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George Soros - A Vida, A Luta e Os Segredos Do Maior Investidor Financeiro Do Mundo
George Soros - A Vida, A Luta e Os Segredos Do Maior Investidor Financeiro Do Mundo
Desde 1992, as Fundações Soros, que ele criou para financiar as reformas
políticas na Europa Oriental e na ex-União Soviética, distribuíram US$ 500
milhões — e têm planos de distribuir mais US$ 500 milhões. George Soros
é a história fascinante desse mestre enigmático dos investimentos,
filantropo e filósofo com um estilo todo próprio.
Soros - The Life, Times & Trading Secrets of the World's Greatest Investor
Slater, Robert
Título original: Soros: the life, times & trading secrets of the world’s
greatest investor.
ISBN: 85-346-1082-7
PREFÁCIO
Esta não é uma biografia autorizada. Gosto de deixar isso claro desde o
início, porque assim respondo à primeira pergunta que as pessoas fazem a
um escritor quando ficam sabendo que ele está escrevendo um livro sobre
alguém. A idéia de elaborar o perfil de George Soros foi minha. Depois de
escrever um livro em 1992 sobre Jack Welch, presidente da General
Electric, publicado pela Irwin Professional Publishers, saí à procura de uma
outra personalidade importante do mundo dos negócios. Encontrei Soros.
Quando entrei em contato com seu escritório para colocá-lo a par do que
estava planejando fazer, fui apresentado a David Kronfeld, da Kekst & Co.,
empresa que Soros escolheu para cuidar de suas relações públicas.
Quando, um mês mais tarde, recebi ó sinal verde para fazer o livro, contatei
Kronfeld imediatamente para informá-lo de que o projeto seria realmente
concretizado. Ele respondeu que “infelizmente o pessoal de Soros decidiu
não cooperar com você”. E não deu nenhuma explicação. Considerando-se
que eu nem mesmo havia escrito a Soros para informá-lo do meu plano,
essa reação não era esperada. Kronfeld então me disse que ele e Gershon
Kekst, diretor da Kekst & Co., recomendaram às pessoas de confiança da
equipe de Soros - quem quer que fossem, nunca foram identificados - que
cooperassem comigo. Disse que tentaram “defender seu caso”, mas que não
obtiveram nenhum sucesso. Agradeci, mas deixei claro que não só não
havia pedido que ele intercedesse a meu favor como não estava atrás de
cooperação. Eu gostaria apenas de conseguir entrevistas com Soros e seus
associados, o que, a meu ver, seria do interesse de todos - de Soros e meu
também. Perguntei se teria condições de entrevistar os funcionários das
várias fundações de Soros na Europa Oriental. Kronfeld sugeriu que eu
entrasse em contato com Francês Abouzeid, que cuidava das relações
públicas daquele setor.
Soros olhou-me como que pedindo desculpas. “Eu tenho que acatar a
opinião dela.” Fiquei pasmo ao ver que George Soros se curvava a uma
assistente de relações públicas no momento de decidir se alguém que estava
escrevendo um livro sobre ele deveria ou não participar de uma recepção.
Não é fácil conduzir pesquisa para um livro desautorizado sobre uma figura
pública ainda viva. Nesse caso, senti-me particularmente desafiado, ciente
de que Soros desejava evitar que seus companheiros mais próximos,
inclusive seus assistentes de relações públicas, falassem comigo. Em
inúmeras cartas que escrevi a ele, frisei que eu achava ser minha obrigação,
como autor, oferecer-lhe a oportunidade de comentar certos episódios e
certas declarações que as pessoas haviam feito sobre ele. Esse argumento
não deu certo.
Ele encerrou a carta com o que era essencialmente um apelo: “Na sua carta,
você afirma que deseja encontrar-se com o Sr. Soros numa tentativa de
tornar seu livro o mais exato possível e também por uma questão de
‘justiça’. Ninguém do nosso grupo irá conversar com você, mas tenho
certeza de que não é por isso que você deixará de esforçar-se ao máximo
para cumprir suas responsabilidades jornalísticas com relação à precisão e à
justiça do seu livro.”.
Apesar dessas restrições, posso dizer com confiança que este livro é a
análise mais profunda de George Soros já elaborada até a presente data.
***
Uma palavra sobre o meu editor, Jeffrey Krames. Mais uma vez, eu tive o
enorme prazer de trabalhar com ele em um projeto importante. Ele esteve
ao meu lado de muitas maneiras, apoiando-me, dando-me conselhos,
mostrando entusiasmo, ajudando-me a dar forma ao livro, compartilhando o
meu interesse pelo assunto, sugerindo meios de fortalecer o texto. Ele me
ajudou a transformar um desafio complicado em experiência maravilhosa e
eu lhe sou profundamente grato.
Allan Raphael, James Marquez, Byron Wien, Don Elan e Chris Turner
leram partes do texto. Sou-lhes grato por dedicarem seu valioso tempo a
este projeto e por seus comentários.
Toda vez que escrevo um livro sobre negócios, e este já é o quarto, percebo
o quanto, em termos práticos, certos membros da minha família estão
próximos do assunto. Alguns deles não apenas exibiram o entusiasmo
necessário mas foram além e acrescentaram pontos importantes e idéias
esclarecedoras e eu gostaria de agradecer a todos eles por sua ajuda: meu
irmão, Jack Slater; meu cunhado, Judd Winick; meus sobrinhos, Michael
Winick, Mark Winick, Jeffrey Slater, Mitchell Slater, Craig Jacobs e Jerry
Bedrin; e meu primo, Melvin Slater. Eles são os “homens de negócio” da
minha família e são uma das minhas platéias mais importantes. Minha
“platéia” mais importante é meu falecido pai, Joseph G. Slater. Mesmo
inconscientemente, ele me inspirou a descobrir como é infinitamente
fascinante o tema negócios. A princípio, eu estava inflexível, tentando
imaginar o que exatamente havia que o encantava nessa área. Descobri mais
tarde na vida e acredito que ele teria ficado agradavelmente surpreso e
acharia graça ao saber que eu finalmente entendera sua mensagem. Para ele,
acima de tudo, meu obrigado. Dedico Soros a Joseph G. Slater.
Robert Slater
1. O MAIOR INVESTIDOR DO
MUNDO
Acomodado em sua alta cadeira de couro atrás da mesa oval, George Soros
observava através das grandes janelas do lado esquerdo a estonteante vista
do Central Park e a atividade da hora do rush a uns trinta e três andares
abaixo. Ele estava emocionado de ser, mais uma vez, parte do Jogo.
E daí que ele gastou muito do seu tempo dos últimos anos viajando para
lugares distantes? Os negócios corriam tranquilamente desde 1988, quando
ele confiou suas operações a um homem muito mais jovem, Stanley
Druckenmiller, cujo desempenho financeiro era brilhante. Quando Soros
aparecia no escritório, ele e Druckenmiller trabalhavam em conjunto, muito
embora eles divergissem algumas vezes em relação à leitura dos mercados
financeiros.
Mas hoje não era um dia comum. George Soros estava para concluir a
maior aposta da história financeira. Seu coração deveria estar batendo forte,
ele poderia estar caminhando de um lado para o outro sem parar, gritando
nervosamente para funcionários terrificados. Mas esse nunca foi seu estilo.
Apenas seu pensamento voava. Ele estava sentado, a própria expressão da
calma, e fazia a si mesmo a pergunta que sempre lhe vinha à mente quando
estava para causar furor.
George Soros sempre teve muito prazer em ficar longe dos círculos
financeiros de Wall Street - sempre teve uma satisfação especial em saber
que concebeu um meio de ganhar toneladas de dinheiro sem nem ao menos
precisar chegar perto da Bolsa de Nova Iorque.
Era o credo de George Soros. Agora com 62 anos, muito mais rico do que a
imaginação é capaz de supor, ele sabia que havia ganho a “aposta” de que
não morreria pobre. Na verdade, ele poderia muito bem morrer como um
dos homens mais ricos dos Estados Unidos. Mesmo assim, ninguém ousava
sugerir que era hora de aposentar aquela frase. Afinal, os outros no
escritório precisavam de um incentivo. Alguns já eram muito ricos por si
próprios, chegando a valer milhões de dólares.
Esses também não morreriam pobres. O certo é que parecia que todos os
que trabalhavam ao lado de George Soros participaram da corrida do ouro e
encontraram o metal precioso. O escritório da Soros Fund Management não
tinha nada de Fort Knox nem era difícil de penetrar. Entretanto, exalava o
mesmo cheiro intoxicante de dinheiro.
Soros não pensava assim. Para ele, o mundo financeiro era instável, caótico.
Soros achava que, se você soubesse discernir o caos, poderia ficar rico.
Tentar compreender a fundo os mercados financeiros, como se os
movimentos deles fossem parte de uma gigantesca fórmula matemática,
nunca daria certo. Soros estava convencido de que a matemática não
governava os mercados financeiros.
E desta vez, ele estava pronto para fazer a maior aposta que alguém jamais
havia feito no mundo dos investimentos.
Se perdesse, perderia algum dinheiro. Mas isso não importava. Ele já havia
perdido dinheiro anteriormente, como na queda do mercado de ações em
outubro de 1987. Ele fez uma leitura incorreta do mercado e amargou
perdas de US$300 milhões.
Mas, com muito mais frequência, ele ganhou dinheiro - para seu grupo de
elite de clientes - e o fez tão bem e durante tanto tempo que em junho de
1981 já era chamado de “O Maior Administrador Financeiro do Mundo”
pela Institutional Investor Magazine.
Desde 1969, quando criou o Quantum Fund, seu grande feito, Soros só
apresentou perdas em um ano. 1981. Em termos bem simples, ninguém
havia mostrado um desempenho tão bom durante tanto tempo nos mercados
financeiros quanto George Soros. Nem Warren E. Buffett, nem Peter Lynch,
ninguém.
Todos sabiam como aquele dia tinha sido significativo para a história
moderna. Outros acreditavam, ou pelo menos esperavam, que, com a queda
do Muro, uma nova Alemanha unificada iria surgir e prosperar.
Soros tinha uma opinião diferente.[1] Como sempre. Ser contrário era o seu
segredo. Ele achava que a nova Alemanha passaria por momentos difíceis
tentando financiar a unificação. Ele também achava que a Alemanha se
voltaria para dentro, preocupada com seus próprios problemas econômicos,
e deixaria de lado como menos importantes os problemas econômicos dos
outros países da Europa Ocidental.
Era uma ligação que, fosse para melhor ou para pior, em última análise
deixaria a Grã-Bretanha dependente dos alemães. Na condição de mais forte
economia da região, a Alemanha tinha poder para decidir o que era bom em
termos econômicos para o resto da Europa Ocidental.
Para Soros, essa dependência da Alemanha acabaria por ser fatal para os
britânicos.[2]
Exatamente como Soros havia previsto, 1992 trouxe uma crise financeira
para a Europa Ocidental. Várias economias, incluindo a da Grã-Bretanha,
ficaram à deriva. E essa queria diminuir suas taxas de juros.[3]
Ele sabia melhor do que ninguém. Soros estava consciente de que a situação
da economia britânica era tenebrosa. Ela não teria como permanecer no
ERM. Teria de abandonar o barco.[4] A crise teve início em meados de
setembro. Começaram a surgir rumores de que os italianos desvalorizariam
a lira. Os negociantes de Nova Iorque precipitaram-se a vender suas liras
rapidamente.
Talvez houvesse uma segunda leva ... não seria hora de começar a vender
libras?
Foi essa aposta, essa simples atitude de colocar US$10 bilhões no fato de
que a Grã-Bretanha iria desvalorizar a libra, que tornou George Soros
famoso no mundo todo.
***
O principal era o de que ele era capaz de mover mercados: uma palavra sua
sobre uma commodity como o ouro, ou sobre uma moeda como o marco,
poderia causar uma mudança no rumo dos negócios. Os preços subiriam ou
desceriam, só por causa de suas declarações.
Sua influência não era exagerada. Nem a onda de interesses sobre ele estava
para diminuir.
Divertia.
Algumas pessoas pareciam divertir-se menos.
Por volta de 1994, os mitos em torno de Soros eram tão difundidos que
Washington começou a prestar atenção. Se George Soros realmente podia
mover mercados e se fortunas podiam ser formadas ou destruídas pelas
atitudes de um homem só, ele não seria perigoso? Será que George Soros
não precisaria ser refreado?
Foi esse um dos principais temas que rodeavam o homem que, em meados
da década de 1990, havia escalado uma altura no mundo financeiro que
poucos outros não haviam sequer tentado.
George Soros era muito mais do que um homem que havia ganho alguns
bilhões de dólares. Muito mais do que o Homem Que Quebrou o Banco da
Inglaterra, como o descreveu a revista The Economist. Muito mais do que o
Homem Que Move Mercados, título que lhe foi conferido pela Business
Week.
***
Houve uma época em que o dinheiro tinha apelo apenas marginal para
Soros.
Ele não tinha como objetivo ser um investidor mundial, ganhar enormes
somas de dinheiro. Pelo contrário, era seu desejo ardente ser um homem de
idéias e ele sempre se sentiu mais à vontade no âmbito do intelecto do que
no das finanças.
Entretanto, ele descobriu que tinha o dom de ganhar dinheiro - muito
dinheiro, que parecia chegar às suas mãos com muita facilidade. Talvez
fosse por isso que ele se sentisse contaminado pelo dinheiro. Ele queria
mais para a sua vida do que simplesmente acumular riquezas.
Ele pretendeu levar essas teorias adiante em forma de livro, mas passou por
momentos delicados tentando torná-las compreensíveis e legíveis. Às vezes,
até para ele era difícil compreender o que havia escrito. Frustrado pelo fato
de ser tão penoso conquistar o mundo intelectual, ele resolveu encontrar
mundos que pudessem ser conquistados.
O mundo em que ele adentrou, o das altas finanças, tinha potencial para
grandes recompensas. Os riscos, porém, eram aterrorizantes. Não era lugar
para corações fracos.
Soros, ao contrário, não tinha coração fraco. Ele parecia ser uma pedra de
gelo. Não exibia emoções. Quando um investimento era recompensado, ele
sentia satisfação. Quando não, não havia por que correr para o telhado ou
arranha-céu mais próximo. Ele era calmo, equilibrado; raramente ria com
histeria, mas raramente ficava mal-humorado.
Soros gostava de dizer que era um crítico; realmente, chegava até a gracejar
que era o crítico mais bem pago do mundo. O termo sugeria algo estranho,
algo acima da batalha. “Eu sou um crítico dos processos. Não sou um
empreendedor que cria empresas. Sou um investidor que as julga. Minha
função nos mercados financeiros é criticar e meus julgamentos críticos são
expressos por minhas decisões de comprar e de vender.”[7]
Soros e alguns outros reis dos fundos hedge descartaram essa estratégia e
foram além do mercado de ações americano, apostando em amplas
variações globais não apenas em ações, mas em taxas de juros, moedas - ou
seja, na direção global dos mercados financeiros. Em um dia médio, os
fundos de Soros compravam e vendiam US$750 milhões em títulos.
***
Embora pequeno em termos de estatura física, Soros parece forte, tem porte
atlético. Seus cabelos são curtos e ondulados e ele usa óculos de aro de
metal. Para alguns, ele parece um professor de economia ou um instrutor de
esqui. Fala inglês fluentemente, embora ainda com um ligeiro sotaque
húngaro. Um autor descreveu-o como “um homem intenso e direto, rosto
enrugado, queixo angular e lábios finos. Seu cabelo é cortado a escovinha.
Sua voz é uniforme e ligeiramente áspera...”.[8]
No final da década de 1970 e início dos anos 80, Soros começou a achar
muito severa a dor do investimento; era uma dor que advinha de administrar
um fundo de investimentos que já ultrapassara o que para ele era um
tamanho controlável.
Entretanto, ele era um sobrevivente. Havia aprendido aquela arte com seu
pai e praticado durante a Segunda Guerra, escondendo-se dos nazistas em
Budapeste. Sobreviver nos mercados financeiros às vezes significava bater
em rápida retirada. Foi isso que Soros fez no início da década de 1980. Ele
adotou um comportamento discreto. Passou o controle do fundo para outras
mãos. E chegou a uma conclusão decisiva. Ele queria algo mais da vida do
que o sucesso no mundo dos investimentos. Como não era nenhum
hedonista, já tinha tudo o que o dinheiro era capaz de oferecer. Desejava
fazer bom uso de sua fortuna. Por não precisar de aprovação da família nem
do conselho de diretores, uma vez decidido como gastar seu dinheiro, ele
podia seguir em frente e fazer o que quisesse.
Soros havia deixado a Hungria anos atrás porque não tolerava os sistemas
políticos que governavam seu país - primeiro o fascismo na Segunda
Guerra, depois o comunismo nos anos pós-guerra. As sociedades
“fechadas” que se desenvolveram em toda a Europa Oriental e na União
Soviética feriam-no, pois ele acreditava firmemente no tipo de liberdade
política e econômica que florescia na América e na Europa Ocidental.
Soros acreditava que era igual ao desafio. Assim como teve de ensinar a si
próprio a lidar com investimentos, começaria devagar, monitoraria seu
progresso cuidadosamente, gastaria seu dinheiro com prudência. Sua
esperança - e era uma esperança de muito longo prazo - era forçar a
abertura dessas sociedades fechadas.
Ainda assim, Soros não estava totalmente contente, porque sentia que,
durante o processo, sofreria pressões para desvendar o mundo secreto de
seus investimentos. Ele queria publicidade, mas apenas publicidade boa.
Ele queria, na medida do possível, continuar a ser uma figura privada, mas
seu perfil era alto demais; suas realizações, por demais substanciais; seu
alcance, incrivelmente amplo.
Depois que Soros compreendeu que era impossível escapar dos holofotes da
opinião pública, tentou explorar a fama recém-descoberta. Ele sempre
evitou revelar suas posições em termos de investimentos. De repente, ficou
falante, começou a fazer declarações públicas sobre as partes do mercado
financeiro de que mais gostava. Nunca demonstrou nenhum grande
interesse por assuntos internacionais. E mesmo assim, lá estava ele
oferecendo conselhos em público sobre uma variedade de questões de
política externa desde a OTAN até a Bósnia, esperando atrair a atenção dos
líderes mundiais. Queria que especialmente os políticos americanos o
notassem. No curto prazo, o tiro da sua farra loquaz saiu pela culatra. Ele
não ganhou respeito de mais ninguém e ainda foi acusado de excesso de
arrogância.
Com sessenta e poucos anos, Soros era inflexível em afirmar que antes de
mais nada era um filantropo e que seus dias na arena dos investimentos
eram coisa do passado. Ele continuava tentando manter um comportamento
o mais discreto possível com respeito aos seus investimentos. Porém, o
estrelato estava de volta devido ao golpe de 1992 contra a libra. E ele
mesmo parecia cortejar uma certa publicidade. Estava muito bem preparado
para colocar o mundo a par de todas as suas atividades filantrópicas, mas
resguardava o mundo dos seus investimentos pessoais mesmo com o
público querendo descobrir mais e mais como esse homem se tornara o
maior investidor do mundo.
Contudo, o que fazer com uma criança que acreditava ser Deus?
O que fazer com o jovem George Soros, que crescia na década de 1930 em
Budapeste entre famílias de classe média alta e que, a não ser pelo sonho
excêntrico, era uma criança normal que tinha muitos amigos, adorava
esportes e se comportava como todas as outras crianças da sua idade?
Teria sido muito mais fácil atenuar esses pensamentos grandiosos com os
quais George Soros sonhava acordado quando criança se, na idade adulta,
ele tivesse dado algum sinal de que havia superado essas idéias
messiânicas.
No entanto, quando adulto, ele não apresentou nenhum sinal, nenhum gesto,
nenhuma indicação de que não mais se agarrava a convicções tão
insensatas, apenas a sugestão de que era muito difícil para uma pessoa
acreditar que ela fosse uma divindade.
Uma das maneiras que ele encontrou para controlar essas fantasias foi falar
sobre elas o mínimo possível. Em um desses raros momentos, ele disse ao
jornal britânico, The Independent, no dia 3 de junho de 1993: “Quando
você se considera uma espécie de deus, o criador de tudo, é como se você
tivesse uma doença, mas agora eu já me sinto mais à vontade com tudo isso,
porque passei a aceitar a situação como normal.”.
“Não deverá ser nenhuma surpresa para o leitor o fato de eu admitir que
sempre nutri uma opinião exagerada sobre minha própria importância - em
termos bem simples e diretos, eu me imaginava uma espécie de deus ou um
reformador econômico como Keynes ou, melhor ainda, um cientista como
Einstein. Meu senso de realidade era forte o bastante para fazer-me perceber
que essas expectativas eram excessivas e eu as escondi como um segredo
criminoso - uma fonte de considerável infelicidade para mim durante
grande parte da minha vida adulta. Quando eu comecei a progredir na vida,
a realidade ficou muito próxima da fantasia e me permitiu admitir esse
segredo, pelo menos para mim mesmo. Desnecessário dizer que eu agora
me sinto muito mais feliz. ”[2]
Aparentemente, sim.
Se isso não chega a soar verdadeiro, pelo menos ajuda a explicar a enorme
autoconfiança que ele tinha quando criança e que levaria consigo para a
idade adulta.
Um deles disse que George Soros não quis dizer que era Deus, mas que
acreditava que pudesse conversar com Deus! Um outro achava que Soros
estava meramente expressando um sentimento de onipotência: a sugestão de
que ele era Deus foi uma maneira irônica de comparar-se, como talvez
outros o fariam, a Napoleão.
Era como se aqueles que conheciam George Soros quisessem trazê-lo para a
terra, por assim dizer. Era como se eles não quisessem ter como amigo ou
colega alguém que realmente acreditasse que fosse Deus. Para essas
mesmas pessoas, qualquer outro indivíduo que alimentasse tais opiniões
seria considerado louco varrido. Mas elas não podiam fazer o mesmo com
George Soros. Afinal, ele era alguém que tinham em alta conta.
***
Ele nasceu com o nome húngaro de Dzjchdzhe Shorash que depois foi
anglicizado para George Soros. Embora a pronúncia do sobrenome em
húngaro seja Shorosh, ele conciliou suas relações americanas e inglesas
pronunciando-o Soros.
Seu único irmão, Paul, é dois anos mais velho que ele.
