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A Mensagem de

~ A BíBLIA FALA HOJE

A Mensagem de
Romanos 5,-8
Homens Novos

john R.W Stott

b45
Primeira Igre.i.Jt!kztista de Curitiba
BIB~TECA
ABU EDOORA - UVROS PARA GENTE QUE PENSA
A MENSAGEM DE ROMANOS 5 - 8
HOMENS NOVOS

© John R. W. Stott, 1966


A Mensagem de Romanos 5-8, de John R. W. Stott, foi
publicado em inglês em 1966 pela Inter-Varsity Press, Inglaterra,
com o título Men Made New, A tradução em português
e a publicação e distribuição pela ABU Editora nos países de
fala português, é um projeto da David C. Cook FOUndatiOD,
uma organização filantrópica constituída segundo as leis do Estado
de Illinois, cuja finalidade é a divulgação do evangelho de Cristo.

Direitos Reservados pela


ABU Editora S/C
Caixa Postal 30505
01051 - São Paulo - SP
CGC 46.394.169/0001-74

Tradução de Maria Cândida Becker


Revisão de Milton Azevedo Andrade

O texto bíblico utilizado neste livro é o


da Edição Revista e Atualizada no Brasil,
da Sociedade Bíblica do Brasil, exceto
quando outra versão é indicada

La edição 1988
Prefácio Geral

A BibUa Fala Hoie constitui uma série de exposiçoes,


tanto do Velho como do Novo Testamento, caracterizadas
por um triplo objetivo: exposição acurada do texto bíblico,
relacionar o texto com a vida contemporânea, e leitura.
agradável.
Esses livros não são" pois, "comentários", já que um
comentário busca mais elucidar o texto do que aplicá-lot-
e tende a ser uma obra mais de referência do'que literária.
Por outro lado, esta série também não apresenta aquele
tipo de "sermões" que, pretendendo ser contemporâneos
e de leitura acessível, deixam de abordar a Escritura com
suficiente seriedade.
As pessoas que contribuíram nesta série unem-se na
convicção de que Deus ainda fala através do que ele já
falou, e que nada é mais necessário para a vida, para o
crescimento e para a saúde das igrejas ou dos cristãos do
que ouvir e atentar ao que o Espírito lhes diz através da
sua velha (e contudo sempre atual) Palavra.
J. A. Motyer
J. R. W. Stott
Editores da série
I
Principais Abreviações e Bibliografia

BJ A Bíblia de Jerusalém, das Edições Paulinas.


BLH A Bíblia na Linguagem de Hoje, da Sociedade
Bíblica do Brasil.
Bruce The Epistle of Paul to the Romans, An
Introduction and Commentary, de F. F. Btuce
(Tyndale Press, 1963).
CIN Cartas às Igrejas Novas, de J. B. Phillips.
ERAB Edição Revista e Atualizada no Brasil, da So-
ciedade Bíblica do Brasil.
Liddon Explanatory Analysis of St. Paul's Epistle to the
Romans, de H. P. Liddon (Longmans Green,
1893).
Vaughan St. Paul's Epistle to the Romans, de C. J.
Vaughan (Macmillan, 1859).
fNDICE

Prefácio Geral iii


.Introdução 1
1. A paz com Deus. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
2. A união com Cristo .. 22
3. A libertação da lei 51
4. A vida no Espírito 77
Conclusão 101
INTRODUÇÃO

A epístola aos Romanos é o manifesto mais completo e


coerente do evangelho que se encontra no Novo Testa-
mento. Nela o apóstolo Paulo expõe todo o conselho de
Deus: o pecado e a perdição do homem, a morte de Cristo
para salvá-lo, a fé em Cristo como único requisito para
ser aceito por Deus, a obra do Espírito Santo para o cres-
cimento em santidade, o lugar de Israel no propósito de
Deus, e as implicações éticas do evangelho. A exposição
de Paulo se destaca por sua grandeza, sua amplitude e sua
lógica, características que têm despertado a admiração e
o estudo das sucessivas gerações.
Corremos o perigo de isolar quatro dos dezesseis ca-
pítulos da epístola, pois foi isto o que exigiu uma série
de quatro exposições bíblicas durante um congresso de
uma semana. Sem dúvida, os capítulos cinco a oito for-
mam facilmente uma unidade.
Sem dúvida estes capítulos se acham entre os maiores
e mais grandiosos de todo o Novo Testamento. Apresen-
tam os privilégios de todo cristão, os privilégios daqueles
a quem Deus tem feito homens novos ao justificá-los, quer
dizer, ao declará-los justos e aceitá-los em Cristo. Os pri-
meiros capítulos da epístola são dedicados à exposição da
necessidade de justificação e da maneira como se realiza.
Procuram pôr em evidência que enquanto todos os ho-
mens são pecadores e se acham debaixo do juízo de Deus,

1
INTRODUÇÃO

podem ser justificados unicamente por meio da redenção


em Jesus Cristo, só pela graça, mediante a fé. Neste ponto,
havendo exposto a necessidade e o caminho da justifica-
ção, Paulo começa a mostrar seus frutos, os resultados
da justificação naquele que vive como filho obediente na
terra e desfruta das glórias do céu.
Isto é de suma importância, já que lamentavelmente
há muitos entre nós que pensam e vivem como se o evan-
gelho fosse somente uma boa notícia de justificação, pas-
sando por cima de que também é uma boa notícia de
santificação e de vida futura. Falam como se houvessem
chegado ao final, ao se aproximarem de Deus através de
Jesus Cristo, como se não houvesse mais caminho a per-
correr, como se houvessem chegado ao destino. Porém
não é assim. O primeiro versículo deste capítulo começa
com as palavras: "Justificados, pois, mediante a fé ... "
Isto é, agora que fomos aceitos por Deus, estas são as
conseqüências e os frutos da nossa justificação. Fomos
recebidos por Deus mediante a confiança em Jesus Cristo.
Pois bem, isto é o que acontece.
Em resumo, estes quatro capítulos descrevem os gran-
des privilégios dos crentes justificados, dos homens novos:
a rica herança que é nossa, de agora e para sempre, se é
que somos de Cristo. Quais são, pois, estes privilégios?
Cada capítulo desenvolve um destes temas principais. Em
primeiro lugar, a paz com Deus (cap. 5); a união com
Cristo (cap. 6); a libertação com respeito à lei (cap. 7) e,
finalmente, a vida no Espírito (cap. 8). Examinaremos
cada um nesta ordem.

2
CAPITULO 1
A PAZ COM DEUS (Rm 5:1-19)

O capítulo 5 de Romanos apresenta uma clara divisão em


dois parágrafos. Os primeiros onze versículos falam so-
bre os frutos ou resultados da nossa justificação, enquanto
que 12 a 19 nos revelam o Mediador de nossa justificação
- aquele por cujo intermédio a justificação nos chegou,
Jesus, o segundo Adão.

I. OS FRUTOS DA NOSSA JUSTIFICAÇÃO (5:1-11)


Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus, por
meio de nosso Senhor Jesus Cristo; por intermédio de quem
obtivemos igualmente acesso, pela fé, a esta graça na qual es-
tamos firmes; e gloriemo-nos na esperança da g16ria de Deus.
E não somente isto, mas também nos gloriemos nas próprias
tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e
a perseverança, experiência; e a experiência, esperança. Ora,
a esperança não confunde, porque o amor de Deus é derra-
mado em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi ou-
torgado. Porque Cristo, quando nós ainda éramos fracos, mor-
reu a seu tempo pelos ímpios. Dificilmente alguém morreria
por um justo; pois poderá ser que pelo bom alguém se anime
a morrer. Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco,
pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda peca-
dores. Logo muito mais agora, sendo justificados pelo seu san-
gue, seremos por ele salvos da ira.' Porque se nós, quando ini-
migos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte do
seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, .,seremos sal-
vos pela sua vida; e não isto apenas, mas também nos gloria-

3
A PAZ COM DEUS

mos em Deus por nosso Senhor Jesus Cristo, por intermédio


de quem acabamos agora de receber a reconciliação.

8. Os frutos (vs. 1 e 2)
Aqui se resume em três frases os resultados da justifi-
cação. Primeiro, "temos paz com Deus, por meio de
nosso Senhor Jesus Cristo" (v. 1). Segundo, "obtivemos
igualmente acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos
firmes" (v. 2). Terceiro, "gloriemo-nos na esperança da
glória de Deus" (v. 2b). Estes são os frutos da nossa justi-
ficação: paz, graça e glória. Temos paz com Deus, esta-
mos firmes na graça e esperamos na glória.
Ao examinar estes frutos mais de perto, é evidente
que têm relação com as três fases ou tempos da nossa
salvação. "Paz com Deus" fala do efeito imediato da justi-
ficação. Éramos "inimigos" de Deus (v. 10), porém agora
o perdão de Deus resgatou a antiga inimizade e estamos em
paz com ele. Então, o efeito imediato da justificação é
que a paz acabou com a inimizade.
Em segundo lugar, "a esta graça na qual estamos fir-
mes" fala do efeito contínuo da justificação. Envolve um
estado de graça no qual fomos introduzidos e no qual es-
tamos firmes. Se nos foi permitido entrar na esfera da
graça de Deus, nela também continuamos até o dia de
hoje.
Em terceiro lugar, "a glória de Deus" pela qual es-
peramos, fala do efeito final da justificação. "A glória de
Deus" aqui significa o céu, porque no céu Deus mesmo
será revelado plenamente (glória na linguagem bíblica é a
manifestação de Deus). Vamos ver a glória de Deus no
céu, e até participaremos dela, pois seremos semelhantes
a Cristo (l [o 3:2). "A esperança" é nossa confiança, nossa
segura expectativa. E esta esperança é tão segura que já

4
ROMANOS 5:1-11

podemos nos regozijar nela. "Portanto nos alegramos na


esperança de participarmos da glória de Deus" (~LH).
Estas três frases formam um quadro equilibrado da
vida cristã com relação a Deus. Não se diz nada aqui
sobre nossa relação com o próximo, porém no que diz res-
peito à nossa relação com Deus, as três frases constituem
um belo resumo da vida cristã: paz, graça e glória. A pa-
lavra "paz" nos convida a olhar para trás, para a inimiza-
de que acabou. A palavra "graça" nos faz olhar para
nosso Pai, debaixo de cujo favor agora permanecemos.
Com a palavra "glória" olhamos adiante, para o nosso
objetivo final, até o momento quando veremos e refletire-
mos a glória de Deus, a glória que é o objeto de nossa es-
perança e expectativa.

b. O sofrimento, caminho da glória (vs. 3 e 4)


Naturalmente, quando dizemos isso, não quer dizer que
depois de receber a justificação encontraremos no ca-
minho estreito um caminho suave repleto de flores. Acon-
tece exatamente o contrário: no caminho há sarças, e sar-
ças com grandes espinhos. "E não somente isto", diz Paulo
no versículo 3, "mas também nos gloriemos nas próprias
tribulações". Há paz, graça e glória, sim! Porém há também
sofrimento!
No sentido preciso, estes sofrimentos não são a en-
fermidade, nem a dor, nem a tristeza, nem a aflição, senão
a tribulação ou o sofrimento (grego: thlipsis), a pressão de
um mundo pagão e hostil. Sem dúvida, tal sofrimento é
sempre o. caminho da glória. Assim disse o mesmo Senhor
ressuscitado, quando afirmou que segundo o Antigo Testa-
mento o Cristo devia padecer e deste modo entrar na gló-
ria (Lc 24:26). O que acontece com Cristo, também
acontece com o cristão, porque o servo não é maior que
seu Senhor. Paulo mesmo insiste nisto quando afirma que

5
A PAZ COM DEUS

somos co-herdeiros com Cristo; "se com ele sofremos, para


que também com ele sejamos glorificados" (Rm 8:17).
Notemos com cuidado a relação entre os nossos so-
frimentos presentes e a nossa glória futura. Não se trata
de que aqueles conduzem a esta. Nem de que temos de
nos resignar diante dos sofrimentos, na expectativa da
glória futura. Não. Segundo o texto, a relação que há entre
os dois é o regozijo: nos gloriamos em ambos. Se "nos
gloriamos" em nossa esperança de glória (v. 2), "nos glo-
riamos" do mesmo modo em nossos sofrimentos (v. 3).
A força 'do verbo no original (kaucometha) indica que nos
alegramos com grande júbilo. Tanto as tribulações presen-
tes como a glória vindoura são objetos de júbilo do cristão.
Como isto acontece? Como é possível que nos alegremos
em nossos sofrimentos? Como podemos encontrar gozo
naquilo que nos causa dor? Os versículos 3 a 5 explicam
o paradoxo.
Não é que nos alegramos nos sofJiiij1entos como tais,
mas, sim, nos benefícios que trazem com~orésultado. Não
somos masoquistas, como aqueles a quem agrada a dor;
tampouco estóicos impassíveis e sofridos. Somos cristãos.
Percebemos o cumprimento de um propósito divino e cheio
de graça através de nossos sofrimentos. Alegramo-nos pelo
que produz o sofrimento: o sofrimento produz (katerga-
zetai) paciência, e a paciência, a experiência. O que nos
alegra é o fruto do sofrimento. Quais são, então, os frutos
do sofrimento? O processo se apresenta em três etapas.

Etapa 1: O sofrimento produz paciência. Com isto se quer


dizer que o sofrimento é o que gera a mesma paciência
de que necessitamos para suportá-lo, assim como o corpo
humano produz anticorpos em presença de infecção. Não
poderíamos exercitar a paciência sem o sofrimento, por-

6
ROMANOS 5:1-11

que sem este não haveria necessidade de paciência. Con-


cluindo, a paciência nasce do sofrimento.

Etapa 2: A paciência produz experiência ou virtude com-


provada. "A paciência nos faz sair aprovados", diz uma
versão. Aqui o autor se refere à condição do que tem sido
posto à prova e logo foi aprovado. E a condição que fazia
falta à armadura da qual se livrou Davi (não lhe servia
porque nunca a havia "provado", não a havia submetido
à prova). Não nos chama à atenção a maturidade de um
cristão que passou por sofrimento e saiu vencedor?
O sofrimento produz paciência, e a paciência, virtude
comprovada.

Etapa J: A experiência produz esperança, isto é, confiança


quanto à glória final. A maturidade de caráter nascida da
paciência com a qual se suportou os sofrimentos no pas-
sado traz consigo a esperança de uma glória futura. Sem
dar lugar a dúvidas, o apóstolo quer dizer que o desenvol-
vimento e a maturidade de nosso caráter cristão eviden-
ciam que Deus está nos formando e trabalhando em nós.
Este fato nos dá a confiança de que Deus não abando-
nará a tarefa sem havê-la terminado. Se agora ele está
atuando em nós para transformar o nosso caráter, com
certeza ao final nos levará à glória. Novamente o apósto-
lo nos faz ver a íntima conexão entre o sofrimento
e a glória. A razão pela. qual não somente nos gloriamos
na esperança da glória de Deus, como também em nossos
sofrimentos, é que ambos nos levam à esperança da gló-
ria. Deste modo, de fato nos regozijamos tanto nos sofri-
mentos como na glória. Regozijamo-nos não somente no
alvo, a glória, como também nos meios que conduzem a
ela, isto é, nos sofrimentos. Nestas duas coisas encontra-
mos alegria.'
7
A PAZ COM DEUS

c. A segurança baseada no amor de Deus


A esta altura da exposição alguém pode perguntar, e
Paulo antecipa a pergunta: Como se pode saber que esta
esperança de glória corresponde a uma realidade? Como
se sabe que não é somente um ensino agradável? Está
certo que alguém diga que vai para o céu, para a glória,
porém como sabe disto? Paulo responde em primeiro
lugar: "A esperança não decepciona" (BJ), isto é, a espe-
rança jamais vai nos enganar. A esperança não é uma ilu-
são: é verdadeira. Porém há outra pergunta: isto é o
que Paulo afirma. Porém, como o sabe? Como pode estar
tão seguro de que a sua esperança cristã nunca vai enga-
ná-lo? A resposta de Paulo está no restante do v. 5: sabe-
mos que a esperança cristã nunca nos enganará "porque
o amor de Deus é derramado em nossos corações pelo
Espírito Santo". O fundamento sólido sobre o qual des-
cansa nossa esperança de glória é o amor de Deus. Se so-
mos o objeto do amor de Deus, sabemos sem sombra de
dúvida que ele nos levará à glória. Confiamos em que
perseveraremos até o final, e esta confiança tem um firme
fundamento. Por um lado, baseados no caráter que Deus
está formando em nós mediante a adversidade (sofrimen-
to ~ paciência ~ experiência ~ esperança) podemos
ficar confiantes. Se agora ele nos está santificando, é por-
que depois nos glorificará. Por outro lado, podemos ficar
confiantes principalmente baseados em seu amor que ja-
mais nos abandona.
O argumento se desenvolve desta maneira: temos a
esperança cristã de que queremos a glória de Deus e par-
ticiparemos dela. Cremos que esta esperança é certa, que
não se trata de uma farsa, e que portanto não nos engana- .
rá nem desiludirá. Sabemos disto porque Deus nos ama:
nunca nos abandona, nunca deixa de nos amparar.
Alguém perguntará: "Como você sabe que Deus o

8
ROMANOS 5:1-11

ama deste modo?" E Paulo responde que sabemos pela ex-


periência íntima que temos daquele amor, porque Deus
tem-enchido nossos corações com seu amor por meio do
Espírito Santo que nos tem dado. A todo crente é dado o
.Espírito Santo, e uma de suas atividades consiste em der-
ramar o amor de Deus - não o nosso amor para Deus,
mas o amor dele por nós - para que inunde nossos cora-
ções e nos dê a consciência plena e intensa de que Deus
nos ama. Isto é, que "o próprio Espírito testifícacom o
nosso espírito que somos filhos de Deus", como Paulo ex-
pressa mais adiante em 8: 16. O Espírito nos assegura que
Deus é o Pai celestial que nos ama. O mesmo Espírito in-
funde esse amor em nossos corações.
Vale a pena notar a mudança do tempo verbal no
versículo 5: o Espírito Santo nos foi dado (BJ) - (no
gregq:dothentos, particípioaoristo, com referência a um
fato passado); porém o amor de Deus é derramado em
nossos corações (grego: ekkecutai, tempo perfeito, que se
refere a um fato passado com conseqüências permanentes).
Assim, aprendemos que o Espírito Santo nos foi dado no
momento em que cremos e nos convertemos; e no mesmo
tempo ele inundou nossos corações com o amor de Deus.
E sabemos que as águas do seu amor não retrocedem. O
Espírito dado uma vez faz nascer em nossos corações um
constantefluxo do amor divino.
Em resumo, segundo os cinco primeiros versículos os
frutos da justificação são três: a paz com Deus, que põe
fim à inimizade; a graça como um estado no qual perma-
necemos e, olhando o futuro, a esperança, expectativa de
gozo na confiança da glória de Deus. Esta esperança nasce
do caráter que Deus está formando em nós por meio da
experiência do sofrimento, que é confirmada pelo tes-
temunho do seu amor que o Espírito Santo nos tem dado.
Em outras palavras" a justificação, que em si é umato

9
'li
A PAZ COM DEUS

momentâneo, uma decisão judicial do Deus que nos de-


clara justos em Cristo, nos leva sem dúvida a uma relação
permanente com Deus mesmo, compreendida agora pela
palavra "graça", e posteriormente pela palavra "glória".
Consideremos agora os vs. 6 a 11, nos quais se amplia
os ensinamentos sobre os frutos da justificação. Ao unir
os conceitos de paz e esperança, justificação e glorificação
nos vs. 1 a 5, Paulo usou nossos sofrimentos como elos
entre eles. Em contraste nos vs. 6 a 11 são os sofrimentos
e a morte de Cristo que formam este vínculo.

d. A morte de Cristo pelos pecadores


Vejamos o que Paulo nos diz acerca da morte de Jesus.
Nestes versículos a ênfase está em que Cristo morreu pelos
que são absolutamente indignos. Os mesmos termos em-
pregados deixam fora qualquer tipo de ilusão acerca de
nossa condição. Primeiro, aparecemos como "fracos", in-
capazes de nos salvar (v. 6). Logo nos chama de "ímpios"
(v. 6), por causa da nossa rebeldia contra a autoridade de
Deus. Em terceiro lugar, nos apresenta como "pecadores"
(v. 8), porque não temos andado em justiça, por mais ele-
vados que sejam nossos ideais. Por último, o v. 10 nos
qualifica de "inimigos", pela nossa hostilidade para com
Deus. Que quadro mais horrível e implacável do homem
pecador! Somos fracassados, rebeldes, inimigos e incapa-
zes de nos salvar por nosso próprio esforço.
Entretanto, a intenção principal desta passagem é de-
monstrar que Jesus Cristo morreu precisamente por pes-
soas que se achavam nestas condições. Nós mesmos difi-
cilmente morreríamos por um justo (v. 7) - por alguém
correto em sua conduta - "por um homem de bem talvez
alguém se disponha a morrer" (BJ). Porém, "Deus prova
o seu próprio amor para conosco (e o seu é enfático em
grego: seu próprio amor, dele unicamente) pelo fato de

10
ROMANOS 5:1·11

ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores".


Não morreu pelas pessoas de conduta correta e formal,
nem sequer pelos bondosos e, bons, mas por pecadores
indignos, sem nenhum atrativo nem' mérito.'
Isto provê o contexto para o argumento que segue
nos vs. 9 a 11. E Um argumento aiortiori. isto é, que pro-
cede do menor para o maior, e que sobre a base do que
já se sabe há novas conclusões. Paulo contrasta as duas
etapas principais da nossa salvação - justificação e glo-
rificação - e mostra como a primeira garante asegunda.

e. O· contraste entre a justificação e a glorificação


(vs. 9-11) ,
E importante estudar em detalhe a comparação que' Paulo
faz entre estas duas etapas.
Em primeiro lugar, contrasta seu significado. "Logo,
muito mais agora, sendo justificados pelo seu sangue, se-
remos por ele salvos da ira" (v. 9). O contraste neste ver-
sículo encontra-se claramente entre nossa justificação pre-
sente e nossa futura . salvação da ira de Deus que será
derramada no dia do juízo. Se ao ser justificados somos já
salvos -da condenação de Deus, quanto mais seremos sal-
vos .de sua ira naquele dia? Eis aqui o primeiro contraste.
Em segundo lugar, contrasta a forma pela qual se
desfruta as duas etapas. Diz o v. 10: "Porque se nós,
quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante
a morte do seu Filho, muito' mais, estando já reconcilia-
dos, seremos salvos pe1asua vida". Aqui o contraste está
nos meios pelos quais as duas etapas da salvação se reali-
zam, isto é, a morte e a vida do Filho de Deus. A "vida"
<, neste contexto se refere à vida ressuscitada de Cristo, que
completará no céu o que a sua morte começou na terra.
Talvez o melhor comentário sobre esta verdade se encon-
tre em Romanos 8:34, onde nos diz que Cristo não so-

11
A PAZ COM DEUS

mente morreu, mas também ressuscitou, e que sentado à


destra de Deus intercede por nós, fazendo efetiva com sua
vida o que tomou possível com sua morte.
Em terceiro lugar, Paulo põe em contraste as pessoas
que recebem a justificação e a glorificação. Vejamos o v.
10: "Porque se nós, quando inimigos, fomos reconcilia-
dos (e já não inimigos) ... seremos salvos... " Se Deus
se reconciliqu com seus inimigos, indubitavelmente salva-
rá seus amigos.
Temos, pois, (vs. 9 e 10) um poderoso argumento
para crer que seremos os herdeiros de uma salvação plena
e perfeita. Existe a firme certeza de que não seremos
abandonados pelo caminho, que seremos preservados até
o final e glorificados. E isto não é um falso otimismo, mas
algo baseado em um lógica irrefutável: se, sendo inimigos,
Deus nos reconciliou e nos deu seu Filho para morrer por
nós, quanto mais sendo agora amigos de Deus, ele nos
salvará finalmente de sua ira, graças à vida de seu Filho?
Se por seus inimigos Deus fez um sacrifício que compro-
meteu a morte de seu Filho, é de se esperar que fará este
serviço menos custoso aos antigos inimigos que agora são
seus amigos. Reflitamos sobre este ponto até vermos a
lógica irrefutável do argumento de Paulo.
Porém a vida cristã é muito mais que isto. Não se
trata somente de olhar atrás para a justificação e adiante
para a glorificação. O cristão não se preocupa sempre
com o passado e o porvir, porque há de levar uma vida
cristã também no presente, e por isso lemos no v. 11: "mas
também nos gloriamos em Deus por nosso Senhor Jesus
Cristo ... " Alegramo-nos na esperança, também nos ale-
gramos nas tribulações, porém sobretudo nos alegramos
em Deus mesmo, e isto por meio de Jesus Cristo.
Como já foi demonstrado, por meio de Jesus Cristo

12
ROMANOS 5:1-11

temos paz com Deus (v. 1); por ele fomos introduzidos a
esta graça na qual estamos firmes (v; 2); pelo sangue de
Cristo fomos reconciliados (v. 9); por meio da vida de
Cristo seremos salvos finalmente (v. 10); e pelo mesmo
Senhor Jesus Cristo recebemos (uma vez, no passado)
nossa reconciliação. De modo que nos alegramos em Deus
por meio de nosso Senhor Jesus Cristo, por meio daquele
que obteve para nós bênçãos que jamais poderemos ava-
liar em toda a sua extensão.
Se passarmos uma vista na primeira parte do capí-
tulo 5, veremos que em ambos os parágrafos (vs. 1-5 e
6-11) o pensamento do apóstolo passa da justificação para
a glorificação, do que Deus tem feito por nós ao que ele
ainda fará na consumação. Os vs. 1 e 2 reforçam este
ponto: "Tendo sido, pois, justificados pela fé ... nos glo-
riamos na esperança da glória de Deus" (BJ), e novamente
(no v. 9): "Quanto mais, então, agora, justificados por seu
sangue, seremos por ele salvos da ira" (BJ).
Ademais, em ambos os parágrafos Paulo escreve
acerca do amor de Deus sobre o qual se edifica a segu-
rança de nossa salvação final. Não há outro motivo de
segurança. No v. 5 declara que o amor de Deus é derra-
mado em nossos corações, e, (no v. 8) proclama que "Deus
prova o seu próprio amor para conosco, pelo fato de ter
Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores". Se
nós cristãos nos atrevemos a dizer, como na verdade o
fazemos, que ao morrer vamos para o céu e que estamos
seguros da salvação final, não é porque cremos que so-
mos justos, nem porque sejamos auto-suficientes, mas,
pelo contrário, porque confiamosno amor inalterável de
Deus, no amor que jamais poderá nos desamparar.
Porém há outro ponto em comum nestes dois pará-
grafos: cada um fundamenta nossa crença de que Deus

13
A PAZ COM DEUS

nos ama; o primeiro o faz Objetivam~nf' , e o segundo,


subjetivamente. Obviamente, temos um u,ndamento h,l,'S-
tórico, a morte do Filho de Deus na cruz ,"Mas Deus de-
monstra seu amor .para conosco pelo fato de Cristo ter
morrido por nós quando éramos ainda .pecadores" (v. 8,
BJ). Por outro lado, o fundamento subjetivo para crer que
Deus nos ama é experimental. Não se ,dá Ina história, mas
sim na experiência. Não se trata da morte de Cristo, mas
sim da presença do Espírito Santo em nó~. De modo que
na cruz (v. 8) Deus, dá prova de seu amore derrama seu
amor em nossos corações (v. 5). assim/que ficamos sa-
É

be,odo que Deus nos ama. sabe,mos racionalmente ao con-


templar a cruz, porque lá Deus entregou o melhor que
tinha para os que estavam na pior situ~çã6. E sabemos
intuitivamente porque o Espírito inundai os nossos cora-
ções com a realidade deste amor. !

