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CONSTELAÇÕES FAMILIARES NA

ADVOCACIA SISTÊMICA
UMA PRÁTICA HUMANIZADA

Falar do livro escrito pela advogada e consteladora Bianca Pizzatto Carvalho é


adentrar em um mundo de novas possibilidades na área do Direito e das relações
humanas. Um espírito inovador, ousado e viável em relação a solução de conflitos
para quem busca a ajuda no Direito e também em outras áreas da vida. É o que fui
encontrando à medida que navegava nessas páginas. Poder honrar o Direito,
incluindo novos formatos, é criar abundância através da contribuição para a solução
duradoura de conflitos, essência dessa obra escrita pela destemida autora.

Maria Justina Mottin Nunes


Coordenadora do CELPI
Centro das Lealdades Parentais Invisíveis

BIANCA PIZZATTO CARVALHO


Advogada desde 1998, formada pela Unipar/PR. Pós-graduada em Direito Civil e
Processual Civil pela Univel, Centro Universitário de Cascavel/PR e em Direito
Empresarial pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
2005. Concluiu a Formação em Constelações Familiares e Empresarias, em 2012,
pelo Instituto de Filosofia Prática Peter Spelter. Fez Aperfeiçoamento em
Constelações Sistêmicas/2016, pelo Centro de Estudos das Lealdades Parentais
Invisíveis, Caxias do Sul/RS. Em 2017, concluiu a Formação em Constelações
Sistêmicas Estruturais pela Gêiser Works, Montevideo/Uruguai, de Guillermo
Echegaray, programa intensivo certificado por Matthias Varga von Kibéd e Insa
Sparrer do SyST Institute/Alemanha. Sócia-proprietária da Advocacia Pizzatto,
escritório modelo da Gestão da Advocacia Sistêmica. Ministra cursos e palestras
sobre a prática da Advocacia Sistêmica.
Entre o desistir e o persistir no caminho, encontrei o essencial, e ele é
simples. A possibilidade de exercer a advocacia com amor, alegria e
satisfação parece um sonho. Passear pelo mundo dos sonhos, acolhendo
possibilidades, ferramentas e ideais para levar ao mundo consensual e
desafiador e contagiante. Quanto mais se compartilha esse conhecimento,
mais ele se torna realidade. De um começo nebuloso para um meio claro e
aberto, vão aparecendo os fins de uma advocacia repleta de amor e paz. Cada
etapa dessa trajetória é apresentada com conteúdo e prática, mostrando que
a Advocacia Sistêmica veio para ocupar o seu lugar e transformar a realidade
de uma profissão e de um sistema, os quais precisam muito desse novo olhar.
Bianca Pizzatto Carvalho

CONSTELAÇÕES FAMILIARES NA

ADVOCACIA
SISTÊMICA
UMA PRÁTICA HUMANIZADA

1ª Edição – 2018

Joinville – SC
Copyright © 2018 Bianca Pizzatto Carvalho
Editora: Manuscritos Editora

Coordenação Editorial: Bernadéte Costa

Projeto Gráfico: Mariane Neumann

Revisão: Alice Stenzel e Aline Stenzel

Impressão: Impressul Indústria Gráfica Ltda.

Depósito Legal junto a Biblioteca Nacional, conforme Lei de Depósito - Lei 10.994 de 14 de dezembro de 2004. Dados
Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP).

Catalogação na fonte pela Bibliotecária Gegliane da Rosa Cintrão, CRB-14/660.

C331c Carvalho, Bianca Pizzatto

Constelações familiares na advocacia sistêmica: uma prática humanizada / Bianca Pizzatto Carvalho. Joinville,
SC: Manuscritos Editora, 2018.

160 p. ; 21 cm

ISBN: 978-85-92791-14-8

1. Direito sistêmico - Constelação familiar. 2. Advocacia sistêmica - Gestão. 3. Constelação sistêmica. 4.


Advogado sistêmico.

Índice para Catálogo Sistemático

Direito sistêmico - Constelação familiar .................................................................................. 340

Advocacia sistêmica - Gestão................................................................................................. 340

Constelação sistêmica ............................................................................................................ 340

Advogado sistêmico ................................................................................................................ 340

1a. Edição - Joinville/SC - 2018

Contato Autora

bianca@advocaciapizzatto.com.br

Contato Editora

contato@manuscritoseditora.com

www.manuscritoseditora.com
À minha família, minha primeira consciência de clã.
Ao meu esposo Alexandre Carvalho, pelo apoio constante.
Aos meus amados mestres, fontes de inspiração.
Aos amigos e colegas de caminhada, pelo compartilhar.
Aos meus clientes, por confiarem no meu trabalho.
Às minhas duas filhas de quatro patas, pela presença enquanto
escrevia este livro.
Prefácio

O que leva uma advogada a se arriscar em uma jornada solitária e


desconhecida? Como sua caminhada pessoal de autoconhecimento
mudou seu modo de compreender o direito? Como o despertar de uma
nova consciência ampliou seu olhar diante do conflito? O que
aconteceu quando se deparou com o estranhamento daqueles que
temiam o novo? Como tem construído uma gestão disruptiva em seu
escritório? E, agora, como se sente ao perceber que não caminha mais
sozinha rumo a uma advocacia mais estratégica, humanizada e
consensual?
Esta obra traduz a prática empreendedora da Bianca como advogada
sistêmica. Uma iniciativa corajosa, intuitiva, responsável e ética. A
profissional conseguiu transformar todo conhecimento e habilidade
adquiridos em cursos, formações e experiências em competências
técnicas e relacionais. Seu escritório é o primeiro no Brasil a ser
certificado com o selo “Advocacia Sistêmica” e acompanhamos seus
resultados como projeto Piloto de nosso Modelo de Gestão.
Somente um profundo senso de propósito e uma visão compartilhada
podem reconduzir os advogados à essência que os levou a escolher
essa profissão, tão digna e fundamental à administração da justiça.
Acordar para uma nova era de mudanças só é possível quando saímos
do piloto automático e percebemos que o modus operandi não é mais
sustentável. Existe uma necessidade urgente de transformação, mesmo
reconhecendo o valor do sistema tradicional, ele já não é adequado à
realidade e aos contextos de hoje.
Uma nova postura do advogado sistêmico surge de uma constante
busca por resultados que façam sentido em três níveis de
entendimento: o individual, o organizacional e o coletivo. O vazio
existencial, a falta de empatia, a separação, a competição desleal, a
desunião entre pares, a desvalorização social da classe, a sensação de
não pertencimento e, principalmente, a inflexibilidade do sistema têm
levado esses profissionais a estados depressivos e, muitas vezes, ao
abandono da carreira.
A inteligência intuitiva é hoje a única vantagem competitiva realmente
sustentável. A única novidade que nunca poderá ser copiada é você -
essa é a essência da Gestão da Advocacia Sistêmica. Cada página desta
obra foi escrita com centramento e presença, cada palavra escolhida
traduz o amor com que Bianca se dedica a esse movimento. A autora
busca, com exemplos compartilhados, facilitar a ampliação de
consciência do advogado como um ser integral e cooperativo, dedicado
a ser agente de construção da paz.
Desejo ao leitor que siga adiante com abertura e não julgamento, lendo
este livro que me encantou tanto quanto conhecer sua autora. Tenho
certeza de que não sairá dessa experiência com a mesma consciência
com que entrou. Respire e acesse um estado de presença e fluxo, assim,
aquilo que lhe tocar profundamente estará em ressonância com uma
parte sua que se conecta a uma parte nossa - em um todo maior, pois
somos todos um.
Marcella Santos
Gestão da Advocacia Sistêmica
Sumário

ADVOCACIA SISTÊMICA 2
UMA PRÁTICA HUMANIZADA 2
CONSTELAÇÕES FAMILIARES NA 4
Sumário 9
Introdução 11

O pensamento sistêmico 16
1.1 Esculturas Familiares de Virginia Satir 18

1.2 Psicodrama de Levy Moreno 19

1.3 Ressonância Mórfica de Rupert Sheldrake 20

As leis do amor de Bert Hellinger 22


2.1 Lei do Pertencimento 22

2.2 A Lei da Hierarquia 26

2.3 Lei do Dar e Tomar 27

A advocacia e o Direito Sistêmico 31


As consciências de Freud e Jung 34
As constelações sistêmicas 40
5.1 Constelação Sistêmica Familiar e Empresarial Fenomenológica 43

5.2 Constelação Sistêmica Estrutural 44

Pressupostos do atendimento sistêmico 46


6.1 Pensamento sistêmico 46

6.2 Presença 48

6.3 Percepção sistêmica 51

6.4 Postura sistêmica 54


6.5 Linguagem sistêmica: frases 55

Condições do atendimento sistêmico 59


7.1 Local do atendimento: ambiente seguro 59

7.2 Ficha do cliente 60

7.3 Diálogo preparatório 61


7.4 Contrato de honorários 64

Recursos e intervenções 66
8.1 Respiração 66

8.2 Sentimentos 67

8.3 Sintomas 68

8.4 Imagem inicial do tema ou do conflito 68

8.5 Pergunta milagre 69

8.6 Perguntas por exceções 70

 O que você tem feito para evitar que a situação piore? 71

8.7 Perguntas de escala 71

8.8 Exercício “Bem-vindo, sintoma” 72

8.9 Mão cataléptica 72

8.10 Resolução de contexto 74

8. 11 Frases de intervenção 75

8.12 Constelação dos dois mundos 76

8.13 Ferramenta do Relógio 77

Conclusão do atendimento sistêmico 78


9.1 Atividades pós-atendimento 79

Formatos específicos possíveis 81


10.1 Constelação individual 82

10.2 Constelação da solução milagre 84

10.3 Constelação dos nove quadrados 86

10.4 Constelação do dilema e do Tetralema 88

10.5 Constelação das Quatro Casas de Mudança (C. Janssen) 90

Casos práticos 94
11.1 Dissolução de vínculo conjugal 94
11.2 Pedido de demissão 96

11.3 Venda de imóvel em condomínio 97


Introdução
Meu contato com a advocacia começou muito cedo. Meu pai, Ulices
Pizzatto, entrou para a faculdade de Direito quando eu era ainda uma
criança, seguindo ele os exemplos dos irmãos que já eram advogados.
Tempos mais tarde, descobri que a advocacia estava inserida há muitas
gerações na minha família. O movimento familiar era de faz er justiça,
por algo ou por alguém. Alguma coisa provocou essa busca e eu entrei
em ressonância com o campo. Na adolescência, comecei a trabalhar
com meu pai na recepção do seu escritório e lá pude vivenciar de perto
o exercício profissional do advogado.
No meio daquele território conflituoso, meus sentidos percebiam a
força destruidora dos conflitos humanos, pois não eram apenas os
clientes que chegavam tomados de sentimentos negativos, como
também meu pai era envolvido nesse cenário. Ambos, clientes e meu
pai, viviam suspirando e se lamentando. Meu pai, um pacificador por
natureza, acabava tomando para si as dores dos clientes e por eles
buscava a paz, mas, sem querer, enfrentava e sofria a guerra com eles.
Entrei para a faculdade impulsionada pelo movimento familiar, mas já
contrariada com a prática da advocacia. O Direito nos bancos de
faculdade é apaixonante e, como toda paixão, na prática, perde seu
encanto. Mesmo antes de advogar, eu já conhecia os dois. O Direito na
teoria, com toda a sua beleza, e a prática, com sua angustiante
necessidade de lidar com os egos e necessidades humanas.
O desejo de exercer uma advocacia diferenciada era, portanto, algo
inerente ao meu ser e ao meu estar no mundo.
Era resultado do meu sistema familiar, no qual além das referências do
meu pai, estava minha mãe, Lurdes Pizzatto, uma mulher que sempre
estudou muito para educar as filhas com respeito humano, afeição e
resiliência.
Seguindo essas bases, ter que discutir ou brigar com outro ser humano
para defender um direito tornou-se incoerente e cansativo para mim.
Se todos nós somos detentores de direito e a liberdade é um direito
fundamental, determinar que uma pessoa é boa e a outra é ruim, e
condená-la com base nisso, não parecia uma solução justa que
trouxesse paz.
Dessa forma, quando terminei a faculdade e comecei a advogar, meu
olhar para os procedimentos legais e para os processos era de uma
profissional buscando compreender o que de oculto havia por trás
daquela violência verbal apresentada no discurso do meu cliente, nos
fundamentos das petições, manifestações e decisões. O que eu via não
me deixava confortável. Julgamentos, arrogância, prepotência: isso
para mim não estava direito.
Logicamente que, nos primeiros anos de carreira, tive que seguir a
tabuada e dançar conforme a melodia. O escritório era um salão, onde
eu era dançarina novata, e onde os clientes, ofendidos e acusados em
um processo, estavam acostumados com uma advocacia que
desconstruía o direito do outro e, não raras vezes, a imagem da outra
parte. Lá estava eu com a mesma frustração e angústia sentida pelo
meu pai.
Então, entre um curso de aperfeiçoamento profissional e outro, entre
uma pós-graduação e outra, eu iniciei os estudos nas áreas de
psicoterapia. Isso muito mais por necessidade de trabalhar com as
frustrações e sentimentos difíceis do próprio exercício profissional.
Foram vários anos de imersão no processo de primeiro curar minhas
próprias feridas, encontrar o meu lugar nesse sistema e construir a
minha postura profissional.
Durante essa busca, minha irmã, Caroline Pizzatto, formou-se em
Direito e passou a advogar conosco e, da mesma forma, compartilhava
a dificuldade de solucionar os conflitos de forma mais humanizada.
Algum tempo depois, minha mãe, que já era terapeuta atuante, fez a
formação em Constelações Familiares segundo Bert Hellinger.
Encantada com o que aprendia, ela partilhava as experiências do curso
de formação com a família e, assim, com esse olhar e pensamento
sistêmico apresentado pela minha mãe, começamos a implantar esse
conhecimento no escritório, especialmente eu que atuava no Direito de
Família.
Não demorou muito para que eu me inscrevesse em um curso de
formação buscando encontrar uma possibilidade de atuar diferente do
padrão clássico da advocacia. O encantamento foi tanto que, por
pouco, não abandonei a carreira jurídica. Ainda não visualizava,
naquela época, a possibilidade de integrar o aprendizado sistêmico
com o Direito e me deparei com uma ambivalência: direito ou
constelações. Eu recordo com carinho a presença forte dos meus
professores Peter Spelter e Tsuyuko Jinno-Spelter que, ao constelarem
minha profissão, puderam me fazer olhar além, ampliando minha
consciência para algo que ainda estava por vir e uniria as duas
habilidades.
Abraçada nessa perspectiva, eu iniciei a trajetória solitária de
implantar pequenos movimentos sistêmicos no atendimento com os
clientes e na condução processual. O mais difícil foi acolher o direito
clássico, pois este não se ajustava à minha proposta de uma visão
holística do conflito. Timidamente, eu tentava manter a minha postura
sistêmica no meio das desconfianças e ponderações preconceituosas,
todo dia encarando um novo desafio com clientes, sócios, outros
advogados, juízes e promotores. O que era mais perturbador é que,
naquele momento, eu tinha habilidades que eram consideradas
estranhas na Justiça. Eu fui julgada por muitos, mal compreendida por
vários, mas também conquistei alguns admiradores e clientes
satisfeitos com esse atendimento.
O estranhamento perdeu força quando o Dr. Sami Storch, um juiz do
Estado da Bahia, tornou-se conhecido e suas publicações e relatos
sobre as constelações na Justiça passaram a despertar interesse nos
profissionais ligados direta ou indiretamente ao Direito. A partir de
então, alguns artigos e algumas obras foram publicadas para esclarecer
o que é o método das constelações e como funciona sua aplicação no
Direito. Até mesmo alguns acadêmicos começaram a escrever sobre as
constelações e o chamado direito sistêmico nos seus trabalhos de
conclusão de curso. Muitos juízes, promotores, oficiais de justiça e
advogados se inscreveram em cursos de formação em constelações
para entender e tentar utilizar esse conhecimento no exercício de suas
atividades profissionais.
Nessa atmosfera de curiosidade, interiorização e aprendizado, conheci
o Dr. Sami em um workshop de Direito Sistêmico e tomei mais força
para continuar implantando a advocacia sistêmica no escritório. Para
isso, fui atrás de mais ferramentas, uma parte delas obtida na formação
em Constelações Estruturais com o Professor Guillermo Echegaray, o
qual me foi apresentado durante o curso de formação pelo CELPI, da
Professora Maria Justina Motin Nunes. Na formação com Guillermo e,
depois, no intensivo com os próprios criadores do método, Matthias
Vargas e Insa Sparrer, eu encontrei algumas possibilidades de colocar
em prática, de forma mais estruturada, a advocacia sistêmica.
Por tudo isso, buscarei, nesta obra, levar ao conhecimento do leitor
alguns conceitos, expor algumas ferramentas e discorrer sobre a
postura sistêmica. Destaco que a prática apresentada provém das
minhas experiências profissionais no exercício da advocacia sistêmica
e no atendimento individual, os quais podem servir de incentivo e
apoio para àqueles que quiserem, através dessas experiências,
construir suas próprias práticas.
No início do livro, vou fazer um breve relato histórico das constelações
e do direito sistêmico, colocando pequenos adendos práticos. Nos
capítulos seguintes, eu exponho sobre o que entendo como
pressupostos e condições para um bom atendimento sistêmico,
apresentando alguns recursos, intervenções, ferramentas e outras
técnicas possíveis de serem utilizadas. Na parte final desta obra, eu
abordo alguns formatos de constelações estruturais aplicáveis à
advocacia sistêmica e apresento relatos de casos reais nos quais foram
aplicadas as ferramentas e formatos.
Esta é uma obra destinada a todo profissional do Direito que busca
horizontes de prática, experiência empírica e visão de possibilidades
para atuar com a advocacia sistêmica. Com profunda gratidão a você
leitor, espero conseguir acolher parte dos anseios da sua caminhada e
que você consiga extrair dos temas abordados proveito pessoal e
profissional. Boa leitura.
Capítulo 1

