A importância de centralizar o poder reside na possibilidade de poder dispor de um maior
contingente de mão-de-obra e um maior volume de recursos materiais.
Como o texto de Heródoto coloca, antes da unificação, boa parte do Egito “era pântano”, a unificação permitiria a mobilização das técnicas, dos materiais e da mão-de-obra para as obras de drenagem e irrigação. Essa seria uma das grandes diferenças entre o império egípcio e os grandes reinos sudaneses, o grande reino do Mali ou da região do Congo que, embora tenham conseguido espraiar o seu poder num raio de influência bastante grande, nos três casos, o poder sobre grandes territórios não caminhou para a formação de um império administrativamente centralizado. Embora existisse o pagamento dos impostos das áreas dominadas, a inexistência da centralização diminuía a capacidade do grande rei dispor de maneira mais intensa de seus recursos. O período seguinte – 2300 a 2000 a.C – corresponde a um período de transformações, marcada pelas campanhas na Líbia e pelo crescente poder dos funcionários da burocracia local. Entre 1780 e 1640 a.C., houve uma sucessão de mais de 20 reis, que não conseguiram, mesmo com o auxílio dos exércitos de mercenários, conter a presença dos hicsos tanto na produção agrícola como na organização bélica, adotando o uso das cimitarras, os arcos compostos, o trabalho em bronze (que antes era importado), o trabalho com o cobre arseníaco, do carro puxado a cavalo, o tear vertical, do cultivo de hortaliças dentre outras técnicas. As guerras pela restauração do controle do Império trazem consigo a vitória dos príncipes tebanos, o início do Novo Império e algumas novas mudanças. Com as guerras e a reconquista do território, faz-se um grande número de escravos e, o trabalho nos campos e nas obras outrora realizado prioritariamente pelo homem livre, agora seria realizado pela mão-de-obra escrava. Amenófis IV, reincorpora à figura do faraó, a função de sumo sacerdote e incorpora à sua personalidade mística a figura do disco solar Aton, alterando seu nome-dogmático para Akenaton (aquele que é benéfico para o disco) e instituindo Áton como o único deus supremo, estabelece o monoteísmo e, com ele, a centralização do poder nas mãos do faraó. O grande número de escravos, fruto das incursões militares e da conquista dos territórios vizinhos (Ramsés II teve que enfrentar os líbios e também os hititas – período da célebre Batalha de Kadesh - até conseguir com eles acordo de paz, consolidado com seus casamentos com princesas hititas) possibilita a construção e o reparo de inúmeros monumentos, é uma fase de grande trabalho nas obras dos templos, cidades e necrópoles. Contudo, em termos de centralização do poder nas mãos do faraó, ela não se dá por completo, pois Estado e Templo dividem o comando do império entre si: o palácio controlando os exércitos e as colônias e os templos comandando o Egito. O novo momento de apogeu da cultura e da civilização egípcia ocorreria durante o domínio dos descendentes de Ptolomeu (filho de Lagus), general de Alexandre Magno, dando início ao período Ptolomaico, ou Lágida. A Região Leste: o Reino de Axum, o chifre da África Conforme July, a porção Centro Oriental da costa africana é formada por um grande planalto, “o chifre da África” como é chamado, apresenta-se como uma região de reduzidas áreas para o cultivo, tendo o vale do Rio Atbara, um tributário do Nilo, como principal região para a concentração humana e de produção agrícola. Dessa forma, a grande concentração humana, somada à necessidade de organização do trabalho para viabilizar a produção, teria propiciado, tal qual nas outras sociedades nilóticas, como a dos núbios, egípcios e kushitas, conforme Fage, em Breve História da África, uma organização citadina, também entre os povos da porção oriental. Os primeiros registros sobre as cidades ao Sul da primeira catarata do Nilo encontram-se em Heródoto, que, ao descrever em sua História, sua viagem pelo Egito, afirma ter ouvido falar de grandes cidades na direção do alto Nilo, todavia, não teria chegado à elas em função da distância. Antes de Heródoto, segundo July e Fage, encontramos no templo à Rainha Hatsepsut, no vale dos reis, inscrição que se remete a uma viagem ao país de Punt, a Leste do Alto Nilo, da qual teriam trazido seus emissários, mirra, madeira, resina e escravos. O que a arqueologia nos mostra é que, provavelmente, antes do século X a.C, encontrava-se ali, na porção oriental, uma sociedade formada por grupos autóctones (negroides), que, por volta do século VII a.C, já estariam miscigenados com um grande número de árabes, vindos pelo Mar Vermelho. Enquanto o Egito teve suas relações sociais e comerciais, a partir do