Em ambos os casos o apóstolo vinc la a este conhe-


cimento nossa segurança de salvação pIe a e perfeita. "A
esperança não nos desilude". Isto é, a no sa esperança de
uma salvação consumada se cumprirá, e a não nos enga-
nará nem nos decepcionará, pois estábe fundamentada.
Como podemos saber disto? Porque o am r de Deus habi-
tou nossos corações por meio do Espíri o Santo (v. 5).
Sabemos que seremos salvos da ira de D uso Como? Por-
que Deus nos demonstra o seu amor da do o seu Filho
em sacrifício por nós, os que estávamos em condição de
inimigos e pecadores como está clarame te expresso nos
versículos 8-10.
Há algum leitor cristão com dúvid s acerca de sua
salvação eterna? Você está seguro de ue foi justifica-
do, mas duvida de que tudo saia bem no final? Se é
assim, permita-me insistir uma vez mais em que a glori-
ficação final é o fruto da justificação: "a s que justificou,
a esses também glorificou", como veremo ao estudar Ro-

14
manos 8:30. Se este é seu problema, eu lhe rogo quecon-
fie no Deus que o ama. Olhe a cruz e aceite-a como a pro-
va dada por Deus de que ele o ama. Peça-lhe que continue
inundando o coração por meio do Espírito que vive em
você. E então, basta de dúvidas e de temores melancólicos!
'Que o imutável amor de Deus os aniquilel

H. O MEDIADOR DA NOSSA JUSTIFICAÇÃO


(5:12-19)

Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no


mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou
a todos os homens porque todos pecaram. Porque até ao regi-
me da lei havia pecado no mundo, mas o pecado não é levado
em conta quando não há lei. Entretanto reinou a morte desde
Adão até Moisés, mesmo sobreaquelesquenão pecaram à se-
melhança dá transgressão de Adão, o qual prefigurava aquele
que havia de vir. Todavia, não é assim o dom gratuito como
a ofensa, porque se pela ofensa de um 56, morreram muitos,
muito mais a graça de Deus, e o dom pela graça de um só
homem, Jesus Cristo, foi abundante sobre muitos. O dom, en-
tretanto,não é como no caso em que somente um pecou; por-
que o julgamento derivou de uma só ofensa, para a .condena-
ção, mas a graça transcorre de muitas ofensas, para a justifi-
cação. Se pela ofensa de um, e por meio de um só, reinou a
morte, muito mais os que recebem a abundância da. graça e
o dom da justiça, reinarão em vida por meio de um só, a sa-
ber, Jesus Cristo. Pois assim como por uma só ojensa veio o
Juízo sobre todos os homens para condenação, assim também
por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens
para a justificação que dá vida. Porque, como pela' desobe-
diência de um só homem muitos se tornaram pecadores, assim
também por meio da obediência de um só muitos se tornarão
iusto«.

Na primeira seção, Paulo mostrou que nossa ·reconciliaçãc


e nossasalvação final se baseiam na morte do Filho de

15
A PAZ COM DEUS

Deus. Sua exposição de imediato suscita uma pergunta:


Como pode o sacrifício de uma só pessoa trazer tantos
benefícios a tanta gente? Não é que "tantos devem tanto
a tão poucos", como tantos devem tanto a uma só pessoa:
ao Cristo crucificado. Como acontece tal coisa?
O apóstolo contesta esta possível questão com uma
analogia entre Adão e Cristo, o "segundo Adão". Hoje está
na moda qualificar o relato de Adão e Eva como mito, e
não como realidade, porém a mesma Escritura nos impede
de pensar assim. Pode até haver alguns elementos figu-
rados nos três primeiros capítulos de Gênesis; por exem-
plo, não queremos ser dogmáticos quanto à natureza exata
dos sete dias, da serpente, da árvore da vida e da árvore
do conhecimento do bem e do mal. Porém isto não quer
dizer que pomos em dúvida a existência real de Adão
e Eva, um casal que tendo sido criado bom caiu em pe-
cado por sua desobediência. O melhor argumento a favor
da historicidade de Adão e Eva não é científico (por exem-
plo, o da homogeneidade da raça humana), senão teol6-
gico. O cristão bíblico aceita Adão e Eva como pessoas
históricas não tanto pelo relato do Antigo Testamento
como pela teologia do Novo Testamento. Em Romanos
5: 12-19 e 1 Coríntios 15:21-22,45-49, o apóstolo faz
uma analogia entre Adão e Cristo cuja validade depende
da historicidade e realidade de ambos. Cada um nos é
apresentado como o cabeça de uma raça:.a ruína da hu-
manidade caída se deve a Adão, e a salvação da huma-
nidade redimida se deve a Cristo. Da desobediência de
Adão nascem a morte e a condenação, enquanto que da
obediência de Cristo nascem a vida e a justificação. Todo
o argumento fundamenta-se em dois atos históricos: a
desobediência de Adão, que resultou da afirmação egoísta
de sua própria vontade, e a obediência de Cristo, que o
levou ao sacrifício de si mesmo. Tanto Adão como Cristo

16
ROMANOS 5:12-19

demonstram o princípio de que muitos podem ser afeta-


dos, para o bem ou para o mal, pela ação de uma' só
pessoa.

8. A historicidade do homem antes de Cristo (vs. 12.14)


Os três primeiros versículos concentram-se em Adão.
"Portanto, assim como por um só homem entrou o peca-
do no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a
morte passou a todos os homens porque todos pecaram"
(v. 12). Esta afirmação reveste-se de suma importância
porque resume em três etapas a história do homem antes
de Cristo. Em primeiro lugar, nos diz que o pecado en-
trou no mundo por meio de um homem; logo, a morte
entrou no mundo pelo pecado, porque a morte é o salário
do pecado; e finalmente a morte se extendeu a todos os
homens porque todos pecaram (há explicação posterior).
Estas são as três etapas - o pecado, a morte e a morte
universal - de modo que a atual universalidade da morte
se deve à transgressão de um só homem, origem de todas
as demais transgressões humanas.
Nos vs. 13 e 14 se explica com maiores detalhes esta
progressão, desde o pecado de um homem até a morte de
todos. A pena de morte cai hoje sobre todos os homens
não somente porque todos pecaram como Adão, mas
porque todos pecaram em' Adão. Paulo comprova tal si-
tuação à luz do que sucedia durante o período compreen-
dido entre Adão e Moisés, entre a queda do homem e a
promulgação da lei. Durante esse tempo sem dúvida o
povo pecou, porém seus pecados não lhe foram levados
em conta porque "o pecado não é levado em conta quan-
do não há lei" (v. 13). No entanto, ainda que não hou-
vesse lei, as pessoas morriam; "entretanto reinou a morte
desde Adão até Moisés, mesmo sobre aqueles que não
pecaram à semelhança da transgressão de Adão". A lógica

17
A PAZ COM DEUS

do argumento de Paulo demonstra que a razão pela qual


eles morreram não está no fato de que tenham quebrado
a lei intencionalmente, como Adão, nem que tenham mor-
rido por sua própria transgressão, mas que eles e que toda
a humanidade, com a única exceção de Cristo, foram in-
cluídos em Adão, cabeça da raça humana. Este fato nos
inclui. Em termos bíblicos estávamos em Adão e portanto
em algum sentido envolvidos em seu pecado. Não podemos
acusar Adão crendo-nos justos, como se fôssemos inocen-
tes, porque nós participamos de sua culpa. Morremos no
dia de hoje porque em Adão nós também pecamos.

b, A analogia entre Adão e Cristo (vs. 15-19)


Até aqui Paulo havia concentrado sua atenção em Adão,
porém no final' do v. 14 chama a Adão "figura daquele
que devia vir" (BJ). No v. 15 começa a desenvolver a
analogia entre Adão e Cristo. Esta é uma analogia que
fascina e conduz nossa imaginação com suas semelhanças
e diferenças. A semelhança baseia-se no desenvolvimento
dos acontecimentos: nos dois casos, muita gente foi afe-
tada pelo ato de apenas um homem. Esta é a única seme-
lhança entre eles. As diferenças entre a decisão de Adão
e a decisão de Cristo são três: a motivação, o efeito e a
natureza. A razão pela qual Adão pecou difere da moti-
vação da morte de Cristo; do mesmo modo, o resultado
do pecado de Adão difere do resultado da morte de Cris-
to. A natureza do ato de Adão não é a mesma natureza do
ato de Cristo. Vejamos estes três pontos separadamente.
1. O motivo. No princípio do v. 15 lemos: "Não é assim
o dom gratuito como a ofensa". A transgressão ou ofensa
foi um ato de pecado (a palavra grega paraptoma signi-
fica queda ou desvio do caminho). Adão conhecia muito
bem o caminho porque Deus o havia indicado, porém ao

18
ROMANOS.5:12-19

desviar-se se extraviou. Por outro lado, a palavra grega


para dom, carisma, indica um ato de graça. Adão agiu.
motivado por seu egoísmo; quis afirmar a sua própria von-
tade e preferiu o seu próprio caminho. Pelo contrário, Cris-
to agiu motivado pela consciência de renúncia para colo-
car a nosso 'alcance sua graça, que não merecíamos. Aqui.
pois, reside o contraste entre a motivação das duas deci-
sões: por um lado a afirmação da vontade própria, feita
por Adão, e por outro lado o sacrifício de si mesmo, rea-
lizado por Jesus Cristo.
2. O efeito. Podemos encontrá-lo nos versículos·15b-17.
Já na segunda parte do v. 15 se faz referência ao contras-
te entre os resultados da obra de Adão e da obra de Cris-
to. 11 a oposição entre o pecado de um homem que acarre-
tou a muitos a triste pena de morte, e a graça de Deus e
do Homem Jesus Cristo que abundou para muitos, ofere-
cendo-lhes o dom gratuito da vida eterna (conf. 6:23).
Desta maneira se ressalta a vida sobre a morte, e os dois
versículos que seguem (vs. 16b-17) desenvolvem os efeitos
contrários pelos comportamentos de Adão e de Cristo.
"Se, com efeito, pela falta de um só, a morte imperou
através deste único homem, muito mais os que recebem
a abundância da graça e do dom da justiça reinarão na
vida por meio de um só, Jesus Cristo" (BJ). Sem entrar
em detalhes, observemos agora o evidente contraste entre
os atos de Adão e de Cristo: o pecado de Adão trouxe
condenação (katakrima); a obra de Cristo traz justifica-
ção (dikaioma). O reinado da morte deve-se ao pecado
de Adão, porém o reinado da vida se fez possível pela
obra de Cristo. Mais completo não poderia ser o con-
traste. De fato, trata-se de uma oposição absoluta entre a
condenação e a justificação, entre a morte e a vida.
E importante observar. a maneira precisa como o
apóstolo contrasta a vida e a morte. Não se.trata simples-

19
A PAZ COM DEUS

mente que um reinado de vida suceda ao reinado da mor-


te, porque segundo o v. 17 não é a vida que reina, mas
nós que reinamos em vida. Antes, a morte era nossa
rainha, nos dominava como a súditos, escravizando-nos
debaixo de sua tirania totalitária. Não que agora tenhamos
trocado o reino da morte por outro, permanecendo escra-
vos e súditos mesmo que em outro sentido. Totalmente ao
contrário: uma vez livres do domínio da morte, nós mes-
mos começamos a reinar sobre a morte e sobre todos os
inimigos de Deus. Deixamos de ser súditos e chegamos a
ser reis, compartilhando o império de Cristo, nosso Rei.
3. A natureza. Até aqui temos visto que o ato de Adão
e o de Cristo se diferenciam por motivação e resultados.
Agora o apóstolo faz o contraste entre os dois atos em si.
Nos vs. 18 e 19 o paralelo circula sobre o que foi dito
anteriormente, mas aqui enfatizá-se exatamente o que
fizeram Adão e Cristo. Segundo o v. 18, a ofensa de
um só homem trouxe como conseqüência a condenação
para todos, enquanto a justiça de um só, Cristo, trouxe
para todos os que estão nele a justificação e a vida. A
transgressão de Adão significou seu fracasso diante da lei
de Deus; a justiça de Cristo foi o cumprimento desta lei.
O versículo 19 prossegue: "Porque, como pela desobe-
diência de um só homem muitos se tornaram pecadores,
assim também por meio da obediência de um só muitos
se tornaram justos". Eis aqui o contraste claro entre a
natureza dos dois atos: Adão desobedeceu a vontade de
Deus e se afastou da justiça; Cristo obedeceu a vontade
de Deus e assim cumpriu toda a justiça. Veja Mateus 3: 15
e Filipenses 2:8.
Podemos, então, resumir brevemente a analogia entre
Adão e Cristo. Quanto à motivação de seus atos, Adão
afirmou sua própria vontade, enquanto que Cristo se sa-
crificou a si mesmo. Quanto à conseqüência de seus atos.

20
ROMANOS 5:12-19

O pecado de Adão trouxe a condenação e a morte, en-


quanto que a justiça de Cristo trouxe a justificação e a
vida. Quanto à natureza de seus atos, Adão desobedeceu
a lei e Cristo a cumpriu.
Assim, pois, o que nos condena ou nos justifica, quer
estejamos espiritualmente vivos ou mortos, depende da
humanidade à qual pertencemos: a antiga humanidade
(instaurada por Adão) ou a nova humanidade (iniciada
por Cristo). E isto, por sua vez, depende de nossa relação
com Adão ou com Cristo. Entendamos isto muito bem:
todos os homens estão em Adão em virtude de nosso
nascimento humano, porém não estão todos em Cristo, já
que somente mediante a fé podemos estar em Cristo. Es-
tando em Adão por nascimento, somos condenados e mor-
remos; porém se estamos em Cristo pela fé, somos justi-
ficados e vivemos.
Desta maneira, e como conclusão, reiteramos a men-
ção dos privilégios dos justificados, que encontramos no
início deste capítulo, porque somente em Jesus Cristo e
por meio dele tais privilégios chegam a ser nossos. O v. 1
afirma: "temos paz com Deus, por meio de nosso Senhor
Jesus Cristo" e o v. 2 "por quem tivemos acesso ... a esta
graça, na qual estamos firmes ... " (BJ). Os três privilé-
gios dos justificados - a paz, a graça e a glória - não
são dados aos que continuam em Adão, mas somente aos
que estão em Cristo.

21
CAPITULO 2
A UNIÃO COM CRISTO (Rm 5:20.--:6:23)

Do estudo de Romanos 5 temos aprendido que o primeiro


privilégio do crente é a paz com Deus, paz que se experi-
menta agora em uma relação de graça, e que nos leva à
glória num mundo vindouro. Seu segundo privilégio, tra-
tado no capítulo 6, é a união com Cristo, condição e ca-
minho da santidade.
O ensino principal do capítulo 6, e em especial dos
vs. 1-11, é que a morte e a ressurreição de Jesus Cristo
não somente são fatos históricos e doutrinas significati-
vas, mas que também constituem uma experiência pes-
soal do crente em Cristo. São acontecimentos de que nós
mesmos chegamos a participar. Todos nós cristãos fomos
unidos com Cristo em sua morte e ressurreição. Além dis-
to, se é certo que morremos com Cristo e ressuscitamos
com ele, é inconcebível que continuemos vivendo em
pecado.
O capítulo 6 de Romanos contém trechos paralelos
(vs. 1-14 e 15-23). Cada um deles desenvolve o mesmo
tema geral de que o pecado é inadmissível no cristão, po-
rém o argumento varia levemente nas duas partes. A idéia
central dos vs. 1-14 é nossa união com Cristo, e o tema
dos vs. 15-23 é nossa sujeição a Deus. Como cristãos,
nossa posição é a de estar unidos com Cristo e ser servos
de Deus. Sobre este duplo fato descansa a motivação para
a santidade.

22
;ROMANOS 5:20,..-6:14

I. UNIDOS COMCRI8TO (6: 1·14)

Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado, para que-seja


a graça mais abundante? De modo nenhum. Como viveremos
ainda no pecado, nós os que para ele morremos? Ou, porven-
fura, ignorais que todos os que fomos batizados em Cristo Je-
sus, fomos batizados na sua morte? Fomos, -pois, sepultados
com ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi res-
suscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também
andemos nós em novidade de vida. Porque se fomos unidos
com ele na semelhança da sua morte, certamente o seremos
também na semelhança 'da sua ressurreição; sabendo isto, que
foi crucificado com elé o nosso velho homem, para que o cor-
po do pecado'seja destruído, e não sirvamos o pecado como es-
cravos; porquanto quem morreu, justificado está do pecado.
Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele
viveremos; sabedores que havendo Cristo ressuscitado dentre
os mortos, já não morre: a morte já não tem domínio sobre ele.
Pois, quanto a ter morrido, de uma vez para sempre morreu
para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus. Assim
também vós considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos
para Deus em Cristo Jesus. Não reine, portanto, o pecado em
vosso corpo mortal, de maneira que obedeçais às suas paixões;
nem ofereçais cada um os membros do seu corpo ao pecado
como instrumentos de iniqüidade, mas oferecei-vos a Deus co-
mo ressurretos dentre os mortos, e os vossos membros a Deus
como instrumentos de justiça. Porque o pecado não terá domi-
nio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e, sim, da graça.

a. Uma objeção por parte dos críticos


O capítulo começa com duas perguntas: Que diremos,
pois? Permaneceremos no pecado, para que seja a graça
mais abundante?
Para compreender o motivo destas perguntas, é ne-
cessário olhar novamente os vs. 20 e 21 no final do capí-
tulo anterior. Paulo comparou a obra de Adão e a obra de

p,.im~i,."
01.(5
II1,..,i" R,,';ol,,-"D ,.,.... :~:I'lI.
23
A UNIÃO COM' CRISTO

Cristo. Tão exato é o paralelo entre suas obras, que parece


não caber neste esquema um dos acontecimentos mais im-
portantes do período entre Adão e Cristo, isto é, a promul-
gação da lei por meio de Moisés. Por esta razão, Paulo
apresenta no v. 20 a entrada da lei, tal como havia de-
monstrado a entrada do pecado no v. 12, empregando
verbos parecidos.
Por que se promulgou a lei? "A Lei veio para aumen-
tar o mal" (v. 20 BLH). Afirma-se que a lei fez abundar
o pecado, porque o efeito dela foi expor o pecado e inclu-
sive provocá-lo (veja a exposição de 7:7-12). O comen-
tarista H. P. Liddon disse: "A condição da família hu-
'mana teria que piorar antes de poder melhorar".
Mas quando o pecado aumentou, continua o após-
tolo, "superabundou a graça". Deste modo Deus quis esta-
belecer o reinado de sua graça. Parafraseando o ver-
sículo 21: tal como nos dias do Antigo Testamento do-
minava o pecado graças ao efeito da lei mosaica, trazendo
a morte como conseqüência, assim Deus quer que nos dias
do Novo Testamento a graça domine, impondo-sepor meio
da justiça de Cristo e trazendo como conseqüência a vida
eterna.
Diante deste quadro, Paulo agora pergunta: Que di-
remos, pois? Permaneceremos no pecado, para que seja
a graça mais abundante? Sabemos que (5:20-21), no
passado, quanto mais pecado havia, mais graça resul-
tava. Será verdade ainda hoje? Alguém poderia pen-
sar: "Fui justificado gratuitamente pela graça de Deus. Se
volto a pecar, novamente serei perdoado, por esta mesma
graça. E quanto mais peco, maior oportunidade terá a
graça para expressar-se e mostrar-se em perdão para mim.
Por que, pois, não continuo pecando para que a graça
seja maior?"

24
ROMANOS 5:20-6:14

Aqui o apóstolo expressa úma das objeções feitas


por seus.. contemporâneos ao evangelho da justificação so-
mente pela graça, somente mediante a fé. A crítica era
que a doutrina da "graça gratuita" conduz ao antinomia-
nismo, isto é, à libertinagem e ao desconhecimento de toda
lei, que debilita o nosso senso de responsabilidade moral, e
nos estimula a pecar. Os críticos objetaram o evangelho
com estes argumentos nos dias de Paulo, e com freqüência
a ignorância produz hoje o mesmo tipo de objeção.
Se a nossa aceitação diante de Deus depende unica-
mente de sua graça gratuita, sem consideração de nossas
obras, não é lógico pensar que podemos viver como que-
remos? Se Deus "justifica o ímpio", como realmente
o faz, e com prazer (Rm 4:5), deixa de ter sentido ser
piedoso. E assim a doutrina da justificação pela graça
parece premiar o pecado. E evidente que realmente faziam
uso deste argumento alguns que o apóstolo Judas carac-
teriza como "homens ímpios, que transformam em liber-
tinagem a graça de nosso Deus, e negam o nosso único
Soberano e Senhor, Jesus Cristo" (J d 4).
A tudo isto Paulo responde indignado: "Permanece-
remos no pecado, para que seja a graça mais abundante?
De modo nenhum". Notemos que Paulo não nega a dou-
trina que seus críticos estavam interpretando mal, porém
opõe-se ao que sem base estavam deduzindo dela. Em
nenhum caso Paulo contradisse, nem abandonou, nern se-
quer modificou seu evangelho da salvação gratuita. A
verdade é que a salvação é um dom gratuito e imerecido.
O fato de ter havido contraposição aos ensinamentos de
Paulo, e ele tendo se firmado no que ensinara, isso é a pro-
va de que este é o seu evangelho.
Como, pois, contesta Paulo? A seguir, após essa
vigorosa negativa, ele enfrenta os seus críticos com ou-
tra pergunta (v. 2): "Como viveremos ainda no pecado,

25
, ! lC,

A UNIÃO COM CRISTO

nós os que para ele morremos?" Em outras palavras, esta


crítica à justificação pela fé parte de um conceito basica-
mente mal entendido da mesma doutrina e, em conse-
qüência, do que significa ser cristão. A vida cristã começa
com a morte ao pecado ("morremos", pretérito perfeito,
v. 2), e em vista disto é um absurdo perguntar se podemos
continuar vivendo em pecado. Já que morremos para o pe-
cado, como viveremos em pecado? Com o tempo do verbo
no futuro, viveremos (v. 2), o apóstolo não nega a possi-
bilidade do cristão pecar, mas enfatiza a incongruência
moral de querer viver em pecado.
Isto implica em uma pergunta fundamental: como e
em que sentido morremos para o pecado? Por certo, não
continuaremos vivendo no pecado se morremos para ele,
porém, o que significa estar morto para o pecado? Como e
quando isto aconteceu? O apóstolo Paulo ocupa o restan-
te do parágrafo para explicar isto, e o seguiremos passo a
passo no desenvolvimento deste argumento majestoso.

b, A resposta de Paulo
Primeiro passo: O batismo cristão é o batismo em Cristo.
Isto é o que diz o v. 3: "Ou, porventura, ignorais que to-
dos fomos batizados em Cristo Jesus ... " O fato de se per-
guntar se o cristão está livre para pecar revela completa
falta de compreensão do que significa ser cristão e do que
é o batismo cristão. Um cristão não é somente um crente
justificado: é uma pessoa que foi unida com Cristo Jesus
de uma maneira viva e pessoal. A mesma justificação, bem
entendida, não é uma mera declaração que afeta nosso es-
tado legal sem influir sobre nossa vida. Somos justificados
"em Cristo" (GI 2: 17), e não há possibilidade de ser justi-
ficado por meio de Cristo sem estar unido com Cristo, já
que a justificação depende da união.

