sexual,
enfatizando que as mulheres valorizam mais a inti- Outros fatores podem ser considerados para indi-
midade do que propriamente a estimulação sexual fí- car aspectos etiológicos associados com a disfunção:
sica. Muitas mulheres iniciam o ato sexual, com neu- Fatores psicológicos: aplicam-se quando existem
tralidade, sem suficiente entusiasmo e interesse; de- bloqueios emocionais, recentes ou remotos, que im-
sejando apenas aproximação física e carinho, e quan- pedem a boa performance sexual, resultando freqüen-
do isto ocorre, a mulher vai experimentando satisfa- temente em inadequações sexuais, caracterizadas pela
ção emocional e se tornando disponível e desperta desarmonia consigo própria ou com o parceiro.
para o sexo. Fatores combinados: aplicam-se quando ocorrem
fatores psicológicos que supostamente desempenham
Disfunções Sexuais: Causas papel no início, na gravidade, na exacerbação ou na
manutenção da disfunção sexual e existe uma condi-
A Classificação Internacional de Doenças em sua ção médica geral ou uso de medicamento concomitante.
décima edição (CID-10) caracteriza a resposta sexual Considerando-se a natureza mista da resposta se-
como um processo psicossomático e ambos os pro- xual humana e, conseqüentemente, das disfunções
cessos, psicológico e somático, estão usualmente en- sexuais, em outubro de 1999, durante Congresso In-
volvidos na causa de disfunção sexual, sendo esta úl- ternacional de Disfunção Sexual Feminina*, realizado
tima definida como: “os vários modos em que o em Paris, estabeleceu-se um consenso para classificar
individuo é incapaz de participar da relação sexual os distúrbios sexuais femininos em:
como ele desejaria”; seja por falta de interesse, falta
de prazer, por falha das respostas fisiológicas neces- I. Distúrbios do desejo sexual
sárias para a interação sexual efetiva (ereção) ou, ain- A. Desejo sexual hipoativo
da, por incapacidade de controlar ou experimentar o B. Aversão sexual
orgasmo. O diagnóstico é clínico, baseado na
anamnese e exame ginecológico. (Organização Mun- II. Distúrbios da excitação sexual
dial da Saúde, 1993).
As disfunções sexuais podem ser causadas por III. Anorgasmia
fatores de ordem orgânica ou psicossocial, sendo que
o componente de origem orgânica representa menor IV. Distúrbios de Dor durante o ato sexual
percentual (3% a 20%) do que o componente de ori- A. Dispareunia
gem psicossocial, incidindo mais em homens e em B. Vaginismo
individuos de idade mais avançada (Kaplan, 1977). C. Dor sexual não-coital
Podem ser divididas em subtipos, conforme a nature-
za de seu início e o contexto em que ocorrem. O sistema de definição e classificação resultante
Quanto ao início da disfunção, pode ser: desse Consenso segue a mesma estrutura geral do
Tipo ao longo da vida: está presente desde o iní- DSM-IV e do CID-10, preservando as quatro categori-
cio da vida sexual. as principais de disfunções: distúrbios do desejo, exci-
Tipo adquirido: desenvolve-se só após um perío- tação, orgasmo e dor sexual. Porém houve importan-
do de funcionamento normal. tes modificações nas definições e nos critérios diagnós-
ticos e foi acrescentada uma nova categoria de distúr-
Quanto ao contexto em que ocorre, pode ser: bio de dor não originário do coito (Basson et al, 2000).
Tipo generalizado: não está limitada a certo tipo Assim, disfunção sexual implica em alguma alte-
de estimulação, situação ou parceiros. ração em uma ou mais fases do ciclo de resposta se-
Tipo situacional: está limitada a certos tipos de xual, ou dor associada ao ato, o que se manifesta de
estimulação, situação ou parceiros. forma persistente ou recorrente. O termo “persistente
Na maior parte dos casos as disfunções ocorrem ou recorrente” nos critérios de diagnósticos indicam a
durante a atividade sexual com o parceiro, sendo apro- necessidade de julgamento clínico, levando-se em con-

* WHO. International Union Against Cancer, Societe Internationale d’Urology, 1st International Conference on Erectile Dysfunction,
Member of Female Sexual Dysfunction Committee, 1999 APUD Basson R, Berman J, Burnett A, Derogatis L, Ferguson D, Fourcroy J, et
al. Report of the international consensus development conference on female sexual dysfunction: definitions and classifications. J Urol. 2000;
163:888-93.