O pensamento sistêmico

Mesmo sendo um livro prático da Advocacia Sistêmica, não posso


deixar de fazer um breve histórico para honrar, enriquecer e facilitar a
compreensão no decorrer da leitura. A prática da Advocacia Sistêmica
tem como âncora os conhecimentos trazidos por Bert Hellinger, mas
também as descobertas e experimentos de outros grandes pensadores,
cientistas, matemáticos e filósofos, os quais abriram os caminhos para
o que é hoje o pensamento sistêmico.
A visão de mundo como espiritual e orgânico dominou o pensamento
ocidental durante toda a Idade Média. Foi nos séculos XVI e XVII,
devido às descobertas da Física, Astronomia e Matemática, que essa
visão cedeu lugar ao entendimento de que o mundo seria regido por
leis matemáticas exatas. Esse período teve como seus representantes
mais notáveis Galileu Galilei, Copérnico, Renê Descartes, Francis
Bacon e Isaac Newton.
O processo criado por Descartes consistia no pressuposto de que,
quebrando os fenômenos complexos em partes, seria possível
compreender o comportamento do todo a partir das propriedades das
partes. Vários fisiologistas, através de seus experimentos, tentaram
aplicar o modelo para compreender algumas funções do corpo humano.
A figura central desse movimento foi Johann Wolfgang Von Goethe,
um dos primeiros a usar o termo morfologia para explicar o estudo da
forma biológica a partir de um ponto de vista dinâmico.
Na segunda metade do século XIX, o aperfeiçoamento do microscópio
possibilita importantes avanços na Biologia. Com a Teoria das Células,
o foco dos biólogos foi deslocado do corpo humano como organismo
em direção às células. Embora a biologia celular tivesse avançado
muito na compreensão das estruturas, ainda não era possível explicar
as atividades coordenadoras que integram essas operações no
funcionamento da célula como um todo.
Através da ciência, a humanidade começava a ampliar o entendimento
de que o todo está conectado a cada célula e que cada uma delas exerce
influência sobre o sistema. O coração, como órgão unitário, depende
de outros órgãos para funcionar e, assim, todos os órgãos estão
conectados ao sistema, cada um com sua função no funcionamento do
todo.
Na década de 1920, surge a Física Quântica, formulada por Wer ner
Heisenberg, e a Psicologia da Gestalt, liderada por psicólogos como
Max Wertheimer e Wolfgang Köhler, as quais reconhecem a existência
de totalidades irredutíveis como aspecto chave da percepção,
afirmando que totalidades exibem qualidades que estão ausentes em
suas partes. O filósofo Christian Von Ehrenfels afirma que o todo é
maior do que a soma das partes, princípio este que se tornou central na
Teoria Sistêmica.
Uma década mais tarde, o biólogo austríaco Ludwig Von Bertalanffy
apresenta a Teoria Geral dos Sistemas e através do matemático norte-
americano Norbert Wiener, Bertalanffy passa a ser influenciado pela
Cibernética. Entre 1967 e 1968, Bertalanffy publica a Teoria Geral dos
Sistemas e ganha visibilidade. A Teoria Geral dos Sistemas também é
conhecida por Teoria Sistêmica, o que confere importância ao
Pensamento Sistêmico como um movimento científico. A Teoria Geral
dos Sistemas combina, portanto, conceitos do Pensamento Sistêmico e
da Biologia, pressuposto que os fenômenos não podem ser
considerados isoladamente, e sim, como parte de um todo.
Gregory Bateson (1904-1980), antropólogo inglês, se utilizou desses
conhecimentos para desenvolver a Teoria da Comunicação,
descrevendo junto com seus colaboradores da Escola de Palo Alto
(Califórnia), a comunicação patogênica na família do esquizofrênico e
apresentou a hipótese do duplo vínculo, ou seja, uma forma de
comunicação paradoxal que tem profundas implicações nas relações
interpessoais. Bateson fazia uso de analogias, metáforas e histórias por
acreditar que esses recursos eram um caminho para o estudo das
relações.
As Constelações Familiares de Bert Hellinger se baseiam no
pensamento sistêmico (Gregory Bateson) e experiências de várias
metodologias, como análise do script (Eric Berne), terapia do grito
primal (Arthur Janov), psicodrama (Jakob Moreno), reconstrução
familiar (Virginia Satir), terapia familiar (Ruth McCIenton e Lês
Kadis), constelações familiares (Thea Schõnfelder), hipnose
ericksoniana (Milton Erickson) e programação neurolinguística.
Bert Hellinger 1 ampliou esses trabalhos com a visão fenomenológica e
observação dos vínculos invisíveis que atuam nos membros
pertencentes ao sistema familiar. Recomendo aos leitores que
pesquisem e estudem um pouco sobre cada uma dessas fontes, pois,
neste livro, vamos abordar sucintamente apenas algumas dessas
referências.
1.1 Esculturas Familiares de Virginia Satir
Virginia Satir (1916), notável autora e psicofacilitadora norte -
americana, buscou encontrar respostas para um problema biográfico,
uma vez que seu pai era dependente do álcool e, como assistente social
de formação, ela buscava compreender as próprias dinâmicas e
conflitos familiares. Satir pôde observar e experimentar na própria
família a dinâmica da relação entre o comportamento de um indivíduo
e o de sua família.
Outra curiosidade sobre Satir foi sua surdez temporária na infância,
provocada por uma doença. Nesse período, ela teria aprendido a
observar atentamente o comportamento não verbal das pessoas para
poder se comunicar. Com essa deficiência temporária, Satir teria
criado a habilidade de ouvir não só o conteúdo, mas também o que não

1 Nascido em Leimen - Alemanha, morava em Cologne - ltália, sendo parte de uma família
católica. Aos 10 anos, foi seminarista em uma ordem Católica. Apesar disso, aos 17 anos,
alistou-se no exército e combateu com os nazistas no front, sendo preso na Bélgica. Aos 20
anos, com o fim da guerra, tornou-se padre. Formou-se no curso de Teologia e Filosofia na
Universidade de Würzburgo em 1951. Foi enviado como missionário católico para a África
do Sul, onde atuou como diretor de várias escolas, como o Francis College, em Marianhill.
Em 1954, obteve o título de Bacharel de Artes da Universidade da África do Sul e, um ano
depois, graduou-se em Educação Universitária. No final dos anos 1960, abandonou o clero
e voltou à Alemanha, onde passou a estudar Gestalt-terapia. Mudou-se para Vienna para
estudar psicanálise. Ali, conheceu sua primeira esposa, Herta, uma psicofacilitadora. Em
1973, mudou-se para a Califórnia para estudar Terapia Primal com Arthur Janov. Lá,
interessou-se pela Análise Transacional. Hellinger se divorciou de Herta e casou-se com
Marie Sophie, com quem mantém cursos, oficinas e seminários em vários países.
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Bert_Hellinger>.
é dito verbalmente. Ela diz: “Cada palavra, cada expressão facial,
gesto ou ação por parte de um pai envia à criança alguma mensagem
sobre autoestima”.
Uma das teorias de Satir é a teoria dos cinco papéis familiares.
Segundo ela, esses papéis aparecem de modo mais evidente quando os
membros de uma família não conseguem expressar seus sentimentos
de maneira adequada. Esses papéis são chamados também de posturas
de Satir:
1) Acusador: aponta erros e falhas;
2) Apaziguador: tenta acalmar os problemas, sem resolvê-los;
3) Computador: fecha-se no seu mundo particular;
4) Distraidor: desloca a atenção de todos para não olhar para
os problemas;
5) Nivelador: busca comunicar-se de forma verdadeira para
encontrar uma boa solução.
Sua mais importante obra foi a Terapia do Grupo familiar e sua marca
registrada era treinar as pessoas para interagirem com as partes
internas delas mesmas, especialmente aquelas ligadas aos papéis dos
membros familiares.
Bert Hellinger teve encontros com Virginia Satir nos anos 70, no
“Instituto Junguiano Esalen”, na Califórnia. Naquela oportunidade,
Bert pôde observar Satir trabalhando com seu método das esculturas
familiares, no qual uma pessoa estranha, convocada para representar
um membro da família, passava a se sentir exatamente como a pessoa
a qual representava, às vezes representando sintomas físicos exatos aos
do familiar representado.
O objetivo da escultura familiar foi evidenciar modelos de
relacionamentos (negativos), abrindo, com a conscientização para
essas estruturas, novas perspectivas de crescimento e de
desenvolvimento para o sistema. 2
1.2 Psicodrama de Levy Moreno
Esse fenômeno das esculturas familiares de Virginia Satir já havia sido

2 GROCHOWIAK, Klaus; CASTELLA, Joachim. Constelações Organizacionais:


Consultoria Organizacional Sistêmico-Dinâmica. Editora Cultrix: São Paulo, 2007.
descrito anteriormente pelo médico e psicólogo romeno-judeu Levy
Moreno (1889), criador do psicodrama, uma técnica psicoterápica pela
qual os pacientes escolhem os papéis que vão desempenhar na
dramatização de uma situação com forte carga emocional, oferecendo
ao facilitador a oportunidade de aprender os sintomas que afloram no
relacionamento entre os clientes.
O psicodrama é utilizado para entender o conjunto de processos que
formam o indivíduo, e propõe a ampliação da visão sob a representação
dramatizada de três perspectivas distintas: Indiferenciação do Eu;
Visão do Eu e Visão do Outro, tendo como finalidade revelar
comportamentos e sentimentos sabotadores ainda não identificados
pela pessoa, de forma a eliminá-los. Com este objetivo, várias técnicas
foram desenvolvidas por Jacob, para que o cliente conseguisse a
melhor visualização de si e do problema em questão.
Em 1936, Jacob Levy Moreno inaugurou o Sanatório de Beacon Hill,
e foi neste espaço que ele conseguiu fomentar e popularizar as práticas
psicodramáticas até o ano de sua morte, 1982. Pouco antes de falecer,
Moreno pediu para que em sua sepultura fosse gravada a seguinte
frase: “aqui jaz aquele que abriu as portas da Psiquiatria à alegria”.
1.3 Ressonância Mórfica de Rupert Sheldrake
Acreditamos que o estudo e a compreensão do campo morfogenético é
um dos temas mais importantes para o reconhecimento e o trabalho
com o pensamento sistêmico e as constelações.
O método se utiliza da teoria de evolução dos campos morfogenéticos,
formulada pelo biólogo britânico Rupert Sheldrake (1942), e apoia-se
em conceitos da Física Quântica como, por exemplo, a não lo calidade.
A teoria dos campos morfogenéticos postula a hipótese de que as
mentes de todos os indivíduos de uma espécie se encontram unidas,
formando parte de um mesmo campo mental planetário - campo
morfogenético -, no qual a mente dos indivíduos afeta o campo e este
a mente dos indivíduos por ressonância mórfica.
A Teoria do 100º Macaco explica de forma fabulosa o processo de
ressonância. A versão mais amplamente difundida foi escrita por Ken
Keyes Jr., a qual apresentamos a seguir em forma condensada e
parafraseada:
Ao longo da costa do Japão, os cientistas estudam colônias de
macacos habitantes de ilhas isoladas, há mais de trinta anos. Para
poder manter o registro dos macacos, eles colocavam batatas doces
na praia, para que os animas as comessem.
Um dia, uma macaca de 18 meses chamada Imo começou a lavar a sua
batata no mar, antes de comê-la. Podemos imaginar que seu sabor
ficava assim mais agradável, pois o tubérculo estava livre da areia e
do cascalho e, talvez, ligeiramente salgada.
Imo mostrou aos outros macacos de sua idade e à sua mãe como fazer
aquilo; os animais jovens mostraram às próprias mães e, aos poucos,
mais e mais macacos passaram a lavar as batatas em vez de comê -las
com areia e tudo.
No princípio, só os adultos que tinham imitado seus filhos aprenderam
o jeito novo; gradualmente, outros também adotaram o novo
procedimento. Um dia, os observadores perceberam que todos os
macacos de determinada ilha lavavam suas batatas doces.
Embora isso fosse significativo, o que foi ainda mais fascinante de
registrar foi que, quando essa mudança aconteceu, o comportamento
dos animais nas outras ilhas também mudou: todos eles agora lavavam
suas batatas, e isso apesar do fato de que as colônias de macacos das
outras ilhas não tinham tido contato direto com a primeira.
Capitulo 2

As leis do amor de Bert Hellinger

Estudar, compreender e internalizar as leis sistêmicas é necessário para


o profissional que pretende atuar com a advocacia sistêmica. O estado
mental adequado do advogado sistêmico depende do seu conhecimento
sobre as ordens do amor de Bert Hellinger. E o que são essas leis?
Hellinger adquiriu experiência na descoberta de que muitos problemas,
conflitos, dificuldades e mesmo doenças de seus clientes estavam
ligadas a destinos de membros anteriores de seu grupo familiar. Assim,
propondo a existência de uma consciência de clã, por ele também
chamada de grande alma, esclareceu que essa consciência se norteia
por ordens arcaicas que ele denominou de ordens do amor, referindo-
se a três princípios:
1- Necessidade de pertencer ao grupo ou clã
2- Necessidade de hierarquia dentro do grupo ou clã
3- Necessidade de equilíbrio entre o dar e receber nos
relacionamentos
Para Hellinger, as ordens do amor são forças que atuam em nos sas
famílias e relacionamentos e, quando desrespeitadas, provocam
desiquilíbrio, doenças, conflitos e diversas outras dinâmicas que
dificultam uma vida plena e feliz.
2.1 Lei do Pertencimento
A lei do pertencimento narte do princípio de que, nos sistemas, quando
ocupamos um lugar, ele nos pertence, independentemente das
circunstâncias ou fatores externos. Por exemplo, quando um homem e
uma mulher compartilham material genético, ambos fornecem células
do genoma humano - X ou Y. Considerando que o ser humano é
composto por 46 cromossomos, temos que 23 vieram do pai e 23 da
mãe, sendo que destes 11,5% seriam provenientes do avô e da avó.
No livro Evolução Criativa das Espécies, de Amit Goswami, é citado
um dos experimentos que causou mudanças nos conceitos de muit os
materialistas biológicos em 1980. Os imunologistas Edward Steele e
Reg Gorcynsky constataram em seus experimentos a mudança do
sistema imunológico de camundongos ao introduzir novas células.
Esses autores descobriram que algumas mudanças provocadas na
estrutura dos camundongos cobaias era adquirida por gerações
subsequentes. Ao examinar os filhos e netos dos camundongos
cobaias, os pesquisadores encontraram células da mudança transmitida
na medida de metade nos filhos, um quarto nos netos.
Assim, vemos que as células vivas pertencem ao todo, ao sistema
familiar do homem e da mulher, no qual todos fazem parte tanto quanto
o novo ser humano, afinal, ele está na medida que seus pais, seus avôs,
seus bisavôs estiveram.

Figura 1: A lei do pertencimento

O primeiro filho de um casal pode não nascer com vida, no entanto, o


seu lugar de primogênito, de filho, continua. Ele pertence ao sistema
familiar. Um homem e uma mulher quando nascem trazem consigo as
sementes das futuras gerações que em si mesmas carregam as histórias
das gerações passadas. Assim, podemos dizer que as células vivas que
futuramente irão compor a estrutura genética de um novo ser humano
experimentam a vida no corpo de um homem e de uma mulher e já
carregam as experiências vividas pelos ancestrais. E todas essas
células que carregam o DNA humano têm o seu direito de pertencer.
Se da junção desse material genético, desse zigoto 3, não nascer uma
nova criança, ela não se desenvolver e for abortada, isso não exclui seu
pertencimento. Mas se os pais não reconhecem e não dão o devido

3 O zigoto é denominado ovo e resulta da união de dois gametas: ovócito e espermatozoide. É uma célula
totipotente, ou seja, é capaz de guardar as características genéticas dos progenitores, podendo gerar todas
as linhagens celulares do organismo adulto. Disponível em: < http:// pt.wikipedia.org/wiki/Zigoto>.
lugar a esse natimorto, o sistema entra em desequilíbrio na ordem de
pertencimento, podendo afetar a relação do casal, dos filhos e do
sistema familiar como um todo.

Figura 2: Estrutura genética do sistema familiar

O princípio do pertencimento não se aplica apenas aos filhos e aos


membros de um sistema familiar. Em todas as situações, a ordem de
pertencimento deve ser avaliada, lembrando que todos têm o seu lugar
nos sistemas. Assim, serve também para dar lugar a ex-mulher, ex-
marido, filhos do primeiro casamento, sogro, sogra, antigo gerente, ex-
funcionário, professor aposentado, dono anterior e, assim, poderíamos
prosseguir até que todos tivessem o seu lugar em todas as situações de
pertencer.

Figura 3: Uniões familiares

O advogado sistêmico, ao receber um cliente, acolhe também todo o


sistema familiar do cliente. E a estrutura do discurso do cliente também
envolve essa totalidade, na qual todos fazem parte e cada um tem o seu
lugar. Por exemplo: Bertate, em sua obra Adoção, como alcançar o
sucesso, trata do olhar sistêmico nos processos de adoção, observando
que são três os focos importantes, destacados na página 19:
Em primeiro lugar, devemos olhar para os pais biológicos. Um
segundo foco seria olharmos para os pais adotivos. Finalmente, o
terceiro foco é olhar para a criança, para a pessoa adotada.
Embora esses sejam os três focos principais, eventualmente surge um
quarto. Digo eventualmente porque, às vezes, isso não acontece. Esse
foco tem a ver com o intermediário do processo de adoção: devemos
saber se foi uma pessoa, uma associação, se foi legal ou não. Em
alguns casos, o intermediário não está presente e não influencia no
sucesso e nos problemas do processo de adoção, mas pode ter muita
influência e determinar muito nesse processo.
Percebe-se que, quando fazemos isso internamente, reconhecendo o
pertencer de cada um no sistema, incluindo o todo, ampliamos as
possibilidades para a solução e para o sucesso da adoção. Ou seja,
quando um casal procura um escritório de advocacia para encaminhar
uma adoção, se este escritório estiver alinhado com o pensamento
sistêmico, o atendimento do advogado envolve o cliente, a criança
adotada, os pais biológicos, o Ministério Público, o juiz, e também o
intermediário, se for o caso.
Eu me recordo que no início da minha carreira como advogada da área
de família, muitos casos de adoção apareciam para mim, a maioria
deles muito complexos, trágicos e tumultuados. Por várias vezes,
estive envolvida em processos de adoção mais como parte do que como
advogada, pois sofria com a realidade dessas crianças e seus destinos
difíceis. Por algum tempo, fui voluntária em uma casa abrigo, como se
com isso eu pudesse amenizar o sofrimento dessas famílias. E os casos
de adoção continuavam aparecendo.
Naquele tempo, não tinha conhecimento de que no meu sistema
familiar o abandono e a adoção faziam sentido e que eu estava, na
verdade, atraindo esses processos para olhar uma história vivida pelos
meus ancestrais.
Quando eu passei a atender os clientes de adoção, propondo a eles um
olhar para a criança adotada como uma parte do todo, e que neste todo
estavam também os pais biológicos dessa criança, é que os casos
começaram a ficar mais pacíficos. Nesse incluir a família biológica das
crianças em processo de adoção, eu acabei incluindo membros
excluídos da minha própria família ancestral. Isso fez diferença tanto
para o sucesso das adoções como para mim mesma.
Para Hellinger, quando o princípio do pertencimento não é respeitado,
ocorre um desequilíbrio no sistema, causando pressão para que os
excluídos sejam incluídos. Essa pressão pode se manifestar de várias
formas como, por exemplo: falta de prosperidade da empresa que não
reconhece o lugar do antigo dono; insucesso de uma relação afetiva
por falta de reconhecimento da primeira esposa; demissão no caso de
desrespeito com o antigo funcionário.
Uma das experiências empíricas da lei do pertencimento em meu
escritório foi a colocação de um quadro com a foto do só cio fundador
e uma placa reconhecendo seu lugar. Não apenas o fundador, como os
demais colegas, colaboradores e clientes puderam experimentar
mudanças positivas, em especial de respeito mútuo e colaboração.
2.2 A Lei da Hierarquia
A hierarquia, como o próprio nome diz, corresponde ao lugar de cada
um no sistema. Na posse do direito de pertencer, o membro do sistema
precisa conhecer o seu devido lugar. Quando paramos para observar a
dinâmica de uma família em um restaurante, observamos claramente
que as crianças de hoje têm prioridade para serem atendidas, muitas
vezes, a mãe sequer consegue fazer a refeição, visto que a criança está
em primeiro lugar. Essa criança cresce com a ideia de que ela está em
primeiro lugar na família e, consequentemente, reivindicará esse
mesmo lugar, posteriormente, na escola e na sociedade, tendo
dificuldades para lidar com a autoridade e o respeito com o outro. As
consequências dessa desordem podem ser indisciplina, desrespeito,
agressividade, entre outras.
Outra situação é a hierarquia entre irmãos. O filho mais velho,
preterido pelo mais novo, como se sente? Quando o filho mais velho é
conduzido a entregar seus brinquedos ao mais novo e fazer todas as
vontades do pequeno, que lugar ele ocupa? É muito comum se ouvir
frases do tipo “filho, você é mais velho, deve deixar seu irmão brincar
com seus brinquedos". Ou ainda, quando em uma casa os dois filhos,
mais velho e mais novo, participam da bagunça, mas só o mais velho
é punido sob o pretexto de ser o mais velho, quem fica maior?
Vejamos o caso do assédio moral no ambiente de trabalho, comum
entre pessoas que se encontram em posição hierárquica diferente.
Geralmente, quem pratica assédio moral no trabalho sente necessidade
e prazer em humilhar o outro. Para ele, é imprescindível que o
assediado e os demais membros do grupo percebam quem é o detentor
do poder no ambiente do trabalho. Se o assediador for a versão adulta
daquela criança que, como filho mais velho, foi impedido de ocupar o
seu lugar. Que reflexos teremos nesta situação?
Em uma família, os filhos vieram depois de seus pais, assim como os
irmãos mais novos depois dos mais velhos. Muitos casais entram em
conflito conjugal porque um dos cônjuges coloca os filhos em primeiro
lugar, deixando de atender e respeitar o lugar do companheiro. O
entendimento de qual é o meu lugar na hierarquia familiar possibilita
equilíbrio, leveza e paz.
Os sistemas também possuem entre si uma hierarquia e, quando essa
relação se inverte, as coisas correm mal. Cada grupo tem uma
hierarquia, determinada pelo momento em que começou a pertencer ao
sistema. Isso quer dizer que aquele que entrou em primeiro lugar em
um grupo tem precedência sobre aquele que chegou mais tarde, mas
isso não é uma regra geral, porque precisamos olhar em que espécie de
sistema estão inseridos. No caso de uma empresa familiar, mesmo que
os filhos do proprietário venham a integrar a empresa depois de um
funcionário antigo, o lugar dos filhos precede ao do funcionário,
porque a empresa é familiar, e esse sistema tem maior valor. Iss o se
aplica às famílias e também às organizações.
2.3 Lei do Dar e Tomar
A lei do equilíbrio de troca - Dar e Tomar - é basicamente a
possibilidade, dentro de uma relação, de ambos poderem oferecer e
receber com certa paridade, favorecendo a sensação de bem -estar pela
existência de justiça ou ausência de reivindicação. Se em uma relação,
seja de afeto, amizade, trabalho ou negócios, uma das partes dá mais
do que recebe, aquele que recebe mais do que dá se sente pressionado
a recompensar e não consegue, e aquele que dá demais e recebe nada
ou pouco se sente desvalorizado, pois precisa receber algo e nem
sempre consegue. Em qualquer uma das hipóteses, o efeito é a tensão
nessa relação e o consequente afastamento ou sentimentos
secundários, como mágoa, desconforto, intolerância.
Podemos exemplificar a Lei do Dar e Tomar através do corpo humano.
Se você der para o seu corpo mais calorias do que ele precisa, deixando
de tomar dele energia equivalente, o que acontece? A falta de
equilíbrio entre o gasto calórico e o consumo de alimentos gera tensão
no seu organismo, e os sistemas circulatório, digestivo e
cardiovascular passam a não funcionar adequadamente.

