Você está na página 1de 16

Iluminando

l!D I TORA UM I CAMP


..... ''f"•m• -,n-- f\{lllllR;:" IIUmln~nm, 1l lll11dr ·,-,J,·1,r\/,I,, 100 ICH,o

,s Manzano, Co11qui,t11dores, pp. 93·113; existe uma tradução inglc,a dé um., vcr,;\u
anccrior cm Marín, Formation, vol. l, pp. 85-114.
.l<i Publicada em Conquerors ,md Chroniders ofEnrly Medieval Spain, crad. K. B. \'i/1111
(Liverpool, 1990), pp. 111-158, e. 59: 62; 82; 91. Aula 8
37
Manzano, Laftontern.
38
P. Guichard, Stmctun:s socinles "orientales» et "occidmta!es» dans L'Espagne mu.w/·
mane (Paris, 1977), concinua a ser uma análise clássica.
39
Lévi-PcovcnçaJ, Histoire, vol. I, pp. 193-278.
0
• A. Carmona González, in: Marín,Formation, vol. 1, pp. 205-216.
41
Manzano, Conquistndo,·es, pp. 307-308.
42
R. W Bulliet, Conversion to Islam in the Medieval Period (Cambridge, Ma\\.,
1979), pp. 114-127; suas cifras têm sido revisadas tanto para cima quanro p,11,1 14
baixo, mas ainda são um ponro de referência significacivo. O panorama mais m.1
tizado é de A. Chriscys, Christinns in al-AndalM (711-1000) (Richmond, 2002h O ESTADO E A ECONOMIA:
entre as páginas 52 e 79, trara-se a relativa falta de importância dos "mártires clt
Córdoba"; cf. K. B. Wolf, Christian Mnrtyrs in Muslim Spnin (Cambridge, 19811), REDES DE TROCAS NO MEDITERRÂNEO
eJ. A. Coope. 7he Martyrs ofCordob11 (Lincoln, Nebr., 1995). ORIENTAL, 600-10001
" Cf. M. Acién Almansa,Entre eljeudalismo y e! ls/nm, 2. cd. (Jaén, 1997), e i\l
1. Fierro, in: Marín, Formation, vol. 1, pp. 291-328; Manzano, Conquistado1·es,
pp.341-359; e V. Salvatierra Cuenca, La crisis dei emirato omeyn en el alto G1111
dalquivil- (Jaén, 2001).
44
M. Fierro, 'Abdal-Rahman li! (Oxford, 2005), e Lévi-Provençal, Histoire, vols. 2-3. Ser um comerciante em Constantinopla, por volta de 900, não era
continuam sendo fundamentais. ti, 1111 ina alguma um processo simples. De acordo com o Livro do eparca (ou
1
• A. VaJlejo Triano, Madinat 11!-Zahra (Sevillc, 2004); sobre cerimonial, cf. "Vida dt· /, •J•u·fi',10), um conjunto de regulações oficiais desse período, os mercado-
João de Gor~e•, MGH, Scriptores, vol. 4 (Hanover, 1841), pp. 337-377, e. 118-136; ,, . 1, 1J1,ras e vários artesãos precisavam fazer parte de um grêmio (systema)
M. Barccló, in: Marín, Formation, vol. 1, pp. 425-455. Para uma descrição deralhad,,
de Córdoba, cf. lbn Hawqal, Conjiguration, vol. 1, pp. 110-112. I' 11., operar, e tinham que vender suas mercadorias em locais específicos:
6
' Manzano, Conquistadores, pp. 448-451; sobre 11!-mulk, cf. M. Barceló, in: A. 11·. ,n-~odances de ouro e prata, em Mese; os mercadores de seda árabe,
Mal pica Cuello (ed.), La urdmica 11/tomedieval me/surde al-Andalus (Granada, 111 1111bolé; os perfumistas, em Milion, ao lado de Hagia Sofia; os açou-
1993), pp. 293-299.
ll'" 11m de porco, em Tauros. 2 Os vendedores ambulantes foram banidos
•• Para wna tradução cm espanhol, cf.J. Ribera, Colección de obras arábi.ga, de historiay , ., 11, voltassem a praticar esse tipo de comércio, poderiam ser açoitados,
geografia, quepublica la Rea!Academia de Historia, vol. 2 (Madrid, 1926), pp. l-101; 1111, .1,lm de associação nos grêmios e expulsos da cidade. Os vendedores de
para comenrárioc citações cm inglês, Chriscys, Christiam, pp. 158-183; cf. também
M. I. Fierro,Al-Qnmara, 10 (1989), pp. 485-512. •,1., r r ,lm proibidos de fabricar roupas, e aos vendedores de couro não era
18
Kennedy, M11slim Spain, pp. 122-144, fornece uma rápida e nuant;:ada análise; 11111111t1do trabalhar como curtidores. Algumas associações, cais como as
e( também P. C. Scalcs, 7he Fall o/the Caliphate o/Córdoba (Leiden, 1994), e D. k 1m 1<"adores de seda árabe ou de linho, tinham que fazer suas compras
Wasserstein, The Riu nnd Fali ofthe Pnrtykings (Princeton, 1985). ,1, 11\·,tmence e distribuir os bens entre os membros do grêmio, de acordo
19
Lévi-Provcnçal,Histoire, vol. 3, pp. 47-53; Manzano, Conquistado1·es, pp. 425-444. w111 .111L1a ncidade de dinheiro investido, a fim de evitar as competições na
h111,1 d,• comprar. Os açougueiros de ovinos precisavam percorrer um lon-
~", 1111inho até a Anatólia para comprar suas ovdhas e manter os preços
hJíAn. os açougueiros de porcos, por contraste, eram obrigados a comprar

d7d
•-.,r,••-,.. -o.• •1.,'"º· IIUIUtUQIIUI!" IUi UIC" Ull. - ~ ' f ,-1.fOft ' i flM " 1, 1 , 1,1_llu ,'i" «•,01H11ui,1~ ll~<tf ,-Jr" 1w1...1i nõ· ~kdUrrrJ'uro nnn1n11;nvu , ,l,.m

porcos na cidade e estavam proibidos de sai r para mconrrar o~ forncccdo ·1" 1, '''"" n1.1vam incimamencc associados ao estado. Podemos, é claro,
res; assim também aconrecia com os pcixciros, que só podiam comprar 1i.1 1l11~ ,, l.11 ol,11 frnv1J,,<lc de todas essas normas constantes do Livro do ep11rc,i,
costa, e não no mar. O eparca, governante da cidade, tinha que ser infor prn i111,, 11,p1.u1m a~piração, das são muito chamativas, e é verdade que as
mado caso os mercadores de seda (divididos em cinco grêmios separado,) h 1111 n 11 .,, 1.111v;I\ rcgu larmente atribuem esse tipo de poder aos funcionários
vendessem para estrangeiros, que eram proibidos de comprar certos tipo, 11, 1n ,, 11 I, ,. 1 1uq11.mdo de Cremona comprou seda proibida, em 968, mas isso
de seda. Ele determinou todos os preços dos pães que os padeiros deviam !ili tkf.i:oht 1111 e, para sua fúria, a seda foi confiscada.4 O governo bizantino
praticar, e o preço do vinho que os escalajadeiros vendiam; também esta 111.l,,1 111li.11·,u ucura suficience para fazer com que suas leis fossem obedeci-
bcleceu o lucro que vários fornecedores obtinham - aos merceeiros foram 11 t,, p!'h• 1m·11m :tlgurnas vezes.
permitidos 16% de lucro, mas aos padeiros, apenas 4% (acrescidos de ou N111.1 ,e que existia uma característica comum entre o comércio
tros 16% para o pagamento de seus trabalhadores), muito além do preço l1i/,ihl i1111 t o árabe: sua relação próxima com o estado. Certamente havia
que pagavam no armazém de grãos do estado. HA"', 1 provável que essa relação fosse mais importante em Conscan-
As cidades tardo-medievais do Ocidente geralmente tinham regu- lli101 •l.1.11111uc nas províncias bizantinas; parece ter sido mais importante
lamenrações de guilda bem elaboradas como esras, visando à manutenção mi l1 ;11" do que cm al-Andalus; e era sempre mais fácil que o controle es-
1
de monopólios e de hierarquias internas nas negociações. Contudo, o Livm 1,li~ I' ., ,mpu~csse na esfera de provisionamento urbano do que na de co-
do eparca se destaca (para além da sua precoce data) pelo grau de controle illt t \ i,, 1111cin,icional de artigos de luxo (excluindo a seda e outros bens de
estacai que assume. Nele, a regulamentação do lucro foi particularmente liH<,, ,<" doestado), pois este se apoiava muiro mais na iniciativa privada,
importante, e também o foi aquela dos modos como se autorizavam os ven- 111r ,u,111111.1 os riscos dos neg6cios. As autoridades portuárias árabes, no
dedores a comprar seus bens. A seda era controlada porque sua produção e \11h, \ e 110 início doXl, mesmo assim, regularmente atribuíam preços
sua distribuição tinham reBexo direto sobre o prestfgio imperial (as regu- PÍi1 i,,i- p,11J bens importados, mas estes eram apenas referências para os
lamentações para os mercadores de linho eram mais frouxas). No entanto, ,,l,11,, .lc mercado, que variavam de acordo com a oferta e a demanda.
acima de tudo, era vital que o mercado de alimentos fosse controlado, pois l lp1f111, 11, cereais, em Constantinopla, eram apenas um de vários artigos
Constantinopla tinha que ser alimentada de forma eficaz, a preços que os ha- ,Hiq•t ,dns nos armazéns govemamencais; no Egito, o linho (matéria-pri-
bitantes pudessem pagar. O pão não era mais gratuito, como fora no Império !llil 1•,11,1 u tecido de mesmo nome), que era um dos principais produtos da
Romano tardio; essa prerrogativa tinha cessado abruptamente, por decreto ll't\í,"111, 1.unbém era vendido a comerciantes (canto para vendas internas
imperial, quando os persas haviam tomado o Egito, em 618 (ver capítulo 1O). @11• 1•,11:l cx.porcação) por funcionários do estado, e alguns dos mais im-

Nesse momento, Constantinopla era muito menor; 3 não precisava mais dos 1"'" .111tl·, centros de tecelagem dclinho, como Tinnis e Darnieta, eram
grãos egípcios, e poderia tomar provisões no interior do Egeu e no sul do li' t,' ,mie parte propriedade pública. O Egito, como já insinuado, teve
Mar N egro. Mesmo assim, como vimos, a cidade ainda tinha um tamanho m , , ,d, 1 o período um setor escacai muito mais dominante do que aquele
considerável; era a maior urbe da Europa, mesmo em seu pomo baixo, nos ' jllf' h.1, 1,1 ém algumas outras regiões, mas a existência de operações nessa
séculos VII e VIII, e agora voltava a crescer, alcançando talvez a cifra de 100 ,1 ,1l.1 , ,urpreendenre. O próprio comércio pode ter estado nas mãos de

mil habitantes no ano 900. (Córdoba pode tê-la ultrapassado em tamanho, ;!11111 ,, 1,111tes independentes, porém eles ope.ravarn em uma estrutura na
no século X, porém encolheu no XI, deixando o primeiro lugar novamente •l1t,1I ,, poder público tinha considerável voz. E, acima de cudo, os estados
para a capital bizantina.) O s imperadores e eparcas não podiam arcar com os 11,, 111 11 m:1 enorme fome de demanda. O s documentos egípcios de dc:cadas
problemas de seus habitantes, que inevitavelmente apareceríam caso faltasse 111 ,,. , l 111,1s ao ano 1000 mostram comerciantes regularmente (e algumas ve-
comida - e isso, de faro, era visto pela população urbana como falha das au- " lur,rnremence) vendendo para o pr6prio governo; e, mesmo quando
toridades públicas. Em Constantinopla, o comércio era independente, mas ,, , 11.111 ,1concecia, a concentração de comerciantes e artesãos em grandes

