Você está na página 1de 16

As PRL\1EIRAS CIVII. IZAÇÔES A M F.

SOPOTÁMlA AI Ê ÀS INVASÕES ARAM/\ICAS DO FIM C,O ti Mil ~-:NIO

Os géneros literários são muito variados: colecções de provérbios e V - O PERÍODO PALEO-BABILÓNICO


de fábulas, hinos aos deuses e aos reis, lamentações sobre as cidades des-
truídas. Pode supor-se que, se tantos textos são então registados é porque Os séculos que se seguem às queda do império de Ur e que precedem
a tradição religiosa perde força e vigor. Ao mesmo tempo, o sumério, que a unificação da Babilónia sob o ceptro do rei Hamurabi contam-se entre os
sofre a influência do acádico. tende a tornar-se a língua de cultura: as lon- mais agitados da história mesopotâmica. Pela primeira vez, pela sua va-
gas listas lexicográficas, algumas das quais remontam à época de U ruk. riedade e riqueza. as fontes permü~m-nos apreciar o conjunto da situação
v~r-se- ão em breve duplicadas com a sua tradução acádica. política e social do Oriente antigo. Os reis de lsin tentam. inicialmente,
assegurar a sucessão dos de Ur, mas não podem impedir por muito tem-
O fundador da 111 dinastia de Ur, Ur-nammu. é um dos maiores cons- po nem a progressão dos nómadas, nem o estabelecimento das dinastias
trutores de todo o Oriente antigo. Com ele, o zigurate ganha a sua fonna amorreias. A Mesopotâmia toma-se, durante dois séculos. um-mosaico de
definitiva de torre em andares. Na maioria das vezes, é verdade, como em pequenos Estados rivais com os quais as velhas estruturas políticas e admi-
Eridu e em Uruk, oão faz mais que complec.ar ou aumentar edificios mais nistrativas sumérias desaparecem. Desenha-se um novo equilíbrio entre o
antigos. O zigurate de Ur é a sua obra-prima. Ainda se conserva até ao reino de Alepo na Síria, a Assíria na Mesopotâmia do Norte e a Babilónia
segundo andar. Ê um maciço de tijolos crus rodeado por uma armação de no Sul. É principalmente Babilónia que sai engrandecida da aventura.
tijolos cozidos. As suas dimensões na base são de 62 m por 34 m. Na face O Império efémero de Hamurabi confere-lhe o papel de capital histórica da
nordeste, três escadas conduzem a uma plataforma donde partia uma esca- Mesopotâmica do Sul.
da única que dava acesso ao topo. Centro do santuário, o zigurate eleva-se É dificil de caracterizar esta época tão rica em acontecimentos; os qua-
no meio de um vasto pátio, faz parte de um conJunto delimitado por uma liiicativos habitualmente admitidos de «periodo de lsin-Larsa» ou de «pe-
cerca e que compreende ainda três outros corpos de construção. O plano ríodo dos reinos combatentes» dão apenas uma ideia sumária e incompleta
do templo sofre uma modjficação importante: o antigo edificio cultural em da situação. Por analogia com a cronologia egípcia, tentou-se propor o
eixo dobrado em cotovelo é substituído por uma ce /la larga ou longa. No termo de «periodo intermédio», mas os impérios de Ur e de Babilónia não
exterior do espaço sagrado encontra-se a necrópole real. têm nem a vastidão nem a longevidade dos Estados faraónicos. É, efccti-
No domínio das artes plásticas, é marcante o empobrecimento do re- vamente, um período de invasões. como a Mesopotâmia conhecerá ainda
pertório esculpido; o conjunto da produção é aparentemente muito frio, outros ao longo da sua histôria.
toda a atenção está voltada para as manifestações do culto. A glíptica trata
incansavelmente o mesmo tema da introdução do fiel diante do seu deus. 1. A herança do império de Ur
Distinguem-se dois centros artís6cos de caracteristicas muito diferentes: O re ino de l s in. - Vimos como lshbi-erra (2017-1985) se revoltara con-
Mari e Eshunna. Só as figurinhas e relevos em terracota beneficiam das tra Ibbi-Sin. Apoderara-se então do poder real que instalara em Isin, cidade
múltiplas facetas da imaginação popular. situada a uns trinta quilômetros a sul de Nippur. Detinha já a antiga capital
religiosa das mãos dos seus antigos senhores e é-lhe portanto fácil atribuir
agora a sua tomada do poder de Eolil. Uma vez assim assegurada a sua
legitimidade, vê voltar-se para ele um certo número de governadores da
antiga administração imperial. À maneira dos reis de Ur, arroga-se o título
de «rei das quatro regiões», que implica pretensões à soberania universal,
e faz proceder o seu nome do deten:ninativo divino. Ishbi-erra é o exemplo
típico do usurpador.
Por falta de fontes, os limites do novo Estado são difíceis de precisar.
No seu essencial, a nossa documentação é, de facto, constituída pelos ar-
quivos, de carácter económico, da capital. Sabemos que lsbbi-erra comba-
te os Elamitas e progride no Norte em direcção a Arraa e ao Zab 1oterior,

252 253
As PRJMEIRAS C1v1LJZAções A M F..sor O'TÂ MIA ATE AS INVASÕES ARAMAICAS DO FIM DO li MILENJO

mas não atinge as fronteiras do império de Ur. Nem todos os governadores se vê liberta de toda a obrigação de imposto. Ao mesmo tempo, as incur-
do defunto império se ligaram, de resto, a ele; houve mesmo alguns, como sões e destruições provocam ruinas e a bancarrota. O príncipe de Assur.
os de Eshnunna, mais ambiciosos que os outros, que tirando partido do Uusbuma, considera a altura oportuna para fazer campanha na Babilónia e
enfraquecimento do poder central tinham proclamado a sua independência 0 rei de lsin é incapaz de lhe fazer frente. Possuímos algumas relações des-
ainda antes da morte de Ibbi-Sin; outros, como o de Der, haviam esperado tes acontccinlentos. Um presságio histórico menciona uma derrota diante
a queda do únpério para lhes seguir o exemplo. Nem sequer é seguro que a da cidade de Kisli; as destruições causadas pelos nómadas e o saque de
~utoridade de Ishbi-erra se estenda sobre toda a Baixa Mesopotâmia; entre Nippur constituem o tema de uma lamentação.
outras cidades, a cidade de Larsa poderia de facto escapar-lhe.
Isin toma-se, entretanto, o Estado mais poderoso. No vigésimo segundo o sucessor de lshme-dagan, Lipit-ishtar ( l 934-1924), é o último re-
.ano do seu reinado, Ishbi-erra afirma a sua superioridade face aos seus ad- presentante da dinastia fundada por lshbi-erra. É o autor de uma colecção
versários expulsando a guarnição elamita ainda instalada nas ruínas de Ur. de leis que se inscreve na linha das reformas iniciadas por Ishme-dagan: o
Esta acção vistosa assegura-lhe o primeiro lugar aos olhos dos seus contem- prólogo anuncia a supressão de encargos e concede privilégios fiscais. Esta
porâneos e permite-lhe, ao mesmo tempo. reforçar o seu poderio económico colecção passará por exemplar aos olhos da posteridade e será ainda citada
restabelecendo as relações comerciais com as regiões costeiras do golfo Pér- como tal na época oco-assíria.
sico. [sin é, doravante, capaz de proporcionar à Mesopotâmia um periodo de No fim do s eu reinado, Lipit-inshtar confronta-se com as ambições de
paz de mais de meio século.lshbi-erra implanta um sistema administrativo um amorreu recém-chegado à Mesopotâmia, Gungunum. que se faz pro-
inspirado ao de Ur. Dá igualmente início à reconstrução da antiga capital. clamar rei de Larsa. O próprio Estado de lsin desagrega-se. O exemplo de
Gungunum é largamente seguido~ por todo o lado, os Amorreus arreba-
Os seus sucessores, Shu-ilishu (1984-1975) e [dclin-dagao (1974-1954), tam o poder. A guerra grassa em estado endémico. Finalmente, Gungunum
prosseguem a sua obra. Shu-illshu retoma o titulo real de Ur e traz para o toma Ur, pondo fim às pretensões dos monarcas de Isin à sucessão dos reis
seu templo a estátua do deus Nanna, arrebatada outrora pelos Elamitas. de Ur. Lipit-ishtar reinará em breve apenas sobre uro pequeno Estado que
Restabelece as relações comerciais com o Norte e o Leste. O reinado pací- se estende às imediações de Isin e de Nippur.
fico de Jddin-dagam, consagrado inteiramente às fundações piedosas, mar-
ca o apogeu da clinastia. A füeratura de lingua suméria conhece um último e Os Estados rivais. - Os reis de lsin não são os únicos a querer ter a
brilhante sobressalto. Tal como na época de Ur, dois géneros literários são sua parte na herança do império de Ur. Sob o reinado de Ibbi-Sio outros
particularmente apreciac.los: os binos reais e as lamentações sobre as cida- governadores haviam julgado que chegara o momento de proclamar a sua
des destruídas. Os p rimeiros cantam a paz reencontrada, fazendo o elogio independência. mas políticos menos subtis que Ishbi-erra, agindo talvez
das restaurações e dos grandes trabalhos empreendidos pelos soberanos. com demasiada precipitação, não souberam reunir à sua volta as simpatias
Entre os segundos, a composição literária mais célebre é a Lamentação necessárias para apoiar as suas ambições. Também é verdade que, residin-
s obre a destroição de Ur, escrita por ocasião da reconstrução da cidade. do nas províncias excêntricas. à margem dos circulas politicos dos grandes
No domínio religioso, os deuses do Oeste implantam-se solidamente. centros do Sul, eles não tinham as mesmas facilidades que Is hbi-erra para
Assim, o deus Dagam toma o seu lugar no panteão de Isin ao lado da antiga impor a sua autoridade na planicie.
deusa tutelar da cidade, Ninisina. Diyala, a cidade de Esbnunna adquire a sua independência desde o
Esta actividade espiritual, a paz restabelecida e a prosperidade recu- inicio do reinado de lbbi-Sin, sob o governo de lturia.. cujo filho, Ilshu-j)ia.
perada por algum tempo, nem por isso devem fazer esquecer a chegada conhecido como escriba ao serviço de Ibbi-Sin, toma o título de <<rei do
cada vez mais maciça de populações nómadas. Por detrás da estabilidade pais de Wariun», isto é, do país de Eshnuona. Os seus sucessores são pouco
aparente das instituições, os sinais prenunciadores da queda fazem o seu conhecidos. O mais célebre é Bilalama. que mantém boas relações com o
aparecimento a partir do reinado de Ishrne-dagan ( 1953-1935). Sinal infa- Elão e repele vários grupos de nómadas amorreus.
lível do mal-estar que se espalha é o facto de o rei multiplicar as reformas A cidade de Der, ponto de referência importante nas estradas c;omer-
sociais. concedendo privilégios e isenções. É assim que a cidade de Nippur ciais entre o Elão e a Mesopotâmia. toma-se igualmente i11dependente. Um