Figura 4: A Lei do Dar e Tomar e o equilíbrio calórico no corpo humano

O mesmo acontece em todos os outros sistemas existentes ou


construídos ao nosso redor durante a nossa vida. Um funcionário que
recebe demais ou um amigo que pouco retribui fazem parte de um
relacionamento que, uma hora ou outra, vai manifestar tensão.
Na advocacia sistêmica, observa-se especialmente essa dinâmica na
relação de casal, nos mútuos empréstimos e na relação patrão -
funcionário. Se um dá mais do que recebe, aquele que recebe demais
sente esse peso acumulado e, não podendo retribuir, passa a
experimentar o mesmo desconforto que um corpo com energia
acumulada. Essa tensão, em muitos casos, vem acompanhada de
sentimentos de menos valia, inferioridade em relação ao outro e raiva,
que se mostram, muitas vezes, na ação de não cumprir com seus
próprios deveres.
Não raras vezes, aquele que recebe demais passa a agir agressivamente
ou negligentemente em relação ao outro para defender o seu lugar no
sistema ou, simplesmente, sai em busca de outro
relacionamento/emprego, o qual seja confortável e possível dar e
receber de forma equilibrada. E como se sente aquele que dá tanto
nessa relação? Sua postura é de reivindicação e vitimização,
geralmente porque não compreende como sua benevolência pode ser
tão desvalorizada.
Em uma escola, também observamos essa dinâmica na forma como os
educadores buscam solucionar conflitos entre seus alunos. É comum
vermos o professor exigir que o agressor peça desculpa ao colega
agredido, exigindo, ainda, que a vítima perdoe o colega que a agrediu.
Nessa dinâmica, o agressor é humilhado e obrigado a abaixar a cabeça
para o colega, e a vítima compelida a perdoar, sem qualquer atitude de
compensação ou restabelecimento do equilíbrio. O comum é o conflito
voltar a ocorrer.
Qual seria uma boa solução? Nesses casos, a vítima não só tem o
direito de vivenciar uma reparação, como o dever de exigir. O agressor
deve fazer algo para compensar a vítima ou, de forma geral, a
consciência de clã. Na pedagogia sistêmica, alguns orientadores
sugerem que o aluno agressor seja levado a entender que deve reparar
de alguma forma como, por exemplo, fazendo algo de bom para a
vítima.
Nas relações de trabalho, observamos que o equilíbrio entre o dar e o
tomar, algumas vezes, se mostra desestabilizado, gerando conflitos.
Não raras vezes, o empregador sai do seu lugar, representando o papel
de pai ou de irmão mais velho, oferecendo ao empregado benefícios e
ajuda, os quais o empregado não tem como retribuir. Esse funcionário,
sentindo-se internamente em débito com o patrão, acaba por romper a
relação e, até mesmo, propor ação trabalhista, exigindo algo mais. O
patrão, sentindo-se desvalorizado por tudo que fez pelo empregado, a
quem tinha quase como filho, não encontra uma razão que justifique
acordo ou pacificação.
Nesse sentido, o equilíbrio está na ordem entre o dar e o tomar: o
funcionário tomando aquilo que lhe cabe (remuneração), e o patrão
exigindo aquilo que lhe é de direito (serviço com excelência). Essa é a
relação de trabalho justa, a que mantém cada uma das partes no seu
lugar. Não digo que o empregador não possa ser solidário ou genero so
em situações específicas e peculiares, mas tais atitudes precisam ser
realizadas com limites, possibilitando que, de alguma forma, o
empregado possa retribuir. Se o empregado necessita de alguma ajuda
financeira para tratamento de saúde, por exemplo, o patrão poderia
adiantar o valor, e o empregado devolveria em parcelas pequenas,
descontadas de sua folha de pagamento e, ainda, faria algo nobre em
favor da empresa, como alguma atividade social em prol dos demais
funcionários, sentindo-se, assim, não só merecedor da ajuda, como
também responsável pelo bem-estar de outros.
Nas ações previdenciárias, o desiquilíbrio no dar e no tomar tem uma
raiz muito mais complexa, envolvendo o direito tributário e a política
nacional, uma vez que o Governo toma dos contribuintes mais do que
oferece. Isso reflete não apenas nas ações judiciais, como em quase
todos os sistemas. Os Governos Estaduais e o Governo Federal lideram
a lista dos maiores litigantes e engessam o Poder Judiciário. Como
forma de prevenir e propor soluções à litigiosidade excessiva, a
Associação dos Magistrados Brasileiros já sugeriu ao Conselho
Nacional de Justiça a criação de Centros de Inteligência e
Monitoramento de Demandas de Massa no Poder Judiciário. Nesses
centros, a visão sistêmica poderia contribuir muito para auxiliar na
análise desses dados e na busca por soluções com verdadeira
efetividade.
Capítulo 3

A advocacia e o Direito Sistêmico

O Direito Sistêmico nasce com a aplicação das leis ou ordens do amor


de Bert Hellinger no campo do Direito.
Para Sami Storch 4, os conflitos entre grupos, pessoas ou internamente
em cada indivíduo são provocados, em geral, por causas mais
profundas do que um mero desentendimento pontual, e os autos de um
processo judicial dificilmente refletem essa realidade complexa.
Nesses casos, uma solução simplista imposta por uma lei ou por uma
sentença judicial pode até trazer algum alívio momentâneo, uma trégua
na relação conflituosa, mas, às vezes, não é capaz de solucionar
verdadeiramente a questão, de trazer paz às pessoas. O direito
sistêmico se propõe a encontrar a verdadeira solução. Essa solução não
poderá ser nunca para apenas uma das partes. Ela precisa abranger todo
o sistema envolvido no conflito, porque na esfera judicial - e às vezes
também fora dela - basta uma pessoa querer para que duas ou mais
tenham que brigar. Se uma das partes não está bem, todos os que com
ela se relacionam poderão sofrer as consequências disso.
Com essa visão, Dr. Sami propôs a prática de uma ciência jurídica com
um viés terapêutico, tendo alcançado resultados que foram
reconhecidos em nível nacional, recebendo, em 2015, uma menção
honrosa do Prêmio Conciliar é Legal, do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), pelo projeto “Constelações na Justiça”, desenvolvido na
Comarca de Amargosa/BA.
A partir de então, o método das constelações vem se expandido pelo
Brasil, e já existe em vários estados brasileiros. O uso das constelações
está em conformidade com a Resolução n° 125 do Conselho Nacional
de Justiça e com diversos dispositivos do Código de Processo Civil -
Lei n° 13.105, de 16 de março de 2015. Ao ler as referências legais,
encontramos bases que sustentam e fundamentam a aplicação

4 STORCH, Sami. Direito Sistêmico. Disponível em: <https://direitosiste-


mico.wordpress.com/>. Acesso em: 15 nov. 2017.
sistêmica no Direito e na Advocacia, entra elas, destaco:
Parágrafo 3 o do art. 2 o do CPC
A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de
conflitos devem ser estimulados por juízes, advogados, defensores
públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do
processo judicial.
Art. 5 o do CPC
Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-
se de acordo com a boa-fé.
Art. 6 o do CPC
Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se
obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Art. 7 o do CPC
Às partes fica assegurada paridade de tratamento em relação ao
exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa,
aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais.
Art. 378 do CPC
Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para
o descobrimento da verdade.
Resolução 125 do CNJ
Art. 1 o Fica instituída a Política Judiciária Nacional de tratamento
dos conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à
solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e
peculiaridade.
Art. 6° Para desenvolvimento dessa rede, caberá ao CNJ:
VI - estabelecer interlocução com a Ordem dos Advogados do Brasil,
Defensorias Públicas, Procuradorias e Ministério Público,
estimulando sua participação nos Centros Judiciários de Solução de
Conflitos e Cidadania e valorizando a atuação na prevenção dos
litígios.
Art. 11° Nos Centros poderão atuar membros do Ministério Público,
defensores públicos, procuradores e/ou advogados.
De tal modo, aos advogados cabe a tarefa de favorecer as condutas
positivas e não estimular ações ou reações que caminham ao oposto
daquilo que podemos chamar Justiça Sistêmica. Se os advogados são
indispensáveis à administração da Justiça, que façam da sua profissão
o exercício do que é direito, começando com a sua postura com o
cliente e depois com a cooperação e o respeito à própria estrutura
judiciária.
Através desse novo olhar para a advocacia e as novas possibilidades
de solução de conflito inseridas nas normas jurídicas, abre -se para os
profissionais um novo modelo de advocacia, mais humanizada e
consensual. Para aqueles profissionais que não se sentem confortáveis
com o modelo clássico da advocacia litigante, esse novo caminho é
repleto de possibilidades.
Logicamente que essas possibilidades assustam e geram incertezas
quanto à sua prática, especialmente quando analisadas sob o prisma da
atuação nos escritórios e do resultado financeiro. Por isso, o advogado
deve se sentir confortável e enquadrado com esse modelo de advocacia
para poder dar esse passo. Para esse enquadramento, o potencial para
atender com essa abordagem depende de coragem, investimentos e
preparo. A prática da Advocacia Sistêmica se consolida com um
ambiente seguro para o advogado atuar, e esse espaço sistêmico
precisa estar protegido por habilidades e capacidades adquiridas pelo
profissional ao longo dessa caminhada.
A partir de agora, quero convidar você, leitor, a atravessar comigo essa
passagem do ver para o agir, e, nesta marcha, vamos juntos,
observando as pedras e as flores do caminho, e, entre um estudo e
outro, vou presenteando você com minhas experiências profissionais e
com os esclarecimentos de como eu venho construindo minhas
habilidades e obtendo resultados satisfatórios.
Capítulo 4
As consciências de Freud e Jung

Como esclareci na introdução deste livro, minha caminhada ao


encontro do pensamento sistêmico começou no curso de Psicoterapia
Holística. Do conhecimento adquirido naquela formação, o
aprendizado sobre as consciências vem me auxiliando, especialmente
no atendimento com o cliente.
Segundo Freud, o inconsciente é apenas pessoal, mantendo sua
individualidade psíquica, onde cada ser humano detém seus próprios
conteúdos reprimidos, geralmente marcados na infância, abalando o
equilíbrio da consciência. Já para Jung, cada escolha, experiência,
sonho, realidade ou fantasia possui um número imenso de
interpretações. Cada representação possibilita uma interpretação
pessoal, sendo própria de cada indivíduo ou da coletividade,
representada pela cultura de vários povos.
A partir desse entendimento, a estrutura da linguagem do cliente pode
ser observada em um estado mais adequado, com menos julgamentos
e mais postura de apoio. Compreendendo que possuo registros mentais
diferentes do cliente e que ambos estamos interferindo na
representação mental um do outro, o meu estado como facilitador deve
ser consciente e capaz de potencializar os recursos do próprio cliente
para uma boa solução.
Para Jung, o inconsciente é caracterizado por duas camadas. A
primeira é o inconsciente pessoal, onde são mantidas todas as
experiências pessoais de cada pessoa, podendo se tornar reprimidas,
esquecidas ou ignoradas; ou, até mesmo, muito fracas para chegarem
à consciência. A outra camada é o inconsciente coletivo, sendo uma
área mais profunda da psique, remontada na infância, através de restos
das vidas dos antepassados. No inconsciente, estão contidos os
instintos, juntamente com as imagens primordiais herdadas da
humanidade. Assim, muitas das estruturas que constituem os seres
humanos são herdadas de seus ancestrais e, com o tempo, são
transformadas, juntamente com as revoluções de ideais, tecnologias e
inovações, mas nunca perdendo a essência e as suas raízes.
Por isso, a escutativa deve ser, na medida do possível, sem
interferências pessoais, para que o advogado não faça interpretações
do que ouve baseando-se nas suas imagens internas e nos seus instintos
primordiais. Ao ouvir o relato do cliente e interpretá-lo, devemos nos
manter o mais próximo possível do estado do não-saber, porque se
tomamos aquele conflito e logo o vestimos com uma solução amparada
na nossa experiência pessoal e nas nossas memórias primitivas,
acabamos por levar o cliente para um lugar desconhecido, onde ele se
sente inseguro e desconfiado, afinal, a consciência dele nem sempre
alcança a do advogado.
Hellinger afirma que existem dois hemisférios cerebrais e que, ao
mesmo tempo em que se opõem, eles são complementares. Estão em
oposição porque estão separados e têm funções diferentes e, muitas
vezes, estamos sendo guiados mais por um do que pelo outro. A
solução seria reuni-los de tal forma que nós nos movêssemos com os
dois, sem sentir a diferença.
Os três níveis de consciência, descritos por Sigmund Freud, são a
mente consciente, pré-consciente e inconsciente. Freud comparou essa
teoria a um iceberg: a primeira camada, ou seja, a ponta visível, seria
a mente consciente; a segunda camada, a obscura que está logo abaixo,
o pré-consciente; e a terceira camada, um volume escondido sob a
água, seria o inconsciente.

Figura 5: Teoria de Freud


No modelo da mente de Freud, a mente consciente é formada pelos
pensamentos e percepções sobre os quais uma pessoa está ativamente
consciente e capaz de raciocinar. Na mente consciente ou consciência
originária o canal é aberto. O pré-consciente é composto de toda
memória disponível que não tenha sido acessada pela mente
consciente, como acontecimentos, fases da vida, passado, presente e
futuro. A mente inconsciente é composta por instintos reprimidos,
medos e desejos que são negativos ou vergonhosos.
Um cliente, quando procura um escritório de advocacia, normalmente
está submerso em sensações e sentimentos provocados por um conflito,
uma dificuldade ou até uma tragédia. O nível de adrenalina pode até
variar de um cliente para o outro, de acordo com suas próprias
vivências e memórias, mas a maneira como o corpo reage normalmente
é a mesma. O atendimento sistêmico está ancorado na consciência do
todo, na análise estruturada da linguagem verbal e não -verbal do
cliente.
Quando o cliente inicia o discurso sobre o conflito, já existe uma
imagem mental para ele da situação, e nós, advogados, não temos essa
imagem. Por isso, fazer qualquer interpretação a partir apenas do relato
é prematuro e não ajuda. Como se trata de algo vivencial, quando o
cliente discorre sobre o conflito ou tema, em seu cérebro, as áreas
sensoriais acionam o sistema límbico, que controla as emoções. O
sistema nervoso simpático libera adrenalina em várias partes do corpo.
Nesse momento, o cliente olha para você como quem está se
preparando para luta ou defesa e quer contratar você como um soldado,
capaz de marchar com ele com a espada da justiça empunhada na mão.
Entretanto, assim como a espada está nas mãos do advogado, está
também a venda nos seus olhos. E ela nos apresenta o não-saber. Dessa
forma, uma boa postura profissional é da imparcialidade, da
consciência do todo, que observa cada pequena linguagem do cliente,
tais como os olhos que, muitas vezes, lacrimejam, os pelos que se
arrepiam, e o pulmão que inspira mais oxigênio, fazendo com qu e a
respiração do cliente acelere.
Quando o cliente está falando com o advogado, apesar de ele ter o
conhecimento completo do que deseja comunicar, para que sua
comunicação seja eficiente, o que se percebe é que o cliente omite,
generaliza ou distorce, inconscientemente, os seus pensamentos
internos (estrutura profunda). O que é finalmente dito é apenas uma
subclasse do pensamento original (estrutura superficial) e pode ser
ambíguo ou confuso, e levar o advogado a interpretações equivocadas
do conflito.
Podemos encontrar explicação para esse fenômeno nos metamodelos
criados por John Grinder e Richard Bandler, os quais relatam que ao
compreendermos a existência das duas estruturas - profunda e de
superfície, somos capazes de observar com mais clareza que, na
comunicação, as pessoas, inconscientemente, usam:
• Omissão: o cliente relata só algumas das informações disponíveis
na estrutura profunda, as quais são favoráveis a ele;
• Generalização: o cliente faz afirmações gerais sobre o que acredita,
como vê a parte contrária, o valor do conflito, etc. Ele ignora possíveis
situações especiais ou diferentes;
• Distorção: o cliente simplifica ou fanatiza o conflito, distorcendo a
realidade.
Ou seja, temos aquele cliente que entra no escritório como quem,
apesar de vivenciar conflitos, busca orientação, apoio ou até mesmo
conselhos preventivos; e temos aquele cliente que está em transe,
bloqueado e travado pelo conflito, e busca, desesperado, uma solução
que o tire dessa situação.
Cada cliente em transe, responde ao atendimento sistêmico de forma
diferente. No entanto, é comum nos depararmos com quatro
comportamentos, os quais exemplifico utilizando os chamados Four
Fs (Quatro Fs):

Fight: mostrar-se irritado e quer brigar, revidar

Flight: mostra-se acuado e com medo, querendo fugir do


problema
Freeze: mostra-se congelado e paralisado, não encontrando
saída

Fawn: mostra-se submisso e não quer olhar para o problema,


prefere desmaiar
Especialmente para esses clientes em que o atendimento sistêmico se
mostra como uma prática de excelência, pois não se limita ao
atendimento exclusivamente verbal e narrativo, mas sim como um
atendimento humanizado, com capacidades para receber o conflito e
acolher o cliente, porque ambos precisam ser vistos e apoiados.
A linguagem própria para este trabalho é a que tem a estrutura da
linguagem dos sonhos, das fantasias, das metáforas e dos mitos. Mais
do que a busca da verdade, da solução e da lei, é a linguagem que
permite a expressão do que não foi dito e do que não foi chorado.
Buscando a representação como recurso para falar do que acontece, o
advogado sistêmico faz o cliente não só relatar o conflito, como contar
e viver a sua história.
Dessa forma, abre-se a memória emocional e promove-se integração
(inclusão), contrária à dissociação (exclusão), tão própria dos estados
traumáticos. De posse dos conhecimentos acima expostos e com
postura sistêmica, o advogado auxilia o seu cliente a atingir objetivos,
os quais podem ser:
1. Obter clareza
2. Compreender as conexões
3. Tomar decisões
4. Esclarecer um conflito
5. Alcançar um objetivo
6. Orientar o futuro
7. Entender ou esclarecer a posição
Assim, o advogado leva o cliente a simples mudanças, muitas vezes
eficazes e suficientes para um novo olhar e uma nova possibilidade.
Esse conduzir, esse enquadramento com o cliente, possui alguns
pressupostos importantes para um bom resultado, os quais abordarei
mais à frente.
Antes disso, vamos recordar e examinar pequenos conceitos das
constelações e dos seus modelos.
Capítulo 5