26
ROMANOS 5:20-6:14

o batismo é o símbolo desta união com Cristo, por-


que simboliza que somos lavados do pecado e que recebe-
mos o Espírito Santo; seu significado essencial é que nos
unimos com Cristo. Repetidas vezes no Novo Testamento
a preposição que se emprega com o verbo "batizar" não é
em (en), mas para (eis). Em seu mandamento final o Se-
nhor ressuscitado disse que devemos batizar as pessoas
para (literalmente) "o nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo". No livro de Atos lemos que os crentes de Sama-
ria e de Éfeso foram batizados "para o nome do Senhor
Jesus" (8: 16; 19:5, tradução literal). Em Gálatas 3:27 lê-
se acerca de que "todos os que fostes batizados para Cris-
to" (literalmente), e aqui em Romanos 6:3 a preposição é
exatamente a mesma: "batizados para Cristo Jesus".
De acordo com o Novo Testamento o batismo é um
ato realizado de forma visível. Indica não somente que
Deus nos lava dos pecados e nos dá o Espírito Santo, como
também por sua pura graça nos situa dentro de Cristo
Jesus. Esta é a essência da vida cristã, demonstrada visivel-
mente por meio do batismo. Com certeza, isto não implica
de maneira nenhuma que o ritual externo do batismo
assegure por si mesmo nossa união com Cristo. E inconce-
bível que o apóstolo, depois de dedicar três capítulos à
doutrina da justificação somente pela fé, mude agora sua
tese, contradizendo-se ao fazer do batismo um meio de
salvação. Não acusemos o apóstolo Paulo de ser tão in-
conseqüente em seu modo de pensar. Quando ele escreve
dizendo que somos "batizados para Cristo Jesus" quer
dizer que esta união com Cristo, efetuada invisivelmente
pela fé, fica demonstrada e selada visivelmente no batis-
mo. Contudo o seu primeiro argumento é que ser
cristão implica em uma identificação pessoal e viva com
Cristo, e esta união com ele se exterioriza de forma visí-
vel em nosso batismo.

27
A UNIÃO COM CRISTO

Segundo passo: O batismo "para" Cristo é um batis-


mo que nos relaciona com sua morte e ressurreição. " ...
ignorais", diz Paulo (vs. 3-5), "que os que fomos batizados
em Cristo Jesus, fomos batizados na sua morte? Fomos,
pois, sepultados com ele na morte pelo batismo; para que,
como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória
do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida.
Porque se fomos unidos com ele na semelhança da sua
morte, certamente o seremos também na semelhança da
sua ressurreição". Em resumo, o apóstolo diz que ser ba-
tizado para Cristo é ser batizado em relação à sua morte
e ressurreição. O uso do tempo futuro "seremos" (v. 5)
somente indica o que sucede depois de nossa morte com
Cristo; aqui não se faz referência à ressurreição do corpo.
B provável que estes versículos se refiram ao simbo-
lismo visível do batismo. Quando se batizava ao ar livre
em algum rio, o candidato abaixava-se até a água - quer
fosse parcial ou totalmente submergido, não é assunto de
maior importância - e sua imersão total ou parcial pare-
cia um ato de sepultar e logo após ressuscitar. O batis-
mo daria então uma expressão teatral à sua morte, sepulta-
mento e ressurreição para a vida nova. Em outras pala-
vras, disse C. J. Vaughan em seu comentário: "Nosso ba-
tismo é parecido a um funeral". Neste caso segue-se ao
funeral uma ressurreição.
Esta é a segunda etapa do argumento do apóstolo: o
cristão foi unido com Cristo em sua morte e sua ressurrei-
ção, interiormente pela fé, exteriormente pelo batismo. B
inadequado pensar que estamos unidos com Cristo em um
sentido vago e geral; devemos ser mais específicos. O
Cristo com quem fomos identificados e unidos não é outro
senão o Cristo que morreu e ressuscitou, de modo que ao
nos unirmos com Cristo de fato temos participado de ma-

28
ROMANOS 5:20-6:14

neira definitiva, queiramos ou não, de sua morte e de sua


ressurreição.
Terceiro passo: A morte de Cristo foi uma morte
para o pecado, e sua ressurreição foi uma ressurreição
para Deus. Esta parte é mais difícil de compreender. Nos
vs. 6-11 Paulo escreve: "sabendo isto, que foi crucificado
com ele o nosso velho homem, para que o corpo do pe-
cado seja destruído, e não sirvamos o pecado como escra-
vos; porquanto quem morreu, JUStificado está do pecado.
Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com
ele viveremos; sabedores que havendo Cristo ressuscitado
dentre os mortos, já não morre: a morte já não tem domí-
nio sobre ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez para
sempre morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive
para Deus. Assim também vós considerai-vos mortos para
o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus". Isto re-
quer de nós uma consideração cuidadosa. O v. 10 explica
a maneira correta em que devemos compreender a morte
e a ressurreição nas quais fomos unidos com Cristo: "Pois,
quanto a ter morrido, de uma vez para sempre morreu
para o pecado; II1;as quanto a viver, vive para Deus" (v.
10). Agora, o que significa esta morte para o pecado, morte
que Cristo sofreu (v. 10) e morte que por sua vez nós
experimentamos nele? (v. 2 "nós que morremos para o
pecado" (BJ); e v. 11 "considerai-vos mortos para o pe-
cado"). .
1. A morte para o pecado: uma compreensão equi-
vocada. Uma interpretação errônea, comum em nossos
dias, nos obriga a começar demolindo O negativo antes de
poder construir o positivo. Há um significado popular da
morte para o pecado segundo Romanos 6 que não resiste a
um exame cuidadoso, e ao mesmo tempo conduz ao auto-
engano e à desilusão, inclusive ao desespero. Consiste no

29
A UNIÃO COM CRISTO

segum eixam de funcionar os cinco


• te: com a morte f"isica dei I I

sentidos (tato, gosto, visão, olfato e audição). Perde-se


toda a capacidade de percepção e de resposta a qualquer
estímulo. Portanto, dizem os que apoiam esta interpreta-
ção, morrer para o pecado é ficar insensível ante ele, de
maneira que se fica tão indiferente ao pecado como um
cadáver aos estímulos físicos.
Este conceito pode ser ilustrado da seguinte forma:
uma das evidências de vida é a capacidade de corresponder
aos estímulos. Você caminha pela rua e vê um cachorro
ou um gato deitado na calçada, porém ao olhá-lo não
sabe se está vivo ou morto. Mas você pode comprovar ime-
diatamente empurrando-o com o pé; se estiver vivo, reage
e sai correndo, mas se estiver morto, não haverá ne-
nhuma reação - ele continua imóvel. Segundo este con-
ceito popular, "morrer para o pecado" é chegar a ser indi-
ferente a ele. Ficamos como mortos, e ao aproximar-se o
estímulo da tentação, não o sentimos nem reagimos diante
dele. Estamos mortos. Argumenta-se gue, segundo o v. 6,
de algum modo místico nossa velha natureza foi 'cru-
cificada. Cristo levou não somente nossa culpa, como
também nossa "carne", nossa natureza caída. Ela foi cra-
vada na cruz e morreu, sendo nossa tarefa atual considerá-
la morta (v. 11), não importa quanta evidência haja em
contrário.
As seguintes citações expressam esta opinião: " ...
aquele que está morto pode dizer-se livre do poder do
pecado" (v. 7 CIN), considerando-nos imunes a ele. "Um
morto não pode pecar. E vocês estão mortos. . . Em rela-
ção ao pecado são tão impassíveis, tão insensíveis e tão
inertes como é o Cristo, que já morreu para o pecado"
(C. J. Vaughan). "Supõe-se que por haver morrido o cris-
tão fica tão insensível ao pecado, como é insensível um

30
ROMANOS 5:20-6:14

morto ante qualquer dos objetos tangíveis do mundo"


(H. P. Liddon).
Apesar de tudo isso, contudo, há objeções muito
sérias, esmagadoras, a essa posição. Se considerarmos com
cuidado, sabemos que Cristo não morreu para o pecado
neste sentido, nem é este o significado de nossa morte para
o pecado.
11 de suma importância observar que se emprega três
vezes neste parágrafo a idéia de morte para o pecado. Duas
vezes refere-se aos cristãos (vs. 2, 11) e uma vez a Cristo
(v. 10). Um princípio fundamental da interpretação bí-
blica é que uma expressão mantém o mesmo sentido cada
vez que é usada no mesmo contexto. Devemos, pois, e:.-
contrar uma explicação desta morte para o pecado que .
possa ser aplicada tanto a Cristo como ao cristão. Lemos
que "ele morreu parao pecado", e que "nós também fomos
mortos para o pecado", de modo que qualquer que seja
esta morte para o pecado deve ser estendida tanto ao
Senhor Jesus como a nós.
Olhemos primeiro Cristo e sua morte. Como expli-
car o v. 10 quando diz que "de uma vez para sempre
morreu para o pecado"? Não pode significar que ele se
fez indiferente para com o pecado, já que isto implicaria
que antes ele não lhe era indiferente. Alguma vez o Senhor
Jesus Cristo esteve tão receptivo ao pecado, que necessi-
tasse posteriormente morrer para ele? Mais ainda, respon-
deria ao pecado de forma tão contínua que deveria morrer
para ele de uma vez por todas? De maneira nenhuma. A
idéia é intolerável.
Agora cabe perguntar: e nós, e nossa morte para o
pecado? Morremos para o pecado no sentido de que nossa
velha natureza se fez insensível a ele? Não, de maneira
nenhuma. Um segundo princípio fundamental de inter-
pretação bíblica é que se deve explicar o texto dentro de

31
A UNIÃO COM CRISTO

seu contexto, a parte em relação ao todo, e o específico


à luz do geral. Podemos perguntar: qual é o ensinamento
geral do restante das Escrituras sobre a velha natureza?
Será que a velha natureza ainda vive e permanece ativa
no crente regenerado? De fato, o contexto desta mesma
passagem ensina exatamente essa mesma verdade, e diz,
por exemplo: "Não reine, portanto, o pecado em vosso
corpo mortal, de maneira que obedeçais às suas paixões;
nem ofereçais cada um dos membros do seu corpo ao pe-
cado ... " (vs. 12-13). f: evidente que estes mandamentos
estariam demais aí, se na realidade houvéssemos morrido
para o pecado de tal modo que agora fôssemos insensíveis
a ele. O restante da epístola aos Romanos confirma isto.
No começo do capítulo 8 o apóstolo Paulo exorta a não
pensarmos nas coisas da carne nem a viver segundo suas
exigências. Em 13: 14 Paulo diz que não devemos atender
a carne a fim de dar satisfação a seus desejos. Estas ad-
moestações seriam totalmente ilógicas se a carne estivesse
morta e não tivesse nenhum desejo. Há quem diga não es-
tar morto nem insensível às atrações do mundo, e afirme
no entanto ter um "caráter santificado" do qual a inclina-
ção para o pecado foi retirada. Os versículos que temos
visto devem fazê-lo ver este erro, porque as instruções de
não satisfazer nem ceder diante dos desejos da carne com-
provam que nossas tentações ainda vêm do nosso interior,
e não somente do exterior, isto é, surgem da carne e não
somente do mundo e do diabo.
A experiência cristã demonstra que esta não é a
interpretação correta. Cabe observar que o apóstolo não
se refere a uns poucos cristãos excepcionalmente san-
tos que tenham passado por alguma experiência especial,
mas descreve todos os cristãos que tenham crido e te-
nham sido batizados em Cristo: "Nós que morremos para
o pecado, como haveríamos de viver ainda nele? Ou hão

32
ROMANOS 5:20-6:14

sabeis que todos os que fomos batizados em Cristo Jesus,


é na sua morte que fomos batizados?" (BJ, vs. 2-3).
Podemos ver então que esta morte para o pecado,
seja o que for, é comum a todo cristão. E possível afirmar
que todos os crentes batizados estão mortos para o pecado
no sentido de serem insensíveis interiormente a ele? Acaso
se encontram já indiferentes ao pecado, ou está o pecado
quieto neles de modo que o possam experimentar assim?
Não, acontece tudo ao contrário, porque as biografias bí-
blicas históricas e nossa própria experiência se combi-
nam para desmentir estas idéias. Longe de estar morta
e quieta, nossa natureza caída e corrompida está viva e
cheia de atividade; tanto assim que somos exortados a
não obedecer a seus desejos, e ainda mais, nos é dado o
Espírito Santo precisamente com a finalidade de dominá-
la e controlá-la. Que sentido teria isto se a carne já esti-
vesse morta?
A tudo que já foi dito quero acrescentar mais alguma
coisa.Um dos sérios perigos desta idéia popular - do
qual dou testemunho pessoal, porque assim me ensinaram
e a aceitei por certo tempo - é que quando uma pessoa
tenta considerar-se morta neste sentido (ainda sabendo
muito bem que não está), fica torturada por sua interpre-
tação das Escrituras, por um lado, e por sua própria ex-
periência de outro. Em conseqüência, alguns começam a
duvidar da Palavra de Deus, enquanto que outros, no afã
de sustentar sua própria interpretação, chegam até ao auto-
engano quanto a sua própria experiência pessoal. ,
Permita-me resumir as objeções a esta idéia popular:
Cristo não morreu para o pecado (no sentido de chegar a
ser insensível a ele) porque nunca viveu no pecado para
ter que morrer para ele. Tampouco nós morremos para o
pecado neste sentido porque estamos vivos para ele. Inc1u-

33
A UNIÃO COM CRISTO

sive nos e ordenado "f aze-1


• I 1\ ",e como se pode ma-
o morrer
tar o que já foi morto? Ao dizer tudo isto, minha intenção
não é a de atacar as idéias preferidas de cristão algum,
nem ferir sensibilidades, mas permitir uma nova dimensão
da vida cristã e abrir o caminho para uma nova liberdade.
2. A morte para o pecado: a correta interpretação
de Paulo. Qual é então o sentido desta "morte para o pe-
cado", pela qual sofreu Cristo e também nós nele? Como
podemos interpretar a expressão, de modo que seja ver-
dade tanto a Cristo como aos cristãos, a todos os cristãos
sem exceção? A resposta não é difícil.
Este conceito errôneo ilustra o grande perigo de
basear um argumento em uma analogia. Em toda analogia
(na qual se compara uma pessoa aum objeto) é ne-
cessário averiguar a qual aspecto se refere o paralelo ou
a semelhança evitando forçar a semelhança nos demais as-
pectos. Por exemplo, Jesus disse que devemos chegar a
ser como meninos; com isto ele não quis dizer que de-
vemos manifestar todas as características da infância, in-
clusive a ignorância, os caprichos, a porfia e o pecado,
porém somente uma: a dependência humilde. Da mesma
maneira, estar morto para o pecado não quer dizer que
todas as características de um morto sejam necessaria-
mente próprias do cristão, inclusive a insensibilidade aos
estímulos. Melhor é perguntar: Em que sentido há uma
analogia? Que significa a morte neste contexto?
Se respondermos a estas perguntas pelas Escrituras e
não com a força da analogia, consultando o ensinamento
bíblico acerca da morte e não as propriedades dos mortos,
não haverá lugar para equívocos. Nas Escrituras não se
aborda a morte em termos físicos, mas em termos morais
e legais; não como o estado imóvel de um cadáver, mas
como a sanção severa porém justa do pecado. Sempre

34
ROMANOS 5:20-6:14

que se relacionam o pecado e a morte na Bíblia, a li-


gação essencial entre eles é que a morte éa pena para
o pecado. Isto está em toda a Bíblia desde o segundo capí-
tulo de Gênesis, onde lemos que Deus disse: "No dia em
que dele comeres (e portanto pecares)... certamente
morrerás", até os últimos capítulos do Apocalipse, nos
quais se revela o terrível destino dos pecadores sob o
nome de "a segunda morte". A conexão que há nas Escri-
turas entre pecado e morte é a mesma de uma ofensa e sua
justa recompensa. Outros exemplos disto se encontram na
epístola aos Romanos; em 1:32 se fala do decreto de Deus
pelo qual aqueles que pecam são "dignos de morte" (BJ);
e em 6:23 lemos: "o salário do pecado é a morte". Esta é,
portanto, a maneira que se deve entender a linguagem
acerca da morte, e é este o sentido que tem a morte tanto
em relação a Cristo como em relação aos cristãos.
O versículo 10 do capítulo 6 diz: "Pois, quanto a ter
morrido, de uma vez para sempre morreu para o pecado".
O que significa isto? Uma só coisa: que Cristo morreu
para o pecado quanto sofreu o castigo do pecado. Ele
morreu por nossos pecados, carregando-os em sua própria
pessoa inocente e santa. Carregou nossos pecados e sua
justa recompensa. A morte de Jesus foi o pagamento pelo
pecado, nosso pecado: cumpriu a sentença, pagou a pena
e aceitou a conseqüência. Tudo isto o fez de uma só vez
e para sempre, e portanto o pecado já não tem direito
algum sobre Cristo. E ele ressuscitou dos mortos para de-
monstrar sua perfeita ação como portador de nossos pe-
cados, e agora vive para sempre com Deus.
Se é neste sentido' que Cristo morreu para o pe-
cado, nós também, unidos a Cristo, fomos mortos para o
pecado neste mesmo sentido. Isto é, morremos para o
pecado porque em Cristo sofremos o castigo pelo pecado.

35
A UNIÃO COM CRISTO

E a conseqüência é que nossa velha vida terminou, e come-


çou uma nova vida.
Poder-se-ia pensar que é incorreto dizer que nós le-
vamos a pena de nossos pecados em Cristo, já que não
podemos morrer para livrar-nos da conseqüência de nossos
próprios pecados; somente Cristo o fez. Inclusive se tem
sugerido que esta seria uma forma sutil de justifica-
ção pelas obras, porém isto não é verdade. Naturalmente
o sacrifício de Cristo ao carregar nossos pecados foi
único, e é impossível que compartilhemos com ele esta
carga, mas é verdade que compartilhamos os benefícios
de seu ato por estarmos, em Cristo. A expressão neotes-
tamentária desta verdade não somente diz que Cristo
morreu por nós como também diz que nós morremos nele.
Por exemplo, Paulo argumenta: "Um morreu por todos,
logo todos morreram", isto é, nele (2 Co 5: 14).
Voltemos agora ao versículo 6, que fala de nossa
morte indicando três vantagens entrelaçadas por ser a ter-
ceira fruto da segunda e esta fruto da primeira. Quero
apresentá-las da seguinte forma: 1) sabemos que nosso
velho homem foi crucificado juntamente com ele; 2) para
que o corpo do pecado seja destruído; 3) a fim de que de
agora em diante já não sirvamos mais ao pecado.
A etapa final está clara: a fim de que não sirvamos
mais ao pecado. Sem dúvida é isto o que almejamos: liber-
tar-nos da escravidão e da tirania do pecado. Já que isto
está mencionado no final do v. 6, é necessário examinar
antes as duas etapas prévias que 'conduzem a esta liberta-
ção. A primeira etapa se chama a crucificação do velho
homem; e a segunda, dependente da primeira, é a destrui-
ção do corpo do pecado. Além disto, nos é dito que "foi
crucificado com ele o nosso velho homem para que o
corpo do pecado seja destruído, e não sirvamos o pecado
como escravos".

36
ROMANOS 5:20-6:14

Analisemos estas três afirmações, começando pela


destruição do corpo do pecado. Este "corpo do pecado"
não é o corpo humano, que em si mesmo não é pecamino-
so; a referência é à natureza pecaminosa que se expressa
por meio do corpo (veja v. 12), isto" é, a nosso eu pecami-
noso. Agora, segundo este versículo, o propósito de Deus
é que este eu pecaminoso seja "destruído", para que já
não sirvamos mais ao pecado. O verbo grego "destruir",
katargethe, é empregado também em Hebreus 2: 14 com
referência ao diabo; sua interpretação não é "desapare-
cer", mas sim ser vencido; não é ser aniquilado, mas sim
ser despojado de poder. Nem o diabo, nem nossa natureza
são aniquilados, porém a vontade de Deus é que o domí-
nio de ambos seja destruído. De fato, o poderio de nossa
natureza antiga foi derrubado em virtude de algo que su-
cedeu na cruz, ao qual se refere a primeira frase do v. 6:
a crucificação do nosso velho homem, de nosso "an-
tigo eu".
O que é este "velho homem"? Não pode ser a velha
natureza. Como poderia ser, se "o corpo do pecado" sig-
nifica a velha natureza? As duas expressões não podem
ter o mesmo significado: o versículo ficaria sem sentido.
Não. A expressão "velho homem" não corresponde à nossa
velha natureza não regenerada, mas à vida anterior não
regenerada, o que éramos antes; não meu eu inferior, mas
meu eu anterior. Pois bem, o que foi crucificado com Cris-
to não foi uma parte do meu ser chamada velha natureza,
mas tudo o que eu era antes de ser regenerado. Meu "velho
homem" é minha vida antes da minha conversão, meu eu
não regenerado. Isto fica claro porque neste capítulo a
frase "nosso velho homem foi crucificado" (v. 6 BLH) é
equivalente à frase "morremos para o pecado" (v. 2 BLH).
Uma das causas de confusão ao interpretar este ver-
sículo é o modo paulino de usar o termo "crucííícado".

