Você está na página 1de 346

GEORGE SOROS

A Vida, a Luta e os Segredos do Maior Investidor


Financeiro do Mundo.

Investir Primeiro, Investigar Depois...

... E Outros Segredos de Investimento de George Soros!

Desde 1969, o mundo financeiro vem acompanhando a ascensão meteórica


do mestre dos investimentos e rei dos fundos hedge, George Soros. Os
métodos e as táticas que ele usou para alcançar o apogeu de uma atividade
mais frequentemente abalada por perdas catastróficas do que repleta de
sucessos dourados foi o segredo mais cuidadosamente guardado de George
Soros durante anos. Agora, o renomado biógrafo e repórter da Time. Robert
Slater, revela as técnicas brilhantes e as idéias notáveis que foram a causa
do sucesso fenomenal desse húngaro de nascimento e titã dos investimentos
— e separa a verdade dos mistérios e exageros que o rodeiam.

George Soros: a Vida, a Luta e os Segredos do Maior Investidor Financeiro


do Mundo também revela:

• Como George Soros, depois de um início modesto, tornou-se o


investidor mais poderoso do mundo.

• Detalhes da investigação realizada pelo governo dos Estados Unidos


para esclarecer a enorme influência de George Soros sobre os mercados
financeiros do mundo.

• O sonho de George Soros de promover a reforma política,


proporcionando educação, prosperidade e esperança aos países
subdesenvolvidos da Europa Oriental, da ex-União Soviética e em todo o
mundo através do trabalho filantrópico das Fundações Soros.
Nos últimos anos, um nome eletrizou milhões em todo o mundo dos
investimentos... Soros! George Soros foi chamado de “o maior
administrador financeiro do mundo” e de “o investidor mais influente do
mundo”. Mas penetrar os mitos que giram em torno desse titã, nascido na
Hungria, e separar a verdade dos exageros foi quase tão difícil quanto
explicar os métodos que provocaram seu sucesso fenomenal.

Um investimento de US$ 1.000 no fundo de investimentos de Soros, em


1969, valeria hoje US$1,3 milhões — uma surpreendente taxa composta de
crescimento de 35%! Em um dia memorável de 1992, ele lucrou US$ 958
milhões.

O experiente repórter da Time e renomado biógrafo Robert Slater analisa a


genialidade financeira de Soros, para mostrar aos leitores a filosofia, as
estratégias, os métodos e as táticas de investimento sem par que deram a
George Soros uma enorme influência sobre os mercados financeiros de todo
o mundo e que, em 1993, fizeram dele o maior salário dos Estados Unidos
(um recorde de US$ 1,1 bilhão).

Desde 1992, as Fundações Soros, que ele criou para financiar as reformas
políticas na Europa Oriental e na ex-União Soviética, distribuíram US$ 500
milhões — e têm planos de distribuir mais US$ 500 milhões. George Soros
é a história fascinante desse mestre enigmático dos investimentos,
filantropo e filósofo com um estilo todo próprio.

Entre no mundo de George Soros: A Vida, a Luta e os Segredos do Maior


Investidor Financeiro do Mundo e descubra:

• Por que abandonar a teoria econômica tradicional e reconhecer o caos


no mercado é a chave do sucesso de Soros.

• Como seu conhecimento de história, psicologia e comportamento


social ajudou-o a tornar-se “O Homem Que Quebrou o Banco da
Inglaterra”.

• O marcante estilo de vida, as incríveis realizações e a visão pessoal


única de George Soros, o mais importante investidor do mundo.
Robert Slater é repórter da revista Time há mais de 18 anos. Escreveu
vários livros de negócios, incluindo Get Better or Get Beaten! 31
Leardeship Secrets from GE’s Jack Welch, The New GE: How Jack Welch
Revived an American Institution e This... Is CBS. Sua carreira como
repórter tem mais de um quarto de século, tempo em que trabalhou para a
UPI e para a Newsweek. Ele também foi presidente da Foreign Press
Association. Slater hoje vive e trabalha em Jerusalém, Israel.
Do original

Soros - The Life, Times & Trading Secrets of the World's Greatest Investor

Copyright © 1996 by Richard D. Irwin, Inc.

Copyright © 1999,1996 MAKRON Books do Brasil Editora Ltda.

Todos os direitos para a língua portuguesa reservados pela MAKRON


Books do Brasil Editora Ltda. Nenhuma parte desta publicação poderá ser
reproduzida, guardada pelo sistema “retrieval" ou transmitida de qualquer
modo ou por qualquer outro meio, seja este eletrônico, mecânico, de
fotocópia, de gravação, ou outros, sem prévia autorização, por escrito da
Editora.

EDITOR: MILTON MIRA DE ASSUMPÇÂO FILHO

Gerente de Produção Silas Camargo

Editora Assistente Eugênia Pessotti

Editoração e Fotolitos em Alta Resolução: J.A.G.

Dados de Catalogação na Publicação

Slater, Robert

George Soros: A Vida, a Luta e os Segredos do Maior Investidor Financeiro


do Mundo

tradução Maria Cláudia Santos R. Ratto ; revisão técnica Roberto Luis


Troster
São Paulo : MAKRON Books, 1999.

Título original: Soros: the life, times & trading secrets of the world’s
greatest investor.

ISBN: 85-346-1082-7
PREFÁCIO

Esta não é uma biografia autorizada. Gosto de deixar isso claro desde o
início, porque assim respondo à primeira pergunta que as pessoas fazem a
um escritor quando ficam sabendo que ele está escrevendo um livro sobre
alguém. A idéia de elaborar o perfil de George Soros foi minha. Depois de
escrever um livro em 1992 sobre Jack Welch, presidente da General
Electric, publicado pela Irwin Professional Publishers, saí à procura de uma
outra personalidade importante do mundo dos negócios. Encontrei Soros.
Quando entrei em contato com seu escritório para colocá-lo a par do que
estava planejando fazer, fui apresentado a David Kronfeld, da Kekst & Co.,
empresa que Soros escolheu para cuidar de suas relações públicas.

Tivemos uma agradável reunião de 30 minutos, da qual pude inferir que


ninguém mais contemplava a idéia ou estava em processo de escrever um
livro sobre Soros. Expliquei a Kronfeld que esperava remediar aquela
situação e que ele seria notificado assim que eu tivesse o contrato em mãos.
Pedi que ele nada revelasse sobre o projeto a Soros e seu pessoal naquele
momento; Kronfeld deu-me a impressão de que aguardaria o meu
telefonema.

Quando, um mês mais tarde, recebi ó sinal verde para fazer o livro, contatei
Kronfeld imediatamente para informá-lo de que o projeto seria realmente
concretizado. Ele respondeu que “infelizmente o pessoal de Soros decidiu
não cooperar com você”. E não deu nenhuma explicação. Considerando-se
que eu nem mesmo havia escrito a Soros para informá-lo do meu plano,
essa reação não era esperada. Kronfeld então me disse que ele e Gershon
Kekst, diretor da Kekst & Co., recomendaram às pessoas de confiança da
equipe de Soros - quem quer que fossem, nunca foram identificados - que
cooperassem comigo. Disse que tentaram “defender seu caso”, mas que não
obtiveram nenhum sucesso. Agradeci, mas deixei claro que não só não
havia pedido que ele intercedesse a meu favor como não estava atrás de
cooperação. Eu gostaria apenas de conseguir entrevistas com Soros e seus
associados, o que, a meu ver, seria do interesse de todos - de Soros e meu
também. Perguntei se teria condições de entrevistar os funcionários das
várias fundações de Soros na Europa Oriental. Kronfeld sugeriu que eu
entrasse em contato com Francês Abouzeid, que cuidava das relações
públicas daquele setor.

Em uma conversa telefônica, Abouzeid disse que Soros “havia assumido


um compromisso” com uma outra pessoa que estava trabalhando em um
livro sobre ele e portanto nem ele nem seus companheiros “teriam tempo”
para mim. Eu disse que planejava seguir em frente com o livro e esperava
que Soros mudasse de idéia. Abouzeid chegou mesmo a dar indícios de que
eu teria permissão para entrevistar as pessoas ligadas às fundações de
Soros.

Então, comecei minha pesquisa sobre este livro, na esperança de conversar


com o maior número possível de pessoas que houvessem conhecido Soros e
tivessem trabalhado com ele tanto no lado filantrópico de sua carreira como
na área de investimentos. No início, decidi enfocar aqueles que trabalhavam
nas fundações Soros da Europa Oriental.

Em Bucareste, Romênia, os funcionários de Soros trataram-me como um


rei. Pegaram-me no aeroporto, levaram-me a reuniões com o pessoal da
fundação e permitiram-me participar de reuniões confidenciais e entrevistar
todos, de diretores para baixo. Concederam-me o tipo de cooperação que eu
estava procurando, o que parecia um bom presságio. Mais tarde, em
Budapeste, Hungria, defini metas mais complicadas do que simplesmente
entrevistar os funcionários da fundação. Queria também conversar com
pessoas que conhecessem Soros desde a sua infância. Não foi fácil localizá-
las, mas acabei encontrando várias. Suas lembranças em geral ainda
estavam bem vivas e elas pareceram desfrutar a chance de poder fazer uma
retrospectiva de seu colega de escola ou amigo de infância.

Em Budapeste, também tive uma rápida reunião preliminar com Soros. Eu


não tinha a menor idéia de que ele estaria na cidade quando planejei ir para
lá. Mas aconteceu que ele estava em Budapeste para uma reunião com os
diretores executivos de suas fundações na Europa Oriental e na ex-União
Soviética - e ele estaria presente à recepção que seria oferecida a esses
diretores na noite do dia 8 de março de 1994 no Taverna Hotel. Por acaso,
eu deveria entrevistar um empregado da fundação no hotel e aproveitei a
chance para me apresentar a Soros. A primeira pessoa que encontrei
naquela tarde, porém, foi Francês Abouzeid. Em um tom amigável, ela
disse que tentaria arranjar um encontro rápido com Soros antes da recepção.
Se isso não fosse possível, ela tentaria marcar uma reunião quando eu
estivesse em Nova Iorque no próximo mês. Mais tarde ela retornou dizendo
que a presença de Soros no hotel naquela noite não era tida como certa,
portanto eu teria de esperar até abril. Fiquei, no mínimo, desapontado.

Resolvi, então, conversar com outras pessoas ligadas a Soros quando, de


repente, o próprio adentrou o salão. Ele caminhava a passos rápidos, mas eu
corri em sua direção. Abouzeid acompanhou-me e fez as apresentações.

Eu disse que estava escrevendo um livro sobre ele.

Soros respondeu que não sabia do projeto.

Não tinha conhecimento do projeto? Como ele poderia não saber?


Desnecessário dizer que fiquei surpreso. Afinal, tanto David Kronfeld
quanto Francês Abouzeid me confirmaram que foi o próprio Soros quem
havia decidido não cooperar comigo em meu livro.

Esbocei rapidamente meu histórico e disse que queria muito encontrar-me


com ele.

Ele disse que não poderia prometer nada.

Insisti. Disse que já havia obtido relatos fascinantes de pessoas em


Budapeste que o conheciam desde a infância. Reiterei que seria importante
conversar com ele.

Ele pareceu descontrair-se um pouco, pois disse que, quando eu tivesse


terminado minha pesquisa, nós nos encontraríamos. Virou-se então para
Francês Abouzeid e disse: “Ele pode comparecer à reunião esta noite. Ela
não é confidencial.”

Eu fiquei muito contente com o rumo que os acontecimentos pareciam estar


tomando.

Entretanto, Abouzeid interveio: “Não, queremos que ela seja fechada.”

Soros olhou-me como que pedindo desculpas. “Eu tenho que acatar a
opinião dela.” Fiquei pasmo ao ver que George Soros se curvava a uma
assistente de relações públicas no momento de decidir se alguém que estava
escrevendo um livro sobre ele deveria ou não participar de uma recepção.

Nunca mais encontrei Soros. Mas em cinco países - Estados Unidos,


Inglaterra, Hungria, Romênia e Israel - entrevistei muitos de seus
companheiros, alguns deles desde os primeiros dias de sua carreira como
investidor. Graças a essas entrevistas, acredito que consegui retratar George
Soros em toda a sua complexidade. Felizmente, Soros tem o costume de dar
declarações oficiais, em jornais, revistas e na televisão. Por isso, formei um
quadro preciso do que ele pensa sobre os assuntos que afetam sua carreira.
E ele escreveu três livros, um sobre suas teorias financeiras (The Alchemy
of Finance), e dois outros sobre suas atividades filantrópicas (Opening the
Souiet System e Underwriting Democracy). Aqui e ali nesses dois livros,
Soros escreve pessoalmente sobre si mesmo, ajudando-me a definir sua
personalidade.

Também me beneficiei de uma série de entrevistas fascinantes que me


foram concedidas por analistas financeiros tanto em Wall Street quanto em
Londres. Alguns deles não conheciam Soros pessoalmente, mas foram
capazes de descrever o meio em que em ele atuava e de fornecer
informações sobre como a comunidade financeira opera e como ela reagiu
ao fenomenal registro de investimento de Soros.

Não é fácil conduzir pesquisa para um livro desautorizado sobre uma figura
pública ainda viva. Nesse caso, senti-me particularmente desafiado, ciente
de que Soros desejava evitar que seus companheiros mais próximos,
inclusive seus assistentes de relações públicas, falassem comigo. Em
inúmeras cartas que escrevi a ele, frisei que eu achava ser minha obrigação,
como autor, oferecer-lhe a oportunidade de comentar certos episódios e
certas declarações que as pessoas haviam feito sobre ele. Esse argumento
não deu certo.

Na verdade, no dia 31 de maio de 1994, eu recebi uma carta de Sean C.


Warren, diretor jurídico da Soros Fund, em essência, uma resposta à
segunda das duas cartas que eu havia enviado a Soros solicitando uma
entrevista. Warren disse que a sua carta tinha como objetivo confirmar que
Soros não cooperaria comigo, já que estava colaborando com um outro
autor que escrevia um livro sobre ele. “Tenho certeza de que você sabe que
o Sr. Soros e seus companheiros dispõem de tempo muito limitado, que
precisa ser alocado cuidadosamente. Consequentemente, o Sr. Soros
também solicitou que as pessoas ligadas às suas fundações e outras
entidades não respondam às suas consultas.” Warren reiterou que “ninguém
estará disponível para se encontrar com você” e que eu parasse, “por favor,
de telefonar para o Sr. Soros e suas fundações a fim de obter entrevistas ou
encontros”.

Ele encerrou a carta com o que era essencialmente um apelo: “Na sua carta,
você afirma que deseja encontrar-se com o Sr. Soros numa tentativa de
tornar seu livro o mais exato possível e também por uma questão de
‘justiça’. Ninguém do nosso grupo irá conversar com você, mas tenho
certeza de que não é por isso que você deixará de esforçar-se ao máximo
para cumprir suas responsabilidades jornalísticas com relação à precisão e à
justiça do seu livro.”.

Esse apelo me deixou aturdido. No dia 20 de junho de 1994, escrevi uma


carta a David Kronfeld, levantando uma série de perguntas sobre Soros que
eu esperava discutir pessoalmente. Deixei claro que o diretor jurídico havia
pedido que eu fosse justo e preciso quando levou ao meu conhecimento o
fato de que eu não teria nenhum acesso àqueles que estavam em posição de
ajudar-me. Não recebi resposta do Sr. Kronfeld.

Felizmente descobri que o alcance da proibição de Soros era limitado. Um


bom número de antigos funcionários estava mais do que disposto a
compartilhar comigo suas opiniões sobre ele, quase sempre em caráter
oficial. Estou profundamente agradecido pelas longas entrevistas que eles
me concederam. Por outro lado, às vezes senti como se estivesse brincando
de gato e rato com o pessoal de Soros. Eu telefonava para alguém, pedia
uma entrevista, a pessoa concordava mas depois cancelava. Em um caso,
uma mulher concordou com a entrevista, observando que o pessoal de
Soros já havia entrado em contato com ela, pedindo que não conversasse
comigo, mas ela decidiu que iria fazê-lo de qualquer maneira. Numa outra
ocasião, uma pessoa próxima a Soros concordou em se encontrar comigo.
Depois de uma longa entrevista, que se estendeu por quase toda uma tarde,
ela me telefonou na manhã seguinte para dizer que ficara sabendo que não
deveria falar comigo. Eu precisei transformar nossa entrevista oficial em
uma conversa particular. Em casos assim, a ampla esfera de ação de George
Soros ficava evidente.

Apesar dessas restrições, posso dizer com confiança que este livro é a
análise mais profunda de George Soros já elaborada até a presente data.

***

Uma palavra sobre o meu editor, Jeffrey Krames. Mais uma vez, eu tive o
enorme prazer de trabalhar com ele em um projeto importante. Ele esteve
ao meu lado de muitas maneiras, apoiando-me, dando-me conselhos,
mostrando entusiasmo, ajudando-me a dar forma ao livro, compartilhando o
meu interesse pelo assunto, sugerindo meios de fortalecer o texto. Ele me
ajudou a transformar um desafio complicado em experiência maravilhosa e
eu lhe sou profundamente grato.

Gostaria de agradecer Bruce Liebman, por cuidar de pesquisas importantes


em Nova Iorque. Graças a ele, consegui com relativa facilidade pôr as mãos
em toda uma série de artigos valiosos sobre Soros. Meu obrigado a Zelda
Meislin Metzger e David Nachman por sua assistência.

Também gostaria de agradecer àqueles com quem tive a chance de


conversar: Francês Abouzeid, Edgar Astaire, Ferenc Bartha, Cimpoca
Narcisa, Leon Cooperman, Beth Davenport, Csilla Dobos, William Dodge,
Daniel Doron, Don Elan, Dinu C. Giurescu, Alex Goldfarb, James Grant,
Anca Haracim, Charles Hoffman, Miklos Horn, Dale Jacobs, Gheorghe
Jumuga, Radu Jugureanu, Anatole Kaletsky, Laszlo Kardos, Stephen
Kellen, David Kronfeld, Benny Landa, Arthur Lerner, James Lister-Cheese,
Niel MacKinnon, George Magnus, Sandor Magyari, Dragos Munteanu,
Susan Margitta, James Marquez, Evyln Messinger, Robert Miller, Yoram
Morad, Raphael Morav, Jiri Musil, Ferenc Nagel, Ronald 0’Regan, Gur
Ofer, Lois Peltz, Dan Petreanu, Karl Popper, Bogdan Preda, Allan Raphael,
Michael Rembaum, James Rogers, Jeffrey Sachs, Nicolai Sanud, Herta
Seidman, Barnett Serchuk, Yehuditte Simo, Mark Slater, Alin Teodoresco,
Pal Tetenyi, Ana Todorean, Chris Turner, Tibor Vamos, Miklos Vasarhelyi,
Lazar Vlasceanu, Byron R. Wien e a todos os outros que pediram para não
serem identificados.

Allan Raphael, James Marquez, Byron Wien, Don Elan e Chris Turner
leram partes do texto. Sou-lhes grato por dedicarem seu valioso tempo a
este projeto e por seus comentários.

Uma palavra de agradecimento à minha família: minha esposa Elli, que


sempre esteve ao meu lado, dando apoio, fazendo sugestões, lendo os
rascunhos, cuidando de nossa família enquanto eu pulava de um país para
outro em busca de mais um detalhe sobre George Soros. Ela foi
incrivelmente compreensiva, ajudou-me imensamente e eu a agradeço por
tudo. Agradeço a meus filhos - Miriam e seu marido Shimi, Adam e Rachel
-, pelo simples fato de estarem ao meu lado e darem tanta alegria à minha
vida.

Toda vez que escrevo um livro sobre negócios, e este já é o quarto, percebo
o quanto, em termos práticos, certos membros da minha família estão
próximos do assunto. Alguns deles não apenas exibiram o entusiasmo
necessário mas foram além e acrescentaram pontos importantes e idéias
esclarecedoras e eu gostaria de agradecer a todos eles por sua ajuda: meu
irmão, Jack Slater; meu cunhado, Judd Winick; meus sobrinhos, Michael
Winick, Mark Winick, Jeffrey Slater, Mitchell Slater, Craig Jacobs e Jerry
Bedrin; e meu primo, Melvin Slater. Eles são os “homens de negócio” da
minha família e são uma das minhas platéias mais importantes. Minha
“platéia” mais importante é meu falecido pai, Joseph G. Slater. Mesmo
inconscientemente, ele me inspirou a descobrir como é infinitamente
fascinante o tema negócios. A princípio, eu estava inflexível, tentando
imaginar o que exatamente havia que o encantava nessa área. Descobri mais
tarde na vida e acredito que ele teria ficado agradavelmente surpreso e
acharia graça ao saber que eu finalmente entendera sua mensagem. Para ele,
acima de tudo, meu obrigado. Dedico Soros a Joseph G. Slater.

Robert Slater
1. O MAIOR INVESTIDOR DO
MUNDO

15 de setembro de 1992, 17h30 min.

Acomodado em sua alta cadeira de couro atrás da mesa oval, George Soros
observava através das grandes janelas do lado esquerdo a estonteante vista
do Central Park e a atividade da hora do rush a uns trinta e três andares
abaixo. Ele estava emocionado de ser, mais uma vez, parte do Jogo.

Recentemente, quando entrou no escritório da Soros Fund Management


perto do centro de Manhattan, Soros começou a sentir-se mais como um
visitante do que como chefe. Mas hoje ele era. Hoje ele poderia até escalar
uma montanha. Ou quebrar o banco. Estava confiante de que ainda podia
participar do Jogo ... e jogar melhor do que muitos. Talvez melhor até do
que todos.

E daí que ele gastou muito do seu tempo dos últimos anos viajando para
lugares distantes? Os negócios corriam tranquilamente desde 1988, quando
ele confiou suas operações a um homem muito mais jovem, Stanley
Druckenmiller, cujo desempenho financeiro era brilhante. Quando Soros
aparecia no escritório, ele e Druckenmiller trabalhavam em conjunto, muito
embora eles divergissem algumas vezes em relação à leitura dos mercados
financeiros.

Diariamente, contudo, era mais comum encontrar Soros na Europa Oriental


ou na antiga União Soviética, ajudando a formar e a alimentar as fundações
filantrópicas que ele criara nos anos 80 para transformar aqueles países em
modelos de democracia. Depois de dedicar durante anos todas as suas
energias à sondagem dos mercados financeiros, ele já dispunha de todo o
dinheiro de que necessitaria. Agora, no outono dos seus dias, ele desejava
escapar o máximo possível da rotina dos escritórios. Agora ele preferia
estar com os funcionários de suas fundações na Hungria ou na Romênia,
caminhar pelas ruas lamacentas da Bósnia, participar de aventuras.

Mas hoje não era um dia comum. George Soros estava para concluir a
maior aposta da história financeira. Seu coração deveria estar batendo forte,
ele poderia estar caminhando de um lado para o outro sem parar, gritando
nervosamente para funcionários terrificados. Mas esse nunca foi seu estilo.
Apenas seu pensamento voava. Ele estava sentado, a própria expressão da
calma, e fazia a si mesmo a pergunta que sempre lhe vinha à mente quando
estava para causar furor.

Será que é a melhor coisa a fazer? Será que vou me afundar?

Enquanto Soros olhava fixamente para as primeiras luzes que começavam a


brilhar na cidade, sua mente estava a alguns milhares de quilômetros de
distância. Seria melhor se ele estivesse em Londres? Ele não podia afirmar
com certeza. Talvez hoje isso não importasse.

George Soros sempre teve muito prazer em ficar longe dos círculos
financeiros de Wall Street - sempre teve uma satisfação especial em saber
que concebeu um meio de ganhar toneladas de dinheiro sem nem ao menos
precisar chegar perto da Bolsa de Nova Iorque.

Dada a maneira como jogava o jogo dos investimentos, dado o estilo


contraditório que adotou com sucesso para ler os mercados financeiros, ele
não tinha motivos para se misturar à multidão no centro da cidade.
Contentava-se em estar próximo ao centro. Contentava-se em tirar uma
folga de suas usuais aventuras. Seu escritório tinha uma atmosfera calorosa,
aconchegante, alguns quadros na parede, fotografias da família sobre a
mesa. Mas, a apenas alguns passos do escritório de Soros, os funcionários
sentavam diante de frias telas de computadores, quase sem piscar os olhos,
como se o menor movimento da cabeça, para a esquerda ou para a direita,
pudesse sugerir que eles tivessem adormecido durante a vigília. Em uma
parede, uma frase aparentemente composta em um computador dizia: Nasci
pobre, mas não morrerei pobre.

Era o credo de George Soros. Agora com 62 anos, muito mais rico do que a
imaginação é capaz de supor, ele sabia que havia ganho a “aposta” de que
não morreria pobre. Na verdade, ele poderia muito bem morrer como um
dos homens mais ricos dos Estados Unidos. Mesmo assim, ninguém ousava
sugerir que era hora de aposentar aquela frase. Afinal, os outros no
escritório precisavam de um incentivo. Alguns já eram muito ricos por si
próprios, chegando a valer milhões de dólares.

Esses também não morreriam pobres. O certo é que parecia que todos os
que trabalhavam ao lado de George Soros participaram da corrida do ouro e
encontraram o metal precioso. O escritório da Soros Fund Management não
tinha nada de Fort Knox nem era difícil de penetrar. Entretanto, exalava o
mesmo cheiro intoxicante de dinheiro.

Mas Soros quase não percebeu que a cidade havia vagarosamente


mergulhado na escuridão. Ele era um trader global. Um investidor que
estava tão interessado nos mercados financeiros de Tóquio e de Londres
como no de Wall Street, tão intensamente curioso sobre as tendências
econômicas em Bruxelas e Berlim quanto em Peória ou Poughkeepsie. Hoje
sua mente não estava no escritório: estava na Europa Ocidental. Essa era a
sua principal preocupação no momento.

Saiba discernir o caos e você poderá ficar rico."

Ele vinha acompanhando os acontecimentos dos últimos anos na


Comunidade Econômica Européia e sentia que estava aceso o pavio de uma
grande explosão financeira.

Soros era um mestre em teoria financeira e gostava de testar suas teorias no


laboratório das ações, dos títulos e das moedas. E que laboratório
maravilhoso era! Não havia áreas cinzentas. Nenhuma sequer. Uma ação ou
subia ou descia ou ficava estável. Qualquer teoria sobre como o mercado de
ações operava podia ser testada no dia-a-dia.

Muitos investidores acreditavam que o mundo financeiro fosse racional,


convencidos de que os preços das ações tivessem alguma lógica intrínseca.
Se você soubesse discernir essa lógica, poderia ficar rico.

Soros não pensava assim. Para ele, o mundo financeiro era instável, caótico.
Soros achava que, se você soubesse discernir o caos, poderia ficar rico.
Tentar compreender a fundo os mercados financeiros, como se os
movimentos deles fossem parte de uma gigantesca fórmula matemática,
nunca daria certo. Soros estava convencido de que a matemática não
governava os mercados financeiros.

A psicologia, sim. Mais precisamente, o instinto gregário.

O investidor de sucesso consegue prever quando e como a multidão vai se


interessar por uma determinada ação ou moeda e assim sair na frente.

Em poucas palavras, era essa a teoria de Soros.

Hoje George Soros estava testando sua teoria no mercado financeiro


europeu como um todo. Era lá que ele a vinha aplicando calmamente nos
últimos anos, esperando o momento certo, esperando pelo murmúrio da
ruidosa multidão.

E quando o ouvisse, estaria pronto para agir, pronto para agarrar a


oportunidade. Quando ele sentia que estava certo em relação a uma situação
financeira, aprontava-se para deixar a prudência de lado. Desta vez, ele
tinha convicção de que estava certo.

E desta vez, ele estava pronto para fazer a maior aposta que alguém jamais
havia feito no mundo dos investimentos.

Se perdesse, perderia algum dinheiro. Mas isso não importava. Ele já havia
perdido dinheiro anteriormente, como na queda do mercado de ações em
outubro de 1987. Ele fez uma leitura incorreta do mercado e amargou
perdas de US$300 milhões.
Mas, com muito mais frequência, ele ganhou dinheiro - para seu grupo de
elite de clientes - e o fez tão bem e durante tanto tempo que em junho de
1981 já era chamado de “O Maior Administrador Financeiro do Mundo”
pela Institutional Investor Magazine.

Desde 1969, quando criou o Quantum Fund, seu grande feito, Soros só
apresentou perdas em um ano. 1981. Em termos bem simples, ninguém
havia mostrado um desempenho tão bom durante tanto tempo nos mercados
financeiros quanto George Soros. Nem Warren E. Buffett, nem Peter Lynch,
ninguém.

Seu registro foi o melhor de Wall Street.

Em seu escritório naquele final de dia, Soros não parava de pensar em


Londres. Lá já eram 22h30. Era lá que a ação estava hoje. Não em Nova
Iorque.

Um brilho de satisfação cruzou a face de Soros. Ele lembrou do dia 9 de


novembro de 1989, aquele dia crucial da queda do muro de Berlim.

Todos sabiam como aquele dia tinha sido significativo para a história
moderna. Outros acreditavam, ou pelo menos esperavam, que, com a queda
do Muro, uma nova Alemanha unificada iria surgir e prosperar.

Soros tinha uma opinião diferente.[1] Como sempre. Ser contrário era o seu
segredo. Ele achava que a nova Alemanha passaria por momentos difíceis
tentando financiar a unificação. Ele também achava que a Alemanha se
voltaria para dentro, preocupada com seus próprios problemas econômicos,
e deixaria de lado como menos importantes os problemas econômicos dos
outros países da Europa Ocidental.

Uma Alemanha voltada para si própria teria vastas implicações nas


economias - e moedas - dos outros países da Europa. Pelo menos era isso
que Soros acreditava.

Ele observava e esperava.


Em 1990, ele esteve atento ao passo decisivo que a Grã-Bretanha deu na
direção de juntar forças com o novo sistema monetário da Europa
Ocidental, o ERM, ou Exchange Rate Mechanism. Soros achava que essa
participação era um erro. A economia britânica não era forte e ao juntar-se
ao ERM ela estaria unindo-se à mais forte potência da Europa Ocidental - a
nova Alemanha unificada.

Era uma ligação que, fosse para melhor ou para pior, em última análise
deixaria a Grã-Bretanha dependente dos alemães. Na condição de mais forte
economia da região, a Alemanha tinha poder para decidir o que era bom em
termos econômicos para o resto da Europa Ocidental.

Para Soros, essa dependência da Alemanha acabaria por ser fatal para os
britânicos.[2]

A Grã-Bretanha poderia querer adotar uma política monetária própria - e


não ter condições para tanto. Seria preciso vinculá-la às políticas monetárias
da Alemanha dominante.

Exatamente como Soros havia previsto, 1992 trouxe uma crise financeira
para a Europa Ocidental. Várias economias, incluindo a da Grã-Bretanha,
ficaram à deriva. E essa queria diminuir suas taxas de juros.[3]

Os alemães, porém, não estavam dispostos a reduzir as suas taxas por


motivos domésticos: eles estavam profundamente temerosos de que a
inflação pudesse voltar. Lembravam com horror os anos 20, quando a
inflação foi o veneno que provocou o colapso da economia alemã.

Se a Alemanha não reduzisse suas taxas, os outros países europeus não


teriam como efetuar essa redução pois, se o fizessem, arriscariam-se a
enfraquecer suas moedas e a transformá-las em presas para os
especuladores.

Então, a Grã-Bretanha estava numa armadilha. Sua economia apresentava


sinais de deterioração. Por estar supervalorizada, a pressão sobre a libra era
cada vez maior. A Grã-Bretanha queria melhorar sua economia, mas, para
tanto, precisava reduzir o valor da libra e tornar as exportações mais
atraentes. Mas ela foi forçada pelas regras do ERM a manter a cotação da
libra em 2,95 marcos alemães.

Em julho de 1992, os líderes políticos britânicos insistiam no fato de que


sobreviveriam à tempestade - e que não haveria nenhuma desvalorização da
libra. A Grã-Bretanha não deixaria o ERM. De alguma maneira, eles
atingiriam seu objetivo.

Tolice, pensava George Soros.

Ele sabia melhor do que ninguém. Soros estava consciente de que a situação
da economia britânica era tenebrosa. Ela não teria como permanecer no
ERM. Teria de abandonar o barco.[4] A crise teve início em meados de
setembro. Começaram a surgir rumores de que os italianos desvalorizariam
a lira. Os negociantes de Nova Iorque precipitaram-se a vender suas liras
rapidamente.

No dia 13 de setembro, um domingo, a lira italiana foi desvalorizada - mas


apenas em 7%, ainda dentro da faixa estipulada pelas regras do ERM.

Os investidores ganharam muito dinheiro apostando que os bancos centrais


europeus honrariam o compromisso de manter suas moedas dentro dos
limites do ERM. Parecia um mau negócio apostar em um realinhamento do
ERM que fosse além das regras.

Mas se os italianos desvalorizaram a lira, e eles haviam dito que não o


fariam, será que isso não queria dizer que o imperador estava nu? Que todas
as promessas dos outros governos nada significavam?

Talvez houvesse uma segunda leva ... não seria hora de começar a vender
libras?

De repente, em diferentes partes do mundo e de uma só vez, investidores e


corporações perderam a fé na disposição dos governos da Europa Ocidental
de permitir que o ERM determinasse as taxas de câmbio. Agora eles
estavam tentando avidamente livrar-se de várias moedas mais fracas,
inclusive da libra.
Quanto mais se aproximava o 15 de setembro, maior era a confiança de
George Soros de que a Grã-Bretanha deixaria o ERM.[5]

Foi Stanley Druckenmiller quem considerou o momento oportuno para uma


aposta contra a libra. Ele conversou com Soros sobre o que era possível
fazer. Soros deu o sinal verde, mas insistiu para que se apostasse um valor
maior do que o que ele tinha em mente.

E foi assim que Druckenmiller, agindo em nome de Soros, ficou vendido


em US$10 bilhões em libras esterlinas.

Ao sair para seu apartamento na Quinta Avenida, Soros parecia um homem


extremamente autoconfiante. Ele dormiu bem aquela noite.

Na manhã seguinte, às 7h00, o telefone tocou na casa de Soros. Era Stan


Druckenmiller com as novidades. Soros ouviu-o dizer que tudo havia dado
certo. Durante seu sono, George Soros acumulou um lucro de US$958
milhões. Quando os ganhos obtidos com outras posições durante a crise do
ERM foram computados, eles totalizaram perto de US$2 bilhões.

Para os britânicos, o dia 15 de setembro - dia em que eles foram forçados a


retirar a libra do ERM - ficou conhecido como Quarta-Feira Negra.

Para Soros, foi uma Quarta-Feira Branca.

Foi essa aposta, essa simples atitude de colocar US$10 bilhões no fato de
que a Grã-Bretanha iria desvalorizar a libra, que tornou George Soros
famoso no mundo todo.

***

Esse foi, e continua sendo, seu maior lance como investidor.

Por causa dessa aposta, Soros - “O Maior Investidor do Mundo” - tornou-


se uma lenda na comunidade financeira.
Depois de setembro de 1992, mitos acumularam-se ao redor de George
Soros.

O principal era o de que ele era capaz de mover mercados: uma palavra sua
sobre uma commodity como o ouro, ou sobre uma moeda como o marco,
poderia causar uma mudança no rumo dos negócios. Os preços subiriam ou
desceriam, só por causa de suas declarações.

Ele parecia infalível, digno de imitação.

Um repórter que trabalhava em um documentário para a televisão sobre


Soros em dezembro de 1992, dois meses depois do seu golpe contra a libra,
ficou impressionado com sua aparente capacidade de movimentar os
mercados: “O Senhor investe em ouro, e porque o Senhor investe em ouro
todos pensam que devem investir em ouro e o preço sobe. O Senhor escreve
um artigo questionando o valor do marco alemão e o marco alemão cai. O
Senhor faz um investimento imobiliário em Londres e da noite para o dia
parece que a tendência de queda dos preços é revertida. Será que uma
pessoa pode ter tanta influência assim?”.

Parecendo gostar do elogio recebido, Soros tentou oferecer uma certa


perspectiva da situação.

“No momento”, começou ele, “a influência que eu tenho está sendo


exagerada. Na verdade, tenho certeza absoluta de que ela é exagerada. E ela
própria se corrigirá porque as pessoas perceberão” - abriu um enorme
sorriso - “que eu não sou infalível e, você sabe, assim como estou agora na
crista da onda, amanhã poderei estar lá embaixo.”[6]

Errado em ambas as avaliações.

Sua influência não era exagerada. Nem a onda de interesses sobre ele estava
para diminuir.

Em uma história na Business Week, perguntaram-lhe como ele se sentia


como guru. Ele disse que isso o divertia.

Divertia.
Algumas pessoas pareciam divertir-se menos.

Por volta de 1994, os mitos em torno de Soros eram tão difundidos que
Washington começou a prestar atenção. Se George Soros realmente podia
mover mercados e se fortunas podiam ser formadas ou destruídas pelas
atitudes de um homem só, ele não seria perigoso? Será que George Soros
não precisaria ser refreado?

Foi esse um dos principais temas que rodeavam o homem que, em meados
da década de 1990, havia escalado uma altura no mundo financeiro que
poucos outros não haviam sequer tentado.

Como o maior investidor do mundo, ele acumulou mais dinheiro do que a


maioria das pessoas jamais verá em toda uma vida, ou em uma centena de
vidas. Ainda assim, esse fato era apenas parcialmente responsável pela
mística que o cercava.

George Soros era muito mais do que um homem que havia ganho alguns
bilhões de dólares. Muito mais do que o Homem Que Quebrou o Banco da
Inglaterra, como o descreveu a revista The Economist. Muito mais do que o
Homem Que Move Mercados, título que lhe foi conferido pela Business
Week.

***

Houve uma época em que o dinheiro tinha apelo apenas marginal para
Soros.

Ele não tinha como objetivo ser um investidor mundial, ganhar enormes
somas de dinheiro. Pelo contrário, era seu desejo ardente ser um homem de
idéias e ele sempre se sentiu mais à vontade no âmbito do intelecto do que
no das finanças.
Entretanto, ele descobriu que tinha o dom de ganhar dinheiro - muito
dinheiro, que parecia chegar às suas mãos com muita facilidade. Talvez
fosse por isso que ele se sentisse contaminado pelo dinheiro. Ele queria
mais para a sua vida do que simplesmente acumular riquezas.

Não que Soros considerasse a especulação financeira imoral ou um mero


jogo. Ele não tentava justificar o que fazia: apenas não tinha nenhum prazer
naquilo. Soros desejava dar uma contribuição aos outros - uma contribuição
que não fosse esquecida.

Ele se imaginava um filósofo e não um financista. Gostava de intitular-se


filósofo fracassado, talvez para lembrar a carreira que ele tentou seguir
quando jovem, mas que tinha abandonado.

Seu grande sonho era aumentar o conhecimento do mundo, conhecimento


sobre a maneira como o mundo funcionava, sobre como os seres humanos
funcionavam naquele mundo. Quando era estudante, Soros começou a
procurar por esse conhecimento. Sua busca levou-o ao mundo da filosofia e,
durante um certo tempo, quis ser professor de filosofia. Ele estudou
economia, mas, naquele mundo sempre pareceu ser mais um visitante do
que um residente permanente.

Sentindo-se enganado pela maneira como lhe ensinaram economia, Soros


chegou à conclusão de que os economistas careciam de um conhecimento
prático da forma como o mundo operava. Eles sonhavam alto, só falavam
sobre situações ideais e cometiam o erro de pensar que o mundo era um
lugar muito racional. Mesmo ainda bastante jovem, George Soros sabia
muito bem que o mundo era muito mais caótico do que os economistas
queriam que as pessoas acreditassem.

Quando começou a formular suas próprias teorias - teorias do


conhecimento, teorias da história e, no devido tempo, teorias sobre finanças
Soros ancorou suas convicções na crença fundamental de que o mundo era
altamente imprevisível, totalmente irracional - em resumo, difícil de
conceber.

Ele pretendeu levar essas teorias adiante em forma de livro, mas passou por
momentos delicados tentando torná-las compreensíveis e legíveis. Às vezes,
até para ele era difícil compreender o que havia escrito. Frustrado pelo fato
de ser tão penoso conquistar o mundo intelectual, ele resolveu encontrar
mundos que pudessem ser conquistados.

A decisão foi, de certa maneira, fácil. Ele precisava ganhar a vida de


alguma maneira. Por que não tentar mostrar a todos aqueles economistas,
ganhando o máximo possível de dinheiro, que ele compreendia os
mecanismos do mundo melhor do que eles? Soros acreditava que o dinheiro
daria a ele uma plataforma a partir da qual teria como expor suas opiniões.
Em suma, o dinheiro poderia ajudá-lo, finalmente, a ser um filósofo.

O mundo em que ele adentrou, o das altas finanças, tinha potencial para
grandes recompensas. Os riscos, porém, eram aterrorizantes. Não era lugar
para corações fracos.

Talvez os tímidos desfrutassem de alguns anos bons. Mas no final,


sucumbiriam à pressão, à pressão de serem responsáveis pelo dinheiro de
outras pessoas. O preço era alto, pago na moeda do sono perdido, da falta
de tempo para lazer, de amigos, de vida familiar, tudo porque o inferno
estava solto nos mercados financeiros. Com o tempo, o coração fraco
encontraria outro trabalho.

Soros, ao contrário, não tinha coração fraco. Ele parecia ser uma pedra de
gelo. Não exibia emoções. Quando um investimento era recompensado, ele
sentia satisfação. Quando não, não havia por que correr para o telhado ou
arranha-céu mais próximo. Ele era calmo, equilibrado; raramente ria com
histeria, mas raramente ficava mal-humorado.

Soros gostava de dizer que era um crítico; realmente, chegava até a gracejar
que era o crítico mais bem pago do mundo. O termo sugeria algo estranho,
algo acima da batalha. “Eu sou um crítico dos processos. Não sou um
empreendedor que cria empresas. Sou um investidor que as julga. Minha
função nos mercados financeiros é criticar e meus julgamentos críticos são
expressos por minhas decisões de comprar e de vender.”[7]

Muito embora estivesse no ramo dos negócios desde 1956, primeiro em


Londres e depois em Nova Iorque, sua carreira começou verdadeiramente
em 1969. Foi nesse ano que ele lançou seu próprio fundo de investimento, o
Quantum Fund, onde trabalhou ativamente nos 25 anos seguintes - com
exceção de alguns anos no início da década de 1980. No final da década de
1980, Soros adotou um perfil discreto, gastando a maior parte do tempo em
suas atividades filantrópicas. Entretanto, ele sempre mantinha contato com
as pessoas que controlavam os fundos.

O Quantum foi um dos primeiros fundos offshore livremente disponíveis


aos investidores não-americanos. Quase todos os outros eram limitados pela
lei americana a 99 investidores e normalmente exigiam um investimento
mínimo de pelo menos US$1 milhão. O Quantum era também um fundo
hedge[*], uma sociedade de investimento ultrassecreta de pessoas ricas
dispostas a expor suas fortunas a riscos incríveis a fim de ficar ainda mais
ricas. O fundo de Soros vendia a descoberto, usava instrumentos financeiros
complexos e tomava emprestadas grandes quantidades de dinheiro -
estratégias não-disponíveis a investidores comuns.

Quando os fundos hedge surgiram alguns anos antes, um pequeno grupo de


administradores adotou a estratégia de misturar suas compras de ações.
Estes fundos eram protegidos no sentido de que os administradores
dividiam as carteiras entre posições de longo prazo em ações que seriam
rentáveis no caso de alta do mercado e posições de curto prazo em ações
que gerariam lucro em caso de baixa.

Soros e alguns outros reis dos fundos hedge descartaram essa estratégia e
foram além do mercado de ações americano, apostando em amplas
variações globais não apenas em ações, mas em taxas de juros, moedas - ou
seja, na direção global dos mercados financeiros. Em um dia médio, os
fundos de Soros compravam e vendiam US$750 milhões em títulos.

E os resultados que ele alcançava eram realmente surpreendentes. Se


alguém tivesse investido US$100 mil em 1969, quando Soros criou o
Quantum Fund, e reinvestisse todos os dividendos, essa pessoa teria em
abril de 1994 US$130 milhões - uma taxa composta de rendimento de 35%.
Obter este tipo de retorno em um fundo muito menor, digamos US$50 ou
US$100 milhões, seria considerado notável; o fato de esse coeficiente ter
sido obtido com uma carteira de muitos bilhões de dólares assombrou Wall
Street.
Uma ação no Quantum Fund vendida por US$41,25 em 1969 valia
US$21.543,55 no início de 1993; e ela também teria pago um alto valor em
distribuições de caixa. Por volta de junho de 1994, aquela ação custava
US$22.600. Para qualificar-se como membro do Quantum Fund, era preciso
investir pelo menos US$1 milhão. Soros detinha, de acordo com a maioria
dos relatórios, um terço dos fundos.

Soros não havia feito fortuna “à moda antiga”. Os capitães da indústria


americana no século dezenove - empreendedores como Rockfeller ou
Carnegie - acumularam riqueza construindo coisas, produzindo petróleo e
aço. George Soros não tinha nem administrava sua própria corporação. E
também não tinha nenhuma outra base de poder. Sua especialidade eram os
movimentos rápidos e ágeis no mercado financeiro, usando altas somas de
capital.

***

Embora pequeno em termos de estatura física, Soros parece forte, tem porte
atlético. Seus cabelos são curtos e ondulados e ele usa óculos de aro de
metal. Para alguns, ele parece um professor de economia ou um instrutor de
esqui. Fala inglês fluentemente, embora ainda com um ligeiro sotaque
húngaro. Um autor descreveu-o como “um homem intenso e direto, rosto
enrugado, queixo angular e lábios finos. Seu cabelo é cortado a escovinha.
Sua voz é uniforme e ligeiramente áspera...”.[8]

Por qualquer razão, as pessoas esperam que Soros seja um indivíduo


grosseiro e ficam surpresas quando percebem que ele é igual à maioria. “Ele
não tem nada de aterrorizante”, escreveu The Guardian. “Seu ar
descontraído e seu cadenciado sotaque húngaro conferem-lhe o estilo de um
magnata europeu. As rugas em sua fronte sugerem as horas que ele passou
ponderando sobre o estado do mundo - uma impressão de erudição que ele
está sempre ávido por encorajar.”[9]
Para um colunista do The Observer, Soros parecia adequar-se totalmente ao
molde europeu. “Ele é um homem elegante que estampa a cortesia
inesquecível e a ironia reprimida da sociedade dos cafés austro-húngaros.
Quando mais jovem, era fácil imaginá-lo saboreando um cafezinho sobre
um tabuleiro de xadrez com Trotsky no antigo Café Central em Viena.”[10]

The Independent, jornal britânico, resumiu a aparência de Soros desta


maneira: “Ele não é nenhum Gordon Gekko, o anti-herói da quintessencial
da década de 1980 cinematográfica, Wall Street. Ele parece dez anos mais
jovem, talvez por ser um compulsivo jogador de tênis e pela falta de
interesse no estilo de vida fulgurante que Nova Iorque oferece aos
extremamente ricos. Não bebe nem fuma e seu gosto pela comida é apenas
modesto. Transmite a idéia de um professor dedicado e bastante desleixado
da Europa Central. ”[11]

No final da década de 1970 e início dos anos 80, Soros começou a achar
muito severa a dor do investimento; era uma dor que advinha de administrar
um fundo de investimentos que já ultrapassara o que para ele era um
tamanho controlável.

Entretanto, ele era um sobrevivente. Havia aprendido aquela arte com seu
pai e praticado durante a Segunda Guerra, escondendo-se dos nazistas em
Budapeste. Sobreviver nos mercados financeiros às vezes significava bater
em rápida retirada. Foi isso que Soros fez no início da década de 1980. Ele
adotou um comportamento discreto. Passou o controle do fundo para outras
mãos. E chegou a uma conclusão decisiva. Ele queria algo mais da vida do
que o sucesso no mundo dos investimentos. Como não era nenhum
hedonista, já tinha tudo o que o dinheiro era capaz de oferecer. Desejava
fazer bom uso de sua fortuna. Por não precisar de aprovação da família nem
do conselho de diretores, uma vez decidido como gastar seu dinheiro, ele
podia seguir em frente e fazer o que quisesse.

Esse tipo de liberdade, esse tipo de poder, induziu-o a pensar profunda e


cuidadosamente sobre as opções que tinha diante de si. Eventualmente, ele
instituiu um grandioso projeto, cujo objetivo era encorajar sociedades
abertas, primeiro no Leste Europeu e depois na antiga União Soviética.
Sobreviver nos mercados financeiros às vezes significa bater em rápida
retirada."

Soros havia deixado a Hungria anos atrás porque não tolerava os sistemas
políticos que governavam seu país - primeiro o fascismo na Segunda
Guerra, depois o comunismo nos anos pós-guerra. As sociedades
“fechadas” que se desenvolveram em toda a Europa Oriental e na União
Soviética feriam-no, pois ele acreditava firmemente no tipo de liberdade
política e econômica que florescia na América e na Europa Ocidental.

Houve quem tentasse influenciar essas sociedades - governos ocidentais


com maior frequência e, às vezes, fundações privadas. Nunca, porém, um
indivíduo do Ocidente tentou realizar mudanças de tão longo alcance.

Soros acreditava que era igual ao desafio. Assim como teve de ensinar a si
próprio a lidar com investimentos, começaria devagar, monitoraria seu
progresso cuidadosamente, gastaria seu dinheiro com prudência. Sua
esperança - e era uma esperança de muito longo prazo - era forçar a
abertura dessas sociedades fechadas.

Usando recursos financeiros próprios, ele queria plantar sementes entre


todos os povos da Europa Oriental e da União Soviética que, por sua vez,
mesmo que gradualmente, influenciariam seus próprios países a adotar as
liberdades ocidentais que Soros defendia. Seria difícil provocar impacto
sem levantar suspeitas e talvez impossível obter a aprovação das
autoridades políticas para seus esforços. Entretanto, ele queria pelo menos
tentar.

Ele realmente começou sua batalha na África do Sul em 1979, mas


fracassou. Voltando-se para o Leste Europeu, Soros estabeleceu uma base
na Hungria em 1984. Mais tarde, ele fixou-se em um outro ponto da Europa
Oriental e na União Soviética.

O simples fato de Soros conseguir colocar um pé em alguns desses países já


foi uma maravilha, dadas as suspeitas e as hostilidades desses governos.
Enquanto isso, porém, as Soros Foundations floresceram. Em meados da
década de 1990, ele já doava centenas de milhões de dólares a essas
fundações. Em 1992 e 1993, Soros distribuiu US$500 milhões,
comprometendo-se a distribuir mais US$500 milhões. Em 1993, ele doou
mais à Rússia do que qualquer governo ocidental, mesmo depois de ter
proclamado a situação como “cataclísmica”.

George Soros, o maior investidor do mundo, era agora George Soros, o


maior filantropo do mundo.

Tornara-se o mais importante doador privado do Ocidente entre o Danúbio


e os Urais. Elogiado por muitos como um santo, amaldiçoado pelos cínicos
como um intruso, Soros havia finalmente encontrado um jeito de ser
diferente, de ganhar algum respeito e de fazer alguma coisa fora dos
circuitos de Wall Street e de Londres.

A filantropia que visava a abrir sociedades fechadas deu-lhe muito mais


satisfação do que ter acumulado toda aquela fortuna. Ela também lhe
permitiu muito mais exposição. Soros gostava da publicidade - na verdade,
ele estava ansioso porque tinha interesse em deixar que o mundo soubesse
que não era simplesmente um homem excepcionalmente rico.

Ainda assim, Soros não estava totalmente contente, porque sentia que,
durante o processo, sofreria pressões para desvendar o mundo secreto de
seus investimentos. Ele queria publicidade, mas apenas publicidade boa.
Ele queria, na medida do possível, continuar a ser uma figura privada, mas
seu perfil era alto demais; suas realizações, por demais substanciais; seu
alcance, incrivelmente amplo.

Depois que Soros compreendeu que era impossível escapar dos holofotes da
opinião pública, tentou explorar a fama recém-descoberta. Ele sempre
evitou revelar suas posições em termos de investimentos. De repente, ficou
falante, começou a fazer declarações públicas sobre as partes do mercado
financeiro de que mais gostava. Nunca demonstrou nenhum grande
interesse por assuntos internacionais. E mesmo assim, lá estava ele
oferecendo conselhos em público sobre uma variedade de questões de
política externa desde a OTAN até a Bósnia, esperando atrair a atenção dos
líderes mundiais. Queria que especialmente os políticos americanos o
notassem. No curto prazo, o tiro da sua farra loquaz saiu pela culatra. Ele
não ganhou respeito de mais ninguém e ainda foi acusado de excesso de
arrogância.

Com sessenta e poucos anos, Soros era inflexível em afirmar que antes de
mais nada era um filantropo e que seus dias na arena dos investimentos
eram coisa do passado. Ele continuava tentando manter um comportamento
o mais discreto possível com respeito aos seus investimentos. Porém, o
estrelato estava de volta devido ao golpe de 1992 contra a libra. E ele
mesmo parecia cortejar uma certa publicidade. Estava muito bem preparado
para colocar o mundo a par de todas as suas atividades filantrópicas, mas
resguardava o mundo dos seus investimentos pessoais mesmo com o
público querendo descobrir mais e mais como esse homem se tornara o
maior investidor do mundo.

A história que se segue é uma tentativa de examinar a vida e a carreira deste


homem notável, o mundo público e o mundo privado de George Soros.
2. EU SOU DEUS

As crianças pequenas costumam alimentar fantasias sobre si mesmas.


Querem ser diferentes dos outros, pretendem ser superiores, ou então
desejam muito chamar a atenção.

A criança que é dócil, ou muito magrinha, ou demasiadamente tímida sonha


ser possível que, ao estalar dos dedos, ela se transforme em um Sansão, em
um Stallone, ou - a não ser pelo forte sotaque - em um Schwarzenegger. O
garoto que raramente sai de casa, que nunca tem a oportunidade de viajar a
lugares distantes, gostaria de ser um piloto da força aérea ou um astronauta.

Qualquer psiquiatra, se pressionado, sempre consegue determinar o motivo


dessas fantasias: a criança amava muito sua mãe ou a amava muito pouco.
A criança admirava o pai com muita obsessão ou então a admiração não era
suficientemente obsessiva.

Contudo, o que fazer com uma criança que acreditava ser Deus?

O que fazer com o jovem George Soros, que crescia na década de 1930 em
Budapeste entre famílias de classe média alta e que, a não ser pelo sonho
excêntrico, era uma criança normal que tinha muitos amigos, adorava
esportes e se comportava como todas as outras crianças da sua idade?

Teria sido muito mais fácil atenuar esses pensamentos grandiosos com os
quais George Soros sonhava acordado quando criança se, na idade adulta,
ele tivesse dado algum sinal de que havia superado essas idéias
messiânicas.
No entanto, quando adulto, ele não apresentou nenhum sinal, nenhum gesto,
nenhuma indicação de que não mais se agarrava a convicções tão
insensatas, apenas a sugestão de que era muito difícil para uma pessoa
acreditar que ela fosse uma divindade.

“Para falar a verdade”, escreveu ele em um de seus livros, “eu trouxe


comigo desde a minha infância algumas fantasias messiânicas bastante
fortes, que eu achava que tinha de controlar, caso contrário poderia ter
problemas.”[1]

Uma das maneiras que ele encontrou para controlar essas fantasias foi falar
sobre elas o mínimo possível. Em um desses raros momentos, ele disse ao
jornal britânico, The Independent, no dia 3 de junho de 1993: “Quando
você se considera uma espécie de deus, o criador de tudo, é como se você
tivesse uma doença, mas agora eu já me sinto mais à vontade com tudo isso,
porque passei a aceitar a situação como normal.”.

E na mais longa referência a essas fantasias, em um trecho de seu livro de


1987, The Alchemy of Finance, Soros revelou como foi doloroso para ele
quando jovem carregar consigo tais crenças, um segredo incômodo que não
tinha a menor intenção de dividir com ninguém.

“Não deverá ser nenhuma surpresa para o leitor o fato de eu admitir que
sempre nutri uma opinião exagerada sobre minha própria importância - em
termos bem simples e diretos, eu me imaginava uma espécie de deus ou um
reformador econômico como Keynes ou, melhor ainda, um cientista como
Einstein. Meu senso de realidade era forte o bastante para fazer-me perceber
que essas expectativas eram excessivas e eu as escondi como um segredo
criminoso - uma fonte de considerável infelicidade para mim durante
grande parte da minha vida adulta. Quando eu comecei a progredir na vida,
a realidade ficou muito próxima da fantasia e me permitiu admitir esse
segredo, pelo menos para mim mesmo. Desnecessário dizer que eu agora
me sinto muito mais feliz. ”[2]

Que raciocínio chocante - a realidade ficou muito próxima da fantasia de


que ele era Deus.
Será que George Soros quis realmente dizer que sua vida adulta, como
financista e filantropo de sucesso, de alguma maneira fazia lembrar a
fantasia de criança, segundo a qual ele se achava divino?

Aparentemente, sim.

A não ser em poucas referências muito rápidas, Soros não declarou em


público por que ele acreditava que era Deus e o que pretendia com aquela
alegação. Talvez, se pressionado, ele pudesse ter persuadido as pessoas de
que estava apenas brincando, que não acreditava realmente ser Deus. Vez
por outra, ele até fazia piadas com seus sentimentos de criança. Um
jornalista certa vez sugeriu a Soros que ele deveria ser indicado para papa.

“Por quê?”, perguntou. “Eu agora sou o chefe do Papa. ”[3]

A impressão que fica é a de um homem que, mesmo adulto, estava


convencido de que havia sido contemplado com traços únicos, exclusivos.

George Soros como Deus.

Se isso não chega a soar verdadeiro, pelo menos ajuda a explicar a enorme
autoconfiança que ele tinha quando criança e que levaria consigo para a
idade adulta.

Como sempre manteve sua fantasia de criança em segredo, não é de


surpreender que nenhuma das pessoas que o conheceram naquela época se
lembrasse de vê-lo insistir em que fosse divino. Elas lembravam, sim, que
ele gostava de dominar as outras crianças. A maioria de seus companheiros
na idade adulta acreditava que, quando ele revelou que achava que era
Deus, Soros estava deliberadamente exagerando, como meio de afirmar sua
superioridade sobre os outros. Quase como se estivessem pedindo desculpas
pela hipérbole do amigo, eles tentaram explicar sua fantasia argumentando
que ele não queria realmente dizer o que afirmara.

Um deles disse que George Soros não quis dizer que era Deus, mas que
acreditava que pudesse conversar com Deus! Um outro achava que Soros
estava meramente expressando um sentimento de onipotência: a sugestão de
que ele era Deus foi uma maneira irônica de comparar-se, como talvez
outros o fariam, a Napoleão.

Era como se aqueles que conheciam George Soros quisessem trazê-lo para a
terra, por assim dizer. Era como se eles não quisessem ter como amigo ou
colega alguém que realmente acreditasse que fosse Deus. Para essas
mesmas pessoas, qualquer outro indivíduo que alimentasse tais opiniões
seria considerado louco varrido. Mas elas não podiam fazer o mesmo com
George Soros. Afinal, ele era alguém que tinham em alta conta.

***

Quem incutiu essas idéias em George?

Talvez seus pais. Eles certamente o idolatravam. Ainda assim, Tivadar, o


pai, e Elizabeth, a mãe, também tinham um fraco pelo outro filho e não há
indícios de que esse se sentisse uma divindade.

George nasceu em Budapeste em 1930. Sempre que aparecem detalhes


biográficos, sejam em releases, divulgados pelas organizações patrocinadas
por Soros, ou em seus próprios livros, o dia e o mês do seu nascimento são
omitidos. Apenas o ano é informado. As explicações não são claras.

Ele nasceu com o nome húngaro de Dzjchdzhe Shorash que depois foi
anglicizado para George Soros. Embora a pronúncia do sobrenome em
húngaro seja Shorosh, ele conciliou suas relações americanas e inglesas
pronunciando-o Soros.

Seu único irmão, Paul, é dois anos mais velho que ele.

Quaisquer que tenham sido suas falhas, Tivadar Soros teve um papel
importante como modelo para seu filho mais novo. Ele era um advogado
que, quando George nasceu, já havia vivido a experiência mais formidável -
e influente - de sua vida. Prisioneiro austro-húngaro durante a Primeira
Guerra, Tivadar passou três anos turbulentos na Rússia - desde os primeiros
dias da Revolução de 1917 até a guerra civil em 1920. Durante os anos da
guerra civil, ele fugiu para a Sibéria, esperando sobreviver. Fez tudo o que
era possível para sobreviver, por mais desagradável que fosse.

Quando contava sobre aqueles anos perigosos, Tivadar sempre dizia para o
menino que, em épocas revolucionárias, tudo era possível. Dificilmente
vista como uma receita de sobrevivência, essas palavras tiveram um peso
muito grande para o filho. Gradualmente, George aprendeu que seu pai era
um homem inteligente, até mesmo astuto, que, usando suas faculdades
mentais, passou a perna em muita gente. O jovem George tinha por ele
enorme respeito.

Ferenc Nagel, um ano mais moço que George, ainda mora em Budapeste.
Ele é engenheiro químico e trabalha na Tungsram, famosa fabricante
húngara de produtos para iluminação. Conheceu George em 1936 na ilha
Lupa, refúgio de verão no rio Danúbio, a uma hora ao norte de Budapeste,
onde os Soros e os Nagel tinham casa. Quando as coisas não davam certo,
lembrava Nagel, Tivadar sempre encontrava um meio de dar a volta por
cima. “Ele nunca se deixou abater seriamente.”[4] Este foi, disse Nagel com
um ar de firmeza, o legado de Tivadar a seu filho. Ser pragmático, também.
George confessou o seguinte: “De que lado da revolução ele estava? Oh, de
ambos os lados. Ele tinha que estar, para sobreviver.”.[5] Para George, o
importante era o fato de que Tivadar possuía as qualidades de um
sobrevivente.

A sobrevivência tornou-se um valor enobrecedor na vida de George Soros.

Alguns traços do caráter de Tivadar pareciam admiráveis na guerra, mas


nem tanto em tempos de paz. Na verdade, por volta de 1930, ele já não era
uma figura heróica para os habitantes da ilha Lupa. Cabelos e olhos pretos,
Tivadar era bonito, tinha porte atlético e amava os esportes. Também tinha a
reputação de sempre estar atento ao que lhe pudesse ser benéfico, de gastar
demais e de exibir pouco entusiasmo pelo trabalho. “Meu pai não trabalha.
Ele apenas ganha dinheiro.” Era assim que George Soros pensava.[6]

Ferenc Nagel guardou uma imagem definitiva de Tivadar Soros


aprontando-se para ir trabalhar em um verão da década de 1930.
Tivadar pegava diariamente o barco das sete horas para ir da ilha Lupa ao
seu escritório em Budapeste.

“Quando ele ouvia o barco chegando”, lembrava Nagel, “vestia-se e


começava a fazer a barba. Saía para o barco com a lâmina de barbear na
mão e terminava o serviço na viagem. Tudo isso só para dormir até o último
minuto. Muito incomum para um advogado. Ele sempre foi muito, muito
astuto.”[7]

Astúcia significava não seguir as convenções, não obedecer as regras, andar


por atalhos.

Embora sua reputação não fosse das melhores, para aqueles que se
lembrassem do prazer que Tivadar tinha em não trabalhar demais, George
parecia complacente com o estilo de vida do pai. É claro que mais tarde ele
admitiu que seu pai trabalhou muito pouco depois que voltou da Primeira
Guerra. Entretanto, isto não foi de todo ruim. Tivadar estava sempre
disponível e George gostava dessa situação. Ele aproveitava para conversar
com seu pai e aprender coisas novas. Se para os outros Tivadar era tudo
menos cuidadoso nos seus hábitos financeiros, George mantinha-se
impassível. Para ele, simplesmente não importava que a fortuna financeira
de seu pai desaparecesse, depois surgisse novamente lá nas alturas e depois
desaparecesse de novo. Mesmo que involuntariamente, Tivadar comunicava
a seu filho a mensagem que ficaria com ele pelo resto de sua vida: “Parte do
que eu aprendi foi a futilidade de ganhar dinheiro apenas pelo dinheiro. A
riqueza pode ser um peso-morto.”[8]

Para alguém como Tivadar, que colocava a sobrevivência física acima de


tudo, ter muito dinheiro tinha suas desvantagens. Os outros ficam tentados a
colocar as mãos no dinheiro dos excessivamente ricos. A riqueza pode
tornar a pessoa mais vulnerável, dificultando sua sobrevivência. Tivadar
transmitiu esses valores ao seu filho e esses o calaram fundo. Mais tarde,
mais rico do que os sonhos mais desvairados de muitas pessoas, George
Soros mostrava pouco entusiasmo pelo acúmulo de tanto dinheiro.

O maior presente de Tivadar ao seu filho, porém, foi simplesmente ter-lhe


dado muita atenção. Ele conversava muito com George, revelava-lhe alguns
segredos da vida, quando o garoto já tinha condições de compreendê-los e,
em geral, fazia com que ele se sentisse importante. Além de instilar no
menino um sentimento de reconhecimento do próprio valor, Tivadar
favoreceu a autoconfiança do filho, assegurando-lhe que, como o pai, o
menino aprenderia a superar os grandes obstáculos, a lidar com situações
tumultuadas. E assim como Tivadar, George aprenderia que, muitas vezes,
era melhor procurar métodos não-convencionais para solucionar os
problemas.

Se Tivadar ensinou ao garoto a arte da sobrevivência, a mãe de George


passou ao filho o gosto pela arte e pela cultura. Ele era profundamente
ligado à mãe. Pintura e escultura, música e literatura, todos eram partes
importantes da vida de Elizabeth e ela tentou imbuir em seu filho o gosto
por essas coisas também. George tinha mais inclinação para o desenho e
para a pintura e menos para a música. Seu posterior interesse pela filosofia
parece ter tido origem no interesse da própria Elizabeth Soros por esse
assunto. Embora a família falasse húngaro, George aprendeu eventualmente
alemão, inglês e francês.

Yehuditte Simo, uma colega de infância que lembra de George como “um
garotinho muito bonitinho”, mora hoje em Budapeste. Ela conheceu George
e seus pais na ilha Lupa. [9]

A vida de Elizabeth “não era fácil”, lembra ela.[10] A mão aberta de


Tivadar, sua facilidade para gastar dinheiro e sua indiferença em relação ao
trabalho eram fontes contínuas de tensão no lar e por mais que ela tentasse,
não conseguia evitar que essa tensão de vez em quando viesse à tona.
Pequena, de aparência frágil e cabelos claros, Elizabeth era uma dona de
casa tradicional; cuidava de seus dois filhos e presidia uma casa que parecia
mais húngara do que judia - já que, como muitos judeus húngaros de classe
média alta, Tivadar e Elizabeth não se sentiam nem um pouco confortáveis
com suas raízes religiosas. “Eu cresci”, Soros mais tarde contou a
conhecidos, “em um lar judeu, antissemita.”[11] Por ter olhos azuis e
cabelos loiros - lembrando mais sua mãe do que seu pai, bem moreno -
George não parecia judeu e sorria exultante quando as outras crianças
faziam esse comentário. “Você não parece judeu.” Nada o deixava mais
feliz do que saber que ele não tinha a aparência de judeu.
Tivadar rejeitava o judaísmo de tal maneira que seria capaz de enfrentar
grandes distâncias para posar de membro da comunidade cristã. Durante a
Segunda Guerra, por exemplo, ele obrigava George a pedir cigarros para os
soldados. Depois repassava os cigarros a comerciantes judeus. Para Tivadar,
o objetivo de todo esse exercício era fazer-se passar por um pagão educado
que expressava solidariedade para com os judeus. Parecia uma atitude mais
segura.

***

Apesar dos esforços para se distinguir da multidão, os amigos de infância


de George Soros não se lembram dele como uma criança extraordinária. Ele
pode ter-se imaginado divino, mas nenhum de seus amigos achava que ele
possuía qualidades especiais, nem mesmo na dimensão terrestre. De acordo
com todos os relatos, ele não era um gênio, mas era inteligente e quase
sempre demonstrava iniciativa. Quando tinha dez anos, editou um jornal ao
qual deu o nome de Lupa Horshina (Trombeta de Lupa). Ele escrevia todos
os artigos e durante dois verões vendeu os exemplares às famílias de Lupa
por um pequeno troco. Ferenc Nagel lembra que ele era um pouco agressivo
com as pessoas mais velhas. “Quando ele acreditava em alguma coisa,
defendia-a com unhas e dentes. Tinha personalidade firme e
dominante.”[12]

O jovem era excelente nos esportes, especialmente natação, vela e tênis.


Lupa tinha duas quadras de tênis para quarenta famílias, um luxo inegável.
Ele não gostava de futebol por considerá-lo um esporte de classe média alta,
e, portanto, inadequado para ele.

Os jogos intrigavam-no, todos os tipos de jogos. Tinha queda especial por


um chamado Capital, uma versão húngara do Monopólio. Desde os sete
anos, jogava-o frequentemente com outras crianças, entre as quais ele era
sempre o melhor. O pior era George Litwin. Seus amigos de infância não
ficaram surpresos com o fato de George Soros ter-se tornado um mestre das
altas finanças e Litwin ... um historiador.
Ganhar sempre no Capital revelou-se enfadonho para o jovem George. Para
animar o jogo, ele introduziu novas regras. Uma delas deixava o jogo mais
complexo porque incluía uma bolsa de valores. Quando Soros retornou à
Hungria na década de 60, o próspero financista procurou Ferenc Nagel, que
quis saber como ele ganhava a vida. “Você se lembra de que a gente jogava
Capital quando criança?”, perguntou Soros com um sorriso. “Bom, hoje eu
faço a mesma coisa.”

***

As crianças de Budapeste tinham de frequentar a escola até os 14 anos. Para


as famílias pobres, era difícil enviar seus filhos para a escola depois daquela
idade.

Miklas Horn, um professor de economia em Budapeste, fez o primário com


George. Eles se conheceram em 1940 quando ambos tinham dez anos. Mais
tarde, naquele ano, os dois começaram a frequentar uma escola estadual
para a classe média alta e continuaram juntos durante os seis anos seguintes.

No primário, George era muito expansivo. Isso explica por que ele e Miklas
Horn não eram muito amigos. “George era um garoto muito audacioso,
expansivo, enquanto eu era quieto, precavido. Ele gostava de lutar com os
outros meninos. Na verdade, George aprendeu a lutar boxe, a como se
defender.”[13]

Na escola de George, todas as séries eram divididas em duas classes: judeus


em uma classe, não-judeus em outra. George e Miklas Horn estavam na
classe dos judeus. Horn tem uma lembrança viva das muitas rixas entre
jovens judeus e não-judeus. Embora as pancadarias não fossem resultado de
sentimentos antissemitas, Horn lembra que não passava despercebido aos
garotos que as brigas pareciam ocorrer na sua maioria entre judeus e não-
judeus. Horn observou: “Lá no fundo era possível sentir o antissemitismo.
A briga tinha também uma espécie de implicação política. ”[14]
Embora o jovem George tenha participado das brigas, essa violência não era
resultado de antissemitismo. Na verdade, Miklas Horn sugeriu que ele tinha
o cuidado de não ficar muito próximo de nenhuma das duas classes,
mantendo boas relações tanto com os meninos judeus quanto com os não-
judeus.

Apesar de o Soros adulto gostar de pensar em si mesmo como um


intelectual, essa intelectualidade explodiu tardiamente e seus colegas de
escola não se lembram dele como um aluno que se sobressaísse aos demais.
Também não se lembram de nenhum assunto pelo qual ele demonstrasse
interesse especial. Segundo Miklas Horn, “George não era um aluno
excepcionalmente bom. Ele estava no grupo intermediário. Mas sabia
conversar muito bem.”[15]

Pal Tetenyi estudava na mesma escola estadual e, como Miklas Horn,


lembra de George Soros como não mais do que um aluno “médio”. Um
incidente permanece vivo na sua mente. Ele ocorreu na primavera de 1942,
quando tanto ele quanto George tinham 12 anos.

George e Pal estavam em uma reunião dos escoteiros, na qual foi anunciada
a formação de uma Sociedade Esperanto. Os interessados em participar
deveriam escrever seus nomes em uma folha de papel, que havia sido
colocada em um determinado banco. Por brincadeira, George agarrou a
folha para que Tetenyi não pudesse assinar seu nome. “George era muito
sarcástico”, lembra Pal, “e eu tinha medo de que ele começasse a me
ridicularizar. Eu queria ir à forra e começamos a lutar.”[16] Engalfinhados
em uma ardente batalha embaixo do banco, os dois garotos logo
descobriram, muito constrangidos, que um professor com ares nada
amigáveis os observava de perto. Por sua atitude, os meninos receberam
uma advertência por escrito.

***
Quando a Segunda Guerra começou em setembro de 1939, George tinha
nove anos. Mas sua vida quase não sofreu alterações, porque os nazistas
não representavam nenhum perigo para a Hungria naquele momento. Na
verdade, a vida para os habitantes de Budapeste continuou igual. Algum
tempo depois que o exército soviético invadiu a Finlândia naquele primeiro
ano de guerra, George leu num jornal local um pedido de ajuda para o país
invadido. Ele correu até a redação do jornal para responder ao apelo, o que
causou uma impressão positiva sobre os editores, para quem era incomum
que um garoto de nove anos se desse ao trabalho de oferecer ajuda a
pessoas de uma terra tão distante. Os editores publicaram uma história
sobre a visita do jovem George à redação do jornal.

Com o passar do tempo, porém, a ameaça de uma invasão alemã à Hungria


era cada vez maior. George Soros e toda a comunidade judaica daquele país
não escapariam à guerra. E realmente, nos anos que se seguiram, a guerra
chegou às suas portas de uma maneira inesquecível.
3. OS PORÕES DE BUDAPESTE

A vida para os residentes em Budapeste em 1943 apresentava uma calma


assustadora. Naquela época, as forças aliadas já haviam se firmado no sul
da Itália e seus bombardeiros estavam próximos de Budapeste. Embora a
cidade parecesse livre da ameaça de ataques, lutas amargas assolavam
outros pontos da Europa e sempre havia o perigo de que elas atingissem a
Hungria. O carvão já começava a ficar escasso e as escolas fecharam com
medo dos ataques aéreos.

Na primavera de 1944, muitas comunidades judaicas de toda a Europa já


haviam sido exterminadas pelos nazistas. Cresciam os temores de que
aquele um milhão de judeus da Hungria, a maior população judaica da
Europa Oriental, seria o próximo alvo. Eram cada vez maiores os rumores
de exterminação em massa em Auschwitz. Os russos caminhavam para o
Ocidente. Mas será que eles conseguiriam romper o reduto nazista na
Europa a tempo de salvar os judeus húngaros?

Para a população judaica de Budapeste, o pesadelo parecia iminente.

O dia 19 de março de 1944 foi um domingo e, por isso, os Soros estavam na


ilha Lupa. Eles estavam longe demais para ouvir ou ver os eventos
aterrorizantes que se desdobravam perto e ao sul de Budapeste: tanques
alemães moviam-se ao longo das margens Buda e Peste do Danúbio. A
invasão nazista era uma realidade. Foi uma invasão “pacífica”: não houve
tiros e os únicos sons ouvidos eram do tilintar das correntes e dos motores
dos blindados. As ruas ficaram rapidamente desertas, já que todos
procuraram o abrigo de suas casas até terem a certeza de que estavam
seguros. A principal preocupação era alcançar um telefone.
Como muitas outras pessoas em Budapeste, George acreditava que a
invasão nazista no seu país teria vida curta, provavelmente não mais do que
seis semanas. Parecia fazer sentido. Os nazistas estavam recuando. A guerra
parecia ter seus dias contados.