helenismo, profundamente ligadas ao mundo mediterrânico, a região Leste, que tinha a cidade de Axum e a cidade portuária de Adulis como áreas centrais, esteve cultural e comercialmente ligada ao mundo árabe e ao Oriente Médio como um todo, mesmo depois da adoção do cristianismo. Para os axumitas, a dinastia dos reis teria sido inaugurada pelo rei Menelik, que seria o filho de Makeda, a “Rainha de Sabá”, com o rei Salomão, estabelecendo assim não apenas um laço de aliança com o Oriente Médio, mas também justificando o mando de Menelik por meio de sua possível origem na realeza do reino de Israel. O mito da rainha de Sabá conferia ainda ao reino do Axum um caráter sagrado e hereditário, uma vez que, segundo o mito, a eles teria sido entregue a guarda da arca da aliança, pelo próprio rei Salomão, para que a protegessem. Segundo Fage, esse mito seria o resultado da convivência e da fusão dos pequenos grupos semíticos que ali teriam se instalado, aos grupos e clãs autóctones, promovendo a formação do Reino do Axum. A grande importância das duas cidades axumitas era viabilizar a entrada de produtos vindos do Oriente, como tecidos, jóias, cerâmicas, ervas, óleos e, principalmente, o marfim; Das cidades do Vale do Nilo, os produtos seguiam ainda pelas rotas terrestres, alcançando a faixa saariana, onde as caravanas de beduínos se incumbiam de conduzir a preciosa carga até as regiões povoadas – as regiões altas do deserto, no Hoggar, no Tassili e no Tibesti – de onde seguiam até a cirenaica ou até as cidades cartaginesas. Esse grande reino inicia seu processo expansionista durante os séculos II e IV, quando o rei, vivendo numa cidade cercada por palácios, obeliscos e templos, organizava seu exército formado por axumitas e mercenários, armados com armas de ferro importadas tanto para garantir a segurança dos caravaneiros, quanto para estender seus domínios. O caráter pagão dessa região irá se transformar a partir de 325, quando o rei Ameda, que mantinha campanha de conquista do reino de Meroé, e convivia com a presença romana em território africano, converte-se ao cristianismo. A importância dos estudos sobre a costa oriental reside na compreensão do cenário heterogêneo que nos apresenta a África antiga, tanto em sua condição étnica quanto em suas relações comerciais, possibilitando ao historiador romper com visões estáticas, demonstrando a intensa atividade de intercâmbio comercial e relações de poder, que envolviam as sociedades mediterrânicas, nilóticas, árabes e saarianas. Formada por uma faixa de terras propícia para o cultivo, a senegâmbia, juntamente com toda a faixa sudânica, fora, na Antiguidade, região, segundo Fage, de domesticação de sementes, várias espécies eram desenvolvidas e produzidas e, pelas rotas comerciais de tuaregues e berberes, partiam para diferentes pontos do continente. Como já dissemos, antes da Era Cristã, vários reinos se desenvolveram no Vale do Níger – inicialmente, todos, vassalos do Grande Reino do Sudão – Já na era Cristã, o Vale Ocidental do Níger vê surgir o rico reino de Ghana, movido pela exploração do ouro e centralizado em sua grande capital, Kumbi-Saleh; O que temos hoje são documentos produzidos pelos historiadores árabes que, durante o período de florescimentos das madraças, principalmente no Egito, viajavam pela África, recolhendo relatos e registrando impressões sobre o que viam. Exata e inexata, na mesma medida que qualquer outra fonte – documental ou material – a tradição oral, forma como grande parte dos povos africanos guardam a sua história, é a nossa principal ferramenta para a reconstrução desse passado. Ocupando a região da nascente ao vértice do Rio Níger, o Império da Mali formar-se-ia a partir da reação, organizada pela família Keita, contra a dominação externa sobre as terras de seu povo, tornando-se , entre os séculos XIII e XIV, uma das grandes forças político-culturais da região, como expõe Waldman em seu artigo: “Ocupando em seu apogeu uma vasta extensão territorial, o Mali reunia, em seu interior, uma multiplicidade de etnias, uma estrutura para cuja gênese e perpetuação concorrerram formas genuinamente africana de compreender a parceria inelutável do Espaço para com o Tempo. Esse Império, como precedente Império de Ghana (século IV ao XI) e o Songhay, que o sucedeu (século XIV ao XV), aparte a islamização dos interstícios da sociedade tradicional, caracterizou-se por um forte substrato cultural africano. A vitória de Sundjata Keita sobre os antigos dominadores do Mali, é uma história de reunificação do reino em torno da reunião e da formação de uma nova aliança entre os membros da nobreza, uma vez que Sundjata era um dos filhos do rei – Nare Keita – mas não vivia com