476
O lrti,t<lci lft• HQ11M 1Ju1utlh1thlo ,1 1,l..1Jr tl,1, tri:v,t,. ,i ru, auou f) 1:...1,,du t· • l·,unumi.1 lt1.· lfrlli J,.. trot·,, , no Mnlllf fr .\nro ( l rknh1I, MM) 1000

centros polídcos, como Constantinopla, Bagdá, Fusrat-Cairo e Córdoba. o 1•11ltl1,.1çao desigual de documento~ egípcios cm árabe significa que já
se deu porque essas cidades tinham vários compradores ricos que era m uAo , l""'ivd conhecer a sociedade campesina cão facilmente no período
pagos pelo estado, burocratas ou soldados e seus próprios dependentes. pu, ,,w,c .,o ano 800. Os dados que a arqueologia rural oferece são, no
Como vimos, e como voltaremos a ver, depois que o Império Ro- ,111,111111tn, mais pobres no tocante ao período posterior a 650 (aproxima-
mano, no Ocidente, chegou ao fim - ele que era um estado forte e central i• 1~1111 11t \') <lo que os dados relativos a épocas anteriores, em praticamen-
zado e que deslocava grandes quantidades de bens para seu próprio benefí- !! ,.,,J., ., região. Observamos as aristocracias bizantina e andaluza, nos
cio-, a intensidade das trocas nos reinos pós-romanos dependeu da riqueza ,,,l11dm 12 e 13, e, naturalmente, devo me referir a alguns aspectos da
dos proprietários - aristocratas, igrejas e reis. Quanto mais ricos fossem os 111111111,1e da sociedade camponesas neste capítulo, pois estas inevicavel-
proprietários, mais comércio haveria, e mais complexos seriam os seus pa- m, 111, 111 flucnciariam os problemas de criação de riqueza, tomada em seu
drões. Isso também foi amplamente verdadeiro no Mediterrâneo Oriental; 1i1j1111111: dito de maneira simples, quanto mais ricas eram as elites (seja
todavia, o poder estatal, baseado na arrecadação fiscal, continuou a existir p 111 11111111,cos ou rendas), e quanto mais alta era a demanda agregada, mais
ali, e o poder de compra do estado era, normalmente, em escala maior do ,11 J111pn inato era explorado - uma equação que deve ser entendida para
que a alcançada pdos proprietários privados de terras. Além disso, a riqueza li111d,1t11l'lllar todo este capítulo. Mas devemos esperar futuras pesquisas
privada permitia que seus donos ascendessem aos cargos oficiais e, com eles, 1111in ')"l possamos confrontar os detalhes da maioria das realidades so-
tivessem acesso aos emolumentos que a tributação tornava possível, o que ilJi ,, 1111ponesas orientais ap6s 600-650, de forma a compará-las às do
acontecia até mesmo no mundo islâmico, onde proprietários privados de 1it i, 1, 1m· A sociedade urbana é mais bem atestada, como também vimos
terras, em geral, tinham uma vinculação menos automática com o poder 11111 '111-ll ro caplrulos anteriores. Uma das sociedades urbanas parricular-
político e, por isso, podiam ser vistos como uma fonte de demanda alter- liH 111. IKm documentadas é o setor judeu da cidade de Fustat, no Egito,
nativa à dos funcionários públicos e soldados. Tomada como um todo, a 11j.1 g, llf.'11, ou depósito de papel descartado (que os judeus preservavam
mudança na riqueza do setor estatal é o melhor guia para a variável escala 1u1J I w , J csrruir a palavra de Deus, o que incluía qualquer papel contendo
de demanda, e, assin1, de trocas, no Oriente bizantino e árabe. Nos lugares IH •li .,). lm encontrada. em 1025, e preserva milhares de textos, que come-
em que a riqueza agrária privada seguia uma trajetória diference cm relação •ll i , ,n mais volumosos por volra de 980. A maioria desces dara muito
à riqueza do estado, ela afetava igualmente a demanda do estado, e suava- m :111 ,111 ,éculo XI ou depois, do que do século X, porém, mesmo assim,
riação local acrescenta um outro nível de complexidade às nossas análises. pm 1 11110s usar algun s textos da geniza 8 que são do início do século XI,
Mas, em geral, as duas andavam conectadas na maior parte do Oriente, e " " 111, , I1d ,1 cm que eles transformam nossa compreensão de como associe-
o sistema estatal é também o mais bem documentado. Por conseguinte, é l~ii• . 11 1h.m as podiam funcionar no final do nosso período. A despeito da
sobre esse sistema que falarei mais neste capítulo. li 111, ., do Mediterrâneo Oriental, as informações que sobreviveram acerca
Existe uma lacuna documcma.l para a aristocracia proprietária de 1,i Iti •,, 011., socioeconôrn ica, entre 600 e I 000, são ainda mais fragmentadas
terras que corresponde a uma ainda mais séria falta de dados no tocante I'"
lo, p.1 ra o Ocidente. Aqui me concentrarei, por necessária brevidade,
à maioria camponesa, entre os séculos VII e X, no Oriente. Perderam-se 111 11, , rcgiões separadamente: Bizâncio, com a sua crise do século VII e a
quase todos os milhões de documentos produzidos regularmente pelos \ "I'' 1.1\·ào do século IX; a Síria e o Iraque, em constante rivalidade, onde
governos e indivíduos privados, em Bizâncio e no califado. O Egiro6 é a pinl.1~onismo económico transferiu-se decisivamente da primeira para
única área para a qual temos um ripo de documentação local sobre terras ,, íf1'1111do, em 750; e o Egito, a região em que houve maior continuidade.
que podemos encontrar na Francia e na Itália, o que permite, em alguns 1\,11111 tlbscrvaremos o comércio internacional que os vinculava.
casos, reconstruir as sociedades campesinas; assim sucede, por exemplo, no C omo vimos no capítulo 10, os desastres militares das décadas
século VIII, com a aldeia copta de Jeme,7 a oeste de Tebas, no Alto Egito; 11!1 f\ 111 r 640 levaram o estado bizantino a mudar significativamente.9 Ele
O lq,t~h.ln rlt• Kon1J lh1111inJ11Jo J tcl111k ,1,,, lu.·v,1-., , 100 , 10110 111,,,..,.. r II WIIIUlllhl 11õ.1;::,-,k ' ""'I' 1111 Mrd11CiT.\11cn \lrk111al~r,011;1ruwr

adorou uma escrucura fiscal localizada e, principalmente, desmonctizad.1, ( orrnpondcndo às dificuldades experimentadas pelo estado e a a ris•
adequada a uma estrutura militar local, cujo objetivo era a defesa. O csradó 1u,. 1,1, 1.1 h11.•incinos, os séculos VII e VIII mostram, particular e clara me.me,
nunca mais viria a transportar seus próprios bens por longas distâncias, n;\u 111· l,11 .., 11111:1 crise no urbanismo. Os arqueólogos e historiadores discutem se

importando a escala, ainda que Constantinopla continuasse a ser o centro hrn1" J,I uma queda na vitalidade urbana nas terras bizantinas após 550;11 ro-
fiscal da demanda comercial. Também é provável que a aristocracia terr;\ 1l.w1., 111ng uém mais defende seriamente que não existiu uma crise sistêmica
tenenre, que nunca chegou a ser tão rica como no Ocidente, tenha perdido rn, 1111, iodo século VII. A arqu~ologia urbana deixa isso bem claro. Não se
algum espaço, dada sua invisibilidade nos documentos anteriores a 850. pt111. dnllonstrar que as construções seguiram seu curso, após 650, na maio-
ou por volta disso, e dada a constante invasão que reduzirá a produtivida- li, , 1., , di: ,enas ou mais de cidades que contam com boas escavações; grande
de agrícola na maior parte da Anatólia até a estabilização da fronteira no 1ui,.- 111mtr:táreas de abandono sistemático durante o mesmo período, como
século VIII; como observado no capitulo 12, mesmo no século X, quan- h n11 uma rua comercial particularmente bem escavada, em Sárdis, nas
do todas as nossas fomes concordam que o processo de a fi rrnação local do Ir 1111' !,,lixas da Anatólia, próximas ao Egeu, cujas lojas foram abruptamen-
poder ariscocrácico escava firmemente em andamento, é difícil argumentar lo .-l ,.111donadas, na década de 610; ou no gymnasion de Ancara, reduzido a
que os aristocratas eram cão dominantes cm codo o Império como acontecia 1 í11 ,1, numa data situada com exatidão em 622, quando do saque persa, pois
no Ocidente. O pouco que sabemos sobre a sociedade campesina mostra ir;, .1v:11yáo encontrou uma pedra de anel persa nos restos do incêndio. Nor-
que, de fato, havia algumas áreas do Império sobre as quais os aristocratas 1,1,1l1 m·nrc costumo ser cauteloso para não tirar conclusões muito catastrófi-
não tinham rodo o controle, nos séculos VII e VIII. As cerras ao oeste de LI~ .1 p.1rrirde exemplos anedóticos como estes (as cidades prósperas também
Ancara, descritas, no início do século VII, na Vida do asceta Teodoro de 1fo1 11~·as abandonadas, e podem igualmente se recuperar de saques), porém
Sykeon, em grande parte conheciam comunidades camponesas indepen- " ,1, 11m11lo de evidências nas terras bizantinas é muito grande para ser igno·
dentes já nos anos que antecediam às invasões persas, o que indica que os 111, 1,, 1 ,ignificativo que o melhor exemplo em contrário - o de Gortina, em
arisrocraras nunca tinham sido rotalmenre hegemônicos em partes do pla- ( 1r 1.1 encontra-se em uma ilha, naturalmente mais segura em face dos ata•
nalto anatólio. Se Leis do Agricultor, manual privado de direito agrário do ti' 11 , persas/árabes ou ávaros/esclavenos: aqui Herádio (610-641) reconstruiu
período de 650-850, também pode ser siruado na Anatólia (como poderia ,11 1, l.1dc: após um terremoto; um de seus bairros, especificamente de artesãos,

indicar a ausência de referências ao cultivo olivar), então, d a mesma forma, 1p 11 , l.1ca do final do século VII e que pode ter seguido ativo até mais tarde, foi

tais comunidades campesinas continuaram a existir, naquela área, ap6s o ... w.1do recentemente. 12Ln qualquer outro lugar, tudo o que conseguirnos
período das invasões.'º Em ambos os textos, o estado permanece presente, , i,, 11ovas muralhas, que algumas vezes circundam apenas as partes da cidade
inquestionado, como um poder arrecadador de impostos e judicial. Havia 1111 'li·' e, em outras, se alteiam sobre as colinas da cidadda velha.
também consideráveis diferenças de riqueza em cada um, com camponeses O estado bizantino continuou a existir, como vimos. Mesmo as
ricos que dominavam a comunidade e arrendavam terras aos camponeses 1•· 'fllcnas cidades localizadas no topo de colinas (agora frequentemente
pobres. Mas os proprietários de terras externos são relativamente sem im- , 11.1111.\das dekastra) ainda gozavam de um papel político-militar, e também
portância em textos mais antigos, e estão ausentes nos posteriores. Isso 111d1.1m bispos (embora estes, como vimos, geralmente preferissern viver na
não serve de guia para o Império inteiro, ou mesmo para toda a Anatólia . 1111t,ll). Além disso, há evidências que mostram que algumas fortificações
(os aristocratas eram muito forces na Capadócia, que fica mais ao leste, h ·.1Jas serviram de proteção para assentamentos que resistiam, feito ilhas,
ramo do século IV ao VI como do IX ao XI. bem como, possivelmente, 11.1, partes baixas das amigas cidades, como Euchaica e Amorion, ambas no
no período intermediário), mas a irregularidade na dominação aristocrá- l'l.111.1lto anarólio, ou Corinro,13 na Grécia Central, ou Mira, na costa sul
tica local se torna clara por esses textos, e quase cercamente aumentou nos .1., ,1tual Turquia. Ainda não se pode dizer se essa ocupação dispersa foi su-
séculos de crise. lh 1mtemente densa e economicamente diversificada para ser chamada de
O let,t,,Jo ,h.· H.t,m,l llumtn1l1hln ,l h.l1hll" d1.1 , lfl'Y1I'•, ,1nu umo dr -.t.ulo r 1, i:nmnmh, Rtlh.: 'I llr IIOl·I\ ,UI M1•<lih ·11:oh'O ()ri1.:-nl11t: N)() 1000