Seis semanas. Não era muito tempo.

Mas ninguém sabia realmente o que iria acontecer. Tudo o que se podia
fazer era esperar pelo melhor e se esconder. Andar pelas ruas poderia
representar uma sentença de morte.

A comunidade judaica de Budapeste estava dividida entre os sonhadores e


os realistas. Os sonhadores agarravam-se às suas ilusões. Eles acreditaram,
até o último momento antes do dia 19 de março, que as forças de Hitler
nunca chegariam. Até mesmo quando os nazistas já eram vistos nas ruas de
Budapeste, os sonhadores insistiam em que não seria de todo ruim para os
judeus, que todos aqueles relatos de perseguição aos judeus em outros
pontos da Europa não podiam ser verdadeiros de jeito nenhum; que a
guerra, a qualquer custo, iria terminar logo.

Os realistas também acreditavam que a guerra logo acabaria, mas


acreditavam nos relatórios de extermínio em massa em Auschwitz e em
outros campos de concentração. O que lhes martelava o pensamento era
saber se a luta terminaria a tempo de salvá-los de perseguição semelhante.

Os relatos desanimadores pareciam sinceros para Tivadar Soros. Ele já


mostrava sinais de preocupação com os nazistas desde que eles ascenderam
ao poder uma década antes. Ao observar essa violência insensível e furiosa
explodir em guerra mundial, ele temia que tudo isso acabasse por atingir a
Hungria, Budapeste e sua família.

Tendo sobrevivido a uma forma de tirania na Primeira Guerra, Tivadar


jurou que ajudaria sua família a sobreviver à outra. Suas preocupações
financeiras eram poucas porque, logo no início da guerra, havia vendido
alguns imóveis. Irradiava suprema autoconfiança; sua presença
tranquilizadora confortava George, Paul e Elizabeth. Ferenc Nagel, então
um menino de 13 anos, lembra do macabro jogo de adivinhação que seu pai
fazia naquela primavera, tentando prever quantos de sua família e quantos
amigos seus seriam exterminados. Pelo menos metade deles, foi a terrível
conclusão. E depois, no mesmo fôlego, acrescentou: “Não os Soros. Não os
Soros.”.

Tivadar era um sobrevivente. Ele era capaz de cuidar da sua família.

***

Nos 12 meses que se seguiram 400 mil judeus de Budapeste foram mortos,
um triste testemunho do pressentimento do pai de Ferenc Nagel. Os
sobreviventes, inclusive George Soros e sua família, resistiram a dias e
noites terríveis.

Quando as autoridades nazistas incumbiram o Conselho de Judeus de


Budapeste de distribuir avisos de deportação, o Conselho transferiu essa
tarefa horripilante a crianças pequenas.

George foi uma delas.

Nos escritórios do Conselho, ele recebeu pequenos pedaços de papel nos


quais estavam escritos nomes de pessoas. Cada papel continha ordens para
uma pessoa se reportar ao rabino às nove horas da manhã do dia seguinte
levando cobertor e comida para 24 horas.

George pediu conselho ao pai, a quem mostrou a lista. O rosto de Tivadar


contorceu-se em dor quando percebeu que os nazistas estavam rondando os
advogados judeus da Hungria!

“Entregue os avisos”, instruiu ao filho, “mas não deixe de informar a cada


pessoa que ela está recebendo um aviso de deportação. ”

George obedeceu, mas descobriu que algumas das pessoas avisadas não
estavam dispostas a esconder-se dos nazistas, mesmo que isto significasse
deportação. Se os nazistas decretaram que os advogados judeus deveriam
ser deportados, essa era a lei e a lei tinha de ser cumprida.
“Diga ao seu pai”, disse um deles, “que eu sou um cidadão que cumpro a
lei, que eu sempre fui um cidadão que cumpre a lei e que eu não vou
começar a desrespeitá-la agora. ”

***

Tivadar Soros era um pai muito hábil nesses momentos terríveis. Uma
sentença automática de morte pairava sobre os judeus de Budapeste - uma
sentença de morte que incluiria o jovem George se os nazistas descobrissem
que ele era judeu. O pesadelo de uma viagem a um campo de concentração
transformou-se de repente em chocante realidade.

“Esta é uma ocupação fora da lei”, disse Tivadar ao filho. “As regras
normais não se aplicam. Você tem que esquecer como se comporta em uma
sociedade normal. Esta é uma situação anormal."[1]

Situação anormal significava que George tinha o direito de comportar-se de


uma maneira que caso contrário poderia parecer desonesta ou criminosa,
explicou-lhe o pai. A presença das autoridades nazistas em Budapeste
justificava esse comportamento.

Tivadar arranjou para George uma função nesta situação “anormal”. Para
garantir que seu filho não fosse levado pelas autoridades nazistas, Tivadar
subornou um representante do governo para que este permitisse que George
passasse por afilhado de um oficial não-judeu do Ministério da Agricultura
da Hungria. Tivadar comprou documentos de identidade falsos para o
garoto, documentos que foram a chave para a sua sobrevivência.

Durante a guerra, George Soros tornou-se Janos Kis.

Tivadar também ofereceu apoio financeiro para a esposa judia do oficial


para que ela pudesse esconder-se dos nazistas. Anos mais tarde, George
descreveu as ações de seu pai em termos eufemísticos como uma simples
“transação comercial”.
O burocrata húngaro que Tivadar subornou era responsável pelo confisco
das propriedades dos judeus que já haviam sido levados para Auschwitz.

George acompanhava-o em suas viagens pelo país.

***

Para o adolescente, os riscos eram enormes. “Se eu fosse pego, seria


morto”, George Soros comentou com uma falta de emoção que não
correspondia ao perigo oferecido pela situação.[2]

Esconder-se era essencial. Um refúgio era um porão rodeado por sólidas


paredes de pedra. A entrada era feita através de um lance de degraus,
também de pedra, estreitos e sinuosos. Dentro do porão havia um outro
esconderijo, ainda mais difícil de ser encontrado, cujo acesso era feito
através de uma porta que estava sempre trancada. Quando alguém vinha
vasculhar a casa, a família usava esta segunda opção.

Ao todo, George e sua família tinham acesso a 11 esconderijos. Em geral,


eles passavam semanas em sótãos ou porões de amigos, sem nunca saber se
teriam que, de repente, desocupar o local. Se o adolescente de 14 anos
sentiu medo naqueles momentos, ele nunca admitiu mais tarde.

Na verdade, para ele o ano pareceu uma grande aventura.

Em uma ocasião, tanto Tivadar quanto George estavam escondidos no


mesmo lugar, ambos com falsas identidades não-judaicas. Eles
conversavam um com o outro, mas não como pai e filho, a fim de não
denunciar sua real condição.

Em outra ocasião, enquanto os Soros estavam presos em um porão, George,


Paul e Tivadar passavam o tempo jogando. As apostas eram uma certa
quantidade de balas. Quando George ou Paul ganhava uma partida, ele
comia tudo o que tinha direito. Tivadar, talvez lembrando de um velho
truque de sobrevivência usado na Primeira Guerra, recusava-se a comer a
sua parte.

Para George, toda a experiência da guerra no ano de 1944 foi sensacional e


ele a descreveu mais tarde como o ano mais feliz da sua vida. Ele se sentiu
como Indiana Jones, o herói do cinema, ignorando o perigo, imune aos
temores que os outros sentiam. A diferença estava em ter Tivadar por perto:
George estava tremendamente orgulhoso do seu pai e encorajado pela
autoconfiança deste, achava-o um autêntico herói.

Apesar de todas as falhas aparentes, Tivadar ensinou a George lições


valiosas sobre a arte da sobrevivência.

Primeira: Não há nada de errado em correr riscos.

Depois de ter arriscado sua vida diária na última parte da Segunda Guerra,
Tivadar passou a acreditar que valia a pena correr a maioria dos outros
riscos.

Segunda: Quando estiver correndo riscos, não coloque tudo a perder.

Nunca arrisque tudo o que você tem. Isso seria tolice, impraticável e
desnecessária.

Escondendo-se dos nazistas, porém, George Soros não teve outra opção
senão arriscar tudo. Quando ele aceitou aqueles documentos falsos, sabia
que aquela exposição significava a morte.

Mais tarde, na sua carreira de negócios, sua latitude seria muito maior.

"Quando estiver correndo riscos, não coloque tudo a perder."

Ele não teria de fazer escolhas de vida ou morte. Poderia correr riscos sem
precisar preocupar-se com o fato de que uma falha lhe custaria tudo. Ele
poderia até ter prazer em correr riscos, desde que se permitisse espaço para
recuperação.

“Estou muito preocupado com a necessidade de sobreviver”, disse ele a um


entrevistador de televisão no pico de seu sucesso em 1992, “e em não correr
riscos que possam destruir-me.”[3]

A guerra ensinou a George uma outra lição.

Todos nós temos noções preconcebidas e essas percepções não


correspondem necessariamente à maneira como o mundo realmente
funciona. A lição que George aprendeu foi que existe uma lacuna entre a
percepção e a realidade.

***

Era essa lacuna que ele iria acabar explorando quando elaborou suas teorias
sobre o conhecimento humano e, mais tarde, sobre os mercados financeiros.

No outono de 1945, George Soros voltou à escola. Com o fim da guerra,


judeus e não-judeus não mais ficavam separados em duas classes. George
tinha 15 anos e, como os outros alunos que viveram os traumas nazistas, era
muito mais maduro para sua idade. Esse trauma ainda era evidente em
muitos alunos. Pal Tetenyi lembra que “a disciplina na classe era terrível.
Muitos de nós tínhamos pequenos revólveres que levávamos para a escola.
Era uma boa coisa ter uma arma. Mostrava que éramos maduros. Mas na
verdade era uma atitude infantil".[4]

Os habitantes de Lupa, incluindo George e sua família, visitaram a ilha na


primavera de 1945 pela primeira vez depois do final da guerra. Trocaram
histórias sobre aquele período, contaram uns aos outros como conseguiram
sobreviver e falaram sobre os planos para o futuro próximo, planos que
estavam intimamente ligados ao que eles achavam que podia acontecer na
Hungria pós-guerra.
Cada um lutava com uma pergunta angustiante:

- Será que devemos deixar o país?

Depois de terem sobrevivido aos nazistas, os húngaros não queriam trocar


uma existência ameaçada por outra. Se o novo governo fosse tratar seus
cidadãos como os nazistas, então parecia mais sensato partir e quanto mais
cedo, melhor.

Ainda assim, não estava claro se o novo governo seria benigno ou hostil.
Em termos mais objetivos, ninguém podia dizer ao certo que papel os
soviéticos desempenhariam no governo da Hungria.

Alguns amigos da família Soros estavam esperançosos, ávidos por acreditar


que tudo ficaria bem, que os soviéticos seriam muito mais benevolentes que
os nazistas. Outros pareciam suspeitosos e cínicos. Estavam prontos para
arrumar as malas e partir enquanto podiam, enquanto ainda era possível
obter um passaporte.

Entre esse último grupo estava George Soros. Ele sentia que era hora de sair
da Hungria e rumar para o Ocidente.

Partiu sozinho no outono de 1947 com 17 anos. Ansioso por concluir seus
estudos de engenharia, seu irmão Paul permaneceu na Hungria mais um
ano. A primeira parada de George foi Berna, Suíça, mas logo ele foi para
Londres, um lugar que soava atraente para o adolescente. Graças a seu pai,
George tinha dinheiro suficiente para a viagem. Mas, uma vez lá, teria de se
virar com seus próprios recursos. O único dinheiro que ele tinha veio de
uma tia que já morava na Flórida.

***

Embora George esperasse que Londres fosse proporcionar-lhe uma vida


mais feliz, ele descobriu que tinha muito pouco dinheiro e companhia para
desfrutar o que a cidade oferecia. Esse foi um dos episódios mais difíceis de
sua vida. Sentia-se solitário e estava absolutamente sem um tostão.
Contudo, tentou encontrar uma luz na escuridão. Sentado em um café em
Londres, pensou consigo mesmo até com um pouco de humor:

“Aqui estou eu. Cheguei ao fundo do poço. Não é uma sensação


maravilhosa? Só há um caminho a seguir.”[5]

É claro que a sensação de ter “chegado ao fundo do poço" não era


maravilhosa e tudo o que aquele rapaz de 18 anos tinha a fazer era pular de
emprego em emprego, na esperança de a sorte uma hora mudar de lado. Ele
trabalhou como garçom em um restaurante chamado Quaglino’s em
Mayfair, um bairro de Londres onde os aristocratas e os artistas de cinema
jantavam e dançavam durante toda a noite. Às vezes, quando estava quase
sem dinheiro, George sustentava-se comendo sobras. Anos mais tarde, ele
revelou que sentiu inveja de um gato porque ele estava comendo sardinhas
e George não.

Um emprego de meio período seguia outro.

No verão de 1948, ele trabalhou em uma fazenda como parte do programa


“Lend a Hand on the Land” (Dê uma mão à terra). O homem que no início
da década de 1990 viria a ser o epitome das altas finanças organizou uma
greve para que os trabalhadores da fazenda pudessem receber por tarefa e
não por dia. Por causa dos esforços de Soros, ele e outros empregados
conseguiram ganhar mais. Em Suffolk, ele colheu maçãs. Também
trabalhou como pintor de residências e mais tarde gabou-se junto a amigos
de que não era um pintor de todo mau.

Os trabalhos irregulares, a pobreza e a solidão provaram não ser nada


agradáveis e nos anos que se seguiram George não conseguiu livrar-se
dessas imagens infernais. “Eu tinha comigo alguns receios que não eram
nada bons. Medo de atingir novamente o fundo do poço. Depois de já ter
estado lá uma vez, eu não queria voltar.”[6]
4. COMO FREUD OU EINSTEIN

Em 1949, Soros matriculou-se na London School of Economics. A LSE,


como era mais conhecida, era uma das grandes instituições educacionais da
Inglaterra, um lugar ideal para estudar, tanto em termos de carreira como de
vida acadêmica. A escola atraía um corpo internacional de alunos e, em
geral, era vista como de tendência socialista, em grande parte porque o
teórico socialista Harold Laski dava aulas lá. Era o lugar ideal para alguém
como George Soros, que queria obter treinamento prático em economia e,
ao mesmo tempo, ficar a par das tendências atuais da política internacional.

Ele assistiu a algumas palestras de Laski e fez um curso com John Meade
que, em 1977, ganhou o Prêmio Nobel de Economia, “embora”, Soros
confessaria mais tarde, “eu não tenha tirado muito do curso”.[1] A escola
também abrigava dois pensadores conservadores, fora de moda em termos
políticos, o economista Friedrich von Hayek, que defendia o livre mercado,
e o renomado filósofo Karl Popper. Esses dois homens foram instrumentais
para colocar George Soros no caminho intelectual que mais tarde, nas
décadas de 1980 e 1990, ele seguiria com grande fervor na sua cruzada para
substituir as sociedades “fechadas” por outras “abertas”.

O livro de Hayek, escrito em 1944, The Road to Serfdom, atacava o


fascismo, o socialismo e o comunismo, classificando-os como tipos
consanguíneos de coletivismo, que minavam as instituições que permitiam
o florescimento da liberdade.

Maior influência teve Karl Popper. Embora esse fosse mais conhecido por
suas teorias sobre o método científico, seu livro de 1951, The Open Society
and Its Enemies, serviu de alicerce para a vida intelectual de George Soros.
O jovem Soros estava maduro para um livro que explorava a natureza das
sociedades humanas. Havia vivenciado as regras ditatoriais, primeiro nas
mãos dos nazistas e depois nas dos comunistas. Agora, na Inglaterra, sentia
o gosto da democracia. Estava louco para colocar suas experiências
pessoais em algum contexto intelectual. O livro de Popper propiciou a
estrutura que ele estava procurando.

Em The Open Society and Its Enemies, Popper argumentava que as


sociedades humanas só tinham dois destinos possíveis. Um era tornar-se
uma sociedade “fechada”, em que todos eram forçados a acreditar na
mesma coisa. O segundo era tornar-se uma sociedade “aberta”, cujos
habitantes estavam livres de nacionalismos e de guerras tribais que, para
Popper, eram profundamente perturbadores. Nessa sociedade “aberta”, as
crenças conflitantes têm de ser acomodadas, quaisquer que sejam as
exigências sobre a sociedade. As sociedades abertas, argumentava Popper,
mesmo que “incertas e inseguras”, eram amplamente superiores às
sociedades “fechadas”.

Apesar de Soros ter concluído seu curso em apenas dois anos, ele decidiu
ficar na LSE por mais um ano para poder obter seu diploma na primavera
de 1953. Familiarizado com The Open Society and Its Enemies, ele
procurou Popper para aprender mais com o mestre. Submeteu alguns
ensaios a Popper e professor e aluno deram-se muito bem. Popper tornou-se
mentor de Soros.

Com quase 92 anos na primavera de 1994, Karl Popper, em uma entrevista


comigo, voltou mais de 40 anos no tempo até aqueles dias quando o jovem
George Soros apareceu a sua porta. “Ele entrou na minha sala e disse: ‘Eu
sou aluno da LSE. Posso fazer uma pergunta?’. Ele era um aluno muito
aplicado. Eu havia escrito um livro sobre sociedades abertas e
aparentemente o havia impressionado bastante. Ele vinha me ver
frequentemente para apresentar-me suas idéias. Eu não era seu tutor oficial.
Se ele hoje me considera seu mentor, é muito gentil de sua parte.”[2]

Embora Soros estivesse muito envolvido com Popper, o jovem aluno não
deixou nenhuma marca duradoura no professor. “Eu ouvia o que ele tinha a
dizer”, lembra Popper, “mas não fazia nenhuma pergunta. Não ouvi falar
muito sobre ele."
O maior impacto de Popper sobre Soros foi encorajar o jovem aluno a
pensar seriamente sobre o modo como o mundo funcionava e desenvolver,
se isso fosse de todo possível, um grande esquema filosófico que ajudasse a
explicar sua teoria.

Popper era o mestre da filosofia que tentava passar sua sabedoria para um
intelectual em desenvolvimento. Ele não tinha interesse em ajudar Soros a
se virar no mundo prático. A filosofia, quer fossem os pensamentos de Karl
Popper ou de qualquer outro filósofo, não tinha como objetivo servir de
guia para alguém ganhar dinheiro no mundo real.

Entretanto, para George Soros a filosofia serviria apenas àquele objetivo.


Com o tempo, ele sairia do abstrato para o prático; desenvolveria teorias de
conhecimento, de como e por que as pessoas pensam de certa maneira e a
partir dessas teorias produziria novas teorias sobre como funcionavam os
mercados financeiros.

Posteriormente na vida, Soros citou o professor Popper com bastante


constância como a fonte de sua inspiração para os esforços filantrópicos de
promover sociedades abertas no Leste Europeu e na antiga União Soviética.
Ele omitiu, mesmo que inadvertidamente, a contribuição de Popper como
modelo das teorias que usaria para acumular uma fortuna em Wall Street.

***

Mas, nesse ínterim, não havia nenhuma fortuna. A falta de dinheiro resultou
em momentos embaraçosos e desconfortáveis. Mas George Soros sabia que
não tinha escolha. Na tentativa de obter assistência financeira para seus
estudos, aproximou-se do Conselho Judaico dos Guardiões (Jewish Board
of Guardians). O conselho recusou sua proposta alegando que não oferecia
ajuda a estudantes, apenas àqueles que tinham empregos remunerados. A
distinção não fazia sentido ao jovem Soros.
Depois, durante as férias de Natal, enquanto trabalhava como carregador de
estação ferroviária no turno da noite, George quebrou a perna. Novamente,
precisava de dinheiro. Dessa vez tinha um emprego, já que trabalhava para
a estrada de ferro. Certamente, ele agora se qualificaria. “É este o momento
de tirar dinheiro daqueles imbecis, eu decidi.”[3]

Voltando ao conselho, ele decidiu montar uma linda peça de ficção.


Informou que estava em apuros: havia quebrado a perna, mas como
trabalhava ilegalmente, não tinha direito à assistência médica
governamental. Na verdade, ainda era um estudante. O conselho relutou em
dar a ajuda, mas acabou concordando. Para receber o dinheiro, ele foi
obrigado, mesmo de muletas, a subir três lances de escada.

Depois de algum tempo, porém, o conselho cortou a verba de Soros, que


escreveu uma carta “de partir o coração”, observando que, embora não
fosse morrer de fome, magoava-o saber que este era o modo como um
judeu tratava outro necessitado.

A resposta veio pelo correio.

A carta de George teve o efeito desejado. Sua pensão semanal havia sido
reestabelecida - e, o melhor de tudo, o dinheiro agora seria enviado a ele
pelo correio, dando um fim às árduas visitas ao escritório do conselho. Ele
ficou feliz, mas ainda com muita raiva da afronta anterior, esperou algum
tempo depois que o gesso havia sido retirado de sua perna - ele estava
viajando de carona pelo sul da França - para informar ao conselho que
podia interromper a remessa de dinheiro. O tratamento que o Conselho de
Guardiões dispensou a Soros fez com que ele guardasse, por muito tempo,
amargas impressões sobre todas as instituições de caridade e ele teve de
superar “consideráveis reservas” antes de criar seu próprio programa
filantrópico no final da década de 1970.

O estímulo intelectual na LSE ajudou Soros a superar parte de sua solidão.


Ele ainda era pobre, mas parecia divertir-se mais. Durante uma de suas
férias de verão, ele encontrou trabalho como assistente de uma escola de
natação, num dos bairros pobres de Londres. Poucos nadadores apareceram,
o que lhe permitiu tempo de sobra para visitar a enorme biblioteca pública
ao lado. Ele passou boa parte daquele verão lendo livros, envolto no mundo
das idéias. Mais tarde, ele descreveu aquela época como o “melhor verão”
de sua vida.[4] Suas metas profissionais ainda não estavam delineadas. Mas
ele gostava de engajar-se no mundo das idéias e de escrever. Talvez
estivesse preparando-se para ser filósofo social ou jornalista. Ele ainda não
tinha certeza.

Era fácil imaginar-se na LSE como acadêmico, talvez um filósofo como


Karl Popper. Como seria maravilhoso se ele pudesse ampliar sua mente
como o fez Popper e, acima de tudo, apresentar ao mundo alguma grande
idéia nova, “como Freud ou Einstein”.[5] Em outras ocasiões, ele sonhava
tornar-se um novo John Maynard Keynes, atingir, como pensador
econômico, a mesma projeção do economista britânico, famoso
mundialmente.

Esse era o início da luta de George Soros pela realização intelectual que
seria um dos grandes temas da sua vida e da sua carreira.

Infelizmente, as notas de Soros não foram suficientemente boas e suas


pretensões acadêmicas pareceram soçobrar.[6] No final de 1952 e no início
de 1953, ele se debatia com uma hoste de questões filosóficas. Estava
particularmente interessado na lacuna entre percepção e realidade. Em um
determinado momento, chegou ao que ele considerou uma descoberta
intelectual bastante marcante: “Eu cheguei à conclusão de que,
basicamente, todas as nossas visões de mundo são de alguma forma falhas
ou distorcidas e depois concentrei-me na importância dessa distorção para a
formação dos eventos.”[7]

Ele começou a escrever um pequeno livro intitulado The Burden of


Consciousness. Nele, Soros formulava noções sobre sociedades abertas e
fechadas. Insatisfeito com o que havia escrito, abandonou o manuscrito. Na
década seguinte, procurou retrabalhar o texto mas acabou por abandonar o
projeto quando “começou a não compreender nada do que havia escrito no
dia anterior”.[8]

Soros sabia que isto não era um bom sinal. Não era provável que ele se
tornasse professor. Soros vinculou seu fracasso como escritor à decisão de
abandonar o estudo de filosofia em favor da busca pelo dinheiro.
***

Por mais que Soros quisesse dar aulas, estava claro para ele que era preciso
ganhar a vida - e depressa. Ele já tinha 22 anos e, embora desejasse dar
alguma contribuição ao conhecimento humano, tinha que comer. No
entanto, um diploma em economia qualificava-o para muito pouco. Ele
aceitou o primeiro emprego que encontrou, como vendedor de bolsas em
Blackpool, cidade litorânea ao norte da Inglaterra.

Era difícil vender. Para atrair clientes, era preciso convencer as pessoas,
logo de cara, de que ele não era diferente delas - tarefa árdua para um
estrangeiro com forte sotaque. Incomodava-o também vender mercadorias
no atacado para lojistas que provavelmente não precisavam delas. Uma vez,
ele fez uma venda desse tipo a um pequeno lojista cujo estabelecimento
estava repleto de mercadorias encalhadas. Este homem precisa das minhas
bolsas assim como precisa de um buraco na cabeça, Soros pensou.
Abandonando rapidamente esses pensamentos, ele se convenceu de que não
podia permitir que seus sentimentos pessoais viessem à tona. Ele vendeu os
produtos, mas demorou algum tempo para se livrar do sentimento de culpa.

Pode-se argumentar que a LSE era o campo perfeito de treinamento para


alguém como Soros, que acabaria seguindo a carreira de investidor. No
entanto, Soros não aprendeu nada na escola sobre os mercados financeiros;
quase nem sabia que eles existiam. Quando se formou, sentia que havia
campo para ganhar dinheiro na área de investimentos. Precisando colocar
um pé dentro de um banco de investimentos em Londres, enviou uma carta
a todos os bancos de investimentos da cidade, esperando que sua sorte
mudasse. Quando o Singer & Friedlander ofereceu-lhe um cargo de
estagiário, ele aceitou muito feliz.

Essa era uma empresa com prósperas operações no mercado financeiro.

Fascinado, tornou-se trader especializado em arbitragem de ouro, tentando


tirar vantagem das discrepâncias de preço nos diferentes mercados. Mesmo
que seu sucesso não tivesse sido incrível - e as evidências sugeriam que não
era - ele se sentia à vontade neste mundo, descobrindo a emoção de
comprar e vender nos mercados. Teria sido mais estimulante, talvez, seguir
a carreira de filósofo social ou jornalista. Mas ele precisava ganhar a vida.
Aqui as perspectivas pareciam boas. Para Soros, esse mundo era cada vez
mais atraente.

A avaliação geral da passagem de George Soros por Londres é de um


grande fracasso. Nem mesmo Soros discute esse fato. Ele tem um defensor
em Edgar Astaire, o corretor londrino que conheceu Soros naquela época e
desde então se tornou seu sócio: “Ele nunca fez parte do sistema e ele só
tinha 25 ou 26 anos. Não era possível fazer nada [naquele setor]. Os jovens
não tinham permissão para fazer nada.”[9]

Em todo o caso, em 1956, o jovem banqueiro da área de investimentos


acreditava que era hora de mudar.

Para Nova Iorque.


5. CEGO GUIANDO CEGO

Quando partiu para Nova Iorque, George Soros admitiu para si mesmo, de
uma vez por todas, que levava a sério a idéia de uma carreira na área de
finanças. O sonho de se tornar filósofo teria de continuar ... a ser um sonho.

A mudança para Nova Iorque representou para ele uma vantagem


competitiva sobre os colegas. Embora não tivesse colocado fogo no mundo
em Londres, havia adquirido conhecimento dos mercados financeiros
europeus. Em Londres, havia especialistas em quantidade no assunto, mas
em Wall Street a experiência era pequena. Desde o momento em que
chegou aos Estados Unidos, Soros foi rotulado como um especialista na
área.

Ele viajou para Nova Iorque com US$5 mil. Um parente havia pedido para
que ele investisse mil libras esterlinas. Os US$5 mil representavam o lucro
que Soros teve com esse investimento.

Naquele mesmo ano, 1956, Tivadar e Elizabeth Soros deixaram a Hungria,


juntando-se a seus dois filhos nos Estados Unidos. Tivadar abriu um
quiosque de café expresso em Coney Island, o que não deve ter sido uma
experiência agradável para o Grande Sobrevivente. A pequena empresa
faliu e Tivadar aposentou-se. (No início da década de 1960, Tivadar teve
câncer. Estava tão pobre que George Soros precisou encontrar um cirurgião
que tratasse gratuitamente do caso.)

***
Logo depois de chegar aos Estados Unidos, Soros encontrou trabalho
através de um colega de Londres. Um telefonema a um dos sócios da F. M.
Mayer e Soros já era arbitragista. A arbitragem transformou-se em um dos
jogos financeiros mais quentes da década de 1980, mas três décadas antes
era ainda desconhecida. Ninguém arriscava grandes posições em termos de
investimento na esperança de ganhar milhões de dólares com aquisições de
corporações. Isso só virou moda nos anos 80. Na monotonia dos anos 50,
traders como George Soros compravam e vendiam os mesmos valores
mobiliários em mercados diferentes, esperando explorar as pequenas
discrepâncias encontradas em termos de preço por meio de uma meticulosa
pesquisa.

Com o tempo, Soros tornou-se um analista que dava consultoria a


organizações financeiras americanas sobre valores mobiliários europeus.
Como ele já havia previsto, poucos em Wall Street demonstravam interesse
pelas tendências de investimento na Europa, quanto mais disposição para
investir. A década de 1950 estava longe da atual era de comercialização
global, muito distante da época em que os investidores americanos
começaram a perceber que era possível ganhar dinheiro no outro lado do
“lago”. Naquela época, os europeus só negociavam com europeus e os
americanos só conversavam com americanos. Esse provincianismo
trabalhou a favor de Soros. Também veio em sua ajuda o fato de que as
economias da Europa Ocidental começavam a dar sinais, ainda que lentos,
de recuperação da devastação provocada pela Segunda Guerra.

Soros era um pioneiro, à frente do seu tempo. “As coisas que George fazia
há 35 anos só entraram na moda na última década”, observou Stanley
Druckenmiller, braço direito de Soros desde 1988.[1]

“Ninguém entendia nada [de valores mobiliários europeus] no início dos


anos 60”, lembrou Soros com um sorriso. “Então eu podia imputar os lucros
que quisesse às companhias européias que eu acompanhava. Era
estritamente um caso do cego guiando o cego.”[2]

Não foi à toa que nessa época Soros conheceu e casou-se com alguém de
formação européia. Como recém-chegado aos Estados Unidos, ele conhecia
relativamente poucas mulheres americanas. Conheceu sua futura esposa, a
alemã de nascimento Annalise, em Quogue, Long Island, perto de
Westhampton. Eles se casaram em 1961. Ainda trabalhando na F. M.
Mayer, Soros morava em um pequeno apartamento com ela. (Os Soros
separaram-se em 1978 e divorciaram-se três anos depois. Eles tiveram três
filhos. Em 1983, Soros casou-se novamente. Sua esposa era Susan Weber,
25 anos mais moça. Eles se casaram em uma cerimônia civil em
Southampton. Em 1985, Susan deu à luz ao primeiro filho do casal,
Gregory - fazendo de George pai pela quarta vez. Um segundo filho,
Alexander, nasceu em 1987.)

Em 1959, Soros foi trabalhar na Wertheim & Co., onde continuou a dedicar
suas energias aos valores mobiliários europeus. Felizmente para ele, a
Wertheim era uma das poucas firmas americanas engajadas no comércio
exterior. E Soros ainda era um dos poucos traders de Wall Street que faziam
arbitragens entre Londres e Nova Iorque.

Uma de suas primeiras incursões de sucesso nos mercados financeiros


estrangeiros ocorreu em 1960. Soros percebeu que as ações da empresa
alemã de seguros Allianz estavam sendo vendidas a um preço muito abaixo
de seu valor do ativo, graças à valorização da carteira de ações e imóveis da
empresa. Ele escreveu um trabalho recomendando o investimento na
Allianz. O Morgan Guaranty e o Dreyfus Fund gostaram de suas idéias e
começaram a comprar quantidades consideráveis de ações da Allianz. Os
diretores da empresa alemã não gostaram nada dessa situação e escreveram
aos superiores de Soros na Wertheim. Seu funcionário chegou a uma
conclusão errada, foi, em última análise, o que eles disseram. Na verdade, a
conclusão estava certa. O valor das ações da Allianz triplicou. E a reputação
de Soros aumentou.

Soros desejava muito que sua sorte não o abandonasse, mesmo depois da
posse de John F. Kennedy, em janeiro de 1961. Kennedy provaria ser um
sério obstáculo para o jovem Soros. O imposto Interest Equalization Tax,
criado pela nova administração, em essência impedia que os investidores
americanos comprassem valores mobiliários estrangeiros. A nova política
representou um terremoto para Soros.
Mas não o suficiente para fazê-lo arrumar as malas. No dia 18 de dezembro
de 1961, ele se tornou cidadão americano naturalizado. Estava nos Estados
Unidos para ficar.

Soros, agora com 33 anos de idade, ainda titubeava entre a carreira de


filósofo e a carreira na área de investimentos. A política de Kennedy
apresentava a Soros mais uma oportunidade de fazer o que parecia ser sua
maior paixão - pensar e escrever sobre as questões fundamentais da vida.

No início de 1961, Soros já dedicava suas noites e fins-de-semana à


reelaboração de The Burden of Consciousrtess, na esperança de retocar o
manuscrito de maneira a que alguém se interessasse em publicá-lo. A
experiência foi ainda mais perplexa do que quando decidiu escrever o livro.
Finalmente, em 1963, ele enviou o manuscrito para Karl Popper. Ganhar a
aprovação do mestre seria motivo de muito orgulho. Ter o famoso Popper a
seu lado parecia um passo crucial para a publicação do livro.

Embora não lembrasse quem era Soros, Popper reagiu calorosamente ao


manuscrito. Quando, porém, tornou-se claro para o filósofo da LSE que
Soros tinha raízes na Europa Oriental comunista, ele ficou desapontado -
havia sido levado a acreditar que Soros era americano; o filósofo
impressionara-se com o fato de alguém que não havia vivido a regra
totalitária conseguisse compreender tão bem o que falava. Quando
descobriu que Soros era húngaro e que havia vivido sobre o jugo dos
nazistas e depois dos comunistas, Popper passou a ter o livro em menor
conta, mas encorajou Soros a continuar a desenvolver suas idéias.

Soros nunca confessou o que o levou a decidir engavetar o projeto mais


uma vez, embora a resposta pouco entusiasmada de Popper possa ter tido
influência.

Escrever o livro era, e sempre seria, um trabalho de amor para Soros. Ele
nunca revelou se chegou a mostrar o manuscrito a algum editor. Tudo o que
disse foi que o livro era “deficiente” e que, portanto, nunca foi para a
gráfica.[3]

Então Soros retornou à atividade de ganhar dinheiro em Wall Street. A


musa, porém, não o desertou totalmente. Nos anos seguintes, ele se baseou
naquele pequeno livro, jamais publicado, para retirar as principais idéias
que fariam parte dos livros que, esses sim, chegaram às livrarias.

***

Em 1963, Soros começou a trabalhar na Arnhold & S. Bleichroeder. Uma


das grandes casas americanas de comercialização de valores mobiliários
estrangeiros, a Arnhold era um lar natural para Soros. Com raízes em
Dresden, ela foi fundada no início do século dezenove. O homem que
contratou Soros, Stephen Kellen, falava com forte sotaque europeu, como
os outros membros da empresa. Embora as placas de rua indicassem Wall
Street, alguns dias Soros deve ter pensado que estava de volta à Europa.

Kellen sempre teve grande respeito por Soros, desde os primeiros dias. “Eu
sempre espero muito de minhas contratações, mas ele se mostrou
nitidamente superior. ”[4]

Contratado como analista, Soros trabalhou a princípio basicamente com


valores mobiliários estrangeiros. Com sua rede de contatos na Europa e sua
capacidade de falar vários idiomas europeus, inclusive francês e alemão,
Soros era a pessoa natural para aventurar-se nesse reino.

A arbitragem exigia tanto conhecimento quanto coragem, mas a maioria dos


traders americanos, isolados e relutantes em expandir seus horizontes,
carecia de ambos. Mas não George Soros. Os americanos preferiam vender
ações americanas. Pelo menos assim pronunciariam corretamente o nome
das empresas, o que não aconteceria com as firmas européias. Soros não
apenas pronunciava corretamente os nomes das empresas como também
conhecia seus donos.

Em 1967, tornou-se diretor do departamento de pesquisa da empresa.

Sentindo o caminho que estava seguindo no cenário americano, tentando


criar sua própria marca, Soros exibia uma certa insegurança ao negociar
com seus colegas. Um deles, que insistiu para permanecer no anonimato,
lembra que Soros tinha o hábito de chamar para si o mérito das negociações
bem-sucedidas mas de culpar os outros quando elas não davam certo.

Edgar Astaire, sócio de Soros em Londres em 1994, conheceu-o nos anos


60 como uma pessoa complicada e fechada. “A gente via que ele era
esperto, capaz, que tinha muita clareza de raciocínio - e que era muito
confiante. A gente sentia que ele não parecia ser um homem de particular
envergadura. Ele é um pouco tímido. Nunca se sabe o que se passa por sua
mente. Ele é um bom psicólogo. Tem percepção muito aguçada ... Era tão
tímido que adotou um comportamento discreto. Queria ter a certeza de que
os outros não conheceriam a sua personalidade. Quase sempre diz coisas
contraditórias para provocar reações. Pontifica muita bobagem. Às vezes
diz coisas apenas para si mesmo. Não é uma pessoa cativante.”[5]

Não é cativante, mas é contundente na sua análise dos investimentos.


Arthur Lerner, que trabalhou com ele nos anos 60 na Arnhold & S.
Bleichroeder, lembra do estilo de Soros naqueles dias. Formado na
Universidade de Colúmbia, em 1964, Lerner foi trabalhar no departamento
de pesquisa do Banco de Nova Iorque. Uma das indústrias que ele
acompanhava era a de transporte rodoviário, por acaso a área de atuação de
Soros na Arnhold. De vez em quando, Soros, um corretor do banco, visitava
Lerner e seu chefe, Mike Danko, para discutir que ações deveriam ser
compradas. De um jeito ou de outro, lembra Lerner, Soros sempre desviava
a conversa do campo limitado dos transportes rodoviários para a “situação
mundial”. Ele sempre gostava de analisar o grande quadro.[6]

O bom desempenho com valores mobiliários estrangeiros reforçou a


autoconfiança de Soros. Ele começou a pensar em abrir seu próprio fundo
de investimento - e tentar ganhar dinheiro para outras pessoas.
6. FASCINADO PELO CAOS

Desde a época em que estudava em Londres, no início dos anos 50, George
Soros interessava-se pela maneira como o mundo funcionava. Ele tinha a
esperança não apenas de ponderar as grandes questões da vida mas também
de dar uma contribuição considerável ao conhecimento.

Seu mentor, Karl Popper, inspirou-o a pensar grande, a desenvolver um


grandioso esquema filosófico. Esse esquema poderia beneficiar não só a
humanidade como também a pessoa que o criou. Soros acreditava, segundo
palavras de seu amigo de longa data, Byron Wien, que “quanto mais você
conseguir definir seus esforços em uma abstração, melhor você será na
prática”.[1]

Com o tempo, os interesses de Soros por abstrações levariam-no à questão


mais tangível de como funcionavam os mercados financeiros. Mas para
entender sua teoria sobre mercados financeiros, o melhor lugar para
começar é a teoria genérica que ele desenvolveu sobre vida e sociedade.
Uma palavra é a chave do seu raciocínio.

Percepções.

Muitas pessoas já fizeram as mesmas perguntas: O que é a vida? Por que


estou aqui? Como é que as coisas - as grandes coisas como o Universo, o
Cérebro, a Humanidade - funcionam?

As pessoas detêm-se nessas questões por um momento ou dois e depois


seguem com suas vidas, com as questões práticas de como constituir
famílias, sobreviver, lembrar de colocar o lixo para fora.
Os filósofos, no entanto, fizeram do estudo dessas perguntas suas vidas. E
George Soros sempre quis ser um filósofo.

Nenhum evento isolado desencadeou o interesse de Soros pela filosofia,


embora ele estivesse sempre presente em sua vida. “Desde que passei a ter
consciência da minha existência”, escreveu ele na introdução do seu livro,
The Alchemy of Finance, lançado em 1987, “mostrei um interesse
apaixonado por compreendê-la e considerava meu próprio conhecimento
como o problema central a ser compreendido."[2]

Eis aqui, então, a centelha.

Mesmo assim, conforme o jovem Soros descobriu logo de início, a tarefa de


desvendar os mistérios da vida era quase impossível. Por um motivo
simples: até para começar a estudar quem somos ou o que somos,
precisamos analisar-nos objetivamente.

O problema é que isso é impossível.

Essa foi uma revelação dramática para George Soros:

“O que pensamos é parte do nosso pensamento; portanto, o que pensamos


carece de um ponto de referência independente por meio do qual ele pode
ser julgado - ele carece de objetividade.”[3]

Soros fez essa declaração na introdução de Alchemy; uma única sentença


formava a essência de sua análise teórica. Incapazes de alcançar esse ponto
de referência independente, as pessoas não podem, com efeito, deixar suas
peles, não podem analisar o mundo através de prismas imparciais. No início
dos anos 50, Soros chegou à conclusão de que “basicamente todas as nossas
visões de mundo são de alguma forma falhas ou distorcidas”.[5] Seu foco
passou a ser como essa distorção moldava os eventos.

***
Equipado com essas noções gerais de como o mundo funcionava, era hora
de Soros analisar Wall Street.

Todas as nossas visões de mundo são de alguma forma falhas ou


distorcidas."

O problema era que muitas pessoas que já haviam tentado analisar o


mercado de ações concluíram que a lógica predominava na determinação
dos preços. Tinha de haver uma certa lógica. Era muito muito inquietante,
para não falar arriscado, pensar o contrário no momento de negociar.

Os defensores dessa escola racional de pensamento argumentavam que


devido ao fato de que os investidores podiam ter conhecimento perfeito de
uma companhia, cada ação era avaliada precisamente no preço correto.
Armados desse conhecimento, os investidores comportavam-se
automaticamente de modo racional quando tinham diante de si uma
variedade de opções e escolhiam a melhor. E os preços das ações
continuavam racionalmente relacionados às estimativas dos ganhos futuros
da empresa.

Essa era a hipótese do mercado eficiente, uma das teorias mais populares de
como funciona o mercado de ações. Ela assumia um mundo perfeito e
racional. Assumia também que todos os preços de ações refletiam as
informações disponíveis.

Embora a economia clássica ensinasse o conceito do equilíbrio e fizesse


suposições, como se a concorrência perfeita e o conhecimento perfeito
pudessem ser obtidos, Soros acreditava que ele sabia mais. No mundo real,
afirmava ele, qualquer teoria que assumisse que o conhecimento perfeito
podia ser atingido era falsa. No mundo real, a decisão de comprar ou vender
baseava-se não nos ideais da economia clássica, mas em expectativas. E no
mundo real, as pessoas podiam atingir um conhecimento apenas imperfeito
sobre qualquer coisa.
“A principal contribuição que eu dou ao conhecimento das coisas em geral
é o papel que o conhecimento imperfeito desempenha na formação dos
eventos. A economia tradicional baseia-se nas teorias do equilíbrio, onde a
oferta e a demanda são iguais. Mas se você percebe o papel importante que
o nosso conhecimento imperfeito desempenha, percebe também que está
lidando com o desequilíbrio.”[5]

E assim, observou ele em uma outra ocasião, ele ficou “fascinado pelo caos.
E assim que eu realmente ganho dinheiro: compreendendo o processo
revolucionário dos mercados financeiros”.[6]

Desde os tempos que brincava de Capital, aquele jogo parecido com o


Monopólio, durante os verões na ilha Lupa, George Soros sentia-se atraído
pelo mundo do dinheiro. Embora uma parte dele vagasse livremente pelo
âmbito intelectual, seu lado prático impeliu-o a estudar economia na
London School of Economics.

***

Para seu desapontamento, porém, ele descobriu que o assunto deixava a


desejar.

Seus professores insistiam com ele que a economia era - ou pelo menos
tentava ser - uma ciência. Era possível formular teorias e desenvolver leis
que governassem o mundo da economia.

Mas George Soros enxergava muito além. Ele ponderava que se a economia
fosse uma ciência, teria de ser objetiva, ou seja, qualquer pessoa poderia
observar suas atividades sem afetá-las. Mas isso, Soros concluiu, era
impossível.

***
Como é que a economia pretendia ser objetiva se os seres humanos - que,
afinal de contas, estavam no cerne de toda ação econômica - careciam de
objetividade? Quando esses mesmos seres humanos, devido ao seu
envolvimento na vida econômica, não podiam deixar de influenciar essa
vida econômica?

Aqueles que assumiam que a vida econômica era racional e lógica


argumentavam também que os mercados financeiros sempre estavam
“certos”. Certos no sentido de que os preços do mercado tendiam a
descontar - ou levar em consideração - eventos futuros, mesmo quando
esses acontecimentos não estavam claros.

Não é verdade, dizia Soros.

A maioria dos investidores, uma vez ele explicou, acreditava que podia
“descontar” o que o mercado faria no futuro, isto é, levar em conta futuros
acontecimentos, antes mesmo de eles ocorrerem. Para Soros, isto era
impossível.

“Os participantes do mercado não apenas operam com uma tendência, mas
essa tendência pode também influenciar o curso dos eventos."

Para ele, “qualquer idéia de como vai ser o futuro é, por definição,
tendenciosa e parcial. Não quero dizer que fatos e crenças existam de
maneira autônoma. Pelo contrário, o que eu tenho argumentado quando
exponho a teoria da reflexividade é que as crenças alteram os fatos.[7]

Na verdade, então, os preços do mercado não estariam certos porque eles


sempre ignoraram as influências que poderiam vir e realmente viriam dos
acontecimentos futuros.
Os preços do mercado sempre estariam “errados” porque ofereciam não
uma visão racional do futuro, mas uma visão tendenciosa.

“Mas a distorção opera em ambas as direções”, sustentava Soros. “Os


participantes do mercado não apenas operam com uma tendência, mas essa
tendência pode também influenciar o curso dos eventos. Isso pode gerar a
impressão de que os mercados antecipam com precisão os acontecimentos
futuros. Na verdade, porém, não são as expectativas atuais que
correspondem aos eventos futuros mas os eventos futuros que são moldados
de acordo com as expectativas atuais. As percepções dos participantes são
inerentemente falhas e existe uma conexão bidirecional entre as percepções
falhas e o curso real dos eventos, o que resulta em falta de correspondência
entre os dois. Eu chamo essa conexão bidirecional de u reflexividade".[8]

O feedback bidirecional entre percepção e realidade - a que Soros chamava


de reflexividade - era a chave da sua teoria. Soros estava convencido de que
o que explicava o comportamento do mercado financeiro não era a hipótese
do mercado eficiente, mas um relacionamento reflexivo existente entre as
tendências dos investidores e o que ele chamava de curso real dos eventos,
uma outra frase para os fundamentos econômicos das empresas.

“A tendência dos investidores em relação a uma ação, seja positiva ou


negativa, faz com que o preço aumente ou diminua."

Segundo Soros, a “tendência” dos investidores em relação a uma ação, seja


positiva ou negativa, fazia com que o preço aumentasse ou diminuísse. Essa
tendência operava como “fator auto-reforçador", que depois interagia com
as “tendências subjacentes” para afetar as expectativas do investidor. O
movimento de preço resultante poderia levar a cúpula administrativa a
recomprar ações ou a entrar em fusão, aquisição ou compra de controle
acionário, o que, por sua vez, influencia os fundamentos da ação.

O preço de uma ação, então, não era determinado por uma reação incisiva a
informações disponíveis. Ao contrário, era resultado de percepções
provenientes tanto de emoções quanto de dados concretos. Soros escreveu
em The Alchemy of Finance que “Quando os eventos têm participantes
pensantes, o assunto não mais fica confinado a fatos, mas também às
percepções desses participantes. A cadeia de causas não leva diretamente de
um fato a outro, mas do fato à percepção e da percepção ao fato.”[9]

A teoria de Soros adotava a noção de que os preços que os investidores


pagavam não eram simplesmente reflexões passivas do valor; antes, eles
eram os ingredientes ativos da valorização de uma ação.

Uma segunda lição da teoria de Soros, então, era aprender o papel


desempenhado pelas concepções errôneas na formação dos eventos. As
concepções errôneas, ou, como às vezes ele as chamava, divergências entre
o pensamento de um participante e o estado real das coisas, sempre estavam
presentes.

Às vezes, a divergência era relativamente pequena e podia se autocorrigir.


Ele chamava essa situação de quase-equilíbrio.

Às vezes, a divergência era grande e não tinha o poder da autocorreção. A


essa situação ele deu o nome de longe-do-equilíbrio.

Quando a divergência era grande, a percepção e a realidade estavam muito


distantes uma da outra. Não existia nenhum mecanismo capaz de aproximá-
las. Na verdade, as forças estavam em um jogo que tendia a mantê-las assim
distanciadas.

Essas situações longe do equilíbrio podiam assumir duas formas. Em um


extremo, muito embora as percepções e a realidade estivessem muito
distantes, a situação era estável. As situações estáveis não tinham interesse
para Soros, o investidor. No outro extremo, porém, a situação era instável e
os eventos galopavam à frente tão rapidamente que o exame dos
participantes não conseguia acompanhá-los. Esta situação era extremamente
interessante para Soros.
Sequências de prosperidade/colapso tendem a desenvolver-se porque os
mercados estão sempre em estado de fluxo e incerteza."

A lacuna entre percepção e realidade era ampla porque os eventos estavam


fora de controle, uma situação tipicamente encontrada nas sequências de
prosperidade/colapso dos mercados financeiros. Para Soros essas
sequências eram manias, “processos que são inicialmente auto-reforçadores
mas insustentáveis e, consequentemente, precisam ser revertidos.”[10]

Sempre existiu potencial para tais sequências. A filosofia de investimento


de Soros sustentava que as sequências de prosperidade/colapso tendem a
desenvolver-se porque os mercados estão sempre em estado de fluxo e
incerteza. Para ganhar dinheiro, era preciso procurar meios de capitalizar
essa instabilidade, procurar por acontecimentos imprevistos.

A parte difícil, é claro, era identificar uma sequência de


prosperidade/colapso. Para tanto, o investidor tinha de compreender como
os outros investidores percebiam os fundamentos econômicos. Determinar o
que o mercado - a soma total desses investidores - pensava em um dado
momento era crucial, a essência da técnica de investimento de George
Soros.

Depois que o investidor conseguisse saber o que o “mercado” estava


pensando, era possível pular para o outro lado, apostar no acontecimento
imprevisto, apostar que um ciclo de prosperidade/colapso estava para
ocorrer ou já estava em andamento.

Como é que se instalava a sequência de prosperidade/colapso?

Quando compareceu ao House Committee on Banking, Finance and Urban


Affairs, no dia 13 de abril de 1994, Soros ofereceu uma rápida explicação,
sugerindo que discordava da “sabedoria predominante”. Enquanto muitos
acreditavam que os mercados financeiros tendiam para o equilíbrio e
deduziam o futuro com precisão, Soros assumia que “os mercados
financeiros não têm absolutamente condição de deduzir o futuro
corretamente, pelo fato de que eles não deduzem simplesmente o futuro:
eles ajudam a moldá-lo”.

“Depois que você souber o que o mercado está pensando, pule para o outro
lado, aposte no inesperado."

Às vezes, disse ele, os mercados financeiros podem afetar os fundamentos,


muito embora devam apenas refleti-los. “Quando isso acontece, os
mercados entram em um estado de desequilíbrio dinâmico e comportam-se
diferentemente do que seria considerado normal pela teoria dos mercados
eficientes.”

Tais sequências de prosperidade/colapso não ocorrem frequentemente.


Quando acontecem, devido ao fato de influenciarem os fundamentos da
economia, são destruidoras. Elas só podem ocorrer quando o mercado é
dominado por um comportamento voltado para tendências. “Por
comportamento voltado para tendências, quero dizer que pessoas compram
em resposta a um aumento nos preços e que vendem em resposta a uma
queda nos preços, sempre de maneira auto-reforçadora.”

“O comportamento desequilibrado de seguir tendências é necessário para


produzir um abalo violento do mercado, mas não é suficiente para ocasioná-
lo. A questão-chave a ser levantada é, então, o que gera o comportamento
voltado para as tendências?”

Resposta de George Soros:

Percepções falhas fazem com que os mercados se alimentem deles próprios.

Alimentar-se deles próprios era uma outra maneira de dizer que os


investidores haviam assumido uma frenética cegueira ou uma mentalidade
gregária.
E os mercados que se alimentam de seu próprio frenesi sempre apresentam
reações exageradas, sempre vão para os extremos. Esse exagero nas reações
- empurrando para os extremos - causa uma sequência de
prosperidade/colapso.

A chave para o sucesso nos investimentos, portanto, era reconhecer o ponto


no qual os mercados começavam a alimentar-se de seus próprios impulsos,
pois quando esse ponto fosse identificado, o investidor saberia então que
uma sequência de prosperidade/colapso iria começar ou já estava em
andamento.

“Percepções falhas fazem com que os mercados se alimentem deles


próprios. Os mercados que se alimentam de seu próprio frenesi sempre
apresentam reações exageradas."

De acordo com Soros, “O motivo pelo qual os processos reflexivos seguem


um padrão dialético pode ser explicado em termos genéricos: quanto maior
a incerteza, mais as pessoas são influenciadas pelas tendências do mercado;
e quanto maior a influência da especulação que acompanha as tendências,
mais incerta a situação.”[11]]

Os principais estágios de uma sequência típica de prosperidade/colapso


eram:

• uma tendência até agora não-reconhecida;

• o início de um processo auto-reforçador;

• um teste bem-sucedido da direção do mercado;

• uma convicção crescente;


• uma divergência entre realidade e percepção;

• o clímax;

• finalmente, o início de uma sequência de imagem reflexiva auto-


reforçadora na direção oposta.

Soros também argumentava que, com a continuidade da tendência,


aumentava a importância das transações especulativas. Ademais, a
tendência acompanhava um viés, de forma que, quanto mais a propensão
persistia, mais forte a tendência. Finalmente, quando a tendência se
estabilizava, ela seguia seu curso natural.

Byron Wien, estrategista de investimentos em ações nos Estados Unidos


para a Morgan Stanley, em Nova Iorque, e amigo íntimo de Soros, explicou
desta maneira a teoria de Soros em uma linguagem mais simples:

“Sua teoria é a de que as coisas vão muito bem e depois, muito mal. Você
deve saber que, embora elas estejam indo bem, estão para começar a ir mal.
Em termos bastante simples, o importante é reconhecer a inevitabilidade de
uma mudança nas tendências. O ponto-chave é a identificação do ponto de
inflexão.”[12]

Eram inúmeros os exemplos de reflexividade. Em um artigo no Wall Street


Journal de 1988, Soros observou: “Quando as pessoas perdem a confiança
em uma moeda, seu declínio tende a reforçar a inflação doméstica,
validando assim o próprio declínio. Quando os investidores têm confiança
na administração de uma empresa, o aumento nos preços das ações facilita à
administração satisfazer as expectativas dos investidores ... Eu denomino
essas conexões, inicialmente auto-reforçadoras, mas eventualmente
causadoras do próprio fracasso de ‘reflexivas’.”[13]

Soros auferiu seus lucros mais generosos quando detectou movimentos


“auto-reforçadores” em ações e grupos de ações. Os investidores de repente
mudaram sua atitude em relação a uma indústria e compraram pesado. Um
fenômeno auto-reforçador se instalou quando o surto de compra de ações
reforçou o patrimônio daquele grupo de indústrias porque as companhias
daquele grupo aumentaram seus lucros através de mais empréstimos, da
venda de ações e de compras baseadas em ações.

Essa era a parte da prosperidade da sequência prosperidade/colapso.

O jogo acabava quando a saturação do mercado e a concorrência elevada


feriam as perspectivas daquele grupo de indústrias e as ações ficavam
supervalorizadas. Os que vendiam pouco tinham um dia fora do comum
quando este processo se desenredava. Um exemplo na década de 1960
envolveu conglomerados. O alto preço das ações dos conglomerados
encorajou-os a comprar ainda mais empresas. Essa política empurrou os
preços ainda mais para cima até que as ações entraram em colapso.

“Saiba detectar movimentos auto-reforçadores no mercado de ações e você


colherá muitos lucros."

O relacionamento reflexivo também era evidente no uso do crédito,


segundo Soros:

“Os empréstimos baseiam-se na estimativa do emprestador de que o


tomador tem capacidade para pagar sua dívida. A avaliação da garantia
deve ser independente do ato do empréstimo mas, na verdade, o ato do
empréstimo pode afetar o valor da garantia. Isso é válido tanto para casos
individuais quanto para a economia como um todo.”[14]

***

Em um outro exemplo de reflexividade, esse durante a segunda metade da


década de 1980, os preços oferecidos nos lances de aquisição do controle
levaram a uma reavaliação dos ativos de uma empresa. Com isso, os
banqueiros mostraram-se dispostos a emprestar mais a outros compradores,
o que, por sua vez, resultou em lances ainda mais altos. No final, os preços
ficaram altos demais; o mercado, instável e supervalorizado, não parava de
subir. De acordo com a teoria da reflexividade de Soros, o colapso era
inevitável.

Esse é, então, George Soros, o investidor heterodoxo.

Ele não jogava nos mercados financeiros segundo as regras tradicionais.

Era isso que os outros faziam. Os que pensavam que o mundo e tudo o que
o mundo continha era racional.

Inclusive o mercado de ações.

Soros interessava-se pelas regras do jogo, mas apenas para tentar


compreender quando elas estavam para mudar. Porque, quando elas
estivessem para mudar, poderiam dar início a um relacionamento reflexivo
e essa reflexividade poderia provocar uma sequência de
prosperidade/colapso.

George Soros monitorava constantemente os mercados financeiros, à


procura de uma sequência de prosperidade/colapso. Sabendo que os
mercados financeiros se caracterizavam ocasionalmente por esses
relacionamentos reflexivos, Soros sentia que tinha uma vantagem sobre a
comunidade do setor de investimentos.

Possuir esse segredo, porém, não garantia que Soros sempre fosse auferir
lucros nas suas transações. Às vezes, surgiam problemas que não tinham
nada a ver com seus talentos de investidor. Às vezes, porém, os problemas
tinham tudo a ver com esses seus talentos.

Houve épocas, por exemplo, em que os processos reflexivos simplesmente


não existiram. Ou então eles existiram, mas Soros não foi capaz de
descobri-los a tempo. O pior de tudo era quando Soros saía à procura de um
processo reflexivo, achava que tinha encontrado e depois descobria que
havia cometido um erro de avaliação.
Em certas ocasiões, Soros arriscava uma posição sem analisar como um
determinado mercado financeiro estava operando - isto é, se havia ou não
um processo reflexivo em ação. Mas ele estava sempre procurando
processos reflexivos. Quando descobria um e conseguia explorá-lo,
acumulava uma fileira de números à esquerda da casa decimal.

Mesmo reconhecendo que ainda não estava realmente madura, Soros


insinuava que sua teoria da reflexividade representava a promessa de
explicar mais do que como ganhar dinheiro nos mercados financeiros. Mais
grandiosamente, ele sustentava que sua teoria da reflexividade poderia
deixar mais claro como o mundo funciona.

Este era George Soros, O Filósofo, falando; não George Soros, O


Investidor.

“Eu acredito que a propensão dos participantes é a chave para a


compreensão de todos os processos históricos que têm participantes
pensantes, assim como a mutação genética é a chave da evolução
biológica.”[16]

Soros sabia, porém, que era utopia depositar expectativas tão altas sobre sua
teoria. Por mais que desejasse que tudo fosse diferente, ele sentia um
crescente desapontamento por não ter oferecido ao mundo uma descoberta
monumental.

A teoria continuava falha. Ele não conseguiria definir o que queria dizer por
compreensão incorreta dos participantes. Ademais, sua teoria não ajudava a
fazer previsões seguras.

Em última análise, Soros admitia em tom frustrado que, embora “válida e


interessante”, sua noção de relacionamento causativo da propensão de um
participante não estava à altura de uma teoria propriamente dita. Ela era
ampla demais. Para ter utilidade, a “teoria” teria de deixar claro quando as
sequências de prosperidade/colapso iriam aparecer. E isso ela não fazia.

Soros foi incrivelmente honesto com relação às limitações de sua teoria. Ele
tinha grandes esperanças e quando elas não se materializaram, ele poderia
ter ficado em silêncio. Mas não ficou. Apesar de não ter produzido uma
teoria geral, acreditava que o que havia elaborado teria utilidade parcial. “O
que eu tenho é uma abordagem que pode ajudar a iluminar o estado
atualmente precário do nosso sistema financeiro.”[16]

***

As reações à teoria da reflexividade de Soros foram variadas - havia desde


aqueles para quem ela era muito complexa e difícil de compreender até
aqueles que a compreendiam e se deixavam impressionar. Entre os
perplexos estavam aqueles que trabalharam próximos a Soros ao longo dos
anos. Um deles era Robert Miller, vice-presidente-sênior da Arnhold & S.
Bleichroeder, que trabalhou com Soros desde a década de 1960.

A tentativa do autor de descobrir o que Miller conhecia da teoria de Soros


foi uma frustração.

Autor: “Você conversou com ele sobre essa teoria?”

Miller: “Não muito.”

Autor: “Você leu The Alchemy of Finance?”

Miller: “Apenas algumas partes.”

Autor: “Você consegue dizer o que a teoria faz para alguém?”

Miller: (dando gargalhadas) “Provavelmente não.”

Outros se sentiam mais confiantes para discuti-la.

William Dodge, vice-presidente-sênior para pesquisas sobre ações e


principal estrategista no setor de investimentos da Dean Witter Reynolds, de
Nova Iorque, admitiu que não havia lido The Alchemy of Finance, mas
acreditava que a teoria da reflexividade fazia absoluto sentido.
“O que George está salientando é que os preços das ações divergem muito
do valor real. Isso cria a oportunidade de ganhar dinheiro.”[17]

***

Em maio de 1994, sete anos depois do lançamento de The Alchemy of


Finance, Soros era uma figura muito mais reconhecida do que nunca na
comunidade comercial. Consequentemente, uma versão em brochura do
livro apareceu pela primeira vez com um novo prefácio. Nesse prefácio,
Soros escreveu que queria destacar um novo ponto com relação à sua teoria
da reflexividade para esclarecer o que ele quis originalmente dizer.

“Em The Alchemy of Finance”, escreveu, “eu apresentei a teoria da


reflexividade como se ela fosse relevante em todos os momentos. Isso é
verdade no sentido de que o mecanismo de feedback bidirecional, marca
registrada da reflexividade, pode entrar em ação a qualquer momento, mas
não é verdade no sentido de que ele está sempre agindo. Na verdade, na
maioria das situações, ele é tão fraco que pode seguramente ser
ignorado.”[18]

Soros também esclareceu um segundo ponto:

“A mensagem do meu livro pode normalmente ser resumida afirmando-se


que os julgamentos de valor dos participantes sempre são tendenciosos e a
tendência predominante afeta os preços do mercado.” Se isso fosse tudo o
que ele tinha a dizer, não teria valido a pena escrever um livro inteiro sobre
o assunto, sugeriu ele. “O que quero deixar claro é que há ocasiões em que
a tendência afeta não apenas os preços do mercado, mas também os
chamados fundamentos. É aí que a reflexividade passa a ser importante. Ela
não acontece o tempo todo, mas, quando o faz, os preços do mercado
seguem um padrão diferente. Eles também desempenham um papel
diferente; não simplesmente refletem os chamados fundamentos; eles
próprios se tornam os fundamentos que moldam a evolução dos preços.”
Soros censurou os que leram o livro em parte ou totalmente por terem
captado o primeiro ponto - que a tendência predominante afeta os preços do
mercado - mas não terem percebido o segundo - que a tendência
predominante pode, em certas circunstâncias, afetar também os chamados
fundamentos e que mudanças nos preços do mercado conduzem a
mudanças nos preços do mercado.

Ele estava culpando a si mesmo.

O que ele deveria ter feito, ele próprio admitiu, não era apresentar uma
teoria geral, na qual a ausência de reflexividade fosse um caso especial, mas
sugerir que a reflexividade era um caso especial, já que sua principal
característica era o fato de ela ocorrer apenas de vez em quando.

Sua principal desculpa foi que ele havia observado a reflexividade não nos
mercados financeiros, mas antes disso, como um conceito filosófico. Ao
sugerir que havia descoberto uma teoria geral da reflexividade, ele admitiu
que talvez tivesse excedido a si mesmo. Acontece, escreveu Soros, que ele
tinha errado também ao sugerir que a teoria econômica era falsa. Se as
condições para a reflexividade ocorriam apenas intermitentemente, então
teria de ser verdade que a teoria econômica era ocasionalmente falsa.

***

De que valor é a teoria da reflexividade de George Soros? Essa pergunta


seria muito mais fácil de responder se Soros não obscurecesse o problema
reconhecendo que, às vezes, ele não se mantém fiel a ela; que, às vezes, ele
reage a eventos nos mercados financeiros da mesma maneira como um
animal na floresta reage ao ambiente. Ele não explica detalhadamente o que
quer dizer com essa declaração. Em outras ocasiões, porém, ele menciona
que coisas ruins estão para acontecer nos mercados financeiros por causa do
prenuncio de ... uma dor nas costas! A dor nas costas, porém, tem apenas a
finalidade limitada de funcionar como sistema de advertência. Ela não ajuda
a identificar o que está para acontecer nos mercados. Entretanto, depois que
Soros identifica um problema iminente, é como se ele tivesse tomado uma
aspirina.

De repente, a dor nas costas desaparece!


7. INVESTIR PRIMEIRO E
INVESTIGAR DEPOIS

As teorias de George Soros revelam apenas uma parte dos segredos de seus
investimentos, a estrutura que explica como ele acha que os mercados
financeiros operam. Foi tudo o que Soros admitiu.

A teoria, porém, não revela como George Soros operava.

Esses segredos Soros guardava dentro do peito.

A análise intelectual só o levava até esse ponto. Depois, o instinto tinha de


assumir o comando.

“Nós fingimos [ser analíticos]”, observou Soros. “Eu posso até mesmo
acreditar. Mas há mais alguma coisa lá também. Eu tenho uma memória
relativamente boa como trader, mas também tenho a teoria. Então existe
uma conexão. Mas eu não penso que meu sucesso como trader valide minha
teoria. Não é uma prova científica. Eu acho que deve haver mais alguma
coisa.”[1]

Devido ao fato de as teorias de Soros não oferecerem todas as pistas para


suas realizações, as pessoas podem ficar tentadas a argumentar que ele
apenas teve muita sorte. Mas poucos analistas sérios dão crédito a essa
explicação. Eu inadvertidamente sugeri a um dos mais antigos
companheiros de Soros, Robert Miller, vice-presidente sênior da Arnhold &
S. Bleichroeder, que a capacidade de Soros ganhar dinheiro poderia ser uma
função da sua disposição de apostar altas somas. Miller respondeu com
irritação:
“Não. Não é a sua capacidade de apostar altas somas. Se ele acha que uma
situação é adequada, ele investe nela porque, para ele, ela não é realmente
um jogo. Ele a vê como um cenário econômico.”[2]

Era mais complicado do que simplesmente jogar os dados e esperar pela


sorte.

O modo como Soros operava é função de suas habilidades, cuja


combinação pode ser única.

Primeiro, havia a sua capacidade mental.

Enquanto os outros no mercado lutavam para manter-se a par de uma ação,


de um grupo de indústrias, de uma commodity, Soros estava sempre
absorvido por cenários complexos relacionados ao comércio global.

Ao contrário da maioria, ele discernia tendências, movimentos e ritmos que


advinham das declarações públicas dos líderes financeiros mundiais e das
decisões por eles tomadas. O que Soros entendia melhor do que muitos
eram os relacionamentos de causa e efeito nas economias mundiais. Se A
acontece, então B deve vir a seguir e C depois disso. Esse tipo de raciocínio
não tinha nada de ridículo. Na verdade, era um dos segredos-chave do
sucesso de Soros.

Depois, o homem tinha coragem.

Senão, como explicar a maneira fria com que ele comprava e vendia
montantes que desafiavam a imaginação? Ele mesmo negaria possuir tanta
coragem, já que sempre afirmava que a chave para investir é saber como
sobreviver. E saber como sobreviver significava às vezes jogar de modo
conservador, assumindo perdas quando necessário, mantendo sempre uma
grande parte dos ativos fora do jogo. Ele gostava de dizer: “Se você está
indo mal, o primeiro movimento é economizar. Não tente recuperar suas
perdas. E quando começar de novo, comece devagar.”[3]

Ainda assim, a atividade de Soros exigia uma certa firmeza interna.


“Eu estava sentado em sua sala quando ele tomou decisões sobre centenas
de milhões de dólares”, disse Daniel Doron, comentarista de assuntos
públicos e diretor do Israel Center for Social and Economic Progress, em
Jerusalém. “Eu não conseguiria me controlar, não conseguiria dormir. Ele
jogava com valores tão altos. Era preciso ter nervos de aço. Talvez ele
estivesse condicionado para aquele tipo de situação.”[4]

Soros foi muito comparado a Warren Buffett, um outro magnífico investidor


de Wall Street, mas quase sempre a comparação era feita para mostrar as
diferenças gritantes entre os dois homens.

Enquanto Buffett se especializava em uma coisa e apenas uma coisa -


comprar empresas sólidas por preços reduzidos - Soros era mais flexível,
entrando e saindo dos mercados de acordo com os ventos financeiros,
tentando entrar no ritmo no momento certo. Buffett comprava e vendia
ações; Soros lidava com moedas e taxas de juros. Buffett enfocava
empresas isoladas; Soros acompanhava tendências mais amplas dos
mercados financeiros globais.

Uma das qualidades mais importantes de Soros sempre foi sua capacidade
de separar as emoções dos seus negócios.

Nesse sentido, ele tem algo de estoico.

Enquanto outros permitiam que seus egos interferissem nas decisões


inteligentes do mercado, Soros entendia que o investidor sábio era o que
carecia de paixões. Não fazia sentido alegar infalibilidade. Embora às vezes
fosse difícil ver uma ação favorita de repente submergir, era muito melhor
admitir os próprios erros, o que Soros sempre fazia.

Um dia, em 1974, Soros estava jogando tênis com um conhecido. O


telefone tocou.

Era um corretor de Tóquio, que queria deixar Soros a par de um segredo:


naquele ano, o presidente Richard Nixon estava imerso no escândalo de
Watergate, o que acabaria por provocar sua derrocada. O corretor estava
ligando para informar a Soros que os japoneses estavam reagindo de forma
inadequada aos problemas de Nixon.[5]
Possuidor de pesadas posições no mercado de ações japonês, Soros tinha de
decidir o que fazer - ficar ou sair.

Seu parceiro no tênis percebeu o suor na testa de Soros, suor que não havia
se formado durante a partida.

Naquele momento Soros decidiu vender. Não houve nenhuma hesitação,


nenhuma sensação de que ele precisasse consultar alguém antes de dar um
passo tão grande.

Ele precisou de apenas uma fração de segundo para decidir.

E isso foi tudo.

Allan Raphael, que trabalhou com Soros na década de 1980, acreditava que
o estoicismo de Soros, um traço raro entre investidores, foi-lhe muito útil.
“Você pode contá-los nos dedos. Quando George está errado, ele sai
rapidamente. Ele não diz, ‘Eu estou certo, eles estão errados.’ Ele diz, ‘Eu
estou errado’ e, porque se você tem uma posição ruim, ela o destrói. Você
não para de pensar nela um minuto - à noite, em casa. Ela o consome. Você
fica completamente maluco. É um negócio muito difícil. Se fosse fácil,
qualquer um poderia participar. É preciso uma quantidade incomum de
disciplina, de autoconfiança e, basicamente, de falta de emoções”.[6]

Depois havia a alardeada autoconfiança de Soros.

Quando ele acreditava que estava certo com relação a um investimento,


nada o detinha. Nenhuma posição de investimento era grande demais. Só os
fracos hesitariam. O pior erro nos registros de Soros não era ser atirado
demais, mas muito conservador. “Por que tão pouco?” era uma de suas
perguntas favoritas.

Finalmente havia seu instinto.

Instinto era a capacidade incomensurável de saber quando especular


pesado, quando sair de uma posição - quando, realmente, você estava
absolutamente certo e quando não estava.
“Basicamente”, dizia Soros, “o meu modo de operação é que eu tenho uma
tese que é testada no mercado. Quando estou vendido e o mercado age de
uma certa maneira, eu fico muito nervoso, as costas começam a doer.
Depois que eu reverto minha posição, a dor nas costas desaparece. Sinto-me
melhor. É aí que entra o instinto. ”[7]

“Desenvolva uma tese e teste-a no mercado."

Resumindo as técnicas de investimento de George Soros, Byron Wien, da


Morgan Stanley sugeriu que “a genialidade de George é que ele tem uma
certa disciplina. Ele vê o mercado em termos muito práticos e conhece as
forças que influenciam os preços das ações. Ele sabe que o mercado tem um
lado racional e um lado irracional. E ele sabe que não está sempre certo.
Mostra disposição em tomar atitudes vigorosas quando está certo e
realmente tirar vantagem de uma oportunidade e de amargar as perdas
quando está errado ... Tem uma grande convicção quando sabe que está
absolutamente certo, como na crise da libra esterlina em 1992”.[8]

Parte do instinto de Soros estava em detectar movimentos, de um lado ou de


outro, no mercado de ações. Isso não era algo que se pudesse aprender na
escola; não era parte do currículo da London School of Economics. É um
dom que poucos possuem. E Soros tinha esse dom. Edgar Astaire, seu sócio
em Londres, não tinha dificuldades para apontar a fonte do sucesso de
Soros:

“A maior chave do seu sucesso é sua psicologia. Ele conhece o instinto


gregário. Sabe quando muitas pessoas vão sair em busca de alguma coisa,
como um bom homem de marketing.”[9]

***
Talvez a característica mais distintiva de Soros, o traço que melhor explica
seus talentos para a área de investimentos, tenha sido sua capacidade de
pertencer a um “clube” muito exclusivo, um clube que incluía a liderança
da comunidade financeira internacional.

Ninguém podia candidatar-se a sócio desse clube. A maioria dos


participantes eram líderes políticos e econômicos dos países ricos:
primeiros-ministros, ministros das finanças, presidentes de bancos centrais.
Estimativas aproximadas calculam o total de associados em não mais do
que duas mil pessoas, espalhadas por todo o mundo.

Devido ao fato de não ser um líder eleito, Soros não tinha o mesmo status
dos outros membros. Mas à medida que o poder econômico fugia dos
políticos e que investidores como Soros ganhavam mais e mais influência
nos mercados financeiros, ele passou a ter um peso crescente junto a esses
líderes. Eles queriam conhecê-lo, ouvir o que ele pensava sobre a economia
mundial. Na maioria das vezes, eles queriam saber o que ele estaria
tramando. Ele, é claro, tinha o mesmo interesse em saber que decisões os
líderes de vários países estavam pretendendo tomar.

Poucos investidores conseguiram ter o mesmo sucesso que Soros teve nesse
clube. Enquanto os outros liam sobre esses líderes, Soros tinha a vantagem
de ter fácil acesso a eles; ele podia tomar café com um ministro das
finanças, almoçar com um presidente de banco central, ou fazer uma visita
de cortesia a um primeiro-ministro.

Um dia no início da década de 1980, por exemplo, Soros apareceu no


Banco da Inglaterra, convidado para opinar sobre a recuperação dos
mercados financeiros por meio de restrições monetárias. Ele havia atraído o
interesse dos banqueiros depois de comprar um bilhão de dólares em títulos
ingleses em 1980, um grande momento para ele, já que o retorno do
investimento foi magnífico.