Quaisquer que tenham sido suas falhas, Tivadar Soros teve um papel
importante como modelo para seu filho mais novo. Ele era um advogado
que, quando George nasceu, já havia vivido a experiência mais formidável -
e influente - de sua vida. Prisioneiro austro-húngaro durante a Primeira
Guerra, Tivadar passou três anos turbulentos na Rússia - desde os primeiros
dias da Revolução de 1917 até a guerra civil em 1920. Durante os anos da
guerra civil, ele fugiu para a Sibéria, esperando sobreviver. Fez tudo o que
era possível para sobreviver, por mais desagradável que fosse.
Quando contava sobre aqueles anos perigosos, Tivadar sempre dizia para o
menino que, em épocas revolucionárias, tudo era possível. Dificilmente
vista como uma receita de sobrevivência, essas palavras tiveram um peso
muito grande para o filho. Gradualmente, George aprendeu que seu pai era
um homem inteligente, até mesmo astuto, que, usando suas faculdades
mentais, passou a perna em muita gente. O jovem George tinha por ele
enorme respeito.
Ferenc Nagel, um ano mais moço que George, ainda mora em Budapeste.
Ele é engenheiro químico e trabalha na Tungsram, famosa fabricante
húngara de produtos para iluminação. Conheceu George em 1936 na ilha
Lupa, refúgio de verão no rio Danúbio, a uma hora ao norte de Budapeste,
onde os Soros e os Nagel tinham casa. Quando as coisas não davam certo,
lembrava Nagel, Tivadar sempre encontrava um meio de dar a volta por
cima. “Ele nunca se deixou abater seriamente.”[4] Este foi, disse Nagel com
um ar de firmeza, o legado de Tivadar a seu filho. Ser pragmático, também.
George confessou o seguinte: “De que lado da revolução ele estava? Oh, de
ambos os lados. Ele tinha que estar, para sobreviver.”.[5] Para George, o
importante era o fato de que Tivadar possuía as qualidades de um
sobrevivente.
Embora sua reputação não fosse das melhores, para aqueles que se
lembrassem do prazer que Tivadar tinha em não trabalhar demais, George
parecia complacente com o estilo de vida do pai. É claro que mais tarde ele
admitiu que seu pai trabalhou muito pouco depois que voltou da Primeira
Guerra. Entretanto, isto não foi de todo ruim. Tivadar estava sempre
disponível e George gostava dessa situação. Ele aproveitava para conversar
com seu pai e aprender coisas novas. Se para os outros Tivadar era tudo
menos cuidadoso nos seus hábitos financeiros, George mantinha-se
impassível. Para ele, simplesmente não importava que a fortuna financeira
de seu pai desaparecesse, depois surgisse novamente lá nas alturas e depois
desaparecesse de novo. Mesmo que involuntariamente, Tivadar comunicava
a seu filho a mensagem que ficaria com ele pelo resto de sua vida: “Parte do
que eu aprendi foi a futilidade de ganhar dinheiro apenas pelo dinheiro. A
riqueza pode ser um peso-morto.”[8]
Yehuditte Simo, uma colega de infância que lembra de George como “um
garotinho muito bonitinho”, mora hoje em Budapeste. Ela conheceu George
e seus pais na ilha Lupa. [9]
***
***
No primário, George era muito expansivo. Isso explica por que ele e Miklas
Horn não eram muito amigos. “George era um garoto muito audacioso,
expansivo, enquanto eu era quieto, precavido. Ele gostava de lutar com os
outros meninos. Na verdade, George aprendeu a lutar boxe, a como se
defender.”[13]
George e Pal estavam em uma reunião dos escoteiros, na qual foi anunciada
a formação de uma Sociedade Esperanto. Os interessados em participar
deveriam escrever seus nomes em uma folha de papel, que havia sido
colocada em um determinado banco. Por brincadeira, George agarrou a
folha para que Tetenyi não pudesse assinar seu nome. “George era muito
sarcástico”, lembra Pal, “e eu tinha medo de que ele começasse a me
ridicularizar. Eu queria ir à forra e começamos a lutar.”[16] Engalfinhados
em uma ardente batalha embaixo do banco, os dois garotos logo
descobriram, muito constrangidos, que um professor com ares nada
amigáveis os observava de perto. Por sua atitude, os meninos receberam
uma advertência por escrito.
***
Quando a Segunda Guerra começou em setembro de 1939, George tinha
nove anos. Mas sua vida quase não sofreu alterações, porque os nazistas
não representavam nenhum perigo para a Hungria naquele momento. Na
verdade, a vida para os habitantes de Budapeste continuou igual. Algum
tempo depois que o exército soviético invadiu a Finlândia naquele primeiro
ano de guerra, George leu num jornal local um pedido de ajuda para o país
invadido. Ele correu até a redação do jornal para responder ao apelo, o que
causou uma impressão positiva sobre os editores, para quem era incomum
que um garoto de nove anos se desse ao trabalho de oferecer ajuda a
pessoas de uma terra tão distante. Os editores publicaram uma história
sobre a visita do jovem George à redação do jornal.
Mas ninguém sabia realmente o que iria acontecer. Tudo o que se podia
fazer era esperar pelo melhor e se esconder. Andar pelas ruas poderia
representar uma sentença de morte.
***
Nos 12 meses que se seguiram 400 mil judeus de Budapeste foram mortos,
um triste testemunho do pressentimento do pai de Ferenc Nagel. Os
sobreviventes, inclusive George Soros e sua família, resistiram a dias e
noites terríveis.
George obedeceu, mas descobriu que algumas das pessoas avisadas não
estavam dispostas a esconder-se dos nazistas, mesmo que isto significasse
deportação. Se os nazistas decretaram que os advogados judeus deveriam
ser deportados, essa era a lei e a lei tinha de ser cumprida.
“Diga ao seu pai”, disse um deles, “que eu sou um cidadão que cumpro a
lei, que eu sempre fui um cidadão que cumpre a lei e que eu não vou
começar a desrespeitá-la agora. ”
***
Tivadar Soros era um pai muito hábil nesses momentos terríveis. Uma
sentença automática de morte pairava sobre os judeus de Budapeste - uma
sentença de morte que incluiria o jovem George se os nazistas descobrissem
que ele era judeu. O pesadelo de uma viagem a um campo de concentração
transformou-se de repente em chocante realidade.
“Esta é uma ocupação fora da lei”, disse Tivadar ao filho. “As regras
normais não se aplicam. Você tem que esquecer como se comporta em uma
sociedade normal. Esta é uma situação anormal."[1]
Tivadar arranjou para George uma função nesta situação “anormal”. Para
garantir que seu filho não fosse levado pelas autoridades nazistas, Tivadar
subornou um representante do governo para que este permitisse que George
passasse por afilhado de um oficial não-judeu do Ministério da Agricultura
da Hungria. Tivadar comprou documentos de identidade falsos para o
garoto, documentos que foram a chave para a sua sobrevivência.
***
Depois de ter arriscado sua vida diária na última parte da Segunda Guerra,
Tivadar passou a acreditar que valia a pena correr a maioria dos outros
riscos.
Nunca arrisque tudo o que você tem. Isso seria tolice, impraticável e
desnecessária.
Escondendo-se dos nazistas, porém, George Soros não teve outra opção
senão arriscar tudo. Quando ele aceitou aqueles documentos falsos, sabia
que aquela exposição significava a morte.
Mais tarde, na sua carreira de negócios, sua latitude seria muito maior.
Ele não teria de fazer escolhas de vida ou morte. Poderia correr riscos sem
precisar preocupar-se com o fato de que uma falha lhe custaria tudo. Ele
poderia até ter prazer em correr riscos, desde que se permitisse espaço para
recuperação.
***
Era essa lacuna que ele iria acabar explorando quando elaborou suas teorias
sobre o conhecimento humano e, mais tarde, sobre os mercados financeiros.
Ainda assim, não estava claro se o novo governo seria benigno ou hostil.
Em termos mais objetivos, ninguém podia dizer ao certo que papel os
soviéticos desempenhariam no governo da Hungria.
Entre esse último grupo estava George Soros. Ele sentia que era hora de sair
da Hungria e rumar para o Ocidente.
Partiu sozinho no outono de 1947 com 17 anos. Ansioso por concluir seus
estudos de engenharia, seu irmão Paul permaneceu na Hungria mais um
ano. A primeira parada de George foi Berna, Suíça, mas logo ele foi para
Londres, um lugar que soava atraente para o adolescente. Graças a seu pai,
George tinha dinheiro suficiente para a viagem. Mas, uma vez lá, teria de se
virar com seus próprios recursos. O único dinheiro que ele tinha veio de
uma tia que já morava na Flórida.
***
Ele assistiu a algumas palestras de Laski e fez um curso com John Meade
que, em 1977, ganhou o Prêmio Nobel de Economia, “embora”, Soros
confessaria mais tarde, “eu não tenha tirado muito do curso”.[1] A escola
também abrigava dois pensadores conservadores, fora de moda em termos
políticos, o economista Friedrich von Hayek, que defendia o livre mercado,
e o renomado filósofo Karl Popper. Esses dois homens foram instrumentais
para colocar George Soros no caminho intelectual que mais tarde, nas
décadas de 1980 e 1990, ele seguiria com grande fervor na sua cruzada para
substituir as sociedades “fechadas” por outras “abertas”.
Maior influência teve Karl Popper. Embora esse fosse mais conhecido por
suas teorias sobre o método científico, seu livro de 1951, The Open Society
and Its Enemies, serviu de alicerce para a vida intelectual de George Soros.
O jovem Soros estava maduro para um livro que explorava a natureza das
sociedades humanas. Havia vivenciado as regras ditatoriais, primeiro nas
mãos dos nazistas e depois nas dos comunistas. Agora, na Inglaterra, sentia
o gosto da democracia. Estava louco para colocar suas experiências
pessoais em algum contexto intelectual. O livro de Popper propiciou a
estrutura que ele estava procurando.
Apesar de Soros ter concluído seu curso em apenas dois anos, ele decidiu
ficar na LSE por mais um ano para poder obter seu diploma na primavera
de 1953. Familiarizado com The Open Society and Its Enemies, ele
procurou Popper para aprender mais com o mestre. Submeteu alguns
ensaios a Popper e professor e aluno deram-se muito bem. Popper tornou-se
mentor de Soros.
Embora Soros estivesse muito envolvido com Popper, o jovem aluno não
deixou nenhuma marca duradoura no professor. “Eu ouvia o que ele tinha a
dizer”, lembra Popper, “mas não fazia nenhuma pergunta. Não ouvi falar
muito sobre ele."
O maior impacto de Popper sobre Soros foi encorajar o jovem aluno a
pensar seriamente sobre o modo como o mundo funcionava e desenvolver,
se isso fosse de todo possível, um grande esquema filosófico que ajudasse a
explicar sua teoria.
Popper era o mestre da filosofia que tentava passar sua sabedoria para um
intelectual em desenvolvimento. Ele não tinha interesse em ajudar Soros a
se virar no mundo prático. A filosofia, quer fossem os pensamentos de Karl
Popper ou de qualquer outro filósofo, não tinha como objetivo servir de
guia para alguém ganhar dinheiro no mundo real.
***
Mas, nesse ínterim, não havia nenhuma fortuna. A falta de dinheiro resultou
em momentos embaraçosos e desconfortáveis. Mas George Soros sabia que
não tinha escolha. Na tentativa de obter assistência financeira para seus
estudos, aproximou-se do Conselho Judaico dos Guardiões (Jewish Board
of Guardians). O conselho recusou sua proposta alegando que não oferecia
ajuda a estudantes, apenas àqueles que tinham empregos remunerados. A
distinção não fazia sentido ao jovem Soros.
Depois, durante as férias de Natal, enquanto trabalhava como carregador de
estação ferroviária no turno da noite, George quebrou a perna. Novamente,
precisava de dinheiro. Dessa vez tinha um emprego, já que trabalhava para
a estrada de ferro. Certamente, ele agora se qualificaria. “É este o momento
de tirar dinheiro daqueles imbecis, eu decidi.”[3]
A carta de George teve o efeito desejado. Sua pensão semanal havia sido
reestabelecida - e, o melhor de tudo, o dinheiro agora seria enviado a ele
pelo correio, dando um fim às árduas visitas ao escritório do conselho. Ele
ficou feliz, mas ainda com muita raiva da afronta anterior, esperou algum
tempo depois que o gesso havia sido retirado de sua perna - ele estava
viajando de carona pelo sul da França - para informar ao conselho que
podia interromper a remessa de dinheiro. O tratamento que o Conselho de
Guardiões dispensou a Soros fez com que ele guardasse, por muito tempo,
amargas impressões sobre todas as instituições de caridade e ele teve de
superar “consideráveis reservas” antes de criar seu próprio programa
filantrópico no final da década de 1970.
Esse era o início da luta de George Soros pela realização intelectual que
seria um dos grandes temas da sua vida e da sua carreira.
Soros sabia que isto não era um bom sinal. Não era provável que ele se
tornasse professor. Soros vinculou seu fracasso como escritor à decisão de
abandonar o estudo de filosofia em favor da busca pelo dinheiro.
***
Por mais que Soros quisesse dar aulas, estava claro para ele que era preciso
ganhar a vida - e depressa. Ele já tinha 22 anos e, embora desejasse dar
alguma contribuição ao conhecimento humano, tinha que comer. No
entanto, um diploma em economia qualificava-o para muito pouco. Ele
aceitou o primeiro emprego que encontrou, como vendedor de bolsas em
Blackpool, cidade litorânea ao norte da Inglaterra.
Era difícil vender. Para atrair clientes, era preciso convencer as pessoas,
logo de cara, de que ele não era diferente delas - tarefa árdua para um
estrangeiro com forte sotaque. Incomodava-o também vender mercadorias
no atacado para lojistas que provavelmente não precisavam delas. Uma vez,
ele fez uma venda desse tipo a um pequeno lojista cujo estabelecimento
estava repleto de mercadorias encalhadas. Este homem precisa das minhas
bolsas assim como precisa de um buraco na cabeça, Soros pensou.
Abandonando rapidamente esses pensamentos, ele se convenceu de que não
podia permitir que seus sentimentos pessoais viessem à tona. Ele vendeu os
produtos, mas demorou algum tempo para se livrar do sentimento de culpa.
Quando partiu para Nova Iorque, George Soros admitiu para si mesmo, de
uma vez por todas, que levava a sério a idéia de uma carreira na área de
finanças. O sonho de se tornar filósofo teria de continuar ... a ser um sonho.
Ele viajou para Nova Iorque com US$5 mil. Um parente havia pedido para
que ele investisse mil libras esterlinas. Os US$5 mil representavam o lucro
que Soros teve com esse investimento.
***
Logo depois de chegar aos Estados Unidos, Soros encontrou trabalho
através de um colega de Londres. Um telefonema a um dos sócios da F. M.
Mayer e Soros já era arbitragista. A arbitragem transformou-se em um dos
jogos financeiros mais quentes da década de 1980, mas três décadas antes
era ainda desconhecida. Ninguém arriscava grandes posições em termos de
investimento na esperança de ganhar milhões de dólares com aquisições de
corporações. Isso só virou moda nos anos 80. Na monotonia dos anos 50,
traders como George Soros compravam e vendiam os mesmos valores
mobiliários em mercados diferentes, esperando explorar as pequenas
discrepâncias encontradas em termos de preço por meio de uma meticulosa
pesquisa.
Soros era um pioneiro, à frente do seu tempo. “As coisas que George fazia
há 35 anos só entraram na moda na última década”, observou Stanley
Druckenmiller, braço direito de Soros desde 1988.[1]
Não foi à toa que nessa época Soros conheceu e casou-se com alguém de
formação européia. Como recém-chegado aos Estados Unidos, ele conhecia
relativamente poucas mulheres americanas. Conheceu sua futura esposa, a
alemã de nascimento Annalise, em Quogue, Long Island, perto de
Westhampton. Eles se casaram em 1961. Ainda trabalhando na F. M.
Mayer, Soros morava em um pequeno apartamento com ela. (Os Soros
separaram-se em 1978 e divorciaram-se três anos depois. Eles tiveram três
filhos. Em 1983, Soros casou-se novamente. Sua esposa era Susan Weber,
25 anos mais moça. Eles se casaram em uma cerimônia civil em
Southampton. Em 1985, Susan deu à luz ao primeiro filho do casal,
Gregory - fazendo de George pai pela quarta vez. Um segundo filho,
Alexander, nasceu em 1987.)
Em 1959, Soros foi trabalhar na Wertheim & Co., onde continuou a dedicar
suas energias aos valores mobiliários europeus. Felizmente para ele, a
Wertheim era uma das poucas firmas americanas engajadas no comércio
exterior. E Soros ainda era um dos poucos traders de Wall Street que faziam
arbitragens entre Londres e Nova Iorque.
Soros desejava muito que sua sorte não o abandonasse, mesmo depois da
posse de John F. Kennedy, em janeiro de 1961. Kennedy provaria ser um
sério obstáculo para o jovem Soros. O imposto Interest Equalization Tax,
criado pela nova administração, em essência impedia que os investidores
americanos comprassem valores mobiliários estrangeiros. A nova política
representou um terremoto para Soros.
Mas não o suficiente para fazê-lo arrumar as malas. No dia 18 de dezembro
de 1961, ele se tornou cidadão americano naturalizado. Estava nos Estados
Unidos para ficar.
Escrever o livro era, e sempre seria, um trabalho de amor para Soros. Ele
nunca revelou se chegou a mostrar o manuscrito a algum editor. Tudo o que
disse foi que o livro era “deficiente” e que, portanto, nunca foi para a
gráfica.[3]
***
Kellen sempre teve grande respeito por Soros, desde os primeiros dias. “Eu
sempre espero muito de minhas contratações, mas ele se mostrou
nitidamente superior. ”[4]
Desde a época em que estudava em Londres, no início dos anos 50, George
Soros interessava-se pela maneira como o mundo funcionava. Ele tinha a
esperança não apenas de ponderar as grandes questões da vida mas também
de dar uma contribuição considerável ao conhecimento.
Percepções.
***
Equipado com essas noções gerais de como o mundo funcionava, era hora
de Soros analisar Wall Street.
Essa era a hipótese do mercado eficiente, uma das teorias mais populares de
como funciona o mercado de ações. Ela assumia um mundo perfeito e
racional. Assumia também que todos os preços de ações refletiam as
informações disponíveis.
E assim, observou ele em uma outra ocasião, ele ficou “fascinado pelo caos.
E assim que eu realmente ganho dinheiro: compreendendo o processo
revolucionário dos mercados financeiros”.[6]
***
Seus professores insistiam com ele que a economia era - ou pelo menos
tentava ser - uma ciência. Era possível formular teorias e desenvolver leis
que governassem o mundo da economia.
Mas George Soros enxergava muito além. Ele ponderava que se a economia
fosse uma ciência, teria de ser objetiva, ou seja, qualquer pessoa poderia
observar suas atividades sem afetá-las. Mas isso, Soros concluiu, era
impossível.
***
Como é que a economia pretendia ser objetiva se os seres humanos - que,
afinal de contas, estavam no cerne de toda ação econômica - careciam de
objetividade? Quando esses mesmos seres humanos, devido ao seu
envolvimento na vida econômica, não podiam deixar de influenciar essa
vida econômica?
A maioria dos investidores, uma vez ele explicou, acreditava que podia
“descontar” o que o mercado faria no futuro, isto é, levar em conta futuros
acontecimentos, antes mesmo de eles ocorrerem. Para Soros, isto era
impossível.
“Os participantes do mercado não apenas operam com uma tendência, mas
essa tendência pode também influenciar o curso dos eventos."
Para ele, “qualquer idéia de como vai ser o futuro é, por definição,
tendenciosa e parcial. Não quero dizer que fatos e crenças existam de
maneira autônoma. Pelo contrário, o que eu tenho argumentado quando
exponho a teoria da reflexividade é que as crenças alteram os fatos.[7]
O preço de uma ação, então, não era determinado por uma reação incisiva a
informações disponíveis. Ao contrário, era resultado de percepções
provenientes tanto de emoções quanto de dados concretos. Soros escreveu
em The Alchemy of Finance que “Quando os eventos têm participantes
pensantes, o assunto não mais fica confinado a fatos, mas também às
percepções desses participantes. A cadeia de causas não leva diretamente de
um fato a outro, mas do fato à percepção e da percepção ao fato.”[9]
“Depois que você souber o que o mercado está pensando, pule para o outro
lado, aposte no inesperado."
• o clímax;
“Sua teoria é a de que as coisas vão muito bem e depois, muito mal. Você
deve saber que, embora elas estejam indo bem, estão para começar a ir mal.
Em termos bastante simples, o importante é reconhecer a inevitabilidade de
uma mudança nas tendências. O ponto-chave é a identificação do ponto de
inflexão.”[12]
***
Era isso que os outros faziam. Os que pensavam que o mundo e tudo o que
o mundo continha era racional.
Possuir esse segredo, porém, não garantia que Soros sempre fosse auferir
lucros nas suas transações. Às vezes, surgiam problemas que não tinham
nada a ver com seus talentos de investidor. Às vezes, porém, os problemas
tinham tudo a ver com esses seus talentos.
Soros sabia, porém, que era utopia depositar expectativas tão altas sobre sua
teoria. Por mais que desejasse que tudo fosse diferente, ele sentia um
crescente desapontamento por não ter oferecido ao mundo uma descoberta
monumental.
A teoria continuava falha. Ele não conseguiria definir o que queria dizer por
compreensão incorreta dos participantes. Ademais, sua teoria não ajudava a
fazer previsões seguras.
Soros foi incrivelmente honesto com relação às limitações de sua teoria. Ele
tinha grandes esperanças e quando elas não se materializaram, ele poderia
ter ficado em silêncio. Mas não ficou. Apesar de não ter produzido uma
teoria geral, acreditava que o que havia elaborado teria utilidade parcial. “O
que eu tenho é uma abordagem que pode ajudar a iluminar o estado
atualmente precário do nosso sistema financeiro.”[16]
***
***
O que ele deveria ter feito, ele próprio admitiu, não era apresentar uma
teoria geral, na qual a ausência de reflexividade fosse um caso especial, mas
sugerir que a reflexividade era um caso especial, já que sua principal
característica era o fato de ela ocorrer apenas de vez em quando.
Sua principal desculpa foi que ele havia observado a reflexividade não nos
mercados financeiros, mas antes disso, como um conceito filosófico. Ao
sugerir que havia descoberto uma teoria geral da reflexividade, ele admitiu
que talvez tivesse excedido a si mesmo. Acontece, escreveu Soros, que ele
tinha errado também ao sugerir que a teoria econômica era falsa. Se as
condições para a reflexividade ocorriam apenas intermitentemente, então
teria de ser verdade que a teoria econômica era ocasionalmente falsa.