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sideração fatores como: a idade e experiência do indi- sentir e reconhecer o próprio corpo, manifestar afeto,
víduo, freqüência e cronicidade do sintoma, sofrimen- comunicar e expressar sentimentos e emoções
to subjetivo e efeito sobre outras áreas do funciona- vivenciadas durante a vida, variando em freqüência e
mento (Abdo, Fleury, 2006). intensidade conforme as circunstâncias e particulari-
dades individuais, em determinados momentos. Dis-
Prevalência das Disfunções Sexuais Femininas cutir sexualidade, portanto, implica em entendê-la
como multideterminada, expressando fatores sociais,
As disfunções sexuais femininas apresentam ele- históricos, culturais, afetivos e ambientais.
vadas taxas de prevalência na população, tendendo a Abdo, (2004) em estudo realizado sobre a vida
aumentar conforme a idade, já alcançando “status” de sexual do brasileiro, encontrou entre 3.148 mulheres
importante problema de saúde da mulher, com reper- pesquisadas em 18 cidades brasileiras, 32.4% de quei-
cussões significativas na qualidade de vida, constitu- xas sexuais, não relatadas ao seu ginecologista, relaci-
indo problema multidimensional, uma vez que abran- onando este fato à vergonha da mulher e a falta de
ge fatores biológicos, psicológicos e interpessoais. As habilidade e preparo do profissional em abordar o
mais freqüentes disfunções sexuais femininas são a assunto.
falta de desejo sexual e a disfunção orgásmica (Berman Costa e Rodrigues Jr. (1997) apontam que há um
et al, 1999; Scanavino, 2006). despreparo dos ginecologistas para o atendimento na
Segundo National Health and Social Life Survey, um área da sexualidade, tendo implicações, por um lado
terço das mulheres relata falta de interesse sexual, e na falta da relevância dos aspectos emocionais, de-
quase um quarto das mulheres não experimenta or- monstrando que o preparo técnico sempre prevalece
gasmo. Pouco menos de 20% tem dificuldades de lu- sobre a formação humanística, sendo a própria for-
brificação vaginal e mais de 20% acham o sexo desa- mação universitária brasileira discordante das neces-
gradável. A soma desses números mostra a ampla sidades da população. No caso do ensino médico há
prevalência de queixas sexuais femininas (Laumann excessiva valorização dos aspectos técnicos de cada
et al, 1999). especialidade, deixando de lado as implicações pes-
Estudos epidemiológicos nos EUA, Reino Unido soais e psicológicas dos portadores de “doenças”. Os
e Suécia indicam que cerca de 40% das mulheres com autores realizaram estudo enviando 900 questionári-
idades entre 18-59 anos apresentam queixas sexuais os a ginecologistas de todo o pais objetivando o co-
significativas, assim divididas: 33% envolvem mani- nhecimento na área da sexualidade. Dos 537 (59.67%)
festações de déficit de desejo sexual; 24% descrevem questionários recebidos em resposta, ressaltam que
anorgasmia; 19% relatam dificuldade de excitação/ apesar do interesse em relação à sexualidade (fato con-
lubrificação; 15% queixam-se de dispareunia; e 9% solidado pela boa margem de resposta de referencias
referem outras queixas. A prevalência e intensidade a leitura sobre o assunto), ocorreu defasagem encon-
dos transtornos sexuais femininos são extremamente trada na formação acadêmica em relação ao estudo
elevadas, e sem dúvida são superiores à prevalência da sexualidade (ouviram falar sobre o exercício da
das disfunções sexuais masculinas (Ballone, 2004). sexualidade apenas em uma palestra ou uma aula).
Apesar da disfunção sexual feminina ter alta Outra observação interessante foi o aumento do inte-
prevalência entre os transtornos da sexualidade, atin- resse pela leitura e atualização (Congressos) o que
gindo 20% a 40% das mulheres e tendo impacto im- demonstrou a necessidade sentida pelo profissional
portante na qualidade de vida e nos relacionamentos no aprendizado do assunto para seu desenvolvimen-
interpessoais, ao contrario do enorme interesse nas to pessoal e profissional.
pesquisas sobre as disfunções sexuais masculinas, os Gonçalves (2006) salienta que as queixas sexuais,
problemas femininos têm recebido menor atenção; no consultório médico, são incontáveis, podendo a
tanto no que se refere aos estudos de investigação dos principio serem ocultas, mas tornam-se evidentes de-
aspectos psicológicos e fisiológicos da disfunção se- pendendo da escuta do ginecologista. Mesmo as mu-
xual como na disponibilidade de métodos terapêuticos lheres levando suas queixas expressas nos ambulató-
(Basson et al, 2000). rios, muitos médicos sentem-se pouco à vontade em
abordar a temática, justificando tal fato pela própria
O ginecologista e a queixa sexual da mulher: formação médica que ainda hoje, em pleno terceiro
análise dos estudos relevantes milênio, não inclui um estudo mais amplo e melhor
da sexualidade humana.