"urbana": dessas, Amorion e Corinro são, talvez, os caso) mais prov:lvci\. l· 111 <. h Jados disponíveis acerca do comércio praticado fora da capi-
geral, contudo, temos que reconhecer uma nova tipologia urbana. Algum,1, 1,1111 gi .rnJe parte oriundos da arqueologia, tanto refletem esse quadro
cidades antigas foram totalmente abandonadas ou reduzidas a pcquw.,, 'I" u,11,,, 111,uizam. O século VII assistiu ao abrupto fim da principal pro-
fortalezas. Algumas desenvolveram esse padrão disperso, com rnaiorc~ ou 1111,:1111111l11mial de utensílios de mesa do Egeu, louça de argila vermelha de
menores níveis de organização ou urbanização. Poucas continuaram a s,1 l 111, 11 1· ,11.is imitações mais locais; artigos pintados de qualidade razoável
ativas como centros urbanos, embora em uma escala consideravelmente n.: , ·, "'substituíam (por exemplo, em Creta), mas sua distribuição era
duzida, como Éfeso, Mileto e Atenas, na costa do Egeu - as novas muralh.1, 11o11,, ln, .dizada, e em alguns lugares (sobretudo no interior da Grécia)
de Éfeso deixaram de fora muito do antigo centro da cidade, mas ainda as ui" 11 que encontramos é a cerâm ica artesanal, o que indica o termo da
sim circundavam um quilômccro quadrado de terra; Teófanes recorda qw: ililll\ 111 profissionalizada. A confecção de ânforas, para azeite e vinho,

a cidade tinha uma feira importante que gerava uma soma elevada de im 111!11 111 , e tornou localizada e simplificada; a ânfora globular-padrão do
postos, cm 795-796. É possível que muitas cidades tenham experimentado ·11 (1 RA 2) foi substituída por uma variedade de tipos relacionados,

mudanças bem menores, pois as escavações arqueológicas nelas realizada, lhll f 111111.11~ locais. Esses desenvolvimentos, no século Vlll, implicam um
são mais precárias precisamente por causa das continuidades urbanas n(l il D1ll,, 11.1 demanda de bens, e assim o enfraquecimento de concentrações
local: Tessalônica, lznik (amiga Niceia), Esmirna (antiga Smyrna), Trebi fo l 'l ifllU,1, seja pública ou privada. No entanto, esse não é o cenário com-
zonda, que são importantes centros políticos em cada caso. Isso não signi j•k i_11- \ própria Constantinopla tinha uma produção industrial de cerâ-
fica um colapso urbano tocai, mas, mesmo numa leitura otimista, podemos lillr -'• ., , h:imada Cerâmica Vitrificada Branca (GWW, segundo a sigla
propor que quatro quintos das cidades bizantinas perderam rodas as suas 1lr1 1). 11ue começou por volra de 600 e prosseguiu por muitos séculos.
características urbanas, ou grande parte delas. 11,!! rl ,, , duas centúrias seguintes, foram encontrados restos esporádicos
A significativa característica que unia a maioria das antigas cidades ,l;,t,,{· 11po de cerâmica em lugares muito diversos ao longo do Egeu, che-
bizantinas mais "bem-sucedidas" é que elas eram cenuos temáticos. (Éfeso, fi, 1,, .,té C reta e mesmo até Chipre (que tinha suas próprias produções).

que fora por muito tempo um entreposto comercial, é a grande exceção.} 11 · , l.11los mostram que o Egeu não deixou de ter um cerro nível de tro-
5
Parece que o estado se concentrou em seus principais centros militares e ad- , 1, , n~d ia distância. Isso se confirma pelo Direito Marítimo de Rodes;
ministrativos locais; se a aristocracia tcrratenentc aderiu ao exército e à bu- ,,, ", 111,1nual legal privado que data (provavelmente) do século VIII; nele
rocracia civil, ela pode muito bem ter ido igualmente para cais povoações. 1, 11 , llll' a relação entre os capitães de barcos e os comerc.ianrcs navais, e
Assim, essas urbes seguiram sendo centros de uma demanda suficientemen- ,w11, ,e que os carregamentos habituais das naves incluíam urna varic-
te intensa a ponto de preservar suas características urbanas, como os mer- ,i ii h , 1, bens difíceis de ser encontrados pelos arqueólogos: escravos, Linho,
cados e, talvez, algum ofício artesanal esp ecializado. No entanto, elas eram J.1 ,'.1 .\os, assim como vinho e azeite transportados (provavelmente} em
muito menos numerosas agora do que em 600. Quando Bizâncio aos pou- 11111 , , pós-LRA 2. As hagiografias dos séculos V II ao IX também dão

cos passou a recobrar estabilidade militar e política, após 750 e, de forma li 1, 1.1 de que havia carregamentos navais regulares não apenas de grãos.
mais incensa, ap6s 850, o número de cidades ativas tampouco se expandiu ~,111,, vimos, o Egeu funcionava, nesse momento, como o interior agrá-
grandemente.14É faro que elas aumentaram de tamanho, mas ainda é difícil , ,1, t .onsranti nopla; a demanda da capital, m esmo que não houvesse
para a arqueologia oferecer certeza da época em que isso ocorreu; o cresci- 11, , 111,1ncinha os barcos no mar. Em compensação, a louça de cerâmica
mento é mais notório no século XI do que fora no X, muiro embora ele te- !1tl1, .1d.1 branca provavelmente era um dos produtos que a capital vendia.
nha ocorrido cm Sárdis e também em Hierápolis, na borda oeste do planal- l)cssa forma, o Império Bizantino, mesmo em seu ponto baixo,
to anatólio, em data anterior ao ano 1000. Mas o Império Bizantino nunca :H11 , pl·rtleu inteiramente uma rede de trocas que abrangia sua região cen-
mais reromou a densidade do urbanismo tardo-romano em seu território. ~L,, . mares do Egeu e de Mármara e suas zonas costeiras. Isso foi assim
O lc~,ldu tlr RnnM lluuu11,11Hiu .- ttl,hh." J111i, ltt·\tll\, ..,t)(J, H>oo 1J 1>l,ul11 ,.••, e, ,m,,mhl ltc.·,ll'-. Je , 11h,·.i, n11 Mnt11,r1Jnc,, llru.-1111,I. n(KI I OOU

inclusive quando a maior parte da produção local se simplificou, à< vc,n, h,u 111111.1\·õcs locais da cerâmica de Constantinopla começaram a ser
radicalmente. Tal situação parece servir de parâmetro para o resto do 1111r •i11t 1;hf,1, cm Atenas e, significativamente, em .Preslav, na Bulgária in-
sabemos sobre o Império: o estado havia transformado suas pr6prias c., u 11 'l't!ld, 11H·, A produção de cerâmica em grande escala, dt: Corinro, tam-
curas em estruturas locais, porém ele continuava a ser dominado por 11111.1 iill 10, infuo no século X, do mesmo modo que as ânforas da zona de
capital poderosa. Cabe sustentar que as diferenças locais no profissional i,11111 nm, 1111 11ur de Mármara, destinadas à recente exportação sistemática de
da produção, por volta de 700, têm correspondência com as áreas em 1111c ttho 111, .il. De fato, o comércio de vinho poderia ter se estendido muito
o poder aristocrático sobre o solo é maior ou menor, embora os dados 11.111 11r, ,,-11 .t~ grandes remessas de ânforas para vinho, assinaladas com os
sejam bons o suficiente para que se possa avançar mais. Percebe-se qul' ,n 1111n .1, ,eus transportadores e que foram encontradas em um naufrá-
negociações comerciais ao redor do Egeu não eram comandadas pelo cscad11; 1n, 1111 ,do por volta de 880, no sudoeste da Turquia, realmente tivessem
as fontes escritas enfatizam que, no período anterior a 800, os comercianrc, lrnli1 ,1., ( rimeia, como os escavadores pensam. O linho tan1bém era ex-
eram independentes do mesmo modo que o faz, em 900, o Livro do ep11m1, 1,111,, p.1r.iacapital desde a Bulgária e o sul do mar Negro (assim como
apesar de todo o seu interesse regulador. Mas, ainda assim, a demanda im 1h ,, 1 gico), e tanto Constantinopla quanto Tessalônica produziam o
pulsionada pelo estado era o mais s6lido agente do poder de compra, e n\t· ,111; t 11mcçamos a nos aproximar das complexas produções bizantinas
comércio centrava-se primeiro na capital, embora, secundariamente, cm , "" ,11lo\ da Idade Média.
18
outros centros que sobreviveram: Tessalônica, Éfeso ou Esmirna. N,, século IX, e ainda mais no X, o estado bizantino fortalecia-
A medida que adentramos o século IX, observamos o aumcnm 1.' , 111111uccia-se cada vez mais. No século X, o mesmo ocorria com a
na quantidade de moedas encontradas em sítios arqueológicos. Nas esct• 11" 1.1d.1, cm algumas áreas - com mais frequência distantes do núcleo
vações, é comum encontrar moedas que datam, no máximo, do tempo dc 1JIICt•l111;1co no Egeu, mas, inclusive, no sul da Grécia, onde já na década
Constante II, por volta de 660, e depois nada, ou quase nada, durante 150 ,H~a t , n,a Oanelis (ver capírulo 12)19 tinha acesso a linhos e sedas sofis-
anos; ainda que rodo imperador seguisse cunhando moedas, elas desapare 1tl,,. lwm como aos próprios trabalhadores têxteis, os quais ela ofereceu
cecam de circulação, e não podemos concluir que estivessem disponívci\, lh1il10 1 e a Leão IV. Um século mais tarde, Basílio II, em suas queixas
de alguma forma, foca da capital. Mas isso mudou a partir da década dt· 1!11 ,, , ,, poderosos", demonstrava estar preocupado com a possibilidade
820. Em Corimo, conhecem-se quase quatro vezes mais moedas do tempo ·b, lll'm a monopolizar os mercados rurais também. O que vemos em
de Teófilo (829-842) do que de todos os seus predecessores juntos, desde !H ,.1 liscade exemplos é um conjunto de produções agrária e artesanal
Constante; as moedas de Leão VI (886-912) são seis vezes mais numero- l.a 1,, mais elaboradas e diversificadas, com uma distribuição cada vez
sas do que as de Te6filo; as de Constantino VII, filho de Leão, duplicam ,111 .1\1,1 e complexa que ia para a capital, cercamente, mas também que
novamente, e a quantidade só vai aumentando a partir de então. 16 É mui- ,!f ,,1 , 1ura as províncias: Tessalônica foi um entreposto particularmente
to provável que esse fato esteja relacionado com uma recuperação fiscal e ilji• ,, 1.1 me. Isso se tornou possível graças à demanda da elite, que clara-
com a remuneração monetária do exército, coisa que se costuma atribuir ·111, ,,,Irava a aumentar, e também foi impulsionado pelo envolvimento
a Nicéforo I (802-811) (ver capítulo 11); essa mudança pressupunha um 1111 ,... 1., dice na produção artesanal e no comércio. Se houve alguma vez
fornecimento de metais mais contínuo, mas também supunha (e promo- líl 1,., .d natural para o comércio de média distância foi o Egeu, é claro,
via) um intercâmbio comercial que desse conta de fazer essas moedas cir- •11 ,Luncnre cercado por cerra, protegido e cravejado de ilhas, como é até
cularem. Para o século IX, deparamos com achados de cerâmica virrificada ,j, l h anos ao redor de 900 apenas assistiram ao retorno da normali-
branca, em grande escala, fora da capital: 17 por exemplo, em Mesembria, ,1,HI, 11n,c sentido; eles apontam para a anormalidade, isto é, a crise que
porto bizantino que fica na atual Bulgária, e inclusive em estudos de cam- ,1111, ,11 dois séculos a panir das invasões persa e árabe. Porém, o crescente
po, nas zonas rurais próximas a Esparta; no século X, isso se estende para 1, 1 ,lu estado bizantino daria novo e redobrado impulso ao comércio