254 255
As PRIMEIRAS C1Vll!ZAÇÔES A MESOPOTÂMIA ATE ÀS fNV.I\SOes ARAMAICAS 00 FIM DO II MILENIO

cetto Nidousba assume lá o título real e junta ao seu nome o determinativo Só um pouco mais tarde, com o reirlado de lodattu I ( 1970- l 945
divino. Um outro rei desta cidade, Anum-muttabbil, gaba-se de um êxito aprox.), os documentos se tomam mais explícitos. O emprego da língua
conseguido sobre os seus vizinhos iranianos. Contudo, a cidade deve per- acádica e dos títulos da época d e Ur - o rei usa os títulos de ishshiakkum
der rapidamente a sua autonomia, porquanto, antes de subir ao trono de de Susa e de shakkanakum de 1Elão - põem em evidência a dependência
lsin, Ishme-dagan é o seu governador. cultural em relação à Mesopotâmia. lndattu fortifica Susa. No fim do
No sul da Mesopotâmia, Lagash e Larsa parecem escapar aos reis de seu reinado, to.ma-se rei de Simashki e de EJão. Sucede-lhe seu filho
lsin. Tal facto é importante, porque, se é de facto exacto, apresenta-se Tao:ruhuratir (l945-1924 aprox.). Sabemos que desposa uma princesa de
como uma grave ameaça que pesa sobre as relações comerciais de lsin Esbnunna, filha de Bilalama. Desta união nasce Indattu II que a tradição
com o golfo Pérsico. Algumas fontes parecem indicar que um am01Teu, considera como o último representante da dinastia. As suas inscrições
Naplannn, teria fundado uma dinastia em Larsa ainda em vida de lbbi-Sin. evocam os seus êxitos militares e as suas construções. Os seus sucessores
Um texto de Girsu cita uma outra personagem, Samium, talvez um dos su- já não desempenham qualquer papel: conhecemos unicamente os seus
cessores de Naplanum. Mas arquivos de Larsa permanecem mudos quanto nomes e a sua fraqueza é confirmada pelos êxitos elamitas de Gungunum
a esta época. Nenhuma inscrição real anterior a Zabaia, filho de Samium, de Larsa. Pouco depois, Eparti funda uma nova dinastia, que durará até
foi encontrada no local. ao fim do século xv1.
Mais afastada, Assur sai da esfera política babilónica. Após a queda
de Ibbi-Sin, Liberta-se de toda a dependência em relação ao Sul. Puzur- 2. A Mesopotâmia dividida
ashshur funda já wna dinastia da qual não se sabe quase nada. O rei usa Os nómadas. - O fim da dinastia de Isbbi-erra assinala o abandono da
o titulo de ishshiakkum, forma acádica do sumério ensi. As nossas fontes estrutura estatal forjada pelo império de Ur e, ao mesmo tempo, a irrupção
só fazem alguma luz sobre um único desses soberanos, llushuma, o tercei- dos nómadas em todos os escalões de vida política.
ro representante da dinastia. Ele fortifica de facto a capital. provê ao seu Desde a época de Acad, estes nómadas são chamados pelos textos ma,:
abastecimento em água potável e constrói um templo dedicado a Ishtar. tu em sumério e Amurru em acádico. Ambos os termos designam sim-
O facto marcante do reinado é a campanha conduzida na Babilónia, pro- plesmente o Oeste nas suas respectivas Línguas. Convencionou-se boje de-
vavelmente durante o reinado de Ishme-dagan. É-nos contada como um signar estes nómadas colectivameote sob o nome de Amorreus, sem que
simples passeio militar. llushuma declara ter estabelecido a liberdade para isso esconda o facto de que tal palavra não significa nada de preciso, para
os Acadianos num certo número de cidades: Nippw-, Ur e alguns centros além de uma eventual origem geográfica. Como os A.morreus acabaram
da margem leste do Tigre, principalmente Der. Não é impossível que tenba por adaptar o acádico e a escrita cuneiforme. não conhecemos a sua língua:
de atribuir-se a ele e não aos nómadas amorreus o saque de Nippur. Mas o o seu onomástico aproxima-os, no entanto, dos Cananeus.
sentido da sua inscrição mantém-se ainda obscuro. A sua intervenção tem Os arquivos do palácio real de Mari familiarizam-nos com o seu modo
verosimilmente um objectivo comercial preciso, o de abrir aos mercadores de vida e o seu grau de organização. Não conhecem o camelo que só será
assírios um mercado a que antes não tinham acesso. domesticado no século xm ou xu antes da nossa era. Criadores de cabras e
ovelhas, a sua economia é complementar da dos sedentários e as relações
O Elão. - Desde a chegada dos Guti, o rei de Elão reside em Si- entre as duas comunidades são permanentes. As suas deslocações são lentas
masb.ki e não j á em Susa. A Lista real elamita menciona uma dinastia de e de fraca envergadura, limitadas pelas proximidades das terras cuJtivadas,
doze reis deste país. Ignoramos quase tudo acerca deles, já que as nossas dos rios e dos pontos de água potável. Estas movimentações obedecem a
fontes provêm de Susa que, na época de Ur. está integrada no Império. um ritmo anual. Mas as suas condições de vida são precárias e o deserto
Reina lá a paz suméria e os reis de Ur restauram e constroem numerosos alimenta mal. A pressão que exercem sobre a orla do deserto é. pois, cons-
edifícios susianos. É eru Simahski que reagrupam as forças hostis aos tante, mais ou menos forte consoante o rigor do tempo. Atraídos pelo mais
novos senhores e, durante o reinado de lbbi-Sin, o Elão rebela-se. De- elevado modo de vida e pela maior riqueza dos sedentários. multiplicam as
sempenha um papel determinante na queda do império e as suas tropas incursões ou, pelo contrário, isolados ou em pequenos grupos, entram na
saqueiam Ur. planície fértil e nela se instalam em definitivo. Em algumas épocas. e por

256 257
As PRIMEIRAS C!VIUZAÇC)BS A ME!SOPOTÀMJA ATÉ ÀS INVASÕES ARAM1\fCAS DO FIM 00 li MILÉNIO

razões que nos escapam, quiçá a sobrepopulação ou a fome, espalham-se Os Haneanos são um povo seminómada submetido ao rei de Mari.
pela plani.cie e estabelecem-se como senhores nas cidades conquistadas. Encontramo-los num vasto território entre o Djaghjagh e o Balih. Vêm
Mas só o conseguem de facto quando o poderio político dos sedentários estabelecer-se no Eufrates após a queda da Jll dinastia de Ur. Alguns indí-
já estava previamente minado por querelas internas ou crises económicas. cios mostram que estão em vias de sedentarização; possuem já. além dos
Neste caso, a resistência ao i.nvasor, fraca ou mal organizada, esboroa-se. seus acampamentos, alguns estabelecimentos fixos nas margens do Eufra-
O enfraquecimento do poder político coincide, além disso, com o encerra- tes. Não se lhes conhecem reis, sendo dirigidos pelos «Antigos» e por um
mento das estradas comerciais, mal protegidas contra a pirataria, e com um grupo de notáveis. Geralmente vendem os seus serviços ao rei de Mari,
encurtamento das zonas de cultura. Os nómadas não fizeram cerimónias seja e le qual for. Servem designadamente como tropas au:xfüares nos seus
em apoderar-se das terras assim abandonadas e em servir-se delas como exércitos. constituem guarnições locais e montam guarda à fronteira do de-
bases para novas conquistas. Curiosamente. os nómadas saídos do deserto serto. As querelas são raras e de alcance l imitado. Esta aliança é a condição
sedentarizam-se rapidamente e voltam as suas armas contra os seus irmãos primeira do seu florescimento. Não está excluído que os reis da dinastia de
ainda eJTantes. É o que acontece no início do II milénio. Mari sejam de origem haneana: sabe-se que o deus Lim, patrono da d inas-
tia, é um deus importante do panteão haoeano.
As perturbações que se seguem no firo do império de Ur abrem todas Os Benjaminitas são muito mais turbulentos. Os seus acampamentos
as grandes portas da Mesopotâmia às invasões amorreias. As cidades do estão espalhados ao longo do Eufrates. Encontramo- los mesmo na região
médio Eufrates são submersas pela vaga cuja guarda avançada se espalha de Alepo e no curso médio do Orontes. Apesar do seu nome de «Filhos do
pela Babilónia e até à Suméria. Fixam-se principalmente na margem leste Suh>, é a partir do Norte que eles vêm estabelecer-se na região de Mari.
do Tigre onde fundam vários pequenos Estados, mas, em todo o lado onde As suas relações com este reino são tensas, ou mesmo hostis. Ataques.
isso lhe é possível. arvoram-se em senhores. golpes de mão e correrias dão origem a um estado de guerra permanente.
Ê nesta época que se situa provavelmente a migração do clã de Abraão. Os Benjamioitas não desdenham, se for caso disso, aliar-se a potências
Partido de Ur, toma o caminho do Oeste em direcção a Harran. lnflecte se- estrangeiras, quer se trate do rei de Harran quer do de Eshnunna. São ainda
guidamente para o Sul e chega ao Egipto; de lá regressará mais tarde para nómadas, e as fontes permitem acompanhar uma parte das suas desloca-
se fixar na Palestina. ções periódicas à procura de pastagens. Poderosamente organizados sob a
À primeira vista poderão estranhar-se estes deslocamentos de Leste autoridade dos seus reis e dos seus notáveis, não hesitam em atacar cidades
para Oeste. Não diz o provérbio, tratando-se dos Árabes, que o lémen é o fortes, durante o seu peregrinar. Conhecemos os nomes de várias tribos da
seu berço e o Iraque o seu túmulo? Mas a verdade é que, quanto ao essen- sua confederação. Algumas dentre elas i.ntemaram-se profundamente no
cial, na Mesopotâmia antiga. terras agrícolas e terras de criação de gado sul da Mesopotâmia. Os Amannu e os Iahruru instalaram-se na região de
estão estreitamente imbricadas. Entre cada cidade. no limite das terras de Si.ppar, outros fixaram-se perto de Ekallatum. Vamos encontrá-los mesmo
cultura, estendem-se pastagens onde vagueiam os nómadas. A fusão de no território de Uruk, cujo rei, Sin-kashid, usa o título de «rei de Uruk e de
ambas pode fazer-se a tal ponto que se toma por vezes difícil distinguir o Ammaoum».
pastor profissional, ao serviço de um grande proprietário ou do próprio rei, Os Suteanos são conhecidos desde a época de Rim-Sin, rei de Larsa.
do pequeno nómada que conduz os seus rebanhos. Fazem parte da coligação que une contra Larsa as cidades de lsin, Uruk e
É claro que os nómadas não deixaram vestígios de qualquer espé- Babilónia. A correspondência de Mari traça deles um retrato pouco lison-
cie. São os testemunhos dos seus vizinhos sedentários que nos permitem jeiro. São rapinantes inveterados. que actuam essencialmente nas estradas
conhecê-los. A correspondência real de Mari, por exemplo, e muito par- onde passam as caravanas. Perco1Tem a estepe de Mari a Palmira e a Katna
ticularmente as trocas de cartas entre os reis e os seus agentes, dão-nos e aventuram-se até às imediações da Babilónia. Por vezes, alistam-se como
uma ideia da sua importância e do papel que eles podem desempenhar. No mercenários nos exércitos babilónios. Alguns pequenos grupos, relativa-
início do Il milénio constiruem três grandes confederações de tribos: os mente restritos, sedeotarizam-se. mas constituem uma excepção.
Haneanos. os Benjaministas e os Suteanos. Atê ao início do I milénio, os Suteaoos con tinuarão os seus actos de
banditismo e pilhagem. Alistam-se de bom grado como mercenários a~ ser-