a família real, por ter nascido fraco, de acordo com a tradição. Na capital, a cidade de Niani, que ficava mais ao Sul (em direção à nascente do Níger), o imperador criou uma corte formada por representantes das províncias e por representantes dos diferentes ofícios. Os Keita fizeram de Tombuctu uma cidade que primava pelo apreço ao conhecimento, no melhor modelo das grandes cidades do mundo árabe sunita. Um grande número de juristas, geógrafos e astrólogos, lá viviam, sendo o comércio livreiro, um dos mais aquecidos do mundo muçulmano africano, fazendo frente ao próprio Egito. Dos reis posteriores, contudo, o que mais chamou a atenção dos historiadores muçulmanos, teria sido Mansa Mussa ou Kankan Mussa que, ao organizar sua peregrinação a Meca, teria feito a mais luxuosa travessia que já se teve notícia, presenteando a todos por onde passava, o rei teve, com essa atitude, o objetivo de mostrar aos soberanos de todo o islã, sua riqueza e poder. No caso da região do Songhai, seu surgimento ocorreu, de acordo com a tradição oral, quando um líder berbere (talvez árabe), juntamente com seus seguidores, teria libertado os pescadores da ilha de Kukia, do domínio de um terrível “peixe-enfeitiçado”. Essa data marca não apenas a transferência do reino, mas também a data em que o crescente contato comercial com o comércio trans-saariano, com os domínios do Norte da África e o expansionismo almorávida, teriam estimulado – por questões econômicas e ideológicas – a adoção do islamismo pelo rei do Songhai. Segundo o autor, embora os reis, a partir do século XI adotassem o islamismo, tanto o povo quanto os próprios reis continuariam praticando os rituais mágicos das tradicionais religiões animistas. O reino do Songhai representava assim, mais um passo do islamismo rumo à faixa do Sudão Central – onde encontraríamos as terras dos haussás e o reino do Kanem. Gao passaria a pagar tributos a esse reino, contudo, o crescimento da cidade songhali despertaria a cobiça dos generais malinkes, que, na metade do século XIV, invadem Gao. Rei, de família muçulmana e perito em alta magia, Sonni Ali liberta não apenas o Songhai, definitivamente, do jugo do Mali, mas também liberta a cidade de Tombucto, que vinha sendo administrada pelos tuaregues, anexando a cidade aos seus domínios. Temerosos do que isso poderia representar militar e comercialmente – lembremos que, mesmo dominado, o Mali era uma região fortemente islamizada, o Magreb, os almorávidas e, nesse período, o Kanem-Bornu e mesmo a região nilótica de Dongola, todas elas regiões já islamizadas, representavam forças militares e parceiros comerciais que poderiam sentir-se inseguros com a atitude do sucessor de Sonni Ali. O general Mohammed, apoiado pelos soldados, toma o poder, assumindo o título de ASKIA MOHAMMED – “Mohammed, o ilegítimo”, segundo Ki-Zerbo, a tradição oral conta que era assim que as filhas de Sonni gritavam para o general, em tom de acusação, quando ele passava e que, apesar do tom acusativo da expressão, Mohammed teria adotado o termo como “título”. Os askias foram, portanto, a dinastia nascida da tomada do poder pelas forças militares do Songhai, com o objetivo de manter a coesão do reino, firmada sobre as bases do islamismo. Conforme Garcin, em História Geral da África, vol III, os reis africanos, que abraçavam o islamismo, promoviam longas e ricas viagens a Meca, que ao mesmo tempo, tinha por objetivo demonstrar o seu cumprimento aos ditames da religião, bem como dar ao público a riqueza do reino e a generosidade de seu soberano – que, tradicionalmente, durante a peregrinação, concedia ricos presentes aos seus anfitriões. A dominação sobre todo o vale do Níger perduraria até a metade do século XV, quando as pressões do movimento expansionista empreendido pelo Sultão do Marrocos puseram fim ao domínio dos askias sobre a região. II) a historiografia do XIX e do início do XX acreditava que a diferença material entre os povos do Norte e os do Sul da África residiria na impossibilidade física de contato entre eles, posto que o deserto e a floresta equatorial constituir-se-iam em obstáculos intransponíveis. Todavia, a arqueologia nos mostra que ossadas de indivíduos com crânios semelhantes aos semíticos e, negróides do Nilo, foram encontrados em regiões próximas ao Rio Zambeze, em áreas que são consideradas como áreas de sepultamento, datando de tempos próximos ao início da era cristã. Além do que, sabemos que o deserto não foi empecilho para a realização do contato entre o Norte e a região subsaariana, da mesma forma, a região dos grandes lagos, aparentemente também manteve contato com o vale do Zambeze e do Limpopo. Para Fage, a característica do contato entre os diferentes