As constelações sistêmicas

Inicialmente, quero convidar você, leitor, a refletir sobre como e de


que forma você recebe o conhecimento sistêmico na sua vida e no seu
trabalho. Qual é o lugar das constelações e do pensamento sistêmico
na sua profissão? Como você se sente na atuação sistêmica, como
advogado, mediador ou constelador? Você é capaz de perceber as
autorizações e habilidades que possui para atuar com essa abordagem?
Pergunto isso porque, enquanto penso sobre a construção da advocacia
sistêmica no meu escritório, me reporto à grandeza, à precedência e à
força do Direito e da profissão de advogado, suas regras, instituições
e ética. O meu foco continua sendo a advocacia. Mesmo na
ambivalência enfrentada no início dos estudos do conhecimento
sistêmico, eu buscava manter o foco. Afinal, qual é o meu lugar no
campo profissional? Eu, sem qualquer juízo exato de valor, entendo
que consteladores são consteladores, e advogados são advogados.
Assim como um constelador tem limitações para abordar e orientar um
cliente com conflito jurídico, um advogado deve estabelecer limites
para sua atuação sistêmica.
Mesmo sendo terapeuta, devidamente habilitada e inscrita no Sindicato
Nacional dos Terapeutas, utilizo o pensamento sistêmico e as
constelações como uma ferramenta de apoio para o atendimento e
como postura na condução processual. Esclareço que participo como
facilitadora em constelações em outro ambiente e, no meu escritório,
realizo atendimentos individuais, limitando minha atuação com
clientes do escritório ao uso da linguagem, postura, estado escutativo
e técnicas aprendidas com as formações em constelações sistêmicas.
Quando um cliente vem ao escritório para livrar-se de algo que o
incomoda ou com a pretensão de alcançar um resultado, é fato dado o
cliente estar em conflito com algo ou alguém. As perguntas que devem
ser feitas pelo advogado sistêmico são: o que acontece com esse cliente
para ele estar nesse conflito? Em que frequência ele está? Que
memórias ou acontecimentos fazem sentido nesse conflito? Que
emoções e sentimentos se mostram? Qual ou quais leis sistêmicas não
foram ou não estão sendo observadas no sistema do cliente?
É comum vermos um casal alcançar o objetivo do divórcio e voltar ao
escritório do advogado para, por exemplo, apresentar novos confl itos
relacionados à guarda dos filhos, ofensas, ameaças e outras dinâmicas
conectadas ao verdadeiro conflito não visto.
Quando trabalhamos com conflitos de casal, sentimos que é
inadequado permitir, por exemplo, que uma mãe venha para o
atendimento acompanhada de seus filhos, especialmente se ainda
forem crianças e, nesse atendimento, fale mal do pai ou faça
julgamentos sobre ele. Para os filhos, é extremamente penoso
vivenciar a mãe falando mal do pai ou vice-versa, e isso pode conectar
o futuro dessa criança à dinâmica atual.
Em um dos atendimentos recentes, deparei-me com uma mãe
acompanhada de seu filho de quatro anos, uma vez que, segundo ela,
não tinha com quem deixar a criança. Durante a consulta, logo que a
mãe começou a apresentar suas queixas no relacionamento e o desejo
de se divorciar, o filho demonstrou agitação e irritação, interrompendo
o atendimento por diversas vezes, de forma verbal e não-verbal.
A criança choramingou, clamou pela mãe inúmeras vezes e, por fim,
passou a bagunçar a sala de atendimento. Nesse momento, a postura
sistêmica se fazia necessária para mostrar a essa mãe como o seu filho
reagia ao movimento de exclusão do pai. Interrompemos o
atendimento e, utilizando bonecos, olhamos para a criança. Sugerimos
ao menino um boneco como sendo o representante do papai, um como
o representante da mamãe e um para ele próprio. O menino ficou
intrigado e interessado. Em seguida, pedimos que ele mostrasse como
gostaria de colocar esses bonecos e, imediatamente, ele colocou o
boneco do papai no lado esquerdo da mesa e o boneco da mamãe no
lado direito, um de costas para o outro. O menino, questionado sobre
onde ele próprio estava, imediatamente pegou o boneco que o
representava e, em movimento brusco e preciso, colocou o boneco no
meio do papai e da mamãe, mas, ao invés de o boneco estar em pé,
colocou-o deitado. Nesse momento, já foi possível observar que a
postura agressiva da mãe perdeu força. Perguntando à criança por que
o boneco estava deitado, o menino disse: “eu quero morrer”. Essa
pequena intervenção abriu a possibilidade de a mãe olhar para o filho,
honrar seu marido e possibilitar uma mediação. O casa! se divorciou,
mas a. postura inicial de raiva e cobrança foi substituída por gratidão
e paz.
Existem ainda aqueles casos em que o próprio advogado entra em
ressonância com seu cliente. Nesses casos, é interessante observar que,
não raras vezes, o conflito do cliente faz sentido para o advogado, que
reconhece os sintomas, porque no seu sistema familiar aquilo ressoa e,
nesse movimento, o próprio advogado fortalece o conflito ao invés de
pacificá-lo.
Por exemplo, uma mulher procura o advogado para se divorciar de seu
marido. Com o coração cheio de julgamentos e reivindicações, a
esposa pretende culpar seu companheiro pelo fracasso matrimonial . Se
no sistema familiar do advogado existe ou existiu um conflito de casal,
de seus pais, por exemplo, e isso ainda não está consciente para o
advogado, pode ser que ele passe a sentir raiva do marido de sua
cliente, transferindo para a parte contrária do litígio as emoções
reprimidas do seu relacionamento com os pais que também se
divorciaram. Nessa situação, o advogado alimenta a tensão e, junto
com sua cliente, patrocina a disputa judicial por anos e anos, para que
assim não apenas o companheiro de sua cliente seja punido, como
também suas dores pessoais sejam vistas.
Com a consciência de clã, aprendida com o pensamento sistêmico,
somos capazes de compreender que nossos clientes, às vezes, nos
procuram para curar a grande alma e não apenas o sistema fami liar
deles.
Por isso, mostra-se extremamente útil o pensamento sistêmico como
ferramenta na solução dos conflitos na Justiça, pois o advogado
sistêmico, com base nas informações prestadas pelo cliente e com uma
postura sistêmica, pode levar o cliente a olhar para o conflito como
expectador e, nesse atendimento, pode até utilizar alguns objetos
(âncoras de solo, bonecos, recortes de papel) para representar os
membros do grupo familiar, do sistema conflituoso ou ele mesmo.
Esses objetos são dispostos no espaço de trabalho de forma a
representar o cliente, seus sentimentos, a relação entre os membros e
o conflito e, assim, possibilitar ao cliente a experiência de viver o
conflito e talvez encontrar uma boa solução.
A partir desse esclarecimento, vou discorrer um pouco sobre o
conhecimento adquirido nas formações em Constelações Sistêmicas
Fenomenológicas e Estruturais, destacando características e
qualidades de cada uma delas, as quais entendo relevantes para o
exercício da Advocacia Sistêmica.
5.1 Constelação Sistêmica Familiar e Empresarial
Fenomenológica
É uma abordagem que, no primeiro olhar, aparenta não possuir regras
nem técnicas muito evidentes para o iniciante que presencia ou toma
parte numa intervenção. Há uma crença importante que norteia a
percepção do facilitador: todos os males provêm de movimentos de
amor. Aqui, diferenciam- se dois tipos de amor: o amor infantil,
imaturo, que pode criar a doença; e o amor adulto, maduro, que pode
trazer a cura. Partindo da ideia de que a estrutura dos vínculos humanos
é anterior aos modelos sociais, a maioria das intervenções e
ferramentas utilizadas pelo advogado facilitador foge completamente
do entendimento. Isto é, a Constelação Sistêmica Fenomenológica lida
com conteúdos simbólicos, emocionais e psicológicos humanos
antigos.
Na abordagem fenomenológica, qualquer ideia preconcebida que
façamos de uma determinada intervenção ou diagnóstico pode
interferir ou inibir o processo de cura ou solução de tal caso. A postura
do advogado facilitador deve ser, todo tempo, de não saber e,
utilizando o menor número de intervenções possíveis, respeitar a
inteligência e sabedoria do próprio sistema.
A dificuldade para alguns facilitadores, ocasionalmente, encontra -se
em apoiar a capacidade de confiar no que se mostra na Constelação
Fenomenológica e permitir que o cliente integre partes do atendimento
sistêmico que transmitem paz ou informações que podem não fazer
sentido de uma forma linear. Como facilitadores, com essa abordagem
fenomenológica, apoiamos a confiança no conhecimento do campo.
A abordagem fenomenológica é, portanto, uma forma de adentrarmos
em um universo de fenômenos que o intelecto não é capaz de alcançar,
pois inclui realidades que a mente ainda não percebe ou não conhece.
Por isso, esse modelo de abordagem não é fácil de ser ensinado e
depende muito de percepções do próprio facilitador.
A abordagem sistêmica fenomenológica no atendimento individual
com clientes em um escritório de advocacia se mostra um pouco mais
difícil de ser aplicada, porque, ao depender das habilidades pessoais
do advogado e de suas próprias percepções sensoriais, muitas vezes, o
cliente não compreende e não se conecta a esse perfil de atendimento.
Assim, sem a participação do cliente, a condução do atendimento se
torna carente, pois o advogado necessita desse framing
(enquadramento) para entrar em rapport (sintonia) com o cliente e dele
extrair informações importantes e necessárias.
5.2 Constelação Sistêmica Estrutural
O trabalho intelectual baseado na abordagem fenomenológica deu
origem a um modelo de intervenção construtivista. Esse novo modelo
é chamado de Constelações Estruturais e foi criado por Matthias Varga
von Kibéd e Insa Sparrer 5.
O método é um desenvolvimento do trabalho com as Constelações
Sistêmicas Fenomenológicas. Mais do que atenção aos conteúdos, essa
metodologia está orientada para a leitura da estrutura, da gramática e
da geometria das Constelações. Trata-se de uma abordagem focada em
soluções com vários formatos, o que faz com que o trabalho das

5 Matthias Varga von Kibéd nasceu em 27 de outubro de 1950, na Alemanha. Estudou


Filosofia, Lógica e Teoria da Ciência e da Matemática na Universidade de Munique. Em
1984, promoveu a gramática universal e, em 1987, escreveu sobre os fundamentos da
teoria formal da verdade e do paradoxo. Trabalhou como professor nas universidades de
Munique, Viena, Liubliana, Graz, Constance, Göttingen, Maribor e Tübingen. Em 1994,
Varga von Kibéd, juntamente com sua esposa Insa Sparrer, fundou o SySt Institute for
Systemic Education, Training and Research em Munique. O foco do trabalho no SySt é o
desenvolvimento do design estrutural sistêmico. Desde 1995, realiza cursos de treinamento
para facilitadores e consultores sistêmicos, com foco no trabalho estrutural. Disponível em:
<http://de.wikipedia.org/wiki/Matthias_Varga_von_Kibéd>.
constelações seja voltado mais para um método específico e prático,
do que para um fenômeno, com uso muito maior de intervenções para
alcançar resultados concebidos pelo cliente e pelo facilitador como
soluções para o sistema.
Na abordagem estrutural, o advogado facilitador olha para o sistema
como construções da mente humana (famílias, empresas) que seguem
determinadas normas e estão sujeitas a códigos culturais determinados.
As Constelações Estruturais constituem um campo de aplicação dos
métodos de solução de problemas.
Para alguns estudiosos e aplicadores das constelações, a abordagem
estrutural tornaria o trabalho muito mais inteligível, porém, não
alcançaria a mesma profundidade do método fenomenológico, razão
pela qual esses especialistas entendem que a fenomenológica é
destinada à solução de problemas pessoais ou de relacionamento
humano, enquanto a estrutural é destinada ao diagnóstico e à solução
de problemas profissionais e de negócios, em empresas ou grandes
organizações. Tais entendimentos sofrem críticas e não são conceitos
rígidos, porque, para muitos, as Constelações Estruturais utilizam toda
a força do fenômeno e as percepções do facilitador nas estruturas,
objetivando buscar soluções com compreensão e responsabilidade.
A Constelação Sistêmica Estrutural é útil e rica para profissionais do
Direito e outras áreas que necessitam de ferramentas e modelos de
aplicação em seus escritórios e salas de atendimento, em especial, no
atendimento individual.
Tabela A: Quadro comparativo
Constelações Fenomenológicas de Bert Constelações Estruturais de Insa e
Hellinger Matthias Vargars
Foco em sentimentos Foco em percepções
O campo vai se revelar Construção de uma linguagem para obter a
Tomar consciência resposta
Buscar soluções
Imagem inicial feita pelo facilitador Imagem inicial feita pelo cliente
Sensações Diferenças

Maior interpretação do facilitador Menor interpretação do facilitador

Intuição Gramática
Capítulo 6

Pressupostos do atendimento sistêmico

Com a prática das constelações dentro do escritório, alguns


pressupostos foram se mostrando indispensáveis para um bom
resultado. Esses pressupostos são úteis também para outros
profissionais que pretendem aplicar o método em ambientes que não
sejam exclusivamente em escritórios propriamente ditos, tais como
espaços de mediação, oficinas, treinamentos e consultórios.
6.1 Pensamento sistêmico
Antes de qualquer outra condição, o advogado sistêmico necessita
exercitar o pensamento sistêmico, o qual nada mais é do que aceitar
que o mundo é composto por sistemas, e que esse sistema afeta a vida
pessoal e financeira das pessoas e empresas. Quando se lida com um
sistema, dificilmente se tem a regularidade de uma causa/efeito, poi s
cada parte está recebendo influências de várias outras. Citamos
algumas possibilidades de sistemas complexos de causa e efeito:
- Múltiplas causas/um efeito: o trânsito fica lento porque todos
diminuem a velocidade para olhar um acidente.
- Uma causa/múltiplos efeitos: o vírus da gripe pode desencadear
vários sintomas, embora o vírus seja único.
- Múltiplas causas/múltiplos efeitos: uma pessoa casou, comprou
uma casa, abriu uma conta conjunta no banco, o qual possibilitou um
financiamento, que levou à compra de um carro e, consequentemente,
ao contrato de seguro.
O conceito de sincronicidade, desenvolvido por Carl Gustav Jung para
definir acontecimentos que se relacionam não por relação causal, mas
sim por relação de significado, mostra-nos que é necessário considerar
os eventos como acontecimentos com significados iguais ou
semelhantes. Em um atendimento, podem ocorrer dois ou mais eventos
que coincidem de uma maneira que possa ser significativa para o
cliente, sugerindo um padrão subjacente. Portanto, através da
abordagem sistêmica, somos capazes de diferenciar coincidência de
sincronicidade, pois os efeitos nem sempre implicam em aleatoriedade
das circunstâncias, mas sim num padrão dinâmico (causa) que é
expresso através de eventos ou relações significativas (efeitos). O
desiquilíbrio no dar e no tomar entre casais (causa) pode gerar a
infidelidade ou a violência doméstica (efeitos).
Ao tratar do controle social das leis, Carla Pinheiro (2013) afirma, em
sua obra Psicologia Jurídica, que o controle social é eficiente na
medida em que os indivíduos acreditam na legitimidade das regras
impostas, e isso só é possível com a interiorização dos valores e
crenças que fundamentam as normas, ou seja, as leis e regras somente
possuem sentido para os indivíduos quando isso faz parte do sistema
nos quais se identificam, no caso, o sistema familiar em primeiro
plano. A autora aponta na página 76 que:
Enquanto as normas explícitas são transmitidas por meio da
linguagem verbal, as normas implícitas são passadas de uma geração
para a outra pelo comportamento padronizado. Percebendo que os
adultos a sua volta agem sempre de determinado modo em
determinadas situações, a criança termina por desenvolver a ideia e o
sentimento correspondente de que é daquele modo que as pessoas, em
situações análogas, devem agir [...]
E ainda na página 122 que:
É no seio da família que se instalam os valores, os costumes, os
modelos de conduta, os fundamentos, enfim, os comportamentos da
pessoa que refletirão no futuro e na postura do indivíduo perante a
sociedade e, consequentemente, na prática ou não de atos delituosos.
Podemos compreender melhor quando olhamos para as normas e
costumes de culturas diferentes como, por exemplo, de algumas tribos.
Certamente, o controle social é diferente do nosso e para os membros
dessas tribos seria difícil, senão impossível, encontrar sentido ou
fundamento nas nossas normas. Digo isso não apenas no aspecto
jurídico, mas também nos costumes e modelos de conduta. Para tanto,
cito o costume de uma tribo africana.
Na tribo Zulu, povo da região da África do Sul, eles costumam usar
duas palavras para saudar uns aos outros para fortalecerem os
relacionamentos, que são "SAWABONA SHIKOBA". "SAWABONA" é
um cumprimento que quer dizer: "Eu te respeito, eu te valorizo. Você
é importante para mim" e, em resposta, as pessoas dizem "SHIKOBA",
que é "Então, eu existo para você". Sempre que alguém na tribo faz
algo errado ou prejudicial, eles fazem uma roda em volta da pessoa e
começam a dizer a ela tudo o que ela fez de bom, para reavivar o bem,
para que essa pessoa possa voltar a viver harmoniosamente com
todos. A tribo enxerga o erro das pessoas como um pedido de socorro.
Para eles, os sujeitos podem até ter atitudes ruins, mas eles nunca
devem ser condenados como se tivessem cometido erros irreparáveis 6
Desse modo, com o pensamento sistêmico, somos capazes de não fazer
julgamentos sobre a personalidade das partes de um processo ou de
uma dinâmica familiar e social e, com esse pensar, acolher os arranjos
que regem a música interna do cliente e das demais partes envolvidas
no conflito.
Compreendendo a existência de sistemas complexos de causa e efeito,
conseguimos perceber que somos parte de vários todos, de vários
sistemas interrelacionados e que também fazemos parte de várias
relações interligadas. O pensamento sistêmico faz você enxergar não
apenas uma árvore, mas sim a floresta como um todo.
6.2 Presença
A presença é um exercício diário que aconselho a todo advogado
sistêmico. Entrar na presença é se conectar conscientemente com todos
os cinco sentidos antes de iniciar a atividade profissional. A não -
presença pode ser descrita como aquele estado no qual executamos as
atividades no piloto automático. Atender um cliente, por exemplo, no
estado emocional de conflito pessoal com alguém da família é não
estar presente no atendimento e, se o cliente relatar também um
problema familiar, isso pode ser catastrófico.
O advogado sistêmico se conecta com sua essência primária. Para estar