258 259
As PRIMEIRAS CtVH IZAÇÔES A MESOPOT.Í.MIA ATE ÀS INVASÕES ARAMAICAS 00 FIM DO li MILENIO

v1ço dos pequenos reis sirios em conflito incessante uns contra os outros. Aos reinados de Nur-adad e de Sin-idinnam corresponde o período mais
Em várias alturas, Assírios e Cassitas são obrigados a repeli-los; aparecem florescente do Estado de Larsa. A tradição palaciana, seguindo o exemplo
então ao lado dos Arameus e são eles que destroem o templo de Sippar. de Isin, exalta a pessoa do soberano nos hinos reais. A introdução deste
Fazem a sua última aparição ao lado de Merodach-baladan LI. que apoiam género literário em Larsa está provavelmente ligada ao domínio sobre Nip-
na sua revolta contra Sargão Il da Assíria. pur; ele desaparecerá com Rim-Sin. O primeiro rei de Larsa object o de
uma tal composição é Nur-adad. um presságio histórico faz talvez a lusão
. Os Estados urbanos. O Sul. à inauguração do templo de Shamash por Sin-idinnam.
Larsa. - O poderio de Larsa afirma-se após a tomada de Ur e do seu porto Não se sabe quase nada dos seus três sucessores, Sin-iribam , S in-
por Guoguoum ( 1932-1906). O novo soberano pode, então, tomar o título de -iqisham e Silli-adad. Aparentemente conseguem manter o controlo sobre
«rei da Su.méria e de Acad». Consagra o seu reinado à realiza9ão de um du- Ur e Nippur. Em 183S, Larsa cai sob o domínio de Kazallu. Este dura ape-
plo objectivo. O primeiro, no plano internacional, visa desenrolar as re lações nas um ano, pois que, a partir de l 834, Kudurmabug, xeque de lamutbal.
económicas com os países ribeirinhos do golfo Pérsico. Com esta finalidade, instala o seu filho Warad-Sin ao trono de Larsa (I 834-1823). O irmão
a posse de Lagasb e de Ur, os dois grandes portos do golfo, permite a Larsa deste último, Rirn-Siu, suceder-lhe-á (] 822- 1763). Estes dois reinados são
escoar todo o tráfico de mineral de cobre e de metais preciosos. O segundo excepcionalmente prósperos. A superfície das terras cultiváveis é aumen-
objectivo, de ordem interna, consiste em melhorar o abastecimento, cada tada graças a grandiosos trabalhos de irrigação. São inúmeras as fundações
vez mais djfícil, dos grandes centros urbanos em água potável. O rei dá as- piedosas dos dois soberanos; interessam-se muito particularmente pelas
sim início a um vasto programa de irrigação. No que se refere aos assuntos cidades de Ur e Nippur, e no E babbar, pelo templo de Shamash em Larsa.
militares, Gungunum lança uma ofensiva contra o Elão. Um texto de Susa, Warad-Sindota a cidade de Urde uma poderosa muralha. No plano mili-
datado do seu reinado, parece provar que ele ocupa a cidade durante algum tar, R.im-Sin esmaga, em 1810, uma coligação que inclui Isin, Babilónia e
tempo. Por fim, dedica-se ao restauro dos templos caidos em ruína e fortifica U-mk. Seguidamente, ataca Uruk, que cai cm seu poder em 1803. Pouco
as principais cidades do país para obviar a qualquer eventualidade. depois, entra triunfalmente em Isin. A partir de então. reina sobre o mais
O seu filho, Abisaré ( l 90S-1895), prossegue a sua obra e retoma as poderoso reino da Babilónia, merecendo o seu título de <<rei da Suméria
hostilidades contra Isin que se toma ameaçadora. Não pode impedir o rei e de Acad». Em 1763, Hamurabi põe brutalmente fi m a este período de
de Isin de reconquistar Ur e caberá a seu filho, Sumuel (894-1866), rectifi- glória.
car a situação. Por meio de uma série de vitórias que o levam até Kazallu, lsin. - No trono de Isin. U r-oinurta t 1923- 1896) é um homem novo.
Kish e Nippur, aumenta consideravelmente a extensão dos seus Estados. O seu reinado é mal conhecido e terá morrido assassinado. O seu filho
Mas, no fim do seu reinado, virá a sofrer um certo número de reveses, de Bur-Sin (189S-1874) apodera-se de Ur em detrimento de Larsa, mas só
acordo com um texto que se refere ao desvio das águas do Tigre em provei- consegue lá manter-se durante três meses. Temos p oucas informações so-
to de um rival cujo nome não é, infelizmente, mencionado. A fome grassa bre o fim de dinastia. Os reis continuam a usar o titulo de «rei da Suméria
em toda a região de Larsa e tem como consequência um vasto movimento e de Acad». Mostram-se muito preocup ados com os problemas agrícolas.
de revolta que leva ao poder um homem novo, provavelmente originário Um deles manda construir uma muralha à volta de l s in. Uma crónica tardia
de Lagash. Nur-adad (1865-18S0). Este restabelece a ordem; o seu reinado conta a morte do rei Erra-imitti, asfixiado ao comer uma iguaria durante
é inteiramente dedicado ao restauro das ruínas e ao arranjo dos canais de uma refeição. O seu sucessor, Enli l-bani, é talvez um substituto real que.
irrigação. Deve-se-lhe nomeadamente a constrnção do palácio de Larsa, colocado no trono, consegue lá manter-se e assumir o poder efectivo.
do templo de Enki em Eridu e de vários templos em Ur. O seu filho, Sin- Os últimos reis reinam apenas sobre a capital e seus arredores imediatos.
irunnam ( 1849-1843), acaba os trabalhos de restauro iruciados pelo pai e A.cidade cai, então, nas mãos de Rim-Sin.
restabelece o curso normal do Tigre. Os seus exércitos obtêm êxitos impor- Uruk. - Por volta de 1865, Sin-kashid ( 1865-1833 aprox.) funda uma
tantes sobre Babilónia e Eshnuona, cujo território é devastado. Em contra· dinastia em Uruk. É aparentado à nibo Amnanum, uma parte da qual es-
partida, é incapaz de esmagar a resistência q ue lhe opõem Uruk e [sin. Esta tava fixada nos campos à volta. Sin-kasbid restaur a E.ana e constrqi um
última disputa-lhe tenazmente a posse da cidade de N ippur. palácio. Perante as ambições do seu poderoso vizinho, Larsa. e demasiado