Não foi só a sua perspicácia financeira que o levou para a rede dos líderes
financeiros globais. Desde meados da década de 1980, quando começou a
criar fundações na Europa Oriental e, mais tarde, na antiga União Soviética,
como meio de encorajar as sociedades abertas, Soros passou a ter ainda
mais motivos para fazer amizade com líderes políticos e econômicos,
particularmente na Europa.

Não raro havia um ministro de estado presente a conferências em uma de


suas fundações e não raro também ele visitava um líder político enquanto
participava de reuniões de conselho de uma de suas fundações. Em
novembro de 1993, Soros levou o escritor Michael Lewis a uma visita de
duas semanas por suas fundações e, depois de se encontrar com o presidente
da Moldávia pela manhã e com o presidente da Bulgária à noite, disse com
orgulho, “Você vê, eu tomo café da manhã com um presidente e janto com
outro.”[10]

Tais encontros eram uma clara vantagem de Soros sobre os outros


investidores. É claro que tomar café da manhã com representantes de
governos não possibilitava a Soros saber exatamente em que dia um país
desvalorizaria sua moeda ou elevaria suas taxas de juros. Os líderes
financeiros não costumavam fazer tais revelações durante o café da manhã,
nem mesmo para um George Soros - ou mais precisamente, especialmente
para um George Soros.

Mas essa proximidade com os líderes permitia a Soros sentir os eventos que
estavam para acontecer, trunfo que os outros não possuíam. Ele, às vezes,
precisava esperar meses para tirar alguma coisa de útil de uma reunião:
talvez um comentário descuidado de um ministro das finanças durante um
almoço há três meses. A questão era que ele havia encontrado o ministro
das finanças e registrado a conversa no seu banco de memória para uso
futuro, enquanto os outros só liam os jornais.

George Magnus, economista internacional da S. G.

“Um importante segredo de Soros é granjear o acesso aos líderes


mundiais.”
Warburg Securities, em Londres, observou: “Soros tem um profundo
conhecimento dos eventos mundiais e dos processos mundiais. Sua
formação européia faz com que ele se destaque de seus contemporâneos.
Por causa dela, ele tem uma perspectiva diferente de como o mundo se
encaixa, particular mente no caso da unificação da Alemanha e de todos os
outros conceitos europeus ... Ele tem o que os alemães chamam de
Weltanschauung, uma visão de mundo, não muito contaminada pelas
complexidades das questões domésticas de um país ou de outro. [Ele] cria o
grande quadro e o traduz em oportunidades.”.[11]

Essa visão de mundo deu a Soros uma enorme autoconfiança.

“Ele não era uma pessoa que se vangloriava do seu sucesso”, comentou
James Marquez, companheiro de Soros desde a década de 1980, “a não ser
para dizer, ‘Bem, meu caro rapaz, é isto mesmo o que deveria ter
acontecido.’.”[12]

“Era comum ouvi-lo dizer frases como, ‘Para mim está bastante claro’, ou É
óbvio que isso ia acontecer’, ou ‘Os fatores que levaram a isso são bastante
simples e diretos’. Ele conseguia ver a floresta com muita clareza; os outros
só viam as árvores.”

Não podemos dizer simplesmente que os outros investidores não tinham o


cartão de visitas que os admitiria naquele clube exclusivo de líderes
mundiais. Mesmo que eles tivessem, poucos teriam disposição para passar
tanto tempo com os líderes mundiais quanto Soros.

Os outros investidores estavam mais acostumados ao ritmo frenético da sala


de negociações. Para muitos deles seria uma distração, talvez até mesmo
uma perda de tempo ficar por conta de tais pessoas. Mas Soros operava
numa onda diferente. Ele compreendia a necessidade de estar presente na
sala de negociações, mas sabia ser igualmente valioso sair do escritório, não
apenas para se encontrar com importantes tomadores de decisão, mas
também para ter tempo para pensar. Uma vez ele sugeriu que “Para ter
sucesso, você precisa de lazer. Você precisa que o tempo paire pesadamente
sobre suas mãos.”[13]
“Para ter sucesso, deixe que o tempo paire pesadamente sobre suas mãos."

Byron Wien sentia esse modo “relaxado” de encarar a vida e as finanças.

“Ele sente", disse Wien, “que não deveria depender de outra pessoa.
Algumas pessoas passam o dia inteiro conversando com corretores. Ele não
acha que essa seja a maneira de passar o tempo. Prefere conversar com
algumas poucas pessoas que sejam realmente úteis e pensar, ler e refletir.
Procura alguém que tenha uma certa sensibilidade filosófica. Não está
interessado somente nas pessoas que ganharam muito dinheiro ... sem
nenhum sentimento. Ele não acha que isso tem de ser feito no
escritório.”[14]

***

“Uma vez ele disse uma coisa que me ajudou muito: ‘O problema com
você, Byron, é que você trabalha todos os dias e acha que, porque sai todos
os dias para trabalhar, precisa fazer alguma coisa. Eu não trabalho todos os
dias. Eu só vou trabalhar nos dias em que faz sentido sair para trabalhar ... E
eu realmente faço alguma coisa naquele dia. Mas você vai trabalhar e faz
alguma coisa todos os dias, sem perceber quando o dia é realmente
especial.’.”

Como são os dias de George Soros?

Um dia normal começa às 8h ou 8h30min. Ele entra e sai de reuniões o dia


inteiro, mas os gerentes de seus fundos têm liberdade para entrar e
conversar sobre uma determinada posição sempre que isso for necessário.

Soros opera individualmente. Conversa individualmente com cada gerente


de fundo. Abomina as reuniões de comitê. Às vezes, depois de ouvir o que
pensam seus gerentes, ele sugere que ele ou ela telefone a alguém que tenha
condições de dar sustentação ao outro lado de um argumento, segundo
Allan Raphael, que trabalhou com ele de 1984 a 1988. “Se você gostasse de
alguma coisa, ele queria que você falasse com alguém que não gostasse. Ele
sempre queria um toque intelectual. Ele sempre repensa uma posição. Você
sempre precisa repensar e repensar e repensar. As coisas mudam. Os preços
mudam. As condições mudam. E sua responsabilidade, como gerente de
fundo, repensar constantemente sua posição.”[15]

Daí então haveria diálogo.

Raphael podia dizer a ele: “Esta posição está tendo bons resultados.”

Soros: “Você acha que deve vender alguma coisa aqui?”

Raphael: “Não.”

Soros: “Você deseja comprar mais?”

Para frente e para trás. O tempo todo revendo posições.

“Soros”, disse Raphael, “tem uma incrível capacidade de fazer as perguntas


certas. Depois ele olha os gráficos e diz ‘OK’.”

Quando amadurecia o momento de uma decisão, ele nunca precisava de


mais de 15 minutos de estudo.

Os gerentes de fundos, como Raphael, tinham uma certa flexibilidade - nem


tudo precisava passar por Soros. Posições pequenas de, digamos, cinco
milhões de dólares, podiam ser formadas sem o seu OK.

“Mas”, observou Raphael, “era realmente benéfico conversar com ele


porque ele é inteligente.”

***
Para Soros, a chave do seu sucesso nos investimentos foi sua técnica de
sobrevivência. Pode ser difícil pensar em sobrevivência como uma
habilidade prática, mas para Soros, ela ajudou a explicar suas realizações.
Por exemplo, em The Alchemy of Finance, ele escreveu: “Quando eu era
adolescente, a Segunda Guerra Mundial ensinou-me uma lição que eu
nunca mais esqueci. Eu tive muita sorte de ter um pai que era altamente
proficiente na arte de sobreviver, já que havia atravessado a Revolução
Russa como prisioneiro de guerra que conseguiu escapar. ”[16]

Posteriormente, no mesmo livro, ele sugeriu que a operação de um fundo


hedge testava ao máximo seu treinamento em sobrevivência: “O uso da
alavancagem pode produzir resultados superiores quando as condições são
favoráveis, mas pode acabar com você se os acontecimentos não seguirem
as suas expectativas. Uma das coisas mais difíceis de julgar é qual o nível
de risco seguro. Não há padrões universalmente válidos. Cada situação
precisa ser julgada de acordo com seu próprio valor. Em última análise,
você tem de confiar no seu instinto de sobrevivência.”.[17]

Uma ilustração desse instinto de sobrevivência em ação ocorreu na época


da queda do mercado de ações, em outubro de 1987. A princípio, pareceu
que Soros saiu de algumas posições cedo demais. Mas para James Marquez,
esse era o George Soros clássico - desistir da batalha para poder viver e
lutar um outro dia. Embora tenha absorvido pesadas perdas por sair quando
saiu, Soros conseguiu impedir erosões ainda maiores em suas posições. “É
difícil para muitas pessoas aceitar esse tipo de resultado”, sugeriu Marquez.
“E ainda assim Soros consegue fazê-lo porque ele tem confiança suficiente
de que será capaz de dar a volta por cima. E é claro que ele deu; e seu maior
sucesso veio depois de 1987. Acho que existe aí uma mensagem para todos
nós.”

***

E assim Soros tinha aquela combinação de traços - capacidade mental,


coragem, estoicismo e instinto - que o levou a ter muito sucesso na vida.
Sua teoria da reflexividade era seu contador Geiger. Ela não informava
muito precisamente qual deveria ser o alvo, mas dizia para onde ele deveria
apontar e indicava o caminho para uma oportunidade em potencial.

Depois os traços assumiam o controle, instruindo-o com maior precisão,


guiando-o até o ponto certo.

Soros então fazia a sua jogada. Não de forma grandiosa, mas testando,
sondando, tentando determinar se o que ele havia pensado estava, de fato,
correto. Ele formulava uma hipótese e, com base nela, assumia uma
posição. Depois esperava para ver se a hipótese seria validada. Em caso
positivo, ele assumia uma posição ainda maior, seu grau de autoconfiança
sempre determinando o tamanho máximo. Se, por acaso, a hipótese fosse
invalidada, ele não perdia tempo. Livrava-se daquele investimento. Estava
sempre à procura de uma situação na qual pudesse desenvolver uma
hipótese.

Marquez lembra que “George sempre costumava dizer, ‘Primeiro você deve
investir, depois investigar’. Isso significava formar uma hipótese, assumir
uma posição provisória para testar a hipótese e esperar que o mercado prove
se você está certo ou errado.”[18]

Em essência, essa estratégia favorita de Soros poderia ser traduzida por


“sentir” o mercado. Soros usava essa técnica apenas ocasionalmente e, às
vezes, nem contava nada a Marquez quando os dois trabalhavam juntos na
década de 1980.

Depois de muita discussão, os dois homens finalmente decidiam arriscar.

"Invista primeiro e investigue mais tarde."

Marquez então elaboraria um efeito encenado, separando uma certa


quantidade do fundo para aquela posição.
“Tudo bem”, diria Soros, “eu quero comprar US$300 milhões em títulos,
portanto comece vendendo US$50 milhões.”

“Eu quero comprar US$300 milhões”, Marquez lembrava a Soros.

“Sim", Soros respondia, “mas eu quero primeiro sentir o mercado. Eu quero


ver como me sinto como vendedor. Se tudo parecer muito fácil, se eu perder
esses títulos muito facilmente, então eu vou preferir ser mais um
comprador. Mas se esses títulos forem realmente difíceis de vender, não
estou certo de que deverei ser comprador.”

Nenhuma das teorias e estratégias de Soros era infalível. Para alguns, elas
realmente eram. Eles analisavam o registro de investimentos de Soros e
imaginavam que alguém tão bom quanto ele estava imune de cometer erros.

Soros divertia-se com essa idéia: “As pessoas estão basicamente


equivocadas na visão que têm de minha infalibilidade porque - e eu não me
importo [ênfase] na melhor das hipóteses, eu cometo tantos erros quanto o
rapaz do lado. Mas, se há um ponto em que eu me destaco, é no
reconhecimento dos meus erros. E é esse o segredo do meu sucesso. Minha
maior perspicácia foi ter reconhecido a falibilidade inerente ao pensamento
humano.”[19]
8. COLOCANDO O MEU
DINHEIRO ONDE ESTAVA A
MINHA BOCA

No final dos anos 60, George Soros entrou para as grandes associações das
finanças. Em busca mais de um papel de liderança dentro da empresa, Soros
conseguiu persuadir seus chefes na Arnhold & S. Bleichroeder a criar
alguns fundos offshore e deixar que ele os supervisionasse.

O primeiro, chamado First Eagle Fund, começou a funcionar em 1967. Era


conhecido no jargão de Wall Street como fundo altista: os clientes
assumiam posições de investimento, esperando pela alta do mercado.

O segundo, um fundo hedge, era o Double Eagle Fund, iniciado em 1969. O


fundo estava estruturado de tal maneira que Soros podia usar ações e títulos
como garantia para comprar qualquer instrumento financeiro, inclusive
ações, títulos e moedas. Ele iniciou o fundo com seu próprio dinheiro,
meros US$250 mil; logo US$6 milhões jorraram de vários europeus ricos
que Soros conhecia.

US$250 mil.

Esse foi o começo da fortuna de Soros.

***
Byron Wien conheceu Soros em 1968, quando era gerente de carteira de
uma empresa de Wall Street que, por sua vez, era cliente da Arnhold & S.
Bleichroeder. A empresa de Wien estava intrigada com o Japão, cujo
mercado de ações parecia depreciado. Mesmo assim, ninguém sabia ao
certo o que acontecia por lá. Wien havia escutado que alguém de nome
George Soros conhecia muito bem o Japão. Wien convidou-o para uma
conversa informal e ficou espantando.

No início de sua carreira, este era seu maior cartão de visitas. Ele parecia
saber muito mais sobre economias distantes do que os outros nas grandes
empresas americanas.

O que chamou a atenção de Wien particularmente foi a manobra pioneira de


Soros de criar fundos hedge offshore que excluíam clientes americanos - à
exceção de Soros, é claro, que, segundo as regras do fundo, tinha permissão
para ser membro, muito embora fosse cidadão americano. Soros estava na
vanguarda da profissão, fato que seria muito comum dali para frente, pois
no final da década de 1960 os fundos hedge americanos com fundos
offshore como parte de suas carteiras ainda eram uma novidade. Soros
nunca teve medo de entrar correndo onde os outros temiam pisar.

Embora muitos americanos ricos tivessem muito prazer em fazer parte do


Double Eagle Fund, Soros não precisava deles. Ele sabia que conseguiria
atrair ambiciosos clientes europeus, apesar de sua reputação de volúveis. As
significativas vantagens tributárias do fundo certamente aumentariam sua
lealdade. Ele estava certo; atraiu uma clientela internacional que incluía
europeus, árabes e sul-americanos de muito dinheiro. Ele operava o fundo a
partir da matriz em Nova Iorque. Mas, como muitos outros fundos offshore,
o Double Eagle tinha base em Curaçao nas Antilhas Holandesas, onde
escapava da vigilância da SEC (Securities and Exchange Commission) e
dos impostos sobre ganhos de capital.

Fundos hedge. No final da década de 1960 eles ainda eram pouco


conhecidos e ainda menos entendidos. Em 1957, Warren Buffett iniciou um
fundo hedge próprio. Mas quando Soros entrou nesta empreitada em 1969,
poucos sabiam o que esses fundos faziam. É claro que esta situação mudaria
por volta da década de 1990.

E George Soros seria presidente do maior de todos os fundos hedge.

Soros estava entre os primeiros no ramo dos fundos hedge, em que os


lucros são potencialmente muito altos. Ele também foi o primeiro a usar o
controvertido instrumento financeiro chamado derivativo, intimamente
associado à multidão de fundos hedge.

Os fundos hedge foram criados por Alexander Winslow Jones, um ex-


jornalista e acadêmico, em 1949. Observando que algumas partes da
economia iam bem enquanto outras tinham desempenho fraco, Jones
elaborou uma escala de investimentos. Um investidor muito otimista
poderia optar por ficar comprado com 80% de suas posições e vendido para
os outros 20%. Um investidor pessimista optaria por ficar vendido por 75%
de suas posições e comprado para os outros 25%. O importante era variar o
risco.

Os primeiros fundos hedge investiam apenas em ações, comprando e


vendendo valores mobiliários semelhantes, esperando por um ganho global.
Com o tempo, os fundos hedge sobreviventes começaram a procurar em
volta e encontraram outras oportunidades de investimento.

Em meados da década de 1960, alguns fundos atraíram a atenção da mídia,


mas o interesse acabou depois de 1970. Houve uma recuperação em 1971,
devido à decisão de permitir que as taxas de câmbio flutuassem, mas muitos
fundos hedge faliram na baixa do mercado em 1973-1974. Na década
seguinte, os fundos hedge viveram uma calmaria.

O que estimulou o crescimento dos fundos hedge no final da década de


1980 e no início da década de 1990 - e a ascensão de George Soros ao status
de investidor de classe mundial - foi a decisão que os bancos europeus
tomaram em 1985 de baixar a taxa de câmbio do dólar a fim de incrementar
as exportações americanas. (Com o dólar mais baixo, as exportações
americanas ficavam mais baratas.) O dólar depreciado oferecia novos
incentivos para o investimento em moedas. Soros e os outros gerentes de
fundos hedge rapidamente tiraram vantagem desse novo cenário.
Se Soros tivesse ficado na Europa, talvez hoje ele fosse apenas um outro
financista astuto e perspicaz, nada de destaque, nada especial, apenas um
dos muitos que lutavam para ganhar dinheiro nos mercados financeiros.
Mas nos Estados Unidos, Soros era uma categoria rara, cujo conhecimento
do cenário financeiro europeu lhe seria muito útil. Sua grande vantagem era
sua ampla variedade de fontes na Europa e em outros lugares do mundo,
fontes que ele usava para obter uma estimativa do grande quadro, do
impacto que os eventos financeiros e políticos tinham sobre os vários
mercados financeiros em todo o mundo.

“George”, explica Arthur Lerner, que trabalhou com Soros no final da


década de 1960, “foi um dos primeiros que conseguiu perceber que era
preciso ter pensamento global e não apenas provinciano ... Era preciso saber
como um evento aqui afetaria um evento ali. As moedas não eram tão
importantes então. Ele obtinha informações básicas de várias fontes e, de
certa forma, protegia-as na sua mente. Depois, surgia com uma tese que, na
maioria das vezes, era válida.”[1]

Lerner, um analista do Banco de Nova Iorque, foi cortejado pela Arnhold &
S. Bleichroeder em 1967 e 1968, mas recusou as duas primeiras propostas.
Agora, no início de 1969, ele finalmente disse sim. Seu primeiro cargo na
Arnhold era de assistente de Soros, ajudando-o a administrar os dois
fundos. Nos dois anos seguintes, eles trabalharam lado a lado.

Trabalhar para Soros foi uma experiência intensa e ao mesmo tempo


intrigante. Os mercados flutuaram desregradamente naqueles dois anos,
aumentando a tensão e o drama. “George era um capataz”, lembra Lerner.
“Ele fazia você enfocar a situação. Ele tinha um comando do mundo que,
para mim, era impressionante. Podia quase pegar um evento no ponto A e
simultaneamente levar você às consequências no ponto B. Escapava-me a
lógica porque eu não estava no nível dele. Ele provavelmente é o melhor
macroinvestidor que eu já conheci. Em termos micro, os pequenos detalhes,
seu foco não era tão eficiente nem tão bom quanto poderia ser.”

Havia algo mais sobre Soros. Ele parecia diferente da maioria dos outros na
empresa, diferente, de fato, da maioria dos outros em Wall Street. Era a sua
mente. Ele pensava o tempo todo, pensava grandes idéias, usando palavras
que seus companheiros de trabalho só compreenderiam se recorressem ao
dicionário. Até mesmo Lerner precisava fazer alguns ajustes. Entre eles: seu
estilo de escrever. “Eu não podia prever que George fosse rigoroso para
escrever. Ele tinha um estilo que não era o meu. Eu estava acostumado a
escrever relatórios para consumo geral. O estilo de George era muito
literário.”

Então George se sobressaiu. Ele era o intelectual do escritório.


Impressionava tê-lo por perto, mas quem conseguia entender o que ele
dizia?

Foi por volta desta época que Soros começou a escrever The Alchemy of
Finance. Em 1969, ele pediu para Lerner ler cinco capítulos do livro. “Eu
não entendi uma palavra”, explicou Lerner, sugerindo que o problema não
era com o seu QI, mas com a capacidade de Soros explicar o que queria
dizer. Esperando encontrar uma breve sinopse da teoria, Lerner estremeceu
quando descobriu que não iria encontrar nenhuma naqueles capítulos.

A própria palavra reflexividade o incomodava. Ele recorreu ao dicionário


para ver o que ela significava. Vinte e cinco anos mais tarde - na primavera
de 1994 - Lerner admitiu: “Ainda hoje tenho um problema com aquela
palavra. Não consegui captar o que ele estava tentando transmitir.”

Sentindo-se próximo de Soros, Lerner ofereceu ao amigo alguns conselhos


cordiais. “George, nunca queira ser professor porque se você quiser ensinar
alguém abaixo de você - a maioria das pessoas seria ...”

Ele não concluiu o pensamento. Em vez disso, disse candidamente: “Você


terá muito trabalho para comunicar exatamente o que quer dizer. ”.

Teria sentido para Soros ouvir o que os Arthur Lerner de sua vida tinham a
dizer. Eles não eram tão brilhantes, mas eram aqueles que inevitavelmente
Soros queria impressionar. E se ele quisesse impressioná-los, teria de deixar
mais claros os pensamentos que colocava por escrito. Era isso o que Arthur
Lerner estava tentando colocar. Era uma mensagem sincera e bem-
intencionada. Consiga um editor, George. Consiga alguém que o ajude a
colocar esses pensamentos em linguagem simples.
Não era o que George Soros queria ouvir. E, por esse motivo, muitas
pessoas convidadas a comentar seus trabalhos não tentavam fazer tais
afirmações. Elas preferiam abster-se. Ele não estava a fim de ouvi-las. Por
que se preocupar? Por que deixar o homem bravo?

***

Quer pessoas como Arthur Lerner pudessem ou não compreender o que era
reflexividade, George Soros decidiu que era hora de testar suas teorias no
mercado. Tinha confiança de que elas poderiam significar uma vantagem
competitiva para ele.

"Eu estava colocando o meu dinheiro onde estava a minha boca e não podia
permitir que minha imagem fosse dissociada das minhas decisões em
termos de investimentos. Eu tinha que usar todos os meus recursos
intelectuais e descobri, para minha grande surpresa e gratificação, que
minhas idéias abstratas tinham muita praticidade. Seria um exagero dizer
que elas foram responsáveis pelo meu sucesso, mas, sem dúvida nenhuma,
elas me deram uma vantagem muito grande.”[2]

A primeira atividade que Soros observou de perto para o Double Eagle


Fund foram os trustes de investimentos imobiliários.

Em 1969, Soros desenvolveu uma reputação sólida por ter apontado, em um


memorando que teve ampla circulação, as vantagens de se investir em um
novo veículo chamado um truste de investimento imobiliário - REIT, Real
Estate Investment Trust. Sentindo uma sequência de prosperidade/colapso,
ele vinculou o ciclo do REIT a uma peça de três atos, prevendo
corretamente que essa área passaria por um período de prosperidade, mas
depois chegaria longe demais e acabaria entrando em colapso. Mostrando
grande capacidade de previsão, concluiu que “como o Ato III estava a pelo
menos três anos de distância, eu posso seguramente comprar as ações”. Ele
estava certo e obteve um lucro magnífico. Quando, como ele havia previsto,
os REITs ficaram por demais inchados em 1974, Soros optou por ficar
vendido e ganhou mais US$ 1 milhão. Esse primeiro exercício de testar
suas teorias no mercado encorajou-o imensamente.[3]

***

Ele aplicou sua teoria também na explosão dos conglomerados no final da


década de 1960 e ganhou dinheiro, admitiu, “tanto na alta quanto na baixa”.
Inicialmente, ele percebeu que as empresas de alta tecnologia estavam
passando por uma orgia de aquisições, inflando seus ganhos e
impressionando os investidores institucionais. Soros acreditava que a
“tendência” desses “gerentes afoitos” alimentaria os preços das ações dos
conglomerados. Ele comprou pesado. Mais tarde, ficou vendido e obteve
um lucro no declínio.

Em 1970, Soros juntou-se a Jimmy Rogers, formado pela Universidade de


Yale na turma de 1964, e criado em Demápolis, Alabama.

Soros e Rogers. Que equipe de investimento eles formariam! Uma das


melhores de Wall Street.

Rogers havia estudado política, filosofia e economia na Universidade de


Oxford, na Inglaterra, e isso impressionou Soros, o anglófilo e
pseudofilósofo. Durante os dois anos que esteve no exército, Rogers
adquiriu a reputação de especialista em descobrir boas ações. Ele até ficou
responsável pela carteira de ações do seu comandante.

O primeiro emprego de Rogers em Wall Street foi na Bache & Co. Em


1968, com apenas US$600, Rogers começou a negociar no mercado de
ações. Dois anos depois, ele passou a trabalhar para Soros na Arnhold & S.
Bleichroeder. Depois, porém, novas regulamentações para empresas de
corretagem entraram em vigor, o que não permitia que Soros ou Roger
recebesse uma porcentagem dos lucros auferidos pela sua empresa com a
comercialização de ações. A Arnhold & S. Bleichroeder não queria perder
os dois homens. Mas Soros e Rogers desejavam ardentemente tornar-se
administradores financeiros independentes. Eles saíram para criar sua
própria empresa.

Em 1973, eles criaram o Soros Fund Management (SFM), instalado em um


escritório espartano de três salas, que dava vista para o Central Park em
Nova Iorque.

Longe de Wall Street.

Que idéia estranha naqueles dias. Por que alguém interessado em investir
iria instalar-se tão longe do centro do poder?

Jimmy Rogers gostava de explicar que, como ele e George Soros não
seguiam a linha de pensamento típica de Wall Street, não parecia haver
nenhum bom motivo para eles se instalarem naquele circuito. O mais
importante para Soros é que o escritório estava a apenas um quarteirão da
sua elegante cooperativa no setor Oeste do Central Park.

O estilo de trabalho no SFM era muito mais descontraído do que o ritmo


geralmente agitado das empresas de Wall Street. No verão, os funcionários
usavam tênis e muitos deles, inclusive o próprio Rogers, iam trabalhar de
bicicleta. Soros e Rogers gostavam daquela atmosfera informal. Eles
esperavam poder mantê-la sempre assim, independente de todo o dinheiro
que viessem a ganhar. Ainda assim, todos dedicavam 80 horas semanais ao
trabalho.

No início eram apenas os dois: Soros o trader, Rogers, o pesquisador. Bem,


três - uma secretária.

O escritório parecia pequeno. Mas havia muito o que os dois podiam fazer.
Acontece que o tamanho pequeno era uma virtude. Eles podiam concentrar-
se na tarefa que tinham em mãos, sem ter o cuidado de não tropeçar em
corpos, sem se preocupar em ter de lidar com quilos de papel, em cumprir a
miríade de tarefas que surgem quando os escritórios crescem.

Com tudo isso, dominaram o ofício. Mantiveram o capital do fundo em


ações. Para apostar em commodities e moedas, Soros e Rogers usavam
futuros ou dinheiro emprestado. De âmbito sem precedentes, o Soros Fund
atuava em todos os mercados, inclusive moedas, commodities, títulos e
ações. Desde o início em 1970 até cada um decidir seguir seu caminho em
1980, Soros e Rogers nunca tiveram um ano de prejuízo. Os outros em Wall
Street falavam deles com um crescente respeito. Eles pareciam saber muito
mais do que qualquer outra pessoa para onde a economia estava andando.

Em 1971, o fundo valia US$12,5 milhões, um ano depois, US$20,1


milhões. De 31 de dezembro de 1969 até 31 de dezembro de 1980, o Soros
Fund rendeu 3.365%. Compare estes números com o índice composto da
Standard & Poor, que no mesmo período cresceu apenas 47%.

No final de 1980, o fundo valia US$381 milhões.

Por ser uma sociedade privada, o fundo tinha algumas vantagens sobre os
outros fundos mais convencionais. A mais importante era que ele podia
vender a descoberto, um exercício que implicava muitos riscos para alguns
investidores.

Vender a descoberto.

Soava como uma técnica inofensiva. Mas, para alguns, tinha conotação
impatriótica.

Todos diziam: Como é que alguém pode apostar que uma companhia vai ter
desempenho fraco? Que tipo de americano você é? Você não tem fé na sua
própria economia? Que tipo de pessoa você é, tentando explorar a má sorte
dos outros?

Soros não se importava. Para ele, a técnica funcionava como um encanto,


produzindo altos ganhos nos mercados americanos e estrangeiros. O fundo
também se alavancou através da compra de ações apenas com margens. Um
dividendo para o Soros Fund era seu tamanho pequeno; livre do peso da
burocracia, ele podia entrar e sair de uma posição de ações muito mais
facilmente do que as grandes empresas.

Soros e Rogers engrenaram-se muito bem. “Em geral, se discordávamos um


do outro”, explicou Rogers, “simplesmente não fazíamos nada.” Nem
sempre, porém. Se um tinha um sentimento forte em relação a um negócio,
ele seguia em frente. “Quando as coisas eram resolvidas”, disse Rogers,
“ficava bastante claro que o negócio estava certo ou então que estava
errado. Quando analisávamos uma situação, chegávamos ao consenso. Eu
odeio usar essa palavra, porque o investimento por consenso é um desastre,
mas a gente quase sempre parecia chegar junto.”[4] Eles se orgulhavam de
ter mentes independentes.

E isso viria a ser sua derrocada. Eles tinham mentes tão independentes que
acabaram encontrando muitas coisas erradas um no outro.

Mas por ora, funcionavam como uma máquina bem lubrificada. Nenhum
deles achava que podia aprender muito com os outros analistas de Wall
Street, aqueles que, segundo Rogers, simplesmente seguiam a multidão.
Eles selecionavam suas próprias ações.

E liam. Todos liam.

“Fique atento a uma mudança súbita no mercado de ações, uma mudança


que ainda não tenha sido identificada por mais ninguém."

Eles assinavam 30 publicações comerciais, inclusive Fertilizer Solutions e


Textile Week. Eles liam com atenção revistas de interesse geral, à procura
de tendências sociais e culturais que pudessem ser de alguma utilidade.
Centenas de companhias tinham o SFM nas suas malas diretas. Os arquivos
do fundo incluíam registros financeiros de mais de 1.500 empresas
americanas e estrangeiras. Todos os dias, Rogers examinava atentamente de
20 a 30 relatórios anuais, esperando encontrar acontecimentos interessantes
no mundo das corporações ou o prenuncio de uma tendência de longo
alcance - algo que os outros não tivessem como perceber.

O “algo” que eles procuravam tão assiduamente era uma mudança súbita.

Soros estava à espreita de mudanças súbitas em um grupo de ações,


mudanças que ninguém mais houvesse ainda identificado, a fim de testar
sua teoria. Segundo palavras de Rogers, “Não estamos muito interessados
no que uma companhia vai ganhar no próximo trimestre, ou quais serão as
remessas de alumínio em 1975; o que mais nos interessa são os amplos
fatores sociais, econômicos e políticos que irão alterar o destino de uma
indústria ou grupo de ações daqui a algum tempo. Se houver uma grande
diferença entre o que vemos e o preço de mercado de uma ação, tanto
melhor porque então poderemos ganhar dinheiro.”[5]

Um exemplo, no início dos anos 70, foi a “súbita mudança” que Soros
encontrou na indústria bancária.

Em 1972, ele sentiu que estava para ocorrer uma mudança nessa esfera. Os
bancos tinham, então, a pior das reputações. Seus funcionários eram
considerados chatos e apáticos e poucos acreditavam que os bancos
despertariam desta profunda letargia. Compreensivelmente, os investidores
não mostravam nenhum interesse por essas ações.

Soros, porém, havia feito seu dever de casa e descoberto que uma geração
totalmente nova de banqueiros, recém-saídos das melhores escolas de
administração e prontos para atuar agressivamente em nome de seus
patrões, estava assumindo, silenciosa mas decisivamente. Estes novos
administradores enfocavam a última linha - e isso tinha tudo para melhorar
as perspectivas das ações dos bancos. Os gerentes estavam usando novos
instrumentos financeiros e os desempenhos dos bancos começaram a subir.
As ações, porém, eram vendidas sem virtualmente nenhum prêmio. Muitos
desses bancos haviam atingido o limite de sua capacidade de alavancagem.
Para continuar a crescer, eles precisariam de mais recursos próprios.

Em 1972, o First National City Bank ofereceu um jantar para analistas em


valores mobiliários exibindo uma agressividade sem precedentes. Para seu
óbvio dissabor, Soros não foi convidado. Mas o jantar incitou-o a agir. Ele
escreveu um relatório e intitulou-o “O Caso dos Bancos em Crescimento”,
argumentando que, apesar de as ações dos bancos não estarem indo a lugar
nenhum, elas estavam para decolar - ao contrário do que os outros
pensavam. Cronometrando para que a publicação do relatório coincidisse
com o jantar do banco, Soros expôs seus argumentos para ficar por trás
daquelas ações. Ele recomendou alguns dos bancos melhor administrados.
Com o tempo, o preço das ações começou a subir e Soros acumulou um
lucro de 50%.

A reviravolta dos bancos marcou o início da grande explosão de


empréstimos dos anos 70, uma explosão que estimulou a expansão e a
amalgamação da América corporativa nos anos 80. Em conformidade com
sua teoria da reflexividade, Soros havia identificado o início da
prosperidade em um ciclo de prosperidade/colapso.

Procurando também economias estrangeiras que estivessem para dar um


salto gigantesco à frente, Soros tinha a intenção de capitalizar nos mercados
de ações estrangeiros. Que países estavam abrindo seus mercados ao capital
estrangeiro, que países estavam promovendo novas políticas de
estabilização econômica, quais estavam comprometidos com a reforma do
mercado?

Soros esperava colher uma vantagem para si mesmo, entrando no nível do


atacado. “Como qualquer bom investidor”, disse um antigo companheiro,
“ele estava tentando comprar uma moeda de 25 centavos por um níquel”.
Quando havia mercados imaturos, como na França, na Itália e no Japão,
Soros voltava para lá sua mira. Ele esperava investir de seis a 18 meses
antes dos outros.

Seguindo esse raciocínio, ele comprou valores mobiliários japoneses,


canadenses, holandeses e franceses. Durante um período de 1971, um
quarto dos ativos do Soros Fund foram investidos em ações japonesas, um
jogo que compensou quando o fundo dobrou seu capital.

Soros e Rogers selecionavam suas ações com muita astúcia. Em uma


ocasião em 1972, um conhecido informou a Soros que um relatório privado
do Departamento de Comércio descrevia a dependência crescente dos
Estados Unidos de fontes externas de combustíveis. Assim, o Soros Fund
comprou grandes quantidades de ações de companhias que atuavam no
setor de extração de petróleo, de equipamentos para campos de petróleo e
de companhias de carvão. Um ano mais tarde, em 1973, veio o boicote dos
árabes, o que fez com que as ações do setor energético disparassem.
Em 1972, Soros e Rogers também previram a crise do setor de alimentação
e, depois de comprar ações de companhias de fertilizantes, equipamentos
agrícolas e processamento de grãos, obtiveram lucros impressionantes.

E a cadência continuava. Mais ou menos nessa mesma época, Soros e


Rogers identificaram maliciosamente a indústria de defesa americana como
uma fonte de investimento potencialmente rentável.

Em outubro de 1973, Israel foi pego de surpresa pelas forças armadas


egípcias e sírias que lançaram grandes ataques ao estado judeu. Nos
primeiros dias da guerra, Israel ficou na defensiva, sofrendo milhares de
baixas e perdendo muitos aviões e tanques. Havia uma certa indicação de
que a tecnologia militar de Israel estava obsoleta. Ocorreu a Soros que a
tecnologia americana também poderia estar obsoleta. E, ao perceber que
seus equipamentos eram antiquados, o Pentágono teria de gastar altas somas
para revitalizá-los.

Essa tese tinha pouco apelo à maioria dos investidores. As empresas do


setor de defesa haviam perdido tanto dinheiro com o fim da guerra do
Vietnã que os analistas financeiros não queriam nem ouvir falar delas.

No início de 1974, Rogers começou a manter os olhos especialmente


abertos em relação àquela indústria. Seu potencial encorajou-o a colocar o
pé na estrada. Ele foi para Washington, conversou com representantes do
Pentágono e viajou para encontrar empreiteiros do setor em todo o país.
Soros e Rogers ficaram ainda mais convencidos de que estavam certos - e
que os outros iriam perder algo muito grande.

Em meados de 1974, George Soros começou a desencavar ações do setor de


defesa.

Ele comprou Northrop, United Aircraft e Gruman. E, embora a Lockheed


estivesse ameaçada de extinção, Soros apostou na empresa, investindo nela
no final de 1974.

Ele e Rogers obtiveram uma informação vital sobre estas companhias.


Todas elas tinham grandes contratos que, quando renovados,
proporcionariam ganhos adicionais nos próximos anos.
No início de 1975, o Soros Fund começou a investir em firmas que
forneciam equipamentos eletrônicos para guerra. As perdas de aviões
israelenses durante a guerra do Yom Kippur deveram-se em grande parte à
falta de medidas defensivas eletrônicas sofisticadas, necessárias para
neutralizar os armamentos de fabricação soviética em poder dos árabes.

Soros e Rogers não deixaram esse fato passar despercebido.

Notaram também que o campo de batalhas moderno estava mudando


fundamentalmente. Todo um novo arsenal de equipamentos modernos era
agora desenvolvido segundo a tecnologia mais avançada: sensores e
projéteis de artilharia guiados por laser e “bombas inteligentes".

Tudo isto custaria muito dinheiro. Soros e Rogers estavam certos, o que
resultou em ganhos para o fundo.

***

Qual era o segredo de Soros neste momento crítico?

Para começar, infinita paciência.

Depois, uma percepção altamente desenvolvida de onde encontrar “ouro”


no mercado de ações. Todo mundo procurava “ouro”, todo mundo tinha
uma teoria sobre onde ele poderia ser encontrado. Soros, porém, tinha sua
antena sintonizada nos movimentos do mercado financeiro, procurando
todo o tempo por sinais misteriosos de que alguma coisa estava em marcha.

Quando captava o sinal, corria para ele, sem nunca revelar para ninguém
por que estava caminhando em uma direção e não em outra, testando seus
instintos contra a realidade do mercado.

Ele sabia que era bom.

Tudo o que tinha a fazer era olhar a última linha, ano após ano.
9. O GRANDE SALTO

Por volta de 1975, George Soros começava a ser notado na comunidade de


Wall Street. Mais precisamente, seu talento em ganhar dinheiro estava
atraindo atenções. Poucos tinham dúvidas de que ele se destinava à
grandeza.

Allan Raphael, que trabalhou com Soros na década de 1980, observou que:
“Ele trabalhava muito. Tinha visão das coisas. Era agressivo. Simplesmente
excedia na sua profissão. Essa é uma área que não se presta
necessariamente ao raciocínio lógico, racional. É um processo intuitivo. É
uma área em que a soma de sua experiência pode fazer a diferença e acho
que George é dotado de todas estas habilidades.”[1]

Embora algumas pessoas em Wall Street estivessem começando a conhecer


Soros, ele ainda permanecia virtualmente anônimo no mundo exterior.

Com boas razões.

Ao contrário do final dos anos 80 e dos anos 90, os investidores de monta


naquela época passavam quase despercebidos. Naquela época, porém, a
mídia comercial preocupava-se muito menos em acompanhar cada
movimento de Wall Street. Consequentemente, ela estava muito menos
interessada nas grandes personalidades dos mercados financeiros - ao
contrário dos dias de hoje, quando suas carreiras, juntamente com suas
vidas pessoais, são intensamente esmiuçadas.

Mesmo que a mídia tivesse agido mais persistentemente, o sentimento de


Soros e da maioria de seus colegas de Wall Street em relação a ela seria de
grande suspeita. Eles queriam o mínimo possível de publicidade. Investir
era considerado um ato muito particular.

Ademais, era amplamente assumido em Wall Street que o simples fato de


atrair publicidade seria uma brincadeira ruidosa, um beijo de morte que,
embora inicialmente sedutor, poderia eventualmente levar ao abismo. A
sabedoria popular dizia que a pior sorte que poderia assolar um investidor
de Wall Street seria ter seu rosto na capa de uma revista de grande
circulação. A fama não apenas tinha seu preço, como também poderia ser
fatal.

Então George Soros procurava manter-se longe dos refletores, uma postura
com a qual ele parecia perfeitamente à vontade. “Nunca em minha
experiência com ele”, disse o amigo de longa data Byron Wien, “George
procurou a autopromoção, nem mesmo quando isto lhe traria algum
benefício.”[2]

Mas no dia 28 de maio de 1975, o The Wall Street Journal fez brilhar uma
luz resplandecente sobre George Soros em uma reportagem de capa
altamente elogiosa:

Reversão de Tendências: Fundo de Valores Mobiliários

Foge dos Padrões de Wall Street e

Prospera em Anos Difíceis

Soros Fund Dá a Estrangeiros Grandes Lucros

Detectando Alterações Básicas em atividades:

Armamentos Israelenses Responsáveis pelas Pistas

Será que o artigo do Journal condenaria Soros à ruína? Será que sua sorte
mudaria? Ele mesmo tinha a premonição de que a atenção da mídia lhe
seria danosa - embora na verdade tivesse todos os motivos para estar
satisfeito com aquele artigo, cujo teor mostrava a mente financeiramente
independente de Soros, afirmando que essa independência havia acumulado
altos lucros para o Soros Fund.

A preparação para o artigo havia deixado Soros de muito mau humor.


Quando o repórter do Journal chegou para a entrevista, Soros reclamou de
uma dor crônica nas costas, que, segundo afirmou, piorava sempre que o
Soros Fund passava por dificuldades. “Gerenciar dinheiro é de uma certa
maneira o negócio mais inclemente que existe”, afirmou ele, em tom
amargo. “Não dá para usar truques ou mesmo amenizar uma situação
porque o placar é verificado todos os dias.”[3]

Depois, em um comentário intrigante, dado o sucesso incrível e duradouro


que seu fundo atingiu posterior mente, Soros soou pessimista em relação ao
futuro.

“Quem sabe por quanto tempo mais o fundo continuará a colher bons
resultados? A história mostra que todos os gerentes de fundos acabam por
se queimar e eu tenho certeza de que o mesmo acontecerá conosco também
um dia. Só espero que não seja nesta tarde.”

A história começou com Soros sorrindo para seu terminal de cotações. Ele
estava prestes a vender inúmeras ações de uma conhecida empresa de
produtos para a construção. Esperava que o preço caísse. As grandes
instituições estavam tentando comprar todas as ações que ele vendesse.

“Veja como os departamentos fiduciários dos bancos saem atrás”, disse


Soros sorrindo. “Por quê? Eu apenas propus vender algumas ações meio
ponto acima do preço da última venda e alguém pulou na frente para agarrar
a oportunidade.”[4]

Nas semanas seguintes, o preço das ações caiu, proporcionando a Soros um


ótimo lucro. Os compradores mais afoitos amargaram prejuízo.

Moral da história? Esse tipo de independência por parte de George Soros


era um procedimento operacional padrão.
“O mercado de ações sempre está errado, portanto se você copiar tudo o
que os outros fazem em Wall Street, estará fadado a um péssimo
desempenho."

Num elogio a Soros e Rogers, o Journal entoou:

“Ao longo dos anos, esta dupla vem mostrando uma aptidão para comprar
ações antes de elas entrarem em voga e por livrar-se delas no pico de sua
popularidade. Eles em geral ignoram ações amplamente adquiridas pelos
grandes fundos mútuos, departamentos fiduciários de bancos e outras
instituições - exceto como oportunidade de venda a descoberto.”

Depois foi a vez de Soros vangloriar-se:

“Começamos com a suposição de que o mercado de ações sempre está


errado, de forma que se você copiar tudo o que os outros fazem em Wall
Street, estará fadado a um péssimo desempenho. Quase todos os analistas
de valores mobiliários em Wall Street são meros propagandistas das
administrações das empresas, plagiando seus relatórios de investimentos
dos relatórios anuais das empresas, raramente revelando qualquer coisa de
valor. ”

E onde fica George Soros?

Livre para impor sua própria marca de pensamento independente. E com


que sucesso!

As grandes instituições observaram pasmas o valor de suas posses ser


reduzido à metade em 1973 e 1974. Enquanto isso, Soros teve anos
maravilhosos, mostrando ganhos de 8,4% em 1973 e de 17,5% em 1974.

Robert Miller, um amigo próximo de Soros naquela época, lembra que


Soros “tinha aptidão para descobrir idéias antes que elas ficassem famosas e
para ver além de todas as nuvens cinzas onde estavam os horizontes mais
brilhantes ... Ele sabia exatamente por que deveria ou não comprar. Uma
outra grande habilidade que George tem é sair fora rapidamente quando
descobre que está na situação errada”.[5]

Um dos jogos favoritos do Soros Fund era ficar vendido. Ele admitiu que
tinha “um prazer malicioso”[6] em ganhar dinheiro vendendo a descoberto
as ações favoritas das instituições. O fundo apostava contra várias grandes
instituições e assumia posição vendida com relação a algumas favoritas.
Estas ações acabavam por afundar, proporcionando muitos ganhos em
dinheiro para o fundo.

O jogo de Soros na Avon foi considerado um exemplo clássico de como


colher benefícios na posição de vendido. Para vender as ações a descoberto,
o Soros Fund tomou emprestado dez mil ações da Avon ao preço de
mercado de US$120, que depois caiu rapidamente. Dois anos mais tarde,
Soros comprou as ações de volta ... por US$20 cada, fazendo novamente
uso da antiga prática, vendendo um níquel por 25 centavos. Aquele lucro de
US$100 por ação rendeu ao fundo US$1 milhão.

A chave foi detectar uma tendência cultural: Muito antes dos ganhos da
Avon começarem a diminuir, ele percebeu que o envelhecimento da
população significaria muito menos vendas para a indústria de cosméticos.

Soros explicou com alegria: “No caso da Avon, os bancos não conseguiram
perceber que a explosão no setor de cosméticos no pós-guerra havia
terminado porque o mercado estava finalmente saturado e crianças não
costumam usar maquiagem. Foi uma outra mudança básica que para eles
passou despercebida.”[7]

Soros foi capaz de prever fusões na indústria ferroviária americana. E


quando os outros previram que a cidade de Nova Iorque iria falir, ele teve
lucros com títulos relacionados àquela municipalidade. Mas certamente
também houve fracassos. Às vezes ele colocava muita munição em
avaliações por demais otimistas dos gerentes de empresas durante as visitas
que fazia às fábricas em companhia deles. O único motivo de ele ter
comprado ações da Olivetti foi uma reunião que ele teve com representantes
da empresa - da qual ele se arrependeu. As ações não tiveram o
desempenho esperado.
Especular com moedas estrangeiras também mostrou-se uma proposição
perdedora; o mesmo ocorreu com a compra de opções. A dupla Soros-
Rogers perdeu US$750 mil com a Sprague Electric, por acreditar
equivocadamente que as ações dos semicondutores iriam subir. Rogers
explicou: “Foi apenas um caso de análise incorreta mais o fato de que
compramos uma empresa marginal na indústria de semicondutores e não
uma das maiores.”[8]

Ainda assim, aquele sistema funcionava. Se o início da década de 1970


mostrou-se perigoso para muitos em Wall Street, George Soros foi uma das
notáveis exceções. De janeiro de 1969 a dezembro de 1974, as ações do
fundo quase triplicaram de valor, passando de US$6,1 milhões para US$18
milhões. Em cada um daqueles anos, houve registro positivo.

Compare estes números com o índice das ações 500 da Standard & Poor,
que, durante o mesmo período, caiu 3,4%.

Em 1976, o Soros Fund subiu 61,9%. Depois, em 1977, enquanto o Dow


perdia 13%, o Soros Fund subia 31,2%.

No final de 1977 e início de 1978, Soros e Rogers decidiram novamente


assumir posições na área de tecnologia e defesa, uma visão bastante
incomum, já que a maioria dos traders de Wall Street não queria nem sequer
tocar nessas questões.

“Lembre-se”, disse Barton Biggs, da Morgan & Stanley, “o presidente na


época era Jimmy Carter falando de direitos humanos. George já falava
naquelas ações 18 meses antes.” Soros censurou-se por ter chegado tarde,
mas mesmo assim chegou virtualmente sozinho.[9]

Em 1978, o fundo apresentou um retorno de 55,1% e seu ativo subiu para


US$103 milhões; no ano seguinte, 1979, a alta foi de 59,1% com ativos
chegando a US$178 milhões. A estratégia high-tech de Soros ainda estava
bastante viva - e não mostrava sinais de esgotamento.

Em 1979, Soros mudou o nome do fundo, que passou a chamar-se Quantum


Fund, em homenagem ao princípio de Heisenberg sobre a incerteza na
mecânica quântica. Esse princípio afirma que é impossível prever o
comportamento de partículas subatômicas na mecânica quântica, uma idéia
que combinava com a convicção de Soros de que os mercados estavam
sempre em estado de incerteza e fluxo e que era possível ganhar dinheiro
descontando o óbvio, apostando no inesperado. O fundo teve um
desempenho tão bom que cobrava um prêmio com base na oferta e procura
de suas ações.

***

Inevitavelmente, quando alguém ganha tanto dinheiro quanto Soros, as


pessoas começam a questionar se todas as suas atividades financeiras são
lícitas. Vez por outra, ao longo dos anos, ele teve algumas alterações com a
Securities and Exchange Commission, mas nenhum contratempo
significativo.

Um deles, porém, no final da década de 1970, pareceu sério.

A SEC investiu contra ele na Corte de Nova Iorque alegando manipulação


de ações. As acusações eram fraude civil e violação das cláusulas
antimanipulação da lei federal de valores mobiliários.

Segundo a SEC, Soros levou o preço das ações da Computer Sciences a


uma queda de 50 centavos por ação um dia antes de uma oferta pública em
outubro de 1977. Ele sabidamente forçou um corretor a vender
agressivamente ações da Computer Sciences, disse a SEC. O corretor
vendeu 22.400 das 40.100 ações do fundo, o que, segundo o processo,
respondeu por 70% das atividades com a Computer Sciences naquele dia,
11 de outubro de 1977.

A SEC acrescentou que o preço da oferta anunciado previamente baseou-se


no preço “artificialmente baixo” da comercialização ao final do dia,
US$8,375 por ação. A Jones Foundation, corporação sem fins lucrativos
com sede na Califórnia, em 11 de junho de 1977, havia feito a oferta,
concordando em vender 1,5 milhão de suas ações ao público e outros 1,5
milhão para a Computer Sciences pelo mesmo preço da oferta pública.

Assim, a alegada manipulação pode ter custado à fundação


aproximadamente US$7,5 milhões.

A SEC disse que o Soros Fund comprou 155 mil ações do gerente da
proposta e outras 10 mil ações de outros corretores, a preços mais baixos.
No dia da proposta e mais tarde naquele mesmo mês, Soros ordenou a
compra de mais 75 mil ações da Computer Sciences para manter o preço
por ação em US$8,375 ou acima e induzir “os outros a comprar” a ação,
alegou a SEC.

O caso terminou quando Soros assinou um acordo no qual nem admitia nem
negava as acusações. Ele argumentou que poderia perder muito tempo e
dinheiro para brigar com a SEC. Soros foi citado em um artigo de revista
em 1981 argumentando que “a SEC não pode acreditar que é possível
alguém ter um desempenho tão bom quanto o meu sem fazer algo errado,
então eles saíram à procura de alguma coisa na qual se agarrar”.[10]

A Fletcher Jones Foundation, da Califórnia, também abriu um processo


contra Soros, alegando que havia sofrido perdas substanciais por causa do
declínio no valor das ações. Soros e a fundação chegaram a um acordo de
US$1 milhão.

O caso não deteve Soros. Na verdade, esse não teve nenhum efeito visível
sobre seus ganhos.

Soros saiu-se bem no mercado britânico de moedas. Ele vendeu libras no


pico. Fez grandes jogadas nas corporações britânicas - títulos, então em
grande demanda, que podiam ser comprados por uma mera fração de seu
valor total. Soros comprou um grande número deles, o valor informado foi
de US$1 bilhão. Com essa jogada, ganhou US$100 milhões.[11]

Em 1980, dez anos depois de sua criação, o fundo teve um ano incrível,
com um aumento de 102,6%; naquela época, o fundo já atingia US$381
milhões. A fortuna pessoal de George Soros ao final de 1980 era de US$100
milhões.
Ironicamente, os principais beneficiários da proeza de Soros, além dele
próprio, eram uns poucos milionários europeus, as mesmas pessoas que
forneceram o capital para o Soros Fund no seu início. “Estas pessoas não
precisaram de nós para ficar ricas”, declarou Jimmy Rogers. “Mas nós a
tornamos extremamente ricas.”[12]
10. CRISE DE IDENTIDADE

Por volta do final da década de 1970, com o Soros Fund apresentando um


desempenho magnífico, George Soros parecia estar voando alto. Segundo
qualquer lógica, ele deveria estar em condições de relaxar e alcançar um
certo equilíbrio em sua vida. Mas não estava. Embora seus pais tivessem se
dedicado totalmente a ele e a seu irmão, ele, ao contrário, não podia fazer o
mesmo com sua esposa e seus filhos. Totalmente envolvido pelo seu
trabalho, ele tinha pouco tempo para a esposa e menos ainda para os filhos.
[1]

Em 1977, seu casamento começou a desmoronar. De acordo com Soros,


“Eu me identificava com meu fundo; ele dependia de mim e eu vivia com
ele, dormia com ele ... ele era meu soberano. Era um medo de perder e a
angústia de estar errado que eu estava tentando evitar. Era um modo de vida
miserável.”

Um ano mais tarde, 1978, ele se separou da mulher.

No mesmo dia da separação, encontrou uma mulher de 22 anos chamada


Susan Weber, que havia conhecido há algum tempo durante um jantar. O
pai dela fabricava bolsas, sapatos e acessórios em Nova Iorque. Susan havia
estudado história da arte no Barnard College, ajudando depois a produzir
documentários sobre Mark Rothko e Willem de Kooning, pintores do
século XX. “Eu acabei de me separar da minha esposa”, anunciou Soros.
“Você gostaria de almoçar comigo?” Ele e Susan casaram-se cinco anos
mais tarde em uma cerimônia civil em Southampton, Long Island.

Em 1979, Soros tinha apenas 49 anos. Ele já possuía todo o dinheiro que
precisaria para viver, mas começou a sofrer as tensões do seu trabalho. O
fundo havia crescido tanto que mais empregados eram necessários. O
quadro original de três funcionários tinha agora uma dúzia. Ele não era mais
parte de uma pequena instituição onde só precisava conversar com uma ou
duas pessoas. Agora ele precisava preocupar-se com algo novo: delegar
responsabilidade aos outros, uma habilidade que, de acordo com alguns de
seus conhecidos, ele tinha em pequena escala.

Com o caixa aumentando, mais e mais decisões tinham de ser tomadas


sobre como investi-lo. Não era fácil determinar a série correta de ações
promissoras.

E mais. Rogers começava a irritá-lo. Eles sempre conseguiram superar suas


diferenças, mas agora surgiam novas tensões. Rogers não vibrava com a
idéia de administrar uma empresa tão grande. O estopim da crise aconteceu
quando Soros tentou trazer para a empresa um outro sócio, alguém que ele
pudesse treinar para ser seu sucessor. Rogers rejeitou a idéia. “Ele não
aprovava ninguém que eu sugerisse e não tolerava mais ninguém por
perto”, disse Soros. “Ele tornava a vida extremamente difícil para as outras
pessoas.”[2]

A dissolução da sociedade foi irônica, pois 1980 foi o ano de maior sucesso
para Soros e Rogers. Mas em maio daquele ano, Rogers deixou a empresa,
levando com ele uma participação de 20% avaliada em US$14 milhões; os
80% de Soros valiam US$56 milhões.

Oficialmente, Rogers explicou sua saída sugerindo que o fundo havia


crescido tanto que, com tantos funcionários, ele tinha que passar grande
parte do seu tempo decidindo quando conceder férias e aumentar salários.
Nem Soros nem Rogers deram maiores explicações em público sobre o que
provocou o rompimento.

Em uma rápida conversa comigo, Rogers mostrou pouco interesse em


vasculhar o passado. Pelo tom de sua voz, era absolutamente evidente que a
memória ainda estava muito viva, ainda muito amarga.[3]

***
Soros chegou a questionar se valia a pena levar a empresa adiante.

Ele já tinha muito mais dinheiro do que era possível gastar. A rotina do dia-
a-dia estava começando a incomodá-lo; ele sentia a pressão de jogar com o
dinheiro dos outros, de presidir mais funcionários do que havia pedido. E
para quê? Onde estavam as recompensas? Onde estava a alegria? Soros
admitiu estar “na verdade, um tanto esgotado”. Depois de 12 anos incríveis,
depois de lutar para alcançar o topo da montanha, ele percebeu que a vida
como investidor simplesmente não era suficiente para satisfazê-lo.[4]

“Finalmente, em 1980, quando não era mais possível negar meu sucesso,
tive uma espécie de crise de identidade. De que adianta toda esta dor e
tensão se não posso desfrutar do meu sucesso?, perguntei a mim mesmo. Eu
preciso começar a aproveitar os frutos do meu trabalho, mesmo que isto
signifique destruir a galinha dos ovos de ouro.”[5]

A crise de identidade de Soros afetou seus negócios. Ele mudava de idéia


cada vez mais rapidamente quando um investimento parecia não ser mais
satisfatório. Ele mantinha posições por tempo demais. Durante muito
tempo, beneficiou-se de contatos de alto nível, mas agora parecia estar
conversando com as pessoas erradas, ou pelo menos era disto que seus
críticos o acusavam. Na verdade, ele estava tendo um contato razoável com
representantes do governo, especialmente com o presidente do Federal
Reserve, Paul Volker. “Pedir conselho sobre investimentos ao pessoal do
governo”, observou o gerente monetário Gerry Manolovici, que mais tarde
aderiu ao Soros Fund, “só poderá colocá-lo em um asilo de indigentes.”[6]

No verão de 1981, ninguém imaginava que o Soros Fund rumava para um


asilo de indigentes. Alguns, porém, tinham preocupações concretas de que
nem tudo ia bem. Logo depois veio o fiasco de mercado dos títulos
americanos.

Os problemas de Soros com o mercado de títulos americanos haviam


começado no final de 1979, quando Paul Volker decidiu quebrar a espinha
dorsal da inflação. As taxas de juros subiram de 9 para 21% e Soros estava
razoavelmente certo de que a economia sofreria com isso. Quando os títulos
recuperaram sua força naquele verão, Soros começou a comprá-los. Títulos
do Tesouro com vencimento em 2011 subiram para US$109 em junho. Os
preços, no entanto, caíram para US$93 no final daquele verão.

Soros vinha apostando que as taxas de juros de curto prazo subiriam mais
do que as taxas de juros de longo prazo; isso seria prejudicial à economia,
pois forçaria o Federal Reserve a reduzir as taxas de juros para melhorar a
posição de seus títulos. A economia, porém, permaneceu forte por muito
mais tempo do que ele havia previsto e as taxas ficaram ainda mais altas.

Soros não teria tido nenhum problema se tivesse conseguido sustentar um


“carregamento positivo” nas posições de título que ele havia assumido para
fins de alavancagem. Enquanto o rendimento do título fosse maior do que o
custo de um empréstimo junto ao corretor, o saldo do rendimento seria
positivo e, portanto, rentável. Soros aparentemente adquiriu suas posições
quando as taxas estavam em 12%. Quando, porém, o rendimento dos títulos
subiu para 14%, e rapidamente para 15%, as taxas de juros subiram para
20%, criando um carregamento negativo; com isso os lucros cessaram.
Soros estava perdendo de três a cinco pontos percentuais em cada um dos
títulos que ele detinha naquele ano. As estimativas foram de que isso custou
a seus clientes US$80 milhões.

Altamente alavancado, ele encontrou clientes que começavam a sentir


medo; vários clientes-chave da Europa decidiram sair do fundo. Um
companheiro de Soros lembra que “ele se sentiu derrotado. Sentiu-se
forçado a tomar as decisões erradas no momento errado. Ele sempre diz que
você só deve ficar no mercado se estiver disposto a qualquer tipo de
esforço. Ele estava disposto, emocional e psicologicamente, a qualquer tipo
de esforço, mas seus investidores não. Ele percebeu que o seu calcanhar de
Aquiles era esse grupo de investidores não-confiáveis. Ser derrotado pelos
mercados incomodava-o muito, incomodava-o perder dinheiro, mas nada
chegava perto da desilusão que ele sentiu em relação às pessoas que o
abandonaram. Ele não sabia se mantinha ou não seus negócios”.

Ironicamente, a previsão de Soros de que a economia enfrentaria períodos


difíceis estava correta - mas isso só ocorreu seis a nove meses depois do
momento por ele determinado. Sua previsão de que as altas taxas de juros
levariam à recessão foi validada, mas só em 1982, muito depois dos
pesados golpes que ele sofreu nas suas posições.

Para aumentar ainda mais a dor e intensificar o desconforto que Soros


sentiu naquele horrível verão de 1981, uma revista do ramo publicou uma
elogiosa reportagem de capa sobre Soros, descrevendo-o em termos
glamorosos - às vésperas de todos aqueles contratempos.

***

Foi em junho de 1981 que Soros apareceu na capa de Institutional Investor.


Ao lado de seu rosto sorridente na capa da revista estava escrito: “O maior
administrador de fundos do mundo.”

O subtítulo dizia: “George Soros nunca teve um ano ruim e os anos de bom
desempenho têm sido incríveis. Vamos ver como ele enfrentou as
tendências do setor de administração de fundos na última década e, no
processo, acumulou uma fortuna pessoal de US$100 milhões.”.

O texto da história sugeria que Soros era uma superestrela dos negócios:
“George Soros está para a administração de fundos assim como Borg está
para o tênis, Jack Nicklaus para o golfe e Fred Astaire para o sapateado.”.

O artigo explicava como Soros havia construído sua fortuna. Com ativos de
apenas US$15 milhões em 1974, o Soros Fund chegou a US$381 milhões
ao final de 1980. “Depois de doze anos administrando o capital de clientes
como Heldring & Pierson, em Amsterdã, e o Banco Rothschild, em Paris,
Soros nunca teve um ano ruim; em 1980, o fundo rendeu surpreendentes
102%. Soros transformou sua taxa de administração em uma fortuna
pessoal de aproximadamente US$100 milhões.”[7]

Os que leram o artigo provavelmente pensaram que Soros fosse uma


espécie de enigma, um mágico que não revelava seus segredos, cheio de
truques, mas não desonesto, esperto e até mesmo brilhante. Conforme
observou o autor: “Para aumentar o mistério que ronda os registros (de
Soros}, ninguém sabe realmente ao certo onde será sua próxima jogada nem
quanto tempo ele fica com um investimento. Como gerente de fundos
offshore, ele não está obrigado a registrar-se na SEC. Evita os profissionais
de Wall Street. E aqueles que realmente o conhecem pessoalmente,
admitem que nunca se sentiram particularmente próximos do homem.
Quanto à fama, todos concordam que ele pode viver muito feliz sem ela.”.

Durante muito tempo, Soros recusou-se a conceder entrevista à Institutional


Investor para sua reportagem de capa. Ao consentir com a entrevista, ele
comentou: “você está lidando com um mercado. E preciso ser anônimo.”[8]

***

E como Soros gostaria de ter continuado anônimo naquele verão. E no


entanto, lá estava ele, uma figura pública emergente. O maior administrador
de fundos do mundo estava tendo muito trabalho para administrar finanças.

As perdas de Soros naquele verão machucaram-no profundamente. A


revista Forbes escreveu na edição de 12 de outubro de 1981: “Um mundo
que não conhecesse seus triunfos não daria atenção às suas dificuldades.”.
Graças àquela reportagem de capa na Institutional Investor, o mundo todo
passou a conhecer os triunfos de George Soros. E assim o mundo inteiro
parecia estar de olho nele naquele verão.

O perigo de uma revolta maciça de clientes dava indícios de estar


aumentando. Embora Soros tivesse feito inúmeras viagens à Europa para
tentar dissuadir um importante cliente suíço a não deixar o fundo, este
jogou a toalha. E outros o acompanharam. Um companheiro daquela época
disse: “Foi sua primeira experiência com o que até então eram clientes leais,
os sócios que o abandonavam naquele momento. Naquele verão, ele sentiu
uma amargura enorme em relação às pessoas para quem ele havia ganho
muito dinheiro nos dez ou quinze anos anteriores. Ele se sentiu muito
vulnerável aos pedidos de resgate e, durante muito, muito tempo, deixou de
solicitar dinheiro ativamente.”

O ano de 1981 foi o pior do fundo. As ações do Quantum caíram 22,9%, o


primeiro e único ano em que o fundo não mostrou lucro em relação ao ano
anterior. Muitos investidores eram, segundo palavras de um observador,
“europeus volúveis à caça de desempenho”. Eles temiam que Soros
estivesse perdendo o seu controle e um terço deles retirou-se do fundo.
Soros admitiu mais tarde que não podia culpá-los. Sua saída reduziu quase à
metade o valor do fundo - para US$193,3 milhões.[9]

Nada mais natural que George Soros falasse em parar. Ele pensou muito
sobre o que fazer. Estava tentado a abrir mão de todos os seus clientes. Pelo
menos assim ele não precisaria enfrentar futuras debandadas.

Soros sentia que havia chegado o momento de dar início ao livro que há
muito queria escrever. Ele já tinha até um título provisório. Iria chamá-lo de
The Imperial Circle (O Círculo Imperial).
11. O CÍRCULO IMPERIAL

Depois que Ronald Reagan assumiu a presidência em janeiro de 1981,


Soros ficou fascinado ao ver o novo presidente de tendência conservadora
embarcar em uma campanha para engordar as defesas dos Estados Unidos -
sem elevar impostos - como parte de um esforço renovado de endurecer
com os soviéticos. Como a nova política de Reagan afetaria a economia
americana? Será que esse poderia ser o começo de uma outra sequência de
prosperidade/colapso?

Sim, Soros acreditava, certamente que sim.

O comentarista de televisão Adam Smith pediu para Soros explicar quando


ele sabia que uma dessas sequências de prosperidade/colapso estava tendo
início. “O senhor escuta um sino tocar quando lê os jornais matutinos?”
Smith perguntou ao investidor: “Como é que a coisa funciona?”

Primeiro, disse Soros, tais sequências não ocorrem todos os dias. A nova
política de Reagan, porém, que ele chamava de “Círculo Imperial de
Reagan”, prometia colocar uma delas em movimento. O Círculo Imperial,
escreveu ele, era um “círculo benigno no centro e um círculo vicioso na
periferia de um sistema mundial baseado num dólar forte, numa economia
americana forte, num crescente déficit orçamentário, num crescente déficit
comercial e em altas taxas de juros para o setor imobiliário”.[1] E, observou
Soros, “você tinha aí um processo auto-reforçador ... que era, porém,
insustentável e teria que, um dia, ser revertido. Então era uma espécie de
sequência de prosperidade/colapso.”[2]

Talvez por ter percebido alguma coisa, Soros estava entusiasmado, mas não
a ponto de continuar a administrar o fundo em tempo integral. Antes de se
retirar, ele sabia que tinha de colocar o fundo em mãos competentes.

Ele passou a maior parte de 1982 procurando a pessoa certa. Finalmente


encontrou-a no distante estado de Minnesota. Jim Marquez era então um
jovem excepcionalmente brilhante, de 33 anos, que vinha administrando um
grande fundo mútuo com base em Mineápolis chamado IDS Progressive
Fund. Marquez não tinha nada de incompetente. Naquele ano, o fundo
havia atingido US$150 milhões, 69% de aumento, tornando-o o campeão
dos fundos mútuos de 1982. Soros e Marquez encontraram-se pela primeira
vez no início daquele ano e depois outras 15 vezes, todas em 1982.

Em cada um dos encontros, sempre que Soros fazia o jovem gerente de


fundos passar por uma sessão de “ginástica mental”, Marquez sentia que
estava cada vez mais perto de receber uma oferta de trabalho. Mas primeiro
Marquez participou de uma série de seminários, em que foi sondado e
desafiado pelo mestre dos investimentos, que sempre perguntava a si
mesmo se o brilhante rapaz do centro- oeste era a pessoa certa.

“Para participar do jogo, você tem que estar disposto a suportar qualquer
esforço."

“George é um bom pensador”, Marquez disse-me na primavera de 1994, ao


final de um dia de trabalho no seu escritório em Park Avenue, Manhattan,
onde ele administrava seu próprio fundo de investimentos. “Muitas vezes,
ele gosta de saber se você consegue acompanhar seu pensamento
descobrindo aonde ele está indo e o que está fazendo. E há momentos em
que ele ... quer ver o teor do nosso próprio pensamento e qual a nossa
capacidade de enfrentar situações desagradáveis. Ele pegava um cenário
econômico, algo que estava realmente acontecendo naquele momento, e
descrevia-o. Depois dizia: ‘Dados estes estímulos e informações, qual a sua
resposta a este cenário? O que você faria?’.”[3]

Mesmo enquanto procurava alguém para substituí-lo, Soros continuava a


sentir uma agonia em relação a dedicar apenas meio período do seu dia aos
negócios. Para Marquez, quase não havia dúvidas de que Soros queria
aliviar sua carga pessoal. “Para participar do jogo, você tem que estar
disposto a suportar qualquer esforço”, Soros disse a ele mais de uma vez.
Marquez sentia que Soros não queria mais participar do jogo. Ele queria um
suplente. “Então eu acho que eu fui o primeiro suplente”, disse Marquez.

***

Ironicamente, por todos os problemas que Soros parecia estar enfrentando,


seu fundo teve um ano excelente em 1982. Conforme ele havia previsto, a
política de Reagan estimulou a economia americana e os mercados
financeiros tiveram um verão de alta, já que as taxas de juros baixaram e as
ações subiram. A parte da prosperidade da sequência de
prosperidade/colapso estava claramente visível. Ao final daquele ano, o
Quantum Fund havia rendido 56,9%, passando de US$193,3 milhões para
US$302,8 milhões em valor liquido do ativo. Soros estava quase de volta ao
nível de 1980 (US$381,2 milhões). Ainda assim, ele queria parar - pelo
menos por um tempo.

***

Marquez começou a trabalhar no dia 1 de janeiro de 1983. Soros entregou-


lhe metade de todo o dinheiro do fundo; a outra metade foi entregue a dez
gerentes externos. Além de cuidar de toda a comercialização doméstica,
Marquez dava suporte a Soros nos investimentos internacionais. E então
Soros ficava na retaguarda, Marquez trabalhava a todo vapor e havia mais
três outras pessoas mantendo o fogo aceso na sala de comercialização.

Apesar de Soros ter adotado um perfil mais discreto, ele vinha sempre ao
escritório. Ainda assim, passava longos períodos fora - seis semanas na
última primavera em Londres, um mês no Extremo Oriente ou na Europa no
outono. Os verões ficavam reservados para Southampton, Long Island.

Soros e Marquez pareciam bem sintonizados um com o outro. Soros


cuidava da macroanálise, vasculhando o grande quadro: política
internacional, políticas monetárias em todo o mundo, mudanças na inflação,
taxas de juros e moedas. Marquez, de sua parte, procurava atividades e
empresas que melhor aproveitariam os novos alinhamentos esperados.

“Na hora de escolher ações de uma empresa, escolha duas, mas não duas
quaisquer. Escolha a melhor e a pior."

Se a expectativa era de que as taxas de juros subiriam, por exemplo, Soros e


Marquez contatavam empresas que seriam afetadas. Daí então eles
assumiam posição vendido naquelas empresas. Soros empregava a técnica
de selecionar duas companhias em uma atividade para investimento. Mas
não duas quaisquer.

Uma tinha de ser a melhor companhia daquele ramo. Assim como o


principal jogador de uma equipe, as ações dessa empresa seriam compradas
primeiro e mais frequentemente levando o preço para cima. A outra tinha de
ser a pior companhia do ramo, a mais altamente alavancada, aquela com o
pior balanço. Investir nessa companhia oferecia a melhor chance de obter
grandes lucros quando as ações finalmente chegassem às mãos dos
investidores.

Os primeiros meses de 1983 foram uma “espécie de choque cultural” para


Marquez, um tempo durante o qual o novo gerente percebeu que “este
sujeito respeitável realmente me deu total autonomia, autoridade - e
dinheiro - e a corda para eu me enforcar”.

Preparando-se para o trabalho todas as manhãs, Marquez cumpria um ritual


às vezes no chuveiro, às vezes no caminho para o escritório: ele mapeava
cenários do que poderia acontecer naquele dia nos mercados financeiros,
para ele sua “estrutura de expectativas”, e a partir daí tirava conclusões
sobre o que comprar.

Quando o dia comercial terminava em Nova Iorque, Soros e Marquez


engajavam-se em sérias sessões de revisão, que quase sempre se estendiam
noite adentro. “Era estimulante”, observou Marquez, “mas muito
desgastante. Se há uma coisa em que George Soros é realmente bom é que
ele é capaz de olhar para você quando você está explicando alguma coisa e
saber quando você está racionalizando.”

Soros não parava nunca. Estava sempre interrogando seu braço direito
como se estivesse aplicando um exame oral a um aluno de doutorado.
“Você tem alguma idéia nova em relação ao que você pensava esta manhã?”
era quase sempre sua primeira pergunta, que depois era acompanhada de
uma bateria de questões, sondando, procurando descobrir por que Marquez
havia feito uma suposição equivocada. Marquez lembra das sessões de
análise como uma experiência aflitiva: “Por ele estar sempre à procura de
pontos fracos, tentava constantemente descobrir o que estava errado com a
minha história”.

“George tentava descobrir se o mercado atuava diferentemente do que você


havia previsto. Digamos que eu esperasse que as ações de um banco
subissem. Se essas ações começassem a andar de lado ou caíssem durante
um período qualquer, ele dizia: ‘Vamos examinar nossas suposições. Vamos
analisar os motivos que o levaram a agir desta maneira, por que você supôs
que isto fosse acontecer, depois vamos tentar conciliar tudo isto com o que
o mercado está dizendo.’”

Se a princípio Soros parecia ser uma eminência parda no escritório,


gradualmente ele começou a irritar Marquez “porque eu me sentia como se
estivesse sendo constantemente checado. Tinha que estar sempre pronto
para enfrentar minúcias intelectuais. Talvez minúcias não seja o termo
certo. Talvez devesse dizer verificações, uma sondagem constante. Depois
de um tempo, tudo isto é muito desgastante. Muito desgastante”.

“Muitas vezes você faz as coisas exatamente do modo como acha que ele
gostaria que elas fossem feitas e lá vem ele, como se fosse um professor
falando com um aluno, e diz: ‘Você não entendeu. Não era isso o que eu
quis dizer.’ Então você fica totalmente perturbado porque achava que havia
compreendido tudo perfeitamente.”

“Era muito fácil para ele ficar de mau humor. Ele tinha uma maneira de
olhar para a gente com olhos tão penetrantes que você sentia como se
estivesse sob um raio laser. Era como se ele conseguisse enxergar lá dentro
da gente. Ele sempre achava que eu precisava estar por perto, mas nunca
achava que eu fosse acertar; ele apenas me tolerava. Quase como se a gente
fosse um ser menor”.

“Tudo o que ele pedia era que a gente acreditasse no que ele dizia, que a
gente checasse e rechecasse, sempre. Ele tentava acertar a jugular dizendo:
‘Você ainda acredita naquilo que me falou ontem?’.”

Soros não tinha o hábito de elogiar os outros com facilidade, nem de dividir
os créditos quando um investimento dava certo.