6 CRUZ, Michele. Sabedoria Africana. Disponível em:


<http://obviousmag.org/inconvencional/2015/05/viver-e-aprender-e-dar-
se.html#ixzz54aoUJqdZ>.
nessa vibração, o profissional deve buscar a sua verdade interna, os
seus valores pessoais, a sua identidade profissional. Saber para que ele
está em seu escritório. A serviço do quê? Da justiça ou do conflito? Da
verdade real ou da verdade construída? De que se alimenta a sua
profissão? Como respira?
Nesse processo de transformação interna, o advogado olha para o
relacionamento com sua mãe, com seu pai, com seus irmãos. No
exercício da Advocacia Sistêmica, existem fronteiras que limitam o
exercício, em especial quando nossos conflitos pessoais não estão
resolvidos. É certo que todos nós teremos sempre algum tipo de
dificuldade ou desiquilíbrio, mas, na medida do possível, a nossa vida
pessoal deve estar sempre caminhando para o equilíbrio, para que
possamos nos conectar a esse olhar e possibilitar que o cliente
experimente aquilo que nós mesmos vivenciamos.
Na presença, somos capazes de conduzir o cliente com consciência do
aqui e do agora, e auxiliá-lo na busca por uma solução também
consciente. Além disso, temos mais controle sobre o nosso est ado e,
consequentemente, mais condições até mesmo de decidirmos se aquele
cliente está disponível para contratar um advogado sistêmico ou se
ainda precisa viver mais algum tempo no transe.
O que seria este estado de presença, na prática? Imagine um jurado no
tribunal do júri. Ele está lá para, inicialmente, escutar o todo. Se ele
não for capaz de ficar conectado ao que ouve, prestando atenção em
todas as formas de linguagem ou, pior, se fizer qualquer espécie de
julgamento prematuro, a sua decisão final pode não ser a mais coerente
e correta. Essa decisão pode afetar não apenas o corpo de jurados,
como também todo o julgamento e, consequentemente, os sistemas
familiares envolvidos.
Logo, o advogado sistêmico absorve as informações recebidas do
cliente, e as distorções do seu estado podem afetar um bom
atendimento. As distorções-estados são as características temporais de
curto prazo do advogado devido a fatos ocasionais, por exemplo, uma
discussão com o cônjuge, um engarrafamento muito grande no trânsito
e outros acontecimentos que podem levar a um estado de mau- humor
(negativo) e, neste caso, afetar a avaliação perceptiva do cliente. Por
outro lado, ocorrem também acontecimentos agradáveis, que podem
levar a um estado de ânimo de bom- humor (positivo).
Considera-se, ainda, na questão da presença, as distorções-traços,
associadas normalmente à personalidade do advogado. Uma das
distorções-traços possíveis é a arrogância. Um estado arrogante, com
atitudes conservadoras e autoritárias, torna o advogado menos
indulgente e mais punitivo, e isso alimenta o conflito. Uma das
características mais marcantes do advogado autoritário é a intolerância
perante a dúvida, ou seja, a partir da narrativa do cliente, ele já faz um
esquema mental do trabalho a ser executado, sem avaliar as
consequências para a outra parte e para o próprio sistema de todos os
envolvidos no conflito.
As nossas distorções-estados e distorções-traços devem ser observadas
para que possamos entrar em estado de presença, porque as pessoas
normalmente são inconscientes de suas distorções e negam que elas
possam influenciar seus juízos.
Destaco que o atendimento com um advogado sistêmico é, muitas
vezes, o único lugar em que as imagens internas e as experiências do
cliente são levadas a sério. O escritório com essa abordagem é, muitas
vezes, o lugar onde o cliente é recebido por alguém que está disposto
a explorar o significado das experiências para as quais o cliente não
tem sido capaz de achar um sentido. O encontro com esses espaços
internos pode ser esmagador para alguns clientes, e disso dependem as
experiências passadas do cliente ou do seu sistema. Por isso, é
importante saber atender com segurança e presença, dosando a
quantidade de informações e diminuindo a velocidade quando
necessário. Trabalhar lentamente ajuda a combinar a velocidade das
emoções e as capacidades do cliente.
Hellinger afirma que nossa postura com o cliente é centrada e dirigida,
mas sem sentimentos ou emoções (distorções). Nessa postura,
devemos resistir aos anseios do cliente, que podem vir acompanhados
de explosões emocionais. Essa postura não se aprende, exercita-se.
A nossa postura é importante, porque, normalmente, o cliente de um
escritório de advocacia está sob estresse e busca um serviço
profissional para entender e recuperar um senso de controle. Quando
percebemos que o cliente está entrando em um transe, a ponto de não
estar mais presente, podemos chamá-lo de volta à presença para
recuperar a consciência e perceber que ele está revivendo algo do
passado como se fosse verdadeiro no agora. Disso depende a presença
do advogado e o equilíbrio do contrato de prestação de serviços.
Formas de perceber que o cliente está em um transe:
1) Quando observamos que o cliente saiu do contato conosco;
2) Quando as emoções ou sintomas físicos do cliente começam a sair
de seu controle;
3) Sentimentos e sensações que surgem em nós mesmos como
contratransferência.
Para trazer o cliente de volta à presença, podemos pedir que ele respire,
oferecer uma água ou um café, compartilhar algum assunto
interessante, ou podemos convidá-lo a responder perguntas cognitivas,
tais como: Você está me vendo? Você ouve o barulho lá fora? Você
está sentindo algum cheiro? O que você comeu hoje? Que sabor tinha?
Quando o cliente retoma o contato, podemos perguntar se ele tem uma
explicação para aquela reação ou emoção forte e se alguém na sua
família tem esse tipo de sintoma ou sensação.
Quando a pessoa está simplesmente relaxada, em seu estado natural,
sem precisar fazer esforço para concentrar a atenção ou excluir objetos
internos ou externos, estados ou experiências, dizemos que ela está na
presença. Presença é um recurso essencial para o advogado e para o
cliente. Quando um profissional do Direito também está presente, o
cliente sente-se visto e recebido. A presença estabelece uma base de
respeito e confiança entre o profissional e o cliente.
6.3 Percepção sistêmica
A percepção sistêmica significa ser capaz de ver o foco (que é o cliente
com sua questão) e todo o conflito ou sistema, sem querer mudar nada.
Ao olhar para um conflito ou um sistema, o advogado se conecta com
uma postura de respeito e fica livre de qualquer intenção. Nesse
sentido, o triângulo de valores é uma importante ferramenta:

Figura 6: Triângulo de valores

Não saber: Permitir-se não saber oferece ao facilitador a possibilidade


de aprender novas coisas.
Confusão: A confusão é um valor, podendo ser positivo ou negativo.
Impotência: Não poder colocar o cliente em outra atitude.

Figura 7: Triângulo de valores

Quando o advogado atende uma situação, ele pode ter a ideia de que o
cliente está sobreposto (identificado) com a mãe, ou seja, que está
ligado às memórias ou emoções de sua mãe, e isso pode ser um bom
recurso. Porém, não há a certeza de que esta seja a raiz do problema
do cliente. Ter essa percepção ajuda muito o sistema do cliente.
Wittgenstein 7 trata sobre isso, ao discutir sobre o mau entendimento

7 Ludwig Joseph Johann Wittgenstein, que nasceu no dia 26 de Abril de 1889, em Viena, foi
um filósofo austríaco, naturalizado britânico. Foi um dos principais atores da virada
linguística na filosofia do século XX. Suas principais contribuições foram feitas nos campos
da Lógica, Filosofia da Linguagem, Filosofia da Matemática e Filosofia da Mente. Disponível
em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ludwig_Wittgenstein>.
da lógica, que traça um limite para o que se pode pensar e dizer,
quando, na verdade, deveríamos ter liberdade de pensamento.
Piaget explica que a criança não sabe o que é uma bola de modelar até
que eu explique para ela e fixe a ideia de irreversibilidade. Um cliente,
quando procura um advogado, não sabe como resolver juridicamente o
seu problema. Ele precisa do conhecimento do profissional. O
advogado sistêmico tem um conhecimento que vai além das normas
jurídicas, ele conhece também as leis do amor. No caso da
sobreposição de contexto, a ideia parte do advogado que conhece o
acontecimento.
No entanto, de acordo com a teoria piagetiana, se eu pegar uma bola
de modelar e transformá-la em uma salsicha para, depois, transformá-
la novamente em uma bola, apresento a reversibilidade. Assim é com
o advogado sistêmico: é melhor não criar ideias ou suposições, mas
sim novas diferenças. Por isso, a pergunta depois de um atendimento
sistêmico deve ser: Qual a diferença agora?
História de Nasrudin:
“Certa noite, caminhando por uma estrada deserta, o Mulá Nasrudin
viu uma tropa de cavaleiros vindo na direção dele. Sua imaginação
começou a trabalhar: viu-se capturado e vendido como escravo, ou
forçado a entrar no exército. Nasrudin saiu correndo e quanto mais
corria, mais os cavaleiros corriam atrás dele. Então, Nasrudin
escalou o muro de um cemitério e se deitou numa sepultura aberta.
Perplexos com esse comportamento estranho, os homens - que eram
viajantes honestos - o seguiram. Encontraram-no estirado, tenso e
tremendo. “O que está fazendo nesse túmulo, Nasrudin? Vimos você
sair em disparada. Podemos ajudá-lo?”. Nasrudin, compreendendo o
que tinha acontecido, responde: “Só porque você consegue formular
uma pergunta não significa que exista uma resposta simples para ela.
Tudo depende do seu ponto de vista. No entanto, se querem mesmo
saber, eu estou aqui por causa de vocês e vocês estão aqui por minha
causa.”
A história de Nasrudin nos mostra que o não saber é muitas vezes o
melhor recurso, uma vez que o saber nem sempre é real e pode nos
levar a percorrer caminhos desnecessários, os quais ao invés de nos
aproximar da melhor solução, ao contrário, nos afasta.
6.4 Postura sistêmica
A postura sistêmica é um estágio avançado da presença. Nã o posso
saber Deus, porque Deus está além. Aqui, podemos olhar para a
história lendária de Adão e Eva e a árvore do conhecimento. Em
Gênesis, há a afirmação de que o ser humano não é Deus, embora seja
criado à sua imagem e semelhança. Comendo da “árvore do bem e do
mal”, adquire uma característica atribuída a Deus: a capacidade de
discernir entre o que é bom e o que é mal. O ser humano é, então,
expulso do Éden para evitar que se engane, pensando que é Deus, ao
comer da árvore da vida.
No atendimento sistêmico, o advogado deve se afastar da intenção de
querer ajudar seu cliente e de dar interpretações do que seja bom ou
mal. A postura é de acolhimento. O advogado não é um destino para a
solução, mas sim uma porta para ela.
Por isso, para que possamos auxiliar o cliente, temos que nos colocar
presentes no aqui e no agora para que não entremos em uma relação
simbiótica com o cliente e com o seu tema. Nossa presença deve ser
adulta, deixando claro ao cliente que não somos responsáveis por suas
emoções. Quando julgamos nosso cliente ou alguém de seu sistema,
transformamos essa pessoa em objeto, e nós mesmos nos
transformamos em objeto. Todos nós somos sujeitos e agentes de
ações, comportamentos e escolhas.
Ademais, lembrando da lei de hierarquia, nossos clientes pertencem a
um sistema familiar onde os pais deles são maiores e precedem a nós,
portanto, qualquer tentativa de interferência pode nos colocar em
posição de superioridade ao próprio sistema do cliente, e isso gera
desiquilíbrio, agravando o quadro e o conflito. É o que chamamos de
transferência e contratransferência 8.

8
Transferência podem ser as projeções relacionadas às reações emocionais do cliente, dirigidas ao
facilitador. A contratransferência envolve sensações, sentimentos e percepções que brotam no
facilitador, emergentes do atendimento sistêmico com o cliente, como respostas às manifestações do
cliente e o efeito que tem sobre o facilitador. Elas podem ser positivas ou negativas.
A técnica tem que estar a serviço do cliente e não o contrário. Ela não
deve ser vista como controle, porque, assim, entramos na zona de
segurança. Ao advogado, é importante aprender a carregar o não-saber
e a curiosidade, além de não entrar no transe do cliente e conseguir
criar uma ponte entre o sofrimento do cliente e o que causa.
Essa postura sistêmica exige do advogado a consciência de que alguns
clientes necessitam permanecer no transe do conflito e contratar outros
profissionais, inclusive. Isto também faz parte do atendimento
sistêmico: liberar o cliente para um advogado sem abordagem
sistêmica. Afinal, que atmosfera profissional você busca? Quando
você concorda em entrar no transe do cliente e sai do seu lugar, corre
o risco de atrair para seu escritório mais e mais clientes com esse perfil
litigante. Mantendo-se na postura sistêmica, muitas vezes, ao
renunciarmos os honorários de um cliente em transe, favorecemos o
aparecimento de muitos outros clientes com perfil menos conflituoso,
e esses, na maioria das vezes, poupam tempo e energia do advogado,
auxiliando para que ele trabalhe com mais leveza e mais resultados.
6.5 Linguagem sistêmica: frases
O trabalho do advogado sistêmico é de mudança de posições ou de
estados e, consequentemente, de imagens que o cliente trouxe. Nesse
particular, é importante que o advogado saiba distinguir os diferentes
tipos de frases utilizados ao longo de uma consulta, atendimento ou
constelação. Muitas vezes, a linguagem sistêmica é o suficiente e o
essencial para que o cliente perceba o conflito com um novo olhar e
encontre uma solução por conta própria.
Exemplificando:
Ao atender um casal em conflito quanto à guarda e sustento do filho,
após escutativa atenciosa de ambos, conduzi os clientes a olhar para
a criança como parte do todo, acolhendo as angústias de cada um,
sem qualquer julgamento. Utilizando material próprio confeccionado
para evidenciar o material genético de cada um - X e Y, sugeri que
ambos tomassem a parte que lhe cabia do filho e olhassem para isso
buscando encontrar suas responsabilidades. Após alguns minutos de
silêncio, sugeri que ambos dissessem: - Eu cuido do que é meu e você
cuida do que é seu. Levou um certo tempo para que cada um
conseguisse dizer. O genitor demonstrou maior dificuldade para
expressar. Então, perguntei: - Como seu pai cuidou de você? Sem
entrar muito em detalhes de toda a dinâmica, ficou claro que o genitor
apresentava muito dificuldade de cuidar do filho com a
responsabilidade que lhe cabia, em razão de o seu próprio pai não tê-
lo feito em plenitude. Desse atendimento, foi possível para a genitora
compreender a dificuldade do genitor, e ele tomou mais coragem e
força para fazer diferente. Sugeri ao genitor a possibilidade de olhar
para a sua relação com o seu pai, através de uma constelação, pois
isso o ajudaria no relacionamento com o filho. No meu entender,
quando ele tomasse tudo de seu pai do jeito que foi, a ele estaria
aberto o caminho em direção ao filho, como um pai adulto e
consciente, e não mais como uma criança que ainda precisava de colo.
Nesse exemplo, vemos que foram utilizadas algumas frases. Elas
podem ser classificadas em:
1.1.1 Frases vazias: Não provocam nenhuma mudança. É como uma
repetição de esquema, tudo segue como antes. Como, por exemplo,
quando eu penso que meu cliente tem certas atitudes por fidelidade ou
conexão com sua mãe e sugiro que ele diga para sua mãe: “Preciso me
afastar”. Se o cliente relata que nada mudou, é indicativo de que a frase
foi vazia.
1.1.2 Frases pesadas: Enfatizam a dinâmica disfuncional. Às vezes,
podem ser úteis na entrevista para tornar o sistema pior e observar os
efeitos. Em si mesma, a frase que pesa não é útil para a solução, salvo
se ajudar o cliente a ver onde leva uma certa dinâmica. Por exemplo,
quando peço ao cliente que imagine seu pai à sua frente e diga para
ele: “Eu tenho medo de você.” Se o cliente relata que a frase o deixou
extremamente nervoso, é sinal de que foi pesada. Ou ainda, como em
um caso de violência doméstica, no qual peço à cliente que diga para
o pai: “Querido papai, eu busquei um homem violento como você foi
para a mamãe.”
1.1.3 Frases reveladoras: Mostram a dinâmica que está ocorrendo.
Promovem uma visão intelectual. Chamam a atenção sobre o que está
acontecendo em um sistema e ajudam o cliente a explicar para si
mesmo por que as coisas são como são. Um exemplo prototípico é
quando peço ao cliente que diga para alguém: “Eu quero morrer em
seu lugar”. Logo após, o cliente respira profundamente, chora ou relata
que perdeu força. Isso indica que a frase foi reveladora e podemos estar
diante de uma sobreposição.
1.1.4 Frases de solução: Levam o sistema a uma nova posição ou
imagem. Implicam em encontrar uma nova posição ou reconhecer algo
que anteriormente estava escondido ou excluído. Algumas das frases
de solução mais comuns em movimentos sistêmicos são: “Eu vejo
você”, “Eu dou um lugar para você em meu coração” ou ainda “Eu amo
sua mãe através de você”.
Para o advogado que domina a gestão das várias frases, encontrar a
melhor maneira de usar a “frase apropriada” tem a ver com manter -se
em consonância com a energia e o fluir do atendimento.
Aqui, trago um caso prático:
Ao atender uma cliente como advogada sistêmica, ela revelava sua
tristeza e sua dor ao ver que sua filha de 15 anos havia denunciado
sua postura materna ao Conselho Tutelar e ao Ministério Público
como violência. A cliente relatava que a atitude da jovem t eria sido
sustentada e assistida por seu genitor, ex-marido da cliente. Revoltada
com o ex-marido e magoada com a filha, apontava inúmeras
justificativas para indicar os culpados. Inicialmente, com frases
pesadas como “Querida mamãe, assim como você, eu também me
afastei da minha mamãe", a cliente pode observar o seu papel nesse
sistema familiar, e a frase tornou-se pesada. Nesse contexto, a cliente
trouxe à tona a sua história familiar, na qual, aos 14 anos, saiu de
casa para casar e, por vários anos, ficou sem falar com sua mãe. De
posse dessa revelação e através das frases de revelação “Querida
mamãe, por amor a você, eu também me afasto" e “Porque você não
olha para sua mamãe, eu também não olho para você", a cliente pode
enfim respirar com alívio e compreender que seu ex-marido e sua filha
estavam apenas a serviço do seu sistema familiar de origem, repetindo
padrões aparentemente ocultos. Essas frases possibilitaram uma
solução livre de julgamentos, críticas ou acusações e abriram caminho
não apenas para a pacificação entre ela e a filha, como também entre
ela e sua própria mãe.
Capítulo 7
Condições do atendimento sistêmico

Quando falamos dos pressupostos do atendimento sistêmico, tais como


pensamento, presença, percepção, postura e linguagem sistêmica,
estamos discorrendo sobre a construção pessoal como profissional com
abordagem sistêmica. No nosso entender, além dos pressupostos,
existem algumas qualidades da prática sistêmica, começando pelo
ambiente profissional, passando pelo primeiro contato com o cliente,
até o final do atendimento. Vamos classificar esses momentos como
condições do atendimento sistêmico.
7.1 Local do atendimento: ambiente seguro
Quando analisamos as ordens do amor, já é possível construir a ideia
de como seria um espaço sistêmico adequado e congruente. Desde a
pintura da sala, passando pela decoração, até a disposição dos móveis
e o lugar disponível para o cliente e o facilitador se encontrarem para
o primeiro diálogo.
Analisando, por exemplo, os escritórios de advocacia clássicos,
podemos observar que a imagem subliminar é a de empoderamento e
não a de acolhimento; de conflito e não de pacificação. Nos objetos de
decoração, é possível sentir que o advogado é, para o cliente, um
guerreiro disposto a lutar com sua espada e não um facil itador aberto
para um diálogo de solução e de paz.
O que falar das salas de audiência e dos tribunais do júri? Na prática,
ao sentar na ponta de uma mesa de audiência, eu pude experimentar
sensações e resultados bem diferentes do que quando me Coloquei ao
lado do meu cliente e de frente ao adversário processual. Nesse teste
de simples mudança do meu lugar no ambiente, pude perceber que a
parte contrária se sentiu mais acolhida e acessível para um acordo com
meu cliente.
Desta forma, o ambiente, para ser sistêmico, necessita que o advogado
tenha um olhar diferenciado já na estruturação do seu local de
atendimento, para que não apenas aqueles que trabalham no local,
como o próprio advogado e o cliente, encontrem naquele lugar um
ambiente que revela e proporciona respeito, ordem e paz.
7.2 Ficha do cliente
Dependendo do escritório, o cadastramento é feito por funcionários ou
pelo próprio advogado. De qualquer forma, algumas observações são
importantes. O cadastramento aberto e não limitado auxilia a conexão
do advogado com o sistema do cliente. Dados como data de
nascimento, nome do pai e da mãe, profissão, estado civil,
naturalidade, descendência, podem, por si só, trazer informações e
percepções ricas ao advogado, bem como demonstrar ao cliente que
não apenas o seu problema tem lugar, mas também ele, como ser
humano, membro de um sistema familiar.
A ficha de atendimento pode auxiliar o advogado a conhecer as
emoções primárias do cliente. Tudo aquilo que se repete é padrão. O
antigo, a coisa velha, são emoções secundárias. A família é o recurso
do cliente, mas, muitas vezes, precisamos verificar em qual tempo e
lugar. Nem sempre os pais são recurso, por vezes, temos que evocar a
figura dos avôs ou mesmo dos bisavôs. O genograma 9 é um recurso
genuíno para alcançar camadas profundas do sistema de nosso cliente.
Esse recurso pode ser construído na ficha do cliente e nos ajuda a
visualizar o sistema e a estrutura familiar do cliente e quais
associações esse processo traz.
GENOGRAMA:

9 Genograma é uma representação gráfica das relações e da história de uma família, com
foco em uma pessoa. Ele se difere de uma simples árvore genealógica, porque permite a
visualização de padrões hereditários e fatores psicológicos que pontuam as relações.
Figura 8: Sistema e estrutura familiar do cliente