37
A UNIÃO COM CRISTO

Muitas pessoas o associam com Gálatas 5:24, onde diz


que "os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne, com
suas paixões e concupiscências". A similaridade da termi-
nologia nestes dois versículos naturalmente sugere que em
Romanos 6:6 se está aludindo à crucificação de nossa
"carne" ou velha natureza. Porém os dois versículos são
bem diferentes: em Romanos 6:6 Paulo se refere a algo
que nos sucedeu ("nosso velho homem foi crucificado com
ele"), enquanto que em Gálatas 5:24 se refere a algo que
nós mesmos temos feito ("temos crucificado a carne").
Com efeito, no Novo Testamento encontramos duas for-
mas distintas de expressar a morte espiritual do cristão
em relação a santidade. Em primeiro lugar está a morte
para o pecado, e em segundo lugar, a morte do eu. Nossa
morte para o pecado se realiza pela identificação com
Cristo; nossa morte para o eu pela imitação de Cristo.
Primeiro, fomos crucificados com Cristo; porém não
somente crucificamos (isto é, repudiamos) resolutamen-
te a carne com suas paixões e desejos, como também
tomamos nossa cruz diariamente e seguimos a Cristo até
a crucificação (Lc 9:23). A primeira é uma morte legal,
relativa à penalidade pelo pecado; a segunda é uma
morte moral, relativa ao poder do pecado. A primeira cor-
responde ao passado, é única e sem repetição: eu morri
para o pecado uma só vez em Cristo. A segunda pertence
ao presente, é contínua e repetitiva: morro para o eu dia-
riamente, como Cristo. Romanos capítulo 6 é dedicado à
primeira destas duas mortes, isto é, à que corresponde ao
passado.
Agora estamos em condições de ver as três fases do
versículo 6 em sua ordem correta: primeiro, nosso antigo
eu foi crucificado com Cristo, isto é, nós fomos crucifica-
dos com Cristo. Identificamo-nos com ele por meio da fé
e do batismo, e assim participamos de sua morte para o
pecado. Fomos crucificados com Cristo desta maneira, em

38
ROMANOS 5:20-6:14

segundo lugar, para que nossa velha natureza fosse despo-


jada de seu poder, e isto se fez para que, em terceiro lugar,
não permanecêssemos já escravizados pelo pecado.
Agora enfrentamos a seguinte pergunta: como pode
esta crucificação com Cristo proporcionar uma superação
da velha natureza, e então uma libertação da escravidão
do pecado? O v. 7 tem a resposta: "Quem morreu, justi-
ficado está do pecado". Este vocábulo "justificado" ocorre
quinze vezes em Romanos e vinte e cinco vezes no Novo
Testamento, sempre.com o mesmo sentido.
A única maneira de ser justificado do pecado é re-
ceber a paga pelo pecado; a única escapatória é cumprir
sua sentença. Encontramos uma ilustração na administra-
ção da justiça civil: como pode ser justificado um ho-
mem acusado de um crime e cuja sentença é um período
de encarceramento? Existe uma só maneira: ir ao cárcere
.. e pagar a penalidade de seu crime. Uma vez que tenha
cumprido sua condenação no presídio, pode abandonar o
cárcere justificado. Já não precisa andar com medo da po-
lícia, da lei nem dos juízes. A 'lei já não tem nada contra
ele porque ele pagou a penalidade de sua infração. Haven-
do cumprido sua condenação está justificado de seu pe-
cado.
O mesmo princípio é válido se a penalidade é a mor-
te. Não h~ escapatória nem justificação sem cumprir a
condenação. Neste caso pode-se responder que pagar a
penalidade não é escapatória alguma, o que seria correto
se somente falássemos da pena capital na terra. Uma vez
que um homicida seja morto (onde se pratica a pena
capital) está acabada sua vida na terra. Não pode
voltar a viver justificado como aquele homem que
cumpriu sua pena em presídio. Porém o que é maravilho-
so na justificação cristã é que à nossa morte segue-se uma
ressurreição que nos permite viver a vida de quem foi

39
A UNIÃO COM CRISTO

justificado, tendo pago (em Cristo) a pena de morte por


nosso pecado.
Aqui está, pois, nossa experiência: merecíamos a
morte por nosso pecado; por meio da união com Cristo
Jesus morremos, não em nossa própria pessoa, já que esta
merecia a morte eterna, mas na pessoa de Cristo nosso
substituto, com quem fomos unidos pela fé e pelo batis-
mo. Do mesmo modo, estamos unidos com Cristo, ressus-
citamos para a vida de um pecador justificado, uma vida
totalmente nova. A vida antiga está terminada; morremos
para ela. Foi eliminada a penalidade; nos levantamos
desta morte justificados. A lei não nos pode tocar porque
foi cumprida a sentença do pecado. Levando isto em conta
podemos passar aos versículos 7-11: "porquanto quem
morreu, justificado está do pecado. Ora, se já morremos
com Cristo, cremos que também com ele viveremos; sa-
bedores que havendo Cristo ressuscitado dentre os mor-
tos, já não morre: a morte já não tem domínio sobre ele.
Pois, quanto a ter morrido, de uma vez para sempre mor-
reu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus.
Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado,
mas vivos para Deus em Cristo Jesus". Permita-me expres-
sar isto de modo mais informal: suponhamos que um tal
Pedro Gonçalves seja um ancião crente olhando para
trás, para sua vida passada. Sua trajetória se divide em
duas partes em função de sua conversão, o antigo eu -
Pedro Gonçalves antes da conversão, e o novo eu - Pe-
dro Gonçalves depois da sua conversão. O antigo e o
novo eu (o "velho homem" e o "novo homem") não são
as duas naturezas de Pedro Gonçalves; são as duas me-
tades de sua vida, separadas pelo novo nascimento. Si-
multaneamente com a conversão, simbolizada pelo batis-
mo, Pedro Gonçalves, o antigo eu, morreu por meio da
união com Cristo que carregou a penalidade de seu peca-

40
ROMANOS 5:20-6:14

do. Ao mesmo tempo Pedro Gonçalves ressuscitou como


um homem novo que começou a viver uma nova vida
para Deus,
Pois bem, Pedro Gonçalves representa cada cren-
te. Somos o novo homem se estamos em Cristo. Quando
fomos crucificados com Cristo, morreu nosso antigo eu.
Pela fé e pelo batismo fomos unidos com Cristo em sua
morte. Tornou-se nossa a morte que ele morreu pelo
pecado. Seus benefícios foram transferidos a nós. Assim,
havendo morrido para o pecado com Cristo, fomos justifi-
cados de nosso pecado (v. 7), e havendo ressuscitado com
Cristo vivemos, justificados', para Deus (vs. 8-9). Nossa
vida antiga terminou com a morte merecida; nossa vida
nova começou com uma ressurreição. Cristo morreu para
o pecado de uma vez por todas e vive para Deus para sem-
pre (v. 10). Deste modo nós, os que estamos unidos com
Cristo, devemos considerar, isto é, compreender, que nós
também morremos para o pecado e vivemos para Deus.
Com isto chegamos ao quarto passo.
Quarto passo: Morremos para o pecado e vivemos
para Deus: devemos considerá-lo como um fato. Se a
morte de Cristo foi uma morte para o pecado (e o foi), e
sua ressurreição foi uma ressurreição para Deus (e o foi),
e se fomos unidos com Cristo em sua morte e ressurreição
(o que é certo), então nós mesmos fomos mortos para o
pecado e fomos ressuscitados para Deus. Tudo isso deve-
mos reconhecer como um fato. Versículo 11: "Assim tam-
bém vós considerai-vos mort6s para o pecado, mas vivos
para Deus em Cristo Jesus" (isto é, por meio da união
com ele).
Aqui é necessário esclarecer o sentido em que deve-
mos considerar como um fato todas estas coisas. Não o
confundamos com a fantasia, nem forcemos a nossa
fé para crer em algo que não se pode acreditar. Não se

41
A UNIÃO COM CRISTO

pode fingir que nossa natureza foi morta quando sabemos


muito bem que não é este o caso. Ao contrário, devemos
compreender que nosso antigo eu - nosso eu anterior --
efetivamente morreu, pagando desta maneira a conseqüên-
cia de seus pecados e concluindo sua carreira. Sobre esta
base Paulo disse "considerai" ou "leve em conta" o que
vocês são na realidade: mortos para o pecado e vivos para
Deus. Uma vez que nos damos conta de que nossa vida
antiga terminou - está eliminada a controvérsia, paga a
dívida, satisfeita a lei -.- não queremos ter mais nada a
ver com ela.
O próximo exemplo pode ser ilustrativo: nossa bio-
grafia está escrita em dois volumes. O primeiro volume
conta minha vida antes da minha conversão, do velho ho-
mem, do antigo homem. O segundo volume conta a vida
do novo homem, do novo eu, desde que fui feito uma nova
criatura em Cristo. O primeiro volume de minha biogra-
fia finaliza com a morte judicial do antigo eu: eu era pe-
cador, merecia morrer, morri. Recebi o que merecia na
pessoa de meu substituto com quem fui unido. O segun-
do volume de minha biografia inicia-se com a minha res-
surreição; havendo minha vida antiga terminado, come-
çou uma nova vida para Deus.
Somos chamados simplesmente a considerar isto
como um fato, não a simular mas a compreender. E um
fato e devemos lançar mão dele. Devemos deixar que nos-
sas mentes se impregnem destas verdades; temos que me-
ditar nelas até fazê-las nossas. Devemos dizer vez após
vez a nós mesmo.s: "O primeiro volume está concluído,
você vive agora o segundo. E inconcebível que volte a
abrir o primeiro volume. Não é impossível, porém é in-
concebível."
Poderá uma mulher casada viver como se fosse sol-
teira? Devemos admitir que pode, já que não é impossí-

42
ROMANOS 5:20-6:14

vel. Mas é importante que ela toque .sua aliança no


dedo anular da mão esquerda, -que se lembre que é e
que viva de acordo com isso. :E. possível que um cristão
nascido de novo viva como se estivesse .em seus pecados?
Supõe-se que pode, já que não é impossível. Entretanto
que se lembre de seu batismo, o símbolo de sua identifica-
ção com Cristo em sua morte e ressurreição, que viva de
acordo com isso.
Precisamos repetir continuamente quem e como so-
mos. Quanto Satanás sussurra ao novo ouvido: "Ande,
vá em frente. Pode pecar. Deus vai lhe perdoar", e somos
tentados a abusar da graça de Deus, devemos respon-
der-lhe, conforme as palavras do v. 2: "De modo ne-
nhum Satanás. Eu morri para o pecado, como posso
viver nele? O primeiro volume acabou. Estou no segun-
do". Em outras palavras, o apóstolo não afirma a impos-
sibilidade, mas a absoluta incongruência do pecado para
o cristão. Ele faz esta pergunta descabível, indignado:
como podemos, nós que morremos para o pecado, con-
tinuar vivendo nele? Morrer para o pecado e continuar vi-
vendo nele são" duas coisas que logicamente não se pode
conciliar.
Deduz-se de tudo isso que o segredo de uma vida
santa está na mente. Está no saber (v. 6) que o batismo
em Cristo é o batismo em sua morte e ressurreição. Está
no ato de compreender intelectualmente (v. 11) que em
Cristo morremos para o pecado e vivemos para Deus. Te-
mos de saber estas coisas, meditar nelas, dar-nos conta de
que são verdadeiras. Nossas mentes devem compenetrar-
se de tal modo no fato e no significado de nossa morte e
ressurreição com Cristo que seja inimaginável voltar à
vida antiga. Um cristão nascido de novo não deve pensar
em voltar à vida antiga como um adulto a voltar à infân-

43
A UNIÃO COM CRISTO

cia, um homem casado ao celibato, e um preso libertado


à sua cela.
Por meio da união com Jesus Cristo nossa situação
mudou inteiramente. Nossa fé e nosso batismo nos
desvincularam da vida antiga, separando-nos dela de ma-
neira irrevogável e criando forte compromisso com a nova
vida. Como uma porta entre duas salas, nosso batismo se
coloca entre nós e a vida antiga, encerrando esta e abrindo
para outra. Fomos mortos e ressuscitados. Como podemos
voltar a viver em um estado no qual já morremos?
Quinto passo: Havendo passado da morte para a
vida, não devemos deixar que o pecado reine em nós, mas
entreguemo-nos a Deus. Nos vs. 12-14 se justapõem o ne-
gativo e o positivo; primeiro o negativo: "Não reine, por-
tanto, o pecado em vosso corpo mortal, de maneira que
obedeçais às suas paixões" (v. 12), não permitais que
o pecado seja seu rei. "Nem ofereçais (continuadamen-
te) cada um os membros do seu corpo ao pecado como
instrumentos de iniqüidade" (v. 13a). Isto é, não permi-
tam que o pecado os utilize e a seus membros, para promo-
ver seus propósitos iníquos. Não permitam que o pecado
seja rei nem senhor de suas vidas. A seguir o positivo:
"Pelo contrário, oferecei-vos a Deus como vivos provin-
dos dos mortos ... " (v. 13b-BJ). Porque isto é o que
vocês são. Morreram para o pecado, sofrendo sua conse-
qüência. Ressuscitaram e agora estão vivos e não mais mor-
tos. Agora "oferecei-vos a Deus como ressurretos dentre
os mortos, e os vossos membros a Deus como instrumen-
tos de justiça". Em outras palavras, não permitam que o
pecado seja seu rei, sejam governados por Deus como rei.
Não permitam que o pecado seja seu senhor para utili-
zá-los a seu serviço; coloquem-se a serviço de Deus como
Senhor.

44
ROMANOS 6: 15-23

Qual é a base desta exortação? Qual é a razão fun-


damental para nos entregarmos a Deus e não ao pecado?
A resposta é: estamos vivos, não mais mortos! Morremos
para o pecado e ressuscitamos para Deus, de modo que
não podemos nos entregar ao pecado, temos de nos en-
tregar a Deus. Não é irresistível a.lógica desta seqüência?
Porque estamos vivos e não mais mortos, o pecado não se-
rá nosso senhor, nem tampouco tem direito algum a sê-lo..
já que agora não estamos "debaixo da lei, e, sim, da graça"
(v. 14). Em sua graça, Deus nos justificou em Cristo,
que pagou a penalidade do pecado e cumpriu com as
exigências da lei. Portanto, nem o pecado nem a lei têm,
direito sobre nós. Fomos resgatados de sua tirania e mu-
damos de dono. A nossa situação é totalmente nova. Já não
somos mais presos da lei, mas filhos de Deus e protegidos
pela sua graça, por causa de nossa união com Jesus Cristo.
O fato de saber que estamos debaixo da graça, e não
debaixo da lei, não nos estimula a continuar no pecado
para que a graça abunde, mas nos ajuda a cortar todos os
nossos laços com o mundo, com a carne e com o diabo.
Pela graça já abrimos um novo volume de nossa biografia.
Não podemos voltar ao primeiro que já terminou! Pela
graça estamos vivos e não mais mortos; não podemos vol-
tar à vida antiga para a qual morremos!

11. SERVOS DE DEUS (6: 15·23)

E daí? Havemos de pecar porque não estamos debaixo da lei,


e, sim, da graça? De modo nenhum. Não sabeis que daquele
a quem vos ofereceis como servos para obediência, desse mes-
mo a quem obedeceis sois servos, seja do pecado para a mor-
te, ou da obediência para a justiça? Mas graças a Deus por-
que, outrora escravos do pecado, contudo viestes a obedecer
de coração à forma de doutrina a que fostes entregues; e, uma

45
A UNIÃO COM CRISTO

vez libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça. Falo


como homem, por causa da fraqueza da vossa carne. Assim
como oferecestes os vossos membros para a escravidão da im-
pureza, e da maldade para a maldade, assim oferecei agora os
vossos membros para servirem a justiça para a santificação.
Porque, quando éreis escravos do pecado, estáveis isentos em
relação à justiça. Naquele tempo que resultados colhestes? So-
mente as cousas de que agora vos envergonhais; porque o fim
delas é a morte. Agora, porém, libertados do pecado, trans-
formados em servos de Deus, tendes o vosso fruto para a san-
tificação, e por fim a vida eterna, porque o salário do pecado
é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em
Cristo lesus nosso Senhor".

Esta segunda metade do capítulo apresenta muito menos


dificuldade que a primeira. Não se trata de nossa união
com Cristo, mas de nossa servidão a Deus.
O início é exatamente da mesma forma que os pri-
meiros versículos do capítulo. Primeiro uma pergunta: "E
daí? Havemos de pecar porque não estamos debaixo da
lei, e, sim, da graça?" (v: 15). ~ a mesma pergunta do
v. 1: "Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado,
para que seja a graça mais abundante?" A esta pergunta
se dá a mesma resposta nos vs. 2 e 15, isto é, uma enfáti-
ca negativa: "De modo nenhum." Segue-se outra pergunta
que explica a negativa, iniciando com a frase: "não sabeis
que todos os que fomos batizados em Cristo Jesus, é na
sua morte que fomos batizados?" (v. 3 BLH). E o v. 16:
"Não sabeis que daquele a quem vos ofereceis como servos
para obediência, desse mesmo a quem obedeceis sois
servos ... ?"
~ importante que entendamos claramente o paralelo
para compreender o que é que Paulo quer nos comunicar.
Pelos versículos 1-14 sabemos que mediante a fé e o ba-
tismo somos unidos com Cristo, e portanto mortos para o

46
ROMANOS 6: 15-23

pecado e vivos para Deus. Pelos vs. 15·23 sabemos que


mediante a entrega de nós mesmos somos servos de Deus
e portanto obrigados à obediência. Isto é o que diz o co-
meço do v. 16: uma vez escolhido o seu senhor, não lhe
resta outro remédio senão obedecê-lo. Este é um princípio
invariável, quer se entregue ao pecado para chegar à mor-
te, quer se entregue a obediência para chegar à justiça e
à aceitação diante de Deus. Nos versículos seguintes são
postas em contraste estas duas servidões, a do pecado e a
de Deus. O contraste dessas servidões é visto desde o seu
princípio, no seu desenvolvimento e até o seu término.

o contraste entre as duas servidões (vs. 17·22)


1. Seu princípio (vs. 17-18). "Vocês, que antes eram
escravos do pecado" (BLH). O tempo do verbo é im-
perfeito, o qual sugere que isto é o que somos por natu-
reza, ou que temos sido sempre, "contudo viestes a obede-
cer (aspecto perfeito) decoração à forma de doutrina a
que fostes entregues", isto é, ao evangelho. Quando lhes
foi entregue o evangelho, eles se entregaram ao evangelho
e o obedeceram de coração. "Graças a Deus", exclama
Paulo, porque a resposta deles ao evangelho se deve à
graça divina. Nossa escravidão ao pecado começou no
nosso nascimento, sendo nossa condição natural, porém
nossa servidão a Deus começou quando por sua graça
obedecemos ao evangelho.
2. Seu desenvolvimento (v. 19). "Falo como ho-
mem, por causa da fraqueza da vossa carne. Assim como
oferecestes os vossos membros para a escravidão da impu-
reza, e da maldade para a maldade, assim oferecei agora
os vossos membros para servirem a justiça para santifica-
ção". Estas palavras ensinam que a conseqüência da es-
cravidão do pecado é um triste processo.de deterioração

47'
A UNIÃO COM CRISTO

moral, enquanto que a servidão a Deus conduz a um glo-


rioso processo de santificação moral. Cada tipo de servi-
dão tem um desenvolvimento inevitável. No primeiro,
vamos de bem para melhor, no outro vamos de mal a
pior.
3. Seu término (vs. 20-22). "Quando éreis escravos
do pecado. .. que fruto colhestes então daquelas coisas
de que agora nos envergonhais?" (BJ). Não pode haver
nenhuma resposta positiva a esta pergunta porque "o fim
delas é a morte". A seguir Paulo continua: "Mas ago-
ra ... postos a serviço de Deus, tendes vosso fruto para a
santificação e, como desfecho, a vida eterna" (BJ). Em
seguida, o v. 23 resume tudo: o pecado nos dá o paga-
mento merecido, isto é, a morte; pelo contrário, Deus nos
outorga a dádiva que não merecemos, a vida eterna.
Aqui se apresentam duas vidas totalmente distantes
e mutuamente opostas: a vida do antigo eu e a vida do
novo eu. São os dois caminhos mencionados por Jesus, o
largo que leva à destruição e o estreito que leva à vida.
Paulo fala em termos de servidão: por nascimento somos
escravos do pecado; pela graça e pela fé chegamos a ser
servos de Deus. A escravidão do pecado traz como único
fruto uma constante deterioração moral e ao final a morte;
a servidão a Deus rende o valiosíssimo fruto da santifica-
ção e ao final a vida eterna. Em resumo, o argumento
deste parágrafo é que nossa conversão - o ato de entre-
ga a Deus - leva à condição de servo e toda servidão im-
plica em obediência.

48
ROMANOS 6: 15-23

Conclusão
"Permaneeeremos no pecado?" Esta é a pergunta que en-
cabeça as duas partes deste capítulo; ela foi formulada
pelos opositores de Paulo com a intenção de fazer desacre-
ditada sua mensagem, e continua sendo formulada até hoje
pelos inimigos do evangelho. Com freqüência. o maior
inimigo do evangelho, Satanás mesmo, sussurra a mesma
pergunta em nossos ouvidos, procurando seduzir-nos para
que caiamos em pecado. Tal como perguntou a Eva no
jardim: "E assim que Deus disse ... ?", assim insinua em
nossos ouvidos: "Por que não continuar pecando? Ainda
mais agora que você está debaixo da graça, Deus vai lhe
perdoar".
Quando acontecer isto, como vamos contestar ao
diabo? Devemos começar com uma negativa indignada e
forte: "De modo nenhum!" Porém logo devemos ir mais
além e fundamentar esta negativa com uma razão. Porque
existe uma razão sólida, lógica e irrefutável pela qual de-
vem ser repudiadas as insinuações sutis do diabo. E isto é
de suma importância, porque assim integramos à nossa
experiência de cada dia esta grandiosa teologia.
Qual é, pois, a razão que devemos apresentar ao revi-
dar as tentações do diabo? A base está no que somos,
isto é, que estamos unidos com Cristo (vs. 1-14) e somos
servos de Deus (vs. 15-23). Fomos unidos com Cristo,
pelo menos de maneira externa e visível, por meio do ba-
tismo. Fizemo-nos servos de Deus por meio da entrega
de nós mesmos mediante a fé. Dê-se mais ênfase ao batis-
mo externo ou à fé interior, a conclusão é a mesma: é que
nossa conversão cristã trouxe esta conseqüência, a de nos
unirmos com Cristo e sermos servos de Deus. Isto é o que
cada um de nós é: um com Cristo e servo de Deus.

49
A UNIÃO COM CRISTO

Além disso, o que somos tem as seguintes e inevitá-


veis implicações: como estamos unidos com Cristo, então
com ele morremos para o pecado e vivemos para Deus.
Sendo escravos de Deus somos entregues à obediência. É
inconcebível que continuemos voluntariamente no peca-
do, abusando da graça de Deus. Só pensar isto é insupor-
tável.
É necessário que lembremos constantemente estas
verdades, falando para nós mesmos sobre elas, e pergun-
tando-nos: Você não sabe? Não sabe que está unido com
Cristo, que está morto para o pecado e ressuscitou para
Deus? Você não sabe que é servo de Deus e portanto obri-
gado a obedecê-lo? Não se dá conta disso? E devemos
continuar fazendo-nos estas perguntas até que as respon-
damos: sim, eu sei com segurança, e pela graça de Deus
viverei de acordo com estas verdades.

50
CAPITULO 3
A LmERTAçÃO DA LEI (Rm 7:1-8:4)

Introdução
O terceiro grande privilégio do crente, exposto em Roma-
nos 7, é a libertação da lei.
Porém alguém pode questionar: é possível que se
considere como um privilégio cristão a libertação da lei?
Acaso a lei não era .de Deus, e uma das riquezas mais
apreciadas dos judeus? Em Romanos 9:4 "a promulgação
da lei" se inclui entre os favores especiais concedidos a
Israel. Falar da lei com desprezo, ou regozijar-se por ser
liberto dela como privilégio cristão pareceriam blasfêmia
aos ouvidos judaicos. Os fariseus se indignaram contra
Jesus porque o consideravam transgressor da lei, e a mul-
tidão judia ajuntada no recinto do templo quase conse-
guiu matar Paulo porque estava convencida de que ele
"ensinava todos a ser contra o povo, contra a lei e contra
este lugar" (At 21:28).
Qual foi, pois, a atitude de Paulo diante da lei? Duas
vezes ele afirmou em Romanos 6 que os cristãos não estão
"debaixo da lei, e, sim, da graça" (vs. 14-15). Semelhante
afirmação deveria parecer revolucionária a seus leitores.
Que queria dizer com isto? Que a santa lei de Deus já ha-
via sido revogada? Que os cristãos poderiam desconhecê-
la sem culpabilidade? Ou a lei teria algum lugar perma-
nente na vida cristã?

51
A LIBERTAÇÃO DA LEI

Tais perguntas eram comuns nos dias do apóstolo,


e até hoje são importantes. porque a lei de Moisés foi
e continua sendo a lei de Deus. Se refletirmos sobre a
nossa fé, necessitamos saber qual é o lugar que hoje deve
ocupar a lei de Deus em nossa vida cristã. Além disso,
esta questão ressurge em nossos dias no debate sobre a
Nova Moralidade. O Novo Moralista é o antinomiano
.do século XX, o homem que se opõe à lei. Ele declara
que a categoria da lei foi abolida completamente na
vida cristã, que o cristão não tem relação alguma com a
lei, nem a lei com o cristão. Deste modo concluímos
que o complicado raciocínio desenvolvido pelo apóstolo
em Romanos 7 continua pertinente em nossa situação con-
temporânea.