“Dividir [créditos] com ele é uma luta constante”, afirmou Marquez. "Ele
imagina que esta é a liga principal e que, afinal, tudo é um exercício
econômico e não acadêmico. Seu sucesso está sendo determinado em
dólares e centavos e você está sendo pago para vender. ”

Trabalhar com Soros pode também ser intoxicante.

Para alguém de trinta e poucos anos, como Marquez, a vida que George
Soros levava era ... bem, diferente da dele.

Ele lembra com muito orgulho de quando Soros o convidou para


comparecer a uma reunião de conselho do Soros Fund na Irlanda. O local
era um castelo, o mesmo que Ronald Reagan visitou mais tarde como
presidente. “Era uma atmosfera muito refinada.” Durante o jantar com os
diretores, Marquez ouviu fascinado, enquanto Soros mudava tranquilamente
de uma língua para outra, do inglês para o francês, para o alemão,
dependendo da língua que um certo diretor falava.

Mas havia o perigo de se deixar hipnotizar trabalhando com um gênio como


ele. “Ele podia ser tão dominador intelectualmente que se você se
intimidasse, se você se tornasse uma pessoa que concordasse com tudo o
que ele falava, claramente não estaria fazendo nenhum bem, nem a você
nem a ele”, observou Marquez.

“Se você dissesse, eu quero ser um pequeno Soros, eu quero ser um


pensador mundial, quero ter grandes idéias, ser um grande gerente de
carteira e eu vou agir como ele age, estava claro que não era de você que ele
precisava no escritório. Talvez agora [1994] ele precise, mas não precisava
naquela época. Se você realmente deseja ser igual a esse sujeito por achar
que ele é um paradigma dos negócios, cuidado para não morder a isca,
porque tudo não passa de um engodo. Logo você perceberá que realmente
não está equipado, simplesmente não está equipado.”

Soros e Marquez tiveram um bom ano em 1983. O fundo agora estava em


US$385.532.688, um aumento líquido de US$75.410.714, ou 24,9% sobre
1982.

***

Naquele mesmo ano, George casou-se pela segunda vez. Sua noiva era
Susan Weber, de 28 anos. Segundo os relatos dos jornais, Soros chegou
atrasado porque estava jogando tênis.

Outros artigos na mídia davam conta de um momento embaraçoso durante a


cerimônia - que George poderia ter evitado se tivesse ensaiado o ritual.
Segundo estes artigos, quando o ministro perguntou a Soros se ele estava
disposto a dar a sua nova esposa todos os seus bens materiais, Soros ficou
pálido. Um dos filhos de Soros fingiu estar cortando a garganta,
aparentemente numa tentativa de sugerir a seu pai, em tom meio jocoso,
“Lá se vai sua fortuna.”. Soros olhou rapidamente para trás, à procura de
seu advogado William Zabel, como que dizendo: “Se eu repetir a
tradicional jura ‘Não importa o que venha a acontecer, eu te contemplo com
todos os meus bens terrenos’ estarei realmente obrigado a dar tudo o que
tenho a Susan?”. Zabel salvou-lhe a pele indicando que ele não estaria
correndo nenhum risco com aquela resposta. Apenas a título de garantia,
Soros murmurou em húngaro, “Sujeito aos termos já estabelecidos com
meus herdeiros.” Com isso, a cerimônia teve prosseguimento.[5]

***

Se 1983 foi um bom ano, o mesmo não se repetiu em 1984. O fundo


rendeu, mas apenas 9,4%, chegando a US$448.998.187.

O rendimento menor colocou Soros sob pressão dos diretores do conselho


do Quantum para que ele voltasse a se dedicar integralmente ao setor de
investimentos. Ele concordou. Mais tarde, no verão de 1984, Soros deu a
notícia a Marquez.

“Quer você goste ou não, eu sou o capitão deste navio e estou vendo uma
enorme tempestade se aproximar. Numa tempestade como esta, o leme
precisa estar nas mãos do mais capaz, do melhor, do mais experiente. E
vamos encarar os fatos, entre nós dois, essa pessoa sou eu.”

Que tempestade enorme era essa?

Essencialmente, o colapso da economia americana na esteira da política de


altos gastos e de isenção de impostos do governo Reagan no início dos anos
80. Soros acreditava que os Estados Unidos estavam rumando para uma
depressão.

Marquez lembra: “Toda esta pressão estava se formando no sistema


mundial naquele momento. O dólar ficava cada vez mais forte. Reagan
dizia: Tudo bem. O sinal da verdadeira força de um país é a força de sua
moeda.’ E George Soros achava que a qualquer hora a tampa ia explodir.”.
[5]

Soros anunciou seu plano de contratar duas outras pessoas. Para ele, a
organização ideal tinha quatro ou cinco profissionais, proporcionando uma
profundidade e uma disciplina que não poderiam existir com apenas uma ou
duas pessoas. Marquez poderia, se quisesse, ficar em uma posição menos
importante e administrar um subgrupo. Ele, porém, decidiu sair, acreditando
que estava sendo posto de lado e que com isso teria menos autoridade.
Reconheceu, no entanto, que “a verdade é que George não estava errado.
Havia momentos à noite em que parecia que eu tinha uma espécie de
trombose na cabeça, com a qual não conseguia lidar. Havia muita coisa
acontecendo - e muita pressão, também”.

***

Enquanto isso, Soros reuniu seus dez gerentes de fundos externos para que
eles sugerissem pessoas que pudessem trazer sangue novo à empresa. O
nome de Allan Raphael foi ventilado.

“Eu era sua primeira opção”, disse Raphael.[6]

De 1980 a 1984, Raphael foi co-diretor de pesquisa na Arnhold & S.


Bleichroeder, a empresa que havia contratado Soros nos anos 60 e início de
1970. Raphael retornou à Bleichroeder em dezembro de 1992 como vice-
presidente sênior, diretor de estratégia global e gerente de carteira sênior.

No início de agosto de 1984, Soros decidiu sair em busca de Raphael. Os


dois homens nunca haviam se encontrado, embora Raphael conhecesse a
reputação de Soros. Vários gerentes externos de Soros telefonaram a
Raphael para informá-lo de que o haviam recomendado como candidato ao
posto de número dois. Sua formação em pesquisa econômica global fazia
dele a opção natural.

“Você está interessado em conversar com George?”, um gerente perguntou


a Raphael.

Ele precisou de apenas “um nanossegundo”, segundo suas próprias


palavras. “É claro”, respondeu ao administrador.
Raphael acreditava que Soros era o melhor investidor de Wall Street. “Seus
triunfos foram simplesmente fenomenais.” Para ele, a possível oferta de
trabalho parecia boa demais para ser verdade.

Então veio o telefonema do próprio Soros. Será que Raphael poderia vir
tomar café da manhã com ele no apartamento do setor oeste do Central Park
na próxima quinta-feira?

Mais um nanossegundo e Raphael disse sim.

Raphael chegou para o café da manhã convencido de que suas chances de


ser contratado eram de uma em um milhão. Ele supunha que outros 75
candidatos estavam aguardando na fila, que o processo de seleção
demoraria um ano - quando ele já teria sido esquecido.

Passaram-se 90 minutos, mas Raphael atribuiu pouco significado à duração


do café da manhã. Depois os dois homens se levantaram da mesa. Raphael
achou que era um bom momento para recapitular seu currículo com Soros.

“É muito importante que você saiba o que eu faço e o que eu não faço”,
disse ele, esperando não soar muito agressivo, muito precipitado. Ele não
ficou certo de que Soros havia absorvido suas palavras.

“Perfeito”, veio a resposta à recapitulação. “Eu faço todas as outras coisas.


Formaremos uma boa equipe.”

Raphael levou um susto. “Acho que sim”, foi tudo o que ele conseguiu
dizer, quase sem voz.

Soros abriu um grande sorriso e disse com um tom de finalização: “Pense


na proposta durante o fim de semana. Vamos marcar um novo encontro na
segunda ou na terça. Você me telefona e vem tomar café da manhã comigo
de novo.”.

Ao sair do apartamento e alcançar a rua, Raphael começou a meditar sobre


os últimos momentos daquele café da manhã. Parou um táxi e entrou. Havia
um enorme sorriso em seu rosto. Talvez ele estivesse sonhando. Depois de
se certificar de que o motorista do táxi não estava olhando, beliscou-se.
Chegou à conclusão de que não estava sonhando. Ele poderia mesmo estar
indo trabalhar como número dois de George Soros.

Na terça-feira seguinte, Raphael estava novamente tomando o café da


manhã com George Soros, quando realmente recebeu uma oferta formal de
trabalho.

Foi, como lembra Raphael, “basicamente, ‘Vamos ficar noivos antes de nos
casarmos. Eu fico com você até o fim do ano. Vamos ver qual será o
resultado.’”.

Novamente, mais um nanossegundo se passou. Mas por algum motivo que,


anos mais tarde, Raphael achou difícil compreender, ele não aceitou de
imediato.

“Deixe-me pensar”, respondeu. Revivendo aquele encontro na primavera de


1994, Raphael só pôde dizer: “Pareceu-me ser o melhor a dizer.”.

Lembrando todos os avisos que tinha recebido de várias pessoas (“Este


sujeito é durão”, “Ele demite as pessoas”), Raphael decidiu não lhes dar
atenção: “O que importava? Aquela era a minha chance. Eu iria adquirir
experiência em novas situações; era uma oportunidade simplesmente
extraordinária.”. Raphael dirigiu-se para o telefone e aceitou a oferta. No
início de setembro de 1984, ele assinou com Soros.
12. LANCE MEMORÁVEL

George Soros intensificou seu papel no fundo no final de 1984. Por mais
que ele desejasse passar o bastão no Quantum Fund, ainda não estava
pronto para afastar-se inteiramente. Ele ainda acreditava que uma
tempestade ameaçava as economias do mundo. Não conseguia adivinhar
sua natureza nem quando ela começaria. Mas queria estar lá quando ela
chegasse, para navegar por suas ondas encapeladas, para, talvez, explorá-
las. Enquanto isso, ele prestava muita atenção no fundo, ficando mais
tempo no escritório, tentando certificar-se de que 1984 e 1985 seriam anos
bons.

Em dezembro de 1984, ele tinha os olhos voltados para a Grã-Bretanha, que


acabava de lançar um grande projeto de privatização. Três das empresas em
questão eram a British Telecom, British Gas e Jaguar. Soros entendia que a
primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, queria que todo cidadão
britânico possuísse ações das empresas que estavam sendo privatizadas.
Como conseguir isso? Reduzindo o preço dos valores mobiliários.

Soros pediu para Allan Raphael analisar a Jaguar e a British Telecom. Os


estudos de Raphael sobre a Jaguar convenceram-no de que o presidente
daquela empresa, Sir John Egan, estava realizando um trabalho brilhante,
transformando o Jaguar na mais nova sensação entre os carros importados
pelos Estados Unidos. Com o preço das ações em 160 pence, o Quantum
assumiu uma posição que representava 5% da sua carteira de quase US$449
milhões - aproximadamente US$20 milhões. Um valor alto para outras
pessoas, mas não para George Soros.

Raphael reuniu-se com Soros. “Fiz a pesquisa sobre a Jaguar.”


“O que você acha?”

“Eu gostei muito do desempenho que a companhia está apresentando. Acho


que está tudo bem com a posição que assumimos.”

Para surpresa de Raphael, Soros pegou o telefone e disse a seus traders:


“Comprem mais 250 mil ações da Jaguar.”

Raphael não queria estragar o humor de Soros, mas sentiu-se na obrigação


de fazer uma ressalva. “Desculpe. Talvez eu não tenha sido claro. Eu disse:
‘Está tudo bem.’”

Tudo bem aparentemente significava coisas diferentes para Raphael e


Soros. Para Allan Raphael significava “O que fizemos até agora está bom.
Mas não vamos nos comprometer mais até vermos onde estamos pisando.”.
Para Soros significava que se você gosta da situação agora, por que não
seguir seus instintos e ir em frente com tudo o que você já tem? Soros
deixou claro para seu companheiro:

“Olhe, Allan, você me diz que a companhia está realizando um trabalho


brilhante de remodelação. E aí que eles vão ganhar com fluxo de caixa e
lucro por ação. Você acha que as ações vão ter seu preço reavaliado para
cima. Os investidores internacionais vão querer comprar. Os investidores
americanos também vão querer comprar. E você diz que as ações vão subir.

“Se seus investimentos vão bem, siga seus instintos e vá em frente com
tudo o que você já tem."

Para Soros, esta era uma daquelas situações talhadas especialmente para
ele, em que ele poderia aplicar sua teoria da reflexividade. Ele sentia que o
preço das ações subiria, que logo todos os investidores estariam querendo
comprá-las freneticamente, impulsionando o preço ainda mais para cima.
Raphael não encontrou nada para refutar nas palavras de Soros. “É!”,
concordou, “as ações definitivamente vão subir.”

“Compre mais.”

Raphael disse “é!”, mas no fundo se questionava se Soros realmente sabia o


que estava fazendo.

“Se as ações subirem”, continuou Soros, “você compra mais. Não importa o
volume que essa posição assuma como parte da sua carteira. Se você está
certo, então compre mais.”

Soros sorriu e depois disse, para indicar que não estava interessado em
debater aquele ponto, “Próximo”.

Soros tinha confiança em que a Jaguar e a British Telecom eram apostas


certas. Ele entendia que havia muito mais em jogo do que o balanço dessas
empresas. O que estava realmente em jogo era o fato simples e crucial de
que Margaret Thatcher iria garantir as privatizações britânicas a um preço
abaixo do valor de mercado.

Raphael ficou ligeiramente chocado. Sua preocupação era a de que Soros


pudesse estar arriscando demais.

Não precisava ter se preocupado. O lucro do Quantum com a Jaguar foi de


US$25 milhões.

***

Parte do conceito de hedge com o qual Soros viria a ser identificado era o
da posição vendida. A maior posição vendida que Soros assumiu em
meados da década de 1980 envolveu a Western Union.

Foi em 1985. Uma época em que os aparelhos de fax estavam ficando


populares nos Estados Unidos. As ações da Western Union que, em anos
anteriores, já haviam estado muito mais valorizadas, agora eram vendidas
por aproximadamente 20. Soros e seus companheiros, porém, observaram
com especial atenção que a companhia ainda tinha uma grande quantidade
de aparelhos de telex com valor depreciado no seu ativo fixo. Como os
equipamentos eram eletromecânicos, não mais faziam parte da tecnologia
de ponta e portanto quase não tinham nenhum valor no mercado. A Western
Union também estava acumulando dívidas.

Soros duvidava de que a companhia seria capaz de quitar suas dívidas ou os


“reajustes” das ações preferenciais.

“O que pensamos”, lembra Allan Raphael, “foi: ‘O que a Western Union fez
para o pony express, o fax fará para a Western Union.’”[1]

Vários grandes analistas institucionais estavam recomendando ações da


Western Union sem levar em conta que o valor de seu patrimônio era
consideravelmente menor do que ela sugeria. Soros, porém, sabia. Assumiu
posição vendida em milhões de ações. O lucro, disse Allan Raphael, ficou
“na casa dos milhões”.

***

Já em 1985, Soros ainda se preocupava com o fato de que a economia


americana rumava para um colapso. Em agosto, ele acreditava que o
“Círculo Imperial" estava na rodada final de expansão de crédito, a fim de
estimular a economia dos Estados Unidos e pagar a expansão militar. O
alívio estava próximo e, felizmente para Soros, ele conseguiu reconhecer a
situação a tempo e explorar a oportunidade. O alívio viria quando os
Estados Unidos e outros gigantes econômicos percebessem que o mercado
de moedas transformara-se em um monstro que estava trabalhando contra
seus interesses.

Sobre este assunto, Anthony Sampson, escrevendo em The Midas Touch,


observou que “lá nos anos 60, os entusiastas da desregulamentação global
já aguardavam ansiosamente que as moedas do mundo ajustassem gradual e
racionalmente seus valores, já que as nações com exportações e economias
optariam pela desvalorização, até atingirem níveis em que pudessem ter
competitividade: dólares, ienes ou libras refletiriam com precisão a
eficiência industrial de cada país”.[2]

“Quando o presidente Nixon desconectou o dólar do ouro, em 1971, e


quando as moedas começaram a flutuar independentemente, ninguém
previu os movimentos turbulentos que viriam a seguir nos anos 60 e 80.”
As moedas oscilavam a cada novo rumor. As taxas de câmbio não mais
pareciam estar vinculadas às exportações. No final dos anos 80, o valor do
dólar em iene sofria alterações de até 4% ao dia.

A princípio, Soros não teve muita sorte na negociação de moedas. No início


dos anos 80, na verdade, ele perdeu dinheiro. No entanto, a leitura que ele
fez da situação em meados daquela década renovou sua confiança. Ele sabia
que o dólar - e seu relacionamento com o iene japonês e com o marco
alemão - serviria de combustível para o principal drama do mundo
financeiro e ele estava prestando muita atenção a isso.

O valor do dólar estava sofrendo todos os tipos de oscilações no início da


década de 1980, deixando apreensivo e sem fôlego um mundo que dependia
do dólar estável.

Nos primeiros anos da década, a administração Reagan estava


comprometida com um dólar forte, na esperança de que ele derrotaria a
inflação alta, já que permitiria importações mais baratas e atrairia
investidores estrangeiros para financiar o déficit comercial.

Reagan acabou por optar pela redução de impostos que, combinada com o
aumento dos gastos com a defesa, desencadeou uma explosão tanto no dólar
quanto no mercado de ações. O capital estrangeiro foi atraído para os
Estados Unidos e isso levantou o dólar e o mercado de capitais. A maior
expansão econômica atraiu montantes ainda mais altos de capital e tudo isso
contribuiu para empurrar o dólar para cima - novamente, o que Soros
chamava de “Círculo Imperial de Reagan”.
Inerentemente instável, porém, o Círculo Imperial, Soros acreditava, estava
fadado à ruína “porque o dólar forte e as altas taxas de juros reais
certamente seriam mais importantes do que o efeito estimulante do déficit
orçamentário e enfraqueceriam a economia do país”. Então, conforme Soros
havia previsto, por volta de 1985, o déficit comercial dos Estados Unidos
aumentava a taxas alarmantes e as exportações americanas enfrentavam
terrível desvantagem devido ao dólar altamente valorizado. As indústrias
domésticas também estavam ameaçadas, por causa do baixo preço das
importações japonesas. Soros havia observado tudo isso e detectado o
primeiro estágio de uma típica sequência de prosperidade/colapso.

Nesse meio-tempo, outros analistas cortejavam ações cíclicas. Mas não


Soros. Seguindo sua natureza contrária, ele tendia para as ações de controle
e de serviços financeiros - e ambas decolaram. O Quantum Fund, por
exemplo, tinha 600 mil ações da rede de televisão ABC quando a Capital
Cities incorporou-a. Numa tarde daquele mês de março, a Capital Cities
anunciou que ofereceria US$118 por ação da ABC. O Quantum Fund
ganhou US$18 milhões.

Logo depois, Soros telefonou a Allan Raphael, que havia cuidado dessa
negociação. “Muito bom”, disse Soros. “Mas o que vamos fazer agora?”

Ao contar essa história anos mais tarde, Raphael imitou um sotaque


húngaro para recontar o que Soros tinha a dizer. Raphael sabia muito bem
que Soros não estava realmente fazendo uma pergunta. Ele o estava
testando. Era como se Soros estivesse dizendo, “Estou muito contente, mas
não se empolgue demais.”

“Está tudo claro’’, disse Raphael. “Vamos comprar mais Capital Cities.”

***

Raphael pôde supor pelo silêncio de Soros que ele havia passado no teste
com nota dez.
Soros acreditava que a política de Reagan em relação ao dólar acabaria por
conduzir à parte do colapso da sua sequência. O presidente talvez tivesse
bons motivos para manter o dólar alto, mas tinha razões melhores para
desvalorizá-lo. Durante o início dos anos 80, as taxas de juros de curto
prazo haviam subido para 19%. O ouro atingiu US$900 a onça. A inflação
era galopante - no nível dos 20%. O dólar lá nas alturas comprava 240 ienes
japoneses e 3,25 marcos alemães.

Finalmente, agora Soros via claramente que com a OPEP em vias de


desaparecer, os preços do petróleo cairiam. Isso colocaria mais pressão
sobre o governo americano para baixar o valor do dólar. O petróleo havia
atingido recentemente US$40 o barril e as projeções indicavam que essa
cifra poderia chegar a US$80 o barril. A dissolução da OPEP faria com que
a inflação diminuísse em todo o mundo. A queda da inflação seria
acompanhada por uma queda nas taxas de juros. Como resultado destas
mudanças, o dólar sofreria uma baixa dramática.

Raphael explicou a estratégia de Soros: “A posição a assumir era


obviamente ficar vendido em petróleo bruto, ficar comprado nas taxas de
juros de curto prazo nos Estados Unidos e ficar comprado nas taxas de juros
de longo prazo no Japão já que o Japão depende da importação de petróleo.
Além disso, o dólar americano deveria ficar vendido em relação ao marco e
ao iene. Como os mercados de commodities, renda fixa e moedas são muito
mais profundos em tamanho e volume do que os mercados de ações, o
investidor ou especulador pode acumular posições bastante grandes em um
tempo relativamente curto. Como também estes valores mobiliários têm
exigências de margem relativamente pequenas, uma grande alavancagem
pode ser utilizada. Portanto, embora o fundo só tivesse US$400 milhões na
época, a possibilidade de alavancá-lo era enorme.[3]

“George Soros tinha posições muito grandes em todos estes setores. Você só
consegue isso uma vez na vida.”

No começo de agosto de 1985, Soros mantinha um diário de investimentos;


ele registrava o raciocínio que norteava suas decisões em termos de
investimentos no que ele chamava de “experiência em tempo real” ao
mesmo tempo em que tentava responder quanto tempo o Círculo Imperial
aguentaria. Para ele, o diário era um teste de sua capacidade de prever os
movimentos dos mercados financeiros - e uma chance também de colocar
suas teorias em cheque. Graças a esse diário, as opiniões de Soros e suas
estratégias de investimento entre agosto de 1985 e novembro de 1986 estão
cuidadosamente documentadas. O diário apareceu no livro que Soros
publicou em 1987, The Alchemy of Finance.

O primeiro grande teste para Soros veio em setembro de 1985. No dia 6 de


setembro daquele ano, Soros apostou que o marco e o iene subiriam. Mas
eles estavam em queda. Ele estava começando a duvidar da idéia que fazia
do Círculo Imperial. Ele tinha posições compradas em ambas as moedas,
que somavam US$700 milhões - mais do que o valor total do Quantum
Fund. Embora houvesse perdido algum dinheiro, ainda estava confiante de
que os eventos provariam que ele estava certo; então aumentou sua posição
em ambas as moedas para um pouco menos de US$800 milhões - US$200
milhões mais do que o valor do fundo.

Depois, no dia 22 de setembro de 1985, o cenário de Soros começou a se


materializar. James Baker, o novo Secretário do Tesouro dos Estados
Unidos, decidiu que o dólar tinha de baixar, pois os americanos estavam
começando a exigir proteção para suas indústrias. Baker e os ministros das
finanças da França, da Alemanha Ocidental, do Japão e da Grã-Bretanha - o
chamado Grupo dos Cinco - reuniram-se no Hotel Plaza de Nova Iorque.
Soros ficou sabendo da reunião e rapidamente concluiu o que os ministros
das finanças estavam para fazer. Ele trabalhou toda a noite, comprando
milhões de ienes.

Os ministros realmente decidiram tentar trazer o preço do dólar para baixo,


produzindo o que veio a ser chamado de “Plaza agreement”. O acordo
propunha a “valorização ordenada de moedas que não o dólar” através “de
uma cooperação mais próxima”. Isto significava que os bancos centrais
agora estariam obrigados a desvalorizar o dólar.

No dia seguinte ao anúncio do acordo, o dólar caiu de 239 ienes para 222,5,
ou 4,3%. Foi a maior queda da história em um só dia. Para a alegria de
Soros, ele ganhou US$40 milhões da noite para o dia. Raphael encontrou-o
naquela manhã e disse, “Boa jogada, George. Fiquei impressionado.”. Soros
não parou de comprar ienes.
Em seu diário no dia 28 de setembro de 1985, Soros chamou o Acordo do
Plaza de “lance memorável ... os lucros da semana passada mais do que
compensaram as perdas acumuladas na comercialização de moedas nos
últimos quatro anos...”[4]

O investimento com base no Acordo do Plaza deu status de folclore ao


Quantum Fund. Stanley Druckenmiller, que começou a trabalhar com Soros
em 1988, relembra que no outono de 1985, outros traders, na carona de
Soros, ficaram comprados em iene um pouco antes da reunião no Plaza.
Quando o iene abriu 800 pontos acima naquela manhã de segunda-feira,
esses traders começaram a realizar lucros, entusiasmados com a
possibilidade de ganhar tanto dinheiro em tão pouco tempo. Soros, porém,
analisava o grande quadro. “Supostamente, Soros saiu correndo pela porta,
instruindo os outros traders para que parassem de vender ienes, dizendo-
lhes que ele assumiria suas posições. O governo acabara de dizer que o
dólar ia cair ao longo do próximo ano, então, por que conter a ganância de
comprar mais [ienes]?”[5]

Nas seis semanas seguintes, os bancos centrais continuaram a puxar o dólar


para baixo. No final de outubro, o dólar já havia caído 13%, para 205 ienes.
Em setembro de 1986, ele era cotado em 153 ienes. As moedas estrangeiras
subiram em média de 24 a 28% em relação ao dólar.

No total, Soros fez uma aposta de US$1,5 bilhão. Usando a alavancagem,


ele colocou a maior parte do seu dinheiro no marco e no iene, o que provou
ser uma jogada esperta. Ao longo do tempo, estima-se que ele tenha ganho
US$150 milhões.

É claro que a tendência estava estabelecida. E Soros não estava preocupado.


Ele não podia conter-se. Continuava a ganhar dinheiro.

Na primeira semana de novembro, o fundo tinha crescido para US$850


milhões e Soros detinha US$1,5 bilhão em marcos e ienes, quase o dobro
do valor do fundo. No seu diário, ele escreveu: “O motivo pelo qual eu
estou querendo aumentar minha exposição é que eu acredito que o âmbito
da reversão diminuiu. Uma das generalizações que eu criei sobre a
flutuação livre das taxas de câmbio é que a volatilidade a curto prazo é
maior nos momentos decisivos e diminui quando a tendência se
estabelece.”[6] Ele estava vendido em US$87 milhões em libras esterlinas e
em mais de US$200 milhões em petróleo, comprado em US$1 bilhão de
ações e futuros e em aproximadamente US$1,5 bilhão em títulos. Ao todo,
ele tinha quase US$4 bilhões em posições compradas e vendidas em vários
mercados.

“A volatilidade a curto prazo é maior nos momentos decisivos e diminui


quando a tendência se estabelece."

Ele exibia uma confiança incrível de que estava certo. No dia 8 de


dezembro de 1985, escreveu no diário:

“Eu tenho uma firme convicção sobre o que está para acontecer e sempre
terei e isso fica comprovado pelo nível de exposição que eu estou disposto a
assumir.”[7] Ao contrário do agosto anterior, quando temia que o colapso da
economia americana estivesse logo ali na esquina, agora Soros sentia-se
confiante. O governo estava tentando trazer o dólar para baixo - e estava
tendo sucesso. Os mercados de ações e títulos estavam em alta. Ele
acreditava ser possível uma grande explosão no mercado de ações. Em
dezembro, Soros era a imagem do otimismo. Ele chamou esse período de
“Idade de Ouro do Capitalismo” e anunciou uma “alta de mercado
memorável”.

***

O ano de 1985 foi maravilhoso para Soros.

Comparado com 1984, o Quantum Fund havia rendido espantosos 122,2%.


Seus ativos subiram de US$448,9 milhões ao final de 1984 para US$1,003
bilhão ao final de 1985. Esse avanço foi quase quatro vezes maior do que o
aumento do índice Dow em 1985, de aproximadamente 34% (incluindo
dividendos).

O registro global de Soros era notável.

Um dólar investido com ele quando o fundo foi lançado em 1969 valeria ao
final de 1985 US$164 depois de descontadas todas as taxas e despesas.
Soros explicou orgulhosamente ao jornalista Dan Dorfman que o mesmo
dólar investido no índice das ações 500 da Standard & Poor teria chegado
no mesmo período a apenas US$4,57.

Soros não contou a Dorfman quanto ele possuía no fundo a não ser para
admitir que era lá que estavam a maioria dos seus bens pessoais. As fontes
de Dorfman, porém, calcularam que Soros possuía de 15 a 30% do fundo.
Com o lucro do Quantum em 1985 na casa dos US$548 milhões, Soros teria
ganho entre US$83 e US$166 milhões. “Falso - vocês estão muito, muito
longe”, retrucou Soros quando a New York Magazine pediu que ele
comentasse sobre essas cifras.[8]

Em uma entrevista com Dorfman durante um café da manhã em seu


apartamento na Quinta Avenida com vista para o Central Park, Soros
explicou que ele havia tido um desempenho tão bom em 1985 por causa de:

• grandes tacadas com o marco alemão e o iene japonês;

• forte desempenho em títulos do governo de longo prazo;

• altos ganhos em ações estrangeiras.

Soros não tinha tido um desempenho tão bom com ações americanas. “Eu
não jogo particularmente bem o jogo das incorporações”, ele admitiu. Seu
investimento esporádico na Disney em meados da década de 1980 pareceu
substanciar esse ponto de vista. No final, ele triunfou, mas o caminho não
foi dos mais suaves.[9]

Em 1984, o Quantum Fund era um dos maiores acionistas da Disney fora da


família Disney. As ações pareciam cada vez mais atraentes por causa dos
vários fracassos nas tentativas de incorporação da gigante do
entretenimento. Quando Saul Steinberg, o artista das incorporações,
começou a prestar atenção na organização, poucos acreditaram que Disney
permitiria a incorporação.

Poucos também acreditaram que Disney pagaria para não passar o controle
a Steinberg. Ainda assim, foi isto precisamente o que aconteceu e Soros,
juntamente com os outros, perdeu um monte de dinheiro quando as ações da
Disney caíram para US$20 a unidade. Enfraquecido por tal pagamento,
Disney, porém, reagiu e Soros reinvestiu na companhia. Marquez creditou a
Raphael a detecção das tendências na Disney: “Allan entendeu rapidamente
o que estava acontecendo. Vínhamos considerando a Disney como uma
base subvalorizada que iria capitalizar por vários motivos. Ele a
considerava uma base de ativos rica e que poderia ser desenvolvida e
explorada e que não deveria receber um tiro na cabeça e ficar esquecida na
miséria.” Consequentemente, o Quantum Fund ganhou cinco vezes mais.

Coroando o ano de 1985, a revista Financial World classificou Soros como


o segundo homem mais bem pago de Wall Street. De acordo com a revista,
Soros ganhou US$66 milhões com sua participação pessoal nos lucros do
Quantum Fund, juntamente com US$17,5 milhões em taxas e um bônus de
US$10 milhões dos clientes do fundo. Naquele ano, segundo a revista, ele
ganhou US$93,5 milhões.[10]

***

No começo de janeiro de 1986, Soros alterou sua carteira de modo drástico.


Mais otimista em relação ao mercado de ações americano, comprou mais
ações de empresas americanas e de futuros e elevou sua posição de ações
estrangeiras de forma que, juntas, as ações americanas e as estrangeiras
totalizavam US$2 bilhões. Ele diminuiu sua posição em relação ao dólar de
US$500 milhões para zero.

Em fevereiro, ele baixou sua posição em ações para US$1,2 bilhão. No dia
26 de março, ficou satisfeito com sua tese otimista; a queda no preço do
petróleo sugeria que ele estava certo. Assim, elevou novamente sua posição
em ações americanas e estrangeiras para US$1,8 bilhão. Desde o início de
janeiro, o fundo havia melhorado seu ativo líquido de US$942 milhões para
US$1,3 bilhão.

No dia 4 de abril, Soros reduziu sua posição em ações para US$831


milhões. Dez dias depois, ele comprou mais US$709 milhões. Em 20 de
maio, ele vendeu US$687 milhões, a maioria em futuros.

Quarenta por cento de sua posição em ações e dois terços de sua posição em
ações estrangeiras estavam vinculados ao mercado finlandês, a ações dos
setores ferroviário e imobiliário japoneses e a ações imobiliárias de Hong
Kong.

O mês de julho de 1986 apresentou duas tendências desconcertantes e


contraditórias, a continuidade do mercado altista e a queda nos preços do
petróleo. A queda nos preços do petróleo poderia deflagrar uma deflação,
provocando um colapso econômico.

Finalmente em setembro, Soros escreveu com um certo tom conclusivo: “É


melhor declarar completa a fase que eu chamei de ‘Idade de Ouro do
Capitalismo’ e começar a identificar a próxima fase.

***

Soros saiu-se muito bem em sua experiência em tempo real. Ele levou o
Quantum Fund de US$449 milhões - valor no início de 1985 - para US$1,5
bilhão ao final de 1986. Ainda assim, ele descobriu que a experiência ficava
mais problemática à medida que o tempo passava. Quanto mais ele escrevia
em seu diário, mais sentia-se compelido a justificar a si mesmo por que
estava fazendo uma determinada jogada. Passou a considerar a experiência
um pesado ônus.
13. ESPECULADOR
FILOSÓFICO

O que motivava George Soros?

Dinheiro? Poucos amigos e companheiros achavam que sim. “Se ele


ganhasse outro bilhão de dólares”, sugeriu seu grande amigo Byron Wien,
“isso não o faria feliz. Ganhar seu primeiro bilhão de dólares não o fez feliz
de jeito nenhum.”[1]

Bem, ele deve ter tido alguma alegria.

Mas não muita. George Soros era complexo demais. Ele tinha mais do que
apenas uma dimensão. Independente de quanto dinheiro fluísse para sua
conta bancária, ele nunca ficava satisfeito como simplesmente um homem
que vive de rendas. Nesse sentido, ele era igual a muitos outros milionários
dos anos 90.

Nas gerações anteriores, os muito ricos valorizavam seu tempo livre.


Passavam o maior tempo possível fazendo o mínimo possível. Mas,
conforme salientou o escritor britânico Anthony Sampson, “Os ricos não
mais aspiram a uma vida de lazer e o trabalho tornou-se parte essencial de
seu status...”.[2]

No que diz respeito aos símbolos favoritos do status, a suíte no hotel de


luxo, o iate e o jatinho particular substituíram a casa extravagante, o jardim
e o parque. Mas o que mais distinguia os novos ricos das antigas gerações
de milionários era a mobilidade. Aspirando a alguma coisa além de uma
vida de lazer, Soros sentia-se muito mais confortável em aviões a jato do
que em iates, muito mais útil em suítes de hotel do que em enormes
mansões, muito mais produtivo viajando por vários países do que sentado
ao lado de uma piscina.

Ainda assim, Soros é muito diferente de muitos dos ricos contemporâneos


em um aspecto significativo: seu grau de engajamento na vida intelectual.
Além das obras de Karl Popper, os dois livros que mais influenciaram Soros
foram, previsivelmente, os complexos esotéricos Gödel, Escher, Bach de
Douglas Hofstadter e Step to an Ecology of Mind de Gregory Bateson. Ele
se viu não apenas como especulador, mas também como filósofo. Ou, talvez
em termos mais precisos, um filósofo fracassado que era especulador por
acaso. Quando foi aceito na Chancellors Court of Benefactors da
Universidade de Oxford, Inglaterra, no outono de 1992, ele pediu para ser
registrado como “especulador financeiro e filosófico”. “Eu realmente
gostaria de ser reconhecido como um filósofo prático”, disse Soros, “mas
fico muito satisfeito em ser reconhecido como um filósofo amador.”[3] I

Na década de 1990, porém, ele se tornou um bilionário - e independente do


que fizesse fora do mundo das finanças, era frequentemente descrito como
“o empreendedor húngaro”, “o mestre da administração de fundos”,
“especulador bilionário” e até, mesmo que apenas uma vez, de “o homem
mau das finanças globais” (The Wall Street Journal, 1 de junho de 1994).
Ele tentava escapar desses rótulos. O release expedido pela Soros
Foundation, em Nova Iorque, descrevia-o como um “filantropo
internacional”. Era um meio de ele dizer: Se não posso ser chamado de
filósofo, pelo menos não me descrevam como financista.

Mais do que tudo, porém, ele procurava ser respeitado - por sua cabeça, por
suas idéias, por suas contribuições à sociedade através de seus esforços
filantrópicos. Se ele tivesse se intitulado filósofo e nada mais, talvez não
fosse levado a sério.

Ele disse mais de uma vez que ser um sucesso em Wall Street pelo menos
lhe proporcionou a chance de ser ouvido e esse era o passo inicial para ser
levado a sério.

Porque ele se considerava um intelectual na tradição européia. Wall Street


era um lugar suficientemente decente para ganhar dinheiro, mas fora dali,
seus círculos internos, o pessoal que habitava seus escritórios, tinham pouco
interesse para Soros. “Eu não fico muito tempo com as pessoas do mercado
de ações”, confidenciou ao jornalista Dan Dorfman. “Elas são muito
chatas.” Ele se sentia mais à vontade com intelectuais, disse, do que com
pessoas de negócios.[4]

Talvez um dia ele tenha desejado encerrar suas atividades no setor de


investimentos em favor de filosofar por vocação. Mas isso era impossível.
Seu desempenho em Wall Street havia sido muito bom para tanto. Mesmo
que ganhar dinheiro dificilmente fosse um fim em si mesmo, essa atividade
ofereceu oportunidades que poucos filósofos sentados em suas torres de
marfim jamais viveriam.

Embora o dinheiro tenha chegado facilmente às suas mãos, Soros não


conseguiu, a princípio, admitir para ele mesmo que havia escolhido uma
profissão que não pertencesse ao setor acadêmico ou intelectual.
Gradualmente, porém, ele se acostumou com a idéia. “Durante muitos anos,
recusei identificar-me com meu desempenho. Era um meio para chegar a
um fim. Agora estou muito mais à vontade para aceitá-lo - este é, na
verdade, o trabalho da minha vida.'' Quando lhe perguntaram, no início dos
anos 80, como ele se sentia como o administrador financeiro de maior
sucesso no mundo ele admitiu: “É uma sensação bastante agradável.”.[5]

Por mais satisfeito que tivesse ficado com seu bom desempenho em Wall
Street, Soros não estava, de jeito nenhum, feliz com a agonia que permeava
as decisões cotidianas do seu trabalho: “Meu ego foi realmente colocado em
evidência e isso mostrou-se uma experiência dolorosa. Por um lado, meu
ego sofria um incrível bombardeio toda vez que eu fazia uma jogada errada
no mercado. Por outro, eu não estava realmente a fim de ser identificado
com alguém que ganha dinheiro para com isso ser reconhecido como
alguém de sucesso. Eu tive que negar meu próprio sucesso para manter a
disciplina que era responsável por aquele sucesso.”.[6]

O problema com a área de investimentos, o que a tornou tão dolorosa,


explicou ele em uma outra ocasião, era perder dinheiro. E, como ele sempre
gostava de deixar claro, não era possível ganhar dinheiro sem a ameaça de
perdê-lo. Sua “crise de identidade” no início dos anos 80 foi resultado da
sensação de que ganhar tanto dinheiro não era o bastante na vida.
Ele se preocupava, como normalmente se preocupam os homens de idéias,
com o fato de que o acúmulo de dinheiro poderia ter uma influência
corrompedora sobre ele e que as pessoas só prestavam atenção nele porque
ele havia ganho tanto dinheiro. “Eu tenho que aceitar meu sucesso com o
poder e a influência que lhe são intrínsecos ... Meu maior risco está no
processo de reconhecer que estou me tornando poderoso e influente porque
tenho muito dinheiro. ” A crise de identidade veio quase que como um
alívio.[7]

***

Ele usufruiu da sua boa vida. Tem quatro residências, em Manhattan,


Southampton (Long Island), Bedford (Nova Iorque) e Londres. Entretanto,
é muito mais modesto do que outras pessoas de grandes posses. Não fuma
nem bebe e não parece gostar de muita comida.

Edgar Astaire, seu sócio em Londres, quase sempre encontrava Soros fora
do escritório. Seus gostos não eram pretensiosos, afirmou: “Ele gosta de
teatro, de música. Não faz nenhuma coleção. Não coleciona quadros. Tem
alguns objetos de arte húngaros. Gosta de suas roupas. Sempre se vestiu
muito bem.”[8]

“Eu costumava fazer coleções, mas na verdade não tenho grandes


necessidades materiais”, Soros contou a um repórter em 1993. “Eu gosto do
conforto que tenho. Mas sou realmente uma pessoa muito abstrata.”[9]

Quando viajava ao exterior, para visitar suas fundações filantrópicas,


especialmente na década de 1980 e início dos anos 90, Soros evitava
motoristas ou seguranças pessoais. Às vezes, quando visitava um campus
universitário, costumava ficar no alojamento dos estudantes. Às vezes,
tomava um táxi, caminhava de uma parte da cidade à outra, ou até mesmo
usava o transporte público.
A história favorita de muitos de seus amigos é a de como George Soros
rejeitava a vida de bilionário. Tibor Vamos, um dos intelectuais húngaros
ligados à fundação filantrópica de Soros em Budapeste, lembra de quando
ele e Soros estavam sentados no prédio que abrigava a Academia Húngara
de Ciências:

“O que eu faço para ir até à universidade?”, Soros perguntou.[10]

“Tome um táxi", Vamos respondeu.

“Por que não vamos de bonde?”, Soros perguntou com muita seriedade.

Soros não estava tentando economizar, explicou Vamos. Ele simplesmente


era uma pessoa prática. Se o bonde era a maneira mais rápida de ir de um
lugar a outro naquele momento, por que não o usar?

A casa de Soros em Southampton é uma grande propriedade revestida de


azulejos espanhóis com piscina e quadra de tênis. Soros comemorou seu
sexagésimo aniversário com uma festa lá em 1990. O gramado estava
coberto por um grande toldo branco para o jantar dançante. Entre os 500
convidados estavam importantes figuras do mundo dos negócios e mais,
segundo um dos presentes, “milhões de húngaros”.

Embora ele procurasse dar a impressão de viver modestamente, às vezes


não conseguia. As viagens de hidroavião de Southampton para Manhattan e
as quatro casas eram uma realidade. Mas não havia nenhum iate, nenhum
Rolls Royce. Quando viajava, Soros quase sempre usava aviões comerciais
(classe executiva) em lugar de jatinhos particulares. Uma vez, ele pensou
em comprar um avião para suas viagens entre Nova Iorque e a Europa. Ele
perguntou a Byron Wien o que ele achava da idéia. Era uma má idéia, Wien
disse: “Se você tem um avião, acabará por usá-lo apenas porque os pilotos
querem usá-lo.” Wien sugeriu que ele poderia fretar um avião quando
houvesse essa necessidade. Soros seguiu seu conselho.[11]

Para algumas pessoas, Soros parecia excepcionalmente tímido. No entanto,


ele adorava estar rodeado de pessoas. Wien observou que “ele gosta de
viver confortavelmente. George não sai mostrando sua casa às pessoas
dizendo, ‘Olhe esse relógio. Ou olhe essa estátua ou esse quadro’. Ele gosta
das coisas materiais. Gosta de viver bem. Gosta de ter pessoas em sua casa,
de servir-lhes lautos jantares e de ter ajuda suficiente para que tudo
transcorra sem problemas.”[12]

Ele dava muitas festas. Às vezes telefonava para Susan no último minuto.
Havia convidado alguns amigos para jantar. Quantos?, Susan perguntava.
Oh, talvez uns 50 ou 75, Soros respondia. Susan então ficava às voltas com
a preparação de uma refeição para 70 dissidentes russos e seus
acompanhantes.

Todo Ano Novo ele oferecia uma recepção no seu apartamento de Nova
Iorque. Todo sábado à noite durante o verão em Southampton, os Soros se
divertiam e para George as noites eram tanto reuniões comerciais quanto
eventos sociais. Wien, que esteve presente em algumas dessas festas,
observou que Soros era “bom com as multidões. Ele diz alô a todos. Sabe o
nome de todos. As pessoas que vão a essas festas são artistas, são pessoas
com quem ele joga tênis, homens de negócios, pessoal do governo. Há
sempre mais pessoas do que é possível interagir. Ele sempre tira algo destas
experiências, mas o mais importante é que as pessoas interagem umas com
as outras”.[13]

Como extensão natural de seu gregarismo. Soros não tinha nenhum


interesse em viver uma vida sedentária. Ele queria estar sempre em
movimento, ver outras partes do mundo, manter sua mente em atividade,
interagir com pessoas que estavam realizando trabalhos importantes. Em
suma, ele queria, e na verdade buscava agressivamente, aventuras. Não é à
toa que para ele as pessoas de negócios e as salas de negociações eram
extremamente chatas.

***

Ele mantinha um ritmo frenético porque estava convencido de que era


especial, alguém imbuído de uma missão especial na vida. Devemos
lembrar que este era o homem que, quando criança, acreditava ser Deus.
Quando adulto, ele parecia compreender que tais pensamentos poderiam
colocá-lo em más situações; eles poderiam, por exemplo, transformá-lo em
um egomaníaco. “A única coisa que poderia machucar-me”, ele escreveu
em 1987, “é se meu sucesso me encorajasse a voltar às fantasias de
onipotência que eu tinha quando criança - mas isto não tem muita chance de
acontecer se eu continuar engajado nos mercados financeiros que estão
constantemente me fazendo lembrar das minhas limitações.”[14]

Os mercados financeiros também o faziam lembrar-se de que ele parecia ter


o toque de Midas - que, embora quase infalível, ele estava literalmente em
uma liga própria. Quando do seu ano mais espetacular no setor de
investimentos, em 1985, o jornalista Dan Dorfman perguntou-lhe o que
planejava fazer para repetir o feito. “Este é um evento que basicamente não
se repete”, disse, “e que, no meu caso, por acaso se repete.” A questão era
que para George Soros até os eventos não recorrentes se repetem.[15]

Se ele conseguia provocar a repetição de eventos não recorrentes, o que o


impediria de usar seus poderes intelectuais da mesma maneira? O que o
impediria de dar grandes contribuições ao conhecimento humano? Em um
determinado período da sua vida, lá pelos anos 50, ele havia encontrado
alguns obstáculos e abandonado os planos de uma vida acadêmica, de uma
vida como filósofo. Não obstante, quanto mais dinheiro ele ganhava, mais
convencido ficava de que tinha condições de retornar ao reino da
intelectualidade.

Com estes pensamentos, desenvolveu teorias - sobre o conhecimento, sobre


a história, sobre os mercados financeiros - e começou a acreditar que suas
idéias tinham mérito. Proclamou que sua “descoberta” com relação ao papel
que as predisposições dos participantes desempenham na busca do
conhecimento humano era crucial para compreender todos os processos
históricos cujos participantes pensam, “assim como a mutação genética é a
chave da evolução biológica”.[16]

Considerando-se extraordinário, Soros teve momentos difíceis aturando


pessoas que ele julgava menos dotadas. Afinal, ele acreditava que suas
percepções não eram compartilhadas por muitas pessoas. Sobre sua
capacidade de compreender os mercados financeiros, por exemplo, ele
observou: “Eu acho que realmente compreendo o processo que está
ocorrendo, este processo revolucionário, melhor do que a maioria das
pessoas porque tenho uma teoria, uma estrutura intelectual. E minha
especialidade, realmente, porque lido com processos similares nos
mercados financeiros.”.[17]

Com relação aos outros que tentavam explorar o mercado: “Eu tinha muito
pouca consideração pela sagacidade dos investidores profissionais e quanto
mais influente sua posição, menos eu os considerava capazes de tomar as
decisões certas.”.[18]

Jim Marquez viu tudo isto de perto, quando ele e Soros trabalharam juntos
em meados da década de 1980: “Ele estava imbuído da idéia de que
conseguia entender as coisas melhor do que você e era sempre uma luta,
não porque ele estivesse convertendo sua mente do húngaro para o inglês,
mas porque estava tentando convencer você a seguir junto com ele.[19]

“Para ele estava claro que você não conseguiria acompanhá-lo na mesma
velocidade. Ele achava que quando compreendia alguma coisa, era como se
estivesse conversando com Deus. Ele tinha tanta certeza de que aquilo iria
acontecer que, se não acontecesse da maneira prevista, ele ficaria
extremamente surpreso. E se acontecesse, bom, era assim mesmo que
deveria ser.”
14. UM PREÇO BAIXO PELA
LIBERDADE

No início de sua carreira profissional, a filantropia era o tema mais distante


da mente de George Soros. A simples noção de filantropia já o desagradava.
A filantropia, disse ele a um repórter em 1993, “vai contra a natureza do ser
humano porque nossa civilização está alicerçada na busca do interesse
próprio e não na preocupação com os interesses dos outros”. Então, nenhum
dos que conheceram Soros se lembram de tê-lo ouvido falar sobre a
importância de alimentar ou abrigar os pobres. Ele estava disposto a doar
grandes somas de dinheiro, mas não a indivíduos. Ele queria provocar um
impacto mais potente. Mas, para tanto, tinha de ter como alvo grupos
inteiros, até mesmo sociedades. Ele pensava em grande escala.[1]

Suas lembranças do tratamento que recebeu do Conselho Judaico dos


Guardiões (Jewish Board of Guardians) em Londres ainda o incomodavam.
E essas lembranças moldaram sua atitude em relação a atividades
assistenciais em geral. “Você deve compreender que eu, na verdade, me
oponho a fundações filantrópicas”, disse ele ao repórter. “Há uma espécie
de corrupção em potencial por causa da influência do fundador. A única
justificativa que eu vejo para uma fundação é onde exista algo que
queiramos realizar e que seja mais importante do que a fundação em si.”
Ele acreditava que qualquer organização, inclusive a dele, está sujeita a
“erosão e corrupção” porque as pessoas lá dentro estão em busca de
riqueza, poder e conforto.

Soros nunca se cansava de contar às pessoas sobre a “fundação” que ele


uma vez organizou, um pequeno grupo chamado Central Park Community
Fund, cuja meta era a renovação do Central Park na cidade de Nova Iorque.
Acontece que uma outra organização chamada Central Park Conservancy
tinha mais ou menos o mesmo objetivo que a dele, mas muito mais sucesso.
Quando a “fundação” de Soros começou a atacar a outra, ele ficou
horrorizado. Não apenas colocou um ponto final naquela prática, como
também “matou” (palavras suas) o Community Fund. Ele disse que teve
muito mais orgulho em destruí-lo do que em criá-lo.

E mesmo assim ele sabia que não tinha escolha, não se quisesse tentar fazer
algum bem. Ele teria de criar fundações. Mas teria de assegurar seu
desempenho eficaz.

Então a questão era: Como deveria distribuir o dinheiro? Já que ele era
judeu, não seria natural que ele ajudasse seus compatriotas?

Soros nunca negou ou escondeu seu judaísmo; ele simplesmente colocava-o


de lado. Ele deliberadamente evitou fazer quaisquer doações a Israel até
1986, quando conheceu Daniel Doron, comentarista de assuntos públicos
daquele país, e ofereceu uma pequena ajuda à comissão de peritos em
Jerusalém, presidida por Doron. Mais tarde, Gur Ofer, um professor de
economia na Universidade Hebraica de Jerusalém, aproximou-se de Soros
tentando convencê-lo a criar uma fundação para os 500 mil judeus
soviéticos que haviam entrado em Israel nos dois anos anteriores. Mas
Soros era absolutamente contrário à idéia e cortou a conversa logo no seu
início.

Por que Soros se opunha tanto a ajudar Israel? “Era”, lembra Ofer, “um
misto de sentimentos. Para ele, Israel era por demais socialista e, antes de
uma reforma profunda, não havia por que lhe oferecer ajuda. Há um
elemento não-sionista ou antissionista em seu raciocínio. Ele acredita que
os judeus devem atuar nas sociedades em que vivem.”

Enquanto Soros procurava um lugar onde pudesse ser um “homem em um


cavalo branco”, ele percebeu que o divisor de águas de sua vida havia sido
escapar da “sociedade fechada" que tinha se apoderado da sua Hungria
natal. Depois que saiu de lá, conseguiu sentir o gosto da liberdade, primeiro
na Inglaterra e depois nos Estados Unidos. Por que não tentar dar aos outros
na Europa Oriental e na União Soviética a mesma oportunidade?
Soros decidiu que usaria sua musculatura financeira para promover
sociedades abertas, lugares onde as pessoas pudessem ser autônomas, onde
pudessem falar o que pensavam e perseguir seus próprios objetivos.

Com o custeio dos esforços para minar o comunismo, Soros estava na


verdade financiando a revolta em toda a Europa Oriental e União Soviética.
A revolução não seria conduzida com barricadas, não nas ruas, mas na
mente dos cidadãos. Ela seria pacífica, gradual, mas incansável. E acabaria
por levar ao nascimento da democracia nesses países.

O que Soros planejava fazer não seria fácil. Os obstáculos seriam


formidáveis. Os governos comunistas não cairiam automaticamente em seus
braços. E ele sabia que não poderia forçar sua entrada em cada país. Alguns
esforços talvez dessem certo, outros não. Ele sabia que seu poder era
limitado; portanto, era importante escolher os pontos em que ele e sua
filantropia tivessem maior impacto. Como os Rothschilds, ele usaria sua
riqueza para redesenhar o mapa político da Europa.

***

A princípio, quando o comunismo ainda governava estes países, era mais


fácil ter um impacto do que mais tarde, depois que o regime totalitário já
tivesse desaparecido. Soros observou que “se você expõe um dogma a
alternativas, ele se desintegra porque será considerado falso, já que você
tem algo com que compará-lo.”[2]

Ainda assim, Soros sabia que não era possível reformar a Europa Oriental e
a ex-União Soviética com a simples distribuição de dinheiro. Ele precisaria
ir mais longe, imbuir o Oriente do gosto pelas idéias ocidentais. Afinal foi
no Ocidente que a noção de sociedade aberta havia florescido.

Soros sofreu fortes críticas de pessoas que não estavam acostumadas a ver
alguém distribuir seu dinheiro tão livremente. Jeffrey Sachs, professor de
comércio internacional na Universidade de Harvard e consultor econômico
dos governos da Polônia. Rússia e Estônia, entre outros, disse: “George
Soros é visto através de todos os diferentes tipos de prismas e alguns não
são muito atraentes. Entre os líderes governamentais, a reação é muito mais
positiva do que entre os grupos antissemitas, os nacionalistas extremos e
outros grupos xenófobos. Entre eles, a reação a Soros é negativa.”[3]

E realmente não foi fácil para Soros criar cabeças-de-praia nestes países da
Europa Oriental. Os romenos não gostavam dele porque era húngaro. Os
húngaros não gostavam dele por ser judeu. E na Eslováquia, o judeu
húngaro só tinha desvantagens.

E ele também não escapou incólume do Ocidente, onde precisou se redimir


das acusações de ser um Robin Hood da era moderna, de “tirar” dinheiro
dos ricos do Ocidente para dar aos pobres do Leste Europeu. Quando
colocou todas as suas fichas em jogo em setembro de 1992 - e ganhou -
falou-se maldosamente que Soros havia “roubado” o equivalente a 12 libras
e meia de cada habitante da Grã-Bretanha. Soros recebeu o ataque com bom
humor. “Eu realmente acho que os povos do Ocidente têm o dever de ajudar
o Leste Europeu, portanto, fico feliz em agir em nome deles.”

Porém, nem todos os cidadãos britânicos se aborreceram com os atos de


caridade de Soros. Perguntado sobre o que pensava da acusação de que
Soros havia “roubado" 12 libras e meia de cada cidadão britânico para dar
ao Leste Europeu, Neil MacKinnon, economista chefe do Citibank em
Londres, respondeu: “Foi um preço baixo a ser pago pela liberdade.”.[4]

***

Soros, na verdade, deu seus primeiros passos na filantropia em 1979 na


África do Sul. Ele havia identificado a Universidade de Capetown como um
lugar que parecia dedicado à noção de sociedade aberta. Consequentemente,
prontificou-se a oferecer bolsas de estudo a estudantes negros. O tiro saiu
pela culatra: Soros descobriu que seu dinheiro estava sendo usado em
grande parte para financiar alunos já matriculados e apenas uma pequena
quantidade de alunos novos. Ele retirou seu apoio. “A África do Sul era um
vale de lágrimas”, explicou mais tarde. “Era muito difícil fazer qualquer
coisa sem, de uma maneira ou de outra, tornar-se parte do sistema.”[5] Na
Europa Oriental comunista, porém, ele achava que tinha algumas vantagens
sobre o sistema: “Era heróico, excitante, compensador - e muito divertido.
Nosso negócio era minar o sistema. Daríamos apoio a qualquer coisa.
Distribuímos um grande número de pequenos subsídios, porque qualquer
operação autônoma minaria o dogma do totalitarismo.”.[6]

Uma vez decidido que ele iria concentrar-se na Europa Oriental, Soros
sentiu que precisava de uma vitrine. Escolheu sua Hungria natal. Acontece
que alguns membros reformistas do governo de linha dura de Janos Kadar
também tinham suas atenções voltadas para Soros. Eles queriam que Soros
trouxesse capital estrangeiro para aquele governo enfermo.

Um deles era Ferenc Bartha, que, naquela época, era responsável pelos
relacionamentos econômicos do governo. Quando se encontrou com Bartha,
em 1984, Soros explicou que estava interessado em criar uma fundação
filantrópica. Seguiram-se as negociações. Conduzindo-as pelo lado do
governo estava George Aczel, o único membro judeu do Politburo húngaro
e czar cultural extraoficial da Hungria e confidente do primeiro-ministro
Kadar.

Para seu representante pessoal na Hungria, Soros escolheu um formidável


dissidente húngaro, Miklos Vasarhelyi. Soros e Vasarhelyi conheceram-se
em 1983, quando esse trabalhava no Institute on International Change da
Universidade de Colúmbia, de Nova Iorque. Vasarhelyi havia sido porta-
voz e membro do círculo interno do primeiro-ministro húngaro Imre Nagy
na época dos levantes de 1956. Depois que os soviéticos sufocaram a
revolta, Nagy foi enforcado e Vasarhelyi expulso do partido comunista e
condenado a cinco anos de prisão.

Ele acreditava que as chances de sucesso na criação de um instituto como o


que Soros tinha em mente não eram mais do que meio-a-meio. A favor de
Soros, pesava o fato de que o governo húngaro queria melhorar sua imagem
no exterior a fim de obter crédito junto ao Ocidente e moedas fortes. Contra
ele, porém, havia um estado comunista que não tinha nenhuma experiência
com pessoas de fora administrando fundações filantrópicas e muito menos
com pessoas de fora procurando encorajar a “sociedade aberta”.

Mesmo que o regime húngaro concordasse com o plano de Soros de


estabelecer uma fundação, ele não teria muita liberdade. Soros, de sua parte,
insistia na independência. “Eu estou vindo para a Hungria e darei dinheiro a
quem quer que eu considere merecedor”, disse em tom desafiador. Os
políticos reagiram: “Sr. Soros, traga o seu dinheiro para cá e nós
cuidaremos da distribuição.”

As conversações arrastaram-se por um ano. Soros só queria contribuir com


2 ou 3 milhões de dólares, mas essas cifras eram insignificantes demais para
os políticos. O governo via com bons olhos o incentivo à pesquisa
científica, mas Soros preferia que a fundação patrocinasse indivíduos que
viajassem, escrevessem ou atuassem no campo das artes. O governo queria
que a fundação financiasse equipamentos; Soros queria financiar pessoas.

Finalmente, pareceu que Soros e Bartha haviam superado todas as suas


diferenças. Depois que os húngaros assinaram os documentos relevantes,
um deles disse, “Ótimo! Seu secretariado pode informar ao nosso
departamento de relações culturais o que há para ser feito e nós o faremos.”.

Em outras palavras, o governo húngaro estava agora insistindo para que a


nova fundação de Soros ficasse sob supervisão do Ministério da Cultura.
Para surpresa dos negociadores húngaros, Soros levantou de sua cadeira e
caminhou até à porta. Ele não assinaria os documentos.

“Que pena termos desperdiçado todo esse tempo e esforço para nada", disse
ele, sempre o grande negociador. Sua mão já estava na maçaneta na porta
quando os burocratas cederam. Eles permitiriam à Soros Foundation um
alto nível de independência.

Com essa concessão, Soros assinou os documentos. Prometeu dar US$1


milhão por ano para a fundação durante o futuro próximo. Por volta de
1993, esse valor já alcançava US$9 milhões por ano.

Numa trama envolvente, o governo de Kadar aparentemente esperava que a


fundação de Soros, ao incentivar a pesquisa científica, diminuísse o
descontentamento entre os intelectuais e cientistas do país. Mas as coisas
não saíram bem assim. Os acadêmicos que viajaram para fora do país com
bolsas de estudo oferecidas pela Soros Foundation voltaram à sua terra natal
armados com novas idéias ocidentais sobre economia de mercado e
democracia.

***

Foi o episódio da fotocopiadora o passo decisivo para a Soros Foundation


na Hungria firmar-se como força agressiva para a reforma. Até aquele
momento, as autoridades húngaras mantinham um rígido controle sobre
qualquer máquina que, se disponível à imprensa clandestina, pudesse ser
usada para fins subversivos. Poucos húngaros já haviam visto uma máquina
de fotocópia em sua vida. Soros decidiu providenciar 400 delas às
bibliotecas, universidades e institutos científicos, deixando claro que só
doaria os equipamentos se o governo concordasse em não monitorar seu
uso. De alguma maneira, ele conseguiu a aprovação do governo, com
imposição e tudo, talvez por causa da necessidade de moeda forte.

***

Soros e sua fundação enfrentaram desconfiança contínua por parte do


governo. Nos quatro primeiros anos - de 1984 a 1988 - a fundação foi
proibida de divulgar seus programas em quase toda a mídia húngara. E
grande parte da mídia também não teve permissão para imprimir o nome
George Soros ou a expressão “Soros Foundation". O mínimo de publicidade
que Soros e sua fundação recebessem para o governo já era demais. Os
problemas atingiram o ápice em 1987.
A fundação havia concedido uma bolsa de estudo a um jovem jornalista que
queria escrever a biografia de Matyas Racozi, primeiro-ministro húngaro no
início da década de 1950. Uma nota relacionada a essa biografia apareceu
na revista World Economy, o único periódico húngaro que tinha permissão
para fazer propaganda da fundação. Janos Kadar, primeiro-ministro naquela
época, viu a reportagem e pensou: “Isto é impossível. Amanhã Soros
concede uma bolsa de estudo para alguém escrever a minha biografia.”
Kadar estendeu as restrições de publicidade também à revista World
Economy.

Irritado com o modo como ele e sua fundação estavam sendo tratados,
Soros mostrou-se pronto a fechar a Soros Foundation. “Nas duas ou três
semanas seguintes, houve muita tensão”, observou Miklos Vasarhelyi.
“Finalmente as coisas se acalmaram.” Mais uma vez, Soros e sua fundação
voltaram a ter acesso à revista World Economy. A biografia de Racozi foi
publicada, mas a tempestade já havia então se dissipado.

Em 1988, Kadar e quase todos os líderes partidários foram varridos do


poder. Logo depois que os novos líderes assumiram, Soros foi convidado
para uma reunião com Karoly Gros, o novo secretário-geral do partido, um
sinal de que a fundação estava novamente nas graças do governo, já que ele
nunca havia sido convidado para encontros com a liderança anterior.

A melhora no relacionamento teve vida curta, durando apenas até 1989.


Naquela época, os sentimentos antissemitas do governo eram visíveis e a
posição da fundação na Hungria ficou fragilizada. Em nenhuma outra parte
da Europa Oriental a posição da fundação recebeu críticas mais ásperas da
direita do que na Hungria. Um artigo de oito páginas, publicado em 3 de
setembro de 1993, tinha como título: “Cupins estão devorando nossa nação,
reflexões sobre o regime de Soros e sobre o império de Soros”. O artigo
falava do "... papel comum desempenhado pelos comunistas e pelos judeus
na luta pelo poder na Hungria”. Soros deixou claro que não se intimidaria
com os nacionalistas. “Essas pessoas estão, na verdade, tentando criar uma
sociedade fechada baseada na identidade étnica. Então sou genuinamente
contrário a elas e fico feliz em tê-las como inimigas.”[7]

Por volta de 1994, uma década depois do seu nascimento, a Soros


Foundation em Budapeste operava 40 programas, apoiava bibliotecas e
programas de educação para a saúde e concedia bolsas de estudo. As
viagens ao exterior eram uma prioridade, como também os projetos
voltados para os jovens. Um programa da Soros Foundation visava a
fomentar os debates nas escolas. “A noção de debate não é comum aqui”,
disse Laszlo Kados, diretor da fundação. “A atmosfera era mais para
pessoas recebendo ordens e não as questionando.”[8]

Mas, apesar do sucesso, os diretores da fundação sentiam que tinham muito


mais trabalho a fazer. ‘‘A Hungria ainda não é uma sociedade aberta”, disse
Kados. “Há inúmeras estruturas, inúmeras mentalidades que temos de
mudar. Já é possível fundar partidos, ter vida parlamentar, eleições livres.
Essas coisas já existem na Hungria, mas não são suficientes para garantir
uma sociedade aberta. Elas são apenas o ponto de partida.”

Soros era sincero com relação ao que esperava realizar através dos
subsídios da fundação. “Em vez de partirmos diretamente rumo à nossa
meta, através de ações políticas contra o governo, minamos indiretamente o
sistema dogmático de pensamento. A luta entre idéias diferentes é a
essência da democracia.”[9]

***

Depois de estabelecer a fundação na Hungria em 1984, Soros decidiu


expandir suas atividades filantrópicas. Ele havia visitado a China em 1986,
hipnotizado pela idéia de criar uma fundação no maior país comunista do
mundo. Seus investimentos eram pequenos, apenas alguns milhões de
dólares; e durante três anos Soros tentou penetrar no Oriente “inescrutável”.
Fracassou vergonhosamente. Apresentou várias desculpas. Acusou a polícia
secreta chinesa de sequestrar sua organização local. Ele também teve
problemas com a cultura chinesa. “A ética lá é confuciana e não judaico-
cristã. Se você dá a alguém algum tipo de apoio, este alguém passa a ser seu
devedor, ele recorre a você para cuidar dele para o resto de sua vida e lhe
deve lealdade. Isso é totalmente contrário ao conceito de sociedade aberta.”
Apesar do revés na China, Soros não se dissuadiu da idéia de avançar na
Europa Oriental e na ex-União Soviética.[10]

Em 1987, ele deu início aos trabalhos na União Soviética; depois, em 1988,
foi para a Polônia e, em 1989, para a Tchecoslováquia. Mas um de seus
desafios mais importantes foi a Romênia.

***

Um dos piores efeitos do regime comunista na Romênia foi a miséria


disseminada. Os romenos têm renda mensal média de US$50. Quando
estive lá, em março de 1994, vi romenos em filas enormes em frente a lojas
que vendiam leite barato, subsidiado. Elas ofereciam um pouco dos
produtos disponíveis no Ocidente. A inflação, 400% alguns anos antes,
vinha devorando o poder de compra da população; muitos jovens
pretendiam deixar o país.

Em 1989, a revolução surpreendeu a Romênia, os "eventos”, como os


romenos passaram a chamar o que aconteceu num espaço de seis dias em
dezembro. Soros conversou com representantes da Human Rights Watch em
Nova Iorque, insistindo: “Temos que fazer alguma coisa. Precisamos fazer
alguma coisa. Aquelas pessoas vão se matar.”.

Os combates ainda não haviam explodido, mas Soros sentia que o confronto
era iminente. Ele estava certo. No dia 16 de dezembro de 1989, as forças de
segurança da Romênia atiraram em manifestantes em Timisoara; centenas
de pessoas foram enterradas em valas comuns. Ceausescu declarou estado
de emergência quando os protestos se espalharam para outras cidades.

Cinco dias depois, em 21 de dezembro, explodiram protestos em Bucareste


e, mais uma vez, as forças de segurança atiraram nos manifestantes. No dia
seguinte, unidades do exército juntaram-se aos rebeldes. Um grupo
autointitulado “Conselho de Salvação Nacional” declarou que havia
deposto o governo.
Ceausescu fugiu e irromperam outros confrontos quando o exército, agora
com o apoio do novo governo, tentou reprimir as forças leais a Ceausescu.
O ditador fugitivo foi capturado no dia 23 de dezembro e dois dias mais
tarde, depois de um rápido julgamento no qual ele e sua esposa foram
considerados culpados da acusação de genocídio, foi executado.

Parecia o momento ideal para Soros se envolver.

O grupo Helsinki Watch enviou uma missão de pesquisa à Romênia no dia


1 de janeiro. Trabalhando como guia e tradutora estava a romena de
nascimento Sandra Pralong, que, aos 15 anos em 1974, viveu na Suíça e
depois foi para a Fletcher School of Diplomacy, na Tufts University em
Boston. Ela associou-se à Human Rights Watch de Nova Iorque. Quando
estava para sair dos Estados Unidos, recebeu um telefonema de George
Soros informando que ele estava ajudando uma organização da Filadélfia
chamada Brothers’ Brother, que iria enviar remédios e outros itens para a
Romênia. “Eu gostaria de pagar para que eles enviassem os remédios, mas
não gostaria que os produtos caíssem em mãos erradas.” Soros perguntou se
ela poderia cuidar para que os remédios fossem distribuídos diretamente
para aqueles que estivessem realmente necessitados, ignorando os canais
oficiais. Pralong prometeu dar o melhor de si.

Soros então decidiu visitar a Romênia em janeiro, na esperança de criar


uma fundação naquele país. Para dirigir a fundação, ele tinha em mente um
dos principais dissidentes do país, Alin Teodoresco, 39 anos e líder de uma
organização de antigos dissidentes chamada Grupo para o Diálogo Social.
No dia 22 de dezembro de 1989, dia do início propriamente dito da revolta,
Teodoresco descobriu que havia cinco carros da polícia secreta perfilados
em frente a sua casa. Seu telefone foi cortado e, por um breve momento, ele
ficou confinado, um virtual prisioneiro.

Teodoresco nunca havia ouvido falar de George Soros - e não tinha a menor
idéia do que fosse uma fundação nem de como ela atuava. Nada
surpreendente, então, que seu primeiro encontro com Soros, no dia 6 de
janeiro de 1990, não tenha sido fácil. Soros apareceu com Miklos
Vasarhelyi, seu representante pessoal na Soros Foundation da Hungria, na
casa de Teodoresco sem avisar.
Teodoresco estava ocupado com seguidas reuniões e quando um colega
anunciou que “há dois americanos esperando você lá fora; um deles está
dizendo que é bilionário”, Teodoresco não se deixou impressionar. “Que
eles se danem”, foi sua resposta nada educada. Depois da revolução, os
americanos chegavam aos montes dizendo a Teodoresco e outros
dissidentes que tinham dinheiro e queriam ajudar. Então ele deixou Soros
esperando por duas horas. Finalmente uma secretária apareceu no seu
escritório para informar que os dois homens ainda estavam por lá.

“Mande-os entrar."

Entraram o bilionário e seu companheiro.

“Olá, sou George Soros.”

“Tudo bem”, disse Teodoresco sem nenhuma emoção.

Depois Vasarhelyi foi apresentado.

Teodoresco já tinha ouvido falar de Vasarhelyi, um grande dissidente, uma


pessoa que havia sido presa e se tornado um grande herói para muitos na
Europa Oriental. A presença de Vasarhelyi convenceu Teodoresco a
conceder alguns minutos a Soros. Os bilionários não impressionavam o
dissidente romeno. Outros dissidentes, sim.

Os três homens encontraram-se no café da manhã do dia seguinte no Hotel


Intercontinental de Bucareste. Primeiro houve uma conversa informal de
meia hora entre o romeno e o húngaro.

Finalmente, George Soros se intrometeu.

“Sou um bilionário”, disse.

“Tudo bem”, foi tudo o que Teodoresco conseguiu encontrar para dizer.

“Gostaria de criar uma fundação aqui na Romênia.”

“O que é uma fundação?”, Teodoresco perguntou com toda a sinceridade.


Soros explicou pacientemente. “Eu lhe dou dinheiro. Você tem um
conselho. Divulga que tem dinheiro a oferecer e as pessoas se candidatam
para recebê-lo. E você distribui a verba. ”

Soros disse que queria que Teodoresco dirigisse a fundação e que colocaria
à sua disposição US$1 milhão. Teodoresco sentiu que seria estranho e
difícil apresentar a idéia de uma fundação estrangeira em seu país. Um mês
mais tarde, quando Soros retornou à Romênia, estava ansioso em saber por
que Teodoresco hesitava em aceitar o posto. Soros perguntou: “Você precisa
de ajuda para criar a fundação?”.

“Sim”, disse o antigo dissidente, “eu preciso de ajuda. Eu não sei como
criar uma fundação.”

“Então está bom”, disse Soros. Ele tinha a pessoa certa em mente. Sandra
Pralong. “Você precisa conhecê-la. É a pessoa mais criativa que eu já
conheci, um pouco neurótica.”

Quando voltou para Nova Iorque, Soros telefonou para Sandra Pralong.

“O que você acha da minha fundação?”

“Que fundação?", ela perguntou perplexa. Ela não tinha a menor idéia do
que ele estava falando.

“Ainda não está em funcionamento.”

“Você quer ir para a Romênia para criá-la?”

Soros parecia estar oferecendo um emprego a Sandra, que ficou


entusiasmada. Finalmente, ele fez um convite formal para que ela aceitasse
o cargo de primeiro-diretor executivo. Ela concordou. Em abril de 1990,
Soros encontrou-se novamente com Teodoresco e juntos concordaram que
este seria o primeiro-presidente da fundação.

Agora que os dois cargos principais já estavam preenchidos, a fundação


podia começar a operar.
***

A fundação começou a funcionar em junho de 1990. Recebeu o nome de


Foundation for an Open Society. Sandra Pralong chegou à Romênia em
setembro para assumir suas novas atribuições.

Para Alin Teodoresco, conviver com Soros não era fácil, porque ele
demonstrava pouca paciência. Ele queria que o dinheiro fosse gasto para
poder abrir novas frentes em outros países, novos projetos. Teodoresco
estava acostumado a conversar. “Quando o conheci, ele parecia um chefe”,
lembra Teodoresco. Ele usava a palavra “chefe” em termos pejorativos, para
denotar alguém que esperava que seus empregados funcionassem sem
muitas orientações e sem nenhuma chance de fazer perguntas.[11]

Com o passar do tempo, porém, Teodoresco ficou totalmente horrorizado


com o investidor. Ele desenvolveu uma teoria sobre George Soros: que ele
estava num plano moral mais elevado do que a maioria das outras pessoas.
Ele achava que o segredo para compreender Soros era pensar nele como
alguém que competisse consigo mesmo, não contra os outros, um conceito
que Teodoresco extraiu do filósofo Emmanuel Kant.

Não foi fácil criar a fundação. A simples colocação de anúncios para a


contratação de funcionários já era algo inusitado. A divulgação das
primeiras bolsas de estudos também. Apesar de ter rompido com o
comunismo, a Romênia continuava reservada, suspeitosa. Quando o
primeiro grupo de 60 acadêmicos da fundação chegou à estação ferroviária
de Bucareste no dia 3 de janeiro de 1991, com destino à Universidade de
Edimburgo, um deles chorava. Ela confessou que, quando viu o anúncio no
jornal, pensou que fosse uma estratégia. Os únicos romenos que já haviam
viajado para o exterior até então eram os altos comandatários, posição que
decididamente não era a dela. Por isso ela estava chorando.