povos africanos do Norte e do Sul, até o século III, residia na troca de produtos, sem que existisse uma relação de dominação do grupo estrangeiro sobre o grupo autóctone. Por volta do século IV, a agricultura teria chegado à região, provavelmente, como resultado da chegada de uma vaga migratória vinda do Norte – provavelmente, meroítas fugidos da destruição da cidade, somados aos indivíduos vindos da Costa Oeste. O Zimbábwe era construído a partir de uma grande muralha de pedra – construída sem argamassa, sobrepondo-se as pedras até, aproximadamente a altura de 10 m – no interior, muros e portas que faziam um zigue-zague, até que atingia uma área central, com um grande recinto oval, seguindo adiante, havia uma grande área com casas modestas – construídas sobre uma plataforma de pedra (como um porão) que tinha por função abrigar animais e guardar os grãos, um templo formado por duas torres cônicas e uma acrópole. Segundo Fagan, em 1932, foram encontrados vestígios de uma cidade sob a qual estaria enterrado um verdadeiro tesouro – pérolas, porcelana chinesa, objetos em ouro, cobre e esqueletos humanos, de indivíduos ricamente adornados. Formado, provavelmente após a chegada dos xonas, o Grande Zimbábwe teria se consolidado a partir do desenvolvimento material desse grupo estrangeiro, principalmente, no comércio e na criação de animais. Aliado dos comerciantes árabes que utilizavam as rotas da Costa Sul Oriental em suas transações que tinham por objetivo levar produtos para as cidades da Costa Ocidental do século XV, o rei xona Mutota teria iniciado seu processo expansionista, assumindo o título de “MWANA MTAPA”; A presença portuguesa só viria contribuir para ampliar tal instabilidade, uma vez que estabelece a disputa entre portugueses e árabes pelo monopólio do tráfego do comércio da região. Os portugueses alcançaram a região do reino do Kongo em 1482, quando Diogo Cão aportou e levantou o marco de pedra, com o símbolo da cruz, simbolizando a apropriação daquelas terras em nome do rei de Portugal. Convertendo-se ao cristianismo, o rei adota o nome de Affonso I e estreita os laços com Portugal, enviando jovens da corte para estudarem em Lisboa, em troca, nesse intercâmbio, “recebe vários traficantes, interessados em conseguir homens, mulheres e crianças para escravizar”. Em busca de auxílio, denuncia o rei Affonso ao rei de Portugal: “Dia a dia, os traficantes estão raptando nosso povo – crianças deste país, filhos de nobres e vassalos, até mesmo, pessoas de nossa própria família. (...) É nosso desejo que este reino não seja um lugar de tráfico ou de transporte de escravos.” 3 OS REINOS DO SUL DA COSTA OCIDENTAL Os reinos africanos da região Ocidental, ao Sul do Vale do Níger, bordejando a costa (Costa da Pimenta, Costa do Ouro, Costa dos Escravos, Baía de Biafra), foram os que mais se envolveram com o comércio de escravos, durante os primeiros 200 anos de escravismo colonial. REINO DO DAOMÉ Formado pela etnia fon, o reino do Daomé centralizou-se em 1708, sob o comando de Agajá que, criando um sistema militar e administrativo peculiar, conseguiu um reino forte, capaz de enfrentar a grande e poderosa cidade yorubá de Oyo . administração fon era formada pela figura dos duplos, como explica Rodrigues: “Cada funcionário administrativo tinha como correspondente ou “duplo” uma mulher encarregada de controlá-lo e denunciá-lo ao Estado em caso de irregularidades. Constituíam a elite do exército e fizeram sua aparição no litoral em 1727, ao saquear e conquistar os fortes de Uidah e Alladá, teoricamente protegidos pelo poderoso Oyo”.4 O reino do Daomé, por muito tempo participou do comércio de escravos, realizando incursões para o interior, conquistando vizinhos, aumentando o seu território, e vendendo os conquistados para os europeus. Em 1818, sob o governo do rei Guezó, o Daomé tornou-se livre do poder do reino de Oió, tornando-se completamente independente, contando, para tanto, com o auxílio dos africanos retornados; O REINO DE OYO Os povos yorubá correspondem a um grupo de origens étnicas, linguísticas e culturais semelhantes, ocupavam a porção sudoeste, do que hoje corresponde ao Sul da Nigéria. Seria ele o próprio filho de Olodumaré(...)seu filho, Okambi, teria tido sete filhos, que vieram a ser todos “cabeças coroadas’ a reinar em Owu, Sabe, Popo, Benin, Ilé, Ketu e Oyo”.5 Deles, o mais poderoso seria o reino de Oyo, embora o centro religioso fosse a cidade de Ifé. Shango, que se tornou o deus dos raios, é ainda hoje venerado em toda a costa do Benin.”6 Até o século XVIII, o reino de Oyo foi soberano, submetendo os outros ao pagamento de impostos – muitas vezes, em forma de homens e mulheres que seriam vendidos como