Atitudes diante da lei


Como introdução podemos abrir caminho por este difícil
capítulo pensando nas três possíveis atitudes diante da
lei: a que representa em primeiro lugar o legalista, em
segundo lugar o libertino ou antinomiano, e em terceiro o
cristão que guarda a lei.
1. O legalista é um homem escravizado pela lei,
crendo que da obediência a ela depende sua relação
com Deus. Enquanto procura ser justificado pelas obras
da lei, encontra nela um capataz duro e inflexível.
Está "debaixo da lei", no dizer de Paulo.
2. O antinomiano (às vezes sinônimo de "libertino")
vai ao outro extremo. Rejeita totalmente a lei, culpan-
do-a inclusive da maioria dos problemas morais e espiri-
tuais do homem.
3. O crente que guarda a lei preserva o equilíbrio.
Reconhece a debilidade da lei (Rm 8:3 "Porquanto o que
fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne").
A debilidade da lei está em não poder justificar-nos nem

52
ROMANOS 7:1-8:4

santificar-nos, posto que nós mesmos não somos capazes


de obedfcê.-Ia. Sem dúvida, este crente se alegra ao com-
preender-a lei como a expressão da vontade de Deus, e
procura obedecê-la pelo poder do Espírito que vive nele.
Em síntese, o legalista teme a' lei e está debaixo 'de
sua servidão; o antinomiano detesta a lei e a rechassa;
o crente respeita a lei, ama-a e obedece-a.
Direta ou indiretamente, o apóstolo retrata cada um
desses três personagens em Romanos 7. Não que se refira
em ordem a cada um deles, porém sua caracterização neste
capítulo se vislumbra enquanto Paulo rebate tanto o lega-
lista como o antinomiano, e enquanto descreve o conflito
e a vitória do crente que guarda a lei.

Um esquema do capítulo
Uma visão esquemática do capítulo inteiro pode nos per-
mitir uma melhor compreensão de suas partes.
1. Nos versículos 1 a, 6 Paulo declara que a lei já
não tem domínio sobre nósl Fomos libertados de sua tira-
nia pela morte de Cristo. Nossa servidão cristã não é à lei
nem à letra da lei, senão a Cristo Jesus no poder do Espí-
rito. Essa é sua resposta ao legalista.
2. Nos versículos 7 a 13 Paulo defende a lei contra
as críticas injustas de quem quer desfazer-se dela com-
pletamente, culpando a lei pela condição miserável do
homem, sujeito ao pecado (v. 7) e à morte (v. 13). Neste
parágrafo Paulo demonstra que a causa do pecado e da
morte não é a lei de Deus, senão nossa carne, nossa natu-
reza pecaminosa. Em si a lei é boa (vs. 12-13). E em nossa
carne que não há nenhum bem (v. 8). De modo que é
errado e injusto culpar a lei. Eis' aqui a resposta ao anti-
nomiano.
3. Em 7: 14-8:4, Paulo descreve o conflito interior
do crente e o segredo da vitória.

53
A liBERTAÇÃO DA LEI

Segundo Gálatas capítulo 5, este conflito é entre "a


carne" e "o Espírito". Em Romanos a terminologia é
variada. Fala-se do conflito entre "a mente" e "a carne"
ou entre "a lei da minha mente" e "a lei do pecado e da
morte". O resumo está em 7:25, onde "eu mesmo" sou
representado como servo de dois senhores: com a mente
"sirvo à lei de Deus", isto é, amo-a e desejo guardá-la; mas
com a carne, minha velha natureza, "sirvo à lei do peca-
do". Isto é, mesmo como cristão, se fico abandonado a
meus próprios recursos, sou um preso impotente, escravo
do pecado e incapaz de guardar a lei. Porém Deus atuou
"a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós que
não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito"
(8:4). Em outras palavras, o Espírito Santo capacita-me
para fazer o que não posso fazer por mim mesmo, apesar
de ser cristão. Esta é a mensagem de Paulo ao crente que
respeita a lei.
e importante observar como a mensagem de Paulo
aponta diretamente a cada um desses três personagens: ao
legalista, que está debaixo da escravidão da lei, mostran-
do-lhe a morte de Cristo como meio pelo qual fomos li-
bertos dessa escravidão; ao antinomiano, que culpa a lei,
fazendo-o ver a carne como causa primária do fracasso
da lei, e por conseqüência, de nosso pecado e morte; ao
crente que ama a lei e anseia obedecê-la, enfatizando a
permanência do Espírito Santo no cristão como provisão
de Deus, sem a qual não se pode cumprir em nós a justiça
da lei.
Dou aos vs. 1 a 6 o título "a severidade da lei", que
é o que teme o legalista, ao considerar a lei como seu
senhor e ignorar sua libertação; aos vs. 7 a 13 "a debili-
dade da lei", coisa que não compreende o antinomia no,
que supõe ter a lei uma debilidade inerente, quando na
realidade ela está em nós, que não podemos guardá-

54
ROMANOS 7:1..6

la; e aos vs. 7:14 - 8:4, "a justiça da lei", porque esta é a
que se cumpre no crente dirigido pelo Espírito e obedien-
te à lei.

I. A SEVERIDADE DA LEI (7:1-6)

Porventura ignorais, irmãos, pois falo aos que conhecem a lei,


que a lei tem domínio sobre o homem toda a sua vida? Ora,
a mulher casada está ligada pela lei ao marido, enquanto ele
vive; mas, se o mesmo morrer, desobrigada ficará da lei con-
jugal. De sorte que será considerada adúltera se, vivendo ain-
da o marido, unir-se com outro homem; porém, se morrer o
marido, éstará livre da lei, e não será adúltera se contrair no-
vas núpcias. Assim, meus irmãos, também v6s morrestes rela-
tivamente à lei, por meio do corpo de Cristo, para pertencer-
des a outro, a saber, aquele que ressuscitou dentre os mortos,
e deste modo frutifiquemos para Deus. Porque, quando vivia-
mos segundo a carne, as paixões pecaminosas postas em realce
pela lei, operavam em nossos membros a fim de frutificarem
para a morte. Agora, porém, libertados da lei, estamos mortos
para aquilo a que estávamos sujeitos, de modo que servimos
em novidade de espírito e não na caducidade da letra.

o v. 1 começa: "Porventura ignorais, irmãos... que


a lei tem domínio sobre o homem toda a sua vida?" O
vocábulo "domínio" empregado aqui é o mesmo da frase de
Marcos 10:42: "os que são considerados governadores dos
povos, têm-nos sob seu domínio" e indica a autoridade
impiedosa ou o senhorio da lei sobre os que estão sujei-
tos a ela.
O princípio que Paulo enuncia neste versículo pode
ser reconhecido, segundo ele, por todos os que conhecem
a lei, seja judaica ou romana. Isto é, que a lei serve ao
homem enquanto dura sua vida terrena e não mais além.
Um exemplo deste princípio geral é o matrimônio contraí-
do por duas pessoas até que a morte os separe. E pelo

55
A LIBERTAÇÃO DA LEI

modo como Paulo aplica este princípio se pressupõe uma


extensão dele, isto é, que uma lei acerca de- um compro-
misso entre duas pessoas é válida somente enquanto
ambas estão vivas. No caso de uma morrer, a lei deixa
de ser efetiva; por exemplo, no casamento, quando um
dos cônjuges morre, o outro tem liberdade para casar-se
novamente. Versículos 2 e 3: "Ora, a mulher casada está
ligada pela lei ao marido, enquanto ele vive, mas, se o
mesmo morrer, desobrigada ficará da lei conjugal. De
sorte que será considerada adúltera se, vivendo ainda o
marido, unir-se com outro homem; porém se morrer o
marido, estará livre da lei, e não será adúltera se contrair
novas núpcias". Em um caso, a mulher casada vive
com outro homem e se torna adúltera; no segundo caso
se une a outro homem e não é adúltera. A que se deve
a diferença? Por que é adúltera casando-se de novo no
primeiro caso, e não no outro? A resposta é simples: só
é legítimo o segundo casamento se o primeiro terminou
com a morte. A morte libertou a mulher da lei que go-
vernava o seu compromisso anterior, permitindo-lhe desta
maneira casar-se novamente.
Depois do princípio (v. 1) e da ilustração (vs. 2-3),
vem a aplicação (vs. 4-6): assim como a morte põe fim
. a um casamento, põe fim à nossa escravidão à lei. Versí-
culo 4: "Assim, meus irmãos, também vós morrestes rela-
tivamente à lei, por meio do corpo de Cristo, para perten-
cerdes a outro, a saber, aquele que ressuscitou dentre os
mortos, e deste modo frutifiquemos para Deus".
Foi "o corpo de Cristo" o que morreu na cruz, po-
rém somos participantes de sua morte, mediante nossa
união com ele pela fé. Ao estarmos unidos com Cristo Je-
SU8 pela fé, se pode dizer que nós "morremos ... mediante
o corpo de Cristo".
E pelo fato de termos morrido, ficamos definitiva-

56
:&OMANOS7:1-6

mente fora do terreno onde a lei exerce domínio. A severa


pena do pecado prescrita pela lei foi cumprida por Cristo
em nosso lugar, ou por nós em Cristo. Portanto, já que a
morte de Cristo cumpriu com as exigências da lei, nós já
não estamos debaixo da lei, mas debaixo da graça.
No casamento a morte de um dos cônjuges permite
ao outro liberdade para tomar a casar-se; na vida cristã
nossa própria morte (em Cristo) nos deixa livres para
casar novamente. Morremos para a lei que antes nos do-
minava; agora estamos livres para nos unirmos a Cristo,
com quem não somente morremos, mas também ressusci-
tamos, a fim de "frutificarmos para Deus". Na vida antiga
o fruto que produzíamos era para a morte (v. 5); na vida
nova produzimos fruto para Deus.
Até aqui ficou evidente que chegar a ser cristão im-
plica na mudança total de relação e de lealdade. No final
do capítulo 6 estavam em contraste duas escravidões; aqui
se compara a posição do cristão com dois casamentos:
desfeito o primeiro pela morte, permite-se a realização do
segundo. Estávamos "casados", por assim dizer, com a
lei, pois nossa obrigação de obedecê-la era tão restrita
como o compromisso matrimonial, Porém agora estamos
livres para casar-nos com Cristo. Deste modo, pela metá-
fora do casamento, a realidade e a intimidade de nossa
união com Cristo Jesus fica ilustrada de modo notável.
No v. 4 Paulo pôs em contraste os dois matrimônios
e seus resultados; agora nos vs. 5 e 6 está em contraste
a relação que cada um deles tem com a lei. O v. 5 refere-
se à nossa vida anterior à conversão ("enquanto estáva-
mos na carne") e o v. 6 à nossa vida nova ("porém ago-
ra ... "). Na velha vida, nossas paixões pecaminosas fo-
ram despertadas pela lei, e elas nos conduziram à morte.
"Agora, porém, libertados da lei, estamos mortos para
aquilo a que estávamos sujeitos".

57
A LIBERTAÇÃO DA LEI

Observemos no v. 5 o conjunto de palavras com


idéias afins: carne, pecado, lei e' morte. Nossas paixões
pecaminosas têm sua origem na carne, são despertadas
pela lei, e conduzem à morte. Porém agora fomos liberta-
dos da lei e de suas conseqüências.
Se estamos livres da lei, o que acontece? Isto mere-
ce nossa cuidadosa atenção: estar emancipado da lei não
quer dizer estar livre para fazer o que quiser. Pelo con-
trário, a libertação da lei traz não a liberdade, mas outra
classe de servidão: "de modo que servimos", isto é, somos
"escravos" (v. 6). Com certeza estamos livres da lei, porém
livres para servir, não para pecar. E nossa nova escravi-
dão cristã não consiste na caducidade da letra mas na no-
vidade do Espírito.
Este é o reconhecido contraste entre o velho pacto e
o novo, entre a lei e o evangelho (o mesmo que se encon-
tra, por exemplo, em 2 Coríntios 3:6). O velho era letra,
um código externo gravado em pedras, algo exterior a nós;
o novo pacto, o evangelho, é espírito, porque o Espírito
Santo grava a lei de Deus em nosso coração. Esta é a nos-
sa nova servidão.
Antes de acabar esta secção convém considerar nova-
mente a pergunta: a lei é obrigatória para o cristão? A
resposta desta vez é não e sim. Não, porquanto nossa acei-
tação diante de Deus não depende dela. Em sua morte
Cristo cumpriu perfeitamente as exigências da lei, de
modo que fomos libertados. A lei já não tem direito so-
bre nós, porque já não é nosso senhor. Sim, nossa nova
vida ainda é uma servidão, porque "servimos". Somos ain-
da escravos, embora desobrigados quanto à lei. Porém a
motivação e o modo de nosso serviço foi mudado. Por que
servimos? Não porque a lei seja nosso amo e tenhamos a
obrigação de fazê-lo, mas porque Cristo é nosso marido e
queremos fazê-lo. Não porque a obediência à lei conduz

58
ROMANOS 7:7-13

a salvação, mas porque a salvação conduz à obediência


da lei. A lei diz: faça isto e viverá; o evangelho diz: você
vive, então faça isto. A motivação mudou.
Como servimos? "Não debaixo da velha lei escrita",
mas "na nova vida do Espírito de Deus" (v. 6-BLH). Ser-
vimos não pela obediência a um código externo, porém
pela entrega a um Espírito que vive em nós.
Em resumo: somos escravos e a vida cristã é uma
forma de servidão. Porém o Senhor a quem servimos é
Cristo, não a lei; e o poder pelo qual servimos é o Espíri-
to, não a letra. Viver a vida cristã é servir a Cristo ressus-
citado no poder de seu Espírito que permanece em nós.

11. A DEBILIDADE DA LEI (7:7-13)

Que diremos pois? E a lei pecado? De modo nenhum. Mas


eu não teria conhecido o pecado, senão por intermédio da lei;
pois não teria çonhecido a cobiça, se a lei não dissera: não
cobiçarás. Mas o pecado, tomando ocasião pelo mandamento,
despertou em mim toda sorte de concupiscência, porque sem
lei está morto o pecado. Outrora, sem lei, eu vivia, mas, so-
brevindo o preceito, reviveu o pecado, e eu morri. E o man-
damento que me fora para vida, verifiquei que este mesmo se
me tomou para morte. Porque o pecado, prevalecendo-se do
mandamento, p!!lo mesmo mandamento me enganou e me ma-
tou. Por conseguinte, a lei é santa; e o mandamento, santo e
justo e bom. Acaso o bom se me tornou em morte? De modo
nenhum; pelo contrário, o pecado, para revelar-se como pe-
cado, por meio de uma cousa boa causou-me a morte; a fim
de que pelo mandamento se mostrasse sobremaneira maligno.

Parece que Paulo no v. 5 fez a lei responsável pelos nossos


pecados e morte:. "Porque, quando vivíamos segundo a
carne, as paixões pecaminosas postas em realce pela lei,
operavam em nossos membros a fim de frutificarem para

59
A LIBERTAÇÃO DA LEI

a morte". Agora defende a lei contra uma crítica injus-


ta, a qual, aparentemente, ele mesmo se expôs. Observe-
mos as perguntas nos vs. 7 e 13: "Que diremos pois? E
a lei pecado?" (v. 7) e "o bom (isto é, a lei) se me tomou
em morte?" (v. 13). Em outras palavras, a lei de Deus é
responsável pelo meu pecado e minha morte? Vamos
considerar estas duas perguntas e as respostas que lhes dá
Paulo.

a. A lei é pecado? (vs, 7-12)


Sim, é necessário que sejamos libertados da lei a fim de
produzir fruto para Deus (v. 4); isto não implica que a lei
seja responsável por nossa conduta pecaminosa? Paulo
responde com uma negativa categórica: "De maneira ne-
nhuma!" E em seguida demonstra nos versículos que se se-
guem a relação entre a lei e o pecado. A lei, diz Paulo, não
cria o pecado; se alguém é pecador, não é culpa da lei. A
relação entre o pecado e a lei tem três aspectos.
1. A lei revela o pecado. Versículo 7: "Mas eu não
teria conhecido o pecado, senão por intermédio da lei;
pois não teria eu conhecido a cobiça, se a lei não dissera:
Não cobiçarás". Igualmente, no capítulo 3:20: "em
razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pe-
cado".
2. A lei provoca o pecado. Não só o expõe, como
também o estimula e o desperta, como já vimos no v. 5.
Versículo 8: "Mas o pecado, tomando ocasião (esta pa-
lavra em grego refere-se a uma base militar de onde
se lança a ofensiva) pelo mandamento, despertou em
mim ... " Isto é o que faz a lei; com efeito, provoca-nos
para que pequemos. Esta nossa experiência com a lei se
conhece na vida diária; qualquer motorista, por exem-
plo, está familiarizado com as indicações que dizem: "Re-
duza a velocidade". Se não me engano, nossa reação in-

60
ROMANOS 7:7·13

voluntária é: por quê? Esta é a reação que a lei provoca


em nós. Da mesma forma, diante de uma placa em uma
porta: "Proibida a entrada" ou "Proibido fumar", dá
vontade de fazer o que é proibido, porque as ordens e
proibições nos provocam a fazer o contrário. Foi isto que
Paulo encontrou no décimo mandamento que proíbe a co-
biça: "Mas o pecado, tomando ocasião pelo mandamento,
despertou em mim toda sorte de concupiscência" (v. 8).
De modo que a lei expõe e provoca o pecado.
3. A lei condena o pecado. Os vs. 8b-ll: "Porque
sem lei está morto o pecado. Outrora, sem a lei, eu vivia;
mas, sobrevindo o preceito, reviveu o pecado, eeu
morri (isto é, caí debaixo do juízo da lei). E o mandamen-
to que me fora para vida, verifiquei que este mesmo se
me tomou para morte. Porque o pecado prevalecendo-se
do mandamento, pelo mesmo mandamento me enganou e
me matou". E bem possível que aqui esteja contando expe-
riências próprias de como, quando criança, ignorava as
exigências da lei e assim, na ausência dela, ele estava vivo
espiritualmente; depois mesmo como menino de treze anos
(idade em que um menino judeu aceitava as obrigações
da lei e chegava a ser "um filho do mandamento"), quan-
do viu o mandamento "reviveu o pecado, e eu morri" (v.
9), para usar a mesma expressão vívida de Paulo. Ou tal-
vez ele esteja resumindo a história do homem, como Deus
lhe deu a lei para revelar o pecado - até para susci-
tá-lo e aumentá-lo - e logo condená-lo. De todos os
modos, a mesma lei que prometia vida (ao dizer: "Faça
isto e viverá"., veja Lv 18:5) trouxe a Paulo a morte
espiritual, e utilizando o mandamento como base de ope-
rações, seduziu-o e matou-o.
Estas são as três conseqüências desoladoras da lei:
revela, provoca e condena o pecado. Porém em si a lei
não é pecaminosa, nem faz o homem pecar. E "o pecado",

61
A UBERTAÇÃO DA LEI

nossa natureza pecaminosa, o que se aproveita da lei para


fazer pecar aos homens, e assim leva-los à ruína. Em si (v,
12) "a lei é santa; e o mandamento, santo e justo e bom".
a ensinamento deste parágrafo sintetiza-se com a pergun-
ta do v. 7: "Que diremos pois? E a lei pecado?" Versículo
12: "a lei é santa; e o mandamento, santo e justo e bom".
Com isto chegamos à segunda pergunta.

b, A lei provoca a morte? (v. 13)


É certo que "o mandamento que fora para vida. . . se
me tornou para morte" (v. 10). Estará Paulo afirmando
que a lei mesma é culpada de oferecer vida e conde-
nar à morte ao mesmo tempo? Podemos dizer, pergunta
ele, que isto que é bom me matou? A lei tem a
culpa de minha morte? Novamente a resposta do após-
tolo é uma forte negativa: "De modo nenhum!" Ver-
sículo 13: foi o pecado que "por meio de uma cousa boa,
causou-me a morte ... " Além disso, a natureza "sobrema-
neira pecaminosa" do pecado se manifesta de maneira que
utiliza o bom (a lei) para fins maus. Porém não se pode
jogar a culpa na lei por isto, mas ao pecado, mesmo que
nos custe admiti-lo.
Tomemos o exemplo de um criminoso surpreendido
no ato, cometendo um delito infringindo a lei. O que acon-
tece? Ele é detido, julgado, ao ser declarado culpado é
enviado ao cárcere. Enquanto sofre em sua cela é tentado
a culpar a lei por seu encarceramento; é certo que a lei o
acusou e o sentenciou. Porém na realidade o único a quem
pode culpar é a si mesmo e a seu crime. Está preso porque
cometeu um delito. Portanto a lei o condenou, porém não
pode culpá-la; única e exclusivamente tem que culpar a si
mesmo. Deste modo Paulo exime a lei. E certo que a lei
expõe, provoca, e condena o pecado; mas ela não é respon-
sável nem pelos nossos pecados, nem por nossa morte.

62
ROMANOS 7:14-8:4

o professor F. F. Bruce escreveu: "O vilão neste


caso é o pecado", isto é, o pecado que vive em nós, a
carne, o que a lei desperta. Aqueles antinomianos que di-
zem que a lei constitui todo o nosso problema estão total-
mente enganados; nosso verdadeiro problema é o pecado
e não a lei. É o pecado, nossa natureza decaída, o que
explica a impotência da lei para salvar-nos. Verdadeira-
mente a lei não nos pode salvar porque nós não somos ca-
pazes de obedecê-la; e não podemos obedecê-la por causa
do pecado que vive em nós.

IH. A JUSTIÇA DA LEI (7: 14-8:4)


Porque bem sabemos que a lei é espiritual; eu, todavia, sou
carnal, vendido à escravidão do pecado. Porque nem mesmo
compreendo o 'meu próprio modo de agir, pois não faço o que
prefiro, e, sim, o que detesto. Ora se faço o que não quero,
consinto com a lei, que é boa. Neste caso, quem faz isto já
não sou eu, mas o pecado que habita em mim. Por que eu sei
que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum:
pois o querer o bem está em mim; não, porém, o efetuá-lo. Por-
que não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero,
esse faço. Mas, se eu faço o que não quero, já não sou eu quem
o faz, e, sim, o pecado que habita em mim. Então, ao querer
fazer o bem, encontro a lei de que o mal reside em mim.
Porque no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei de
Deus; mas vejo nos meus membros outra lei que, guerreando
contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pe-
cado que está nos meus membros. Desventurado homem que
sou! quem me livrará do corpo desta morte? Graças a Deus
por Jesus Cristo nosso Senhor. De maneira que eu, de mim
mesmo, com. a mente sou escravo da lei de Deus, mas, segun-
do a carne, da lei do pecado. Agora, pois, já nenhuma conde-
nação há para os que estão em Cristo Jesus. Porque a lei do
Espírito da vida em Cristo Jesus te livrou da lei do pecado e
da morte. Porquanto o que fora impossível à lei, no que es-
tava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio

63
T

A LIBERTAÇÃO DA LEI

Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pe-


cado; e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado. A
fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós que não
andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito.

Até agora temos considerado a severidade da lei e suas


exigências inflexíveis das quais a morte de Cristo nos li-
bertou, de maneira que já não estamos debaixo da lei.
Também temos visto a debilidade da lei, que não lhe é
inerente, mas que se faz em nós, em nossa carne. Agora
vamos ver a justiça da lei, como o cristão primeiro se
deleita na lei em sua mente, e logo faz o que a lei ordena
pelo poder do Espírito que vive nele.

a. A experiência de Paulo
Antes de olhar o texto em detalhe, devemos considerar
uma questão importante. Há duas mudanças que se apre-
sentam no parágrafo que começa com o v. 14.
1. Em primeiro lugar existe uma mudança no tempo
dos verbos. No parágrafo anterior (vs. 7-13) a maioria dos
verbos está no passado, o aoristo grego, de modo que pa-
recem referir-se à experiência passada de Paulo. Por exem-
plo: "reviveu o pecado" (v. 9); "o pecado ... me matou"
(v. 11). "Acaso o bom se me tornou em morte? o peca-
do ... causou-me a morte" (v. 13). Todos estes verbos
estão no passado. Ao contrário, a partir do v. 14 os
verbos estão no presente, com aparente referência à expe-
riência de Paulo. Por exemplo, o v. 14: "eu, todavia, sou
carnal"; v. 15: "não faço o que prefiro, e, sim, o que de-
testo" .
2. Em segundo lugar, há uma mudança de situação.
No parágrafo anterior Paulo relata como o pecado se ma-
nifestou por meio da lei e o matou. Porém neste parágrafo
ele apresenta um retrato do seu grave e contínuo conflito,
e negando a dar-se por vencido luta agressivamente.