AOA
- - - - - - -.-..------•-••••~•"•·• ••••"•'''u" •utu1""'"• 1n1;-.-a """'Hn-.-1uno - - - - - -- - ' T l l ~ t H \ - H • - ~.. ••n••111uo. ,·, , ~ • .. ' - " " • • • • - - • • - ..,..• - • ~. .• ·•..--.·• · -- -• · -••- • - - - - - - -- -

nos dois séculos seguintes. Após o ano 1000, a cxpans:io dcmogr.Hic.:,1, qut· ,,li 1,1111111 l'.,t ilo cerimonial diference, com mt.:no~ procis~õcs rdigios:is ou
provavelmente se iniciara já no p eríodo antt:rior, começa a ser mais vhívd ,lhiu, , gt mde interesse pelo espaço público rescrito aos pátios da mcs-
na documentação, como o demonstra a tendência a reivind icar as tcrr,1, li .! . 1'111,·111, ,1~ cidades continuaram a ser centros demográficos ativos e
não cultivadas; a base agrária do Império estava claramente se expandindo. 11111 j,."', n, edifícios públicos romanos foram substituídos por oficinas
O século XI mostra também algumas especializações agrícolas, como, po, li I r~f1m, ,1s ruas com colunatas foram trocadas por lojas enfileiradas,
exemplo, o cultivo de amoreiras para seda, em várias partes do Império: 11! 1111111 l.1, .uniúdc de forma monumental (sobretudo pelo califa Hisham,
esse cultivo provavdmente já acontecia antes de 1000, pois Bizâncio, com 1 'd 1, , orno vimos no capítulo 11). Em Gerasa (atual Jerash), ao norte
certeza, produzia sua própria seda nesse período. A antiga visão de que u ,h, ~l 11l.1l1.1, construíram-se conjuntos de fornos dentro de um teatro e de
Império experimentou a estagnação económica, nos séculos XI e XU, cn 111 " 111pl11 romanos, parte de uma rede que tornou a cerâmica de Gerasa
contra-se, agora, decisivamente rejeitada; as raízes da generalizada expans;io 1
k 1111111n económico mais importante da área da Galileia, até porvolra
económica daquele período assentam-se no tempo que abordamos, apesar 111111 IHnximo a Scythopolis (a moderna Bet She'an),24 porvolca de 700,
de só conseguirmos, até o momento, ver os sinais ocasionais desse fenóme- , ili 111111m no teatro e no anfiteatro, oficinas de linho dentro de um com-
no. E essa expansão também veio a afetar áreas fora do Império: por volt.\ 11, ,k h.1nllos (o linho de Bet She'an já era bem conhecido no Império

do início do século XI, os bizantinos exportavam seda para o Egito. 20 Em: l!ii.11111) l', no local de um salão do século VI, um dos complexos de Lojas
é um ponto para o qual devemos retornar. 21 [ i 1,h.1111. Esses padrões se repetem, com maior ou menor detalhe, em
Em geral, a SíriaZ2 não experimentou a crise do Império Bizanti- ilf,1 ' O cidades; as produções de vidro, cinturas (para uso têxtil), ferro
no do século VII. Após 661, ela tornou-se o centro político do califado 11,1, ,.,o rodas atestadas em escavações arqueológicas recentes. Em al-
omíada, e aquele período assistiu à importante construção de monumentm 11111 , l idades, também vêm sendo encontradas grandes casas de elite;
na capital, Damasco, assim como no centro i:eligioso regional,Jerusalém. 1fo, , 1 claro que o período árabe conheceu suas próprias construções
Damasco nunca foi uma cidade enorme, o que em parte reflete os probh:- '1illil11111l:ntais, como as mesquitas e os palácios dos governadores.
mas de abastecimento de água, mas é uma resposta parcial, na medida em hsecenário claramente diferia daquele que encontramos na região
que os om.íadas também tinham dificuldades em arrecadar impostos nas 111 d do Império Bizantino, embora as fontes - quase todas arqueológi-
províncias do califado. No entanto, devem ter chegado à Síria tributos su- ,q,11n as mesmas. D e fato, para a Síria e a Palestina, as fontes escritas
ficientes para assegurar a riqueza dos próprios califas, e seus palácios urba- i ,1, muito pouca utilidade nessas questões, embora as crónicas siríacas,
nos e rurais ainda sobrevivem nas paisagens síria e palestina. De qualquer I~• ",1, .1 Edessa, também pintem uma brilhante imagem da atividade
forma, a conquista árabe foi suficientemente rápida a ponto de a Síria não ,;111111 ,.ti daquela cidade e da riqueza das suas elices cristãs: Achanasios
sofrer prejuízos em suas infraescruru ras básicas. A maioria das numerosas t,,., 1 ,umoye,15 um importante proprietário de terras e funcionário fiscal
escavações urbanas e rurais, canto na Síria quanto na Palestina, demonstra ,11 ·\l 1tl .11-Malik, no Egito, por volca de 700, supostamente era o dono de
concinuidades que se estendem pelo menos até 750, particularmente nas \!111 I, ,,,,, e 9 hospedarias em Edessa. Entretanto, duas mudanças matizam
áreas do interior. Na cidade de Madaba23 e seus arredores, por exemplo, 1111.,wm de uma contínua prosperidade rural e elitista. A primeira é que a
no que é agora o norte da Jordânia, fundaram-se igrejas cristãs, no final ,111 , d,1 Síria e da Palestina, importante área de exportação de azeite e de
do século VIII, com pisos de mosaicos cuja decoração é impressionante, o lnh,, durante o Império Romano, vivenciou uma estagnação no período
que revela a existência de patronos ricos e de artesãos habilidosos na cida- 1!1111 ,d.1: enfraquecimento das principais cidades costeiras, como Antio-
de, nos mosteiros rurais e nas aldeias da região. 11111.1, .- .1bandono de cerras menos remáveis. A Síria omíada não mantinha
A estrutura das cidades sofreu grande mudança. Os centros mo- 11!11, 1d ação muito próxima com o Mediterrâneo; ela dificilmente conse-
numentais dos tempos romanos tenderam a cair em desuso, pois os árabes 11111111lnter qualquer comato económico com o Egito, embora alguns pro-

486 487
- - ,,.,-•~!'{•...-.. u~nnnIWT In-.In1nanuffilt·-u1-.·a ~11• r.:1110 <11•00 _ _ _ _ _ __ _
w ( J M1~11,1e n1.•(·(H10 ln1• ~ KC"(lCY Or.-1n...., -fln mn1t1t'n"lfnÇ90,., ••- ... ... I ... ... .. . ......... - - - - - - - - ~

duros egípcios ainda se fizessem presentes no mais importante cnrrcpu,111 1n, lc,m·mo mercantil na ativ1d.1dc cl.t dite. Arhan.isim bar Gumoye,
costeiro sobrevivente, Cesareia, no que é agora Israel. Mas, na vercfadc 1,fo 1,,d.1, ,1\ ~uas lojas, foi, cm primeiro lugar e principalmente, um
esca é a segunda mudança -, a Síria e a Palestina já não eram uma úrn1.1 i!tlfr l''"I'' IH.lrío de cerra; de futo, é provável que a maioria dos parrfcios
unidade econôrnica. Os produtos que os arqueólogos conseguem ramc.1r li-li 1ni ,w,,l período (que eram, de qualquer forma, ainda cristãos em sua
mais fucilmente - de novo, cerâmica, em sua maioria - continuam ,1 H·r 1rl,1) 111"' l'Olnposca, acima de tudo, por proprietários de cerras que, no
qualidade muito alta durante o período omíada, e revelam indústria~ <1111· ltth·,, 11, .1v,1m o capital da cerra para entrar no comércio, se desejassem.
produziam em larga escala e em muitos níveis voltadas para as elites e as n.in 11 l.l111l,,·111 ocorreria mais tarde, no Iraque abássida, onde tais elites nor-
elites, igualmente; porém, cais produções eram muito mais localizadas do il,tir111r w n..tm muçulmanas, e no Irá pós-abássida, para o qual as bio-
que no período romano. A cerâmica de Gerasa raramente alcançou a cmt.1 1ti., il,, 11/,111111 mostram a terra como uma atividade mercantil e como
do Mediterrâneo, Acaba, no mar Vermelho ou o norte da Síria, por excm ,1., 11q11eza da elite. Mesmo as elites mercantis judias de Fustat, no
pio; mesmo Jerusalém, que ficava a apenas 100 quilômetros de distânw, 11!1,1 11111 podem bem ter ganhado sua riqueza inicial inteiramente no se-
tinha em boa medida sua própria tradição cerâmica (também de notável 01111 ,, 1.il. adquiriram terra ou concessões para imposcos agrícolas com
qualidade). O que significa que a economia sírio-palestina continuou sendo 11 h1l 1, "· pois a terra permaneceu esmagadoramente a principal fonte de
próspera e complexa durante o governo omíada, mas encontrava-se muito .L l l rnmércio foi e permaneceu apenas como um subsidiário da ri-
mais fragmentada internamente e separada de seus vizinhos. Na verdade·, or•
J 1.ob. mesmo ao redor de grandes cidades da segunda metade de
ela foi ainda mais fragmentada internamente do que o fora na época d.1 , p, , iodo. e ainda mais na Síria omíada.
crise do Império Bizantino, como se pode concluir pela arual acqueolog1.1. l) .100 de 7 50 marca uma mudança na economia da Síria e da Pa-
Essa fragmentação econômica destaca ainda mais a dificuldade qur ,if 11 ,1,' () ~-oncrole abássida marginalizou a região politicamente, e, com
os omíadas enfrentavam para centralizar o sistema fiscal do estado, inclu- 1111 ,1111 .1~ão fiscal do califado, desde a década de 780, os impostos sírios
sive em seu próprio núcleo político, embora eles fossem certamente mai\ ii, 111 1111m:mente direcionados para o Iraque. As cidades que continuaram
bem-sucedidos ali do que em qualquer outro lugar. Mas a complexidade de pci 1,. nos séculos IX e X, reduziram-se a poucos exemplares; Ramla,
quase todos os diferentes setores da Síria e da Palestina também demonscr,1 , i,11,1 .l] crusalém, Tiberíades, no mar da Galileia, Cesareia, Ácaba,
a crescente força da demanda local, bem como a crescente riqueza das el itc\ lq1•,, 1>.unasco, entrepostos ou centros governamentais locais. O terre-
urbanas, isto é, de sua aristocracia proprietária de terras. Diz-se frequente- 1111 ,l,,\',l\tador que atingiu a área da Galileia em 749 deixou as cidades
mente que os árabes, mais do que os romanos, valorizavam os comerciantes, 11111111,1\, e como elas não cosrumavam ser reconstruídas com frequência,
o que é verdade; Mu ham mad havia sido um comerciante, e nunca houve no 1""11'111, ,l\,1m, ser escavadas pela arqueologia; Bec She'an oferece uma visão
mundo islâmico qualquer escigma associado à riqueza "vinda do comércio", l'H 11o II l.1rmente impressionante, com colunas brancas de calcário (inclu-
ao contrário do que ocorria no Ocidente, ou mesmo em Bizãncio. Também ~'111rbs das lojas de Hisham) que mesmo hoje são visíveis através das
se fala que essa mudança ideológica já é visível nas formas que a cidade foi 1u,11l.1, de basalto negro. A Síria seria, desde então, governada principal-
assumindo, com mais atividade artesanal e comercial em funcionamento 111, pur outros lugares, Bagdá, Cairo ou Constantinopla (no norte, no
nos amigos centros públicos; contudo, isso parece menos provável. 26 Essas 1!11,11 ,111 ,éculo X ); apenas Alepo foi independente em alguns momentos,
mudanças são mais bem explicadas como o resultado normal de mudanças 1 1111.il <lo nosso período. Essa realidade somada às guerras travadas no
no enfoque de edifícios monumemais, passando das ruas com colunatas e 1.111 \'. minou a prosperidade da cidade. No entanto, de forma alguma
dos teatros etc., para as mesquitas (ver acima, capítulo 11); se uma cidade 1~1 1111 ,·ntou uma crise econômica mesmo então, e a centralização abássida
permanece economicamente ativa, os edifícios inutilizados são assumidos ,,.., '" <Onsigo um alargan1enco dos horizontes econômicos, deixando mais
para fins privados, e esse foi o caso aqui. Mas também devemos não exa- ,,, 1, 11, ,as de trocas com o Iraque: novos artigos de vidro policromado cs-