***
As teorias de George Soros revelam apenas uma parte dos segredos de seus
investimentos, a estrutura que explica como ele acha que os mercados
financeiros operam. Foi tudo o que Soros admitiu.
“Nós fingimos [ser analíticos]”, observou Soros. “Eu posso até mesmo
acreditar. Mas há mais alguma coisa lá também. Eu tenho uma memória
relativamente boa como trader, mas também tenho a teoria. Então existe
uma conexão. Mas eu não penso que meu sucesso como trader valide minha
teoria. Não é uma prova científica. Eu acho que deve haver mais alguma
coisa.”[1]
Senão, como explicar a maneira fria com que ele comprava e vendia
montantes que desafiavam a imaginação? Ele mesmo negaria possuir tanta
coragem, já que sempre afirmava que a chave para investir é saber como
sobreviver. E saber como sobreviver significava às vezes jogar de modo
conservador, assumindo perdas quando necessário, mantendo sempre uma
grande parte dos ativos fora do jogo. Ele gostava de dizer: “Se você está
indo mal, o primeiro movimento é economizar. Não tente recuperar suas
perdas. E quando começar de novo, comece devagar.”[3]
Uma das qualidades mais importantes de Soros sempre foi sua capacidade
de separar as emoções dos seus negócios.
Seu parceiro no tênis percebeu o suor na testa de Soros, suor que não havia
se formado durante a partida.
Allan Raphael, que trabalhou com Soros na década de 1980, acreditava que
o estoicismo de Soros, um traço raro entre investidores, foi-lhe muito útil.
“Você pode contá-los nos dedos. Quando George está errado, ele sai
rapidamente. Ele não diz, ‘Eu estou certo, eles estão errados.’ Ele diz, ‘Eu
estou errado’ e, porque se você tem uma posição ruim, ela o destrói. Você
não para de pensar nela um minuto - à noite, em casa. Ela o consome. Você
fica completamente maluco. É um negócio muito difícil. Se fosse fácil,
qualquer um poderia participar. É preciso uma quantidade incomum de
disciplina, de autoconfiança e, basicamente, de falta de emoções”.[6]
***
Talvez a característica mais distintiva de Soros, o traço que melhor explica
seus talentos para a área de investimentos, tenha sido sua capacidade de
pertencer a um “clube” muito exclusivo, um clube que incluía a liderança
da comunidade financeira internacional.
Devido ao fato de não ser um líder eleito, Soros não tinha o mesmo status
dos outros membros. Mas à medida que o poder econômico fugia dos
políticos e que investidores como Soros ganhavam mais e mais influência
nos mercados financeiros, ele passou a ter um peso crescente junto a esses
líderes. Eles queriam conhecê-lo, ouvir o que ele pensava sobre a economia
mundial. Na maioria das vezes, eles queriam saber o que ele estaria
tramando. Ele, é claro, tinha o mesmo interesse em saber que decisões os
líderes de vários países estavam pretendendo tomar.
Poucos investidores conseguiram ter o mesmo sucesso que Soros teve nesse
clube. Enquanto os outros liam sobre esses líderes, Soros tinha a vantagem
de ter fácil acesso a eles; ele podia tomar café com um ministro das
finanças, almoçar com um presidente de banco central, ou fazer uma visita
de cortesia a um primeiro-ministro.
Não foi só a sua perspicácia financeira que o levou para a rede dos líderes
financeiros globais. Desde meados da década de 1980, quando começou a
criar fundações na Europa Oriental e, mais tarde, na antiga União Soviética,
como meio de encorajar as sociedades abertas, Soros passou a ter ainda
mais motivos para fazer amizade com líderes políticos e econômicos,
particularmente na Europa.
Mas essa proximidade com os líderes permitia a Soros sentir os eventos que
estavam para acontecer, trunfo que os outros não possuíam. Ele, às vezes,
precisava esperar meses para tirar alguma coisa de útil de uma reunião:
talvez um comentário descuidado de um ministro das finanças durante um
almoço há três meses. A questão era que ele havia encontrado o ministro
das finanças e registrado a conversa no seu banco de memória para uso
futuro, enquanto os outros só liam os jornais.
“Ele não era uma pessoa que se vangloriava do seu sucesso”, comentou
James Marquez, companheiro de Soros desde a década de 1980, “a não ser
para dizer, ‘Bem, meu caro rapaz, é isto mesmo o que deveria ter
acontecido.’.”[12]
“Era comum ouvi-lo dizer frases como, ‘Para mim está bastante claro’, ou É
óbvio que isso ia acontecer’, ou ‘Os fatores que levaram a isso são bastante
simples e diretos’. Ele conseguia ver a floresta com muita clareza; os outros
só viam as árvores.”
“Ele sente", disse Wien, “que não deveria depender de outra pessoa.
Algumas pessoas passam o dia inteiro conversando com corretores. Ele não
acha que essa seja a maneira de passar o tempo. Prefere conversar com
algumas poucas pessoas que sejam realmente úteis e pensar, ler e refletir.
Procura alguém que tenha uma certa sensibilidade filosófica. Não está
interessado somente nas pessoas que ganharam muito dinheiro ... sem
nenhum sentimento. Ele não acha que isso tem de ser feito no
escritório.”[14]
***
“Uma vez ele disse uma coisa que me ajudou muito: ‘O problema com
você, Byron, é que você trabalha todos os dias e acha que, porque sai todos
os dias para trabalhar, precisa fazer alguma coisa. Eu não trabalho todos os
dias. Eu só vou trabalhar nos dias em que faz sentido sair para trabalhar ... E
eu realmente faço alguma coisa naquele dia. Mas você vai trabalhar e faz
alguma coisa todos os dias, sem perceber quando o dia é realmente
especial.’.”
Raphael podia dizer a ele: “Esta posição está tendo bons resultados.”
Raphael: “Não.”
***
Para Soros, a chave do seu sucesso nos investimentos foi sua técnica de
sobrevivência. Pode ser difícil pensar em sobrevivência como uma
habilidade prática, mas para Soros, ela ajudou a explicar suas realizações.
Por exemplo, em The Alchemy of Finance, ele escreveu: “Quando eu era
adolescente, a Segunda Guerra Mundial ensinou-me uma lição que eu
nunca mais esqueci. Eu tive muita sorte de ter um pai que era altamente
proficiente na arte de sobreviver, já que havia atravessado a Revolução
Russa como prisioneiro de guerra que conseguiu escapar. ”[16]
***
Soros então fazia a sua jogada. Não de forma grandiosa, mas testando,
sondando, tentando determinar se o que ele havia pensado estava, de fato,
correto. Ele formulava uma hipótese e, com base nela, assumia uma
posição. Depois esperava para ver se a hipótese seria validada. Em caso
positivo, ele assumia uma posição ainda maior, seu grau de autoconfiança
sempre determinando o tamanho máximo. Se, por acaso, a hipótese fosse
invalidada, ele não perdia tempo. Livrava-se daquele investimento. Estava
sempre à procura de uma situação na qual pudesse desenvolver uma
hipótese.
Marquez lembra que “George sempre costumava dizer, ‘Primeiro você deve
investir, depois investigar’. Isso significava formar uma hipótese, assumir
uma posição provisória para testar a hipótese e esperar que o mercado prove
se você está certo ou errado.”[18]
Nenhuma das teorias e estratégias de Soros era infalível. Para alguns, elas
realmente eram. Eles analisavam o registro de investimentos de Soros e
imaginavam que alguém tão bom quanto ele estava imune de cometer erros.
No final dos anos 60, George Soros entrou para as grandes associações das
finanças. Em busca mais de um papel de liderança dentro da empresa, Soros
conseguiu persuadir seus chefes na Arnhold & S. Bleichroeder a criar
alguns fundos offshore e deixar que ele os supervisionasse.
US$250 mil.
***
Byron Wien conheceu Soros em 1968, quando era gerente de carteira de
uma empresa de Wall Street que, por sua vez, era cliente da Arnhold & S.
Bleichroeder. A empresa de Wien estava intrigada com o Japão, cujo
mercado de ações parecia depreciado. Mesmo assim, ninguém sabia ao
certo o que acontecia por lá. Wien havia escutado que alguém de nome
George Soros conhecia muito bem o Japão. Wien convidou-o para uma
conversa informal e ficou espantando.
No início de sua carreira, este era seu maior cartão de visitas. Ele parecia
saber muito mais sobre economias distantes do que os outros nas grandes
empresas americanas.
Lerner, um analista do Banco de Nova Iorque, foi cortejado pela Arnhold &
S. Bleichroeder em 1967 e 1968, mas recusou as duas primeiras propostas.
Agora, no início de 1969, ele finalmente disse sim. Seu primeiro cargo na
Arnhold era de assistente de Soros, ajudando-o a administrar os dois
fundos. Nos dois anos seguintes, eles trabalharam lado a lado.
Havia algo mais sobre Soros. Ele parecia diferente da maioria dos outros na
empresa, diferente, de fato, da maioria dos outros em Wall Street. Era a sua
mente. Ele pensava o tempo todo, pensava grandes idéias, usando palavras
que seus companheiros de trabalho só compreenderiam se recorressem ao
dicionário. Até mesmo Lerner precisava fazer alguns ajustes. Entre eles: seu
estilo de escrever. “Eu não podia prever que George fosse rigoroso para
escrever. Ele tinha um estilo que não era o meu. Eu estava acostumado a
escrever relatórios para consumo geral. O estilo de George era muito
literário.”
Foi por volta desta época que Soros começou a escrever The Alchemy of
Finance. Em 1969, ele pediu para Lerner ler cinco capítulos do livro. “Eu
não entendi uma palavra”, explicou Lerner, sugerindo que o problema não
era com o seu QI, mas com a capacidade de Soros explicar o que queria
dizer. Esperando encontrar uma breve sinopse da teoria, Lerner estremeceu
quando descobriu que não iria encontrar nenhuma naqueles capítulos.
Teria sentido para Soros ouvir o que os Arthur Lerner de sua vida tinham a
dizer. Eles não eram tão brilhantes, mas eram aqueles que inevitavelmente
Soros queria impressionar. E se ele quisesse impressioná-los, teria de deixar
mais claros os pensamentos que colocava por escrito. Era isso o que Arthur
Lerner estava tentando colocar. Era uma mensagem sincera e bem-
intencionada. Consiga um editor, George. Consiga alguém que o ajude a
colocar esses pensamentos em linguagem simples.
Não era o que George Soros queria ouvir. E, por esse motivo, muitas
pessoas convidadas a comentar seus trabalhos não tentavam fazer tais
afirmações. Elas preferiam abster-se. Ele não estava a fim de ouvi-las. Por
que se preocupar? Por que deixar o homem bravo?
***
Quer pessoas como Arthur Lerner pudessem ou não compreender o que era
reflexividade, George Soros decidiu que era hora de testar suas teorias no
mercado. Tinha confiança de que elas poderiam significar uma vantagem
competitiva para ele.
"Eu estava colocando o meu dinheiro onde estava a minha boca e não podia
permitir que minha imagem fosse dissociada das minhas decisões em
termos de investimentos. Eu tinha que usar todos os meus recursos
intelectuais e descobri, para minha grande surpresa e gratificação, que
minhas idéias abstratas tinham muita praticidade. Seria um exagero dizer
que elas foram responsáveis pelo meu sucesso, mas, sem dúvida nenhuma,
elas me deram uma vantagem muito grande.”[2]
***
Que idéia estranha naqueles dias. Por que alguém interessado em investir
iria instalar-se tão longe do centro do poder?
Jimmy Rogers gostava de explicar que, como ele e George Soros não
seguiam a linha de pensamento típica de Wall Street, não parecia haver
nenhum bom motivo para eles se instalarem naquele circuito. O mais
importante para Soros é que o escritório estava a apenas um quarteirão da
sua elegante cooperativa no setor Oeste do Central Park.
O escritório parecia pequeno. Mas havia muito o que os dois podiam fazer.
Acontece que o tamanho pequeno era uma virtude. Eles podiam concentrar-
se na tarefa que tinham em mãos, sem ter o cuidado de não tropeçar em
corpos, sem se preocupar em ter de lidar com quilos de papel, em cumprir a
miríade de tarefas que surgem quando os escritórios crescem.
Por ser uma sociedade privada, o fundo tinha algumas vantagens sobre os
outros fundos mais convencionais. A mais importante era que ele podia
vender a descoberto, um exercício que implicava muitos riscos para alguns
investidores.
Vender a descoberto.
Soava como uma técnica inofensiva. Mas, para alguns, tinha conotação
impatriótica.
Todos diziam: Como é que alguém pode apostar que uma companhia vai ter
desempenho fraco? Que tipo de americano você é? Você não tem fé na sua
própria economia? Que tipo de pessoa você é, tentando explorar a má sorte
dos outros?
E isso viria a ser sua derrocada. Eles tinham mentes tão independentes que
acabaram encontrando muitas coisas erradas um no outro.
Mas por ora, funcionavam como uma máquina bem lubrificada. Nenhum
deles achava que podia aprender muito com os outros analistas de Wall
Street, aqueles que, segundo Rogers, simplesmente seguiam a multidão.
Eles selecionavam suas próprias ações.
O “algo” que eles procuravam tão assiduamente era uma mudança súbita.
Um exemplo, no início dos anos 70, foi a “súbita mudança” que Soros
encontrou na indústria bancária.
Em 1972, ele sentiu que estava para ocorrer uma mudança nessa esfera. Os
bancos tinham, então, a pior das reputações. Seus funcionários eram
considerados chatos e apáticos e poucos acreditavam que os bancos
despertariam desta profunda letargia. Compreensivelmente, os investidores
não mostravam nenhum interesse por essas ações.
Soros, porém, havia feito seu dever de casa e descoberto que uma geração
totalmente nova de banqueiros, recém-saídos das melhores escolas de
administração e prontos para atuar agressivamente em nome de seus
patrões, estava assumindo, silenciosa mas decisivamente. Estes novos
administradores enfocavam a última linha - e isso tinha tudo para melhorar
as perspectivas das ações dos bancos. Os gerentes estavam usando novos
instrumentos financeiros e os desempenhos dos bancos começaram a subir.
As ações, porém, eram vendidas sem virtualmente nenhum prêmio. Muitos
desses bancos haviam atingido o limite de sua capacidade de alavancagem.
Para continuar a crescer, eles precisariam de mais recursos próprios.
Tudo isto custaria muito dinheiro. Soros e Rogers estavam certos, o que
resultou em ganhos para o fundo.
***
Quando captava o sinal, corria para ele, sem nunca revelar para ninguém
por que estava caminhando em uma direção e não em outra, testando seus
instintos contra a realidade do mercado.
Tudo o que tinha a fazer era olhar a última linha, ano após ano.
9. O GRANDE SALTO
Allan Raphael, que trabalhou com Soros na década de 1980, observou que:
“Ele trabalhava muito. Tinha visão das coisas. Era agressivo. Simplesmente
excedia na sua profissão. Essa é uma área que não se presta
necessariamente ao raciocínio lógico, racional. É um processo intuitivo. É
uma área em que a soma de sua experiência pode fazer a diferença e acho
que George é dotado de todas estas habilidades.”[1]
Então George Soros procurava manter-se longe dos refletores, uma postura
com a qual ele parecia perfeitamente à vontade. “Nunca em minha
experiência com ele”, disse o amigo de longa data Byron Wien, “George
procurou a autopromoção, nem mesmo quando isto lhe traria algum
benefício.”[2]
Mas no dia 28 de maio de 1975, o The Wall Street Journal fez brilhar uma
luz resplandecente sobre George Soros em uma reportagem de capa
altamente elogiosa:
Será que o artigo do Journal condenaria Soros à ruína? Será que sua sorte
mudaria? Ele mesmo tinha a premonição de que a atenção da mídia lhe
seria danosa - embora na verdade tivesse todos os motivos para estar
satisfeito com aquele artigo, cujo teor mostrava a mente financeiramente
independente de Soros, afirmando que essa independência havia acumulado
altos lucros para o Soros Fund.
“Quem sabe por quanto tempo mais o fundo continuará a colher bons
resultados? A história mostra que todos os gerentes de fundos acabam por
se queimar e eu tenho certeza de que o mesmo acontecerá conosco também
um dia. Só espero que não seja nesta tarde.”
A história começou com Soros sorrindo para seu terminal de cotações. Ele
estava prestes a vender inúmeras ações de uma conhecida empresa de
produtos para a construção. Esperava que o preço caísse. As grandes
instituições estavam tentando comprar todas as ações que ele vendesse.
“Ao longo dos anos, esta dupla vem mostrando uma aptidão para comprar
ações antes de elas entrarem em voga e por livrar-se delas no pico de sua
popularidade. Eles em geral ignoram ações amplamente adquiridas pelos
grandes fundos mútuos, departamentos fiduciários de bancos e outras
instituições - exceto como oportunidade de venda a descoberto.”
Um dos jogos favoritos do Soros Fund era ficar vendido. Ele admitiu que
tinha “um prazer malicioso”[6] em ganhar dinheiro vendendo a descoberto
as ações favoritas das instituições. O fundo apostava contra várias grandes
instituições e assumia posição vendida com relação a algumas favoritas.
Estas ações acabavam por afundar, proporcionando muitos ganhos em
dinheiro para o fundo.
A chave foi detectar uma tendência cultural: Muito antes dos ganhos da
Avon começarem a diminuir, ele percebeu que o envelhecimento da
população significaria muito menos vendas para a indústria de cosméticos.
Soros explicou com alegria: “No caso da Avon, os bancos não conseguiram
perceber que a explosão no setor de cosméticos no pós-guerra havia
terminado porque o mercado estava finalmente saturado e crianças não
costumam usar maquiagem. Foi uma outra mudança básica que para eles
passou despercebida.”[7]
Compare estes números com o índice das ações 500 da Standard & Poor,
que, durante o mesmo período, caiu 3,4%.
***
A SEC disse que o Soros Fund comprou 155 mil ações do gerente da
proposta e outras 10 mil ações de outros corretores, a preços mais baixos.
No dia da proposta e mais tarde naquele mesmo mês, Soros ordenou a
compra de mais 75 mil ações da Computer Sciences para manter o preço
por ação em US$8,375 ou acima e induzir “os outros a comprar” a ação,
alegou a SEC.
O caso terminou quando Soros assinou um acordo no qual nem admitia nem
negava as acusações. Ele argumentou que poderia perder muito tempo e
dinheiro para brigar com a SEC. Soros foi citado em um artigo de revista
em 1981 argumentando que “a SEC não pode acreditar que é possível
alguém ter um desempenho tão bom quanto o meu sem fazer algo errado,
então eles saíram à procura de alguma coisa na qual se agarrar”.[10]
O caso não deteve Soros. Na verdade, esse não teve nenhum efeito visível
sobre seus ganhos.
Em 1980, dez anos depois de sua criação, o fundo teve um ano incrível,
com um aumento de 102,6%; naquela época, o fundo já atingia US$381
milhões. A fortuna pessoal de George Soros ao final de 1980 era de US$100
milhões.
Ironicamente, os principais beneficiários da proeza de Soros, além dele
próprio, eram uns poucos milionários europeus, as mesmas pessoas que
forneceram o capital para o Soros Fund no seu início. “Estas pessoas não
precisaram de nós para ficar ricas”, declarou Jimmy Rogers. “Mas nós a
tornamos extremamente ricas.”[12]
10. CRISE DE IDENTIDADE
Em 1979, Soros tinha apenas 49 anos. Ele já possuía todo o dinheiro que
precisaria para viver, mas começou a sofrer as tensões do seu trabalho. O
fundo havia crescido tanto que mais empregados eram necessários. O
quadro original de três funcionários tinha agora uma dúzia. Ele não era mais
parte de uma pequena instituição onde só precisava conversar com uma ou
duas pessoas. Agora ele precisava preocupar-se com algo novo: delegar
responsabilidade aos outros, uma habilidade que, de acordo com alguns de
seus conhecidos, ele tinha em pequena escala.
A dissolução da sociedade foi irônica, pois 1980 foi o ano de maior sucesso
para Soros e Rogers. Mas em maio daquele ano, Rogers deixou a empresa,
levando com ele uma participação de 20% avaliada em US$14 milhões; os
80% de Soros valiam US$56 milhões.
***
Soros chegou a questionar se valia a pena levar a empresa adiante.
Ele já tinha muito mais dinheiro do que era possível gastar. A rotina do dia-
a-dia estava começando a incomodá-lo; ele sentia a pressão de jogar com o
dinheiro dos outros, de presidir mais funcionários do que havia pedido. E
para quê? Onde estavam as recompensas? Onde estava a alegria? Soros
admitiu estar “na verdade, um tanto esgotado”. Depois de 12 anos incríveis,
depois de lutar para alcançar o topo da montanha, ele percebeu que a vida
como investidor simplesmente não era suficiente para satisfazê-lo.[4]
“Finalmente, em 1980, quando não era mais possível negar meu sucesso,
tive uma espécie de crise de identidade. De que adianta toda esta dor e
tensão se não posso desfrutar do meu sucesso?, perguntei a mim mesmo. Eu
preciso começar a aproveitar os frutos do meu trabalho, mesmo que isto
signifique destruir a galinha dos ovos de ouro.”[5]
Soros vinha apostando que as taxas de juros de curto prazo subiriam mais
do que as taxas de juros de longo prazo; isso seria prejudicial à economia,
pois forçaria o Federal Reserve a reduzir as taxas de juros para melhorar a
posição de seus títulos. A economia, porém, permaneceu forte por muito
mais tempo do que ele havia previsto e as taxas ficaram ainda mais altas.
***
O subtítulo dizia: “George Soros nunca teve um ano ruim e os anos de bom
desempenho têm sido incríveis. Vamos ver como ele enfrentou as
tendências do setor de administração de fundos na última década e, no
processo, acumulou uma fortuna pessoal de US$100 milhões.”.
O texto da história sugeria que Soros era uma superestrela dos negócios:
“George Soros está para a administração de fundos assim como Borg está
para o tênis, Jack Nicklaus para o golfe e Fred Astaire para o sapateado.”.
O artigo explicava como Soros havia construído sua fortuna. Com ativos de
apenas US$15 milhões em 1974, o Soros Fund chegou a US$381 milhões
ao final de 1980. “Depois de doze anos administrando o capital de clientes
como Heldring & Pierson, em Amsterdã, e o Banco Rothschild, em Paris,
Soros nunca teve um ano ruim; em 1980, o fundo rendeu surpreendentes
102%. Soros transformou sua taxa de administração em uma fortuna
pessoal de aproximadamente US$100 milhões.”[7]
***
Nada mais natural que George Soros falasse em parar. Ele pensou muito
sobre o que fazer. Estava tentado a abrir mão de todos os seus clientes. Pelo
menos assim ele não precisaria enfrentar futuras debandadas.