260 261
As PRll\fEIRAS CIV I L IZAÇÕ ES A M ESOP01/\MIA /\TE As INVAS(°JF;S ARAMAICi\S 1)0 FIM DO li MILl<:1'110

débil para resistir-lhe sozinha, Uruk procura a aliança de Babilónia. Sin- Tuttub (Hafadje) conhece. por volta de 1900. um breve período de inde-
kashid inaugura esta política por meio do seu casamento com Shallurtum. pendência.
filha do rei de Babilónia, Sumulael. Seguidamente, Uruk dá também início Até lbapiel I (por volta de L830), os sucessores de llsbu-ilia usavam
a uma aproximação com [sin. Em 1821, wn certo Anam ( 1821- 1817), já o título de ishshiakk-um, «principe>>; em 1830. com Ipiq-adad rr. tomam o
conhecido como alto funcionário sob o reinado de Sin-gamil, apodera-se tftulo de shan-um, «rei», e, exceptuando um deles, adaptam o uso do deter-
do trono; saiu de um ramo colateral da antiga família reinante. O seu filho , minativo divino. lpiq-ada leva a cabo uma campanha militar em direcção
lrc.lanene, participa na coligação contra Larsa. O último rei da dinastia é ao Eufrates, conquistando Rapiqum e ameaçando o norte da Babilónia.
Nabi-ilisbu, vencido por Rim-Sin em 1803 . O seu objectivo é controlar as vias comerciais que passam pelo vale do
Babilónia. - Cerca de trinta anos antes de Sin-kashid. uma outra dinas- Eufrates. O seu filho. Naram-Sin. prossegue a obra paterna, levando mais
tia de origem nómada instalara-se na Babilónia. Desde a queda do Império - longe as conquistas. Atinge o curso superior do Habur; as fórmulas de no-
de Ur, a cidade não tinha feito falar dela. Sob o império, era administrada mes de anos fazem menção da tomada de cidades afastadas. Naram-Sin
por um ensi. Em 1894. Sumuabum faz dela um principado independente. domina provavelmente a Assíria durante uma parte do seu reinado.
Não se lhe conhecem inscrições. Aparentemente, morre sem deixar filhos, Sob o reinado do seu sucessor, Dadusha, a situação parece inverti-
pois Hamurabi e Samsu-dítana nunca se referem a ele, mas dizem-se des- da. Apesar de uma derrota sofrida por Tsbme-dagan, então governador de
cendentes do seu sucessor, Sumulael. Pode supor-se que ele se toma se- Bkallatum, Samsi-addu da Assíria parece impor a sua autoridade a Esbnunna.
nhor das cidades vizinhas. Depois, dele, Sumulaet (1880-1845) awuenta A hipótese, na verdade, baseia-se apenas em indícios ténues. Seja como for, a
o reino, apoderando-se de Kisb e de Marad. Os seus sucessores, Sabium, partir da m01te do monarca assírio, o novo rei de Eshnunna, Ibalpiel U, está
Apil~Sin e Sin-muballit são sobretudo conhecidos pelas suas actividades em condições de retomar a ofensiva. Guerreia contra a Assíria e conduz os
de construtores. Sin-muballit (I 8 l 2- l 793) participa na coligação vencida seus exércitos até às imediações de Mari. As suas inscrições celebram as
por Rim-Sin. em 1810. Em l 792, Hamurabi toma-se rei da Babilónia. suas vitórias sobre Hana e Subartu.
Os estados de segunda zona. - Por falta de fontes, a história dos ou- As relações entre Eshnunna e o Elão são, no seu conjunto, excelentes.
tros Estados babilónios pemianece obscura. É provável que o seu papel Os arquivos de Mari apresentam os dois Estados como perfeitamente uni-
histórico tenha sido dos mais apagados. Apenas possuímos os nomes de dos por laços de amizade. Segundo estes mesmos arquivos, o Elão desem-
alguns príncipes e das fórmulas de nomes de anos de várias cidades como penharia nesta aliança o papel principal.
Kazallu, Marad ou Sippar. Um rei de Kish evoca uma guerra conduzida Em l 763, Hamurabi apodera-se de Eshnunna e integra-a nos seus
contra os seus vizinhos; por seu turno, um rei de Malgium faz menção de Estados.
perturbações sociais a que põe fim. No local de Tel1 Harmal, os escavadores iraquianos encontraram dois
Nem todos os nómadas optam por estabelecer-se nas cidades. Alguns exemplares do «côrugo» de Esbnunna. colecção de sentenças reais prece-
grupos, mais numerosos que os outros. formam novos Estados; é o caso de dida de uma tabela . Tendo-se perdido parcialmente o prólogo, ignoramos o
lamutbal e de ldamaras, situados nas regiões transrigrinas. Os seus nomes nome do rei que a mandou rerugir. A arqueologia. a paleografia e a língua
têm provavelmente origem no do herói epónimo da tribo. As deambulações conjugam-se para apontar um dos grandes reis que reinaram na segunda
da tribo de Idamaras deram origem a dois Estados deste nome, um situado metade do sécu lo x1x. Este «código» seria. portanto, um pouco anterior ao
na Alta Mesopotânúa, o outro próximo do reino de Esbnunna. São conhe- de Hamurabi.
cidos os nomes de alguns principes de [amutbal; um deles, Sumu-iamutbal,
é contemporâneo de Swnulael de Babilónia; um outro. Kudunnabug, é o Os Estados urbanos. O vale do Eufrates. - O fim das invasões amor-
pai dos dois últimos reis de Larsa. reias e a estabilização das novas populações permitem a reabertura das
estradas comerciais do Eufrates. O vale do rio. roroa-se, então. objecto de
Os Estados urbanos. O Diyalá. - O vale do Diyalá está inteiramente lutas encarniçadas que opõem vários reinos. Os mais conhecidos dentre
sob a autoridade dos reis de Eshnunna. Escapa. portanto. à atomização eles são Tcrka e Mari. Em Terka reina Ilakabkabu, pai de Samsi-addu. o
do poder político que é de regra em todos os outros sítios. Só a cidade de futuro rei da Assíria. Vencida por Iaggid-lim de Mari. Terka perde bem

262 263
As P RJMEIRAS CIVILIZAÇÕES A M.bsoro1ÀMIA ATE AS INVASÕES .A.RAMAICAS 00 FIM DO li "'11L.~Nl0

depressa a si.la independência e Samsi-addu, obrigado a fugir, encontra re- armazéns e de oficinas, de um centro administrativo e de um depósito de
fúgio na Babilóaia. arquivos que forneceu já mais 20 000 tabuinhas.
As origens da dínastia de Mari são obscuras. O período que separa a Mas todo este estendal de luxo dá uma falsa impressão de segurança.
epoca dos ensi vassalos do império de Ur e o aparecimento de Iaggid-Lim Os Beduínos, sobretudo os Benjaminitas e os Suteanos, fazem pesar sobre
continuava ainda para nós praticamente desconhecido. Entretanto, tudo Zimri- lim uma ameaça constante. As revoltas de cidades submetidas não
leva a crer que coincide com a chegada dos Haneanos, com os quais a são raras. Os reis de Eshnunna oào escondem as suas ambições de con-
dinastia parece aparentada. quistar um centro económico de uma tal importância. Não serão no entanto
O fundador do poderio de Mari é lahdun-lim ( 1825-1810 aprox.). filho eles a dar o golpe mortal, mas o rei de Babilónia. Apesar da aliança que o
de Iaggid-lim. Com ele, os Haneanos submetem-se à autoridade urbana. liga a Zimri-lim. Harnurabi apodera-se de Mari em 1759. sendo a cidade
Restaura as muralhas de Mari e de Terka, constrói uma ciãade que tem o saqueada.
seu nome e empreende um grande programa de irrigação e de abasteci-
mento das cidades em água potável. Para coroar a sua obra, conduz uma Os Estados urbanos. A Assíria. - Com a dinastia de Puzur-ashshur, a
campanha triunfal nas margens do Mediterrâneo e no Líbano. No caminho Assíria apresenta-se como principado acádico. Pais pobre por natureza, en-
de regresso. esmaga de passagem vários pequenos reis do médio Eufrates riquece-se através do comércio: todo o seu esforço concentra-se de facto na
que procuravam cortar-Toe o caminho. penetração dos mercados estrangeiros e na implantação de colónias. Nos
Entretanto, Samsi-addu, solidamente instalado no trono de Assur. está textos que aludem à sua pessoa. o rei é, aliâs, apresentado mais como um
impaciente por vingar seu pai. Marcha sobre o Eufrates à frente das tropas. importante homem de negócios que coroo monarca absoluto; é verdade que
apodera-se de Mari e retoma Terka. Confia Mari a seu filho, lasmah-addu. carecemos enormemente dos arquivos da capital e não poderá tirar-se uma
A correspondência trocada entre o pai e o filho mostra toda a atenção que conclusão definitiva apenas das fontes capadócias. Aparentemente. o seu
Samsi-addu dedica à sua nova conquista. Por sua morte, Zimri-lim ( 1782- poder está limitado à cidade de Assux e seus arredores imediatos. Na sua
-1759), filho de lahdun-lim e.xilado oo reino de Alepo, expulsa Iasmab-addu qualidade de juiz supremo. usa o titulo de waklum. mas o de ishshiaklmm
e reconquista o trono. do deus Asur é o mais corrente.
Tendo pacificado os seus Estados, Zimri-Ii.m volta-se para os pequenos As colónias assírias da Capadócia(') - É sob o reinado de Erishum l
reinos da região do Habur dos quais se toma aliado ou protector. Por outro (1920-1900 aprox..), sucessor de llushuma., que os mercadores assírios se
lado, graças às suas alianças com Alepo e Babilónia, pode fazer de Mari implantam na Capadócia, no centro da Anatólia. Nesta. época, a Capadócia
o p1incipal ponto de l igação comercial do vale do Eufrates. Os arquivos é o foco de wna nova cultura, a dos Harti. Está fragmentada em pequenos
económicos e os monumentos encontrados aquando das escavações teste- principados relativamente débeis e incapazes de se entenderem entre si.
munham a imensa riqueza acumulada na cidade. É por Mari que passam a A sua população é heterogénea, dominando, no entanto, o elemento hitita ou
madeira e as pedras de cantaria que fazem tanta falta na planície mesopo- hititizante; é ele que fornece os quadros políticos. O Estado mais poderoso
tâmica. É através de Mari que o mineral de estanho é encaminhado desde é o de Burushhattum cujo soberano é o único a usar o titulo de «gran-
o Irão até às costas mediten-ànicas. O horizonte dos arquivos ganha, então, de príncipe>>. Dando crédito a uma epopeia, Rei do combale, cujo herói é
Creta, a Ásia Menor, o Irão e a Palestina. Sargão de Acad, supôs-se durante muito tempo que o estabelecimento dos
O palácio é o ponto central da actividade económica. As suas riquezas mercadores assírios na Capadócia remontava ao 111 milénio. A hipótese,
e o seu luxo fazem a admiração dos reis vizinhos. É um imenso ediflcio de indemonstrável e arriscada, tem poucas bipóteses de vir alguma vez a ser
mais de 250 compartimentos e pátios, uma parte do qual remonta à época comprovada; a análise das diferentes edições da epopeia tende. aliás. a
de Ur: a célebre cena da investidura real, particularmente bem conservada, afastá-la definitivamente.
remontaria, de facto, ao fim do m milénio. O núcleo do palácio, com a sala Dirigido a pa1iir de Assur por um certo número de grandes famílias,
0 comércio assirio está poderosamente escrururado. Os mercadores agru-
do trono. ordena-se à volta de dois pátios aos quais se chega pela única
entrada. situada na parte norte. As pinturas murais inspiram-se em temas
históricos. As paredes das salas de audiência e dos pátios estão cobe1ias de (') Sobre estas colónias, cf. também infrn. p. 149.