488 489
~••-r-~oom" ~,,m:i. 11um111ti11hh1 ., hh11-lr ,h,"1,~,--,•~ ·fl•n · 1t,c>1í W n-r..-.h1du n fC'flll(tm 111,.. ,o;;1S"\I~•...--••·•- - - • ---..--- - - - - -

palharam-se do Iraque para a Síria/ Palestina, a parrir de 800, o comcço tk r,h, 1.d público que havia compr.,du l c ri ,, 1r;1quiana com o lucro tributário
2
um novo gosto internacional por cerâmica fina que dominaria, por volta dl· li" , , t 11 l'm sc.:u desenvolvimento com vist:is ao mercado urbano. Samarra, ~
9
tl íl , , t rcinidade norte do canal de Naravan/ foi inserida nesse mercado
1100, todo o Mediterrâneo, em regiões muçulmanas e cristãs igualmentc. 3
É por essa razão que os entrepostos prosperaram sob os abássidas; rede, .,,,111,1, ,111 meados do século IX. Os contratos de parceria rura1 º discuti-
inter-regionais estavam começando a se desenvolver novamente, a oeste, 1I, ,, " ·" fontes jurídicas da Bagdá abássida, que presumivelmente reAerem
com o Egito (via Cesareia), a sul, descendo pelo mar Vermelho (via Aca 1,1, lhm o Iraque em que viviam os legistas, demonstram o investimento
1, 11l11u 1.11: presume-se também que o estado investiu na rede de irrigação
ba), a leste, com o Iraque (viaAlepo). Essa rede continuaria mesmo após o
~ 1, .,,·o ,obrecudo do trabalho assalariado; os legistas falam pouca coisa
colapso do califado abássida, como veremos daqui a pouco.
,1 ,111 ~ u, tanjes. Os trabalhadores assalariados eram igualmente utilizados
Os abássidas, é claro, investiram no Iraque. O Iraque tinha sido
um importante centro político e económico durante milênios; o Tigre e 11,1 .,~, ,cultura, o que mostra que alguns proprietários de cerras estavam
o Eufrates criaram uma bacia fértil e irrigável equiparada apenas ao Nilo t 11h l\'ando as propriedades diretamente, um claro sinal de uma abordagem

em relação ao volume de sua riqueza agrícola. Os sassânidas foram apenas "' 11·11L,1Ja para o mercado. Disso resulcou a expansão do cultivo iraqu.iano
os mais recentes governantes a desenvolver a sua irrigação, com o grande ti, 111 oi, que foi um fenómeno do século [X.
canal de Naravan, provavelmente construído no século VI, que trouxe água Os ingressos fiscais atingiam apenas as capitais, porém a enorme
do Tigre para uma rede de canais menores ao norte e ao leste da capital. ,l1111l· n\ão que alcançaram, por si só, esámulou a agricultura e a economia
Ctesifonte, situada logo ao sul do que se tornaria Bagdá. Uma pesquisa de , 1111\lTCial do Iraque como um rodo. Bagdá (e em menor grau outras cida-
campo inicial e influeme, feita na década de 1950 na área de Naravan, por ,ln iraquianas) também foi um centro artesanal que, durante um século,
11.111 rnnheceu paralelos em qualquer lugar do mundo. Seda, algodão, vidro,
Robert Adams, de fato, viu o período sassânida como o auge económico
do Iraque; o califado anterior ao século X, por mais próspero que renha 1 ,1pd eram codos fabricados na cidade (as fábricas de papel de Bagdá foram
1

sido, não chegou a se igualar aos níveis do período sassânida após a crise 11111dadas em 795, e usavam tecnologia trazida de Samarkand e, antes disso,
política dos anos de 620-630, quando os diques do canal deixaram de ser ,l.1c:hina). Bagdá era uma referência para o comércio interno do Iraque, e
conservados. A datação dos sírios no trabalho de Adams - e assim suas 1.1mbém um entreposto para o comércio inter-regional entre as províncias
suposições sobre o número de assentamentos que realmente foram ocupa- ,lo ~.1lifado que, nesse momento, transportava cerâmica ou tecidos atra-
dos em cada período - foi, contudo, mais influenciada por leituras muito '·n de todo o território entre o lraque e o Egito. De fato, esse comércio foi
literais de fontes narrat.ivas do que uma pesquisa de campo seria hoje (se 111.m além; as escavações do porto iran.iano de Bandar Siraf,3' realizadas
11,1\ décadas de 1960-1970 (que não foram ainda inteiramente publicadas),
é que seria possível fazer alguma pesquisa de campo no Iraque de 2007).
Numa dessas pesquisas atua.is, a teua ao norte de Raqqa, na moderna Síria 111mtram que o califado se abrira para o comércio com o Oceano Índico e
Oriental, uma capital abássida de curta duração no Eufrates, mostrou cla- ., ( 'hina, em larga escala, por volta do final do século VIII. Para a maioria
ramente que o auge de assentamentos se deu durante o período abássida. ,k nós, As sete viagens de Simbad, em As mil e uma noites, simbolizam esse
De qualquer modo, os omíadas, e ainda mais os abássidas, empenharam- 11ovo comércio; porém, essa narrativa pode ser comparada à notável coleção
-se em construir canais e eram sequiosos por terras - e os abássidas foram ,k histórias, algumas plausíveis, outras improváveis (algumas delas narra-
particularmente ativos ao sul do Iraque, como vimos no capítulo 13; eles 1l.1\ em primeira pessoa), criadas pelo capitão de barco iraquiano Buzurg
importaram grupos de escravos africanos do Zanje em larga escala para 1hn Shahriyar, na década de 950; ele discute as maravilhas, os costumes
construir diques e dessalinizar a terra nas áreas pantanosas do Sul. Quan- n tranhos, as tempestades e os animais fantásticos que foi encontrando
do os abássidas começaram a construir a enorme metrópole de Bagdá, em .1té chegar ao sul do Mar da China. O comércio estabelecido nesse ponto
762, tornou-se necessário um abastecimento sistemático; interessava a todo ,óntinuou pelo resto da Idade Média.

490 491
() lcM•"'º ur 1111111,1 1111111111.1111.lo ., lu,,ur d,I\ ltnº,I\, 4 UU • 1111/U t l l·,1,,tlu ~ M cc;.pm111lh1 RC'th:~ dr lw(.l,. no Mc\lilt·11 ,\1w,, Orll'nl,il1ttf)O •1000

A riqueza de Bagdá, como a do Iraque, sofreu um:i queda no ,~ .l:1,h , ,lo período árabe, pouco desenvolvida, mostra uma densa habitação
culo X. A região perdeu, por essa época, seu predomínio político e fiscal. pi 1, .111.1, 1:m edifícios de aparcamentos, que vai do século Vll ao X: em
A incerrupção do canal de Naravan, em 937, por razões militares de curto A1, , mJri::1, Fustac, próxima de Saqqara, e Akhmlm, no Médio Egito.
prazo, foi logo revertida, porém isso abriu um precedente ruim; a cidadr A :igriculcura egípcia era mantida por meio de uma hierarquia de
e os canais foram remodelados diversas vezes (com especial interesse por 111.1111k, .1ldeias, cujos chefes também cuidavam da arrecadação fiscal, su-
Buyid '.Adud al-Dawla, em 981-983), porém a prosperidade do Iraque náo !i, ,, ,li 11,1Jos, nesta questão, às capitais provinciais. Os regiscros de tributa-
volrou mais a alcançar aquela do século IX. Mesmo assim, cal crescimento \ ·•"· que são bons para o Egito árabe, mostram sua natureza siscematica,
tinha sido tão grande que Bagdá permaneceu como uma das principais ci h, ,,1 ui.1 do período romano,e não flexibilizada mais carde (como revdam
dades da Eurásia, maior do que qualquer cidade ocidental, e grande centro 11, 1nolr.1s motivadas por impostos nos séculos VIII e IX). Contudo, no
de distribuição comercial até pelo menos o século XII. l 'f'."" .1 propriedade de terras era fragmentada; sempre houve camponeses
Nenhuma dessas regiões se igualava à estabilidade do Egito. 12 p1; 'I '' ,~·t;i rios de cerras, e as elites que comandavam as aldeias costumavam
O Egito foi de longe a mais rica província do Império Romano, com a , ~:n .li mente, compostas de camponeses ricos. Documentos do período
economia mais complexa, e permaneceu assim no mundo pós-romano 111 ,~1nior à conquista muçulmana insinuam que grandes proprietários de
até o século XIV, situação que se manteve inalterada durante o período \ft 1.1n.1111 nocavelmence menos numerosos e menos ricos, no início do pe-
califa!; mesmo quando o Egito foi ulrrapassado pelo Iraque - apenas no ,1,.,I,, .lrabe, do que sob o Império Romano tardio, e isso não mudou acé
século abássida -, ele logo recuperou a sua primazia, por volca de 950. O 11111.tl Jo século IX. Depois de 850, aconteceram alteraçóes que levaram
Egito foi o motor do sistema de trocas do Medicerrãneo, entre os séculos 11111.:cncração de grandes propriedades novamente:)) uma quantidade
X e XIV, e não funcionava por fatores fiscais, como ocorria em Roma ou Ili 11111 J c cristãos se converteu ao islã, e com isso ganhou acesso à proteção

com os califas. A principal razão para isso decorria da relativa confiabi- ,lo, ,1,1<lo, que era, então, expresso, algumas vezes, em termos de subsídios
lidade nas cheias do rio Nilo, que permitia o contínuo culcivo de cerras OH .11 rcndamentos de propriedades estatais; além disso, mais árabes co-