Soros sentia que havia chegado o momento de dar início ao livro que há
muito queria escrever. Ele já tinha até um título provisório. Iria chamá-lo de
The Imperial Circle (O Círculo Imperial).
11. O CÍRCULO IMPERIAL
Primeiro, disse Soros, tais sequências não ocorrem todos os dias. A nova
política de Reagan, porém, que ele chamava de “Círculo Imperial de
Reagan”, prometia colocar uma delas em movimento. O Círculo Imperial,
escreveu ele, era um “círculo benigno no centro e um círculo vicioso na
periferia de um sistema mundial baseado num dólar forte, numa economia
americana forte, num crescente déficit orçamentário, num crescente déficit
comercial e em altas taxas de juros para o setor imobiliário”.[1] E, observou
Soros, “você tinha aí um processo auto-reforçador ... que era, porém,
insustentável e teria que, um dia, ser revertido. Então era uma espécie de
sequência de prosperidade/colapso.”[2]
Talvez por ter percebido alguma coisa, Soros estava entusiasmado, mas não
a ponto de continuar a administrar o fundo em tempo integral. Antes de se
retirar, ele sabia que tinha de colocar o fundo em mãos competentes.
“Para participar do jogo, você tem que estar disposto a suportar qualquer
esforço."
***
***
Apesar de Soros ter adotado um perfil mais discreto, ele vinha sempre ao
escritório. Ainda assim, passava longos períodos fora - seis semanas na
última primavera em Londres, um mês no Extremo Oriente ou na Europa no
outono. Os verões ficavam reservados para Southampton, Long Island.
“Na hora de escolher ações de uma empresa, escolha duas, mas não duas
quaisquer. Escolha a melhor e a pior."
Soros não parava nunca. Estava sempre interrogando seu braço direito
como se estivesse aplicando um exame oral a um aluno de doutorado.
“Você tem alguma idéia nova em relação ao que você pensava esta manhã?”
era quase sempre sua primeira pergunta, que depois era acompanhada de
uma bateria de questões, sondando, procurando descobrir por que Marquez
havia feito uma suposição equivocada. Marquez lembra das sessões de
análise como uma experiência aflitiva: “Por ele estar sempre à procura de
pontos fracos, tentava constantemente descobrir o que estava errado com a
minha história”.
“Muitas vezes você faz as coisas exatamente do modo como acha que ele
gostaria que elas fossem feitas e lá vem ele, como se fosse um professor
falando com um aluno, e diz: ‘Você não entendeu. Não era isso o que eu
quis dizer.’ Então você fica totalmente perturbado porque achava que havia
compreendido tudo perfeitamente.”
“Era muito fácil para ele ficar de mau humor. Ele tinha uma maneira de
olhar para a gente com olhos tão penetrantes que você sentia como se
estivesse sob um raio laser. Era como se ele conseguisse enxergar lá dentro
da gente. Ele sempre achava que eu precisava estar por perto, mas nunca
achava que eu fosse acertar; ele apenas me tolerava. Quase como se a gente
fosse um ser menor”.
“Tudo o que ele pedia era que a gente acreditasse no que ele dizia, que a
gente checasse e rechecasse, sempre. Ele tentava acertar a jugular dizendo:
‘Você ainda acredita naquilo que me falou ontem?’.”
Soros não tinha o hábito de elogiar os outros com facilidade, nem de dividir
os créditos quando um investimento dava certo.
“Dividir [créditos] com ele é uma luta constante”, afirmou Marquez. "Ele
imagina que esta é a liga principal e que, afinal, tudo é um exercício
econômico e não acadêmico. Seu sucesso está sendo determinado em
dólares e centavos e você está sendo pago para vender. ”
Para alguém de trinta e poucos anos, como Marquez, a vida que George
Soros levava era ... bem, diferente da dele.
***
Naquele mesmo ano, George casou-se pela segunda vez. Sua noiva era
Susan Weber, de 28 anos. Segundo os relatos dos jornais, Soros chegou
atrasado porque estava jogando tênis.
***
“Quer você goste ou não, eu sou o capitão deste navio e estou vendo uma
enorme tempestade se aproximar. Numa tempestade como esta, o leme
precisa estar nas mãos do mais capaz, do melhor, do mais experiente. E
vamos encarar os fatos, entre nós dois, essa pessoa sou eu.”
Soros anunciou seu plano de contratar duas outras pessoas. Para ele, a
organização ideal tinha quatro ou cinco profissionais, proporcionando uma
profundidade e uma disciplina que não poderiam existir com apenas uma ou
duas pessoas. Marquez poderia, se quisesse, ficar em uma posição menos
importante e administrar um subgrupo. Ele, porém, decidiu sair, acreditando
que estava sendo posto de lado e que com isso teria menos autoridade.
Reconheceu, no entanto, que “a verdade é que George não estava errado.
Havia momentos à noite em que parecia que eu tinha uma espécie de
trombose na cabeça, com a qual não conseguia lidar. Havia muita coisa
acontecendo - e muita pressão, também”.
***
Enquanto isso, Soros reuniu seus dez gerentes de fundos externos para que
eles sugerissem pessoas que pudessem trazer sangue novo à empresa. O
nome de Allan Raphael foi ventilado.
Então veio o telefonema do próprio Soros. Será que Raphael poderia vir
tomar café da manhã com ele no apartamento do setor oeste do Central Park
na próxima quinta-feira?
“É muito importante que você saiba o que eu faço e o que eu não faço”,
disse ele, esperando não soar muito agressivo, muito precipitado. Ele não
ficou certo de que Soros havia absorvido suas palavras.
Raphael levou um susto. “Acho que sim”, foi tudo o que ele conseguiu
dizer, quase sem voz.
Foi, como lembra Raphael, “basicamente, ‘Vamos ficar noivos antes de nos
casarmos. Eu fico com você até o fim do ano. Vamos ver qual será o
resultado.’”.
George Soros intensificou seu papel no fundo no final de 1984. Por mais
que ele desejasse passar o bastão no Quantum Fund, ainda não estava
pronto para afastar-se inteiramente. Ele ainda acreditava que uma
tempestade ameaçava as economias do mundo. Não conseguia adivinhar
sua natureza nem quando ela começaria. Mas queria estar lá quando ela
chegasse, para navegar por suas ondas encapeladas, para, talvez, explorá-
las. Enquanto isso, ele prestava muita atenção no fundo, ficando mais
tempo no escritório, tentando certificar-se de que 1984 e 1985 seriam anos
bons.
“Se seus investimentos vão bem, siga seus instintos e vá em frente com
tudo o que você já tem."
Para Soros, esta era uma daquelas situações talhadas especialmente para
ele, em que ele poderia aplicar sua teoria da reflexividade. Ele sentia que o
preço das ações subiria, que logo todos os investidores estariam querendo
comprá-las freneticamente, impulsionando o preço ainda mais para cima.
Raphael não encontrou nada para refutar nas palavras de Soros. “É!”,
concordou, “as ações definitivamente vão subir.”
“Compre mais.”
“Se as ações subirem”, continuou Soros, “você compra mais. Não importa o
volume que essa posição assuma como parte da sua carteira. Se você está
certo, então compre mais.”
Soros sorriu e depois disse, para indicar que não estava interessado em
debater aquele ponto, “Próximo”.
***
Parte do conceito de hedge com o qual Soros viria a ser identificado era o
da posição vendida. A maior posição vendida que Soros assumiu em
meados da década de 1980 envolveu a Western Union.
“O que pensamos”, lembra Allan Raphael, “foi: ‘O que a Western Union fez
para o pony express, o fax fará para a Western Union.’”[1]
***
Reagan acabou por optar pela redução de impostos que, combinada com o
aumento dos gastos com a defesa, desencadeou uma explosão tanto no dólar
quanto no mercado de ações. O capital estrangeiro foi atraído para os
Estados Unidos e isso levantou o dólar e o mercado de capitais. A maior
expansão econômica atraiu montantes ainda mais altos de capital e tudo isso
contribuiu para empurrar o dólar para cima - novamente, o que Soros
chamava de “Círculo Imperial de Reagan”.
Inerentemente instável, porém, o Círculo Imperial, Soros acreditava, estava
fadado à ruína “porque o dólar forte e as altas taxas de juros reais
certamente seriam mais importantes do que o efeito estimulante do déficit
orçamentário e enfraqueceriam a economia do país”. Então, conforme Soros
havia previsto, por volta de 1985, o déficit comercial dos Estados Unidos
aumentava a taxas alarmantes e as exportações americanas enfrentavam
terrível desvantagem devido ao dólar altamente valorizado. As indústrias
domésticas também estavam ameaçadas, por causa do baixo preço das
importações japonesas. Soros havia observado tudo isso e detectado o
primeiro estágio de uma típica sequência de prosperidade/colapso.
Logo depois, Soros telefonou a Allan Raphael, que havia cuidado dessa
negociação. “Muito bom”, disse Soros. “Mas o que vamos fazer agora?”
“Está tudo claro’’, disse Raphael. “Vamos comprar mais Capital Cities.”
***
Raphael pôde supor pelo silêncio de Soros que ele havia passado no teste
com nota dez.
Soros acreditava que a política de Reagan em relação ao dólar acabaria por
conduzir à parte do colapso da sua sequência. O presidente talvez tivesse
bons motivos para manter o dólar alto, mas tinha razões melhores para
desvalorizá-lo. Durante o início dos anos 80, as taxas de juros de curto
prazo haviam subido para 19%. O ouro atingiu US$900 a onça. A inflação
era galopante - no nível dos 20%. O dólar lá nas alturas comprava 240 ienes
japoneses e 3,25 marcos alemães.
“George Soros tinha posições muito grandes em todos estes setores. Você só
consegue isso uma vez na vida.”
No dia seguinte ao anúncio do acordo, o dólar caiu de 239 ienes para 222,5,
ou 4,3%. Foi a maior queda da história em um só dia. Para a alegria de
Soros, ele ganhou US$40 milhões da noite para o dia. Raphael encontrou-o
naquela manhã e disse, “Boa jogada, George. Fiquei impressionado.”. Soros
não parou de comprar ienes.
Em seu diário no dia 28 de setembro de 1985, Soros chamou o Acordo do
Plaza de “lance memorável ... os lucros da semana passada mais do que
compensaram as perdas acumuladas na comercialização de moedas nos
últimos quatro anos...”[4]
“Eu tenho uma firme convicção sobre o que está para acontecer e sempre
terei e isso fica comprovado pelo nível de exposição que eu estou disposto a
assumir.”[7] Ao contrário do agosto anterior, quando temia que o colapso da
economia americana estivesse logo ali na esquina, agora Soros sentia-se
confiante. O governo estava tentando trazer o dólar para baixo - e estava
tendo sucesso. Os mercados de ações e títulos estavam em alta. Ele
acreditava ser possível uma grande explosão no mercado de ações. Em
dezembro, Soros era a imagem do otimismo. Ele chamou esse período de
“Idade de Ouro do Capitalismo” e anunciou uma “alta de mercado
memorável”.
***
Um dólar investido com ele quando o fundo foi lançado em 1969 valeria ao
final de 1985 US$164 depois de descontadas todas as taxas e despesas.
Soros explicou orgulhosamente ao jornalista Dan Dorfman que o mesmo
dólar investido no índice das ações 500 da Standard & Poor teria chegado
no mesmo período a apenas US$4,57.
Soros não contou a Dorfman quanto ele possuía no fundo a não ser para
admitir que era lá que estavam a maioria dos seus bens pessoais. As fontes
de Dorfman, porém, calcularam que Soros possuía de 15 a 30% do fundo.
Com o lucro do Quantum em 1985 na casa dos US$548 milhões, Soros teria
ganho entre US$83 e US$166 milhões. “Falso - vocês estão muito, muito
longe”, retrucou Soros quando a New York Magazine pediu que ele
comentasse sobre essas cifras.[8]
Soros não tinha tido um desempenho tão bom com ações americanas. “Eu
não jogo particularmente bem o jogo das incorporações”, ele admitiu. Seu
investimento esporádico na Disney em meados da década de 1980 pareceu
substanciar esse ponto de vista. No final, ele triunfou, mas o caminho não
foi dos mais suaves.[9]
Poucos também acreditaram que Disney pagaria para não passar o controle
a Steinberg. Ainda assim, foi isto precisamente o que aconteceu e Soros,
juntamente com os outros, perdeu um monte de dinheiro quando as ações da
Disney caíram para US$20 a unidade. Enfraquecido por tal pagamento,
Disney, porém, reagiu e Soros reinvestiu na companhia. Marquez creditou a
Raphael a detecção das tendências na Disney: “Allan entendeu rapidamente
o que estava acontecendo. Vínhamos considerando a Disney como uma
base subvalorizada que iria capitalizar por vários motivos. Ele a
considerava uma base de ativos rica e que poderia ser desenvolvida e
explorada e que não deveria receber um tiro na cabeça e ficar esquecida na
miséria.” Consequentemente, o Quantum Fund ganhou cinco vezes mais.
***
Em fevereiro, ele baixou sua posição em ações para US$1,2 bilhão. No dia
26 de março, ficou satisfeito com sua tese otimista; a queda no preço do
petróleo sugeria que ele estava certo. Assim, elevou novamente sua posição
em ações americanas e estrangeiras para US$1,8 bilhão. Desde o início de
janeiro, o fundo havia melhorado seu ativo líquido de US$942 milhões para
US$1,3 bilhão.
Quarenta por cento de sua posição em ações e dois terços de sua posição em
ações estrangeiras estavam vinculados ao mercado finlandês, a ações dos
setores ferroviário e imobiliário japoneses e a ações imobiliárias de Hong
Kong.
***
Soros saiu-se muito bem em sua experiência em tempo real. Ele levou o
Quantum Fund de US$449 milhões - valor no início de 1985 - para US$1,5
bilhão ao final de 1986. Ainda assim, ele descobriu que a experiência ficava
mais problemática à medida que o tempo passava. Quanto mais ele escrevia
em seu diário, mais sentia-se compelido a justificar a si mesmo por que
estava fazendo uma determinada jogada. Passou a considerar a experiência
um pesado ônus.
13. ESPECULADOR
FILOSÓFICO
Mas não muita. George Soros era complexo demais. Ele tinha mais do que
apenas uma dimensão. Independente de quanto dinheiro fluísse para sua
conta bancária, ele nunca ficava satisfeito como simplesmente um homem
que vive de rendas. Nesse sentido, ele era igual a muitos outros milionários
dos anos 90.
Mais do que tudo, porém, ele procurava ser respeitado - por sua cabeça, por
suas idéias, por suas contribuições à sociedade através de seus esforços
filantrópicos. Se ele tivesse se intitulado filósofo e nada mais, talvez não
fosse levado a sério.
Ele disse mais de uma vez que ser um sucesso em Wall Street pelo menos
lhe proporcionou a chance de ser ouvido e esse era o passo inicial para ser
levado a sério.
Por mais satisfeito que tivesse ficado com seu bom desempenho em Wall
Street, Soros não estava, de jeito nenhum, feliz com a agonia que permeava
as decisões cotidianas do seu trabalho: “Meu ego foi realmente colocado em
evidência e isso mostrou-se uma experiência dolorosa. Por um lado, meu
ego sofria um incrível bombardeio toda vez que eu fazia uma jogada errada
no mercado. Por outro, eu não estava realmente a fim de ser identificado
com alguém que ganha dinheiro para com isso ser reconhecido como
alguém de sucesso. Eu tive que negar meu próprio sucesso para manter a
disciplina que era responsável por aquele sucesso.”.[6]
***
Edgar Astaire, seu sócio em Londres, quase sempre encontrava Soros fora
do escritório. Seus gostos não eram pretensiosos, afirmou: “Ele gosta de
teatro, de música. Não faz nenhuma coleção. Não coleciona quadros. Tem
alguns objetos de arte húngaros. Gosta de suas roupas. Sempre se vestiu
muito bem.”[8]
“Por que não vamos de bonde?”, Soros perguntou com muita seriedade.
Ele dava muitas festas. Às vezes telefonava para Susan no último minuto.
Havia convidado alguns amigos para jantar. Quantos?, Susan perguntava.
Oh, talvez uns 50 ou 75, Soros respondia. Susan então ficava às voltas com
a preparação de uma refeição para 70 dissidentes russos e seus
acompanhantes.
Todo Ano Novo ele oferecia uma recepção no seu apartamento de Nova
Iorque. Todo sábado à noite durante o verão em Southampton, os Soros se
divertiam e para George as noites eram tanto reuniões comerciais quanto
eventos sociais. Wien, que esteve presente em algumas dessas festas,
observou que Soros era “bom com as multidões. Ele diz alô a todos. Sabe o
nome de todos. As pessoas que vão a essas festas são artistas, são pessoas
com quem ele joga tênis, homens de negócios, pessoal do governo. Há
sempre mais pessoas do que é possível interagir. Ele sempre tira algo destas
experiências, mas o mais importante é que as pessoas interagem umas com
as outras”.[13]
***
Com relação aos outros que tentavam explorar o mercado: “Eu tinha muito
pouca consideração pela sagacidade dos investidores profissionais e quanto
mais influente sua posição, menos eu os considerava capazes de tomar as
decisões certas.”.[18]
Jim Marquez viu tudo isto de perto, quando ele e Soros trabalharam juntos
em meados da década de 1980: “Ele estava imbuído da idéia de que
conseguia entender as coisas melhor do que você e era sempre uma luta,
não porque ele estivesse convertendo sua mente do húngaro para o inglês,
mas porque estava tentando convencer você a seguir junto com ele.[19]
“Para ele estava claro que você não conseguiria acompanhá-lo na mesma
velocidade. Ele achava que quando compreendia alguma coisa, era como se
estivesse conversando com Deus. Ele tinha tanta certeza de que aquilo iria
acontecer que, se não acontecesse da maneira prevista, ele ficaria
extremamente surpreso. E se acontecesse, bom, era assim mesmo que
deveria ser.”
14. UM PREÇO BAIXO PELA
LIBERDADE
E mesmo assim ele sabia que não tinha escolha, não se quisesse tentar fazer
algum bem. Ele teria de criar fundações. Mas teria de assegurar seu
desempenho eficaz.
Então a questão era: Como deveria distribuir o dinheiro? Já que ele era
judeu, não seria natural que ele ajudasse seus compatriotas?
Por que Soros se opunha tanto a ajudar Israel? “Era”, lembra Ofer, “um
misto de sentimentos. Para ele, Israel era por demais socialista e, antes de
uma reforma profunda, não havia por que lhe oferecer ajuda. Há um
elemento não-sionista ou antissionista em seu raciocínio. Ele acredita que
os judeus devem atuar nas sociedades em que vivem.”
***
Ainda assim, Soros sabia que não era possível reformar a Europa Oriental e
a ex-União Soviética com a simples distribuição de dinheiro. Ele precisaria
ir mais longe, imbuir o Oriente do gosto pelas idéias ocidentais. Afinal foi
no Ocidente que a noção de sociedade aberta havia florescido.
Soros sofreu fortes críticas de pessoas que não estavam acostumadas a ver
alguém distribuir seu dinheiro tão livremente. Jeffrey Sachs, professor de
comércio internacional na Universidade de Harvard e consultor econômico
dos governos da Polônia. Rússia e Estônia, entre outros, disse: “George
Soros é visto através de todos os diferentes tipos de prismas e alguns não
são muito atraentes. Entre os líderes governamentais, a reação é muito mais
positiva do que entre os grupos antissemitas, os nacionalistas extremos e
outros grupos xenófobos. Entre eles, a reação a Soros é negativa.”[3]
E realmente não foi fácil para Soros criar cabeças-de-praia nestes países da
Europa Oriental. Os romenos não gostavam dele porque era húngaro. Os
húngaros não gostavam dele por ser judeu. E na Eslováquia, o judeu
húngaro só tinha desvantagens.
***
Uma vez decidido que ele iria concentrar-se na Europa Oriental, Soros
sentiu que precisava de uma vitrine. Escolheu sua Hungria natal. Acontece
que alguns membros reformistas do governo de linha dura de Janos Kadar
também tinham suas atenções voltadas para Soros. Eles queriam que Soros
trouxesse capital estrangeiro para aquele governo enfermo.
Um deles era Ferenc Bartha, que, naquela época, era responsável pelos
relacionamentos econômicos do governo. Quando se encontrou com Bartha,
em 1984, Soros explicou que estava interessado em criar uma fundação
filantrópica. Seguiram-se as negociações. Conduzindo-as pelo lado do
governo estava George Aczel, o único membro judeu do Politburo húngaro
e czar cultural extraoficial da Hungria e confidente do primeiro-ministro
Kadar.
“Que pena termos desperdiçado todo esse tempo e esforço para nada", disse
ele, sempre o grande negociador. Sua mão já estava na maçaneta na porta
quando os burocratas cederam. Eles permitiriam à Soros Foundation um
alto nível de independência.
***
***
Irritado com o modo como ele e sua fundação estavam sendo tratados,
Soros mostrou-se pronto a fechar a Soros Foundation. “Nas duas ou três
semanas seguintes, houve muita tensão”, observou Miklos Vasarhelyi.
“Finalmente as coisas se acalmaram.” Mais uma vez, Soros e sua fundação
voltaram a ter acesso à revista World Economy. A biografia de Racozi foi
publicada, mas a tempestade já havia então se dissipado.
Soros era sincero com relação ao que esperava realizar através dos
subsídios da fundação. “Em vez de partirmos diretamente rumo à nossa
meta, através de ações políticas contra o governo, minamos indiretamente o
sistema dogmático de pensamento. A luta entre idéias diferentes é a
essência da democracia.”[9]
***
Em 1987, ele deu início aos trabalhos na União Soviética; depois, em 1988,
foi para a Polônia e, em 1989, para a Tchecoslováquia. Mas um de seus
desafios mais importantes foi a Romênia.
***
Os combates ainda não haviam explodido, mas Soros sentia que o confronto
era iminente. Ele estava certo. No dia 16 de dezembro de 1989, as forças de
segurança da Romênia atiraram em manifestantes em Timisoara; centenas
de pessoas foram enterradas em valas comuns. Ceausescu declarou estado
de emergência quando os protestos se espalharam para outras cidades.
Teodoresco nunca havia ouvido falar de George Soros - e não tinha a menor
idéia do que fosse uma fundação nem de como ela atuava. Nada
surpreendente, então, que seu primeiro encontro com Soros, no dia 6 de
janeiro de 1990, não tenha sido fácil. Soros apareceu com Miklos
Vasarhelyi, seu representante pessoal na Soros Foundation da Hungria, na
casa de Teodoresco sem avisar.