264 265
As PRJMEIRAS C1v1L1.tAÇÔES A MESOPOTÂMIA ATÉ ÀS lNVASÔES ARAMAICAS IXl FIM DO l1 MILÉNIO

pam-se em pequenas colónias, os Kâru. Os mais importantes possuem as e apodera-se de Ekallatum. A partir daí, conquista todo o país. Após três
suas próprias agências disseminadas pelos vários principados do pais, os anos de lutas, ex.pulsa Erishum 11 do trono de Assur.
wabaratu. Todos dependem de um kàrum central situado em Kanish, a ac- Com ele, a Assíria abre-se lentamente à influência do Sul. Formado
tual Kültepe. Dotado de an11azéns e de bancos, autorizado a cobrar taxas e no seu exílio na escola babilónica, Samsi-addu traz com ele o culto de
dispondo de prerrogativas judiciárias, o kânim está habilitado a entabular Enlil; é em honra deste deus qu e constrói a sua nova capital, Shubat-enlil.
transacções com os príncipes locais. A instituição é protegida por tratados Introduz, ao mesmo tempo, o uso do dialecto babilóruo e adapta o título e
concluídos com os poderes locais, fornecendo estes últimos escoltas mili- a coocepção reais da época de Acad.
tares e recebendo em troca, sob diversas formas, uma parte dos beneficias Mas as suas ambições não se ficam pela soberarua sobre a Assíria: para
realizados. O teor destes tratados deve variar muito consoante o poderio o Leste. confronta-se com o rei de Eshnuona, fren te ao qual a sorte é va-
dos príncipes, estando provavelmente os mais fracos den tre eles sob a de- ria; para õ Norte, disputa a região de Arbela aos montanheses turukeanos;
pendência do kárum. para o Oeste, estende as suas conquistas até ao curso superior do Habur.
O kâmm de Kanish está colocado sob a autoridade da cidade de Assur. Foi provavelmente por um dos seus agentes que Iabdun-lim de Mari foi
Ai, são os magistrados epónimos da cidade e o rei, ou mais geralmente os assassinado; ocup a então o vale do Eufrates até à foz do Balih, obrigando
ricos proprietários, que avançam com os fundos e vigiam as redes. Os merca- Zimri-lim a fugir. Na Siria. para neutralizar o seu principal adversário, o rei
dores fazem o resto. Se é que de facto e le exjstiu, o limite entre as actividades de A lepo, faz aliança com os Estados de K.arkemisb e de Katna. Cbegado
de interesse privado e de interesse públ ico é, ponanto, difícil de traçar. Seja ao apogeu do seu poder, conduz uma expedição até às margens do Mediter-
como for. uma parte dos impostos cobrados reverte para o tesouro de Assur: râneo, onde levanta estelas comemorando as suas proezas; esta campanha
assim, é todo o pais que se vê enriquecido pelo comércio capadócio. coloca-se na Linha do mais puro estilo da tradição acádica. Sob o seu domi-
As casas de comércio têm wn carácter familiar. No seu conjunto, os oio, a Assiria tomou-3e a primeira potência da época.
meios que põem em acção são modestos mas as tarifas praticadas per- O império é vasto e próspero, atravessando pelas grandes estradas co-
mitem lucros substanciais; em alguns casos. aproximam-se mesmo dos merciais, englobando os vales férteis do Habur e do Eufrates. lncaasa-
l 00%. As trocas comerciais são de duplo sentido: os Assírios exportam velmen te, a partir da sua capital Shubat-eolil - a identificação da cidade
para a Capadócia tecidos e estanho: em troca, importam cobre, cujo mo- com Chagar-bazar não é de aceitar-. Samsi-addu vigia tudo, interessa-se
nopólio do comércio detêm. e repatriam os capitais, em ouro ou em prata, pessoalmente por todos os problem as administrativos. Está rodeado por
provenientes das vendas. um estado-maior e por uma cbaoccl-!ri~ notáveis. Os arquivos de Mari e de
Após um século de intensa actividade, a situação deteriora-se. A Ásia Tell Shemshara conservaram, em parte, a correspondência que troca com
Menor é sacudida por abalos imemos; a cidade de Kanish é incendiada. As os seus representantes e os seus filhos, lshme-dagan e Ishmah-addu, vice-
colónias assírias estão periclitantes após uma última recuperação de activí- -reis respectivameote de Ekallatum e de Mari. O -ptimeiro está encarregado
dade; tendo reconstruido Karush, o s mercadores assírios tentam, de facto, de v igiar os serranos do Norte e as actividades dos reis de Eshnunna.
mas em vão, relançar uma aparência de actividade comercial. Além disso, a O segundo res ponde a partir de Mari pelos deslocamentos dos nómadas e
situação toma-se critica na própria Assíria. Se o sucessor de Puzur-ashshur l l pelas actuações do rei de A lepo. A posição de tasmah-addu é a mais difi-
Naram-Sin, é o rei de Eshnunna do mesmo uome, bà que supor que a guerra cil de sustentar, tanto mais que Zimri-Lim, herdeiro da dinastia expulsa,
devasta o país. Erishum fJ consegue restaurar a dinastia de Puzur-ashshur. mantém-se vivo, e o vice-re-i nem sempre se mostra à altura da sua tarefa~
mas e le próprio acaba por ser derrubado por um príncipe de origem amor- as cartas com reprimendas do pai não faltam.
reia. Samsi-addu. Segundo alguns documentos arqueológicos, pareceria que As questões militares são tratadas com grande cuidado. Guarnições esta-
algumas colónias terão sobrevivido até à época de Zimri-lim. cionam permanentemente em todas as grandes cidades. Aql1ar1do das campa-
nhas, procede-se a um levantamento de tropas, quer entre os sedentàrios quer
A Assiria sob SamsT-addu. - Samsi-addu 1 ( 1815-1782) pertence a um entre os nómadas. No regresso, estas tropas são desmobilizadas. Podem ser
c lã nómada estabelecido em Terka e expulso pelo rei de Mari. Encontra numerosas e estão dotadas de um material de certo muito considerável; no
refúgio na Babilónia e. depois de alguns anos de exílio, parte para a Assíria cerco de Nurrukum, o exército assirio compreendia 60 000 homens.'

266 267
As PRIMlõlRAS ClVlLtZAÇÓES

É impossível, por falta de dados cronológicos. escrever a história do


reinado em todos os seus pormenores. As referências às campanhas milita-
res são numerosas. Com a tomada de Nurrukum e de Arrafa Samsi-addu
procura seguramente reforçar a sua fronteira leste sobre o Zab inferior. Na
outra extremidade do império, faz campanha contra Harran. As relações
com Eshnunna são mal conhecidas; parece que, no fim do reinado, a cidade
reconhece a autoridade do rei da Assíria.
A sua ambição leva o monarca e proclamar-se «rei da totalidade» . à
maneira dos reis de Acad. e, tal como eles. invoca o patrocínio em Enlil ao
qual dedica um templo em Assur. Restaura também o templo de l sbtar que
Manishtusu. outrora, mandara construir.

Samsi-addu morre em l 782. A sua morte anuncia o desmembramento


do império. fshme-dagan, que lhe sucede ( 1781-1782), faz pálida figura
comparado com o pai. A partir do seu advento, os exércitos de Esbnunna
agitam-se e apoderam-se de Rapiqum, donde sobem o curso do Eufrates
em direcção a Mari. Ao mesmo tempo, em circunstâncias que desconhe-
cemos, [asmab-addu é expulso de Mari. Zimri-lin, que recuperou o seu
trono, vai até ao ponto de arrebatar o Alto Habur aos Assírios. Sbubat-enlil
está perdida. Zimri-lim beneficia, por isso. da ajuda mjlitar de larim-lim,
de Alepo.
Ishme-dagan mantém-se à frente de uma Assíria muito enfraquecida
pelas conquistas dos seus vizinhos. É muito possível que não deva às suas
próprias qualidades o facto de ter permanecido no trono de Assur, mas a
Hamurabi da Babilónia. cujas primeiras vitórias põem em perigo os ven-
cedores de ontem. As várias versões da Lista real assíria atribuem-lhe, no
entanto, wn reinado de quarenta a cinquenta anos. Sobreviveria, portanto.
ao próprio Hamurabi, do qual possivelmente é vassalo. Depois dele, abre-se
um longo período de anarquia em que os «filhos de ninguém» disputam
entre si o poder, mas as fontes calam-se acerca disso. A Assíria deixa de
desempenhar qualquer papel político até ao reinado de Assurubalit L

3. O império de Babilónia
A ascensão de Babilónia sob Hamurabi. - Com o reinado de Hamurabi
( 1792- 1750), Babilónia conhece a glória de um império efémero. O sobe-
rano, que tem a seu favor qualidades excepcionais, tem um agudo sentido
da ruplomacia. mas sabe bater com força. na altura azada. O império de Ba-
bilórua é sua obra pessoal. Embora frágil e sem originalidades em muitos
domínios, a sua obra afumar-se-á até se tomar exemplar. Babilónia toma-
-se, sob o seu reinado e o do seu sucessor, no centro de uma actividade

268
AS PRIMEIRAS CIVILIZAÇÕES A MESOPOTÂMIA ,\TE AS INYASOE!I AKAMAILJ\:> IJU rliVI 1.1\I " . ... ~, .... ~

cultural e de urna p rodução literária intensas que marcarão toda a posterior Povo serrano do Leste, os Cassitas são já conhecidos na Babilónia,
história da Mesopotâmia. onde vêm oferecer os seus serviços como trabalhadores braçais ou como
A cronologia do reinado é bem conhecida. U tilizando alternadamente soldados. Mas, bem depressa. à in:filti:ação sucede a ameaça de invasão. No
promessas e ameaças, diplomacia e força, Hamurabi constitui, em menos Diyalá, os reis babilónicos constroem fortalezas para contê-los. Por fim, a
de trinta an~s, um Estado que corresponde ao império de Ur, tendo a me- vaga é desviada para outro lado: iremos encontrar os Cassitas no território
nos o Elão. E verdade que a situação internacional joga a seu favor. Após a do reino de Hana.
morte de Samsi-addu, a Assíria já não é mais que a sombra de si própria e As revoltas e as guerras não fazem mais que agravar a situação eco-
os grandes Estados entram em disputa à volta dos seus despoj os. Só Rim- nómica já muito má. O regime agrário está em queda, os beneficiários de
-Si.ri se apresenta como sério opositor. Agindo com circunspecção, Hamu- i/ku asseguram cada vez menos o serviço do rei. Os preços sobem, as mo-
rabi começa por fortificar as cidades dos seus Estados, depois arrebata [sia ratórias sucedem-se às moratórias: as mais célebre dentre elas é o édito
a Rim-Sim e aproxima-se perigosamente de Larsa tomando posições em de Ammi-saduqa ( 1646-1626); é, ao mesmo tempo. o único documento
Uruk. Mas, para Larsa, a hora ainda não tinha chegado. Hamurabi faz um marcante de todo este período. Alguns enriquecem à custa do bem-público
movimento de diver são, marcha sobre Iamutbal. Malgium e Rapiqum, de- e, pouco a pouco, vê-se esboçarem-se novas relações sociais.
pois do que, durante quinze anos, prepara a sua ofensiva mais importante, O próprio Estado decompõe-se, o poder esboroa-se, o reino é cada vez
ao mesmo tempo que se ocupa nas cerimónias religiosas da praxe e na mais reduzido. Os últimos reis da dinastia já só reinam sobre Babilónia e
organização das conquistas. É em 1764 que obtém a sua primeira grande Sippar. Finalmente, por volta de 1595, o rei hitita Mursili I toma Babilónia
vitória sobre uma coligação que agrupa os exércitos de Elão. dos Guti, de de assalto e, ao retirar-se, deixa a cidade nas mãos de recém-chegados: os
Malgiurn. de Eshnunna e da Assíria. Hamurabi encontra, sem dúvida. alia- reis cassitas.
dos para reforçar as suas fileiras; infelizmente, porém, não conhecemos ne-
nhum deles. Em 1763 toma Larsa, eliminando assim o seu principal adver- 4. Os Estados urbanos e a civilização na época paleo-babilónica
sário. Em 1762 entra ero Eshnunna e anexa Ekallatum. Por fim, em 1759, A organização dos Estados. - Hamu.rabi retoma o velho título de «rei
Malgium cai em seu poder e os seus exércitos lançam-se contra Mari, que das quatro regiões» que pretende exprimir a soberania sobre a terra intei-
é saqueada. Pouco depois, Hamurabi completa as suas vitórias com um ra. Ele é o «Sol» dos povos e impõe a todos a sua autoridade e a sua lei.
sucesso conseguido sobre a Assíria e com o saque da cidade de Eshnunna. Reina como senhor absoluto, aparentemente sozinho: não se lhe conhecem
O nome deAssur não é mencionado nas narrativas de vitórias, mas figura ao ministros nem conselheiros. A sua competência estende-se desde os pro-
lado de Nínive no prólogo do «códjgo». Hamurabi é, doravante, o senhor blemas cruciais de política externa e administrativa até aos assuntos mais
de toda a Mesopotâmia. Morre três anos depois de ter travado os últimos humildes e banais. Este mesmo traço de carácter tinha já impressionado
combates. na postura de Samsi-addu. É, decididamente. escondida por detrás de uma
titularidade ainda inteiramente inspirada no passado, uma nova concepção
O declfnio de Babilónia e a chegada dos Cassitas. - A obra de Hamu- da realeza que se manifesta: vemos impor-se a imagem do senhor que dis-
rabi mantém-se em estado de esboço e o seu sucessor Samsu-iluna (1749- põe da s ua comitiva e dos seus súbditos como um chefe de famHia pode
-1712) não tem tempo de acabá-la. Conduzido por um certo Rim-Sin. que dispor dos seus. O próprio valor das palavras deve ver-se assim modifica-
toma o poder em Larsa e em Ur, todo o sul do pais se revolta. Após três do, mas é difícil, aquj, apreciar o a lcance da mudança. A grande difusão
anos de intensas lutas, a revolta é reprimjda e as muralhas de Ur e de Uruk do titulo real sharrum de que se prevalecem muitos principes de segunda
arrasadas. As de lsin sofrem o mesmo destino. mas ai, o dirigente do mo- categoria e a existência, atestada pelo menos pelos arquivos de Mari, dos
vimento de rebelião consegue fugir. Em breve, é todo o País do Mar. nas reis vassalos de o utros reis, ilustram a depreciação do termo. Nem todos os
margens do golfo Pérsico, que está em efervescência. Eshnunna, por seu reis usam, de resto, este titulo: o de Der diz-se shakkanakkum, o de Assur.
turno. entra em dissidência. Por toda a parte, e até nas prox..imidades de corno vimos, ishshi.ald·um ou waklum, con.fi:mne se refere às suas funções
Sippar, o rei vê-se obrigado a levantar linhas de fortificações. A revolta de grande sacerdote ou de juiz supremo e chefe da assembleia da cidade.
junta-se, por fim . a ameaça da invasão estrangeira. a dos Cassit3s. Assinale-se, de passagem, que o mesmo termo isshiakkum designa tão-só,