agrícolas e a rentável produção de trigo que alcançava a proporção apro- 111, \.,r.1m a adquirir cerra (por muito tempo, os imigrantes árabes tinham

ximada de dez para um (crês ou quatro para um, nos períodos de pousio, 1,, 11111 cm Fustat e viviam dos salários do estado, como vimos no capítulo
o melhor índice para uma agricultura de sequeiro na Idade Média). O 11. 1·, por volta de 800, a administração financeira começou a terceirizar
sistema de canais egípcio foi quase sempre mantido sem interrupções; 111 ,1111:icos de coletar os impostos locais, direitos que poderiam ser conver-

contribuiu para isso o fato de, em geral, o país ser governado por uma 1hlrn, ,ob cercas circunstâncias, em efetivo domínio fundiário sobre áreas
única autoridade política, o que realmente ocorreu durante todo o nos- i11m .unplas. No Egico, em comparação com o resto do mundo islâmico,

so período e depois. Os grandes rendimentos da cerra agrícola egípcia, j, ,1 111<:nos frequente que a arrecadação de impostos agrícolas se conver-
não apenas em trigo, mas também em vinho e linho, permitiram que o t•_, ,r r m propriedade plena, pois o estado nunca afrouxou suas garras nos
trabalho campesino alimentasse toda uma hierarquia de pessoas que não 111< , ,til ismos de tributação, em todo o caso, mas a arrecadação certamente

culrivavam, o que incluía os proprietários de cerra, os funcionários fiscais 11'11luu no estabelecimento de controle local. Pela primeira vez em muitos
e os soldados, é claro, mas também complexas redes de artesãos, lojistas e , 11los, no Egico, do final do século IX, uma propriedade (4,ay'a) paderia
comerciantes. É razoável defender que, ao final do Império Romano, u m 11l11.1ngcr uma aldeia inteira (de fato, por volta do século XI, 4,aya poderia
terço da população do Egito vivia nas cidades, um valor que é inigualável 1111plcsmence significar "aldeia").34 lsso não acontecia em todos os lugares,
nos mundos antigo ou alto-medieval, e não há muita razão para pensar , , propriedade fragmentada continuou a existir até depois de 1000, no
que ele diminuiu mais tarde; caso tenha ocorrido, essa queda já havia 11•1111, como ocorreu com o pagamento direto de impostos, porém vê-se
sido revertida por volta do ano 1000. Sem dúvida, a arqueologia das ci- l 111 .unente que isso veio a mudar no final do nosso período.
l) ll't;,tdo ,fr J(mn.1 llun111Mr1dc, ,, hlJtk ,111, l11·v,1,, ioo, u,,m
o 1_
-.tluto c.1 lt ~uHUlllllil Rt'dt·, dr lt1h·;1, lhl t\.kdilc.·t! illh.·o Or1t:11h1I. "'ºº IOOO
O debilitamento da aristocracia terrateneme seguido por uma , ,. ,.,11,11, bem conhecidas, como Tinnis e Qus, para o linho. e AI Bahna-
nova retomada, como vimos, cem paralelos em outros lugares (por cxem , 1 1,11rinco), no Médio Egito, para a lã. Aqui houve diferenças de status,
pio, em Bizâncio); entretanto, causou menos efeitos sobre o resto da eco ,.,, ,,, ,, preferência e conveniência, como ocorre cm todos os sistemas de co-
nomia egípcia do que em outras regiões, precisamente porque o sistem,1 111• 11111 elaborados. E o sistema egípcio, em todo o período de 650 a 1000,
fiscal continuou forte e, de maneira independente, trouxe riqueza para a~ l/11, h longe o mais elaborado em comparação com qualquer outra parte da
cidades - acima de tudo para Fustat. Isso serviu de base para uma ativa l 11111p.1 e do Mediterrâneo. A contínua demanda urbana demonstra isso.
rede de trocas que, através do nosso período, unificou o Egito em um úni- 1\ ri, 111,u1da também foi, é claro, por comida, e cercamente também por
co conjunto econômico. O Nilo ajudou nesse esquema, pois era uma rota hi11· ,11 tc~anais mais diversificados do que tecido e cerâmica; não podemos
fácil e barata usada por quase toda a população da região. Como resulta- ,li.,, 1 111uita coisa sob,e isso, no pedodo ent,e o século VI e o final do X,
do, podemos identificar produções artesanais disponíveis de norte a sul. p• 11, 11msos documentos tratam de outros assuntos, mas, dado o resto, não
A cerâmica fina de Aswan [Assuã), no extremo sul, pode ser encontrada h11.11.10 para duvidar que assim fosse. Um desses bens ainda era o papiro,
até no Mediterrâneo, a mil quilômetros de distância, através da Alta Idade u111.1 produção industrial concentrada no Delca do Nilo, que foi suplanta-
Média, uma realização única em escala e continuidade em nosso período. 11 • 1•1 lo papel, um derivado do linho, apenas no final do século IX eno X.
Os fornos deAssuã continuaram a produzir artigos de argila vermelha em Assim os documentos dageniza, a partir do final do século X, ilu-
estilo romano até o final de nosso período (e mais adiante), séculos depois 111i11.1111 um mundo que se manteve economicamente complexo por séculos,
de as preferências mudarem em outros lugares, porém cada vez era mais 1• 11 .1 11.io dizer milênios. Mas também houve mudanças ao final do nosso
frequente que se mesclassem com outros tipos de cerâmica, como os vasos I", lodo. Já no final do século IX, podemos ver sinais de um investimento
de argila branca pintados, e, após 800, com verniz policromado, seguin- i 111 l.11ga escala na produção artesanal que parece ser novo. O governador

do a moda iraquiana. E, embora a arqueologia não possa rastrear, pode- \ l111ud ibn T ulun (868-884), que governou o Egito mais ou menos au-
mos apostar que o mesmo aconteceu com o tecido; a produção de linho ", 11 ,, unamente, investiu particularmente em linho, segundo narrativas do
e lã sempre foi grande no Egito desde os tempos romanos, e nunca houve 1111, 111 do século X, no que foi seguido por investidores menores. A indústria
um período em que os documentos não registrassem sua existência. Um ,1, lI n ho de Tinnis, em grande parte regida pelo estado, aparece como um
depósito de papiros do final do século IX, encontrado em Faium35 (uma 1111pnrcante centro têxtil nessas narrativas e também nas cartas de Faium.36
grande bacia agrícola a oeste do Nilo, a 150 quilômetros ao sul de Fustat), 1 , liflcil rastreá-la com alguma segurança antes de 850, mas lbn Tulun me-
revela um grupo de mercadores de tecidos, que falavam árabe, entretidos lh,uuu sua infraestrutura com dinheiro públjco e preservaram-se tecidos
com os oficiais da produção, comprando e vendendo através do Nilo, acima ,1, J'in nis que podem ser datados da década de 880. Esses são itens de: luxo,
e abaixo, desde Qus, ao sul, até Alexandria, no extremo norte. A principal .1\ í.1bricas do estado fo,am substancialmente dedicadas à produção de
personagem desse conjunto de papiros, Abu Hurayra, morou em Madinac 1, , idos para a corte; mas as cidades do Delta produtoras de linho vendiam
al-Fayyum (Faium), a mais importante cidade da bacia, entre as décadas de 1~.11.tl mente no mercado livre e, por volta do século X, também exportavam
860 e 870, embora outros estivessem assentados em Fustac, que era clara- 11, ido para o Mediterrâneo (Tinnis fica em uma ilha que comporta um
mente um importante entreposto em todo o processo de trocas. I'"' ro) e para o Iraque. A palavra "exporcar"37 é a principal novidade aqui.
Essas grandes redes de negócios não eram tudo o que o Egito tinha. 11, ,<le as conquistas árabes, a produção e o consumo egípcios foram, em
Podemos observar uma hierarquia no comércio de cerâmicas, com as pro- 11.1 maioria, internos. Mesmo com a centralização fiscal abássida, é difícil
duções locais (baseadas nas argilas locais) encaixando-se na hegemonia de , 11,·onrrar muitas referências à exportação e à importação em nossos regis-
Assuã, e a produção de tecido sendo certamente associada a vários centros ' '' "· A demanda interna da região foi, evidentemente, estável o suficiente
locais também (baseada no linho e nos ovinos locais), assim como cidades ,,.1r.1 tornar o comércio inter-regional menos necessário, exceto o comér-
O ]tg,,Ju ,h.· H.u11111 , llumtno1mlu .a h.lJ,it• ,I,;;, lfl'\,n, .100 1u,,u f1-, :~;fi,tor'.-'t.•(,,n11IIIM ' J{ftJ6(11-• ~ -f"'n1tf"l'Tl.ll, ..-v-.--••-•• - - • • -- - - - _ _ _ __