Teodoresco estava ocupado com seguidas reuniões e quando um colega
anunciou que “há dois americanos esperando você lá fora; um deles está
dizendo que é bilionário”, Teodoresco não se deixou impressionar. “Que
eles se danem”, foi sua resposta nada educada. Depois da revolução, os
americanos chegavam aos montes dizendo a Teodoresco e outros
dissidentes que tinham dinheiro e queriam ajudar. Então ele deixou Soros
esperando por duas horas. Finalmente uma secretária apareceu no seu
escritório para informar que os dois homens ainda estavam por lá.
“Mande-os entrar."
“Tudo bem”, foi tudo o que Teodoresco conseguiu encontrar para dizer.
Soros disse que queria que Teodoresco dirigisse a fundação e que colocaria
à sua disposição US$1 milhão. Teodoresco sentiu que seria estranho e
difícil apresentar a idéia de uma fundação estrangeira em seu país. Um mês
mais tarde, quando Soros retornou à Romênia, estava ansioso em saber por
que Teodoresco hesitava em aceitar o posto. Soros perguntou: “Você precisa
de ajuda para criar a fundação?”.
“Sim”, disse o antigo dissidente, “eu preciso de ajuda. Eu não sei como
criar uma fundação.”
“Então está bom”, disse Soros. Ele tinha a pessoa certa em mente. Sandra
Pralong. “Você precisa conhecê-la. É a pessoa mais criativa que eu já
conheci, um pouco neurótica.”
Quando voltou para Nova Iorque, Soros telefonou para Sandra Pralong.
“Que fundação?", ela perguntou perplexa. Ela não tinha a menor idéia do
que ele estava falando.
Para Alin Teodoresco, conviver com Soros não era fácil, porque ele
demonstrava pouca paciência. Ele queria que o dinheiro fosse gasto para
poder abrir novas frentes em outros países, novos projetos. Teodoresco
estava acostumado a conversar. “Quando o conheci, ele parecia um chefe”,
lembra Teodoresco. Ele usava a palavra “chefe” em termos pejorativos, para
denotar alguém que esperava que seus empregados funcionassem sem
muitas orientações e sem nenhuma chance de fazer perguntas.[11]
***
Soros não conseguia esquecer seu passado na Hungria, não pelo menos na
Romênia. Com uma população de 23,1 milhões de habitantes, a Romênia
tinha entre eles 2,4 milhões de húngaros. Para alguns romenos, um
bilionário nascido na Hungria e que chegou à Romênia pregando o
capitalismo, a reforma econômica e uma sociedade aberta parecia
simplesmente uma maneira dissimulada de colocar a população húngara
daquele pais contra o governo.
Desde 1987, Soros abrira fundações em todo o Leste. A cada ano seus
gastos aumentavam. Seus esforços na Europa Oriental cresceram em 1990,
quando ele fundou a Central European University, com campi tanto em
Praga quanto em Budapeste. Com 400 alunos de 22 países, a CEU era o
sonho de Soros, o projeto que mais significado tinha para ele. Na primavera
de 1994, o império filantrópico de Soros já incluía 89 escritórios em 26
países. Ele já havia doado US$500 milhões nos dois anos anteriores e havia
assumido compromissos de doar outros US$500 milhões.
***
Soros atraiu muita publicidade por seu golpe contra a libra esterlina em
setembro de 1992. A mídia queria saber tudo sobre seu estilo de
investimento. Ele não tinha interesse nenhum em revelar seus segredos,
então usou uma tática de distração: convidava os repórteres para estar com
ele na Europa Oriental e assim conseguia desviar o foco da mídia. Menos
tempo gasto com seus investimentos, muito mais com seus programas
assistenciais.
Poucas pessoas abriam mão de tanto dinheiro com tão pouco alarde quanto
George Soros.
A cena seguinte no documentário da TV mostrou a abertura do ano
acadêmico na Central European University. Soros estava ao lado de Vaclav
Havel, o dissidente que se tornou presidente, atrás de um microfone que era
alto demais para ele e que parecia estar pendurado sobre seu nariz. A mão
direita estava no bolso do paletó e ele gesticulava com a mão esquerda.
É preciso que se diga que Soros nunca tentou transformar-se em uma figura
adorada por seus programas assistenciais. Certamente ele deseja ser
reconhecido e respeitado, mas ele não insiste para que seu nome e foto
sejam colocados em posição de destaque em todas as instituições que ele
financia. Também não parece particularmente interessado em usar as
fundações para disseminar suas idéias. Durante minha visita às suas
fundações na Europa Oriental na primavera de 1994, era virtualmente
impossível encontrar cópias dos livros de Soros. Até mesmo a biblioteca da
Central European University em Budapeste, que se gabava de ter um belo
acervo, não tinha nenhum dos seus livros. A própria escola chamava-se
Central European University e não Soros University, “Eu não quero um
memorial com o meu nome depois da minha morte", deixou escapar. “Eu
quero influenciar o que está acontecendo agora. ”
***
Soros, o assistencialista, era uma pessoa muito mais feliz do que Soros, o
que ganha dinheiro. Sua vida parecia ter uma finalidade séria. Se muitos na
Europa Oriental e na ex-União Soviética o consideravam um santo ou um
Papai Noel, para ele estava tudo bem. Quando seus críticos arremessavam
epítetos em seu caminho, ele os afastava, como se fossem moscas zumbindo
a sua volta. Ele era um homem com uma missão, tentando ser importante,
atuando de modo prático, divertindo-se a valer. Seu trabalho nas fundações,
disse com alegria, “deixou-me mais perto de ter uma verdadeira sensação
de satisfação do que ganhar enormes quantidades de dinheiro”.
Com um império tão difundido, tão ativo em tantos lugares, Soros parece
sentir como se devesse estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Ele tem
dificuldades para ater-se a um cronograma. Se lhe dá na veneta, ele altera
todos os planos no último minuto, para desespero daqueles que já
colocaram os planos originais em andamento. No final de 1992, ele havia
planejado voar da Tirânia, na Albânia, para Viena, mas quando já estava a
bordo, de repente mudou de idéia. “Vamos voar para Londres”, disse ao
piloto.[19]
O piloto fez uma careta, sorriu e lembrou das duas horas que havia gasto
para preparar o plano de voo para Viena.
“Sr. Soros”, disse o piloto, “o senhor é o cliente mais polêmico que nós
temos.” Soros deu risada.
***
Mas, mesmo com todos esses elogios, no início da década de 1990, Soros
parecia deprimido com o lento progresso dos seus esforços assistenciais. A
princípio, ele esperava que poderia simplesmente riscar um fósforo e
acender uma revolução. “Sinto que fui mais absorvido do que estava
preparado porque tudo isto, no final, é muito extenuante e muito
desgastante."[23]
15. URGÊNCIA DE SE REVELAR
Nas fases iniciais da sua carreira profissional, George Soros achava que a
fama era a pior coisa que poderia acontecer. Fama significava
reconhecimento instantâneo, significava telefonemas da mídia, significava o
final das alegrias da privacidade. A fama era considerada um golpe mortal
na carreira de investimento de qualquer pessoa.
“Para George [esta publicidade seguida do revés financeiro] foi quase que
uma relação causal”, comentou Marquez. “George sabia que era arriscado
acreditar nas reportagens da imprensa porque sabia também que, com isso,
a pessoa ficava sentada nos louros, observando em lugar de participar. Ele
achava que havia compartilhado ... o que sabia sobre como investir com os
outros através da mídia e veja o que lhe aconteceu. E não apenas isso. No
processo, ele perdeu alguns de seus mais antigos investidores e amigos.
Então ele entrou em uma fase muito reservada.”[3]
Por quê?
***
“Foi como aparecer na capa da Sports Illustrated", disse Raphael. “Seu time
é o favorito para ganhar a Copa do Mundo mas é eliminado logo na
primeira rodada. Até brincamos dizendo que dá azar aparecer em capas de
revistas.”
Ele estava, podia-se dizer, em guerra com ele mesmo. Um lado, dos
investimentos, lutava para permanecer secreto, privado; o outro, da
filantropia, lutava para obter notoriedade. Esta tensão foi melhor ilustrada
quando ele percebeu que “há um ponto além do qual a auto-revelação pode
ser prejudicial e uma das falhas no meu caráter, que eu ainda não fui capaz
de compreender totalmente, é a urgência de me revelar.”.[5]
Há muito tempo ele vinha querendo publicar um livro que desse uma certa
contribuição à humanidade, mas sabia que teria de tornar suas idéias mais
claras para o público. “Elas não foram compreendidas”, disse ele uma vez,
“porque eu não consegui explicá-las muito bem e elas são complexas.”[6]
Um outro que viu alguns dos primeiros capítulos foi Allan Raphael. “O
livro não é uma leitura popular. Seu público-alvo são alunos da graduação.
Tivemos que ler todos os rascunhos de todos os capítulos que ele escreveu.
Com toda a honestidade, não foi nada estimulante. Do ponto de vista do
leitor, o livro não tinha nenhuma receita de como ganhar um milhão de
dólares em dez dias. Não era um diário de Soros. Ele pulava para frente e
para trás. Não deixou ninguém editar o livro, o que, para mim, foi um
erro.”[9] A Simon & Schuster prontificou-se a fornecer um editor
profissional para analisar o livro, uma prática comum no ramo editorial,
mas, segundo Raphael, Soros recusou.
Soros originalmente queria que o livro chamasse Boom and Bust. Mas
Byron Wien convenceu-o a mudar de idéia. “Era um clichê muito grande.
De certa forma, degrada o conteúdo do livro.”[10]
***
Soros tinha uma grande preocupação com o livro, já que não desejava que
os leitores ficassem com uma percepção incorreta do seu propósito. Ele não
queria publicar mais um guia sobre como ficar rico em Wall Street. Talvez
os leitores achassem que fossem encontrar dicas de investimentos em cada
página. Mas ele não estava tentando ajudar ninguém a ganhar dinheiro. Ele
estava escrevendo com apenas uma finalidade: explicar aos leitores que
suas teorias financeiras eram parte de um conjunto mais amplo de teorias
gerais sobre como o mundo funcionava. Ele escreveu que estava usando
suas “experiências nos mercados financeiros para desenvolver uma
abordagem ao estudo dos processos históricos em geral e do momento
histórico atual em particular.”.[11]
Para ser levado a sério, para que o público ficasse interessado em suas
idéias, Soros tinha de se fazer compreender. Ele tinha de expor suas teorias
de maneira que os outros não tivessem nenhuma dificuldade para entender.
Ele também precisaria deixar claro como aplicou sua teoria nos processos
decisórios como investidor.
Soros não deixou claro para essas pessoas do que tratavam as suas teorias
financeiras. Ele criou confusões que aparentemente não lhe eram óbvias.
Para qualquer pessoa que se dispusesse a dissecá-lo, o livro era muito
pesado e muito difícil de ler.
***
Quando a Simon & Schuster conversou com ele sobre promover o livro, ele
achou que estava embarcando em uma viagem de exploração de idéias com
a mídia e não que estaria se expondo aos tipos de perguntas que ele havia
evitado durante toda a sua carreira profissional.
“Você tem que sair e divulgar o livro”, uma figura importante da editora
disse a ele.
“Acho que para mim, tudo bem”, disse Soros com relutância. “O que devo
fazer?”
“Eu vou participar desse programa ‘Wall Street Week’”, declarou com
aparente orgulho. “Eles vão discutir meu livro.”
“George, eles não querem discutir seu livro. Querem saber o que você está
comprando, quais são suas ações favoritas. Eles vão perguntar um monte de
coisas que você não quer responder. ”
“Não”, disse George, desta vez com menos insistência na voz. “Eles vão
discutir meu livro.”
Naquela noite, Soros apareceu no programa. Após não mais do que dois
minutos de elogios, foi-lhe feita a seguinte pergunta:
E não disse.
Donald Katz queria entrevistar Soros para a Esquire. Mas Soros tentou de
todos os meios fugir do compromisso. O escritor já não sabia mais o que
fazer quando descobriu que Soros havia escrito um livro, que, mais tarde,
ele descreveu como “impenetravelmente denso mas às vezes
surpreendentemente brilhante”.[12]
Logo Soros detonou a pergunta, que soou mais como uma afirmação, com
toques de cinismo ou dúvida.
O que quer que Katz tenha respondido - ele não deixou nenhuma pista -
convenceu Soros de que valia a pena dar continuidade à conversa com o
escritor. Soros procurou enfatizar o mesmo ponto que ele esperava enfatizar
no programa em Washington, que ele estava interessado na filosofia e não
na arte de ganhar dinheiro.
George Soros.
Ainda assim, lá no fundo da sua mente, Soros sabia que mais cedo ou mais
tarde, se sua teoria da reflexividade estivesse correta, o aspecto de colapso
da sequência prosperidade/colapso entraria em cena. Era só uma questão de
tempo, mas não necessariamente de imediato.
Entretanto, Soros supunha que o mercado dos Estados Unidos não seria
muito afetado em caso de craque no mercado japonês porque o valor das
ações americanas não chegava aos níveis absurdos do Japão. Embora ele
visse em Wall Street alguns dos mesmos processos que haviam levado às
extremas valorizações japonesas, isso não o deixava profundamente
preocupado. Seguindo esse raciocínio, naquele outono, ele transferiu vários
bilhões de dólares de investimentos em Tóquio para Wall Street. Ele emitiu
uma nota otimista: “O mercado americano só começou a se empolgar
recentemente e ainda é possível corrigir estes exercícios de forma suave e
organizada.”.
***
***
Soros acabou sendo o indivíduo que mais perdeu com a queda de Wall
Street.
Ele admitiu ter cometido um erro de julgamento. “Eu esperava que a quebra
acontecesse no mercado de ações, mas fazendo uma retrospectiva ela
obviamente começou no mercado de títulos, particularmente no mercado de
títulos japonês, em que os rendimentos mais do que dobraram em uma
questão de semanas, algum tempo atrás.” Consequentemente, o mercado de
títulos americano entrou em parafuso na primavera de 1987. Como não
conseguiu perceber que a queda se aproximava de Wall Street, Soros ainda
esperava ver um mercado de ações saudável nos Estados Unidos.
***
“Mas esse não era o valor do ativo líquido do fundo. Se você quisesse
comprar cotas do fundo, tinha que pagar o valor do ativo líquido mais um
prêmio. ... O valor do ativo, que reflete o valor líquido do fundo, não é o
preço que você vê no Financial Times e as pessoas não perceberam esta
distinção. E é por isso que elas calcularam os US$800 milhões.”
“Essas pessoas disseram que você entrou em outubro a US$20 mil dólares
por ação e terminou o mês a US$16 mil por ação. Portanto, você perdeu
US$4.000 por ação. ... Mas argumentamos que esse cálculo incluía o
prêmio. Nosso prejuízo foi de US$350 a US$400 milhões. Todo o mundo
pensou que ele realmente tinha sido de US$650 a US$800 milhões. Foi
muito ruim. Gary Gladstein, falando em nome de George, explicou ao The
New York Times sobre o prêmio, mas eles basicamente já tinham tirado
suas próprias conclusões. Soros não ficou satisfeito.”
‘“Isso não é verdade’, disse ele. ‘Como é que eles podem publicar uma
coisa dessas? Como é que eles fazem uma coisa dessas?’”
“Eu disse a ele: ‘George, não vamos entrar em discussão com pessoas que
compram tinta em barril. E isso é tudo.’”
“Mas ele ficou muito aborrecido. Depois disso, não fez mais sentido para
ele conversar com a imprensa.”
***
Um repórter da revista Time perguntou qual foi a reação dele a esse revés:
“Estou achando graça”, foi tudo o que ele poderia dizer. Percebendo
aparentemente que as coisas poderiam ter sido muito piores, ele disse:
“Ainda estou sorrindo”.
Para Soros, o colapso não tinha terminado. Ele achava que um outro grande
colapso financeiro poderia ocorrer. Aí então, observou melancolicamente,
muitos investidores iriam descobrir como é complexo jogar nesse mercado.
“Muitas pessoas acham que têm controle da situação”, disse ele. “Mas
assim como o declínio de 1960 e 1970 fez sumir muitas das fortunas
acumuladas nos anos 50 e 60, o teste virá diante da adversidade.”[11]
"A confiança nos dispositivos que seguem as tendências ficou maior do que
a capacidade de o mercado acomodá-los."
Seis anos mais tarde, em 1986, Druckenmiller foi recrutado pela Dreyfus
para ser gerente de fundos, mas com autorização para continuar a gerenciar
o fundo Duquesne. Na Dreyfus, ele gerenciava ações, títulos e moedas,
entrando e saindo do mercado tanto como comprado quanto como vendido.
Seu talento altamente valorizado, Druckenmiller foi dando responsabilidade
a vários fundos desenvolvidos apenas para ele. O mais popular, criado em
março de 1987, era o Strategic Aggressive Investing Fund. Nos 17 meses
seguintes, ele foi o fundo que apresentou melhor desempenho na indústria.
O novo homem não estava disposto a entrar em choque com o chefe. Então,
quando Soros propunha alguma coisa, Druckenmiller ia em frente. Ele
estava inquestionavelmente intimidado pelo seu mentor, o homem que ele
mesmo muitas vezes descreveu como o maior investidor de todos os
tempos.
Mas Druckenmiller acabou capitulando. Parecia quase idiota discordar de
qualquer coisa que viesse da boca de Soros, embora não passasse pela sua
cabeça ser um simples escriturário do Quantum. Druckenmiller finalmente
disse a Soros: “É impossível ter dois mestres-cucas na mesma cozinha; não
funciona.”. Soros fez alarde prometendo mudar, mas quase nada aconteceu.
Durante um certo tempo, Druckenmiller adotou uma atitude do tipo “sorria
e seja tolerante”.[3]
***
Grant continuou: “O que está acontecendo de diferente nos últimos anos ...
é que as sociedades individuais podem e estão obtendo empréstimos. Se
você começa com um bilhão de dólares de capital, pode obter um
empréstimo volumoso e realizar grandes feitos. ... Bem, se você faz isso
com um bilhão de dólares, ou cinco bilhões de dólares, só precisa acordar
de manhã! ... Esse clima financeiro veio a calhar para a especulação - e
especulação em grande escala.”.
***
A lição mais significativa que Soros lhe ensinou, sugeriu Druckenmiller, foi
“que o importante não é estar certo ou errado, mas quanto dinheiro você
ganha quando está certo e quanto você perde quando está errado. Nas
poucas vezes em que Soros me criticou, eu estava realmente certo em um
mercado, mas não consegui maximizar a oportunidade”.[11]
"O importante não é estar certo ou errado, mas quanto dinheiro você ganha
quando está certo e quanto você perde quando está errado."
Ele aprendeu isso logo depois que começou a trabalhar no Quantum. Ele
estava entusiasmado com o dólar e assumiu uma grande posição vendida
contra o marco alemão. A posição começou a caminhar a seu favor e ele
ficou muito satisfeito consigo mesmo. Soros apareceu no seu escritório e
discutiu aquele lance.
“E para você isso é posição?”, disse Soros, uma pergunta que se tornou
parte do folclore de Wall Street.
***
Uma das grandes influências na vida de George Soros - por várias vezes ele
deixou isto claro - foi sua esposa Susan. Ele disse em público e em
particular que “ela conseguiu manter-me humano”.
"É preciso coragem para ser ambicioso. Quando você está certo em relação
a alguma coisa, nunca o que você tem pode ser o suficiente."
Houve uma época em que Soros queria viver em Londres, onde pudesse
ficar mais perto da Europa Oriental e da antiga União Soviética, cenários de
seus maiores interesses nos anos 80 e início de 1990. Susan queria que eles
continuassem em Nova Iorque por causa das crianças. Pode-se dizer que ela
venceu, embora Soros ainda viaje muito.
Ela tem sido o para-raios para algumas das publicidades mais negativas em
torno de Soros. O incidente mais controvertido, em 1991, teve a ver com a
insatisfação de Susan quanto ao mordomo e à cozinheira que Soros tinha na
sua casa da Inglaterra e que, segundo um jornal, recebiam 70 mil libras
esterlinas por ano os dois e eram casados.
Os relatos dos jornais na época indicavam que durante uma das viagens de
Soros, Susan decidiu que não queria mais o estilo inglês de cozinha de
Nicki Davison. Ela mandou vir de avião a chef americana Miriam Sanchez.
Segundo o New York Post, que transcreveu declarações publicadas no Daily
Mail da Grã-Bretanha, “Os ânimos logo se exaltaram assim que Patrick
Davison, mordomo altamente qualificado, viu que Sanchez estava
‘despejando’ no goulash uma garrafa de US$840 de Chateau Lafite depois
de ele ter dito para ela usar um Chardonnay ou um Beaujolais novinho’”.
“Achei ultrajante”, disse Davison no tribunal.[13] e [14]
“A Sra. Soros é 25 anos mais moça do que seu marido e eu receio que ela
consiga tudo o que quer”, alegou Davison. “Ela nos demitiu enquanto ele
estava viajando e desde então venho tentando entrar em contato com ele,
mas ele não me atende.” Novamente de acordo com os relatos dos jornais, o
tribunal inglês, em maio de 1991, obrigou Soros a pagar aos Davisons
aproximadamente US$40.000, o valor máximo de indenização estabelecido
por lei.
Dois anos mais tarde, em 1993, Susan abriu uma escola, a Bard Graduate
Center for Studies in the Decorative Arts. O centro, localizado na rua 86-
Oeste, em Nova Iorque, é parte do Bard College e oferece cursos de dois
anos para o estudo de objetos de decoração, móveis e tecidos. Para esse
empreendimento, ela recebeu uma ajuda de US$6,6 milhões do marido.
***
O maior lance de George Soros - aquele ato que fez dele um investidor
famoso em todo o mundo - ocorreu em setembro de 1992.
Foi então que ele fez aquela notável aposta contra a libra. Com isso, ele
desafiou duas das mais formidáveis instituições de toda a Inglaterra.
Uma delas foi a própria libra, outrora toda-poderosa. Durante 200 anos, a
libra foi a moeda-chave do mundo, ancorada no ouro, um símbolo tão forte
da potência britânica quanto sua marinha naval. Mas, depois, o custo da
Primeira Guerra somado ao craque do mercado de ações em 1929
corroeram seu poder. Os britânicos permitiram que ela flutuasse e a
desatrelaram do ouro. Seu valor mudava todos os dias.