270 :!71
As PRL\1EIRAS C1v1LtZAÇt".>ES

na Babilónia de Hamurabi, um simples caseiro. Por outro lado, nota-se


que, fora dos reis da dinastia de lsin, o uso do determinativo divino diante
,...
do nome real se tornou inteiramente excepcional: é uma simples evocação z
<
da titularidade dos reis de Ur. o :I:
(./)
,.._
A máquina adm inistrativa elaborada pelos reis de Ur não sobreviveu z<( :E 1·
::,
à fragmentação e à instabilidade políticas. É verdade que a organização ,.&.. :z:
a:
e _a administração hamurabianas, tanto quanto as conhecemos, não cons- w
:z:
_.I -~
tituem um modelo típico. Cada Estado tem as suas próprias. reflexos da •-;;
(./)

:E
personalidade do soberano e das condições impostas pelo meio. Na Assí-
ria, Samsi-addu associa os seus filhos ao poder na qualidade de vice-reis
e confia-lhes a vigilância das zonas fronteiriças mais ameaçadas. Antes o
a:

.J_ ~
dele, os reis da dinastia de Puzur-ashsbur não controlavam directarnente <(

as questões económicas e administrativas. que dependiam das instâncias _"i


al .. a:
o =
~ :s
-
e:,
urbanas, o bitalim ou o bit limmim. Em Mari, Zimri-lim governa ao mesmo 3
__, •7
.., ..N
..,.;z
tempo populações sedentárias e nómadas. As primeiras dependem directa- => -e
:; a: o·O
mente do poder central ou estão cot"tfiadas a príncipes vassalos; quanto às .... _J

o
.. w

õ E• e=>
... - o ~
• o Cil
segundas, o rei procura insistentemente estar bem relacionado com os seus
xeques. O reino de Esbnunna constitui a excepção: é o único a manter, até §..,~
..e

e 2._e~
a. -
.,=
if~ -w <(
Cil
~IJJ
~
à sua queda, a estrutura administrativa da época de Ur. Hamurabi divide
<:, ~
~º :: -~ <
=>
- ºº
o <(
u.J i'.=
a Babilónia em províncias que confia a oficiais e a governadores que lá o --)l1/":. 1- cn
@ <(
representam. As cidades são administradas por presidentes, assistidos pela
assembleia dos antigos. O poder judicial está confiado aos juízes reais e a
~
- -
·2 ~"' ~V
-Z=
c:::o
oo .._;
administração financeira aos «chefes dos mercadores». As diferenças lo-
cais tendem a diluir-se em favor de uma centralização cada vez mais acen-
SlflltílJnH
...
-
-!:;
z ?-~
.:::,~
e:, -
,;
...E ::E

<(

I
.= ..- ·O~
tuada, da qual a uniformização do calendário marca uma fase importante. i
...,
~
..
e::: ti:
a.. o
De uma maneira geral, a ligação pessoal é a únjca que assegura a fidelidade o .,. º<
1
dos súbditos, assumindo por isso uma importância capital: a carreira dos ,;I
"'"'o..
oficiais e dos dignitários depende dela. Eles têm de prestar sempre contas "'
ao rei das suas acrividades e este último não hesita, se for caso disso, em
(/)
:::s
~
condená-los à morte.
~ .:?
... o o .. à:
e

? .1';'1' ã .i:i .~:e


...,"'( o •
õ
A economia e a sociedade. - A passagem da época de Ur ao período ba- ~?
bilónico antigo é marcada por uma muuança profunda na natureza das nos- ~-./}~"'~"'-
.!!! •
sas fontes: os arquivos do sector público dão lugar aos arquivos privados. ~
Ter-se-á o cuidado de não tirar daí conclusões definitivas sobre eventuais
transformações económicas e sociais.
Em lsin, sob o reinado de Bur-Sin, vemos iniciar-se o processo de secu-
larização dos bens dos templos, podendo particulares fazer a sua compra.
Na mesm a época e na mesma cidade, textos estabelecem a venda de bens
da coroa. Considerada em si mesma, a secularização dos bens dos templos

272
As PRIMEIRAS CJVILtZAÇÔF.S A MESOPOT/\MIA ATÉ /\S INVASÕES AAAMAJCAS DO FlM DO li MILÊNIU

não é uma novidade na Mesopotâmia, mas perde agora o seu carácter ex- por herança. O remanescente dos bens do palácio é confiado a arrendatá-
cepcional, anormal ou transitório, para entrar definitivamente nos hábitos e rios, colonos ou simples agricultores.
costumes. Os reis de Uruk apoderam-se dos bens dos templos da cidade e O comércio está nas mãos dos mercadores, os camkaro. Abastados,
encontram ai a sua única fonte substancial de rendimentos. Hamurabj pede muitas vezes descendentes de funcionários enriq_uecidos do império de Ur,
contas ao clero. Se lhes faz numerosas ofertas, espera em contrapartida o fortemente organizados em corpo profissional, sabem impor-se. Hamurabi
pagamento dos resgates peJos prisioneiros de guerra e empréstimos a juro encarrega o seu chefe, o wákil tamkâri, da cobrança dos impostos; coloca- ...
baixo. Fornecedor de fundos, o templo toma-se uma instituição bancária. do sob a autoridade directa do governador de província, a sua actividade t
A instituição das "l>acerdotisas-naditu do templo de Sbamasb em Sippar é consiste também em cootrolaT o conjunto das transacções comerciais.
esclarecedora a este respeito: arrendatárias das propriedades do templo e A importação-exportação fornece grandes lucros, mas o mercador pode fazer
também banqueiras, elas são o testemunho vivo da intromissão do sector também oficio de banqueiro. Frequentemente, parte em missão às ordens
....
privado no domínio religjoso. do palácio.
Ao mesmo tempo, a deterioração da situação económica faz-se sen-
tir pesadamente. Durante dois séculos, as guc1,-as devastam toda a Meso- Neste fervilhar poütico em que os Estados se fazem e se desfazem, as
potâmia, com o que isso comporta de pilhagens e destruições. Diminui a guerras levaram a melhor sobre a ordem social. Sucessivamente, os reis
superfície das terras cultivadas, grassa a fome nas grandes cidades que se de lsin, de Eshnunna e de Babilónia tentam impor a ordem promulgando
despovoam. os campos são pouco seguros. O exemplo de Diyala foi parti- colecções de leis. Ao fazê-lo, não fazem mais que homologar uma situação
cularmente posto em relevo pela investigação contemporânea. Os reis de de facto. ã qual dão uma aparência de fundamento juridico. Estas colecções
Eshnunna não poupam os esforços para travar o fiuxo dos nómadas e para são abusivamente chamadas «códigos>> pelos modernos; são. na realidade,
fixar ao solo a população atemorizada e em fuga. Bilalamá vai até ao ponto corpos de decisões reais mais ou menos agrupados por matérias e apresen-
de fundar uma «cidade nova». Após a derrocada do Estado de Eshnun- tados segundo um formulário simples. Não têm qualquer valor normativo.
na, Hamurabi retoma a mesma política, mas em vão. A população diminui O seu enunciado conserva o carácter concreto da sentença de umjui.z, sen-
mais de um terço e é constituída em boa parte por elementos nómadas ou do neles importantes as lacunas. Para citar apenas um exemplo, oo capítulo
seminómadas. das leis de Hamurabi consagrado aos maus-tratos infligidos pelo filho ao
De uma maneira geral. todos os reis da época são obrigados a uma po- pai, nota-se a ausência do parricídio. Aparecem, por fim. algumas contradi-
lítica de irrigação de grande envergadura para pôr urn travão ao movimento ções nos julgamentos feitos e as sentenças não têm «nem a universalidade.
de abandono das terras. Mas o empobrecimento das massas é tal que essa nem a coerência, nem o carácter constantemente obrigatório daquilo que
política não é suficiente. Os reis multiplicam. então. as medidas sociais, entendemos por lei». Majs significativo ainda é o facto de o exame dos
as isenções de impostos, o perdão de dívidas. Alguns soberanos vão ao documentos contemporâneos mostrar que, salvo uma ou duas excepções.
ponto de promulgar vários decretos nesse sentido ao longo do seu reinado. aliás muito duvidosas, nenhum contrato oem processo de julgamento faz
A prática toma-se de tal modo corrente que os reis a ela recorrem, aquando referência à colectãnea.
da sua subida ao trono. Hamurabi não escapa à regra geral. Às moratórias Apesar do seu carácter imperfeito, estes documentos têm o grande
vêm juntar-se as tarifas reduzjdas. Mas a sua apljcação é duvidosa e o seu mérito de dar a conhecer as estruturas sociais do tempo. Em Esbnunna.
numero faz pensar que se trata mais de votos emitidos que de verdadeiros a população é dividida simplesmente em duas categorias, a dos cidadãos
preços dos artigos. livres e a rio~ não-livres. Na Babilónia. aparece uma terceira classe, a dos
Paralelamente, o palácio procura reagir por outros processos. Paga os mushkenu, intermediária entre as classes dos awilu, homens livres, e dos
serviços prestados em bens de consumo saídos dos dominios reais, e exige, wardu. servidores e escravos. A sorte do mushkenum é pouco invejável:
em contrapartida, prestações de serviço. Estes domínios, os ilku, podem empregado pelo palácio. vende-lhe a sua força de trabalho em troca de pro-
ser alugados indiferentemente a toda a pessoa que presta os seus serviços tecção. Quanto ao escravo, ele beneficia de personalidade jurídica, pode
ao palácio, do simples soldado ou artífice ao mercador e ao sacerdote. São desposar uma mulher Livre e posswr bens; conserva sempre a possib;lidade
teoricamente inalienáveis, mas, sob certas formas, podem ser transmitidos de ser liberto. De uma maneira geral, a sorte do escravo nunca é, na Meso-