escravos. Havia, ao lado do rei, um grande conselho de Estado, chamado de Oyo-mesis, formado por representantes de famílias não nobres, a principal função do conselho era escolher o sucessor do rei, que necessariamente, não seria o primogênito, pois, segundo os yorubá, legar ao primogênito o direito à coroa geraria fatalmente o parricídio. Além do rei e do conselho, havia recebedor de impostos, que era também guardião das portas da cidade - e que em geral era também um mágico – o babalawo. O poder de Oyo foi de grande serventia aos europeus que se aliaram aos reis, para que estes, em troca de armas e outros produtos, desse proteção às feitorias e enclaves instalados na região. Durante o século XVIII e daí em diante, o reino de Oyo, conviveu com um longo período de guerras contra os reinos vizinhos, o que gerou um enfraquecimento inevitável, a independência dos reinos vassalos e a perda de território para o reino muçulmano – de língua yorubá - de Sokotô. mito de fundação do Benin está ligado à figura do primeiro rei de Oyo, Oranyan, que, por volta do século XII, enquanto esteve longe de Oyo, teria tido um filho com Erimwindé, Eweka I, O Bem-Amado, que viria a se tornar o primeiro rei do Benin. A primeira fase do reino teria sido formada por doze reis, que teriam sido os responsáveis pelo crescimento territorial do reino e pela concentração de poderes nas mãos do rei – o obá – que era considerado também um grande sacerdote, assistido por três conselhos; Quatro largas avenidas de 120 pés de largura e uma légua de comprimento, ligando as grandes portas cruzavam-se em ângulo reto, ladeados de árvores bem alinhadas e de casas de estilo muito original: ‘ um muro exterior e um muro interior retangulares, com cobertura de colmos de folhas constituíam as peças de habitação que delimitavam um páteo interior preparado para o escoamento das águas da chuva e para os prolongamentos do teto sobre o páteo constituíssem uma varanda ao ar livre. À entrada encontram-se os altares consagrados aos antepassados e aos deuses de um panteão prodigioso: Deus supremo, deus do mar, do ferro, da fertilidade etc.”7 O grande conquistador teria sido o obá Ewaré, o Grande, que reinou a partir de 1440, conquistando 200 cidades, segundo a tradição. Em nome das leis, das crenças, da conquista ou das tradições, europeus, árabes, africanos e indianos escravizaram-se uns aos outros por séculos. No começo do século XVII, cerca de 250 mil europeus viviam como escravos na África do Norte, outros vários milhares de europeus da Europa Oriental também viviam como escravos na própria Europa, durante o final da Idade Média e, até o século XX, milhares de africanos eram vendidos como escravos para os Sultões do Oriente Médio, que, pagavam preços altos aos traficantes de escravos para consegui-los. O escravo era o prisioneiro de guerra, o cidadão capturado de uma aldeia invadida, o soldado vencido – como no caso dos reinos africanos, onde também havia escravos que, em geral, eram aqueles que haviam sido vencidos ou conquistados. Em várias regiões não aconteciam apresamentos em função da força dos reinos ou dos laços que mantinham com reinos mais fortes, principalmente, aqueles que faziam parte o islã. Quando estudamos sobre a Europa, estudamos o desenvolvimento histórico e político da Itália, da França, da Inglaterra e, no decorrer dos séculos, observamos diversos momentos em que esses povos se enfrentaram e se aliaram. Não podemos vê-los somente como negros, como se a mesma cor de pele significasse unidade de interesses e ideais – lembre-se, não é assim entre os de pele branca, não é assim entre asiáticos e nem entre os de origem árabe, não faz sentido, esperarmos que fosse assim entre os africanos de pele negra. Com a possibilidade do ganho de elevadas taxas de lucros a partir da substituição do trabalho escravo do indígena pelo do africano escravizado, o continente africano tornou-se alvo das nações que desejavam entrar no rentável negócio do tráfico. Em regiões como o antigo reino do Congo, Angola e, também, em Moçambique, desde os primeiros contatos estabelecidos, ainda em finais do XV, os portugueses buscaram marcar sua presença, dominar as terras para viabilizar a penetração sertão adentro. Embora sua função fosse viabilizar o comércio e, fundamentalmente, o tráfico negreiro, o maior dos negócios da época, os fortes – ou enclaves – também serviam de apoio à navegação. Ao contrário das feitorias, que eram apenas entrepostos, os enclaves possuíam elevadas muralhas, pátios, armazéns e, é claro, artilharia pesada para defender sua “carga” do ataque de piratas. Fort Dauphin, fundado pelos franceses em Madagascar , foi abandonado em 1674, e a ‘grande ilha’ tornou-se esconderijo