64
ROMANOS 7:14-8:4

A presença dessas duas mudanças assinaladas pare-


ce sugerir que o que Paulo apresenta nos vs. 7~ 13 é sua
vida antes de ser convertido, e nos vs. 14ss., sua vida
como cristão. Alguns comentaristas desde os mais antigos
têm resistido a esta interpretação. Não concebem que um
cristão, e muito menos um cristão maduro como Paulo,
pudesse apresentar sua experiência cristã em termos de
um conflito tão intenso, e além disso um conflito que ele
se encontra incapaz de vencer. Por esse motivo alegam que
este parágrafo deve referir-se ao conflito de Paulo antes
de ser cristão.
Sem dúvida há dois lados no auto-retrato de Paulo
neste parágrafo (v. 14), os quais conduziram os Reforma-
dores, e a maioria dos comentaristas reformados desde
então, à convicção de que estes versículos são nada menos
que o auto-retrato do cristão Paulo. O primeiro lado é a
opinião que Paulo tem de si mesmo, e o segundo é sua opi-
nião da lei.
1. O que dizia Paulo de si mesmo? Versículo 18:
"Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não
habita bem nenhum". Versículo 24: "Desventurado ho-
mem que sou!" - e então dá um grito de socorro.
Quem, senão o cristão maduro, pensa e fala de si mesmo
desta maneira? O não-cristão se caracteriza pelo sentido
de justiça própria, o que não lhe permite reconhecer-se
como pobre miserável. Por outro lado o crente imaturo se
caracteriza por sua autoconfiança, e não pergunta quem o
vai livrar. Só o crente maduro chega a conhecer a aversão
a si mesmo e a desesperança própria. E ele que reconhece
nitidamente que em sua carne não há nada bom. E ele
quem reconhece sua miséria e com fé reclama libertação.
Desta maneira, pois, pensa Paulo de si mesmo.
2. O que pensa Paulo da lei? Em primeiro lugar,
ele diz que a lei de Deus é "boa" (v. 16), e a chama "o

65
A LIBERTAÇÃO DA LEI

bem que prefiro" (v. 19). Isto é, reconhece que a lei é boa
em si, e com todo seu ser almeja obedecê-la, Outra vez, no
v. 22, ele diz: "no tocante ao homem interior, tenho pra-
zer na lei de Deus". Sem dúvida esta não é a linguagem
que usaria um não-cristão. A atitude deste diante da lei
está em Romanos 8:7:"0 pendor da carne (nossa natu-
reza humana não redimida) é inimizade contra Deus, pois
não está sujeito à lei de Deus, nem mesmo pode estar".
Pelo contrário, aqui Paulo em lugar de opor-se à lei de
Deus, diz amá-la. Sua inimizade é contra o mal, que de-
testa, enquanto ama e se deleita no bem.
Destes dois pontos se deduz que quem fala na segun-
da parte do capítulo 7 é um crente maduro, alguém que
tenha recebido uma visão clara e verdadeira de sua pró-
pria carne pecaminosa e da santa lei de Deus. Afirma que
em sua carne não há nada bom, porém a lei de Deus é o
bem que deseja. Esta idéia se resume no v. 14: "... a
lei é espiritual; eu, todavia, sou carnal". Devemos ver que
"a lei é espiritual". Não devemos jamais colocar a lei e o
Espírito em oposição entre si como se fossem mutuamente
contraditórios. Não o são. O Espírito Santo escreve a lei
em nossos corações. Paulo põe em contraste com o Espíri-
to que mora no cristão, não a lei em si, mas "a letra", isto
é, a lei tomada somente como um código externo. Repito,
pois, que a pessoa que reconhece a espiritualidade da lei
de Deus e sua própria carnalidade natural tem que ser um
cristão de certa maturidade.
Sendo este o caso fica ainda uma pergunta: Por que
Paulo descreve sua experiência em termos não só de con-
flito como também de derrota? Por que diz não só que
deseja fazer o bem mas que não o faz e que não o pode
fazer? A resposta certamente é a seguinte: no pará-
grafo anterior (vs. 7-13) demonstrou que, apesar de
ser cristão, por si mesmo era incapaz de guardar a

66
ROMANOS 7:14-8:4

lei. Neste parãgrafo (vs. 14ss) ele mostra que, mesmo na


condição de crente, por si mesmo ainda não pode guardar
a lei. Pode por certo reconhecer o bem da lei, pode delei-
tar-se na lei, pode inclusive desejar obedecê-la, coisas que
eram impossíveis como não-cristão. Porém sua carne, sua
natureza caída, que era a causa de seu fracasso antes de
sua conversão e que o levava ao pecado e à morte, continua
sendo a causa de seu fracasso depois de sua conversão -
a menos que o poder do Espírito Santo o domine (a isto
chega Paulo mais adiante no capítulo 8). Na realidade, um
reconhecimento sincero e humilde do mal irremediável de
nossa carne, mesmo depois do novo nascimento, é o pri-
meiro passo para a santidade. Para falar com franqueza,
a razão pela qual nós não estamos vivendo uma vida
santa é porque temos uma opinião muito valorizada de
nós mesmos. Ninguém jamais pede para ser libertado sem
ter visto primeiro sua própria miséria. Em outras pala-
vras, a única maneira de chegar à. confiança no Espírito
Santo é pelo caminho da desilusão consigo mesmo. Não
existe recurso algum que possa assegurar para sempre esta
atitude. O poder e a sutileza da carne são tais que não nos
permitem relaxar nem por um momento. A única esperan-
ça é manter uma vigilância incessante e uma dependência
ininterrupta.
Deste modo temos visto que ambos os parágrafos,
vs. 7-13 e 7: 14-8:4, afirmam que, sejamos crentes ou
não, regenerados ou não, o pecado que vive em nós, a
carne, é nosso grande problema, e é o responsável pela
debilidade da lei em ajudar-nos.

b. Análise do texto
Versículos 14-20. E bom notar que neste parágrafo Paulo
diz a mesma coisa duas vezes, sem dúvida com vistas a
dar maior ênfase.primeiro em 14-17 e novamente em

67
A LIBERTAÇÃO DA LEI

18-20. Já que estas duas passagens são paralelas, con-


vém examiná-las juntas.
1. Cada seção começa com um sincero reconheci-
mento de nossa condição, do que realmente somos e do
que reconhecemos ser.
Versículo 14: "Sabemos que a lei é espiritual; eu,
todavia, sou carnal (a carne está sempre presente em mim
e exerce sobre mim sua influência), vendido à escravidão
do pecado." Eis aqui o que sou, mesmo como cristão, em
mim mesmo. A carne vive em mim e quando me ataca, não
posso com ela. Melhor, por mim mesmo e por minhas pró-
prias forças, sou seu escravo, mesmo que de má vontade
e contra minha vontade.
O v. 18 também começa com o que "eu sei". "Por-
que eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não
habita bem nenhum".
Isto é, pois, o que eu sei (porque o Espírito Santo
me fez saber): que a carne vive em mim, que.não há nada
de bom nela, e que mesmo como cristão, sozinho ela me
domina.
2. Cada seção segue com um vívido retrato do con-
flito conseqüente. Versículo 15: "Realmente não consigo
entender o que faço" (BJ). Quer dizer, faço coisas contra
minha vontade, coisas que não dou meu consentimento
como cristão, "não faço o bem que prefiro, mas o mal que
não quero, esse faço".
Os vs. 18 e 19 dizem o mesmo: "Porque eu sei que
em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum:
pois o querer o bem está em mim; não, porém, o efetuá-lo.
Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal que não
quero, esse faço".
Permita-me insistir de novo que este é o conflito de
um homem cristão, de alguém que conhece a vontade de
Deus, ama-a, deseja-a e aspira cumpri-la, porém sabe que

68
ROMANOS 7: 14 - 8:4
,
por si mesmo não é capaz de levá-la até o fiin. Todo seu
ser (sua mente e vontade) é dirigido para a vontade de
Deus e pela lei de Deus. Deseja fazer o bem e detesta com
ódio santo fazer o mal; se ele peca, o faz contra sua mente,
sua vontade, contra seu consentimento; é contra toda a no-
va orientação que tem sua vida. Precisamente nesta tensão
está o conflito do cristão.
3. Cada seção termina com uma conclusão, expressa
em palavras idênticas, sobre a causa da incapacidade pes-
soal e moral do cristão sem o poder do Espírito Santo.
Nos vs. 16 e 17 Paulo diz: "Ora se faço o que não
quero" -- se minha situação se cristaliza nas palavras:
quero, porém não posso, obviamente não é culpa da lei
se a desobedeço, porque "consinto com a lei, que é boa".
Não sou sequer eu que o faço, porque não o faço com
vontade, mas contra minha vontade, pois "o pecado habi-
ta em mim".
No v. 20 é dada a mesma conclusão: "Se eu faço o
que não quero, já não sou eu quem o faz, e,sim, o pecado
que habita em mim".
Podemos resumir os ensinamentos destas duas seções
paralelas da seguinte forma: primeiro está nossa condição.
Reconheço em mim a presença da carne, a qual não tem
nada de bom e me mantém como escravo enquanto Deus
não intervier. Aí está o conflito que esta condição produz:
não posso fazer o que quero, mas faço o que não quero.
Finalmente a conclusão: se minhas ações são feitas contra
minha vontade, a causa é o pecado que vive em mim. Em
todo este argumento o que Paulo procura fazer é expor
a incapacidade total de nossa carne para fazer o bem, com
o propósito de convencer-nos de que somente o Espírito
Santo pode fazer-nos verdadeiramente livres.
Versículos 21-25. Nesta seção o apóstolo leva oargu-
mento mais adiante. Havendo feito uma descrição clara

69
A LIBERTAÇÃO DA LEI

de sua condição e conflito, expressa o mesmo agora como


uma filosofia, em termos de leis ou princípios que regem
sua situação. O princípio geral está no v. 21: "encontro a
lei" (descubro este princípio) - como conclusão filosófica
deduzida de minha experiência - "ao querer fazer o bem,
encontro a lei de que o mal reside em mim."
Este princípio geral se define por meio de duas leis
ou forças que são mutuamente opostas (vs. 22-23). No-
meia-se no versículo 23: "a lei da minha mente" e "a lei
do pecado". "A lei da minha mente" é que "no tocante ao
homem interior, tenho prazer na lei de Deus" (v. 22). "A
lei do pecado" é um princípio ou força "em meus mem-
bros" que, segundo Paulo, "luta contra aquela que minha
mente aprova. Ela me torna prisioneiro da lei do peca-
do ... " (BLH).
A 'lei da minha mente é uma força em meu ser in-
terior, minha mente e minha vontade, que ama a lei de
Deus. Porém, a lei do pecado é uma força "em meus mem-
bros", em minha carne, que detesta a lei de Deus. Esta
é a filosofia da experiência cristã. Nossa experiência é
que não fazemos o bem que queremos, mas, sim, o mal
que não queremos; atrás disto está a filosofia das duas
leis que estão em conflito, a lei da minha mente e a lei
do pecado. Dizendo de forma mais simples, as duas forças
em oposição são minha mente e minha carne, minha men-
te renovada e minha velha carne sem possibilidade de
renovação. Este conflito constitui uma batalha real, cruel
e sustentada na experiência de todo cristão; sua mente se
deleita na lei de Deus, desejosa de cumpri-la, porém sua
carne se opõe obstinadamente a ela e se nega a toda possi-
bilidade de submissão (veja 8:7).
É este conflito que nos leva repetidas vezes a dar
dois gritos aparentemente contraditórios: "Infeliz de mim!
Quem me libertará ... T" (v. 24 BJ) e "Graças a Deus por

70
ROMANOS 7:14-8:4

Jesus Cristo nosso Senhor" (v. 25). O primeiro é um grito


de desespero; o segundo, de triunfo. Porém ambos são
dados por um cristão maduro, que, lamentando a corrup-
ção interior de sua natureza, deseja ser libertado, e por sua
vez regozija-se em Deus por Jesus Cristo como o único
libertador. Ademais, a libertação que deseja não é somen-
te o domínio próprio aqui e agora; é também a libertação
deste corpo da morte quando morrer, e especialmente
quando for vestido de um corpo novo e glorioso no dia
final. Pessoalmente não creio que o cristão, durante esta
vida, passe de uma vez para sempre do primeiro para o
segundo grito, do capítulo 7 para o capítulo 8, da deses-
perança para a vitória *. Em absoluto. Antes, está sempre
clamando por liberdade, e sempre regozijando-se em seu
libertador. Cada vez que tomamos consciência dos dese-
jos e da depravação de nossa natureza caída, e do conflito
irreconciliável entre nossa mente e nossa carne, desejamos
estar livres do pecado e da corrupção que habita em nós
e exclamamos: "Infeliz de mim! (Porque somos miserá-
veis e sempre o seremos). Quem me liberará deste corpo de
morte?" Porém imediatamente contestamos nossa angus-
tiada pergunta, e com um grito de triunfo, damos graças
a Deus por sua poderosa salvação, sabendo que ele é aque-
le que pode dominar nossa carne por seu Espírito, e aque-
le que no dia final, na ressurreição, nos dará um corpo
novo, liberto da presença do pecado.
Agora no último versículo (25), Paulo resume com
admirável lucidez a dupla servidão à qual está exposto o

• Aqueles que crêem que o propósito de Deus para nós é que transforme-
mos o conflito de Romanos 7 pela vitória de Romanos 8, hão de encontrar
um obstáculo considerável nas palavras finais do capítulo 7, pois imediata-
mente depois do grito triunfante de ação de graças Paulo volta ao conflito
e termina resumindo-o com as palavras: "De maneira que eu, de mim mes-
mo, com a mente sou escravo da lei de Deus, mas segundo a carne, da lei do
pecado".

71
A LIBERTAÇÃO DA LEI

cristão: com minha mente, isto é, de todo o meu coração,


sirvo a lei de Deus, porém com minha carne, enquanto
ela não for dominada pelo Espírito, sirvo à lei do pecado.
Porém ninguém pode servir a dois senhores simultanea-
mente. Servir a lei de Deus ou a lei do pecado depende
de quem está no controle, se minha mente ou minha carne.
Isto nos leva à pergunta: Como pode a mente ter domínio
sobre a carne?
Com esta pergunta chegamos ao começo do capítulo
8, onde se revela o ministério misericordioso do Espírito
Santo, que não é mencionado na última parte do capítulo
7, embora sua realidade não se perca de vista. Esta é a
verdadeira progressão de idéias do capítulo 7 ao capítulo
8: o conflito que se mostra no final do capítulo 7 é
entre minha mente e minha carne, enquanto no princípio
do capítulo 8 o conflito é entre o Espírito Santo e a carne,
porque ele vem ao meu socorro, colocando-se ao lado da
minha mente (a mente renovada que ele me deu), e domi-
nando a minha carne. E o mesmo conflito, porém visto
de outro ângulo e dando outro resultado. Segundo 7:22,
o cristão deleita-se na lei de Deus, porém por si mesmo
está impedido de cumpri-la pelo pecado que mora nele.
Pelo contrário, segundo 8:4, ele não só se deleita na lei
de Deus como efetivamente a cumpre por causa do Espí-
rito que mora nele.
Capítulo 8: 1-14. Nos dois primeiros versículos o
apóstolo contempla todo o panorama da vida cristã. Apre-
senta conjuntamente as duas grandes bênçãos da salvação
que temos se estamos em Cristo Jesus. Em Cristo Jesus (v.
1) não há nenhuma condenação. Em Cristo Jesus (v. 2) a
lei do Espírito de vida (o Espírito doador da vida) ... "me
livrou da lei do pecado e da morte" (v. 2 BLH). Em outras
palavras, a salvação pertence aos que estão em Cristo Jesus
(os que estão unidos com ele por uma fé viva), e a salvação

.72
" ""-- "0 -

ROMANOS 7:14-8:4

é a libertação da condenação e da escravidão do pecado.


Ademais. quando o apóstolo diz que nenhuma condenação
há para os.que estão em Cristo Jesus porque o Espírito os
libertou da lei, não está fazendo de nossa santificação
a causa ou a base de nossa justificação. mas apre-
senta-a como seu fruto necessário. E como se ele dissesse:
Sabemos que em Cristo já não estamos condenados, mas
justificados, porque em Cristo também fomos. libertados.
A justificação e a santificação são inseparáveis.
De que modo podemos usufruir desta salvação, em
seus dois aspectos? A resposta está nos vs. 3 e 4. Os vs.
1 e 2 ensinam o conteúdo da salvação: não mais condena-
ção e não mais escravidão. Nos vs. 3 e 4 nos é apresenta-
da a maneira pela qual ela se realiza.
A primeira coisa que se deve notar é que ela é obra de
Deus. Notemos que "o que fora impossível à lei, no que
estava enferma pela carne, isso fez Deus" (v. 3). Desde o
princípio vimos que a incapacidade da lei não lhe é ine-
rente, que sua debilidade não está em si mesma, senão em
nós,por causa de nossa carne. Por nossa carne não pode-
mos guardar a lei, e porque não podemos guardá-la ela não
nos pode salvar. Não pode justificar-nos nem santificar-
nos. De modo que Deus fez "o que fora impossível à lei,
no que estava enferma pela carne".
Como ele o fez? Fez por meio de seu Filho (v. 3) e
por meio de seu Espírito (citado nos vs. 2 e 4). Por meio
da morte de seu Filho encarnado, Deus nos justifica. Por
meio do poder de seu Espírito que habita em nós, ele nos
santifica.
Agora devemos examinar com mais cuidado este ma-
ravilhoso ministério do Filho de Deus e do Espírito de
Deus.
Primeiro, Deus enviou seu próprio Filho (v. 3). "Em
semelhança de carne pecaminosa" é uma. expressão sígni-

73
A LIBERTAÇÃO DA LEI

ficativa. Não é dito "em carne de pecado", porque a carne


de Jesus era sem pecado; nem tampouco se diz "em seme-
lhança de carne", porque a carne de Jesus era sem pecado
e real. Deus também enviou seu Filho "no tocante ao pe-
cado". O sentido desta frase pode ser geral, indicando que
Jesus veio para tratar do problema do pecado, ou sendo
mais específico, com referência à sua morte "como oferta
pelo pecado", visto que a frase empregada aqui tem este
sentido freqüentemente na tradução grega do Antigo Tes-
tamento.
A maneira como Jesus Cristo morreu, em sacrifí-
cio pelo pecado, se explica na notável frase: "Condenou
Deus, na carne, o pecado". Isto é, que na carne de Jesus
- carne real, sem pecado, porém feita pecado com nos-
sos pecados (2 C05:2l) - Deus condenou o pecado.
Ele condenou nossos pecados na carne sem pecado de seu
Filho, que os levou.
E por que ele o fez? Não somente para que nós fôs-
semos justificados (embora certamente "agora nenhuma
condenação há para os que estão em Cristo Jesus" porque
nele Deus condenou o pecado), mas também (v. 4) "fez
isto para que as ordens justas da lei pudessem ser comple-
tamente cumpridas por nós, que vivemos de acordo com
o Espírito de Deus, e não de acordo com a natureza hu-
mana" (BLH). Este versículo é de importância essencial
para nossa compreensão da doutrina cristã da santidade.
Ele ensina pelo menos três verdades principais:
1. Que nossa santidade constitui a finalidade da en-
carnação e da morte de Cristo. Diz-nos especificamente
que Deus enviou seu Filho em semelhança de carne de pe-
cado (a encarnação) e condenou o pecado na carne (a ex-
piação), "a fim de que o preceito da lei se cumprisse em
nós". Deus condenou o nosso pecado em Cristo, para que
a santidade fosse dada a nós.

74
~_._--_.-

ROMANOS 7:14-8:4

2. Que a santidade consiste na justiça, isto é, "no


preceito da lei". Esta definição de santidade está no versí-
culo 4, que vem a ser um dos versículos que mais incomo-
dam os "Novos Moralistas", que dizem que a categoria
da lei está eliminada para o cristão. Em lugar de abolir a
lei, Deus enviou seu próprio Filho com esta finalidade,
de que a justiça que ela pede se cumpra em nós. Deste
modo, a obediência à lei que não é e nem pode ser a base
da nossa justificação apresenta-se como seu fruto.
3. Que a santidade é obra do Espírito Santo, por-
que "o preceito da lei" se cumpre em nós somente quando
"andamos conforme o Espírito". Vimos que quase todo
o capítulo 7 de Romanos dedica-se ao tema de que não
podemos guardar a lei por causa "da carne". Assim, o úni-
co modo de cumprir a lei é andar não "segundo a carne,
mas segundo o Espírito", isto é, pelo seu poder e sob seu
controle.
Estas três verdades básicas da santidade cristã nos
ensinam por que devemos ser santos, o que é a santidade
e como consegui-la. A razão por que devemos ser santos
é a vinda e a morte de Cristo. A natureza da santidade é a
justiça da lei, a conformidade com a vontade de Deus
expressa em sua lei. E. o meio pelo qual se consegue a
santidade é o poder do Espírito Santo.
Para concluir, façamos uma síntese desta longa e
complicada passagem que estivemos estudando (7: 1-
8:4). Podemos denominá-la "Libertação da Lei", porém
igualmente podemos chamá-la "O Cumprimento da Lei",
porque a passagem ensina essas duas verdades. A seção
começa com uma afirmação da libertação da lei para o
cristão (7:1-6), sintetizada nas palavras de 7:6: "Agora,
porém, libertados da lei". Termina, em 8:4, afirmando a
obrigação do cristão de guardar a lei: "A fim de que o pre-
ceito da lei se cumprisse em nós". Tanto a nossa liberta-

71:)
A LIBERTAÇÃO DA LEI

ção como a nossa obrigação se atribuem à morte de Cristo


(7:4; 8:3,4). Alguém poderia dizer: Que contradição mais
intolerável! Como pode ser que eu esteja livre da lei e obri-
gado a guardá-la? O paradoxo é fácil de resolver. Somos
livres da obrigação de guardar a lei enquanto ela constitui
um meio para sermos aceitos por Deus, porém estamos
obrigados a guardá-la enquanto ela constitui o caminho
para a santidade. Como base da nossa justificação a lei já
não nos obriga mais, porque para nossa aceitação estamos
"não debaixo da lei, mas debaixo da graça". Porém como
norma de conduta a lei sempre nos obriga e procuramos
cumpri-la, andando conforme o Espírito. Para compreen-
der o significado disto e como andar conforme o Espírito,
estudemos agora o restante de Romanos 8.

76
CAPITULO 4
A VIDA NO ESPíRITO (Rm 8:5-39)

O quarto privilégio que temos como cristãos é a vida no


Espírito. Até aqui nos capítulos já estudados, o Espírito
não foi mencionado com freqüência. No capítulo 6 ele
não é mencionado; no capítulo 5 é mencionado apenas
uma vez como aquele por quem o amor de Deus foi derra-
mado em nossos corações (v. 5), e uma vez no capítulo 7,
onde, no versículo 6, lemos que a escravidão cristã não é
estar sujeito a um código externo, mas sim ao Espírito
que habita em nós. Agora, porém, no capítulo 8 o Espírito
Santo ocupa o lugar principal.
A vida cristã, isto é, a vida de um crente justifica-
do, apresenta-se essencialmente como vida no Espírito, ou
seja, uma vida animada, sustentada, dirigida e enriquecida
pelo Espírito Santo. Neste capítulo o ministério do Espí-
rito mostra-se especialmente em quatro áreas: primeiro,
em relação a nossa carne, nossa natureza caída; segundo,
em relação a nossa filiação, nossa adoção como filhos de
Deus; terceiro, em relação a nossa herança final, incluin-
do a redenção de nossos corpos no dia final; em quarto
lugar, em relação a nossas orações, onde temos que reco-
nhecer nossa debilidade.
A atividade misericordiosa do Espírito Santo nesses
quatro aspectos pode ser resumida da seguinte forma: ele
domina nossa carne (vs. 5-13); dá testemunho da nossa
filiação (vs. 14-17); garante nossa herança (vs. 18-25); e

77
A VIDA NO ESPíRITO

ajuda nossa debilidade na oração (vs. 26-27). A conclusão


do capítulo (vs. 28-39) é uma afirmação incomparavel-
mente magnífica de que os propósitos de Deus são inven-
cíveis e portanto o povo de Deus tem uma segurança abso-
luta e eterna.

I. O MINISTl!RIO DO ESP1RITO SANTO (8:5·27)

Porque os que se inclinam para a carne cogitam das causas


da carne; mas os que se inclinam para o Espírito, das causas
do Espírito. Porque o pendor da carne dá para a morte, mas
o do Espírito, para a vida e paz. Por isso o pendor da carne
é inimizade contra Deus, pois não está sujeito â lei de Deus,
nem mesmo pode estar. Portanto os que estão na carne não
podem agradar a Deus. Vós, porém, não estais na carne, mas
no Espírito, se de fato o Espírito de Deus habita em vós. E se
alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele. Se,
porém, Cristo está em vós, o corpo, na verdade, está morto
por causa do pecado, mas o espírito é vida por causa da jus-
tiça. Se habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou a
Jesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo
Jesus dentre os mortos, vivificará também os vossos corpos
mortais, por meio do seu Espírito que em vós habita. Assim,
pois, irmãos, somos devedores, não à carne como se constran-
gidos a viver segundo a carne. Porque, se viverdes segundo a
carne, caminhais para a morte; mas, se pelo Espírito mortifi-
cardes os feitos do corpo, certamente vivereis. Pois, todos os
que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus.
Porque não recebestes o espírito de escravidão para viverdes
outra vez atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção,
baseados no qual clamamos: Aba, Pai. O próprio Espírito tes-
tiiica com o nosso espírito que somos filhos de Deus. Ora, se
somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e
co-herdeiros com Cristo: se com ele sofrermos, para que tam-
bém com ele sejamos glorificados. Porque para mim tenho por
certo que os sofrimentos do temôo presente não são para com-
parar com a glória por vir a ser revelada em nós. A ardente
expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus.