274 275
As PRIMêlRAS C1v1LIZAÇÔES A MESOPOTÀMI/\ A1 é /\S INVASÔES AR.AMAlCAS DO FIM DO li Mllr.NIO

potâmia, tão penosa como o será nas grandes propriedades da Sicília ou da tradição de Eridu, apresenta a criação do homem como a de um criado ao
UáLia na época romana. serviço dos deuses. É com considerações de tipo malthusiano que o mitó-
Alguns textos fazem, por fim, aparecer uma disti.nção entre as popula- grafo completa a sua narrativa e tenta explicar as vicissitudes da condição
ções acádicas e as populações a.morreias, mas as informações que contêm humana.
são demasiado vagas para que seja possível tirar dai qualquer conclusão Com estas obras, às quais vêm juntar-se os hinos e os primeiros ele-
sobre as relações existentes entre as várias comunidades. ignoramos natu- mentos do corpus, divinatório, a língua babilónia é promovida à categoria
ralmente tudo acerca dos que não têm. qualquer estatuto jurídico, como os de língua Uterária. O sumério que se tornou língua morta. constitui objecto
deportados políticos ou os prisioneiros de guerra. de numerosos estudos; aparecem mauuais bilingues e dicionários. O seu
prestigio, no entanto, continua a ser grande, já que é ainda utilizado para a
A vida religiosa, intelectual e artística. - A ascensão de Babilónia sob composição de inscrições reais. A sua gramática sofre, no entanto. fortes
Hamurabi leva com ela a do seu deus, Marduk., que se arroga o primeiro alterações.
lugar no panteão. Na verdade, é difícil de saber quando pôde fazer-se essa
elevação do deus de Babilónfa à realeza suprema entre os deuses.O próprio Face a uma tal riqueza literària, a produção artística espanta pela sua
Hamurabi respeita muito o panteão sumério e só no tempo de Abi-eshuh banalidade e frieza. Os seus traços dominantes são um academismo insípi-
é que começa a aparecer uma literatura exaltando Marduk.. Quanto à iden- do e uma total ausência de espírito criativo. Tais características são perfei-
tidade do deus que figura na estela de Hamurabi conservada no Museu tamente ilustradas pelo relevo que orna a este la do «código» de Hamurabi.
do LouVTe, está longe de estar assegurada e os especialistas hesitam entre Vê-se nele o rei cm adoração perante urna divindade sentada num trono.
Sbamash e Marduk. envergando uma quàdrupla tiara com chifres e tendo na mão o anel e o
Seja como for, as coocepções religiosas evoluem e verifica-se uma or- bastão, simbolos do poder. A glíptica reproduz infatigavelmente o tema da
denação do panteão oficial. As velhas divindades sumérias, Enlil, Enki-Ea. apresentação. Mais uma vez, a produção de figurinhas de terracota impõe-
Inanna-Ishtar, conservam o favor popular e os seus respectivos cleros man- -se pela variedade e espontaneidade.
têm-se poderosos. O deus Amurru faz um aparecimento tão breve como
brilhante. No vale do Eufrates, Dagan substitui Enlil como deus supremo. 5 A Síria do Norte e os principados hurriras
Em Mari, é o deus Lim, protector da dinastia local, que vem ã cabeça, as- Os reinos amorreus. - A imagem que os arquivos de Mari nos ofere-
similado ora a Dagan, ora ao Sol. Na Assíria, onde reinam os deuses Assur cem da Síria do Norte é em todos os pontos semelhante à da Babilónia: um
e Adad, o panteão começa a abrir-se a certas divindades burritas; mas este mosaico de Estados independentes dirigidos por dinastias amorreias. Três
movimento só ganhará importância a partir do século xv1; entrementes. dentre eles adquirem uma certa importância: os reinos de Karkemish e de
Samsi-addu introduz nele algumas divindades do panteão babilónio. Katna são a liados de Samsi-addu e desenvolvem-se sob a sua protecção~ o
terceiro Estado, de longe o mais poderoso. é o reino de Iamhad.
Os escribas babilónios legaram-nos um fundo inesgotável e variado. Pona do Taurus. ponto de chegada das estradas comerciais anatólicas,
É por seu intermédio que possuímos cópia de numerosos textos literários o reino de Karkemish beneficia de uma situação privilegiada, invejada pe-
sumérios; na sua grande maioria, as obras da época de Ur só nos são co- los seus iivais. Karria, no meio da rica planície de Homs, é a encruzilhada
nhecidas pelas suas cópias paleo-babilónicas. São eles que compõem. em das estradas do Eufrates ao Mediterrâneo. As comunicações com o mar
língua acádica, as primeiras versões da Epopeia de Gilgamesh e do Poema fazem-se pelo porto de Tripoli. A sua aliança com Samsi-addu, cujo filho,
de Atrahasis. O autor da Epopeia de Gilgamesh vai beber abundantemente lasmah-addu, desposa uma filha do rei de Katna, põe-nos ao brigo das
nas fontes sumérias, que utiliza aliás com muita liberdade. Conta a história ambições do seu poderoso vizinho, o rei de Iamhad. Mas, por morte do
de uma amizade, faz o retrato de um herói cuja des mesura o leva a ofender monarca assírio, ficam limitados às suas próprias forças e a sua posição
os deuses e que parte em vão à procura da imortalidade. É para ele a altura torna-se tanto mais crítica quanto Zimri-lim. de Mari, é aliado do rei de
de pôr os grandes problemas que afectam o homem, os do mal e da morte. fambad. Encontram finalmente a sua salvação numa reviravolta po)..ítica: a
O Poema de Atrahasis, que resume quanto ao essencial as concepções da conclusão de um tratado de paz entre lamhad e Katna. É bem possível que

276 277
LARSA EsuNUNNA
lSIN Naplãnum Itaria
lshbT-erra Emisum llshu-ilia
2017- 1985 faÃO
ASSÍRIA
Sbo-ilisbu Indattu 1
1984-1975 Puzur- cerca de
DER asbshur 1 1970-1945
lddin-dagão Samium Nidnosta
1974- 1954 1976-1942 Tan-rnhuratir
Anum- Bilalama llushuma cerca de
muttabbil 1945-1925
lshme-dagan Zabaia
1953-1935 l 941-1933
Lipit-isbtar Guogunum
1934-1924 1932-1906 Erishwn I lndattu II
Ur-ninurta Abisare
1923- 1896 1905-1895 Ikanum
BABILÓNIA l AMUTBAL
Bur-Sin Sumuel Sumuabum
1895-1874 1894-1866 1894- 1881
ÜRUK Sargão I Sumu-
Lipit-EDlil Sumulael Sin-kllshid lpiq-adad Ir iamutbal
1873-1869 1880-1845 cerca de
1865-1833
Erra-irnilff Nílr-adad
1868-1861 1865-1850
Puzur- Eparti
ashshur li cerca de
1860

MARJ
Enlil-bani Sin-idinnam Sabium Nnrãm-Sín faggid-lim Shilhaba
1860- 1837 1849-1843 1844-1831 cerca de cerca de
1830 1830
Zamb1a Sio-iribam Apil-Sín
1830-1813
!ter-p1sha Sin-iqtsham Kudunnabug
Urdukuga Sillr-adad
Sín-mãgir Warad-Sin Anam Dl!dusha [ahdun-lim
1827-1817 1834-1823 cerca de cerca de
1821-1817 1825-181 O
Erishum li
Damiqi-lisbu Rim-Sin Sin-muballit lrdanene lbãlpiel n ALEP
1816-1794 1822-763 1812-1793 cerca de Sams1addu 1 [asmah-addu
1816-1810 1815-1782
Hamurabi Zimrilim larim-lim
1792-1750 Tshme-dagãn 1782-1759
CASSITES 1781-1742 Hamurabi Kutir
Samsu-ilana nahhunte
1749-17 12 cerca de
Gandash Adasi 1730
Agum 1
Abr-eshuh
171 1-1684
Ammr-ditana
1683-1647
Ammi-sacluqa
1646-1626
Samsu-ditana
1625- 1594