cio de luxo, que sempre existiu. Mas, para o século X, aumentam a~ noç\,t\ iO p~1<•H· ha~camc sólido, ma, o ncgúc10 de lbn Awbl era, na realidade,
evidências quanto a isso, e, já pelo final desse século, Alexandria e oucr(H '111 111.11, delicado. As cartas dageniz,1 são cheias de dc~crições das difi-
portos escavam repletos de barcos, transferindo bens do Egito para Pab uld ~, Ir\ que os agentes tinham cm vender exatamente no momento cerco
tina, Tunísia e Sicília; a partir desses últimos dois destinos, ourros barco, p;,r,, on,cgui r um lucro decente; e Ibn Awkal, como qualquer outro co-
zarpavam rumo a al-Andalus. O Egito exportava não apenas tecido feiro 111c1,1.1ntc.:, tinha que fazer negócios informais com amigos, clientes e até
de linho, mas também linho, para ser feiro na Tunísia e na Sicília; açúcar, ilif\11111 rivais, que escavam na área, confiando que eles agiriam em prol de
outro produto industrial, também era uma especialidade egípcia. Mas a 11~ 1111crcsses. lsso nem sempre funcionava. Conserva-se uma indignada
variedade de bens que. no final de nosso período, o Egito exportava e im- 1 ~••·'de Samhun ibn Da'ud ibn al-Siqilli ("lilho do siciliano"), de cerca do
portava era, de fato, imensa. A conquista fadmida, em 969, colocou sob 11,, IIHlO, pela qual esse provável ex-amigo, ou ex-cliente, reclama, entre
um só governo o Egito, a Tunísia e a Sicília, a.inda que por um momento, !Hi', .,, ,oisas. de que foi prejudicado por lbn Awkal; de que teve de dispor
e isso também facilitou o processo; porém o Egito era o principal motor 11.!. pc:rolas de lbn Awkal sem obter qualquer lucro; pior de tudo, de que
desse comércio graças à contínua força de seu mercado interno, como os ,1, 11;10 pagou seus (de Samhun) credores, apesar das promessas e de rudo
fucímidas reconheceram e promoveram. í,, p" de escava fazendo por lbn Awkal, mesmo que sua reputação estivesse
Joseph (Yusul, ou em hebraico, Yosef) ibn Ya'qub ibn Awkal (ft. 111 11,l:0; e, acima de tudo, o remetente reclama que Ibn Awkal expressou
e. 970-1040)'8 é o primeiro mercador verdadeiramente de larga escala que 11 í, 11,1\ sem nenhuma razão e agiu com prepotência durante a negociação.
aparece nos documentos dageniza. Sua família pode ter vindo inicialmente N,, verdade, não há razão para pensar que o comerciante de Fustat fosse
do lrã, mas se assentaram em Fustat, no tempo de seu pai; ele passou sua 1i111 personagem particularmente simpático. Mas a maioria das cartas en-
vida em Fustat e na nova capital fatímida, Cairo, que fica a seu lado. Ele e \ ' WI.I\ a ele eram akamcnte corteses, e explicavam como o
remetente tinha
seus filhos dirigiam um negócio de importação-exportação, empregando ,.,,,tcgido seus interesses, frequentemente em siruaçõcs adversas (guerra,
vários secretários em sua sede, e outros agentes tanto no Egito quanto no d.1110, causados por água, preços baixos), porém normalme nte com sucesso.
exterior, acima de tudo na Tunísia e na Sicília. Eles exportavam linho do Ibn Awkal não comerciava com o Iraque ou com Bizâncio, e, mes-
Egito, que compravam em cidades pequenas no interior de A I Bahnasa "'" com a Síria/Palestina, ele o fazia muito pouco; todavia, por outros
(Oxirrinco) e em Faium, e transportavam-no através do Nilo, de Fustat pn.tos, Ibn Awkal representava coda uma rede de mercadores de Fustat
para Alexandria (assim contornando as fábricas de linho do outro lado do (1111rmalmente menores), sobretudo pela diversificação de suas atividades.
Delta), e dali o linho seguia para o Ocidente. Também exportavam coran- l'nde-se acrescentar que ele também foi um pilar na comunidade judaica
res, granza (produzida no Egiro), índigo e pau·brasil (ambos importados), ,I,· Fustat, e um representante local das yeshivas (academias religiosas) de
pimenta e especiarias importadas e açúcar produzido no Egito, e artigos lllgdá e Jerusalém; se tivesse sido muçulmano, reria sido um dos membros
de luxo ma.is dispendiosos, em particular ~rolas; ao todo eram 83 produ- 1•r incipais da uiamã. Ele ocupava um lugar central na sociedade e não ape•
tos diferences. As importações vinham, em grande parte, do comércio no 11.1\ na economia. O único aspecto que pode induzir a engano nesse dossiê
Oceano Índico; Fustat-Cairo estava se tornando o principal ponto comer- , k lbn Awkal é a preferência pelo comércio exterior. A maioria do comércio
cial entre o Oceano f ndico e o Mediterrâneo, e assim permaneceu duran- , i,;lpcio permaneceu interno ao país. Por mais ativa que a rede mediterrânea
te séculos, embora esse ripo de comércio não fosse a especialidade de Ibn 111\SC, ou qualquer outra rede de comércio externa, foi o tráfico no Nilo,
Awkal. Graças aos colaboradores no Mediterrâneo, a empresa comprava, 1ncrc as principais cidades e povoados, que dominou as trocas egípcias, em
em troca, ouro (o norte da África era o pomo de concaro para o comércio 1000 tanto quanto em 700. O mundo das cartas dageniza produz, em seus
de ouro do Saara), cobre, chumbo, azeite (ainda um importante produto ll·tcores, cal efeito de vida real que pode fazer com que nos esqueçamos des-
da Tunísia), sabão (derivado do azeite), cera, peles de animais e seda. Tudo ,c feiro econômico essencial; ainda assim, era importante, e seguiu sendo.

497
't • lt•wulu dr ltu111,r llum111,11u.lu .1 11l;iJ~ l.~ ,•J\, 1011 1,Hm W' O'f,1,,ç1n t· tt rt·o11ilf'ílffl,....-t(rnl"'f"llt--i-ro~ 111~,..-..-u u ,-.-n., ,~, _..,-.....-....y - - -~ - - - - - - -

A história económica de cada uma dessas regiões foi distinta, cnm 1(1• \ 111b1m na extensão do Mediterrâneo <lo que havi:1 ocorrido durante
os séculos VII e X, mas ainda assim havia elementos estruturais em co• 01.11 ,k um milênio. No encanto, em pequena escala, sempre houve uma

mum entre toda.~. A contínua forçado estado, ramo em Bizâncio quanto 1111, ,k harcos indo de porto a porto. O Egeu, como vimos, manteve uma
, , 1.1 ,dcntidadc fechada, atuando como um dos núcleos de comércio bi-
no Egito, compensou, como o motor de intercâmbio, o temporário 1:n•
;,, 1111 no. O mesmo vale para o Mar Tirreno, no triângulo entre Roma, Ca·
fraquecimenco da riqueza da aristocracia local, embora essa compensação
tenha sido menos acentuada em Bizâncio, uma vez que esse estado tinha i.\1111.1 l' Sicília, fortificado pela contínua força da cidade de Roma enquan-
suas próprias dificuldades nos séculos VII e VIII. Na Síria, a aristocracia ., 1111· r1.:ado, co11focme vimos no capítulo 9. Michael McCormick. como
1 m,h~in vimos no capítulo 9, identificou a rota de Roma-Constantinopla
permaneceu próspera até 750, porém o estado omíada teve menos sucesso
,. , 11110 .1 mais importante roca marítima ainda em funcionamento no sé-
ao integrá-la em um único mercado regional, como fizeram os governan-
tes om{adas no Egito; após 750, o contrário aconteceu, os focos locais de , 1110 Vl 11.40 Não é por acaso que essa é a rota que ligava essas duas redes
prosperidade decaíram, enquanto uma fiscalização integrada do comér- 111,11 '1 11t 1as mais localizadas; cal quadro reforçava-se pelo fato de a Sicília

cio regional se desenvolveu. Finalmente, no Iraque, tanto as aristocracias 11111<!.1 \ér uma província bizantina naquele século, e provavelmente uma

quanto o estado aumentaram bastante a sua força, no final do século VIII. 11, 111,tis ricas. Também devemos reconhecer que o comércio de artigos
e fizeram da região um imporcance centro agrário, arcesanal e comercial 111 h1 xo sempre existiu no Mediterrâneo, assim como no Oceano Índico,
por um século e meio, mas depois a região voltou a cair. A essa galeria de 1, 111do seda e especiarias para a Itália e a Francia em troca de madeira e
exemplos, podemos acrescentar também al-Andalus, no Extremo Oci- , ,, 1.1vos. Mas, corno também já vimos, artigos de luxo são itens marginais
dente, em que as aristocracias locais, com diferences níveis de riqueza, I' 11 .1 .1 economia em seu conjunto. No século VIII, fora das áreas restritas,
espalhavam-se por todos os lados, no entanto, o estado tornou-se nota- , 111,11or parte das trocas em alimentos e bens artesanais tinha cessado,
,111 \ lllll nas províncias governadas pelos árabes, ao sul do Mediterrâneo,
velmente mais force no século X (cf capítulo 14), e permitiu a integração
da economia de t0da a península e a criação de algumas especializações •1111' ,cmpre foram, em nosso período, as mais ricas. Os mares devem ter
para exportação - seda, açafrão e kermes39 (qirmiz, tintura carmesim). h• .ulo relativamente silenciosos.
Coisas semelhances verificaram-se na região central tunisiana de I friqiya Essa situação lemamente se reverteu no século IX. A ascensão de
(Ifríquia), embora possamos identificar lá um estado efetivo já no século \ , 110 .a e da rota do Adriácico, aproximadamente após 750, é um pequeno

IX. Em muitos lugares (exceto talvez na Síria), esse século conheceu mais 111.d disso: pequeno, porque Veneza se concentrava no comércio de luxo,

intercâmbio interno do que o século VIU; nas demais regiões (exceto no 1111 11,ionado anteriormente, o que não impediu que ele fizesse a riqueza ve-
Iraque), o século X foi mais próspero do que o IX. "' 11.rna aumentar rapidamente, como aconteceu no sfrulo IX (ver abaixo,
Essas tendências, esboçadas em linhas gerais, ocorreram nas eco- ·•l'Íl u lo 21); Veneza41 comercializava com Bizâncio e também com Alexan-
nomias internas dessas regiões, mas tiveram um efeito no comércio inter- ,li 1.1, de onde roubou o corpo de São Marcos, daí em d iante o santo patrono
-regional também, especialmente no Mediterrâneo. A primeira grande ,11 , idade, na década de 820. A conquista da Sicília pela Tunísia, no sécu-
rede de trocas do Mediterrâneo foi a do Império Romano. Conforme o 111 1X, permitiu maior movimento, pois a Sicília era muito mais próxima
Império fragmentou-se, o comércio mediterrâneo diminuiu; tudo recome- ,h I únis do que de Constantinopla, e havia muito mais comércio entre
1 . duas regiões a partir de então; vimos que elas operavam como um par
çou de modo lento, no Ocidente, a partir de 450, alcançando níveis baixos
11 .1\ , uas relações com o Egito, dois séculos mais rareie, e esse pareamento
por volta de 600, e extinguindo-se em 700 aproximadamente, corno vimos 42
em detalhes no capítulo 9; no Oriente isso ocorreu, com mais rapidez, no , , 1111cçou aqui, o mais cardar. Porcos do sul da Itália, como Amalfi e Ná-
século VII, no contexto das grandes guerras de 610-640, e a posterior, 1'"les, beneficiaram-se das conexões árabes, que eram agora mais próximas
tanto em Bizâncio quanto no califado. No século VIII, houve menos in- li l.t~de fato ajudaram em alguns ataques árabes no continente italiano),

<lQll 499
O lr~11'1t1 tlr ·Ro1nJ ··T1uulln.111tfi,':i"'Td.;;J;-J,t, tn•v.,,. -41H·1- 1orn, li 1 '1,Hlo r ,1<,onomla , Kc.Jo ,k t 111,'" nn M«hlc11 ~nrn 011c1110I, MWI 10(10

e os amaHitanos também foram encontrados regularmente no Egito e no Í1111l,i,1 chegou tanto ao Egito quanto à Itália, por volta de 1000, as~im
Egeu um século depois. Dentro do mundo árabe, encontramos refcrênci,1, , 1111111,11:ontccia, em 400, apesar de os grãos nunca serem um dos maiores
mais casuais ao movimento ao longo da costa africana, usando a Tunlsi,1 e 11, '" de troca internacional; isso dependeu mais das necessidades fiscais
a Sicília como pontos intermédios no trajeto entre o Egito e a Hispânia; ,l ,111 l1 11pério Romano do que de qualquer comércio natural, uma vez que
centralização abássida. mesmo se baseada no Iraque, ajudou a tornar mai\ , 1.1111 produzidos em todo lugar. Provavelmente por trás do comércio de::
próximos o Egito e a Síria, uma relação que teve futuro, pois os governan 1.,, 11c, também encontramos, como em 400, a cerâmica esmaltada tuni-
tes autônomos egípcios, após a década de 860, tendiam a controlar a Síria 111.1, 1" na ltilia, por volta do final do século X . E, sobretudo, a surpreen-
também. Todo esse movimento, sem dúvida, dependia em grande parte ,li 111" c~colha realizada por um setor de comerciantes egípcios, por volta
do comércio de artigos de luxo, porém havia mais do que isso, em padrões .11 1000 o mais tardar, de mandar linho cm espécie para ser transformado
ainda mais complexos; e nem sempre eram produtos de luxo, como de- , 111 tc1.:ido de linho na Tunísia e na Sicília, em vez de nas grandes cidades
monstram os barcos mercantes árabes que carregavam grande quantidade 1'11,ducoras de tecido egípcias, atesta um conjunto de relações comerciais
de azeite, capturado da Sicília por uma frota bizantina, na década de 880, , llll .,lcançara m larga escala e foram simbióticas, assim como complexas e
azeite que provavelmente provinha da Tunísia. 43 , ,1111pctitivas. O comércio a granel ainda não era dominante em todos os
No século X havia outros dois avanços. O primeiro refere-se ao h1p.11~·,; mesmo assim, é a partir de agora que podemos falar de verdadeiros
fato de que as áreas do Mediterrâneo que até então tinham sido excluídas ,, ,f,'111,ts de troca inter-regional/internacional, cm vez dos estreitos laços
desses sistemas de desenvolvimento, como o sul da França, foram igual- 1, 1'1<:1tlos em comércio de artigos de luxo de dois séculos ances. Por volta
mente englobadas neles; diversos destroços árabes da metade do século , 1,, ,t'cu lo X, deu-se inicio ao segundo maior ciclo mediterrâneo de trocas,
X foram encontrados perto da costa francesa, aparentemente vindos da •111, ,cguiria e m func ionamento até a Baixa Idade Média. No século XI,
Espanha, comendo ânforas (para azeite?), louça, cobre ou bronze e vidro. , , porcos italianos recentemente ativos, Gênova e Pisa, começaram, pela
Bizâncio inclusive, que era um protagonista menor no século IX, torna- 1, ,,,.,, a assumir as redes da parte ocidental do Mediterrâneo e a direcio-
-se mais visível no século X, vendendo sedas e madeira de qualidade no 11,1 l,1, para o norte; as Cruzadas tiveram resultados similares no Oriente;
mercado egípcio, e, posteriormente, queijo, uma das principais fontes de 111,1' o ciclo de trocas permaneceu, e até mesmo se expandiu, desde então.