Até mesmo os funcionários da fundação tiveram dificuldade para operar


naquela atmosfera “aberta”. Anca Haracim, alta, atraente, 30 anos, começou
a trabalhar na fundação como coordenadora de programas, em outubro de
1990, mas em 1993 sucedeu Sandra Pralong como diretora executiva. Seu
orçamento naquele ano foi de US$6 milhões.

Haracim cresceu acreditando que toda atividade precisava de um organismo


centralizador para tomar decisões. Trabalhar na fundação alterou totalmente
esse ponto de vista. Seu sorriso constante mascarava o medo que ela a
princípio sentia. Mas, em 1994, ela já conseguia dizer: “Estou
completamente envolvida com a ideologia da fundação. Posso até mesmo
aplicar o que aprendi na minha vida particular. Agora eu sou responsável.
Agora eu estou naquele estágio acima. Eu tenho que delegar. E isso é mais
difícil do que assumir responsabilidades.”.[12]

***

Soros não conseguia esquecer seu passado na Hungria, não pelo menos na
Romênia. Com uma população de 23,1 milhões de habitantes, a Romênia
tinha entre eles 2,4 milhões de húngaros. Para alguns romenos, um
bilionário nascido na Hungria e que chegou à Romênia pregando o
capitalismo, a reforma econômica e uma sociedade aberta parecia
simplesmente uma maneira dissimulada de colocar a população húngara
daquele pais contra o governo.

Os ataques a Soros começaram logo depois do lançamento da fundação.


Soros foi acusado em alguns jornais de tentar “vender” a Transilvânia, onde
viviam 1,8 milhão de húngaros, à Hungria. A fundação procurava ser justa,
não discriminar em favor da população húngara - nem contra ela. Não era
fácil. Na cidade de Cluge, os residentes húngaros candidataram-se em
grande número e a fundação não teve escolha a não ser conceder o que
parecia uma quantidade desproporcional de subsídios.

Soros ignorou os ataques. Na ausência de diretrizes por parte de Soros, os


representantes da fundação revidaram tentando ser extremamente abertos
com o público. Antes dos ataques, a fundação nunca havia publicado os
nomes dos vencedores das bolsas de estudo. Uma vez iniciados os ataques,
a publicação também teve início. “Foi uma maneira de mostrar aos outros
que não estávamos apenas vendendo a Transilvânia à Hungria, mas também
fazendo coisas boas”, disse Anca Haracim.[13]

Até o próprio nome da fundação - Foundation for an Open Society


(Fundação para uma Sociedade Aberta) - criou a suspeita de que seus
funcionários tinham algo a esconder. Afinal, a fundação não trazia o nome
de Soros. Então Pralong pediu que Teodoresco providenciasse a alteração
do nome para Soros Foundation for an Open Society. Eles esperavam que o
nome de Soros no letreiro da organização convencesse as pessoas de que a
fundação não era um mecanismo sorrateiro que usava o dinheiro húngaro
para sustentar os húngaros que viviam na Romênia.

E, no entanto, não havia nenhum letreiro. Na grande Praça Vittoria, em


Bucareste, do lado de fora do prédio que abriga a Soros Foundation for an
Open Society, nota-se de imediato a falta de qualquer sinal que indique que
lá dentro funciona uma fundação. Também não há nenhuma placa no
corredor do terceiro andar indicando os escritórios dos diretores. Parece até
um descuido.

De nada adianta também procurar por fotografias de George Soros nas


paredes. Embora seja ele quem pague as contas, e embora aquele lugar
tenha o seu nome, há uma agradável ausência de sinais destinados a exaltá-
lo. Ninguém fala dele pessoalmente nem faz piadas. Mas George Soros
sempre está lá. Sua presença é etérea, seu nome é mencionado nas
conversas a cada quatro ou cinco frases. A Open Society personifica toda a
estratégia e a missão de Soros. Os funcionários sabem que se existir um
programa que possa ter impacto sobre essa missão, Soros irá atrás dele.

Embora as vidas de todos os funcionários da fundação em Bucareste


estejam atreladas a George Soros, ninguém parece preocupar-se com o fato
de que ele venha, mesmo que por capricho, a fechar aquela instituição.
Algumas semanas antes de eu visitar Bucareste, Soros perdeu US$600
milhões em um jogo malsucedido com o iene. Anca Haracim disse que não
se preocupava com o prejuízo sofrido por Soros nem com o fato de que ele
pudesse fechar a fundação. A perda fazia parte do jogo que George Soros
jogava. Às vezes, o cavalo vencia o páreo, às vezes nem chegava a partir.
***

Em 1987, Soros decidiu abrir uma nova frente filantrópica na União


Soviética, “a quintessência da sociedade fechada”, segundo suas próprias
palavras.[14] Em março daquele ano, três meses depois de os oficiais
soviéticos libertarem Andrei Sakharov, o grande símbolo da dissidência
russa, Soros começou a negociar com os soviéticos permissão para colocar
um pé naquele país. Sua grande esperança era promover a reforma
econômica.

Naquele ano, ele pediu conselhos a membros da comunidade soviética


emigrada para os Estados Unidos. Alex Goldfarb, cientista nascido em
Moscou e dissidente veterano, estava presente na primeira reunião no
apartamento de Soros em Nova Iorque. Goldfarb e seus amigos estavam
cépticos. “Na verdade, fomos bastante negativos. Dissemos que esse tipo de
esforço seria imediatamente destruído pela KGB, que sempre bate qualquer
um em esperteza, por mais esperto que você seja.” Soros negou-se a
considerar aquele negativismo.[15]

E, na verdade, superou-o por completo. Em 1990, ele criou a Open Estônia


Foundation e fundações similares na Latvia e na Lituânia para oferecer
treinamento comercial e administrativo, viagens educacionais, bolsas de
estudo e treinamento no idioma inglês. Um dos programas era o
Management Training Program dirigido por sua amiga de longa data Herta
Seidman. Esse programa treinava a mão-de-obra adulta - desde a Albânia
até a antiga União Soviética - em técnicas de gerenciamento comercial. Em
abril de 1994, o Management Training Program havia acabado de concluir
um programa de contabilidade para 35 russos. “Com o desenvolvimento das
economias desses países”, disse Seidman, “eles precisarão de profissionais
locais para fornecer os serviços necessários. É isso o que estamos tentando
fazer.”[16]

Em dezembro de 1992, Soros anunciou um de seus maiores programas de


assistência, doando US$100 milhões para ajudar cientistas e fomentar a
pesquisa científica na antiga URSS. Depois de ter obtido uma grande vitória
frente à libra em 1992, Soros disse: “Eu estava procurando um megaprojeto
que tivesse um impacto ainda maior.”. O subsídio destinava-se a desacelerar
a evasão de intelectuais; 50 mil cientistas já haviam deixado as antigas
repúblicas soviéticas, abandonando sua pesquisa em favor de empregos
melhor remunerados em locais como a Líbia ou o Iraque. Aqui está uma
marcante ilustração de Soros no trabalho. Enquanto os Estados Unidos e a
Comunidade Européia tentavam encontrar a melhor maneira de auxiliar a
desintegrada comunidade científica da Rússia, Soros foi em frente e deu
início a um programa.

Desde 1987, Soros abrira fundações em todo o Leste. A cada ano seus
gastos aumentavam. Seus esforços na Europa Oriental cresceram em 1990,
quando ele fundou a Central European University, com campi tanto em
Praga quanto em Budapeste. Com 400 alunos de 22 países, a CEU era o
sonho de Soros, o projeto que mais significado tinha para ele. Na primavera
de 1994, o império filantrópico de Soros já incluía 89 escritórios em 26
países. Ele já havia doado US$500 milhões nos dois anos anteriores e havia
assumido compromissos de doar outros US$500 milhões.

Alguns observadores de Soros acreditavam cinicamente que a única


finalidade da sua filantropia era proporcionar a ele mesmo acesso a
informações que lhe permitissem investir com maior prudência. Um céptico
comentou que as conferências que Soros organizava na maioria das
fundações na Europa eram presenciadas por ministros de estado que
representavam os países onde ele tinha investimentos. Até mesmo
Teodoresco acreditava que Soros tinha uma agenda dupla na promoção da
sua filantropia, assegurando que os contatos que ele fazia por intermédio do
trabalho das fundações davam-lhe uma melhor noção de como funcionava a
economia mundial. “Não é por acaso que ele se tornou ainda mais bem-
sucedido depois que começou a gastar dinheiro através de suas fundações”,
disse Teodoresco.[17]

***
Soros atraiu muita publicidade por seu golpe contra a libra esterlina em
setembro de 1992. A mídia queria saber tudo sobre seu estilo de
investimento. Ele não tinha interesse nenhum em revelar seus segredos,
então usou uma tática de distração: convidava os repórteres para estar com
ele na Europa Oriental e assim conseguia desviar o foco da mídia. Menos
tempo gasto com seus investimentos, muito mais com seus programas
assistenciais.

Uma equipe da televisão britânica, que veiculou um documentário no dia 3


de dezembro de 1992, parecia feliz em retratar os esforços assistenciais.
Eles mostraram Soros conversando no avião com Praga sobre os poucos
investimentos que ele vinha fazendo na época. “A maior parte do meu
tempo é consumida [pelos programas assistenciais], provavelmente de 80 a
90%. Estou em contato com meu escritório todos os dias, mas não tomo
nenhuma das decisões. Há uma equipe cuidando dos negócios ... Para mim
é mais fácil ganhar [dinheiro] do que gastá-lo.”

E com isso George Soros abriu um enorme sorriso.

O jato aterrissou em Praga e Soros desembarcou. Uma equipe da televisão


tcheca alcançou-o e o repórter perguntou que tipo de capitalista ele era: “Eu
não me considero uma empresa. Eu invisto em empresas administradas por
outras pessoas. Então, sou na realidade um crítico. De certo modo, vocês
podem dizer que eu sou o crítico mais bem pago do mundo.” Novamente, a
câmera captou aquele enorme sorriso.

Enquanto andava por Praga, supervisionando sua fundação e o campus da


Central European University, ele irradiava enorme satisfação. “Tenho todo
o dinheiro de que preciso, portanto pretendo incrementar minhas atividades
filantrópicas. Estou pensando em separar algo em torno de um quarto de
bilhão de dólares para gastar o mais rapidamente possível.”

Um quarto de bilhão de dólares?

Poucas pessoas abriam mão de tanto dinheiro com tão pouco alarde quanto
George Soros.
A cena seguinte no documentário da TV mostrou a abertura do ano
acadêmico na Central European University. Soros estava ao lado de Vaclav
Havel, o dissidente que se tornou presidente, atrás de um microfone que era
alto demais para ele e que parecia estar pendurado sobre seu nariz. A mão
direita estava no bolso do paletó e ele gesticulava com a mão esquerda.

“Originalmente, eu me comprometi a investir cinco milhões de dólares por


ano durante cinco anos. Isso totalizava 25 milhões de dólares. Para a
Universidade. Nosso nível atual de gastos já ultrapassou em muito essa
cifra.”

Os alunos na multidão sabiam inglês o suficiente para entender que aquele


era um bom momento para aplaudir.

É preciso que se diga que Soros nunca tentou transformar-se em uma figura
adorada por seus programas assistenciais. Certamente ele deseja ser
reconhecido e respeitado, mas ele não insiste para que seu nome e foto
sejam colocados em posição de destaque em todas as instituições que ele
financia. Também não parece particularmente interessado em usar as
fundações para disseminar suas idéias. Durante minha visita às suas
fundações na Europa Oriental na primavera de 1994, era virtualmente
impossível encontrar cópias dos livros de Soros. Até mesmo a biblioteca da
Central European University em Budapeste, que se gabava de ter um belo
acervo, não tinha nenhum dos seus livros. A própria escola chamava-se
Central European University e não Soros University, “Eu não quero um
memorial com o meu nome depois da minha morte", deixou escapar. “Eu
quero influenciar o que está acontecendo agora. ”

***

Soros, o assistencialista, era uma pessoa muito mais feliz do que Soros, o
que ganha dinheiro. Sua vida parecia ter uma finalidade séria. Se muitos na
Europa Oriental e na ex-União Soviética o consideravam um santo ou um
Papai Noel, para ele estava tudo bem. Quando seus críticos arremessavam
epítetos em seu caminho, ele os afastava, como se fossem moscas zumbindo
a sua volta. Ele era um homem com uma missão, tentando ser importante,
atuando de modo prático, divertindo-se a valer. Seu trabalho nas fundações,
disse com alegria, “deixou-me mais perto de ter uma verdadeira sensação
de satisfação do que ganhar enormes quantidades de dinheiro”.

A satisfação de Soros era evidente no final de 1993. Michael Lewis, autor


de Liar’s Poker, acompanhou-o em uma viagem de duas semanas pela
Europa Oriental e disse: “Quando eu pensava em voz alta na parte de trás
do avião como ilustrar ... a teia comicamente complexa de suas atividades
entre a Alemanha e a China, ele voltou-se para trás em sua poltrona lá na
frente do avião e disse, ‘Escreva apenas que o antigo Império Soviético
agora chama-se Império Soros’. Depois voltou-se para frente sorrindo para
ele mesmo. ”.[18]

Com um império tão difundido, tão ativo em tantos lugares, Soros parece
sentir como se devesse estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Ele tem
dificuldades para ater-se a um cronograma. Se lhe dá na veneta, ele altera
todos os planos no último minuto, para desespero daqueles que já
colocaram os planos originais em andamento. No final de 1992, ele havia
planejado voar da Tirânia, na Albânia, para Viena, mas quando já estava a
bordo, de repente mudou de idéia. “Vamos voar para Londres”, disse ao
piloto.[19]

O piloto fez uma careta, sorriu e lembrou das duas horas que havia gasto
para preparar o plano de voo para Viena.

“Sr. Soros”, disse o piloto, “o senhor é o cliente mais polêmico que nós
temos.” Soros deu risada.

Correndo de um projeto para outro, Soros parece estar tentando recuperar o


tempo perdido. Projetos essenciais, por mais importantes que sejam, não
conseguem atrair sua atenção tanto quanto os grandes. Ele quer provocar
impacto e de imediato. “Ele sempre quer começar novos projetos”, explicou
Miklos Vasarhelyi. “Se alguma coisa já está em andamento e funcionando,
seu interesse já não é tão grande assim. Suas decisões nem sempre são as
melhores opções, mas ele consegue corrigir-se porque quando vê que
alguma coisa não é boa, ele reconhece.”
Tibor Vamos, companheiro de Soros no programa de assistência na
Hungria, afirmou que a impulsividade de Soros nos seus esforços
assistenciais remontam ao seu “cérebro de bolsa de valores. ... Ele consegue
mudar de idéia no meio de uma sentença. É uma mente de bolsa de valores.
As nove e meia você compra algumas ações da indústria têxtil e quinze
minutos mais tarde vende tudo e compra algo diferente. Então ele fica de
certa maneira impaciente quando começamos a falar sobre os efeitos de
longo prazo e trabalhos não muito visíveis.”.[20]

***

Na primavera de 1994, Soros já havia conseguido muito crédito no


Ocidente para seus esforços assistenciais. Seu “Plano Marshall de um
homem só”, segundo a Newsweek, estava recebendo avaliações geralmente
satisfatórias. Ainda assim, Soros sabia que muito mais ainda estava por
fazer para que a Europa Oriental e a ex-União Soviética pudessem ser
consideradas realmente abertas.

Embora ele e os funcionários de suas fundações em geral professem que


gostariam que os governos e agências não-governamentais do Ocidente
suplantassem os esforços da Soros Foundation, a verdade é que Soros tem
muito pouca confiança no fato de que outros venham a realizar o que ele já
conseguiu. Ele tem em muito pouca conta os auxílios governamentais,
acreditando que eles são “a última instância de uma economia de comando
porque a ajuda é dada para beneficiar os doadores e não quem recebe.”.[21]
Ele disse a um representante do Conselho da Europa em Estrasburgo: “Você
não pode realmente fazer nada. Você não tem força suficiente para mudar a
Europa Oriental.”.

Soros teve a vantagem de ser um lobo solitário, capaz de tomar suas


próprias decisões, sem precisar submeter suas idéias à aprovação de
terceiros. Jeffrey Sachs, economista da Universidade de Harvard que atuou
como consultor dos governos polonês e russo na reforma econômica, disse:
“George Soros ... opera de uma maneira muito flexível. Não há nesses casos
de crise muito dinheiro disponível. Então, um pequeno montante pode
ajudar imensamente, no pagamento de uma passagem aérea, numa viagem.
O Banco Mundial pode demorar dois anos para aprovar algum projeto.
George fornece uma passagem aérea da noite para o dia.”[22]

Devido à generosidade que Soros espalhou por toda a Europa Oriental e as


repúblicas da ex-União Soviética, The New Republic chamou-o “a mais
poderosa influência estrangeira individual de todo o antigo império
soviético”. Uma reportagem de capa da Business Week descreveu-o como
“o cidadão mais influente entre o Reno e os Urais”.

Mas, mesmo com todos esses elogios, no início da década de 1990, Soros
parecia deprimido com o lento progresso dos seus esforços assistenciais. A
princípio, ele esperava que poderia simplesmente riscar um fósforo e
acender uma revolução. “Sinto que fui mais absorvido do que estava
preparado porque tudo isto, no final, é muito extenuante e muito
desgastante."[23]
15. URGÊNCIA DE SE REVELAR

Nas fases iniciais da sua carreira profissional, George Soros achava que a
fama era a pior coisa que poderia acontecer. Fama significava
reconhecimento instantâneo, significava telefonemas da mídia, significava o
final das alegrias da privacidade. A fama era considerada um golpe mortal
na carreira de investimento de qualquer pessoa.

Não é à toa que o perfil preferido em Wall Street era a invisibilidade.

De acordo com James Grant, editor do Grant’s Interest Rate Observer, de


Nova Iorque, Soros não estava sozinho nas sombras; grande parte de Wall
Street estava com ele. A visão popular era a de que “assim como os
cogumelos, as fortunas parecem crescer melhor no escuro. As pessoas em
Wall Street não querem explicar algum dia na seção de negócios do The
New York Times como ganham dinheiro. Elas não querem que o mundo
saiba quanto dinheiro têm, porque sabem que de tempos em tempos os
ventos políticos mudam de direção, a admiração transforma- se em inveja e
há interrogatórios”.[1]

No princípio, era fácil evitar a mídia. As histórias e as personalidades do


mundo dos negócios tinham poucos atrativos para os jornalistas. Elas
podiam ser titãs em Wall Street, muito astutas nas reuniões de conselho em
suas corporações, mas para a mídia elas não tinham rosto, eram
desinteressantes, não eram controvertidas e não chamavam a atenção dos
leitores. Em 1984, porém, a publicação da autobiografia do controvertido
executivo da indústria automobilística, Lee Iacocca, deu à audiência de
massa uma idéia de sua carreira profissional e, pela primeira vez, as
personalidades do mundo dos negócios pareceram uma raça interessante.
Na esteira do livro de Iacocca, a mídia decidiu sondar mais intensamente os
negócios do país e seus líderes.

Nas décadas de 1970 e 1980, Soros não parecia interessado em publicidade.


A mídia respondeu ignorando-o. De vez em quando, o The Wall Street
Journal escrevia uma história resumindo sua carreira, como numa elogiosa
reportagem de capa em 1975. Mas, mesmo quando tinha a chance de
projetar-se como figura pública, ele parecia querer afastar-se. No final dos
anos 70 e início de 1980, a Barron’s convidou-o para participar de uma
série de painéis fazendo previsões sobre ações. Exceto em umas poucas
ocasiões, Soros evitava dar muitas informações.

Para os amigos de Soros, o silêncio que rodeava o investidor vinha mais de


Wall Street do que dele mesmo. Alguns argumentavam que a comunidade
dos investimentos, com ciúme do seu brilhante desempenho, impôs-lhe uma
conspiração de silêncio; eles raramente o mencionavam para repórteres,
então Soros, segundo estes mesmos amigos, dificilmente era conhecido da
mídia comercial. A falha nesse ponto de vista é que quando Soros recebia a
atenção da mídia, ela lhe era quase que totalmente solidária. Se havia uma
conspiração de silêncio naqueles dias, ela rodeava não apenas George
Soros, mas a maioria das personalidades de Wall Street.

Embora já houvessem sido publicados artigos sobre ele antes, somente


quando foi capa da Institutional Investor, em junho de 1981, George Soros
atraiu a atenção do público em geral.

Repleta de palavreado bombástico e grandiloquente, a revista coroou Soros


“O maior administrador financeiro do mundo”. Esse não foi nenhum elogio
de pouco significado e a frase tinha tanta ressonância que permaneceu na
mente das pessoas. Mesmo quando a revista exaltou o perfil de Soros, ela
lembrou aos leitores que ele era um enigma. “Com todo o seu sucesso
pessoal e profissional ... Soros continua sendo um homem misterioso, um
Howard Hughes dos investimentos. Afora suas aparições ocasionais - e
atípicas - no painel de previsões anuais da Barron’s, poucos em Wall Street
ou na comunidade financeira como um todo sabem alguma coisa sobre esse
recluso administrador de fundos. Ainda assim, poucos não ouviram falar de
seus feitos.”[2]
"... Para aumentar ainda mais o mistério que rodeia sua história, existe o
fato de que ninguém nunca sabe ao certo onde ele vai investir nem quanto
tempo ficará com um investimento. Como administrador de fundos
offshore, ele não está obrigado a registrar-se junto à SEC. Ele evita os
profissionais de Wall Street. E aqueles que o conhecem pessoalmente
admitem que nunca se sentiram particularmente próximos dele. No que diz
respeito à fama, todos concordam em que ele pode viver muito feliz sem
ela.”

Ainda que a história da Institutional Investor tenha sido certamente positiva,


o que aconteceu a seguir certamente também fez Soros pensar se a atenção
da mídia era desejável. Nos meses imediatamente subsequentes à história,
Soros sofreu com o único ano de prejuízo na sua carreira. Em conversas
com James Marquez, em 1982, antes de contratá-lo, Soros deixou claro
como havia sido desagradável a experiência de “aparecer”.

“Para George [esta publicidade seguida do revés financeiro] foi quase que
uma relação causal”, comentou Marquez. “George sabia que era arriscado
acreditar nas reportagens da imprensa porque sabia também que, com isso,
a pessoa ficava sentada nos louros, observando em lugar de participar. Ele
achava que havia compartilhado ... o que sabia sobre como investir com os
outros através da mídia e veja o que lhe aconteceu. E não apenas isso. No
processo, ele perdeu alguns de seus mais antigos investidores e amigos.
Então ele entrou em uma fase muito reservada.”[3]

Marquez vivenciou a “fase reservada” em posição privilegiada como braço


direito de Soros em 1983 e 1984.

Os jornalistas especializados em negócios costumavam telefonar para o


Quantum Fund durante aquele período, querendo saber o que estava sendo
feito ou qual o impacto que Soros e Marquez achavam que uma
determinada notícia teria em Wall Street. Quando Marquez começou a
trabalhar na empresa, Soros deixou claro que ele não deveria conversar com
a imprensa. “A última vez que a imprensa publicou alguma nota a meu
respeito”, disse Marquez, “foi no dia em que eu comecei a trabalhar para
George Soros, 1 de janeiro de 1983.”
Marquez, um tipo simpático que obviamente gostava de conversar com os
repórteres, atendia aos telefonemas, apesar das ordens de Soros. Para
Marquez, era importante saber de certas notícias antes de elas chegarem ao
público. Mas ele deixava claro para os jornalistas que seus comentários
deveriam ser tomados apenas em termos extraoficiais. “Eu dizia aos
repórteres: ‘Eu conto o que eu sei, ou que eu acho que sei, mas tudo deve
ser absolutamente confidencial.’” Nem ele nem o Quantum Fund podiam
ser citados. Eram suas regras.

Soros provavelmente percebeu que Marquez estava conversando com os


repórteres, mas nunca pediu que Marquez deixasse vazar informações. Às
vezes, Marquez tinha certeza de que Soros sabia que tinha sido ele a fonte
de uma história. “Ele sempre encontrava um meio de mostrar que eu estava
por trás de alguma coisa - ele dizia, ‘Hei, parece até que foi você quem
escreveu o artigo.’ Eu me mostrava interessado em alguma coisa e logo
aquilo aparecia nos jornais.”

Quando Allan Raphael começou a trabalhar para Soros em 1984, ele


recebeu ordens para nunca conversar com a imprensa. E obedeceu. “Nós
éramos conhecidos como o Soros Fund misterioso, o que, na minha opinião,
é o caminho certo. Em geral assumíamos posições consideráveis e a última
coisa que você quer é que alguém venha a saber o que você está fazendo.
”[4]

Por quê?

“Porque as pessoas correm na frente. Se você administra um fundo global e


as pessoas querem saber o que você está fazendo, você tem que arranjar um
meio de não deixar pistas, pois se quiser comprar alguma ação e todo o
mundo ficar sabendo, eles compram antes de você, atrapalhando todos os
seus planos.”

Os clientes de Soros eram todos de fora dos Estados Unidos e também


“muito reservados”, de acordo com Raphael. “Eles simplesmente não
desejam ver seu nome nos jornais. ”

E assim, no início e meados da década de 1980, a política de Soros em


relação à imprensa inexistia. Ele não tinha porta-voz; nenhum release era
publicado. “Queríamos”, disse Raphael, “ir e vir em silêncio.”

Uma exceção crítica ocorreu em setembro de 1987, quando Soros foi


entrevistado para a reportagem de capa da revista Fortune, intitulada “As
Ações Estão Altas Demais?”. Soros previu que o mercado de ações
americano não sofreria nenhum revés, mas o mesmo não poderia ser dito do
mercado japonês. Logo depois Wall Street sofreu um colapso.

***

“Foi como aparecer na capa da Sports Illustrated", disse Raphael. “Seu time
é o favorito para ganhar a Copa do Mundo mas é eliminado logo na
primeira rodada. Até brincamos dizendo que dá azar aparecer em capas de
revistas.”

Para alcançar algumas de suas outras metas, especialmente fomentar as


sociedades abertas na Europa Oriental e em outros lugares, Soros não podia
continuar em total anonimato. Ele queria respeito. Ele queria que os cínicos
o levassem a sério como pensador. Ele sabia que seus esforços filantrópicos
na Europa Oriental receberiam ajuda se ele se tornasse uma figura mais
pública e começasse a divulgá-los.

Ele estava, podia-se dizer, em guerra com ele mesmo. Um lado, dos
investimentos, lutava para permanecer secreto, privado; o outro, da
filantropia, lutava para obter notoriedade. Esta tensão foi melhor ilustrada
quando ele percebeu que “há um ponto além do qual a auto-revelação pode
ser prejudicial e uma das falhas no meu caráter, que eu ainda não fui capaz
de compreender totalmente, é a urgência de me revelar.”.[5]

Sua teoria da reflexividade levara-o para a estratosfera dos investimentos e


agora - em 1987 - ele estava pronto para que o público o conhecesse
melhor. Depois de usar seu recurso mais poderoso, sua mente, e gostar dos
resultados, ele agora tinha certeza de que havia chegado o momento certo
para criar para si próprio um espaço no mundo das idéias. Esse espaço lhe
foi negado no passado. Mas e agora?

Há muito tempo ele vinha querendo publicar um livro que desse uma certa
contribuição à humanidade, mas sabia que teria de tornar suas idéias mais
claras para o público. “Elas não foram compreendidas”, disse ele uma vez,
“porque eu não consegui explicá-las muito bem e elas são complexas.”[6]

Embora publicar um livro sobre filosofia continuasse a ser um sonho que


dificilmente se tornaria realidade, ele poderia produzir um livro que
explicasse suas teorias financeiras. Ele hesitou, porém, antes de entrar de
cabeça no projeto; tinha medo de que, expondo suas teorias financeiras à
opinião pública, pudesse parecer arrogante. E se, depois que o livro fosse
publicado, ele sofresse mais reveses financeiros? O que o público iria dizer?
O que ele acharia de suas teorias financeiras?

Ele decidiu arriscar.

O manuscrito do que viria a ser The Alchemy of Finance basicamente já


estava pronto. Ele simplesmente precisava prepará-lo para publicação. Já
em 1969, ele havia mostrado partes do livro a colegas. Alguns o digeriram
sem dizer nada. Alguns comentaram que era difícil compreender o que
estava escrito. Poucos deram sugestões concretas. Eles sabiam que Soros
queria elogios e não críticas ao seu trabalho.

Um dos que viram a primeira versão do livro - na verdade notas soltas,


ainda manuscritas - foi Jim Marquez. “Ele me pediu para ler algumas destas
notas e era tudo muito pesado, extremamente pesado. É um bom sonífero
para muitas pessoas."[7] James Grant, editor do Grant’s Interest Rate
Observer de Nova Iorque, uma das mentes mais astutas de Wall Street,
considerou Alchemy fraco: “Eu tentei ler [o livro] e acabei ficando com as
mãos vazias, ou melhor, com a cabeça vazia. Não achei a exposição
particularmente lúcida.”[8]

Um outro que viu alguns dos primeiros capítulos foi Allan Raphael. “O
livro não é uma leitura popular. Seu público-alvo são alunos da graduação.
Tivemos que ler todos os rascunhos de todos os capítulos que ele escreveu.
Com toda a honestidade, não foi nada estimulante. Do ponto de vista do
leitor, o livro não tinha nenhuma receita de como ganhar um milhão de
dólares em dez dias. Não era um diário de Soros. Ele pulava para frente e
para trás. Não deixou ninguém editar o livro, o que, para mim, foi um
erro.”[9] A Simon & Schuster prontificou-se a fornecer um editor
profissional para analisar o livro, uma prática comum no ramo editorial,
mas, segundo Raphael, Soros recusou.

Não é totalmente verdade que o manuscrito não teve um editor. Byron


Wien, amigo de Soros de longa data e estrategista da Morgan & Stanley
para investimentos nos Estados Unidos, realizou um trabalho sério de
edição. “Ele escrevia os rascunhos e eu fazia sugestões sobre pontos que
deveriam ser reescritos. Meu trabalho de edição era bastante severo. ...
Algumas pessoas dizem que o livro continua ilegível e eu respondo: ‘É
porque vocês não o leram antes.’”

Soros originalmente queria que o livro chamasse Boom and Bust. Mas
Byron Wien convenceu-o a mudar de idéia. “Era um clichê muito grande.
De certa forma, degrada o conteúdo do livro.”[10]

***

Soros tinha uma grande preocupação com o livro, já que não desejava que
os leitores ficassem com uma percepção incorreta do seu propósito. Ele não
queria publicar mais um guia sobre como ficar rico em Wall Street. Talvez
os leitores achassem que fossem encontrar dicas de investimentos em cada
página. Mas ele não estava tentando ajudar ninguém a ganhar dinheiro. Ele
estava escrevendo com apenas uma finalidade: explicar aos leitores que
suas teorias financeiras eram parte de um conjunto mais amplo de teorias
gerais sobre como o mundo funcionava. Ele escreveu que estava usando
suas “experiências nos mercados financeiros para desenvolver uma
abordagem ao estudo dos processos históricos em geral e do momento
histórico atual em particular.”.[11]
Para ser levado a sério, para que o público ficasse interessado em suas
idéias, Soros tinha de se fazer compreender. Ele tinha de expor suas teorias
de maneira que os outros não tivessem nenhuma dificuldade para entender.
Ele também precisaria deixar claro como aplicou sua teoria nos processos
decisórios como investidor.

Se conseguisse isso, abriria uma janela para a sua mente e ganharia o


respeito que há tanto tempo esperava obter. Caso contrário, ele
simplesmente confundiria as pessoas e inevitavelmente desapontaria a
maioria ou todos aqueles que esperavam ansiosamente por aquele
esclarecimento. Mas embora o livro tenha sido levado a sério,
particularmente pelos críticos, ele contribuiu muito pouco para que Soros
ganhasse maior respeito junto à comunidade financeira.

Por um motivo simples.

Soros não deixou claro para essas pessoas do que tratavam as suas teorias
financeiras. Ele criou confusões que aparentemente não lhe eram óbvias.
Para qualquer pessoa que se dispusesse a dissecá-lo, o livro era muito
pesado e muito difícil de ler.

***

Soros acreditava piamente que, mesmo que sua espantosa sagacidade


financeira se tornasse cada vez mais um assunto público, ele poderia
continuar nas sombras. Ele acreditava piamente que a publicação de
Alchemy iria reforçar sua reputação sem colocá-lo sob o foco da opinião
pública.

Logo ele descobriria como estava errado.

Quando The Alchemy of Finance foi publicado, em 1987, Soros esperava


que a comunidade financeira e todos de fora dela o tratariam com o respeito
que ele julgava merecer como intelectual. Não lhe passou pela cabeça que a
mídia trataria as idéias contidas no livro com indiferença. Quando Soros
percebeu que suas teorias eram menos interessantes do que suas posições
financeiras, a experiência foi um choque.

Quando a Simon & Schuster conversou com ele sobre promover o livro, ele
achou que estava embarcando em uma viagem de exploração de idéias com
a mídia e não que estaria se expondo aos tipos de perguntas que ele havia
evitado durante toda a sua carreira profissional.

“Você tem que sair e divulgar o livro”, uma figura importante da editora
disse a ele.

“Acho que para mim, tudo bem”, disse Soros com relutância. “O que devo
fazer?”

Bem, explicaram os rapazes da publicidade, você deve procurar dar


entrevistas para a Fortune, para o The New York Times e outros. Nós
cuidaremos de tudo para você.

Soros se consolou com a idéia de que as entrevistas enfocariam o livro. Mas


foi ingenuidade sua e alguns de seus companheiros tentaram alertá-lo: Não,
eles não vão querer falar sobre o seu livro. Eles vão querer descobrir qual
foi a última coisa que você comprou. Isso é o que eles vão perguntar, é isso
o que eles vão querer saber.

Numa tarde de sexta-feira, Soros estava em conferência com seus gerentes


de fundo quando de repente anunciou que ele precisava pegar um trem para
Washington.

“Eu vou participar desse programa ‘Wall Street Week’”, declarou com
aparente orgulho. “Eles vão discutir meu livro.”

Allan Raphael, um dos gerentes de fundo presentes naquela reunião, sabia


que Soros nunca assistia à televisão. Ele tentou ajudar.

“Você sabe como é este programa?”


“Sei, eles querem discutir meu livro.” Soros parecia insistente. Ainda assim,
Raphael também insistiu.

“George, eles não querem discutir seu livro. Querem saber o que você está
comprando, quais são suas ações favoritas. Eles vão perguntar um monte de
coisas que você não quer responder. ”

“Não”, disse George, desta vez com menos insistência na voz. “Eles vão
discutir meu livro.”

Naquela noite, Soros apareceu no programa. Após não mais do que dois
minutos de elogios, foi-lhe feita a seguinte pergunta:

“Quais são suas ações favoritas?”

Soros, porém, estava preparado.

“Eu não vou dizer.”

E não disse.

Entretanto, esse encontro representou sua entrada no mundo da vida


pública, no qual ele não se sentia totalmente à vontade.

Mas Soros ainda estava por ter mais uma surpresa.

Donald Katz queria entrevistar Soros para a Esquire. Mas Soros tentou de
todos os meios fugir do compromisso. O escritor já não sabia mais o que
fazer quando descobriu que Soros havia escrito um livro, que, mais tarde,
ele descreveu como “impenetravelmente denso mas às vezes
surpreendentemente brilhante”.[12]

Katz escreveu ao investidor uma longa carta, implorando uma entrevista.


Quem poderia negar uma audiência, ele perguntou a Soros em aparente bom
humor, a alguém que afirma ter lido seu livro? Alguns dias depois, Soros
concedeu a Katz apenas dez minutos. Evidentemente ele não estava
totalmente convencido de que Katz havia realmente lido The Alchemy of
Finance.
Katz chegou ao escritório do Soros Fund e foi levado a uma sala de espera
repleta de livros com títulos como Quantitatiue Risk Assessment in
Regulation e The policital Economy of Socialism: A Marxist View. Ele
também encontrou um livro em chinês e um trabalho sobre um pintor.
Depois Soros chegou, vestindo um elegante terno cinza, parecendo alegre.
Ele acompanhou Katz até sua ampla sala.

Logo Soros detonou a pergunta, que soou mais como uma afirmação, com
toques de cinismo ou dúvida.

“Então você diz que leu o meu livro.”

Katz disse que sim mas percebeu o cepticismo de Soros.

“E você entendeu o que leu?”

O que quer que Katz tenha respondido - ele não deixou nenhuma pista -
convenceu Soros de que valia a pena dar continuidade à conversa com o
escritor. Soros procurou enfatizar o mesmo ponto que ele esperava enfatizar
no programa em Washington, que ele estava interessado na filosofia e não
na arte de ganhar dinheiro.

“Meu real interesse é genuinamente analítico”, explicou a Katz. “É com a


teoria que eu estou preocupado. Meu sucesso no mercado financeiro me
permite uma plataforma para que as pessoas me levem a sério. Eu não tenho
interesse em ganhar novos clientes.”

Depois um sorriso brilhou no seu rosto. “E eu certamente não quero ficar


rico com este livro.”
16. O GRANDE DESASTRE

A incrível alta do mercado em meados da década de 1980 rendeu aos


investidores bilhões de dólares em lucros. Nenhum deles teve melhor
desempenho do que

George Soros.

Em 1986, o Quantum Fund valorizou 42,1% - atingindo US$1,5 bilhão,


aumentando ainda mais o brilho de Soros. O rendimento que ele próprio
auferiu com o fundo foi de US$200 milhões.

Em 1985 e 1986, ele acumulou estonteantes US$2,5 bilhões para ele


próprio e para seu pequeno grupo de investidores estrangeiros.

A média Dow Jones havia subido de modo estável, de 776,92 em agosto de


1982 para 2722,52 em agosto de 1987. Segundo a teoria da reflexividade de
Soros, o mercado subiria ainda mais. O próprio entusiasmo e o frenesi dos
investidores levariam-no para o alto.

Ainda assim, lá no fundo da sua mente, Soros sabia que mais cedo ou mais
tarde, se sua teoria da reflexividade estivesse correta, o aspecto de colapso
da sequência prosperidade/colapso entraria em cena. Era só uma questão de
tempo, mas não necessariamente de imediato.

Enquanto isso, Soros apareceu na capa da revista Fortune, em 28 de


setembro, e proclamou que as coisas nunca estiveram melhores,
particularmente no Japão.
“O fato de as ações terem subido e se distanciado das medidas
fundamentais de valor não significa que elas precisem despencar”, observou
Soros em uma entrevista para a reportagem de capa.[1] “Só porque o
mercado está supervalorizado, isto não quer dizer que ele não terá
sustentação. Se você quiser saber quanto mais as ações americanas poderão
ficar supervalorizadas, dê uma olhada no Japão.” Ele reiterou este ponto de
vista no “Wall Street Week”.

Mesmo depois de fazer os ajustes necessários às peculiaridades da


contabilidade japonesa, as ações naquele mercado estavam sendo vendidas
em outubro de 1987 a razões de lucro/ganho de 48,5%, comparadas com
17,3% na Inglaterra e 19,7% nos Estados Unidos. Soros achava que esses
múltiplos eram um mau presságio para o mercado de Tóquio. Ele sabia que
os preços em Tóquio haviam disparado, sabia também que havia muito
dinheiro correndo atrás de poucos ativos. E ele acreditava que os altos
índices e os baixos dividendos não poderiam ser sustentados.

Ele também sabia que muitas empresas japonesas, particularmente bancos e


companhias de seguro, haviam investido pesado em ações de outras
companhias japonesas. Algumas dessas empresas até emitiram dívida para
financiar suas atividades no mercado de ações. Essa exposição no mercado
de ações aumentou o valor dessas empresas no mesmo período em que a
Bolsa de Tóquio disparou - mas a ameaça de um grande colapso se as
coisas não dessem certo sempre estava por perto. Com sua teoria da
reflexividade em mente, Soros sentia que o frenesi dos investidores, agora
em desabalada carreira, provavelmente determinaria uma implosão nos
valores das ações japonesas. Como o mercado japonês respondia por 36%
do valor das ações em todo o mundo, o efeito seria sentido em toda a parte.
Soros começou a ficar profundamente pessimista em relação ao mercado de
ações japonês. “Não há volta para o mercado de Tóquio. A percepção de
valor é hoje tão extensa que um recuo ordenado parece impossível. Um
grande desastre financeiro pode estar a caminho.”

Entretanto, Soros supunha que o mercado dos Estados Unidos não seria
muito afetado em caso de craque no mercado japonês porque o valor das
ações americanas não chegava aos níveis absurdos do Japão. Embora ele
visse em Wall Street alguns dos mesmos processos que haviam levado às
extremas valorizações japonesas, isso não o deixava profundamente
preocupado. Seguindo esse raciocínio, naquele outono, ele transferiu vários
bilhões de dólares de investimentos em Tóquio para Wall Street. Ele emitiu
uma nota otimista: “O mercado americano só começou a se empolgar
recentemente e ainda é possível corrigir estes exercícios de forma suave e
organizada.”.

Nem todos concordaram. Em meados de outubro, Robert S. Prechter,


popular analista de mercado, que vinha prevendo altas de mercado há cinco
anos, inverteu sua posição e advertiu os clientes a saírem do mercado.
Soros, juntamente com outros investidores, ficou chocado com os
comentários de Prechter. No dia 14 de outubro, Soros escreveu um artigo no
Financial Times de Londres, prevendo novamente que era o mercado
japonês que estava a caminho de um colapso.

***

Então veio a dramática semana de 19 de outubro.

Anatole Kaletsky, chefe de redação do Financial Times em Nova Iorque na


época, conversava regularmente com Soros. No dia 19 de outubro, ele
telefonou para o investidor para descobrir o que estava acontecendo nos
mercados.

“Considerando-se a escala de suas posições, ele mostrou notável sangue-


frio. Foi extraordinariamente objetivo e me deu um relato histórico e
filosófico. Falamos sobre as analogias entre o que estava acontecendo
naquela semana e o que havia acontecido em 1929. Eu jamais poderia
suspeitar nem por um momento sequer que ele tinha alguma posição em
jogo. Eu lembro que ele falou em tom bastante descontraído, ‘Bem,
tecnicamente estamos vivendo novamente um 1929, o que está acontecendo
hoje, quero dizer.’ O que ele queria dizer era que esse era o tipo de fusão
nos mercados financeiros que ele já vinha esperando há algum tempo.”[2]
Mas aí veio o craque no mercado de Nova Iorque, que caiu um recorde de
508,32 pontos naquela segunda-feira. Soros esperava que o desastre no
mercado japonês fosse ainda maior, mas ele se manteve firme até terça-
feira. A queda na Bolsa de Nova Iorque marcou o final dos cinco anos de
mercado altista.

Na terça-feira, 22 de outubro, o mercado subiu 300 pontos mas depois


voltou a apresentar baixa. Relatos de resgates de largas margens foram
ouvidos. As ações americanas abriram dramaticamente baixas nos mercados
estrangeiros. Soros decidiu vender grandes quantidades de suas posições
compradas.

Um relato na Barron’s descreve o que aconteceu: “Os outros participantes


do pregão, ao ouvir o som de uma baleia em perigo, não avançaram, mas
cercaram a presa. A oferta foi de 230 para 220, 215, 205 e finalmente 200.
Daí então eles atacaram. O bloco de Soros vendeu de 195 a 210. A espiral
era horripilante. Foi o bloco de Soros e não a negociação por programa de
computadores que levou os futuros a um desconto de 50 pontos, ou 20%,
abaixo do valor de caixa do contrato S&P. O desconto nos cinco mil
contratos representaram algo em torno de US$250 milhões. O
administrador de fundo futuros cobriu esse valor, como o fizeram alguns
traders locais que ganharam milhões com a imediata recuperação dos
preços.”[3]

Depois que o bloco de Soros desapareceu, a ironia foi a de que o mercado


de futuros S&P recuperou-se rapidamente, fechando em 244,50. Soros
perdeu US$200 milhões em um dia.

***

Soros acabou sendo o indivíduo que mais perdeu com a queda de Wall
Street.
Ele admitiu ter cometido um erro de julgamento. “Eu esperava que a quebra
acontecesse no mercado de ações, mas fazendo uma retrospectiva ela
obviamente começou no mercado de títulos, particularmente no mercado de
títulos japonês, em que os rendimentos mais do que dobraram em uma
questão de semanas, algum tempo atrás.” Consequentemente, o mercado de
títulos americano entrou em parafuso na primavera de 1987. Como não
conseguiu perceber que a queda se aproximava de Wall Street, Soros ainda
esperava ver um mercado de ações saudável nos Estados Unidos.

Adam Smith, o comentarista econômico da televisão, admirava-se de que


Soros tivesse visto o desastre se aproximando e ainda assim se deixasse
apanhar.

Soros respondeu com sinceridade desconcertante: “Eu cometi um erro


enorme porque esperava que o choque acontecesse no Japão. E eu tinha me
preparado para isso e também para uma posterior queda nesse país. Mas na
verdade tudo ocorreu em Wall Street. Então, eu estava errado.”[4]

***

A sabedoria popular nos artigos de jornal publicados logo depois do


desastre de 1987 afirma que Soros perdeu algo em torno de US$650 a
US$800 milhões.

O The New York Times, por exemplo, informou no dia 28 de outubro de


1987, que o valor líquido dos ativos do Quantum Fund por ação havia
subido de US$41,25 em 1969 para US$9.793,36 um dia antes do craque. O
Times escreveu: “Este pode ser o segundo ano em que o Quantum perde
dinheiro ... Desde o início do declínio do mercado em agosto, o Quantum
Fund perdeu mais de 30% do seu valor, caindo de US$2,6 bilhões para
menos de US$1,8 bilhão. Apenas na semana passada, Soros vendeu
centenas de milhões de dólares em ações.”[5]
Floyd Norris, em sua coluna “The Trader” da Barron’s de 2 de novembro de
1987, informou que o Quantum Fund havia sofrido perdas de 32% no seu
ativo líquido como resultado do craque da Bolsa, caindo de US$2,6 bilhões
no final do primeiro trimestre - um aumento de 60% naquele ano até então -
para US$1,8 bilhão. Segundo a Barron’s, “Soros perdeu algo em torno de
US$840 milhões em menos de duas semanas.” Em uma breve entrevista
pelo telefone com a Barron’s, Soros admitiu que havia sofrido algumas
perdas, mas observou que o fundo ainda mostrava um rendimento de 2,5%
naquele ano.[6]

A questão sobre o quanto Soros realmente perdeu no craque de 1987 não o


deixou em paz desde então. Segundo Allan Raphael, Soros tentou persuadir
a mídia de que ele havia perdido muito menos do que os supostos US$800
milhões.

“É lamentável”, observou Raphael. “Os outros gostam de ver a nossa


miséria como sua alegria. O The New York Times nos solicitou uma
entrevista.”[7]

“Agora há muito mais informações sobre o preço do fundo, mas em 1987 a


única informação que o mundo exterior tinha sobre o preço do fundo era ...
a cotação ... a seção de investimentos fora do país do Financial Times.”

“Mas esse não era o valor do ativo líquido do fundo. Se você quisesse
comprar cotas do fundo, tinha que pagar o valor do ativo líquido mais um
prêmio. ... O valor do ativo, que reflete o valor líquido do fundo, não é o
preço que você vê no Financial Times e as pessoas não perceberam esta
distinção. E é por isso que elas calcularam os US$800 milhões.”

“Essas pessoas disseram que você entrou em outubro a US$20 mil dólares
por ação e terminou o mês a US$16 mil por ação. Portanto, você perdeu
US$4.000 por ação. ... Mas argumentamos que esse cálculo incluía o
prêmio. Nosso prejuízo foi de US$350 a US$400 milhões. Todo o mundo
pensou que ele realmente tinha sido de US$650 a US$800 milhões. Foi
muito ruim. Gary Gladstein, falando em nome de George, explicou ao The
New York Times sobre o prêmio, mas eles basicamente já tinham tirado
suas próprias conclusões. Soros não ficou satisfeito.”
‘“Isso não é verdade’, disse ele. ‘Como é que eles podem publicar uma
coisa dessas? Como é que eles fazem uma coisa dessas?’”

“Eu disse a ele: ‘George, não vamos entrar em discussão com pessoas que
compram tinta em barril. E isso é tudo.’”

“Mas ele ficou muito aborrecido. Depois disso, não fez mais sentido para
ele conversar com a imprensa.”

***

E realmente a craque da Bolsa corroeu todo o lucro de George em 1987.


Uma semana depois daquele desastre financeiro, o valor líquido do fundo
havia caído 26,2%, para US$10.432,75 por ação - um percentual ainda
maior do que a queda de 17% do mercado.[8] Comentou-se também que o
Quantum estava 31,9% menor desde 8 de outubro, sugerindo que Soros
havia perdido US$100 milhões do seu próprio dinheiro.[9]

Um repórter da revista Time perguntou qual foi a reação dele a esse revés:
“Estou achando graça”, foi tudo o que ele poderia dizer. Percebendo
aparentemente que as coisas poderiam ter sido muito piores, ele disse:
“Ainda estou sorrindo”.

Apesar de o desastre de outubro ter sido um dos piores contratempos de


Soros - ele não sofria tanto desde o fiasco dos títulos em 1981 -, ele
assimilou o golpe com grande serenidade. “Ele ficou absolutamente calmo
durante o choque”, disse um investidor seu amigo. “Ele assimila perdas
melhor do que qualquer outra pessoa que eu conheço. Talvez ele ache que o
mercado não reagiu como deveria, o que quer dizer que ele, de certa forma,
previu esse desfecho. Mas depois de cometido o erro, ele o aceita e segue
em frente.[10]
***

Para Soros, o colapso não tinha terminado. Ele achava que um outro grande
colapso financeiro poderia ocorrer. Aí então, observou melancolicamente,
muitos investidores iriam descobrir como é complexo jogar nesse mercado.
“Muitas pessoas acham que têm controle da situação”, disse ele. “Mas
assim como o declínio de 1960 e 1970 fez sumir muitas das fortunas
acumuladas nos anos 50 e 60, o teste virá diante da adversidade.”[11]

Em um artigo que escreveu no início de 1988, Soros comentou sobre as


incríveis semelhanças entre o craque de 1987 e o de 1929.

“As conexões reflexivas não operam com forças iguais em todos os


mercados em todos os momentos."

“As conexões reflexivas não operam com forças iguais em todos os


mercados em todos os momentos. Não obstante, os padrões quase sempre
mostram similaridades. Por exemplo, a semelhança entre os craques de
1987 e de 1929 é fantástica. A tendência de o dólar exceder os limites tanto
de alta quanto de baixa também é digna de nota.[12]

“Nos mercados de moeda, houve uma conexão mutuamente reforçadora


entre a importância relativa dos movimentos do capital internacional, que
passaram progressivamente a acompanhar mais as tendências, e as
flutuações excessivamente exageradas...

“No mercado de ações, porém, o crescimento da predisposição em


acompanhar tendências passou despercebido. ... Quando alguém é julgado
em comparação com médias de mercado, é difícil manter o julgamento
independente da tendência do mercado. ...
“Consequentemente, a confiança nos dispositivos que seguem as tendências
ficou maior do que a capacidade de o mercado acomodá-los. Quando o
mercado começou a cair, a aceleração continuou até ele ficar desorganizado
e alguns dos programas supostamente automáticos não puderem ser
executados...

“Grande parte da discussão sobre liquidez ou da falta dela está fora de


lugar; o que importa é o equilíbrio entre compradores e vendedores. A
especulação que segue as tendências (como a indexação, medida de
desempenho e análise técnica) e os dispositivos que seguem as tendências
(como seguro de carteira e lançamentos de opções) desequilibram a
balança. Os mercados financeiros precisam de uma medida de liquidez para
permitir a execução de ordens de compra e de venda sem custos de
transação excessivos; mas além de um determinado ponto, a liquidez, ou
sua ilusão, pode ser prejudicial porque encoraja o comportamento de seguir
tendências.”

"A confiança nos dispositivos que seguem as tendências ficou maior do que
a capacidade de o mercado acomodá-los."

Por incrível que pareça, no final de 1987, o Quantum Fund ainda


apresentava rendimento de 14,1%, atingindo US$1,8 bilhão.

Na verdade, a queda da Bolsa quase não afetou a posição de Soros em Wall


Street.

Quando a Financial World publicou sua pesquisa anual sobre as pessoas


mais bem pagas de Wall Street, Soros era o número dois, abaixo do líder
Paul Tudor Jones II. Os ganhos estimados de Tudor Jones estavam entre
US$80 milhões e US$100 milhões. Os ganhos de Soros em 1987, mesmo
com o craque, foram de US$75 milhões. Não é à toa que ele aceitou as
perdas com serenidade![13]
17. É PRECISO CORAGEM
PARA SER AMBICIOSO

Com a mente e o coração voltados para a Europa Oriental e a União


Soviética, George Soros sentia-se cada vez menos inclinado a acompanhar
as operações diárias do Quantum Fund. Ele podia permitir-se esse
afastamento. Desde meados da década de 1980, o fundo apresentava valor
líquido do ativo de mais de US$1 bilhão. Soros estava a caminho de tornar-
se um dos homens mais ricos do país. Ele desejava passar a maior parte do
seu tempo promovendo sociedades abertas na Europa e o mínimo possível
preocupando-se em ganhar dinheiro.

No outono de 1988, Soros estava determinado a escolher alguém que


pudesse não só assumir a administração diária do fundo, mas que também
estivesse preparado para um dia assumir toda a operação, alguém que
tivesse condições de tomar decisões que envolvessem um amplo leque de
opções. Encontrar essa pessoa e colocar o leme em suas mãos foi uma das
mais importantes decisões que George Soros já teve de tomar.

A pessoa que ele escolheu foi Stanley Druckenmiller.

Como Soros, Druckenmiller, um nativo da Filadélfia, virtualmente nunca


atraiu a atenção da mídia nos primeiros anos de sua carreira. Ele era um ás
dos investimentos, mas poucos sabiam algo a seu respeito. Ele se formou
em Inglês e Economia magna cum laude no Bowdoin College, no Maine.
Deu prosseguimento aos seus estudos de economia na Universidade de
Michigan, mas achou o programa demasiadamente quantitativo e teórico - e
chato. Parecia dar muito pouca ênfase ao mundo real.
Druckenmiller começou sua carreira em 1977 como analista de ações no
Pittsburgh National Bank. Seu salário era de US$10.800 ao ano. Quando foi
promovido a diretor de pesquisa de renda variável logo depois, seu salário
subiu para US$23.000 ao ano. Menos de um ano depois, ele se tornou chefe
de divisão ganhando US$48.000 ao ano. Dois anos mais tarde, em 1980,
saiu do banco com 28 anos para criar sua própria empresa de gerenciamento
monetário. O que o impeliu a mudar foi um telefonema que ele recebeu de
um executivo de uma empresa de valores mobiliários oferecendo-lhe um
salário de US$10.000 por mês apenas para conversar com ele sobre
investimentos. Druckenmiller deu ao seu fundo o nome de Duquesne
Capital Management.

Seis anos mais tarde, em 1986, Druckenmiller foi recrutado pela Dreyfus
para ser gerente de fundos, mas com autorização para continuar a gerenciar
o fundo Duquesne. Na Dreyfus, ele gerenciava ações, títulos e moedas,
entrando e saindo do mercado tanto como comprado quanto como vendido.
Seu talento altamente valorizado, Druckenmiller foi dando responsabilidade
a vários fundos desenvolvidos apenas para ele. O mais popular, criado em
março de 1987, era o Strategic Aggressive Investing Fund. Nos 17 meses
seguintes, ele foi o fundo que apresentou melhor desempenho na indústria.

O sucesso de Druckenmiller com o Strategic Fund chegou aos ouvidos de


George Soros. Segundo Soros, Druckenmiller procurou-o porque estava
intrigado com The Alchemy of Finance. Soros estava à procura do melhor e
Druckenmiller parecia preencher todos os requisitos. Apesar de estar
pensando em voltar a gerenciar seu próprio fundo, Soros era um de seus
ídolos: “Ele parecia estar uns vinte anos à minha frente implementando a
filosofia comercial que eu tinha adotado.” Essa filosofia era manter um
grupo básico de ações na posição vendida e um grupo básico de ações na
posição comprada e depois usar alavancagem para comercializar futuros
S&P, títulos e moedas.1

Soros convidou Druckenmiller para algumas reuniões.

Ele ficou dividido. Deveria voltar para o Duquesne? Ou aproveitar a


oportunidade e trabalhar com o Mestre?
Druckenmiller havia ouvido todas as histórias sobre Soros, que ele gostava
de demitir as pessoas por capricho, que a rotatividade no Quantum era alta.
Quando ele mencionou a seus amigos na comunidade de investimentos que
estava pensando em ir para o Quantum Fund, eles o aconselharam a não
aceitar a oferta.[1]

Os boatos não o incomodaram muito. O que poderia acontecer? Na pior das


hipóteses, ele ficaria com Soros um ano antes de ser demitido. Naquele ano,
pelo menos, ele adquiriria uma experiência infernal e, quando voltasse para
o Duquesne, só teria tido vantagens.

Determinado a atrair Druckenmiller, Soros aplicou pressão total. Mesmo


antes de contratá-lo oficialmente, Soros chamava-o de “meu sucessor”.[2]
Para Druckenmiller, tudo isto era muito lisonjeiro, mas também assustador.
“Quando fui à casa de Soros para ser entrevistado, o filho dele me disse que
eu era o décimo ‘sucessor’. Nenhum dos outros havia durado muito. ... E
quando eu cheguei ao escritório de Soros no dia seguinte, todos os
funcionários referiram-se a mim como ‘o sucessor’. Eles também achavam
engraçado.”

Em setembro de 1988, Soros fez a proposta oficial a Druckenmiller, que


aceitou. Soros havia encontrado seu substituto. Agora tudo o que
Druckenmiller tinha a fazer era demonstrar que estava à altura do cargo.

Os primeiros seis meses foram - como Druckenmiller temia - brutais. Os


dois homens podiam ter tido filosofias comerciais semelhantes, mas suas
estratégias de implementação dessas filosofias diferiam. Druckenmiller
queria poder operar independentemente. Ele não queria que George ficasse
o tempo todo em cima dele, tentando adivinhar todas as jogadas que ele
estava por fazer. De sua parte, Soros não tinha nenhum desejo de dar a
Druckenmiller muita liberdade logo no começo. Ele teria de fazer por
merecê-la. Daí então Soros pensaria em entregar-lhe as rédeas.

O novo homem não estava disposto a entrar em choque com o chefe. Então,
quando Soros propunha alguma coisa, Druckenmiller ia em frente. Ele
estava inquestionavelmente intimidado pelo seu mentor, o homem que ele
mesmo muitas vezes descreveu como o maior investidor de todos os
tempos.
Mas Druckenmiller acabou capitulando. Parecia quase idiota discordar de
qualquer coisa que viesse da boca de Soros, embora não passasse pela sua
cabeça ser um simples escriturário do Quantum. Druckenmiller finalmente
disse a Soros: “É impossível ter dois mestres-cucas na mesma cozinha; não
funciona.”. Soros fez alarde prometendo mudar, mas quase nada aconteceu.
Durante um certo tempo, Druckenmiller adotou uma atitude do tipo “sorria
e seja tolerante”.[3]

Mas em agosto de 1989, quase um ano depois de juntar-se ao Quantum, os


dois homens tiveram sua primeira grande altercação.

Druckenmiller, por conta própria, assumiu uma posição em títulos. Sem


consultá-lo, Soros vendeu os títulos. Foi a primeira vez que Soros agiu nas
costas de Druckenmiller.

Druckenmiller explodiu. Os dois trocaram desaforos mas no fim Soros se


acalmou e prometeu manter distância.

Soros reconheceu que ele e Druckenmiller enfrentaram alguns momentos


delicados. “No início, ele achava difícil trabalhar comigo. Apesar da grande
autoridade que eu lhe havia delegado, ele se sentia inibido com a minha
presença e achava que não estava desempenhando tão bem quanto antes de
vir trabalhar aqui.”[4]

Será que Soros conseguiria cumprir sua promessa? Druckenmiller tinha lá


suas dúvidas. Soros não havia conseguido manter-se distante no ano
anterior. Por que haveria agora de querer abrir uma nova página na sua
vida?

Mas alguns meses depois - no final de 1989 - Druckenmiller teve sua


chance.

As coisas tomaram um rumo dramático na Europa Oriental com a


Revolução do Veludo. Os regimes comunistas começaram a cair. O Muro de
Berlim foi posto abaixo em novembro. Soros acompanhava os eventos de
perto. “Com George na Europa Oriental”, disse Druckenmiller exultante,
“ele não podia interferir mesmo que quisesse.”[5] Soros deu sua versão.
“No verão de 1989, eu disse a Stan que ele precisava assumir o controle
total da administração do fundo. Desde então, não tivemos mais
dificuldades. Eu passei a ser o treinador e ele o atleta. Nosso desempenho
melhorou. ...”[6]

A independência recém-descoberta provou ser extremamente benigna para


Druckenmiller. Com Soros distante, ele fez seu primeiro grande negócio
para o Quantum, com base na convicção de que o marco alemão seria
fortalecido depois da queda do Muro de Berlim. Soros podia estar fora do
campo de visão de Druckenmiller, mas certamente não estava fora de sua
mente. O jovem gerente de fundos lembrava-se sempre de The Alchemy of
Finance, especificamente da teoria de Soros sobre moedas. Uma parte
daquela teoria afirmava que se um enorme déficit surgisse concomitante
com uma política fiscal expansionista e uma rígida política monetária, a
moeda do país se valorizaria. Este parecia o momento certo para apostar no
marco alemão.

Na prática, a teoria de Soros parecia ir contra a realidade. Nos dois


primeiros dias após a queda do Muro, o marco caiu junto. As pessoas
acreditavam que o déficit iria aumentar e que esse aumento seria prejudicial
à moeda alemã. Não obstante, Druckenmiller seguiu os conselhos do
Mestre, estabelecendo uma posição de US$2 bilhões em marcos nos dias
que se seguiram e colheu altos lucros.

Ele também acreditava que o índice Nikkei apresentava excesso de


expansão; o Banco do Japão estava endurecendo sua política monetária.
Pressentindo a calamidade, Druckenmiller ficou vendido no mercado de
ações japonês no final de 1989 - mais uma vez marcando um tento para o
Quantum.

***

No final da década de 1980, o clima de empréstimos nos Estados Unidos


ajudou enormemente a grande liga de investidores, como Soros e
Druckenmiller.
No início de 1989, as taxas de juros de curto prazo ficaram vantajosamente
mais baixas do que as taxas de juros de longo prazo. “Vantajosamente”,
explicou James Grant, editor do Grant’s Interest Rate Observer, em Nova
Iorque, “porque você pode conseguir um empréstimo a, digamos, 3,5%, e
comprar um título do governo que rende 5,5%. E aqueles humildes dois
pontos percentuais podem resultar em montantes gigantescos de dinheiro
desde que a luz do dia não se apague enquanto durar o seu negócio.”[7]

Em tese, aqueles “humildes dois pontos percentuais” estavam disponíveis a


qualquer um. Os fundos hedge, porém, tinham meios de explorar a
oportunidade na sua totalidade. “Os fundos hedge”, observou Grant, “têm o
tipo de balanço que lhe permite requisitar linhas de crédito junto aos
bancos. Você e eu não podemos entrar e conseguir um empréstimo de um
bilhão de dólares, mas esses caras conseguem...”

Grant continuou: “O que está acontecendo de diferente nos últimos anos ...
é que as sociedades individuais podem e estão obtendo empréstimos. Se
você começa com um bilhão de dólares de capital, pode obter um
empréstimo volumoso e realizar grandes feitos. ... Bem, se você faz isso
com um bilhão de dólares, ou cinco bilhões de dólares, só precisa acordar
de manhã! ... Esse clima financeiro veio a calhar para a especulação - e
especulação em grande escala.”.

***

No início de 1991, Stanley Druckenmiller assumiu posições vendidas de


US$3 bilhões nos mercados americano e japonês e também ficou vendido
em grandes posições nos mercados de títulos americano e mundial. Nas
duas primeiras semanas do ano, com os Estados Unidos lançando suas
armas contra o Iraque, parecia que o mercado sofreria uma queda séria
assim que a guerra irrompesse.

Discordando, Druckenmiller mudou as posições futuras S&P do Quantum


Fund de vendidas para compradas. Manteve uma grande posição vendida
em ações, especialmente ações de bancos e imobiliárias. Quando a guerra
começou, o Quantum era totalmente comprado. De qualquer maneira, as
previsões de Druckenmiller estavam certas, muito embora ele tenha passado
todo o mês de janeiro de 1991 com todas as posições erradas: posição
vendida de US$3 bilhões em ações de todo o mundo, posição vendida de
US$3 bilhões em dólar contra o marco, mais uma grande posição vendida
em títulos japoneses e americanos. Assim, no final de janeiro, o Quantum
apresentava saldo positivo.

O Quantum arrematou ganhos de 53,4% naquele ano. O total de seus ativos


era de US$3.157.259.730. Um porta-voz do fundo declarou: “Tivemos um
ano de sorte; não somos tão bons assim. Ganhamos um bom dinheiro em
ações, moedas, títulos - e não é comum acertar todas as jogadas dessa
maneira. Um pouco antes naquele ano, como consequência da Guerra do
Golfo, os gerentes financeiros de Soros estavam otimistas. Mais tarde, o
otimismo diminuiu e eles descarregaram bilhões de dólares em títulos do
tesouro de curto e longo prazos.[8]

"Para conseguir altos retornos no longo prazo, 'preserve o capital e as boas


tacadas'."

A maior jogada de Druckenmiller e também a de maior sucesso em 1991 foi


sua aposta de US$12 bilhões em títulos e moedas europeus, japoneses e
americanos. Quando os títulos subiram em meio a indicações de fragilidade
econômica em agosto e setembro, o Quantum ganhou centenas de milhões
de dólares. O Quantum também se saiu muito bem com ações de
biotecnologia e ganhou US$200 milhões em ações de empresas telefônicas
do México e outras. O desempenho de Druckenmiller foi tão bom que Soros
obteve o maior rendimento do país em 1991 - US$117 milhões.[9]

E o desempenho de Druckenmiller foi satisfatório o suficiente para receber


de Soros o elogio máximo. Ele o chama de seu “alter ego”.
Tecnicamente, Druckenmiller era um dos 12 diretores administrativos. Mas
na prática, porém, ele tocava toda a operação. E que operação: desde que
Druckenmiller assumiu o Quantum Fund, o fundo teve ganhos médios
anuais de 40%, mais altos do que os registros de Soros de ganhos anuais de
30% de 1969 a 1988. Em 1989, o primeiro ano sob total liderança de
Druckenmiller, o Quantum rendeu 31,6% em 1990, 29,6%; em 1992,
68,6%; e em 1993, 72%.

Nas raras entrevistas que concedeu, Druckenmiller atribuiu seu incrível


desempenho a George Soros. Ele seguiu a filosofia de Soros sobre como
obter retornos de longo prazo e a tática deu certo.

Soros, explicou Druckenmiller, argumentava que para obter retornos de


longo prazo era preciso “preservar o capital e as boas tacadas. Você
consegue ser muito mais agressivo quando está tendo bons lucros. Muitos
administradores, assim que atingem 30 ou 40%, fecham o ano (isto é,
negociam com muita cautela durante o resto do ano para não colocar em
risco os bons retornos que já foram obtidos). Para obter retornos
verdadeiramente superiores no longo prazo, você deve trabalhar com muita
aplicação até chegar nos 30 ou 40% e depois, se tiver convicção, tenha
como meta os 100% ao ano. Se você conseguir juntar alguns anos próximos
dos 100% e evitar os anos de baixa, então obterá retornos realmente
surpreendentes no longo prazo.[10]

A lição mais significativa que Soros lhe ensinou, sugeriu Druckenmiller, foi
“que o importante não é estar certo ou errado, mas quanto dinheiro você
ganha quando está certo e quanto você perde quando está errado. Nas
poucas vezes em que Soros me criticou, eu estava realmente certo em um
mercado, mas não consegui maximizar a oportunidade”.[11]

"O importante não é estar certo ou errado, mas quanto dinheiro você ganha
quando está certo e quanto você perde quando está errado."
Ele aprendeu isso logo depois que começou a trabalhar no Quantum. Ele
estava entusiasmado com o dólar e assumiu uma grande posição vendida
contra o marco alemão. A posição começou a caminhar a seu favor e ele
ficou muito satisfeito consigo mesmo. Soros apareceu no seu escritório e
discutiu aquele lance.

“Qual a sua posição?”, ele perguntou.[12]

“Um bilhão de dólares”, Druckenmiller respondeu.

“E para você isso é posição?”, disse Soros, uma pergunta que se tornou
parte do folclore de Wall Street.

Soros sugeriu que Druckenmiller dobrasse sua posição. Ele obedeceu. E,


exatamente como Soros havia previsto, lucros ainda maiores jorraram sobre
o Quantum.

“Soros ensinou-me”, comentou Druckenmiller, “que quando você tem uma


tremenda convicção em relação a um negócio, você tem que atacar a
jugular. É preciso coragem para ser ambicioso. É preciso coragem para
lucrar com enormes alavancagens. E no que tange a Soros, quando você
está certo em relação a alguma coisa, o que você tem nunca pode ser o
suficiente.”

***

Uma das grandes influências na vida de George Soros - por várias vezes ele
deixou isto claro - foi sua esposa Susan. Ele disse em público e em
particular que “ela conseguiu manter-me humano”.

"É preciso coragem para ser ambicioso. Quando você está certo em relação
a alguma coisa, nunca o que você tem pode ser o suficiente."
Houve uma época em que Soros queria viver em Londres, onde pudesse
ficar mais perto da Europa Oriental e da antiga União Soviética, cenários de
seus maiores interesses nos anos 80 e início de 1990. Susan queria que eles
continuassem em Nova Iorque por causa das crianças. Pode-se dizer que ela
venceu, embora Soros ainda viaje muito.

Ela tem sido o para-raios para algumas das publicidades mais negativas em
torno de Soros. O incidente mais controvertido, em 1991, teve a ver com a
insatisfação de Susan quanto ao mordomo e à cozinheira que Soros tinha na
sua casa da Inglaterra e que, segundo um jornal, recebiam 70 mil libras
esterlinas por ano os dois e eram casados.

Os relatos dos jornais na época indicavam que durante uma das viagens de
Soros, Susan decidiu que não queria mais o estilo inglês de cozinha de
Nicki Davison. Ela mandou vir de avião a chef americana Miriam Sanchez.
Segundo o New York Post, que transcreveu declarações publicadas no Daily
Mail da Grã-Bretanha, “Os ânimos logo se exaltaram assim que Patrick
Davison, mordomo altamente qualificado, viu que Sanchez estava
‘despejando’ no goulash uma garrafa de US$840 de Chateau Lafite depois
de ele ter dito para ela usar um Chardonnay ou um Beaujolais novinho’”.
“Achei ultrajante”, disse Davison no tribunal.[13] e [14]

Um dia, informou o Daily Mail, Sanchez e Davison discutiram por causa da


colher que seria usada no suflê. Susan demitiu Davison e a cozinheira. O
casal Davison reclamou em um tribunal inglês. Em resposta, Susan contou
ao júri que preferia a comida de Sanchez porque a de Davison era “cozida
demais”. Davison afirmou que a rixa entre ele e Susan era apenas um truque
por parte de Susan para que George ficasse mais tempo em Nova Iorque e
menos em Londres.

“A Sra. Soros é 25 anos mais moça do que seu marido e eu receio que ela
consiga tudo o que quer”, alegou Davison. “Ela nos demitiu enquanto ele
estava viajando e desde então venho tentando entrar em contato com ele,
mas ele não me atende.” Novamente de acordo com os relatos dos jornais, o
tribunal inglês, em maio de 1991, obrigou Soros a pagar aos Davisons
aproximadamente US$40.000, o valor máximo de indenização estabelecido
por lei.

Um dos melhores amigos de Soros, o jornalista inglês Anatole Kaletsky,


disse-me que o episódio do “Chateau Lafite” lhe parecia totalmente
implausível e que ele se sentia embaraçado com a cobertura que a mídia
britânica fez do incidente. “Não tinha a marca da verdade. ... As descrições
desse palácio em que Soros supostamente vivia não batiam com a casa na
qual ele realmente morava. Sua esposa insistir em usar Chateau Lafite no
ensopado também é totalmente implausível. Eu já jantei com eles em
Londres diversas vezes. É inconcebível que eles tenham mandado alguém
comprar o vinho mais caro para usar em um ensopado. Não combina com o
estilo de vida deles ... Tanto George quanto sua esposa me disseram que a
maioria dos detalhes com relação ao incidente não eram verdadeiros.”[15]

Verdade ou ficção, o episódio do “Chateau Lafite” iria atormentar Soros no


futuro. Durante um tempo, quando apareciam artigos sobre ele, os autores
lembravam aos leitores quem era George Soros relacionando-o à história do
mordomo, do vinho e do goulash.

Dois anos mais tarde, em 1993, Susan abriu uma escola, a Bard Graduate
Center for Studies in the Decorative Arts. O centro, localizado na rua 86-
Oeste, em Nova Iorque, é parte do Bard College e oferece cursos de dois
anos para o estudo de objetos de decoração, móveis e tecidos. Para esse
empreendimento, ela recebeu uma ajuda de US$6,6 milhões do marido.

***

O Quantum Fund crescia tão rapidamente que Soros e Druckenmiller


resolveram ser aquele o momento certo para criar outros menores. Então,
em 1991 e 1992, as operações de Soros expandiram. Como o Quantum, o
Quasar Fund, fundado por Soros em 1991, investia em qualquer coisa,
desde moedas até commodities. O Quasar era administrado por 15
administradores externos; Soros, porém, administrava a negociação de
moedas para o fundo.

Em 1992, o Quantum Emerging Growth Fund e o Quota Fund foram


criados. O primeiro enfocava os mercados de ações emergentes da Ásia e
América Latina; podia, no entanto, investir nos Estados Unidos e na Europa
e em moedas e títulos tanto quanto em ações. O Quota Fund era conhecido
como um “fundo de fundos”. Seus investimentos eram controlados por dez
administradores externos. Juntos, no início de 1993, os fundos detinham
carteiras de mais de US$50 bilhões. Druckenmiller controlava o Quantum
Fund diretamente e supervisionava os outros.
18. DOMANDO A COBRA

O maior lance de George Soros - aquele ato que fez dele um investidor
famoso em todo o mundo - ocorreu em setembro de 1992.

Foi então que ele fez aquela notável aposta contra a libra. Com isso, ele
desafiou duas das mais formidáveis instituições de toda a Inglaterra.

Uma delas foi a própria libra, outrora toda-poderosa. Durante 200 anos, a
libra foi a moeda-chave do mundo, ancorada no ouro, um símbolo tão forte
da potência britânica quanto sua marinha naval. Mas, depois, o custo da
Primeira Guerra somado ao craque do mercado de ações em 1929
corroeram seu poder. Os britânicos permitiram que ela flutuasse e a
desatrelaram do ouro. Seu valor mudava todos os dias.

A outra instituição venerável que Soros desafiou foi o Banco da Inglaterra.


Durante anos, o Banco foi sinônimo de prosperidade e poder, um autêntico
rochedo de Gibraltar das finanças britânicas. Nada o desalojava de sua
sólida posição de mais resistente baluarte do país contra as turbulências do
mercado.

George Soros testaria a força dessas instituições como nunca ninguém antes
ousara imaginar. O que ele estava para fazer ninguém jamais havia tentado.
Ele estava preparando-se para um bom futuro.