George Soros testaria a força dessas instituições como nunca ninguém antes
ousara imaginar. O que ele estava para fazer ninguém jamais havia tentado.
Ele estava preparando-se para um bom futuro.
***
Antes que ele pudesse agir, vários ingredientes teriam de ser reunidos.
***
O problema era: alguém tinha esquecido de dizer aos europeus que eles
deveriam agir em uníssono.
***
***
***
Ele queria uma rápida solução para sua economia, mas isso exigiria o tipo
de reversão política que poderia abalar o governo e talvez até provocar seu
colapso.
John Major tinha de tomar uma decisão. Ele decidiu endurecer: a Inglaterra
não abandonaria a política de manter o valor da libra dentro do Exchange
Rate Mechanism. Ele e seu ministro da Fazenda, Norman Lamont, foram
enfáticos.
Caso alguém não esteja ouvindo, Lamont repete: “Nós não vamos
desvalorizar a libra.” Respondendo aos seus críticos, ele declara: “se, como
alguns sugerem, saíssemos do ERM e reduzíssemos as taxas de juros, as
coisas ficariam piores. A libra despencaria e a inflação explodiria.”
Não haveria nenhum afastamento do ERM. “Estou determinado”, ele
escreve em um jornal, “a não desperdiçar o progresso que já obtivemos.”
Não parece provável que Lamont consiga manter-se firme no seu propósito.
Há apenas alguns minutos, um funcionário do Tesouro estava muito
ocupado polindo a placa de bronze para deixá-la reluzente diante das
câmeras de televisão. Depois, Lamont aparece do lado de fora do Tesouro,
diante de uma câmera de TV. Ele cerra os punhos, dá um largo sorriso,
como se tentasse dissimular uma enorme agitação interior.
Repete o que vinha sendo ouvido com frequência em Downing Street nos
últimos dias: “Faremos o que for necessário”, sugerindo que o governo não
terá receio de aumentar as taxas de juros, se necessário. Ele repele as
perguntas. Tudo o que diz ao sair é: “Estamos agindo.”.
As declarações públicas de Lamont acontecem ao mesmo tempo em que o
Banco da Inglaterra intervém para comprar libras agressivamente,
aproximadamente 300 milhões de libras. Esse passo tem como objetivo dar
credibilidade à mensagem do chanceler - e tentar impedir que os
especuladores levem a libra abaixo do piso de 2,7780 marcos alemães.
28 de agosto de 1992
Adivinha?
O que Soros fica sabendo nesta conversa com Schlesinger é que os alemães
não farão nada para minar sua própria economia. A relutância de
Schlesinger em socorrer a Inglaterra e outros países torna ainda mais
improvável que Major e Lamont consigam manter seu país no ERM.
George Soros não está sozinho na sua aposta contra o ERM e os bancos
centrais da Europa. Os fundos mútuos e as corporações multinacionais que
tradicionalmente atuam ativamente como hedgers de moedas começam a
vender as moedas européias mais fracas.
Norman Lamont está tentando ganhar tempo para a sua libra já sitiada.
3 de setembro de 1992
Lamont anuncia que o governo planeja obter empréstimos no valor de 7,5
bilhões de libras em moedas estrangeiras junto a um grupo de bancos
internacionais. Essa atitude sem precedentes visa a ressuscitar a libra. Em
Londres, há euforia e um alívio momentâneo já que parece que Lamont
tirou um coelho da cartola.
Talvez, afinal, ele consiga manter a libra forte o suficiente para permanecer
no ERM. E afastar a necessidade de uma desvalorização.
10 de setembro de 1992
“Não havia convicção nelas”, diz ele depois da crise, “porque a realidade da
situação era mais premente.”[3]
A “realidade” para Soros é que a Inglaterra sofrerá uma forte pressão para
manter sua moeda tão valorizada, dada a estagnação econômica. (Um
repórter de TV perguntou mais tarde a Soros por que as palavras de Norman
Lamont não o haviam convencido. Soros abriu um enorme sorriso e depois
deu uma gargalhada: “Tudo o que eu posso dizer é o que eu já disse antes:
Elas não me transmitiram convicção.”)
Druckenmiller merece um crédito muito grande por ter iniciado o jogo com
a libra, mas é Soros, como sempre, quem tem a extrema autoconfiança que
encoraja Druckenmiller a apostar tanto. “Eu disse a ele que pulasse na
jugular”, disse Soros. “É como atirar em peixes dentro de um barril.
Enquanto o barril se mantém em pé, você continua a atirar nos peixes.”[6]
Quando os mercados explodem, George Soros está sempre lá, pronto para
aproveitar a oportunidade.
O jogo que ele joga é complexo. É complexo porque ele acredita que a
ruptura do ERM, agora inevitável, colocará em ação uma sequência de
acontecimentos. Primeiro, um grande realinhamento das moedas européias.
Segundo, uma queda vertiginosa nas taxas de juros da Europa. Terceiro, um
declínio nos mercados de ação da Europa.
Então ele decide ficar vendido nas moedas européias fracas. E aposta nas
taxas de juros e nos mercados de títulos. Em uma jogada audaciosa, Soros e
seus companheiros ficam vendidos em US$7 bilhões em libras - e compram
US$6 bilhões em marcos alemães. Também compram, em menor extensão,
francos franceses.
Soros não está sozinho neste tipo de jogada. Dealers de moedas em todo o
mundo apostam que o valor da libra não será mantido.
E depois espera.
19. A APOSTA DE MÃO UNICA
John Major tem programada uma viagem à Espanha. Ele a cancela por
causa da crise do ERM.
Terça-feira à tarde
A libra cai rapidamente para 2,80 marcos. Mais tarde, ouvem-se rumores de
que o Banco da Inglaterra comprou aproximadamente 3 bilhões de libras. A
libra não responde.
Terça-feira à noite
São 17h30min em Nova Iorque. George Soros está sentado no seu escritório
no centro de Manhattan, no 33° andar do arranha-céu que dá vista para o
Central Park.
Ele está cada vez mais confiante de que a Inglaterra terá de retirar a libra do
ERM. “Era um palpite óbvio, uma aposta de mão única”, diz mais tarde.
“Na pior das hipóteses, se eu tivesse tido que quitar o empréstimo na
mesma taxa que ele me foi concedido, teria perdido no máximo 4%
aproximadamente. Então havia muito pouco risco envolvido.”[1]
Ele viu que a tempestade estava chegando, sentiu que ela era inevitável e
agora tudo está acontecendo, ele não tem nenhuma sombra de dúvidas de
que terá um lucro imenso. Mais tarde, em seu apartamento da Quinta
Avenida, Soros aproveita um jantar simples, preparado por seu cozinheiro.
Depois do jantar retira-se para o seu quarto. Muito embora tenha acabado
de fazer uma aposta de US$10 bilhões - talvez a maior da história - ele vai
dormir.
Quarta-feira, 7h30min
Quarta-feira, 8h30min
Quarta-feira, 9 horas
Quarta-feira, 10h30min
Quarta-feira, 11 horas
Quarta-feira, meio-dia
Druckenmiller está sendo um pouco precipitado, mas tudo bem. Ele sabe
que os britânicos estão arruinados. E ele e Soros serão os grandes
vencedores.
(Mais tarde Soros ficaria sabendo que seus ganhos foram ainda maiores,
porque ele ficou ao lado das autoridades francesas contra os especuladores
que vinham atacando o franco.)
Quarta-feira, 13h30min
É hora da abertura dos mercados nos Estados Unidos. A libra está sendo
vendida, diz um dealer, “como água saindo pela torneira”.[2]
Quarta-feira, 14hl5min
O Banco da Inglaterra tenta mais uma vez salvar o dia. Eleva novamente as
taxas de juros - pela segunda vez hoje. As taxas agora estão em 15%.
Tudo num esforço inútil de ganhar o dia. Mas está cada vez mais óbvio que
a Inglaterra terá de retirar-se do ERM. E a libra terá de ser desvalorizada.
Quarta-feira, 17 horas
John Major reúne seu gabinete e obtém aprovação para retirar a Inglaterra
do ERM. A Itália deixa claro que fará o mesmo em breve. Agora as moedas
britânica e italiana serão comercializadas livremente e seus bancos centrais
não mais terão de comprá-las no mercado aberto para defender seu valor.
Equipes de televisão e fotógrafos aglomeram-se em frente ao Tesouro para
o anúncio esperado.
Quarta-feira, 19 horas
Quarta-feira, 19h30min
(Um triste detalhe na crise da libra veio no verão seguinte quando as bandas
foram ampliadas em 15%. Em setembro de 1994, o ERM ainda estava em
operação, com a participação da Alemanha, da França e de seis outros
países.)
***
“Estou aqui em Londres”, respondeu Soros, sua voz agitada. “Não sei se
você viu o Mail.”
“Minha casa está sitiada por fotógrafos e repórteres. Eu quero sair para
jogar tênis. Não sei o que fazer. O que devo fazer? O que você me
aconselha?”
Antes de dar qualquer conselho, Kaletsky precisava saber uma coisa: “Essa
história é verdadeira?”.
Kaletsky sugeriu que ele não conversasse com nenhum repórter que estava
do lado de fora da sua casa. “Se você quer dar uma explicação oficial do
que fez e do que não fez, por que não escreve um artigo ou então posso ir
até aí para a gente conversar. ”
Soros checou com o seu escritório e descobriu que os lucros com suas
posições em libras ficaram perto de US$950 milhões, mas seus ganhos
continuaram a aumentar porque ele manteve seu dinheiro em moedas que
não a libra. Daqueles US$950 milhões, a parcela pessoal de Soros foi de um
terço. Posições compradas em futuros de taxas de juros britânicas, francesas
e alemãs e vendidas em lira italiana elevaram seus lucros para
aproximadamente US$2 bilhões.
Kaletsky perguntou-lhe por que ele estava preparado para arriscar toda a
sua fortuna no fracasso de uma política com a qual o governo britânico
estava tão irrevogavelmente comprometido.
Se a mídia até então havia demonstrado por ele interesse apenas passageiro
e se a maioria das pessoas fora de Wall Street e de Londres nunca havia
ouvido falar dele, agora era diferente.
Agora, todos queriam saber quem era esse homem que havia engendrado
um golpe contra a libra. Quando se espalharam as notícias do golpe, George
Soros ficou conhecido como “O Homem Que Quebrou o Banco da
Inglaterra". Soros não quebrou o banco, mas certamente drenou-lhe
finanças preciosas.
***
Parte da mídia britânica ficou desconsolada com a perda do país - e o ganho
de Soros. Eles tentaram encontrar bodes expiatórios e George Soros era um
bastante conveniente.
Mas se a mídia inglesa esperava fazer Soros sentir-se culpado com os seus
ganhos, eles não tiveram êxito. Enquanto todos na Grã-Bretanha chamavam
o dia 16 de outubro de Quarta-Feira Negra, para Soros o dia ficou
conhecido como Quarta-Feira Branca. E ele rebateu as críticas que estava
recebendo. “Tenho certeza de que houve consequências negativas (...) mas
isso não passa de jeito nenhum pelo meu pensamento. Não tem como. Se eu
me abstenho de certas atitudes por causa de escrúpulos morais, deixo de ser
um especulador eficiente.[11]
“Eu não tenho nem sombra de remorso por lucrar com a desvalorização da
libra. Pelo que estamos vendo agora, a desvalorização provavelmente veio a
ser positiva para o país. Mas a questão é: eu não especulei contra a libra
para ajudar a Inglaterra. Eu não fiz o que fiz para prejudicar a Inglaterra. Eu
fiz o que fiz para ganhar dinheiro.”
Mas a mídia britânica não dava trégua. Será que o lucro de Soros não
representou uma perda para a Grã-Bretanha? Não seria verdade que Soros
custou a cada contribuinte inglês 25 libras e a cada homem, mulher e
criança ingleses 12,5 libras?
Ele disse que sim, seus ganhos representaram uma perda para a Inglaterra.
“Nesse caso, não há dúvidas porque eu sei quem é a contra parte. Em
qualquer transação, alguém ganha e alguém perde. Mas no curso normal
dos acontecimentos, você não sabe quem é sua contraparte. E não sabe se
ele teve lucro ou prejuízo. Neste caso é evidente que a contraparte é o
Banco da Inglaterra. E eu não tenho absolutamente nenhum sentimento de
culpa, posso assegurar, porque se não tivesse sido eu, outra pessoa teria
tomado o meu lugar.
Ademais, Soros acreditava ser uma atitude salutar distribuir uma grande
parcela do dinheiro, especialmente porque ninguém no Ocidente estava
disposto a ajudar o Leste.
Ele também lembrou a todos que poderia ter perdido dinheiro, “embora
nada equivalente ao que ganhamos e, é claro, foi tudo uma aposta - aquilo
que chamamos [ele sorriu e gesticulou com ambas as mãos] de aposta de
mão única, porque a perda teria sido muito pequena. E o lucro foi muito
grande.”[12]
Para fazer justiça a George Soros, ele não agiu sozinho na aposta contra a
libra. Um trader de moedas em uma importante corretora da Inglaterra
comentou que “o montante que George Soros investiu foi significativo, mas
dentro do contexto, a rotatividade diária nos mercados de câmbio pode
chegar a trilhões de dólares. Isso é muito dinheiro mesmo. Deixa os US$10
bilhões de George Soros em posição relativamente pequena. Em um lance
combinado contra uma única moeda, pode surtir efeito. Mas não foi apenas
George Soros ... que quebrou o Banco da Inglaterra. Foi a especulação do
mercado contra a libra. George Soros foi apenas uma grande parte dessa
operação.”
Graças ao golpe contra a libra, 1992 foi um bom ano para George Soros e
para o Quantum Fund.
Para aumentar ainda mais seu brilho, Soros foi considerado o homem mais
bem pago de Wall Street. Em 1992, ele ganhou US$650 milhões, quase
cinco vezes mais do que havia ganho em 1991. Michael Milken, trader de
ações, julgado e condenado, não mais detinha o recorde de US$550
milhões, que atingiu em 1987.
Segundo a Financial World, que compilou a lista das maiores rendas de
Wall Street, aproximadamente US$400 milhões da renda de Soros vieram
dos lucros realizados pelos fundos; as taxas de administração produziram
outros US$250 milhões. Quatro posições abaixo de Soros na lista estava
Stanley Druckenmiller, 39 anos e principal trader da Quantum, com renda
de US$110 milhões em 1992.
Além de seus lucros com a crise do ERM em setembro, ele também ganhou
muito dinheiro em empresas internacionais, particularmente no mercado de
ações japonês, no início daquele ano. Ele também lucrou nos índices de
ações dos Estados Unidos.
***
O ano de 1992 foi brilhante para Soros. Ele não apenas teve fortunas
estonteantes sob seu comando, mas também passou a ser reconhecido como
um trabalhador de certa forma milagroso. Uma tarde, perto do final do ano,
em um jantar para intelectuais em Praga, a conversa toda hora voltava ao
dinheiro que Soros acabara de ganhar. Soros, sentado à mesa com as
pessoas de quem ele mais gostava, disse que ficaria feliz se esse perfil,
agora mais extrovertido, o ajudasse no Leste, mesmo que lhe trouxesse
prejuízos no Ocidente. Agora uma celebridade, Soros distribuía autógrafos
à multidão, assinando seu nome em notas de cinco libras esterlinas.
Mas Soros estava em busca de algo que ainda era uma ilusão: respeito.
Ele queria mais. Sempre quis que as pessoas respeitassem suas idéias.
Agora isto era mais importante do que nunca.
Não é à toa que o The Wall Street Journal chamou-os de “mais novo grande
cassino de Wall Street”.
Todos os anos, US$500 bilhões eram investidos pelos quase mil fundos
hedge. (Soros participa com US$12 bilhões desse total.) Uma parte
considerável dos US$35 trilhões de capital de investimento gastos no
mercado todos os anos. Diariamente, esses fundos hedge comercializavam
uma estimativa de US$75 bilhões, mais do que oito vezes o valor das ações
comercializadas na Bolsa de Nova Iorque.
***
Wall Street sempre foi o fascínio de pessoas que conseguiam fazer as coisas
acontecerem, que pareciam compreender melhor do que a maioria como
funcionavam as altas finanças. Houve uma época em que esses podiam ser
um Morgan ou um Stanley, um Gould ou um Baruch. No início de 1990,
eram George Soros e os outros campeões dos fundos hedge.
“Eu vejo Soros como uma destas figuras, parte mito, parte real”, observou
ele. “As pessoas precisam projetar suas ansiedades e ressentimentos e ter
inveja de algo animado. Elas querem pensar que alguém está fazendo os
mercados acontecerem. Elas não conseguem acreditar que a oferta e a
demanda são as reais responsáveis, que os mercados pessoalmente levam
em conta os eventos futuros. Elas querem acreditar que existe um
Soros.”[2]
“... Em um mercado baixista, essa pessoa pode ser o bode expiatório, mas
em todo o caso eu acho que as pessoas gostam de acreditar que alguém teve
êxito, alguém é responsável, alguém pode ser alcançado pelo telefone, pode
ser intimado.”
“Para mim, hoje esse ‘alguém’ são os fundos hedge. O ‘eles’ sobre quem as
pessoas sempre falaram são hoje os fundos hedge. Eles movimentam
quantidades maciças de dinheiro na velocidade da luz, com muita audácia -
e até recentemente, com sucesso brilhante. George Soros, Julian Robertson,
Leon Cooperman e Paul Tudor Jones, aquela classe, juntos constituíam o
‘eles’.’’
***
Formou-se em torno dos fundos hedge o mito de que eles não sofrem
nenhuma regulamentação; esse mito não é real. O SEC Act de 1934 obriga
os administradores de investimentos dos fundos com mais de US$100
milhões a registrar informações no órgão regulamentador. E todos os
administradores de fundos hedge estão sujeitos à legislação antifraude.
Entretanto, esses fundos podem evitar o registro como firma de
investimento, limitando o número de investidores a menos de 100 e
oferecendo seus produtos como colocações privadas.
No caso de George Soros, ele criou o fundo de forma a que ele, cidadão
americano desde 1961, fosse uma exceção à regra. Apesar de ser cidadão
americano, ele conseguiu qualificar-se para ter seu próprio fundo offshore.
A maioria dos investidores do fundo de Soros era européia.
Por todo o risco envolvido, os fundos hedge oferecem vários atrativos. Um,
é claro, é poder gabar-se de ser membro de um clube exclusivo. Mas o
maior apelo é a perspectiva de altos lucros. Como os investidores desse
fundo precisam deixar seu dinheiro aplicado por um período longo, eles, em
geral, reinvestem seus ganhos. E assim, acumulam lucros.
“Dá um frio na barriga. É muito intenso. Você precisa ter uma habilidade
especial para lidar com a alavancagem que George Soros ou Michael
Steinhardt fazem. ... É preciso uma certa mentalidade, uma certa confiança
na sua capacidade de ver o jogo, porque pequenas flutuações podem ter um
impacto bastante ampliado. O dólar-iene movimentou-se 4% a 5% em um
dia [em fevereiro de 1994]. Isto custou a Soros US$600 milhões. Vivemos
em um mundo onde oscilações de 4% ou 5% não são assim tão raras. O
Federal Reserve eleva suas taxas de juros em 0,25%, o índice Dow cai 97
pontos. É preciso ... um certo apetite para o risco. As coisas precisam ser
feitas de modo inteligente.
“... George Soros é um jogador alavancado. Você imagina que isso requer
uma certa coragem, um certo grau de convicção na aposta, um conjunto
básico de controles financeiros. Você precisa assegurar que está acima da
alavancagem.”
E a lista de técnicas continua. Os fundos hedge não apenas têm mais chance
de assumir posições tanto vendidas quanto compradas, mas também de
jogar com opções, futuros e outros derivativos - o que quer que seja ditado
pelos mercados. Eles assumem posições com concentração mais pesada.
Comercializam com mais frequência que os fundos convencionais. Em
1988, Soros modificou sua carteira 18 vezes; oito vezes, em 1992. E eles
oferecem ao investidor a oportunidade de assumir posições em qualquer
mercado do mundo - em contraste com os administradores de fundos
convencionais, que dependem de sua experiência em um único setor ou um
único mercado.
***
Por volta de 1994, os fundos hedge já eram tão poderosos que os políticos
começaram a falar sobre a necessidade de regulamentá-los. Aumentava o
receio de que os operadores de fundos hedge tivessem o poder de afetar os
mercados financeiros de modo adverso, por causa das enormes quantidades
de dinheiro que eles colocam no sistema. Quando o mercado de ações
sofreu um revés no início de 1994, cresceu a convicção entre os políticos de
que os fundos hedge estavam por trás. Esse ponto de vista foi rechaçado
pelos administradores de fundos, que argumentaram que suas posições de
investimentos eram muito menores do que as dos bancos de investimento e
dos bancos comerciais.
Ele tinha todos os motivos para opor-se a ela. Afinal, foi na ausência de
regulamentação que ele fez fortuna. Soros gostava de autodenominar-se um
especialista na instabilidade, alguém que vivia do estado caótico dos
mercados financeiros. Por que ele haveria de querer a regulamentação?
Ainda assim, defendia um sistema bancário centralizado para a comunidade
financeira internacional.
O problema era que o guru não falava com tanta frequência assim.
Como então desvendar o que ele estava para fazer? Como é que os outros
investidores descobriam o que Soros estava comprando?
Essas pegadas eram muito difíceis de encontrar. Uma maneira era observar
uma tendência estável na mesma direção em uma classe de valores
mobiliários que normalmente tinham pouca volatilidade.
Com tanto interesse em George Soros, era fácil ser levado a acreditar que
ele estava por trás do movimento de uma ação - quando, de fato, não estava.
“Para enganar alguém com muita facilidade hoje em dia”, observou Dodge,
“detecte algo que esteja movimentando-se rapidamente e diga que George
está comprando. Se o mercado vier a acreditar que é realmente George,
coisas poderão acontecer. Você pode causar efeitos com a simples
afirmação de que alguém está fazendo alguma coisa.”
Mas nenhum desses traders tem fontes dentro da organização de Soros, pelo
menos não atuais. Mesmo assim, podem ter condições de deduzir que
George está por trás.
Novamente, Dodge ofereceu ajuda: “Eu posso telefonar para você e dizer
que quero comprar - você cria um mercado para mim. Eu vou direto no
ponto central das atividades e encontrou outros 25 sujeitos. Lembro que há
alguns meses, depois de algumas cervejas, você me disse que está fazendo
muitos negócios com George. Você não disse que tipo de negócio. Eu lhe
telefono e digo que quero comprar de você e você diz não. Entraríamos em
concorrência. Você é o único entre os outros 25 que não quer vender; todos
os outros continuam vendendo. E você parece ter um relacionamento com
George. Então o mercado deduz que você está comprando para Soros.”