78
ROMANOS 8:5-27

Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente,


mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que
a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção,
para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabe-
mos que toda a criação a um só tempo geme e suporta angús-
tias até agora. E não somente ela, mas também nós que temos
as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo,
aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo.
Porque na esperança fomos salvos. Ora, esperança que se vê
não é esperança; pois o que alguém vê, como o espera? Mas,
se esperamos o que não vemos, com paciência o aguardamos.
Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa
fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o
mesmo Espírito intercede por nós sobremaneira com gemidos
inexprimíveis. E aquele que sonda os corações sabe qual é ú
mente do Espírito, porque segundo a vontade de Deus é que
ele intercede pelos santos.

a. O Espírito domina nossa carne (vs. 5-13)


Conforme o v. 4 que consideramos no capítulo anterior,
"o preceito da lei" pode cumprir-se em nós, os cristãos,
somente se "não andamos segundo a carne, mas segundo o
Espírito", seguindo suas determinações e submetendo-nos
a seu controle. Agora o apóstolo Paulo dá a razão por que
isto é assim. Aqui a mente tem um papel importante, já
que nossa conduta depende de nossa mente, e nosso com-
portamento, de nosso íntimo. "Porque, como imagina em
sua alma, assim ele é" (Pv, 23 ~ 7), e da mesma maneira
se conduz. Em última análise, são nossos pensamentos que
governam nosso comportamento.
Isto é o que escreve o apóstolo no v. 5 ~ "Porque (eis
aqui a razão por que podemos cumprir a lei somente se
andamos conforme o Espírito) os que se inclinam para a
carne Cogitam das cousas da carne; mas os que se inclinam
para o Espírito, das cousas do Espírito". O pensar na car-
ne ou no Espírito quer dizer ocupar-se das coisas da carne

79
A VIDA NO ESPíRITO

ou das coisas do Espírito. Trata-se de nossas preocupa-


ções, das ambições que nos movem e dos interesses que
nos absorvem, de como ocupamos nosso tempo, dinheiro
e energias, das coisas às quais nos dedicamos. Ao exami-
nar tudo isto, sabemos com segurança onde está posta a
nossa mente.
O v. 6dá o resultado destas duas mentalidades: "o
pendor da carne dá para a morte". Observemos que a fra-
se não é "será a morte" mas "dá para a morte" agora, por-
que ele conduz ao pecado e portanto à separação de Deus
que é a morte. Mas, "o (pendor) do Espírito (dá) para
a vida ... ", agora, porque conduz à santidade e portanto
.à comunhão constante com Deus que é a vida. Além do
mais, não traz somente vida, mas também paz: paz com
Deus, que é vida; e paz dentro de nós mesmos, integração
e harmonia. Muitos de nós buscaríamos a santidade com
maior ansiedade e entusiasmo se estivéssemos convenci-
dos de que o caminho da santidade é o caminho da paz
além de ser o caminho da vida. Não cabe nenhuma dúvi-
da de que é assim; por nenhum outro caminho se conse-
gue vida e paz.
Em contraste, o ocupar-se da carne traz a morte e a
guerra, conforme os vs. 7 e 8: "Por isso o pendor da carne
é inimizade contra Deus, pois não está sujeito à lei de
Deus, nem mesmo pode estar. Portanto os que estão na
carne não podem agradar a Deus". Não podem agradar
a Deus, porque a única maneira de agradá-lo é submeter-
se à sua lei e obedecê-la. Pois bem, a mente carnal é ini-
miga da lei de Deus e não quer submeter-se a ela, en-
quanto a mente guiada pelo Espírito é amiga da lei de
Deus e se regozija com ela.
Aqui se apresentam duas categorias de pessoas (as
que estão na carne e as que estão no Espírito), que têm
duas mentalidades ou disposições (chamadas a mente car-

80
T

R.OMANOS 8:5-27

nal e a mente do Espírito), as quais levam a dois mo-


dos de c~nduta (o andar conforme a carne e o andar con-
forme o Espírito), e terminam em dois estados espirituais
(a morte e a vida). Se estamos na carne nos ocupamos das
coisas da carne, andamos conforme a carne e em conse-
qüência morremos. Porém se estamos no Espírito, anda-
mos conforme o Espírito e conseqüentemente vivemos. O
que somos orienta como pensamos; o modo como pensa- .
mos determina como nos conduzimos; e o modo como nos
conduzimos expressa nossa relação com Deus: a morte
ou a vida. Novamente vemos o quanto depende de nossa
mente, onde a colocamos, como a ocupamos e sobre o que
enfocamos e concentramos suas energias.
Com isto chegamos ao v. 9; é nele que o apóstolo
aplica a seus leitores de forma pessoal as verdades até
aqui expostas em termos gerais. O v. 8 diz: "os que estão
na carne não podem agradar a Deus", e logo em seguida:
"Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se de
fato o Espírito de Deus habita em vós. E se alguém não
tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele". Observemos
os sinônimos empregados neste versículo: primeiro "o Es-
pírito de Deus" e "o Espírito de Cristo"; a seguir: "mas
(estais) no Espírito" e "o Espírito de Deus habita em vós".
São duas maneiras de expressar a mesma experiência. Em
terceiro lugar, é a mesma coisa ter o Espírito habitando
em nós e ten Cristo morando em nós (vs. 9 elO).
Além do ensino através dos sinônimos, o V. 9 é de
grande importância, pois nos diz claramente que a carac-
terística que melhor distingue o verdadeiro cristão,· dife-
renciando-o de todos os não-cristãos, é que o Espírito San-
to vive nele. Duas vezes no capítulo 7, nos vs. 17 e 20,
o apóstolo fala do "pecado que habita em mim", porém
agora fala do Espírito que habita em nós. O pecado arrai-
gado no nosso interior é a herança de todos os filhos de

81
A VIDA NO ESPIRITO

Adão. O grande privilégio dos filhos de Deus é ter o Es-


pírito que mora neles para contradizer e dominar o pe-
cado interior. "E se alguém não tem o Espírito de Cristo,
esse tal não é dele".
Os vs. 10 e 11 indicam a grande conseqüência de
termos o Espírito habitando em nós. Ambos começam com
uma frase condicional (v. 10): "Se ... Cristo está em nós";
(v. 11): "Se habita em nós o Espírito daquele que ressusci-
tou a Jesus dentre os mortos ... " Qual é o resultado de
ter Cristo em nós, por meio de seu Espírito? A resposta
é: "a vida" - vida para nossos espíritos agora e vida para
nossos corpos no final - porque o Espírito Santo é o
Espírito de vida. Ele é o Senhor, que dá a vida. Assim o
versículo 10 diz: "Se, porém, Cristo está em vós, o corpo,
na verdade, está morto por causa do pecado, mas o espí-
rito é vida por causa da justiça". Isto é, mesmo que nossos
corpos tendam para a morte, sendo mortais, nossos espí-
ritos vivem, porque o Espírito Santo lhes deu vida. A
conseqüência do pecado de Adão nos faz morrer fisica-
mente; pela justiça de Cristo vivemos espiritualmente.
Mesmo que atualmente apenas os nossos espíritos
vivam (pois nossos corpos mortais hão de morrer), no dia
final nossos corpos viverão. Versículo 11: "Se habita em
nós o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre os
mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus den-
tre os mortos vivificará também os vosso: corpos mor-
tais, por meio do seu Espírito que em vós habita". Aqui
há referência às três pessoas da Trindade: o Deus que le-
vantou a Cristo dos mortos, levantar-nos-á em nossos
corpos. Por quê? Porque o Espírito habita neles e assim
os santifica. Como? Pelo poder do mesmo Espírito que
vive neles. Pois bem, o Espírito Santo que já vivificou
nossos espíritos, no final vivificará também nossos corpos.

82
ROMANOS 8:5-27

"Assim, pois, irmãos, somos devedores, não à carne


como se constrangidos a viver segundo a carne" (v. 12)
e o apóstolo interrompe seu pensamento. Se houvesse com-
pletado, certamente haveria dito que somos devedores ao
Espírito, para viver segundo o Espírito.
Esta idéia de sermos devedores ao Espírito Santo
é interessante e sugestiva: indica que temos a obrigação
de ser santos. Obriga-nos a ser o que somos, conduzir-nos
de acordo com a nossa posição e privilégio como cristãos
e não fazer nada que o· contradiga. Em especial, se vive-
mos no Espírito, temos a obrigação de andar conforme o
Espírito.
Eis aqui a questão: se o Espírito Santo que mora em
nós nos dá vida, é impossível que andemos segundo a car-
ne, pois este é o caminho da morte. Uma incoerência tal
entre o que somos e 6 nosso comportamento, entre o pos-
suir a vida e o jogar com a morte, é inconcebível, Estamos
vivos, nosso espírito vive, o Espírito Santo nos deu vida;
somos portanto devedores ao Espírito que nos deu vida.
Por seu poder devemos fazer morrer tudo o que ameace
esta nova vida, especialmente "as obras da carne". So-
mente ao morrer para elas, viveremos, isto é, continuare-
mos desfrutando a vida que o Espírito Santo nos tem
dado.
Esta é a grande alternativa que apresenta o v. 13:
"se viverdes segundo a carne", diz Paulo, permitindo que
ela prospere e se desenvolva, "caminhais para a morte;
mas se pelo Espírito mortificardes os feitos do corpo, cer-
tamente vivereis." E cada um de nós tem que escolher
entre o caminho da vida e o caminho da morte. Porém
Paulo não põe em dúvida como vamos escolher, já que
diz que somos devedores, obrigados a escolher correta-
mente. Se o Espírito deu vida a nossos espíritos, temos

83
A VIDA NO ESPIRITO

que fazer morrer as obras do corpo, de modo que possa-


mos continuar vivendo a vida que o Espírito nos tem dado.
Considerando todo o parágrafo há pouco comentado
podemos apreciar a progressão no pensamento do apósto-
lo. Baseia-se em que há duas categorias de pessoas: as
que estão na carne (as não regeneradas) e as que estão
no Espírito (as regeneradas). Dirigindo-se aos romanos
Paulo diz: agora vocês pertencem à segunda categoria.
Não estão na carne, mas no Espírito, e conforme creio,
o Espírito de Deus vive em vocês (v. 9). Além disso,
porque Cristo vive em vocês por seu Espírito, vocês estão
vivos (v. 10).
Estes dois fatos encerram a realidade: temos o Espí-
rito Santo vivendo em nós, e em conseqüência nossos es-
píritos estão vivos porque o Espírito os vivificou. De fato,
pois, somos devedores (devido ao que somos) não à car-
ne, mas ao Espírito. Temos a mais séria obrigação de ser
o que somos, de conformar nossa conduta com nosso cará-
ter, de não fazer nada que tenha resultados inconseqüen-
tes com a vida do Espírito em nós, mas devemos cuidar
desta vida e cultivá-la.
Para sermos mais exatos, se quisermos ser retos e
cancelar a nossa dívida, nos encontraremos envolvidos em
dois processos. Em termos teológicos estes se chamam
mortificação e aspiração, e significam a atitude correta
que se há de adotar respectivamente diante da carne e
diante do Espírito. Devemos fazer morrer as obras do
corpo ou da carne, o que é a mortificação, e devemos
pôr nossos olhos nas coisas do Espírito, o que é a aspi-
ração.
A mortificação, ou seja, o fazer morrer pelo poder
do Espírito as obras do corpo, expressa o desprezo abso-
luto de todas as práticas que reconhecemos como más;
um arrependimento diário, deixando todos os pecados

84
- - - - - - - - - - -- -_. __ .. - ._.
...

ROMANOS 8:5-27

reconhecidos em nós, como: hábitos, práticas, associa-


ções ou pensamentos; "arrancando os olhos" ou "cortando
as mãos ou os pés", se a tentação nos assalta por meio do
que vemos, ou fazemos, ou por onde vamos. A única ati-
tude que devemos adotar diante da carne é matá-la.
A aspiração, ou seja, o ocupar-nos das coisas do Es-
pírito, ~ a inteira dedicação de nós mesmos, de pensamen-
tos, de energias e de ambições, a "tudo o que é verdadei-
ro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que
é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama"
(cf. Fp 4:8). Isto inclui o uso assíduo dos "meios da gra-
ça", tais como a oração, a leitura da Bíblia, a comunhão
entre cristãos, a adoração, a Santa Ceia do Senhor, e ou-
tros. Tudo isto é parte essencial do ocupar-nos das coisas
do Espírito. Tanto a mortificação como a aspiração se
expressam com verbos em tempo presente porque sãoati-
tudes a serem adotadas e mantidas constante e perma-
nentemente. Vez após vez devemos continuar fazendo
morrer as obras do corpo. (''Se alguém quer vir após mim,
a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me"
Lc 9:23). Vez após vez devemos continuar colocando
nossa mente nas coisas do Espírito. Há ainda outra coisa
em comum entre a mortificação e a aspiração: ambas têm
o segredo da vida em seu sentido mais pleno. Não há vida
verdadeira sem a morte chamada mortificação, nem o há
sem a disciplina chamada aspiração. Enquanto fazemos
morrer as obras do corpo, viveremos (v. 13); enquanto
pomos nossos olhos nas coisas do Espírito, encontramos
vida e paz (v. 6). De modo que o Espírito Santo domina
nossa carne à medida que a mortificamos, e à medida que
pomos nossa mente nas coisas do Espírito.

85
A VIDA NO ESPíRITO

b, O Espírito dá testemunho da nossa condição de filhos


(vs. 14.17)
Este parágrafo segue dando ênfase à obra do Espírito,
porém nossa posição e privilégios cristãos se apresentam
agora em termos distintos. Observemos o paralelo entre
os vs. 13 e 14: "Se pelo Espírito mortificardes os feitos
do corpo, certamente vivereis". "Pois todos os que são
guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus". Am-
bos se referem à atividade do Espírito, o primeiro em
termos de vida e o segundo em termos de ser filho ..
Que possibilidades de intimidade com Deus traz a
palavra filho! Os privilégios de seus filhos são o acesso
a ele e a comunhão com ele como Pai. Sem dúvida, nem
todos os seres humanos são filhos de Deus, já que o ver-
sículo 14 de forma definitiva e intencional considera fi-
lhos somente os que são guiados pelo Espírito, os que
pelo Espírito são conduzidos pelo caminho estreito da
justiça. Ser guiado pelo Espírito e ser filho de Deus são
expressões intercambiáveis; todos os que são guiados pelo
Espírito de Deus são filhos de Deus, e portanto todos os
que são filhos de Deus são guiados pelo Espírito de Deus.
Isto pode ser visto de maneira mais clara no v. 15
onde se descobre que tipo de Espírito temos recebido (o
tempo aoristo do verbo grego se refere ao passado, neste
caso a nossa conversão), não um Espírito de escravidão,
mas um de adoção. O Espírito Santo, dado a nós quando
confiamos (cremos) no Filho, nos faz filhos e não escra-
vos. Não nos chama à antiga escravidão baseada no medo,
mas nos permite ser filhos que podem se aproximar de
Deus como Pai. E em seguida nos dá a segurança da nova
condição que ele nos deu: "clamamos: Aba, Pai" (a mes-
ma expressão usada pelo Senhor Jesus em íntima comu-
nhão com Deus), pois "o próprio Espírito testifica com o
nosso espírito que somos filhos de Deus" (vs. 15b e 16).

86
ROMANOS 8:5-27

Esta maneira de traduzir estes versículos mostra que


quando .oramos é concedido o testemunho interior do
Espírito. E em nosso acesso a Deus mediante a oração
que sentimos nossa relação com ele como seus filhos, re-
conhecendo-nos como filhos de um pai celestial.· E quan-
do nosso espírito está em comunhão com Deus, o Espí-
rito Santo dá testemunho junto com nosso espírito (de
maneira que há dois testemunhos unânimes) de que na
realidade somos filhos de Deus. .
Versículo 17: "Ora, se somos filhos, somos também
herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo:
se com ele sofremos, para que também com ele sejamos
glorificados". Novamente aqui, tal como no capítulo 5,
o próprio sofrimento é o caminho da glória. Observe a
frase: "com ele"; toda a vida cristã é um ato de identi-
ficar-se com Cristo. Se compartilhamos com ele como fi-
lhos, também compartilharemos sua herança na glória,
porém se temos de compartilhar de sua glória, devemos
primeiro compartilhar de seus sofrimentos.

c. O Espírito assegura nossa herança (vs. 18·25)


O tema deste parágrafo é o contraste entre o sofrimento
do presente e a glória futura já mencionados por Paulo
no v. 17. Inicialmente ele disse que os dois não podem
comparar-se (v. 18), antes devem ser postos em contraste
porque a glória vindoura sobrepujará todo sofrimento
presente. A seguir- desenvolve esta idéia, colocando-a em
um magnífico contexto cósmico, já que o resto do pará-
grafo ensina como toda a criação junto com a nova cria-
ção, isto é, a Igreja, estão envolvidas tanto no sofrimento
presente como na glória vindoura. As duas criações (a
antiga e a nova, a física e a espiritual, a natureza e a
Igreja) sofrem juntas agora e juntas serão glorificadas no
final. Tal como a natureza participou da maldição sobre

87
A VIDA NO ESP1RITO

o homem (Gênesis 3), e agora participa do sofrimento


humano, assim chegará a participar da glória do homem.
Versículo 19: "O universo todo, com muito desejo e es-
perança, aguarda o momento em que os filhos de Deus
serão revelados" (BLH), porque este será o momento
quando o universo também será redimido.
1. A criação (vs. 18-22). Aqui há referência qua-
tro vezes à criação, uma vez em cada versículo. Observe
como se apresentam seus sofrimentos atuais: vs. 20~21 "a
criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas
por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a
própria criação será redimida do cativeiro da corrup-
ção ... "; v. 22 " . . . toda a criação a um só tempo geme
e suporta angústias até agora". Vaidade no v. 20 signi-
fica frustração; é a mesma palavra traduzida por vai-
dade na versão grega do livro de Eclesiastes. Já se tem
dito que "todo o livro de Eclesiastes serve de comentário
sobre este versículo". "Vaidade de vaidades, diz o Prega-
dor, tudo é vaidade". Esta frustração à qual Deus sujeitou
o mundo criado se explica no versículo seguinte como
"cativeiro da corrupção", o ciclo contínuo de nascimento,
crescimento, morte e decomposição, todo o processo de
deterioração do universo que parece ir acabando-se. Este
processo está acompanhado pela dor, seja literal ou me-
tafórica. Frustração, decomposição e sofrimento; com
estas palavras o apóstolo retrata o sofrimento presente
da natureza. Sem dúvida isto é temporário, porque os
sofrimentos atuais da natureza -são o prelúdio de uma
glória vindoura. Cada versículo enfatiza este fato: v. 20,
se a criação está sujeita à vaidade, foi "em esperança",
isto é, com vistas a um futuro melhor; v. 21: "a criação
será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberda-
de da glória dos filhos de Deus". Haverá liberdade em
vez de escravidão, glória incorruptível em vez de decom-

88
-_._~----~~--_._. ----

R.OMANOS 8:5-27

posição ou corrupção. Se nós vamos participar da glória


de Cristo, a criação participará da nossa.
Finalmente no v. 22 os gemidos e angústias da
criação são comparados com dores. de parto, isto é, não
são dores que carecem de sentido e de -propósito, mas
são dores inevitáveis no vislumbre de uma ordem nova
(cf. Mt 24:8).
2. A Igreja (vs. 23-25). Do tema da criação passa-
mos agora ao da Igreja, a qual é a nova criação de Deus.
O elo está nos vs. 22 e 23: "toda a criação a um só tempo
geme e suporta angústias até agora. E não somente ela,
mas também nós. . . gememos em nosso íntimo ... " Qual
é este- gemido interior que compartilhamos com o resto
da criação? Quais são os sofrimentos atuais da Igreja a
que se refere o apóstolo? Já não se trata de perseguição,
mas do fato de que estamos salvos pela metade!
O fato é que ninguém está completamente salvo. Com
certeza nossas almas estão redimidas, porém não nossos
corpos. E são nossos corpos não redimidos que nos fazem
gemer. Por quê? Por um lado, nosso corpo é débil, frágil
e mortal, sujeito à fadiga, à enfermidade, ao sofrimento
e à morte. O apóstolo pensava nisto ao escrever que neste
corpo gememos (2 Co 5:2, 4). Porém por outro lado,
"a carne", nossa natureza caída e pecaminosa, habita em
nossos corpos mortais ("o pecado que habita em mim"
7:17,20). Exatamente este mesmo pecado que reside em
nós é que nos faz dizer: "Infeliz de mim! Quem me liber-
tará deste corpo de morte?" (BJ). Tal grito de angústia
corresponde exatamente ao que Pauloquer dizer por.nosso
gemido interior no presente, só que aqui o gemido inte-
rior se expressa em alta voz.
Observemos os dois fatos que nos fazem gemer:
nossa fragilidade física e nossa natureza caída, de ma-

89
A VIDA NO ESPIRITO

neira que desejamos ardentemente a glória futura quando


seremos ~libertados destas duas cargas.
Define-se nossa glória futura de duas maneiras: pri-
meiro, é a redenção dos nossos corpos, porque receberemos
corpos novos no último dia, seremos libertos de sua dupla
carga, sua fragilidade e sua "carne". Nosso corpo ressusci-
tado terá capacidades novas e inimagináveis e nenhum
pecado morará nele.
Em segundo lugar, a glória futura é também nossa
adoção como filhos. Em certo sentido, segundo o v. 15,
já recebemos nossa adoção; em outro, todavia, a espera-
mos, porque nossa condição de filhos, embora gloriosa, é
imperfeita. Nem em corpo, nem em caráter chegamos a
ser conforme a imagem do Filho de Deus (cf. v. 29); tam-
pouco nossa adoção foi l'9'elada e reconhecida publica-
mente. Porém o dia final presenciará "a revelação dos
filhos de Deus" (v. 19).
O mundo não nos conhece como filhos de Deus
(1 Jo 3: 1), porém isto ficará evidente para todos no dia
final, quando obteremos o que Paulo chama de a "gloriosa
liberdade dos filhos de Deus" (v. 21, BLH). E a criação
a obterá junto conosco.
Temos segurança absoluta quanto a esta herança glo-
riosa no futuro. Por quê? Porque já "temos as primícias
do Espírito" (v. 23). Todavia não recebemos nossa adoção
final como filhos, nem tampouco a redenção de nossos
corpos, porém já recebemos o Espírito Santo, a garantia
que Deus nos dá assegurando-nos de nossa herança com-
pleta. De fato, o Espírito é mais que uma garantia desta
herança: ele é o antegozo dela. Em certas ocasiões, Paulo
usa uma metáfora comercial ao falar do Espírito Santo
como garantia, o sinal que se dá por uma compra a prazo,
o que assegura que o restante será pago depois. Porém
aqui a metáfora usada é da agricultura: "as primícias"

90
ROMANOS 8:5-27

recolhidas no campo dão promessa de uma colheita abun-


dante mais tarde.
Em resumo, o Espírito Santo é o Espírito de adoção
que nos faz ser filhos de Deus (v. 15), e ele dá testemu-
nho a nosso espírito de que somos filhos de Deus (v. 16).
Além do que, ele mesmo é a promessa de nossa completa
adoção como filhos de Deus, quando nossos corpos serão
redimidos.
A mesma idéia é reforçada nos vs. 24 e 25, com as
palavras "na esperança fomos salvos". Fomos salvos, mas
não na plenitude que, na esperança, incluirá também nos-
os corpos. O objeto dessa esperança é invisível; enquanto
não o vemos, o esperamos com paciência e força, sem
nos deixar desanimar com os dolorosos sofrimentos do
presente.

d. O Espírito assiste nossa debilidade na oração


(vs. 26-27)
Há aqui outro ministério que cumpre ao Espírito Santo,
que é mencionado quatro vezes nestes dois versículos:
"nos ajudq em nossa fraqueza" (BLH) e a fraqueza especí-
fica de que se fala aqui é a nossa ignorância na oração;
"não sabemos orar como convém", porém o Espírito nos
ajuda em nossa fraqueza.
Não se tem considerado o ministério geral do Espí-
rito Santo na oração, apesar de que as Escrituras nos
mostram que nosso acesso ao Pai é não somente por meio
do Filho, mas pelo Espírito (Ef 2: 18). A inspiração do
Espírito Santo é tão necessária como a mediação do Filho
se queremos obter acesso ao Pai na oração. Porém esta
passagem fala. de um ministério mais específico que exer-
ce o Espírito Santo em relação a todos os aspectos que
fazem a nossa vida de oração.