***
Antes que ele pudesse agir, vários ingredientes teriam de ser reunidos.

O sistema ERM - Exchange Rate Mechanism - organizado em 1979,


deveria ser a primeira etapa de um amplo programa para a criação de uma
única moeda européia. Uma moeda unificada estabilizaria os negócios na
Europa. Diminuiria também o poder de traders e de especuladores, que
podiam tornar a vida difícil para os banqueiros do governo - especialmente
quando esses governos agiam como se não fossem parte de uma união
monetária.

Com o ERM em vigor, as nações da Europa Ocidental estariam unidas, suas


moedas vinculadas não ao ouro ou ao dólar - mas umas às outras. Cada
moeda seria comercializada dentro de um certo intervalo chamado de
banda. Se qualquer moeda atingisse o valor máximo ou mínimo da banda, o
banco central daquele determinado país estaria obrigado a alinhá-la
novamente vendendo pelo máximo ou comprando pelo mínimo. Dentro
dessas bandas, as moedas dos países-membros tinham permissão para
flutuar em relação às moedas dos outros países-membros, a uma taxa
central baseada no marco alemão.

***

A esperança de uma unidade européia mais rígida aumentou em 7 de


fevereiro de 1992, quando foi assinado o Tratado de Maastricht. Esse
Tratado, assinado pelas 12 nações-membros da Comunidade Européia,
destinava-se a preparar os sistemas monetário e econômico da região para
uma gradual união. O plano era criar um único banco central e uma única
moeda até o ano 2000. Deveria também lançar a Europa na direção da união
política.

Que grande esperança - e ilusão, como isso aconteceu.

Implícita na esperança estava a noção de que os estados europeus atuariam


em harmonia, superando os interesses nacionais para o bem da comunidade
unificada.

O problema era: alguém tinha esquecido de dizer aos europeus que eles
deveriam agir em uníssono.

O sucesso do plano dependia em alto grau de cada país coordenar sua


política econômica com a dos outros. Mas por mais documentos que
assinassem, por mais discursos grandiosos que fizessem, os políticos da
Europa Ocidental não conseguiam agir da maneira que uma Europa
Ocidental unificada exigiria que eles agissem.

Os bilhões que George Soros viria a arriscar no outono de 1992 na sua


aposta contra a libra eram apenas uma pequena parte das ondas de capital
que inundavam as praias dos mercados financeiros do mundo. Com os
avanços na tecnologia e com a desregulamentação, US$1 trilhão em moeda
eram trocados todos os dias, mais do que o triplo do nível de 1986. Os
fundos de pensão dos trabalhadores americanos tinham US$150 bilhões
investidos no exterior, 20 vezes o nível de 1983. Todos os tipos de
instituições, desde companhias de seguro japonesas até fundos mútuos
americanos, andavam de um lado para o outro do mundo à procura de
investimentos.

***

Desde 1987, as principais moedas da Europa estavam “ancoradas” no


marco alemão. A libra inglesa, por exemplo, foi vinculada em
aproximadamente 2,95 marcos por libra, o que tornava muito alto o custo
daquele país para juntar-se ao ERM. Em 1992, ficava cada vez mais claro
que várias moedas européias - não apenas a libra, mas a lira italiana,
também - estavam significativamente supervalorizadas em relação a
moedas mais fortes como o franco francês e o marco alemão. Por causa da
recessão britânica e porque parecia haver poucos motivos para acreditar-se
que a Grã-Bretanha tivesse condições de manter a libra em uma cotação tão
alta frente ao marco, os especuladores começaram a sentir o cheiro de
sangue. Eles começaram a crer que a Inglaterra seria forçada a abandonar o
ERM.

“A genialidade de George está em perceber a tendência muito antes do que


qualquer outra pessoa."

George Soros especulava que o ERM, coloquialmente conhecido como “a


cobra”, não conseguiria manter uma instância unificada. Soros entendia que
a única maneira de a Europa afastar os especuladores era manter as taxas de
juros no mesmo patamar em todos os países. Se essas taxas variassem,
especuladores como George Soros estariam prontos para atacar - e explorar
as moedas mais fracas. E foi isso em essência o que começou a acontecer
no verão de 1992.

Soros já tinha percebido todo este cenário há algum tempo.

“A genialidade de Soros”, observou Gary Gladstein, diretor administrativo


do Soros Fund Management, “está em perceber a tendência muito antes do
que qualquer outra pessoa. George percebeu o que iria acontecer
praticamente no momento da queda do Muro de Berlim. Por raciocinar em
termos tão amplos, ele viu que a reunificação da Alemanha ficaria muito
mais cara do que [o chanceler Helmut] Kohl estava prevendo, do que todos
estavam prevendo. Seu conhecimento da realidade macroeconômica
indicou que estávamos prontos. Ele não precisava ter os olhos nas
máquinas; na sua mente, ele já estava comprometido.”[1]

***

Os problemas na Europa aumentavam. Menos de um ano depois de


assinado o Tratado de Maastricht, vários países europeus já não
caminhavam em harmonia.

Enquanto os britânicos decidiam fortalecer sua economia, Soros e outros


especuladores partilhavam da crescente convicção de que a Inglaterra não
teria como manter suas taxas de juros em níveis elevados, não com sua
economia enfrentando tantos problemas. A única solução plausível parecia
ser diminuir as taxas de juros - mas isso enfraqueceria a moeda do país. E
isto os forçaria a sair do ERM, algo que os britânicos insistiam em dizer que
nunca fariam. Nesse meio-tempo, começava a ficar claro para a
comunidade financeira de Londres que especuladores como Soros estavam
fazendo apostas contra a libra, que eles vinham acumulando posições
consideráveis ao longo dos últimos meses.

Quem estaria com a razão? O primeiro-ministro John Major ou o maior


investidor do mundo, George Soros?

***

No decorrer de 1992, a posição do governo britânico era cada vez mais


desconfortável. Ele queria que as taxas de juros na Alemanha caíssem. Mas
sabia que isso era improvável.

Ele queria uma rápida solução para sua economia, mas isso exigiria o tipo
de reversão política que poderia abalar o governo e talvez até provocar seu
colapso.

John Major tinha de tomar uma decisão. Ele decidiu endurecer: a Inglaterra
não abandonaria a política de manter o valor da libra dentro do Exchange
Rate Mechanism. Ele e seu ministro da Fazenda, Norman Lamont, foram
enfáticos.

Não obstante, aumentava a pressão sobre a política do primeiro-ministro de


defender a libra a qualquer custo. Como disse o primeiro-ministro, a libra
tinha caído para 2,85 marcos.
Começo de julho de 1992

Seis grandes monetaristas escrevem uma carta para o Times de Londres,


insistindo para que a Grã-Bretanha deixe o ERM. Com isso, eles
argumentam, o governo pode baixar as taxas de juros e ajudar o país a
superar a depressão econômica.

O governo, porém, não quer baixar as taxas de juros. Isso enfraqueceria a


moeda e uma moeda fraca ficaria vulnerável aos especuladores e hedgers. A
Grã-Bretanha poderia reduzir seus juros, se os alemães diminuíssem os seus
ainda mais. Entretanto, o Bundesbank, altamente independente, resiste a
pressões para efetuar tal corte.

Final de julho de 1992

Os críticos ficam mais barulhentos. Mais e mais especialistas financeiros


em Londres questionam a política cambial do governo e se Major e Lamont
terão fibra para manter aquela política diante da crescente recessão no país.

Os líderes empresariais da Inglaterra estão exigindo um realinhamento da


libra dentro do ERM para uma taxa central em torno de 2,60 marcos. Eles
querem um corte nas taxas de juros, também, de pelo menos 3%. Nenhuma
de suas reivindicações parece estar atingindo o governo.

Durante todo o verão e início do outono de 1992, o chanceler Lamont


descarta a desvalorização. “Ouro de tolo”, é como ele chama essa atitude.

Meio de agosto de 1992

Caso alguém não esteja ouvindo, Lamont repete: “Nós não vamos
desvalorizar a libra.” Respondendo aos seus críticos, ele declara: “se, como
alguns sugerem, saíssemos do ERM e reduzíssemos as taxas de juros, as
coisas ficariam piores. A libra despencaria e a inflação explodiria.”
Não haveria nenhum afastamento do ERM. “Estou determinado”, ele
escreve em um jornal, “a não desperdiçar o progresso que já obtivemos.”

26 de agosto de 1992, 8h26min

Não parece provável que Lamont consiga manter-se firme no seu propósito.
Há apenas alguns minutos, um funcionário do Tesouro estava muito
ocupado polindo a placa de bronze para deixá-la reluzente diante das
câmeras de televisão. Depois, Lamont aparece do lado de fora do Tesouro,
diante de uma câmera de TV. Ele cerra os punhos, dá um largo sorriso,
como se tentasse dissimular uma enorme agitação interior.

Os repórteres presentes estudam sua linguagem corporal tanto quanto suas


palavras, tentando detectar a verdade. A linguagem corporal denuncia as
dúvidas. Balançando a cabeça em sinal de afirmação, em geral quando
menciona uma palavra particularmente sensível, Lamont está arfante e seu
peito ergue-se consideravelmente. Quando ele fala, as palavras saem
rapidamente, muito rapidamente, sugerindo que ele está correndo para
concluir aquela apresentação o mais depressa possível. Ele deixa claro que
não quer ser interrompido. Lamont, em um terno sóbrio, tenta transmitir
segurança e confiabilidade. Mas poucos se deixam enganar.

Ele descarta a hipótese de uma desvalorização da libra, esperando acalmar


os mercados financeiros, esperando evitar um aumento nas taxas de juros. E
assegura uma vez mais que a Inglaterra não vai deixar o ERM. O chanceler
diz com firmeza que “só queria deixar a posição do governo absolutamente
clara. Não vão haver desvalorizações, não haverá saída do ERM. Estamos
absolutamente comprometidos com o ERM, que é a nossa política - ele está
no centro da nossa política".

Repete o que vinha sendo ouvido com frequência em Downing Street nos
últimos dias: “Faremos o que for necessário”, sugerindo que o governo não
terá receio de aumentar as taxas de juros, se necessário. Ele repele as
perguntas. Tudo o que diz ao sair é: “Estamos agindo.”.
As declarações públicas de Lamont acontecem ao mesmo tempo em que o
Banco da Inglaterra intervém para comprar libras agressivamente,
aproximadamente 300 milhões de libras. Esse passo tem como objetivo dar
credibilidade à mensagem do chanceler - e tentar impedir que os
especuladores levem a libra abaixo do piso de 2,7780 marcos alemães.

No final do dia, a libra fecha em 2,7946. Mas nenhuma destas atitudes - as


duras palavras de Lamont, a ação agressiva do banco - tem tanto peso
quanto a linguagem corporal altamente expressiva do chanceler. “Ele é um
homem atormentado pela dúvida”, diz Catherine Charlton, professora de
expressão, perita em vozes e dialetos, que, juntamente com vários outros
especialistas, analisou um videoteipe do discurso de Lamont para o Daily
Mail. Para Charlton, o número de vezes que o chanceler piscou os olhos
revela seu segredo. A maioria das pessoas, observa ela, pisca entre seis e
oito vezes por minuto. Mas Norman Lamont pisca 64 vezes em apenas 45
segundos! “Em geral”, ela conclui, “se você está falando a verdade, ou
exprimindo real sinceridade, seus olhos ficam calmos e serenos.”

Expressão corporal. Percentual de piscadelas. Ânsia em desempenhar e sair.


Tudo isso indica uma coisa só. Os especuladores começam a sentir que o
governo está enfraquecendo.

28 de agosto de 1992

Lamont faz um outro pronunciamento, desta vez depois de uma reunião


com os ministros das finanças da Comunidade Européia.

Adivinha?

Ele anuncia que o ERM não será realinhado.

As palavras caem no vazio.

Final de agosto de 1992


George Soros sentiu a tempestade se aproximando. Ele conversa com
Helmut Schlesinger, presidente do Bundesbank, e sente que os alemães não
têm planos para acudir os outros países europeus. :

O que Soros fica sabendo nesta conversa com Schlesinger é que os alemães
não farão nada para minar sua própria economia. A relutância de
Schlesinger em socorrer a Inglaterra e outros países torna ainda mais
improvável que Major e Lamont consigam manter seu país no ERM.

Observando a receita de um desastre tomar forma, Soros começa a acreditar


que é possível um grande lance na área dos investimentos. “Foi quase como
se estivéssemos nos preparando para um exame há seis meses”, diz um
porta-voz de Soros, que não quis se identificar, “e agora estamos finalmente
fazendo a prova.”[2]

Começo de setembro de 1992

George Soros não está sozinho na sua aposta contra o ERM e os bancos
centrais da Europa. Os fundos mútuos e as corporações multinacionais que
tradicionalmente atuam ativamente como hedgers de moedas começam a
vender as moedas européias mais fracas.

Os traders de divisas dentro da comunidade dos bancos de investimentos


percebem rapidamente o aumento no volume que controlam para seus
clientes. É claro que os bancos centrais da Europa estão sob tremenda
pressão. Esses bancos terão de gastar altas somas de dinheiro para escorar
suas moedas. É cada vez menos provável que o Banco da Inglaterra consiga
defender a libra por muito mais tempo.

E ainda assim a Grã-Bretanha não cede.

Norman Lamont está tentando ganhar tempo para a sua libra já sitiada.

3 de setembro de 1992
Lamont anuncia que o governo planeja obter empréstimos no valor de 7,5
bilhões de libras em moedas estrangeiras junto a um grupo de bancos
internacionais. Essa atitude sem precedentes visa a ressuscitar a libra. Em
Londres, há euforia e um alívio momentâneo já que parece que Lamont
tirou um coelho da cartola.

Talvez, afinal, ele consiga manter a libra forte o suficiente para permanecer
no ERM. E afastar a necessidade de uma desvalorização.

10 de setembro de 1992

Lamont mais uma vez descarta qualquer hipótese de desvalorização da


libra. Nesse mesmo dia, John Major usa uma linguagem dura em um
pronunciamento para a Scottish Confederation of British Industry, em
Glasgow. Esmurrando o ar com o punho, ele observa que “a opção suave, a
opção dos que desejam a desvalorização, a opção inflacionária - na minha
opinião isso seria uma traição ao nosso futuro neste momento. E eu afirmo
categoricamente que essa não é a política do governo”.

O comentário é recebido com aplausos.

George Soros ouve os pronunciamentos de John Major e Norman Lamont,


mas dá pouco crédito àquelas palavras.

“Não havia convicção nelas”, diz ele depois da crise, “porque a realidade da
situação era mais premente.”[3]

A “realidade” para Soros é que a Inglaterra sofrerá uma forte pressão para
manter sua moeda tão valorizada, dada a estagnação econômica. (Um
repórter de TV perguntou mais tarde a Soros por que as palavras de Norman
Lamont não o haviam convencido. Soros abriu um enorme sorriso e depois
deu uma gargalhada: “Tudo o que eu posso dizer é o que eu já disse antes:
Elas não me transmitiram convicção.”)

Soros vinha observando a situação, esperando pelo momento certo. Ele


sente que uma bomba-relógio foi acionada, mas não tem idéia de quando
ela vai explodir.

“Eu pessoalmente não previ uma ruptura do Exchange Rate Mechanism”,


diz ele. “Eu simplesmente vi a tensão entre as autoridades. Mas depois
ficou óbvio que as tensões eram grandes demais, que a desunião era grande
demais e houve uma entrevista em particular de Schlesinger, o presidente
do Bundesbank, publicada no The Wall Street Journal e que foi
efetivamente o toque de clarim para todo o mundo se livrar da libra.”[4]
Schlesinger sugeriu que o acordo que exigia que os italianos
desvalorizassem a lira em troca de um corte nas taxas de juros alemãs não
conseguiu ir muito longe em termos de solucionar a crise dos mercados de
moeda da Europa. E ele insinuou que a turbulência poderia ser evitada
através da desvalorização. A entrevista passa a ser um convite para os
especuladores venderem libras.

Para Stanley Druckenmiller, o “toque de clarim” de Schlesinger torna


cristalina a aposta contra a libra. “A decisão real não foi se deveríamos ou
não ter tomado aquela posição, mas até onde iríamos. A princípio, eu estava
pensando em algo em torno de três ou quatro bilhões. Mas foi aí que entrou
o instinto de George, seu sexto sentido ou o que quer que seja, a diferença
que faz dele um investidor tão formidável. Para ele, não importa se você
está certo ou errado, mas, quando souber que está certo, assegurar que vai
obter o máximo do que está em jogo. Na verdade, ele - nós - teria apostado
mais, mas não tivemos tempo.”[5]

Druckenmiller merece um crédito muito grande por ter iniciado o jogo com
a libra, mas é Soros, como sempre, quem tem a extrema autoconfiança que
encoraja Druckenmiller a apostar tanto. “Eu disse a ele que pulasse na
jugular”, disse Soros. “É como atirar em peixes dentro de um barril.
Enquanto o barril se mantém em pé, você continua a atirar nos peixes.”[6]

Quando os mercados explodem, George Soros está sempre lá, pronto para
aproveitar a oportunidade.

O jogo que ele joga é complexo. É complexo porque ele acredita que a
ruptura do ERM, agora inevitável, colocará em ação uma sequência de
acontecimentos. Primeiro, um grande realinhamento das moedas européias.
Segundo, uma queda vertiginosa nas taxas de juros da Europa. Terceiro, um
declínio nos mercados de ação da Europa.

Então ele decide ficar vendido nas moedas européias fracas. E aposta nas
taxas de juros e nos mercados de títulos. Em uma jogada audaciosa, Soros e
seus companheiros ficam vendidos em US$7 bilhões em libras - e compram
US$6 bilhões em marcos alemães. Também compram, em menor extensão,
francos franceses.

Ao mesmo tempo, Soros compra US$500 milhões em ações britânicas,


operando com a suposição de que as ações de um país em geral sobem
depois da desvalorização de sua moeda. Em uma outra jogada, ele fica
comprado em títulos alemães e franceses. Ao mesmo tempo ele fica
vendido em alemães e franceses. O raciocínio de Soros é que o maior valor
do marco alemão será prejudicial às ações daquele país, mas ajudará os
títulos, já que as taxas de juros serão mais baixas. Soros tem um crédito
muito forte e com isso consegue manter todas estas posições com apenas
US$1 bilhão de garantia. Ele fez empréstimos de US$3 bilhões para
arredondar a aposta para US$10 bilhões.

Soros não está sozinho neste tipo de jogada. Dealers de moedas em todo o
mundo apostam que o valor da libra não será mantido.

É em Nova Iorque, porém, que se concentra a maior aposta de Soros.


“Tínhamos US$7 bilhões de ações e o total de nossa posição estava na casa
dos US$10 bilhões. Isso era uma vez e meia todo o nosso capital”, Soros
observa. Com os ativos do seu Quantum Fund como garantia, ele obtém
empréstimos de 5 bilhões de libras. Depois troca as libras por marcos
alemães na taxa do ERM de 2,79 marcos por libra. Ele agora detém marcos
alemães fortes.

E depois espera.
19. A APOSTA DE MÃO UNICA

Manhã de terça-feira, 15 de setembro de 1992

John Major tem programada uma viagem à Espanha. Ele a cancela por
causa da crise do ERM.

O Banco da Inglaterra continua confiante de que é capaz de deter


especuladores como George Soros. Os traders, porém, começam a perceber
um pouco antes do horário de almoço que a lira caiu. Começam uma
negociação mais pesada de libras contra o marco alemão.

Terça-feira à tarde

A libra cai rapidamente para 2,80 marcos. Mais tarde, ouvem-se rumores de
que o Banco da Inglaterra comprou aproximadamente 3 bilhões de libras. A
libra não responde.

Terça-feira à noite

Em Londres, a libra fecha a apenas um quinto de pfennig acima do piso do


ERM de 2,778 marcos, o valor mais baixo desde que a Inglaterra começou a
fazer parte do sistema. Aumenta a preocupação em Whitehall; a menos que
algo drástico seja feito, a libra terá de ser desvalorizada pela primeira vez
desde 1967.
Quando a moeda de um país está sendo atacada, os responsáveis pelas
finanças têm, como resposta, várias opções à sua disposição. Uma é intervir
pesadamente nos mercados de câmbio e comprar a própria moeda. Se isso
não der resultado, a próxima linha de defesa é elevar as taxas de juros, na
suposição de que altas taxas atraem dinheiro de volta ao país e estabilizam a
moeda.

O governo britânico, porém, reluta em elevar as taxas - uma maneira


infalível de deprimir a economia.

Com a libra no porão e os especuladores vorazes aglomerando-se em torno


dela, o ministro das finanças se desespera. Ele está jantando com o
embaixador dos Estados Unidos mas interrompe a refeição a cada dez
minutos para tentar encontrar representantes do Bundesbank.

Precisa pedir um grande favor.

Por favor, diminuam as taxas de juros.

Se Lamont conseguir que os alemães concordem, parte da pressão será


reduzida e talvez, apenas talvez, a Grã-Bretanha possa enfrentar os
próximos dias sem um distúrbio sério em seu sistema financeiro. Os
representantes do Bundesbank, porém, não arredam pé.

Depois do jantar, altos diretores do Banco da Inglaterra reúnem-se com


Lamont no Tesouro, assumindo uma postura de crise. Sentados sob dois
candelabros fulgurantes, em torno de uma grande mesa de carvalho, eles
traçam a estratégia para o dia seguinte. Planejam iniciar o dia com uma
grande intervenção por parte do Banco da Inglaterra. Para uso posterior, se
necessário, está reservada uma alta nas taxas de juros.

Conscientes de que o Tesouro britânico está em disputa com o banco central


alemão, os especuladores preveem que a Inglaterra será a primeira a piscar.
O passo mais provável do governo - por mais desastroso que possa ser para
a economia no longo prazo - será elevar as taxas de juros. E aí começam as
apostas.
Terça-feira à noite, 20 horas

A reunião no Tesouro termina. Ao deixar aquela sessão sombria, o maior


temor dos homens do governo é o de que as decisões de o que fazer não
sejam suficientes. Entretanto, os acontecimentos desenrolam-se
rapidamente, rapidamente demais para os planos traçados. Cinco horas
antes, sem que os homens do governo tivessem conhecimento, Helmut
Schlesinger deu uma entrevista contraditória. Schlesinger sugere mais tarde
que não autorizou a publicação de seus comentários. Mas isto pouco
importa. Os traders atacam com veemência a libra esterlina, a lira italiana e
outras moedas fracas, trocando-as por marcos.

Norman Lamont, tomando conhecimento dos comentários de Schlesinger,


fica chocado. Publicamente, ele tenta desprezar o impacto da história. Mas
o estrago já está feito.

Terça-feira à noite, quarta-feira de manhã

Em uma atitude desesperada, o Federal Reserve Bank de Nova Iorque e o


Banco do Japão dão apoio à libra.

Terça-feira à noite, 22h30min

São 17h30min em Nova Iorque. George Soros está sentado no seu escritório
no centro de Manhattan, no 33° andar do arranha-céu que dá vista para o
Central Park.

Ele está cada vez mais confiante de que a Inglaterra terá de retirar a libra do
ERM. “Era um palpite óbvio, uma aposta de mão única”, diz mais tarde.
“Na pior das hipóteses, se eu tivesse tido que quitar o empréstimo na
mesma taxa que ele me foi concedido, teria perdido no máximo 4%
aproximadamente. Então havia muito pouco risco envolvido.”[1]
Ele viu que a tempestade estava chegando, sentiu que ela era inevitável e
agora tudo está acontecendo, ele não tem nenhuma sombra de dúvidas de
que terá um lucro imenso. Mais tarde, em seu apartamento da Quinta
Avenida, Soros aproveita um jantar simples, preparado por seu cozinheiro.
Depois do jantar retira-se para o seu quarto. Muito embora tenha acabado
de fazer uma aposta de US$10 bilhões - talvez a maior da história - ele vai
dormir.

Ele está extremamente confiante.

Quarta-feira, 7h30min

Em Threadneedle Street, em Londres, oito dealers de câmbio reuniram-se


no escritório de Edie George, dirigente do Banco da Inglaterra. Ele é
responsável pelas operações de mercado do banco. Curvados sobre as telas
de seus computadores, eles começam a comprar libras. Têm instruções para
gastar US$2 bilhões em três intervenções separadas.

O exercício fracassa terrivelmente. Centenas de companhias com fábricas e


escritórios na Inglaterra e milhares de fundos de pensão, companhias de
seguro e outros investidores que possuem ações e títulos em libras
começam a fazer de tudo para livrarem-se do que quer que tenham essa
moeda.

Um ar de desalento paira sobre a comunidade financeira britânica.

Quarta-feira, 8h30min

O grupo da crise no Tesouro reúne-se no escritório do chanceler Norman


Lamont. Os rostos estão sombrios. Lamont acabou de falar pelo telefone
com Ian Plenderleith, diretor responsável por mercados no Banco da
Inglaterra, e com o primeiro-ministro. Lamont ordena que a intervenção
seja ainda maior, usando as reservas em moeda estrangeira do Banco.
Os fotógrafos já começam a aglomerar-se diante da entrada principal do
Tesouro.

Quarta-feira, 9 horas

O primeiro-ministro John Major entra em seu Jaguar blindado e vai em dois


minutos de Whitehall para o prédio da Old Admirality, sua residência
temporária durante a reforma do número 10 de Downing Street. Na
Admirality, ele tem uma reunião programada com representantes do
governo, ironicamente para discutir o Tratado de Maastricht.

Quando chegam a sua sala notícias de um desastre financeiro iminente, os


participantes da reunião sentem-se como se fizessem parte de um
verdadeiro conselho de guerra.

Quarta-feira, 10h30min

Norman Lamont pega o telefone para fazer a ligação que todos na


comunidade financeira britânica temiam. John Major desculpa-se com o
pessoal da reunião de Maastricht e desloca-se até um telefone de segurança
onde escuta Lamont informar que a libra não para de cair. As taxas de juros
alemãs estão congeladas no mesmo nível. Os alemães não vão oferecer
nenhum alívio. A desvalorização precisa ser evitada a qualquer custo. Em
jogo está nada mais nada menos do que a credibilidade do governo. Lamont
pede a aprovação do primeiro-ministro para elevar as taxas de juros em dois
pontos percentuais, para 12%.

Major dá o sinal de OK.

Quarta-feira, 11 horas

O anúncio é feito. As taxas de juros estão sendo aumentadas. Lamont diz


que “quando diminuírem as pressões extraordinárias e as incertezas deste
momento”, ele espera trazer as taxas de juros novamente para os níveis
atuais. Poucos acreditam que isto aconteça em breve.

O pior de tudo é que, apesar do anúncio de Lamont, a libra quase não se


move. Os representantes do setor financeiro do governo sabem que o jogo
acabou. Os mercados de moedas, vendo a manobra de Lamont como um ato
de pânico, estão começando a ter o mesmo pressentimento.

Enquanto isso, John Major mudou de idéia quanto a sua recusa de


interromper o recesso parlamentar. Ele quer os políticos de volta para
discutir a crise do ERM e a economia britânica. O Parlamento é convocado
para uma sessão no dia 24 de setembro. A atitude é extraordinária: desde o
final da Segunda Guerra, o Parlamento só teve seu recesso interrompido dez
vezes.

Quarta-feira, meio-dia

O Banco da Inglaterra continua a intervir. Mas é tarde demais. Naquele dia


fatídico - Quarta-Feira Negra, como passou a ser chamado - o Banco da
Inglaterra gasta o equivalente a 15 bilhões de libras (US$26,9 bilhões) do
total de 44 bilhões de libras (US$78,8 bilhões) em reservas de moedas
estrangeiras para comprar libras, num último esforço inútil para escorar sua
moeda.

Em Nova Iorque são 7 horas. O telefone toca acordando George Soros.

Stan Druckenmiller está na linha. Ele tem boas notícias.

Suas fontes informaram-no que a Grã-Bretanha está para jogar a toalha.

“George, você acabou de ganhar US$958 milhões. ”

Druckenmiller está sendo um pouco precipitado, mas tudo bem. Ele sabe
que os britânicos estão arruinados. E ele e Soros serão os grandes
vencedores.
(Mais tarde Soros ficaria sabendo que seus ganhos foram ainda maiores,
porque ele ficou ao lado das autoridades francesas contra os especuladores
que vinham atacando o franco.)

No geral, com os eventos da Quarta-Feira Negra, Soros ganhará perto de


US$2 bilhões, US$1 bilhão com a libra e mais US$1 bilhão com o caos que
se abateu sobre as moedas italiana e sueca e com o mercado de ações
japonês.

Um mortal mais comum ficaria tentado a abrir uma garrafa de champanhe,


mas não Soros. “Eu só joguei melhor e apostei mais do que as outras
pessoas”, disse ele.

Quarta-feira, início da tarde

O grupo em torno do chanceler está começando a ter um pensamento


horrível.

Quarta-feira, 13h30min

É hora da abertura dos mercados nos Estados Unidos. A libra está sendo
vendida, diz um dealer, “como água saindo pela torneira”.[2]

Quarta-feira, 14hl5min

O Banco da Inglaterra tenta mais uma vez salvar o dia. Eleva novamente as
taxas de juros - pela segunda vez hoje. As taxas agora estão em 15%.

Nunca antes na história da Inglaterra as taxas subiram duas vezes num


mesmo dia. As taxas estão agora no mesmo nível que estavam quando John
Major, então ministro das Finanças, levou a Grã-Bretanha para o ERM, há
quase dois anos.
Os especuladores não são dissuadidos. A libra continua abaixo do seu piso
no ERM de 2,778 marcos alemães. Está cada vez mais claro que a política
do governo é insustentável politicamente.

Os mercados observam as taxas de juros britânicas passarem de 10 para 12


e para 15% em um dia e compreendem que não há como um país viver com
juros tão altos durante muito tempo. A libra continua a cair e o Banco da
Inglaterra continua a comprá-la de volta.

Tudo num esforço inútil de ganhar o dia. Mas está cada vez mais óbvio que
a Inglaterra terá de retirar-se do ERM. E a libra terá de ser desvalorizada.

O primeiro-ministro John Major está novamente ao telefone, desta vez com


o primeiro-ministro francês, Pierre Beregovoy e com o chanceler alemão,
Helmut Kohl. As notícias de Major são horríveis. Ele declara que a Grã-
Bretanha terá de sair do ERM. Ele não tem outra opção.
20. QUARTA-FEIRA NEGRA

Quarta-feira, 16 de setembro de 1992,16 horas

O período da tarde da Quarta-Feira Negra é cada vez mais sombrio. Os


britânicos estão capitulando, retirando-se do Exchange Rate Mechanism
europeu.

Os vencedores, como George Soros, estão com um largo sorriso no rosto; os


perdedores, como John Major e Norman Lamont, tristemente admitem a
derrota.

Os representantes do Banco da Inglaterra participam de uma conferência


telefônica com membros dos outros bancos centrais da Europa, para
informar que a libra está sendo retirada do ERM.

A libra caiu 2,7% em relação ao marco e está sendo comercializada a 2,703


marcos no final da tarde em Nova Iorque, muito abaixo do seu piso no
ERM.

Quarta-feira, 17 horas

John Major reúne seu gabinete e obtém aprovação para retirar a Inglaterra
do ERM. A Itália deixa claro que fará o mesmo em breve. Agora as moedas
britânica e italiana serão comercializadas livremente e seus bancos centrais
não mais terão de comprá-las no mercado aberto para defender seu valor.
Equipes de televisão e fotógrafos aglomeram-se em frente ao Tesouro para
o anúncio esperado.

Quarta-feira, 19 horas

O anúncio finalmente é feito. Norman Lamont aparece diante das câmeras


para admitir a derrota. Seu rosto parece esgotado, abatido, consternado.
Para o The Economist, ele parece “infeliz”.[1]

Com as mãos para trás, como se fosse um prisioneiro algemado, Lamont


força um sorriso, que, porém, só dura um breve segundo. Com a mão direita
ele afasta uma mecha de cabelo que havia caído sobre a testa. E depois fala.

“Hoje”, começa, “foi um dia extremamente difícil e turbulento. Maciços


fluxos financeiros conturbaram de modo contínuo o funcionamento do
ERM ... Nesse meio-tempo, o governo concluiu que os melhores interesses
da Grã-Bretanha serão atendidos se não mais fizermos parte do ERM.”

Quarta-feira, 19h30min

A Inglaterra permite que a libra flutue. Naquela Quarta-Feira Negra, ela


fecha a 2,71 marcos, com queda de apenas 3%. (No final de setembro,
porém, ela cairá para 2,5 marcos alemães.)

Quinta-feira, 17 de setembro de 1992

As taxas de juros na Inglaterra voltam ao patamar de 10%.

A Itália segue o exemplo da Inglaterra e retira sua moeda do ERM. A libra


cai imediatamente para 2,70 marcos, estabiliza em 2,65 marcos, 5% abaixo
do piso anterior, e acaba por fechar 16% abaixo do seu valor da Quarta-
Feira Negra.
A Grã-Bretanha não está sozinha na desvalorização da sua moeda. A moeda
espanhola é desvalorizada em 28%; a italiana, em 22%.

Com a notícia de que a Inglaterra saiu do ERM, a libra é comercializada em


Nova Iorque a menos de 2,70 marcos, mais de sete pfennigs abaixo do seu
limite mínimo no ERM de 2,7780.

(Um triste detalhe na crise da libra veio no verão seguinte quando as bandas
foram ampliadas em 15%. Em setembro de 1994, o ERM ainda estava em
operação, com a participação da Alemanha, da França e de seis outros
países.)

***

Soros parecia um gênio.

Outras pessoas haviam acumulado altos lucros com a desvalorização da


libra, mas estes não haviam sido publicados. Bruce Kovner, da Caxton
Corporation, e Paul Tudor Jones, da Jones Investments, foram grandes
ganhadores. As estimativas davam conta de que os fundos de Kovner
ganharam US$300 milhões; os de Jones, US$250 milhões. Os principais
bancos americanos com operações de câmbio, particularmente Citicorp, J.
P. Morgan e Chemical Banking, também tiveram lucros. Juntos, no terceiro
trimestre, os bancos apresentaram lucro líquido de mais de US$800 milhões
acima do seu lucro normal por trimestre com a comercialização de moedas.

A aposta de Soros tornou-se pública quando o Daily Mail de Londres,


comentando sobre um artigo que logo seria publicado na Forbes, trouxe
uma reportagem de capa no dia 24 de outubro com uma enorme manchete
em negrito:

“Eu Ganhei Um Bilhão com a Queda da Libra”


Acompanhando a história do Mail, havia uma foto de Soros sorrindo com
um drinque na mão. O texto dizia: “Informou-se ontem à noite que um
financista internacional ganhou aproximadamente 1 bilhão de libras com a
crise dessa moeda no mês passado.”.

Anatole Kaletsky, editor de economia do Times de Londres, estava indo


para casa com sua filha na manhã daquele sábado em que foi publicada a
história no Mail. Eles pararam por alguns minutos para comprar bombons
em uma doceira quando a manchete do jornal chamou a atenção de
Kaletsky. Aturdido com a notícia, Kaletsky comprou o jornal e o leu ali
mesmo na loja. Uma hora mais tarde, agora já em sua casa, o telefone
tocou. Era George Soros.

“O que está acontecendo?”, perguntou o homem do Times, ouvindo uma


certa comoção ao fundo.[2]

“Estou aqui em Londres”, respondeu Soros, sua voz agitada. “Não sei se
você viu o Mail.”

“Vi, sim.” Kaletsky começou a juntar as peças do quebra-cabeça.

“Minha casa está sitiada por fotógrafos e repórteres. Eu quero sair para
jogar tênis. Não sei o que fazer. O que devo fazer? O que você me
aconselha?”

Antes de dar qualquer conselho, Kaletsky precisava saber uma coisa: “Essa
história é verdadeira?”.

A resposta de Soros foi rápida. “Sim, em termos gerais é verdadeira.”

Kaletsky sugeriu que ele não conversasse com nenhum repórter que estava
do lado de fora da sua casa. “Se você quer dar uma explicação oficial do
que fez e do que não fez, por que não escreve um artigo ou então posso ir
até aí para a gente conversar. ”

“OK, vou pensar nisso.”


Meia hora mais tarde, Soros telefonou para Kaletsky para dizer que achava
que seria uma boa idéia que o editor do Times lhe fizesse uma visita
naquela tarde. Kaletsky foi e Soros deu sua primeira grande entrevista sobre
como ele havia elaborado o golpe contra a libra. Para Kaletsky, a entrevista
de Soros no Times de 26 de outubro foi o momento decisivo para a
transformação de George Soros numa figura pública. “A partir daquela
entrevista, ele se tornou uma celebridade neste país. Até então, nunca
ninguém havia ouvido falar de George Soros.”

Kaletsky começou seu artigo apresentando efetivamente George Soros a


seus leitores: “George Soros é um homem altamente intelectual que passa a
maior parte do seu tempo na Europa Oriental como filantropo político e
educacional. Ele também é o maior especulador de moedas do mundo. Nas
duas semanas que antecederam a Quarta-Feira Negra, o Sr. Soros enredou o
governo britânico em um jogo, a mais alta aposta da história do pôquer.”[3]

Soros, escreveu Kaletsky, admitiu que ganhou um bilhão de dólares com o


colapso da libra “com um embaraço que não conseguiu ocultar uma
autossatisfação maliciosa”.

Explicando seus movimentos antes da Quarta-Feira Negra, Soros contou a


Kaletsky: “Ficamos vendidos em uma grande quantidade de libras e
realmente ganhamos muito dinheiro, porque nossos fundos são muito
volumosos. Devemos ter sido o maior fator isolado no mercado nos dias
que antecederam o colapso do ERM. Nossa posição total por volta da
Quarta-Feira Negra valia em torno de US$10 bilhões. Planejamos vender
mais do que isso. Na verdade, quando Norman Lamont disse um pouco
antes da desvalorização que ele obteria um empréstimo de
aproximadamente US$15 bilhões para defender a libra, achamos engraçado
porque era esse valor mais ou menos que pretendíamos vender.

“Mas as coisas andaram mais depressa do que esperávamos e não


conseguimos atingir nossa meta. Então, um bilhão é uma estimativa
razoável do lucro, mas um bilhão de dólares e não de libras.”

Soros checou com o seu escritório e descobriu que os lucros com suas
posições em libras ficaram perto de US$950 milhões, mas seus ganhos
continuaram a aumentar porque ele manteve seu dinheiro em moedas que
não a libra. Daqueles US$950 milhões, a parcela pessoal de Soros foi de um
terço. Posições compradas em futuros de taxas de juros britânicas, francesas
e alemãs e vendidas em lira italiana elevaram seus lucros para
aproximadamente US$2 bilhões.

Kaletsky perguntou-lhe por que ele estava preparado para arriscar toda a
sua fortuna no fracasso de uma política com a qual o governo britânico
estava tão irrevogavelmente comprometido.

Soros disse que estava confiante de que o Bundesbank alemão queria


desvalorizações na Itália e na Grã-Bretanha, mas não na França. “Eu me
senti seguro apostando com o Bundesbank. Era evidente que o Bundesbank
queria a lira e a libra desvalorizadas, mas ele estava preparado para
defender o franco. No final, o placar foi 3 x 0 para o Bundesbank; e 2 x 1
para os especuladores. Eu consegui um resultado ainda melhor que alguns
outros porque fiquei do lado do Bundesbank.”

Perguntado se o primeiro-ministro John Major deveria ter aumentado as


taxas de juros antes da Quarta-Feira Negra, Soros respondeu: “Absoluta
bobagem, conversa fiada. Se as taxas de juros tivessem subido, elas nos
teriam encorajado a acelerar nossas vendas porque o processo estava sendo
acelerado. Na verdade, não esperávamos que a desvalorização acontecesse
antes do fim de semana. Mas quando as taxas de juros sofreram elevação na
Quarta-Feira Negra, não pudemos mais esperar nenhum minuto. Tivemos
que acelerar nossas vendas para atingir a posição desejada. O tempo estava
ficando escasso.”

Por um breve momento durante a entrevista, Soros parou de pensar como


um especulador. Ele assumiu o papel de analista financeiro, sugerindo que a
especulação poderia ser danosa, particularmente nos mercados de moedas.
“Mas medidas para detê-la, como o controle do câmbio, causam um dano
até maior. Sistemas com taxas de juros fixas também são falhos porque
acabam por ruir. Na verdade, qualquer sistema de câmbio é falho e quanto
maior o tempo de existência, maior a imperfeição. A única alternativa é não
ter nenhum sistema de câmbio, mas apenas uma única moeda na Europa,
como nos Estados Unidos. Com isso, especuladores como eu ficariam fora
de operação mas eu teria o maior prazer em fazer esse sacrifício.”
Para Soros pareceu ser muito fácil fazer essa afirmação - devido ao lucro de
US$2 bilhões com o colapso da libra e de outras moedas.

Em uma entrevista comigo, Kaletsky lembrou da conversa que teve com


Soros naquela tarde de sábado de outubro e disse que ficou impressionado
com a falta de emoção que o investidor parecia exibir. “Ele sempre parece
literalmente desprendido e teórico em sua atitude com relação a ganhar
dinheiro. Eu certamente não sabia então ... se aquele fato tinha tido
qualquer significado emocional para ele ... Parece realmente que no caso
dele é apenas um meio de marcar pontos. ... Ele obviamente ficou muito
orgulhoso daquele feito. É por isso que decidiu falar sobre o assunto
naquela entrevista comigo. ... Ele ficou satisfeito por ter sido perspicaz o
bastante para prever tudo o que ia acontecer, por ter desafiado as
autoridades, o Banco da Inglaterra, por ter vencido.” Ele ficou satisfeito
porque pôde usar a publicidade que receberia depois para iluminar seus
esforços filantrópicos na Europa Oriental.

Para deleite de Soros, sua aposta contra a libra encaixou-se perfeitamente


em suas teorias financeiras. O homem que era fascinado pelo caos
encontrou na crise do ERM um dos episódios financeiros mais caóticos dos
anos 90.

Armado da teoria de que as percepções devem ser sempre levadas em conta


e de que percepções equivocadas podem disparar um comportamento
reflexivo nos mercados, Soros foi capaz de identificar um equívoco-chave
nas vésperas da crise do ERM: a falsa expectativa de que o Bundesbank
daria apoio à libra em qualquer circunstância. Quando o Bundesbank
demonstrou claramente que não iria curvar-se aos desejos do Banco da
Inglaterra e reduzir as taxas de juros, Soros fez sua aposta.

Sua teoria também o levou a acreditar que as próprias atitudes de seus


companheiros especuladores passariam a acompanhar as tendências,
criando as condições para o comportamento reflexivo no mercado.
Conforme ele observou: “Em um sistema de câmbio com flutuação livre, as
transações especulativas assumem peso progressivamente maior e, com
isso, a especulação passa a ter cada vez mais um caráter de seguir as
tendências, levando progressivamente a maiores oscilações nas taxas de
câmbio até que, finalmente, o sistema entra em colapso.[4]
Foi o momento decisivo na carreira de George Soros.

Se a mídia até então havia demonstrado por ele interesse apenas passageiro
e se a maioria das pessoas fora de Wall Street e de Londres nunca havia
ouvido falar dele, agora era diferente.

Agora, todos queriam saber quem era esse homem que havia engendrado
um golpe contra a libra. Quando se espalharam as notícias do golpe, George
Soros ficou conhecido como “O Homem Que Quebrou o Banco da
Inglaterra". Soros não quebrou o banco, mas certamente drenou-lhe
finanças preciosas.

Para a maioria dos cidadãos britânicos, Soros adquiriu status de herói da


nação. “Não havia nada daquele antagonismo xenófobo que poderia ser
esperado”, lembrou Kaletsky. “Pelo contrário, o povo britânico, de uma
maneira tipicamente inglesa, disse, ‘Bom para ele. Se ele ganhou um bilhão
de dólares com a estupidez do nosso governo, deve ser um sujeito
brilhante.’.”[5]

George Magnus, principal economista internacional da S.G. Warburg


Securities de Londres, sugeriu que “parte do que apareceu na mídia tinha
como objetivo dizer, eis aqui um financista que tinha uma opinião, colocou
seu dinheiro onde estava sua boca (...) enquanto o Banco da Inglaterra e o
governo do Reino Unido foram castigados por viver no obscurantismo e
não estar cientes do que estava acontecendo (...) Em parte da reportagem,
Soros (...) também foi usado como exemplo da inescrupulosidade dos lucros
que os especuladores auferem com os governos, então essa publicidade
também foi uma faca de dois gumes”.[6]

Soros aparentemente sentiu prazer com a publicidade adquirida. Talvez


agora ele pudesse transformar seu novo status em uma tocha que iluminasse
aquela parte da sua vida que ele desejava divulgar: suas idéias intelectuais,
sua filantropia. “Estou feliz porque a publicidade é para mim a plataforma a
partir da qual posso dizer o que quero. Tive motivos para evitá-la como
operador de mercado. Podia ser prejudicial. Mas não sou mais um operador
de mercado. Em termos de ter minha voz ecoando assuntos políticos, ela é
muito útil.”[7]
Um ar de humilhação e derrota pairava em torno do primeiro-ministro John
Major e do chanceler Norman Lamont. Lamont tentou sugerir que a
flutuação da libra não foi responsável pela desvalorização. O Partido
Conservador de Major solidarizou-se com o primeiro-ministro, culpando o
Bundesbank por “menosprezar” a libra.

Sem querer se desculpar, Lamont defendeu sua posição de fazer a libra


flutuar. “O que eu fiz ontem foi simplesmente bom senso diante do
furacão.”[8]

Depois de explorar o caos na Europa Ocidental, George Soros passou a


analisar qual foi o estrago causado pelo furacão.

“O resultado é uma pane no sistema, instabilidade e um efeito negativo na


economia, cujo tamanho ainda não sabemos, mas que pode ser muito, muito
sério. Eu quero dizer que a Europa está entrando numa recessão bastante
severa. Os negócios estão praticamente ruindo na Alemanha, também estão
muito ruins na França. ... A instabilidade sempre é ruim. Ela pode ser ruim -
pode ser boa para algumas pessoas como eu, que são analistas da
instabilidade, mas é realmente ruim para a economia.”[9]

De fato, em setembro de 1992, a crise da libra pareceu ser uma vantagem


para a Grã-Bretanha e outros países da Europa Ocidental que sofriam de
moedas fracas. Eles não apenas passaram a desfrutar de uma nova posição
competitiva, mas também suas taxas de juros caíram vertiginosamente. E
alguns anos mais tarde, os setores de exportação mostravam prosperidade.

Quanto a John Major e Norman Lamont, apenas Major sobreviveu, muito


embora sua popularidade tenha apresentado vertiginosa queda e na
primavera de 1994 seu governo enfrentasse sérios problemas.

***
Parte da mídia britânica ficou desconsolada com a perda do país - e o ganho
de Soros. Eles tentaram encontrar bodes expiatórios e George Soros era um
bastante conveniente.

Um repórter da TV inglesa declarou: “O compromisso do governo com o


ERM deveria ser tão seguro quanto o Banco da Inglaterra. Mas as coisas
não funcionaram bem assim. As perdas aqui foram imensas porque o banco
esgotou suas reservas de moeda estrangeira para defender a libra. O
governo nunca vai revelar quanto perdemos, mas pode chegar a vários
bilhões de libras. Em outras palavras: terá nos custado mais para defender a
libra neste outono do que para lutar na Guerra do Golfo.

Rolan Dumas, ex-ministro do exterior da França, disse que os


especuladores “Anglo-Saxões” - referência a traders britânicos e
americanos como Soros - minaram as aspirações da Europa. “Você tem que
ver quem lucrou com o crime”, disse ele.[10]

Mas se a mídia inglesa esperava fazer Soros sentir-se culpado com os seus
ganhos, eles não tiveram êxito. Enquanto todos na Grã-Bretanha chamavam
o dia 16 de outubro de Quarta-Feira Negra, para Soros o dia ficou
conhecido como Quarta-Feira Branca. E ele rebateu as críticas que estava
recebendo. “Tenho certeza de que houve consequências negativas (...) mas
isso não passa de jeito nenhum pelo meu pensamento. Não tem como. Se eu
me abstenho de certas atitudes por causa de escrúpulos morais, deixo de ser
um especulador eficiente.[11]

“Eu não tenho nem sombra de remorso por lucrar com a desvalorização da
libra. Pelo que estamos vendo agora, a desvalorização provavelmente veio a
ser positiva para o país. Mas a questão é: eu não especulei contra a libra
para ajudar a Inglaterra. Eu não fiz o que fiz para prejudicar a Inglaterra. Eu
fiz o que fiz para ganhar dinheiro.”

Mas a mídia britânica não dava trégua. Será que o lucro de Soros não
representou uma perda para a Grã-Bretanha? Não seria verdade que Soros
custou a cada contribuinte inglês 25 libras e a cada homem, mulher e
criança ingleses 12,5 libras?
Ele disse que sim, seus ganhos representaram uma perda para a Inglaterra.
“Nesse caso, não há dúvidas porque eu sei quem é a contra parte. Em
qualquer transação, alguém ganha e alguém perde. Mas no curso normal
dos acontecimentos, você não sabe quem é sua contraparte. E não sabe se
ele teve lucro ou prejuízo. Neste caso é evidente que a contraparte é o
Banco da Inglaterra. E eu não tenho absolutamente nenhum sentimento de
culpa, posso assegurar, porque se não tivesse sido eu, outra pessoa teria
tomado o meu lugar.

Ademais, Soros acreditava ser uma atitude salutar distribuir uma grande
parcela do dinheiro, especialmente porque ninguém no Ocidente estava
disposto a ajudar o Leste.

Ele também lembrou a todos que poderia ter perdido dinheiro, “embora
nada equivalente ao que ganhamos e, é claro, foi tudo uma aposta - aquilo
que chamamos [ele sorriu e gesticulou com ambas as mãos] de aposta de
mão única, porque a perda teria sido muito pequena. E o lucro foi muito
grande.”[12]

Para fazer justiça a George Soros, ele não agiu sozinho na aposta contra a
libra. Um trader de moedas em uma importante corretora da Inglaterra
comentou que “o montante que George Soros investiu foi significativo, mas
dentro do contexto, a rotatividade diária nos mercados de câmbio pode
chegar a trilhões de dólares. Isso é muito dinheiro mesmo. Deixa os US$10
bilhões de George Soros em posição relativamente pequena. Em um lance
combinado contra uma única moeda, pode surtir efeito. Mas não foi apenas
George Soros ... que quebrou o Banco da Inglaterra. Foi a especulação do
mercado contra a libra. George Soros foi apenas uma grande parte dessa
operação.”

Graças ao golpe contra a libra, 1992 foi um bom ano para George Soros e
para o Quantum Fund.

Para aumentar ainda mais seu brilho, Soros foi considerado o homem mais
bem pago de Wall Street. Em 1992, ele ganhou US$650 milhões, quase
cinco vezes mais do que havia ganho em 1991. Michael Milken, trader de
ações, julgado e condenado, não mais detinha o recorde de US$550
milhões, que atingiu em 1987.
Segundo a Financial World, que compilou a lista das maiores rendas de
Wall Street, aproximadamente US$400 milhões da renda de Soros vieram
dos lucros realizados pelos fundos; as taxas de administração produziram
outros US$250 milhões. Quatro posições abaixo de Soros na lista estava
Stanley Druckenmiller, 39 anos e principal trader da Quantum, com renda
de US$110 milhões em 1992.

No final do ano, o Quantum Fund liderava os fundos offshore, com ativos


no total de US$3,7 bilhões, rendimento de 68,6%. Uma pessoa que tivesse
investido US$10 mil no Quantum quando da sua criação em 1969, e
reinvestido todos os dividendos, no final de 1992 teria a soma de
US$12.982.827,62.

Extraordinariamente, quatro dos seis melhores desempenhos eram fundos


de Soros; o Quantum Emerging, em terceiro lugar, rendeu 57%; e o Quota
estava em sexto lugar, com rendimento de 37%. Soros estava administrando
mais de US$6 bilhões em quatro fundos estrangeiros.

Como ele conseguia?

Além de seus lucros com a crise do ERM em setembro, ele também ganhou
muito dinheiro em empresas internacionais, particularmente no mercado de
ações japonês, no início daquele ano. Ele também lucrou nos índices de
ações dos Estados Unidos.

Escrevendo no Vigésimo Relatório Anual do Quantum Fund, relativo a


1992, Soros observou que “o excepcional desempenho de 1992 pode ser
atribuído basicamente a certos eventos não-recorrentes, relacionados ao
colapso do Exchange Rate Mechanism na Europa. Nossa posição vendida
em libras antes de sua saída do Exchange Rate Mechanism recebeu uma
tremenda atenção do público. Eu gostaria de salientar, porém, que os lucros
com a posição da libra foram responsáveis por apenas 40% do total dos
lucros auferidos neste ano e, mesmo sem aquela posição, os resultados
teriam sido maiores do que nossa média histórica de retornos ...

“Uma advertência aos acionistas do Quantum. Minha reputação e a


reputação do Soros Fund Management ficaram imensamente infladas em
meses recentes. Quase que todos os dias, há rumores de negócios do Soros
Fund Management em vários mercados e, frequentemente, os mercados
tendem a movimentar-se com base nestes rumores, que em geral não têm
fundamento. Os acionistas devem ser cépticos com relação a esses rumores.
Sempre que nos engajamos em uma posição que requeira transparência,
fazemos os registros e os anúncios oficiais necessários.”

***

O ano de 1992 foi brilhante para Soros. Ele não apenas teve fortunas
estonteantes sob seu comando, mas também passou a ser reconhecido como
um trabalhador de certa forma milagroso. Uma tarde, perto do final do ano,
em um jantar para intelectuais em Praga, a conversa toda hora voltava ao
dinheiro que Soros acabara de ganhar. Soros, sentado à mesa com as
pessoas de quem ele mais gostava, disse que ficaria feliz se esse perfil,
agora mais extrovertido, o ajudasse no Leste, mesmo que lhe trouxesse
prejuízos no Ocidente. Agora uma celebridade, Soros distribuía autógrafos
à multidão, assinando seu nome em notas de cinco libras esterlinas.

Mas Soros estava em busca de algo que ainda era uma ilusão: respeito.

Ele havia se tornado repentinamente uma figura pública. As pessoas


queriam seu autógrafo. A mídia queria detalhes da sua carreira e de sua vida
e para descrever como ele se comportava e trabalhava. Para eles isso era o
bastante. Mas não para Soros. Até mesmo distribuir dinheiro não lhe
garantia satisfação suficiente.

Ele queria mais. Sempre quis que as pessoas respeitassem suas idéias.
Agora isto era mais importante do que nunca.

Sua meta, jamais declarada publicamente, quase nunca verbalizada em


particular, era exercer poder em Washington, não através de vitória em
eleições, ou por meio de nomeação a um importante posto ministerial.
Bastaria para Soros ser ouvido pelo presidente e outros políticos
proeminentes na capital do país.
Soros era Democrata e em novembro de 1992, Bill Clinton, um
companheiro também Democrata, foi eleito presidente dos Estados Unidos.
Soros sabia que não seria fácil receber atenção do novo presidente. Muitos
outros que também haviam acumulado fortunas acreditavam ter o direito de
serem ouvidos em Washington. O que fazia Soros pensar que ele tinha mais
direito do que esses outros? Como conseguiria diferenciar-se para que
pudesse ser ouvido? “Eu tenho que mudar a maneira como as pessoas me
veem”, disse a seus companheiros, “porque eu não quero ser apenas mais
um sujeito rico. Eu tenho algo a dizer e quero ser ouvido.”
21. REI DOS FUNDOS HEDGE

No início da década de 1990, os fundos hedge, o maior e o menos


regulamentado setor do mercado financeiro, dominavam as altas finanças.
Eles se tornaram a menina dos olhos dos investidores, em grande parte por
causa da estupenda quantidade de dinheiro ganha pelos mais famosos
administradores desses fundos. Liderando a lista estava George Soros e seu
Quantum Fund. Mas outros também mostraram bom desempenho,
incluindo Michael Steinhardt, do Steinhardt Partners, Julian Robertson, do
Tiger Fund, e Leon Cooperman, do Omega Advisers Inc.

Não é à toa que o The Wall Street Journal chamou-os de “mais novo grande
cassino de Wall Street”.

Aqueles que administram os fundos tornaram-se os homens de negócios


mais poderosos e melhor remunerados do país, competindo em poder de
negociação com as mais importantes firmas de Wall Street. Eles são,
segundo palavras da Business Week, os “bandoleiros do mundo dos
investimentos - não sofrem regulamentações nem restrições e em geral são
muito melhores como investidores do que seus colegas convencionais.”[1]

Todos os anos, US$500 bilhões eram investidos pelos quase mil fundos
hedge. (Soros participa com US$12 bilhões desse total.) Uma parte
considerável dos US$35 trilhões de capital de investimento gastos no
mercado todos os anos. Diariamente, esses fundos hedge comercializavam
uma estimativa de US$75 bilhões, mais do que oito vezes o valor das ações
comercializadas na Bolsa de Nova Iorque.

De 1987 a 1990, o fundo hedge médio cresceu 75,1% ao ano, comparado


com apenas 35,1% do fundo mútuo médio, e 56,2% do S&P 500. Apenas
em 1992, os retornos médios dos fundos hedge foram aproximadamente três
vezes maiores do que os do S&P 500. Os fundos hedge mais conhecidos
acumularam retornos entre 25% e 68% em 1992, muito acima dos 7% a 8%
que um investidor receberia nos fundos de índices de ações dos Estados
Unidos. O fundo de Soros rendeu 67,5% em 1992, o de Steinhardt,
aproximadamente 50% e o de Robertson, 27,7%.

A melhor evidência do bom desempenho dos fundos hedge era encontrada


na lista da Financial World dos maiores ganhos de 1993. Quase metade
daqueles que estavam na lista administravam ou trabalhavam em fundos
hedge. Os administradores de fundos hedge ocupavam as cinco primeiras
posições - George Soros encabeçava a lista com uma renda de US$1,1
bilhão, o primeiro americano a ganhar mais de um bilhão de dólares em um
ano. Esses administradores detinham oito dos dez primeiros lugares e
respondiam por 46 das 100 pessoas da lista. O número quatro era Stanley
Druckenmiller, com US$210 milhões. Das 100 pessoas da lista, nove
trabalhavam para o Soros Fund.

Em 1994, o fundo de Soros gerenciou mais de US$11 bilhões; o de


Robertson, US$6 bilhões; e o de Steinhardt, mais de US$4 bilhões. Os dois
últimos ganhavam, cada um, 1% de taxa de administração, mais 20% da
valorização da carteira. Soros cobrava 15%.

Para auferir esses lucros, os reis dos fundos hedge exploravam as


tendências globais das taxas de juros, apostando corretamente em como
certas moedas reagiriam a taxas oscilantes. Eles também compravam títulos
estrangeiros, especialmente na Europa e no Japão, quase sempre no
mercado futuro. Muitos investiam na prosperidade dos mercados do terceiro
mundo.

***

Wall Street sempre foi o fascínio de pessoas que conseguiam fazer as coisas
acontecerem, que pareciam compreender melhor do que a maioria como
funcionavam as altas finanças. Houve uma época em que esses podiam ser
um Morgan ou um Stanley, um Gould ou um Baruch. No início de 1990,
eram George Soros e os outros campeões dos fundos hedge.

Segundo James Grant, editor do Grant’s Interest Rate Obseruer, de Nova


Iorque, esses titãs de Wall Street quase sempre tinham muito menos
influência financeira do que lhes era atribuída; mesmo assim, a Street
parecia muito mais confortável acreditando que alguém ou alguma
instituição podia controlar as coisas, fazê-las acontecer.

“Eu vejo Soros como uma destas figuras, parte mito, parte real”, observou
ele. “As pessoas precisam projetar suas ansiedades e ressentimentos e ter
inveja de algo animado. Elas querem pensar que alguém está fazendo os
mercados acontecerem. Elas não conseguem acreditar que a oferta e a
demanda são as reais responsáveis, que os mercados pessoalmente levam
em conta os eventos futuros. Elas querem acreditar que existe um
Soros.”[2]

“... Em um mercado baixista, essa pessoa pode ser o bode expiatório, mas
em todo o caso eu acho que as pessoas gostam de acreditar que alguém teve
êxito, alguém é responsável, alguém pode ser alcançado pelo telefone, pode
ser intimado.”

“Para mim, hoje esse ‘alguém’ são os fundos hedge. O ‘eles’ sobre quem as
pessoas sempre falaram são hoje os fundos hedge. Eles movimentam
quantidades maciças de dinheiro na velocidade da luz, com muita audácia -
e até recentemente, com sucesso brilhante. George Soros, Julian Robertson,
Leon Cooperman e Paul Tudor Jones, aquela classe, juntos constituíam o
‘eles’.’’

***

É fácil ser um “deles”? Associar-se a um fundo hedge?


Não, nada fácil. E, para muitos investidores, também não seria prudente, já
que os fundos hedge acarretam grandes riscos e requerem acesso a uma
grande quantidade de dinheiro.

Baseada na suposição de que apenas os ricos podem ou gostariam de correr


esse risco, a Securities Exchange Commission obriga os investidores de
fundos hedge nos Estados Unidos a ter um patrimônio líquido de US$1
milhão ou uma renda anual de pelo menos US$200.000 por dois anos
consecutivos; US$300.000, no caso de marido e mulher. O Quantum Fund
de Soros nunca exigiu um mínimo para entrar no fundo, mas os
compradores sempre tiveram de pagar um prêmio considerável para
participar.

Formou-se em torno dos fundos hedge o mito de que eles não sofrem
nenhuma regulamentação; esse mito não é real. O SEC Act de 1934 obriga
os administradores de investimentos dos fundos com mais de US$100
milhões a registrar informações no órgão regulamentador. E todos os
administradores de fundos hedge estão sujeitos à legislação antifraude.
Entretanto, esses fundos podem evitar o registro como firma de
investimento, limitando o número de investidores a menos de 100 e
oferecendo seus produtos como colocações privadas.

Uma grande diferença entre o fundo offshore de George Fund e os fundos


hedge dos Estados Unidos tem a ver com os impostos. Os acionistas de
fundos offshore não precisam pagar impostos sobre os ganhos de capital
desde que a maioria dos acionistas do fundo não seja americana. Em alguns
casos, os americanos podem investir em fundos offshore, mas não se
qualificam para o tratamento favorável em relação aos impostos. Entretanto,
como os fundos hedge acarretam riscos tão altos, a maioria dos fundos
estrangeiros afugenta - ou pelo menos desencoraja - os investidores
americanos.

No caso de George Soros, ele criou o fundo de forma a que ele, cidadão
americano desde 1961, fosse uma exceção à regra. Apesar de ser cidadão
americano, ele conseguiu qualificar-se para ter seu próprio fundo offshore.
A maioria dos investidores do fundo de Soros era européia.
Por todo o risco envolvido, os fundos hedge oferecem vários atrativos. Um,
é claro, é poder gabar-se de ser membro de um clube exclusivo. Mas o
maior apelo é a perspectiva de altos lucros. Como os investidores desse
fundo precisam deixar seu dinheiro aplicado por um período longo, eles, em
geral, reinvestem seus ganhos. E assim, acumulam lucros.

Os administradores financeiros convencionais - aqueles que administram


fundos mútuos e de pensão - tentam ser os mais conservadores possível.
Usam apenas um leque limitado de técnicas financeiras, esperando um
retorno modesto, mas estável. Os administradores de fundos hedge,
desvinculados de tal conservadorismo, empregam outras técnicas mais
arriscadas. A mais incrível delas todas é a alavancagem, ou seja, investir
com dinheiro emprestado. Um administrador de um grande fundo hedge de
Wall Street, que pediu para ficar no anonimato, descreveu as brutalidades
de ficar altamente alavancado:

“Dá um frio na barriga. É muito intenso. Você precisa ter uma habilidade
especial para lidar com a alavancagem que George Soros ou Michael
Steinhardt fazem. ... É preciso uma certa mentalidade, uma certa confiança
na sua capacidade de ver o jogo, porque pequenas flutuações podem ter um
impacto bastante ampliado. O dólar-iene movimentou-se 4% a 5% em um
dia [em fevereiro de 1994]. Isto custou a Soros US$600 milhões. Vivemos
em um mundo onde oscilações de 4% ou 5% não são assim tão raras. O
Federal Reserve eleva suas taxas de juros em 0,25%, o índice Dow cai 97
pontos. É preciso ... um certo apetite para o risco. As coisas precisam ser
feitas de modo inteligente.

“... George Soros é um jogador alavancado. Você imagina que isso requer
uma certa coragem, um certo grau de convicção na aposta, um conjunto
básico de controles financeiros. Você precisa assegurar que está acima da
alavancagem.”

Os fundos hedge dependem também de outras técnicas. Uma outra muito


assustadora é o ficar vendido, ou seja, vender um título (ou moeda) que
você não possui, na esperança de que o preço caia para que mais tarde,
quando o título tiver de ser entregue ao comprador, ele possa ser adquirido
por um preço mais baixo. Foi essa a técnica que Soros usou em setembro de
1992, quando ficou vendido em libras antes da Quarta-Feira Negra.
Houve uma época em que os fundos mútuos eram proibidos de ficar
vendidos, segundo regra do Internal Revenue Service que afirmava que os
fundos mútuos corporativos não podiam ter mais de 30% de sua renda bruta
advinda da venda de investimentos de curto prazo, ou seja, menos de três
meses. De acordo com essa regra, as vendas a descoberto eram
consideradas de curto prazo. Mais recentemente, alguns fundos
convencionais receberam aprovação da SEC para ficar vendidos.

O mesmo administrador de fundo hedge que pediu para ficar no anonimato


efetuou a alavancagem e as vendas a descoberto em perspectiva. Ele
observou que Benjamim Graham, pai da análise de valores mobiliários,
argumentava que as ações têm um “valor intrínseco”. Valor intrínseco é o
preço de um valor mobiliário sob determinadas circunstâncias, levando-se
em conta as taxas de juros, o estado da economia e os lucros da empresa.
“A tarefa do analista ou do administrador financeiro é identificar o valor
mobiliário que está acima do valor intrínseco. Então, um investidor
convencional venderia aquele título, ao passo que o fundo hedge poderia
ficar vendido em relação a ele. E quando a ação ficasse abaixo de seu valor
intrínseco, quando estivesse subvalorizada, o investidor a compraria. A
diferença entre um investidor convencional e um investidor de fundos
hedge é que o primeiro talvez compre o título à vista e o último talvez
compre-o com alavancagem e invista mais do que 100%.”

E a lista de técnicas continua. Os fundos hedge não apenas têm mais chance
de assumir posições tanto vendidas quanto compradas, mas também de
jogar com opções, futuros e outros derivativos - o que quer que seja ditado
pelos mercados. Eles assumem posições com concentração mais pesada.
Comercializam com mais frequência que os fundos convencionais. Em
1988, Soros modificou sua carteira 18 vezes; oito vezes, em 1992. E eles
oferecem ao investidor a oportunidade de assumir posições em qualquer
mercado do mundo - em contraste com os administradores de fundos
convencionais, que dependem de sua experiência em um único setor ou um
único mercado.

Os administradores de fundos hedge têm muito incentivo para usar esses


mecanismos para obter lucros. Independentemente do desempenho de seus
ativos, os administradores convencionais recebem uma taxa de
aproximadamente 1% dos ativos. Não têm, portanto, nenhum incentivo
pessoal ou compulsivo para agir de modo agressivo. Os administradores de
fundos hedge, por outro lado, normalmente recebem 20% dos lucros do
fundo. Têm, então, todos os motivos do mundo para querer ganhar cada vez
mais.

***

Por volta de 1994, os fundos hedge já eram tão poderosos que os políticos
começaram a falar sobre a necessidade de regulamentá-los. Aumentava o
receio de que os operadores de fundos hedge tivessem o poder de afetar os
mercados financeiros de modo adverso, por causa das enormes quantidades
de dinheiro que eles colocam no sistema. Quando o mercado de ações
sofreu um revés no início de 1994, cresceu a convicção entre os políticos de
que os fundos hedge estavam por trás. Esse ponto de vista foi rechaçado
pelos administradores de fundos, que argumentaram que suas posições de
investimentos eram muito menores do que as dos bancos de investimento e
dos bancos comerciais.

Quanto a George Soros, sua opinião com relação à regulamentação era


paradoxal.

Ele tinha todos os motivos para opor-se a ela. Afinal, foi na ausência de
regulamentação que ele fez fortuna. Soros gostava de autodenominar-se um
especialista na instabilidade, alguém que vivia do estado caótico dos
mercados financeiros. Por que ele haveria de querer a regulamentação?
Ainda assim, defendia um sistema bancário centralizado para a comunidade
financeira internacional.

Aí está o paradoxo. “Eu não hesito em especular nos mercados de moeda -


muito embora diga que eles deveriam ser estabilizados”, observou.[3]
“Temos que distinguir o participante e o cidadão. Como participante, você
joga conforme as regras. Como cidadão, você tem a responsabilidade de
tentar mudar o sistema, caso ele esteja errado.”
Por enquanto, parece que os fundos hedge vão continuar a operar
relativamente sem regulamentação. Em 1992, a SEC produziu um
volumoso relatório com 500 páginas sobre fundos offshore. Foi mais ou
menos nessa época que surgiu a suspeita de que três grandes fundos hedge,
inclusive o Quantum, haviam feito grandes compras de bônus do Tesouro
norte-americano em leilões, nos quais a Salomon Brothers de Nova Iorque
foi acusada de tentar executar um arrocho no mercado. Os investigadores
do governo deram a todos os três fundos um atestado de saúde. O relatório
da SEC concluiu que os fundos hedge não precisavam de uma
regulamentação mais rígida.
22. O GURU

George Soros conseguiu novo brilho graças ao golpe contra a libra em


setembro de 1992.

Ele parecia tão profético, tão abençoado em termos de habilidade para


investir, que surgiu um mito a sua volta: ele podia, em virtude das posições
de investimento que assumia, movimentar os mercados para cima ou para
baixo.

Na verdade, ele parecia ter poderes de guru.

Quando falava em público sobre uma moeda, ação ou companhia, esse


mercado em particular podia apresentar alterações. Parecia muito fácil.
Tudo o que você tinha a fazer era esperar por um pronunciamento de Soros
e depois correr e comprar o que o guru tivesse sugerido.

O problema era que o guru não falava com tanta frequência assim.

Como então desvendar o que ele estava para fazer? Como é que os outros
investidores descobriam o que Soros estava comprando?

Eles procuravam aquilo que os especialistas de mercado chamam de


“pegadas”, pistas que indicam a direção ou a ênfase de um investimento.
Era imperativo procurar pegadas, pois investidores como Soros, até mesmo
quando faziam pronunciamentos em público, não divulgavam a compra de
uma posição nem quanto estavam investindo.

Essas pegadas eram muito difíceis de encontrar. Uma maneira era observar
uma tendência estável na mesma direção em uma classe de valores
mobiliários que normalmente tinham pouca volatilidade.

Bill Dodge, vice-presidente sênior de pesquisa de ações e principal


estrategista de investimentos da Dean Witter Reynolds, explicou: “Se o
Dow cai 50 pontos, os traders dizem que não estão sendo realizados muitos
negócios, eu começo a procurar em volta e vejo que está tudo nas ações do
Dow e o dólar está fraco em relação aos mercados alemães, posso concluir
corretamente que ações americanas foram vendidas por um vendedor
alemão ou por um vendedor estrangeiro que esteja migrando para ativos
financeiros alemães. Estou falando sobre o comportamento incomum dos
mercados correlatos ou não-correlatos”.[1]

Com tanto interesse em George Soros, era fácil ser levado a acreditar que
ele estava por trás do movimento de uma ação - quando, de fato, não estava.
“Para enganar alguém com muita facilidade hoje em dia”, observou Dodge,
“detecte algo que esteja movimentando-se rapidamente e diga que George
está comprando. Se o mercado vier a acreditar que é realmente George,
coisas poderão acontecer. Você pode causar efeitos com a simples
afirmação de que alguém está fazendo alguma coisa.”

Os traders de Soros mantinham a boca bem fechada com relação ao que


estavam fazendo. Ainda assim, outros traders às vezes conseguiam detectar
quando Soros estava ativo no mercado. Como explicou Bill Dodge, um
grupo de traders pode começar a perceber que toda a vez que vendem uma
ação para alguém, essa ação não cai. Isto os faz perguntar por quê. Os
traders ouvem atentamente o que seus colegas dizem nas conversas
informais entre eles. Talvez um diga que vendeu muito petróleo e o preço
não caiu; outro pode responder que observou a mesma coisa.

Mas nenhum desses traders tem fontes dentro da organização de Soros, pelo
menos não atuais. Mesmo assim, podem ter condições de deduzir que
George está por trás.

Novamente, Dodge ofereceu ajuda: “Eu posso telefonar para você e dizer
que quero comprar - você cria um mercado para mim. Eu vou direto no
ponto central das atividades e encontrou outros 25 sujeitos. Lembro que há
alguns meses, depois de algumas cervejas, você me disse que está fazendo
muitos negócios com George. Você não disse que tipo de negócio. Eu lhe
telefono e digo que quero comprar de você e você diz não. Entraríamos em
concorrência. Você é o único entre os outros 25 que não quer vender; todos
os outros continuam vendendo. E você parece ter um relacionamento com
George. Então o mercado deduz que você está comprando para Soros.”

***

Imbuído de seu status de guru, George Soros parecia ter o tipo de toque
mágico que poderia transformar quase tudo em ouro.

Os imóveis eram um bom exemplo.

Até o início de 1993, Soros ficou fora dos investimentos na área


imobiliária. Durante um certo tempo, porém, essa área estava
financeiramente deprimida; o declínio havia começado lá na década de
1980, quando as incorporadoras empreenderam um excesso de
lançamentos. Agora o setor estava em crise, mas não amedrontava Soros
que, de repente, adquiriu gosto pela coisa. Ele via a crise simplesmente
como uma outra oportunidade de compra. Ainda assim, a entrada de Soros
em campo parecia estranha e ainda mais estranho ele ter escolhido Paul
Reichmann para sócio.

No dia 8 de fevereiro de 1993, Soros anunciou que estava criando um fundo


imobiliário de US$225 milhões que Reichmann iria administrar. O novo
fundo, a ser chamado Quantum Realty Fund, representava o palpite de
Soros de que o mercado imobiliário, então deprimido, iria dar a volta por
cima no futuro próximo.

Os irmãos Reichmann - Paul, Albert e Ralph - sofreram grandes perdas


quando o mercado imobiliário entrou em colapso. Antes disso, as
propriedades da família no Canadá, em Nova Iorque e em Londres valiam
bilhões de dólares. Uma grande parte desses bens, porém, foi envolvida em
processos de falência quando sua empresa, a Olympia & York, sofreu
enormes prejuízos devido ao desenvolvimento do centro financeiro de
Londres, conhecido como Canary Wharf. Paul Reichmann era o acionista
controlador do Olympia & York.

Nada disso parecia importar para George Soros. Ele disse ao The New York
Times: “Eles [os Reichmann] foram os incorporadores imobiliários de
maior sucesso no mundo. Estou basicamente tentando investir meu próprio
dinheiro e quero fazê-lo com os melhores.” Soros e Reichmann
empenharam entre US$75 milhões e US$100 milhões no novo fundo; a
maior parte do capital veio dos acionistas do Quantum Fund.[2]

Em setembro daquele mesmo ano, o novo fundo Soros-Reichmann fez sua


primeira compra: um pacote de US$634 milhões de empréstimos
imobiliários penhorados ou problemáticos da Travelers Corporation, a
gigantesca empresa de seguros. A compra representou uma das maiores
vendas de ativos imobiliários da história. Depois, em novembro, Soros e
Reichmann anunciaram planos de construir três projetos imobiliários na
cidade do México, que custariam em torno de US$1,5 bilhão.