***
Imbuído de seu status de guru, George Soros parecia ter o tipo de toque
mágico que poderia transformar quase tudo em ouro.
Nada disso parecia importar para George Soros. Ele disse ao The New York
Times: “Eles [os Reichmann] foram os incorporadores imobiliários de
maior sucesso no mundo. Estou basicamente tentando investir meu próprio
dinheiro e quero fazê-lo com os melhores.” Soros e Reichmann
empenharam entre US$75 milhões e US$100 milhões no novo fundo; a
maior parte do capital veio dos acionistas do Quantum Fund.[2]
***
Aconteceu em abril de 1993. Desta vez, seu alvo parecia ser realmente
ouro.
O começo de 1993 foi muito bom para o Quantum. Nos quatro primeiros
meses, o fundo rendeu 18%, em parte devido ao sucesso da aposta no
Nikkei, quando este estava em torno de 16 mil pontos. Por volta de 11 de
maio de 1993, o Nikkei havia subido para 20 mil pontos.
***
Caso alguém tivesse alguma dúvida com relação à força de George Soros
no mercado, ele se empenhou em deixá-la clara. Entrevistado por Deborah
Marchini para o programa “Business Day” da CNN, no dia 26 de abril de
1993, Soros contestou a alegação de que o recente aumento nos preços do
ouro era resultado de boas notícias vindas da Rússia, onde Boris Yeltsin e
suas reformas econômicas haviam obtido um voto de confiança num
referendo nacional.
As notícias da Rússia nada tinham a ver com o aumento nos preços do ouro,
argumentou Soros. A alta deveu-se às compras que ele fez em Newmont
Mining.
Além dessa audaciosa declaração à CNN, Soros parecia não querer explorar
sua nova posição, mesmo depois que todas as manchetes o descreveram
como o Messias do marketing. “Diverti-me com o status de guru”, disse ele
à Business Week naquele verão. “Admito essa condição. Como posso negá-
la? Eu acho que é uma fase passageira. Espero que, por conta do impacto
que eu possa provocar sobre o raciocínio das pessoas, que elas aprendam
como é importante procurar por falhas e pensar de modo crítico.”[3]
A resposta era clara. George Soros parecia ser um Midas moderno. Era fácil
ser enfeitiçado por ele. Seguir seu exemplo tornava as pessoas mais ricas.
Haveria aí alguma coisa errada?
Do ponto de vista de Soros, ele não podia fazer muito com relação a esse
novo status, mesmo que quisesse. “É meu negócio comercializar, é meu
papel, minha atividade profissional. Eu não poderia continuar
administrando um fundo se não assumisse posições em ações, títulos e
moedas. Então assumi uma posição nas minas Newmont e veja o que
aconteceu.”[4]
O The Observer, por exemplo, fez referência aos fortes vínculos entre Soros
e Jimmy Goldsmith e Nils O. Taube: “Esse tipo de conexão, a impressão de
uma gangue de insiders, é o que faz com que cada vez mais investidores
vejam com suspeição as atividades de Soros. Seus colegas falam de um
sexto sentido, mas às vezes deixam escapar comentários que contribuem
para formar a idéia de que Soros criou para si mesmo uma rede abrangente
de coleta de informações”.[7]
E mesmo assim, o que havia de errado em ter amigos - nos lugares certos?
***
Animado pelo óbvio poder que ele comandava, Soros foi ainda mais
adiante. Fez uma declaração pública que teve o efeito de influenciar um
mercado, mesmo que não tenha sido essa a sua intenção. Nesse caso, o
mercado de moedas.
Ninguém se surpreendeu quando em junho de 1993 Soros tomou a notável
atitude de afirmar publicamente que o marco alemão estava prestes a cair.
Este foi o ato máximo de um homem que havia concluído que tinha poderes
extraordinários e que podia explorá-los.
Concluindo a carta, Soros procurou deixar claro que suas duas profissões -
investidor e filantropo - eram separadas e distintas. Ele não havia optado
pela filantropia para beneficiar seus investimentos. “Eu quero esclarecer
meu próprio papel. Em sua carta, você mencionou minhas atividades nos
mercados de moeda e na Europa Oriental. Existe uma distinção nítida. Na
Europa Oriental, eu procuro promover sociedades abertas. Nos mercados
financeiros, estou em busca de lucro para meus acionistas e para mim
mesmo. Meu acesso ao mercado financeiro me permite financiar minhas
fundações na Europa Oriental. Não procuro lucros na Europa Oriental e não
atuo como uma instituição filantrópica nos mercados financeiros. Tento
evitar atividades especulativas que possam ser temerariamente destrutivas,
mas não vejo motivos para abster-me de movimentos que aconteceriam
mesmo sem minha participação. É claro que, com esse tipo de julgamento,
eu não sou mais infalível do que os bancos centrais.”[11]
Bem, talvez não, mas o status de guru de George Soros ganhou ainda mais
destaque quando os mercados responderam positivamente a suas
declarações sobre o marco. O marco, que estava em 61 cents em 11 de
junho, dois dias depois da carta de Soros, caiu para 59 cents em 25 de
junho. O Quantum Fund subiu 10% por volta de US$400 milhões, devido,
acreditou-se, à comercialização da moeda por parte de Soros.
No dia 23 de junho, Soros disse que era certo que o marco seria
desvalorizado. O dólar logo ficaria igual a 2 marcos, contra 1,70 no
momento. Mais uma vez, ele atacou o Bundesbank por não tomar nenhuma
atitude que pudesse ajudar outros países europeus. “A posição atual do
Bundesbank é nociva à economia alemã e para a economia européia e muito
nociva à unidade política da Europa. O dólar já chegou a valer 4 marcos”,
acrescentou. “Estou convencido de que está barato demais, enquanto estiver
valendo menos de 2 marcos.”[12]
23. UM VÍRUS COMUM
CHAMADO ARROGANCIA
Tudo era muito irônico. Durante muito tempo, George Soros desejou que os
políticos reparassem nele. Agora isso estava acontecendo. É claro que ele
queria o respeito dos políticos, não sua suspeita. Mas foi esta última que ele
conseguiu.
E agora os políticos acreditavam que deveriam voltar sua mira para George
Soros e todo o fenômeno dos fundos hedge. Eles não tinham motivos para
acreditar que ele se comportava como Milken e Boesky. O pecado de Soros,
segundo eles entendiam, era ganhar tanto dinheiro. Um sentimento de
desconforto persistia em Washington.
Manipular.
Para o Sr. Soros, isto não seria apenas um passeio pelo parque.
***
No entanto, no verão de 1993 Soros sentia-se muito bem em relação a si
mesmo. Ele parecia à vontade. Levou com uma certa serenidade todos os
rumores sobre ser um guru do mercado. Parecia um homem mais feliz do
que há uma década. Edgar Astaire, seu parceiro em Londres, disse que ele
estava muito mais satisfeito consigo mesmo do que no início de sua carreira,
quando “era muito austero, uma pessoa que não demonstra seus sentimentos.
Todo aquele falatório agora sobre como ele consegue movimentar os
mercados, de que ele é um guru, o afetou. Ele está mais expansivo. Tem
prazer em viver. Tenho percebido que ele ri com maior frequência”.[1]
Soros parecia gostar de toda aquela atenção, mas sentia que aquilo era um
fenômeno passageiro. “Eu não manipulo os mercados, mas não posso negar
que, no momento, tenho uma certa mística em torno de minha pessoa como
operador de mercado. Exatamente agora, as pessoas prestam muita atenção
no que eu faço. E o fato de o ouro ter subido US$15 (em meados de maio de
1993] teve algo a ver com a compra da minha participação na Newmont.
Isso acontece. Mas depois que eu fizer alguns movimentos em falso, as
pessoas se acalmarão.”[2]
Depois de atrair seu interesse, Soros sabia que teria de resistir à enxurrada de
perguntas que os jornalistas fariam sobre o que ele estava fazendo nos
mercados. Ele queria que o foco se voltasse para seus programas
assistenciais e obteve um êxito magnífico. Na verdade, em 1993 e 1994, a
maioria dos artigos escritos sobre Soros enfocou sua filantropia. Os
repórteres sentiam-se compelidos a mencionar sua faceta de investidor, mas
dado o pequeno volume de informações, tratavam o assunto apenas
superficialmente.
***
Soros nunca mais sofreu crises de identidade. Ele parecia o ser mais
satisfeito do mundo. Ainda assim, esperava mais da vida, conforme deixou
claro em uma notável entrevista concedida à revista Leadership, em julho de
1993.
Alguma vez ele já se sentiu usado? Todas as pessoas com muito dinheiro já
se sentiram assim num momento ou outro. E Soros?
“Não. Acho que tenho razoável capacidade de identificar tal risco e evitá-lo.
Aceito-o como parte do jogo.”
Soros: “Realmente não me importo. Tenho certeza de que essa história será
escrita, se já não o foi. Não acho que tenha algo a defender. Acho que o
problema não está aqui. Será que sou um escravo do meu sucesso ou será
que tenho controle sobre meu destino?”
“Existe o fato de ter sucesso demais e de ter muito a fazer para ter sucesso.
Preciso encontrar o equilíbrio certo para não ser varrido pelo meu próprio
sucesso. Não posso ser dragado por algo que esteja além de mim. Esse é o
verdadeiro jogo da vida porque é a parte do risco.”
Depois, uma pergunta muito boa: Se Soros não estivesse ganhando todo
aquele dinheiro e distribuindo-o em grande quantidade, o que estaria
fazendo?
***
Ele poderia ter-se descrito como um homem de negócios de classe média,
razoavelmente bem de vida. Será que ele estaria sugerindo que se os
acontecimentos tivessem tomado um rumo diferente ele poderia realmente
ter-se transformado em um simples motorista de táxi, dando duro para
ganhar a vida?
Enquanto isso, no verão de 1993, Soros provava ser um enigma ainda mais
complexo para a comunidade financeira. Até agora, nove meses depois do
golpe contra a libra em setembro de 1992, ele era analisado em termos quase
místicos, cada pronunciamento seu era um sinal a ser seguido pelos
mercados.
***
A pressão sobre o franco francês era cada vez maior. As altas taxas de juros
na Alemanha vinham atraindo capital para o marco, forçando a moeda
francesa ao nível mínimo permitido no ERM. Os especuladores estavam
vendendo francos. Os franceses, porém, não tinham nenhum desejo de
desvalorizá-lo.
Ele comparou o franco francês a uma esposa que foi espancada, e, mesmo
assim, permanece ao lado do marido - neste caso, o ERM. “Eu não espero
que o atual acordo ainda esteja em operação na manhã da próxima segunda-
feira.” Ele declarou que agora se sentia livre para comercializar francos
franceses.
Um repórter do New York Times que falou com ele pelo telefone, enquanto
descansava na beira da piscina de sua casa de Southampton, sugeriu que ele
parecia mais um velho estadista do que com um trader de moedas.
“Exatamente porque não quero levar os mercados à loucura, não vou dizer o
que estou fazendo”, disse ele ao repórter. Soros não revelou nenhum
segredo. Tudo o que disse foi que não havia especulado com moedas
européias até a tarde de sexta-feira, o que soou como se ele tivesse
começado a comercializar francos desde então.
Seria verdade?
Soros não respondeu. Ansioso por dissuadir os outros da noção de que ele
era um mero especulador, continuou a agir como um velho estadista.
“Acredito firmemente na Europa e no sistema e acho que os participantes
precisam preocupar- se em preservá-lo e não apenas em obter lucros para si
mesmos.”[4]
***
A princípio, Soros pareceu ter acertado. Em junho, quando fez sua primeira
previsão, o marco estava cotado a 1,625 por dólar. No final de julho, caiu
para 1,75. Mas em meados de setembro, a moeda alemã obteve notável
valorização em relação ao dólar, sendo comercializada a 1,61.
“Quando lemos esta semana que o Sr. Soros defende ataques aéreos para
levantar o sítio em torno de Sarajevo, começamos a pensar que ele está
precisando de férias. Talvez ele esteja acreditando que com um movimento
da cabeça ou um piscar de olhos pode determinar não apenas políticas de
câmbio mas também políticas externas. (...) Mas a disposição que o mundo
mostra de ater-se a cada declaração do Sr. Soros não deve induzi-lo a
acreditar em todas elas.”
Dois dias depois, em 7 de agosto, a The Economist foi ainda mais além em
um artigo intitulado “Falante”.
“Será que George Soros perdeu o juízo? É cada vez mais comum encontrar
nos jornais e ouvir no rádio e na televisão pronunciamentos de peso desse
investidor nova-iorquino, húngaro de nascimento, sobre tudo - desde a área
bancária até a Bósnia. Recentemente, durante um período de grave
enfermidade do mecanismo de câmbio da Europa, as opiniões do Sr. Soros
atraíram tanta atenção quanto as do presidente do Bundesbank. É natural que
a imprensa esteja interessada no Sr. Soros; afinal, ele é o Homem Que
Quebrou o Banco da Inglaterra. (...) No entanto, investidores com influência
semelhante à sua tendem a ser extraordinariamente silenciosos. Por que ele
não é?”
A revista perguntou por que Soros se expunha tanto ao público.
“O primeiro motivo deve ser que o Sr. Soros não tem nada contra ser visto
como o mais destacado guru dos investimentos de sua época. Ele merece.”
“Um outro motivo pode ser o de que Soros não se contenta mais em ser um
rico de olhos verdes azulados e quer influenciar a política pública dos
grandes temas do seu tempo. Uma ambição admirável, embora talvez melhor
realizada através do tipo de filantropia que ele está praticando na Europa
Oriental.”
“Um último motivo por trás do aparente desejo do Sr. Soros por publicidade
pode ser que ele esteja menos envolvido do que antigamente com o
gerenciamento do Quantum no dia-a-dia.”
"... Não nos surpreende que George sinta necessidade de alardear seus
exercícios filantrópicos ou de brincar de filósofo sobre o tédio na vida das
pessoas que ganham dinheiro. O enigma para nós são seus devaneios em voz
alta sobre assuntos menos cômicos, como por exemplo, se o marco vai subir
ou cair, ou se devemos vender francos. Se não o conhecêssemos bem,
suspeitaríamos de uma infecção por um vírus comum chamado arrogância.”
Soros parecia estar dizendo que ele realmente não se importava com a mídia,
embora claramente esse não fosse o caso. Sem o benefício de uma máquina
de relações públicas grande e sofisticada, Soros tornou-se seu mais hábil e
melhor porta-voz. Com muita sagacidade, ele percebeu que teria uma chance
maior de transmitir todas as suas opiniões se, em lugar de conceder uma
entrevista a um jornal, enviasse um fax ou escrevesse uma carta para o
editor. Várias e várias vezes, a técnica funcionou. O jornal que recebia o fax
ou carta de Soros acabava publicando-a na íntegra. Ele também descobriu
que havia um momento para discutir com a imprensa e um momento para
manter-se calado. Quando tomou a corajosa atitude naquele ano de contratar
uma empresa externa de relações públicas - a renomada Kekst & Co. de
Nova Iorque - Soros estava certo de que a máquina publicitária da Kekst
falaria o mínimo possível sobre ele.
***
Mas no final de agosto, Soros, ainda muito falante, desferiu um outro golpe
publicitário, desta vez conseguindo estampar seu rosto na capa da Business
Week, um feito que no passado ele poderia ter considerado o seu beijo da
morte. Alguns de seus assistentes ficaram apopléticos.
O repórter da Business Week comentou que Soros estava para conceder uma
entrevista à revista. Gerard Manolovici, descrito como veterano
administrador de carteiras de Soros, ficou perturbado.
Então, depois do falante verão de 1993, Soros adotou uma nova tática.
Quando perguntado pelos repórteres, recusava-se a dizer de qual ação ou
moeda gostava ou não. Era como se cada palavra sua estivesse sendo
monitorada. Se ele tivesse o poder que lhe era imputado, esse poder poderia
ser usado contra ele. E ele sabia disso. Por isso, ficou menos falante.
***
Soros recebeu poucos aplausos dos políticos europeus que estava tentando
cativar. Eles ficaram bravos porque Soros continuava a “intrometer-se” nos
assuntos monetários da Europa.
Era irônico que o homem que, quando criança, pensava ser Deus tratasse a
religião como uma grande irrelevância.
Nem seus pais nem suas próprias experiências aproximaram George Soros
do judaísmo. Nem mesmo o Holocausto, uma forte marca da sua formação
religiosa, teve efeito duradouro sobre seus sentimentos religiosos.
Esconder-se dos nazistas em 1944 foi para ele uma grande aventura que lhe
fez aprender a arte de sobreviver, mas não o tornou mais judeu.
Se ele tirou alguma lição do Holocausto, foi que as minorias - como eram
os judeus na Europa - precisavam ser protegidas no futuro e que a melhor
maneira de assegurar essa proteção era a construção de sociedades
pluralistas em que as minorias tivessem seus direitos garantidos.
O judaísmo era um peso para ele. Não lhe oferecia nenhuma vantagem
especial, apenas os “perigos e indignidades” que lhe foram “infligidos” por
ter nascido judeu húngaro. Consequentemente, nos anos pós-guerra, ele
desprezou sua religião. Nenhuma de suas idéias intelectuais surgiu de fontes
judaicas.
Seu grande amigo e colega de profissão Byron Wien comentou: “George
nunca pensou em si mesmo como não sendo judeu. Ele nunca tentou sugerir
que não fosse judeu. Ele nunca negou sua identidade, mas, ao mesmo
tempo, eu acho que ele não queria que isso fosse o fato central da sua
identidade.”[2]
“Durante sua fase de crescimento, ser judeu era o fato central da sua
identidade. O fato de ser judeu significava ter de fugir. Ele precisava
escapar, esconder-se. Quando ele chegou aos Estados Unidos, ser judeu
categorizava uma pessoa e George queria livrar-se de todas as categorias.
Ele queria ser aceito pelo que era, por seu intelecto e por suas realizações.
(...) Ele não se identificava com as causas judaicas, mas por outro lado não
negava [que fosse judeu]. Ele assumia que todos sabiam que ele era judeu,
mas não usava nenhuma tabuleta dizendo, caso você esteja em dúvida, sou
judeu.”
***
“Para nós foi uma agradável surpresa, porque havíamos previsto pelo
menos meia dúzia de investidores”, lembra Landa, sentado no seu
escritório, no quarto andar de um edifício de Rehovot, em agosto de 1994.
Os termos foram negociados, mas Soros disse a Landa que tinha interesse
pessoal no negócio e queria encontrar-se com o empreendedor antes de
finalizarem qualquer coisa. Ele convidou- o para jantar em Nova Iorque.[4]
Ao descrever aquela noite, dois anos mais tarde, Landa lembrava dos
detalhes como se tivesse jantado com Soros um dia antes. A noite começou
às 19h30min e durou quatro horas. Depois do elegante jantar, Soros pediu
que Landa falasse sobre si e sua empresa, o que durou de 20 a 30 minutos.
Landa então perguntou a Soros se seria agora a sua vez de pedir que o
investidor falasse de si.
“Claro”, Soros respondeu, supondo que Landa faria perguntas sobre suas
aventuras na arena dos investimentos.
“Para mim não significa nada. Não é porque você representa uma empresa
israelense que eu estou interessado em investir. É que, para mim, a
oportunidade parece boa.” Nas três horas e meia seguintes, Soros falou,
então, sobre sua condição de judeu, sobre suas experiências na infância e
especialmente sobre o período em que se escondeu dos nazistas durante a
Segunda Guerra. “Foi uma das coisas mais emocionantes da minha vida”,
disse ele a Landa. “Ficar escondido daquela maneira era como brincar de
polícia e ladrão. Foi uma grande emoção.” Eles também conversaram sobre
o nacionalismo judeu e sobre o ódio entre esse povo. Houve momentos em
que a noite assumiu uma atmosfera de debate - sempre amigável, embora
sempre se atendo ao que Landa mais tarde descreveu de “assuntos íntimos,
espinhosos”.
Apertando sua mão, Soros disse: “Você sabe, estou feliz por essa empresa
ter sua sede em Israel.". Landa assumiu que ele estava querendo dizer que
aquele negócio teve realmente um significado pessoal para Soros. Landa
aproveitou a oportunidade para convidar Soros para visitar Israel e Soros
aceitou.
***
Ele sempre disse que ficava longe de Israel por causa do modo como os
israelenses tratavam os árabes. Um outro motivo era a idéia de que a
economia socialista de Israel era rígida demais, inóspita demais com os
investidores. Com seus esforços assistenciais voltados para a abertura de
sociedades fechadas da Europa Oriental e, mais tarde, na ex-União
Soviética, Soros não tinha nenhum bom motivo para colocar os pés na
democracia de Israel. Ele não achava que Israel precisasse de “abertura”.
Isso não fez com que outros parassem de cortejar Soros e de atraí-lo para
Israel.
Soros pode ter decidido visitar Israel não por causa do novo interesse no
estado judaico mas para mostrar ao mundo que ele não se intimidava com
os ataques dos nacionalistas de direita da Europa Oriental. Depois de ser
acusado de trabalhar para a inteligência israelense, Soros pode ter tido
vontade de demonstrar que tais agressões não o deteriam.
O que houve de tão incrível com relação ao prejuízo que assolou George
Soros em fevereiro de 1994 não foi o fato de ele ter perdido dinheiro. Isso
já havia acontecido antes. Nem mesmo o fato de a soma ser elevada, muito
elevada, US$600 milhões dessa vez.
O marcante foi que Soros tratou esse revés com uma impassibilidade que
parecia desvirtuar o tamanho do desastre. O contratempo ocorreu no dia 14
de fevereiro de 1994. Os empregados do Quantum Fund chamaram-no de
“Massacre do Dia de São Valentim”.
Soros não esteve sozinho na aposta contra o iene. Outros fundos hedge
juntaram-se a ele e sofreram também pesadas perdas. Para complicar o
problema, alguns desses fundos precisaram levantar dinheiro, o que os
forçou a vender parte de suas posses, como valores mobiliários japoneses e
algumas de suas posições na Europa. Uma reação em cadeia desenvolveu-se
em todo o mundo, na esteira dessas vendas forçadas por parte de dealers
que foram pegos com uma grande quantidade de ienes.
Daí os fundos hedge perderam todo aquele dinheiro por causa do iene e
outros fundos hedge começaram a vender títulos europeus. Com isso, o
preço dos títulos caiu e forçou os emissores de títulos na Europa a elevar
suas taxas de juros para atrair compradores. Os mercados de títulos na
Europa enfrentaram certa turbulência e alguns dealers de fundos hedge
sofreram grandes prejuízos.