Quando falamos em sexualidade, queremos Diversos sentimentos têm sido relacionados à
demonstrá-la como a forma do individuo se apresen- disfunção sexual feminina, a felicidade e o sucesso
tar no meio em que vive e se relacionar com os de- conjugal podem ser altamente dependentes da satis-
mais, caracterizando-se essencialmente pela forma de fação sexual do casal, inclusive à capacidade orgásmica

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da mulher. É importante que a mulher na consulta abordagem da sexualidade da mulher na consulta gi-
ginecológica seja vista como um todo, não apenas necológica, diferenças de atitudes relacionadas entre
como um corpo que apresenta leucorréia, dor pélvica os ginecologistas do sexo masculino e feminino, res-
ou hemorragias, mas também como uma parte impor- saltando que as ginecologistas pesquisam rotineira-
tantíssima; a da sexualidade, cujo papel jaz por trás mente a sexualidade em 68% das consultas, e em 41,4%
de tantas queixas ginecológicas (Diamantino et al, das vezes a própria mulher traz espontaneamente o
1993). problema; enquanto que os ginecologistas referem ser
Mesmo as disfunções sexuais femininas sendo comum fazer perguntas sobre problemas sexuais das
conhecidas, deixam de ser diagnosticadas; vale ressal- mulheres em 58%, mas em apenas 4,8% dos casos elas
tar que o diagnóstico dos quadros de disfunção sexu- trazem o assunto espontaneamente nas consultas. Os
al é de suma relevância, uma vez que interferem na ginecologistas referem estar menos preparados para
qualidade de vida, além de estarem geralmente asso- o trabalho com os aspectos sexuais, referindo fazer
ciados a questões de saúde geral. Analisar a função valer mais sua experiência pessoal e religiosa enquanto
sexual da mulher auxilia ainda, na identificação da que as ginecologistas citam utilizar mais a moral soci-
causa de muitos conflitos psíquicos e relacionais e/ al vigente na abordagem sexual. Quanto ao encami-
ou quadros psiquiátricos (Abdo, Fleury, 2006). nhamento especializado a um terapeuta sexual, os gi-
As mulheres de forma geral sentem-se pouco à necologistas referem utilizar deste recurso em 18,2%
vontade em levar a queixa sexual na consulta gineco- dos casos enquanto as ginecologistas o fazem em 22%
lógica. Gonçalves (2006) aponta que todo ser humano dos casos.
é um ser histórico, tem sua biografia de vida. Para com-
preender a queixa sexual, deve-se compreender o con- Conclusão
texto existencial de cada um. A única maneira de com-
preender o indivíduo é observá-lo na dinâmica de sua Os estudos mostram que há uma alta prevalência
época, sua cultura e seu círculo familiar e social. A de disfunções sexuais femininas (20% a 40%) das mu-
queixa sexual invariavelmente carrega consigo outras lheres com idade de 18 a 59 anos, entretanto, elas são
queixas que não sexuais e compreender isto implica pouco diagnosticadas. Há poucos trabalhos relacio-
em enveredar por caminhos próprios conforme a vida nados à abordagem diagnóstica e ao tratamento inici-
de cada pessoa. al pelo ginecologista. Os textos avaliados somente res-
Mesmo quando as queixas sexuais são formula- saltam a importância dos ginecologistas no diagnós-
das de modo explícito, nota-se que ocorrem quase no tico e tratamento não apontando de forma conclusiva
final da consulta, com postura e tom de voz que de- as repercussões na qualidade de vida. Quando o ma-
notam vergonha, como se apresentá-las não fosse um nejo desta problemática na consulta não é adequado
direito (Vitiello, 1988). O contexto cultural continua a pode acarretar série de reveses vivenciados pelas
marginalizar a sexualidade feminina e apesar das mulheres como raiva, desamparo, angústias, medos,
mulheres apresentarem inúmeras queixas, elas não diminuição da auto-estima, comprometendo o exer-
sabem a quem recorrer, e em algumas vezes quando cício da sua sexualidade e conseqüentemente o relaci-
se reportam aos profissionais da área, estes demons- onamento do casal.
tram falta de interesse, passando a sensação de que a De forma geral os profissionais da área da saúde
sexualidade não faz parte da saúde (Gozzo et al, 2000). não se encontram adequadamente preparados na
Numa consulta ginecológica, a mulher, além de abordagem de queixas sexuais. A razão pode estar
buscar alívio para suas queixas orgânicas, relacionada ao pouco conhecimento e a atitudes
freqüentemente busca auxílio para suas dificuldades preconceituosas frente ao assunto. Observa-se tam-
emocionais. O ginecologista tem como característica bém a falta de disciplinas na grade curricular dos cur-
médica o foco situado para o alivio do sofrimento, atra- sos de graduação que abordem a sexualidade huma-
vés do manejo clinico instrumental, com prioridade na de forma desvinculada da função da reprodução,
para os aspectos orgânicos relacionados ao aparelho não ocorrendo assim suporte necessário para a forma-
genital feminino (Viscomi, 1985). É de vital importân- ção profissional. Compreender e abordar este tema
cia na pratica atual da ginecologia que os profissio- deve fazer parte da rotina de atendimento à saúde da
nais tenham conhecimento da fisiologia e patologia mulher, contribuindo para uma melhor qualidade de
sexual para caracterizar distúrbios somáticos que in- vida.
terfiram na resposta sexual da mulher, realizando di-
agnóstico e encaminhando para psicoterapia os casos Referências Bibliográficas
em que fatores emocionais estejam associados
(Vitiello, 1988; Lopes, Nascimento, 1996). Abdo CHN. Estudo da vida sexual do brasileiro. São Paulo:
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