Com a prática de sua atividade, o advogado implementa e renova o seu


modelo de cadastramento, possibilitando, assim, cada vez mais
informações sobre seu cliente e sua vida.
A seguir, apresento um caso prático:
Uma cliente relatava o conflito com seu marido e o desejo de se
divorciar. No discurso inicial, a cliente trouxe a informação da data
do seu casamento, dia e mês. Essa informação, no contexto do relato,
pareceu um detalhe importante para a cliente, pois foi relatada com
forte emoção na linguagem. De posse do cadastro, foi possível
constatar que era o mesmo dia e mês de seu nascimento. Seguindo a
percepção sistêmica, a pergunta inicial foi: “Como seus pais estavam
quando você nasceu?" A possibilidade de uma conexão entre as duas
datas revelou uma lealdade parental da cliente com sua mãe, o que
favoreceu um olhar diferente sobre o conflito conjugal da cliente.
7.3 Diálogo preparatório
Algumas questões devem ser abordadas e consideradas no diálogo
preparatório, entrevista, primeira consulta, ou seja lá qual for a
denominação utilizada pelo advogado sistêmico. Durante esse
primeiro contato, também é importante perceber e observar:
• Energia do sistema: podem aparecer contextualização, confusão,
desiquilíbrio com elementos sobrecarregados quando o cliente fala do
tema. Um exemplo de elemento sobrecarregado é quando o cliente fala
com muitas emoções sobre alguém ou algo relacionado ao conflito.
• Geografia Espacial: no relato do cliente, podem aparecer indícios
de desiquilíbrio na hierarquia, no pertencimento e no dar e tomar.
• Linguagem Corporal: como ressoa dentro do advogado a narrativa
do cliente? Que esquema mental faz da situação? Que hipóteses
manipula? O que lhe chama a atenção no corpo do cliente?
• Indicadores de que um atendimento sistêmico é pertinente: a
carga sistêmica é adequada ou excessiva naquele momento? Os
sentimentos apresentados pelo cliente são secundários ou primários?
Você está focado e já possui percepções suficientes? Existem
condições de segurança para que o cliente possa trabalhar o tema ou
ele está demasiado exposto?
• Disposição no cliente: podem ser usadas as seguintes perguntas:
Como é que nós estamos aqui para trabalhar juntos?
Com quem ou para quem vou trabalhar?
Quais são suas expectativas e seu objetivo?
O que eu teria que saber como advogado para poder trabalhar sua
questão?
Ao cliente que está em movimento secundário, podemos fazer as
seguintes perguntas:
Como você sente isso em seu corpo?
O que acontece no seu corpo se você se afasta? Qual é o lugar bom?
Qual a sensação quando está muito perto?
Que movimento é necessário?
• Objetivo do cliente: definir qual é o objetivo do cliente com o
atendimento jurídico em relação ao conflito é importante para a
escolha das ferramentas e das intervenções sistêmicas, pois o objetivo
pode estar atrelado a diversas situações, sendo quatro as principais:
 Em direção a: objetivo conhecido
 Livrando-se de: algo que impede o objetivo
 Ambivalência: dúvida quanto ao objetivo
 Questões Nebulosas: objetivo é confuso
Quando o tema aponta que o cliente quer se livrar de algo ou alguém,
o ideal seria que o advogado conduzisse seu cliente a perceber que, ao
querer se livrar de algo ou alguém, está, na verdade, querendo ir em
direção a algo diferente. Ou seja, trabalhar com uma questão positiva
é sempre mais adequado para a boa solução. Por exemplo, o cliente
que quer se livrar de algum conflito, na verdade, busca algo por meio
do conflito, seja o amor de sua mãe, seja uma reparação ou
compensação, etc.
Exemplificado:
Ao atender um cliente com uma citação inicial, seu objetivo inicial era
contratar os serviços de defesa, visando derrubar as liminares e
descontruir o direito da outra parte. Para tanto, apresentou vários
fatos e justificativas. Como o discurso tinha uma carga emocional
muito forte, foram utilizadas frases e intervenções para que o cliente
se acalmasse e estivesse presente no atendimento. Ao perguntar para
o cliente se a outra parte tinha algum direito sobre aquilo que se
discutia, ele admitiu que sim, mas continuou negando a forma como
estava sendo coagido judicialmente. Construindo com bonecos o
processo, onde cada parte e o conflito ocupavam seu lugar, o cliente
pode perceber fatores internos e externos, do passado e do presente,
que envolviam o processo. Convidado a olhar para a solução sem essa
roupagem, o cliente se sentiu confortável e seguro para fazer uma
proposta que solucionasse o conflito. Assim, o cliente pode perceber
que o seu objetivo inicial, que era contestar a ação com desculpas e
acusações, não era o que efetivamente desejava.
* Com este caso prático, aproveito para fazer um adendo quanto aos
honorários. O valor dos honorários não foi inferior ao que seria
cobrado para contestação e acompanhamento, afinal, o cliente estava
extremamente satisfeito com a solução que visualizou para o
problema, a qual se mostrou muito mais rápida e leve.
7.4 Contrato de honorários
Outra questão importante é a compreensão de que muitas pessoas
nascem para experimentar os conflitos, para catalisar as coisas ocultas
através dos conflitos, e se nós detivermos esse processo, esses clientes
não se sentirão em paz, vão se sentir frustrados e com raiva acumulada.
Isso não é terminar com o conflito, é postergá-lo. Aqui, trata-se de
entender os processos mentais, meditar e pedir que tudo aconteça da
melhor maneira, inclusive no que diz respeito a oferecer o atendimento
com abordagem sistêmica ou não.
Nessa postura consciente, ficamos livres para, até mesmo, decidir se
queremos estar nessa frequência contratual ou não, se queremos ser
contratados para trabalhar nesse conflito ou não. Quando livres,
estamos aptos e capacitados para atuar pelo cliente e não apenas por
nós e pelo dinheiro.
O dinheiro é o alimento que leva a vida adiante. É o leite materno da
vida. É um presente e está acessível a todos porque ele serve para que
possamos continuar vivos. O dinheiro está a serviço. O contrato de
honorários está a serviço. Ele possui alma, não é um simples
instrumento particular. Ainda que fisicamente sua representação seja
bem simples, o dinheiro é uma manifestação de uma energia que está
a serviço da vida. Bert Hellinger afirma que o “dinheiro é algo
espiritual”. Sem dinheiro, ninguém pode sobreviver em nossa
sociedade. O dinheiro nos permite continuar vivos.
Nesse entendimento de que o contrato de honorários serve à vida do
cliente, vemos a grandiosidade de um contrato de honorários, o qual
geralmente prevê a contratação de serviços que envolvem as garantias
fundamentais do cliente. Nesse contrato, estipulamos um valor, e o
cliente concorda ou não com o que estipulamos. Aqui, entra a lei que
exerce maior influência sobre o fluxo de dinheiro: o equilíbrio. O
dinheiro, para permanecer com quem o recebe, exige que a troca seja
justa para ambos.
Quando há um desequilíbrio, acontece uma disfunção na gestão do
valor. Os rendimentos param, os negócios travam, o processo se torna
penoso e longo e, às vezes, não sabemos o porquê. Valor compatível
quer dizer não exigir a mais do seu valor e nem a menos. Cobrar o que
é justo. Uma pessoa que cobra menos do que o justo pelo seu trabalho,
em algum tempo, irá se tornar um prestador de serviço que parará de
servir seu cliente. É comum vermos que, em contratos desequilibrados,
um dos lados se sente pressionado e quer sair da relação profissional.
Aqui também falo do advogado que sai do campo. Do advogado que
abandona a carreira. Do advogado que adoece. Muitas vezes, o
contrato de honorários não está a serviço da vida, porque o dinheiro
não cumpre a missão do próprio advogado, a sua essência profissional.
Capítulo 8
Recursos e intervenções

Para auxiliar o advogado na tarefa de trabalhar o tema central de seu


cliente e definir com mais clareza e segurança o foco da solução,
alguns recursos e intervenções podem ser importantes e úteis.
8.1 Respiração
É um dos meios mais eficazes, que produz uma limpeza interna, uma
vitalização e um aumento geral de toda estrutura cerebral e mental. A
respiração mais controlada e profunda elimina as tensões emocionais.
A respiração profunda e correta é: inspirar lenta e profundamente pelo
nariz e expirar pela boca. Isso facilita as técnicas de relaxamento. Ao
realizar um atendimento, o advogado pode acompanhar a respiração do
cliente e sugerir que ele relaxe e respire com mais atenção para ajudar
a equilibrar os sentidos.
Quando estamos muito nervosos e precisamos nos acalmar, ou quando
estamos prestes a dar um grande passo em nossas vidas, a respiração
nos ajuda na concentração e no poder que nosso corpo pode oferecer
para o sucesso daquele momento. Mesmo sendo algo tão trivial, muitos
de nós ignoram o poder que a respiração exerce sobre nossas vidas. A
respiração tem relação direta com nosso estado físico e emocional. Por
isso, precisamos praticá-la de forma consciente, como um treino, para
explorar o melhor potencial. Há uma correlação direta entre a
respiração e a redução do estresse. Quanto mais consciente formos de
nossa respiração, mais bem equipados estaremos para lidar com os
desafios inevitáveis que surgem no nosso caminho.
Podemos auxiliar o cliente através dos neurônios- espelho, ou seja, o
advogado mantém uma respiração consciente olhando para seu cliente
e possibilitando que ele se espelhe nesse movimento e passe a respirar
melhor também. É como quando vemos alguém bocejando e
começamos a bocejar. Se o cliente altera sua respiração ao relatar o
conflito, o advogado deve manter a sua respiração consciente para,
assim, poder projetar no cliente o ideal de paz e tranquilidade.
8.2 Sentimentos
Observar os sentimentos do cliente quando relata o seu tema ou
conflito traz possibilidades para o advogado aumentar a conexão com
este cliente e ampliar as percepções do campo. Identificar se os
sentimentos do cliente são primários ou secundários aumenta as
possibilidades de resultado, porque os sentimentos primários situam-
se no presente e levam à ação, já os sentimentos secundários estão no
passado e imobilizam.
O luto, por exemplo, pode ser primário ou secundário. O luto primário
nada mais é que a dor lancinante da separação. Se nos submetemos à
dor, permitindo que ela execute seu trabalho, o luto finalmente
encontra sua própria saciedade e nós ficamos livres para começar de
novo. Muitas vezes, entretanto, as pessoas recusam submissão ao luto,
transformando-o, ao contrário, em sentimento secundário, autopiedade
ou tentativa de atrair a compaixão alheia. Esse luto secundário pode
durar a vida inteira, inviabilizando uma separação limpa e terna, e
negando a evidência da perda. Em sentimento secundário, um cliente
de inventário, por exemplo, pode buscar, através do litígio viver, o
luto. Isso trará dificuldades para um bom resultado.
Quando o cliente expressa seus sentimentos, seria muito útil se
utilizasse palavras que se referem a emoções específicas em vez de
palavras vagas ou genéricas. Por exemplo: “Sinto-me mal em relação
a isso”. O sentimento mal pode significar muitas coisas, tais como:
deprimido, agitado, cansado ou irritado. Palavras genéricas dificultam
a conexão e o advogado pode conduzir o cliente a expor seus
sentimentos de forma mais clara.
O livro de Marshall B. Rosenberg, Comunicação Não- Violenta, traz
uma lista de prováveis sentimentos, a qual auxilia na capacidade de
articular sentimentos e descrever claramente os estados emocionais. O
livro também traz exercícios para treinar a capacidade de ouvir o
cliente e de auxiliá-lo na descrição do conflito com vocabulário de
sentimentos claros e específicos de suas emoções. É uma leitura que
recomendo para uma melhor compreensão dos sentimentos e da
linguagem.
8.3 Sintomas
O sintoma é como uma mensagem em um envelope fechado que o
cliente deve abrir, escutar e compreender. Para trabalhar com
sintomas, o advogado sistêmico deve compreender que eles são a
expressão de que algo está tratando de despertar, algo que quer
curar/resolver. Nesse caso, perguntar ao cliente em que parte do seu
corpo o conflito se manifesta e qual a sensação, observando com
atenção a resposta, pode revelar muitos detalhes importantes.
8.4 Imagem inicial do tema ou do conflito
A imagem inicial é uma fonte de informação abundante. Olhá-la com
calma e com cuidado pode resolver muitas questões. Aprendemos que
nas constelações a ordem hierárquica é relevante, mas nem sempre é a
única conclusão que se pode tirar quando o cliente coloca os
elementos. Quero dizer, quando o cliente relata o conflito e eu resolvo
utilizar bonecos, por exemplo, o cliente coloca os bonecos que
representam os elementos (partes envolvidas, conflito, elementos
externos, objetivos, obstáculos, etc.) na mesa de trabalho. Essa
primeira imagem figurada deve ser observada porque é importante.
Outra questão a ser observada é o significado dos lados direito e
esquerdo. Vejamos:

Figura 9: Imagem inicial do tema

A imagem inicial apresentada pelo cliente traz informações


importantes. O advogado, além de observar essa imagem com atenção,
pode extrair dessa imagem outros elementos de contexto, por meio de
perguntas, tais como:
 Quem está aqui para proteger alguém?
 Onde alguém pode estar faltando?
 Que expressam os rostos?
 Onde é percebido poder?
 Que movimentos querem sugerir?
 Onde está a maior carga energética?
 O que quer sair à luz e o que quer manter-se escondido?
8.5 Pergunta milagre
O uso da pergunta milagre permite antecipar o contexto em que se
incluirá o cliente uma vez solucionado o problema. A pergunta milagre
é um recurso que pode ser utilizado indiretamente na entrevista inicial
ou como ferramenta em uma intervenção sistêmica com bonecos,
fichas, âncoras, etc.
No caso de um atendimento sistêmico, a utilização do recurso é mais
ou menos dessa forma:
• Eleger o tema central do conflito;
• Eleger fichas ou bonecos para os elementos do tema;
• O cliente constela (coloca) a imagem inicial do tema ou do
problema com os elementos escolhidos;
• O cliente percebe (tocando as fichas ou os bonecos) cada uma
dessas posições desde a perspectiva em que cada um está
vivenciando, e relata ao advogado os sentimentos e as sensações
que tem ou que percebe quando toca cada um dos objetos;
• O cliente escreve no papel ou recorda a imagem inicial.
O advogado faz a pergunta milagre:
“Suponha que você irá para casa depois de sair daqui, fará uma
refeição com sua família, assistirá a um filme e, depois, irá dormir e,
durante a noite, sonhará com esse atendimento. Ao acordar, o
problema desapareceu completamente. O conflito não existe mais.
Como um milagre, de hoje para amanhã, o problema deixou de existir.
Como você notará amanhã que esta transformação ocorreu? E o que
mais...? E em que mais...? Como os outros perceberão? Que coisas
diferentes você estará sendo e fazendo?”
• O cliente constela (coloca) os elementos depois do milagre
(nesse momento, é possível o coaching game Points of You,
colocando as figuras escolhidas pelo cliente embaixo dos
elementos);
• O cliente percebe (tocando as fichas ou bonecos) cada uma das
posições depois do milagre e obtém as percepções de cada carta
escolhida;
• O advogado revela ao cliente que o milagre não aconteceu e que
é necessário voltar à imagem inicial.
Dessa posição, agora sabendo como seria depois do milagre, o
advogado pergunta ao cliente: Qual é o primeiro passo para o milagre?
(nesse passo, o cliente tem que ter algum poder de influência ou
decisão):
• O cliente constela a imagem (coloca os elementos) depois
desse primeiro passo e sente as mudanças nos elementos, relatando
ao advogado o que sente ou o que percebe quando toca cada um
dos elementos.
• Constelada a imagem do primeiro passo, o advogado pergunta
ao cliente como ele se sente. Se a resposta for uma emoção, o
advogado leva o cliente a buscar respostas de ações para essa
emoção acontecer. Ex.: O cliente diz que se sente em paz; o
facilitador pede o que ele faz para se sentir assim.
Ao final, o advogado faz um elogio e dá uma ou mais tarefas.
8.6 Perguntas por exceções
 Houve algum momento nos últimos tempos em que o problema
não estava lá, não existia ou estava atribuído a um nível mais
baixo? Quando foi isso?
 O que foi diferente nessa situação?
 Quando o problema não é tão ruim?
 O que você tem feito para evitar que a situação piore?
8.7 Perguntas de escala
As perguntas de escala servem para auxiliar o cliente a encontrar
elementos importantes para uma possível constelação do problema,
tais como: foco (cliente), tema (problema), recursos (algo que ajuda),
dificuldades (algo que atrapalha), pessoas do sistema familiar do
cliente envolvidos e tarefas futuras.
 Onde você está agora, em uma escala de 1 a 10, na qual 10 é o
espaço sem conflito ou com objetivo alcançado (em relação ao
problema)?
 O que ajudou você a chegar a esse nível?
 Em que você notaria que está um ponto ou um ponto e meio
melhor sobre esse assunto?
 O que pode ajudá-lo a estar um ponto ou um ponto e meio
melhor?
 Quais seriam os primeiros sinais de progresso nesta situação?
 Como você lidou com as situações difíceis que enfrentou
anteriormente?
 Quando você enfrentou situações difíceis como essa antes, o que
você fez? O que tem sido útil nessas situações?
 Que qualidades ou capacidades você descobriu em você mesmo
em situações como essa?
 Qual seria o benefício de resolver esse problema? Como faz?
Como fez?
 Em meio a este problema, que coisas não ficaram piores?
 Existe alguém que conseguiu resolver esse problema? Como
faz? Como fez?
 Quem mais pode ajudar você a resolver esse problema?
 Onde mais você pode descobrir como resolver esse problema?
 Suponha que eu sou um cineasta que fez dois documentários: um,
antes de resolver o problema, e outro, depois de tê-lo resolvido.
Como saber qual é qual: que coisas aparecem diferentes no da
solução? Que coisas diferentes você está fazendo?
8.8 Exercício “Bem-vindo, sintoma”
O cliente fala da situação ou problema e o advogado o escuta. Em
determinado momento, deixando-se levar pela sensação, o advogado
põe a mão em algum lugar do corpo do cliente ou se aproxima dele até
se encostar e observa os níveis de abertura, enquanto o cliente
prossegue falando. A abordagem sistêmica é apenas de acolhimento.
O cliente, então, busca dar um lugar para o seu conflito, a sua dor e a
sua dificuldade. A atitude do advogado é a de auxiliar o cliente nos
seguintes movimentos sistêmicos:
 Acolhimento do conflito ou da situação difícil;
 Tomar e receber esse conflito ou essa situação difícil;
 Fazer espaço abrindo os braços;
 Levar ao santuário (ao coração) esse conflito ou essa situação
difícil;
 Dar um lugar para o tema/sintoma;
 Sentir e desfrutar da capacidade humana sem condicionamento
negativo.
8.9 Mão cataléptica
Pode ser utilizada como representante tanto na entrevista quanto na
constelação. A mão cataléptica é uma ferramenta das constelações
estruturais criada por Matthias Vargas. É necessário um pouco de
treinamento para o uso desta ferramenta para compreensão de seu
significado. A mão cataléptica pode representar vários elementos
relacionados ao tema do cliente e favorece intervenções rápidas sem a
necessidade de construir uma estrutura complexa.
A mão cataléptica se caracteriza pela mão com insensibilidade total,
como que mumificada e quase sem movimentos para representar algo
ou alguém. Normalmente, é suspensa no espaço à frente do cliente e
na altura dos seus olhos, podendo ainda surgir do chão, dos lados ou
atrás de algo, como um elemento que representa ou está sobreposto a
algo ou a alguém do sistema familiar do cliente.

Figura 10: mão cataléptica.