***

George Soros podia influenciar os mercados, uma vez que se tinha


conhecimento de que ele estava comercializando uma determinada ação,
moeda ou commodity. Na verdade, ele podia tornar-se o elemento
catalisador de comportamentos que seguem as tendências do mercado.

Aconteceu em abril de 1993. Desta vez, seu alvo parecia ser realmente
ouro.

A inflação continuava baixa, mas no ponto de vista de Soros, estava


preparada para subir novamente. Isso faria com que o ouro, embora sem
pagar dividendos, fosse uma melhor reserva de valor real do que ações,
imóveis ou títulos.
Consequentemente, o Quantum Fund comprou entre 2 e 3 milhões de onças
de ouro a US$345 a onça. Soros também investiu aproximadamente
US$400 milhões na Newmont Mining, comprando 10 milhões de ações a
US$39,50 cada ação de Jacob Rothschild e do mestre dos takeovers, James
Goldsmith. Com 13% da empresa. Soros era o segundo maior acionista.
Goldsmith continuava a ser o primeiro, com 30%. Rothschild tinha um
pouco menos de 5%.

Soros, Goldsmith e Lord Rothschild eram todos muito amigos. Um elo


entre Soros e a empresa de Rothschild era Nils Taube, diretor de
investimentos da Rothschild, diretor do Quantum Fund e durante muitos
anos pessoa próxima a Soros.

Certamente, quando os traders perceberam que as pegadas eram de George


Soros, o preço do metal disparou. Uma vez espalhada a notícia, houve uma
maciça compra especulativa de ouro no dia mais agitado do comércio de
ouro na história recente. A onça subiu de US$5 para mais de US$350 em
Londres, era a primeira vez, desde outubro de 1992, que aquela marca era
ultrapassada.

Um detalhe da operação de Soros com ouro: no final do verão de 1993, ele


aparentemente pegou seus lucros e caiu fora. O Sunday Times de Londres
informou em 15 de agosto que Soros havia vendido todos os seus lingotes
de ouro entre US$385 e US$395 a onça, talvez para salvar-se a tempo. O
preço do ouro havia atingido mais de US$400 a onça em Londres, duas
semanas antes, mas depois despencou vertiginosamente.

O começo de 1993 foi muito bom para o Quantum. Nos quatro primeiros
meses, o fundo rendeu 18%, em parte devido ao sucesso da aposta no
Nikkei, quando este estava em torno de 16 mil pontos. Por volta de 11 de
maio de 1993, o Nikkei havia subido para 20 mil pontos.

***
Caso alguém tivesse alguma dúvida com relação à força de George Soros
no mercado, ele se empenhou em deixá-la clara. Entrevistado por Deborah
Marchini para o programa “Business Day” da CNN, no dia 26 de abril de
1993, Soros contestou a alegação de que o recente aumento nos preços do
ouro era resultado de boas notícias vindas da Rússia, onde Boris Yeltsin e
suas reformas econômicas haviam obtido um voto de confiança num
referendo nacional.

As notícias da Rússia nada tinham a ver com o aumento nos preços do ouro,
argumentou Soros. A alta deveu-se às compras que ele fez em Newmont
Mining.

Além dessa audaciosa declaração à CNN, Soros parecia não querer explorar
sua nova posição, mesmo depois que todas as manchetes o descreveram
como o Messias do marketing. “Diverti-me com o status de guru”, disse ele
à Business Week naquele verão. “Admito essa condição. Como posso negá-
la? Eu acho que é uma fase passageira. Espero que, por conta do impacto
que eu possa provocar sobre o raciocínio das pessoas, que elas aprendam
como é importante procurar por falhas e pensar de modo crítico.”[3]

As experiências com Reichmann e com a Newmont, porém, pareceram


oferecer sólidas evidências de que um movimento de George Soros no
mercado, uma vez espalhada a notícia para outros traders, dispara outras
atividades nesse mesmo mercado. Essas atividades, imitando o próprio
comportamento de Soros, quase certamente aumentavam o valor dos seus
investimentos. Era uma posição nova e poderosa que ele assumia. O Daily
Mail, numa manchete do dia 30 de abril de 1993, perguntou: “Por que
estamos tão enfeitiçados por esse Midas moderno?”

A resposta era clara. George Soros parecia ser um Midas moderno. Era fácil
ser enfeitiçado por ele. Seguir seu exemplo tornava as pessoas mais ricas.
Haveria aí alguma coisa errada?

Do ponto de vista de Soros, ele não podia fazer muito com relação a esse
novo status, mesmo que quisesse. “É meu negócio comercializar, é meu
papel, minha atividade profissional. Eu não poderia continuar
administrando um fundo se não assumisse posições em ações, títulos e
moedas. Então assumi uma posição nas minas Newmont e veja o que
aconteceu.”[4]

Outros jogadores financeiros ficavam muito impressionados com o status


especial de Soros. “Investidores institucionais que controlam muito mais
dinheiro do que Soros têm uma fé enorme no seu julgamento [de Soros]”,
observou Peter Rona, um ex-banqueiro de investimentos que, como Soros,
também havia emigrado da Hungria. “É daí que vem a sua influência.”[5]

Outros, porém, não se deixavam impressionar. Alguns adoravam


desmascarar Soros, argumentando que ele não movia mercados. Um deles
era Arthea B. Nolan, editor associado do boletim informativo Hedge Mar,
que afirmava: “embora seja verdade que os administradores que controlam
grandes volumes de dinheiro possam, no curto prazo, influenciar os
mercados, eles não podem impactar os mercados básicos, porque os fatores
de oferta e demanda determinam os preços no longo prazo”.[6]

Outros negavam que Soros possuísse uma intuição mágica; ao contrário,


insistiam, ele estava engajado em algo mais nefando. O homem tinha
amigos. Não exatamente um crime, esclareciam rapidamente. Mas esses
amigos ocupavam altos cargos. Novamente, foram rápidos em afirmar que
Soros não estava praticando exatamente nenhum ato que pudesse levá-lo
para a cadeia. Ainda assim, algo sinistro parecia ocultar-se atrás daquela
rede de velhos amigos.

O The Observer, por exemplo, fez referência aos fortes vínculos entre Soros
e Jimmy Goldsmith e Nils O. Taube: “Esse tipo de conexão, a impressão de
uma gangue de insiders, é o que faz com que cada vez mais investidores
vejam com suspeição as atividades de Soros. Seus colegas falam de um
sexto sentido, mas às vezes deixam escapar comentários que contribuem
para formar a idéia de que Soros criou para si mesmo uma rede abrangente
de coleta de informações”.[7]

E mesmo assim, o que havia de errado em ter amigos - nos lugares certos?

Gary Gladstein, administrador comercial do Soros Fund Management, não


se cansava de explicar a habilidade que o guru Soros tinha de detectar
tendências macroeconômicas em qualquer parte do mundo. Para tanto,
apontava para a ampla constelação de amigos do homem. “George tem
amigos que são intelectuais, uma vasta rede de contatos em todo o mundo.
Ele chega no escritório e diz: ‘Estou interessado no país A, telefone para X.
...’ E em toda a sua carreira, sempre recorreu a consultores independentes
no mundo inteiro. Você ficaria boquiaberto se visse sua agenda de
telefones.”[8]

Em junho de 1993, Soros estava novamente investindo em imóveis, desta


vez na Grã-Bretanha. Quatro meses depois de abrir o fundo com
Reichmann nos Estados Unidos, ele formou um outro ainda maior como
veículo de investimento em propriedades inglesas. O Quantum Fund uniu-
se a uma incorporadora de Londres chamada British Land Co. e dessa vez
Soros planejava investir US$775 milhões em propriedades. Ele também
comprou 4,8% das ações da British Land.

Para Soros investir em imóveis na Inglaterra, certamente o mercado


imobiliário da Grã-Bretanha não estava mais em queda. Pelo menos, foi
isso que os investidores britânicos deduziram. O efeito nos valores das
imobiliárias no mercado de ações foi chocante: elas subiram 667 milhões de
libras, dando a Soros um lucro imediato de 5,2 milhões de libras na sua
participação de 5% na British Land. As ações da própria British Land
subiram de 298 para 434 pence.

É claro que a mágica de Soros ainda funcionava. Segundo comentários do


The Guardian: “No mês passado, foi ouro. Ontem, foi imóveis. A
comunidade mundial dos investimentos decidiu que se para George Soros
vale a pena comprar alguma coisa, ela também deve pensar o mesmo.”[9]

***

Animado pelo óbvio poder que ele comandava, Soros foi ainda mais
adiante. Fez uma declaração pública que teve o efeito de influenciar um
mercado, mesmo que não tenha sido essa a sua intenção. Nesse caso, o
mercado de moedas.
Ninguém se surpreendeu quando em junho de 1993 Soros tomou a notável
atitude de afirmar publicamente que o marco alemão estava prestes a cair.
Este foi o ato máximo de um homem que havia concluído que tinha poderes
extraordinários e que podia explorá-los.

Em uma carta ao Times de Londres em 9 de junho, Soros respondeu a uma


escrita em 20 de maio por Anatole Kaletsky, editor de Economia do jornal,
que incitava Soros a atacar o franco francês. Soros, em sua resposta, disse
que não concordava com Kaletsky, de não eram a moeda e os bônus
franceses que precisavam ser vendidos, mas os alemães. Quanto às taxas de
juros de curto prazo na Alemanha, elas tinham de cair ainda mais, escreveu
Soros, não importando as intenções do Bundesbank. “Minha expectativa é a
de que o marco caia em relação a todas as moedas fortes, inclusive a libra.
Espero também que os bônus alemães caiam em relação aos franceses nos
próximos meses, muito embora os preços desses bônus devam subir em
termos absolutos quando as reservas do Bundesbank reverterem seu curso e
reduzirem drasticamente as taxas de juros de curto prazo. (Para fins de total
transparência, esta é a minha maneira de ver as coisas.)

“O Bundesbank manteve as taxas de juros altas demais por muito tempo.


Ele poderia tê-las reduzido gradativamente sem colocar em perigo sua
reputação, mas perdeu a oportunidade. A Alemanha está agora em uma
recessão pior do que a da França.”

Para Soros, a Alemanha, mais cedo ou mais tarde, teria de se curvar, ao


menos por causa da gravidade da recessão que enfrentava. “As taxas de
juros de curto prazo terão de ser reduzidas, quer o Bundesbank goste dessa
idéia ou não.” Soros acrescentou que os preços dos bônus alemães subiriam,
então, em marcos, mas cairiam de valor uma vez levadas em conta as taxas
de câmbio.

Foi uma revelação surpreendente. Não era um simples caso de George


Soros, o especialista em finanças, dar conselhos com base na sua
experiência e intuição. Era George Soros, o especulador, admitindo
abertamente que seu conselho, se seguido, beneficiaria diretamente seus
próprios investimentos.
Esta foi a terceira vez nos últimos meses que as declarações oportunas de
Soros ajudaram a aumentar o valor de seus investimentos. “É uma nova
maneira de ganhar dinheiro”, segundo David C. Roche, um estrategista do
Morgan Stanley em Londres, “uma combinação de investimentos
criteriosos na parte mais baixa de um mercado e um golpe publicitário”.[10]

Concluindo a carta, Soros procurou deixar claro que suas duas profissões -
investidor e filantropo - eram separadas e distintas. Ele não havia optado
pela filantropia para beneficiar seus investimentos. “Eu quero esclarecer
meu próprio papel. Em sua carta, você mencionou minhas atividades nos
mercados de moeda e na Europa Oriental. Existe uma distinção nítida. Na
Europa Oriental, eu procuro promover sociedades abertas. Nos mercados
financeiros, estou em busca de lucro para meus acionistas e para mim
mesmo. Meu acesso ao mercado financeiro me permite financiar minhas
fundações na Europa Oriental. Não procuro lucros na Europa Oriental e não
atuo como uma instituição filantrópica nos mercados financeiros. Tento
evitar atividades especulativas que possam ser temerariamente destrutivas,
mas não vejo motivos para abster-me de movimentos que aconteceriam
mesmo sem minha participação. É claro que, com esse tipo de julgamento,
eu não sou mais infalível do que os bancos centrais.”[11]

Bem, talvez não, mas o status de guru de George Soros ganhou ainda mais
destaque quando os mercados responderam positivamente a suas
declarações sobre o marco. O marco, que estava em 61 cents em 11 de
junho, dois dias depois da carta de Soros, caiu para 59 cents em 25 de
junho. O Quantum Fund subiu 10% por volta de US$400 milhões, devido,
acreditou-se, à comercialização da moeda por parte de Soros.

No dia 23 de junho, Soros disse que era certo que o marco seria
desvalorizado. O dólar logo ficaria igual a 2 marcos, contra 1,70 no
momento. Mais uma vez, ele atacou o Bundesbank por não tomar nenhuma
atitude que pudesse ajudar outros países europeus. “A posição atual do
Bundesbank é nociva à economia alemã e para a economia européia e muito
nociva à unidade política da Europa. O dólar já chegou a valer 4 marcos”,
acrescentou. “Estou convencido de que está barato demais, enquanto estiver
valendo menos de 2 marcos.”[12]
23. UM VÍRUS COMUM
CHAMADO ARROGANCIA

Tudo era muito irônico. Durante muito tempo, George Soros desejou que os
políticos reparassem nele. Agora isso estava acontecendo. É claro que ele
queria o respeito dos políticos, não sua suspeita. Mas foi esta última que ele
conseguiu.

Suas incríveis jogadas no início de 1993, juntamente com as notícias de que


ele havia ganho US$650 milhões em 1992, levaram os políticos a analisar a
situação cuidadosamente. Eles lembravam muito bem dos anos 80 e da
maneira como Michael Milken, Ivan Boesky e as outras estrelas da era dos
takeovers ganharam milhões de dólares.

Indelevelmente marcado na mente dos políticos estava o desfecho da era dos


takeovers, quando foi revelado que Milken, Boesky e outros de menor brilho
vinham, na verdade, capitalizando informações internas. Todos - a princípio
- ficaram pasmos com a esperteza desses sujeitos. Mas, no final, as estrelas
dos negócios dos anos 80 não foram assim tão espertas quanto pareciam.

E agora os políticos acreditavam que deveriam voltar sua mira para George
Soros e todo o fenômeno dos fundos hedge. Eles não tinham motivos para
acreditar que ele se comportava como Milken e Boesky. O pecado de Soros,
segundo eles entendiam, era ganhar tanto dinheiro. Um sentimento de
desconforto persistia em Washington.

Pois lá estavam aqueles financistas, ganhando enormes quantidades de


dinheiro e ninguém fora de Wall Street, e às vezes nem mesmo o pessoal de
lá, aparentemente sabia o que os homens do dinheiro estavam fazendo, como
realmente construíram suas fortunas. Era crescente em Washington o ponto
de vista de que Soros e os outros gerentes de fundos hedge deveriam passar
por uma sondagem. Eles deveriam ser chamados a responder por seus atos.

E então Henry Gonzales, presidente do poderoso House Banking


Committee, anunciou em junho de 1993 que planejava pedir para o Federal
Reserve Board e para a Securities and Exchange Commission examinarem
mais detalhadamente as operações de câmbio do Quantum Fund de George
Soros. Gonzales disse que estava curioso para saber como Soros conseguia
tantos lucros. Ele esperava descobrir qual era a participação dos
empréstimos bancários no capital de Soros e quanto os bancos estavam
expostos ao Soros Fund. “No futuro próximo”, prometeu o legislador,
"pedirei ao Federal Reserve e à SEC para analisarem o impacto do Sr. Soros
sobre o mercado de câmbio para determinar se é possível que ele seja
manipulado por um participante isolado como o Sr. Soros.

Manipular.

Essa era uma palavra forte.

Para o Sr. Soros, isto não seria apenas um passeio pelo parque.

Gonzales acrescentou que “é do maior interesse do Federal Reserve e de


outros bancos centrais ter total conhecimento da metodologia que o Sr. Soros
utiliza para manipular o mercado FX (foreign exchange - câmbio). Afinal,
eles estão competindo face a face com ele numa tentativa de manipular o
valor de várias moedas”.

O interrogatório só aconteceria dali a um ano. Entretanto, o efeito do


anúncio de Gonzales foi lançar uma nuvem sobre todo o jogo dos fundos
hedge. Enquanto observavam e aguardavam, Soros e a comunidade dos
fundos hedge tiveram de imaginar o que o futuro lhes reservava.

***
No entanto, no verão de 1993 Soros sentia-se muito bem em relação a si
mesmo. Ele parecia à vontade. Levou com uma certa serenidade todos os
rumores sobre ser um guru do mercado. Parecia um homem mais feliz do
que há uma década. Edgar Astaire, seu parceiro em Londres, disse que ele
estava muito mais satisfeito consigo mesmo do que no início de sua carreira,
quando “era muito austero, uma pessoa que não demonstra seus sentimentos.
Todo aquele falatório agora sobre como ele consegue movimentar os
mercados, de que ele é um guru, o afetou. Ele está mais expansivo. Tem
prazer em viver. Tenho percebido que ele ri com maior frequência”.[1]

Soros parecia gostar de toda aquela atenção, mas sentia que aquilo era um
fenômeno passageiro. “Eu não manipulo os mercados, mas não posso negar
que, no momento, tenho uma certa mística em torno de minha pessoa como
operador de mercado. Exatamente agora, as pessoas prestam muita atenção
no que eu faço. E o fato de o ouro ter subido US$15 (em meados de maio de
1993] teve algo a ver com a compra da minha participação na Newmont.
Isso acontece. Mas depois que eu fizer alguns movimentos em falso, as
pessoas se acalmarão.”[2]

Ele conseguia manipular a mídia com inteligência.

Depois de atrair seu interesse, Soros sabia que teria de resistir à enxurrada de
perguntas que os jornalistas fariam sobre o que ele estava fazendo nos
mercados. Ele queria que o foco se voltasse para seus programas
assistenciais e obteve um êxito magnífico. Na verdade, em 1993 e 1994, a
maioria dos artigos escritos sobre Soros enfocou sua filantropia. Os
repórteres sentiam-se compelidos a mencionar sua faceta de investidor, mas
dado o pequeno volume de informações, tratavam o assunto apenas
superficialmente.

Detectando os benefícios que a publicidade poderia trazer para o programa


assistencial, Soros ficou mais afetuoso com a mídia. Depois do golpe de
setembro de 1992, passou a conceder mais entrevistas e com isso recebeu
grande repercussão positiva, particularmente na Grã-Bretanha. Por exemplo,
o The Observer apresentou como manchete no dia 10 de janeiro de 1993
uma história sobre o “Homem que quebrou o Banco”; no dia 14 de março, o
London Standard publicou a história “Mestre do Universo”.
Equipes de televisão da Inglaterra e dos Estados Unidos solicitaram sua
cooperação para pequenos documentários sobre sua carreira. Pela primeira
vez, ele permitiu que fossem filmados seus escritórios em Nova Iorque e os
porões de Budapeste onde ele havia se escondido dos nazistas.

Para Soros, certamente valia a pena. Em um documentário para a rede ABC


que foi ao ar no dia 13 de dezembro de 1993, ele disse: “[Meu fundo] é hoje
tão grande que não faz sentido a menos que eu tenha um uso para o dinheiro
... Parece ser mais fácil [ganhar dinheiro do que gastá-lo]. Para mim parece
ser mais fácil ganhar dinheiro do que tomar as decisões corretas sobre como
distribuí-lo.”.

***

Soros nunca mais sofreu crises de identidade. Ele parecia o ser mais
satisfeito do mundo. Ainda assim, esperava mais da vida, conforme deixou
claro em uma notável entrevista concedida à revista Leadership, em julho de
1993.

O repórter perguntou-lhe como ele se via naquele momento.

Soros: “Sou um trabalho em andamento e estou bastante satisfeito com o


rumo que os eventos tomaram. Gosto muito mais de mim do que quando só
queria ganhar dinheiro. Agora sinto-me mais completo. (...) Se pudesse
apenas progredir na direção de uma melhor compreensão de como tudo se
junta, ficaria ainda mais satisfeito.”[3]

Em suma, ele ainda queria resposta a todas aquelas perguntas existenciais


que o atormentaram quando era estudante em Londres, no início dos anos
50.

O repórter perguntou-lhe se ele já tinha definido o momento de parar,


provavelmente referindo-se ao momento da aposentadoria.
Soros respondeu negativamente: “Acho que seria uma espécie de derrota.
Mas gostaria de deixar as coisas dentro de certos limites para não chegar
àquele estágio. Existe claramente um momento em que tudo se avolumará de
tal forma que não será mais possível para mim.”

Alguma vez ele já se sentiu usado? Todas as pessoas com muito dinheiro já
se sentiram assim num momento ou outro. E Soros?

“Não. Acho que tenho razoável capacidade de identificar tal risco e evitá-lo.
Aceito-o como parte do jogo.”

Repórter: “O Sr. fala sobre a responsabilidade de ter tanto dinheiro e de lidar


com ele de forma a não ser visto como alguém que só vê o próprio lado. Isso
é difícil?”

Soros: “Realmente não me importo. Tenho certeza de que essa história será
escrita, se já não o foi. Não acho que tenha algo a defender. Acho que o
problema não está aqui. Será que sou um escravo do meu sucesso ou será
que tenho controle sobre meu destino?”

“Existe o fato de ter sucesso demais e de ter muito a fazer para ter sucesso.
Preciso encontrar o equilíbrio certo para não ser varrido pelo meu próprio
sucesso. Não posso ser dragado por algo que esteja além de mim. Esse é o
verdadeiro jogo da vida porque é a parte do risco.”

Depois, uma pergunta muito boa: Se Soros não estivesse ganhando todo
aquele dinheiro e distribuindo-o em grande quantidade, o que estaria
fazendo?

Ele confessou que ele mesmo já se havia feito aquela pergunta.


Primeiramente, no início dos anos 60, quando voltou pela primeira vez à
Hungria. “Cheguei à conclusão de que seria motorista de táxi e que levaria
turistas para passear para ganhar algum dinheiro estrangeiro.”

***
Ele poderia ter-se descrito como um homem de negócios de classe média,
razoavelmente bem de vida. Será que ele estaria sugerindo que se os
acontecimentos tivessem tomado um rumo diferente ele poderia realmente
ter-se transformado em um simples motorista de táxi, dando duro para
ganhar a vida?

Enquanto isso, no verão de 1993, Soros provava ser um enigma ainda mais
complexo para a comunidade financeira. Até agora, nove meses depois do
golpe contra a libra em setembro de 1992, ele era analisado em termos quase
místicos, cada pronunciamento seu era um sinal a ser seguido pelos
mercados.

Entretanto, neste verão de problemas para a Comunidade Européia, era cada


vez mais difícil para os observadores de Soros compreender o que se passava
na mente do Mestre, e determinar o aspecto do mercado financeiro de que
ele gostava. Ele parecia ser um homem em uma gangorra, um minuto
subindo, no próximo, descendo. Para os que tentavam seguir seus
movimentos, a experiência era normalmente atordoante.

***

E todos tentavam descobrir quais seriam esses movimentos, já que o


Exchange Rate Mechanism dava sinais de desintegração. Houve um dia em
que ele enfrentou o ERM e venceu. Agora havia um temor renovado de que
ele fosse tentar novamente.

A pressão sobre o franco francês era cada vez maior. As altas taxas de juros
na Alemanha vinham atraindo capital para o marco, forçando a moeda
francesa ao nível mínimo permitido no ERM. Os especuladores estavam
vendendo francos. Os franceses, porém, não tinham nenhum desejo de
desvalorizá-lo.

Na segunda-feira, 26 de julho, Soros disse ao jornal francês Le Figaro que


ele não estava especulando contra o franco. Motivo: Ele não queria que
ninguém o acusasse de destruir o ERM. Em essência, Soros estava dando um
voto de confiança ao franco, sugerindo que ele sobrevivería à atual
turbulência sem que a França precisasse retirá-lo do ERM.

Soros parecia estar fora da confusão. Mas quando o Bundesbank reuniu-se e


votou contra a alteração da taxa de redesconto-chave, Soros ficou bravo e
sentiu-se traído. “Eu acho que o sistema vai se romper”, previu.

Na sexta-feira 30 de julho, ele enviou um fax para a Reuters de Londres no


qual declarava: “Depois da decisão do Bundesbank de não reduzir a taxa de
redesconto, não me sinto mais moralmente obrigado a manter a declaração
feita ao Le Figaro. É inútil tentar proteger o Sistema Monetário Europeu
abstendo-me de comercializar moedas quando a âncora do sistema, o
Bundesbank, age sem considerar os interesses dos outros membros.”.

Ele comparou o franco francês a uma esposa que foi espancada, e, mesmo
assim, permanece ao lado do marido - neste caso, o ERM. “Eu não espero
que o atual acordo ainda esteja em operação na manhã da próxima segunda-
feira.” Ele declarou que agora se sentia livre para comercializar francos
franceses.

A confusão reinava na comunidade financeira com relação ao que George


Soros estava fazendo - e ao que ele estava tentando comunicar. Enquanto os
ministros europeus procuravam freneticamente resgatar o ERM em
Bruxelas, Soros permanecia distante, talvez para dar a nítida impressão de
que estava acima da confusão, indiferente desta vez a uma outra crise do
ERM.

Um repórter do New York Times que falou com ele pelo telefone, enquanto
descansava na beira da piscina de sua casa de Southampton, sugeriu que ele
parecia mais um velho estadista do que com um trader de moedas.
“Exatamente porque não quero levar os mercados à loucura, não vou dizer o
que estou fazendo”, disse ele ao repórter. Soros não revelou nenhum
segredo. Tudo o que disse foi que não havia especulado com moedas
européias até a tarde de sexta-feira, o que soou como se ele tivesse
começado a comercializar francos desde então.

Seria verdade?
Soros não respondeu. Ansioso por dissuadir os outros da noção de que ele
era um mero especulador, continuou a agir como um velho estadista.
“Acredito firmemente na Europa e no sistema e acho que os participantes
precisam preocupar- se em preservá-lo e não apenas em obter lucros para si
mesmos.”[4]

Entretanto, ele não mais se sentia acima da confusão.

No dia 4 de agosto, fez um pronunciamento público sobre o marco.


Acreditava que a política do Bundesbank estava levando a Alemanha a uma
recessão ainda maior e, consequentemente, estava vendendo seus marcos.
“Eu mesmo estou especulando contra o marco, vendendo-o para comprar
dólares e ienes”, disse Soros na televisão alemã. “No longo prazo, esta é a
posição que se deve tomar em relação ao marco.” Ele acrescentou que a
política de juros altos do banco da Alemanha era suicida e que o país deveria
reduzir as taxas para ajudar a reanimar as economias européias.

***

A princípio, Soros pareceu ter acertado. Em junho, quando fez sua primeira
previsão, o marco estava cotado a 1,625 por dólar. No final de julho, caiu
para 1,75. Mas em meados de setembro, a moeda alemã obteve notável
valorização em relação ao dólar, sendo comercializada a 1,61.

Até este momento crítico, poucos questionavam o direito de Soros fazer


declarações públicas sobre seus negócios. Era típico dos gurus. Entretanto,
era crescente a convicção de que ele poderia estar indo longe demais dando
conselhos aos estadistas do mundo.

No dia 1 de agosto, por exemplo, ele apareceu em um programa da televisão


inglesa para discutir a intervenção militar do Ocidente nos Balcãs.
Argumentou que tolerar a doutrina do estado “etnicamente puro” marcava o
fim da civilização.[5]

Quem havia pedido sua opinião?


O Daily Telegraph, no editorial do dia 5 de agosto de 1993, resumiu com
precisão os sentimentos ambivalentes que muitos tinham em relação a Soros
naquele verão: “Desde que ele apostou US$10 bilhões em que a libra iria
sair do Exchange Rate Mechanism, cada declaração sua é considerada
oracular e suas cartas e artigos nos jornais são vistos como escrituras
sagradas...

“Também não devemos desejar mal ao Sr. Soros. Os políticos e presidentes


de bancos centrais do continente, que recentemente culparam os
especuladores como ele pelo colapso do ERM, devem refrear sua ira: a culpa
é totalmente deles, por tentar manter taxas de câmbio e de juros
insustentáveis. (...)

“Mas existe também espaço para a cautela. Há uma certa sensação de


arrogância em relação aos crescentes comunicados grandiloquentes do Sr.
Soros à mídia. (...)

“Quando lemos esta semana que o Sr. Soros defende ataques aéreos para
levantar o sítio em torno de Sarajevo, começamos a pensar que ele está
precisando de férias. Talvez ele esteja acreditando que com um movimento
da cabeça ou um piscar de olhos pode determinar não apenas políticas de
câmbio mas também políticas externas. (...) Mas a disposição que o mundo
mostra de ater-se a cada declaração do Sr. Soros não deve induzi-lo a
acreditar em todas elas.”

Dois dias depois, em 7 de agosto, a The Economist foi ainda mais além em
um artigo intitulado “Falante”.

“Será que George Soros perdeu o juízo? É cada vez mais comum encontrar
nos jornais e ouvir no rádio e na televisão pronunciamentos de peso desse
investidor nova-iorquino, húngaro de nascimento, sobre tudo - desde a área
bancária até a Bósnia. Recentemente, durante um período de grave
enfermidade do mecanismo de câmbio da Europa, as opiniões do Sr. Soros
atraíram tanta atenção quanto as do presidente do Bundesbank. É natural que
a imprensa esteja interessada no Sr. Soros; afinal, ele é o Homem Que
Quebrou o Banco da Inglaterra. (...) No entanto, investidores com influência
semelhante à sua tendem a ser extraordinariamente silenciosos. Por que ele
não é?”
A revista perguntou por que Soros se expunha tanto ao público.

“O primeiro motivo deve ser que o Sr. Soros não tem nada contra ser visto
como o mais destacado guru dos investimentos de sua época. Ele merece.”

“Um outro motivo pode ser o de que Soros não se contenta mais em ser um
rico de olhos verdes azulados e quer influenciar a política pública dos
grandes temas do seu tempo. Uma ambição admirável, embora talvez melhor
realizada através do tipo de filantropia que ele está praticando na Europa
Oriental.”

“Um último motivo por trás do aparente desejo do Sr. Soros por publicidade
pode ser que ele esteja menos envolvido do que antigamente com o
gerenciamento do Quantum no dia-a-dia.”

O cerco da mídia continuou na Barron’s do dia 16 de agosto.

“Antigamente, George era um tipo taciturno. Durante muitos anos, foi


membro espirituoso e estimado da nossa Távola Redonda, mas a não ser por
isso, preferia deixar seu desempenho falar por ele, o que era muito
significativo.”

“Ultimamente, porém, George rompeu seu voto de silêncio com veemência.


Há semanas em que é difícil ligar a TV em Londres sem ver sua imagem na
tela. Escreve cartas aos jornais, redige artigos, concede audiências aos
jornalistas, recrimina publicamente o Bundesbank - em resumo, tornou-se
Homem Público tanto quanto Investidor Legendário.”

"... Não nos surpreende que George sinta necessidade de alardear seus
exercícios filantrópicos ou de brincar de filósofo sobre o tédio na vida das
pessoas que ganham dinheiro. O enigma para nós são seus devaneios em voz
alta sobre assuntos menos cômicos, como por exemplo, se o marco vai subir
ou cair, ou se devemos vender francos. Se não o conhecêssemos bem,
suspeitaríamos de uma infecção por um vírus comum chamado arrogância.”

Um repórter da Business Week teve a chance naquele verão de perguntar a


Soros por que ele estava agora tão “falante”.
“Em geral, eu não gosto de me expor ao público a não ser quando tenho algo
a dizer”, começou Soros. “... E na medida do possível, prefiro falar com
minhas próprias palavras, porque esta é uma política definitiva que estou
desenvolvendo - acho que se concedo uma entrevista, serei citado fora do
contexto. Muito embora sejam minhas próprias palavras, o ponto de vista é
diferente do que eu pretendia enfocar.”[6]

“Eu não tenho um relacionamento de amor e ódio [com a mídia]. Quando


muito, [mantenho] uma distância realmente grande. Se agora você escreve
uma crítica devastadora e descobre algumas falhas ou alguma coisa em mim
... eu não fico magoado. Então você fica à vontade para trabalhar. ”

Soros parecia estar dizendo que ele realmente não se importava com a mídia,
embora claramente esse não fosse o caso. Sem o benefício de uma máquina
de relações públicas grande e sofisticada, Soros tornou-se seu mais hábil e
melhor porta-voz. Com muita sagacidade, ele percebeu que teria uma chance
maior de transmitir todas as suas opiniões se, em lugar de conceder uma
entrevista a um jornal, enviasse um fax ou escrevesse uma carta para o
editor. Várias e várias vezes, a técnica funcionou. O jornal que recebia o fax
ou carta de Soros acabava publicando-a na íntegra. Ele também descobriu
que havia um momento para discutir com a imprensa e um momento para
manter-se calado. Quando tomou a corajosa atitude naquele ano de contratar
uma empresa externa de relações públicas - a renomada Kekst & Co. de
Nova Iorque - Soros estava certo de que a máquina publicitária da Kekst
falaria o mínimo possível sobre ele.

***

Para alguns, Soros, ao fazer declarações públicas sobre seus investimentos,


estava sendo um pouco esperto demais. Um dos maiores administradores
financeiros de Wall Street, insistindo no anonimato, estava claramente
perturbado com o comportamento de Soros: “Não compreendo o motivo de
todos esses pronunciamentos públicos, particular mente quando eles estão
comercializando ativamente.”. Tais declarações, afirmou o administrador,
são “inadequadas. ... No caso de Soros, pode não ser uma questão legal,
apenas ética.”

Mas no final de agosto, Soros, ainda muito falante, desferiu um outro golpe
publicitário, desta vez conseguindo estampar seu rosto na capa da Business
Week, um feito que no passado ele poderia ter considerado o seu beijo da
morte. Alguns de seus assistentes ficaram apopléticos.

Como apoplético ficaria quem lesse os primeiros parágrafos da reportagem


de capa.

O repórter da Business Week comentou que Soros estava para conceder uma
entrevista à revista. Gerard Manolovici, descrito como veterano
administrador de carteiras de Soros, ficou perturbado.

“Gary” - ele está falando com Gary Gladstein, administrador-chefe de Soros


-, “você tem que fazer alguma coisa para detê-lo. Estou falando sério. Você
tem que impedir essa história.”

Gladstein, voltando-se para o repórter, sorriu como que pedindo desculpas e


observou: “Não gostamos de publicidade aqui. Preferimos manter a
discrição.”.[7]

Um conhecido observador de Wall Street comentou que atrair publicidade,


para alguém como Soros, “Não é considerado apenas imprudente, mas
também muita falta de sorte. Wall Street é uma espécie de lugar e de
negócios filistinos. Nas suas operações de investimento, George Soros está
rodeado de pessoas que não se importam com nada a não ser ganhar algum
dinheiro. Elas não se importam com o seu lugar na história. Talvez Soros,
mas elas não. Existe em Wall Street uma doutrina razoavelmente sólida que
diz que uma vez famoso, você passa a ser história. Uma vez na capa da
Business Week, adeus. E Soros acabou de sair na capa da Business Week.”

Soros começou a sofrer intensa pressão de seus próprios assistentes,


inclusive Stanley Druckenmiller, para controlar sua língua. A sensação,
dentro do Soros Fund Management, era a de que os pronunciamentos
públicos de Soros haviam diminuído a mobilidade do fundo. Conforme
observou um antigo associado, “Ele pode ter pensado que estava sendo uma
dádiva de Deus ao investidor médio, mas o fenômeno era que suas posições
ficaram tão volumosas que ele precisava efetuar compras também volumosas
para torná-las uma realidade. De uma certa maneira, ele passou a ser o
mercado. Sua posição em termos de moedas e de renda fixa ficou tão grande
que o fundo perdeu sua flexibilidade no mercado.”

Então, depois do falante verão de 1993, Soros adotou uma nova tática.
Quando perguntado pelos repórteres, recusava-se a dizer de qual ação ou
moeda gostava ou não. Era como se cada palavra sua estivesse sendo
monitorada. Se ele tivesse o poder que lhe era imputado, esse poder poderia
ser usado contra ele. E ele sabia disso. Por isso, ficou menos falante.

***

Soros recebeu poucos aplausos dos políticos europeus que estava tentando
cativar. Eles ficaram bravos porque Soros continuava a “intrometer-se” nos
assuntos monetários da Europa.

No final de setembro de 1993, o ministro do Exterior da Bélgica, Willy


Claes, na época também presidente do Conselho de Ministros da
Comunidade Européia, acusou Soros indiretamente de tentar subverter a
causa da unidade européia. Em uma entrevista para a revista semanal
francesa Le Point, Claes disse: “Existe uma espécie de trama. No mundo
anglo-saxão, existem organizações e personalidades que preferem uma
Europa dividida, condenada a um papel econômico secundário, em vez de
uma Europa forte com sua própria política monetária e externa.”.

O porta-voz de Soros, David Kronfeld, refutou os comentários de Claes,


observando que “não vamos responder a esta bobagem sobre tramas anglo-
saxônicas". Soros, ele voltou a enfatizar, defendia um Sistema Monetário
Europeu eficiente, mas ficou convencido de que o sistema já não mais
funcionava positivamente para as nações européias antes de seu recente
colapso.[8]
No geral, 1993 foi um ano bom para o Quantum Fund, que rendeu 61,5%.
Meros US$10 mil investidos no Quantum em 1969 valeriam agora US$21
milhões. Os mesmos US$10 mil investidos no índice de ações 500 da
Standard & Poor no mesmo período valeriam agora parcos US$122 mil.

Todos os fundos de Soros mostraram desempenho incrivelmente bom. O


melhor foi o Quantum Emerging Growth, com rendimento de 109% antes
dos impostos, seguido do Quantum and Quota, com rendimento de mais de
72%. Desde 1969, Soros produziu uma taxa composta de crescimento anual
de aproximadamente 35%. O crescimento anual do S&P 500 foi de apenas
10,5%.

A maior compra de Soros no último trimestre de 1993 foi a da Paramount


Communications; a segunda e a terceira maiores compras foram ambas no
setor de redes de computadores: Newbridge Networks e DSC
Communications. Sua maior venda foi Medco Containment Services,
embora outras grandes vendas tenham sugerido que ele estivesse tentando
sair dos serviços financeiros; entre as dez maiores vendas, cinco foram nessa
área.

A tabela a seguir mostra as maiores participações acionárias de Soros;


aproximadamente metade de seus ativos está em ações.
Fonte: Federal Filings (citado no USA Today, 12 de março de 1994).
24. SOU UM JUDEU HÚNGARO

Era irônico que o homem que, quando criança, pensava ser Deus tratasse a
religião como uma grande irrelevância.

Nem seus pais nem suas próprias experiências aproximaram George Soros
do judaísmo. Nem mesmo o Holocausto, uma forte marca da sua formação
religiosa, teve efeito duradouro sobre seus sentimentos religiosos.
Esconder-se dos nazistas em 1944 foi para ele uma grande aventura que lhe
fez aprender a arte de sobreviver, mas não o tornou mais judeu.

Se ele tirou alguma lição do Holocausto, foi que as minorias - como eram
os judeus na Europa - precisavam ser protegidas no futuro e que a melhor
maneira de assegurar essa proteção era a construção de sociedades
pluralistas em que as minorias tivessem seus direitos garantidos.

“Fui para a Inglaterra em 1946 e depois para os Estados Unidos em 1956”,


escreveu ele. “Mas nunca me tornei propriamente um americano. Eu havia
deixado a Hungria para trás e minha condição de judeu não se expressava
em termos de uma lealdade tribal que talvez me levasse a apoiar Israel. Pelo
contrário, eu tinha orgulho de ser minoria, alguém de fora capaz de ver o
outro ponto de vista. Apenas a capacidade de pensar de maneira crítica e de
ver além de um determinado ponto de vista poderia compensar os perigos e
indignidades que me foram infligidos por ser judeu húngaro.”[1]

O judaísmo era um peso para ele. Não lhe oferecia nenhuma vantagem
especial, apenas os “perigos e indignidades” que lhe foram “infligidos” por
ter nascido judeu húngaro. Consequentemente, nos anos pós-guerra, ele
desprezou sua religião. Nenhuma de suas idéias intelectuais surgiu de fontes
judaicas.
Seu grande amigo e colega de profissão Byron Wien comentou: “George
nunca pensou em si mesmo como não sendo judeu. Ele nunca tentou sugerir
que não fosse judeu. Ele nunca negou sua identidade, mas, ao mesmo
tempo, eu acho que ele não queria que isso fosse o fato central da sua
identidade.”[2]

“Durante sua fase de crescimento, ser judeu era o fato central da sua
identidade. O fato de ser judeu significava ter de fugir. Ele precisava
escapar, esconder-se. Quando ele chegou aos Estados Unidos, ser judeu
categorizava uma pessoa e George queria livrar-se de todas as categorias.
Ele queria ser aceito pelo que era, por seu intelecto e por suas realizações.
(...) Ele não se identificava com as causas judaicas, mas por outro lado não
negava [que fosse judeu]. Ele assumia que todos sabiam que ele era judeu,
mas não usava nenhuma tabuleta dizendo, caso você esteja em dúvida, sou
judeu.”

***

No início de outubro de 1992, Soros convidou um empreendedor israelense


chamado Benny Landa para jantar com ele em seu apartamento em Nova
Iorque. A noite acabou sendo uma das mais memoráveis que ambos jamais
haviam tido.[3]

Em 1977, Landa havia fundado uma empresa de alta tecnologia chamada


Indigo na cidade israelense de Rehovot, não muito longe de Tel Aviv. A
Indigo tornava-se rapidamente a líder mundial em produtos de alta
qualidade no setor de impressão digital colorida.

Em junho, Landa havia solicitado ao First Boston, banco americano de


investimentos, que executasse para a Indigo um planejamento estratégico. O
First Boston recomendou que o primeiro passo deveria ser uma colocação
privada, seguida de uma oferta pública alguns anos mais tarde. Quando o
First Boston estava quase concluindo o memorando de colocação particular
que circularia entre investidores em potencial, Soros ouviu rumores sobre as
intenções da empresa. Depois de alguma investigação, ele pediu que a
Indigo cancelasse a emissão do memorando de colocação particular e disse
que se Landa estivesse interessado, ele assumiria todo o montante, US$50
milhões, como investimento.

“Para nós foi uma agradável surpresa, porque havíamos previsto pelo
menos meia dúzia de investidores”, lembra Landa, sentado no seu
escritório, no quarto andar de um edifício de Rehovot, em agosto de 1994.
Os termos foram negociados, mas Soros disse a Landa que tinha interesse
pessoal no negócio e queria encontrar-se com o empreendedor antes de
finalizarem qualquer coisa. Ele convidou- o para jantar em Nova Iorque.[4]

E assim Soros e Landa se conheceram. Havia mais duas pessoas, P.C.


Chatterjee, companheiro de Soros, e Robert Conrads, diretor administrativo
do First Boston. O que marcou naquela noite foi a natureza da discussão.
Era de se esperar que quatro homens de negócios juntos em um jantar de
trabalho falassem principalmente, se não exclusivamente, de negócios. Mas
Chatterjee e Conrads não falaram virtualmente nada a noite inteira. Mais
tarde, Landa explicou que ele acreditava que os dois homens, ouvindo
Soros conversar a noite inteira sobre assuntos que nada tinham a ver com
trabalho, ficaram espantados e chocados demais para falar qualquer coisa.

Ao descrever aquela noite, dois anos mais tarde, Landa lembrava dos
detalhes como se tivesse jantado com Soros um dia antes. A noite começou
às 19h30min e durou quatro horas. Depois do elegante jantar, Soros pediu
que Landa falasse sobre si e sua empresa, o que durou de 20 a 30 minutos.
Landa então perguntou a Soros se seria agora a sua vez de pedir que o
investidor falasse de si.

“Claro”, Soros respondeu, supondo que Landa faria perguntas sobre suas
aventuras na arena dos investimentos.

“Bem”, começou Landa, “Não estou muito interessado na sua filosofia


política e econômica, sobre a qual já li.” Se Soros esboçou alguma reação
ao ouvir essa declaração, Landa não percebeu. “Estou interessado” - Landa
tomou cuidado para não soar grosseiro ou indelicado - “em como você se
sente sendo judeu. Se fazer negócios com uma empresa israelense tem para
você qualquer significado.”
Landa já sabia da indiferença de Soros em relação ao judaísmo; entretanto,
sabia também que o investidor era judeu, um sobrevivente do Holocausto.
De certa forma, era difícil para Landa conciliar a sobrevivência de Soros ao
Holocausto com sua neutralidade em relação ao judaísmo. Daí a pergunta.

Soros pareceu surpreso, embora não desconfortável.

“Para mim não significa nada. Não é porque você representa uma empresa
israelense que eu estou interessado em investir. É que, para mim, a
oportunidade parece boa.” Nas três horas e meia seguintes, Soros falou,
então, sobre sua condição de judeu, sobre suas experiências na infância e
especialmente sobre o período em que se escondeu dos nazistas durante a
Segunda Guerra. “Foi uma das coisas mais emocionantes da minha vida”,
disse ele a Landa. “Ficar escondido daquela maneira era como brincar de
polícia e ladrão. Foi uma grande emoção.” Eles também conversaram sobre
o nacionalismo judeu e sobre o ódio entre esse povo. Houve momentos em
que a noite assumiu uma atmosfera de debate - sempre amigável, embora
sempre se atendo ao que Landa mais tarde descreveu de “assuntos íntimos,
espinhosos”.

Enquanto ele e Soros conversavam, Landa perguntava-se o que havia


levado o investidor a negar suas raízes judaicas. Ouvindo Soros falar sobre
suas experiências durante a guerra, Landa encontrou uma possível
explicação. Ele observou que Soros sempre retratava suas experiência na
Segunda Guerra como um jogo emocionante. Ainda assim, na realidade ele
vivenciou um terror inconcebível, apenas porque era judeu. Ele concluiu
que ser judeu deve ter sido um peso, nunca uma alegria, para Soros. Em um
estágio da conversa naquela noite, Soros revelou que apenas no início dos
anos 80 ele se sentiu à vontade para admitir publicamente que era judeu.
Antes disso, ele simplesmente evitava o tema. “Talvez o sucesso no mundo
dos negócios finalmente tenha me dado confiança para admitir minha
condição de judeu”, Soros sugeriu.

Surgiu então a questão do nacionalismo. Landa sugeriu que o nacionalismo


tinha alguns elementos construtivos, positivos e que o sionismo, em
particular, era uma força muito positiva e uma causa pela qual valia a pena
lutar. “Eu gostaria que você se aproximasse dela”, disse ele a Soros.
Soros já havia tido experiências suficientes com o nazismo para ter em alta
conta o nacionalismo. “Ele só causa o mal e a destruição, o chauvinismo e a
guerra”, respondeu. “Sou contra qualquer tipo de nacionalismo. Se fosse
possível ter as facetas construtivas do nacionalismo sem suas características
negativas e sem os prejuízos social e político que ele causa, então você
estaria certo. Mas não é possível.”

Até mesmo enquanto conversavam, Soros sentia-se agredido pelos regimes


nacionalistas da Europa Oriental. “É tão irônico”, disse. “Eles estão
tentando vincular-me a uma trama sionista mundial, com os Anciãos de
Sion. É terrivelmente irônico.” Irônico porque Soros não tinha quase
nenhuma identificação com os judeus.

Perto das 23h30min, tanto Soros quanto Landa estavam emocionalmente


esgotados com aquela experiência.

Landa voltou-se para Soros com um ar de conclusão e declarou: “Eu acho


que é uma das minhas missões trazê-lo de volta para o mesmo tipo de
identificação com Israel que você tem com as outras causas políticas. Trazê-
lo de volta ao mundo judeu.”

“Isto será interessante”, Soros respondeu vagamente.

No elevador, Chatterjee virou-se para Landa e disse: “Estou chocado.


Nunca vi nada assim antes na minha vida. Nunca soube de nada disso sobre
George.”. Também Landa estava surpreso. A noite havia sido uma profunda
experiência pessoal tanto para Landa quanto para Soros.

Alguns meses depois, em janeiro de 1993, Landa encontrou Soros no


escritório do investidor em Nova Iorque, para um aperto de mão e para a
assinatura do contrato. Soros certamente lembrou-se daquela noite em
outubro e sentiu que talvez estivesse dando a impressão de relutar em fazer
negócios com uma empresa israelense, já que com isso sua condição de
judeu ficaria por demais exposta. Procurou dissipar qualquer dúvida de
Landa.

Apertando sua mão, Soros disse: “Você sabe, estou feliz por essa empresa
ter sua sede em Israel.". Landa assumiu que ele estava querendo dizer que
aquele negócio teve realmente um significado pessoal para Soros. Landa
aproveitou a oportunidade para convidar Soros para visitar Israel e Soros
aceitou.

***

O encontro com Benny Landa foi sintomático de uma profunda mudança


em George Soros. No início dos anos 90, seus amigos e companheiros de
trabalho começaram a notar uma mudança na sua atitude em relação à
religião, um novo interesse pelo passado. Ele começou a pedir para alguns
conhecidos, entre eles Daniel Doron, que lhe enviassem livros, inclusive o
Talmud. “Ele ficou interessado na civilização judaica”, disse Doron. “De
repente percebeu que não havia surgido do vácuo.”[5] Também o seu
comportamento mudou. Na abertura oficial da Soros Foundation em
Bucareste, Soros levantou-se diante da multidão e proclamou: “Sou George
Soros e sou judeu húngaro.”. Sandra Pralong estava lá e ela lembra que a
multidão ficou espantada. Os romenos não estavam acostumados a ouvir
alguém dizer publicamente que tinha orgulho de ser judeu.

Foi uma transformação incrível, especialmente em se tratando de um


homem que até os 50 anos não mostrava nenhuma disposição de identificar-
se como judeu, para quem sua condição de judeu sempre foi um peso.
Agora, porém, no início de 1990, tudo aquilo parecia estar mudando.

O que provocou essa conscientização em George Soros? Acima de tudo, os


ataques que ele e sua condição de judeu vinham sofrendo dos nacionalistas
de direita na Europa Oriental. A seguir, o fato de ele estar cada vez mais à
vontade com sua condição de judeu. Ele era um grande sucesso no mundo
dos negócios e, de certa maneira, sentia-se à prova de ataques. Não mais
precisava preocupar-se com o fato de que ser judeu pudesse penalizá-lo.

Finalmente, o sofrimento que ele testemunhou na Europa Oriental,


particularmente na guerra da Bósnia no início dos anos 90, fez com que ele
lembrasse de tudo o que seus irmãos judeus já haviam sofrido
anteriormente, neste mesmo século. Depois de ter financiado a reconstrução
das linhas de fornecimento de água e de gás natural de Sarajevo, um
repórter perguntou-lhe por que um judeu como ele se solidarizava com um
país muçulmano. Em um raro comentário sobre sua condição de judeu,
Soros observou que “existe uma certa ressonância quando você vivência um
tipo de Holocausto e testemunha outro. Eu tenho uma preocupação em
particular com o Holocausto na ex-lugoslávia”.[6]

No entanto, o sinal mais visível de seu recém-descoberto entusiasmo pelo


judaísmo foi a visita que ele faria a Israel em janeiro de 1994 - sua primeira
visita pública àquele país. Durante anos, seus colegas judeus tentaram em
vão fazê-lo prestar mais atenção ao estado judaico. Eles ficavam irritados
com sua indiferença em relação ao judaísmo, irritados porque ele parecia
envergonhar-se de ser judeu. Mas compreendiam que, por mais persuasivos
que pudessem ter sido, o próprio Soros teria de ter sofrido algum tipo de
modificação a fim de fazer aquela visita.

Ele sempre disse que ficava longe de Israel por causa do modo como os
israelenses tratavam os árabes. Um outro motivo era a idéia de que a
economia socialista de Israel era rígida demais, inóspita demais com os
investidores. Com seus esforços assistenciais voltados para a abertura de
sociedades fechadas da Europa Oriental e, mais tarde, na ex-União
Soviética, Soros não tinha nenhum bom motivo para colocar os pés na
democracia de Israel. Ele não achava que Israel precisasse de “abertura”.

Isso não fez com que outros parassem de cortejar Soros e de atraí-lo para
Israel.

No outono de 1993, quando Israel anunciou que vinha negociando


secretamente com a Organização para a Libertação da Palestina um acordo
com os palestinos, o professor de Economia israelense, Gur Ofer, achou que
seria um bom momento para escrever a Soros pedindo-lhe que, mais uma
vez, considerasse a possibilidade de fazer uma visita a Israel.

“Você se lembra de que conversamos sobre isso e você recusou meu


convite?”, escreveu Ofer. “Bom, Israel sofreu uma séria reforma econômica
nos últimos anos. E vamos ter a paz. É hora de reconsiderar suas relações
com este país.” Ofer nunca recebeu resposta. Esta veio indiretamente
quando Soros anunciou que visitaria Israel em janeiro de 1994.

Soros pode ter decidido visitar Israel não por causa do novo interesse no
estado judaico mas para mostrar ao mundo que ele não se intimidava com
os ataques dos nacionalistas de direita da Europa Oriental. Depois de ser
acusado de trabalhar para a inteligência israelense, Soros pode ter tido
vontade de demonstrar que tais agressões não o deteriam.

Embora os israelenses estivessem ansiosos para que um homem do porte de


Soros visitasse o país, alguns receberam a notícia com cautela, o que não
tinha tanto a ver com Soros, mas com um financista internacional chamado
Robert Maxwell. Há alguns anos, os israelenses haviam estendido um
tapete vermelho para Robert Maxwell que, como Soros, depois de muito
tempo redescobrira suas raízes judaicas. Depois da visita de Maxwell, os
israelenses descobriram, para seu enorme desgosto, que ele era, na melhor
das hipóteses, um indivíduo de reputação duvidosa, um vigarista. Então,
alguns israelenses temiam que Soros fosse um outro Maxwell, com seus
bilhões de dólares e suas atividades financeiras misteriosas.

A maioria dos israelenses nunca havia ouvido falar de George Soros, ao


contrário de membros importantes do governo, que fizeram de tudo para
garantir que o investidor recebesse tratamento cinco estrelas. Era
importante para eles que Soros levasse de sua visita uma impressão positiva
de Israel, já que, se ele emitisse comentários favoráveis a Israel na
comunidade financeira internacional, poderia atrair a atenção de
investidores externos. Na verdade, o próprio fato de que Soros estava em
Israel a negócios poderia ser usado pela máquina de relações públicas para
indicar que a economia do país caminhava na direção certa.

Então, Soros foi recebido pelos principais representantes políticos e


econômicos do país, desde o primeiro-ministro Yitzhak Rabin a Jacob
Frankel, presidente do Banco de Israel, com quem Soros havia trabalhado
no passado. Rabin disse a Soros que Israel estava tentando dar os primeiros
passos na direção de privatizar algumas empresas estatais e que a
participação do investidor seria bem-vinda. Soros tinha dois pequenos
investimentos em Israel e visitou as instalações. Um era a Geotek, que
operava no setor de radiocomunicação e de comunicação sem fio; a outra
era a Indigo, em que Soros tinha participação de 17%, avaliada em US$70
milhões em 1993, e o dobro disso em 1994.

Houve uma noite em que Soros foi a um jantar no Hotel Accadia em


Herzylia, norte de Tel Aviv, ao longo da costa do Mediterrâneo.
Aproximadamente 250 grandes nomes da comunidade financeira do país
estavam presentes. Soros deveria falar para o grupo. No começo da noite,
ele perguntou a Benny Landa sobre o que deveria falar. Landa disse que a
plateia gostaria de ouvi-lo falar não apenas sobre o lado profissional da sua
vida, mas também sobre o fato de ser judeu e de estar em Israel. “Conte-
lhes aquilo que você me contou naquele nosso jantar.” Soros concordou.

Soros falou durante 20 minutos. Normalmente, ele é capaz de falar muito


bem em público, mas dessa vez, falando de improviso, ficou hesitante.
Landa lembra que Soros “estava muito esquisito, ele gaguejou, divagou”.
Talvez essa tenha sido a primeira vez que Soros, diante de uma plateia,
tenha tentado falar de uma maneira pessoal sobre sua condição de judeu. Se
ele tivesse tido orgulho de ser judeu durante sua vida inteira, as palavras
sairiam com mais suavidade. Ao tentar ser honesto sobre o longo tempo
durante o qual ocultou sua origem, porém, Soros deve ter sentido que todos
naquela plateia tinham orgulho de ser judeus e que não eram poucos os que
provavelmente haviam perdido amigos e parentes no Holocausto. Ele deve
ter compreendido que seria difícil soar convincente ou cordial com suas
histórias de ódio entre os judeus ou de rejeição da condição religiosa.

Naqueles 20 minutos, Soros repetiu grande parte do que já havia dito a


Benny Landa há mais ou menos um ano e meio. Ele falou sobre como havia
sido impressionante para ele quando criança ser chamado de gentio pelos
amigos; sobre como foi difícil para ele chegar a um acordo sobre sua
condição de judeu; sobre o silêncio que manteve em relação a Israel todos
esses anos, por acreditar que, devido ao sentimento negativo pelo estado
judaico, era melhor não dizer nada. E disse por que agora se sentia à
vontade para visitar o país, já que Israel parecia estar deixando o
chauvinismo de lado e tentando dar os primeiros passos para a paz com os
vizinhos árabes. Ele falou de sua filosofia filantrópica, explicando que
Israel sempre foi um país com as mãos estendidas, mas que, na sua opinião,
esta não deveria ser a atitude do país. Israel é um lugar para investidores e
não para filantropos. Ele não tinha nenhuma intenção de difundir suas
atividades filantrópicas em Israel, mas já tinha dois investimentos naquele
país e pensava em investir ainda mais.[7]

A resposta à visita de Soros não foi totalmente positiva. Muitos


simplesmente não sabiam que idéia fazer dele e quando o ouviram falar no
Hotel Accadia naquela noite, ficaram decepcionados. “Foi uma noite
chocante para as pessoas que estavam presentes”, lembra Benny Landa. “O
nível de desapontamento com a falta de comprometimento de Soros foi
grande.”[8]

“Muitos israelenses ficaram aborrecidos com o discurso de Soros, muito


aborrecidos, porque, embora todos compreendessem que ele estava sendo
sincero e que era difícil para ele fazer aquele tipo de revelação, alguns se
perguntavam por que todo aquele estardalhaço. Eles disseram: ‘Nós
também ficamos em campos de concentração, perdemos nossas famílias,
não nos tornamos antissemitas. Abandonamos Israel? Abandonamos o
judaísmo? Qual o grande problema? Por que devemos compreender seu
distanciamento de Israel?’.”

É verdade que as expectativas que Soros tinha de superar eram altas.


Alguns israelenses esperavam que Soros surpreendesse a todos e anunciasse
que planejava investir um bilhão de dólares no estado judaico. Mas pelo
menos ele convenceu os israelenses de que era um financista sério, honrado.
Mesmo perturbados com o fato de Soros demonstrar tão pouco sentimento
sionista, foram rápidos em admitir que ele era modesto e despretensioso e
que não tinha nada da insinceridade e da péssima reputação que haviam
visto em Maxwell. Eles pararam de fazer comparações.

Soros agora se considerava uma espécie de especialista em estado judaico.


Logo depois de sua viagem, ele apareceu no programa “Larry King Live”
da CNN em 11 de janeiro de 1994. A ex-embaixatriz nas Nações Unidas,
Jeanne Kirkpatrick, também convidada do programa, expressou dúvidas de
que Israel e a Síria chegariam logo à paz. Soros discordou, comentando que
havia acabado de fazer uma visita ao estado judaico. “Fiquei muito
impressionado, porque o espírito realmente mudou. E eu acho que o
compromisso com a paz é verdadeiro. Para mim, haverá paz na região.
25. O MASSACRE DO DIA DE
SÃO VALENTIM

No início de 1994, Soros fez altos investimentos ficando vendido em


marcos alemães. Alguns relatórios sugeriam que ele ficara vendido em
US$30 bilhões, usando o capital de seus fundos e alavancando o resto.
Embora, no ano anterior, Soros tivesse acreditado que as taxas de juros na
Alemanha cairiam, isso não aconteceu. As altas taxas de juros estavam
sendo incomensuravelmente prejudiciais à economia alemã, então Soros
apostou que elas seriam reduzidas, arrastando consigo a moeda do país. Os
alemães não ficaram satisfeitos. Não gostavam da idéia de ter George Soros
apostando contra eles.

Embora o ano parecesse estar começando bem, pouco a pouco o horizonte


ficou nebuloso. Os cínicos apontavam para um mau presságio em janeiro -
uma reportagem de capa com Soros na New Republic.

Basicamente um artigo simpático escrito por Michael Lewis, o autor do


best-seller Liar’s Poker, enfocava o filantropo George Soros. Soros havia
convidado Lewis para acompanhá-lo em uma de suas “viagens
assistenciais” de duas semanas no último mês de novembro e Lewis foi
apresentado a um novo conjunto de experiências destinadas a mostrar a
influência de George Soros na Europa Oriental.

Menos de um mês depois, o teto desabou.

O que houve de tão incrível com relação ao prejuízo que assolou George
Soros em fevereiro de 1994 não foi o fato de ele ter perdido dinheiro. Isso
já havia acontecido antes. Nem mesmo o fato de a soma ser elevada, muito
elevada, US$600 milhões dessa vez.

O marcante foi que Soros tratou esse revés com uma impassibilidade que
parecia desvirtuar o tamanho do desastre. O contratempo ocorreu no dia 14
de fevereiro de 1994. Os empregados do Quantum Fund chamaram-no de
“Massacre do Dia de São Valentim”.

Já há algum tempo, Soros vinha apostando que o iene continuaria a cair em


relação ao dólar. O governo americano vinha encorajando um iene forte -
uma tática para pressionar os japoneses nas negociações comerciais; se o
iene subisse, as exportações japonesas ficariam mais caras e mais difíceis
em todo o mundo. Soros acreditava que o presidente Clinton e o primeiro-
ministro japonês Morihiro Hosokawa chegariam a um acordo na sua disputa
comercial; esse acordo faria, então, com que o governo americano
permitisse a queda do iene.

Soros apostou errado. As conversas entre Clinton e Hosokawa entraram em


colapso na sexta-feira, 11 de fevereiro. Quando os mercados reabriram, três
dias depois, o iene, que até então vinha caindo, de repente subiu. Os traders
concluíram que os Estados Unidos tentariam empurrá-lo para cima a fim de
estreitar o seu déficit comercial com o Japão. Um iene forte encareceria as
importações de produtos japoneses pelos Estados Unidos.

A moeda japonesa fechou em Nova Iorque naquela segunda-feira a 102,20


ienes o dólar, uma alteração de aproximadamente 5% em relação ao
fechamento da sexta-feira anterior, de 107,18. Para sua tristeza. Soros não
havia levado em conta que o colapso das conversações faria com que o iene
subisse tão vertiginosa e rapidamente.

Em uma de suas raras referências à perda daquele 14 de fevereiro, Soros


comentou que “o iene caiu 5% em um dia. Perdemos 5% no mesmo dia, dos
quais metade deveu-se a nossa exposição ao iene. Não sei o que é mais
insólito - nossa posição ou a posição dos dois governos, que partem para a
luta e criam este tipo de movimento.”[1]

O impressionante em relação ao prejuízo de Soros de US$600 milhões foi o


impacto relativamente pequeno sobre sua reputação. Quase não se ouviu
nenhum murmúrio de divergência, quase nenhum comentário sugerindo que
a máquina de dinheiro de Soros havia se autodestruído da noite para o dia.
Ninguém emitiu opiniões afirmando que o primeiro investidor do mundo
havia se enterrado ou que não mais se ouviria falar dele no futuro.

Soros não apenas sobreviveu, como também floresceu. O truque foi


possível através de um toque de gênio inteligente, muito inteligente.

Na época da queda da Bolsa em outubro de 1987, Soros tentou convencer a


mídia de que suas perdas totalizaram apenas US$300 milhões - e não
US$850 milhões, como diziam os boatos. Mas não conseguiu.

Agora, em fevereiro de 1994, surgiram novos rumores, rumores que


sugeriam que Soros havia perdido muito mais do que meros US$600
milhões. Desta vez Soros sabia que tinha de andar depressa para sufocar os
boatos.

Recorreu ao seu braço direito, Stanley Druckenmiller, e pediu-lhe que


chamasse a imprensa. Seria preciso um terremoto para fazer Druckenmiller
falar com a imprensa. No dia 14 de fevereiro de 1994, o terremoto já havia
ocorrido e George Soros precisava de alguém que pudesse retirar seu fundo
dos destroços.

Ao encontrar-se com a imprensa, Druckenmiller habilmente mostrou, antes


de mais nada, qual havia sido o prejuízo: US$600 milhões. Nem um
centavo a mais nem um centavo a menos.

Confirmando que as principais perdas do Soros Fund deveram-se à


expectativa incorreta de queda do iene frente ao dólar, ele observou que sua
posição vendida em ienes era muito menor do que afirmavam os boatos, em
torno de apenas US$8 bilhões - e não US$25 bilhões, conforme indicavam
alguns relatórios do mercado.

Druckenmiller, a seguir, mostrou que houve um momento em que o fundo


realmente tinha uma posição maior em iene - não disse quanto - mas, em 14
de fevereiro, ela já era menor.
Reconstruindo o Investimento de Soros Que se Extraviou, Druckenmiller
explicou que, já há algum tempo, ele havia concluído que no ano de 1994 a
economia japonesa ficaria mais forte e que a maior produção reduziria o
superávit comercial do Japão. Tudo isto levaria o iene para baixo.
Consequentemente, o Soros Fund assumiu uma grande posição vendida em
iene, comprou um grande número de ações japonesas e vendeu títulos
japoneses. Desde o verão de 1993 até o final daquele ano, o jogo iene-dólar
havia funcionado bem para Soros.

Mas no final do ano, a posição de Soros em ienes estava “com incrível


excesso de subscrição”. Nada disso importava agora, mas Druckenmiller
reconheceu que ele e seus colegas deveriam ter reavaliado sua posição em
ienes naquele momento.

Era hora de colocar alguma perspectiva sobre a perda de Soros.

Os US$600 milhões, Druckenmiller salientou, representaram apenas 5% do


total de ativos de Soros. Pode ter parecido que a máquina mágica de Soros
havia desaparecido. De jeito nenhum, insistiu o número dois: ainda
restavam 95%. E a propósito, Druckenmiller falou de mansinho, os ativos
de Soros naquela época totalizavam US$12 bilhões.

Um pouco de aritmética mostrava: o homem cujas reservas acabaram de ser


reduzidas em centenas de milhões de dólares ainda tinha ativos no valor de
US$11,4 bilhões. Ademais, Druckenmiller informou que o Quantum já
havia recuperado parte do prejuízo daquele desastroso 14 de fevereiro. Em
23 de fevereiro, o fundo apresentava queda de apenas 2,7%.

Ainda havia dinheiro suficiente para pagar os funcionários do Soros Fund


Management naquele arranha-céu que dava vista para o Central Park; ainda
havia muito dinheiro para distribuir a todas aquelas fundações na Europa
Oriental e na ex-União Soviética.

O trabalho das fundações continuava a todo vapor. Soros podia perder


US$600 milhões da noite para o dia sem levantar a menor dúvida sobre sua
capacidade de manter em funcionamento sua máquina de dinheiro. Era essa
a confiança que ele gerava nos primeiros meses de 1994.
O certo mesmo é que o prejuízo de US$600 milhões teve um sério efeito
sobre o quadro de administrador financeiro de Soros. Mas o ponto-chave foi
que a percepção que o público tinha de Soros como um mágico das finanças
não mudou, nada, nada, nem um pouquinho.
26. O SR. SOROS VAI A
WASHINGTON

Apesar do fiasco do Soros Fund em fevereiro, quando chegou em abril o


momento de George Soros comparecer diante do House Banking
Committee em Washington D.C., ele ainda continuava sendo o guru, o
maior investidor do mundo. Sua estatura garantia-lhe cobertura de primeira
página no The New York Times.

A cobertura de primeira página resultou em parte de uma idéia que


apoquentava a comunidade financeira e também a mídia, a idéia de que
Soros e os fundos hedge eram fonte de preocupação cada vez maior. Essa
preocupação advinha dos eventos tumultuados nos mercados financeiros no
início de 1994. Ainda assim, Soros não sentia necessidade de pedir
desculpas: “Eu ainda me considero egoísta e ganancioso. Não estou me
apresentando como nenhum tipo de santo. Meu apetite é muito grande e eu
quero sempre chegar primeiro.”.[1]

Soros não esteve sozinho na aposta contra o iene. Outros fundos hedge
juntaram-se a ele e sofreram também pesadas perdas. Para complicar o
problema, alguns desses fundos precisaram levantar dinheiro, o que os
forçou a vender parte de suas posses, como valores mobiliários japoneses e
algumas de suas posições na Europa. Uma reação em cadeia desenvolveu-se
em todo o mundo, na esteira dessas vendas forçadas por parte de dealers
que foram pegos com uma grande quantidade de ienes.

Até mesmo os dealers de fundos hedge que não estavam envolvidos na


aposta contra o iene foram pegos no tumulto. Esses administradores
acreditavam que uma alta taxa de desemprego forçaria os governos
europeus a estimular suas economias, reduzindo as taxas de juros. Então,
assumiram grandes posições em títulos europeus; seu ponto de vista era de
que se as taxas de juros na Europa caíssem, o valor dos títulos subiria.

Daí os fundos hedge perderam todo aquele dinheiro por causa do iene e
outros fundos hedge começaram a vender títulos europeus. Com isso, o
preço dos títulos caiu e forçou os emissores de títulos na Europa a elevar
suas taxas de juros para atrair compradores. Os mercados de títulos na
Europa enfrentaram certa turbulência e alguns dealers de fundos hedge
sofreram grandes prejuízos.

Talvez George Soros tivesse preferido adotar um perfil discreto para dar a si
mesmo tempo de recuperar suas perdas - para assegurar que o Massacre do
Dia de São Valentim fosse um evento “não-recorrente”. Mas isso não ia
acontecer. Ele já era uma figura pública demais. Os bancos centrais da
Europa teriam um encontro na Basiléia em março. Os depoimentos no
Congresso estavam marcados para abril. Aumentava a pressão sobre Soros
e os fundos hedge já que ambas as instituições ameaçavam processá-los.

Em resposta, naquela primavera, Soros tornou-se uma espécie de porta-voz


dos fundos hedge. Ele decidiu ser o mais conciliador possível. Em Bonn, no
dia 2 de março, ele declarou que seria legítimo que os bancos centrais
regulamentassem os gigantes dos fundos hedge. “Sinto que há uma
instabilidade inata nos mercados não regulamentados”, disse Soros aos
repórteres. “Acho que compete aos regulamentadores regulamentar.”

“Acredito firmemente que os mercados sem regulamentação estão sujeitos a


colapsos e, portanto, é uma questão bastante legítima para [os bancos
centrais] investigarem. Estamos prontos para cooperar. Só espero que,
quaisquer que sejam as regulamentações que eles venham a introduzir, elas
não causem mais danos do que benefícios.”

Perguntado sobre qual seria sua resposta às acusações de que os fundos


hedge aumentaram a volatilidade e a instabilidade dos mercados, Soros
disse: “Eu diria que os mercados tendem a exceder os limites, portanto, não
acredito que exista um mercado perfeito. Consequentemente, não acho que
os fundos hedge também sejam perfeitos; se fossem, não perderiam 5% em
apenas um dia.”

Quando o encontro da Basiléia chegou ao fim, os presidentes dos bancos


centrais do Grupo dos dez países industrializados não haviam encontrado
nenhum bom motivo para propor novas regulamentações para os fundos
hedge ou para os bancos que usavam seu próprio capital para comercializar
nos mercados internacionais. Os próprios mercados se corrigiram depois do
turbilhão do início do ano e não havia motivos para prever maiores
problemas. Não obstante, alguns observadores tinham uma sensação clara
de que os fundos hedge estavam escapando impunemente de todo tipo de
fraudes e precisavam de uma regulamentação mais rígida.

William E. Dodge, vice-presidente sênior de pesquisa de ações e principal


estrategista de investimentos da Dean Witter Reynolds, colocou o caso
desta maneira: “Se eu dissesse, me dê US$50 hoje e você ganhará cem
onças de ouro que você receberá a qualquer momento, assim que pagar a
diferença entre o preço atual e os US$50, [estaria] vendendo uma opção de
possuir cem onças de ouro. Mas na área comercial, se eu entrasse em um
acordo desse tipo com um grande número de pessoas, esse acordo seria
classificado como negociação de valores mobiliários não-registrados.”[2]

"Os mercados tendem a exceder os limites."

“Hoje é um mistério para mim como os produtos derivativos proliferaram


tanto sem serem registrados. Por não serem registrados, eles não precisam
ser comercializados em um determinado local. Se não são comercializados
em um determinado local, não há registros e transações disponíveis; as
dimensões dos mercados, os termos do negócio, as dimensões de cada
transação não são conhecidos...

“As dimensões dos investimentos em fundos hedge é hoje tão grande que ...
se falhassem, [eles] criariam um risco sistêmico para o sistema bancário e,
portanto, colocariam em perigo a estrutura financeira da sociedade.”
***

O tumulto no início do ano preparou o cenário para os depoimentos no


Congresso. Esses depoimentos, destinados a investigar os fundos hedge em
geral, tinham agora um caso específico diante deles, sugerindo que os
fundos hedge eram o vilão número um dos mercados financeiros. Há um
ano, o congressista Henry Gonzales tinha Soros e os fundos hedge em sua
mira. Para ele, não parecia importar que Soros tivesse sofrido um dos
maiores reveses de sua carreira. Com os mercados de ações e títulos tão
voláteis no começo do ano, ele tinha motivo suficiente para sair atrás de
Soros.

E então o Sr. Soros foi a Washington.

O propósito do depoimento - e Gonzales não fazia nenhum segredo disso -


era descobrir se os operadores de fundos hedge eram tão maquiavélicos
quanto os pintavam, se eles realmente influenciavam os mercados
financeiros com suas ações, se eles precisavam de mais regulamentações. O
manifesto legislativo de Gonzales, publicado um dia antes do depoimento,
ameaçava fazer “da administração imprópria” nesse campo “uma violação
direta da lei” e indicava um desejo de “aumentar a supervisão do Congresso
sobre as atividades de derivativos”.

Quanto a isso, tudo bem. Mas antes de o comitê propor novas


regulamentações, ele teria de resolver um problema fundamental. Embora
sua alçada fosse o setor das finanças, poucos membros do comitê sabiam
como funcionava um fundo hedge. Poucos tinham qualquer conhecimento
dos instrumentos financeiros secretos que eles usavam.

Para obter as respostas necessárias - na verdade, para aprender uma lição


que poderia ser chamada Fundos Hedge 101 -, eles convidaram o Mestre
para comparecer no dia 13 de abril de 1994. Assim que a sala de
depoimentos começou a encher, ficou claro que o show de George Soros era
o melhor da cidade naquele dia.
A sala de depoimentos estava repleta: só havia lugar para quem quisesse
ficar em pé. O Fundos Hedge 101 estava para começar. O “professor” abriu
o “seminário” lendo uma declaração, colocando sobre a mesa partes de suas
teorias financeiras para explicar por que os legisladores estavam se
esforçando inutilmente. Recorreu às suas teorias para explicar por quê.