Fig. 4 - Tábua cro110/ógica da época babilónica tmtiga


As P RIMEIRAS C1v1L1,,wc)ES AM esoPOfÂMI,\ I\TF /\S INVI\SÔES AR/\MAICAS DO FIM l)O li M ILENIO

Zímri-lim tenha actuado no sentído da reconciliação, uma vez que estavam dade. Em Alepo, fazem parte da comitiva real. Atravessaram, portanto, o
em jogo os interesses económicos de Mari. Eufrates provavelmente no século xtx. A inexistência política da Assina, o
O reinado de [amhad ou de Alepo. segundo o nome da sua capital, enfraquecimento da Babilónia após amoite de Hamurabi e o pouco interesse
atinge o seu apogeu sob farim-lim, protector de Zimri-lim e fiel aliado de manisfestado pelos reis de Alepo na Alta Mesopotàmia favorecem, sem dú-
Babilónia, e sob Hamurabi. seu s ucessor. Consegue fazer frente às tentati- vida alguma as suas empresas. São suficientemente poderosos para fundar,
vas de Samsi-addu e, após a derrocada do poderio assírio, os seus exêrcitos 00 norte de Alepo, alguns principados, como os de Urshu e de Hasbsbum.
~hegarão atê à região de Der, na fronteira do Elão. Serão provavelmente estes pequenos Estados que virão a formar, uma vez
Estendendo-se das margens do Eufrates até ao Mediterrâneo. o reino é o reunidos, o núcleo tio reino mitaniano. A sua existência está bem atestada
lugar de passagem privilegiado para as caravanas: estas, vindas da Mesopotâ- pelas narrativas dos reis hititas. Hattusilli relata como todo o país se levantou
- mia e passando por Alepo, chegam ao Mediterrâneo em território do pequeno contra ele, à excepção da capital Hattusa, e como põe fim aos principados de
Estado vassalo de Alalah. Os arquivos descobertos neste último local cons- Urshu e de Hasbshum. No seu regresso de Babilónia, Mursili tem, por sua
tituem o feliz complemento dos de Mari. Pode avaliar-se em cerca de meio vez, de repelir um ataque conduzido pelos Hurritas da Alta Mesopotâmia.
século o intervalo que separa a morte de Zimri-lim da fundação, em Alalah, Se o papel político dos Hurritas só aparece no dealbar do século xv, a
de uma dinastia vassala de Alepo. As riquezas acumuladas graças aos lucros sua influência cultural e religiosa é já profunda. É provavelmente através
comerciais permitem a construção de um palácio e de poderosas fortificações. deles que os H ititas aprendem a escrita cuneiforme mesopotâmica. Os hi-
O palácio levanta-se num ângulo da muralha da cidade. Os seus contornos titas não puderam. de facto, ter relações dircctas com o império de U r e
são muito irregulares. Um grande pátio separa os aposentos oficiais da ala não foram as colónias assirias da Capadócia, cuja existência é demasiado
residencial. Havia pelo menos um andar, senão mais. Para reforçar as paredes, efémera, que puderam desempenhar o papel de ligação. Pelo contrário, a
foram emparedadas traves de madeira como divisórias de apoio. partir do século xvu1, com as vitórias hititas na Siria do Norte. a influência
Finalmente, após um século e meio de êxito e de prosperidade, os hurrita toma-se cada vez mais forte na Anatólia.
<1grandes reis» de A!epo sucumbem sob os golpes dos l lititas. Hattusili Ao mesmo tempo, os Hurritas tentam organizar num sistema coerente
marcba sobre Alalah da qual se apodera. conseguindo assim cortar a es- as diferentes concepções religiosas dos grandes povos com os quais estão
trada vital do Mediterrâneo. Faz, em seguida, um movimento giratório. em contacto. Ao lado dos gy-andes deuses sumérios, o panteão hu.rrita co-
para isolar e desorientar o seu adversário. Nenhuma fonte nos diz se ele se nhece Teshup, o deus da tempestade, e o seu paredro Jepat. A figura central
apodera de Alepo. O seu filho, Mursíli, consolida estas conquistas, antes de dos principais textos míticos é a do deus Kamarbi, chamado o «pai dos
lançar as suas tropas contra Babilónia. deuses». Os textos descrevem-no surgindo num dado momento oa esfera
Com o desaparecimento do grande reino de Alepo, a Síria do Norte divina onde assegura o primeiro lugar. Mas é daí rapidamente desalojado
precipita-se numa época obscura donde se verá sair. alguns tempos mais por Teshup. ao qual tenta, então. arrebatá-lo de novo. Nestes textos, abun-
tarde, o reino hurrita de M itanni. dam as figuras divinas mesopotâmicas.

Os Hurritas.( 1) - Os Hunitas <levem ter chegado à Mesopotâmia do Nor- 6. O E/ão


te desde a época acádica, coincidindo o fim desse período com o reforço das A história do Elão na época da 1 dinastia de Babilónia é relativamen-
suas posições em Urkisb, pátria do deus Kumarbi. Podem acompanhar-se, ao te bem conhecida pelos arquivos juridicos e económicos encontrados em
longo dos séculos posteriores, as grandes linhas da sua expansão. Na época Susa e em Malamir. É verdade que possuimos apenas uma ünica inscrição
de Ur podemos localizá-los na margem leste do Tigy-e. Nomes hun-it'as são real, mas, tal como os Elaroitas prestam muitas vezes juramento pelo nome
atestados pouco depois nos arquivos assírios da Capadócia. Vários textos do príncipe reinante. os textos jurídicos fervi lham de dados históricos. Ou-
religiosos hurritas foram descobertos em Mari. Encontramo-los ainda em tras fontes, de segunda mão pois que datam do século xn. trazem a lgumas
Chagar Bazar e em Alalah. embora em pequeno número nesta última ci- indicações complementares.
O reino elamita apresenta-se como uma federação dirigida por três
personagens; as regy-as de sucessão assentam no principio do fratriarcado.
( 1) cr. lambém mira. p. 348.
280 281
As PRIM EIMS CrV (LIZA ÇÓPS A M hSúPC)TÃMIA ATE ÀS INYASÔ FS , \RAMAlCAS DO f'lM 00 li MILtNII)

Em primeiro lugar vem o rei que usa o título de sukkalmah e reside em VI. - A /vlESOPOTÂMIA DE J600A 1100: OS ESTADOS
Susa; este título real ê comummente traduzido por «grande regente», mas
os textos acâdícos de Mari dão-lhe o sentido de «rei». A seu lado, encontra- ~ 1.cante mais de um século, o Próximo Oriente está mergulhado numa
-se o vice-rei que usa o título de sukkal de Elão e de Simashki; é o irmão «idade obscura»; o equilíbrio precário que os dois grandes reinos de Ale-
mais novo do rei. chamado a s uceder-lhe. A terceira personagem é o gover- po e de Babilónia haviam realizado está, doravante, quebrado. Mas, desta
nador. sukka/, da província c.le Susa; é o filho mais velho do rei. O pai e o vez, a invasão é feita pelos povo~ do Norte e n·ã o pelos nómadas semitas
filho vivem oa capital federal ; a residência do vice-rei não é conhecida. do deserto; estes últimos aliviaram há muito a pressão que exerciam. Os
No meio do século x ix, a dinastia de Simashki é derrubada e um certo Cassitas e os Hurritas são provavelmente eles próprios empurrados para
Eparti toma o titulo de <<rei de Anshan e de Susa». O seu reinado parece o Oeste por novas migrações indo-europeias. Quando a sua onda atinge
curto. O seu filho, Sbilhaha, sucedê-lbe, reinando conjuntamente com sua a Mesopotámia, perdeu já muito da força e vigor: Não obstante, o movi-
irmã que é sukkal de Susa. A sua celebridade ultrapassa largamente a de mento estende-se até às margens do Mediterrâneo: alguns elementos indo-
seu pai e serão considerados pela tradição posterior como os verdadeiros -iranianos acompanham-no. Quando, no século xv, as fontes de informação
fundadores da d inastia. É Sbilhaha quem introduz o título de sukkalmah. reaparecem, encontramo-nos em presença de dois grandes Estados bem
Os arquivos de Mari elucidam-nos sobre os propósitos expansionistas constituídos: o Mitani hurrita no Norte e. no Sul, a Babilónia cassita qu e
dos reis de Elào. Sabemos assim que é concluída uma aliança entre o Elão tem o nome de Karduniash.
e Eshnunna. O rei de Elào dirige-se a Eshnunna com o seu exército e, a par-
tir daí, os aliados marcham conjuntamen te contra ldamaras. São repelidos 1. A Babilónia
por Zimri-lim e Hamurabi que vão em socorro do seu aJiado. Mais tarde. A chegada dos Cassitas à Babilónia. - Nos primeiros anos do século
o Elão desempenha ainda um papel importante numa coligação contra a xv1, o rei dos Hititas, Mursili 1, depois de ter neutralizado as cidades de
Babilónia, depois do que desaparece da cena polí.tica mesopotâmica. Ursbu e de Karkemish, desde o curso do Eufrates e toma de assalto a Babi-
É só por volta de 1 730, quando se desmorona o poderio babiJónico. que lónia. A queda da cidade tem uma importância mais simbólica que real, já
Kutir-nahhunte, o novo s ukkalmah de Elão, pode comandar uma incursão que, nessa altura, a Babilónia não é mais que a capital de um Estado minús-
mortífera contra Babilónia, pondo tudo a ferro-e-fogo. Nenhum texto contem- culo. Em contrapartida, a progressão dos exércitos h.ititas abre o caminho à
porâneo menciona o facto. que nos é relatado pelos escritos mais tardios de invasão cassita, cujos dirigentes sobem ao trono que ficara vago.
Shilhak.-inshushinak ( 1150-1120), glorificando os altos feitos do seu predeces- Sobre a origem dos Cassitas pouco sabemos. Vêm do frào e atingem a
sor, e de Assurbaoípal, que traz de novo para Uruk. a estátua da deusa Nana que Mesopotâmia, na região de Krmansha, no início do II milénio. É talvez para
fora levada por Kulir-nabhunte. Este episódio não teve seguimento. se proteger das suas incursões que Samsu-iluna constrói, perto de Hafadje,
A dinastia dos sukkalmah acaba um século mais tarde e os seus últimos a fortaleza de Dur-Samsu-iluna; a primeira menção dos Cassitas nos do-
representantes não são para nós mais que nomes a linhados numa lista di- cumentos babilónicos data, de facto, do nono ano do seu reinado. A língua
nástica. É preciso esperar o século x,v para que a dinastia de lkc-halki faça, dos Cassitas, que abandonam em favor do acádico a partir do momento em
de novo, do Elão uma grande potência. que se estabelecem na Mesopotâmia, é mal conhecida; não é nem indo-
O traço marcante da época é a profunda acadização do pais . Os nomes -europeia, nem semítica; não pode ser aproximada nem do suméào nem do
acádicos são numerosos. O emprego corrente da língua acádica apoma-a elamita, e igualmente pouco do burrita.
como língua oficial. A lém djsso, alguns deuses do panteão mesopotâmico, Os esforços dos últimos reis da primeira dinastia da Babilónia têm
como lnanna, En.k:i ou Nergal, fazem a sua aparição nos textos. O único como efeito desviar os Cassitas para o Noroeste. A onomástica revela a
documento conhecido em língua elarnüa é uma inscrição real que parece sua presença no reino de Hana que se estende entre Marie Habur. Um dos
testemunhar a derrota sofrida perante os exércitos de Hamurabi. O rei, cujo reis deste Estado tem o nome tipicamente cassita de Kashtiliasbu. Ao mes-
nome se perdeu, designa-se muito modestamente como «governador <le mo tempo, descobre-se a presença de colónias cassitas em vários pontos
E lãa>); o tíntlo real desapareceu. do território babilónio. por exemplo, em S ippar e em Nippur. Um cexto
de Babilónia menciona a casa de um certo Agum que usa o titulo'cassita

282 283

Você também pode gostar