Em um atendimento sistêmico que envolvia um divórcio, a cliente


demonstrou fortes emoções e dificuldade para permanecer presente e
compreender as orientações jurídicas. A descrição dos fatos era
acompanhada por lágrimas e tremor na voz. Interrompi o atendimento
e convidei a cliente a se colocar em pé e imaginar o marido à sua
frente. Utilizando a mão cataléptica, coloquei-me em pé a certa
distância da cliente e, com o meu braço esquerdo próximo ao chão, fui
vagarosamente estendendo a mão à frente da cliente até a altura de
seus olhos e sugeri que a cliente dissesse olhando para seu marido
(representado pela mão): “Acabou”. A cliente estava com os olhos
totalmente conectados à minha mão, mas teve dificuldade para dizer
e permaneceu chorando. Respeitei o tempo dela e o movimento
necessário, e permaneci com a mão estendida na direção de seus olhos
Pedi que ela respirasse profundamente e, se possível, dissesse
novamente: “Acabou”. Ela conseguiu dizer e, rapidamente, a
afirmação foi seguida de uma respiração profunda e lenta, indicando
que agora era possível a cliente estar presente e olhar para o divórcio,
entendendo as orientações com consciência.
Pode ser que alguns clientes não consigam dizer as frases sugeridas no
atendimento sistêmico. Nessas situações, minha sugestão é que
tenhamos a coragem de indicar ajuda terapêutica ao cliente. Isso é
necessário para que eles tragam força pessoal e amadureçam a decisão.
Muitas vezes, conduzimos clientes em transe para processos que se
tornam verdadeiros campos de batalhas, os quais normalmente geram
insatisfação e queixas recorrentes dos clientes, uma vez que em transe
emocional, nem eles sabem as razões pelas quais estão nesses
processos.
8.10 Resolução de contexto
A resolução de contexto é a solução da sobreposição. A técnic a é
utilizada quando notamos que o conflito relatado ou o cliente estão
emaranhados com outra pessoa ou outras coisas, muito comum nas
repetições de padrões familiares. Por exemplo: o cliente procura o
escritório querendo processar a empresa que trabalha, e no seu relato
é possível observar fortes emoções, como uma mágoa que não faz
sentido no discurso sobre os fatos. Após algumas perguntas, nossa
percepção nos revela que, talvez, o cliente esteja conectado a um
conflito familiar vivenciado por algum membro da família como, por
exemplo, o pai que foi dispensado e injustiçado por um patrão. Nesses
casos, podemos utilizar bonecos, âncoras ou qualquer outra ferramenta
para testar as seguintes possibilidades:
- Foco (cliente) ou elemento gosta de ficar no lugar do
problema = sobreposição;
- Foco (cliente) ou elemento não gosta de ficar no lugar
do problema = não há;
- Foco (cliente) se sente igual no lugar do problema =
suposta superposição, se for bom em qualquer sentido, há
sobreposição.
De que forma isso acontece? Lembremo-nos do caso prático apontado
neste livro, relacionado à cliente que estava em conflito com a filha
adolescente que havia rompido relação com a mãe. No caso desta
cliente, ficou claro que a sua relação com a mãe também era difícil e
que a filha estava repetindo um padrão. No atendimento sistêmico, se
formos colocar a mãe no lugar da filha, o sentimento possível da filha
é de sentir-se melhor no lugar da mãe, visto que o movimento da filha
é um movimento de amor à própria mãe, afastando- se dela, como ela
fez com a mãe dela. Chamamos isso de amor cego, porque existe uma
sobreposição de contexto.
Quando há sobreposição, existem duas maneiras de liberá-la
(resolução de contexto):
1) Trocar de lugar três vezes: trata-se de o foco (cliente) se sentir
melhor no lugar de outro elemento. Pedir que ele volte ao seu lugar
e, de lá, olhe para os pés do elemento sobreposto e este, para os
pés do foco e troquem de lugar rapidamente. Fazer isso três vezes
ou mais. O objetivo é que o foco se sinta bem no seu lugar. É
possível fazer isso com o cliente: você, representando o elemento
sobreposto, troca de lugar com o cliente. Se for usar bonecos, o
cliente troca de lugar o boneco que o representa e você, facilitador,
o boneco que representa o elemento sobreposto.
2) Confronto: quando o foco estiver se sentindo melhor no lugar
de outro elemento, pedir que ele volte ao lugar dele e diga que
você pode ajudá-lo. Peça que ele sinta as mãos, os pés, a
respiração e dê pequenos passos em direção ao elemento
sobreposto, até que o encare. O facilitador faz um giro de 180
graus e volta o foco em direção ao seu lugar, lá onde ele deve se
sentir melhor. Se for utilizar âncoras de solo, as âncoras devem
acompanhar os representantes e o cliente.
8. 11 Frases de intervenção
 Você é você. Eu sou eu;
 O que aconteceu, aconteceu. O que acontece, acontece;
 Então é então. Agora é agora;
 Sinto muito;
 Eu vejo você;
 Eu dou um lugar para você no meu coração.
Os modelos de frases já foram descritos neste livro e podem ser
utilizados durante o atendimento sistêmico. Como nos casos de
sobreposição de contexto, nos quais o cliente, após demonstrar
compreensão e liberação da sobreposição, pode dizer para a mãe ou
para o elemento sobreposto, por exemplo: Eu sou eu, você é você.
Existem outras possibilidades de frases de intervenção que podem ser
aprendidas e aperfeiçoadas em cursos específicos ou até mesmo
criadas pelo facilitador que tiver essa habilidade e percepçã o.
8.12 Constelação dos dois mundos
Às vezes, a estrutura está bloqueada ou congelada e não se tem certeza
quanto ao trabalho em relação ao foco (cliente) e ao conflito, ou os
dois estão confundidos. Uma das ferramentas interessantes é a
constelação dos dois mundos para experimentar o foco e o conflito.
Na prática, seria criar dois campos (mundos), sendo que, no primeiro,
o foco (cliente) está dentro e o conflito entra e, no outro, o conflito
está dentro e o foco (cliente) entra. É útil em situações nas quais o
cliente relata o conflito, mas não consegue deixar claro qual é o seu
objetivo com ele.
Exemplo: o cliente chega ao escritório do advogado com o tema
divórcio, mas, ao relatar o conflito, não fica claro se o cliente quer o
divórcio ou quer que o relacionamento melhore. Nesse caso, é possível
o facilitador criar os dois mundos: um onde o cliente está dentro do
conflito e o divórcio entra, e outro no qual o divórcio está dentro do
conflito e o cliente entra. Em ambos os mundos, os representantes ou
o cliente relatam as sensações do foco e do conflito, antes e depois da
entrada do outro elemento, para se obter a melhor imagem do tema. A
ferramenta serve para que o cliente veja o mundo do conflito e perceba
com mais clareza o seu estado.

Figura 11: Constelação dos dois mundos

No uso dessa ferramenta, podem surgir cinco possibilidades de


bloqueio entre o foco e o objetivo, sendo:
1) Bloqueio porque existe alguma lealdade parental;
2) Bloqueio porque falta algum recurso;
3) Bloqueio porque há versões anteriores do objetivo ou do foco;
4) Bloqueio porque existem consequências difíceis ou tarefa futura;
5) Bloqueio porque o objetivo foi perdido.
Em qualquer um dos casos, é preciso alguma intervenção. Como no
exemplo de lealdade parental, é possível utilizar a sobreposição de
contexto fazendo a pergunta: se você atingir seu objetivo, com quem
menos você se pareceria da sua família? Colocar representante ou
elemento para essa pessoa e fazer o teste de sobreposição. Se o foco
ficar melhor no lugar dessa pessoa, utilizar os exercícios de troca e,
depois, fazer a pergunta novamente.
8.13 Ferramenta do Relógio
Esta ferramenta é muito útil em situações nas quais o cliente esteja
com clara sobreposição de contexto já no início do atendimento. Os
passos dessa ferramenta são:
a) Primeiro Passo: O advogado pede que o cliente imagine um
relógio, diga em que horário ele está e para que número o cliente olha.
b) Segundo Passo: Depois, pede que o cliente tente imaginar quem
está no lugar do número para o qual ele olha.
c) Terceiro Passo: O advogado pede ao cliente qual a direção do olhar
dessa pessoa para quem ele olha. Se a pessoa olha para outro número
do relógio, talvez haja uma sobreposição anterior que precisa ser
trabalhada com a ferramenta de sobreposição de contexto.
d) Quarto Passo: Utilizando a ferramenta de sobreposição de
contexto, o advogado tenta levar o cliente a um bom lugar,
considerando o meio termo como equilíbrio. Ao final, havendo uma
sobreposição que indique uma ancestralidade distante, o advogado
pode pedir que o cliente sinta um número do relógio que represente
essa situação. Por exemplo, se o cliente disse o número 4, toda vez que
o cliente enfrentar os sintomas e sensações desse tema, poderá dizer,
como âncora, o número 4.
Capítulo 9

Conclusão do atendimento sistêmico

O primeiro contato com o cliente tem seu final quando você tiver
alcançado, da melhor maneira possível, uma série de objetivos:
I. Compreensão sobre o problema do cliente: O cliente se encontra
focado e determinado na solução. Quando o tema não é muito claro, o
advogado pode desenhar o organograma do conflito.
II. Um verdadeiro cliente: Ao final da entrevista, o cliente deve ter
foco e objetivos claros. O advogado precisa cuidar para não trabalhar
com cliente queixoso, que diz que a culpa é do mundo, e cliente
visitante, que vem porque alguém disse que o atendimento era bom.
III. Uma pergunta com resposta concreta: Existe uma clara energia.
IV. Hipótese do Problema: Ouvindo o cliente, o advogado encontra
uma hipótese do que acontece e quais os elementos. O advogado tem
uma ideia de como ajudar o cliente, tem alguma hipótese na cabeça,
seja uma mediação, uma proposta de acordo ou, até mesmo, um
procedimento judicial mais humanizado.
V. Possibilidades Sistêmicas: Ter uma ideia de como começar a
ajudar esse cliente, quais ferramentas e métodos pretende utilizar e as
possíveis intervenções.
VI. Confiança no atendimento sistêmico: O advogado, estando
conectado ao cliente e em ressonância com o tema, precisa decidir se
é possível auxiliar o cliente com mais algumas intervenções sistêmicas
ou não. Muitas vezes, é melhor montar um processo e deixá -lo seguir
o fluxo para que, durante o tramitar da ação, com mais confiança na
relação com o cliente e mais percepções, possam ser realizados novos
movimentos e, talvez, uma intervenção mais clara para a boa solução.
VII Elementos: Se, ao final da entrevista, o advogado decidir, com a
anuência do cliente, alguma intervenção sistêmica mais profunda ou,
até mesmo, uma constelação, é adequado ao advogado ter, pelo menos,
os elementos iniciais a serem utilizados, ou seja, quais membros ou
contextos da família e/ou empresa vai utilizar para iniciar a abordagem
sistêmica, sendo capaz de escolher os elementos- chaves que serão
representados.
Com a conclusão do atendimento, o advogado sistêmico busca:
a) Ajudar o cliente a sair das emoções do conflito e tomar presença de
si mesmo;
b) Perguntar ao cliente se ele quer dizer algo ou se é necessário
esclarecer algo;
c) Incluir as possíveis informações que os recursos ou intervenções
revelaram;
d) Ajudar o cliente a internalizar tudo o que aconteceu, para que ele
possa fazer uma boa transição para a realidade. Tal transição se
relaciona com perguntar:
 Que novas ideias ou informações apareceram?
 Que mudanças você pode prever que acontecerão a partir
de agora?
 Você está planejando algo novo após esse atendimento?
e) Critérios mínimos para encerrar:
 Que o foco (cliente) se encontre melhor que no princípio;
 Que, em geral, todo o sistema do cliente esteja melhor
que no início;
 Que o cliente tenha encontrado algum tipo de informação
nova que não tinha anteriormente;
 Que, se possível, encontre-se em condições de fazer algo
com essa informação, como um acordo ou uma mediação.
9.1 Atividades pós-atendimento
Às vezes, o tipo de relação que se estabelece com o cliente se encerra
uma vez concluído o atendimento sistêmico. Em outras ocasiões, pode
ser necessária uma revisão em outro atendimento, para traduzir em
ações concretas as informações obtidas e seguir o processo que foi
desenvolvido a partir do atendimento.
É possível que o atendimento provoque uma mediação com a outra
parte, uma reunião familiar ou, até mesmo, a análise jurídica do
conflito e a propositura de uma ação. Algumas vezes, faz-se necessário
sugerir ao cliente que analise a possibilidade de uma terapia ou
constelação e, até mesmo, se surgirem novos temas, recomendar um
novo atendimento sistêmico posteriormente. Isso é comum em
situações nas quais se observa que o conflito tem origem em dinâmicas
ocultas e complexas do sistema familiar atual ou de origem do cliente,
as quais podem ser vistas e honradas com mais atenção.
Capítulo 10
Formatos específicos possíveis

No atendimento com abordagem sistêmica, além das intervenções com


ferramentas e recursos, é possível a utilização das constelações
propriamente ditas. Como já abordamos neste livro, as constelações
estruturais oferecem formatos interessantes e eficazes para um olhar
mais amplo e aberto do sistema que está ao redor do conflito do cliente.
Nesta obra, iremos descrever apenas alguns desses possíveis formatos,
uma vez que, para melhor entendimento e aplicação, é aconselhável a
formação em constelações.
Destaco que, no meu escritório, utilizo apenas as constelações
individuais com bonecos, âncoras de solo e outros elementos. Mesmo
tendo habilidades e alvará para trabalhar como terapeuta e
consteladora, sou cautelosa no uso das constelações dentro do
escritório, uma vez que o ambiente de trabalho, como já relatado, deve
ser seguro, e isso envolve também as questões legais e éticas do
exercício profissional da advocacia.
Nesse sentido, o meu escritório está conectado com outro espaço, onde
atua uma profissional de constelações, a qual atende os clientes que
buscam, em um primeiro passo, resolver as questões pessoais e/ou
familiares. O advogado sistêmico deve deixar o cliente livre, pois,
muitas vezes, ele já está envolvido em alguma espécie de
acompanhamento terapêutico, com terapeutas, consteladores,
psicólogos, psiquiatras, etc. Dessa forma, o atendimento sistêmico no
escritório traz novas informações e possibilidades, auxiliando e
favorecendo o trabalho de outros profissionais, todos servindo ao
cliente e seu sistema.
Recentemente, atendi uma família que já havia participado de uma
constelação em outra cidade e queria olhar para as dificuldades do
relacionamento com um membro familiar. Os conflitos com esse
familiar já geravam demandas judiciais. Após a constelação,
resolveram buscar orientação jurídica e optaram por um advogado
sistêmico. A minha atuação foi apenas de continuar olhando para o
conflito de forma amorosa e respeitosa, apresentando as possibilidades
jurídicas de solução, com respeito às normas jurídicas e às leis do
amor.
Desse modo, sentindo e percebendo que o emaranhamento do cliente é
denso, que o cliente não consegue sair do transe emocional e estar
presente para o atendimento sistêmico, muitas vezes, sugiro a ele as
constelações com representantes, a ser realizada em outro ambiente e
com auxílio de outro profissional habilitado e capacitado para a
intervenção. Essa postura mantém o meu escritório seguro e não
distorce a natureza jurídica do meu atendimento.
10.1 Constelação individual
O formato de constelação individual tem características particulares.
O advogado sistêmico depende muito mais das percepções de seu
cliente. Por isso, algumas observações devem ser levadas em conta na
hora de trabalhar com objetos e figuras:
1) O trabalho com objetos ou figuras é útil para se ter a
imagem inicial;
2) As figuras ou objetos devem ter algum indicativo ou sinal
de onde olham;
3) Se for além da imagem inicial, é aconselhável não
trabalhar com muitos elementos;
4) O advogado sistêmico ajuda o cliente a se situar em estado
aberto, conectado com todo o seu corpo, de maneira que a conexão
com as figuras ou objetos não seja apenas mental;
5) Utilizar, quando possível e necessário, a mão cataléptica
ou, pelo menos, relaxada, para constelar elementos e figuras
representativas;
6) Ao obter a imagem inicial, incentivar o cliente a tocar com
o dedo médio ou o anular as figuras, percebendo-se atrás delas, ou
seja, tomando a mesma perspectiva na qual se encontra a figura;
7) Cada pessoa tem uma forma diferente de percepção.
Portanto, o advogado tem que decidir, de acordo com cada cliente,
se é melhor uma constelação com figuras (sentados ao redor de uma
mesa), com placas como âncoras de solo ou usando cadeiras para
mudar de posição ou visualização.
a) Primeiro Passo: Eleger o tema central do conflito e decidir os
elementos desse tema.
b) Segundo Passo: O cliente escolhe figuras ou objetos para cada
um dos elementos.
c) Terceiro Passo: O cliente constela com o dedo médio cada
uma das figuras até obter uma imagem inicial da constelação.
d) Quarto Passo: O cliente observa como se encontra cada um
dos elementos representativos e verifica se, inicialmente, teria que
constelar algum outro elemento ou incluir mais algum.
e) Quinto Passo: Convidar o cliente a utilizar o dedo médio ou
o anular para perceber como se sente cada um dos elementos. No
caso de âncoras de solo ou cadeiras, o cliente se coloca em cada
um dos elementos. Ao final, desenhar a imagem inicial do
atendimento sistêmico.
f) Sexto Passo: Colocar o cliente em estado de atenção ou
relaxamento e utilizar o recurso da pergunta milagre.
g) Sétimo Passo: Com a imagem do milagre, perguntar ao cliente:
Como se mostram essas mudanças na imagem da sua constelação?
Convidar o cliente a fazer as mudanças necessárias na sua
constelação para que seja a constelação depois do milagre.
h) Oitavo Passo: O cliente volta a perceber cada um dos
elementos da sua constelação representados nas cadeiras, nas
âncoras de solo, nas figuras ou nos objetos e o facilitador pergunta:
Que diferenças você sente? Que mudanças na forma dos elementos
estarem relacionados aparecem?
i) Nono Passo: Esclarecer ao cliente que milagres totais não
ocorrem normalmente de modo tão simples, sugerir que o cliente
volte à imagem inicial (a que foi desenhada) e perguntar: Qual
seria o primeiro passo possível em direção ao milagre? Dizer ao
cliente que esse passo esteja dentro das suas possibilidades, um
passo que ele possa dar ou sobre o qual ele tenha certo poder de
decisão.
j) Décimo Passo: O cliente constela esse passo e observa as
mudanças que se produzem na constelação. Ao final, o cliente
permanece em silêncio, percorrendo dentro de si o que vivenciou
no exercício e observando as mudanças sob vários ângulos.
10.2 Constelação da solução milagre
Como vimos, no atendimento individual, a constelação da solução
milagre pode apresentar soluções desde a primeira imagem, mas isso
não significa que a solução estivesse ali desde o princípio. São
necessários ajustes e intervenções para poder chegar à solução, porque,
às vezes, ela está posicionada na imagem inicial numa versão que foi
distorcida pelo problema.
Os elementos dessa constelação são:
a) Foco;
b) Objetivo;
c) Obstáculos;
d) Recursos;
e) Milagre;
f) Contexto do Milagre.
Nesse formato de constelação, a utilização da ferramenta pergunta
milagre é importante para se determinar, na entrevista, onde está o
cliente em relação à solução. Assim, a constelação centrada na solução
apresenta os seguintes passos:
a) Primeiro Passo: O cliente relata o tema, que deve ser algo
positivo. Se o cliente demonstra querer se livrar de algo,
consequentemente ele pretende ir em direção a algo oposto à solução.
b) Segundo Passo: Determinado o foco (cliente) e o objetivo, o
facilitador inicia o percurso com seu cliente por uma escala de valores,
perguntando:
-› Em uma escala de O a 10, sendo O total oposto do objetivo e 10 a
totalidade do objetivo, em que número você está?
c) Terceiro Passo: Independentemente do número que o cliente
apresenta, o advogado sistêmico deve buscar meios de elogiar o cliente
por estar onde está. A situação poderia ser sempre pior do que a atual.
Afirmando isso, o facilitador pergunta ao cliente:
-› Onde você gostaria de chegar ou qual seria uma boa solução para
você?
d) Quarto Passo: O advogado pergunta ao cliente:
-› Quais são os recursos que você usou para estar onde está, ou seja,
para não estar em situação ou número pior, que poderia ser, inclusive,
negativo (-1; -2; -10).
e) Quinto Passo: Apresentados os recursos, o advogado convida o
cliente a tentar dar um passo a mais com esses recursos, que pode ser
mínimo como, por exemplo, de 2 para 2,5.
f) Sexto Passo: O advogado pergunta ao cliente, buscando por
eventuais obstáculos:
-› Alguma pessoa ou situação pode não estar contente ou ficar
perigosa se você avançar ou chegar ao objetivo?
-› Se você alcançar o objetivo, terá que fazer algo difícil?
-› Existe algo que eu deveria saber ou ter perguntado?
-› Se fizermos algo bom com você e conseguir chegar ao objetivo, com
quem da sua família você vai se parecer menos?
g) Sétimo Passo: Com esses elementos, o advogado convida o
cliente a constelar, primeiro colocando o foco, depois o objetivo, então
os recursos e os obstáculos.
h) Oitavo Passo: O cliente coloca o dedo médio ou o indicador
nos elementos e relata o que vê e sente desde o começo, enquanto os
elementos foram colocados e conforme os demais forem entrando.
i) Nono Passo: Após os relatos, o advogado observa as quatro
possibilidades:
• Falta algo;
• Lealdade Parental;
• Tarefa Futura;
• Versões Anteriores.
j) Décimo Passo: A constelação termina quando o cliente, o foco
e o sistema em si estão melhores.
10.3 Constelação dos nove quadrados
Este formato de constelação é um exercício de classificação ou
ordenamento de elementos que, internamente, às vezes, mostram -se
desordenados ou desorganizados no relato do cliente. Utiliza-se a
estrutura em dois eixos: TEMPO (presente, passado e futuro) e
EXPERIÊNCIA (interna e externa).