Começou com a afirmação de que os mercados financeiros não tinham


nenhuma possibilidade de levar em conta o futuro corretamente, mas que
podiam afetar os fundamentos de uma economia. Quando o fazem,
comportam-se muito diferentemente do que a teoria dos mercados eficientes
considera normal. Embora não ocorram assim com tanta frequência, estas
sequências de prosperidade/colapso podem ser destrutivas, precisamente
porque influenciam os fundamentos de uma economia.

Soros prosseguiu observando que a sequência de prosperidade/colapso só


poderá desenvolver-se se o mercado estiver dominado por um
comportamento que segue as tendências. “Por comportamento que segue
tendências, quero dizer que as pessoas compram em resposta a uma alta nos
preços e vendem em resposta a uma queda nos preços, de maneira auto-
reforçadora. É preciso um comportamento desequilibrado de seguir
tendências para produzir um violento colapso no mercado, mas ele não é
suficiente para ocasioná-lo.”

“É preciso um comportamento desequilibrado de seguir tendências para


produzir um violento colapso no mercado."

“A pergunta-chave que vocês precisam fazer é, o que gera o comportamento


de seguir tendências? Os fundos hedge podem ser um fator e vocês estão
certos em examiná-los, embora no que diz respeito aos meus fundos, vocês
estão examinando o lugar errado.”

Em termos mais objetivos, Soros achava que os fundos mútuos e os


administradores institucionais - e não os fundos hedge - desestabilizaram o
mercado, já que ambos tendem a seguir tendências. “Quando o dinheiro
entra em grande quantidade, eles tendem a manter saldos de caixa menores
do que o normal, porque preveem entradas adicionais. Quando o dinheiro
começa a sair, eles precisam elevar o caixa para dar conta dos resgates.”
Consequentemente, “Criam parte da bolha financeira.”.

Depois, Soros falou rapidamente sobre a atual situação do mercado:


“Gostaria de enfatizar que não vejo nenhum perigo iminente de um colapso
ou de dissolução do mercado. Acabamos de estourar uma bolha que havia
se desenvolvido nos preços dos ativos. Como resultado, as condições do
mercado são muito mais saudáveis agora do que no final do ano passado e
eu não acho que os investidores devam ter qualquer receio indevido neste
momento.” Em outras palavras: tudo bem comprar ações americanas ou
futuros S&P.

Soros criticou a administração Clinton pela linha dura que estava adotando
no comércio com os japoneses e por tentar desvalorizar o dólar. “Isso é
bastante prejudicial para a estabilidade do dólar e para a estabilidade dos
mercados. Golpear o dólar como método de lidar com a política comercial
dos japoneses é um instrumento perigoso que não deveríamos estar
usando.” Os cínicos leram então uma mensagem não tão sutil do Mestre
para o mercado: fiquem comprados em ienes e vendidos em dólares até a
estabilização das negociações.

Continuando na sua tentativa de impedir que os fundos hedge fossem o foco


do depoimento, Soros observou que os fundos hedge não eram um
segmento assim tão grande do mundo dos investimentos. Muito embora o
comércio diário de moedas do Soros Fund Management apresentasse a
média de US$500 milhões, esse nível, disse Soros ao comitê, não deveria
afetar os mercados porque os fundos hedge controlavam no máximo
0,005% dos mercados de câmbio estrangeiro diários.

“As moedas com flutuação livre são falhas, porque os mercados sempre
tendem ao excesso."
A solução de Soros para a crise e a turbulência das moedas não eram taxas
de câmbio fixas. “Rigidez demais”, disse. Também não eram solução as
taxas de câmbio flutuantes. “As moedas com flutuação livre são falhas,
porque os mercados sempre tendem ao excesso.” Sua solução: “As pessoas
do dinheiro no G-7, o grupo dos sete países industrializados do mundo,
precisam coordenar suas políticas monetária e fiscal para que não haja
grandes disparidades onde os mercados são fundamentalmente instáveis.”

As perguntas dos membros do comitê para Soros deixaram claro que eles
ainda estavam confusos sobre o que exatamente fazia um fundo hedge. “O
que é exatamente um fundo hedge?”, perguntaram várias e várias vezes.
Soros tentou instruí-los, mas teve de admitir que o rótulo se havia tornado
um grande receptáculo para muitas coisas que originalmente não faziam
parte de sua esfera de ação. “O termo é aplicado de modo tão
indiscriminado que abrange um amplo leque de atividades. A única coisa
que eles têm em comum é que os administradores são remunerados com
base no desempenho e não segundo uma porcentagem fixa dos ativos sob
sua administração.” Isso parecia ser um modo estranho de descrever um
fundo hedge - especialmente vindo do Rei dos Fundos Hedge. Soros,
porém, não estava interessado em conduzir um seminário sobre como
definir fundos hedge. Ele queria transmitir uma mensagem: que os fundos
hedge - que não eram nenhum vilão - na verdade realizavam boas ações nos
mercados financeiros.

Os fundos hedge, Soros argumentou, por serem remunerados com base no


desempenho absoluto, são “um antídoto saudável para o comportamento de
seguir tendências dos investidores institucionais”. Seu próprio fundo, como
exemplo, teve um efeito benigno sobre os mercados voláteis porque foi
contra - em lugar de acompanhar - as tendências de compra ou de venda.
“Nossa tendência é estabilizar e não desestabilizar o mercado. Não estamos
fazendo isso como um serviço público. É nosso estilo de ganhar dinheiro.”

Em seu comentário mais árido em defesa dos fundos hedge, Soros disse aos
presentes: “Francamente, eu não acho que os fundos hedge sejam motivo de
preocupação para vocês ou para os regulamentadores.”. Os fundos hedge
não deveriam ser culpados, argumentou, de provocar a vertiginosa queda
dos preços das ações e títulos no início daquele ano. “Eu rejeito qualquer
afirmação ou implicação de que nossas atividades sejam danosas ou
desestabilizadoras.”

Perguntaram a Soros se seria possível para um investidor, particular como


ele, acumular capital suficiente para manipular o valor de uma moeda como
a lira italiana ou a libra esterlina.

“Não”, respondeu ele. “(...) Eu não acredito que nenhum participante do


mercado possa, a não ser por pouco tempo, influenciar com sucesso os
mercados das grandes moedas numa posição contrária aos fundamentos do
mercado. (...) os fundos hedge são jogadores relativamente pequenos dado o
tamanho dos mercados globais de moedas. A falta de liquidez nos mercados
das moedas de menor porte também age para impedir que qualquer
investidor tenha sucesso influenciando seus preços. Qualquer investidor que
tente influenciar os preços comprando uma grande posição daquela moeda
enfrentará, devido à falta de liquidez, resultados desastrosos quando a
posição for vendida.”

Soros procurou distanciar-se o máximo possível dos derivativos, aqueles


contratos financeiros derivados de ações, dívidas ou commodities. O comitê
estava intensamente curioso sobre esses instrumentos financeiros. Soros
soou como se até mesmo ele, um investidor consumado, tivesse tido
momentos difíceis tentando descobrir o que fazer com eles. Ademais, ele
salientou que os fundos hedge “não atuam como emissores ou subscritores
de instrumentos derivativos. É mais provável que eles sejam clientes.
Portanto, constituem um risco menor para o sistema do que os hedgers
dinâmicos nas mesas de derivativos dos intermediários financeiros. Por
favor, não confundam hedging dinâmico com fundos hedge. Eles não têm
nada em comum a não ser a palavra 'hedge’”.

Por que a confusão em relação aos derivativos?

"Os investidores que tentam influenciar os preços adquirindo uma grande


posição de uma determinada moeda enfrentarão resultados desastrosos
quando a posição for vendida."
Segundo Soros: “Há tantos e alguns são tão obscuros que o risco envolvido
pode não ser corretamente compreendido até mesmo pelo investidor mais
sofisticado, entre os quais eu me incluo. Alguns desses instrumentos
parecem destinar-se especificamente a permitir que os investidores
institucionais façam jogadas que, caso contrário, não teriam permissão para
fazer.

“Usamos opções e derivativos mais exóticos apenas raramente. Nossas


atividades opõem-se às tendências em lugar de acompanhá-las. Tentamos
descobrir novas tendências prematuramente e, nos estágios posteriores,
tentamos detectar reversões.”

Soros deixou a clara impressão de que não se importaria se o Congresso


decidisse regulamentar os derivativos. “Se vocês examinarem os
instrumentos que recentemente foram separados ou os instrumentos que
separam o juro do principal (...) não estou absolutamente certo de que eles
sejam realmente necessários.”

(Escrevendo no The Wall Street Journal, Tim W. Ferguson observou que


Soros foi um pouco injusto neste ponto; só porque alguns outros sofreram
perdas recentemente, “não compete a um astro dos investimentos lançar
farpas diante do Congresso sobre uma técnica que para ele não tem
utilidade”.)[3]

Soros sentiu-se culpado por endossar a regulamentação e admitiu que os


funcionários da sua empresa tentaram convencê-lo a falar contra. “Você
sabe”, disse ele a Bruce Vento, um democrata de Minnesota que havia
perguntado sobre a recente volatilidade nos mercados financeiros,
“enquanto estávamos preparando meu depoimento, conversamos um pouco
sobre esse assunto. Eu disse que francamente talvez fosse a emissão de
instrumentos derivativos [que] precisasse de regulamentação. E depois meu
sócio ... salientou que, infelizmente, a regulamentação tem uma
consequência involuntária, porque os regulamentadores estão interessados
apenas no lado da perda; eles não estão interessados nas vantagens. Em
outras palavras, eles querem evitar uma catástrofe.
“Então (...) se você impõe uma obrigação [de registrar derivativos junto a
uma comissão, como no caso das ações] (...) cria uma resistência
burocrática por causa dessa assimetria entre os interesses dos
regulamentadores e os interesses do mercado. E assim ele [meu sócio] me
dissuadiu de fazer tal recomendação.”

Soros não foi o único nos depoimentos a declarar-se contra a necessidade de


maiores regulamentações. Os reguladores também, desprezando o risco que
os fundos hedge e os derivativos representavam para o sistema bancário e
para os investidores. O responsável pelo controle da moeda, Eugene
Ludwig, observou que oito empresas bancárias nacionais não tinham mais
do que uma média de 0,2% dos ativos de risco em derivativos. Arthur
Levitte Jr., presidente da SEC, garantiu que quase todas as atividades dos
fundos hedge já eram altamente regulamentadas segundo as leis bancárias e
de valores mobiliários, portanto não havia necessidade de mais
regulamentações. Todos os três regulamentadores que prestaram
depoimento achavam que havia necessidade de mais informações. “Não
somos a favor da regulamentação”, afirmou John P. LeWare, um diretor do
Federal Reserve Board, “mas estamos fortemente inclinados a exigir uma
maior transparência.”

Qual foi a reação do comitê à apresentação de Soros?

Thomas Friedman, escrevendo no dia seguinte no The New York Times,


resumiu muito bem o sentimento da plateia: “Os membros do House
Banking Committee pareceram alternar entre a reverência por estarem
tendo aulas com o homem que tem o toque de Midas e imensa curiosidade
sobre o mundo secreto dos fundos hedge - as parcerias de investidores
muito ricos que exploram o globo em busca de investimentos quase sempre
exóticos em moedas, títulos e ações. A mística dos fundos pareceu ter
recebido mais brilho - em vez de ter sido ofuscada - com histórias das
grandes oscilações que eles experimentam, incluindo a perda de US$600
milhões imposta ao Sr. Soros em uma recente negociação com moedas (...)”

Soros não deixou pedra sobre pedra ao defender seu ponto de vista naquele
dia em Washington. Para ele, não bastava enfrentar o Congresso. Ele queria
converter a mídia também. Essa tarefa foi atribuída a Robert Johnson, um
dos diretores administrativos do Soros Fund, que acompanhou o chefe em
sua viagem à capital do país.

Nos seus comentários pós-depoimento à imprensa, Johnson indicou que era


preciso muito mais trabalho para ensinar ao Congresso e ao público o que
George Soros, o investidor, fazia. “O maior problema é a mitologia dos
fundos hedge. Haverá mais interação com a imprensa.”

Em um esforço aparente de mostrar mais sinceridade, Johnson revelou


como Soros alocava seus ativos e como usava a alavancagem:

• 60% do capital de Soros em geral era aplicado em ações; Soros


raramente fazia negócios com margem nessa categoria;

• 20% eram aplicados em macrocomercializações - apostas em moedas e


índices globais; nesse setor, ele tinha uma alavancagem de, no máximo, 12
vezes seu capital;

• os outros 20% eram aplicados no que Johnson chamou de “reservas de


precaução”, como Letras do Tesouro e depósitos bancários. Esta proteção
de 20%, disse ele, deveria ser usada “para ganhar tempo em circunstâncias
adversas para proteger a carteira”. Em outras palavras, para satisfazer às
exigências de margem.

George Soros passou pelo depoimento e, segundo todas as indicações,


portou-se muito bem.

Dois meses depois, Byron Wien jantou com um membro da SEC. Os


depoimentos e a apresentação de Soros vieram à tona. Wien relatou mais
tarde que o membro da SEC “disse que para ele George fez um trabalho tão
bom que a SEC parou de se preocupar - e o Congresso parou de se
preocupar com os fundos hedge". No geral, Soros tinha motivos para estar
imensamente satisfeito.[4]
27. MAIS RICO QUE 42 PAÍSES

George Soros, o intelectual, nunca desistiu de tentar ganhar respeito. Sete


anos já haviam passado desde o lançamento de The Alchemy of Finance e,
embora Soros estivesse satisfeito de ver seu ponto de vista em forma de
livro, ele sabia muito bem que poucos leitores compraram o livro por
curiosidade intelectual. “O problema é”, disse ele a Anatole Kaletsky, editor
de Economia do The Times de Londres, “que todo o mundo comprou o
livro para tentar descobrir o segredo de como ganhar dinheiro. Suponho que
eu deveria ter previsto esse desfecho.” Em maio de 1994, o livro foi lançado
em brochura e, mais uma vez, Soros teve esperanças de que os leitores
dedicariam algum tempo para estudar suas idéias e teorias e não apenas
para procurar dicas de como fazer fortuna.[1]

Enquanto isso, Soros e Druckenmiller lutavam para sair de 1994 com um


saldo positivo apesar da enorme perda sofrida em fevereiro. Para atrapalhar
as coisas, segundo a USA Today, houve um erro pequeno, mas
significativo, de julgamento na primavera, quando o Quantum ficou
vendido em Genentech, empresa líder no setor de biotecnologia. A perda foi
de apenas US$10 milhões, aproximadamente, um troco para Soros, mas o
erro custou caro a outros investidores e levou o jornalista Dan Dorfman a
escrever: “Existe aí uma lição aos investidores: é tolice envolver-se com
uma ação só porque há rumores de que Soros esteja fazendo essa jogada.”.
[2] Por causa das perdas do fundo, no entanto, o prêmio caiu para apenas
14% para aqueles que compravam no final de abril; subiu para 21% quando
os investimentos do fundo se recuperaram. (No final de 1993, o prêmio
atingira um recorde de 34%.)
Em 22 de junho de 1994, o Quantum Fund havia caído apenas 1% desde o
começo do ano. Isto, é claro, não era bom, pois deixava aberta a
possibilidade de Soros sofrer um segundo ano ruim na história do fundo.
Mas, comparado com os outros grandes fundos hedge, ele estava tendo um
ano espetacular: o Jaguar Fund havia caído 11,5% no mesmo período; o
Omega Fund, administrado por Leon Cooperman, caiu 23%; e o fundo de
Michael Steinhardt, 30%.

Refletindo parte da pressão que Soros sentia, ele revelou em junho que
havia revertido um de seus princípios sagrados. Durante uma década, ele
não havia permitido que seus fundos investissem em regiões onde ele
tivesse fundações filantrópicas - Europa Oriental e ex-União Soviética. No
final de janeiro de 1993, um repórter do Financial Times perguntou-lhe se o
veto significava que ele não iria comprar fábricas de ônibus na Europa
Oriental. Soros retrucou asperamente: “De jeito nenhum - não haverá
investimentos. Na verdade, seria um conflito de interesses.”[3]

Não mais.

Em 1994, Soros informou aos administradores de seus fundos de


investimentos que eles agora estavam livres para investir na Europa
Oriental e na ex-União Soviética. De acordo com declaração feita por um
porta-voz de Soros em junho, nos últimos seis meses US$139 milhões já
haviam sido destinados a projetos na Hungria, Polônia, República Tcheca e
Rússia. A busca de outros investimentos continuaria, disse o porta-voz,
como parte do “curso normal de nossa atividade comercial”.

Esses recentes investimentos de Soros incluíam um aumento de capital


“bastante significativo” de US$45 milhões baseado em uma emissão de
direitos e colocação particular de ações no First Hungary Fund, um fundo
de ações com sede em Budapeste e mantido por investidores institucionais
americanos e britânicos. Esse fundo havia investido nos setores de
processamento de alimentos, no farmacêutico e na confecção de camisetas.
Soros fez parte do conselho do First Hungary Fund apenas quando ele foi
organizado em 1991, mas renunciou logo depois, por acreditar ser um
conflito de interesses com o trabalho na sua fundação filantrópica em
Budapeste.
Ao explicar sua reviravolta, Soros disse em uma entrevista ao Wall Street
Journal que sentia que suas fundações eram suficientemente fortes e
independentes para suportar quaisquer pressões que pudessem surgir de
seus investimentos naquela região. Além disso, ele disse, a região
apresentava oportunidades de investimentos e seus fundos deveriam
explorá-las. “Antigamente eu tinha uma regra simples e clara de que não
deveríamos investir em países onde existissem fundações [filantrópicas]
porque não queria que elas ficassem reféns de meus interesses financeiros,
ou vice-versa. Mas isto se modificou, porque os mercados estão realmente
se desenvolvendo na região e eu não tenho nenhum motivo plausível nem o
direito de negar aos meus fundos, ou aos meus acionistas, a possibilidade de
investir lá, ou de negar àqueles países a chance de participar de alguns
desses fundos.” Ele comentou que, embora o Quantum agora estivesse livre
para investir nestas regiões, ele não realizaria nenhum investimento lá por
conta própria.[4]

Talvez o filantropo estivesse tentando colocar em movimento algum


comportamento “de seguir tendências” em que ele próprio seria o Pied
Piper.[**] Perguntado se as novas incursões do Soros Fund poderiam
induzir outros investidores a se voltarem para a Europa Oriental - como já
havia acontecido anteriormente, devido a declarações suas, nos movimentos
do ouro, dos imóveis e das moedas - Soros disse que, por ele, não haveria
problema nenhum.

***

No final de julho, veio a notícia de que Soros foi a pessoa que mais ganhou
dinheiro em Wall Street em 1993. Segundo a Financial World, Soros
ganhou US$1,1 bilhão em 1993, a primeira vez que alguém conseguiu
ganhar aquela quantia em um único ano e duas vezes mais do que o
segundo lugar, Julian Robertson.

Lá estava Soros novamente na capa da revista, dessa vez sentado ao lado de


um tabuleiro de xadrez, dando a impressão de que estava tendo um árduo
momento decidindo para onde mover suas peças. Dentro da revista, havia
fotos de Soros em diferentes poses - ao telefone, deitado em um sofá com
sapatos confortáveis e sem meia e usando uma camisa esporte vermelha,
lendo um livro de arte.

Para brincar um pouco, a Financial World tentou colocar em perspectiva o


salário de US$1,1 bilhão que Soros ganhou em 1993: “Se Soros fosse uma
corporação, ele teria ficado em 37 lugar em rentabilidade, entre o Bane One
e o McDonalds. Sua remuneração excedeu o produto interno bruto de, pelo
menos, 42 países-membros das Nações Unidas e foi quase igual ao de ações
como o Chade, Guadalupe e Burundi. Em outras palavras, ele poderia
comprar 5.790 Rolls Royce a US$190.000. Ou pagar a anuidade de todos os
alunos de Harvard, Princeton, Yale e Colúmbia juntos por mais de três anos.
Para alguns pais, não seria uma má idéia.”[5]

A revista também comentou que, em 1993, Soros ganhou sozinho tanto


quanto o McDonalds, com 169.000 funcionários. Cada um dos fundos de
Soros teve um ano muito bom: o Quantum Emerging Growth rendeu 109%
antes dos impostos; o Quantum e o Quota renderam mais de 72% cada.

O fato mais surpreendente de todos, talvez, tenha sido que das 100 pessoas
na lista da revista, nove eram membros das operações de Soros.

Comentando sobre o ganho de US$1,1 bilhão que Soros teve em 1993, The
Guardian observou que “estamos acostumados com os bilionários, mas eles
sempre foram pessoas que tiveram, ou podem ter construído ou herdado
ativos que produzem riqueza, poços de petróleo, petroleiros, bens que
nenhum de nós jamais possuiria. E essa a sorte deles e a nossa desculpa.
Não obstante, aqui está um homem que ganha este montante de salário.
Então agora todos podemos sonhar em ficar tão ricos quanto Soros neste
ano(...)”.[6]

A ironia, é claro, é que, mais uma vez, no momento em que Soros apareceu
na capa de uma revista, ele e seus fundos enfrentavam dificuldades.

***
Naquele outono, Soros estava mais atarefado do que nunca com sua
ocupação principal, as fundações. Ele ainda não estava absolutamente certo
de que elas sobreviveriam a ele, não com tanta controvérsia e com tanta
agitação. Apesar de ter tentado deixar grande parte das decisões nas mãos
de funcionários locais, era óbvio que Soros e seu dinheiro eram as forças
dinâmicas que mantinham as fundações em movimento, que davam a elas
direção e motivação. Ele estava mais confiante de que seus fundos de
investimento continuariam a existir indefinidamente. Ele acreditava que os
havia institucionalizado suficientemente, com pessoal gabaritado, com uma
boa organização e sabia que eles estavam sendo bem administrados.

***

Durante todo o ano de 1994, a pressão para que Soros permanecesse no


topo aumentou. Muitos investidores acompanhavam cada passo seu no
mercado, esperando que parte de sua magia os atingisse, esperando que se
tornassem um outro Soros. No outono, começou a circular em Wall Street
uma história de que em uma montanha no lado oposto do Mount Rushmore
havia lugar para quatro cabeças; duas delas, as de George Soros e Warren
Buffet, já haviam sido esculpidas. Um gerente de investimentos que contou
a história disse: “Existem muitos outros sujeitos lá embaixo esperando a sua
vez de ter sua cabeça também esculpida.”.

Para aumentar ainda mais a carga que Soros estava tendo de suportar, havia
a mídia. Depois que descobriram Soros, eles não o deixavam em paz. Se, há
dois anos e meio, ele era virtualmente desconhecido, agora estava sendo
dissecado, analisado, medido, julgado. Em 1992, ele era uma estrela em
ascensão. Agora, apenas dois anos depois, segmentos da mídia financeira,
observando seu desempenho sem brilho em 1994, declararam-no morto. As
pás já estavam prontas para cavar a sepultura de Soros e dos outros
administradores de fundos hedge, muito embora a época destes fundos
parecesse estar apenas saindo dos cueiros.
Alguns anos atrás, Soros não teria se incomodado com toda esta atenção,
com tanto interesse na sua carreira. Mas não agora. Ele havia ido tão longe
e tão depressa que queria saborear o prazer de estar no topo do mundo
financeiro. Se 1994 tivesse sido um ano melhor para ele, teria relaxado e
cuidado de suas fundações filantrópicas, distanciando-se das operações de
investimento. Por causa dos reveses sofridos em 1994, porém, Soros sentiu
que era preciso manter uma mão no leme dos investimentos. Seus
companheiros argumentam que tudo o que Soros fez foi dar conselhos a
Stanley Druckenmiller. Mas o fato era que, para Soros, ainda era impossível
dar meia-volta e ir embora - não ainda, não enquanto ele estivesse sendo
observado e analisado com tanta frequência. Durante todo o ano de 1994,
ele procurou e procurou o Grande Placar. Não podia acreditar que seu golpe
de setembro de 1992 contra a libra tivesse sido um acaso, um fato único.
Ele havia conseguido uma vez, haveria de conseguir outra. Ele
simplesmente precisava fazer seu dever de casa.

Nos últimos anos, Soros acreditou que os imóveis na Inglaterra poderiam


produzir grandes números e não estava errado. Seus lucros foram decentes,
mas não espetaculares: 17% nos negócios com terra desde sua criação. Isso,
porém, não era o bastante. Comenta-se que ele disse a John Ritblatt,
presidente e executivo chefe da British Land, que precisava de ganhos de 40
a 50%. O decente não era mais suficiente para Soros: ele queria o
espetacular.

Assim, na terceira semana de novembro de 1994. Soros anunciou que


estava deixando o abatido mercado britânico de propriedades. Há apenas 18
meses, ele havia prometido unir-se à British Land e investir US$775
milhões naquele mercado. Mas agora Soros anunciava que o Quantum
estava vendendo sua metade no British Realty Fund para a British Land,
que, segundo estipulava o acordo original, tinha a primeira opção.

Quando Soros se sentia modesto, proclamava que ele também havia


cometido erros de investimento. O verdadeiro segredo do seu sucesso,
insistia, estava em detectar seus erros antes que a maioria o fizesse. Será
que era isso o que ele estava fazendo ao sair do mercado de imóveis da
Inglaterra?
***

Durante todo o ano, George Soros mostrou uma fé inabalável no dólar.


Embora essa fé lhe tenha custado caro naquele mesmo ano, ele acreditava
que a economia americana mostrava sinais de fortalecimento e estava
convencido de que o governo continuaria a tomar medidas para impedir a
deterioração do dólar. Ele também tinha fé em que os Estados Unidos e o
Japão resolvessem sua disputa comercial logo e que isso faria com que o
dólar se recuperasse em relação ao iene. Entretanto, o dólar parecia imune a
qualquer tipo de ajuda, incluindo inúmeras tentativas de intervenção do
Federal Reserve e os esforços de bancos centrais em todo o mundo.

Até mesmo os esforços de relações públicas do próprio Soros fracassaram.


Em uma entrevista no dia 2 de agosto para o programa de Charlie Rose na
WNET, Soros defendeu o dólar, afirmando que não deveria ser permitido
que ele sofresse uma grande depreciação, pois isso desestabilizaria a
economia americana. “Se você permite uma grande depreciação de uma
moeda, isso (...) pode ser bastante desestabilizador por causa das
implicações inflacionárias e das implicações no mercado de títulos”, disse
ele a Rose. Quando Rose perguntou-lhe se ele estava comprando dólares,
Soros foi evasivo. “Eu prefiro não dizer nada, mesmo porque posso estar
comprando ou vendendo neste exato minuto sem que nem eu mesmo
saiba.”[7]

Os reveses de Soros em 1994 não impediram que os traders seguissem seus


passos, que se ativessem a cada palavra por ele proferida. E assim, os
traders eram todos ouvidos no dia 4 de outubro, quando, em uma entrevista
com a Reuters, Soros disse que via potencial para um grande recuo do iene
frente ao dólar. “Eu diria que há potencial para uma correção de 15 a 20%”,
afirmou Soros, prevendo que essa correção levaria o iene de 99,55 para
aproximadamente 115 ou 120 por dólar.[8]

Dois dias depois, em um jantar oferecido para administradores financeiros


de grandes instituições na casa de um cliente em Nova Iorque, o principal
assunto era a grande aposta de Soros no dólar. Os convidados ficaram
frustrados naquela noite. Eles queriam acreditar que Soros sabia o que
estava falando. Ele havia acertado tantas vezes; quando ele brincava de
guru e fazia um pronunciamento público, todas as suas opiniões pareciam
se concretizar. E ainda assim, Soros já havia errado antes com relação ao
dólar. Será que ele estava cometendo o mesmo erro novamente?

Os comentários públicos de Soros naquela época denunciaram a frustração


que ele estava sentindo por causa da especulação de moedas em 1994. Em
uma entrevista com a Business Week na sua edição de 3 de outubro, Soros
foi solicitado a responder o que ele havia aprendido sobre o mercado de
moedas com as perdas no Japão. “Este não é um momento particularmente
propício para a especulação com moedas. As tensões presentes nos últimos
dois ou três anos, os grandes desequilíbrios que levaram a grandes
movimentos com moedas, não existem mais. O maior problema ainda sem
solução está no Japão - a guerra de palavras [com os Estados Unidos] sobre
o superávit da balança de pagamentos. Achamos que ele será solucionado,
porque faz muito sentido solucioná-lo. É aí que erramos desde o começo do
ano. Pensamos que ele seria solucionado mais cedo e não mais tarde. O
engraçado é que ainda pensamos exatamente da mesma maneira.”[9]

Mas agarrar-se à esperança de que o dólar se fortaleceria parecia ser uma


estratégia cada vez mais falha. No início de novembro de 1994, o dólar caiu
para um nível tão baixo quanto no pós-guerra.

***

Por mais otimistas que Soros e Druckenmiller tentassem soar sobre 1994, a
mídia financeira - Financial World, The Wall Street Journal e outros -
cantava uma melodia diferente.

“Soros Recebe Novo Golpe do Iene, Dizem os Traders” era a manchete do


The Wall Street Journal no dia 10 de novembro. De acordo com o jornal, o
Soros Fund Management havia perdido de US$400 milhões a US$600
milhões, apostando que o dólar subiria em relação ao iene, a mesma aposta
que ele já havia feito - e perdido - em fevereiro daquele mesmo ano.
Se a máquina de Soros exibiu uma certa atitude de indiferença com a perda
de fevereiro, desta vez - em novembro de 1994 - ela adotou um tom mais
defensivo, mais enérgico, mais vago. Novamente, Druckenmiller apareceu
diante da imprensa, mas dessa vez foi muito menos específico. Ele disse ao
The Wall Street Journal: “Normalmente, não fazemos nenhum comentário.
Mas esses rumores são absolutamente infundados.”. Observando que o
valor líquido dos ativos do Quantum Fund se manteve “estável durante o
ano”, ele acrescentou que “ficamos felizes em revelar nossas perdas no
início do ano. Mas uma perda adicional de qualquer magnitude em moedas
é ridícula e totalmente sem fundamento”. As posições de moeda do fundo
tinham “lucro marginal”, mas ele disse que não faria nenhum comentário
sobre qualquer especificidade da posição do fundo em dólar-iene.[10]

Pouco importava ao mundo exterior se Soros estava tendo muito mais


sucesso do que os outros administradores de fundos hedge. Enquanto, em
1994, o Quantum Fund sofreu seu segundo pior ano da história, com um
aumento de apenas 2,9% sobre o ano anterior, os outros caíram de 20 a 30%
- e perderam clientes; outros fundos hedge tiveram de abandonar a atividade
por completo. Nada disso parecia importar, já que o grande foco da mídia
financeira era Soros, que continuava misterioso, fascinante. Ela continuava
tentando penetrar o interior do santuário do seu império de investimentos.
Às vezes, os resultados eram muito desagradáveis para ele.

Por exemplo, a Financial World, que em julho de 1994 o classificara como


o maior salário dos Estados Unidos em 1993, menosprezou seus esforços na
edição de 8 de novembro, cuja capa dizia: “Soros Poroso: O Alquimista
Perde seu Estilo”. Uma fotografia de Soros na capa mostrava-o esgotado,
sua testa apoiada na sua mão direita. Ele parecia estar dizendo: “Como é
que eu fui me meter em toda esta confusão?”.[11]

A Financial World desafiou a afirmação de Soros de que os investidores no


Quantum Fund em 1993, então com US$5 bilhões em ativos, tiveram lucro
de 63%. Errado, dizia a revista, o lucro foi de apenas 50%. Ela também
desafiou uma outra afirmação de Soros de que, nos primeiros seis meses de
1994, o Quantum Fund havia rendido 1,6%; na verdade, a revista insistia
em que o fundo havia apresentado prejuízos de 9%.
A revista também sugeriu um outro problema que Soros poderia estar
enfrentando: no final de 1993, de acordo com a Financial World, o
Quantum devia a Soros US$1.549.570.239 em taxas de desempenho e
consultoria acumuladas e atrasadas - ou 25% dos ativos líquidos do fundo.
Essa “dívida” não representava um problema real desde que o fundo
mostrasse um bom desempenho e Soros não tentasse reduzir suas próprias
perdas resgatando a dívida.

O ataque da mídia continuou. No final de novembro, os jornais sugeriram


que, embora o Quantum Fund tivesse tido um ganho no valor líquido do
ativo de apenas um pouco mais de 1% em 1994, ele estava comercializando
muito menos do que no passado. O valor líquido dos ativos em ações havia
diminuído de US$22.107,66 em 31 de dezembro de 1993 para
US$17.178,82 no início de novembro de 1994; a queda deveu-se quase que
totalmente a um pagamento feito em abril de US$4.900 por ação. O
indicador mais importante, porém, do valor de mercado da ação era o
prêmio acima do valor do ativo. Esse prêmio era de 36% no início de 1994,
mas despencou para apenas 16% no começo de novembro. O significado
era claro: os investidores não estavam mais preparados para pagar uma
quantia tão alta para participar da máquina de dinheiro de Soros.

Os defensores de Soros tentaram colocar a queda do prêmio em perspectiva:


os fundos hedge em geral vinham sofrendo enormes pressões em 1994;
Soros, mesmo em circunstâncias terríveis, estava saindo-se melhor do que
os outros administradores; os prêmios do Quantum Fund estavam
artificialmente inflados por causa de todo o falatório da mídia em torno de
Soros.

***

No final de 1994, cada vez menos pessoas perguntavam: George Soros é


poderoso demais? O desempenho do Soros Fund Management, muito
menos brilhante do que nos anos anteriores, parecia responder àquela
pergunta da maneira mais direta possível. Ainda assim, mesmo o ano de
1994 não ofuscou sua reputação de Rei dos Fundos Hedge. Por causa de
seus recordes de longa data no setor de investimentos, sua imagem
exagerada de Superinvestidor e sua liderança inquestionável no campo dos
fundos hedge, Soros ainda era visto como o rei.

O fato é que, apesar de 1994, a influência de Soros continuava grande.


Muito depois de ele ter declarado que não cuidava mais dos assuntos
cotidianos do Soros Fund Management, anos depois de ele haver optado
pela filantropia na Europa Oriental e na ex-União Soviética quase que em
tempo integral, ele ainda era visto como a força mais poderosa em Wall
Street e em Londres. Se você perguntasse a qualquer administrador
financeiro em Nova Iorque ou Londres se ainda valia a pena acompanhar os
passos de Soros, a resposta seria sempre positiva.

E ainda havia uma sensação de que Soros - como também os outros


administradores de grandes fundos hedge - estava ficando grande demais,
poderoso demais. Seu próprio tamanho e suas ações coletivas, mesmo que
descoordenadas, tinham um efeito no comportamento dos mercados
financeiros. No outono de 1994, por exemplo, o conjunto das posições em
dólar dos fundos hedge era tão grande e seu desejo de abandonar o barco
tão intenso, que Soros e os outros fundos hedge, na mente dos traders,
estavam na verdade contribuindo para o enfraquecimento do dólar. Quando
vendiam dólares toda vez que ele começava a esboçar uma reação positiva,
os administradores de fundos hedge enfraqueciam a moeda, argumentavam
os traders.

***

Se, em Wall Street, alguns acreditavam que Soros era poderoso demais, essa
opinião tinha muito menos interesse para ele do que a de como ele era visto
em Washington. Ele realmente acreditava que sua especialidade em certas
regiões do mundo deveria ser do interesse dos tomadores de decisão na
capital do país. Ele ficou chocado ao saber que em Washington não havia
ninguém absolutamente interessado em George Soros, o Especialista em
Política Externa.

Tendo recebido elogios de muitos por seu desempenho diante de um comitê


de congressistas no início de 1994, Soros estava começando a acreditar que
talvez as pessoas certas finalmente tivessem resolvido escutá-lo - e levá-lo a
sério. O que Soros não conseguiu compreender foi que à testa de algumas
das instituições financeiras mais pomposas do mundo havia pessoas que
não queriam que lhes dissessem o que fazer, certamente não se as ordens
viessem de um George Soros. A idéia era a de que Soros, ao enfrentar
instituições como o Bundesbank ou o Banco da Inglaterra, estava
ultrapassando seus próprios limites. “Digamos que você seja o maior
mandatário do Banco da Inglaterra, você ganha o equivalente a US$45.000
por ano, tem três diplomas e escreveu várias monografias e no último um
ano e meio vem lendo que o Sr. George Soros acha que você é um idiota”,
observou James Grant, editor do Grant’s Interest Rate Obseruer, de Nova
Iorque. “O Sr. Soros inflamou a animosidade da comunidade
regulamentadora mundial contra ele.”[12]

Soros sabia que ainda não havia ganho todo o respeito de seus
companheiros. “Seu problema é influenciar a política”, reconheceu Byron
Wien. “Ele faz os discursos e acha que ‘eles ainda não estão me escutando.
Eles ainda não estão fazendo o que eu digo para eles fazerem. Outras
pessoas interferem. Há um problema que não foi inventado aqui’.”[13]

Soros era esperto o suficiente para abster-se de expressar opiniões sobre


áreas em que ele tinha pouca experiência. Mas achava que merecia ser
ouvido, quando possuía experiência pessoal e prática e quando havia
sentado para conversar com líderes políticos e econômicos. Acreditava que
o Ocidente não estava mostrando um interesse suficientemente forte na
abertura das sociedades fechadas do Leste. Embora os países do Ocidente
tenham compreendido e respondido às ameaças à liberdade feitas pelo
fascismo e pelo comunismo, Soros argumentava que, na ausência dessas
ameaças nos anos 90, o Ocidente estava hesitante. “Nem mesmo
reconhecemos a necessidade de uma nova ordem mundial para substituir a
Guerra Fria”, disse ele em julho de 1994, “ou que sem ela teremos a
desordem.” Soros falou como se fosse sua tarefa tomar a iniciativa. “Eu me
encontro na estranha situação em que um indivíduo está fazendo mais para
uma sociedade democrática do que muitos governos.”[14]

Ele observou que quando disse que a política de altas taxas de juros do
banco central da Alemanha não era prudente, os mercados levaram o marco
para baixo. “Mas quando eu fui contra a política européia na Bósnia, fui
ignorado ou mandaram que eu cuidasse dos meus negócios.”[15] Às vezes,
ele chegava perto dos bastiões do poder - mas não perto o bastante. Em
julho de 1994, ele esteve em Washington para uma conferência
internacional. Mas não houve encontros com o presidente nem com os
líderes do Congresso.

Esses tipos de encontro eram o que Soros queria. Em vez disso, ele
conversou com repórteres. Foi através deles que ele implorou para que as
grandes nações do mundo chegassem a um acordo quanto a um novo
sistema de coordenação econômica que ajudasse a estabilizar as taxas de
câmbio. “Estamos em uma situação muito séria, não apenas no campo
monetário, mas também no campo político”, disse ele. Com o colapso da
União Soviética, ele sugeriu, as nações do Ocidente têm menos motivos
para se unir. “Agora não temos nenhum sistema [de coordenação de
políticas e de estabilização das taxas de câmbio].” Ele tinha em pouca conta
a idéia de as grandes nações anunciarem zonas de flutuação do câmbio.
“Todos os sistemas de câmbio são falhos. Eles funcionam durante um certo
tempo, mas depois começam a apresentar problemas. Então é preciso ter
constante flexibilidade para ajustar o sistema.”

Em termos simples, o que Soros queria era poder. Ele já havia provado e
gostado. “O poder é intoxicante”, disse ele, “e eu já ganhei mais poder do
que jamais se imaginou ser possível - mesmo que seja o poder de gastar
dinheiro em situações em que ele seja extremamente escasso.”[16]

Mas esse tipo de poder, o poder de distribuir altas somas de dinheiro, não
era suficiente para Soros. Ele queria mais. “Eu quero que as pessoas ouçam
mais o que eu tenho a dizer. Eu tenho acesso e além das coisas que eu
mesmo já fiz através das minhas fundações, meu impacto sobre a política
ocidental em relação à ex-União Soviética foi muito pequeno.” Uma vez ele
disse: “É incrível como a Casa Branca não usa um dos poucos recursos de
que ela dispõe, que sou eu.”.[17]
Para o grande amigo de Soros, Byron Wien, estava claro que o investidor
queria respirar a atmosfera impetuosa da Casa Branca. “George
provavelmente gostaria de ser Bernard Baruch. Bernard Baruch era uma
pessoa sagaz e de sucesso, cujas idéias o presidente Roosevelt sempre
pegava para si. George gostaria de pensar que Clinton recorreria às suas
idéias. Ou que Warren Christopher usaria suas idéias, ou que Strobe Talbott
usaria suas idéias.”[18]

No dia 27 de setembro de 1994, houve um fato que pareceu aumentar a


frustração que George Soros sentia perto do seu 65 aniversário. Naquele
dia, Soros foi presenteado com a Cruz Média da Ordem Republicana
Húngara com Estrelas, a segunda mais alta condecoração daquele país. Ela
lhe foi ofertada por sua contribuição para a modernização da Hungria. A
mais alta condecoração, a Grã-Cruz, foi dada aos estadistas; a condecoração
oferecida a Soros era para os “mortais comuns".

Em 1997 ocorre a derrocada de um fundo de hedge cujos idealizadores e


administradores haviam ganhado o Prêmio Nobel de Economia. George
Soros, do alto de toda experiência e maturidade que conquistou em sua vida
profissional, manifestou com discrição, mas segurança, toda sua crítica a
modelos e fórmulas que são lançados e aparecem no mercado financeiro
mundial, como infalíveis e salvadores da Pátria.

George Soros gradativamente ganha cada vez mais projeção em um mundo


globalizado. Em 15 de setembro de 1998 profere um depoimento no
Congresso dos Estados Unidos da América onde fez uma análise detalhada
do colapso financeiro dos mercados asiáticos que atingiram profundamente
Indonésia, Rússia, Tailândia, entre outros, causando um efeito dominó em
todo mundo e colocando em choque os programas do Fundo Monetário
Internacional. Neste depoimento Soros já manifestava sua apreensão com o
Brasil e a Argentina, e já previa a crise que iria ocorrer em seguida.

Ainda em 1998, Soros reafirma sua confiança no Capitalismo. Em


declarações constantes, por meio de jornais e revistas, assim como em
entrevistas na televisão, ele somente levanta uma preocupação quando
analisa o crescimento dos monopólios e oligopólios na economia
globalizada.
Uma tendência indicada por ele é a profissionalização das empresas, com a
eliminação das empresas familiares.

Segundo Soros estamos vivendo um realinhamento econômico, em que


países passarão por turbulências e economias de países de todo o mundo,
principalmente os emergentes e os do chamado Terceiro Mundo, gerarão
déficits e prejuízos, até se adequarem à nova ordem mundial. Mais do que
nunca, agora, o Fundo Monetário Internacional, apesar das rejeições e
movimentos patrióticos nos países em crise, deverá atuar acompanhando as
políticas econômicas colocadas em prática para então, após uma análise
criteriosa de aplicações de medidas para as necessárias correções, liberar
empréstimos para recompor o saldo das balanças de pagamentos.

O megainvestidor Soros agora, em 1999, torna-se definitivamente um novo


guru da macroeconomia. Acreditamos que muito terá a contribuir. Sua
experiência e sua vivência são necessárias, e muito mais agora, beirando os
70 anos de idade, com certeza vai querer deixar sua marca de forma
positiva para registro da história.

Um mortal comum.

Essa não era a aspiração de Soros que, quando criança, acreditava ser Deus.

Como é que ele deve ter-se sentido ao receber aquele tratamento do seu país
natal? Orgulhoso, certamente. Pois ele deixou o país em 1947, à procura de
uma vida melhor; ele encontrou essa vida melhor. E devolveu parte dela à
terra em que nasceu.

Agora ele estava sendo respeitado. Mas não era esse o respeito que ele
desejava receber. Ele não tinha nenhum desejo de ser tratado como um
mortal qualquer. Não George Soros.

***
George Soros. O Homem Que Quebrou o Banco da Inglaterra. O Homem
Que Derrotou a Libra. O Maior Investidor do Mundo. O Homem Que Move
os Mercados.

O que devemos deduzir de todas estas frases de efeito?

Muitas pessoas viam-no com grande espanto e isso é apenas natural. Ele
superou todos os seus pares usando as ferramentas básicas do seu ofício -
sua inteligência, seu computador e seu dom para análises. E ainda assim
enfrentou um certo cinismo, um cinismo em geral associado àqueles que
apenas ganham dinheiro, que não constroem nem lutam. Algumas pessoas
suspeitam, desconfiam, duvidam de qualquer um que tenha conseguido
acumular tal fortuna apenas analisando relatórios de empresas, conversando
com outros investidores, lendo jornais, fazendo suposições fundamentadas.

“Como é que Soros conseguiu? Como é que Soros ganhou tanto dinheiro?”

As perguntas vêm à tona rápida e facilmente porque parece tão impensável


que qualquer pessoa consiga ganhar tanto dinheiro assim sem ter de trilhar
os mesmos árduos caminhos de todos nós. Para George Soros, porém, o
acúmulo de toda aquela riqueza não foi uma tarefa simples, nem fácil,
certamente não nos primeiros anos. Portanto, não havia motivo para que os
outros desconfiassem dele ou que o vissem com suspeição.

Entretanto, o próprio Soros, mesmo que inadvertidamente, contribuiu para a


nossa suspeita, já que várias vezes ele mesmo nos contou que era mais fácil
ganhar dinheiro do que gastá-lo; sempre foi tão reservado, ofereceu-nos um
livro de explicações sobre os seus segredos de investimentos, declarou que
havia descoberto uma teoria para explicar os mercados financeiros e depois
sugeriu que não era realmente uma teoria, já que não funcionava em todas
as circunstâncias. As vezes parecia que Soros mostrava lampejos de sua
alma financeira para que ficássemos satisfeitos e o deixássemos em paz. Em
outros momentos, Soros soava como se quisesse realmente nos fazer
compreender o que havia feito dele um homem de tanto sucesso. Por mais
reservado, misterioso, obscuro que George Soros tenha sido, de uma
maneira ou de outra, ele permitiu que o público visse seu medidor Geiger
em ação, que se maravilhasse com seu sucesso. Vendo Soros atuar, as
pessoas tentam colocar suas suspeitas de lado. Elas querem acreditar que
ele não é um acaso, que ele pode ser imitado, que elas também podem
tornar-se máquinas de fazer dinheiro. Fazer as pessoas sonhar em atingir o
mesmo pedestal em que ele se encontra é, não podemos esquecer, o maior
poder de Soros.
NOTAS

1. O MAIOR INVESTIDOR DO MUNDO


[1] "Soros tinha uma opinião diferente ...” The Observer, 16 de janeiro de
1994.

[2] “... essa dependência da Alemanha ...”, documentário da Thames


Television, "The Man Who Broke the Pound", 3 de dezembro de 1992.

[3] “Exatamente como Soros havia previsto The Observer, 16 de janeiro de


1994.

[4] “Ele estava consciente de que a situação da economia britânica era


tenebrosa “The Man Who Broke the Pound".

[5] “Quanto mais se aproximava o 15 de setembro" ibid.

[6] “No momento, a influência que eu tenho" documentário da rede ABC,


Day One 13 de dezembro de 1993.

[7] “Eu sou um crítico" Financial Times, 2 de janeiro de 1993.

[*] N.T.: Hedge, em português, significa proteger aplicações contra riscos


ou prejuízos através de operações compensatórias.

[8] "um homem intenso e direto...", John Train, New Money Masters (Nova
Iorque: HarperPerenniel, 1990), p. 69.

[9] “Ele não tem nada de ...”, The Guardian, 19 de dezembro de 1992.
[10] “Ele é um homem elegante" The Obseruer, 10 de janeiro de 1993.

[11] Ele não é nenhum...", Independent, 25 de junho de 1993.

2. EU SOU DEUS
[1] “Para falar a verdade George Soros”, Underwriting Democracy (Nova
Iorque: The Free Press, 1991), p. 3

[2] Não deverá ser nenhuma surpresa George Soros, The Alchemy of
Finance (Nova Iorque: Simon & Schuster, 1987); versão em
brochura (Nova Iorque: John Wiley & Sons, 1994), p. 362-63.

[3] “Por quê? Eu agora sou o chefe do Papa.”, The Guardian, 6 de janeiro
de 1993.

[4] “Ele nunca se deixou abater seriamente.", Ferenc Nagel. entrevista, 6 de


março de 1994.

[5] “De que lado da revolução" The Guardian, 19 de dezembro de 1992.

[6] “Meu pai não trabalha. The New Republic, “Mr. Soros s Planet", 10-17
de janeiro de 1994, pp. 19-29.

[7] “ Quando ele ouvia...", Ferenc Nagel, entrevista, 6 de março de 1994.

[8] “Parte do que eu aprendi...", Business Week, "The Man Who Moves
Markets23 de agosto de 1993, pp. 50-60.

[9] "... um garotinho muito bonitinho ...", ibid.

[10] "... não era fácil ...", Yehuditte Simo, entrevista, 5 de março de 1994.

[11] “Eu cresci ... ", Benny Landa, entrevista, 12 de agosto de 1994.
[12] “Quando ele acreditava ...", Ferenc Nagel, entrevista, 6 de março de
1994.

[13] “George era um garoto muito audacioso ...", Miklas Horn. entrevista. 8
de março de 1994.

[14] “Lá no fundo era possível ...", sentir ibid.

[15] “George não era um aluno excepcionalmente ...", ibid.

[16] “George era muito sarcástico...", Pal Tetenyi, entrevista, 6 de março de


1994.

3. OS PORÕES DE BUDAPESTE
[1] “Esta é uma ocupação fora da lei ...", programa de televisão de Adam
Smith, 15 de abril de 1993.

[2] “Se eu fosse pego ...", “The Man Who Broke the Pound".

[3] “Estou muito preocupado ..." , com ibid.

[4] "A disciplina na classe ..." Pal Tetenyi, entrevista, 6 de março de 1994.

[5] "Aqui estou eu ...", Day One.

[6] "Eu tinha comigo alguns receios ...", ibid.

4. COMO FREUD OU EINSTEIN


[1] “embora eu não tenha ...", Physics Today, “Soros Fund Launches Noah
s Ark’ with $100 Million for Science in Former Soviet Union", pp. 63-65.
[2] "Ele entrou na minha sala...", Karl Popper, entrevista, 10 de março de
1994. (Popper morreu no dia 15 de setembro de 1994.)

[3] "É este o momento ...”, George Soros, Underwriting Democracy, p. 4.

[4] “melhor verão”, New York Times, 3 de abril de 1994.

[5] “como Freud ou Einstein", The Observer, 16 de janeiro de 1994.

[6] "Infelizmente, as notas de Soros ...", Daniel Doron, entrevista, 28 de


março de 1994.

[7] "Eu cheguei à conclusão ...”, programa de televisão de Adam Smith.

[8] "começou a não compreender nada ...", George Soros, Opening the
Souiet System (Londres: Weidenfeld and Nicolson, 1990), p. 4.

[9] "Ele nunca fez ...", Edgar Astaire, entrevista, 11 de março de 1994.

5. CEGO GUIANDO CEGO


[1] “As coisas que ...", George The Observer, 16 de janeiro de 1993.

[2] “Ninguém entendia nada ...", The Wall Street Journal, 28 de maio de
1975.

[3] "deficiente", George Soros, Opening the Soviet System, p. 4.

[4] "Eu sempre espero...", Institutional Investor: "The World s Greatest


Money Manager”, junho de 1981, pp. 39-45.

[5] "A gente via que ele era ...", Edgar Astaire, entrevista, 11 de março de
1994.

[6] "...situação mundial...", Arthur Lemer, entrevista, 11 de abril de 1994.


6. FASCINADO PELO CAOS
[1] "quanto mais você conseguir...", Byron Wien, entrevista, 29 de junho de
1994.

[2] “Desde que passei a ter...”, George Soros, The Alchemy of Finance,
versão em brochura, p. 11.

[3] "O que pensamos ...", ibid., p. 11.

[4] “...basicamente todas as nossas visões ...”, programa de televisão de


Adam Smith.

[5] “A principal contribuição que eu dou...”, Sunday Times, 14 de março de


1993.

[6] "...fascinado pelo caos...", ibid.

[7] “qualquer idéia de como...", The Obseruer, 16 de janeiro de 1994.

[8] “Mas a distorção opera...", ibid, p. 14.

[9] “Quando os eventos têm...", George Soros. The Alchemy of Finance,


versão em brochura, p. 12.

[10] "... processos que são ...”, programa de televisão de Adam Smith.

[11] “O motivo pelo qual os processos reflexivos...", The Wall Street


Journal, George Soros, “Brady Commission Should Stressed Market
Stability", 14 de janeiro de 1988.

[12] “Sua teoria é que ...", Byron Wien, entrevista, 29 de junho de 1994.

[13] “Quando as pessoas perdem a confiança...", “Brady Commission


Should Stressed Market Stability".
[14] “Os empréstimos baseiam-se ...", George Soros, The Alchemy of
Finance, versão em brochura, p. 17.

[15] “Eu acredito que...", ibid., p. 16.

[16] “O que eu tenho é uma...", ibid., p. 21.

[17] “O que George está salientando ...", William Dodge, entrevista, 8 de


abril de 1994.

[18] “Em The Alchemy of Finance ... ”, George Soros, The Alchemy of
Finance, versão em brochura pp. 6-9.

7. INVESTIR PRIMEIRO E INVESTIGAR


DEPOIS
[1] “Nós fingimos [ser analíticos]...", The Wall Street Journal, 7 de julho de
1987.

[2] "Não. Não é a sua...", Robert Miller, entrevista, 11 de abril de 1994.

[3] “Ele gostava de dizer...", New York Times Magazine, “World-Class


Performers”, 3 de maio de 1987.

[4] “Eu estava em sua sala...", Daniel Doron, entrevista, 28 de março de


1994.

[5] O incidente de Watergate é citado no New York Times Magazine,


“George Soros", 3 de abril de 1994, pp. 26-29.

[6] “Você pode contá-los...", Allan Raphael, entrevista, 28 de junho de


1994.

[7] "Basicamente, o meu modo de...", The Wall Street Journal, 7 de julho de
1987.
[8] “A genialidade de George é que ...", Byron Wien, entrevista, 29 de
junho de 1994.

[9] “A maior chave ...", Edgar Astaire, entrevista, 11 de março de 1994.

[10] “Você vê, eu tomo...", “Mr. Soros's Planet”.

[11] “Soros tem um profundo...", George Magnus, entrevista, 16 de março


de 1994.

[12] “Ele não era uma pessoa...", James Marquez, entrevista, 11 de abril de
1994.

[13] “Para ter sucesso...", “The World's Greatest Money Manager”.

[14] “Ele sente que não deve...", Byron Wien, entrevista, 19 de junho de
1994.

[15] “Se você gostasse de alguma coisa...", Allan Raphael, entrevista, 11 de


abril de 1994.

[16] “Quando eu era adolescente...", George Soros, The Alchemy oj


Finance, versão em brochura, p. 12-13.

[17] “O uso da alavancagem pode produzir...", ibid., p. 15.

[18] "George sempre costumava...", Futures, ‘The Futures Interview: James


Marquez: Runs Counter to the Market”, fevereiro de 1994, pp. 30-32.

[19] “As pessoas estão basicamente...", “The Man Who Moves Markets".

8. COLOCANDO O MEU DINHEIRO ONDE


ESTAVA A MINHA BOCA
[1] “George foi um dos primeiros...", Arthur Lerner, entrevista, 11 de abril
de 1994.
[2] "Eu estava colocando o meu dinheiro...", George Soros, The Alchemy of
Finance, p. 13.

[3] "Como o Ato III estava a pelo menos...", "The World's Greatest Money
Manager".

[4] “Em geral, se discordávamos...", Jack D. Schwager, Market Wizards:


Interviews with Top Traders (Nova Iorque: Harper Business, 1990), pp.
283-320.

[5] “Não estamos muito interessados...", John Train, The New Money
Masters, p. 10.

9. O GRANDE SALTO
[1] “Ele trabalhava muito...", Allan Raphael, entrevista, 11 de abril de 1994.

[2] “Nunca em minha experiência...", Byron Wien, entrevista. 29 de junho


de 1994.

[3] “Administrar dinheiro é de uma certa...", The Wall Street Journal, 28 de


maio de 1975.

[4] “Veja como os departamentos fiduciários...", The Wall Street Journal, 28


de maio de 1975.

[5] "...tinha aptidão para ...", Robert Miller. entrevista, 11 de abril de 1994.

[6] "... um prazer malicioso..." George Soros, The Alchemy of Finance,


versão em brochura, p. 15.

[7] “No caso da Avon ...", The Wall Street Journal, 2 de setembro de 1982.

[8] “Foi apenas um caso...", The Wall Street Journal, 27 de setembro de


1982.
[9] "Lembre-se de que o presidente ...", The World’s Greatest Money
Manager.

[10] A resposta de Soros às acusações da SEC pode ser encontrada em “The


World s Greatest Money Manager".

[11] Detalhes sobre o caso de manipulação de ações aparecem em The Wall


Street Journal, 22 de maio de 1979 e em New York Times Sunday;
Magazine, “George Soros”, pp. 26-29.

[12] “Estas pessoas não precisaram ...", The Wall Street Journal, 27 de
setembro de 1982.

10. CRISE DE IDENTIDADE


[1] “Totalmente envolvido...”, Sunday Times, 14 de março de 1993.

[2] “Ele tomava a vida extremamente difícil...", “The World s Greatest


Money Manager.”

[3] O autor teve uma rápida conversa telefônica com Jimmy Rogers em 13
de abril de 1994.

[4] "...na verdade, um tanto...", “The World’s Greatest Money Manager”.

[5] “Finalmente, em 1980...", George Soros, Underwriting Democracy, p.


140.

[6] “Pedir conselho sobre ...", The Wall Street Journal, 27 de setembro de
1982.

[7] “Depois de doze anos...", “The World s Greatest Money Manager".

[8] “Para aumentar o mistério..", ibid.

[9] "... europeus volúveis...", John Train, New Money Masters, p. 57


11. O CÍRCULO IMPERIAL
[1] "... círculo benigno no centro ...", George Soros, The Alchemy of
Finance, versão em brochura, p. 19.

[2] “...você tinha aí um processo auto-reforçador...", programa de televisão


de Adam Smith.

[3] “George é um bom ...", James Marquez, entrevista, 11 de abril de 1994.

[4] Detalhes do incidente no dia do casamento aparecem no Sunday Times,


“Master of the Universe", 14 de março de 1993; e em The New Yorker, por
Conny Bruck, “The World According to Soros", 23 de janeiro de 1995, pp.
54-78.

[5] “Toda esta pressão estava ...”, James Marquez, entrevista, 11 de abril de
1994.

[6] “Eu era sua primeira...", Allan Raphael, ibid.

12. LANCE MEMORÁVEL


[1] “O que pensamos ...", Allan Raphael, entrevista, 11 de abril de 1994.

[2] "Lá nos anos 60 Anthony Sampson, The Midas Touch (Londres: Hodder
and Stoughton Ltd., 1989); (edição em brochura, Londres: Coronet. 1990).
pp. 97-98.

[3] “A posição a assumir era obviamente ...", Allan Raphael, entrevista, 11


de abril de 1994.

[4] "lance memorável...", George Soros, The Alchemy of Finance, versão


em brochura, p. 158.
[5] “Supostamente, Soros saiu correndo...", Jack D. Schwager, New Market
Wizards (Nova Iorque: HarperBusiness, 1992); edição em brochura: (Nova
Iorque, HarperBusiness, 1994, p. 208.)

[6] O motivo pelo qual eu estou...”, George Soros, The Alchemy of


Finance, versão em brochura, p, 165.

[7] “Eu tenho sempre uma firme ...", ibid., p.173.

[8] Cifras citadas em New York Magazine, “The Iceman Cometh’, 3 de


fevereiro de 1986, pp. 12-14.

[9] “Eu não jogo particularmente...", ibid.

[10] Cifras citadas em Financial World, “The Financial World One


Hundred: The Highest Paid People on Wall Street. 22 de julho de 1986. p.
14.

13. ESPECULADOR FILOSÓFICO


[1] “Se ele ganhasse outro...", Byron Wien, entrevista, 29 de junho de
1994.

[2] “Os ricos não mais... ”, Anthony Sanpson, The Midas Touch, pp. 52-55.

[3] “Eu realmente gostaria...", New York Times, 15 de outubro de 1990.

[4] “Eu não fico muito ...", New York Magazine, 3 de fevereiro de 1986.

[5] "Durante muitos anos eu recusei...", “The World's Greatest Money


Manager".

[6] "Meu ego foi realmente...”, George Soros, Underwriting Democracy, p.


140.
[7] “Eu tenho que aceitar...:, Leadership, “South África Finds a Friend in
The World s Greatest Speculator", julho de 1993, pp. 14-19.

[8] "Ele gosta de teatro...”, Edgar Astaire, entrevista, 11 de março de 1994.

[9] "Eu costumava fazer coleções...”, Financial Times, 2 de janeiro de


1993.

[10] "O que eu faço para ir...”, Tibor Vamos, entrevista, 4 de março de
1994.

[11] "Se você tem um avião ...", Byron Wien, entrevista, 29 de junho de
1994.

[12] "Ele gosta de viver ibid.

[13] “...bom com as multidões...", ibid.

[14] “A única coisa que poderia...", George Soros, The Alchemy of


Finance, versão em brochura, p. 363.

[15] “Este é um evento que basicamente ...", “The Iceman Cometh".

[16] "...assim como a mutação genética ...", George Soros, The Alchemy of
Finance, versão em brochura, p. 16.

[17] “Eu acho que realmente...", “George Soros ”.

[18] "Eu tinha muito pouca...”, George Soros, The Alchemy of Finance,
versão em brochura, p. 15.

[19] “Ele estava imbuído da...", James Marquez, entrevista, 27 de junho de


1994.

14. UM PREÇO BAIXO PELA LIBERDADE


[1] “...vai contra a natureza ...", “South África Finds a Friend in The Workfs
Greatest Speculator”.

[2] "Se você expõe...”, Financial Times, 2 de janeiro de 1993.

[3] “George Soros é visto...", Jeffrey Sachs, entrevista, 6 de maio de 1994.

[4] “Foi um preço baixo...", Neil MacKinnon, entrevista, 17 de março de


1994.

[5] “A África do Sul era um vale...", “South África Finds a Friend in The
World’s Greatest Speculator".

[6] “Era heróico...", The Independent, 25 de junho de 1993.

[7] “Estas pessoas estão, na verdade...", “The Man Who Broke the Pound”.

[8] “A noção de debate...", Laszlo Kados, entrevista. 3 de março de 1994.

[9] “Em vez de partirmos...", "Capitalist Who Cracked the Iron Curtam".

[10] “A ética lá é confuciana...", “South África Finds a Friend in The


World’s Greatest Speculator".

[11] “Quando o conheci...”, Alin Teodoresco, entrevista, 1 de março de


1994.

[12] “Estou completamente envolvida...", Anca Haracim, entrevista, 1 de


março de 1994.

[13] “Foi uma maneira...", Anca Haracim, ibid.

[14] “...a quintessência da sociedade...", Day One.

[15] “Na verdade, fomos...", Alex Goldfarb, entrevista, 18 de abril de 1994.

[16] "Com o desenvolvimento das economias...", Herta Seidman,


entrevista, 21 de abril de 1994.
[17] “Não é por acaso ...", Alin Teodoresco, entrevista, l9 de março de
1994.

[18] “Quando eu pensava em voz alta...", “Mr. Soros's Planet".

[19] “Vamos voar para Londres...", ibid.

[20] "... cérebro de bolsa de valores ...", Tibor Vamos, entrevista, 4 de


março de 1994.

[21] “... a última instância ...", programa de televisão de Adam Smith.

[22] “George Soros ... opera de uma ...", Jeffrey Sachs, entrevista, 6 de maio
de 1994.

[23] “Sinto que fui...”, programa de televisão de Adam Smith.

15. URGÊNCIA DE SE REVELAR


[1] "...como os cogumelos, as fortunas ...", James Grant, entrevista, 7 de
abril de 1994.

[2] “Com todo o seu sucesso pessoal ...", “The World s Greatest Money
Manager”.

[3] "Para George ...", James Marquez, entrevista, 11 de abril de 1994.

[4] “Nós éramos conhecidos como...", Allan Raphael, entrevista, 11 de


abril de 1994.

[5] Há um ponto...”, George Soros, The Alchemy of Finance, versão em


brochura, p. 363.

[6] “Elas não foram compreendidas ...”, “South África Finds a Friend in
The Worlds Greatest Speculator”.
[7] “Ele me pediu para ler algumas...", James Marquez, entrevista, 27 de
junho de 1994.

[8] “Eu tentei ler...", James Grant. entrevista, 7 de abril de 1994.

[9] “O livro não é uma ...", Allan Raphael, entrevista, 11 de abril de 1994.

[10] “Era um clichê ...", Byron Wien, entrevista, 29 de junho de 1994.

[11] "... experiências nos mercados financeiros...", George Soros, The


Alchemy of Finance, versão em brochura, pp. 22-23.

[12] “... impenetravelmente denso...”, Esquire, “The Master Money


Manager”, dezembro de 1987, pp. 67-68.

16. O GRANDE DESASTRE


[1] "O fato de as ações terem Fortune, “Are Stocks Too High?", 18 de
setembro de 1987, pp. 28-40.

[2] “Considerando-se a escala...", Anatole Kaletsky, entrevista, 9 de agosto


de 1994.

[3] “Considerando-se a escala Anatole Kaletsky, entrevista, 9 de agosto de


1994.

[4] “Eu cometi um enorme...", programa de televisão de Adam Smith.

[5] "Este pode ser o segundo ...", New York Times, 28 de outubro de 1987.

[6] “Soros perdeu...", “A Wall Street Star Loses $840 Million".

[7] “É lamentável ...”, Allan Raphael, entrevista, 11 de abril de 1994.

[8] “Uma semana depois daquele desastre financeiro...", segundo a Lipper


Analytical Services Inc., que acompanha o desempenho dos fundos mútuos;
citado em The Wall Street Journal, 27 de outubro de 1987.

[9] “Comentou-se também que ... ”, cifras citadas em The Wall Street
Journal, 27 de outubro de 1987.

[10] "Ele ficou absolutamente...", Washington Post, 9 de janeiro de 1994.

[11] "Muitas pessoas...", “The Master Money Manager".

[12] "As conexões reflexivas são...", The Wall Street Journal, 14 de janeiro
de 1988.

[13] Pesquisa mencionada em The Wall Street Journal, 6 de junho de 1988.

17. É PRECISO CORAGEM PARA SER


AMBICIOSO
[1] “Ele parecia estar....”, Jack D. Schwager, New Market Wizards, p. 202.

[2] “meu sucessor’', ibid., p. 202.

[3] "É impossível ter...", ibid., p. 202.

[4] "No início, ele achava ...", George Soros, The Alchemy of Finance,
versão em brochura, p. 4.

[5] “Com George na Europa...", Jack D. Schwager, New Market Wizards,


p. 203

[6] “No verão de ...", George Soros, The Alchemy of Finance, versão em
brochura, p. 4.

[7] "Vantajosamente, porque você ...", James Grant, entrevista, 7 de abril de


1994.

[8] “Tivemos um ano...", The Wall Street Journal, 2 de dezembro de 1991.


[9] “maior salário do país ...", citado da Financial World, 21 de julho de
1992.

[10] "... preservar o capital...", Jack D. Schwager, New Market Wizards, p.


207.

[11] "... o importante não é...", ibid., p. 207.

[12] "Qual a sua posição ...", ibid., pp. 207-8.

[13] Esses detalhes do incidente entre o mordomo e a cozinheira foram


tirados do Sunday Telegraph, 2 de outubro de 1992.

[14] “Os ânimos logo se exaltaram...", New York Post, 6 de junho de 1991.

[15] “Não tinha a marca...", Anatole Kaletsky, entrevista, 9 de agosto de


1994.

18. DOMANDO A COBRA


[1] "A genialidade de George...", The Obseruer, 16 de janeiro de 1994.

[2] “Foi quase como se...", Daily Mail, 24 de outubro de 1992.

[3] "Não havia convicção ...", "The Man Who Broke the Pound".

[4] “Eu pessoalmente não ...", Forbes, “How The Market Overwhelmed the
Central Banks", 9 de novembro de 1992, pp. 40-42.

[5] "A decisão real não foi ...", The Observer, 16 de janeiro de 1994.

[6] “Eu disse a ele que ...", “Mr. Soros's Planet”.

19. A APOSTA DE MÃO UNICA


[1] "Era um palpite...", The Observer, 16 de janeiro de 1994.

[2] "...como água saindo...", Financial Times, "Sterling Was Being Sold
Like Water Running out of a Tap”, 19 de setembro de 1992.

20. QUARTA-FEIRA NEGRA


[1] "...infeliz ...", Economist, “Mayhem", 19 de setembro de 1992, pp. 15-
16.

[2] “O que está acontecendo? ...", Anatole Kaletsky, entrevista, 9 de agosto


de 1994.

[3] “George Soros é um homem altamente...", Times de Londres, 26 de


outubro de 1993.

[4] “Em um sistema de câmbio com...", George Soros, Opening the Souiet
System, p. 60.

[5] “Não havia nada daquele...", Anatole Kaletsky. entrevista, 9 de agosto


de 1994.

[6] "Parte do que apareceu ...", George Magnus, entrevista, 16 de março de


1994.

[7] "Estou feliz porque...", "South África Finds a Friend in the Worlds
Greatest Speculator”.

[8] “O que eu fiz ontem...", Daily Telegraph, 18 de setembro de 1992.

[9] “O resultado é uma...”, programa de televisão de Adam Smith, 15 de


outubro de 1992.

[10] “Os especuladores anglo-saxões...", New York Times, 8 de agosto de


1993.
[11] “Tenho certeza de que houve ...", The Guardian, 19 de dezembro de
1992.

[12] "... embora nada equivalente ao que...", “The Man Who Broke the
Pound”.

21. REI DOS FUNDOS HEDGE


[1] "...bandoleiros do mundo dos investimentos...", “The Man Who Moves
Markets”.

[2] “Eu vejo Soros como...", James Grant, entrevista, 7 de abril de 1994.

[3] “Eu não hesito em especular...", “The Master Money Manager”.

22. O GURU
[1] "Se o Dow cai...", William Dodge, entrevista, 8 de abril de 1994.

[2] “Eles (os Reichmann] foram os ...", New York Times, 9 de fevereiro de
1993.

[3] “Divirto-me com meu ...:, “The Man Who Moves Markets”.

[4] "É meu negócio ...”, New York Times, 2 de agosto de 1993.

[5] “Investidores institucionais que controlam...”, Newsweek, “Rothschild


and Camegie’, 21 de junho de 1993, pp. 36-38.

[6] “Embora seja verdade ...", boletim Hedge Mar, Arthea B. Nolan, "Myths
and Realities about Hedge Funds”, março-abril de 1994, pp. 1-2.

[7] “Esse tipo de conexão...", The Observer, 16 de janeiro de 1994.


[8] “George tem amigos que ...”, The Obseruer, 16 de janeiro de 1994.

[9] "No mês passado foi...", The Guardian, 3 de junho de 1993.

[10] “É uma nova maneira ...", New York Times, 10 de junho de 1993.

[11] “Eu quero esclarecer ...", Times de Londres, “Down with the Mark:
Soros Now Targets the Bundesbank” (carta aberta de George Soros), 9 de
junho de 1993.

[12] “A posição atual do Bundesbank...", Daíly Telegraph, 24 de junho de


1993.

23. UM VÍRUS COMUM CHAMADO


ARROGANCIA
[1] “...era muito austero...”, Edgar Astaire, entrevista 11 de março de 1994.

[2] “Eu não manipulo os...”, “South África Finds a Friend in The Work's
Greatest Speculator".

[3] “Sou um trabalho em andamento ...", “South África Finds a Friend in


The World s Greatest Speculator”.

[4] "Acredito firmemente ...", New York Times, 2 de agosto de 1993.

[5] "etnicamente puro”, programa de opinião produzido pela Open Media


para o Channel 4 de Londres.

[6] “Em geral, eu não...", “The Man Who Moves Markets”.

[7] “Não gostamos de publicidade ...", ibid.

[8] “Não vamos responder a ...", New York Times, 23 de setembro de 1993.
24. SOU UM JUDEU HÚNGARO
[1] “Fui para a Inglaterra...", George Soros, Underwrting Democracy, p. 3.

[2] "George nunca pensou ...", Byron Wien, entrevista. 29 de junho de


1994.

[3] "No início de outubro..."; a fonte de informações sobre a reunião Landa-


Soros foi Benny Landa, entrevista, 12 de agosto de 1994.

[4] "Para nós foi uma agradável...", Benny Landa, entrevista, 12 de agosto
de 1994.

[5] “Ele ficou interessado...", Daniel Doron, entrevista, 28 de março de


1994.

[6] “Existe uma certa ressonância ...", "South África Finds a Friend in The
World s Greatest Speculator".

[7] “Ele falou sobre como havia sido impressionante ...", Benny Landa,
entrevista, 12 de agosto de 1994.

[8] “Foi uma noite chocante ...", ibid.

25. O MASSACRE DO DIA DE SÃO VALENTIM


[1] “O iene caiu ...", The Wall Street Journal, 3 de março de 1994.

26. O SR. SOROS VAI A WASHINGTON


[1] “Eu ainda me considero ...", The Independent, 6 de março de 1994.

[2] “Se eu dissesse...", William Dodge, entrevista, 8 de abril de 1994.


[3] "...não compete a um ...", The Wall Street Journal, 19 de abril de 1994.

[4] "... disse que para ele...", Byron Wien, entrevista, 29 de junho de 1994.

27. MAIS RICO QUE 42 PAÍSES


[1] “O problema é...", Anatole Kaletsky, entrevista, 9 de agosto de 1994.

[2] “Existe aí uma lição ...", USA Today, 20 de junho de 1994.

[3] “De jeito nenhum...", Financial Times, 2 de janeiro de 1993.

[4] “Antigamente eu tinha...”, The Wall Street Journal, 1 de junho de 1994.

[**] N.T.: Segundo a lenda alemã, Pied Piper livrou a cidade de Hamelin
dos ratos que a infestavam conduzindo-os com sua flauta até um rio onde
morreram afogados. Por não ter recebido a recompensa prometida, Pied
Piper vingou-se levando as crianças da cidade até uma montanha onde
desapareceram.

[5] “Se Soros fosse uma corporação...", Financial World, 5 de julho de


1994.

[6] “Estamos acostumados com...", The Guardian, 19 de junho de 1994.

[7] “Se você permite uma...", Charlie Rose-PBS Show, WNET, citado pela
Reuters, 23 de agosto de 1994.

[8] “Eu diria que há ...", entrevista de Soros para a Reuters, 4 de outubro de
1994.

[9] “Este não é um momento...”, Business Week, “For Once, We’re Ali in
Sync 3 de outubro de 1994.

[10] "Normalmente, não fazemos...", The Wall Street Journal, 10 de


novembro de 1994.
[11] “Por exemplo, a Financial World...", o material citado aqui foi retirado
da Financial World, “Porous Soros: The Alchemist Loses His Touch ”, 8 de
novembro de 1994.

[12] “Digamos que você seja o maior...”, Los Angeles Times, 7 de março de
1994.

[13] “Seu problema é influenciar...”, Byron Wien, entrevista, 29 de junho de


1994.

[14] “Nem mesmo reconhecemos ...", Dayly Telegraph 11 de julho de 1994.

[15] "Mas quando eu fui contra ...", George Soros, The Alchemy of
Finance, versão em brochura, p. 5.

[16] “O poder é intoxicante...”, Sunday Times, “Master of the


Universe”, 16 de março de 1993.

[17] “Eu quero que as pessoas...", ibid.

[18] “George provavelmente gostaria ...", Byron Wien, entrevista, 10


de novembro de 1994.

Você também pode gostar