91
A VIDA NO ESPíRITO

Há vezes quando os cristãos, por não saber orar com-


palavras, gemem sem falar nada. Um comentarista obser-
vou" que às vezes a intensidade de nossos desejos nos faz
calar a voz. Também há momentos em que nos sentimos
tão carregados por nossa fragilidade ou por nosso pecado
que somente temos capacidade de gemer. Estes suspiros
ou gemidos sem a articulação, única expressão dos dese-
jos mais profundos, não devem ser desapreciados, nem
precisamos buscar palavras com as quais possamos exterio-
rizá-los, porque quando gememos desta maneira, deixan-
do sair nossos desejos inexpressados, é o Espírito Santo
mesmo quem intercede por nós, inspirando estes gemidos.
Não devemos sentir-nos envergonhados de tais orações
sem palavras. Deus Pai compreende os rogos suspirados,
que não se podem expressar, já que ele examina nossos
corações e lê nossos pensamentos. Ele sabe também qual
é a intenção do Espírito, porque o Espírito Santo sempre
pede conforme a vontade de Deus. Desta maneira o Pai
que está no céu recebe as súplicas que são impulsionadas
pelo Espírito em nossos corações. Estas são, então, as qua-
tro atividades que o Espírito Santo realiza em sua graça:
domina nossa carne, dá testemunho de nossa adoção, asse-
gura nossa herança e ajuda nossa fraqueza na oração.

11. O INVENC1VEL PROPÓSITO DIVINO


(8:28-39)

Sabemos que todas as cousas cooperam para o bem daqueles


que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu
propósito. Porquanto aos que de antemão conheceu, também
os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho,
a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E
aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que cha-
mou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses
também glorificou. Que diremos, pois, à vista destas cousas?

92
ROMANOS 8:28-39

Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não
poupou a seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou,
porventura não nos dará graciosamente com ele todas as cau-
sas? Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É
Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus
quem morreu, ou antes, quem ressuscitou, o qual está à direita
de Deus e também intercede por nós. Quem nos separará do
amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição,
ou' fome, ou nudez, ou perigo, ou espada? Como está escrito:
Por amor de ti, somos entregues à morte o dia todo, fomos
considerados como ovelhas para o matadouro. Em todas estas
causas, porém, somos mais que vencedores, por meio daque-
le que nos amou. Porque eu estou bem certo de que nem
morte, nem vida, nem anjos, nem principados, nem causas do
presente, nem do porvir, nem poderes, nem altura, nem pro-
fundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do
amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor.

Isto nos leva à conclusão e ao clímax. Nos doze versículos


finais do capítulo (vs. 28-39) o apóstolo sobe a alturas
inigualadas em todo o Novo Testamento. Já não se refere
ao Espírito Santo, mas tendo apresentado alguns dos pri-
vilégios dos justificados - a paz com Deus, a união com
Cristo, a libertação da lei, a vida no Espírito - dirige
agora sua atenção, debaixo da inspiração do Espírito, a
contemplar todo o conselho de Deus. Ele o observa da
eternidade passada até uma eternidade futura, do conhe-
cimento divino que nos predestinou ao amor divino do
qual nada em absoluto jamais poderá nos separar.
O clímax do apóstolo recai no imutável, irresistível,
invencível propósito de Deus, e por este propósito e atra-
vés dele, na segurança eterna do povo de Deus. Tais gran-
diosas verdades, que ultrapassam nossa pequena capaci-
dade de compreensão, são expressas por Paulo primeira-
mente numa série de cinco afirmações incontestáveis, e
depois numa série de cinco perguntas sem respostas, quan-

93
A VIDA NO ESPíRITO

do então ele desafia a quem quer que possa contradizer o


que ele acaba de afirmar.

a. Cinco afirmações irrefutáveis (vs. 28·30)


Todo cristão está familiarizado com o v. 28: Quantas ve-
zes ele tem sido ponto de apoio para o coração e a mente
perturbados! "Pois sabemos que em todas as coisas Deus
trabalha para o bem daqueles que o amam ... " (BLH).
Provavelmente a ERAB é bem mais conhecida: "Sabemos
que todas as cousas cooperam para o bem daqueles que
amam aDeus". Porém a BLH é preferível porque não é
que todas as coisas por si cooperam para o bem; mas é
Deus que trabalha todas as coisas para o bem, inclusive
os sofrimentos e os gemidos dos parágrafos anteriores,
"daqueles a quem ele chamou de acordo com o seu pro-
pósito" (BLH). Em seguida vêm as afirmações (vs. 29-30)
que explicam o significado do chamado divino e o sentido
em que Deus ordena todas as coisas para o bem. Esta
intervenção divina para o bem, isto é, o propósito de Deus
para a salvação dos pecadores, está presente desde o iní-
cio na mente de Deus até o final na glória eterna. As cinco
etapas são: o conhecimento prévio de Deus, a predesti-
nação, o chamado, a justificação e a glorificação.
1 e 2. Ele conheceu de antemão e ele predestinou.
Talvez a diferença entre este conhecimento prévio e a
predestinação seja que na mente de Deus se fez primeiro
a eleição, antes de exercitar a sua vontade. Em outras pa-
lavras, sua decisão precedeu o seu decreto. Não é este o
lugar para sondar os mistérios da predestinação, mas vale
a pena considerar o sábio comentário feito por C. J. Vaug-
han: "Toda pessoa que eventualmente seja salva poderá
atribuir sua salvação do começo até o fim ao favor e à ação
de Deus. O mérito humano tem de ser excluído: e isto só
se consegue remontando ao que vai muito além da obe-

94
ROMANOS 8:28-39

diência (que evidencia a salvação), e da fé (que a apro-


pria), já que é um ato espontâneo do favor de Deus, que
desde a eternidade prevê todas suas obras e as ordena
de antemão". Observemos também que o propósito da
predestinação divina não é o de mostrar uma preferência
e
injusta, mas santidade, à semelhança de Cristo. que nós
sejamos feitos conforme a imagem de seu Filho, para que
ele seja o primogênito entre muitos irmãos. Assim como
no princípio Deus criou o homem à sua própria imagem
por um ato de graça soberana, da mesma maneira Deus
predestinou homens para serem feitos conforme a imagem
de seu Filho, também por um ato de graça soberana.
3 e 4. Ele chamou e justificou.' O chamado de Deus
é a concretização histórica de sua predestinação eterna.
Aqueles que Deus chama a si, respondem com fé a seu
chamado, e aqueles que assim crêem, Deus os justifica,
aceitando-os em Cristo como sendo dele mesmo.
5. Ele glorificou, ressuscitando e levando ao céu
aqueles que ele havia predestinado, chamado e justifica-
do. Dá-lhes corpos novos num mundo novo. Omite-se
o processo de santificação nesta série; porém, como diz o
professor F. F. Bruce, está implícito na glorificação: "A
primeira fase da glória é a santificação, e quando esta for
completa conheceremos a glória em sua plenitude". Tal
é a certeza sobre esta etapa final da glorificação, que se
emprega o tempo aoristo para expressá-la, como se já
houvesse passado, como em outras etapas. 11 chamado
"tempo passado profético". '
Eis aqui a série de cinco afirmações inegáveis, como
uma cadeia de cinco elos inquebráveis: "aos que de ante-
mão conheceu, também os predestinou. .. aos que pre-
destinou a esses também chamou; e aos que chamou,
a esses também justificou, e aos que justificou, a esses
também glorificou". Aqui nos é apresentada a atividade

95
A VIDA NO ESPíRITO

progressiva e contínua de Deus, desde seu conhecimento


de antemão e sua predestinação na eternidade, a seu cha-
mado histórico e seu ato de justificação, até a glorificação
final de seu povo no céu.

b. Cinco perguntas impossíveis de responder (vs. 31·39)


"Que diremos, pois, à vista destas coisas?" Com esta fór-
mula, já empregada três vezes nestes capítulos, o após-
tolo só introduz uma conclusão. B como se dissesse: de-
pois do que acabo de dizer, que diremos agora? Após as
cinco grandes afirmações dos versículos 29 e 30, como
concluiremos? Paulo responde com cinco perguntas, para
as quais não há resposta. Versículo 31: "Se Deus é por
nós, quem será contra nós?" Versículo 32: "Aquele que
não poupou a seu próprio Filho, antes, por todos nós o
entregou, porventura não nos dará graciosamente com ele
todas as cousas?" Versículo 33: "Quem tentará acusação
contra os eleitos de Deus?" Versículo 34: "Quem os con-
denará?" Versículo 35: "Quem nos separará do amor de
Cristo?" O apóstolo lança estas perguntas ao espaço, eu-
fórico e triunfante, desafiando a qualquer criatura no céu,
na terra ou no inferno a que conteste ou desmonte a
verdade que encerram. Porém não há nenhuma resposta,
já que nada pode danificar o povo redimido de Deus.
Para entender estas perguntas sem resposta, é importante
ver por que ficam sem resposta. A razão consiste em que
a afirmação que cada pergunta pressupõe está fundamen-
tada em uma verdade inalterável, de maneira que cada
pergunta, explícita ou implicitamente, está ligada a uma
frase condicional. Isto se vê com maior clareza na
primeira:
1. Se Deus é por nós, quem será contra nós? (v. 31).
Se Paulo tivesse simplesmente perguntado: "Quem é con-
tra nós?", sem a frase introdutória, poderia haver muitas

96
ROMANOS 8 :28-39

respostas, já que temos inimigos terríveis: os não-cristãos


se opõem a nós; o pecado que habita em nós nos assalta
com muita força; a morte é um inimigo; igualmente o é
aquele que tem o império da morte, isto é, o diabo. A
verdade é que o mundo, a carne e o diabo são muito
superiores a nossas forças.
Porém a pergunta de Paulo não é simplesmente:
"Quem é contra nós?" mas: "Se Deus é por nós" . - o
Deus que nos conheceu de antemão, que nos predestinou,
que nos chamou, que nos justificou e que também nos glo-
rificou, se este Deus é por nós - "quem será contra nós?"
Para essa pergunta não existe resposta. O mundo, a carne
e o diabo podem continuar alistando-se contra nós, porém
nunca nos poderão vencer se Deus é por nós.
2. "Aquele que não poupou a seu próprio Filho,
antes, por todos nós o entregou, porventura não nos dará
graciosamente com ele todas as cousas?" (v. 32). Nova-
mente se o apóstolo somente houvesse perguntado: "Não
nos dará Deus todas as coisas?" haveríamos titubeado e
dado uma resposta equívoca. Necessitamos de tantas coi-
sas, grandes e difíceis: como poderíamos estar seguros que
Deus nos suprirá de todas? Porém da maneira como Paulo
coloca esta pergunta, nossas últimas dúvidas são elimina-
das, porque o Deus de quem perguntamos se não nos dará
todas as coisas é aquele que já nos deu o seu próprio Filho.
Se ele entregou o seu dom inefável e indescritível, isto é, o
seu próprio Filho pelos pecadores, acaso não nos dará to-
dos os benefícios menores que facilmente podemos expres-
sar? A cruz é a demonstração da generosidade de Deus.
3. "Quem intentará acusação contra os eleitos de
Deus?" (v. 33). Tem-se comentado que as duas perguntas
que seguem, sobre o ser acusado e condenado, nos fazem
passar, figurativamente, nos tribunais de justiça. A idéia
é que nenhuma acusação poderá ser levada em conta se

97
A VIDA NO ESPfRITO

Jesus Cristo, nosso advogado, nos defende e se Deus, o


juiz, já nos declarou justificados. Quem nos acusará? Com
certeza, esta pergunta sozinha não é difícil de responder:
nossa consciência nos acusa; o diabo nunca deixa de nos
denunciar, já que ele é chamado de "o acusador de nossos
irmãos", e seu nome significa difamador ou caluniador.
Porém as acusações do diabo não nos afetam nem nos cau-
sam dano; melhor que isto, escapamos ilesos. Por quê?
Porque somos os eleitos de Deus, a quem ele já justificou.
Se Deus mesmo nos justificou, nenhuma acusação contra
nós pode prevalecer.
4. "Quem os condenará?" (v. 34). Outra vez muitos
procuram nos condenar. Às vezes nosso coração nos con-
dena ou procura fazê-lo (1Jo 3:20-21). O mesmo fazem
nossos críticos e nossos inimigos. Sim, e todos os demô-
nios do inferno. Porém sua condenação não tem sentido.
Por quê? Por causa de Cristo Jesus. Para começar, ele
morreu; morreu pelos mesmos pecados pelos quais sería-
mos, de outro modo, condenados. A seguir, Cristo foi
ressuscitado dentre os mortos, para comprovar a eficácia
de sua morte. Agora está sentado no lugar supremo à des-
tra do Pai de onde desempenha seu ofício de advogado
celestial, intercedendo por nós. Com este Cristo como
nosso Salvador - crucificado, ressuscitado, exaltado e
que está intercedendo a nosso favor - podemos dizer com
segurança: "Agora, pois, já nenhuma condenação há para
os que estão em Cristo Jesus" (v. 1). Podemos perguntar
até mesmo aos demônios do inferno: quem vai me con-
denar? Não haverá nenhuma resposta.
5. "Quem nos separará do amor de Cristo?" (v. 35).
Com esta pergunta, a quinta e última, Paulo faz o que
temos tentado fazer com as outras, isto é, buscar uma
possível resposta. Apresenta todos os contratempos que
talvez pudessem nos separar do amor de Cristo. f; pos-

98
ROMANOS 8:28-39

sível que tenhamos que suportar a tribulação, a angústia,


a perseguição, isto é, as pressões de um mundo sem Deus.
E possível que tenhamos que conhecer a fome, a nudez,
isto é, a falta de alimento e de vestuário adequados; e
em vista de que Jesus assegurou a provisão destas coisas
para os filhos do Pai Celestial, sua escassez poderia pa-
recer uma evidência da indiferença de Deus. E possível
que tenhamos que passar por perigos e pela espada, ou
seja, o perigo da morte e a morte mesma, e pela maldade
dos homens até o martírio, que é a prova final de nossa fé.
Esta é uma prova real, porque segundo o versículo 36,
as Escrituras nos advertem no Salmo 44:22 que o povo
de Deus por sua causa é morto todo o tempo; seu povo está
exposto continuamente ao risco da morte, como ovelhas
que vão para o matadouro.
Estas são verdadeiras adversidades. São sofrimentos
reais, dolorosos, perigosos e difíceis. Poderão nos separar
do amor de Cristo? Absolutamente, não. Em lugar de nos
separar do amor de Cristo, "em todas essas coisas", até
mesmo nos sofrimentos, "somos mais que vencedores".
Esta frase de quatro palavras representa uma só no grego:
hypemikomen, hiper-vencedores. Somos super-vencedores
por meio daquele que nos amou. Consideremos de novo
esta pequena frase. Ela parece dizer: Cristo demonstrou
o seu amor com seus sofrimentos; portanto os nossos so-
frimentos não podem nos separar do seu amor.
Por último Paulo chega ao clímax de sua exposição
nos versículos 38 e 39 com a afirmação: "Porque eu estou
bem certo ... " Sua convicção, firme, inabalável é que nem
a crise da morte, nem as desgraças da vida, nem poderes
sobre-humanos, sejam bons ou maus (anjos, principados,
potestades), nem o tempo (presente ou futuro), nem o es-
paço (o alto ou o profundo), "nem qualquer outra criatu-
ra", por mais que tente fazê-lo "poderá separar-nos do

99
A VIDA NO ESPíRITO

amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor",


esse amor que foi demonstrado na história pela morte de
Cristo e que é derramado em nossós corações pelo Espírito
de Cristo.
Queira Deus que nós também vivamos e morramos
igualmente convencidos do amor de Deus, no meio de
todas as dores e complexidades da experiência humana.

100
CONCLUSÃO

A mensagem destes capítulos é que a vida cristã implica


em uma nova vida, uma completa renovação (cf. 6:4). Os
cristãos são, na verdade Homens Novos. Cada capítulo
agrega um novo detalhe a este retrato.
Para começar: "temos paz com Deus". Éramos ini-
migos, porém fomos reconciliados. Vivemos em estado
de graça, gozando do favor e do agrado de Deus. Gloria-
mo-nos em nossa esperança segura da glória final.
Depois, fomos unidos com Cristo em sua morte e
ressurreição. Este é o significado do nosso batismo. Os
benefícios da sua morte e o poder da sua ressurreição
chegam a ser nossos porque nós chegamos a ser dele.
Além disso, somos libertados do terrível domínio da
lei. Nossa relação com Deus não depende de nossa obe-
diência servil a certos regulamentos. Em Cristo estamos
debaixo da graça; esta é a liberdade com que Cristo nos
fez livres.
Ao mesmo tempo, recebemos o próprio Espírito San-
to, que vive em nós. E mesmo que não tenhamos a obriga-
ção de guardar a lei para ganhar a nossa salvação, ao ser-
mos salvos as justas exigências da lei se cumprem em nós
pelo poder interior do Espírito. O mesmo Espírito que nos
santifica também dá testemunho no íntimo de nosso ser de
que somos filhos de Deus e nos ajuda em nossas orações.

101
CONCLUSÃO

Finalmente, sabemos que nada pode impedir a rea-


lização do eterno propósito de Deus para nós, nem sepa-
rar-nos de seu infalível amor em Cristo. Um dos maiores
privilégios do cristão é conhecer esta. segurança absoluta
em meio às vicissitudes da vida.
Essas vicissitudes são muitas; há tribulações produ-
zidas por um mundo hostil e não-cristão. Entre elas está
a carne, a natureza caída que permanece nos regenerados,
"o pecado que habita em mim", que persegue nossos pas-
sos, fazendo-nos lamentar nossa miséria e clamar por li-
bertação. Também estão os sofrimentos dos quais partici-
pamos como parte da criação inteira que geme com dores
de parto. Pois bem, nossos problemas permanentes são as
perseguições externas, a corrupção moral interior, a fra-
gilidade física, das quais não nos libertamos apesar de
todos os nossos privilégios como cristãos. '
Gozar de privilégios cristãos não nos livra dessas pro-
vas, nem nos exime de obrigações, pelo contrário: "somos
devedores" (8: 12). Unidos com Cristo em sua morte e res-
surreição, devemos viver a nova vida para a qual ressusci-
tamos. Havendo nos entregado a Deus como seus escravos,
devemos obedecê-lo.' Havendo recebido o Espírito, deve-
mos andar conforme o Espírito. Havendo recebido vida,
devemos fazer morrer tudo que esteja em desacordo com
ela.
Portanto, quanto mais claramente compreendermos a
grandeza de nossos privilégios cristãos como homens
novos, maior será a nossa obrigação de viver de acordo
com a nossa situação, "em novidade de vida", e mais ar-
dente será o nosso desejo de fazê-lo.

102
----_.~~~-

sltRIE A B1BLIA FALA HOJE

Uma série de exposições do Antigo e do Novo Testamento,


caracterizada pela exposição cuidadosa do texto bíblico e
pelo propósito de relacionar o texto com a vida contem-
porânea.
A Mensagem de Amós - (O Dia do Leão) - J. A. Motyer
A mensagem do profeta Amós nos confronta e nos alerta
ainda hoje. Ela questiona o nosso formalismo e condena
as tradições sem vida. Amós descreve uma religião detes-
tada por Deus e chama o povo de Deus ao arrependimento
e à fé, com obediência de coração e esforço eficaz em fa-
vor dos necessitados.
A Mensagem dos Profetas Menores - (Justiça e Esperança
para Hoje) - Dionísio Pape
A Mensagem dos Profetas Menores com uma aplicação
atual e relevante ao dia de hoje, e em especial à situação
no Brasil.
A Mensagem de Daniel-- Ronald S. Wallace
Deus permitiu que acontecesse o impossível. Seu povo
estava no exílio, as promessas de Deus pareciam ter per-
dido o valor. Porém o jovem Daniel ousava afirmar que
. Deus ainda controlava todas as coisas. A mensagem do
passado e do futuro, revelada por Deus a Daniel, ainda
era a mesma proclamação triunfante: o Senhor reina!

103
A Mensagem de Oséias - Derek Kidner
Os profetas sabiam que Deus poderia pedir deles qual-
quer coisa. Porém seria difícil imaginar algo mais ter-
rível do que foi pedido a Oséias: V á, case-se com
uma prostituta ...
Oséias teve de viver esta verdade para que todos a com-
preendessem. Através dele o Senhor pleiteará, avisará,
conquistará o amor de seu povo - assegurando-lhes que
virá o dia quando ele sarará sua infidelidade e os amará
livremente. Ele ainda ama e resgata os indignos e os in-
fiéis, ele ainda recusa ser um deus entre outros na vida de
seu povo.

A Mensagem de Eclesiastes - Derek Kidner


. (em preparação)

A Mensagem das Canções do Exílio - Salmos 42-51 -


Goldingay (em preparação)

A Mensagem do Sermão do Monte - Iohn Stott


"Acima de tudo, quis deixar o próprio sermão falar, ou
melhor, deixar Cristo proferi-lo novamente, desta vez ao
mundo contemporâneo. Assim, procurei encarar com inte-
gridade os dilemas que o sermão levanta para os cristãos
de hoje, e não esquivar-me deles, já que Cristo não nos
deu um tratado acadêmico, calculado simplesmente para
estimular a mente. Eu creio que ele desejava que o seu
Sermão do Monte fosse obedecido".

A Mensagem de Efésios - [ohn Stott


Milhões de pessoas captaram a visão do Homem Novo e
da Sociedade Nova apresentada por Karl Marx. Paulo
apresenta uma visão ainda mais grandiosa. Na sua carta
aos Efésios o apóstolo vê que o ponto chave da questão é

104
algo mais profundo do que a injustiça da estrutura econô-
mica, e propõe então uma solução ainda mais radical. Es-
creve acerca de nada menos do que uma nova criação.

A Mensagem de 1 Coríntios - David Prior


(em preparação)

A Mensagem de Gálatas - [ohn Stott (em preparação)

A Mensagem de 2 Timóteo - (Tu, Porém) - J. R. W.


Stott
O nosso tempo é um tempo de confusão teológica e moral,
e até mesmo de apostasia. O apóstolo nos exorta, tal como
o fez a Timóteo, a sermos fortes, corajosos e perseverantes.

A Mensagem de Apocalipse - Michael Wilcock


E possível compreendermos o livro de Apocalipse com
sua linguagem estranha, suas figuras grotescas, suas vi-
sões de destruição e esplendor? Com grande habilidade,
Wilcock mostra que este livro, que tem levado algumas
pessoas a interpretações exageradas, é uma palavra bas-
tante atual de Jesus à sua igreja: uma palavra dramati-
zada, figurada, musicada, que fala do poder da sua salva-
ção no presente e da glória da sua esperança no futuro.
OUTROS LIVROS DA ABU EDITORA

Conheça a Verdade - Bruce MUne


Este livro vai ajudá-lo a crescer e amadurecer no conhe-
cimento das doutrinas bíblicas, porque examina cuidado-
samente todos os grandes temas das Escrituras. O livro
todo conduz a momentos de avaliação em termos de desa-
fios pessoais dos ensinos bíblicos, nos levando a adorar o
Deus vivo e verdadeiro.

Os Deuses da Umbanda - Neuza Itioka


Este é um livro que desafia o leitor a encarar com serie-
dade este tema, mostrando o que é o baixo-espiritismo,
quem são os deuses da Umbanda, como livrar-se dela e o
cuidado pastoral com os que a abandonam.

As Máscaras da Melancolia - Iohn White


A depressão usa muitas máscaras. Uma pessoa se sente
"na fossa"; outra, desesperada, corta os pulsos. Algumas
correm incessantemente numa euforia maníaca; outras an-
dam como se tivessem chumbo nos pés.
O que é este monstro que escraviza tanta gente? E um
problema de natureza espiritual, física ou demoníaca? Por
que os cristãos também sofrem? Por que as pessoas se
suicidam? Como funcionam as terapias modernas? Até
que ponto surtem efeito? O autor oferece orientação e
apoio a todos que lidam com as pessoas deprimidas, sejam
médicos, conselheiros, pastores, amigos ou parentes.

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Você também pode gostar