PASSADO PRESENTE FUTURO

3. Pessoas do futuro,
1. Desejos,
INTERNO 2. Eu futuro acontecimentos
sentimentos do futuro
futuros, planos

4. Sensações
6. Colaboradores
FRONTEIRA corporais, diálogos 5. Presente
Atuais, pessoais
internos

9. Pais, famílias,
7. Recordações,
8. Biografia Pessoal, traumas externos, um
EXTERNO experiências, traumas
Infância acidente, uma
internos do passado
operação.
Figura 12: Constelação dos nove quadrados

Pelo formato dos nove quadrados, o facilitador consegue observar em


que eixos estão os acontecimentos e os objetivos do cliente. Além
disso, o que se mostra possível também com esse formato é identificar
em que tempo e espaço está o conflito/tema do cliente.
a) Primeiro Passo: O cliente apresenta o conflito em que, pela
forma como é colocado, o advogado sistêmico percebe haver confusão.
b) Segundo Passo: O advogado e o cliente decidem os elementos
e o cliente escolhe se quer trabalhar com bonecos ou âncoras de solo,
por exemplo.
c) Terceiro Passo: O cliente constela o foco (ele no conflito) e o
advogado pede para o cliente explicar onde está o passado e o futuro.
O cliente também informa qual o espaço e a abrangência do presente,
para o advogado verificar se o cliente está dentro do presente, mais no
passado ou mais no futuro.
d) Quarto Passo: Com fios ou cordas, o advogado constrói os
nove quadrados do passado, do presente e do futuro e os polos internos
e externos, sem explicar muito, apenas dizendo onde é interno e onde
é externo, e pede para o cliente esquecer.
e) Quinto Passo: O cliente constela os demais elementos do seu
tema.
f) Sexto Passo: O advogado pede ao cliente que, com o dedo
médio ou o anular, expresse as emoções e sensações que surgiram em
cada um dos elementos quando foram colocados e depois,
conforme os demais elementos foram entrando.
g) Sétimo Passo: O advogado faz as intervenções que
entender necessárias até que todos os elementos se sintam bem.
Possíveis intervenções:
- Uso da mãe cataléptica para eventuais sobreposições de
contexto;
- Colocar o foco do cliente no presente, caso não esteja
totalmente, para ver o que acontece;
- Quando se apresentam traumas, medos, fobias e
compulsões, fazer boas separações destas com o foco do
cliente usando frases;
- Quando há situações novas que o cliente não
compreende, é possível introduzir no campo novos elementos
que representem novas versões ou versões anteriores do
cliente.
h) Oitavo Passo: Depois, o cliente coloca novamente o dedo
médio ou o anular nos elementos e relata as sensações após a
intervenção. A constelação termina quando todos os elementos
estiverem bem.
10.4 Constelação do dilema e do Tetralema
É um formato de constelação de aproximação ao objetivo com duas
alternativas: isso ou aquilo. É empregada quando o cliente demonstra
dúvida de como resolver o conflito ou ambivalência no objetivo.
Ocorre quando o cliente não tem convicção sobre o que quer fazer com
o conflito interno, se faz terapia de casal ou se se separa; se adota uma
criança ou não; se faz acordo no processo ou se continua litigando. Os
elementos dessa constelação são:
a) Foco;
b) Alternativa A;
c) Alternativa B;
d) Elementos de contexto.
Figura 13: Imagem do dilema

Algumas vezes, durante o atendimento sistêmico, o cliente percebe que


nenhuma das alternativas é confortável, o que leva o advogado a
considerar outras duas possibilidades:
1) Ambas as coisas;
2) Nenhuma delas.
Dessa forma, formamos um Tetralema, cujos elementos são:
a) Foco;
b) Alternativa A;
c) Alternativa B;
d) Ambas as coisas;
e) Nenhuma delas;
f) Elementos de contexto.
No trabalho com o Tetralema, as sobreposições de contexto estão
geralmente na quarta posição. A quinta posição seria o elemento
neutro, a não posição ou a posição livre. É onde o cliente pode ficar e
olhar todas aquelas possibilidades e, quem sabe, perceber algo novo,
outra solução para o conflito.
Figura 14: Imagem do Tetralema

10.5 Constelação das Quatro Casas de Mudança (C. Janssen 10)


O meu contato com essa teoria e esse formato foi na formação em
Constelações Estruturais com o Professor Guillermo Echegaray 11, que
cita Janssen como o criador do modelo de aplicação original. Janssen
foi professor de Pedagogia na Universidade de Estocolmo e, em sua
dissertação, publica as origens da teoria dos Quatro Quartos da
Mudança.
Segundo o site Wikipédia, após a publicação da dissertação, Janssen
continuou o trabalho de desenvolvimento sobre a teoria da mudança
de quatro quartos e, até 2011, ele publicou sete livros sobre o assunto
e uma trilogia romântica chamada Love Trilogy.
Os quatro quartos da mudança e suas diversas aplicações ganharam
muita atenção internacional ao longo dos anos. Com isso, alguns textos
e ferramentas educacionais de Janssen foram traduzidos para mais de
dez idiomas.
Segundo Janssen, os quatro quartos da mudança é uma teoria
psicológica, a qual descreve a mudança como um movimento através
de quatro estágios psicológicos ou salas. Em todas as mudanças,

10 Claes Fredrik Janssen, nascido em 26 de janeiro de 1940, é psicólogo e autor sueco.


11 Guillermo Echegaray nasceu em Madrid, Espanha em 1960. Doutor em Filosofia,
Licenciado em Psicologia Clínica e Organizacional e Teologia. Pioneiro das Constelações
Estruturais na Espanha e América Latina. Sócio fundador e direito da Geiser, empresa
estabelecida no Uruguai.
passamos de um Contentamento, que é perdido, através de um período
de Negação, que é uma defesa do antigo. Isso acontece através da
Confusão, a qual termina quando desistimos do que quer que seja do
antigo que tivemos que desistir. O abandono é o ponto de virada,
tornando-nos abertos às possibilidades e ao novo, pelo qual passamos
para a Renovação.
O Professor Guillermo Echegaray apresenta a estrutura colocada em
quatro casas descritas como:

Figura 15: Constelação das Quatro Casas de Mudança

O que se percebe com o uso das quatro casas de mudança de Janssen é


a possibilidade de o cliente olhar para o tema/conflito com mais
abertura e possibilidades. Vemos que quando o cliente está na casa da
SATISFAÇÃO, ele está na sua zona de conforto. Ele está ali para olhar
o conflito do jeito que ele se apresenta na sua imagem inicial. O
conflito existe, é assim. O cliente não tem intenção de decidir o
conflito. Ele quer se livrar dele ou receber alguma reparação de quem
o criou e, para isso, quer contratar um advogado. Sua atenção está
focada no aqui e no agora.
Quando o cliente passa para a casa da RESISTÊNCIA, já começa a
experimentar uma possível solução. Tem ainda dificuldades para
acreditar ou confiar na mudança, mas se dá conta de que o conflito o
deixa mal. O foco continua na tarefa de defender certo padrão e o
estado atual. Os sentimentos não são mais tão claros e o cliente começa
a reconhecer o problema e a tensão. O aqui e o agora se sentem vazios.
A atenção concentrou-se na tarefa aparentemente necessária, nas
regras e nas leis e/ou na imagem nos olhos dos outros, para não perder
o lugar e o direito.
Na casa da CONFUSÃO, começa o ajuste. O cliente percebe que algo
está mal ou se sente mal aqui e agora, mas não sabe o que é ou o quer
fazer para tornar as coisas melhores. Tensão e dúvidas; dialética do
sim e do não; do conflito e da pacificação; dúvidas internas de querer
manter o problema do jeito que está ou não. Uma sensação de
irrealidade.
Quando chega na casa da INOVAÇÃO, o cliente entra na postura do
acolhimento. Ele encontra um lugar seguro para o problema e para as
partes envolvidas. Surge a sensação de querer olhar e reunir o todo -
movimentos, recursos e possibilidades. Há uma intensa experiência do
aqui e do agora, com autorreflexão. O cliente consegue acolher o
conflito e a outra parte como pertencendo ao seu sistema e observa a
própria responsabilidade sobre o conflito. Surgem sentimentos fortes
do sistema e da consciência coletiva, energia, ideias e desejo de
encontrar uma boa solução.
O processo de mudança ocorre em sentido inverso às agulhas do
relógio. As possíveis perguntas que permitem passar de um quarto para
o outro são:
SATISTAÇÃO À RESISTÊNCIA: Já é suficiente isso?
RESISTÊNCIA À CONFUSÃO: O que eu ainda não aceito, não
reconheço?
CONFUSÃO À INOVAÇÃO: O que eu necessito soltar?
INOVAÇÃO À SATISFAÇÃO: Com o que eu tenho de me
comprometer?
a) Primeiro Passo: Espalhe os quatro quartos no chão da saia
com âncoras de solo ou na mesa com âncoras/papéis e bonecos, para
que os diferentes cantos sejam, por sua vez, satisfação, resistência,
confusão e inovação.
b) Segundo Passo: Peça para seu cliente se direcionar ou
direcionar o boneco que o representa para o quarto que mais se
aproxima da forma como ele se sente naquele momento. Peça por que
ele foi para aquele quarto e como se sente.
c) Terceiro Passo: Em sentido anti-horário, faça o cliente
experimentar quarto por quarto, e só ir para o quarto seguinte quando
conseguir responder à pergunta corretamente. Incluir a resposta no
próximo quarto e responder o que há/acontece de diferente nesse novo
mundo.
Quando o cliente passa pelas quatro casas, a proposta é fazê-lo ver qual
delas é mais congruente com seu estado atual. Isso ajuda o cliente a
aceitar que essa é a sua casa neste momento e explorar qual seria a
solução que lhe ajudaria neste estágio. O processo parece simples, no
entanto, a aplicação possibilita um olhar profundo sobre o conflito do
cliente, o estado atual dele com o conflito, as possibilidades de
mudança e consequentes reações com a mudança para o estado novo.
O que o cliente sente estando no conflito? O que ele sente quando o
conflito se resolve? O que o cliente sente quando o conflito não se
resolve? Toda mudança desperta para o caos e, ao mesmo tempo, traz
mais liberdade que o estado anterior que era de congelamento.
Capítulo 11

Casos práticos

11.1 Dissolução de vínculo conjugal


Um casal procura o escritório para contratar os serviços profissionais
buscando a dissolução judicial do vínculo conjugal. No entanto, o casal
não tem definido a partilha dos bens, a guarda dos filhos e a prestação
alimentar. O casal não demonstra haver harmonia e existem conflitos
relevantes. O casal expressa sentimentos, os quais, apontam incerteza
quanto ao divórcio.
1a ETAPA: Use duas âncoras de solo (papel ou tecido).

Figura 16: Modelos

Proposta: Que ambos entrem nesse campo e se coloquem inteiramente


como seres humanos, homem e mulher livres de vínculos e na condição
que vivem hoje, separados. Deixá-los sentir esse campo por algum
tempo. Após esse tempo, peça a eles que se virem em direção um ao
outro e se olhem. Observar as sensações e respostas do corpo. Sugerir
que digam um ao outro:
- Eu quero você como minha mulher / Eu quero você como meu
marido.
Possíveis respostas:
1- Positiva / É possível dizer: Neste caso, o casal necessita de terapia
familiar.
2- Negativa / Não é possível dizer: Neste caso, partimos para a
segunda etapa.
2ª ETAPA: Colocar, em frente aos círculos do casal, um papel
contendo a descrição dos filhos (se for possível, fotografias dos
filhos).
Figura 17: Modelos

Proposta: A partir da compreensão de que não é mais possível a união


conjugal, que o casal olhe para os filhos como seres humanos livres
dos conflitos e dos compromissos assumidos pelo casal. Permitir que
os sentimentos em relação a eles sejam sentidos e vivenciados. O
advogado pode pegar os papéis (ou fotos) dos filhos e, de forma gentil
e delicada, parti-los ao meio, entregando metade para cada um. Em
seguida, perguntar: Como é isso para vocês? O que acontece com
vocês quando isso se apresenta? Deixar o casal sentir e observar as
respostas do corpo. Permitir que seja expressado com linguagem
verbal e não-verbal.
Possíveis respostas:
1- Nada acontece: Neste caso, estamos diante de várias
possibilidades, tais como: sobreposição com alguém excluído do
sistema familiar de origem, lealdade parental, entre outras. O indicado
seria a família participar de alguma vivência terapêutica mais
profunda.
2- Surgem sentimentos primários: Neste caso, partimos para a
terceira etapa.
3a ETAPA: Partindo da ideia de que os filhos não podem ser partidos
e divididos, que eles são pai e mãe, uma possibilidade sistêmica é
utilizar cordas para conectar o casal um ao outro e aos filhos.
Perguntamos:
- Como é isso para vocês?
Figura 18: Modelos

Possíveis respostas:
1- Adequado: Neste caso, partimos para a quarta etapa.
2- Inadequado: Sentimentos secundários que sugerem um
acompanhamento mais amplo.
4ª ETAPA: Partindo da adequação, uma sugestão é solicitar que o pai
se vire em direção à mãe e diga: Você é a mãe dos meus filhos. Eu
honro você. A mesma frase de efeito a mãe diz ao pai: Você é o pai
dos meus filhos. Eu honro você.
5ª ETAPA: Pegar os pedaços das fotografias ou dos papéis contendo
a imagem ou o nome dos filhos. Colocar nas mãos do pai e pedir que
ele una os pedaços novamente, que ele olhe para isso e diga: Eu amo
vocês através da mamãe. Eu tenho um lugar para ela no meu
coração. A mesma dinâmica se faz com a mãe: Eu amo vocês através
do papai. Eu tenho um lugar para ele no meu coração.
CONCLUSÃO: Deixar que os clientes internalizem essa nova imagem
e marquem o retorno, para que a ação judicial possa ser tratada e os
termos do acordo quanto ao divórcio, à guarda e à pensão dos filhos
sejam regulamentados.
11.2 Pedido de demissão
Cliente estava envolvido em recente ação trabalhista. Durante o
processo cliente demonstra desconforto com o processo e a dissolução
do vínculo de trabalho. Cliente tem intenção de construir o próprio
negócio, mas não se sente confiante e preparado.
1ª ETAPA: Decidir os elementos deste tema. O cliente escolheu
bonecos para cada um dos elementos. No caso, o conflito do c liente
estava na dificuldade de aproximação com seu objetivo, que era
construir o próprio negócio e se afastar da relação de trabalho atual.
Os elementos foram: foco, objetivo, recursos, obstáculos, pai e mãe.
2ª ETAPA: O cliente constelou cada uma das figuras até obter uma
imagem inicial do conflito. O cliente observou como se encontrava
cada um dos elementos e se, inicialmente, teria que constelar algum
elemento ou incluir mais algum. Na imagem inicial, o cliente percebe
o elemento representativo de sua mãe olhando para o objetivo.
3ª ETAPA: O cliente foi convidado a utilizar o dedo anular para
perceber como se sentiam cada um dos elementos da constelação.
Nesse momento, foi possível perceber uma sobreposição do cliente
com sua mãe. No teste, o foco do cliente sentiu-se melhor e mais
tranquilo no lugar da mãe, indicando uma lealdade parental. Para
liberar o cliente, foi proposto trocar de lugar os elementos do foco e
de sua mãe três vezes e, utilizando-se das frases de intervenção, o foco
do cliente pôde compreender a lealdade parental e olhar, finalmente,
para o objetivo.
4ª ETAPA: Utilizando a ferramenta da pergunta milagre, o cliente
volta a perceber cada um dos elementos da sua constelação, sendo
perguntado: Que diferenças sente? Que mudanças na forma de estarem
relacionados os elementos aparecem? Esclarecendo ao cliente que
milagres totais não ocorrem normalmente de modo tão simples,
sugerimos ao cliente que ele voltasse à imagem inicial e perguntamos:
Qual seria o primeiro passo possível em direção ao milagre?
Esclarecemos ao cliente que o passo deveria estar dentro das suas
possibilidades.
5ª ETAPA: O cliente constela esse passo e observa as mudanças que
se produzem na constelação. Ao final, o cliente permaneceu em
silêncio, percorrendo dentro de si o que vivenciou no exercício, e
observou as mudanças sob vários ângulos.
11.3 Venda de imóvel em condomínio
Cliente contrata o escritório e informa que fez o divórcio e a partilha
do único imóvel comum. O cliente relata que o imóvel ficou em
condomínio e que a administração comum está insustentável. O que se
observa é que o vínculo conjugal ainda existe e que o bem comum
representa a versão anterior do cliente.
Nesse atendimento, o diálogo preparatório foi fundamental. Deste
diálogo, foram surgindo situações e emoções que, por si só,
provocaram possibilidades de solução. As observações foram:
Energia do sistema: O cliente relata que os conflitos continuam por
conta do imóvel partilhado. O cliente sente como se o vínculo
permanecesse com todas as cargas emocionais da época do divórcio.
Geografia Espacial: No relato, o cliente descreve o conflito como a
dificuldade de solucionar a partilha realizada no processo do divórcio,
pois o imóvel permaneceu em condomínio e as propostas para vender
fracassaram. A sensação do cliente é de que as emoções do divórcio
permaneciam através do imóvel.
Imagem inicial: O cliente colocou os elementos do conflito: o casal,
a casa e o vínculo. Através de perguntas, o cliente apresentou alguns
obstáculos, tais como: matrícula sem averbação do habite-se da obra,
matrícula sem cancelamento da hipoteca, formal de partilha não
averbado.
Olhando para o campo e para os elementos, sob vários ângulos, o
cliente percebeu que nem ele e nem o imóvel estavam no presente. No
caso, seria possível utilizar o formato dos nove quadrados. No entanto,
o diálogo preparatório foi suficiente para o cliente compreender que o
conflito estava ligado à sua versão anterior (casado) e que o primeiro
passo era assumir sua nova versão (divorciado) através de tarefas
futuras. Para tanto, o cliente se comprometeu a regularizar o habite -se
da obra e o cancelamento da hipoteca na matrícula, para, enfim,
averbar o formal de partilha e liberar o imóvel do vínculo conjugal.
Conclusão

O advogado é um profissional liberal, graduado em direito e autorizado


pelas instituições competentes de cada país a exercer o jus postulandi.
É um patrono, defensor, intercessor do direito positivado, um dos
operadores do direito, que também presta um serviço público, visto
que ao defender o particular, defende a própria ordem jurídica e a
sociedade que precisa do equilíbrio da justiça.
O advogado sistêmico é, por sua própria natureza e profissão, um
advogado. E por mais óbvio que pareça, muitos têm colocado as Leis
Sistêmicas acima do Direito Positivado. Como operador do Direito, o
advogado sistêmico percebe de que forma as normas jurídicas
positivadas podem beneficiar a liberdade, o respeito, a dignidade, a
verdade e integridade do cliente. Porém, o faz considerando o novo
paradigma da ciência, que é o Pensamento Sistêmico, considerando os
contextos, as relações, os processos e os padrões existentes no sistema
do cliente.
O advogado sistêmico adota um novo modelo mental, um novo sentir,
uma nova linguagem e comportamentos que denotam uma postura mais
congruente com a realidade atual. Não somente na advocacia, mas em
todas as profissões, o desenvolvimento de competências relacionais
está sendo considerado como relevante na busca de resultados
sustentáveis.
Assim, o conhecimento sobre o funcionamento do ser humano, a busca
pela autoconsciência, pelo domínio pessoal, gestão das emoções,
aprimoramento da comunicação, da empatia, da escuta e do apoio têm
sido estimulados por técnicas como o Coaching Sistêmico,
Programação Neurolinguística, Neurociências, Constelações
Familiares, Psicologia Positiva, entre outras.
O advogado sistêmico não é terapeuta, mediador, conciliador ou
constelador, ele possui conhecimentos acerca de todos esses métodos,
e utiliza-os em seu atendimento humanizado e nas suas práticas
jurídicas, sem desviar o foco de seu papel como advogado.
Faz-se necessário, preservar a advocacia sistêmica de conceitos rígidos
ou definições prematuras, pois o exercício profissional da advocacia
tem regras próprias, definições pré-concebidas e um código de ética e
disciplina, os quais precedem quaisquer outras leis ou significados. É
dever do advogado preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a
dignidade da profissão, zelando pelo seu caráter de essen cialidade e
indispensabilidade.
O aprendizado é um processo pelo qual as competências, as
habilidades, os conhecimentos e os comportamentos são adquiridos e
modificados como resultado de estudo, experiência, formação,
raciocínio e observação. Não há dúvidas de que estamos, ainda,
aprendendo a utilizar o pensamento sistêmico e as constelações no
Direito e em diversas outras áreas. Entre a ignorância e a maestria,
passaremos pela confusão, até chegarmos aos conhecimentos
conscientes dessa prática.
É claro também que o aprendizado é muito individual e, ainda que seja
possível descrevê-lo segundo os conceitos e modelos abordados nesta
obra, cada profissional é único e vai passar pela prática de formas
diferentes. No entanto, como em todas as profissões, quanto mais se
alia conhecimento, criatividade, talento e responsabilidade, mais se
constrói e se vê resultados. A valorização da abordagem sistêmica no
Direito depende da nossa contribuição positiva para a sociedade e para
a justiça.
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