para piratas das mais diversas nacionalidades, ávidos dos navios que iam e vinham pelo cabo da Boa Esperança” Embora parecessem invencíveis, os fortes que se mantinham em atividade eram aqueles que conseguiam estabelecer uma relação de associação com chefes africanos locais. Muitos chefes, visando o lucro para seu reino ou, simplesmente, colaborando para que o seu povo não fosse aprisionado, facilitavam o trânsito de provisões e mercadorias do interior do continente para o forte. Quando o acordo entre europeus e africanos era rompido os africanos bloqueavam as vias de acesso das caravanas ao enclave o que, em geral, produzia ou a falência e o abandono do forte ou um conflito armado. Em meados do século XV, o forte português de Arguim, ao Norte do rio Senegal, passa, rapidamente a ser o maior centro de captura de cativos, que eram levados, inicialmente, para a Europa e para as ilhas atlânticas produtoras de açúcar e, posteriormente, para as possessões espanholas e lusitanas da América. Contudo, com o aumento da demanda dos senhores de terras das colônias americanas, foram envolvidas outras tantas regiões pelo comércio de homens, o apresamento começaria a ser feito no interior do continente. Rodrigues comenta essa questão, expondo que: “Via de regra, os particulares e as companhias negociavam com autoridades locais, estas sim, encarregadas de obter os cativos – mas, no Congo e, em Angola, Portugal utilizou os pombeiros (mestiços mercenários), que iam pessoalmente percorrer o interior. As feitorias, ao contrário dos fortes, podiam ser postas em funcionamento com o auxílio de um pequeno número de pessoas, em geral, as menos ricas, eram dirigidas por um feitor europeu ou mesmo mestiço. A construção propriamente dita era rústica formada por um muro de troncos, de taipa, uma cerca de espinho ou uma trincheira delimitavam e protegiam as instalações da feitoria e dificultavam a fuga dos cativos, havendo ainda uma torre de madeira que controlava o mar e as áreas vizinhas. Embora não guardasse um grande arsenal bélico, era comum a existência de alguns mosquetes e pelo menos um canhão, que era utilizado muito mais como pirotecnia para saudação dos navios chegantes do que para a defesa do lugar. Nas feitorias eram armazenados os homens e mulheres que seriam vendidos como escravos, além dos produtos que seriam trocados pelos cativos e, também os produtos que os comerciantes desejavam para o comércio atlântico. Basicamente, temos de um lado os europeus – comercializando em nome do rei ou apenas pirateando, muitas vezes igualmente sob as ordens de um soberano – que iniciam a Idade Moderna introduzindo em larga escala produtos da África e do Oriente, que deixavam de vir pelo Mediterrâneo e passavam a vir pelo Atlântico. O crescimento desse mercado, o aumento da demanda por produtos africanos – madeiras, escravos – e especiarias do Oriente faria com que a presença europeia em terras africanas ficasse, como vimos acima, cada vez mais intensa. Ele e o rei de Ardrah (Alladá) cometem grandes depredações terra adentro.” (Voyage in Guinea, de JohnAtkins, médico da Marinha Real Inglesa, publicado em 1753, mas referente a uma viagem de 1721)”.10 Várias seriam as razões que levariam “africanos a aprisionarem africanos”. Como colocamos inicialmente, é importante lembrarmos que, embora estejamos falando de povos da mesma cor de pele e que viviam num mesmo continente, isso não fazia deles, “irmãos”.11 Assim, três seriam as maneiras pelas quais os “africanos aprisionariam africanos”: a) como forma de punição e cumprimento da lei; A justiça entre alguns povos, como no caso dos igbo, do Níger, era feita pelo Oráculo de Chukwu, do clã Arô (ou também chamado de Oráculo de Arô) 12, um ritual mágico que tinha por função dizer se o acusado era culpado ou inocente. ou seja, quando havia a denúncia de que uma mulher – ou um homem – estava utilizando as forças mágicas para o mal, por uma medida de segurança para a comunidade, o acusado era preso e enviado para a costa, para ser comercializado numa feitoria. Em períodos anteriores ao tráfico, eram sociedades vassalas dos reinos mais fortes – como o reino do Congo, que submetia vários pequenos grupos menores – agora, com a realidade do tráfico, os reinos mais fortes aumentavam os preços de alimentos, animais e tributos. Quanto à “garantia da liberdade”, com o estabelecimento dos enclaves, os europeus trazem consigo as armas de fogo, mosquetes e canhões, que são efetivamente utilizados para dar a tônica das negociações com os chefes africanos das áreas litorâneas. Aos reis aliados eram fornecidas armas, que eram utilizadas em campanhas que garantiam a expansão das terras do chefe e a destruição de antigos inimigos – que uma vez vencidos, tornavam-se escravos. Contudo, não podemos esquecer que, se por um lado, reis como os do Daomé, se beneficiaram com tal aliança, por outro, a escolha era: aliar-se aos europeus e com suas armas aprisionar vizinhos que seriam vendidos como escravos, ou não se aliar aos europeus e ver o seu próprio povo escravizado. Tentando garantir a própria liberdade, por vezes, homens ou mulheres condenados ou aprisionados durante um ataque entregavam, se tivessem chance, dois ou mais, escravos pessoais, para livrarem a si próprios do cativeiro. E, como aos europeus interessava o comércio de escravos, não raro, depois de armarem um grupo, recebiam, do grupo que seria atacado, lotes de cativos, em troca de armas, para que pudessem se defender. Mas como já foi explicado, os representantes da coroa e das companhias de comércio, incrustadas em suas feitorias e enclaves, raramente adentravam o continente africano, deixavam esse expediente para as ações militares, no momento de domínio de um território, ou para os aventureiros e traficantes, mestiços, negros e até mesmo europeus, que constituíam pequenos exércitos particulares, e por vezes, grandes fortunas: “Na África, destacaram-se como negreiros, algumas personalidades curiosas. Mongo John Ormond (morto em 1828) filho de um comandante inglês e de uma princesa sossô, foi educado na Inglaterra e futuramente, entronizado no poder de sua aldeia natal, nas proximidades do rio Pongo, na atual Guiné. Muitos morriam durante a viagem, estima-se que do número total de escravizados que embarcavam, apenas 70% chegava com vida, mesmo assim, os lucros do traficante ainda eram elevados, pois o ganho com a venda era aproximadamente, três vezes maior do que os gastos da compra. Só o Brasil – país da América que mais recebeu nativos da África – foram trazidos por volta de 6 milhões de homens, mulheres e crianças”15 Para Alfredo Boulos, a travessia seria um dos momentos mais críticos para os africanos aprisionados. Começando pelo batismo, que ocorria ou na hora do embarque, ou durante a viagem – no interior do navio – ou mesmo na chegada ao Brasil. Conforme Richard Price, em seus trabalhos (O Milagre da Crioulização, e O nascimento da cultura afroamericana) esse momento, da travessia, seria o ponto de partida para a formação dos novos laços de parentesco e de solidariedade. Era mesmo comum, uma vez instalados numa fazenda de cana, que o filho de um escravizado chamasse de “tio” ou “parente” àquele ou àquela que viera no mesmo navio que seu(s) pai(s). Depois do martírio de mais de um mês, amarrados e sem avistar terra, os africanos batiam palmas e cantavam ao avistarem as praias, gratos aos deuses que teriam lhes dado forças para sobreviver. No navio, funcionários efetuavam uma primeira inspeção sanitária, após 1830, a inspeção não era mais feita, em função das políticas de término do tráfico, o que deixava mais duvidosa ainda a qualidade e o estado da carga humana. Para tranquilizar, ou pelo menos, amenizar o medo e a insegurança dos recém-chegados, os feitores, que guardavam os armazéns facilitavam a visita de crioulos e ladinos de mesma origem daqueles que se encontravam presos antes do desembarque e da posterior venda. Igualmente em Santo Domingo, onde os fon daometanos ultrapassavam os brancos na proporção de nove para um, a desastrosa tentativa do cônsul Napoleão Bonaparte de restaurar a escravidão provocou um banho de sangue: o massacre de todos os europeus e a Proclamação da República do Haiti, em 1804. Também na Guiana e no Suriname até hoje sobrevivem na selva os descendentes ashanti rebelados e fugidos nos séculos XVIII e XIX.”16 Sem dúvida, o parentesco linguístico poderia se tornar um problema para o senhor, pois unidos pela língua, poderiam organizar-se, fortalecer- se, como no caso citado, dos quilombolas do Suriname, os chamados cimarrons (estudados por Richard Price em suas pesquisas), ou mesmo dos escravizados muçulmanos, de língua yoruba – os imales ou malês - que se rebelaram em 1835, em Salvador. De toda forma, o estatuto dos escravizados não era um só, nem diante dos olhos do senhor e nem diante da própria comunidade de escravizados: “Mas entre os escravos existiam distinções. Algumas se referiam ao trabalho exercido, pois havia diferenças entre servir na casa-grande ou trabalhar no campo, ser escravo na grande propriedade ou ‘escravo de ganho’, nas cidades. Lá, a vida era miserável, mas, de certo modo, poderia ser até melhor do que a que lhes reservaria o campo, uma vez que o trabalho na cidade não era tão fatigante e desumano quanto nos canaviais. Na segunda metade do século XIX, os cativos que chegavam das outras províncias do Brasil, para trabalhar nas