protdna para os egípcios;44 no sul da cosra turca, a Antáüa se tornou um Assim , o século X viu o comércio mediterrâneo alcançar a com-
importante entreposto para o comércio com a Síria e a Palestina, e, no sul, i'!, \!Jade que as trocas no mar do Norte já conheciam nos séculos VIII
para Alexandria. O desenvolvimento do porto deAlmería em 95S,45 pelo , 1\ (cf. capítulo 9), e de faco a ulcrapassou. A riqueza agrícola do Egito
caüfa andaluz Abd al-Rahman III, foi destinado a concentrar e expandir , ,1 ,nmplexidadc produtiva se encontram no coração da questão. Mesmo
a contribuição espanhola para essa rede de trocas e, tanto quanto podemos ,11 u" .1s frotas italianas terem parcialmente assumido o papel de inrerme-
ver, foi o que ocorreu; Almería frequentemente aparece nos documentos tl 1.111,1s , inclusive para o mundo árabe, por volca de 1100, o Egito ainda
dageniza, a partir do ano 1000. Embora certas rotas (tais como a de Ale- 1 ,1 u centro desse comércio, assim como era o ponto nodal para bens de

xandria para T únis) fossem , sem dúvida, mais proeminentes do que outras, 111 ,o que vinham do Oceano Índico; 47 ele provavelmente foi o motor que
tem-se a impressão de que, pelo final do século X, seria possível navegar de 11111i;iu todo o ciclo d e trocas medieval. O que aconteceu no século X foi
quase qualquer lugar no M editerrâneo para aproximadamente qualquer 11111 .1s economias de outras regiões mediterrâneas começaram a ser, em
outro lugar - nem sempre de modo direto, mas sem muita dificuldade. 1l ►:11ns setores, tão complexas como aquelas do Egito, então as relações de
O segundo avanço, já indicado pelas referências das ânforas de 1u111 ua dependência econômica se tornaram mais seguras, menos arrisca-
azeite e de queijo, é que voltou a ser comum transportar mercadorias a ,l.1\, ~6lidas o suficiente para se manterem. Essa foi a base do comércio de
granel para abastecer um mercado relativamente extenso. O azeite da 111,·rcadorias a granel em cada período da história.

~nn
W l t ~,.t,l~'l"i",1 r, onu1ul,\ lCtd,·, 11nm-cnirnO""mroncr-.-mwv, • nn,nut mm-
·o lt'k1hlt1 eh· ltt'liu1 lhun1•1.Hlt1i;-:;Tthl..r~1." IH'\',-', ,1u.• luou
, -- .......

!.\ 11111,, ir,1.lução ing(c<,a do ffool· o/riu F.p,mh, realizada por E. H. Freshficld
De rodo modo, devemos terminar esta considcr:ição rcpccindn 11111
l 'J \~),, I /,, rparchikon l,ib/ion, thc Book ofrhc Eparch, !e livre dtt prtji:r (London,
ponto já tratado anteriormente: cm rodas as partes do Mcd ircrrinco, m 111.m l'rlll, l'r• 22.'-270; cf. Laiou, "Exchange", PP· 7 18-736, G. Dagron, EHB, vol. 2,
importantes sistemas de comércio escavam dentro das regiões, nii.o enm· d., ('l' ,1ll'i 1<,1, e: Hcndy. Str1dies, pp. 561-569.
O comércio entre a cidade e o interior e as especializações agrícolas e :11 ln~ ,\ ul1 ., ruma suposição, mas se encaixa na dcralhada análise de P. Magdalino,
nais microrregionais se encontram no coração desse sistema, não nos ,,11, d, 1 ,:111t111tu111pfr midiévale (Paris, 1996).
/111 r' >1111plm IVorksoj'LiutprandofCremon11, rrad. P. Squatriti (Washington, 2007).
Veneza ou Almerla, Ttínis ou Antália, Palermo ou Alexandria. Tampou,11
1·1• ! 1 271 (Embassy, cap. 53-55).
estamos olhando para processos de trocas aurossuscentáveis; por mais auvo,
( , 11 ( umtablc, Trade and Traders inMúslim Spai11 (Cambridge, 1994), pp. 112-137.
que fossem os mercadores de Fusrac e Veneza, eles não iriam se desenvolver
11 <,111tcin, A Mediterra11e,m Society, 6 vols. (Berkeley, 1967-1993), vol. 1, pp. 217-
por muitos séculos. O desenvolvimento econômico interno dependi., n 1 )(,7-272: sobre os cercais, cf. Y. Lev, State and Society in Fatimid Egypt (Leida,
sencialmence da força de demanda interna, e, assim, da riqueza das clitn, ,. 11'1ll l'P· 162-178.
porranto da extração de excedente do campesinato. Isso aumentou no, ,r 1 \\ 1lfo11g, /Vomen ofjeme (Ann Arbor, 2002); Wickham, Framing, PP· 419-428.
culos IX e X, tanto no Mediterrâneo como no norte da Europa, criando 11111 A11111<Kl11çãoclássicasobrege,1íza éde Goitein,Mediterranean Society, vol. l , pp.1-23.
ambiente mais complexo e matizado, e alguns produros artesanais (como 11 11~,, ,, que segue, ver os panoramas mencionados anteriormente, em Wickham,
tecido) que seriam baratos o suficiente para ser comprados nas aldeias; m.i, 1i 111/IIIJ, PP· 124-129; 460-464; 626-635; 780-794.
eles são, apesar disso, sinais de exploração, assim como de dinamismo. De !",, ,Ir '/béodoredeSykéón, cd. e crad. A.-J. Festugil:re (Bruxelas, 1970); W. Ashburner
1 , tr,\J.), "lhe Farmer's Law".}011rnal ofHellenic Studies, 30 (1910), pp. 85-108;
vemos retomar a essa guescão no contexto do norte da Europa, no capítulo
/,1 , ,1,1/ ofHellenic Studies, 32 (1912), pp. 68-95.
21, onde há mais evidências de seus efeitos na maioria camponesa.
P,11 ., uma pcrspcctiva crítica mais recente, cf. M. Whircow, i11: L. Lavan (ed.), Recent
H ,mh in Late-antique U1·banim1 (Pommourh, R1, 2001), pp. 137-153.
1 , l rawford, 'Jhe Byzantine Shops at S111,dis (Cambridge, Mass., 1990); C. Foss,
Notas 1 11< Antique and By-zanrine Ankara", Dumbarton Oaks Papen, 31 (1977), pp. 29-
H' 1 Zanini & E. Giocgi,Annuario de/la Smola archeologica italiana di Atene, 80
1
A economia bizantina cm seu conjunto é abordada nos volumes deEHB; os melho1 n {;•11112), pp. 212-232.
panoramas do pedodo encontram-se no artigo sintético do próprio editor, A. E. Laio11 ! , 1l . R. Sanders, EHB, vol. 2, pp. 647-654.
"Exchange and Trade, Scvcnth-Twd fth Cencurics",EHB, vol. 2, pp. 697-770, e na pn 11 11 vcy, Economic Expansio11, pp. 207-224, C. Foss, Byzantine and Tttrkish Sardis
meira metade da obra de Laiou & C. Morrisson, The ByzantineEconomy {Cambridgr. li ,n1bridge, Mass., 1980). pp. 66-76; P. Arthur, "Hicrapolis era Bisanzio e i Turchi",
2007). Pa.ra o período mais antigo, cfJ. F. Haldon,Byzaniium in the Seventh Centm_y, , 1), de Bernardi Ferrem, Saggi in onore di PaoÚJ Verzone ( Roma, 2002), PP· 219-220.
2, ed. (Cambridge, 1997), pp. 92-172, e L. Brubaker &J. F. Haldon, Byzanti11m 111
, 1111ws rodi nautikos: 'JJJC Rhodúm Sea-laiv, ed. e trad. W. Ash-burner (Oxford, 1909).
the fconoclast Era ca.680-ca.850 (Cambridge, 2008), cap. 7; para o período posreriur.
cf. A. l·farvey,EconomicExpansion in the Byzantine Empire, 900-1200 (Cambridge. ·,.111.lcrs,EHB, vol. 2, p. 649.
1989). Para a dimensão cconômica do sistema fiscal, considero essencial o volume de 1 \ ,mbuleva,Nessebre, vol. 2 (Sófia, 1980), pp. 202-215; P. Armmong, in: W. Cava-
M. F. Hendy, Studies in theByzantineMonetary Economy, e. 300-1450 (Cambridge, 11,,i,:h rt ai., 'IheLaconia Survey, vol. 1 (London, 2002), pp. 353-355; Idem, "Byzantine
1985); para a sociedade rural, destaco: M. Kaplan, Les Hommes et la /erre à Byzance d11 lhrbcs", Armual ofthe British School at Athens, 88 (1993), pp. 304-306; T. Tocev,
VI•auXI'siêcle (Paris. 1992). A economia do mundo islâmico não conhece nada que l 'Atclict de céramique pcinte du monastere royal de Prcslav", Cahiers archéologi·
se aproxime da qualidade dos panoramas citados. E. Ashror,A Social and Econonul' ,,,,,,, 35 (1987), pp. 65-80; C. H. Morgan,E:cc11v11tiom ai Corinth Xl (Cambridge,
Hisrory ofthe Near Ea.st in rhe Middle Ages (London, 1976), é o único que comperc: ~l.t\\., 1942), pp. 14; 36-53; 72-75; N. Günscnin,Eupsychia, vol. l (Paris, 1998), PP·
porém.sendo um ccxcoesscncial, está desatualizado, é moralizadorecomém alguma~ 1111-287; sobre o naufrágio, cf. F. M. Hockcr, in: S. Kingsley (ed.),Barbarian Seas:
premissas estruturais pouco convincentes. Para o período até 800, refiro-me ao meu I ,11, Rome to !slam (London, 2004), pp. 61-63.
próprio Framing the Early Middü Ages (Oxford, 2005), que concém uma bibliografia llu11kof1he Eparch, c. 9; Laiou, "Exchangc", p. 726; Laiou & Morrisson, Tlu Byzantine
de trabalhos monográficos; para datas posrcriorcs, serão referidos os estudos locai, I 11111omy, p. 77 (para uma visão geral sobre a rccupera~ão econômica, cf. pp. 70-89).
(alguns muito importantes) à medida cm que prosseguirmos.

<;01

Você também pode gostar