Talvez George Soros tivesse preferido adotar um perfil discreto para dar a si
mesmo tempo de recuperar suas perdas - para assegurar que o Massacre do
Dia de São Valentim fosse um evento “não-recorrente”. Mas isso não ia
acontecer. Ele já era uma figura pública demais. Os bancos centrais da
Europa teriam um encontro na Basiléia em março. Os depoimentos no
Congresso estavam marcados para abril. Aumentava a pressão sobre Soros
e os fundos hedge já que ambas as instituições ameaçavam processá-los.
“As dimensões dos investimentos em fundos hedge é hoje tão grande que ...
se falhassem, [eles] criariam um risco sistêmico para o sistema bancário e,
portanto, colocariam em perigo a estrutura financeira da sociedade.”
***
Soros criticou a administração Clinton pela linha dura que estava adotando
no comércio com os japoneses e por tentar desvalorizar o dólar. “Isso é
bastante prejudicial para a estabilidade do dólar e para a estabilidade dos
mercados. Golpear o dólar como método de lidar com a política comercial
dos japoneses é um instrumento perigoso que não deveríamos estar
usando.” Os cínicos leram então uma mensagem não tão sutil do Mestre
para o mercado: fiquem comprados em ienes e vendidos em dólares até a
estabilização das negociações.
“As moedas com flutuação livre são falhas, porque os mercados sempre
tendem ao excesso."
A solução de Soros para a crise e a turbulência das moedas não eram taxas
de câmbio fixas. “Rigidez demais”, disse. Também não eram solução as
taxas de câmbio flutuantes. “As moedas com flutuação livre são falhas,
porque os mercados sempre tendem ao excesso.” Sua solução: “As pessoas
do dinheiro no G-7, o grupo dos sete países industrializados do mundo,
precisam coordenar suas políticas monetária e fiscal para que não haja
grandes disparidades onde os mercados são fundamentalmente instáveis.”
As perguntas dos membros do comitê para Soros deixaram claro que eles
ainda estavam confusos sobre o que exatamente fazia um fundo hedge. “O
que é exatamente um fundo hedge?”, perguntaram várias e várias vezes.
Soros tentou instruí-los, mas teve de admitir que o rótulo se havia tornado
um grande receptáculo para muitas coisas que originalmente não faziam
parte de sua esfera de ação. “O termo é aplicado de modo tão
indiscriminado que abrange um amplo leque de atividades. A única coisa
que eles têm em comum é que os administradores são remunerados com
base no desempenho e não segundo uma porcentagem fixa dos ativos sob
sua administração.” Isso parecia ser um modo estranho de descrever um
fundo hedge - especialmente vindo do Rei dos Fundos Hedge. Soros,
porém, não estava interessado em conduzir um seminário sobre como
definir fundos hedge. Ele queria transmitir uma mensagem: que os fundos
hedge - que não eram nenhum vilão - na verdade realizavam boas ações nos
mercados financeiros.
Em seu comentário mais árido em defesa dos fundos hedge, Soros disse aos
presentes: “Francamente, eu não acho que os fundos hedge sejam motivo de
preocupação para vocês ou para os regulamentadores.”. Os fundos hedge
não deveriam ser culpados, argumentou, de provocar a vertiginosa queda
dos preços das ações e títulos no início daquele ano. “Eu rejeito qualquer
afirmação ou implicação de que nossas atividades sejam danosas ou
desestabilizadoras.”
Soros não deixou pedra sobre pedra ao defender seu ponto de vista naquele
dia em Washington. Para ele, não bastava enfrentar o Congresso. Ele queria
converter a mídia também. Essa tarefa foi atribuída a Robert Johnson, um
dos diretores administrativos do Soros Fund, que acompanhou o chefe em
sua viagem à capital do país.
Refletindo parte da pressão que Soros sentia, ele revelou em junho que
havia revertido um de seus princípios sagrados. Durante uma década, ele
não havia permitido que seus fundos investissem em regiões onde ele
tivesse fundações filantrópicas - Europa Oriental e ex-União Soviética. No
final de janeiro de 1993, um repórter do Financial Times perguntou-lhe se o
veto significava que ele não iria comprar fábricas de ônibus na Europa
Oriental. Soros retrucou asperamente: “De jeito nenhum - não haverá
investimentos. Na verdade, seria um conflito de interesses.”[3]
Não mais.
***
No final de julho, veio a notícia de que Soros foi a pessoa que mais ganhou
dinheiro em Wall Street em 1993. Segundo a Financial World, Soros
ganhou US$1,1 bilhão em 1993, a primeira vez que alguém conseguiu
ganhar aquela quantia em um único ano e duas vezes mais do que o
segundo lugar, Julian Robertson.
O fato mais surpreendente de todos, talvez, tenha sido que das 100 pessoas
na lista da revista, nove eram membros das operações de Soros.
Comentando sobre o ganho de US$1,1 bilhão que Soros teve em 1993, The
Guardian observou que “estamos acostumados com os bilionários, mas eles
sempre foram pessoas que tiveram, ou podem ter construído ou herdado
ativos que produzem riqueza, poços de petróleo, petroleiros, bens que
nenhum de nós jamais possuiria. E essa a sorte deles e a nossa desculpa.
Não obstante, aqui está um homem que ganha este montante de salário.
Então agora todos podemos sonhar em ficar tão ricos quanto Soros neste
ano(...)”.[6]
A ironia, é claro, é que, mais uma vez, no momento em que Soros apareceu
na capa de uma revista, ele e seus fundos enfrentavam dificuldades.
***
Naquele outono, Soros estava mais atarefado do que nunca com sua
ocupação principal, as fundações. Ele ainda não estava absolutamente certo
de que elas sobreviveriam a ele, não com tanta controvérsia e com tanta
agitação. Apesar de ter tentado deixar grande parte das decisões nas mãos
de funcionários locais, era óbvio que Soros e seu dinheiro eram as forças
dinâmicas que mantinham as fundações em movimento, que davam a elas
direção e motivação. Ele estava mais confiante de que seus fundos de
investimento continuariam a existir indefinidamente. Ele acreditava que os
havia institucionalizado suficientemente, com pessoal gabaritado, com uma
boa organização e sabia que eles estavam sendo bem administrados.
***
Para aumentar ainda mais a carga que Soros estava tendo de suportar, havia
a mídia. Depois que descobriram Soros, eles não o deixavam em paz. Se, há
dois anos e meio, ele era virtualmente desconhecido, agora estava sendo
dissecado, analisado, medido, julgado. Em 1992, ele era uma estrela em
ascensão. Agora, apenas dois anos depois, segmentos da mídia financeira,
observando seu desempenho sem brilho em 1994, declararam-no morto. As
pás já estavam prontas para cavar a sepultura de Soros e dos outros
administradores de fundos hedge, muito embora a época destes fundos
parecesse estar apenas saindo dos cueiros.
Alguns anos atrás, Soros não teria se incomodado com toda esta atenção,
com tanto interesse na sua carreira. Mas não agora. Ele havia ido tão longe
e tão depressa que queria saborear o prazer de estar no topo do mundo
financeiro. Se 1994 tivesse sido um ano melhor para ele, teria relaxado e
cuidado de suas fundações filantrópicas, distanciando-se das operações de
investimento. Por causa dos reveses sofridos em 1994, porém, Soros sentiu
que era preciso manter uma mão no leme dos investimentos. Seus
companheiros argumentam que tudo o que Soros fez foi dar conselhos a
Stanley Druckenmiller. Mas o fato era que, para Soros, ainda era impossível
dar meia-volta e ir embora - não ainda, não enquanto ele estivesse sendo
observado e analisado com tanta frequência. Durante todo o ano de 1994,
ele procurou e procurou o Grande Placar. Não podia acreditar que seu golpe
de setembro de 1992 contra a libra tivesse sido um acaso, um fato único.
Ele havia conseguido uma vez, haveria de conseguir outra. Ele
simplesmente precisava fazer seu dever de casa.
***
Por mais otimistas que Soros e Druckenmiller tentassem soar sobre 1994, a
mídia financeira - Financial World, The Wall Street Journal e outros -
cantava uma melodia diferente.
***
***
Se, em Wall Street, alguns acreditavam que Soros era poderoso demais, essa
opinião tinha muito menos interesse para ele do que a de como ele era visto
em Washington. Ele realmente acreditava que sua especialidade em certas
regiões do mundo deveria ser do interesse dos tomadores de decisão na
capital do país. Ele ficou chocado ao saber que em Washington não havia
ninguém absolutamente interessado em George Soros, o Especialista em
Política Externa.
Soros sabia que ainda não havia ganho todo o respeito de seus
companheiros. “Seu problema é influenciar a política”, reconheceu Byron
Wien. “Ele faz os discursos e acha que ‘eles ainda não estão me escutando.
Eles ainda não estão fazendo o que eu digo para eles fazerem. Outras
pessoas interferem. Há um problema que não foi inventado aqui’.”[13]
Ele observou que quando disse que a política de altas taxas de juros do
banco central da Alemanha não era prudente, os mercados levaram o marco
para baixo. “Mas quando eu fui contra a política européia na Bósnia, fui
ignorado ou mandaram que eu cuidasse dos meus negócios.”[15] Às vezes,
ele chegava perto dos bastiões do poder - mas não perto o bastante. Em
julho de 1994, ele esteve em Washington para uma conferência
internacional. Mas não houve encontros com o presidente nem com os
líderes do Congresso.
Esses tipos de encontro eram o que Soros queria. Em vez disso, ele
conversou com repórteres. Foi através deles que ele implorou para que as
grandes nações do mundo chegassem a um acordo quanto a um novo
sistema de coordenação econômica que ajudasse a estabilizar as taxas de
câmbio. “Estamos em uma situação muito séria, não apenas no campo
monetário, mas também no campo político”, disse ele. Com o colapso da
União Soviética, ele sugeriu, as nações do Ocidente têm menos motivos
para se unir. “Agora não temos nenhum sistema [de coordenação de
políticas e de estabilização das taxas de câmbio].” Ele tinha em pouca conta
a idéia de as grandes nações anunciarem zonas de flutuação do câmbio.
“Todos os sistemas de câmbio são falhos. Eles funcionam durante um certo
tempo, mas depois começam a apresentar problemas. Então é preciso ter
constante flexibilidade para ajustar o sistema.”
Em termos simples, o que Soros queria era poder. Ele já havia provado e
gostado. “O poder é intoxicante”, disse ele, “e eu já ganhei mais poder do
que jamais se imaginou ser possível - mesmo que seja o poder de gastar
dinheiro em situações em que ele seja extremamente escasso.”[16]
Mas esse tipo de poder, o poder de distribuir altas somas de dinheiro, não
era suficiente para Soros. Ele queria mais. “Eu quero que as pessoas ouçam
mais o que eu tenho a dizer. Eu tenho acesso e além das coisas que eu
mesmo já fiz através das minhas fundações, meu impacto sobre a política
ocidental em relação à ex-União Soviética foi muito pequeno.” Uma vez ele
disse: “É incrível como a Casa Branca não usa um dos poucos recursos de
que ela dispõe, que sou eu.”.[17]
Para o grande amigo de Soros, Byron Wien, estava claro que o investidor
queria respirar a atmosfera impetuosa da Casa Branca. “George
provavelmente gostaria de ser Bernard Baruch. Bernard Baruch era uma
pessoa sagaz e de sucesso, cujas idéias o presidente Roosevelt sempre
pegava para si. George gostaria de pensar que Clinton recorreria às suas
idéias. Ou que Warren Christopher usaria suas idéias, ou que Strobe Talbott
usaria suas idéias.”[18]
Um mortal comum.
Essa não era a aspiração de Soros que, quando criança, acreditava ser Deus.
Como é que ele deve ter-se sentido ao receber aquele tratamento do seu país
natal? Orgulhoso, certamente. Pois ele deixou o país em 1947, à procura de
uma vida melhor; ele encontrou essa vida melhor. E devolveu parte dela à
terra em que nasceu.
Agora ele estava sendo respeitado. Mas não era esse o respeito que ele
desejava receber. Ele não tinha nenhum desejo de ser tratado como um
mortal qualquer. Não George Soros.
***
George Soros. O Homem Que Quebrou o Banco da Inglaterra. O Homem
Que Derrotou a Libra. O Maior Investidor do Mundo. O Homem Que Move
os Mercados.
Muitas pessoas viam-no com grande espanto e isso é apenas natural. Ele
superou todos os seus pares usando as ferramentas básicas do seu ofício -
sua inteligência, seu computador e seu dom para análises. E ainda assim
enfrentou um certo cinismo, um cinismo em geral associado àqueles que
apenas ganham dinheiro, que não constroem nem lutam. Algumas pessoas
suspeitam, desconfiam, duvidam de qualquer um que tenha conseguido
acumular tal fortuna apenas analisando relatórios de empresas, conversando
com outros investidores, lendo jornais, fazendo suposições fundamentadas.
“Como é que Soros conseguiu? Como é que Soros ganhou tanto dinheiro?”
[8] "um homem intenso e direto...", John Train, New Money Masters (Nova
Iorque: HarperPerenniel, 1990), p. 69.
[9] “Ele não tem nada de ...”, The Guardian, 19 de dezembro de 1992.
[10] “Ele é um homem elegante" The Obseruer, 10 de janeiro de 1993.
2. EU SOU DEUS
[1] “Para falar a verdade George Soros”, Underwriting Democracy (Nova
Iorque: The Free Press, 1991), p. 3
[2] Não deverá ser nenhuma surpresa George Soros, The Alchemy of
Finance (Nova Iorque: Simon & Schuster, 1987); versão em
brochura (Nova Iorque: John Wiley & Sons, 1994), p. 362-63.
[3] “Por quê? Eu agora sou o chefe do Papa.”, The Guardian, 6 de janeiro
de 1993.
[6] “Meu pai não trabalha. The New Republic, “Mr. Soros s Planet", 10-17
de janeiro de 1994, pp. 19-29.
[8] “Parte do que eu aprendi...", Business Week, "The Man Who Moves
Markets23 de agosto de 1993, pp. 50-60.
[10] "... não era fácil ...", Yehuditte Simo, entrevista, 5 de março de 1994.
[11] “Eu cresci ... ", Benny Landa, entrevista, 12 de agosto de 1994.
[12] “Quando ele acreditava ...", Ferenc Nagel, entrevista, 6 de março de
1994.
[13] “George era um garoto muito audacioso ...", Miklas Horn. entrevista. 8
de março de 1994.
3. OS PORÕES DE BUDAPESTE
[1] “Esta é uma ocupação fora da lei ...", programa de televisão de Adam
Smith, 15 de abril de 1993.
[2] “Se eu fosse pego ...", “The Man Who Broke the Pound".
[4] "A disciplina na classe ..." Pal Tetenyi, entrevista, 6 de março de 1994.
[8] "começou a não compreender nada ...", George Soros, Opening the
Souiet System (Londres: Weidenfeld and Nicolson, 1990), p. 4.
[9] "Ele nunca fez ...", Edgar Astaire, entrevista, 11 de março de 1994.
[2] “Ninguém entendia nada ...", The Wall Street Journal, 28 de maio de
1975.
[5] "A gente via que ele era ...", Edgar Astaire, entrevista, 11 de março de
1994.
[2] “Desde que passei a ter...”, George Soros, The Alchemy of Finance,
versão em brochura, p. 11.
[10] "... processos que são ...”, programa de televisão de Adam Smith.
[12] “Sua teoria é que ...", Byron Wien, entrevista, 29 de junho de 1994.
[18] “Em The Alchemy of Finance ... ”, George Soros, The Alchemy of
Finance, versão em brochura pp. 6-9.
[7] "Basicamente, o meu modo de...", The Wall Street Journal, 7 de julho de
1987.
[8] “A genialidade de George é que ...", Byron Wien, entrevista, 29 de
junho de 1994.
[12] “Ele não era uma pessoa...", James Marquez, entrevista, 11 de abril de
1994.
[14] “Ele sente que não deve...", Byron Wien, entrevista, 19 de junho de
1994.
[19] “As pessoas estão basicamente...", “The Man Who Moves Markets".
[3] "Como o Ato III estava a pelo menos...", "The World's Greatest Money
Manager".
[5] “Não estamos muito interessados...", John Train, The New Money
Masters, p. 10.
9. O GRANDE SALTO
[1] “Ele trabalhava muito...", Allan Raphael, entrevista, 11 de abril de 1994.
[5] "...tinha aptidão para ...", Robert Miller. entrevista, 11 de abril de 1994.
[7] “No caso da Avon ...", The Wall Street Journal, 2 de setembro de 1982.
[12] “Estas pessoas não precisaram ...", The Wall Street Journal, 27 de
setembro de 1982.
[3] O autor teve uma rápida conversa telefônica com Jimmy Rogers em 13
de abril de 1994.
[6] “Pedir conselho sobre ...", The Wall Street Journal, 27 de setembro de
1982.
[5] “Toda esta pressão estava ...”, James Marquez, entrevista, 11 de abril de
1994.
[2] "Lá nos anos 60 Anthony Sampson, The Midas Touch (Londres: Hodder
and Stoughton Ltd., 1989); (edição em brochura, Londres: Coronet. 1990).
pp. 97-98.
[2] “Os ricos não mais... ”, Anthony Sanpson, The Midas Touch, pp. 52-55.
[4] “Eu não fico muito ...", New York Magazine, 3 de fevereiro de 1986.
[10] "O que eu faço para ir...”, Tibor Vamos, entrevista, 4 de março de
1994.
[11] "Se você tem um avião ...", Byron Wien, entrevista, 29 de junho de
1994.
[16] "...assim como a mutação genética ...", George Soros, The Alchemy of
Finance, versão em brochura, p. 16.
[18] "Eu tinha muito pouca...”, George Soros, The Alchemy of Finance,
versão em brochura, p. 15.
[5] “A África do Sul era um vale...", “South África Finds a Friend in The
World’s Greatest Speculator".
[7] “Estas pessoas estão, na verdade...", “The Man Who Broke the Pound”.
[9] “Em vez de partirmos...", "Capitalist Who Cracked the Iron Curtam".
[22] “George Soros ... opera de uma ...", Jeffrey Sachs, entrevista, 6 de maio
de 1994.
[2] “Com todo o seu sucesso pessoal ...", “The World s Greatest Money
Manager”.
[6] “Elas não foram compreendidas ...”, “South África Finds a Friend in
The Worlds Greatest Speculator”.
[7] “Ele me pediu para ler algumas...", James Marquez, entrevista, 27 de
junho de 1994.
[9] “O livro não é uma ...", Allan Raphael, entrevista, 11 de abril de 1994.
[5] "Este pode ser o segundo ...", New York Times, 28 de outubro de 1987.
[9] “Comentou-se também que ... ”, cifras citadas em The Wall Street
Journal, 27 de outubro de 1987.
[12] "As conexões reflexivas são...", The Wall Street Journal, 14 de janeiro
de 1988.
[4] "No início, ele achava ...", George Soros, The Alchemy of Finance,
versão em brochura, p. 4.
[6] “No verão de ...", George Soros, The Alchemy of Finance, versão em
brochura, p. 4.
[14] “Os ânimos logo se exaltaram...", New York Post, 6 de junho de 1991.
[3] "Não havia convicção ...", "The Man Who Broke the Pound".
[4] “Eu pessoalmente não ...", Forbes, “How The Market Overwhelmed the
Central Banks", 9 de novembro de 1992, pp. 40-42.
[5] "A decisão real não foi ...", The Observer, 16 de janeiro de 1994.
[2] "...como água saindo...", Financial Times, "Sterling Was Being Sold
Like Water Running out of a Tap”, 19 de setembro de 1992.
[4] “Em um sistema de câmbio com...", George Soros, Opening the Souiet
System, p. 60.
[7] "Estou feliz porque...", "South África Finds a Friend in the Worlds
Greatest Speculator”.
[12] "... embora nada equivalente ao que...", “The Man Who Broke the
Pound”.
[2] “Eu vejo Soros como...", James Grant, entrevista, 7 de abril de 1994.
22. O GURU
[1] "Se o Dow cai...", William Dodge, entrevista, 8 de abril de 1994.
[2] “Eles (os Reichmann] foram os ...", New York Times, 9 de fevereiro de
1993.
[3] “Divirto-me com meu ...:, “The Man Who Moves Markets”.
[4] "É meu negócio ...”, New York Times, 2 de agosto de 1993.
[6] “Embora seja verdade ...", boletim Hedge Mar, Arthea B. Nolan, "Myths
and Realities about Hedge Funds”, março-abril de 1994, pp. 1-2.
[10] “É uma nova maneira ...", New York Times, 10 de junho de 1993.
[11] “Eu quero esclarecer ...", Times de Londres, “Down with the Mark:
Soros Now Targets the Bundesbank” (carta aberta de George Soros), 9 de
junho de 1993.
[2] “Eu não manipulo os...”, “South África Finds a Friend in The Work's
Greatest Speculator".
[8] “Não vamos responder a ...", New York Times, 23 de setembro de 1993.
24. SOU UM JUDEU HÚNGARO
[1] “Fui para a Inglaterra...", George Soros, Underwrting Democracy, p. 3.
[4] "Para nós foi uma agradável...", Benny Landa, entrevista, 12 de agosto
de 1994.
[6] “Existe uma certa ressonância ...", "South África Finds a Friend in The
World s Greatest Speculator".
[7] “Ele falou sobre como havia sido impressionante ...", Benny Landa,
entrevista, 12 de agosto de 1994.
[4] "... disse que para ele...", Byron Wien, entrevista, 29 de junho de 1994.
[**] N.T.: Segundo a lenda alemã, Pied Piper livrou a cidade de Hamelin
dos ratos que a infestavam conduzindo-os com sua flauta até um rio onde
morreram afogados. Por não ter recebido a recompensa prometida, Pied
Piper vingou-se levando as crianças da cidade até uma montanha onde
desapareceram.
[7] “Se você permite uma...", Charlie Rose-PBS Show, WNET, citado pela
Reuters, 23 de agosto de 1994.
[8] “Eu diria que há ...", entrevista de Soros para a Reuters, 4 de outubro de
1994.
[9] “Este não é um momento...”, Business Week, “For Once, We’re Ali in
Sync 3 de outubro de 1994.
[12] “Digamos que você seja o maior...”, Los Angeles Times, 7 de março de
1994.
[15] "Mas quando eu fui contra ...", George Soros, The Alchemy of
Finance, versão em brochura, p. 5.