fazendas cafeicultoras do Centro-Sul, viajavam por estradas de ferro. Durante séculos, o Brasil foi uma colônia rural, por excelência, as áreas urbanas de atividade tímida, eram pequenas e pouco populosas, eram habitadas, de modo permanente, por alguns funcionários civis e militares, por oficiais mecânicos, comerciantes. Houve cativos alugados para a prestação de serviços a terceiros e, nos centros urbanos, existiram os “escravos de ganho” – uma figura comum no Rio de Janeiro dos primeiros decênios do século XIX. Se a maioria deles exercia sua atividade nas ruas, caindo inclusive na prostituição e na mendicância, com o assentimento de seus senhores, existiram também escravos de ganho que eram barbeiros instalados em lojas, ou operários.” 19 Exigia-se dos escravizados, pesadas cargas de trabalho a "tarefa". Próximo às prensas havia sempre afiados facões, para amputar mãos ou braços dos cativos que, ébrios de sono, introduziam nas máquinas os dedos, com os feixes de cana-de-açúcar. Em função das péssimas condições de vida e trabalho nos engenhos a esperança de vida média útil de um jovem e saudável africano, não passava dos 10 anos aproximadamente. O açúcar dominou a economia escravista brasileira durante os séculos XVI e XVII, quando caíram as rendas do açúcar, os senhores de engenho dedicaram-se a, novamente, investir na busca por minerais preciosos. Tal qual no açúcar, na mineração também podiam ser empregadas grandes equipes de cativos, afinal, quanto mais homens garimpando, maiores as chances de encontrar ouro. Em estreitas, úmidas e escuras senzalas, os cativos doentes repousavam, aos cuidados de uma negra ou negro velho - experto em poções e plantas -, imprestável para trabalhos pesados. Muitas fazendas possuíam suas "casas do tronco", locais onde, após o trabalho, se castigavam os cativos, deixando-os deitados, em couros ou esteiras, presos pelos pés ao "tronco". Nas charqueadas de Pelotas, onde os cativos trabalhavam com afiadas facas, no último meio século de escravidão, registraram-se, no mínimo, oitenta assassinatos ou tentativas de assassinatos de senhores e feitores. Contavam-se histórias sobre homens e mulheres escravizados que tramaram e executaram a morte de seus senhores, além do assassínio, os senhores temiam também os ‘poderes mágicos’ que acreditavam ter, alguns homens e mulheres africanos. Os quilombolas não viviam cem por cento isolados, vendiam parte dos gêneros agrícolas que produziam para comunidades vizinhas: brancos pobres que se tornavam seus parceiros comerciais; Desde o início do século XIX, os ingleses combatem o tráfico negreiro, não que se opusessem à escravidão, mas o fato é que, com a Revolução Industrial, a Inglaterra, produzindo agora em um ritmo mais acelerado, necessitava de matériaprima, e a África – e também a Ásia – era um fornecedor em potencial. Em 1830, após muito tempo de negociação, as autoridades brasileiras cedem às pressões inglesas, proibindo formalmente o tráfico atlântico que, só cessaria de fato a partir de 1851. A partir de então, o comércio de escravos se limitou ao mercado interno, que se viu aquecido nessa metade do século XIX pelo florescimento do mercado cafeeiro. Inicialmente, a demanda dos fazendeiros de café, permitiu certo equilíbrio no mercado, mas, com o passar do tempo, mesmo com a transferência de grande parte dos trabalhadores escravizados para São Paulo, a necessidade por mão-de-obra crescia mais, e o preço do escravo subiu. Com a carência de escravizados, dois processos tiveram início: a mão-de-obra do trabalhador escravizado sai das cidades – isso porque era mais lucrativo para um senhor de escravos vendê- los para um cafeicultor ou utilizá-los ele próprio em seus cafezais, a mantê-los nas cidades onde seu trabalho daria um lucro bastante reduzido. Se por um lado tínhamos aqueles que viam o mundo caminhar em direção à industrialização e ao trabalho assalariado, por outro, os senhores que investiram em grande número de escravos, não queriam admitir a hipótese de perder o investimento. Em 1888 não se discutia mais sobre o destino do escravismo, mas sim se os escravistas seriam indenizados, como exigiam, sobretudo os cafeicultores do Rio de Janeiro e do Vale do Paraíba Paulista, senhores de muitos trabalhadores escravizados e de terras desgastadas pelo café. Para Sérgio Buarque de Holanda, o fim da escravidão no Brasil teria representado o término de uma longa etapa de nossa história, a partir daí – muito mais do que a partir da instauração do império – novas relações sociais e econômicas iriam se estabelecer, uma nova etapa de nossa história teria início, mas para os africanos e seus descendentes, a luta por reconhecimento e igualdade, só estaria começando.